Ze Alexandre Carvalho Os Alicerces Da Folia

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    UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

    INSTITUTO DE ARTES

    OS ALICERCES DA FOLIA:A LINHA DE BAIXO NA PASSAGEM DO

    MAXIXE PARA O SAMBA

    Jos Alexandre Leme Lopes Carvalho

    Campinas

    2006

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    UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

    INSTITUTO DE ARTES

    OS ALICERCES DA FOLIA:

    A LINHA DE BAIXO NA PASSAGEM DO

    MAXIXE PARA O SAMBA

    Jos Alexandre Leme Lopes Carvalho

    Dissertao apresentada ao Curso de Mestradoem Msica do Instituto de Artes da UNICAMP,como requisito parcial para obteno do grau deMestre em Msica, sob a orientao do Prof. Dr.Ricardo Goldemberg.

    Campinas2006

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    FICHA CATALOGRFICA ELABORADA PELA

    BIBLIOTECA DO INSTITUTO DE ARTES DA UNICAMPBibliotecrio: Liliane Forner CRB-8/ 6244

    Ttulo em ingls: The foundations of the party: the bass line from maxixe tosamba

    Palavras-chave em ingls (Keywords): Samba Maxixe(Dance) Music - BassTitulao: Mestrado em MsicaBanca examinadora:Prof. Dr. Ricardo GoldembergProf. Dr. Claudinei Rodrigues CarrascoProf. Dr. Luciano Allegretti MercadanteProf. Dr. Antonio Rafael dos Santos

    Prof. Dr. Antonio Fernando da Conceio PassosData da defesa: 23 de Fevereiro de 2006

    Carvalho, Jos Alexandre Leme Lopes.C253a Os alicerces da folia: a linha de baixo na passagem do

    maxixe para o samba. / Jos Alexandre Leme Lopes Carvalho. Campinas, SP: [s.n.], 2006.

    Orientador: Ricardo Goldemberg.

    Dissertao (mestrado) - Universidade Estadual deCampinas.

    Instituto de Artes.

    1. Samba. 2. Maxixe (Dana). 3. Msica. 4. Contrabaixo.I. Goldemberg, Ricardo. II. Universidade Estadualde Campinas.Instituto de Artes. III. Ttulo.

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    Este trabalho dedicado minha famlia, Bia,

    Pedro, Chico e Luiza, e aos meus pais Regina

    e Carlos.

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    AGRADECIMENTOS

    Ao Prof. Dr. Ricardo Goldemberg, pela objetividade e sinceridade.

    Ao Profs.Drs. Claudinei Carrasco e Rafael dos Santos, pelas dicasvaliosas.

    Ao amigo Ary Colares, msico e pesquisador, pelas valiosasinformaes.

    Ao Prof. Jorge Oscar, mestre e amigo, pelos ensinamentos.

    Ao Prof. Dr. Marcos Cavalcante, pelo incentivo.

    Ao grande msico, dolo, e amigo Sizo Machado, pelo alto-astral, pela

    msica, e pelas conversas.Aos amigos Alxis Bittencourt, Goio Lima e Bud Garcia, pela amizade

    de sempre, e o companheirismo nesta fase de estudos.

    Aos Profs.Drs. Luciano Allegretti Mercadante e Antonio Fernando daConceio Passos, por aceitarem participar da defesa desta dissertao.

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    Eu conheo este bumbo, este bumbo da Mangueira.

    Jorge Benjor

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    RESUMO

    Este trabalho faz uma retrospectiva histrico-musicolgica do maxixe e do samba do

    perodo que vai de 1870 a 1940. Nesta retrospectiva procurou-se por informaes sobre

    personagens, instrumentos e aspectos musicais que se relacionassem com o desenvolvimento da

    linha de baixo nestes dois gneros. Na anlise dos dados, foram definidas as formaes

    instrumentais mais utilizadas e os instrumentos responsveis pela execuo do baixo, bem comosuas origens e a forma de toc-los. Na segunda parte desta pesquisa, foi realizada a categorizao

    e anlise musical das linhas de baixo das msicas transcritas do perodo. Como resultado, foram

    definidos padres de acompanhamento, formas de estruturao e feito um levantamento dos

    instrumentos mais utilizados. Atravs da comparao das anlises, foi possvel apontar algumas

    transformaes ocorridas nas mesmas, com nfase particular no perodo que o maxixe se

    transforma em samba.

