Zanoni Serbena Imaginacao Alma e Psicopatologia Na Psiologia Arquetipica Livro Nedhu

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A partir das idéias de J Hillman reflete sobre a relação entre imaginação sofrimento e psicopatologia

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Maria Virginia Filomena Cremasco

 Organizadora

o

SOFRIMENTO HUM NO

EM PERSPECTIV

enfoques psicológicos

EDITORACRV

Curitiba - Brasil

2011

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Copyright © da Editora CRV Ltda.

Editor-chefe: Railson Moura

Diagramação: Marcos Roberto P.de Aguiar

Capa: Alessandra Pilar

Revisão: Os Autores

SU ÁR O

Jogos e espaço lúdico em crianças com conduta

antissocial e dificuldade expressiva de aprendizagem

- Uma possível proposta pedagógica inovadora 9

Maria Vitória Campos Mamede Maia

Controle e assujeitamento nosdiscursos organizacionais..... 39

Aristeu Mazuroski Jr

e

lara Picchioni Thielen

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE

SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS,

RJ

Casos difíceis e a relação analítica: o incômodo do limite. 69

Mariana Benatto Pereira da Silva Schreiber

S664

1. Distúrbios da aprendizagem. 2. Psicologia da aprendizagcm. 3. Psicologia

educacional. l. Crcmasco, Maria Virginia Filomena. lI. Título.

O sofrimento humano em perspectiva: enfoques psicológicos

I

Maria Virginia

Fi10mena Cremasco (org) . - I .cd. - Cur itiba, PR : CRV,2011.

192 p.

Inclui bibliografia

ISBN 978-85-8042-J23-1

Corpo e subjetivação: reflexões sobre uma possível

contribuição da fenomenologia à psicologia 143

Joanneliese de Lucas Freitas

 

Imaginação, alma e a psicopatologia na perspectiva

da psicologia arquetípica 123

Anna Paula Zanoni

e

CarlosAugusto Serbena

A experiência com Ayahuasca sob a perspectiva

da psicopatologia fundamental .

Camila Silva Ribeiro Jonas Felipe Tagliari Eler

e

Lucas Cordeiro

COD: 370.1523

COU: 37.015.3

11-2719.

13.05.11 16.05.11

026392

Um corpo trans f tornado?

O traumático em transtornos alimentares femininos 159

Maria Virginia Filomena Cremasco

Trauma, trágico e trajetórias:

uma perspectiva existencial 181

Adriano Holanda

20li

Proib ida a reprodução parcial ou total desta obra sem a autor ização da Editora CRY.

Todos os direitos desta edição reservados pela:

EditoraCRV

Te : (41) 3039-6418

www.editoracrv.com.br

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Sobre os autores 191

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IM GIN ÇÃO LM

PSICOP TOLOGI

N PERSPECTIV D

PSICOLOGI RQUETÍPIC

nna Paula Zanoni

 arlos ugusto Serbena

Este trabalho pretende apresentar a visão das psicopatologias

sob o olhar da Psicologia Arquet ípica de James Hillman. Para tanto

foram apresentadas ideias-chave do autor tais como alma arquéti

pos e imagens arquetípicas. Fundamentalmente Hillman defende

que patologizar é um movimento da psique válido necessário e

autêntico que permite um encontro com a alma e com os sentidos e

que deve ser compreendido metaforicamente pois é desta forma que

a psique ganha expressão.

A Psicopatologia recebeu diversos olhares e explicações ao

longo da história da humanidade até chegar ao modelo médico e

nominalista de classificação dos transtornos mentais predominante

atualmente nos discursos dos profissionais da área da saúde. Este

modelo é representado principalmente pelos manuais psiquiátricos

que se centram na nominação e na classificação das psicopatologias

através de termos técnicos representado pelos manuais psiquiátricos

e presente nos discursos da maior parte dos profissionais da área

da saúde inclusive psicólogos. Entretanto se amplia-se a capaci

dade de intervenção do profissional na doença mental perde-se

o sentido subjetivo da patologia e do sofrimento psíquico para o

sujeito que padece da doença pois parte-se do princípio que o

sofrimento deve ser diminuído ou eliminado e que a patologia é ex

terna

à

subjetividade tal como na doença orgânica na qual o agente

patogênico deve ser eliminado.

Observa-se que o termo psicopatologia é em geral utilizado

para sereferir ao estudo das doenças mentais abrangendo desde a pers

pectiva descritiva e sintomática até a teoria da origem e da manutenção

I

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  A

 sicologia rquetípica

O psiquiatra suíço C. G. Jung desenvolveu nas primeiras dé

cadas de 1900 a chamada Psicologia Analítica , a qual ele preferiu

chamar mais tarde de Psicologia Profunda . No início de sua vida

acadêmica, Jung interessou-se pela psicanálise, ligando-se a Sig

mund Freud que inclusive chegou a considerar-se um pai de Jung,

com esperanças de que este fosse seu herdeiro intelectual. Entretan

to, em 1913, Jung publicou o livro Metamorfoses e Símbolos da

do CeccareIli (2005), isso resultou na impossibilidade de estabelecer

diálogos unificantes e intercientíficos entre as diferentes abordagens

teóricas. Para tanto, foram criados osmanuais - de caráter médico

DSM (Manual de Diagnóstico e Estatística de Transtornos Mentais

da Associação Psiquiátrica Americana) e o CIO (Classificação In

ternacional de Doenças), com classificações precisas e delimitadas e

que reinam nos discursos médicos atuais. Uma das grandes críticas

feitas a esses manuais nominalistas, principalmente pelas aborda

gens psicológicas, é o fato de não levar em conta a subjetividade

tanto daquele que esta sendo classificado quanto daquele que clas

sifica: o olhar de quem olha não é imune à sua própria organização

subjetiva (CECCARELLl, 2005). Eles são uma forma de reduzir

as particularidades para salientar as semclhanças a fim de poder en

quadrar o indivíduo em um determinado modelo psicopatológico.

