Young, Bárbara - Gibran, Esse Homem Do Líbano

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nota: este livro foi digitalizado e revisado por suzi belarmino, em maio de 2002 e sua distribuio exclusiva para deficientes visuais. barbara young gibran, esse homem do lbano traduo de aurelio de lacerda apresentao de mansour challita associao cultural internacional gibran as citaes de trechos de obras de gibran so tiradas das tradues dessas obras feitas por mansour challita e publicadas no pas nestes ltimos anos. titulo do original ingls this man from lebanon montagem da capa solNio barbosa composto por lDio ferreira jNior artes grficas e editora rua dos invlidos, 143 rio de janeiro, gb impresso na editora vozes ltda. rua frei lus, 100 petrpolis, rj vendas a cargo da exped - expansO editorial s.a. av. pedro ii, 374 - tel. 254-4080 rio de janeiro, gb itos desta edio reservados a mansour challita cx. postal, 5050 - zc-37 rio de janeiro, gb brasil 1973 ndice apresentao por mansour challita 9 1. "eu era um pequeno vulco." 19 ii. "perigoso, revolucionrio e venenoso para a juventude." 25 iii. "pusemos arreios em nossa terra." 32 iv. "a magia do arabe." 40 v. "por que estou aqui?" 49 vi. "a verdade est Neste livro." 56 vii. "uma neblina esculpida numa imagem." 66 viii.~ a voz... do mundo arabe?" 73 ix. "as palavras no tm idade." 78 x. "a continuidade da vida 86 xi. "nosso amigo e irmo 91 xii. "quando caiu a noite da duodcima era 101 xiii. "ai da nao." 106 xiv. "eu prprio sou um problema." 11d xv. "vigoroso e cheio da fora de viver." 116 xvi. "uma vez mais... acabou." 123 xvii . "estou pronto para partir." 130 xviii. "que a paz seja convosco." 136 xix. "temos a eternidade." 146 quadro cronolgico 156 apresentao mansour challita bRbara young, por gibran ao publicar este livro de barbara young sobre gibran, a associao cultural internacional gibran prossegue na sua misso de apresentar ao pblico brasileiro uma viso completa do pensador-poeta libans que melhor do que qualquer outro escritor do passado ou do presente soube sintetizar, numa forma de cativante beleza, os tesouros do patrimnio cultural milenar do oriente mdio. adequado o ttulo escolhido por barbara young gibran: esse homem do libano. pois,

embora tenha produzido suas obras-primas sombra dos arranha-cus de nova iorque, gibran no encontrou sua inspirao na civilizao norte-americana, que, por mais admirvel que seja, mais voltada para a subjugao da matria e a conquista do futuro, enquanto que a obra de gibran se preocupa com o homem na senda da eternidade e visa a descobrr e conquistar as riquezas nele escondidas. tal misso s podia ter sido inspirada por sua alma libanesa, carregada dos frutos, doces e amargos, de mil geraes. gibran nasceu em 1883. mas, na verdade, sua vida comeara sculos atrs, pois trazia no sangue o legado de seis mil anos de histria, vividos no corao desse surpreendente oriente mdio, onde o primeiro homem, a primeira religio e a primeira civilizao apareceram sobre a face da terra e onde a atmosfera foi sempre impreg 9 nada de sabedoria e de espiritualidade. nenhuma outra terra produziu tantos sbios e contribuiu tanto para revelar o homem a si mesmo e elev-lo ao nvel de seu destino. e nenhuma regio do oriente mdio possui um passado to rico quanto essa bela terra do lbano onde gibran iniciou sua vida terrena pelos fins do sculo passado. a casa onde nasceu fica a uma curta distncia dos cedros bblicos, testemunhas silenciosas da marcha do homem atravs dos tempos; da baa de tabarja, de onde so paulo partiu conquista de roma, sem exrcitos nem navios; da velha cidade de baalbeck, to antiga e to gigantesca que as lendas dizem ter sido ela construida por caim como fortaleza contra deus; de cana ai-jalil, onde jesus realizou seu milagre mais humano, transformando a gua em vinho, assim como transformaria a vida inspida do homem numa outra, cheia de aspiraes elevadas e de realizaes. foi desse manancial de experincias humanas acumuladas atravs de milnios, numa moldura de beleza natural insupervel, que gibran extraiu sua mensagem de amor e de sabedoria. o fato de hav-la amadurecido em paris e nova iorque ajudou-o a express-la sob uma forma mais acessvel e mais atraente para a mente ocidental. mas a essncia da mensagem, ele a recebeu de mil geraes passadas. barbara young o entendeu bem e adequadamente intitulou seu livro sobre gibran, esse homem do libano.. um livro sobre gibran e no propriamente uma biografia de gibran, como ela mesma faz questo de frisar. 10 barbara young foi a colaboradora e a amiga de gibran durante os ltimos anos de sua vida. no sabemos que relaes pessoais existiram entre eles. mas ligava-os certamente uma grande afinidade artstica e espiritual. gibran ditou-lhe partes de sua obra, e foi ela quem completou e editou os dois livros pstumos de gibran: o errante e o jardim do protefa. e ela simplesmente idolatrava gibran. seu livro conta, no tom mesmo da idolatria, o que lhe foi dado ver ou ouvir sobre gibran. e como ela era tambm uma grande escritora, soube dar ao seu relato calor, vida e vibrao. seu livro se l com um intenso interesse. o testemunho de uma mulher amorosa sobre um gnio com quem lhe foi dado conviver e trabalhar durante algum tempo. , para a associao cultural internacional gibran, a presente publicao a primeira de uma srie que visa a trazer ao leitor brasileiro diversos estudos sobre gibran, como lhe tem trazido o conjunto de sua obra traduzida em portugus. o sr. aurlio de lacerda, a quem a acigi confiou a tarefa de traduzir o livro de barbara young, bem conhecido nos meios intelectuais do rio de janeiro. jornalista,

advogado, tradutor, dotado de uma retido moral e de uma paixo pela cultura pouco comuns, desempenhou-se de sua tarefa com a competncia que o leitor apreciar. gibran tem conquistado o corao do brasileiro. espero que o presente livro ajudar a demonstrar que gibran merece a acolhida que se lhe fez no brasil. m. c. 11 prefacio est longe de meu desejo escrever algo to formidvel como uma biografia de gibran. desejo escrever to simples e diretamente quanto possvel sobre o gibran que conheci, o homem entre seus amigos, trabalhando em seu gabinete ou seu estdio com o lpis ou o pincel, o incansvel, aquele que s vezes estava pronto para cantar e rir, sempre com rpida compreenso e imediato reconhecimento do bom trabalho da pena de um colega, e com o dedo infalvel a apontar um defeito, a fim de registrar "a palavra inevitvel no lugar inevitvel". escrever sobre ele de um modo revelador no consiste em recitar os acontecimentos e as circunstncias de sua vida e suas realizaes, ou a ordem desses eventos. nenhum fato, nenhum ajustamento de fatos, nenhuma narrao de incidentes e experincias pode dar qualquer concepo verdadeira da realidade de gibran. ele foi um dos raros gestos da poderosa inominvel potncia, e em sua vez e seu ser estava investida uma autoridade a que no deve ser confundida com a mera excelncia humana, pois nunca esteve todo e inteiramente neste mundo. as razes e leis que governam os homens ordinrios no governam os gnios. a me de gibran disse dele, ac em sua juventude: "meu filho est fora da psicologia". - nunca houve no mundo uma palavra mais verdadeira. ela sabia, em seu sangue e seu alento, o que o crebro nunca teria descoberto. era saber, no conhecimento. gibran dizia s vezes, aps longos momentos de preocupao com algum pensamento aparentemente muito 13 afastado do tempo e do lugar presentes: "desculpe-me. h muito tempo que no estou aqui". e quem fcasse com ele durante horas, em certa ocasio, dia aps dia, ia-se acostumando a esse alheiamento, reconhecendo-o e respeitando-o. sentar-se em sua presena, atravs desse frequente silncio, que descia sobre ele, era uma exaltao do esprito. a vibrao do aposento aumentava perceptivelmente, e sentia-se no ar algo de significao no terrestre. prendia-se a respirao, com medo de solt-la no seu santurio. e a volta ao presente parecia sempre ter exigido um esforo da vontade. por sete anos, e at o prprio momento de sua morte, tive a alegria e a honra de conhecer gibran como poeta e pintor, e como uma amiga sua ntima e querida. sete anos de amizade e trabalho; como ele disse generosamente, ramos "poetas trabalhando juntos em nome da beleza". gibran sustentava a crena firme de que no h nada pequeno nesta vida terrena, nada ao acaso. chamava-o a "continuidade da vida" e com isso queria significar este presente, bem como todos os perodos da existncia que se tornam o barco para o esprito humano, tanto agora como para o futuro. est tudo no modelo, tudo no inevitvel desenho. no foi, pois, por acaso que, quando o profeta foi lido pela primeira vez em pblico, na st. mark's in-th.ebouwerie, em nova york, numa tarde de outono de 1923, sentei-me na igreja apinhada de gente e escutei a letura feita por butler davenport, aquele distinto cavalheiro do teatro. no sabia, at muito tempo mais tarde, que o autor daquele livro espantoso estava tambm sentado na greja, ouvindo suas palavras enquanto elas caam nos coraes

de centenas de pessoas extremamente silenciosas. sabia somente que tinha ouvido a verdade assustadora e essencal expressa com uma fora e uma beleza que nunca tinha ouvido ou lido em parte alguma at aquele momento. 14 era imprescindvel que consegusse um exemplar do livro para mim prpria, e que o partilhasse imediatamente com outros, muitos outros. imprescindvel tambm que, aps algum tempo, escrevesse ao poeta para exprimir, conquanto inadequadamente quanta profundidade e elevao e vastido seu profeta havia acrescentado ao meu eu; e inevitvel, depois, seu gentil convite para ir ao seu estdio "para falar de poesia" e ver os quadros. assim, fui ao velho edifcio da rua 10 oeste, subi os quatro lanos de escadas e l o encontrei sorrindo, dando-me as boas vindas como se fssemos velhos amigos, o que logo em breve descobri que ramos, amigos muito velhos, de fato. ouvimos frequentemente dizer que qualquer avaliao do esprito e da substncia da obra de um artista s vale na medida em que se considere a obra de um ponto de vista impessoal. a repetio no faz a verdade. seria impossvel, certamente, para mim, formar uma opinio inteiramente impessoal da poesia e da pintura de gibran. achei, contudo, possvel, atravs dos anos, pr-me parte das relaes pessoais, e examinar a produo do gnio desse homem com mparcialidade, ademais porque, creio snceramente, o conhecimento ntimo de sua obra ganharia ainda mais com ela vista mais de perto. fato que fiquei empolgada por sua obra antes de conhecer o prprio homem. tive de ir a ele por causa de sua poesia, no sua poesia por causa dele. minha posio j havia sido tomada, e nunca mudou. sua prpria atitude era de grande assistncia. sabia que era meu propsito escrever sobre ele. sabia que o que eu fosse escrever precisava no ser superinfluenciado pela devoo da amizade. sabia tambm, a maior parte das vezes por ocasionais diferenas de opinio quando um ou outro de ns dizia "s passando sobre meu cadver que voc publicar esta linha" - que minha integridade como escritora no permitiria qualquer brandura ou sentmentalismo que debilitasse a apreciao de sua grande obra. 15 durante sua vida, quando eu estava para fazer qualquer viagem a alguma cidade distante onde pudesse fazer leitura pblica dos "livros negros" ( * ) e falar do autor, ele costumava dizer: "quando estiver diante das pessoas, voc deve esquecer que minha amiga". e foise tornando crescentemente possvel, no esquecer, mas pr de lado, a recordao dessa amizade, e falar to impessoalmente como antes de nosso encontro. a fora e a autoridade dos pronunciamentos contidos entre as capas dos livros obscureciam qualquer outro sentimento existente na ocasio, e isso era bom. em 1931, poucos meses antes de gibran ter terminado este palmo de vida, escrevi uma delgada brochura sobre esse homem do lbano. fi-lo em resposta a centenas de indagaes: "onde poderemos ler alguma coisa sobre ele?" no havia nada escrito em ingls, exceto os sumrios de artigos. a brochura foi escrita sob stress, durante um perodo de profunda tristeza pessoal e exigente atividade, no trabalho de tomar conta dos preciosos objetos deixados no estdio onde gibran tinha vivido dezoito anos. as muitas coisas que tinham sido caras ao seu corao, e tambm caras aos coraes tanto da multido de seus amigos como de estranhos que o tinham visitado atravs dos anos e deixado de ser estranhos, - tudo precisava ser empacotado e envado, a seu pedido, para sua

