Zabala - A Prática Educativa Como Ensinar - 1998

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Zabala - A Prática Educativa Como Ensinar - 1998

Transcript of Zabala - A Prática Educativa Como Ensinar - 1998

  • pitih r piifoe paulas e uiienlaees que \ isain a melharu-la.

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  • PrticaEducativaC o m o e n s i n a r

    Antoni ZabalaLicenciado em Pedagogia

    C l a s s . X j O JS l

    T o m b o | iTraduo:

    Z653p Zabala, AntoniA prtica educativa: como ensinar / Antoni Zaba

    la; trad. Ernn i E da F. Rosa - Porto Alegre : ArtM ed, 1998.

    Ernani F. da F. Rosa

    Consultoria, superviso e reviso tcnica desta edio: Nal Farenzena

    Professora da Faculdade de Educao da UFRGS. Doutoranda em Educao pela UFRGS.

    x ^ j x o e ; >/ '

    1. Educao - Prtica Educativa. I. Ttu lo

    C D U 371.3

    Catalogao na publicao: M nica Ballejo Canto - CRB 10/1023

    ISBN 85-7307-426-4

    ARIVEDPorto Alegre / 1998

  • Obra originalmente publicada sob o ttulo:La prclica educativa: cmo ensefiar EditorialGra, deServeis Pedaggics, 1995 ISBN 84-7827-125-2

    Capa:Mrio Rhnelt

    Preparao do original: Mda Rejane Barcelos

    Superviso editorial: Letcia Bispo de Lima

    Editorao eletrnica: Formato Artes Grficas

    Sum rio

    Reservados todos os direitos de publicao, em lngua portuguesa, ARTMED EDITORA S.A.Av. Jernimo de Orneias, 670 - Santana90040-340 Porto Alegre RSFone (51) 3330-3444 Fax (51) 3330-2378

    proibida a duplicao ou reproduo deste volume, no todo ou em parte, sob quaisquer formas ou por quaisquer meios (eletrnico, mecnico, gravao, fotocpia, distribuio na Web e outros), sem

    PRLOGO.................................................................................................. 91. A prtica educativa: unidades de anlise...................................... 13

    - Objetivo: melhorar a prtica educativa....................................... 13- As variveis que configuram a prtica educativa.................... 16- As seqncias didticas e as demais variveis

    metodolgicas.................................................................................. 18- As variveis metodolgicas da interveno na aula................ 19- Os referenciais para a anlise da prtica..................................... 21- Breve resumo do livro ................................................................... 24- Referncias bibliogrficas.............................................................. 24

    2 A funo social do ensino e a concepo sobre os processosde aprendizagem: instrumentos de anlise........... ........... ........... 27- Funo social do ensino: que finalidade deve ter o sistema

    educativo?......................................................................................... 27- O papel dos objetivos educacionais............................................ 27- Os contedos de aprendizagem.: instrumentos de explicitao das intenes educativas ............... 29- Primeira concluso do conhecimento dos processos de

    aprendizagem: a ateno diversidade..................................... 33O construtivismo: concepo sobre como se produzem osprocessos de aprendizagem.......................................................... 36A-aprendizagem dos contedos segundo sua tipologia.......... 39A aprendizagem dos contedos factuais.................................... 41

    - A aprendizagem dos conceitos e princpios.............................. 42- A aprendizagem dos contedos procedimentais..................... 43- A aprendizagem, dos contedos atitudinais.............................. 46- Referncias bibliogrficas.............................................................. 51

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    7.

    As seqncias didticas e as seqncias de contedo............... 53- As seqncias de ensino/aprendizagem ou didticas......... . 53- Quatro unidades didticas como exemplo................................. 55- Critrios para a anlise das seqncias: os contedos de

    aprendizagem como explicitao das intenes educativas .... 59- A concepo construtivista e a ateno diversidade............... 63- As seqncias de contedo, outra unidade de anlise............. 76- O ensino segundo as caractersticas tipolgicas dos contedos .. 79- Referncias bibliogrficas.............................................................. 86As relaes interativas em sala de aula: o papel dosprofessores e dos alunos.......................................................... 1....... 89- As relaes interativas................................................................... 89- A influncia da concepo construtivista na estruturao

    das interaes educativas na aula................................................ 92- A influncia dos tipos de contedos na estruturao das

    interaes educativas na aula....................................................... 104- Referncias bibliogrficas............................................................... 109A organizao social da classe......................................................... 111- O papel dos agrupamentos........................................................... 111- Formas de agrupamento............................................................... 112- Descrio e avaliao das diferentes formas de agrupamento .... 113- Distribuio do tempo e do espao.............................................. 130- Referncias bibliogrficas.............................................................. 136A organizao dos contedos......................... ................................ 139- Propostas disciplinares, mtodos globalizados e enfoque

    globalizador: diferentes formas de organizar os contedos .... 139- Como podem ser organizados os contedos? Que referencial

    pode ser utilizado?.......................................................................... 141- Mtodos globalizados.................................................................... 144- Anlise das diferentes formas de organizao dos

    contedos.......................................................................................... 155- O enfoque globalizador, uma resposta a necessidades

    variadas e inclusive contrapostas................................................ 160- Referncias-bibliogrficas.................... ... .............................. .........165Os materiais curriculares e outros recursos didticos ............... 167- O papel dos materiais curriculares.............................................. 167- Os materiais curriculares nos processos de ensino/

    aprendizagem: materiais de aula e materiais para o aluno..... 169- Reviso conforme o suporte dos diferentes m eios.................. 179- Referncias para anlise e seleo dos materiais curriculares .. 186- Uma proposta de materiais curriculares para a escola............ 187- Referncias bibliogrficas.............................................................. 193

    A PRTICA EDUCATIVA / 7

    A avaliao........................................................................................... 195- Por que se deve avaliar? Esclarecimentos prvios sobre a

    avaliao........................................................................................... 195- Quem e o que se deve avaliar? Os sujeitos e os objetos da

    avaliao........................................................................................... 197- Avaliao formativa: inicial, reguladora, final integradora..... 198- Contedos da avaliao: avaliao dos contedos

    conforme sua tipologia.................................................................. 202- Compartilhar objetivos, condio indispensvel para uma

    avaliao formativa........................................................................ 209- A informao do conhecimento dos processos e os

    resultados da aprendizagem......................................................... 210- Referncias bibliogrficas.............................................................. 221- EPLOGO.......................................................................................... 223

  • Prlogo

    POR QUE ESTE LIVRO?

    A interrogao que encabea este livro no tem uma resposta simples. Existem muitos motivos para se escrever e, s vezes, aqueles que o autor tem e os que os leitores lhe atribuem no so coincidentes. Assim, necessrio deixar claro o que me levou a empreender esta aventura e, principalmente, importante mencionar o que de modo algum pretendi, embora s vezes o tom categrico, ou no mnimo apaixonado, possa induzir a pensar o contrrio.

    Embora o ttulo do livro seja A prtica educativa: como ensinar, minha inteno no , naturalmente, dizer a ltima palavra sobre o tema. Por outro lado, no acredito que nenhuma obra com tais caractersticas possa pretender isso. O campo da interveno pedaggica to rico, to complexo e to dinmico, que provoca a discusso e o debate entre posturas s vezes coincidentes, s vezes discrepantes. O livro pretende propor alguns critrios que contribuam para articular uma prtica to reflexiva e coerente como o permitam as condies presentes num determinado momento. Tambm quer oferecer elementos que possibilitem a anlise dessas condies e, em caso de necessidade, que ajudem a modific-las num sentido determinado.

    Este no um livro sobre tcnicas de ensinar, tampouco quer se limitar ao enunciado de princpios gerais. Ambos os aspectos so importantes, mas o livro que voc tem em mos no pretende ser nem uma coisa nem outra. De fato, quer mostrar que a resoluo dos problemas que a prtica educativa coloca exige o uso de alguns referenciais que permitam interrog-la, ao mesmo tempo que proporcionem os parmetros para as decises que devam ser tomadas. E um livro prtico porque se ocupa dos problemas que a prtica gera e porque os aborda desde certos marcos que, em minha opinio, ajudam a lhes dar o

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    verdadeiro sentido que possuem; assim, tambm nos conscientizamos de sua importncia, da transcendncia de algumas opes, do papel que temos como pessoas que ensinam.

    Em relao a esta ltima considerao, o livro parte da idia segundo a qual os docentes, independentemente do nvel em que trabalhem, so profissionais que devem diagnosticar o contexto de trabalho, tomar decises, atuar e avaliar a pertinncia das atuaes, a fim de reconduzi-las no sentido adequado. Se no se aceita que a funo docente implica essas e outras atribuies igualmente complexas, o discurso que se vai construindo nas pginas seguintes ser totalmente incompreensvel. Convencer da dificuldade da tarefa de ensinar o que me levou a escrever este livro, e o que me moveu a lhe conferir um enfoque determinado a certeza de que esta dificuldade no pode ser superada com respostas simples.

    Quanto ao enfoque, de certa forma o livro poderia ser considerado um resumo, porque aparecem idias gerais sobre algumas das variveis que incidem no ensino que acaba se concretizando em sala de aula. Para tratar cada uma dessas variveis com a profundidade aconselhvel seria necessrio um livro - na verdade uns quantos, porque tambm haveria diversas opes de anlise.

    A perspectiva que adotei apresenta alguns riscos indubitveis. O mais importante deles consiste em que o tratamento que fao de determinados aspectos possa parecer superficial ou generalista. Contudo, trata-se de um risco assumido. No mundo do ensino, e certamente em muitos outros mbitos, s vezes a anlise muito precisa num aspecto concreto, margem do contexto mais amplo e do conjunto de outros aspectos que o rodeiam, leva a adotar discursos e opes descon- textualizados, pouco fundamentados desde um_pQntoode_JvisicUglobal e com pouca potencialidade como instrumento de compreenso e anlise da realidade a que se referem. Para explicar tal aspecto com um ditado bem conhecido: s vezes as rvores no nos deixam ver a floresta. Neste livro quero falar da floresta, situando cada rvore no conjunto a que pertence e proporcionando instrumentos que nos ajudem a conhe- cer e, se for possvel, a melhorar cada elemento, mas sem perder de vista que isso implica necessariamente o conhecimento e a otimizao da floresta.