Surgem ainda, paralelamente à difusão desses manuais, as

crescentes publicações de pesquisas das neurociências que reforçam

uma origem biológica dos transtornos psíquicos. Vemos, atualmente

e desde os períodos anteriores, a preocupação com o saber cicntí

fico e a necessidade de materializar, objetivar, reduzir e enquadrar

os transtornos psíquicos. Se por um lado há a possibil idade de um

alcance maior (quantitativo) do sofrimento psíquico, há por outro,

um esvaziamento do mesmo (qualitativo), visto que as particula

ridades dos indivíduos e o sentido do adoecer são deixados em

segundo plano. James Hillman (1975, 1984a, 1984b, 1993b), funda

dor da Psicologia Arquetípica, repensa essa forma de olhar a chama

da psicopatologia . Ele propõe um novo olhar sobre ela: um olhar

metafórico e imaginativo, pois considera que a linguagem da psique

é metafórica e imagética.

125

o

SOFRIMENTO HUMANO EM PERSPECTIVA:

enfoques psicológicos

24

dos funcionamentos psíquicos chamados mórbidos (pEREIRA, 2002).

Entretanto, ele encerra uma série de diferentes definições, cada qual li

gada a um contexto, seja médico, psicológico, ou ainda, ligado a várias

abordagens dentro da própria psicologia.

Atualmente, a psicopatologia está ligada principalmente à psi

quiatria e à psicologia. Entrctanto, o desenvolvimento de diferen

tes correntes e conceituações acerca do psicopatológico , trazem

a possibilidade, segundo Beauchesne (2002), de uma ruptura entre

as diferentes tendências, até mesmo do completo desaparecimento

de todas referências psicopatológicas . Passa-se, então, a repensar o

fenômeno psicopatológico e também os modelos que caracterizam

cada uma dessas diferentes tendências, principalmente o modelo

médico e nominalista que tentou unificá-Ias , nonnalizando e

 classificando o indivíduo que adoece. Começam a surgir questio

namentos sobre esse modelo, preconizando a ótica das particulari

dadcs de cada ser e do processo psicopatológico como uma possi

bilidade de restabelecer a saúde psíquica e não como dcgenerador.

Segundo Ceccarelli (2005), a palavra psicopatologia é com

posta de três outras palavras gregas:  p,\ychê

 

1mthos e  logos

 .

 P,\ychê

resultou cm psique , psíquico , psiquismo e alma .

 Palhos em paixão , excesso , passagem , passividade , so

frimento , assujeitamento , patológico . E  logos   cm lógica ,

 discurso , narrativa , conhecimento . Psico-pato-Iogia, scria,

cntão, um discurso, um saber (fogos), sobre a paixão (palhos) da

mcntc, da alma (psyquê). Ou seja, um discurso represcntativo a res

peito do [Jalhos psíquico; um discurso sobre o sofrimento psíquico,

sobre o padecer psíquico. llillman (1975), entretanto, acrescenta

mais um significado à palavra grega palhos: é algo que sucede, que

sc experimenta, uma comoção e a capacidade de eomover-se. Pa-

lhos passa a representar as trocas que a alma sofre e, como con

sequência, o termo não mais passa a ser o representante direto do

sofrimento: a alma pode experimentar, comover-se e sofrer trocas

- inclusive patológicas - sem que necessariamente haja sofrimento

psíquico envolvido. Deste modo, para Hillman (1975), a patologia

está presente na vida de todas as pessoas, apesar de apenas o sofri

mento ser a imagem comum da patologia.

O século XX assistiu ao desenvolvimento de um número imen

so de disciplinas que se interessam pelo sofrimento psíquico. Segun-

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  Imagem e imaginação

o

conceito tradicional de imagem c imaginação pode ser visto

consultando o Dicionário de Psicologia daAPA(2010). Segundo ele

a imagem é um termo próprio da psicologia cognitiva cujo signifi

cado é uma semelhança ou representação de uma experiência sen

sorial anterior, recordada sem estimulação externa (APA, 2010, p.

499). Isto é, a imagem é um produto derivado de algo ou secundário

e não um elemento fundamental na dinâmica da psique. A imagi

nação aparece como algo mais elaborado, capaz de novidades, mas

ainda assim dependente de dados sensoriais externos, como mostra

a sua definição faculdade que produz ideias e imagens na ausên

cia de dados sensoriais diretos, muitas vezes pela combinação de

fragmentos de experiências sensoriais anteriores em novas sínteses

(APA,2010, p. 500).

surgiu após os trabalhos de Jung, como uma elaboração crít ica da

teoria e prática destes trabalhos (ADAMS, 2002).

Hillman (1988) afirma que preferiu chamar a sua teoria dePsico

logiaArquetípica, em vez deAnalítica, porque arquétiponão só reflete

a profundidade teórica dosúltimos trabalhos de Jung, os quais tentam

resolver os problemas psicológicos para além dosmodelos científicos

(HILMAN, 1988, p.2I), mas também porque arquetípico pertence a

toda cultura, a todas as formas de atividade humana, e não somente aos

profissionais que praticam a terapêutica moderna (HILMAN, 1988,

p.21). SegundoG. Barcellos (1983) é necessário deixar claro que a psi

cologia arquetípica desse autor não se denomina uma escola em si,

mas um aprofundamento e um avanço das ideiasoriginadasdo trabalho

de .Jung. A psicologia arquetípica pode servista como ummovimento

cultural;parte da sua tarefa é a revisão da psicologia, da psicopatologia

e da psicoterapia de acordo com a imaginação cultural do ocidente

(HILLMAN, 1988,p. 22).

A psicologia arquetípica entende que a psicologia médica e

empírica tende a confinar a psicologia às manifestações positivistas

da condição da alma do século XIX, por isso ela pretende ir além da

pesquisa clínica dentro do consultório de psicoterapia e se aproxi

mar mais da imaginação e da cultura (HILLMAN, 1988).