    Palavras-chave: Samba; Maxixe; Linha de baixo; Msica; Contrabaixo.

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    ABSTRACT

    This work makes a retrospective analysis of the maxixe and the samba, from 1870 to

    1940, from the historical and musicological point. In this retrospective, information concerningpeople, instruments and other musical aspects related to the bass line development, in these two

    styles of music, was searched. In the analysis, the main group formations, the instruments used in

    the bass line performance, its origins and technique were defined. In the second part of this

    research a categorization and musical analysis of transcribed bass lines from the period were

    made. As a result, common comping patterns, structural forms and a survey of the most used

    instruments were defined. By comparison of the analysis, the main changes that occurred in the

    bass lines were noted with a particular emphasis in the period that the maxixe turned out to

    samba.

    Keys-words: Samba; Maxixe; Bass Line; Music, Double bass.

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    LISTA DE FIGURAS

    Figura 1: Baixo Rtmico 23

    Figura 2: Baixo Meldico 1 24

    Figura 3: Baixo Meldico 2 24

    Figura 4: Linha de Baixo 25

    Figura 5: Baixo e Bateria 25

    Figura 6: Srie Harmnica 27

    Figura 7: Baixo Cromtico 29

    Figura 8: Baixo Pedal 1 29

    Figura 9: Baixo pedal 2 30

    Figura 10: Ostinato 31

    Figura 11: Polca Europia 41

    Figura 12:Habanera 42

    Figura 13: Surdo de Primeira 64

    Figura 14: Surdo de Segunda 64

    Figura 15: Surdo de Terceira 65

    Figura 16: Baixaria do Choro 1 75

    Figura 17: Baixaria do Choro 2 75

    Figura 18: Baixo Rtmico 1 76

    Figura 19: Baixo Rtmico 2 76

    Figura 20: Acento do Samba 1 77

    Figura 21: Acento do Samba 2 77

    Figura 22: Levadas Marciais 78

    Figura 23: Preparaes do Surdo de Primeira 80Figura 24: Contrabaixo no Samba 80

    Figura 25: Mo esquerda, baixo+acordes 87

    Figura 26: Mo esquerda, s baixo 87

    Figura 28: Mo esquerda, baixo hbrido. 88

    Figura 29: Amap Introduo 91

    Figura 30: Amap parte A 92

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    Figura 31: Amap parte B 92

    Figura 32: Amap parte C 93

    Figura 33: Bumba-meu-Boi Introduo 94

    Figura 34: Bumba-meu-Boi parte A 94

    Figura 35: As Sapequinhas Introduo 95

    Figura 36: As Sapequinhas parte A 95

    Figura 37: As Sapequinhas preparao 96

    Figura 38: Custe o que Custar Introduo 97

    Figura 39: Custe o que Custar Ponte 97

    Figura 40: De Bocca em Bocca! parte A 98

    Figura 41: Domingo eu vou l 99

    Figura 42: Um bando de Hervas! 99

    Figura 43: Os Banzeiros na Poeira parte A 102

    Figura 44: Os Banzeiros na Poeira partes B e C 103

    Figura 45: Ignez Introduo, parte A, e parte B 104

    Figura 46: Amap piano+sopros parte A 106

    Figura 47: Amap pino+sopros parte B 107

    Figura 48: Amap piano+sopros Trio 108

    Figura 49: Bumba-meu-Boi piano+sopros Introduo 110

    Figura 50: Bumba-meu-Boi piano +sopros parte A 111

    Figura 51: Bumba-meu-Boi piano+sopros refro 111

    Figura 52: Bem-te-vi piano+sopros - Introduo 112

    Figura 53: Bem-te-vi piano+sopros parte A 113

    Figura 54: Bem-te-vi piano+sopros parte B 114

    Figura 55: Bem-te-vi piano+sopros Coda 115

    Figura 56: Evoh! Evoh! piano+sopros Introduo e parte A 117Figura 57: Evoh! Evoh! piano+sopros parte B 118

    Figura 58: Ser Possvel partes A, B e C 120

    Figura 59: Cabea de Porco parte A 121

    Figura 60: Cabea de Porco parte B 122

    Figura 61: Cabea de Porco frase sincopada do maxixe 122

    Figura 62: gua parte A 123

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    Figura 63: gua partes B e C 123

