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1 YSABEL, a CATÓLICA: Mulher, Rainha, Mãe, Guerreira... Senhora de dois Mundos Sônia Maria Ribeiro Simon Cavalcanti RESUMO: O objetivo deste artigo é revisitar o período em que viveu Ysabel, a Católica enfatizando sua postura como Rainha e focalizando alguns momentos mais significativos do reinado que compartilhou com Fernando de Aragão, unificando a Espanha e alargando os horizontes do mundo antigo com a descoberta da América. Palavras-chave: Ysabel a Católica, Espanha, América. ABSTRACT: The goal of this article is to re-visit the period during the which Isabel, la Catolica lived, giving emphasis her posture as a queen and focusing on some of the most important moments of the kingdom she shared with Fernando de Aragon, unifying Spain and enlarging the horizons of the ancient world with the discovery of America. Key words: Ysabel, la Católica, Spain, América. 1. UM POUCO SOBRE YSABEL “O que me comove é o parto de uma sociedade e de uma civilização – segundo uma lógica contrariada e mesmo feita de acasos. Não há nada menos 'factual' do que os fatos”. J. Le Goff. Na construção da memória, na diferenciação entre memória e história situa-se um ponto crucial. No tecer da memória o tempo aparece como elemento fundamental, o tempo histórico que trabalha as ações do indivíduo inserindo-o em um contexto específico, em um momento histórico que é peculiar a cada indivíduo que dele

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YSABEL, a CATÓLICA: Mulher, Rainha, Mãe, Guerreira...

Senhora de dois Mundos

Sônia Maria Ribeiro Simon Cavalcanti

RESUMO: O objetivo deste artigo é revisitar o período em que viveu Ysabel, a

Católica enfatizando sua postura como Rainha e focalizando alguns momentos mais

significativos do reinado que compartilhou com Fernando de Aragão, unificando a

Espanha e alargando os horizontes do mundo antigo com a descoberta da América.

Palavras-chave: Ysabel a Católica, Espanha, América.

ABSTRACT: The goal of this article is to re-visit the period during the which Isabel,

la Catolica lived, giving emphasis her posture as a queen and focusing on some of

the most important moments of the kingdom she shared with Fernando de Aragon,

unifying Spain and enlarging the horizons of the ancient world with the discovery of

America.

Key words: Ysabel, la Católica, Spain, América.

1. UM POUCO SOBRE YSABEL

“O que me comove é o parto de uma sociedade e de uma

civilização – segundo uma lógica contrariada e mesmo feita

de acasos. Não há nada menos 'factual' do que os fatos”.

J. Le Goff.

Na construção da memória, na diferenciação entre memória e história situa-se um

ponto crucial. No tecer da memória o tempo aparece como elemento fundamental, o

tempo histórico que trabalha as ações do indivíduo inserindo-o em um contexto

específico, em um momento histórico que é peculiar a cada indivíduo que dele

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participa e que dele se lembra na interação da sua, com as várias memórias que

partilharam o momento.

O indivíduo que organiza esse tempo de lembrar organiza-o segundo seu

instrumental pessoal de codificar o que lhe é interessante em contraponto com

aquilo que o desmerece, construindo um lugar de memória quase que sacralizado

por suas lembranças, lugar esse que se opõe a uma espécie de “porão escondido”

onde as outras lembranças - aquelas que não interessa guardar - são amontoadas

nos desvãos escuros e empoeirados do esquecimento proposital.

“O tempo em que se dizem os mitos e o tempo em que se cultuam os

mortos também se caracterizam por ser uma composição de

recorrências e analogias. A sua nota principal é a irreversibilidade.

Reversibilidade que é estrutura, pois abraça retornos internos” 1.

Ainda:

“O tempo reversível é, portanto, uma construção da percepção e da

memória: supõe o tempo como seqüência, mas o suprime enquanto o

sujeito vive a simultaneidade. O mito e a música que trabalham a fundo

a irreversibilidade são ‘máquinas de abolir o tempo’, na feliz expressão

de Lévi-Strauss... A memória vive do tempo que passou e,

dialeticamente, o supera” 2.

Eu me lembro do que não vi porque me contaram. Ao lembrar re-atualizo o

passado, vejo, ‘historío’ o que outros viram e me testemunharam.

É esse “lembrar”, “re-apresentar” um momento do passado vivido e construído pela

Rainha Ysabel I de Castela durante seu reinado, que pretendo compartilhar neste

artigo.

No dizer de um dos maiores especialistas em Ysabel “solo cuando haya sido

borrado com discreción el halo legendário, entonces podrá la gran reina ostentar

outro halo más preciado” 3, deixando entender que a “santificação” da rainha

impede que se revele seu perfil de estadista, de governante poderosa.

1.1 A CASTELA DE YSABEL

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A História de Castela desde o início da Idade Moderna até a morte de Felipe II é

marcada por quatro momentos significativos:

1. Fundação de um novo Estado (1474/1504 – morte de Ysabel);

2. Crise política e econômica que se inicia com a morte de Ysabel até a posse

de Carlos V e sua consolidação com a derrota de Villalar (1504/1523);

3. Castela atrelada á política imperial – no restante do governo de Carlos V,

entre as Cortes de 1523 e sua abdicação em 1555;

4. Durante o reinado de Felipe II e que durou 47 anos (Felipe II iniciou seu

governo de Castela, de fato, em 1551 – portanto, quatro anos antes da

abdicação de CarlosV).

Na fase 1 – Consolidação do Estado - o novo governo dos Reis Católicos contou

com alguns apoios inovadores, principalmente com o da Universidade.

Os principais “Estudos Gerais” da nova Espanha estavam centralizados em

Salamanca e em Valladolid. A estas duas Universidades o Cardeal Cisneros

acrescentou uma outra, do mesmo nível: Alcalá de Henares.

As Universidades agregavam ao governo um ganho cultural, contudo, à época, sua

influência limitava-se às áreas da política (ideologia) formando juristas e teólogos,

homens de cultura que iriam integrar os quadros administrativos do novo Estado.

Das Universidades saiam também moralistas e inquisidores que garantiriam a

conservação da fé e da religião, sempre a serviço da monarquia absolutista vigente.

A concentração de poder conquistada através da aliança entre Castela (Ysabel) e

Aragão (Fernando), superando os problemas da insegurança interna dos dois

reinos, facilitou a operação militar que seria a grande marca do reinado dos Reis

Católicos: o término da Reconquista com a vitória final sobre Granada onde Boabdil,

o “rei Chico” governava como último representante da dinastia dos nazaries.

Contudo, há que se estabelecer uma ligação estreita entre a Reconquista (queda de

Granada) a aversão a mouros e judeus e a Inquisição.

A alteridade explicitada maniqueísticamente entre fiéis (cristãos) e infiéis

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(muçulmanos e judeus) – ambos ocupando um espaço físico culturalmente

constituído e identificado como reduto de infiéis - levou a Guerra da Reconquista a

se transformar em uma “guerra Santa”.

A conquista de Granada significou a um só tempo a realização de um ideal do

medievo – a Reconquista – e a concretização de um propósito típico da Idade

Moderna: a unidade territorial.

A aceleração do processo da Reconquista provocou o esvaziamento da função

militar – até então desempenhada especialmente pela nobreza – ao tempo que

acelerou a criação do exército moderno permanente.

Outro ponto a ser destacado é que, envolvidos nas Guerras da reconquista – por

motivos tanto religiosos como pecuniários, e ainda por ser a guerra o esporte dos

nobres – a nobreza não tinha tempo, neste período, de conspirar contra os reis

dando a eles o tempo necessário para a consolidação de seus projetos e fazendo

cair no esquecimento as dúvidas quanto à legitimidade da ocupação do trono

castelhano por Ysabel 4.

Naquele período de guerras a autoridade da instituição monárquica também foi

reforçada: no reinado de Enrique IV os nobres tratavam o Rei (quase refém de seus

desmandos, dívidas e comportamentos pouco apropriados) como igual.

Ao final do reinado de Ysabel e Fernando, nobreza e clero, ou cooptados ou

seduzidos pela nova forma de governar obedecem humildemente as regras e as

imposições reais.

O poder real e seus efeitos atingiram também as cidades, centralizando suas

administrações e padronizando ações de mando e de justiça, sempre sob as ordens

reais e absolutas de Ysabel e Fernando.

No reinado, que Ysabel compartilha - em termos 5 - com Fernando inicia-se a

formação de uma consciência de pertencimento a um Estado6 que começa a

desenhar-se como nação, com um exército que nascerá das Hermandades 7 com

uma burocracia formada pela nova Universidade, com uma língua regrada pelos

estudos de Nebrija, com um território definido que se alarga além das fronteiras

européias e lança no Novo Mundo a semente deste castelhanismo de Ysabel.

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É o redesenhar de um mundo que se abre além das fronteiras demarcadas pela

Igreja e pelo saber por ela controlado, que rompe os grilhões com o antigo para se

lançar na descoberta do novo, na semente da globalização que interliga os homens

do Velho com os do Novo Mundo fazendo com que a língua castelhana, o Deus dos

castelhanos, seus valores e suas crenças universalizem-se, na ambiciosa

empreitada de conquistar espaços e almas.

“Por outro lado, nesta época Castela e Portugal eram Estados que

estavam se fortalecendo, enquanto que a França, a Borgonha e o

Império se dilaceravam”8.