    Tambm devo dizer que escrever um livro como este sups, ao menos em parte, uma lio de humildade. No processo, a gente tem a sensao de que tudo j foi dito, de que no restam idias novas, de que no mximo pode se aspirar a p-las juntas de maneira coerente, analis- las desde referenciais explcitos e de potencialidade reconhecida e atribuir-lhes, ento, um significado peculiar. Para alguns isso talvez seja pouco - porque sempre esperam coisas novas e revolucionrias. Para outros, talvez seja demasiado - porque consideraro que minha

    interpretao talvez seja excessiva mente original. De qualquer forma, voc tem o resultado em suas mos.

    A sensao a que acabo de aludir teve algumas repercusses que afetam livro. Voc no encontrar nele muitas citaes de autores; muitas das idias que aparecem deveriam ser acompanhadas de um parntese com um longa lista de nomes e datas, que evitei na maioria dos casos. No se trata de um texto acadmico e no me parece til nem necessrio proceder neste sentido. No entanto, espero ter sido suficientemente respeitoso e que este prlogo ajude a esclarecer minha postura. A bibliografia que aparece iro final de cada captulo no deve ser considerada de nenhum modo exaustiva; registra, entre os documentos que consultei, aqueles que por algum motivo me parecem mais interessantes, provocadores ou vantajosos em relao ao tema tratado.

    Entretanto, h ainda um conjunto de questes que afeta o livro e que, contrariamente ao que poderia parecer, no em absoluto formal. Devo manifestar que no fui capaz de encontrar uma forma cmoda de utilizao do gnero gramatical; quer dizer, que reflita minha maneira de pensar sobre este tema e ao mesmo tempo seja cmoda para o leitor, isto , que no contribua para uma leitura pesada devido utilizao constante dos dois gneros. Tenho conscincia de que no foi possvel conciliar ambos os aspectos.

    No livro se fala de professores em vez de mestres. Pessoalmente, isto me causa certo conflito, j que, em minha opinio, o segundo termo tem mais categoria e reflete melhor algumas conotaes da finalidade da profisso, que sempre educar e formar globalmente. No entanto, o objetivo de no impedir a identificao de qualquer docente, independentemente do nvel ou etapa em que desempenhe sua tarefa, impulsionou- me a utilizar preferencialmente os termos professores e educadores. Num sentido similar preciso interpretar minha opo de me referir aos meninos e meninas, os alunos e as alunas, em vez de falar de crianas.

    Por outro lado, utilizei textos e artigos prprios que j havia publicado, em alguns casos de forma quase literal. Sempre considerei um artifcio querer dizer com outras palavras o que j havia sido escrito e parecia razoavelmente correto, simplesmente por se tratar de um texto novo. Devo acrescentar que para mim o livro no tem muitos traoscaractersticos de um trabalho indito. De fato, registra um conjunto de preocupaes, idias, conflitos e tambm solues que fui reunindo ao longo de muitos anos de trabalho educativo em diversos mbitos.

    Naturalmente, nem as idias, nem as preocupaes so um produto individual. O mbito educativo exige a relao, a tarefa conjunta e o trabalho de equipe. Seria impossvel para mim lembrar aqui todos aqueles com quem compartilhei e trabalhei e que tiveram um papel significativo em minha trajetria profissional. No entanto, tambm seria impossvel para mim no manifestar meu agradecimento genrico aos

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    centros educativos onde tive a oportunidade de trabalhar e discutir, onde pude ter contato com suas preocupaes, interesses e dificuldades. Devo ainda lembrar aqui meus filhos que, entre muitas outras coisas, ensi naram-me a considerar aspectos difceis de ver quando voc est em sal. de aula. Suas perguntas, suas queixas e seus comentrios muitas vezes me levaram a questionar a viabilidade e a pertinncia dos contedos, das propostas e das decises que configuram o ensino.

    Ao longo destes anos, o contato, s vezes espordico, s vezes mais contnuo, com determinadas pessoas representou para mim um estmulo intelectual fundamental. Sempre foi um estmulo o trabalho cotidiano compartilhado com meus companheiros de GRA, Gregori Casamayor, Rosa Guitart, Francesc Imbernn e Artur Parcerisa. Foi importante a estreita colaborao com Lus dei Carmen durante uma longa temporada. Tambm o foi o fato de conhecer e compartilhar o trabalho com Csar Coll e seus colaboradores do Departamento de Psicologia Evolutiva e da Educao da Universidade de Barcelona. Por meio deste contato pude compreender e fundamentar muitas das idias que defendia de uma maneira talvez mais intuitiva, o que reafirmou minha beligerncia. O leitor tem este livro em suas mos especialmente porque ainda acredito que preciso ser beligerante.

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    A prtica eunidades de anlise

    O BJETIVO : M ELHORAR A PRATICA EDUCATIVA

    Um dos objetivos de qualquer bom profissional consiste em ser cada vez mais competente em seu ofcio. Geralmente se consegue esta melhora profissional mediante o conhecimento e a experincia: o conhecimento das variveis que intervm na prtica e a experincia para

    omin-las. A experincia, a nossa e a dos outros professores. O conhecimento, aquele que provm da investigao, das experincias dos outros e de modelos, exemplos e propostas. Mas como podemos saber se estas experincias, modelos, exemplos e propostas so adequados? Quais so os critrios para avali-los? Talvez a resposta nos seja proporcionada plos resultados educativos obtidos com os meninos e merdxraSTlVIrsTsto basta? Porque, neste caso, a que resultados nos referimos? Aos mesmos para todos os alunos, independentemente do ponto de partida? E levando ou no em conta as condies em que nos encontramos e os meios de que dispomos?

    Como outros profissionais, todos ns sabemos que entre as coisas que fazemos algumas esto muito bem feitas, outras so satisfatrias e algumas certamente podem ser melhoradas. O problema est na prpria avaliao. Sabemos realmente o que que fizemos muito bem, o que satisfatrio e o que pode melhorar? Estamos convencidos disso? Nossos colegas fariam a mesma avaliao? Ou, pelo contrrio, aquilo que para ns est bastante bem para outra pessoa discutvel, e talvez aquilo de que estamos mais inseguros plenamente satisfatrio para outra pessoa?

    Provavelmente a melhoria de nossa atividade profissional, como todas as demais, passa pela anlise do que fazemos, de nossa prtica e do contraste com outras prticas. Mas certamente a comparao com outros colegas no ser suficiente. Assim, pois, frente a duas ou trs posies

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    antagnicas, ou simplesmente diferentes, necessitamos de critrios que nos permitam realizar uma avaliao racional e fundamentada.

    Em outras profisses no se utiliza unicamente a experincia que d a prtica para a validao ou explicao das propostas. Por trs da deciso de um campons sobre o tipo de adubos que utilizar, de um engenheiro sobre o material que empregar ou de um mdico sobre o tratamento que receitar, no existe apenas uma confirmao na prtica, nem se trata exclusivamente do resultado da experincia; todos estes profissionais dispem, ou podem dispor, de argumentos que fundamentem suas decises para alm da prtica. Existem determinados conhecimentos mais ou menos confiveis, mais ou menos comparveis empiricamente, mais ou menos aceitos pela comunidade profissional, que lhes permitem atuar com certa segurana. Conhecimentos e saber que lhes possibilitam dar explicaes que no se limitam descrio dos resultados: os adubos contm substncias x que ao reagir com substncias z desencadeiam alguns processos que...; as caractersticas moleculares deste metal fazem com que a resistncia toro seja muito superior do metal z e portanto...; os componentes x do medicamento z ajudaro na dilatao dos vasos sangneos produzindo um efeito que...

    Ns, professores, dispomos destes conhecimentos? Ou, dito de outra forma, temos referenciais tericos validados na prtica que podem no apenas descrev-la, como tambm explic-la, e que nos ajudem a compreender os processos que, se produzem nela? (Alis, por que a ns, educadores, produz tanto respeito falar de teoria?). Certamente a resposta afirmativa mas com certas caractersticas diferentes: na educao no existem marcos tericos to fiis e comparados empiricamente como em muitas das outras profisses. Mas me parece que hoje- em dia o problema no consiste em se temos ou no suficientes conhecimentos tericos; a questo se para desenvolver a docncia necessrio dispor de modelos ou marcos interpretativos.

    Alguns tericos da educao, a partir da constatao da complexidade das variveis que intervm nos processos educativos, tanto em nmero como em grau de inter-relaes que se estabelecem entre elas, afirmam a dificuldade de controlar esta prtica de uma forma consciente. Na sala de aula acontecem muitas coisas ao mesmo tempo, rapidamente e de forma imprevista, e durante muito tempo, o que faz com que se considere difcil, quando no impossvel, a tentativa de encontrar referncias ou modelos para racionalizar a prtica educativa.

    Neste sentido, Elliot (1993) distingue duas formas muito diferentes de desenvolver esta prtica:

    a) O professor que empreende uma pesquisa sobre um problema prtico, mudando sobre esta base algum aspecto de sua prtica docente. Neste caso o desenvolvimento da compreenso precede a deciso de mudar as estratgias docentes.

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    b) O professor que modifica algum aspecto de sua prtica docente como resposta a algum problema prtico, depois de comprovar sua eficcia para resolv-lo. Atravs da avaliao, a compreenso inicial do professor sobre o problema se transforma. Portanto, a deciso de adotar uma estratgia de mudana precede o desenvolvimento da compreenso. A ao inicia a reflexo.

    Elliot considera que o primeiro tipo de professor constitui uma projeo das inclinaes acadmicas sobre o estudo do pensamento dos professores, que supem que existe uma atuao racional na qual se selecionam ou escolhem as aes sobre a base de uma observao desvinculada e objetiva da situao; marco terico em que pode se separar a investigao da prtica. Para o autor, o segundo tipo representa com mais exatido a lgica natural do pensamento prtico.

    Pessoalmente, penso que um debate sobre o grau de compreenso dos processos educativos, e sobretudo do caminho que segue ou tem que seguir qualquer educador para melhorar sua prtica educativa, no pode ser muito diferente ao dos outros profissionais que se movem em campos de grande complexidade. Se entendemos que a melhora de qualquer das atuaes humanas passa pelo conhecimento e pelo controle das variveis que intervm nelas, o fato de que os processos de ensino/aprendizagem sejam extremamente complexos - certamente mais complexos do que os de qualquer outra profisso - no impede, mas sim torna mais necessrio, que ns, professores, disponhamos e utilizemos referenciais que nos ajudem a interpretar o que acontece em aula. Se dispomos de conhecimentos deste tipo, ns os utilizaremos previamente ao planejar, no prprio processo educativo, e, posterior-

    mente; ao realizar uma avaliao do que aconteceu. A pouca experincia em seu uso consciente, a capacidade ou a incapacidade que se possa ter para orientar e interpretar, no um fato inerente profisso docente, mas o resultado de um modelo profissional que em geral evitou este tema, seja como resultado da histria, seja da debilidade cientfica. Devemos reconhecer que isto nos impediu de dotarmo-nos dos meios necessrios para movermo-nos numa cultura profissional baseada no pensamento estratgico, acima do simples aplicador de frmulas herdadas da tradio ou da ltima moda.