cidade natal de bicharre, no lbano. havia, literalmente, centenas de desenhos e pinturas. provavelmente cerca da metade deles eu nunca tinha visto; e estavam guardados numa sacada superior, fitera sobre filera, num trste estado de empoeiramento e descaso. mas havia jovens e geis mos para a tarefa: diversas fis e dedicadas jovens libanesas e norteamericanas, para as quais o trabalho era ao mesmo tempo uma alegria e um pesar, mas sempre uma honra, estavam constantemente ao meu lado, at que a tarefa terminou. () os livros de gibran, editados por alfred a. knoff, em nova york, tinham sempre a capa negra. (n. do t.) 16 naquela ocasio, escrevi : "estamos ainda perto demais de gibran, em termos de tempo e espao, para pr em pgina o drama de sua vida. a terra ainda olha para a magia de sua presena quando a porta se abre, e o som de sua voz ainda persiste em seus ouvidos". passaram-se treze anos, e no quero mudar uma s dessas palavras. desejo frisar que nem a magia de sua presena desapareceu nem o som de sua voz faltou aos ouvidos dos ouvintes. dos quatro cantos da terra, anda chega a palavra: "gibran est para ns mais vivo do que nunca". "durante esses horrveis dias, suas palavras sustentam meu corao quando vacila sob um pesar insuportvel". "o livro est sempre minha mesa de cabeceira, e nunca durmo sem ler alguma coisa que me leve s trevas da terrvel noite". assim, aqui est o livro. no uma vida de gibran, no um registro cronolgico, ele disse: "voc contar o que eu fiz, no contar o que sou". este livro no uma relao genealgica, no uma rvore de famlia. uma simples histria de um grande homem, como o encontrei durante os sete anos que precederam imediatamente sua morte, os anos em que seus dotes e sua personalidade estiveram na maior altura; o grande homem que foi tambm simples nos seus gostos e desejos, como simples a terra; que esteve como "em casa" no mundo superior, mas nunca inteiramente como "em casa" neste planeta, e que ardeu na chama de uma infatigvel paixo pela vida divina que cercou a acha de seu corpo e afinal a consumu. o que ele teve a dizer, sua contribuio ao mundo da pintura e da literatura, tanto em rabe como em ingls, imensurvel. contudo, essas contribuies no so o cume da montanha que gbran galgou. sua maior e mais duradoura obra-prima no foi traada nem com a pena no papel nem com o pincel na tela, mas com seu esprito imortal sobre o esprto da raa. sua palavra falada, a sabedoria de seu conselho, o contgio de sua infinita f em deus, o altssimo, deus, 17 o pai de todos os viventes, seu ilimitado amor, compreenso e compaixo para com todos os homens, filhos do pai - isso enriqueceu incontveis multides de vidas, levando-as ao seu tesouro eterno, e as vidas dos filhos de seus filhos. se no tivesse nunca escrito um poema ou pintado um quadro, sua assinatura na pgina do registro eterno ainda seria inapagvel. a fora de sua conscincia individual penetrou a conscincia das pocas, e a permanncia de seu esprito infinita e imortal. isto Gibran. b. y. sharon, connecticut, estados unidos abril de 1944 "eu era um pequeno vulcO" raiva nos cus enorme tempestade, torrentes de chuva caem sobre a terra, as rvores esto sendo batidas por um grande vento quando me sento para escrever

estas palavras .acerca de gibran, esse homem do lbano. um bom augrio para o livro. houve nesse homem, desde a infncia mais remota, uma paixo pelas tempestades. havia algo nele, dizia, que era libertado, desarreado e ficava gloriosamente livre, por uma tempestade. este rude dia de maro, numa pequena aldeia rural muito distante, um dia apropriado para a histria que vai ser contada. 1944, passaram-se treze anos desde que ele deixou as tempestades deste mundo que amava, sessenta e um anos desde que a ele veio atravs da porta do nascimento. sua vida, em termos de tempo, foi curta. mas ele nunca viveu nem pensou em termos de tempo. uma palavra que estava constantemente em seus lbios era esta: "temos a eternidade". no era uma palavra dita ociosamente. era seu credo, e dirigia sua vida. "a alma mais poderosa do que o espao", dizia, "mais forte do que o tempo, mais profunda do que o mar, e mais elevada do que as estrelas." durante toda a sua vida, esteve preocupado com as profundezas que sabia poder o esprito do homem sondar e as alturas a que estava convencido estar o homem destinado a subir. "o pecado no existe" escreveu "exceto na medida em que o criamos. somos nos, portanto, que devemos 18 19 destru-lo. se escolhermos fazer o mal ele existir at que o destruamgs, o bem, no podemos faze-lo, pois el o prprio alento do universo; mas podemos escolher respirar e viver nele e com ele." isto Gibran. o ocidente o conhece como poeta e pintor, e como autor de o profeta, este "pequeno livro negro" de que o poeta disse: "quando eu estava escrevendo o profeta, o profeta estava escrevendo-me". o ocidente o conhece como um homem de vasta viso espiritual e de sonho, uma pessoa amvel, amante e amada, com um inaprecivel senso de humor e um dom divino para a amizade. aqui no ocidente h uma pequena multido dos que diriam dele como nietzsche disse de richard wagner: "ele realiza todos os nossos desejos; um esprito rico, grande e magnificente, um carter enrgico, um homem encantador, digno de todo o amor, ardente por toda a sabedoria... ningum no mundo o conhece, ningum pode julg-lo, desde que o mundo inteiro constri sobre fundaes que no foram dele, e fica perdido na atmosfera dele. dominado por um idealismo to absoluto, um esprito de humanidade to comovedor, que me sinto em sua presena como se estivesse em contacto com a divindade". no oriente, conhecem o outro gibran, vrios deles. conhecem o homem que era ao em veludo e uma espada de seda, o homem cujo ousado poema as almas rebeldes encolerizou a igreja e agitou o imprio dos turcos, o gibran que, em sua breve vida, criou um estilo literrio definitivo e deu origem a uma escola de expresso anteriormente desconhecida em lngua rabe, e que foi por muitos anos o modelo para os jovens poetas rabes, que lhe chamavam de seu pai e seu mestre. no delgado volume de poesia lrica rabe que, uma manh, perto do fim de sua vida, lhe veio mesa, havia esta inscrio: a ressurreio da eterna poesia, a chama espiritual que despertou o esprito do oriente; a gibran kahlil gibran, nosso mestre, dedico meu livro, o eco do eco de sua voz. h alguns que conhecem o gibran da mente fulgurante, ilimitada em extenso e profundidade, o pensador que tinha chegado atravs dos anos a uma profunda e ordenada

erudio; o homem que, uma vez, por brincadeira, por travessura, ditou a trs secretrias ao mesmo tempo em trs lnguas e sobre trs assuntos diferentes - para espanto de todos os que assistiram; o homem cujas fontes do prprio ser eram sempre alimentadas pelo solo de sua natividade o lbano, para o qual sonhava constantemente um futuro glorioso, e para o qual, em seu silncio, traava sistemas de florestamento e agricultura, e a soluo de problemas econmicos e polticos. "de que o lbano mais necessita", disse ele, " de um homem com talvez uns cinco ou mais milhes de dlares, que deseje consciente e interminavelmente trabalhar por seu crescimento e desenvolvimento, e pela sua realizao de si mesmo." o gibran que menos conhecido pelo mundo, tanto o oriente como o ocidente, o pintor, o gibran que deixou um incrvel e inaprecivel legado no sonhado por mais do que talvez umas poucas centenas de almas no planeta. os desenhos em dez livros em ingls, significativos e dominantes como eram, constituem apenas uma indicao do legado supremo. gibran precisava apenas de um pedao de papel e um toco de grafite para aprisionar numa expresso, com uns poucos rpidos golpes, tanto fortes como delicados, algum conceito de essencial beleza, tal como com seu pincel e suas cores num pedao de tela. pode ser dito, sem temor de contradita fundamental, que, quando o veredicto dos anos for dado, este homem estar ao lado e no abaixo dos maiores mestres dessa arte plstica por fora de alguma conscienciosidade que no podemos nomear. quando seu pincel e seu lpis visitavam a tela e o papel, ficavam dotados de uma fora 20 21 vital e vibrante, que os tornava no mais coisas mortas, mas vivas. perguntam muitas pessoas: "que considera gibran sua maior arte, que ele ama mais, sua poesia ou sua pintura?" perguntaram-lhe, e ele sorria. e, uma vez respondeu ao pai de rapazes gmeos desta maneira: "qual de seus filhos pode o senhor dizer que est mais perto do seu corao?" os dois dons foram possudos por ele desde o princpio. quando o pequeno kahlil tinha cerca de quatro anos, cavou um buraco no cho do jardim e plantou pequenos pedaos de papel rasgado, para que criassem razes e crescessem tornando-se um alto bosque, que produzisse lindas folhas brancas de papel, para ele escrever e desenhar! aos seis anos, sua me lhe deu um volume de reprodues de leonardo. depois de voltar as pginas alguns momentos, ele rebentou no choro e correu para o quarto, para ficar sozinho. sua paixo por leonardo apossou-se dele desde essa hora, de tal modo, na verdade, que, quando seu pai lhe ralhava por qualquer falta infantil de comportamento, ele se enraivecia e gritava: "que tem o senhor a ver comigo? eu sou um italiano! " dizia frequentemente: "no sei como me suportaram. s minha me, em todo o mundo, podia entender aquele menino estranho. eu era um pequeno vulco, um jovem terremoto". e contou que um dia, quando caa uma grande chuvarada, ela o chamou, gritou pelo seu nome, e ele despiu as roupinhas e correu para fora, nu, para atender ao chamado da chuva, correu at sua me e a ama, ofegantes, conseguirem agarr-lo e lev-lo, lutando e protestando, para casa. seus primeiros poemas no foram escritos com palavras, mas modelados na neve e na pedra. figuras de estranha beleza no infantis surgiam de suas mos, no jardim de seu pai, por todo o longo inverno, e as pessoas passavam por junto e diziam: "vejam o que o jovem gibran fez agora". e, quando a primavera chegava, o belo nissan do oriente, e a neve derretia-se, e a anmona, "manchada com o sangue de tammuz", florescia no lbano, o menino carregava