    Figura 64: No Tens Corao parte A 124

    Figura 65: No Tens Corao parte B 124

    Figura 66: No Tens Corao parte C 125

    Figura 67: Chave de Ouro parte A 125

    Figura 68: S na Flauta parte A 127

    Figura 69: S na Flauta notas repetidas 127

    Figura 70: S na Flauta parte B 127

    Figura 71: Massada - parte A 128

    Figura 72: Massada parte B 129

    Figura 73: Massada parte C 129

    Figura 74: Corta-Jaca Introduo e parte A 130

    Figura 75: Corta-Jaca parte B 131

    Figura 76: Corta-Jaca parte C 131

    Figura 77: Fica Calmo que Aparece Introduo 132

    Figura 78: Fica Calmo que Aparece parte A 133

    Figura 79: Fica Calmo que Aparece frase sincopada do maxixe 133

    Figura 80: Os Oito Batutas parte A 134

    Figura 81: Os Oito Batutas parte C 134

    Figura 82: Os Teus Beijos Introduo e parte A 135

    Figura 83: Doutor... Sem sorte parte A 136

    Figura 84: Doutor... Sem sorte parte B 137

    Figura 85: Doutor... Sem sorte parte C 137

    Figura 86: Brincando partes A, B e C 138

    Figura 87: Burucuntum Introduo, parte A e refro 139

    Figura 88: Faceira parte A 140Figura 89: Faceira frase 140

    Figura 90: Faceira parte B 141

    Figura 91: Samba de Fato Introduo 142

    Figura 92: Filosofia Baixo+percusso 143

    Figura 93: Ests no meus Caderno Baixo+surdo 143

    Figura 94: Na Virada da Montanha Baixo Ostinato 144

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    Figura 95: Na Virada da Montanha parte A 144

    Figura 96: Alegria baixo 138

    Figura 97: Alegria variaes do baixo 145

    Figura 98: Da Cor do pecado baixo+violo 146

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    LISTA DE TABELAS

    Tabela 1 Clulas Estruturais do Baixo no Maxixe e no Samba 85

    Tabela 2 Principais Padres Rtmicos de Acompanhamento do Maxixe ao Piano 89

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    SUMRIO

    1. Introduo 1

    2. Conceitos Fundamentais 72.1 O Baixo 7

    2.2 A Linha de Baixo 10

    2.2.1 Aspectos Histricos 12

    2.2.2 Aspectos Estruturais 18

    2.3 Os Instrumentos Graves 323. O Maxixe e o Samba 37

    3.1 Aspectos Histricos 37

    3.2 O Instrumental 49

    3.3 Linha de Baixo 72

    4. Transcries Comentadas 81

    4.1 Observaes 81

    4.2 Partituras Impressas para Piano 86

    4.2.1 Amap 91

    4.2.2 Bumba meu Boi 93

    4.2.3 As Sapequinhas 95

    4.2.4. Custe o que Custar 964.2.5. De Bocca em Bocca! 97

    4.2.6. Domingo eu vou l 98

    4.2.7 Um Banho de Ervas 99

    4.3 Partituras Manuscritas 100

    4.3.1 Os Banzeiros na Poeira 101

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    4.3.2 Ignez 103

    4.3.3 Amap 105

    4.3.4 Bumba meu Boi 109

    4.3.5 Bem-te-vi 112

    4.3.6 Evoh! Evoh! 112

    4.4 Fonogramas 119

    4.4.1 Ser Possvel 120

    4.4.2 Cabea de Porco 121

    4.4.3 gua 122

    4.4.4 No Tens Corao 123

    4.4.5 Chave de Ouro 125

    4.4.6 S na Flauta 126

    4.4.7 Massada 1284.4.8 Corta-jaca 130

    4.4.9 Fica Calmo que Aparece 132

    4.4.10 Os Oito Batutas 133

    4.4.11 Os Teus Beijos 135

    4.4.12 Doutor... Sem Sorte 136

    4.4.13 Brincando 137

    4.4.14 Burucuntum 138

    4.4.15 Faceira 139

    4.4.16 Samba de Fato 141

    4.4.17 Filosofia 142

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    4.4.18 Ests no meu Caderno 143

    4.4.19 Na Virada da Montanha 144

    4.4.20 Alegria 145

    4.4.21 Da Cor do pecado 146

    4.4.22 Seu Man Lus 146

    4.4.23 Quem me V Sorrindo 147

    4.4.24 Seu Librio 147

    5. Concluso 149

    6. Bibliografia 1596.1 Discografia 163

    7. Anexos em udio 165

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    1. Introduo

    Este estudo pretende, atravs da pesquisa histrica bibliogrfica e das anlises

    musicais, investigar a linha de baixo na poca em que o maxixe se transforma em samba.