    Nosso argumento, e o deste livro, consiste em uma atuao profissional baseada no pensamento prtico, mas com capacidade reflexiva. Sabemos muito pouco, sem dvida, sobre os processos de ensino/ aprendizagem, das variveis que intervm neles e de como se inter- relacionam. Os prprios efeitos educativos dependem da interao complexa de todos os fatores que se inter-relacionam nas situaes de ensino: tipo de atividade metodolgica, aspectos materiais da situao, estilo do professor, relaes sociais, contedos culturais, etc. Evidentemente, nos movemos num mbito no qual os modelos explicativos cie

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    causa-efeito so inviveis. Certamente nosso marco de anlise deve se configurar mediante modelos mais prximos teoria do caos - em que a resposta aos mesmos estmulos nem sempre d os mesmos resultados - do que a modelos mecanicistas. No entanto, em qualquer caso, o conhecimento que temos hoje em dia suficiente, ao menos, para determinar que existem atuaes, formas de interveno, relaes professor-aluno, materiais curriculares, instrumentos de avaliao, etc., que no so apropriados para o que pretendem.

    Necessitamos de meios tericos que contribuam para que a anlise da prtica seja verdadeiramente reflexiva. Determinados referenciais tericos, entendidos como instrumentos conceituais extrados do estudo emprico e da determinao ideolgica, que permitam fundamentar nossa prtica; dando pistas acerca dos critrios de anlise e acerca da seleo das possveis alternativas de mudana. Neste livro tentaremos concretiz-los em dois grandes referenciais: a funo social do ensino e o conhecimento do como se aprende. Ambos como instrumentos tericos facilitadores de critrios essencialmente prticos: existem modelos educativos que ensinam certas coisas e outros que ensinam outras, o que j um dado importante. Existem atividades de ensino que contribuem para a aprendizagem, mas tambm existem atividades que no contribuem da mesma forma, o que outro dado a ser levado em conta. Pois bem, estes dados, embora primeira vista possam parecer insuficientes, vo nos permitir entender melhor a prtica na sala de aula.

    AS VARIAVEIS QUE CONFIGURAM A PRTICA EDUCATIVA

    Em primeiro lugar preciso se referir quilo que configura a prtica. Os processos educativos so suficientemente complexos para que no seja fcil reconhecer todos os fatores que os definem. A estrutura da prtica obedece a mltiplos determinantes, tem sua justificao em parmetros institucionais, organizativos, tradies metodolgicas, possibilidades reais dos professores, dos meios e condies fsicas existentes, etc. Mas a prtica algo fluido, fugidio, difcil de limitar com coordenadas simples e, alm do mais, complexa, j que nela se expressam mltiplos fatores, idias, valores, hbitos pedaggicos, etc.

    Os estudos da prtica educativa a partir de posies analticas destacaram numerosas variveis e enfocaram aspectos muito concretos. De modo que, sob uma perspectiva positivista, buscaram-se explicaes para cada uma destas variveis, parcelando a realidade em aspectos que por si mesmos, e sem relao com os demais, deixam de ter significado ao perder o sentido unitrio do processo de ensino/aprendizagem. Entender a interveno pedaggica exige situar-se num modelo em que a aula se configura

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    como um microssistema defnido por determinados espaos, uma organizao social, certas relaes interativas, uma forma de distribuir o tempo, um determinado uso dos recursos didticos, etc., onde os processos educativos se explicam como elementos estreitamente integrados neste sistema. Assim, pois, o que acontece na aula s pode ser examinado na prpria interao de todos os elementos que nela intervm.

    Mas desde uma perspectiva dinmica, e desde o ponto de vista dos professores, esta prtica, se deve ser entendida como reflexiva, no pode se reduzir ao momento em que se produzem os processos educacionais na aula. A interveno pedaggica tem um antes e um depois que constituem as peas substanciais em toda prtica educacional. O planejamento e a avaliao dos processos educacionais so uma parte inseparvel da atuao docente, j que o que acontece nas aulas, a prpria interveno pedaggica, nunca pode ser entendida sem uma anlise que leve em conta as intenes, as previses, as expectativas e a avaliao dos resultados. Por pouco explcitos que sejam os processos de planejamento prvio ou os de avaliao da interveno pedaggica, esta no pode ser analisada sem ser observada dinamicamente desde um modelo de percepo da realidade da aula, onde esto estreitamente vinculados o planejamento, a aplicao e a avaliao.

    Assim, pois, partindo desta viso processual da prtica, em que esto estreitamente ligados o planejamento, a aplicao e a avaliao, teremos que delimitar a unidade de anlise que representa este processo. Se examinamos uma das unidade mais elementares que constitui os processos de ensino/aprendizagem e que ao mesmo tempo possui em seu conjunto todas as variveis que incidem nestes processos, veremos que se trata do que se denomina atividade ou tarefa. Assim, podemos considerar ativadadespoi-c-xemplox-uma exposio, um debate, um-a leitura, uma pesquisa bibliogrfica, tomar notas, uma ao motivadora, uma observao, uma aplicao, um exerccio, o estudo, etc. Desta maneira, podemos definir as atividades ou tarefas como uma unidade bsica do processo de ensino/aprendizagem, cujas diversas variveis apresentam estabilidade e diferenciao: determinadas relaes interativas professor/alunos e alunos/alunos, uma organizao grupai, determinados contedos de aprendizagem, certos recursos didticos, uma distribuio do tempo e do espao, um critrio avaliador; tudo isto em torno de determinadas intenes educacionais, mais ou menos explcitas.

    E esta unidade elementar que define as diferentes formas de interveno pedaggica? uma unidade suficiente? Sem dvida, as atividades tm importncia suficiente para proporcionar uma anlise ilustrativa dos diferentes estilos pedaggicos, mas para o objetivo que nos propomos me pqrece insuficiente. As atividades, apesar de concentrarem a maioria das variveis educativas que intervm na aula, podem ter um valor ou outro segundo o lugar que ocupem quanto s outras atividades, as de antes e as de depois. E evidente que uma atividade, por exemplo,

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    de estudo individual, ter uma posio educativa diferente em relao ao tipo de atividade anterior, por exemplo, uma exposio ou um trabalho de campo, uma leitura ou uma comunicao em grande grupo, uma pesquisa bibliogrfica ou uma experimentao. Poderemos ver de que maneira a ordem e as relaes que se estabelecem entre diferentes atividades determinam de maneira significativa o tipo e as caractersticas do ensino. Levando em conta o valor que as atividades adquirem quando as colocamos numa srie ou seqncia significativa, preciso ampliar esta unidade elementar e identificar, tambm, como nova unidade de anlise, as seqncias de atividades ou seqncias didticas como unidade preferencial para a anlise da prtica, que permitir o estudo e a avaliao sob uma perspectiva processual, que inclua as fases de planejamento, aplicao e avaliao.

    A maneira de configurar as seqncias de atividades um dos traos mais claros que determinam as caractersticas diferenciais da prtica educativa. Desde o modelo mais tradicional de "aula magistral" (com a seqncia: exposio, estudos sobre apontamentos ou manual,prova, qualificao) at o mtodo de "projetos de trabalho global"(escolha do tema, planejamento, pesquisa e processamento da informao, ndice, dossi de sntese, avaliao), podemos ver que todos tmcomo elementos identificadores as atividades que os compem, mas que adquirem personalidade diferencial segundo o modo como se organizam e articulam em seqncias ordenadas.

    Se realizamos uma anlise destas seqncias buscando os elementos que as compem, nos daremos conta de que so um conjunto de atividades ordenadas, estruturadas e articuladas para a realizao de certos objetivos educacionais, que tm um princpio e um fim conhecidos tanto pelos professores corno pelos alunos.

    Ao longo deste livro utilizarei indistintamente os termos unidade didtica, unidade de programao ou unidades de interveno pedaggica - para me referir s seqncias de atividades estruturadas para a realizao de certos objetivos educacionais determinados. Estas unidades tm a virtudede manter o carter unitrio e reunir toda a complexidade da prtica, ao mesmo tempo que so instrumentos que permitem incluir as trs fases de toda interveno reflexiva: planejamento, aplicao e avaliao.

    Como vimos at agora, sistematizar os componentes da complexa prtica educativa comporta um trabalho de esquematizao das diferentes variveis que nela intervm, de forma que com esta inteno analtica e, portanto, de alguma maneira compartimentadora, podem se

    AS SEQNCIAS D ID TICA S E AS D EM A IS VARIVEIS M ETO D O L G ICA S

  • A PRTICA EDUCA TIVA / 19

    perder relaes cruciais, traindo o sentido integral que qualquer interveno pedaggica tem. Neste sentido - mesmo que nas atividades, e sobretudo nas unidades de interveno, estejam includas todas as variveis metodolgicas - seria adequado identific-las de forma que se pudesse efetuar a anlise de cada uma delas em separado, mas levando em conta que sua avaliao no possvel se no forem examinadas em sua globalidade.

    AS VARIVEIS METODOLGICAS DA INTERVENO NA AULA

    Uma vez determinadas as unidades didticas como unidades preferenciais de anlise da prtica educativa, preciso buscar suas dimenses para poder analisar as caractersticas diferenciais em cada uma das diversas maneiras de ensinar. Tem havido vrias maneiras de identificar as variveis que configuram a prtica; assim, Joyce e Weil (1985) utilizam quatro dimenses: sintaxe, sistema social, princpios de reao e sistema de apoio. Estes autores definem a sintaxe como as diferentes fases da interveno, quer dizer, o conjunto de atividades seqenciadas; o sistema social descreve os papis dos professores e dos alunos e as relaes e tipos de normas que prevalecem; os princpios de reao so regras para sintonizar com o aluno e selecionar respostas de acordo com suas aes; os sistemas de apoio descrevem as condies necessrias, tanto fsicas como pessoais, para que exista a interveno.