pedras e amontoava-as para construir igrejinhas e catedrais sombra das grandes rvores escuras. depois, subitamente, ao que parece, comeou a escrever. ento, por algum tempo, s houve pouca modelagem e construo. em vez disso, escrevia furiosamente, pgina aps pgina, somente para ler e depois rasgar as folhas em milhares de pedacinhos. "nunca era o que eu desejava dizer", foi sua explicao por fazer isto.(*) cedo, tambm, com lpis coloridos e tintas, estava desenhando e pintando, com uma paixo decerto estranha para um rapazinho; e depois destruindo as pinturas, logo que estavam completadas, porque "nunca eram como o que eu via quando meus olhos estavam no escuro". tal perodo de sua vida mais recuada lhe estava muito no esprito quando sua existncia marchava para o fim. falava muito da me, contando pequenos incidentes de to terna doura que ambos, ele e a ouvinte, choravam um pouco e depois riam de terem chorado. contava o brinquedo que jogava com a me. "minha me, kamila rahmi", dizia; e contava como punha as mozinhas sobre os olhos e gritava: "voc no pode encontrar gibran! no pode v-lo! ", e a me replicava: "no! onde est meu gibranzinho? eu o perdi". e ele levantava os braos e gritava: "estou aqui! agora voc me pode ver! " a me desse menino, kamila rahmi, tinha sabedoria alm da de muitas mes. sabia, quase na primeira infncia do filho, que a paixo pela liberdade lhe estava no sangue, e ele s podia ser pouco reprimido. ( `) isto traz vividamente memria um dia, em 1929, quando o estdio em que gibran trabalhara por quinze anos estava sofrendo uma revoluo de pintura e limpeza, e ele concentrouse sobre centenas de esboos e fragmentos de desenhos, e depois, eom calma deliberao, destruiu uma poro deles, recusando ser dissuadido de faz-lo. 22 ~ 23 o menino sentava-se horas meditando sobre o livro de leonardo, ou olhando para longe, ou para o sol, pois tinha olhos que nunca se ofuscavam com a luz forte. horas seguidas ficava tambm absolutamente quieto, enquanto a me lhe cantava as suaves e rudes canes lamuriosas do deserto e da montanha, numa voz de to encantadora beleza que "a voz de kamila rahmi" ainda uma lenda no lbano; ou to ela lhe lia as histrias de harum-ar-rachid o ticos de caa de abu nauas. gibran disse de sua me: "viveu poemas sem conta e nunca escreveu um s". e disse tambm: "a cano que jaz silenciosa no corao da me cantar nos lbios do filho". e era verdade. enquanto vivia seus prprios incontveis poemas, ele tambm cantava, mas as canes dela e as suas prprias. e, quando ela morreu, ele disse: "minha vida est amortalhada, no porque era minha me, mas porque era minha amiga". foi talvez a lembrana de sua prpria infncia que o levou a dizer e acreditar que "toda pessoa potencialmente uma artista". "pode-se ensinar um menino a desenhar um pssaro to facilmente como escrever uma palavra. ele pode criar rimas enquanto est aprendendo a criar sentenas, e modelar a argila logo que aprende a construir com seus primeiros blocos." temos estado especulando em torno das imediaes desse pensamento sobre a educao, mas ainda no compreendemos o que um programa to consistente poderia conseguir. esquecemos que no h seno uma linguagem universal, e que sua voz a arte. 24

ii "perigoso, revolucionRio e venenoso para a juventude" havia um lado, daquele ser de muitos lados, gibran, que lembrava uma criana brincando com a vida. acho que posso dizer, com inteira verdade, que foram somente poucos os que viram esse aspecto encantador e brincalho do grande homem. essa feio mostrava-se ocasionalmente, num lampejo, geralmente depois de longas horas de trabalho criador, quando, fatigado do fardo do seu prprio gnio, ele o jogava fora como um vesturio. levantava-se, ento, da poltrona ou, se tinha estado passeando pelo assoalho, voltava-se subitamente e, com uma expresso naquela face mudvel que no se podia chamar menos do que um arreganho de dentes, dizia: "olhem aqui! vou dar-lhes um pouquinho de poesia moderna norte-americana". e comeava a faz-lo - uma estrofe de ps quebrados, um pedao esfarrapado de absurdo disparate - mas com um bocado de humor que suplantaria ogden nash ou samuel hoffenstein em suas melhores traquinagens. depois, uma risada, boa, cordial, completa, risada curadora, at que as lgrimas corriam pelas nossas faces abaixo. sempre se seguia um pedido de algo semelhante em retorno; e, to contagiosas, to hilariantes eram sua jovialidade e insistncia, que sempre surgia algo ridculo e espirituoso. ou talvez fosse um pedacinho de dana, mos nas cadeiras ou uma pirueta, imitando uma danarina de ps geis, cujo bem conhecido sorriso teatral ele sabia remedar com perfeio. risadas novamente. e o cansao e o peso do fardo iam-se embora por enquanto. tambm, atrs do gibran que escreveu e falou com autoridade e inteira conscincia de sua obra e seu va 25 lor, havia uma outra pessoa, tmida, reticente, quase encolhida, que dizia frequentemente: "mas eu preciso mesmo ir encontrar essa gente nova? preciso levantarme e falar ante esses outros?" uma dolorosa alta sensibilidade, que o fazia dizer: "devo responder ao telefone?" era o retraimento de um ser lanado num mundo alheio um ser cuja mente e cujo esprito nnca aceitaram e abraaram completmente as maneiras da terra. disse uma vez: "h dias inteiros, as vezes, em que sinto ter acabado justamente de chegar de outro planeta. sou um homem sem ontens nesta terra atual. os contornos humanos so todos estranhos para mim, assim como os sons humanos". compreendia perfeitamente o que considerava uma das suas limitaes, dizendo : "no sou uma boa pessoa. deveria estar completamente entrosado com tudo o que h nesta terra, mas no posso". sentia que estava deixando, em certa medida, de fazer tudo aquilo que era divinamente dele esperado. e, num momento mais amargo, disse: "sou um alarma falso. no toco to verdadeiro como devia." a grandeza de sua viso e de seu desejo ultrapassava suas realizaes humanas. entretanto, sua vida foi uma ministrao ininterrupta de tratamento queles dos seus companheiros que se achavam tristes e necessitados. era a mais generosa das almas, como alguns de seus patrcios, beneficiados com doaes em circunstncias difceis, podem testemunhar. abusavam frequentemente dele, e ele sabia que era assim, pois ningum jamais o fez de tolo por muito tempo, embora pessoas um tanto estpidas pensassem que o tinham conseguido ludibriar. escreveu: "estranha forma de autocomplacncia! h ocasies em que gostaria de ser molestado e enganado, para que pudesse rir-me dos que pensam que no sei que estou sendo molestado e enganado." posso lembrar uma ocasio em que ele estava numa disposio de esprito

extremamente amarga e dolorosa. contou-me alguma coisa do caso. tratava-se de uma transao imobiliria em que se tinha deixado envolver, e em que estava em jogo uma soma de dinheiro de fato muito grande. havia duas mulheres, e ele contou: "preciso levar essas mulheres a um tribunal ou perder esse dinheiro. uma das mulheres veio procurar-me e sacudindo este pequeno livro negro (o profeta) diante de minha face, disse: 'o senhor escreveu este livro. agora que est querendo fazer com este caso?' ficou calado por um instante, depois continuou: "poderei eu ir ante um juiz, acreditando no que acredito e no que escrevi, e acusar essas mulheres? poderei sentar-me na cadeira das testemunhas e ser interrogado, para sua condenao?" seu rosto e sua voz eram a resposta a essa pergunta. no poderia, e eu disse apenas isto: "voc nunca faria isso, sendo o que ." sua face clareou. "todos os meus amigos me dizem que preciso salvar o dinheiro. mas, se o fizer. . . ento. . . nunca mais poderia abrir novamente o livrinho." e ento escreveu lentamente num pedao de papel: "aquele que limpa as mos sujas em tua veste, deixa-o levar a veste. talvez precise dela novamente; tu, com toda a certeza, no precisars." gibran escreveu certa vez: "da perturbao e da perplexidade e da agridoce angstia vem a poesia que alivia o corao." e foi essa poesia, assim nascida, que na verdade circulou por toda a terra, tendo sido traduzida em muitas lnguas, ministrando alvio aos fatigados e desnorteados de todas as naes do mundo. em minha prpria experincia - e sou apenas um dos muitos seres humanos eternamente agradecidos que constantemente espalham esta palavra - tem constitudo um poderoso elemento de prova o fato de que os livros em ingls hajam chegado mente e ao esprito das multides com uma fora iluminadora. poderia encher um livro com o registro das expresses de alegria e profunda apreciao que me tm sido ditas e escritas, de todos os quatro cantos da terra. 26 ~ 27 havia a pequena livraria da quinta avenida qual estive intimamente ligada por algum tempo, quando no brevoort hotel de nova york. uma tarde, l, desceu os degraus e entrou na sala iluminada uma velhinha vestida de cinzento. tinha na face uma espcie de expresso pensativa, mas sorria e olhava volta com timidez. - deseja alguma coisa? - perguntei. - bem.. . no sei, - respondeu; - mas acho que sim. esperei. - olhe, - prosseguiu; - eu queria um livro... e no sei o seu nome. quem escreveu o livro? - bem, tambm no sei . . . parecia um tanto confusa. - que espcie de livro - poesia ou romance? en- saios... biografia? - eu . . . realmente . . . realmente, no sei . . . ento, animou-se e exps o caso. - veja s, uma amiga escreveu-me uma carta e nela me falou do livro. perdi a carta, e no posso lembrarme do nome do livro ou do autor. mas h alguma coisa que minha amiga me citou do livro. dizia assim: "vossa dor o rompimento do invlucro que encerra vossa compreenso." repetiu a linha, como se esta se lhe tivesse tornado muito cara. fui at a estante, apanhei um exemplar de o profeta, e procurei o captulo sobre a dor. lembro-me da expresso que passou pelo seu doce rostinho. ela leu a linha, a pgina. caminhou e foi sentar-se em uma das confortveis poltronas que l estavam justamente com o propsito de seduzir nossos visitantes a sentar-se e permanecer na loja. e ficou lendo, inteiramente esquecida de mim e de tudo o mais, a no ser o que estava na pgina diante de si. chegaram outras pessoas, mas ela ainda no tomava