  7

SOFRIMENTO HUMANO EM PERSPECTIVA:

enfoques psicológicos

Libido , que atualmente tem o nome Símbolos da Transformação ,

expondo ideias diferentes das da psicanálise e rompendo seus vín

culos com Freud. A principal divergência entre as ideias de Freud e

de Jung foi sobre a noção de libido, que para Freud era considerada

energia sexual pura e, para Jung, simplesmente uma das compo

nentes da energia vital. A partir daí, o pensamento de Jung diverge

do de Freud e ele passa a cstudar sobre gnose, alquimia, psicologia

oriental, filosofia, religião, entre outras áreas.

Segundo Samuels (2002), posteriormente à morte dc Jung surgi

ram muitos trabalhos sobre a psicologia analítica,devido a umaplurali

dadc de olhares e leituras dianteda suaobra. Entretanto, csses trabalhos

muitas vezes tinham ideias contrárias ou diferentes, o que acabava por

gerar desavenças e separações entre os chamados pós-junl:, llÍanos.

De aproximadamente 1950 a 1975, pode-se dizer que a psico

logia analítica era formada por duas escolas diferentes: a de Londres,

chamada de clínica e, a escola de Zurique, chamada dc simbólica.

Essas denominações começaram a desaparecer em torno de 1970,

pois a escola de Zurique também englobava a clínica. Também ncs

sc pcríodo começou a cmergir um terceiro grupo de analistas quc

prcferiu denominar scu trabalho de Psicologia Arquetípica e dentrc

cles cstava Jamcs Hillman. Samuels (2002) defende que atualmcnte

cxistem três cscolas dc Psicologia Analítica: a clássica (antiga escola

dc Zuriquc, quc procura trabalhar dcmodo consistente com o que se

sabe sobre os métodos de Jung), a desenvolvimentista (antiga escola

de Londres, que tentou estabelecer um vínculo com características

da psicanálise contemporânea) e, a arquetípica, dc James Hilhnan.

James Hillman nasceu nos Estados Unidos, em 1926,c é con

sidcrado um psicólogo pós-junguiano e pós-moderno. Estudou em

Paris, na Sorbonnc, no Trinity Colege de Dublin e na Universidade

dc Zurique. Em 1959, tirou seu Ph.D nesta última universidade e

ganhou o diploma de analista no   arl Gustav Jung lnstitute em

Zurich, tornando-se Diretor de Estudos do insti tuto por dez anos

(HILLMAN, 1993a).

Hillman (1988) afirma que o pai direto da Psicologia Arquetí

pica foi o psicólogo suíço Carl Gustav Jung (1875-1961). De Jung

vem a ideia de que as estruturas básicas e universais da psique, os

padrões formais de seus modos de relação, são padrões arquetípi

cos (HILLMAN, 1988, p. 22). Entretanto, a Psicologia Arquetípica

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representam aquilo que se vê, mas a maneira como se vê. Elas só

são possíveis através do ato de imaginar e representam uma múlti

pla relação de significados, de eventos históricos, de disposições e

de possibilidades. Não estão correlacionadas apenas com símbolos

visuais ou verbais pois estão carregadas de sentidos. As imagens

arquetípicas retratam nossas emoções humanas, nossOScomplexos

demasiadamente humanos, em cada ser humano que vive a experi

ência de Ser humano (HILLMAN, 1984, p. 170).

O ato psíquico de imaginação possibil ita que a imagem seja

percebida ou sentida como mais profunda, mais poderosa e mais

bonita do que a compreensão dela. Os sonhos, as fantasias, as poe

sias, os mitos, por exemplo, são representações diretas de imagens

e podem revelar padrões arquetípicos. São difíceis de serem com

preendidos porque possuímos o vício da linearidade e porque não

conseguimos vivenciar e experimentar plenamente a simultaneidade

de significados de cada imagem. Esses significados não obedecem

a uma ordem, tal como nosso pensamento linear espera, mas apare

cem de forma atemporal , ao mesmo tempo e todo o tempo, metafo-

ricamente (HILLMAN,1988).

Segundo Avens (1993), ao tentar aprofundar as ideias de Jung

sobre a natureza da psique, Hillman adota uma postura de relati

vismo radical ao defender que a natureza humana é basicamente

imaginal c polimódica, ou seja, que até mesmo aquilo que há de

mais concreto, do ponto de vista instintivo, em nossas experiências,

é imagina . Até mesmo por detrás do empirismo científico existe um

mundo de realidade primordial independente: o mundo imagina .

Jung também acreditava e defendia que a imaginação é subjacente

a todos os processos perceptuais e cognitivos. (...) Tudo o que co

nhecemos é transmitido através de imagens (AVENS, 1993, p. 49).

Avens (1993), de forma mais objetiva que Hillman, lembra que

a imagem a que nos referimos não equivale à memória ou a um re

flexo de um objeto ou de uma percepção. Ela está ligada à imagem

da fantasia e representa uma expressão condensada da situação

psíquica como um todo. Via de regra, a imagem expressa somente

aqueles conteúdos inconscientes que estão momentaneamente cons

telados, isto é, presentes na consciência (AVENS, 1993, p. 50).

Hillman ainda propõe uma outra característica das imagens:

elas são independentes, vêm e vão de acordo com sua própria

128

Contrapondo-se a esse conceito de imagem e imaginação, a

Psicologia Analítica nas suas diversas correntes, atribui um senti

do diferente a elas. Considera-as como integrantes fundamentais da

dinâmica psiquica e dotadas de autonomia e com funcionamento

próprio e independente dos dados sensoriais. A imagem e a imagi

nação aparecem ligadas indissoluvelmente ao conceito de incons

ciente coletivo, também denominada de psique objetiva,e as suas

estruturas - as imagens arquetípicas. A psique objetiva se manifesta

essencialmente por imagens, emoções c impulsos. A expressão do

inconsciente se dá de maneira não racional e pré-Iógica. As relações

entre as imagens e a realidade não são de causa e efeito mas de si

milaridade e contiguidade, a lógica que prevalece é analógica, pois:

 As camadas mais profundas falam através de imagens. Estas

imagens devem ser consideradas como se apresentassem des

crições de nós mesmos, ou de nossas situações inconscientes,

na forma de analogias ou parábolas . (Whitmont, 1995, p.35)

Neste sentido e radicalizando essa posição, Hil1man (1988)

defende que a área de atuação da psicologia arquetípiea é a imagem.