    Tendo dedicado toda sua vida profissional e acadmica ao estudo, execuo e

    ensino do contrabaixo, e com a carreira artstica direcionada msica brasileira,

    especialmente ao samba em seus vrios estilos, o autor deste trabalho almejava realizar um

    estudo que contribusse para definir e ensinar a execuo deste instrumento neste gnero.

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    Seguindo esta determinao, foi com o intuito de se elaborar um mtodo de contrabaixo no

    samba que esta pesquisa se iniciou.A anlise dos mtodos de contrabaixo popular que atualmente se encontram no

    mercado, revela que a grande maioria desses livros aborda as questes estilsticas de

    maneira excessivamente superficial. O que se nota, que essas publicaes dedicam um

    grande nmero de pginas a questes tericas gerais (formao de acordes e escalas,

    progresses, leitura, cifras, etc.), e a exerccios e estudos tcnicos, que no possuem vnculo

    direto com os aspectos interpretativos. Como raramente esses mtodos apresentam mais do

    que cem paginas, no sobra espao suficiente para serem abordadas questes estruturais e

    interpretativas, o que resulta em um aprendizado no qual se privilegia o como se faz em

    detrimento ao porque se faz.

    A questo que se eliminando o porque se faz, aprende-se um como se faz

    pobre e vazio, medida que no so fornecidos ao estudante os elementos que o auxiliem a

    criar suas prprias linhas, e at mesmo a desenvolver um estilo prprio de interpretao,

    pois, todo o processo de aprendizado se torna meramente imitativo, focado principalmente

    nos aspectos tcnicos da execuo instrumental.

    Acreditando que as questes criativas e estruturais desempenham papelessencial nos aspectos interpretativos dos instrumentos que, como o contrabaixo, fazem

    parte do acompanhamento na rea da msica popular, o autor desta pesquisa pensa que um

    mtodo de contrabaixo que se proponha a ensinar a execuo do samba, ou de qualquer

    outro gnero, no deve apenas sistematizar os padres e estilos de acompanhamento, mas

    tambm, apontar suas origens histricas, discutir suas diferenas e principalmente fornecer

    elementos para a elaborao de novas linhas de uma maneira independente e criativa.

    Em outras palavras: nos mtodos de contrabaixo voltados para o ensino de umdeterminado gnero, a linha de baixo deve torna-se mais importante do que o contrabaixo.

    Aps um primeiro levantamento foi verificado que so raros os livros ou

    trabalhos acadmicos que abordem exclusivamente a linha de baixo no samba, quer sob os

    aspectos histricos, ou sob os interpretativos. So encontradas apenas algumas

    informaes, espalhadas em livros sobre assuntos correlatos, e mtodos de ensino de

    contrabaixo que no vo alm de apresentarem, nos captulos dedicados ao gnero, alguns

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    padres rtmicos estereotipados, parcas sugestes sobre a execuo instrumental, e dois ou

    trs pargrafos sobre questes histricas.Com base apenas nas informaes fornecidas nestas publicaes no se

    conseguiu traar um panorama satisfatrio da evoluo da linha de baixo no samba, e

    houve a necessidade da realizao de uma pesquisa mais aprofundada.

    Tendo em vista o tempo disponvel para a realizao do trabalho e o escopo a

    que se prope uma dissertao de mestrado, o autor realizou que o levantamento de dados

    histricos atravs da pesquisa bibliogrfica, a transcrio das linhas de baixo, a definio

    das principais formas de estruturao e interpretao, e outros procedimentos que

    embasariam e ilustrariam os aspectos didticos da pesquisa, ocupariam todo o tempo

    disponvel, e que desta forma, no sobraria tempo suficiente para o cumprimento das etapas

    necessrias para a elaborao do mtodo. Assim sendo foi abandonada a idia da

    elaborao do pretendido mtodo, e o foco da pesquisa passou a ser o levantamento de

    informaes e a transcrio e anlise de exemplos musicais, procura de um mapeamento

    da linha de baixo no samba.