O senhor da guerra - representado por Fernando - cede seu lugar à senhora da

conquista, uma Ysabel disposta a abraçar as visões do homem que media o mundo

por sua cobiça, que alargaria as fronteiras do conhecido pela vontade

inquebrantável de tornar-se um “Don”, de intitular-se “Almirante dos Mares”:

Cristóvão Colombo.

Se Fernando adequou-se aos paradigmas medievais, de príncipe sempre disposto

às batalhas, Ysabel ultrapassa a barreira e os grilhões do seu século e torna-se

rainha em três continentes: Europa, África e América - ainda que disso não

demonstre consciência nem valore o fato nos documentos em que enumera seus

títulos.

Enquanto Fernando trava suas batalhas, quase sempre em benefício de Castela,

Ysabel estabelece fortes laços com Inglaterra - através do casamento de sua filha

mais nova, Catalina, primeiro com Artur, e depois, ao se tornar viúva, com Henrique

VIII; com Portugal, através de Isabel, a primogênita, que morre ao dar à luz o

sonhado herdeiro que uniria definitivamente os reinos ibéricos, Don Miguel de la

Paz; com Portugal, mais uma vez, ao casar Maria, sua outra filha, com o mesmo D.

Manuel, viúvo de Isabel; com o Flandres, através do casamento de Juan, herdeiro

do trono e Príncipe das Astúrias, com Margarita. Juan morre pouco depois do

casamento, “de amores”, como relata o cronista Pulgar. Finalmente, a aliança mais

duradoura e profícua: casa Juana, conhecida como A Louca, com Felipe, O Belo,

pais do futuro Carlos V, Imperador dos Romanos e I de Castela, e de Fernando, pai

de Felipe II, Áustria.

Seria já, a Espanha de Ysabel e Fernando, pelo menos Castela, uma nação?

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A definição formal de nação, nas palavras de Maravall “un grupo humano que se

contempla como una multitud reunida, y en tal sentido, dotada de una cierta unidad

formal, bajo un aspecto determinado, y solo bajo ese aspecto” 9 parece encaixar-se

no perfil do novo governo que se iniciava sob Ysabel e Fernando.

Há que se levar em conta também a natureza comum de seus membros

constitutivos, ou seja, a mesma origem de seus cidadãos.

Textos castelhanos antigos usavam as palavras “nación” e “generación” como

equivalentes, mostrando que o conceito de ‘nação’ ainda não estava esclarecido.

A partir de Hauriou 10, nação pode ser “una mentalidad” ou, mais modernamente, do

ponto de vista sociológico, pode ser um conjunto de vários fatores como raça,

língua, religião, cultura, geografia, noção de pertencimento; a relação entre um

conjunto de seres humanos que, normalmente assentados em um dado espaço

concreto, apresentam-se como um grupo cultural homogêneo, ou seja, como uma

“nação”.

Pode-se ainda agregar um outro fator para o entendimento do conceito de nação: o

conjunto de direitos e deveres compartilhados pelos membros de uma comunidade

que se organiza politicamente.

Deste modo, o homem natural se transforma em “cidadão” ao aperceber-se,

conscientemente, de que está ligado a outros iguais em direitos e deveres, dotados

de possibilidades de participação política e comprometidos com o futuro e com a

preservação atual dos bens e legados comuns.

Para Max Weber,

“El concepto de nación lo encontramos siempre orientado hacia fuerza

política, y así lo que se expresa con la voz nacional - si en general es

algo unitario - es una específica manera de “phatos”, el cual en grupo de

hombres ligados a través de una comunidad de lengua, confesión,

costumbres o destino, enlaza con una idea de organización de fuerza ya

existente o deseada” 11 .

Segundo a visão de Weber, poderíamos ter os traços da “nação” na Espanha dos

Reis Católicos? Parece-me que sim, uma vez que todas as condições explicitadas

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pelo autor são encontradas.

Contudo, para a maioria dos tratadistas de Ciência Política, a idéia de nação plena

só acontece com as primeiras revoluções liberais e a queda das monarquias,

fazendo com que o referencial personalístico do Rei passe para o referencial

territorial e simbólico do Estado em sua soberania. Entretanto, alguns signos deste

Estado começam a aparecer no início da Idade Moderna, como, no caso, durante o

reinado de Ysabel e Fernando.

A união “nacional” de Castela em torno dos propósitos da Reconquista traça os

primeiros contornos de um território vinculado à idéia de “pertencimento”. Teríamos

aí, então, a terra, a geografia e a “nacionalidad” incipiente.

A língua, objeto da Gramática de Nebrija, a religião unificada e unificadora, a origem

compartilhada, a força das “Hermandades” que aos poucos se tornam um exército

permanente; a nascente burocratização das carreiras de serviço público com

exigências culturais e provas de competência, todos esses fatores interligados

anunciam já uma “nação” castelhana que nasce sob a coroa que Ysabel usa ainda

com “poder real e absoluto”, vestígio de um tempo que já se fazia distante e quase

anacrônico.

1.2 - YSABEL DE CASTELA

Nasceu Ysabel no ano de 1450, “en el mês de Noviembre, dia de Santa Elisabet en

Ávila” 12.

A partir desta afirmativa percebe-se que o início da vida de Ysabel é também motivo

de controvérsias, isto porquê, não há fonte documental nem narrativa da época que

registre o lugar, a data e hora do nascimento. O fato não é mencionado nem pelos

cronistas de seu pai, Juan II, nem pelos de Don Álvaro de Luna, eminência parda

que deixou registrados pelos cronistas grande parte dos feitos de sua época.

Segundo o “Comité Nacional Beatificación Isabel la Católica”, capítulo dos “Nobles

Caballeros de Isabel”13, “solo una fuente narrativa posterior (el historiador Gil

González Dávila, a principios del siglo XVII) hace referencia expresa al bautismo de

Isabel, y al hacerlo, señala la Parroquia de Santa Maria del Castillo, en Madrigal de

las Altas Torres”14.

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O texto de Gonzáles Dorea diz que Ysabel “recibió la agua del bautismo y el título

de cristiana en la Parroquia de Santa Maria del Castillo de la misma villa (Madrigal),

y dieron la el nombre de Ysabel”15.

Outra fonte documental aceita e citada por Azcona 16, o Doutor Toledo diz que

“Nació la Santa Reina católica Doña Ysabel, fija del rey Don Juan el

segundo, e de la Reina Doña Isabel, su Segunda mujer en Madrigal,

jueves xxii de abril, iiii horas e dos tercios de hora después del medio

día anno Domini mccccli años”17.

Ao afirmar que Ysabel nasceu em Madrigal, o Doutor Toledo confronta-se com a

opinião de Andrés Bernaldes del Castillo, o Cura dos palácios, que a faz natural de

Ávila, em 19 de novembro de 1450; e com Colmenares, que dá a Madrid o privilégio

de ter sido o berço da Rainha.

Entretanto, hoje há um consenso entre os estudiosos de Ysabel que aceitam ter ela

nascido em Madrigal de las Altas Torres, no dia 22 de abril de 1451, quinta-feira

santa, embora Palencia 18 e a Crónica de Juan II apontem como data do nascimento

23 de abril. Lucio Marineo Sígulo 19 diz que a rainha nasceu em 1449.

Juan II comunica ao reino o nascimento através do Conselho de Segóvia:

“Fago vos saber que, por la gracia de nuestro Señor, este jueves

próximo pasado la Reina Doña Ysabel, mi muy cara e muy amada

mujer, encaescio de una Infanta, lo cual vos fago saber porque dedes

muchas gracias a Dios”,

em carta datada de Madrid, 27 de abril de 1451 20.

Ysabel não foi a filha primogênita de seus pais: antes dela, Juan II e sua segunda

mulher Isabel tiveram uma outra filha que se chamou Maria e que morreu quase ao

mesmo tempo em que sua avó, Isabel de Barcelos, no ano de 1465.

A infância de Ysabel transcorreu em Madrigal, Arévalo, Tordesilhas e Valladolid,

cercada pela atenção da avó – Isabel de Barcelos, portuguesa -, e da mãe, até que

a primeira faleceu em 1465 e a segunda enlouqueceu após a morte de Álvaro de

Luna em 1453 e de Juan II, em 1454.

Segundo Pulgar, Ysabel,

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“...desde niña se le murió el padre, y aun podemos decir la madre, que a

los niños no es pequeño infortunio. Vinole el entender, y junto con él los

trabajos y cuidados; e lo que más grave se siente en los reales, mengua

extrema de las cosas necesarias”21.

Antes de morrer, Juan II antevendo os problemas que Ysabel e seu irmão Alfonso

teriam na corte do novo rei Enrique IV, resolveu refazer seu testamento

expressando sua vontade:

“...mando que la dicha reina, mi mujer, sea Tutriz y administrador de los

dichos Infantes don Alfonso y doña Ysabel, mis fijos y suyos, e de sus

bienes, fasta tanto que el dicho Infante sea de edad cumplida de catorce

años, y la dicha Infante, de doce años e que los rija e administre con

acuerdo e consejo de los dichos Obispos de Cuenca e Prior y fray

Gonzalo, mis Confesores e de mi Consejo, que son personas de quien

yo mucho fío...”22.