Jung já havia dito que a realidade psíquica é constituída por ima

gens. Estas são como uma perspectiva que vê através de todos os

nossos estados c atividades, poisa totalidade da realidade humana,

pois toda realidade humana, seja econômica, social, rel igiosa ou

física, deriva de imagens psíquicas (AVENS, 1993, p. 47).

As imagens arquctípicas são os elementos básicos da psi

que, ao mesmo tempo sua matéria-prima c seu produto acabado.

Hil1man(1975, p. 40) afirmou:

 considero que Ias imágenes

 ..

se

generan de manera e \7)(mtánea, que son imaginativas y completas,

  que se organizan en modelos arquetípicos 9. Elas são os modos

pelos quais todo conhecimento, toda e qualquer experiência se tor

nam possíveis. A imagem é a responsável por que cada percepção

que fazemos do mundo e cada sensação que possuímos cheguem

a ocorrer enquanto acontecimentos psíquicos, ou seja, para cada

sentimento ou observação que fazemos do mundo, é formada pri

meiro uma imagem da fantasia. As imagens são irredutíveis e não

39

o

SOFRIMENTO HUM NO EM PERSPECTIV

enfoques psicológicos

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As imagens psíquicas são encaradas como fenômenos naturais,

são espontâneas, quer seja no individuo, quer seja na cultura,

e necessitam, na verdade, ser experimentadas, cuidadas, acari

ciadas, entretidas, enfim, respondidas. As imagens necessitam

dc relacionamento, não de explicação. No momento em que

interpretamos, transformamos o que era essencialmente natural

em conceito, em linguagem conceitual, afastando-nos do fenô

meno. Uma imagem é sempre mais abrangente, mais comple

xa, que um conceito (I-llLLMAN, 1988, p. 10).

mas fenomenológico. Para ele, a interpretação significa uma con

ceituação da imaginação, ou seja, ela é uma redução do fenômeno

a um conceito, é uma intelectualização da experiência. A psicologia

arquetípica evita o reducionismo implicado na consideração da vida

psíquica em termos simplistas de estruturas básicas ou mecanismos

elementares, e defende que a mente é poética, e a consciência não

é uma elaboração secundária,

  posteriori

sobre uma base primiti

va, mas é dada com esta base em cada imagem (I-IILLMAN, 1988,

p. 32). Adota-se o método fenomenológico e se considera que qual

quer imagem pode ser arquetípica, pois pode ser valorada - como

universal, trans-histórica, basicamente profunda, geradora, extrema

mente intencional, e necessária (HILLMAN, 1988).

A abordagem imaginal dá uma qualidade ao psicológico: a

imaginação a que Hillman se referc não está relacionada apenas a

um número infinito de fantasias, mas às imagens que ressoam com

profundidade, que não impedem a psique de continuar imaginando.

Se as imagens são o que a psique é , então Hillman (1975) defende

que essa abordagem imaginal deve utilizar o método fenomenoló

gico: deve-se observar o fenômeno fenomenologicamente. Ou seja,

observar como a psique produz o que ela produz, o que represen

ta desprender-se da própria subjetividade e fascinar-se com aquilo

que acontece. Essa postura dá voz e vez à psique, permite deixá

-Ia mostrar o quer. Por isso é que Hillman defende que adotemos

uma abordagem imaginal também nos fenômenos psicopatológicos,

pois eles estão revelando algo acerca da alma e nós precisamos ter

a sensibilidade necessária para admitir isso e permitir-se ver e ouvir

o que esses fenômenos têm a mostrar e dizer (HILLMAN, 1984a).

I-lillman (1975) afirma que:

 3

SOFRIMENTO HUMANO EM PERSPECTIVA:

enfoques psicológicos

vontade, com seu próprio ritmo, dentro de seu próprio campo

de relações, e não são determinadas pela psicodinâmica pessoal .

De fato, as imagens são os fundamentos que tomam os movi

mentos da psicodinâmica possíveis (1988, p. 28). As imagens

comandam nossa psique e não são simplesmente um efeito dela,

como a representação de um afeto ou impulso, ou uma cópia da

realidade percebida. Isto quer dizer que a própria dinâmica das

imagens engendram, por meio de uma atividade psicológica cria

tiva, maneiras de serem vistas ou objetivadas porque necessitam

ganhar material idade,isto é, percebidas ou sentidas com efeitos

na realidade psíquica. Elas solicitam a uma tomada de posição

por parte da psique consciente em relação a elas para que possam

constituir um efeito sobre a mesma.

O lema do método da psicologia arquetípica tomou-se, então,

permanecer fiel à imagem . Segundo Berry (1974), o significado

das imagens arquetípieas não é simplesmente revelado, mas deve

ser elaborado através do trabalho com a imagem , tal como o tra

balho com o sonho. A elaboração, por sua vez, é realizada de ma

neira concreta e material --como na arte, por exemplo- através de

uma penetração psicológica c de uma perspectiva subjetiva naquilo

que a imagem realmente apresenta. Para tanto, é necessário um

conhecimento adquirido em mitos e símbolos para uma apreciação

da universalidade das imagens (HILLMAN, 1988, p. 37), assim

como, muitas vezes, é necessário também experiências linguístieas,

etimológicas, gramaticais e sintáticas.

