YouTube e a revolução digital

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Não há melhor exemplo da cultura participativa na Web do que o YouTube. O site que iniciou suas atividades em junho de 2005 como um mero repositório de vídeos evolui para um espaço onde os usuários “se transmitem”. Ao mesmo tempo em que é um novo ambiente de poder midiático, também é uma mídia de massa. A lógica cultural do YouTube não passa pela diferenciação “amador” x “profissional”, mas pela apropriação realizada pelos participantes no site e fora dele. Para o YouTube, a cultura participativa não é somente um artifício ou um adereço secundário; é sem dúvida, seu principal negócio. Apesar de potencializar a cultura colaborativa, a arquitetura e a filosofia do YouTube ainda tornam a participação mais individual do que coletiva. Entretanto, os usuários do o YouTube podem utilizá-lo para conectar-se às redes sociais e culturais para além dos domínios do YouTube, integrando conteúdo e circulando conhecimento. Não seria demais dizer que o YouTube consiste em uma esfera cultural pública, potencializado a cidadania cultural cosmopolita, uma vez que os vídeos mais frenquentes armazenados no site dizem respeito à vida cotidiana dos cidadãos, seus valores, pensamentos e cultura. Por fim, ao pensar sobre o sucesso do YouTube, fica claro que o site soube casar a parte comercial com uma plataforma de participação cidadã. Ao mesmo tempo em que cadeias de TV enxergam no site uma forma de convergência e mecanismo para atrair a atenção do público, uma cultura marginal se apropria da plataforma para resgatar manifestações populares, promover eventos artísticos e, porque não, criticar o próprio YouTube quando este se distancia dos seus princípios fundamentais "aberto a todos" e "ambiente para transmitir-se". Esses são os principais argumentos defendidos por Jean Burgess e Joshua Green no livro “YouTube e a revolução digital – como o maior fenômeno da cultura participativa está transformando a mídia e a sociedade”, Aleph, 2009. A obra é divida em seis parte (A importância do YouTube, o YouTube e a mídia de massa, A cultura popular do YouTube, A

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Resumo do livro de Jean Burgess e Joshua Green, intitulado “YouTube e a revolução digital – como o maior fenômeno da cultura participativa está transformando a mídia e a sociedade”, Aleph, 2009.

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Não há melhor exemplo da cultura participativa na Web do que o YouTube. O site que iniciou suas atividades em junho de 2005 como um mero repositório de vídeos evolui para um espaço onde os usuários “se transmitem”. Ao mesmo tempo em que é um novo ambiente de poder midiático, também é uma mídia de massa.

A lógica cultural do YouTube não passa pela diferenciação “amador” x “profissional”, mas pela apropriação realizada pelos participantes no site e fora dele. Para o YouTube, a cultura participativa não é somente um artifício ou um adereço secundário; é sem dúvida, seu principal negócio.

Apesar de potencializar a cultura colaborativa, a arquitetura e a filosofia do YouTube ainda tornam a participação mais individual do que coletiva. Entretanto, os usuários do o YouTube podem utilizá-lo para conectar-se às redes sociais e culturais para além dos domínios do YouTube, integrando conteúdo e circulando conhecimento.

Não seria demais dizer que o YouTube consiste em uma esfera cultural pública, potencializado a cidadania cultural cosmopolita, uma vez que os vídeos mais frenquentes armazenados no site dizem respeito à vida cotidiana dos cidadãos, seus valores, pensamentos e cultura.

Por fim, ao pensar sobre o sucesso do YouTube, fica claro que o site soube casar a parte comercial com uma plataforma de participação cidadã. Ao mesmo tempo em que cadeias de TV enxergam no site uma forma de convergência e mecanismo para atrair a atenção do público, uma cultura marginal se apropria da plataforma para resgatar manifestações populares, promover eventos artísticos e, porque não, criticar o próprio YouTube quando este se distancia dos seus princípios fundamentais "aberto a todos" e "ambiente para transmitir-se".