O testamento permite uma leitura interpretativa: Juan II já notava a loucura de sua

mulher, Isabel de Avis e tentou proteger seus dois filhos cercando a Tutriz de

homens sábios e de sua confiança. Não afastou a mulher do cargo de criar os dois

príncipes, pois sabia que, ao fazê-lo estaria condenando a rainha viúva a uma vida

de exclusão na corte do novo Rei Enrique IV. Entretanto, salvaguardou os

interesses de Ysabel e Alfonso nomeando co-tutores para garantir suas disposições

testamentárias.

Se Ysabel conquistou os louros de muitas vitórias – começando pela sua própria

ascensão ao trono de Castela – não deixou, contudo de ter uma vida cheia de

percalços, dores e sofrimentos: a morte prematura de seu pai; a loucura de sua

mãe; a corte de Enrique IV e a convivência com os costumes licenciosos que

aprendera a abominar; a morte do irmão e companheiro de infância, o “rei-menino”

Don Alfonso; a vida sacrificada nos tempos em que Enrique IV se recusava a

aceitar seu casamento com Fernando; os abortos – pelo menos quatro são

registrados pelos cronistas – que sofreu nas longas viagens pelo seu conturbado

reino; as mortes de sua filha Isabel, de seu filho amado Juan, do neto Don Miguel

de la Paz; a loucura de Juana; os quatro filhos adulterinos de Fernando – dos quais

não se descuidou...

Entretanto, Ysabel era, acima de tudo, uma mulher forte acostumada às perdas, às

guerras, às lágrimas escondidas, a conviver com a ameaça da loucura que afetara

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sua mãe e sua filha. Os mesmos ciúmes de Isabel de Portugal, sua mãe, causaram

a loucura de Juana, apaixonada por Felipe o Belo, que se defendia dizendo que “mi

señora madre és más zelosa que yo y nadie la consideró loca” 23.

De muitas morte morreu Ysabel e a muitas mortes sobreviveu. Aqueles que

estavam na linha de sucessão, Alfonso, Enrique IV, tiveram finais de vida que

lançaram suspeitas sobre a participação de Ysabel nos passamentos. Pedro Girón,

o noivo arranjado pelos acordos de Enrique IV com a nobreza, a poucos passos de

concretizar seu casamento com Ysabel, morreu de morte semelhante à de Alfonso

com terríveis dores de garganta, suspeita de assassinato, envenenamento, quem

sabe?

Não se pode esquecer que, no episódio Pedro Girón, Beatriz Bobadilha, a amiga de

infância de Ysabel, que viria a se casar com o converso Andrés Cabrera, futuro

Marquês de Moya, ofereceu-se para assassinar o pretendente indesejado caso ele

se aproximasse de Ysabel. Qual teria sido, naquele momento, a reação da futura

Rainha Católica? Os cronistas não registram.

Lacunas... Silêncios que a história não gravou mas que deixou para o pesquisador

do futuro a possibilidade de trabalhar com hipóteses, com suposições...

Após a morte de Ysabel, Juana, a Louca e Felipe o Belo assumem o trono de

Castela e, o novo Rei, buscou por todos os meios anular o que restou do poder de

Fernando.

Felipe o Belo tentou aproximar-se do Rei de França, Luis XII, porém Fernando

usando de astúcia, casou-se com a sobrinha do rei francês, Germana de Foix.

Com este casamento ocorrido menos de um ano após a morte de Ysabel, Fernando

se mostra um homem prático e pouco ligado a emoções duradouras e que sabe

aproveitar as oportunidades. Sabia que Felipe o Belo podia contar com o apoio dos

castelhanos que, depois de algum tempo do governo conjunto com Ysabel,

passaram a tratar o Rei Fernando de “Viejo Catalán” – referindo-se à sua origem e

ao seu não pertencimento à Castela, o que parece bastante estranho, uma vez que,

ao olhar a história do reinado dos Reis Católicos, vê-se sempre o Rei empenhado

nas causas da rainha, mais dedicado à Castela do que a Aragão seu reino por

herança, deixando, muitas vezes, de lado os seus interesses pessoais – como no

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caso da Guerra de Granada e dos assuntos pendentes da Cerdania e Rosellón -

para cuidar das guerras de sua mulher.

Talvez que esse ódio devotado pelos castelhanos a Fernando, sentimento esse que

se explicita com maior força após a morte de Ysabel, deva ter uma explicação mais

convincente do que o simples fato do velho rei não falar bem o castelhano ou de se

suspeitar que o povo tivesse tomado as dores de Ysabel em relação aos deslizes

matrimoniais do rei explicitados nos seus quatro filhos bastardos.

Parece que a história revelada até agora não dá conta de explicar essa aversão

castelhana ao rei que compartiu o trono de Castela com Ysabel. Esse é mais um

dos silêncios que, talvez um dia sejam esclarecidos.

Entretanto, há um ato que merece ser comentado: antes de casar - se com

Germana de Foix, Fernando, o Católico havia proposto casamento a, Dona Juana

(a Beltraneja), a excluída sobrinha de Ysabel que vivia reclusa em um monastério

em Portugal, pensando em, com esse casamento, pleitear novamente o trono de

Castela 24 .

A ser verdade essa proposta de casamento à Juana de Castela, Fernando estaria

lançando ainda mais dúvidas sobre a legitimidade do acesso de Ysabel ao trono de

Enrique IV, uma vez que, ao pretender utilizar a Excelente Senhora (como Juana

era tratada em Portugal) como alavanca para voltar ao trono de Castela era

necessário, primeiro, admitir a legitimidade dela no passado e, com isso,

deslegitimar Ysabel e seu próprio reinado.

Esse fato, se realmente aconteceu, lança uma nova dúvida sobre o caminho

percorrido por Ysabel para chegar a reinar em Castela e, pela participação

consciente de Fernando nos dois momentos – no passado quando se alijou Juana e

na ocasião em que pretendeu com ela se casar, vendo-a como herdeira possível da

coroa de Castela - traria a certeza de que Ysabel usurpou o trono que de direito

pertencia à sua sobrinha e afilhada.

A situação de Fernando em Castela, após a morte de Ysabel, era crítica. Os nobres,

seus antigos companheiros de armas, voltavam-lhe as costas.

2. América e Granada

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Ysabel considerou sempre a conquista de Granada como o principal feito de seu

reinado, inclusive mais importante que o descobrimento da América.

Após a rendição da cidade, Ysabel e Fernando regressaram a Granada para passar

uma longa temporada, em 1499. Contudo, o que observaram de seus novos súditos

os desapontou: a maioria da população constituída por mouriscos, continuava com

sua vida normal, seguindo seus costumes, sem que nada tivesse sido modificado.

Ainda que, formalmente tomada pelos cristãos, Granada continuava moura.

Foi o suficiente para que Ysabel delegasse a Frei Hernando de Talavera a

empreitada de converter seus novos súditos. O frei ocupado já com os negócios da

Inquisição delegou poderes para que Francisco Jimenez de Cisneros cumprisse a

missão.

Cisneros era um homem de grandes aptidões para o comando – como comprovou

ao gerir Castela durante a ausência de Fernando, após a morte de Ysabel – e não

titubeou em utilizar os procedimentos mais duros para cumprir seu mandado,

fazendo com que os mouros se convertessem compulsoriamente ao cristianismo,

queimando em praça pública vários exemplares do Corão.

A atuação de Cisneros marcou a mudança radical da política castelhana em relação

à população árabe, o que veio a provocar as primeiras revoltas contra os cristãos,

como a de Albaicín, em 18 de dezembro de 1499.

Entretanto, em uma ata a Talavera, um escrivão anota: “Ya non ay moros”, mas

havia, e eles estavam ali para sempre, parte do panorama, parte da serra Nevada,

nas pedras da Alhambra, nos desvãos da cidade, nas ruas estreitas onde ainda se

pode ouvir a voz do muezin chamando para as orações a Alá, eternos, como El

Andaluz, eternos como a própria Espanha.

A cristianização dos costumes e a necessidade de uma só fé para legitimar o poder

real, exigiam signos e, nenhum mais apropriado do que a Virgem Maria, esculpida

por quantos tivessem algum dom artístico para adornar uma Granada que se queria

redimida e cristã.

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Na situação política inaugural do “estado moderno” de Ysabel e Fernando, a

unidade de fé religiosa era condição indispensável da ordem social e uma premissa

para o total exercício do poder como o pretendiam os reis.

Enquanto na América a alternativa seria a guerra (extermínio) ou a evangelização,

em Granada a alternativa seria posta entre o batismo e a expulsão dos judeus e

muçulmanos que não aceitassem a fé cristã. Nos dois casos - América e Granada -

aparece um paralelismo produzido pela proposta política-religiosa. Entretanto, os

procedimentos e atitudes foram muito diferentes e dependeram, em grande medida,

da coesão cultural-religiosa dos dois grupos afetados, coisa de que, segundo

parece, Ysabel e Fernando estavam cientes.

A relação com os muçulmanos foi bastante diferente da que se estabeleceu na

América com os nativos.

Os agarenos de Granada faziam parte de uma religião organizada e de uma

civilização muito mais complexa - segundo os padrões europeus - que dominava

toda a costa mediterrânea. Além disto, na Espanha havia uma relação antiga com

os muçulmanos que oscilava entre a convivência pacífica e a hostilidades, o que

explica o teor das capitulações que serviriam para manter a tranqüilidade durante

alguns anos, enquanto foram cumpridas.