Esse trabalho de elaboração é a tarela principal da psicologia

arquetÍpica: representa penetrar na alma, descobrir sua profundida

de e subjetividade, l ibertar as amarras que nos prendem à Iiterali

dade para fazer surgir por detrás dos sentidos antes ocultos um su

jeito capaz de dialogar com sua própria alma, que compreende que

a realidade é imaginação, que aquilo que mais parece literalmente

 real é, na verdade, uma imagem com implicações metafóricas po

tencialmente profundas (HART, 2002, p. 114). É um movimento

contínuo, inesgotável, que descentraliza o ego, que recupera a alma

no discurso e que I-li llman chama de fazer alma , no original em

ingles soul-making .

Nesse momento é importante destacar que o trabalho de ela

boração das imagens a que Hillman se refere não é interpretativo,

 3

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132

O termo alma também é usado de outras maneiras, de for

ma a manter seu poder eonotativo. É também util izado de forma

intermitente com a palavra psique que provém da figura mítica

Viver psicologicamente significa imaginar coisas... Estar na

alma é experimentar a fantasia em todas as realidades e a reali

dade básica da fantasia...No princípio, há a imagem: primeiro a

imaginação e depois a percepção; primeiro a fantasia, depois a

realidade ... O homem é, basicamente, um criador de imagens, e

nossa existência é imaginação. Somos, de fato, de igual matéria

da qual os sonhos são feitos (apudAVENS, 1993, p. 49).

133

grega Psique - e que, segundo Hillman (1993), é um termo mais

moderno e mais próximo da biologia - e com a palavra anima ,

derivada do latim e muito utilizada por Jung. A preferência pelo

uso da palavra Alma, diferentemente das outras psicologias

que a evitam de todas as formas para se afastar do sentido mais

comum e ligado à religião, ocorre propositadamente para aproxi

mar a alma de algo incognoscível , que está além da compreensão

formal e que se afasta do cientificismo.

Alma, anima e psique trazem a ideia de que elas são aquilo

que envolvem o ser humano e não somente algo que o ser humano

tem. Elas também estão em tudo e todos os lugares, na interioridade

de todas as coisas. Significam um movimento que situa o homem

dcntro delas e que revê toda a atividade humana como psicológica.

Toda realidade concreta, nessa perspectiva, torna-se também uma

rcalidade psicológica. Não se pode imaginar a alma como uma coi

sa, mas também não se pode imaginá-Ia separada de todas as coisas.

Ao afirmar que a metáfora primária da psicologia deve ser a

alma, ]-lillman (1988) tem a intenção de dizer que o discurso ou   -

  s da alma é a metáfora e que se deve reconhecer que todas as afir

mações da psicologia sobre a alma são metáforas, passando assim,

da preocupação da definição do termo para uma possibilidade ima

ginativa e não uma substancialidade. A alma como metáfora tam

bém pennite um diálogo com a morte, pois a natureza da alma tem

uma necessidade suicida: uma afinidade com o mundo das trevas,

uma morbidez que torna a psique incapaz de se submeter às exigên

cias egocêntricas da subjetividade como conquista, definida como

cognição, intenção, percepção e outras noções. Nessa perspectiva, a

consciência não possui o controle sobre todos os fenômenos da psi

que e estes passam a ser vistos também como imagens, possuidores

de sentido e paixão, diferente da mentalidade científica e objetiva

que enxerga-os como desalmados e inanimados.

Na sua obra Suicídio eAlma (1993), como o próprio nome já

diz, Hi11manfaz uma aproximação direta entre a alma e a morte. O

suicídio é encarado como uma das possibilidades humanas: a esco

lha damorte e não da vida. Essa escolha tem significados diferentes,

de acordo com o indivíduo e seu contexto, e é uma escolha da alma.

Quando alguém se depara com a possibilidade damorte, seja ela sob

a forma de um suicídio ou deum prognóstico médico, a pessoa pas-

o SOFRIMENTO HUMANO EM PERSPECTIVA:

enfoques psicológicos

[Em primeiro lugar alma faz referência a transformação por aprofundamento dos aconteci

mentos em experiências; em segundo lugar a significação que a alma faz possível tanto ao

que corresponde ao amor com à inquietude religiosa procede de sua particular relação com

a morte. E em terceiro lugar por alma quero dar a entender as possibilidades da imaginação

presentes em nossa natureza a experiência atravês do pensamento especulativo o sonho a

imagem e a fantasia - essa modalidade que reconhece toda realidade como primordialmente

simbólica ou metafórica.]

En primeI lugar, alma hace referencia a Ia transformación,

por ahondamiento, de los acontecimientos en expcricncias; en

segundo lugar, Iasignificación que el alma hace posible, tanto

en

10

que atane ai amor como en Iainquietud religiosa, procede

de su especial relación con Ia muerte. Y en tercer lugar, por

 alma quiero dar a entender Ias posibilidades de imaginación

presentes en nuestra naturaleza, Ia experiencia a través de Ia

espcculación reflexiva, el suefio, Ia imagen y Ia fantasia, esa

modalidad que reconoce toda realidad eomo primordialmente

simbólica o metafórica40 (HILLMAN, 1975, p. 39).

Dcste modo, para Hillman (1988) a psique remete a imagem

c à alma, sendo esta a metáfora primária da psicologia. Mas como

descrever a alma?

A alma, nesta abordagem, não é considerada como um ente

ou uma coisa em si, mas fundamentalmente de forma metafórica

referindo-se a um processo ou ponto de vista em direção a própria

subjetividade, a experiência de profundidade e interioridade em di

reção aos significados, afetos, imagens e fantasias do próprio sujei

to. Assim, a alma apresenta-se como um símbolo e não como um

conceito, não deve ser definida mas imaginada e viveneiada. Para

compreender melhor a alma , são descritos três modos:

40

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 aquello que una persona no quiere ser ...) una suma de conte

nidos inconscientes reprimidos y no admit idos, y Ia asimilación

~.parcial, en mejor de los casos - de éstos plantea un problema a Ia

personalidad consciente, que prefiere experimentarIa a través del

mecanismo de proyección41 HILLMAN ,1975, p. 162).