Esses são os principais argumentos defendidos por Jean Burgess e Joshua Green no livro “YouTube e a revolução digital – como o maior fenômeno da cultura participativa está transformando a mídia e a sociedade”, Aleph, 2009. A obra é divida em seis parte (A importância do YouTube, o YouTube e a mídia de massa, A cultura popular do YouTube, A rede social do YouTube, A política cultural do YouTube e os caminhos incertos do YouTube) e conta com um artigo do Henry Jenkins (o que aconteceu antes do YouTube?) e um do John Hartley (utilidades do YouTube: alfabetização digital e a expansão do conhecimento).

YouTube e a revolução digital é uma boa síntese da atuação do site, como ele influenciou a Web, aponta elementos do sucesso do site, identifica a sua relação com a cultura participativa e plataforma para a cultura cosmopolita. Se me permite resumir o livro em um tweet diria: Um manual de instruções para analisar as potencialidade do YouTube e entender como ele se tornou o ambiente midiático mais importante da Web.

A seguir, as idéias mais importantes descrita pelos autores

A origem do YouTube

Fundado por Chad Hurley, Steve Chen e Jawed Karim, ex-funcionários do site de comércio on-line PayPal, o site YouTube foi lançado oficialmente sem muito alarde em junho de 2005.  (pg. 17 e 18)

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Receita do sucesso

O sucesso chegou em outubro de 2006, quando o Google pagou 1,65 bilhão de dólares pelo YouTube. Em novembro de 2007, ele já era o site de entretenimento mais popular do Reino Unido, com o site da BBC em segundo lugar. (pg. 18)

De acordo com a comunidade tecnológica, a ascensão do YouTube pode ser traçada a partir de um perfil do site publicado pelo respeitado blog de tecnologia e negócios TechCrunch em 8 de agosto de 2005, que entrou como destaque na home page do Slashdot, que criticou prontamente a arquitetura tecnológica do YouTube como o colocou em suas listas de sites que mereciam atenção (pg. 19)

Para Jawed Karim, o sucesso do site se deve à quatro recursos essenciais: recomendações de vídeos por meio da lista de “Vídeos relacionados”, um link de e-mail que permite o compartilhamento de vídeos, comentários (e outras funcionalidades inerentes a redes sociais) e um reprodutor de vídeos que pode ser incorporado (embed) em outras páginas da internet. (pg. 19)

Outra versão para o sucesso do YouTube está relacionada a um quadro cômico do Saturday Night Live que mostrava dois nova-iorquinos nerds estereotipados cantando um rap sobre comprar bolinhos e assistir As crônicas de Nárnia. Em dezembro de 2005 esse clipe – intitulado Lazy Sunday (Domingo de preguiça) – tornou-se o que poderia ser chamado de primeiro hit do YouTube. (pg.19)

Mudança na filosofia do YouTube – de repositório de vídeo para expressão pessoal

No início, o site trazia o slogan Your Digital Vídeo Repository (Seu repositório de Vídeos Digitais), uma declaração que, de alguma maneira, vai de encontro à exortação atual, e já consagrada, Broadcast yourself (algo como Transmitir-se). Essa mudança de conceito do site – de um recurso de armazenamento pessoal de conteúdo em vídeo para uma plataforma destinada à expressão pessoal – coloca o YouTube no contexto das noções de uma revolução liderada por usuários e caracteriza a retórica em torno da “Web 2.0” (Grossman, 2006b) (pg. 20 e 21)

Para o YouTube, a cultura participativa não é somente um artifício ou um adereço secundário; é sem dúvida, seu principal negócio. (pg.23)

YouTube como site de cultura participativa

Cultura participativa é um termo geralmente usado para descrever a aparente ligação entre tecnologias digitais mais acessíveis, conteúdo gerado por usuário e algum tipo de alteração nas relações de poder entre os segmentos de mercado da mídia e seus consumidores. (...) a definição de “cultura participativa” de Jenkins estabelece que os “fãs e outros consumidores são convidados a participar ativamente da criação e circulação do novo conteúdo” (Jenkins, 2006a) (...) as novas configurações econômicas e culturais que a “cultura participativa” representa são tão contestadora e incômoda quanto potencialmente libertárias. (pg. 28)