Para Ysabel e Fernando, a conquista só estaria terminada com a completa

conversão dos mouros e judeus ao cristianismo o que, forçosamente, provocou a

ruptura nas relações entre os grupos afetados.

Em 1492, a grande maioria dos judeus espanhóis optou pela imigração, e os que

escolheram o batismo não tiveram oportunidade de voltar atrás: a Inquisição

encarregou-se de punir os recalcitrantes.

Com os mudéjares, entretanto, tentou-se a persuasão, embora com poucos

resultados, tanto em Granada como em Castela ou Aragão. Mesmo assim houve

mais alternativas para esse grupo e a expulsão total tardou um pouco mais,

principalmente se se levar em conta que os árabes detinham o conhecimento e a

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produção de hortaliças e cereais, além de outras atividades que se tornaram

indispensáveis ao cotidiano tanto de Castela quanto de Aragão.

As revoltas em Granada nos anos de 1500 e 1501 serviram para os reis como

argumento final para a proposta de conversão em massa, ainda que, neste

momento milhares de granadinos tenham optado pela emigração.

Em 1502, a medida da conversão massiva entendia-se por toda a Castela.

Entretanto, os conversos mouriscos eram apenas “investigados” pela Inquisição -

não punidos.

Apesar das tentativas de cooptação os mouros conservaram sua cultura e sua

religião sem que fosse possível romper essa identidade ou mesmo assimilá-la à

européia, ao contrário do que aconteceu na América, onde se deu uma fusão dos

costumes e acabou por triunfar a mestiçagem e uma religião personalizada que

nomeava antigos ídolos com os nomes dos santos cristãos.

Dessa diferença fundamental entre a América e Granada, estavam cientes tanto

Ysabel e Fernando como os religiosos encarregados do projeto salvacionista dos

dois grupos.

Talvez que o motivo esteja na maneira pela qual cristãos e mouros se percebem um

ao outro, resistindo a qualquer tipo de aproximação ou de busca de mediação dos

costumes, visceralmente opostos, culturalmente inimigos, convencidos cada um da

superioridade de sua cultura e, portanto, de sua religião.

A economia européia do século XIV encaminhava-se para a urbanização: floresciam

não só as cidades como o comércio urbano, aumentando a demanda por produtos

de luxo, pagos com ouro, dentre os quais se sobressaiam as especiarias e os

tecidos. A mais procurada dentre as especiarias, a pimenta da Índia chegou até

mesmo a ser aceita como meio de pagamento em contratos comerciais.

Com a tomada de Constantinopla pelos turcos e com a islamização dos tártaros, os

mercadores genoveses, venezianos e até os catalães que comercializavam com o

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Oriente viram-se arruinados da noite para o dia: a demanda por produtos orientais

crescia ao tempo em que a oferta diminuía por problemas bélicos e,

fundamentalmente, religiosos.

Impunha-se a necessidade de se encontrar novos caminhos para se chegar até os

produtores de especiarias e assim diminuir o preço – cada vez mais alto - das

mesmas.

Entretanto, desde tempos imemoriais, quando os fenícios,comerciantes e

navegadores encarregaram-se de disseminar lendas horríveis sobre os mares

desconhecidos, o homem não ousava cruzar os limites conhecidos, não passava

“além da Trapobana”, por medo dos monstros que povoavam as antigas rotas

comerciais ciosamente guardadas pelos antigos navegantes.

Em Portugal, com a Escola de Sagres fundada pelo infante Don Enrique, alguns

progressos já tinham sido conquistados: alargavam-se as fronteiras marítimas. O

homem diminuía os seus medos enquanto alargava os limites dos seus sonhos.

Em Castela, Ysabel resolveu investir algum recurso na busca de rotas alternativas.

Como Portugal se adonava das explorações da costa Africana, Ysabel decidiu-se a

arriscar no desconhecido Cristóvão Colombo para tentar ver o que havia no além do

horizonte do “Mar Ignoto”: o Oceano Atlântico.

Colombo sabia que a 750 léguas da Ilha do Arquipélago das Canárias chamada

Hierro existiam umas pequenas ilhas (as Antilhas Menores e uma maior, Cuba, que

ele identificava com Cipango, o tão cobiçado Japão).

Colombo levava sobre os outros aventureiros e exploradores uma dupla vantagem:

sabia a que distância exatamente estava a terra do outro lado do Mar Oceano e

conhecia a rota que deveria percorrer para ir e voltar com um barco, ao sabor da

corrente do Golfo e dos ventos alísios. Atribuem-se essas informações a um

suposto náufrago “el piloto desconocido”, citado por muitos cronistas e

historiadores, a quem Colombo teria salvado a vida na Ilha da Madeira e que lhe

passou os segredos.

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Esta antevisão, o conhecimento prévio da empreitada que Cristóvão Colombo

iniciou no Porto de Palos, deu origem a que nas Capitulações de Santa Fé,

assinadas entre o genovês e Ysabel, no acampamento real de Granada a 17 de

abril de 1492, os termos sejam “que vades por nuestro mandado a descobrir e

ganar com ciertas fustas nuestras e com nuestras gentes ciertas islas e tierra firme

de la Mar Océana...” 25 , antes que a viagem primeira se realizasse concedendo o

mérito de um descobrimento que ainda não tinha se concretizado, mas que já se

dava por feito.

Nas “Capitulações de Santa Fé”, assinadas entre os Reis e Colombo, Fernando,

irritado com as pretensões do marinheiro genovês, sugeriu à Rainha que

abandonasse o projeto e deixasse Colombo vender suas idéias a outros reinos.

Entretanto, neste silenciar da História a respeito do que teria se passado, quais

teriam sido os motivos para Ysabel tomar partido de Colombo e dar seu apoio à

viagem? Como teria sido a interlocução entre a rainha – visionária, afilhada da

sorte? - e o prático Fernando, para quem a voz da guerra soava sempre mais forte

do que os apelos de um distante “talvez” em relação a um desconhecido que nem

mesmo falava sua língua?

Assim as duas partes pactuantes, os Reis Ysabel e Fernando de um lado, e

Colombo de outro, escondiam o que verdadeiramente sabiam em relação a esta

empresa de “tomada de posse do novo mundo”.

Colombo continuou trapaceando. Quando descobriu as jazidas de pérolas na Ilha

Margarita escondeu o feito até o momento em que sentiu que a Espanha sabia dos

seus tratos para descobrir um sócio capitalista que o ajudasse a explorar as

riquezas sem a participação de Castela.

Enquanto viveu Colombo foi um homem esquecido pelas notícias e pelos meios que

poderiam ter conferido a ele a fama e as glórias que tanto almejava.

Depois de sete longos anos – lembro-me aqui de Camões

“Sete anos de pastor Jacó servia,

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Labão, pai de Raquel serrana bela,

Mas não servia ao pai, servia a ela,

Pois a ela como prêmio pretendia...”

Colombo, servindo aos reis Ysabel e Fernando, conseguiu ver seus planos

aprovados:

Os reis – especialmente Castela - aportaram 1 140 000 maravedíes (emprestados

por Luís de Santágel, de antiga estirpe judia); Colombo entrou com outros 500 000

(emprestados por banqueiros florentinos) e a humilde comunidade da cidade de

Palos teve que colaborar com os 350 000 restantes, como multa pela violação do

tratado com Portugal sobre os direitos de exploração da Costa da Guiné e por

“ciertos deserbicios que el pueblo había hecho a los reyes”.

Tão insignificante investimento pode ser comparado com a recompensa: durante

um século e meio os espanhóis extraíram da América aproximadamente duzentas

toneladas de ouro e cerca de dezoito mil toneladas de prata, fora a madeira, as

pérolas, as especiarias e outros lucros, embora hoje se possa afirmar que esta

riqueza tornou-se uma das causadoras do descompasso da Espanha em relação ao

processo de industrialização do resto da Europa além dos problemas sociais, da

subida exagerada dos preços, da expectativa de se fazer fortunas com os metais

americanos, das bancarrotas, etc.

Para que o projeto colombino tivesse êxito, não se pode esquecer do desempenho

das caravelas. O especialista veneziano Alvise de Mosto escreveu em 1454: ‘La

carabela es la mejor nave de cuantas han llegado a la mar [...]; con tales barcos no

veo por qué razón no será posible navegar a cualquier parte del mondo “.

Com ventos favoráveis, as caravelas de Colombo, Pinta e Niña alcançavam onze

nós, o que significava uma velocidade enorme para os padrões da época, enquanto

que a Santa Maria, uma nau “muy pesada y no apta para el oficio de descubrir”, foi

pessoalmente pilotada por Colombo.

A angústia e o medo dos tripulantes – inclusive dos irmãos Pinzon, outros dois

pilotos – era acalmada por um padre que diariamente rezava no tombadilho uma

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missa seca, ou seja, sem a consagração do vinho para evitar que uma onda

pudesse derramar o “la sangre consagrada de Cristo”.

Muitas vezes, nós, os habitantes do Novo Mundo, olhamos para o momento da

chegada de Colombo a Guanahani como sendo a própria redescoberta do Paraíso,

feito único e necessário e, portanto, de fundamental importância para a História da

Espanha.