conhecimento. mas, afinal, veio at mim e disse: "este o livro que sempre procurei! s que no um livro. 28 um alimento. po e vinho para pessoas desanimada: como eu." e houve um homem interessado na pesquisa cientfica. chegou ao estdio durante a exposio de 1932, e esta sua histria. um dia, um ano ou pouco mais antes, caminhava pela terceira avenida, apressado, para ir a um encontro. passando por uma pequena livraria, olhou par a vitrine, num relance casual. havia um livro encostado de p contra o fundo da vitrine, com o retrato de um rosto na capa. ele prosseguiu. mas, enquanto seguia, a face do retrato se tornou, de certo modo, mis clara sua mente, deu-lhe uma sensao estranha. caminhou cerca de trs quarteires, e subitamente voltou. tinha que olhar novamente aquela face. olhou, e ento entrou na livraria, e comprou o livro. era o profeta. contando esse incidente, disse o homem: "este livro me abriu a verdade de que a cincia, sem a graa salvadora da beleza e da compixo, coisa morta." houve outro homem, um advogado, que esteve sentado por toda uma hora de leitura em voz alta do mesmo livro, em outra livraria de filadlfia. era um homem cheio de anos, com um semblante benigno, e escutava com uma espcie de ateno que no poderia deixar de atrair a observao da leitora. no fim da noite, aquele advogado veio falar comigo, como os outros estavam fazendo, e disse: "sou um advogado criminalista. se tivesse lido h vinte anos aquele captulo sobre o crime e o castigo, teria sido um homem melhor e mais feliz, e um advogado de defesa infinitamente melhor." desta maneira, o profeta traz a cada alma individual sua prpria realizao peculiar. o filsofo considera-o filosofia; o poeta chama-lhe poesia. a juventude diz dele: "aqui h todas as coisas que trago em meu corao", e a idade avanada diz: "todos os meus dias procurei sem saber o que, e agora, em meu inverno, encontro meu tesouro neste livro." seja o que for que tenha havido na conscincia do homem que escreveu o registro de al-mustafa, o eleito 29 e o bem-amado, a conscincia do leitor sensvel descobrir nele a expresso de sua prpria mente e seu prprio esprito mais ntimos. a razo disto fundamental. gibran no era um terico. disse ele mesmo: "se deveis chamar-me de alguma coisa, dizei que sou um vida-ista." suas palavras no so um hbil arranjo de belas sutilezas, mas a simples e direta expresso das maiores necessidades do homem e das respostas a essas necessidades. como chegou ele s respostas? na parte de fecho de seu jesus, o filho do homem, o poeta pe na boca de "um homem do lbano, dezenove sculos depois" estas palavras: "sete vezes nasci, e sete vezes morr. e, v, mais uma vez eu vivo..." esta pode talvez ser a soluo. pois gibran no nos diz nada de novo. no havia nem h nada de novo a contar. suas palavras so uma reafirmao daverdade essencial que ele tinha vindo adquirindo atravs das idades. o profeta no uma criao da imaginao de gibran mas antes uma cristalizao de amor e sabedoria acumula dos: sete vezes vivi... e agora vivo novamente. gibran era muitas coisas, alm do poeta que escreveu aqueles belos e destemidos livros, e o pintor que capturou pedacinhos de eternidade e os ps numa folha de papel.

era o psiclogo sem nenhuma mcula de psicanalista; o filsofo que tinha reduzido sua filosofia aos elementos bsicos. era o filsofo que procurava a histria de ouro das palavras por verdadeiro xtase, no por erudio. contudo, era tambm o profundo erudito, procurando esconder sua vasta cultura, e esquecendo tanto quanto possvel as conquistas intelectuais dos anos. foi chamado "uma alma audaciosa e ousada", e de fato o foi. sua audcia vinha de mais alm de sua vontade e deslo humanos e era da natureza de uma grande fora que o compelia independentemente de qualquer considerao pessoal, pois no havia no homem um s tomo de agressividade. seu arrojo e sua coragem tornaram-se evidentes na juventude. seu pas, sob o jugo do imprio turco, estava espiritualmente ferido, e a desesperana tecia todos os produtos de sua fiao. gibran escreveu um poema em se rabe nativo, chamandolhe as almas rebeldes. foi publicado e circulou, e num tempo incrivelmente curto foi queimado na praa do mercado de beirute pelos fanticos clericais que o consideraram "perigoso, revolucionrio e venenoso para a juventude". o livro foi o primeiro punho da moderna juventude livre sacudido face daquele poderoso imprio, e foi sacudido com inconfundvel vigor. se fosse hoje, o ativo correspondente jornalstico estaria em cena. o jovem poeta teria dado manchete a mundiais antes da meia-noite e o ultraje seria discutido no desjejum da manh seguinte. mas, no momento em que os incendirios atearam esse fogo, o autor daquele livro venenoso, aquele perigoso e revolucionrio jovem de vinte anos, era uma alma retrada que trabalhava pacientemente em paris na sua pintura, aluno e amigo de rodin. se tivesse sido entrevistado pelos cavalheiros da imprensa, o que no foi, e se se tivesse expressado ante eles, teria dito - interpretado no vernculo de hoje que a queima de as almas rebeldes no significava nada em sua jovem vida. o que realmente disse foi isto: "uma excelente razo para imprimir-se uma segunda edio." mas a queima do livro no foi o fim. gibran recebeu em paris informao de que, pela autoria daquele poema, tinha sido excomungado pela igreja e exilado do pas, por aquele indizvel crime, um livro que chamava a juventude de sua terra para a realizao de sua elevada herana e para o renascimento da coragem e de poder e da glria de seus antepassados, aqueles homens de antiga distino e esplendor, seus ancestrais fenciocaldeus. o dito de exlio foi revogado em 1908, quando se instalou um novo governo na turquia. e hoje, em beirute e antioquia, no cairo e em alexandria, o livrinho que foi queimado se tornou um clssico, e ensinado at mesmo aos jovens estudantes da literatura rabe. 30 31 iii "pusemos arreios em nossa terra" o valor essencial da contribuio de um artista ao seu pblico no est, creio eu, confinado quilo que ele pe no trabalho, tirado de si mesmo, mas se encontra tambm na compreenso e conscincia de si mesmo que aquele produto de seu amor e seu trabalho faz nascer no pblico. tem-se tornado cada vez mais evidente para mim que o nvel de conhecimento prevalecente entre as centenas de pessoas que tm procurado a oportunidade de ver e ouvir a obra de gibran, onde quer que seja ou quando quer que seja apresentada, mais elevado do que eu previra. ouvimos muito acerca de ser a inteligncia humana, neste

ponto do chamado progresso mundial, a de um menino de doze anos de idade. bem, talvez a inteligncia do dito menino seja algo a ser considerado. tendo tratado com crianas por muito tempo, nos campos educacionais, verifiquei que um rapaz ou moa mdia de vinte anos, sendo iguais as outras coisas, colocarse- preferentemente contra uma pessoa mdia do dobro de sua idade, e frequentemente desprezar os mais velhos. entretanto, o que achei de verdade foi isto : moo ou velho, de pele branca ou pele negra, culto ou iletrado, judeu, gentio ou pago - no achei mais do que a metade de um por cento dos que vm e vem e ouvem, que no ficassem tocados em certa profundeza de sua natureza, comovidos em certo ntimo do seu ser, pelo que viram e ouviram. isto me diz que a contribuio dada por gibran arte e literatura do mundo toma seu lugar no somente como tal, mas tambm como uma poderosa influncia para a cura das naes. tenho dito muitas vezes, falando a assistncias grandes ou pequenas, e digo-o novamente: comece-se com uma comunidade de cinquenta pessoas que tenham o desejo e a tenacidade de viver nas condies e implicaes contidas nas palavras de almustafa, e ter-se- o incio de um milnio. ouo frequentemente de estudantes, rapazes e moas das universidades de nosso pas, que esto escrevendo sobre gibran em suas teses principais. querem saber mais a seu respeito - conhecer ele prprio. esto cheios de espantos e perguntas. isto para mim um sinal de que seu legado espiritual penetrou na conscincia dos nossos jovens de uma maneira que dar seus frutos na estao prpria, uma boa e rica colheita. sempre e cada vez mais, perguntam: "acha que gibran igual a william blake em sua obra?" sei que a opinio de que gibran "o blake do sculo 20", atribuda a rodin, tem sido largamente citada, e considerada como no passando de um cumprimento lisonjeiro. no posso imaginar outros dois artistas mais diferentes, na realidade, apesar dos meros fatos de que ambos foram poetas, pintores e, decerto, msticos. gibran pintava o homem, o divino humano, como uma coisa de sensvel beleza, carne que no era carnal, corpo que era despido de terrenalidade, esprito tenuamente velado. no era assim o ingls blake. os retratados de gibran nunca eram os santos e anjos e demnios da mitologia e da lenda, mas seres concebidos no sonho de perfeio, sem defeito ou mancha. em blake, certamente, encontramos um xtase, um arrebatamento de abandono, as fantsticas imaginaes de uma alma inspirada pelo mistrio. em gibran, o motivo espiritual de um carter inteiramente diferente. a equilibrada reverie de uma alma a vagar pelos sonhos do infinito, mas serena e harmoniosa, controlada, no violenta. ambos eram artistas de vasta viso, mas h uma larga diferena entre os caminhos que palmilharam atravs do ermo agreste da cegueira e confuso humanas. cada um era seu prprio homem, e agudamente individual. 32 ~ 33 por toda a obra de gibran h a prova de seu entendimento de que o homem natureza e a natureza homem. ele reconhece uma gnese, uma lei, um amor sem fim, e o diz continuamente nos termos mais simples de verso e de cor. h uma qualidade em muitos desses desenhos que tem sido frequentemente comentada. na representao das faces h um sentimento definido de vida e alento, o levantamento de uma plpebra, o tremor de um lbio, o erguer de um peito em real respirao, o sopro de um vento por um rosto velado. tendo visto os desenhos, leva-se consigo,

como disse algum que visitou seu estdio, "a lembrana no de pinturas, mas de almas viventes". eu disse que gibran sabia muito bem o valor de sua obra. muitos dos desenhos foram deixados sem assinatura. quando um ou outro de seus amigos dizia: "assina-o, no o queres?", ele ria um pouco e contestava: "no! por que o faria? ser ainda conhecido como um gibran quando eu j tiver jazido muito tempo na boa terra escura, debaixo dos cedros." a boa terra escura. as palavras estavam constantemente em seus lbios. amava o solo real e tudo quanto nele crescia. tinha para com as rvores um senso de reverncia e adorao, dizendo: "se s houvesse uma rvore no mundo, o povo de todas as naes faria peregrinao para ir ajoelhar-se e ador-la." gostava de tocar numa madeira. um pedao de ramo quebrado num bosque ou numa floresta era apanhado e guardado como um tesouro, talvez para esculpir alguma doce imagem. conservava com carinho uma coleo de pedrinhas, "trazidas das praias de cada mar do planeta". manuseava-as com maior prazer verdadeiro do que um amontoador de ouro o faz com suas cintilantes moedas. sua preocupao com as formaes rochosas aparecem por toda a parte. a bela figura branca de uma mulher, com dois dedos sobre os lbios, que parece um mrmore esquisito, mostra um fundo rochoso, o qual, 34 a um exame atento, revela que as rochas se assemelham muito a figuras de seres humanos enlaados. o quadro denominado silncio. a unicidade do homem e da natureza, na rocha, na nuvem, na rvore, na nascente e na cachoeira - tudo enfatizado em sua obra a lapis e pincel. e seu delete com uma dessas pequenas obras-primas, quando ela ficava pronta e era conseguido o reflexo de uma em outra, parecia o de uma criana que encontrou um tesouro. era coisa estranhamente impessoal, como se ele prprio no tivesse nada a ver com ela. gibran, como todos os homens de verdadeiro gnio, quando se achava criando, no pensava nos que estavam presentes. na verdade, era infenso idia de ter uma platia, exceto a de um nmero relativamente pequeno de amigos a quem era devotado. nos seus anos mais amadurecidos, recusava permitir que suas obras fossem exibidas, embora se fizessem esforos para persuad-lo. "no", dizia. "no. no exibiremos os desenhos. querem compr-los." e comprar e vender no fazia parte de seu plano. tomava uma opinio de mais longo alcance, pensando num mundo em que previa conflito e terror e incrvel dilacerao e desolao. compreendia, como todos os homens de viso, que a guerra em que o mundo recentemente lutara ('` ) , no tinha acabado, no tinha certamente trazido a paz. disse: "foi uma guerra no por mais liberdade, mas por mais conscienciosidade." e esta "mais conscienciosidade" que est dando hoje s naes seu invencvel desejo de uma vitria que, desta vez ( * a' ) , se deus quiser, dar ao mundo mais liberdade. assim, esse homem do lbano estava forjando, sua prpria maneira, uma arma para a paz eventual. ! *> a autora refere-se, naturalmente, I guerra mundial, de 1914-18: gibran morreu em 1931. (n. do t.) (`*j aqui, escrevendo em 1944, refere-se agora a autora calamidade de 1939-45, que ento ainda lavrava, conquanto tenha ela sido lograda em suas esperanas. (n. do t.1 35 "criai beleza" disse ele "e que tudo o mais v para o inferno." e ele prprio