    Faz-se necessrio apontar que, mesmo esta pesquisa no tendo resultado em um

    mtodo de ensino, o autor no pode abandonar durante todo o processo, suas intenespedaggicas, pois acredita firmemente na importncia e na necessidade de trabalhos que

    contribuam para um aprendizado mais sistematizado, aprofundado e consciente dos

    aspectos interpretativos da msica popular brasileira, e se sentir plenamente realizado, se o

    atual trabalho vier a contribuir neste sentido.

    Aps esta primeira etapa, notou-se que havia a necessidade de limitar a

    pesquisa a um perodo de tempo, pois dada s dificuldades encontradas no levantamento

    dos dados, no se conseguiria cobrir toda a histria do samba. Desta forma foi realizado umcorte temporal, e um perodo de tempo foi escolhido. Este perodo se inicia no apogeu do

    maxixe, na virada do sculo XIX para o XX, at o surgimento do samba batucado do

    Estcio, no final da dcada de 1920. Os motivos da escolha desta poca sero explicados a

    seguir.

    Apesar de ser praticado em todo o pas, e da grande variedade de estilos em que

    o samba se divide, existe um consenso entre historiadores e sambistas, de que o samba tal

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    qual o conhecemos hoje, surgiu no Rio de Janeiro, no final da dcada de 1920, e se

    consolidou ao longo dos anos seguintes atravs do rdio e das escolas de samba. Antes delehavia o samba maxixado, das duas primeiras dcadas do sculo XX, e o prprio maxixe, do

    final do sculo XIX.

    As diversas transformaes sociais, polticas, estticas e culturais que

    ocorreram no Brasil a partir de 1870, influenciaram os aspectos musicais envolvidos no

    surgimento do samba carioca em fins da dcada de 1920. Diversos autores se dedicaram a

    estudar esta poca, e na rea da msica popular muitos trabalhos foram lanados, tendo o

    samba como tema, e principalmente ressaltando a importncia do perodo para a

    consolidao e desenvolvimento, no s deste gnero, mais de toda a cultura nacional.

    Entre eles podemos citar: Tia Ciata e a pequena frica no Rio de Janeiro de Roberto

    Moura, O Mistrio do Samba de Hermano Vianna, Feitio Decente de Carlos Sandroni e

    Da Marginalidade ao Estrelato de Fabiana Lopes da Cunha. Concordando com esses

    autores, sobre a importncia do perodo para a compreenso da histria do samba, e

    tambm para a definio de suas prticas interpretativas, o autor desta pesquisa optou por

    investigar a linha de baixo neste importante perodo.

    O presente trabalho est divido em duas partes: pesquisa histrico-musicolgicae anlises musicais.

    Tendo em vista a escassez de trabalhos que se dediquem linha de baixo de um

    modo geral, o trabalho se inicia com um captulo que apresenta os conhecimentos e

    conceitos necessrios para a compreenso de como se estruturam os baixos. Neste captulo

    abordado o surgimento e o papel do baixo na msica ocidental, as suas principais formas

    de estruturao, e seus principais instrumentos. Estes conceitos fundamentais auxiliam na

    compreenso e na anlise da linha de baixo no samba, j que ela herdeira de vriosprocedimentos e conceitos da msica europia, alm de compartilhar elementos estticos,

    histricos e estruturais com baixos de outros gneros de msica popular.

    Como este primeiro captulo no est diretamente relacionado com o tema, o

    leitor que se julgar conhecedor da histria e dos processos estruturais da linha de baixo na

    msica ocidental, pode facilmente pul-lo.

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    Devido a grande parte da msica popular no ser tradicionalmente escrita;

    como os sons graves so os que mais apresentam dificuldades de captao e reproduo; ecomo o samba foi no seu incio, duramente perseguido, no havendo registro musical

    algum de suas prticas at a dcada de 1920, antes da coleta do material para as anlises,

    foi realizada uma pesquisa histrica com a finalidade de orientar o trabalho nos casos em

    que no havia registros. O segundo captulo apresenta os resultados desta pesquisa, e

    aborda a histria do maxixe e do samba, priorizando os aspectos relacionados ao baixo,

    alm de descrever os processos estruturais das linhas no mbito destes dois gneros.

    No terceiro captulo esto as anlises de diversos trechos musicais onde as

    linhas de baixo so abordadas. Por fim so apresentadas as concluses.