A criação e o compartilhamento de vídeos atuam do ponto de vista cultural como um meio de estabelecer redes sociais em oposição ao modo de “produção” cultural. (pg. 47)

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YouTube e mídia de massa

O YouTube representa claramente uma ruptura com os modelos de negócios da mídia existentes e está surgindo como um novo ambiente do poder midiático. Ele tem recebido muita atenção da imprensa e agora faz parte, mesmo que aceito de maneira relutante, do cenário da mídia de massa.

A classificação repetitiva do YouTube como site amador “abertos a todos” e não como um local de convívio comunitário ou experimentação artística, por exemplo, o situa como espaço no qual o público ou as massas vão se elevando da base, de maneira que os assuntos de interesse que o cercam estejam relacionados à ausência de leis, crise de conhecimento e o colapso dos valores culturais. Do mesmo modo, os discursos da mídia de massa sobre o YouTube têm o poder de definir os problemas que mais tarde assumirão a forma de políticas, leis e até mesmo uma forma material, fazendo com que as preocupações com “pirataria” ou “ciberintimidação” transmitam a impressão de que intervenções regulatórias são necessárias – como o Gerenciamento Digital de Direitos (DRM) para combater a pirataria ou bloquear o acesso de computadores escolares ao YouTube como o intuito de combater a ciberintimidação. (pg. 35 e 36)

Os significados do vídeo amador

Uma suposição comum que permeia os julgamentos mais elogiosos à democratização da produção cultural (Grossman, 2006a, 2006b) é a de que talento puro e simples combinado à distribuição digital pode se converter diretamente em sucesso legítimo e fama na mídia. (...) O YouTube já foi literalmente mitificado como um meio de Broadcast yourself (Transmitir-se) para o mundo da fama e da fortuna (43 e 44)

Popularização x democratização

O aumento da representação de pessoas comuns como celebridades temporárias ou em potencial na mídia de massa representa mais a “população” do que a “democratização” da mídia. (pg. 44 e 45)

Direitos autorais

A violação de direitos autorais propõe um discurso sobre a ameaça às indústrias do entretenimento representada por consumidores não avaliados mas imbuídos de poder. (pg 53)

YouTube como mídia de massa

A mídia só admite a importância cultural do YouTube apenas quando sua articulação com as formas tradicionais legitimadas podem ser demonstradas: debate político em massa, como a cobertura do debate YouTube/CNN como parte do início da campanha presidencial de 2008 no Estados Unidos (Feldman, 2007; Dilanian, 2007); ou educação e aprendizado institucionalmente legitimado, como se deu quando várias universidades de prestígio começaram a fazer uploads de vídeos de palestras e aulas completas no YouTube (Alexandre, 2007; E. Lee; Kessler, 2007) (pg. 59 e 60)

A revolução digital mudou os hábitos de consumo

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O consumo se tornou uma fonte de criação de valores e não somente seu ponto de chegada. O consumo de mídia, de acordo com esse modelo, se distanciou da atividade de “somente leitura” para se tornar um modelo de “leia e escreva”. (pg. 72)

Upload é uma prática social que produz sentido

O upload de conteúdo de mídia tradicional para o site constitui parte de uma gama mais sofisticada de práticas culturais do que uma simples tentativa de “compartilhar arquivos” ou de burlar sistema de distribuição nos âmbitos nacionais ou comerciais (pg. 74)

A agenda do YouTube

Frequentemente, as citações presentes na categoria Mais Vistos tendem a refletir os tópicos que já estão no topo da agenda pública e não as noticias mais recentes (pg. 74)

A circulação de conteúdo

O conteúdo circula e é usado no YouTube sem preocupações quanto a sua origem – ele é valorizado e gera envolvimento de modos específicos, de acordo com seu gênero e seus usos dentro do site, assim com sua relevância na vida cotidiana de outro usuários, e não pelo fato de seu upload ter sido feito por um estúdio de Hollywood, uma empresa de Web TV ou por um videoblogueiro amador. (pg. 83)