O descobrimento da América, ainda que posto em segundo plano em relação à

reconquista de Granada, indicará, no médio prazo, novos rumos para a expansão

atlântica espanhola e, no longo prazo, atrasará o ingresso do país na revolução

Industrial, na medida que, com o aporte das riquezas do Novo Mundo a Espanha

deixou de buscar alternativas internas para o seu desenvolvimento.

O ingresso de metais preciosos, ainda que não na quantidade sonhada ou esperada

pelos envolvidos na empresa colombina, aliado à expectativa que o “Novo Mundo”

trazia à gente de Castela naquele final de século fizeram com que a Espanha

ficasse desatenta aos processos que se desenvolviam no resto da Europa:

Inglaterra e França, principalmente, buscavam alternativas para o êxodo rural e a

conseqüente urbanização que deslocava um contingente cada vez maior de mão de

obra do campo para as cidades.

Enquanto isso, Espanha esperava o ouro prometido pelo visionário Colombo e

descuidava-se dos apelos iniciais da industrialização conservando suas práticas

antigas de exportar matéria prima e importar manufaturas.

No Novo Mundo os espanhóis acabaram estendendo seu domínio pela maior parte

do continente, com exceção do Brasil, possessão portuguesa até 1822 -

considerando-se o interregno de 1580 a 1640 quando a Espanha incorporou à sua a

coroa de Portugal.

Assim como a Guerra da Reconquista teve seus momentos de curta ou longa

duração, a conquista da América pode ser dividida em algumas etapas:

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1 – 1492 a 1508 – colonização restrita à Ilha Espanhola;

2 – 1508 a 1513 – estende-se a colonização às Grandes Antilhas e ao continente (Panamá);

3 – 1513 a 1535 – conquista caminha para o norte (México) e para o sul (Peru);

4 – colonos do México conquistaram a América Central e o sul dos Estados Unidos atuais, outros saídos do Peru entraram pelo Rio Amazonas e chegaram ao Chile. Expedições vindas da Europa encontraram o Rio da Prata, fundaram Buenos Aires e a Colônia do Sacramento e incorporaram o Paraguai.

Todas as conquistas foram sangrentas e devastadoras: o homem europeu não

conseguia aceitar a possibilidade da existência de civilizações grandiosas como as

dos Astecas, Incas, Maias e outros.

A imagem da conquista da América foi se formando moldada pelo saber técno-

científico e pela lógica do lucro. O homem americano se plasma, sempre, em

função do estrangeiro, aquele que lhe serve de espelho e de paradigma.

Mesmo o cenário do Novo Mundo, de início tão atrativo para seus descobridores,

aos poucos vai perdendo a magia, substituída pelos ruídos dos “huracanes”, pela

ameaça dos canibais, pelo perigo constante de animais selvagens, pela inexistência

do ouro tão cobiçado – e tão necessário para os colonizadores.

Se, por um lado, a expedição colombina, ao ser comparada com a Guerra de

Granada, teve um custo baixíssimo, as expectativas do retorno dentro do

bulionismo praticado e necessário, eram imensas.

Embora a Guerra de Granada tivesse sido quase que totalmente financiada pelo

papado, os outros projetos de Ysabel e Fernando dependiam dos ingressos de

Castela e Aragão: a política interna e externa, os exércitos e a corte eram atrelados

às finanças reais, como revelam alguns documentos.

A proposta que faço e que deixo em aberto, é uma comparação da Reconquista

com a Conquista da América em termos que possam avaliar desde o imaginário dos

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envolvidos até a práxis 26 nos dois momentos (tanto a explicitada como a

simplesmente “possível”).

Se Ysabel e Fernando pouca atenção deram à descoberta da América e tanta

ênfase emprestaram à Reconquista de Granada, isso deve ser explicado,

investigado e proposto como tema de debate maior envolvendo pesquisadores e

estudantes dos dois continentes para que possamos entender esse momento tão

significativo do governo de Ysabel e Fernando.

4. A MORTE E OS RITOS

“C´est la Mort qui console, helás! Et qui fair vivre.

C´est le but de la vie et cést le seul espoir,

Qui comme un élixir nous monte et nous enivre

Et nous donne le coeur le de marcher jusqu´au soir…”

Baudelaire

A morte era bastante ritualizada naquela sociedade castelhana regida pela

sacralização dos costumes.

Expressar os sentimentos referidos aos últimos instantes e à expectativa de uma

vida “na glória de Deus” fazia parte do cotidiano regulamentado por práticas que

remontavam às Sete Partidas de Alfonso X, o Sábio, no que se refere aos aspectos

civis, e pela Igreja, que se dedicava com afã a assistir e guiar seus fiéis nos últimos

momentos para garantir-lhes a entrada no reino de Deus.

Além disto, uma morte cristã regida pela Igreja, principalmente quando se tratava de

alguma personalidade importante - como o caso de Ysabel - contribuía para o

exemplo educativo do povo induzido a pensar o passamento como algo que ocorre

a todos, ricos ou pobres, rainhas ou mulheres do povo.

Morte e vida faziam parte de um todo intrinsecamente unidas e inseparáveis: uma

boa vida, regulada pela fé, por atos religiosos e morais, estava ligada à expectativa

de uma “boa morte”.

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Uma morte “anunciada” quando havia tempo de se fazer um testamento, dispor

convenientemente dos bens materiais, saldar dívidas e nomear herdeiros, morte no

próprio leito, assistida por sacerdotes que se encarregavam de encomendar aos

santos e anjos o moribundo e por familiares atentos ao conforto e às necessidades

terrenas últimas, era considerada uma boa morte.

Morte e vida estavam intimamente ligadas, uma dando sentido a outra: uma boa

morte deveria ser o reflexo de uma boa vida. O tempo para testar era o tempo

pedido em orações durante a vida para o arrependimento, para por em ordem as

contas com Deus. A morte súbita, intestada, era tida como uma espécie de castigo,

quando os céus não concediam ao mortal o tempo necessário para confessar-se,

dispor de seus bens, pagar suas dívidas.

Assim, de uma “boa morte”, morreu Ysabel, a primeira rainha do Mundo Novo,

Ysabel, a Católica, herdeira por sua vontade do trono de seu irmão Enrique IV, em

detrimento da filha deste, Dona Juana, vulgarmente chamada de “A Beltraneja”.

“La muerte estaba instalada en el centro de la vida, como recordaban los

frecuentes relojes, esqueletos, calaveras y hoces. Su memoria se

imponía por si misma, aunque tendiese a reforzarse mediante todo tipo

de artes plásticas; las buenas muertes, la muerte figurada de los

santos o de la Virgen fueron tema recurrente, con ánimo de la ‘propia’ 27”.

Considerando-se que “los fallecimientos reales eran expresión de religiosidad

externa, de duelo festivo, de obligación social en los pésames y de consecuencias

económicas en los lutos” 28, a morte há um tempo ritualizada e sacralizada da

Rainha Ysabel, acompanhada do Testamento visava a confirmação de seu direito

inalienável e indiscutível ao trono de Castela e, portanto, o seu dever de dispor

quanto à herança do trono, a linha sucessória daqueles que, assim como ela,

deveriam “pela vontade de Deus” estar acima de todos e governar Castela.

O luto público era tido como uma demonstração necessária de apreço ao Rei

falecido, fundamental para a confirmação da sacralidade da morte e da ritualização

cerimonial, uma evocação de costumes ancestrais, quando o rei morto era

queimado em uma pira de madeiras oloríficas e suas cinzas esparsas pelos seus

territórios para que seu espírito continuasse presente nos dias futuros.

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Depois de um período em que, “... le aumenta la fiebre por días” sem chances de

recuperação da saúde da rainha, em 1 de outubro já se esperava o desenlace:

“el tumor, se ha expandido por las venas y, poco a poco, se va

declarando la hidropesía. No la abandona la fiebre, ya adentrada hasta

la médula. Día y noche la domina una sed insaciable (...) el mortífero

tumor va corriéndose entre la piel y la carne. Vemos ensombrecerse los

rostros del Rey y de los camareros más íntimos. Ya se están haciendo

cábalas de lo que acontecerá una vez que ella falte...” 29

No dia 26 de novembro de 1504, no Palácio Testamental 30 situado na Plaza Mayor

de Medina del Campo morreu Ysabel I.

Embora conhecedor já das disposições testamentárias de Ysabel, Fernando não

demonstra, pelo menos no comunicado, nem mágoa nem discordância das últimas

vontades da rainha. Seu empenho pela causa castelhana, muitas vezes o levou a

deixar em segundo plano os interesses aragoneses, o que traria, como

conseqüência, um estranhamento dos seus súditos hereditários para com ele.

Por outro lado, a dedicação à Castela não foi recompensada como Fernando

pretendia. Por ser mais afeito à guerra do que às artes e ao nascente cultismo

castelhano, Fernando seria conhecido no reino que compartiu com Ysabel como “el

viejo catalán”, refletindo sua origem e o distanciamento deste novo castelhanismo

fundado por Ysabel e deixado por ela como herança para Juana, a que passaria

para a história como “A Louca”.

O comunicado oficial de Fernando aos reinos expressa a ligação profunda que

existia entre os que foram chamados “Reis Católicos”.