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    2. Conceitos Fundamentais

    2.1 O Baixo

    O dicionrio Aurlio (FERREIRA, 1999) indica que a palavra baixo

    proveniente do latim vulgar bassu, como inflexo de baixar. Usado tanto como adjetivo,

    como substantivo masculino ou como advrbio, o termo possui diversos significados,

    indicando desde situao fsica: baixa estatura, de pouca extenso vertical, inclinado para o

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    cho, abaixo do nvel normal, ao sul, etc.; condio moral: vil, grosseiro, ignbil, chulo,

    etc.No campo dos sons e rudos, baixo utilizado tanto como adjetivo; o que

    mal se ouve, ou como substantivo significando:

    A mais grave das vozes masculinas; o cantor que tem essa voz; o instrumento dediapaso mais grave de cada famlia de instrumentos; a parte mais grave dasrealizaes contrapontsticas, em relao s partes superiores do conjunto e no auma voz ou instrumento de diapaso grave (Ibidem. p. 256)

    Nos livros e dicionrios de msica consultados, as definies no vo muito

    alm das fornecidas pelos dicionrios gerais, com exceo do Dicionrio Grove que no

    verbete Bass oferece uma descrio completa do termo, da qual est transcrito abaixo o

    pargrafo introdutrio:

    A parte mais baixa do sistema musical, em oposio parte aguda, ou parte alta.Especificamente: a parte ou voz em uma composio executada pelosinstrumentos ou vozes de registro mais grave (parte do baixo); a regio maisgrave em um som; por conseqncia, a sucesso das notas mais graves de umapassagem ou composio (linha de baixo); o segmento mais grave da tessiturade um instrumento; a oitava ou oitavas mais baixas utilizadas em umacomposio (registro grave); aquelas notas que atuam como suporte para asoutras partes, as quais determinam identidade harmnica das sonoridades e queso as principais responsveis pelas progresses harmnicas, cadncias,modulaes e nas relaes tonais em larga escala (baixo harmnico,funcional e musical). Estes significados distintos, porm superpostos, sousualmente simplesmente chamados de baixo (bass). Eles compartilham osentido de grave (low), assim como em baixo (voz humana mais grave) ebaixo (o instrumento mais grave); baixo cognato com o adjetivo base(baixo, pouco refinado), os dois derivados do latim tardio bassus (baixo,grosso, gordo) (SADIE, 2001, vol. II p. 849).

    O termo bassus em msica apareceu primeiramente por volta da metade do

    sculo XV, para designar a voz mais grave das polifonias, cuja uma das designaes era

    contratenor bassus. Outros nomes eram: tenor secundus, theuma tenor, basistenor e

    baritonuns(Ibidem.). Aproximadamente a partir do sculo XVI a palavra bassuspassa a ser

    utilizada sozinha como um nome, significando a parte mais grave de uma composio.

    Neste novo sentido rapidamente surgiram dois significados para o termo, um material e

    outro figurativo: o de base (base) como a parte mais baixa ou alicerce, e o de base (basis)

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    como o componente principal ou princpio fundamental (Ibidem.). Ao longo da histria o

    termo baixo abarcou esses diversos significados correlatos: o que fica embaixo, omais grave, a base, a fundao, o alicerce; e tambm: o fundamento, a essncia, a origem,

    etc.

    Por conseqncia, eram chamados apenas de baixos, independente da famlia

    ou do tipo, os instrumentos encarregados de executar esta parte nas composies. Esta

    prtica era bastante comum em toda msica de concerto europia at o sculo XIX, onde

    baixo ou baixos eram os termos encontrados nas partituras, no ficando especificado

    qual ou quais instrumentos deveriam ser empregados. Ainda nos dias de hoje, alguns

    regentes ao se referirem aos naipes de violoncelos e contrabaixos dizem os baixos.

    Tambm nas bandas militares e em outras formaes menores, os instrumentos graves eram

    chamados indistintamente de baixos.

    Na msica popular a partir dos anos 1930 o contrabaixo acstico aparece como

    o principal instrumento baixo, sendo que na dcada de 1950 ele passa a ser

    progressivamente substitudo pelo baixo eltrico, que hoje em dia o instrumento mais

    usado. Estes dois instrumentos tambm so comumente chamados apenas de baixo. Por

    conseqncia o instrumentista que toca o contrabaixo passa a se chamar baixista, formaabreviada de contrabaixista.