à alma, à nossa interioridade. É uma descida vertical em direção a

nós mesmos, que representa a metáfora do profundo HILLMAN,

1988)_ Esse contato com a anima, ou a alma, possibilita o resgate de

aspectos ameaçadores do ego, mas que pertencem a toda a psique e

que realizam um movimento para sair da sombra, isto é,

Ela permite que trabalhemos com nossos aspectos fracos, in

seguros, melancólicos e sensíveis, tomando-nos psicológicos: refle

xivos e voltados à nossa interioridade. Mesmo que a vida huma

na seja somente uma manifestação da psique, uma vida humana é

sempre uma vida psicológica HILLMAN, 1988, p. 42), porque o

homem está na alma, porque a psique penneia todos os campos e

coisas do mundo. Por isso, nos dias de hoje, há tanta resistência à

anima e ao psicológico: eles ameaçam a fantasia da onipotência do

ego. Somente quando aparece a impotência - como na depressão

quc não nos permite seguir em frente, é que algo nos mobiliza, que

começamos nos sentir com uma alma. É nesse momento que que

bramos a noção autocentrada de eu e que começamos a nos questio

nar por que não conseguimos o queremos, de onde viemos, qual o

sentido das nossas vidas.

Hil1man 1984a) defende que uma verdadeira revolução na so-

ciedade moderna só acontecerá quando as pessoas puderem suportar

suas próprias depressões, pois somente assim elas poderão dizer não

a toda situação maníaca da sociedade moderna, como viagens, supe

ratividade e superconsumismo.

No entanto, essa perspectiva que tem a depressão como um pa-

radigma que representa o encontro com a ahna requer um cuidado: o

de não tomar essas característicasda ahna literalmente pois o  o os da

ahna é a metáfora). No caso da depressão, por exemplo, o indivíduo

deve viver na depressão mas não deve se identificar com ela. Ele pode

135

[ aqu il o qu e u ma p es so a n ão qu er s er . . . u ma soma de cont eú do s i nco ns ci en tes r epr imi do s e

n ão ad mi ti do s, e a a ss im ila çã o - pa rc ia l, no mel hor do s c as os - d est es c olo ca u m pr obl ema pa ra

a persona li dade consc iente, que p re fe re exper imen tá -Ias por meio do mecan ismo da p ro jeção]

41

o SOFRIMENTO HUMANO EM PERSPECTIVA:

enfoques psicológicos

sa a refletir sobre a sua existência, sobre suas questões mais Íntimas

e mais profundas, sobre a sua vida. Isso é exatamente se aproximar

da alma, é cuidar das questões da alma, é viver psicologicamente.

Morte e alma estão diretamente relacionadas não apenas no sentido

religioso, mas também no sentido psicológico e existencial.

134

  A alma e a patologização

Aalma também se relaciona com a patologia, inclusive porque a

psique possui uma capacidade autônoma de criar enfermidades, mor

bidades, desordens, anormalidades e sofrimentos em qualquer aspec

to de sua conduta, assim como para experimentar e imaginar a vida

alravés desta perspeetiva deformada e afl igida Para designar essa

capacidade, Hillman 1975) introduz o neologismo patologizar . A

intenção de Hillman é mostrar a necessidade psicológica da alma de

patologizar e, dessa forma, desvincular o patologizar do errado e do

 pecado . Ele pretende mostrar que patologizar é válido, autêntico e

necessário porque é uma forma de entrar em contato com a nossa alma

e que ocorre especialmente quando nos afastamos dela do contato e

da experiência com nossas imagens ou nossa subjetividade. Assim, a

lrans/{mnação do homem espiritual idealizado) e do homem natural

 estado original) em homem psicológico se realiza por também meio

da deformação encontrada na psicopatologia.

Hillman 1984a) eonsidera que a sociedade moderna é predo

minantemente egóiea e maníaca: de superatividade, de supercon

sumismo, de rapidez, de desperdícios, que exige que sejamos emi

nentemente verbais, que nos faz ter medo de sermos chatos, que

nos faz perder o sentido da tristeza. Ela representa uma estrutura

sádica, agressiva, dominante, poderosa e identificada com o desen

volvimento do nosso ego. Só que tal identificação está tão forte nos

dias de hoje, que nem sequer a encaramos como sÍndrome. Para

nós sÍndrome é tristeza, lentidão, seeura, espera. Isto nós chamamos

de depressão, e temos uma indústria fannaeêutica gigantesca para

lidar com ela HILLMAN, 1984a, p. 23).

Pode-se dizer que, para a psicologia arquetÍpiea, o paradigma

da psicopatologia é a depressão, da mesma forma que a esquizofre

nia era para Jung e a histeria para Freud. Isso porque a depressão

representa o movimento mais claro de aprofundamento em direção

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136

passar o dia de uma forma mais deprimida, mais lenta, na tristeza, mas

notar tudo isso, reconhecer e continuar a vida. Esta é uma maneira de

viver rente ao chão e de ressurgir da lógicamoderna desalmada. É lidar

com as imagens, é fazer alma HILLMAN, 1984a).

Cultivar a alma, ou fazer alma , um compromisso da psicologia

arquetípica, significa imaginar, libertar os fenômenos da compreensão

literal, ter uma atitude psicológica que suspeita do nível dado e in

gênuo dos acontecimentos e o rcjeita para explorar seus significados

sombrios e mctaforicospara a alma HILLMAN, 1988,p. 55). E a pa

tologia é também uma possibilidadc dc realizar o movimento de fazer

alma : de transformar os acontecimentos cm cxpcriências.

A patologia é o lugar quc mantém a pessoa na alma, aquele

tormento, aqucla torção a qual você não pode simplesmente ignorar,

não podc simplesmentc seguir adiante de uma mancira natural, pois

há algo quebrado, torcido, doendo, que força uma reflexão constante

 HILLMAN, I984a, p. 32).