“Hoje, dia em que foi datada esta, (26/11/1504), aprouve a nosso

senhor levar para si a sereníssima rainha dona Ysabel minha mui cara e

mui amada mulher, e ainda que sua morte seja para mim o maior

trabalho que nesta vida me pudesse vir e por uma parte a dor dela e

pelo que ao perdê-la perdi eu e perderam todos estes reinos, me

atravessa as entranhas; mas por outro lado, vendo que ela morreu tão

santa e catolicamente como viveu, o que nos faz esperar que nosso

senhor a tenha em sua glória que para isto é melhor e mais perpétuo

reino que os que aqui temos, pois que a Nosso Senhor assim aprouve,

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é razão para nos conformarmos com sua vontade e dar-lhe graças por

tudo o que faz; e porque a sereníssima rainha, que tenha a santa glória,

em seu testamento deixou ordenado que eu tivesse a administração e

governo destes reinos e senhorios pela sereníssima rainha dona

Juana... o que está de acordo com o que os procuradores de cortes

destes reinos suplicaram nas cortes de Toledo de 1502 que se

continuaram em Madrid e Alcalá em 1503, por fim eu encarrego e

mando que logo que concluirdes as datas das exéquias a que sois

obrigados alceis e mandeis alçar pendões nesta dita vila pela

sereníssima Rainha dona Juana nossa filha como Rainha e senhora

destes reinos... Encarrego muito cuidado, como sempre o tiveram, na

execução da justiça (tradução da autora).

En Medina del Campo, a 26 de noviembre de 1504 “ 31. Yo, El Rey.

Naquele dia vinte e seis de novembro de 1504, descia a cortina sobre o ato final da

Epopéia de Ysabel, a primeira rainha de dois mundos.

Sobre seu passamento há outros testemunhos como o de Angleria, para quem:

“Exalou a Rainha aquela sua alma grande, insigne, excelente em suas

obras. A terra fica sem a melhor de suas prendas; nada semelhante se

havia conhecido nem se lê na História que Deus e a Natureza tenham

dado ao mundo uma mulher como esta, nem Rainha de tal qualidade.

Aquelas que empunharam o cetro e a quem a antigüidade celebra ou

por seus dotes de espírito ou por sua brilhante história, como Semíramis

ou outras semelhantes, não têm a auréola do elogio completo, seja

pelos costumes licenciosos ou por seu descuido com a religião. Mas

nesta nossa Rainha todo o mundo sabe como era em suas decisões

para empreender as grandes obras e em sua constância para levá-las a

término; os que tomastes parte nelas conheceis melhor que eu sua

firmeza em desterrar os vícios e promover a virtude” 32.

“Tiemblo al pensar que con ella nos abandonen la religión y la virtud. Es

deseable partir, llamados de la tierra, hacia donde ella se encamina.

Sobrepasando toda grandeza humana, vivió de tal modo que nos es

posible que muera; con la muerte terminará su mortalidad, pero no

morirá...”33.

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Nota-se que a morte da Rainha comoveu aqueles que a cercavam não só pelo seu

sofrimento - a hidropisia fazia com que padecesse de dores cruéis, além da perda

constante de sangue -, como pela importância do papel de Ysabel no governo dos

reinos que lhe pertenciam e pelo carisma que permeava suas relações com todos

os seus súditos.

Além disso, comovia aqueles que a acompanhavam em seus últimos momentos, a

força, a determinação de não se entregar ao sofrimento nem deixar que a vissem

sofrer, tendo sempre o cuidado de cobrir seu rosto com um lenço para que não

vissem nele os sinais da dor.

5. O TESTAMENTO

“Testatio mentis son dos palabras de latín que tanto

quieren decír en romance como testimonio de la

mente del hombre, y de estas palabras fue tomado el

nombre testamento”.

Las Siete Partidas de Alfonso X, O Sábio. Partida 6,

Ley 1.

“Até o mais prosaico dos documentos pode ser comentado, quer na

forma quer no conteúdo, em termos de imaginário. O pergaminho, a

tinta, a escrita, os selos, etc. exprimem mais que uma representação:

exprimem também uma imaginação da cultura, da administração, do

poder. O imaginário do escrito não é o mesmo da palavra, do

monumento, da imagem. As fórmulas do protocolo inicial, das cláusulas

finais, da datação, a lista das testemunhas – para não falar do texto

propriamente dito – refletem não só as situações concretas, mas

também o imaginário do poder, da sociedade, do tempo, da justiça,

etc.”34.

Alfonso X, o Sábio considera que o testamento é algo que os homens devem fazer

com cordura de mente por dois motivos: “(...) la una, porque en ellos muestran cuál

es su postrimera voluntad; y la otra, porque después que todos los han hecho, si se

mueren, no pueden otra vez tornar a enderezar ni hacerlos por completo (...)35.

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A origem consuetudinária da coroa castelhana faz com que se torne necessário

buscar nos testamentos as normas que regulam a sucessão do trono. Testar era

não só um privilégio como uma obrigação dos reis que, deste modo, deixavam

dispostas as regras de sua própria sucessão e as determinações concernentes ao

governo de seus reinos, entre outras medidas, refletindo o momento em que são

escritos, carregados dos símbolos e das representações de uma determinada

sociedade em um dado momento histórico.

Os Testamentos, abertos ou fechados, são as escrituras das últimas e derradeiras

vontades de alguém que se prepara para a morte. A eles se somam, algumas

vezes, as determinações das últimas vontades, os Codicilos, ou cláusulas feitas à

parte, e que integrarão o corpo do Testamento.

Na feitura de um documento que contém as últimas vontades de alguém que se

despede desta vida para enfrentar o julgamento do seu Criador há todo um ritual de

fórmulas necessárias para a validade tanto espiritual como temporal. Parece que,

no corpo do Testamento, o indivíduo que se esconde por trás das titulações,

emerge desprovido dos seus títulos por uns instantes iniciais assustado ante a

perspectiva de uma nova passagem, desta vez para o desconhecido.

A Rainha Ysabel, a Católica outorgou seu Testamento 36 na vila de Medina del

Campo, no dia 12/10/1504, duodécimo aniversário do descobrimento da América,

perante o tabelião e escrivão da corte Gaspar de Grizio e na presença das

testemunhas que o assinam.

O Testamento é complementado por um Codicilo outorgado ante o mesmo escrivão

Gaspar de Grizio, em Medina del Campo, no dia 23 de novembro de 1504, três dias

antes do falecimento da Rainha. Este Codicilo está guardado na seção de

Manuscritos da Biblioteca Nacional de Madrid.

Não se sabe ao certo a data de entrada de tão valioso documento no Archivo

Nacional de Simancas, mas tal fato ocorreu entre os anos de 1543 e 1545, como

conseqüência das solicitações feitas por Carlos V e por seu filho, Felipe II

(25/08/1545) para que todos os documentos referentes à Coroa e ao Real

patrimônio que estivessem em mãos de particulares fossem entregues para

integrarem o acervo do novo Arquivo Nacional.

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De maneira geral, a primeira parte do Testamento é constituída por fórmulas

religioso-confessionais, mais ou menos estandardizadas para dar ao ato de

distribuir bens materiais um certo significado espiritual, podendo com isto contar

com a benevolência da Igreja na execução das últimas determinações de um

indivíduo que, ao morrer, se declara cristão reforçando a mentalidade sacralizada

existente.

Além do seu valor ordenativo o Testamento possuía um significado extremamente

religioso na medida que servia para o testador colocar em ordem seus negócios

temporais, saldar dívidas, distribuir esmolas e doações a obras pias e,

principalmente, ratificar uma vida cristã, através da reafirmação de crenças e de

devoções, solicitando sempre de seus protetores - santos e anjos - que o

ajudassem no momento da passagem desta vida para a outra.

O Testamento também estratificava socialmente os indivíduos que o faziam

deixando aparentes as diferenças entre seus outorgantes, possuidores de bens e

de coisas de valor a serem doadas, e os outros, aqueles que morriam intestados

por não terem bens a legar.

“Una vez puestos los medios para solucionar ‘el fin último para que el

fue creado’ era imprescindible saldar las deudas terrenas y adjudicar

legítimamente los bienes materiales: precisamente, esa resolución de lo

mundano era condición indispensable de la salvación eterna.”37.

Esta conjunção de interesses, cristãos, salvacionistas, pessoais, familiares, sociais,

dinásticos, econômicos, entre outros, faz com que o Testamento se revista de uma

certa sacralidade que, por vezes chocavam com os pretensos valores cristãos da

maioria dos nobres.

O Rei - neste caso, a Rainha Ysabel -, usa de todo o seu conhecimento religioso

para invocar os santos, anjos e arcanjos, cada um dentro de sua “especialidade”

para ajudar neste instante em que, pela vez primeira, o detentor de um poder de

vida e morte sobre seus súditos, aquele que está acima de qualquer julgamento

humano, vai ser julgado pelo Deus em que acredita, por seus atos e omissões, pelo

próprio desempenho enquanto “ungido” Rei - ou Rainha -, “pela graça de Deus”.

“La protestación de la fe, lugar de su entierro, y misas que le han de

decir; los albaceas que lo han de cumplir, herederos que lo han de

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suceder, y revocación de otros testamentos que hayan hecho antes, son

las partes esenciales que hacen testamento” 38.