cumpriu ao p da letra sua palavra, pois sabia que o ato de criar beleza por todo o mundo, na conscincia das raas da humanidade e em seu propsito e produo, significaria um grande renascimento da justia e da compaixo e da adorao. desta maneira a boa terra verde tornar-se-ia uma realidade celestial. no alimentava a iluso de que isso chegasse sem uma longa agonia prvia e luta e espera. sabia melhor do que a maioria dos homens que este sculo no passa de uma aurora antes da aurora. sabia, e nao hesitava em dizer, que este monstruoso engano chamado progresso deve ser detido em seus mpios caminhos, a fim de que as mentes e espritos dos homens possam mais uma vez ser livres para usufrurem sua legtima he rana. "no h Religio nem cincia acima da beleza", disse. e enraivecia, com ardente indignao, contra as inexprimveis estupidezes que so cometidas em nome da religio e em nome da cincia. "pusemos arreios em nossa terra, jungindo-a aos rdegos corcis da cincia e eles esto correndo com nosso planeta para um inferno de maquinaria", es creveu nouco tempo antes de sua morte. durante a ltima guerra ( ~ ) , gibran tinha concebido uma averso amarga e profunda viso, que lhe chegara, do que a conquista do ar iria fazer ao mundo e s naes do mundo. disse uma vez: "se eu pudesse, destruiria todos os aeroplanos da terra, e at das mentes dos homens, a memria daquele mal voador." algum lhe perguntou: "por que diz uma coisa to terrvel?" e ele replicou furiosamente: "porque o homem no um ser do ar. foi posto sobre a terra. a terra seu lar e seu reino, e ele ainda no senhor desse reino. todos os anjos e arcanjos e todas as hostes do mundo superior tomaro vingana do homem se este no abandonar sua mpia perturbao do livre (' ) guerra de 19i4-18, conforme nota anterior. ~ n. do t. ~ 36 ter, que a eles pertence. deixemos apenas o alado esprito do homem voar para a invisvel altura." era um assunto que no podia discutir sem indignao e desgosto. disse: "a destruio e a desolao visitaro todas as terras do mundo, e os jovens e as raparigas cairo em seu caminho como botes arrancados das amendoeiras e oliveiras, e no como frutos por elas produzidos." predisse a queda de cidades, e referiu-se uma vez s palavras de o profeta, onde est escrito: "no seu temor, vossos pais juntaram-vos demasiadamente perto uns dos outros. e este medo sobreviver algum tempo ainda. e durante esse tempo, as muralhas de vossas cidades separaro vossos campos de vossos lares." "e ento", acrescentou, "um dia raiar, um novo dia - tempo vir em que voltaremos novamente, e no ser assim. a terra ser do senhor, e tudo quanto h nela." houve uma viso, um sonho que ele sonhou. disse: "eu construiria uma cidade beira do mar, e numa ilha do porto erigiria uma esttua no Liberdade, mas Beleza. pois foi ao redor da liberdade que os homens travaram suas batalhas. por oposio, ante a face da beleza, todos os homens estendem as mos uns aos outros como irmos." gibran era ultraconsciente da pobreza mental e espiritual, bem como fsica, de uma grande parte da populao do mundo. conhecia sua cegueira. repetidas vezes desenhara e pintara o cego, e no queria referir- se aos cegos dos olhos, mas aos do corao. as tristezas e os tropeos da humanidade - isto o preocupava inteiramente com uma ardente paixo. e os conhecia bem, pois tinha ampla razo para conhec-los. os anos no estdio foram uma sucesso de incessantes ministraes de tratamento s dificuldades e males humanos.

dia aps dia, os que estavam em perplexidade ou angstia subiam os longos lanos de es- 37 cadas e passavam seus problemas quele homem de outro pas, outro mundo, e, ao que parecia muitas vezes, de outro tempo. sua rpida compreenso nunca falhava, nem sua capacidade de achar quase imediatamente algum modo de resolver o problema, ou, ao menos, de renovar a coragem e a pacincia da pessoa. em dificuldades. isso era feito com simplicidade apenas relembrando s vezes alguma verdade eterna, alguma lei da vida, que, em seus lbios, no tinha nada de dogma ou de doutrina, mas vinha como uma cura para os ferimentos invisveis. se h uma palavra com que caracterizar esse homem por completo, inteiro, tanto ele como sua obra, a rocha de sua fundao, a pedra fundamental de seu edifcio, esta palavra ser "simplicidade". a mesma palavra aplica-se a poucos outros dos tits das idades, de quem gibran escreveu dizendo: "scrates, jesus, joana d'arc e lincoln - os quatro mais belos seres que o mundo j conheceu, lanados morte! e houve risos nos lbios do firmamento!" praticava essa mesma simplicidade em sua vida e nos afazeres quotidianos. durante certo perodo de sua vida, quando se divertia, jantando fora frequentemente e sendo festejado como seus amigos gostavam de festej-lo, teria dado a si mesmo "um pouco de jejum", como dizia, "para superar o que eles, em sua afeio, tinham feito para mim". apreciava uma ceia frugal no estdio, e gostava de fazer dela um divertimento. esta era outra de suas maneiras de pr de lado, por algum tempo, o peso dos seus dotes. dizia: "no oriente, costume comer de tudo de uma enorme vasilha. tomemos nossa sopa esta noite em uma grande terrina!" assim, arrumvamos a mesinha com uma grande terrina de sopa. picavam sempre nela pedacinhos de po, muitos deles, e a sopa era espessa, um pur. sentvamonos cerimoniosamente. ento, tomando a colher de sopa, gibran traava uma linha imaginria pelo meio da sopa, dizendo com a maior gravidade : "esta sua metade de sopa, e sua metade de pezinhos, e esta outra a minha metade. veja que nenhum dos dois atravesse para a sopa e os pezinhos do outro! " ento, havia risadas e um saborear completo, cada um de sua metade da sopa! em seguida, uma taa de vinho e palitos de po para serem mergulhados no vinho - outro dos seus prazeres favoritos. depois, o cigarro. e ningum imaginaria, vendo tudo aquilo, que aquele homem, que fazia o brinquedo to cordialmente e com tanta alegria em sua risada, era o mesmo que disse de si mesmo: "que pena que os homens no team para mim uma guirlanda antes do dia em que minha cabea esteja to alta, para alm do seu alcance, que no possam faz-la passar por cima de minha cabea." ' deplorava as complicaes e complexidades da vida '~ moderna. desejava apaixonadamente reter a antiga beleza das coisas e reconcili-las com as vidas dos filhos e filhas de hoje, mas queria faz-lo simples e natural mente. disse: "a vida e o amor e a morte so os grandes fatosda existniasej no riente ou no oci dente." e via que essas trs coisas importantes estavam subordinadas a toda a sorte de artificiais contra-sensos. "simbolismo!" explodiu um dia. "afaste a palavra. digamos a verdade tornada visvel, se quiserem, a beeza tangvel. simplicidade, no simbolismo."~-

simplicidade~- esta qualidade divina, por falta da qual o mundo dos seres humanos est perdido e errante no tempo e no espao. 38 iv "a magia do Rabe" tenho tido a honra de conhecer muitos dos mais distintos de nossos cidados lbano-americanos, e constatar a profundeza e a altura do amor e do orgulho que dedicam a este poeta, que era seu conterrneo. gibran passou todos os primeiros vinte anos de sua vida, menos dois, naquele solo de onde brotaram os grandes profetas e videntes do passado. mesmo durante aqueles primeiros anos, atravs da beleza e da coragem de sua vida e seus pronunciamentos, entronizou-se nos coraes dos cento e cinqenta milhes de estudantes e eruditos e amantes da beleza, que lem a lngua rabe, e dos muito mais que falam a lngua, embora talvez no saibam l-la ou nela escrever. pareceu-me inacreditvel, quando soube, a primeira vez, que h na face da terra trezentos milhes de pessoas de fala rabe, mas um fato. h uma histria contada por uma senhora norteamericana que esteve viajando pelo lbano e, encontrando um jovem poeta libans, disse-lhe: "conheo um patrcio seu de nova york - kahlil gibran. o senhor o conhece?" e o jovem poeta respondeu: "minha senhora, posso perguntar-lhe se conhece shakespeare?" a obra de gibran em rabe ocupa parte volumosa do total de sua produo escrita. h numerosos volumes, tendo sido o primeiro um livrinho sobre msica, que imediatamente atraiu a ateno do mundo artstico rabe. h os volumes chamados umac lgrima e um sorriso, temporais, as ninfas do vale e as asas partidas, ao lado de as almas rebeldes, o mais dinmico e mais conhecido de todos eles, e uma compilao intitulada al badayih wal t~rayijf, que significa belezas 40 e curiosidades - este ltimo selecionado do seu acervo de ensaios e poemas e artigos de colaborao para os principais jornais e revistas rabes. este livro mencionado por ltimo contm reprodues de desenhos feitos por gibran aos dezessete anos, esboos de retratos, pena e tinta, de sete ou oito poetas pr-islmicos. desses esboos disse o artista: "no h retratos desses grandes homens, de modo que minha imaginao me ajudou a desenhar-lhes os rostos." o retrato de avicena lembra muito leonardo da vinci. "ele era parecido com da vinci", disse gibran. quando foi publicado o livro, na realidade uma antologia, gibran ficou atnito. "eu tinha esquecido tudo sobre esses desenhos", disse. "no sei por onde andavam escondidos, nem como o editor os obteve." durante toda a sua vida,foi prodigamente generoso em permisses para o uso de seus poemas e pinturas em reprodues. o profeta, traduzido para quase quarenta lnguas, proporcionou-lhe, disse ele uma vez, "a soma de vinte e quatro dlares, da firma da holanda que publicou o profeta holands. nunca lhes reclamei direitos autorais", acrescentou, como se fosse uma coisa natural. na st. m~zrk's in-the bouwerie, de nova york, uma das mais antigas igrejas da cidade, dada todas as tardes uma adaptao de o profeta, como um drama religioso. foi l, como eu disse atrs, que o livro foi lido pela primeira vez em pblico, pouco depois de sua publicao. a mesma igreja tem um servio de vsperas em que o ofcio todo "extrado dos ritmos de kahlil gibran, poeta-profeta do lbano". o cntico desses majestosos temas, msica soberba do rgo, ouvido uma vez, nunca mais esquecido. essas severas disciplinas foram iniciadas pelo dr. william norman guthrie, que tinha uma f profunda na misso de gibran como um profeta