Ili llman 1984a) salienta, porém, que apesar de falar sobre a

ncccssidade da alma dc lidar com os aspectos inferiorcs e obscuros,

ela também prccisa dc ideias claras c de disciplina. Caso contrário,

corrc-sc o risco de lidar com as coisas de forma somente emocional

c com cnvolvimcnto com tudo o tcmpo todo. Cai-sc também numa

forma literal de lidar com os fenômenos, justamente aquilo que a

psicologia arquetípica tenta evitar. Hillman laia dos aspectos obscu

ros da alma porque estes não têm o direito dc tcr voz na socicdade

moderna, mas, ao mesmo tempo, também não é possível dialogar

com nossa alma ou transformar acontccimcntos em experiências

se não tivermos ideias claras. O que devemos fazer é permanecer

atentos à nossa complexidade psíquica e a todos os deuses que per

tencem à ela, reconhecê-los e identificar suas neccssidades, consi

derando que  un dios es una manera de ser una actitud hacia a Ia

existencia y un conjunto de ideas42

HlLLMAN, 1975, p. 272).

Desse modo, a alma vive miticamente, enredada nos mitos,

dentro dos deuses. Não podemos dar voz somente a um deus ou

outro, porque os deuses negligenciados não aceitam a condição de

renegação. É importante que saibamos identificar, na psicopatolo

gia, qual deus, , isto é, qual maneira de ser, atitude ou fantasias, está

falando naquele momento para que possamos extrair um significado

131

A alma volta sempre às suas mesmas feridas, ela insiste nas

mesmas figuras e emoções, vemos os mesmos temas nos so

nhos por muitos e muitos anos. Desse ângulo, a psicopatologia

em si aponta para a eircularidade da alma. A alma repete-se

infinitamente, e na repetição está uma tentativa de aprofunda

mento. A alma volta constantemente às suas feridas para extrair

delas novos significados; volta em busca de uma experiência

renovada I-IlLLMAN, 1988, p. 15).

Isso quer dizer que ora estamos sob o domínio de um deus e

ora sob o domínio de vários outros, sendo que esses mesmos deuses

nos tomam em mais de um momento de nossas vidas. A psicologia

arquetípica

é

metaforicamente politeísta porque acredita na diversi

dade da existência humana, na multiplicidade da alma e em algo que

vai além do literal. Vivemos numa sociedade monoteísta, em que o

modelo de desenvolvimento humano segue o mito do herói, ou seja,

da noção autocentrada e egóica que tem dominado a alma e que

leva à ação irrefletida e a uma repressão da diversidade psicológica.

A psicologia politeísta é importante para trazer uma nova reflexão

à psicopatologia: ela permite que o olhar sobre a diversidade seja

desvinculado de uma única ideia e passe a representar uma possi

bilidade imaginativa, a de ver através de várias perspectivas sem

julgamento moral.

Segundo HilIman, a mitologia clássica é uma coleção de fa-

mílias de histórias profundamente inter-relacionadas, com detalhes

muito precisos, mas sem sistematização esquemática seja nas his

tórias avulsas, seja entre as histórias enquanto um conjunto 1984b,

p. 173). E da mesma forma são a nossa psique e a psicopatologia.

A psique tem uma necessidade criadora, de imaginar histórias e de

criar conexões entre essas histórias, ou seja, de confabular, de fanta

siar, de patologizar a todo momento. A mitologia, da mesma forma,

mostra que cada dificuldade pode pertencer a vários deuses e ser

fantasiada de várias maneiras diferentes.

Os mitos e os deuses podem ainda ser imaginados como pa-

drões de patologia, pois apresentam o excepcional, o estranho, a

dimensão mais-que-humana , o fundamento para o mais extremo

daquele acontecimento e para que realizemos um avanço no movI

mento de circularidade da alma:

o SOFRIMENTO HUMANO EM PERSPECTIVA:

enfoques psicológicos

[um deus

é

u m mo do de ser u ma at it ude f ren te a ex is tê nc ia e u m con ju nt o de i de ia s.

2

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138

sofrimento da alma, isto é, aquilo que a medicina tradicional chama

de psicopatologia. A patologia mostra os poderes que estão além da

vontade e do controle do ego, ou seja, revela a entrada dos deuses na

nossa psique HILLMAN, 1988). O mito, para a psicologia arque

típica, representa a retórica da alma: é a sua linguagem psicológica.

Patologizar é uma forma de libertar a alma da identificação

com o ego e com os deuses, ou imagens arquetípicas, que servem de

modelo ao ego. Serve para que a consciência da alma de si mesma

seja diferente da do cgo, obedecendo às suas próprias leis de repre

sentação metafórica.

É

uma modalidade dc discurso - metafórica

que permitc à alma falar de si mesma HILLMAN, 1975).

A individualidade apresenta inúmeros aspectos psicopatológi

coso Qualquer alma, num momento ou outro, apresenta suas depres

sões, manias, desejos, ansiedades, ilusões, compulsões e perversões.

Hillman 1975) propõe que talvez o nosso maior medo de ser o que

realmente somos se deve, em parte, ao nosso temor do aspeeto psi

copatológieo de nossa própria individualidade.

É

um medo prove

niente da fantasia egóica de autodominação e autocontrole que tem

a intenção de nos afastar daqueles aspectos que julgamos fracos e

inseguros da nossa personalidade. Ele tenta impedir o movimento

de interiorização e de reflexão: o movimento psicológico, de fazer

alma. Esse medo fundamenta-se na crença da centralidade do ego e

nega a dissociabil idade inerente da psique, a existência de múltiplas

personas, de diversas personalidades parciais de adaptação da sujei

to a sociedade e centros, que se expressa pela ideia do politeísmo.