    Tann (1990), ao descrever o modelo de trabalho por tpicos, identifica as seguintes dimenses: controle, contedos, contexto, objetivo/ca- tegona, processos, apresentao/audincia e registros. Descreve o controle como o grau de participao dos alunos na definio do trabalho a ser realizado; o contedo, como a amplitude e profundidade do tema desenvolvido; o contexto se refere forma como se agrupam os alunos em aula; o objetivo/categoria, ao sentido que se atribui ao trabalho e tem- poralizao que lhe dada; o processo o grau em que o estilo de ensino/aprendizagem est orientado desde um ponto de vista disciplinar ou de descobrimento e a natureza e variedade dos recursos empregados; os registros se referem ao tipo de materiais para a informao do trabalho desenvolvido e as aprendizagens realizadas pelos alunos.

    Hans Aebli (1988), para descrever o que ele denomina as doze formas bsicas de ensinar, identifica trs dimenses: o meio do ensino/ aprendizagem entre alunos e professor e matria, que inclui as de narrar e referir, mostrar e imitar ou reproduzir, a observao comum dos objetos ou imagens, ler e escrever; a dimenso dos contedos de aprendizagem, onde distingue entre esquemas de ao, operaes e conceitos; e a dimenso das funes no processo de aprendizagem, a construo atravs da soluo de problemas, a elaborao, o exerccio/repetio e a aplicao.

  • 20 / A ntqni Zabala

    Levando em conta estes e outros autores mais prximos de nossa tradio, as dimenses ou variveis que utilizarei ao longo deste livro para a descrio de qualquer proposta metodolgica incluem, alm de certas atividades ou tarefas determinadas, uma forma de agrup-las em seqncias de atividades (aula expositiva, por descobrimento, por projetos...), determinadas relaes e situaes comunicativas que permitem identificar certos papis concretos dos professores e alunos (diretivos, participativos, cooperativos...), certas formas de agrupamento ou organizao social da aula (grande grupo, equipes fixas, grupos mveis...), uma maneira de distribuir o espao e o tempo (cantos, oficinas, aulas por rea...), um sistema de organizao dos contedos (disciplinar, inter- disciplinar, globalizador...), um uso dos materiais curriculares (livro- texto, ensino dirigido, fichas de autocorreo...) e um procedimento para a avaliao (de resultados, formativa, sancionadora...). Vamos examin- las de novo situando-as na unidade didtica:

    As sequncias de atividades de ensino/aprendizagem, ou seqncias didticas, so uma maneira de encadear e articular as diferentes atividades ao longo de uma unidade didtica. Assim, pois, poderemos analisar as diferentes formas de interveno segundo as atividades que se realizam e, principalmente, pelo sentido que adquirem quanto a uma seqncia orientada para a realizao de determinados objetivos educativos. As seqncias podem indicar a funo que tem cada uma das atividades na construo do conhecimento ou da aprendizagem de diferentes contedos e, portanto, avaliar a pertinncia ou no de cada uma delas, a falta de outras ou a nfase que devemos lhes atribuir.

    O papel dos professores e dos alunos-e, em resumo, das relaes que se produzem na aula entre professor e alunos ou alunos e alunos, afeta o grau de comunicao e os vnculos afetivos que se estabelecem e que do lugar a um determinado clima de convivncia. Tipos de comunicaes e vnculos que fazem com que a transmisso do conhecimento ou os modelos e as propostas didticas estejam de acordo ou no com as necessidades de aprendizagem.

    A forma de estruturar os diferentes alunos e a dinmica grupai que se estabelece configuram uma determinada organizao social da aula em que os meninos e meninas convivem, trabalham e se relacionam segundo modelos nos quais o grande grupo ou os grupos fixos e variveis permitem e contribuem de uma forma determinada para o trabalho coletivo e pessoal e sua formao.

    A utilizao dos espaos e do tempo; como se concretizam as diferentes formas de ensinar usando um espao mais ou menos rgido e onde o tempo intocvel ou permite uma utilizao adaptvel s diferentes necessidades educacionais.

  • A PRTICA EDUCATIVA / 21

    A maneira de organizar os contedos segundo uma lgica que provm da prpria estrutura formal das disciplinas, ou conforme formas organizativas centradas em modelos globais ou integradores.

    A existncia, as caractersticas e o uso dos materiais auriculares e outros recursos didticos. O papel e a importncia que adquirem, nas diferentes formas de interveno, os diversos instrumentos para a comunicao da informao, para a ajuda nas exposies, para propor atividades, para a experimentao, para a elaborao e construo do conhecimento ou para o exerccio e a aplicao.

    * E, finalmente, o sentido e o papel da avaliao, entendida tanto no sentido mais restrito de controle dos resultados de aprendizagem conseguidos, como no de uma concepo global do processo de ensino/aprendizagem. Seja qual for o sentido que se adote, a avaliao sempre incide nas aprendizagens e, portanto, uma pea-chave para determinar as caractersticas de qualquer metodologia. A maneira de avaliar os trabalhos, o tipo de desafios e ajudas que se propem, as manifestaes das expectativas depositadas, os comentrios ao longo do processo, as avaliaes informais sobre o trabalho que se realiza, a maneira de dispor ou distribuir os grupos, etc., so fatores estreitamente ligados concepo que se tem da avaliao e que tm, embora muitas vezes de maneira implcita, uma forte carga educativa que a converte numa das variveis metodolgicas mais determinantes.

    OS REFERENCIAIS PARA A ANALISE DA PRATICA

    Anteriormente, comentava a necessidade de instrumentos tericos que fizessem com que a anlise da prtica fosse realmente reflexiva e os resumia na funo social do ensino e no conhecimento do como se aprende. Se temos presente que se denominaram fontes do currculo queles marcos que oferecem informao para a tomada de decises sobre cada um dos mbitos da interveno educativa e nos quais podemos identificar a fonte sociolgica ou scio-antropolgica, a fonte epistemolgica, a fonte didtica e a fonte psicolgica, nos daremos conta de que nem todas elas se situam no mesmo plano. Existem diferentes graus de vinculao e dependncia entre elas que nos permitem agrup-las em dois grandes referenciais. Em primeiro lugar, e de maneira destacada, encontramos um referencial que est ligado ao sentido e ao papel da educao. o que deve responder s perguntas: para que educar?; para que ensinar? Estasso as perguntas capitais. Sem elas nenhuma prtica educativa se justifica. As finalidades, os propsitos, os objetivos gerais ou as intenes educacionais, ou como se queira chamar, constituem o ponto de partida primordial que determina, justifica e d sentido interveno pedag-

  • 22 / A ntxi Z abaij

    gica. Assim, pois, a fonte scio-antropolgica - que em qualquer dos casos est determinada pela concepo ideolgica da resposta pergunta de para que educar ou ensinar - condiciona e delimita o papel e o sentido que ter a fonte epistemolgica. Assim, seu papel no pode ser considerado no mesmo plano, seno que est determinado pelas finalidades que decorrem do papel que se tenha atribudo ao ensino. A funo do saber, dos conhecimentos, das disciplinas e das matrias que decorrem da fonte epistemolgica ser de uma forma ou outra segundo as finalidades da educao, segundo o sentido e a funo social que se atribua ao ensino.

    Por outro lado, as outras duas foxrtes, a psicolgica e a didtica, tambm esto estreitamente inter-relacionadas, mas tambm em dois planos diferentes, j que dificilmente pode se responder pergunta de como ensinar, objeto da didtica, se no sabemos como as aprendizagens se produzem. A concepo que se tenha sobre a maneira de realizar os processos de aprendizagem constitui o ponto de partida para estabelecer os critrios que devero nos permitir tomar as decises em aula. No entanto, preciso sempre ter presente que estas aprendizagens s se do em situaes de ensino mais ou menos explcitas ou intencionais, nas quais impossvel dissociar, na prtica, os processos de aprendizagem dos de ensino. Nesta perspectiva integradora, o conhecimento, que provm da fonte psicolgica, sobre os nveis de desenvolvimento, os estilos cognitivos, os ritmos de aprendizagem, as estratgias de aprendizagem, etc., essencial para precisar as referncias que se devem levar em conta ao tomar as decises didticas. Assim, pois, o outro referencial para a anlise da prtica ser o que determinado pela concepo que se tem dos processos de ensino/aprendizagem.

    No Quadro 1.1 podemos situar os. diferentes-elementos que utilizamos at agora para a anlise da prtica. Podem se observar, em primeiro lugar-, os dois referenciais enunciados e como se concretizam em contedos de aprendizagem e certos critrios de ensino que so os que, de forma combinada, incidem nas caractersticas que haveriam de adotar as variveis metodolgicas numa proposta de interveno ideal. De certo modo, teramos as condies da prtica educativa a partir de um modelo terico que no leva em conta o contexto educacional em que deve se desenvolver a prtica. neste primeiro nvel que aparecem as propostas metodolgicas gerais, os mtodos tericos de forma padronizada. A seguir situamos a realidade do contexto educacional em que h de se efetivar a interveno e, portanto, uma srie de condicionantes que impedem, dificultam ou delimitam o desenvolvimento ideal segundo o modelo terico. Os espaos e a estrutura da escola, as caractersticas dos alunos e sua proporo por aula, as presses sociais, os recursos disponveis, a trajetria profissional dos professores, as ajudas externas, etc., so condicionantes que incidem, na aula de tal maneira que dificultam, quando no impossibilitam, a realizao dos objetivos estabelecidos no modelo terico. Neste esquema a prtica educativa pode ser interpretada

  • A PRTICA EDUCATIVA /2 3

    no apenas a partir do que no se faz com relao a um modelo terico, mas tambm como o resultado da adaptao s possibilidades reais do meio em que se realiza. A prtica na aula, marcada por estes condicionantes, no o resultado de uma deciso firme sobre as finalidades do ensino e segundo uma concepo determinada dos processos de ensino/aprendizagem, mas corresponde quilo que pode se fazer levando em conta a globalidade do contexto educacional em que se desenvolve a prtica educativa.

    No entanto, freqente encontrar argumentos dos professores sobre a impossibilidade de realizar mudanas em alguma das variveis metodolgicas, seja a distribuio do tempo, os agrupamentos, seja a avaliao. Estes argumentos se apoiam numa desvalorizao dos referenciais tericos que aconselhariam estas mudanas. Esta forma de atuar, que evita considerar os condicionantes contextuais que impedem a mudana, se converte numa renncia implcita para questionar as condies que o tomam invivel. Nega-se a finalidade do ensino ou a concepo psicopedaggica em vez de identificar claramente quais so os motivos que dificultam a mudana. Ao longo dos diferentes captulos que configuram este livro faremos um exame das diversas variveis metodolgicas, estabelecendo os vnculos entre os diferentes valores que podem adotar e os referenciais a que aludimos.