moderno. e foi o dr. guthrie, tambm, que se referiu ao livro jesus, o filho do homem como "o evangelho segundo gibran". na forma, esses "ritmos" - a poesia de gibran a nada so comparveis to aproximadamente quanto 41 a verso king jan,es da bblia inglsa. a mesma clareza de expresso, a mesma simplicidade, o mesmo poder de encantamento esto aqui, e sua frase e sua imaginativa derivam, naturalmente, da mesma ancestralidade. o precioso legado de poesia rabe que ele deixou ainda um tesouro escondido para o mundo de fala inglesa. seria preciso nada menos do que um grande poeta ingls, que dominasse as inextricabilidades e as nuanas do rabe, para trazer "a magia do rabe para a magia do ingls". nunca ser apenas matria de trad~;o correta, mas sempre de apaixonada recriao, do idioma natal de gibran para sua lngua adotada. pouco depois de gibran fixar residncia em nova york, foi organizada em seu estdio a academia rabe. encontrei entre algumas notas assentadas num pequeno pedao de papel as seguintes palavras: "nossa academia composta de doze poetas libaneses e srios, a maioria dos quais jovens, e no haver mais de doze. s a morte abrir lugar para um novo poeta encontrar um lugar neste crculo. a academia a me dos de alepo, cairo, damasco, beirute e tripoli." entre esses doze, as mais primorosas tradies da poesia rabe seriam "cuidadas com uma trplice paixo, f e amor e trabalho, com o objetivo de que as sementes de beleza e verdade que existiram desde o princpio vivam e floresam na literatura dos povos rabes e em seu corao". nos anos que se passaram desde aquele tempo o lder da academia kahlil gibran e trs outros poetas morreram. um, que no nomearei, afastou-se da f. os outros continuam com a mesma devoo e lealdade para com sua nobre herana e a memria de seu querido amigo e patrcio que os precedeu no mundo superior. imaginemos por um momento, contudo, que a lealdade desses homens a gibran tenha sido toda uma questo de parentesco ou sentimento, porque eles so, todos e cada um deles, homens dotados e da mais alta integridade, que reconheceram cedo que espcie de homem estava em seu meio e, num conceito unnime, o olharam como algum de maior poder e mais vasta sabedori, algum informado por alguma fonte mstica que eles outros no conheciam. entretanto, encontravam-se juntos por prazer e pela conversao alegre, lendo seus poemas e ouvindo os poemas de seus amigos, discutindo, argumentando, algumas vezes tendo uma `~grande briga", como dizia gibran, pois eram homens de fora e nenhum seria derrubado de sua posio sem motivo. ouvi gibran falar centenas de vezes de "minha academia". seus membros eram sua parentela espiritual, tanto como homens do mesmo pas terrestre. falavam sua lngua, no somente o rabe de seu idioma natal, mas a lngua do seu corao mais profundo, a lngua da poesia, da beleza e da verdade, e de coisas antigas e belas, honra e justia e compaixo. e ali estavam eles, no meio da inquieta amrica dos princpios do sculo xx, fazendo um poderoso baluarte para todas as boas coisas em que acreditavam. no de espantar que gibran dissesse "minha academia" com apenas muito pouco menos fervor com que dizia "meu pas". gibran tinha grande f na contribuio que os milhares de libaneses e srios,

agora cidados norteamericanos, poderiam dar ao desenvolvimento de nossa vida nacional e nossa arte e literatura. at mesmo o prprio fim de sua vida, continuou escrevendo em sua bem-amada lngua natal. e cada vez mais, enquanto os meses iam passando, gostava de ler alto em rabe, para o puro prazer de ouvir os sons das palavras. era um dos seus prazeres pegar sua bblia rabe e ler trechos dela, desde o livro de rute, ou isaas, ou dos profetas menores, traduzindo cada versculo medida que o lia, de modo que pudssemos comparar sua traduo com a verso inglesa da bblia. uma das minhas poucas tristezas, com relao ao nosso trabalho junto, no ter naquelas ocasies registrado sua bela traduo do rabe, pois havia sutis e 42 43 s vezes espantosas divergncias que eu gostaria de ter preservado. sua interpretao das palavras de jesus eram de um interesse muito particular, porque ele estava famliarizado com qualquer nuana do aramaico que jesus falava, e sua traduo evidenciava que a bblia inglesa se afasta, em muitos casos, da inteno original das palavras faladas pelo jovem nazareno. essas diferenas bsicas estavam bem fortes em seu esprito enquanto escrevia seu livro jesus, o filho do homem. muitas vezes, enquanto escrevia aquele livro, o poeta rompia num fluxo apaixonado de rabe, por no haver uma palavra inglesa que convesse com perfeita exatido ao sentido do pensamento que ele desejava exprimir, havendo, como dizia, "cinquenta palavras em rabe para dar expresso aos vrios aspectos do amor", enquanto que em ingls h somente uma. seu vasto vocabulrio rabe fazia-o sentir-se apertado em sua lngua de adoo. contudo, esse prprio fato resultava na pureza e quase perfeita claridade e simplicidade do seu estilo em ingls. quando o livro jesus foi publicado, em 1928, um comentrio no spring jield union dsse : "o ingls de gibran marcante por sua beleza e sua claridade. alcana um grau de perfeio que podia bem servir de inspirao a outros escritores para quem o ingls a lngua natal." e no tenho dvida de que haja servido. foi por volta desse tempo que o manchester guardian, discorrendo sobre escritores contemporneos de destaque, incluiu no ensaio os nomes de seis homens que considerava notveis acima de todos os mais, pela excelncia de suas realizaes em ingls; e entre eles, bastante curiosamente, estavam dois escritores no nascidos com lngua inglesa, gibran e joseph conrad. e no mesmo perodo, claude bragdon exprimia-se desta maneira: "o carter e a profundidade de sua influncia sobre todo o mundo rabe podem ser inferidos do fato de terem dado nascimento a uma nova palavra gibranismo. o que exatamente significa essa palavra, 44 os leitores ingleses no tero dificuidade em adivinhar: viso mstica, beleza mtrica, uma simples e pura compreenso dos problemas da vida... extraordinria fora dramtica, profunda erudio, relampejante intuio, vida lrica, mestria mtrica, e beleza que se infiltra pelo trecho inteiro, em tudo o que ele toca." e tudo isso manando de uma fonte que impelia o poeta a pronunciar-se nesta poderosa sentena: "o trabalho o amor feito visvel." para o conformista e o intratvel, gibran era imprevisvel. pediram-lhe uma vez regras e leis fundamentais para uma vida consistente e bem ordenada. "no lhe dou regras de conduta", foi a resposta. "faa o que quiser, contanto que o faa com beleza." todo o contedo de seu pensamento e modo de viver era simples e direto a ponto de confundr o homem e a mulher que iam investigar sistemas intricados e complicados

de ticas, filosofias e "ismos". "religio?" disse ele, em resposta a uma indagao. "que isso? conheo somente a vida. vida significa o campo, o vinhedo e o tear... a igreja est dentro de vs. vs prprio sois o padre." e novamente sobre o mesmo assunto: "a religio, entre os homens no passa de um campo lavrado por aqueles que tem um proposito: alguns esperanados as bem-aventuranas da eternidade; alguns, ignorantes, temerosos das futuras chamas." e ainda mais: "s o que vale a pena um esprito livre. e isto significa tantas coisas diferentes quanto so diferentes os entes humanos." era inevitvel que essa atitude "insultuosa" para com a ortodoxia levantasse ardente e furiosa oposio; o que aconteceu. houve repetdos ataques sua posio, todos os quais no o perturbaram de modo algum. um dos mais ruidosos adversrios de seus pontos de vista disse-lhe uma vez: "que est querendo fazer? criar um novo culto?" os olhos de gibran cintilaram, e havia um clamor em sua voz, quando respondeu: "meu amigo," - com 45 uma leve suspeita de delicada ironia em suas palavras - "cinzelarei uma pedra e a porei num campo, como a pedra angular de um novo templo. depois, morrerei, tendo feito tudo o que, em minha simplicidade, sou capaz de fazer. mas, tome nota, muito tempo depois de minha morte, outro vir e acrescentar outra pedra. assim, geraes sem conta nascero e morrero, e em cada gerao um dos meus irmos talhar uma pedra e construir com ela, at que o templo esteja terminado. e o templo ser a morada do altssimo." a religio organizada no tinha atraes para aquele homem. no discutia o assunto. quando algum ardente cultista procurava convenc-lo do supervalor de um credo ou dogma particular, o poeta respondia: "sim, pode ser." e citava depois a velha mxima dos upanishads hindus: "jamais discuta com um nascido-suma-vez." escreveu naquele livro de inapreciveis apotegmas areia e espuma: "uma vez cada cem anos, jesus de nazar se encontra com jesus dos cristos num jardim entre as colinas do lbano. e conversam longamente. e cada vez, jesus de nazar vai-se embora, dizendo a jesus dos cristos: "meu amigo, receio que nunca, nunca cheguemos a concordar." quando exalou seu ltimo suspiro, houve consternao entre sua gente. gibran, seu "habibi" bem-ama do - no respondera ao padre maronita que tinha procurado ardentemente lev-lo, em sua ltima hora, a uma aceitao dos ritos que lhe desejava administrar. gibran, seu grande po eta, seu patrcio, ricamente dotado de um gnio raro, tinha dado pouca ou ne nhuma ateno aos rituais e disciplinas da igreja. houve quem discutisse seu dreito a um lugar na as semblia dos fiis mortos, mas no por muito tempo. o amor, a f e um grande orgulho nacional venceram a mesquinharia do sectarismo. e todas as cerimnias do rito da igreja maronita, em que gibran nascera, foram prodigamente concedidas quele homem do l bano, depois de sua morte. 46 em conexo com isto, desejo citar da pena de um patrcio e amigo ntimo de gibran salloum a. mokarzel, um distinto editor e escritor libans, um dos lderes dos milhares de norte-americanos libaneses e srios dos estados unidos, e comungante da igreja maronita.

escreveu ele em the syrian world, uma revista que foi durante anos o palpitar do corao daqueles dedicados cidados de nosso pas: "parece a muitos incompatvel que o homem cujas tiradas iconoclsticas contra o sectarismo convencional (que limita e monopoliza a graa de deus para uns poucos iniciados) levantaram a animosidade de algumas autoridades religiosas, em seus elevados postos, recebesse finalmente as exquias e os ritos religiosos de uma igreja sectria. mas, na verdade, no h nada de incompatvel a esse respeito. como todos os grandes msticos, gibran era intensamente religioso. e foi por ser intensamente religioso que se rebelou contra todas as limitaes e demarcaes que afastam a alma de sua legtima e livre quota d participao no divino. "a mesma indignao que ardeu em jesus, que expulsou do templo os mercadores e cambistas, ardia tambm em gibran. em uma de suas parbolas de o errante, faz um relmpago cair na cabea de um bspo que expulsara uma mulher no crist que lhe viera perguntar se haveria para ela salvao do fogo do inferno. "e, assim como jesus justificava o pobre coletor de impostos que humildemente confessava seus pecados diante de deus, assim gibran contava entre os salvos muitos milhes de todas as raas, lnguas e credos que nunca tinham sido batizados pela gua e o esprito. "centenas de anos antes dele, o grande poeta mstico rabe ibn al-farid, de cuja trza gibran tanto gostava, tinha cantado: e se um adorador de buda se curva ante uma pedra, seu companheiro na f certamente me confesso. 47 "e tambm com igual extenso de amor universal, ibn al-arabi, talvez o maior mstico rabe de todos os tempos, tambm cantou : meu corao capaz de todas as formas; um claustro para o monge, um templo para os dolos um pasto para as gazelas, a caaba dos devotos; as mesas da tora, o coro. o amor a f que possuo pra onde quer que volte seus camelos, ainda a nica verdadeira f a minha." foi com a fora e a autoridade de tais tradies que gbran tomou seu lugar na procisso que viaja da "exeternidade para a eternidade". agora gibran, para usar nossa palavra mortal, est morto. mas ele dissera: "se eu morrer, no irei para muito longe desta boa terra verde, nem por muito, muito tempo." e, de fato, nunca houve nos coraes dos que o conheceram bem qualquer sentimento de perda ou pesar inconsolvel. seu esprito enorme e amante vive em cada uma das suas palavras, e sentimos e sabemos que assim. algo dele permanecer atravs dos anos e das idades, sombra lanada pelos cedros do senhor. seus ossos e crebro e msculos passaro, por fim, para a boa terra escura, para as vigorosas razes e, acima, para os grandes ramos sobre as cabeas. tudo o que nele era terra - sua prpria primorosa frase - conhecer a perptua ressurreio e beleza atravs das estaes, chuvas, neves, e atravs dos tumultos de todos os ventos e tempestades que ele amava. os tomos de seu p vivero e morrero mil milhares de vezes no lbano. e dez mil vezes dez mil peregrinos se ajoelharo sobre aquele torro e lhe chamaro abenoado. 48 "por que estou aqui" o primeiro dos "pequenos livros pretos" ('' ) , a aparecer em ingls foi o louco (the madman), publicado em 1918 por alfred a. knopf, chefe de uma das mais novas empresas editoras, um homem de infalvel senso dos valores literrios.