Os Codicilos servem principalmente para alterar - ou complementar - os mandados

e legados contidos no testamento original e suprir alguma dúvida ou ponto pouco

claro existente no mesmo.

Genericamente são usados também para retificar alguma disposição de ordem

econômico-financeira devido a possíveis alterações patrimoniais do testador, assim

como renomear testamenteiros e executores por conseqüência de falecimento de

algum dos nomeados originalmente. O Codicilo só afetava e alterava as disposições

explicitamente contidas nele, preservando-se, na íntegra, todo o resto do

testamento original.

“Los codicilos son como cláusulas hechas à parte, en que explican la

parte que es necesario del testamento, o añadir, o quitar lo que el

testador quisiere, como no sea revocar, ni nombrar herederos; que esto

solo se puede hacer en el testamento” 39.

Aparece, também, de maneira meridiana no Testamento, a visão sócio-política e

econômica desta mulher que dispôs, não só dos seus bens e títulos, mas vinculou-

os à Castela fortalecendo sua pátria natal com determinações que abarcavam seus

filhos, netos, bisnetos e, de maneira geral, todos quantos viessem a reinar após ela.

Inicia-se o Testamento da Rainha Ysabel, invocando Deus, a Santíssima Trindade,

a Virgem Maria “nuestra madre y abogada”, Arcanjos, Santos e Anjos, confirmando

sua fé católica e suas devoções particulares.

Terminado o primeiro parágrafo - em louvor ao sagrado -, Ysabel se qualifica, com

todos os seus títulos terrenos “rainha de Castela, de Leão...” sem, no entanto,

mencionar a América, o Novo Mundo, aquele Mundo Novo que, graças ao seu

empenho, à sua visão política, Colombo tinha tomado posse para a Coroa de

Castela.

Deve-se notar que a ênfase dada à Granada, pelo menos durante a vida de Ysabel,

era muito maior do que a importância do feito colombino. A Reconquista de Castela

teve, à época, um significado maior do que a chegada de Colombo à Guanahani.

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Dentre os títulos mencionados por Ysabel, existem condados, marquesados,

propriedade de cidades e vilas, mas, em nenhum momento se refere às terras do

Novo Mundo encontradas por Cristóvão Colombo das quais era, por direito, rainha.

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

“Cabe ao historiador (...) comunicar pelo texto escrito o ‘calor’, restituir ‘a

própria vida’. Mas não nos devemos iludir: esta vida que ele tem por

missão instilar é sua própria vida. E nisto ele tem tanto mais êxito

quanto mais sensível se mostra. Deve controlar suas paixões, mas sem

estrangulá-las, e tanto melhor desempenhará seu papel se se deixar

aqui e ali levar por elas. Longe de afastá-lo da verdade, elas têm todas

as possibilidades de aproximá-lo ainda mais. À história seca, fria,

impassível, prefiro a história apaixonada. Inclinar-me-ia mesmo a

considerá-la mais verdadeira” 40 .

Caminhar com Ysabel e Fernando pelos caminhos de Castela compartilhar

emoções, capturar um ‘quanta’ da história vivida em um momento em que o homem

e o mundo se descobriam, perceber as tramas, os dramas, entrar nos palácios

quase pobres daquele momento e vislumbrar, numa sombra que ainda se desenha,

um vulto esquivo que a história esqueceu de registrar, uma mulher que agoniza e,

nestes últimos momentos, toma posse do futuro do mundo, do seu mundo, legando

poderes, fazendo contratos desfazendo mandados, senhora ainda de todo o poder

real e absoluto, é assim como um privilégio, uma oportunidade de viajar, durante

quase cinco anos pela História guiada por sábios que estavam lá, testemunhas dos

fatos acontecendo, senhores do tempo preservado, cronistas, historiadores,

cantores do povo, literatos, que, a cada momento me ofereciam suas informações

tornando a aventura uma constante descoberta.

Chamo Georges Duby para me resguardar, ele também que soube se apaixonar –

sem receios acadêmicos – por seus objetos de estudos e declarar sua paixão,

justificando-a.

Confesso minha paixão.

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Se, de início, busquei ser o mais imparcial que me fosse possível, a cada momento,

a cada documento lido e decifrado, minha suposição inicial de que, escolhendo

Ysabel como pano de fundo para minhas pesquisas descobriria a Espanha, assim

como no quadro de Dali, ao se fixar a vista na mulher etérea, percebe-se sua força,

pois ela está, da cabeça aos pés, “situada na Espanha”, senhora absoluta de seu

território, embora femininamente apoiada em um escaninho de muitas gavetas que

poderiam guardar os segredos.

Descortinei Castela, a semente da Espanha, uma Espanha plural, mística e pronta

para ser descoberta.

Descobri Ysabel.

Ysabel, Rainha/ mulher/ mãe/ guerreira/ fêmea ciumenta/ senhora do seu poder real

e absoluto, Senhora do “yugo” – o símbolo romântico escolhido por Fernando para

adornar seu escudos de armas por ser a inicial de Ysabel (ela escolheu as “flechas”

pelo F de Fernando), aquela que legou ao seu companheiro de jornada e de

guerras muitas, não o seu reino inteiro, mas o simples “governo” do mesmo,

enquanto deixava para sua filha Joana a coroa, essa figura enigmática que alguns

querem ver como santa, e a mim me parece mais uma guerreira valente, arraigada

nos seus propósitos, determinada a cumprir sus própria vontade e impor seu

castelhanismo ao mundo conhecido e àquele que viria a desvelar: legou a América

só para Castela excluindo os outros reinos.

Após minhas pesquisas sobre o reinado de Ysabel e Fernando verifiquei que não

existe, até este momento, nenhuma tradução dos documentos ysabelinos para o

português e, além disto, a historiografia sobre Ysabel – em espanhol inglês, francês

ou italiano – costuma somente reproduzir pequenos trechos – ou excertos – de

alguns documentos e fontes.

Mesmo os autores que se debruçaram com mais afinco sobre a história de Ysabel

não cuidaram em divulgar, por exemplo, o Testamento e o Codicilo que, do meu

ponto de vista, são significativos para o estudo do período, uma vez que, iluminam a

cena mais ampla desde os costumes cotidianos da corte às práticas religiosas, aos

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preceitos legais e jurídicos da feitura de uma carta de últimas vontades, à política

internacional daquele momento.

A não ser o trabalho da Dra. Amália Prieto do Archivo Nacional de Simancas que

traduziu magnificamente algumas correspondências trocadas entre Ysabel e

Fernando aduzindo a elas comentários sobre as circunstâncias em que tais

missivas foram escritas, as fontes primárias sobre esse período tão rico e tão

significativo para a História Universal, são distantes e de difícil acesso para o

pesquisador – notadamente para nós, os da América latina que só teremos acesso

a essas fontes se buscarmos diretamente nos arquivos espanhóis.

O Tratado de Tordesilhas, primeiro documento internacional que interessa

diretamente ao Brasil, por exemplo, merece um estudo mais aprofundado, não só

do ponto de vista da História como o das Relações Internacionais, quem sabe

podendo até mesmo lançar um pouco mais de luz sobre as viagens cabralinas à

“Ilha de Vera Cruz”, depois “Terra de Santa Cruz”, o Brasil.

Acredito ainda que o estudo e, especialmente, a compreensão do período, sejam de

fundamental importância para se estabelecer as ligações entre a Espanha e a

América - que se formava à sua imagem e semelhança -, alargando-se, portanto, o

entrelaçamento histórico que se possa fazer entre o Velho e o Novo Mundo e, para

isso, o trabalho de divulgação (de tradução para o português) de alguns

documentos poderão contribuir, encurtando distâncias e facilitando os novos

estudos que, certamente, deverão surgir, neste momento em que se busca o

“sujeito escondido”, uma nova possibilidade histórica para fatos que, até hoje,

pareciam cristalizados pela memória oficial.

Procurei, ao utilizar as fontes primárias para minha tese doutoral, traduzir o mais

fielmente possível optando pela reprodução exata do termo em seu equivalente

português, deixando muitas vezes de lado uma construção mais aprimorada para

preservar o “tom” de quem escreveu, tentando captar o momento, o ânimo do autor,

sua cultura, as cadeias de raciocínio, coisas que só poderiam ser feitas se

conseguisse transmitir o documento sem corrigi-lo, sem buscar para ele uma forma

mais elaborada de escrita.

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Espero, com este artigo estar contribuindo para que outros historiadores retomem

esta pesquisa e alarguem seus horizontes, embrenhando-se neste fantástico mundo

do amanhecer da modernidade, onde viveram, amaram, foram (in)fiéis, dispuseram

de destinos como se fossem deuses, reinaram em benefício deles, de Castela e de

Aragão – nesta ordem -, os que ficaram conhecidos como Reis Católicos: Ysabel de

Castela e Fernando de Aragão.

1) BOSI, A. "O tempo e os tempos", In: Tempo e História. São Paulo: Cia das Letras, 1992, p.36. iii) Idem, ibidem, p. 27.