    Quadro 1.1

    Fontesociolgica

    Funo social Ensino

    ConcepoAprendizagem

    Fontepsicolgica

    Fonteepistem olgica

    ObjetivosContedos

    CritriosEnsino

    Fontedidtica

    A ''... / M O D ELO TE R IC O "

    Seqnciaatividades

    Relaesinterativas

    Org.social

    Espao e tempo

    Org.contedos

    M ateriaiscurric.

    Critriosavaliao

    i 1 1 1 1 1 4

    IC O N D IC IO N A N TES D O C O N TEX TO ED U C A T IV O _

    i 1 l 1 4- 4 i

    Seqnciaatividades

    Relaesinterativas

    Org.social

    Espao e tempo

    Org.contedos

    M ateriaiscurric.

    Critriosavaliao

    P R A T IC A ED U C A TIV A

  • 24 / A n t o n i Z a b a l a

    BREVE RESUMO DO LIVRO

    A finalidade deste livro consiste em oferecer determinados instrumentos que nos ajudem a interpretar o que acontece na aula, conhecer melhor o que pode se fazer e o que foge a nossas possibilidades; saber que medidas podemos tomar para recuperar o que funciona e generaliz-lo, assim como para revisar o que no est to claro. Talvez o caminho que proponho no seja o mais simples nem o mais direto, porque tenta fundamentar e proporcionar critrios e argumentos para conhecer e analisar o que fazemos; s se o conhecemos podemos compartilh-lo e melhor-lo para oferecer um ensino de qualidade capaz de promover a aprendizagem de nossos alunos.

    Aps dois captulos dedicados a descrever e discernir a utilidade dos referenciais que podem contribuir para a anlise da prtica educativa, o livro enfoca as variveis que tradicionalmente foram utilizadas para interpret-la: as relaes interativas (cap. 4); a organizao social da aula, o tempo e o espao (cap. 5); a organizao dos contedos (cap. 6); os materiais curriculares e os recursos didticos (cap. 7) e a avaliao (cap. 8).

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

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  • A PRTICA EDUCATIVA /2 5

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  • A funo social do ensino e a concepo sobre os

    processos de ainstrumentos de anlise

    FUNO SOCIAL DO ENSINO: QUE FINALIDADE DEVE TER O SISTEMA EDUCATIVO?

    Por trs de qualquer proposta metodolgica se esconde uma concepo do valor que se atribui ao ensino, assim como certas idias mais ou menos formalizadas e explcitas em relao aos processos de ensinar e

    I aprender.De maneira esquemtica, e tomando como base o ensino pblico na

    Espanha durante este sculo, poderamos considerar que alm das grandes declaraes de princpios, a funo fundamental que a sociedade atribuiu educao tem sido a de selecionar os melhores em relao sua capacidade-para seguir uma carreira universitria ou para obter qualquer outro ttulo de prestgio reconhecido. O que tem justificado a maioria dosesforos educacionais e a valorizao de determinadas aprendizagens acima de outras tem sido a potencialidade que lhes atribuda para alcanar certos objetivos propeduticos, quer dizer, determinados por seu valor a longo prazo e quanto a uma capacitao profissional, subva- lorando, deste modo, o valor formativo dos processos que os meninos e as meninas seguem ao longo da escolarizao.

    Por acaso o papel da escola deve ser exclusivamente seletivo e propedutico? Ou deve cumprir outras funes? No h dvida de que esta a primeira pergunta que temos que nos colocar. Quais so nossas intenes educacionais? O que pretendemos que nossos alunos consigam?

    O PAPEL D O S O BJETIV O S EDUCACIONAIS

    Um modo de determinar os objetivos ou finalidades da educao consiste em faz-lo em relao s capacidades que se pretende desen-

  • 28 / A ntoni Z aba la

    volver nos alunos. Existem diferentes formas de classificar as capacidades do ser humano (Bloom, Gagn, Tyler). A proposta por C. Coll (1986) - que estabelece um agrupamento em capacidades cognitivas ou intelectuais, motoras, de equilbrio e autonomia pessoal (afetivas), de relao interpessoal e de insero e atuao social - tem a vantagem, em minha opinio, de no atomizar excessivamente o que, sem dvida, se encontra fortemente inter-relacionado, ao mesmo tempo que mostra a indissociabilidade, no desenvolvimento pessoal, das relaes que se estabelecem com os outros e com a realidade social. Se tomamos como referncia estes diferentes tipos de capacidades, a pergunta acerca das intenes educacionais pode se resumir no tipo de capacidades que o sistema educativo deve levar em conta. At hoje, o papel atribudo ao ensino tem priorizado as capacidades cognitivas, mas nem todas, e sim aquelas que se tem considerado mais relevantes e que, como sabemos, correspondem aprendizagem das disciplinas ou matrias tradicionais. Na atualidade, devemos considerar que a escola tambm deve se ocupar das demais capacidades, ou esta tarefa corresponde exclusivamente famlia ou a outras instncias? Por acaso dever da sociedade e do sistema educacional atender todas as capacidades da pessoa? Se a resposta afirmativa e, portanto, achamos que a escola deve promover a formao integral dos meninos e meninas, preciso definir imediatamente este princpio geral, respondendo ao que devemos entender por autonomia e equilbrio pessoal, o tipo de relaes interpessoais a que nos referimos e o que queremos dizer quando nos referimos atuao ou insero social.

    A resposta a estas perguntas chave para determinar qualquer atuao educacional, j que, explicite-se ou no, sempre ser o resultado de uma maneira determinada de entender a sociedade e o papel que as pessoas tm nela. Educar quer dizer formar cidados e cidads, que no esto parcelados em compartimentos estanques, em capacidades isoladas. Quando se tenta potencializar certo tipo de capacidades cognitivas, ao mesmo tempo se est influindo nas demais capacidades, mesmo que negativamente. A capacidade de uma pessoa para se relacionar depende das experincias que vive, e as instituies educacionais so um dos lugares preferenciais, nesta poca, para se estabelecer vnculos e relaes que condicionam e definem as prprias concepes pessoais sobre si mesmo e sobre os demais. A posio dos adultos frente vida e s imagens que oferecemos aos mais jovens, a forma de estabelecer as comunicaes na aula, o tipo de regras de jogo e de convivncia incidem em todas as capacidades da pessoa.

    Ns, os professores, podemos desenvolver a atividade profissional sem nos colocar o sentido profundo das experincias que propomos e podemos nos deixar levar pela inrcia ou pela tradio. Ou podemos tentar compreender a influncia que estas experincias tm e intervir

  • A P R T I C A E D U C A T I V A /29

    para que sejam o mais benficas possvel para o desenvolvimento e oamadurecimento dos meninos e meninas. Mas, de qualquer forma, terum conhecimento rigoroso de nossa tarefa implica saber identificar osfatores eme incidem no crescimento dos alunos. O segundo passoconsistir em aceitar ou no o papel que podemos ter neste crescimento eavaliar se nossa interveno coerente com a idia que temos da funoda escola e, portanto, de nossa funo social como educadores.

    Convm se dar conta de que esta determinao no simples, j que por trs de qualquer interveno pedaggica consciente se escondem uma anlise sociolgica e uma tomada de posio que sempre ideolgica. As razes que justificam a resposta pergunta de quais sero as necessidades de todo tipo que tero nossos alunos quando forem adultos, ou seja, em pleno sculo XXI, e a avaliao das capacidades que se ter que potencializar para que possam superar os problemas e os empecilhos que surgiro em todos os campos (pessoal, social e profissional) no apenas esto sujeitas a uma anlise prospectiva, como principalmente considerao do papel que devero ter na sociedade como membros ativos e co-partcipes em sua configurao. Aqui onde surge a necessidade de uma reflexo profunda e permanente quanto condio de cidado e cidad e quanto s caractersticas da sociedade em que iro viver. E isto significa situar-se ideologicamente.

    preciso insistir que tudo quanto fazemos em aula, por menor que seja, incide em maior ou menor grau na formao de nossos alunos. A maneira de organizar a aula, o tipo de incentivos, as expectativas que depositamos, os materiais que utilizamos, cada uma destas decises veicula determinadas experincias educativas, e possvel que nem

    sempre estejam em consonncia com o pensamento que temos a respeito do sentido e do papel que hoje em dia tem a educao.

    OS CONTEDOS DE APRENDIZAGEM: INSTRUMENTOS DE EXPLICITAO DAS INTENES EDUCATIVAS

    Como dissemos, a determinao das finalidades ou objetivos da educao, sejam explcitos ou no, o ponto de partida de qualquer anlise da prtica. E impossvel avaliar o que acontece na aula se no conhecemos o sentido ltimo do que ali se faz. Mas, ao mesmo tempo, as intenes educacionais so to globais e gerais que dificilmente podem ser instrumentos de atuao prtica no mbito to concreto da sala de aula. Os grandes propsitos estabelecidos nos objetivos educacionais so imprescindveis e tambm teis para realizar a anlise global do processo educacional ao longo de toda uma srie e, sem dvida, durante todo um ciclo ou uma etapa. Mas quando nos situamos no mbito da aula, e concretamente, numa unidade de anlise vlida para entender a prtica

  • 30 / A n t o n i Z a b a l a

    que nela acontece, temos que buscar alguns instrumentos mais definidos. A resposta pergunta "por que ensinar?" devemos acrescentar a resposta a "o que ensinamos?", como uma questo mais acessvel neste mbito concreto de interveno. Os contedos de aprendizagem so o termo genrico que define esta pergunta, mas convm refletir e fazer alguns comentrios a respeito.

    O termo "contedos" normalmente foi utilizado para expressar aquilo que deve se aprender, mas em relao quase exclusiva aos conhecimentos das matrias ou disciplinas clssicas e, habitualmente, para aludir queles que se expressam no conhecimento de nomes, conceitos, princpios, enunciados e teoremas. Assim, pois, se diz que uma matria est muito carregada de contedos ou que um livro no tem muitos contedos, fazendo aluso a este tipo de conhecimentos. Este sentido, estritamente disciplinar e de carter cognitivo, geralmente tambm tem sido utilizado na avaliao do papel que os contedos devem ter no ensino, de forma que nas concepes que entendem a educao como formao integral se tem criticado o uso dos contedos como nica forma de definir as intenes educacionais. Devemos nos desprender desta leitura restrita do termo "contedo" e entend-lo como tudo quanto se tem que aprender para alcanar determinados objetivos que no apenas abrangem as capacidades cognitivas, como tambm incluem as demais capacidades. Deste modo, os contedos de aprendizagem no se reduzem unicamente s contribuies das disciplinas ou matrias tradicionais. Portanto, tambm sero contedos de aprendizagem todos aqueles que possibilitem o desenvolvimento das capacidades motoras, afetivas, de relao interpessoal e de insero social.