esse volume em parte traduo de parbolas em rabe, em parte escrito diretamente em ingls. pequeno livro de somente dezessete pginas, um produto da juventude e princpio da idade adulta, rico em promessas do que iria seguir-se. inteiramente do oriente, sem qualquer sombra de pensamento ou contedo ocidental. uma expresso da apaixonada vida interior ainda no restringida e controlada pela sabedoria e compaixo mais vastas que vieram a desabrochar em o precursor (the forerruner) e florescer inteiramente em o poeta (the prophet). encontramos em o louco, parbolas de uma fina ironia, e tambm certas insinuaes de desiluso e uma aguda amargura contra a vida. testemunha-o a pea final da qual tomamos as seguintes linhas: deus das almas perdidas, tu que ests perdido entre os deuses, ouve-me... moro no meio de uma raa perfeita, eu, o mais imperfeito. eu, um caos humano, uma nebulosa de elementos confusos, movo-me entre mundos acabados - povos de leis exemplares e ordem pura... t ~ > conforme nota anterior, os livros de gibran em edio de alfred a. knoff tinham todos capa preta. (n. do t.1 49 roubar um vizinho com um sorriso... elogiar prudentemente, censurar cautelosamente, destruir uma alma com uma palavra, queimar um corpo com um sopro, e depois lavar as mos quando termina o trabalho do dia... por que estou aqui, Deus das almas perdidas...? entretanto, encontramos tambm aquela sublime declarao, aquela revelao de memria imortal, que diz: "e, depois de mil anos, galguei a montanha sagrada e :~ falei novmente a deus, dizendo: "meu deus, minh meta e minha realizao; sou teu ontem e tus meu amanh. sou tua raiz na terra e tu s minha flor no firmamento, e juntos crescemos face do sol." e temos aqui o jovem poeta bradando atravs do louco, aps terem sido roubadas suas mscaras: "benditos, benditos sejam os ladres que roubaram minhas mscaras"; e rejubilando-se porque, dessa maneira, tinha "encontrado tanto a liberdade como a segurana, em minha loucura; a liberdade da solido e a segurana de no ser compreendido, pois quem nos compreende escraviza algo em ns". estas parbolas o mostram em rebelio contra a hipocrisia e a cegueira e a estupidez. o conflito em seu eu, seus sete eus de que escreve, persiste ainda. aqui, pela primeira vez, gibran registra por completo seu senso de que a solido permanecer sempre com ele, at o fim. sempre foi estranho a este planeta, este tempo e este cenrio, e, entretanto, sempre lutou para reduzir a distncia entre eles e ns. mas, como disse uma vez: "nada fizestes." as palavras que citei atrs, de nietzsche sobre wagner, so literalmente verdadeiras com respeito a gibran: "o mundo inteiro constri sobre fundaes que no eram as dele, e fica perdido na atmosfera dele." e havia ocasies em que a compreenso dessa terrvel solido o esmagava num assalto descorooador. e nenhum fim havia para este lado da eternidade. 50 "por que estou aqui, Deus das almas perdidas, tu que ests perdido entre os deuses?" quase imediatamente aps a publicao de o louco, o livro foi traduzido para o francs, alemo, italiano e espanhol, e tornou-se amplamente conhecido e apreciado nos pases latinos europeus e na amrica do sul, onde h milhares de pessoas de fala rabe que honram o nome de gibran e toda palavra sua e toda a sua obra. gibran tinha muitas lembranas deleitosas desse perodo de sua vida. conquistou a amizade dos escritores norte-americanos seus contemporneos, e gozou de uma

companhia que era uma alegria e um enriquecimento mtuo. infundiu nos espritos desses jovens uma essncia to velha quanto o tempo, e eles lhe abriram a profundeza e a beleza dos verdadeiros poetas deste mundo ocidental. constituindo o acolhimento dado a o louco razo bastante para isto, foi ele seguido, em 1920, por o precursor (the forerunner) novamente em parte traduo do seu livro em rabe, mas de viso mais ampla, sabedoria mais profunda, e uma compaixo quente e terna, ainda com um toque de controlada ironia, ainda vendo atravs do vu da iluso, mas sem o sombrio da amargura e com um aparecimento de amor e anelo. aqui encontramos o soberbo poema intitulado amor, com suas poucas linhas, quase em palavras de uma s slaba, em ingls, e a mais perfeita e mais bela confisso de anelo: dizem que o chacal e a toupeira bebem na mesma corrente onde o leo vem beber. e dizem que a guia e o abutre metem os bicos na mesma carcassa e ficam em paz, um com o outro, na presena da coisa morta. amor, cuja mo senhoril tem refreado meus desejos 51 e elevado minha fome e minha sede dignidade e ao orgulho, no deixes que o que h de forte e constante em mim coma o po ou beba o vinho que tentam meu eu mais fraco. deixa-me antes passar fome e deixa meu corao ressecar de sede, e deixa-me morrer e perecer, antes de estender a mo a uma taa que no encheste ou a uma tigela que no abenoaste. a ltima vigdia, com que se fecha o volume, revela um vasto entendimento libertado no ser do poeta, pondo de lado quaisquer emoo e compreenso menores. ~ um precursor adequado de o profeta, que surgiu trs anos depois. em minhas muitas leituras dos livros, em pblico, descobri que diversas parbolas de o precursor eram bem conhecidas e constantemente pedidas. entre essas, a folha branca, o erudito e o poeta, do meu corao, e o bobo de deus pareciam as que despertavam o maior interesse. a ltima mencionada uma das mais tocantes e belas histrias entre todas as parbolas. esta forma de histria peculiar ao oriente, to antiga e tambm to comunicativa, foi o mtodo escolhido por gibran para levar ao lar uma verdade. a forma tanto segura quanto particular. no conheo nenhum contemporneo que seja capaz de usar esta tcnica com to precisa destreza. um desafio a qualquer escritor moderno. eu prpria fiz uma tentativa durante os ltimos anos de gibran, pois ela sempre me intrigou. houve uma agradvel discusso quando ele disse: "voc poderia escrever uma parbola, se o quisesse." insisti em que no poderia faz-lo. ele fitou-me com uma careta de menino e gritou: "bem, eu desafio!" isto sempre produzia efeito, e ele sabia disso. assim, dispus-me a fazer a tentativa. ento, veio-me mente uma histria que gibran tinha contado, de uma ocorrncia, uma noite, quando voltava de um jantar para o estdio e seu txi enguiou. comeou a caminhar para casa a p, e encontrou-se com um homem que conjeturou ser um marinheiro, provavelmente sado de um cais. o homem abordou-o, pedindo dinheiro para um trago. desse ponto de partida, continuei caminho, com o seguinte resultado: o prncipe e o marinheiro era noite na king's highway. na carruagem real, o prncipe vinha para o palcio, de um grande banquete que tinha sido dado em sua honra. passando por um bosque espesso, quando chegou sua extremidade,

a roda da carruagem bateu numa grande pedra e quebrou-se. o cocheiro desceu da carruagem e, vendo que ela ficara sem segurana para levar a sagrada pessoa do prncipe, caiu de joelhos e implorou-lhe e disse: "grande e imperial majestade, que ser agora de mim, vendo que assim lhe trouxe esta desventura?" e o prncipe era um verdadeiro prncipe, e respondeu e disse: "deus vive. e ele o autor da noite e das pedras dos seus bosques margem da estrada. no temas. v, o palcio est apenas distncia de uma boa pedrada. no frio e sob as estrelas, caminharei para a casa de meu pai e nenhum mal me advir, nem a ti." e assim fez, levando em seu corao as palavras de bno dos lbios do cocheiro, que o amava. e o caminho do prncipe estendia-se atravs da praa pblica. e ele olhou para seu povo, e este olhou descuidadamente para ele, e no soube que era seu prncipe. e, quando se aproximou da estalagem da cidade, algum o abordou, pedindo esmola. e o prncipe viu que era um marinheiro, e parou para escutar a ambos, porque ele era um prncipe, e porque sua prpria alma sempre amelara pelo mar. e o prncipe disse: "percebo que s um marinheiro e no um mendigo. que fazes com minhas esmolas?" 52 53 e o estranho riu com um riso amargo e replicou: "ai, disseste a verdade. um marinheiro sou sem navio e sem porto, e entre quatro paredes me deito para dormir. e h um sabor de morte em minha boca. e peo esmolas para que possa entrar naquela estalagem acol e beber vinho at cair no esquecimento." e o prncipe sentiu grande compaixo, pois era tambm um marinheiro que precisava ficar entre quatro paredes pelo bem do seu reino, e conhecia o gosto daquela amargura, que era igual morte. e disse: "qual ser a medida do ouro que queres para a satisfao do teu desejo?" e o estranho disse amargamente : "muito ouro." e o prncipe perguntou: "quanto?" e o marinheiro olhou para sua face, no acreditando, e respondeu rudemente : "trezentas piastras! " e o prncipe abriu seu alforge de ouro e tirou dele aquela soma, e ofereceu-a ao estrangeiro. "toma, amigo, e vai e bebe vinho at o esquecimento. mas uma coisa te peo: quando, noite alta, estiveres no momento do esquecimento, levanta-te e vai para as tuas prprias quatro paredes. no gostaria de que fosses atirado rua quando a estalagem tenha de fechar e haver escuro e silncio." porque a noite esfriava, e o prncipe percebeu que o marinheiro havia deixado o manto em casa. e o marinheiro disse : "ofereces-me trezentas piastras para ir Estalagem e embriagar-me?" e o prncipe disse: "no o teu desejo?" ento houve silncio por algum tempo. e o marinheiro disse: "desejo somente uma tigela de lentilhas. d-me, se quiseres, trs piastras." mas o prncipe insistiu com ele, dizendo : "no, toma estas trezentas, e faze com elas o que quiseres, vinho ou lentilhas. so tuas e so bem-vindas." mas ele no as tomou. e o prncipe acompanhou o marinheiro ~.~.: mesmo a porta da estalagem. mas o filho do rei no conseguiu convenc-lo. e o marinheiro tomou trs piastras e entrou na estalagem, e o prncipe foi para o palcio real. e para o marinheiro e para o prncipe, no h vinho do esquecimento. essa foi minha parbola, mais tarde publicada em tize new orient. a concluso do incidente real foi esta: o homem da sexta avenida, quando gibran lhe perguntou de quanto precisava para ficar bbado, tinha dito: "um dlar!" mas, quando o dlar foi tirado para ser-lhe dado, algo tinha nascido em sua conscincia, e ele recusou