Essa compreensão politeísta pode ser uti lizada como uma ferramen

ta terapêutica, na medida em que evita que o ego se identifique com

todas e com cada uma das figuras de um sonho e de uma fantasia,

ou com todos e cada um dos impulsos e vozes que sente. O trabalho

de terapia se dá através do paradoxo de admitir que  todas lasfigu-

ras y sentimientos de Ia psique son enteramente mios

 

aI mismo

tiempo que reconoce que esas .figuras y sentimientos son ajenos a

mi control y mi identidad, es decir, que no son mios en absoluto 43

 HILLMAN, 1975, p. 106).

tratar Iapatologizacián como algo secundaria y extrano en vez

de como algo primaria e inherente equivale a negar Ia eviden

cia de que patologizar no es nn campo sino un fundamento,

una fibra de nuestro ser que se entrelaza en todos os complejos:

pertenece a cada pensamiento y sentimiento, y es también un

rostro de cada persona de Ia psique44  1975, p. 150).

139

[ tr at ar a p at olo gi zaç ão co mo a lg o s ecu nd ár io e al he io e m v ez d e c omo al go pr im ár io e in er ent e

eq ui val e a ne ga r a ev idê nc ia d e qu e pa tol og iza r nã o é um c am po s em f un da me nt o um a f ib ra de

n os so s er q ue s e e nt rei aç a e m t odo s os c om ple xos : p er ten ce a c ada pe ns ame nt o e s en ti men to

e é t am bé m u m ro st o de c ad a pe ss oa da p si que .]

44

Reconhecer essa diversidade humana, essas múltiplas personas e os

múltiplos deuses, faz-nos tomarmos consciência das distintas partes que

fazem parte de nós mesmos e, permite a abertura de uma nova conexão

com a multiplicidade, que agora não é mais chamada de fragmentação es

quizoide, pois a consciência e a nossa ideia de consciência refletem uma

cosmovisão diversa e instável . Isso recebe o nome de diferenciação. Os

fenômenos patologizados são necessários para obter uma relação com

pleta da complexidade psíquica: sem a psicopatologia não há totalidade e

sem totalidadc não há diferenciação HILLMAN, 1975).

Desse modo, segundo Hillman 1975) os critérios médicos literais

podem tratar das enfermidades, mas não podem compreender a fanta

sia de colocar-se enfermo . Essa fantasia pertence à alma e aparece sob

a forma de sintomas e temores que podem não possuir nenhuma base

médica real. Ainda que possuam e se tratem de fenômenos psicossomá

ticos), a fantasia deve passar por uma abordagem imaginal em vez de clí

nica, pois toda fantasia, independentemente de seu conteúdo, revela algo

acerca da alma: trata-se de uma fantasia arquetípica da patologização.

Mesmo que a psicopatologia passe a ser vista como uma ne

cessidade comum a todos os seres humanos, ela não pode de forma

alguma ser considerada como secundário ou relativo, pois significa

um ato real e valioso tal como se apresenta. Hil1man afirma que:

Qualquer psicologia que se baseie na alma deve considerar os

fatos patologizados como fundamentais para a alma. O trabalho da

psicologia arquetípica parte dos sintomas estranhos e incompreen

síveis, das fantasias, e não do ego familiar. No exercício da alma

de adentrar em suas profundidades imaginais para se conhecer são

necessárias as fantasias de patologização.

o SOFRIMENTO HUMANO EM PERSPECTIVA:

enfoques psicológicos

[ tod as a s f ig ur as e s en ti men tos da p siq ue sã o in te ir ame nt e m eu s ao m es mo t em po q ue r ec o-

nh ec e q ue es ta s f ig ur as e s ent im en to s s ão a lh ei os ao me u c on tr ol e e a m in ha id en ti da de q ue

dizer não são meus em absoluto.]

43

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140

A patologia faz produzir uma intensa consciência da alma. Ela

nos faz ver o que nossas partes sãs e normais não podem vislumbrar.

Permite-nos entrar em relação com nossa complexidade psíquica.

 En mi sintoma está mi alma HILLMAN, 1975, p. 233). Precisa

mos perceber a psicopatologia como uma necessidade psicológica e

não como algoerrado ou disfuncional, até mesmo porque ela não está

presente somentenos momentos de crises, mas também na nossa vida

cotidiana, na nossa consciência de indivíduos mortais, no sentimento

de singularidade única que inclui a sensação de loucura individual.

Construímos nossas vidas normais em meio a tàntasias individuais

do que sejaa enfermidade mental , o louco , o demente . Todos

nós passeamos pelas páginas de manuais de psicologia anormal

nos identificandocom alguns critérios que preenchem determinadas

condições psiquiátricas. E, ainda que esses critérios variem entre as

culturas e as épocas, as fantasias da patologização sempre serão as

mesmas, pois elas são de caráter arquetípico, isto é, inerentes a exis

tência humana.O que muda em diferentes contextos sãoos conteúdos

que definem e reconhecem essas fantasias.

As noções sobre o que é uma pessoa transtornada nos remetem

a uma imagemda psicopatologia, mas não são a verdadeira ou única

descrição da loucura. Essa descrição é variável em cada pessoa e

seus conteúdos dependem em parte da ideia dominante do que é a

sensatez ou normalidade.

Neste sentido,

 una imagen enferma nos C flige vitalmente,

porque patologizar afi:xta a nuestro sentido de Ia vida. Corrompe

aI mismo tiempo que vitaliza: es una aceleración por medio de Ia

distorsión  45

 HILLMAN, 1975, p. 194). É justamente essa aflição

que possibilita um movimento, uma comoção, uma transformação.

Precisamos destes enigmas das fantasias c das patologias para, nas

palavras de HilIman, fazer alma , isto é, consti tuir significado e

profundidade para a nossa existência. Em outras palavras, sentir

-se vivo, com nossas experiências externas entrando em ressonância

com nossa subjetividade e, deste modo, possibilitando estabelecer

relações afetivas e significativas com nós mesmos, os outros e o

mundo ao nosso redor.

45 [uma imagem enferma nos afl ige vitalmente porque patologizar afeta o nosso sentido da vida

Corrompe ao mesmo tempo que vitaliza:

é

umaaceleração pormeio da distorção ]

o

SOFRIMENTO HUMANO EM PERSPECTIVA:

enfoques psicológicos

REFERÊNCIAS

141