    Assim, pois, ser possvel pr sobre o papel o que-se tem-denominado currculo oculto, quer dizer, aquelas aprendizagens que se realizam na escola mas que nunca apareceram de forma explcita nos planos de ensino. Como estes planos tm se centrado nas disciplinas ou matrias, tudo aquilo que indubitavelmente se aprende na escola, mas que no se pode classificar nos compartimentos das disciplinas, no tem aparecido e tampouco tem sido objeto de avaliaes explcitas. Optar por uma definio de contedos de aprendizagem ampla, no-restrita aos contedos disciplinares, permite que este currculo oculto possa se tornar manifesto e que possa se avaliar sua pertinncia como contedo expresso de aprendizagem e de ensino.

    Portanto, ao responder pergunta "o que deve se aprender?" deveremos falar de contedos de natureza muito variada: dados, habilidades, tcnicas, atitudes, conceitos, etc. Das diferentes formas de classificar esta diversidade de contedos, Coll (1986) prope uma que, como veremos, tem uma grande potencialidade explicativa dos fenmenos educativos. Este autor agrupa os contedos segundo sejam conceituais, procedimentais ou atitudinais. Esta classificao corresponde respectivamente s

  • A PRTICA EDUCATIVA /3 1

    perguntas "o que se deve saber?", "o que se deve saber fazer?" e "como se deve ser?", com o fim de alcanar as capacidades propostas nas finalidades educacionais.

    Se examinamos a resposta tradicional sobre o papel do ensino e utilizamos os diferentes tipos de contedos como instrumentos descritivos do modelo propedutico que prope, poderemos ver que fcil efetuar uma descrio bastante precisa e que vai alm das definies genricas. As perguntas para defini-lo se resumiriam no que preciso saber, saber fazer e ser neste modelo. Certamente, a resposta afirmar que - pensemos na maioria dos contedos dos exames e, concretamente, das provas de seleo - acima de tudo preciso "saber", que se necessita de um pouco "saber fazer" e que no muito necessrio "ser"; quer dizer, muitos contedos conceituais, alguns contedos procedimentais e poucos contedos atitudinais. Mas isto, inclusive neste modelo, no assim em todos os nveis de escolarizao, nem em todas as escolas, nem para todos os professores. Vejamos como podemos utilizar a diferenciao dos contedos segundo a tipologia conceituai, procedimental ou atitudinal para fazer uma primeira aproximao s caractersticas diferenciais dos ciclos e das etapas do sistema educacional vigente at agora. Tente responder ao Quadro 2.1 atribuindo uma porcentagem segundo a importncia de cada um dos diferentes tipos de contedos em

    ___-r^m ra d a n m d n s n v e is n u m o d a lid a d e * .

    Quadro 2.1

    Contedos Educ.Inf.

    Ens.Fund.

    Ens.Mdio

    Ehs.Sup.

    Bachillerato** FormaoProfis.

    Conceituais %~" % % % % %% - % % % % %

    A titudinais % % % % % %100% 100% 100% 100% 100% 100%

    Certamente, a distribuio da importncia relativa dos distintos contedos no a mesma em cada um dos diferentes perodos. O mais provvel que nos cursos iniciais exista uma distribuio mais equilibrada dos diversos contedos, ou que se d prioridade aos procedimentais e atitudinais acima dos conceituais, e que medida que vai se

    *N . de R.T. N o original, aparecem os n ve is e etapas do sistem a educacional espanhol. Com o intuito de que o leitor possa fazer a tarefa proposta pelo autor, apresentamos as etapas da educao Bsica so sistema brasileiro, assim como a m odalidade Educao Profissional.**N. de R.T. Bachillerato: o sistema educacional espanhol in clu i o Bachillerato como uma etapa do ensino que se situa entre a educao secundria e a universidade.

  • 32 -/ A ntoni Z abai.a _

    avanando nos nveis de- escolarizao se incremente o peso dos contedos conceituais em detrimento dos procedimentais e atitudinais.

    Mas se a importncia relativa dos diferentes tipos de contedos nos serve para descrever melhor as diferenas entre os diversos nveis do ensino, tambm um meio que permite entender a prpria posio e a de nossos companheiros e companheiras em relao importncia que atribumos a cada um dos contedos, de tal forma que nos possvel interpretar com mais fidelidade as diferenas pessoais a respeito da concepo que cada um tem do papel que o ensino deve desempenhar. E evidente que se trata de uma primeira aproximao na qual no consta que contedos seriam trabalhados em cada uma das clulas; as diferenas que possamos encontrar se referem unicamente importncia de alguns contedos frente aos outros. Mas esta comparao ainda ser mais conclusiva (Quadro 2.2) quando analisarmos e compararmos quais so os contedos conceituais, procedimentais e atitudinais objeto concreto da aprendizagem. Este quadro tambm nos permite, por exemplo, comparar as diferenas entre a maneira de entender o ensino de dois professores, a postura de duas escolas ou a tendncia de dois livros didticos.

    1

    Quadro 2.2

    C O N TE D O S Prof. A Prof. B Escola A Escola B L iv ro A Livro BC on ceituais

    Fatos % lista A % lista B % lista A % lista B % lista A lista BConceitos T h lista A % lista B % lista A % lista B S S lista A T lista BPrincpios % lista A lista B A r lista A lista B T h lista A % lista BProcedim entaisT-X 1 lista A n, lista B % lista A - % lista B n/ lista A ,w i . i-,Procedimentos % % 70 % llStcl DTcnicas % lista A % lista B % lista A % lista B % lista A % lista BMtodos % lista A % lista B % lista A % lista B % lista A % lista BA titu d in ais

    Valores % lista A % lista B % lista A % lista B % lista A % lista BAtitudes T k lista A % lista B % lista A % lista B % lista A T k lista B

    Norm as % lista A % lista B % lista A % lista B % lista A j lista B

    Desta maneira, a tipologia de contedos pode nos servir de instrumento para definir as diferentes posies sobre o papel que deve ter o ensino. Portanto, num ensino que prope a formao integral a presena dos diferentes tipos de contedos estar equilibrada; por outro lado, um ensino que defende a funo propedutica universitria priorizar os conceituais.

    A discriminao tipolgica dos contedos e a importncia que lhes atribuda nas diferentes propostas educacionais nos permitem conhecer

    !

    A PRATICA EDUCATIVA /3 3

    aquilo que se trabalha ou aquilo que se pretende trabalhar. Se analisamos uma unidade didtica, poderemos conhecer os contedos que so trabalhados, pelo que poderemos avaliar se o que se faz est de acordo com o que se pretende nos objetivos; e tambm poderemos avaliar se os contedos que se trabalham so coerentes com nossas intenes educacionais. Para efetuar uma avaliao completa da unidade didtica no basta estudar a pertinncia dos contedos, necessrio verificar se as atividades propostas na unidade so suficientes e necessrias para alcanar os objetivos previstos. A questo que se coloca agora consiste em saber se aqueles contedos que se trabalham realmente so aprendidos. Aqui onde devemos situar o outro referencial de anlise: a concepo da aprendizagem.

    PRIMEIRA CONCLUSO DO CONHECIMENTO DOS PROCESSOS DE APRENDIZAGEM:A ATENO DIVERSIDADE

    Durante este sculo, os marcos tericos que buscam explicar os processos de ensino/aprendizagem tm seguido trajetrias paralelas, de forma que atualmente no existe uma nica corrente de interpretao destes processos. Esta falta de acordo ou consenso cientfico levou a que muitos educadores menosprezassem a informao que os estudos de psicologia da aprendizagem lhes ofereciam. Esta desconfiana, justificada por argumentos de falta de rigor ou da prpria falta de acordo, semeou o ceticismo: a respeito das contribuies desta cincia, fato que implicou, na prtica/a manuteno de formas tradicionais de atuao na aula. O aparente paradoxo encontra-se no fato de que a desconfiana pelas contribuies da psicologia da aprendizagem no sustentara no- utilizao de concepes sobre a maneira de aprender. Aqui onde aparece a contradio - no possvel ensinar nada sem partir de uma idia de como as aprendizagens se produzem. No se presta ateno s contribuies das teorias sobre como se aprende, mas em troca se utiliza uma determinada concepo. Quando se explica de certa maneira, quando se exige um estudo concreto, quando se prope uma srie de contedos, quando se pedem determinados exerccios, quando se ordenam as atividades de certa maneira, etc., por trs destas decises se esconde uma idia sobre como se produzem as aprendizagens. O mais extraordinrio de tudo a inconscincia ou o desconhecimento do fa to de que quando no se utiliza um modelo terico explcito tambm se atua sob um marco terico. De certo modo, acontece o mesmo que apontamos ao nos referir funo social do ensino: o fato de que no se explicite no quer dizer que no exista. Por trs de qualquer prtica educativa sempre h uma resposta a "por que ensinamos" e "como se aprende".

  • 34 / Antoni Zabala

    Pois bem, se partimos do fato de que nossa atuao inerente a umadeterminada concepo, ser lgico que esteja o mais fundamentadapossvel. Faz mais de cem anos que existem estudos e trabalhosexperimentais sobre os processos de aprendizagem; nosso conhecimento

    seguros de muitas coisas. O fato de que no exista uma nica correntepsicolgica, nem consenso entre as diversas correntes existentes, no pode nos fazer perder de vista que h uma srie de princpios nos quais as diferentes correntes esto de acordo: as aprendizagens dependem das caractersticas singulares de cada um dos aprendizes; correspondem, em grande parte, s experincias que cada um viveu desde o nascimento; a forma como se aprende e o ritmo da aprendizagem variam segundo as capacidades, motivaes e interesses de cada um dos meninos e meninas; enfim, a maneira e a forma como se produzem as aprendizagens so o resultado de processos que sempre so singulares e pessoais. So acordos ou concluses que todos ns, educadores, constatamos em nossa prticae que, diriamos, praticamente so senso comum. Deles decorre um enfoque pedaggico que deve observar a ateno diversidade dos alunos como eixo estruturador. E aqui parece outro paradoxo. Usamos esta interpretao dos processos de aprendizagem em alguns casos, mas a esquecemos em muitas outras ocasies.