dizendo: "no. d-me dez cents para uma xcara de caf." quando lemos juntos a histria, gibran, em sua generosidade, disse: "veja! eu lhe disse que voc era uma libanesa! " isto foi uma aluso a uma brincadeira que fazamos algumas vezes para aliviar a tenso de uma grande exaltao de esprito. um dos seus longos trajes de seda, o de marfim e ouro, sobre os meus ombros, e um vu sobre minha cabea, e eu tornavame "a libanesa". ele dizia: "a todo instante estou esperando ouv-la romper a falar rabe." era infantil; fazia-o feliz - e dava-me a emoo de algo semi-esquecido e entretanto semilembrado, o lbano - as montanhas e os cedros. e bastante curiosamente, quando me encontrei realmente naquela terra, alguns anos depois, subindo para aquelas montanhas indescritivelmente gloriosas, indo para bicharre, para os cedros, nada daquilo era estranho para mim. era como se o mundo moderno houvesse desaparecido. sentia-me para trs, muito para trs, em. alguma poca medieval, e muito vontade, como se estivesse em casa, numa grande paz, e plenamente realizada. o povo todo, com sua poesia, sua beleza e sua hospitalidade quase embaraosa - no era de hoje, mas no me era estranho de modo algum. sentia-me como uma deles. mas isto, como dizemos, uma outra histria. 54 55 v) "a verdade est Neste livro" o precursor (the forerunner) termina com estas palavras : mas subitamente, levantou a cabea, e, como algum que desperta do sono, estendeu os braos, e dis se: "a noite se foi, e ns, filhos da noite devemos morrer quando a aurora chega saltando sobre os montes; e, de nossas cinzas um amor mais forte se levar. e ele se rir ao sol, e ser imortal." e em trs anos veio o profeta, esse testemunho do "amor maior" para "rir ao sol". e a crena de mlhares que conhecem o livro que ele, sem dvida alguma, "ser imortal". o livro foi concebido durante o dcimo-quinto ano do poeta, quando ele era estudante da madrassat al-hikmat - a escola da sabedoria, agora college de la sagesse, em beirute. gibran tinha apenas onze anos de idade quando viajou para os estados unidos, para boston, com sua me, seu meio-irmo peter e suas irms mais novas marianna e sultana. quando o menino estava no dcimo-quarto ano, insistu volentamente em regressar ao seu pas natal para completar os estudos da literatura e da cultura rabes. nos princpios do outono daquele ano, embarcou sozinho num navio e voltou para a terra do seu nascimento. no seguiu como um alegre rapaz que partia para uma aventura divertida na vida estudantil, mas antes como uma alma jovem que sempre tnha sdo velha, que levava um peso no corao, cuja mente se ocupava mais com a morte do que com a vida, que se sabia um estranho, um forasteiro, e que, entretanto, j aprendera a direo definitiva e toda a extenso de seus poderes. . 56 falou uma vez, penso que s uma vez, daquela viagem para beirute. jamais esquecerei aquela vez. "foi um sonho", disse ele. "no era um sonho claro ou agradvel. eu estava confuso e incerto. minha me meu irmo peter, minhas duas irms - l em boston. minha me - ela que vivera incontveis poemas e nunca escrevera um . . . meu pai - nas montanhas do lbano, bem perto dos cedros.. . eu - esta jovem coisa, ousando erguer minha vontade contra todas as suas vontades. mas eu sabia - sabia que s poderia

ser o que tinha dentro de mim para ser se voltasse para meu pas. estava em mim ser um poeta e um pintor! " parou, e bateu com o punho na mesa, um punho que era como de ferro. depois, ergueu-se e ficou de p: "e sou um poeta e um pintor! sou um grande poeta e um bom pintor, e gosto dos meus poemas e de minhas pinturas! e gritarei isto na rua, se sentir que gosto de fazlo! " estava gritando isso l no estdio, como um rapaz contando suas proezas em algum esporte favorito. subitamente, sorriu, uma estranha espcie de sorri so, que ps nublados os meus olhos. "sou um pavo vaidoso?" perguntou. "ou voc tambm gosta dos meus poemas e minhas pinturas?" mas, antes que eu pudesse responder fez "psiu! ", com dois dedos sobre os lbios, e disse: "eu sei." e comeou a caminhar para cima e para baixo. "bem... quando cheguei a beirute e fui para o colgio iniciar meu curso, perguntaram-me: 'quem te trouxe aqui? quem est contigo nisto?' espiguei-me eu no era muito alto, voc sabe - e disse: 'senhor, ningum me trouxe aqui. estou s.' naturalmente sabiam - tinham as cartas. . . e ento tudo ficou claro na minha mente. no havia mais nuvens. meu esprito no estava mais confuso. eu estava com meu prprio eu e isto era bastante." ali, ento dois anos mais tarde, escreveu a primeira verso de o profeta e, tendoo escrito, o ps de lado, sabendo, disse, que era "um fruto verde", sabendo que 57 ' dia chegaria em que o tomaria de novo e ele seria uma fora em sua mo. "esse ser", disse (referindo-se a al-mustafa) "esteve sempre comigo, penso eu." tem-me parecido, a mim, e a muitos outros, que almustafa era o prprio gibran; que, se se quisesse ter a autobiografia de seu esprito, poder-se-ia l-la em o profeta e em o jardim do profeta, que veio algum tempo depois. outros trs anos, e, com a vida colegial concluda com as maiores honrarias, foi para paris, para embarcar na grande aventura da sua vida de pintura. a histria daquele perodo da devoo a um propsito inaltervel: trabalho, trabalho e mais trabalho. poderamos relatar incidentes que ocorreram, amizades que formou, todas as quais tiveram seu efeito sobre o futuro da vida desse homem, enrijando suas foras contra os anos vindouros, no sabendo ele, embora possuisse capacidade de pressentimento, quanto esses anos seriam cheios de luta e de dor. a histria de o profeta, desde o princpio, , creio eu, sem paralelo. gibran levou-o consigo quando foi para paris, e da para boston, quando foi chamado, ento um jovem de vinte anos, para junto do leito da me. e leu para ela o que tinha escrito do jovem al-mustafa. a me, sbia e prudente na juventude do filho como havia sido em sua infncia, disse: " um bom trabalho, gibran. mas ainda no tempo. ponha-o de lado." ele obedeceu-lhe ao p da letra. "ela sabia", disse, "muito mais do que eu, em minha verde juventude." aos vinte e cinco anos, novamente em paris, o jovem pintor agora largamente conhecido, que atrara a ateno e a amizade de rodin, e cujas pinturas duas vezes tinham sido expostas no salo, reescreveu todo o poema, ainda em rabe. lendo-o alto para si mesmo, que agora no tinha me viva para aconselh-lo, disse: " um bom trabalho, gibran. mas o tempo ainda no chegou ainda no. ponha-o de lado! " e uma vez mais a histria de al-mustafa, o eleito e o bem-amado, foi posta de lado, at se passarem outros dez anos.

durante dois desses anos intervenientes, gibran permaneceu em paris - mais trabalho, mais estudo, mais amizades. encontrou e retratou alguns dos mais distintos homens do mundo das artes naquele tempo: henri rochefort, debussy, maeterlinck, edmond rostand, o jovem garibaldi, e rodin. pouco depois de sua volta aos estados unidos, gibran fixou residncia em nova york, sentindo que ali, no corao do mundo ocidental, encontraria um meio de trasladar para palavras e pinturas seu desejo de criar verdade e beleza e a essncia da verdadeira arte de viver. desejava uma vida de artista, e escolheu o velho edifcio studi.o da rua dcima oeste, o primeiro edifcio construdo nos estados unidos para uso declarado e exclusivo de artistas e escultores. esses arredores pareciam prestar-se a seu desejo de solido e liberdade para sua obra. foi l que estabeleceu uma amizade ntima com albert ryder, um solitrio como ele mesmo e, tambm como ele mesmo, carregando um fardo de tristeza sobre a alma, no completamente compreendido. e, por todo esse tempo, esse homem do lbano, um membro da companhia de imortais que visitam este planeta uma vez em mil anos com uma mensagem do altssimo, estava-se apresentando para entregar aquela mensagem atravs das cantantes palavras do poeta e a linha e a forma e a cor do pintor. ali ento, foi escrito o primeiro profeta em ingls. era o princpio da mensagem. o louco e o precursor tinham sido apenas a preparao, a projeo da sombra da entrega. tinham sido o gotejamento das fontes da montanha vindo das nascentes que existiam nas profundezas do solo daquele homem-terra. o profeta foi o rio. foi escrito novamente, no traduzido do rabe, mas composto e fixado diretamente em ingls. caminhando 58 59 acima e abaixo pelo estdio, parando para escrever na pgina, caminhando novamente, passeando nas noites , brancas de nosso inverno setentrional pelo central park, passeando pelos bosques de cohasset, perto do mar, du rante a estao estival, transformou a magia do gibran rabe na magia do gibran ingls. e este livro assom broso foi reescrito pelo prprio punho do poeta cinco vezes, num perodo de cinco anos, antes de ser dado impresso. a tarefa real de escrever seus poemas em ingls era sempre difcil para o poeta. quando podia caminhar, pensando em rabe e falando na traduo inglesa, sem a interrupo de ir mesa escrever as palavras, sentia- se feliz em plena criao. disse uma vez: "custou-me cinco anos escrever o profeta ingls. para voc, ele poderia ser feito em um ano." a escrita era feita em cadernos marrons, sempre ca dernos marrons. gibran escreveu uma vez: "seria bom que algum pudesse resolver por mim todas as coisas da vida diria. estou to ocupado com uma coisa que no tenho tem po para escolher entre isto e aquilo." e, entretanto, mos trava a mais caprichosa e deliciosa insistncia acerca dos menores detalhes. tinha usado desde a infncia aqueles mesmos cader nos marrons, como livros de composio de um menino de escola. disse: "sabemos o que eles no sabem: que poemas s podem ser escritos em livros marrons! ", e ria-se de si mesmo por dizer isso. era seu hbito, quando o mais novo livro marrom fora trazido sua mesa, escrever na primeira pgina umas poucas palavras no seu amado rabe. no ltimo de todos os livros, as palavras eram estas: "ajuda-me, Deus a exprimir neste livro tua verdade envolta em tua beleza." e num

mais antigo: " meu irmo, todo problema que te perturbou, perturbou a mim tambm." assim foi o profeta terminado e publicado, com o de senho da face de al-mustafa no seu frontispcio, e onze 60 outros desenhos, que traziam aos olhos e ao esprito de nosso tempo um belo exemplo da verdadeira fora de gibran. antes, ela havia sido apenas vista de relance, no inteiramente mostrada em seu vasto poder e sua pura beleza. o livro foi recebido pela crtica da imprensa sem fanfarras ou mesmo entusiasmo, mas, na maior parte, com fracos elogios. isto veio em the bookman: a filosofia oriental exerce estranha fascinao sobre as mentes ocidentais. e um duplo atrativo quando essa filosofia vem na prosa potica belamente simples de o profeta de kahlil gibran. um.. . toque mstico dado ao livro pelos doze desenhos.. . de graciosos nus nascendo do caos, como para ilustrar o esforo para a claridade, de idias mais ou menos complicadas. e no times de londres: kahlil gibran um poeta do oriente prximo, que neste livro combina tudo o que h de melhor nos pensamentos cristo e budista, em uma srie de respo