3) AZCONA Tarsício. OpCit. p. XIII. 4) – Principalmente no que se refere ao caso “Beltraneja” , como era chamada Dona Joana, filha de

D.Joana de Portugal, mulher de Enrique IV e, possivelmente de don Beltrán de la Cueva, seu suposto

amante. Daí o apelido de “Beltraneja”. 5) Para maiores esclarecimentos ver o “Contrato de Casamento entre Ysabel e Fernando” 6) “El Estado moderno se formó ideológicamente no sólo mediante la traslación al reino de las notas

atribuidas por el derecho romano al Imperio, sino también por la adopción, por parte de la institución

política, de conceptos, imágenes, representaciones y sentimientos formados en torno de la institución

eclesiástica” In GARCIA-PELAYO, Manuel, “El Reino de Dios, arquetipo político” Madrid: Revista

de Occidente, 1959, p 225-226. 7) Para maiores referências ver: CAVALCANTI, S. M. R. S. Imagens no Espelho. PUC/SP, 1998 (tese

de doutoramento) “AS HERMANDADES”, p. 175-198. 8) FERRO, Marc. História das Colonizações: das conquistas às independências – séculos XIII a

XX. São Paulo: Cia das Letras, 1996, p. 25. 9) MARAVALL, José Antonio. El concepto de España en la Edad Media. Madrid: Espasa Calpe,

1954, p. 506. 10) HARIOU, M. Précis élémentaires de droit constitutionel. Paris: Clio, 1930, passim. 11) WEBER, Max. Economia y Sociedad. México: Fondo de Cultura Económica, 1969, p.678-682. 12) BERNALDEZ, Andrés. Crónica de los Reyes de Castilla Don Fernando y Doña Ysabel.

Sevilla: s/ed. 1870. – anotado por el licenciado Rodrigo Caro, p.575. 13) O “Nobles Caballeros de Isabel”, organização empenhada na beatificação e na posterior

santificação de Ysabel, à semelhança dos “Caballeros de la Hispanidad”- estes com sede em Medina

del Campo, têm seus escritórios em Madrid. 14) GIL, José Maria– Mistério de Isabel, la Católica. Madrid: “Nobles Caballeros de Isabel, 1992,

p.22.

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15) GONZÁLEZ-DÓRIA, Fernando. Las reinas de España. Madrid: Cometa, 1981,p.10-11. 16) AZCONA, Tarsício Pe. Isabel la Católica. Estudio crítico de su vida y su reynado.

Madrid:BAE, 1993, p. 11. 17) Cronicón de Valladolid, Diário del doctor Toledo: CODOIN, XIII, 20. O “Doutor Toledo”,

também citado por outros historiadores como Gaibrois, Walsh, dentre outros, não aparece nas fontes

documentais da época. Entretanto, após a pesquisa nos “Nobles caballeros”, conseguí uma pista de

que poderia encontrar algo sobre esta personagem, testemunha do nascimento de Ysabel, na Collección

Documentos Inéditos para la Historia de España, editados por Miguel Salvá y Sáinz Baranda. Com

efeito, nesta Coleção, no volume XIII da edição de 1848, na “Advertencia Preliminar”, pp. 7-10,

aparece que o doutor Toledo era médico da Rainha Católica, residente em Valladolid, de cuja

Universidade era médico. 18) PALENCIA, Alonso. Décadas. I, livro 2, cap. 1. 19) SÍGULO, Lucio Marineo. De rebus Hispaniae memorabilibus. Cap. 19. 20) Archivo Municipal de Segóvia, Cartas de Reyes y Principes. Leg. 20 número 4 (original).

Entretanto, para esta consulta, utilizamos a publicação em facsímile do Museo Español de

Antigüedades, IV, 283. Há também uma cópia do documento em CLEMENCIN, Diogo. Elogio de la

reyna Católica, D. Isabela. Madrid: Memórias de la Real Academia de la História, tomo VI, pp. 1-

54, 1821. (Discurso lido na Real Academia de la Historia em 31 de julho de 1807). 21) PULGAR, Hernando del. Claros Varones de Castilla. Letras. Glosa de las Coplas de Mingo

Revulgo. Madrid, Clasicos Castellanos: J. Dominguez Bordona, 1942, p. 35. 22) Testamento de Juan II. C.I.C. tomo IV, doc. 239, p. 36. As personagens citadas neste momento por

Juan II são Don Lope Barrientos, bispo de Cuenca, e o prior de Guadalupe, frei Gonzalo de Illescas.

Além destes dois, o rei acrescenta como co-tutores dos príncipes, Juan Padilha, seu camareiro e o

comendador de Montiel, Gonzalo Chacón. Este último acompanhará a Rainha durante toda a sua vida,

como conselheiro, confidente, secretário “sócio” em empreitadas e, principalmente, como conselheiro

político, uma vez que sua escola havia sido sua atuação como secretário particular de Don Álvaro de

Luna, um dos homens que mais entendia e tentava preservar o poder real absoluto que tanto encantava

Ysabel. 23) Apud GIL, J. M. Misterio de Isabel la Católica. Madrid: Comité Nacional Beatificación Isabel la

Católica – (Capítulo de Nobles Caballeros de Isabel), 1992, p. 125. 24) Esse assunto da proposta de casamento de Fernando à Beltraneja é tratado por GALÁN, Juan

Eslava. La Vida y Época de Los Reyes Católicos. Barcelona: Planeta, 1996, p. 252. O autor, embora

historiador de renome, não menciona sua fonte para essa afirmativa que só nesta sua obra encontrei.

Parece-me estranho que tal fato não seja mencionado por outros estudiosos do assunto, mas,

analisando a bibliografia citada por Galán, vejo que utilizou praticamente a mesma que utilizei, assim,

cito o fato por achá-lo, no mínimo, instigante e esclareço que não achei dele referência em outros

autores.

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25) RUMEU DE ARMAS, Antonio. Nueva Luz sobre las Capitulaciones de Santa Fe de 1492.

Madrid: C.S.I.C., 1985, p. 239 – Apéndice I. 26) Tomo aqui praxis no sentido utilizado por Michel Debrun: “... essa interpenetração e essa interdependência entre a consciência e a ação política que nos propomos a chamar praxis”. DEBRUN, Michel. O fato Político. Rio de Janeiro: FGV, 1962, p.55. 27) MARTÍNEZ, Gil. Muerte y sociedad en la España de los Áustrias. Madrid: Universidad

Complutense, 1991 (2 Vols.), p .775/778. 28) GARCÍA FERNÁNDEZ, Máximo. Los Castellanos y la Muerte - religiosidad y comportamientos

colectivos en el Antiguo Régimen. Valladolid: Junta de Castilla y León, 1996, p.60. 29) Carta de Pedro Mártir de Angleria dirigida ao Arcebispo de Granada e ao conde de Tendilla, datada

de Medina del Campo, 3 de outubro de 1504. 30) Alguns historiadores discutem ainda o local exato onde Ysabel teria Testado e morrido, dando

como opção o Castelo de la Mota, situado nos arredores de Medina del Campo. Entretanto, Luiz

Suárez Fernández - um dos maiores conhecedores da documentação e da história de Ysabel, aponta o

“palácio real de Medina del Campo, situado en una esquina de la plaza junto a la Colegiata de San

Antolín” -SUAREZ FERNÁNDEZ, Luiz. El Camino hace Europa. Madrid: Rialp, 1990, p. 338. 31) A.G.S., “Diversos de Castilla”, 1-70: “Otra del Rey comunicando que oy murio la Reyna”. 32) Carta de Pedro Mártyr de Angleria ao Arcebispo de Granada e ao Conde de Tendilla, datada de

Medina del Campo, 22 de novembro de 1504. A.G.S. “Diversos de Castilla”, 4-56. 33) Carta de Pedro Mártyr de Angleria ao Licenciado Polanco, 15/10/1504. In: SANCHEZ, Antonio B.

Sobre Medina del Campo y la Reyna Agraviada. Valladolid: Sever Cuesta, Prado, 1994, p. 91.

34) Le GOFF, Jacques. O Imaginário Medieval. Lisboa: Estampa, 1994, p. 13. 35) ALFONSO X. Las Siete Partidas. Partida Sexta, Título 1: De los Testamentos. 36) O Testamento está no “Archivo General de Simancas” - A.G.S. - no item “Testamentos Reales” e

foi publicado pela primeira vez em 1944, pelo mesmo Arquivo. Existe uma reprodução em faxsímile,

edição de luxo, publicada pela Dirección General de Archivos y Bibliotecas del Ministerio de la

Educación y Ciencia, para comemorar o IV centenário do casamento de Ysabel e Fernando

(Valladolid, outubro de 1469 - Madrid, outubro 1970). No Arquivo da Causa de Isabel la Católica -

C.I.C. - onde estão todos os papéis apresentados à Santa Sé para a canonização de Ysabel - o

Testamento encontra-se no tomo XXIV, doc. 2961, págs. 19-38.

37) GARCÍA FERNÁNDEZ, Máximo. Los Castellanos y la Muerte- Religiosidad y comportamientos

colectivos en el Antiguo Régimen. Valladolid: Junta de Castilla y León, 1996, p. 24. 38) MELGAREJO, Pedro. Compendio de contratos públicos. Autos de particiones, ejecutivos y de

residencia. Madrid: s/ed. 1704. p. 86. 39) MELGAREJO, Pedro. OpCit. p. 76. 40) DUBY, Georges. A História Continua. Rio de Janeiro: Zahar/ UFRJ, 1993, p. 61-62.

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