    Darei um exemplo. Imaginemos que somos professoras e professores de educao fsica e que algum nos pergunta que altura deve saltar um menino ou uma menina de 14 anos que est no segundo ano do ensino mdio. Certamente mostraremos certa surpresa frente ao absurdo aparente da pergunta, j que todos teremos pensado imediatamente que B altura a ser saltada depender de cada menino ou menina. Portanto, responderemos que est em funo de suas capacidades (fsicas e afetivas: compleio, fora,.interesse, etc.) e de seu treinamento, quer dizer, de suas aprendizagens prvias. Isto far com que situemos a barreira para cada um segundo suas possibilidades reais, de forma que para quem salta 90 cm colocaremos a barreira a 95, e para quem salta 120, a 125. Em todos os casos, superar a barreira constituir um desafio, mas um desafio acessvel com nossa colaborao, um desafio que ajude a melhorar o aluno. Neste caso, consideramos lgico que para que os alunos progridam ser intil colocar a barreira na mesma al tura para todos, j que para alguns ser to fcil que no os obrigar a realizar o esforo necessrio para melhorar, enquanto que para outros a barreira estar to alta que nem sequer tentaro ultrapass-la e, portanto, no lhes ajudaremos a avanar.

    Utilizamos um critrio para estabelecer o nvel, quer dizer, o grau de aprendizagem segundo as capacidades e os conhecimentos prvios de cada menino e menina. E esta proposio, til para determinar o nvel, marcar tambm a forma de ensinar, como veremos.

  • A PRTICA EDUCATIVA /3 5

    Imaginemos agora que como professores de educao fsica temos que trabalhar a cambalhota. bvio que no nos ocorrer colocar todos os alunos em fila diante de um enorme colchonete que vai de um extremo a outro do ginsio e lhes dizer num tom sabicho e com voz contundente: "Agora faremos uma cambalhota. A cambalhota consiste na rotao do corpo humano em relao a um eixo horizontal que passa mais ou menos pelo umbigo, de forma que com um impulso das extremidades inferiores nos deslocaremos desde este ponto, A, at este outro ponto, B. Como sou um professor ativo, vou lhes demonstrar. Viram como tem que se fazer? Agora, quando eu contar trs, faam todos a cambalhota. Um, dois e trs... Muito bem, Joo, um 10; voc, Pedro, um 8; Carmen, um 9; Enrique, muito ruim, um 3; etc."

    Em vez disto, utilizaremos apenas um colchonete, colocaremos os alunos em fila indiana, um atrs do outro, e lhes pediremos que faam a cambalhota um por um. A cada aluno exigiremos um grau diferente de execuo do exerccio e lhe ofereceremos um tipo diferente de ajuda. Se Juana muito flexvel e tem destreza, diremos: "Juana, os braos bem esticados, as pernas bem juntas e que a cabea no toque o cho." Como esta aluna, apesar de ter feito bastante bem a cambalhota, deslocou ligeiramente as pernas, diremos: "No colocou bem as pernas. Voc deve prestar mais ateno."

    Por outro lado, quando for a vez de Pablo, um menino gordinho e pouco gil, diremos: "Vamos, Pablo, voc pode fazer. Vamos l!" E enquanto faz a cambalhota, ajudaremos, pegando-o pelas pernas, para que acabe de virar. Ao concluir, embora no tenha se sado muito bem, certamente faremos um comentrio como por exemplo: "Muito bem,

    ---- Pablo, isso a!"Em cada caso utilizamos uma forma de ensinar adequada s neces

    sidades do aluno. Segundo as caractersticas de cada um dos meninos e meninas, estabelecemos um tipo de atividade que constitui um desafio alcanvel, mas um verdadeiro desafio e, depois, lhes oferecemos a ajuda necessria para super-lo. No final, fizemos uma avaliao que contribui para que cada um deles mantenha o interesse em seguir trabalhando.

    Podemos observar que se trata de uma forma de interveno extremamente complexa, com uma autntica ateno diversidade, que implicou estabelecer nveis, desafios, ajudas e avaliaes apropriados s caractersticas pessoais de cada menino e menina.

    O que acontece se em vez de pensar numa atividade de educao fsica nos situamos nas reas de lngua, matemtica ou fsica? Se fazemos uma pergunta similar do salto em altura e indagamos o que um menino ou uma menina de 14 anos tem de saber sobre morfossintaxe, funes matemticas ou eletricidade, o mais normal que no duvidemos nem um segundo e respondamos: "Na segunda srie tem que saber..." Se no fosse o fato de termos aprendido e vivido com este modelo e, portanto,

  • 36 / A ntoni Zafiala

    estarmos acostumados a ele, poderia parecer que nos achamos numa situao paradoxal. Por um lado, quando o contedo de aprendizagem se refere a algo que pode ser visto, como acontece no caso da educao fsica, utilizamos um modelo de ensino de acordo com uma interpretao complexa da aprendizagem. Por outro, quando a aprendizagem se realiza sobre um contedo cognitivo, posto que no vemos o que acontece na mente do aluno, em vez de utilizar um modelo interpretativo mais complexo, simplificamos e estabelecemos propostas de ensino notavelmente uniformizadoras: na oitava srie tem que estudar o "sintagma nominal" ou os "polinmios"; os exerccios so iguais para todos, e aplicamos o mesmo critrio para avaliar a competncia de cada um dos meninos e meninas.

    Certamente voc pensar que no caso da educao fsica no existe a mesma presso por parte das famlias, de determinadas matrias repletas de contedos e de um sistema seletivo que no v da mesma maneira esta disciplina. Todas estas consideraes fazem com que, em conjunto, o tratamento possa ser suficientemente flexvel para permitir formas de interveno que levem em conta a diversidade dos alunos. E isto certo: as idias e presses a que esto submetidas as outras reas de conhecimento dificultam um trabalho que leve em conta as diferenas individuais. Mas o fato de que existam estes e outros condicionantes no deve implicar a utilizao de modelos que neguem a compreenso de como se produzem os processos de aprendizagem. Pelo contrrio, partindo do princpio de ateno diversidade, temos que nos mover na identificao dos condicionantes que impedem lev-lo a cabo e tomar as medidas que diminuam ou eliminem esses condicionantes que impedem que nos ocupemos das demandas particulares de cada um dos meninos e meninas.

    Sem dvida, difcil conhecer os diferentes graus de conhecimento de cada menino e menina, identificar o desafio de que necessitam, saber que ajuda requerem e estabelecer a avaliao apropriada para cada um deles a fim de que se sintam estimulados a se esforar em seu trabalho. Mas o fato de que custe no deve nos impedir de buscar meios ou formas de interveno que, cada vez mais, nos permitam dar uma resposta adequada s necessidades pessoais de todos e cada um de nossos alunos.

    O CONSTRUTIVISMO: CONCEPO SOBRE COMO SE PRODUZEM OS PROCESSOS DE APRENDIZAGEM

    Embora uma primeira aproximao ao conhecimento do como se aprende nos permite chegar concluso de que os modelos de ensino devem ser capazes de atender diversidade dos alunos, existe uma srie de princpios psicopedaggicos em torno da concepo construtivista da

  • aprendizagem suficientemente validados empiricamente que, como veremos, so determinantes para estabelecer referncias e critrios para a anlise da prtica e da interveno pedaggica.

    A concepo constru ti vista (Coll, 1986; Coll, Martin, Mauri, Miras, Onrubia, Sol e Zabala, 1993; Mauri, Sol, Del Carmen e Zabala, 1990), partindo da natureza social e socializadora da educao escolar e do acordo construtivista que desde algumas dcadas se observa nos mbitos da psicologia do desenvolvimento e da aprendizagem, rene uma srie de princpios que permitem compreender a complexidade dos processos de ensino/aprendizagem e que se articulam em torno da atividade intelectual implicada na construo de conhecimentos. Sem pretender dar uma explicao exaustiva deste marco terico, que tem tido uma ampla difuso, citaremos, a seguir, alguns de seus elementos fundamentais.

    Nesta explicao, pressupe-se que nossa estrutura cognitiva est configurada por uma rede de esquemas de conhecimento. Estes esquemas se definem como as representaes que uma pessoa possui, num momento dado de sua existncia, sobre algum objeto de conhecimento. Ao longo da vida, estes esquemas so revisados, modificados, tornam-se mais complexos e adaptados realidade, mais ricos em relaes. A natureza dos esquemas de conhecimento de um aluno depende de seu nvel e desenvolvimento e dos conhecimentos prvios que pde construir; a situao de aprendizagem pode ser concebida como um processo de comparao, de reviso e de construo de esquemas de conhecimento sobre os contedos escolares.

    Agora, para que este processo se desencadeie, no basta que os alunos se encontrem frente a contedos para aprender; necessrio que diante destes possam atualizar seus esquemas de conhecimento, compar-los com o que novo, identificar semelhanas e diferenas e integr- las em seus esquemas, comprovar que o resultado tem certa coerncia etc. Quando acontece tudo isto - ou na medida em que acontece podemos dizer que est se produzindo uma aprendizagem significativa dos contedos apresentados. Ou, dito de outro modo, esto se estabelecendo relaes no-arbitrrias entre o que j fazia parte da estrutura cognitiva do aluno e o que lhe foi ensinado. Na medida em que podem se estabelecer estas relaes, quer dizer, quando a distncia entre o que se sabe e o que se tem que aprender adequada, quando o novo contedo tem uma estrutura que o permite, e quando o aluno tem certa disposio para chegar ao fundo, para relacionar e tirar concluses (Ausubel, Novak e Hanesian, 1983), sua aprendizagem uma aprendizagem significativa que est de acordo com a adoo de um enfoque profundo. Quando estas condies so insuficientes ou no esto presentes, a aprendizagem que se realiza mais superficial e, no limite, pode ser uma aprendizagem mecnica, caracterizada pelo escasso nmero de relaes que podem ser

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    estabelecidas com os esquemas de conhecimento presentes na estrutura cognitiva e, portanto, facilmente submetida ao esquecimento.

    Como se tem repetido continuamente, a aprendizagem significativa no uma questo de tudo ou nada, mas de grau - do grau em que estopresentes as condies que mencionamos. Assim, pois, a concluso evidente: o ensino tem que ajudar a estabelecer tantos vnculos essenciais e no-arbitrrios entre os novos contedos e os conhecimentos prvios quanto permita a situao.