A rede social do YouTube

A YouTube Inc. pode ser vista como a “patrocinadora” da criatividade coletiva, controlando ao menos parte das condições sob as quais o conteúdo criativo é produzido, organizado e representado para interpretação das audiências (pg. 88)

Apesar da falta de elementos tradicionais das redes sociais, o YouTube cria uma rede social

A arquitetura do site não convida abertamente os usuários ao desenvolvimento de comunidades, colaboração ou trabalho de grupo orientado. (...) Não há um convite óbvio para a colaboração com outros usuários, para remixagem ou citação dos vídeos de outros usuários. (pg. 91)

Apesar de sua retórica comunitária, a arquitetura e o design do YouTube convidam mais à participação individual do que à atividade colaborativa; qualquer oportunidade de colaboração tem de ser especialmente criada pela própria comunidade do YouTube ou por meio de um convite especial da empresa. (...) No entanto, entradas colaborativas e remixadas de vlogs foram uma característica bastante notável nos conteúdos mais populares de nossa análise. (pg. 93)

A comunidade está presa a arquitetura do site

Os YouTubers, enquanto agentes culturais, não são prisioneiros da arquitetura do YouTube e apresenta a permeabilidade do YouTube como sistema. Ele se conecta às redes sociais e culturais que o cercam, e usuários integrados a essas redes movem seu

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conteúdo e suas identidades para dentro e para fora de vários sites. O YouTube nunca funcionou como um sistema fechado, fornecendo desde o começo ferramentas para incorporação de seu conteúdo em outros sites, como blogs. À luz dessas informações, é surpreendente que essa portabilidade de conteúdo em ambas as direções do site não receba maior suporte por parte do próprio serviço. (pg. 94)

Alfabetização digital

A alfabetização digital é um dos principais problemas da cultura participativa. (pg. 98)

A participação ativa e criativa também pode ser usada para ajudá-los a serem mais “críticos” em relação às mensagens da mídia. (...) “Alfabetização” não é uma coisa evidente que o indivíduo pode possuir, assim como não o são qualquer uma das outras “alfabetizações” específicas possíveis. Alfabetizações, de fato, são produzidas por contextos sociais e históricos e neles são praticadas. (...) “Ser letrado” no contexto do YouTube, portanto, significa não apenas ser capaz de criar e consumir o conteúdo em vídeo, mas também ser capaz de compreender o modo como o YouTube funciona como conjunto de tecnologias e como rede social. (pg. 99, 100 e 101)

A política cultural do YouTube

O YouTube é um empreendimento comercial. Mas também é uma plataforma projetada para viabilizar a participação cultural dos cidadãos comuns. Ele é um exemplo muito claro de uma tendência abrangente em direção a convergências conflitantes de formas de produção cultural comerciais e não comerciais no ambiente digital, onde esses tipos de produção cultural marginais, subculturais e comunitários são incorporados, em virtude de seu projeto, à lógica comercial das grandes corporações de mídia. (pg. 104)

YouTube como esfera cultural pública

O YouTube é grande e global o suficiente para ser levado em conta como um importante mecanismo de mediação para a esfera cultural pública. (pg. 107)

Pelo fato de grande parte do material simbólico mediado pelo YouTube ter sua origem na vida cotidiana de cidadãos comuns, ou por ser avaliado, discutido e custodiado por eles, é que o YouTube representa, em teoria, um site de cidadania cultural cosmopolita. (pg.110)

O YouTube é um site potencial para a cidadania cultural cosmopolita – um espaço no qual os indivíduos podem representar suas identidades e perspectivas, envolver-se com as representações pessoais de outros e encontrar diferenças culturais. (pg. 112)

Desafios para o YouTube

Encorajar anunciantes atuarem dentro do YouTube e não só colocar anúncios no YouTube (pg. 138)