    Chegando a este ponto, falaremos do ensino. Na concepo constru- tivista, o papel ativo e protagonista do aluno no se contrape necessidade de um papel igualmente ativo por parte do educador. ele quem dispe as condies para que a construo que o aluno faz seja mais ampla ou mais restrita, se oriente num sentido ou noutro, atravs da observao dos alunos, da ajuda que lhes proporciona para que utilizem seus conhecimentos prvios, da apresentao que faz dos contedos, mostrando seus elementos essenciais, relacionando-os com o que os alunos sabem e vivem, proporcionando-lhes experincias para que possam explor-los, compar-los, analis-los conjuntamente e de forma autnoma, utiliz-los em situaes diversas, avaliando a situao em seu conjunto e reconduzindo-a quando considera necessrio, etc. Dito de outro modo, a natureza da interveno pedaggica estabelece os parmetros em que pode se mover a atividade mental do aluno, passando por momentos sucessivos de-equilbrio, desequilbrio e reequilbrio (Coll, 1 9S3).

    Assim, concebe-se a interveno pedaggica como uma ajuda adaptada ao processo de construo do aluno; uma interveno que vai criando Zonas de Desenvolvimento Prxima! (Vygotsky, 1979) e que ajuda os alunos a percorr-las. Portanto, a situao de ensino e aprendizagem tambm pode ser considerada como um processo dirigido a superar desafios, desafios que possam ser enfrentados e que faam avanar um. pouco mais alm do ponto de partida. evidente que este ponto no est definido apenas pelo que se sabe. Na disposio para a aprendizagem - e na possibilidade de torn-la significativa - intervm, junto s capacidades cognitivas, fatores vinculados s capacidades de equilbrio pessoal, de relao interpessoal e de insero social. Os alunos percebem a si mesmos e percebem as situaes de ensino e aprendizagem de uma maneira determinada, e esta percepo - "conseguirei, me ajudaro, divertido, uma chatice, vo me ganhar, no farei direito, interessante, me castigaro, me daro boa nota..." - influi na maneira de se situar diante dos novos contedos e, muito provavelmente, (Sol, 1993) nos resultados que sero obtidos.

    Por sua vez, estes resultados no tm um efeito, por assim dizer, exclusivamente cognitivo. Tambm incidem no autoconceito e na forma de perceber a escola, o professor e os colegas, e, portanto, na forma de se relacionar com. eles. Quer dizer, incidem nas diversas capacidades das pessoas, em suas competncias e em seu bem-estar.

  • A PRTICA EDUCATIVA / 39

    A concepo conslru li vista, da qual o mencionado anteriormente no mais do que um apontamento, parte da complexidade intrnseca dos processos de ensinar e aprender e, ao mesmo tempo, de suapotencialidade para explicar o crescimento das pessoas. Apesar de todas as perguntas que ainda restam por responder, til porque permite formular outras novas, respond-las desde um marco coerente e,especialmente, porque oferece critrios para avanar.

    A APRENDIZAGEM DOS CONTEDOS SEGUNDO SUA TIPOLOGIA

    Vimos as condies gerais de como se produzem as aprendizagens sob uma concepo construtivista e, previamente, diferenciamos os contedos de aprendizagem segundo uma determinada tipologia que nos serviu para identificar com mais preciso as intenes educativas. A pergunta que agora podemos nos fazer se os princpios descritos genericamente se realizam de forma diferente conforme trate-se de contedos conceituais, procedimentais ou atitudinais.

    A tendncia habitual de situar os diferentes contedos de aprendizagem sob a perspectiva disciplinar tem feito com que a aproximao aprendizagem se realize segundo eles pertenam disciplina ou rea: matemtica, lngua, msica, geografia, etc., criando, ao mesmo tempo, certas didticas especficas de cada matria. Se mudamos de ponto de vista e, em vez de nos fixar na classificao tradicional dos contedos por matria, consideramo-los segundo a tipologia conceituai, procedi- mental'e'atitudintrl,'prTderenios_\'er q'ueuj'xiste'cmtaniTaii)r_seiTrelhan"a na forma de aprend-los c, portanto, de ensin-los, pelo fato de serem conceitos, fatos, mtodos, procedimentos, atitudes, etc., e no pelo fato de estarem adstritos a uma ou outra disciplina. Assim, veremos que o conhecimento geral da aprendizagem, descrita anteriormente, adquire caractersticas determinadas segundo as diferenas tipolgicas de cada um dos diversos tipos de contedo.

    Mas antes de efetuar uma anlise diferenciada dos contedos, conveniente nos prevenir do perigo de compartimentar o que nunca se encontra de modo separado nas estruturas de conhecimento. A diferenciao dos elementos que as integram e, inclusive, a tipificao das caractersticas destes elementos, que denominamos contedos, uma construo intelectual para compreender o pensamento e o comportamento das pessoas. Em sentido estrito, os fatos, conceitos, tcnicas, valores, etc., no existem. Estes termos foram criados para ajudar a compreender os processos cognitivos e cond atuais, o que torna necessria sua diferenciao e parcializao metodolgica em compartimentos para podermos analisar o que sempre se d de maneira integrada.

  • 40 t A ntoni Z abala A P R T I C A E D U C A T I V A - / 41

    Esta relativa artificialidade faz com que a distino entre uns e outros corresponda, na realidade, a diferentes faces do mesmo poliedro. A linha divisria entre umas e outras muito sutil e confusa. Portanto, seguindo com a analogia, a aproximao a uma ou outra face uma opo de quem efetua a anlise. Num determinado momento queremos ensinar ou nos deter no aspecto factual, conceituai, procedimental ou atitudinal do trabalho de aprendizagem a ser realizado. Assim, pois, preciso levar em conta que:

    Todo contedo, por mais especfico que seja, sempre est associado e portanto ser aprendido junto com contedos de outra natureza. Por exemplo, os aspectos mais factuais da soma (cdigo e smbolo) so aprendidos junto com os conceituais da soma (imio e nmero), com os algortmicos (clculo mental e algoritmo) e os atitudinais (sentido e valor).

    A estratgia de diferenciao tem sentido basicamente a partir da anlise da aprendizagem e no do ensino. Desde uma perspectiva construdvista, as atividades de ensino tm que integrar ao mximo os contedos que se queiram ensinar para incrementar sua significncia, pelo que devem observar explicitamente atividades educativas relacionadas de forma simultnea com. todos aqueles contedos que possam dar mais significado aprendizagem. Portanto, esta integrao tem uma maior justificao quando os contedos se referem a um mesmo objeto especfico de estudo. No caso da soma, a capacidade de utiliz-la competentemente ser muito superior se se trabalham ao mesmo tempo os diferentes tipos de contedos relacionados com a soma.

    Apesar das duas consideraes anteriores, as atividades de aprerr- dizagem-so-substancialmente-diferentes-segundo-a-natureza-do-

    contedoTAprend^sA cdigo soma de forma diferente do conceito uniozdos passos do algoritmo ou do valor e sentido da soma. Utilizarei outro exemplo para ilustrar estas consideraes. Situemo-

    nos na rea de Cincias Sociais e numa unidade didtica que faz referncia bacia hidrogrfica do rio Segre. Quando se aprende o nome do rio, dos afluentes e das populaes da bacia, esto se reforando conjuntamente, e portanto aprendendo, os conceitos de rio, afluente e populao. Ao mesmo tempo, se melhora o domnio da leitura do mapa

    afluente ou populao, que se chega a dominar a interpretao de mapas, nem que se adquirem atitudes de respeito pela natureza.

    A APRENDIZAGEM DOS CONTEDOS FACTUAIS

    correspondente e se leva em considerao o papel que tm neste territrio as medidas para a conservao do meio ambiente. A forma de propor as atividades de ensino ser a que permita a mxima inter-relao entre os diferentes contedos. Assim, sero propostas atividades que facilitem a memorizao da toponmia, ao mesmo tempo que contribuam para ampliar os conceitos associados, se situem no mapa e faam consideraes sobre as necessidades de manuteno do meio ambiente. Mas, apesar disso, a forma de aprender os nomes dos rios e das populaes no a mesma forma com que se concebe o significado de rio,

    Por contedos factuais se entende o conhecimento de fatos, acontecimentos, situaes, dados e fenmenos concretos e singulares: a idade de uma pessoa, a conquista de um territrio, a localizao ou a altura de uma montanha, os nomes, os cdigos, os axiomas, um fato determinado num determinado momento, etc. Sua singularidade e seu carter, descritivo e concreto, so um trao definidor. O ensino est repleto de contedos factuais: toda a toponmia na rea de geografia; as datas e os nomes de acontecimentos na de histria; os nomes de autores e correntes na de literatura, msica e artes plsticas; os cdigos e os smbolos nas reas de lngua, matemtica, fsica e qumica; as classificaes na de biologia; o vocabulrio nas lnguas estrangeiras, etc. Tradicionalmente, os fatos tm sido a bagagem mais aparente do vulgarmente denominado "homem culto", objeto da maioria de provas e inclusive concursos. Conhecimento ultimamente menosprezado, mas indispensvel, de qualquer forma, para poder compreender a maioria das informaes e problemas que surgem na vida cotidiana e profissional. Claro, sempre que estes dados, fatos e acontecimentos disponham dos conceitos associados que permitam interpret-los, sem os quais se converteriam em conhecimentos estritamente mecnicos.

    Antes de examinarmos como se aprendem os contedos factuais e -para-justifiear-a-intefpretao que-fazemos-de4es7-devemos-nos perguntar a que nos referimos quando dizemos que se aprendeu um fato, um dado, um acontecimento, etc. Consideramos que o aluno ou a aluna aprendeu um contedo factual quando capaz de reproduzi-lo. Na maioria destes contedos, a reproduo se produz de forma literal; portanto, a compreenso no necessria j que muitas vezes tem um carter arbitrrio. Dizemos que algum aprendeu quando capaz de recordar e expressar, de maneira exata, o original, quando se d a data com preciso, o nome sem nenhum erro, a atribuio exata do smbolo. Trata-se de contedos cuja resposta inequvoca. Nestes casos uma aprendizagem de tudo ou nada. Sabe-se a data, o nome, o smbolo, a valncia... ou no se sabe. Mas quando os contedos factuais se referem a acontecimentos, pede-se da aprendizagem que, embora no seja reproduo literal, implique uma lembrana o mais fiel possvel de todos os elementos que a compem e de suas relaes. A trama de um romance, a descrio da colonizao das terras americanas ou o argumento de uma pera podem ser recordados com mais ou menos componentes e no necessrio fazer urna repetio literal. Geralmente, consideramos que, com relao aos

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    fatos, a aprendizagem adequada a mais prxima do texto original ou da exposio que objeto de estudo.

    Este ti