    Tambm so chamados indistintamente de baixos os instrumentos mais graves

    das diversas famlias, por exemplo: na famlia das flautas, a flauta-baixo; na famlia das

    clarinetas, a clarineta-baixo (clarone), na famlia dos metais, a tuba-baixo, o trombone-

    baixo, etc.

    A voz masculina mais grave tambm e designada de baixo, e possui uma

    extenso aproximada de E1 ao F3.E finalmente, no estudo da harmonia, baixo o nome da nota mais grave de

    um acorde, independente de sua funo harmnica.

    A seguir est organizado um quadro resumido das definies atribudas ao

    termo baixo:

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    1-A melodia mais grave em uma composio ou trecho musical, quepossui importncia fundamental na estruturao rtmico-harmnica dascomposies (linha de baixo).

    2-A nota mais baixa (grave) em um acorde.3-A voz masculina mais grave, com tessitura aproximada entre o E1 e o

    F3.

    4-Os instrumentos que executam a linha de baixo.5-O termo coloquial para o contrabaixo.

    Nota importante: Para esta pesquisa, toda vez que se fizer referncia ao

    instrumento contrabaixo, sero utilizados os termos: baixo acstico para o instrumento

    mais grave da famlia dos violinos, e baixo eltrico, para a guitarra-baixo. O termo

    contrabaixo ser empregado genericamente a esses dois instrumentos. A palavra

    contrabaixo poder tambm designar a regio ou voz que vai do C1 ao C-2.

    Instrumentos de outra famlia traro juntamente o seu nome de famlia:

    saxofone-contrabaixo, baixo-tuba, flauta-baixo, etc. O instrumentista que toca contrabaixo

    tanto poder ser chamado de baixista ou de contrabaixista.Os termos baixo ou os baixos sero empregados como forma diminuda de

    linha de baixo, ou de um modo genrico englobando todos os cincos significados da

    palavra acima descritos.

    2.2 A Linha de Baixo

    Definido o termo baixo, ser abordado agora um de seus significados, que o

    utilizado para se referir a melodia mais grave de um trecho musical, o que tambm

    denominado de linha de baixo.

    Situada na regio mais grave de uma composio ou arranjo, a linha de baixo

    possui importante papel estrutural rtmico e harmnico. Tanto no mbito da msica erudita,

    como no da popular, ela est presente em praticamente todos os gneros musicais surgidos

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    no ocidente a partir do sculo XVII. Existem vrias formas e tipos de linhas de baixo, tantas

    quanto os diversos gneros e estilos, mas, todas guardam semelhanas entre si na suaorigem, funo e estruturao.

    A histria da linha de baixo na msica ocidental est estreitamente relacionada

    histria da tonalidade, pois ela surge no final da Renascena, onde o sistema tonal maior-

    menor se estabelece, e com exceo das msicas atonais, mantm sua importncia at os

    dias de hoje.

    No dicionrio Grove em diversos momentos esta relao explicitada:

    [sobre o perodo anterior ao sistema tonal maior-menor] Finalmente, a coernciana msica tonal depende do baixo, que governa as progresses harmnicas,cadncias (portanto frases e perodos) e relaes tonais em larga-escala (portantoforma). Especialmente nas relaes em larga-escala, nenhuma base [basis] destetipo encontrada na Renascena (Ibidem. vol. II p. 849).

    [Sobre o baixo contnuo] Finalmente, a tonalidade em si prpria foi um dos pr-requisitos para o aparecimento da musica instrumental erudita autnoma [...],mas, como foi visto, a tonalidade dependente do baixo (Ibidem vol. II p. 850).

    O casamento do baixo com a tonalidade permanece indissolvel (Ibidem. vol. IIp. 851).

    Como os sons graves so aqueles que mais enfrentam problemas de

    propagao, e como os instrumentos que atuam nesta regio so difceis de serem

    construdos e tocados, outros fatores que estiveram relacionados histria dos baixos

    foram: o desenvolvimento das tcnicas de fabricao de instrumentos e o aprimoramento

    das tcnicas de execuo. Assim, melhores instrumentos e instrumentistas permitiram

    linhas mais complexas, da mesma forma que, linhas mais elaboradas demandavam

    melhores instrumentos e exigiam maior domnio tcnico dos msicos. Aos poucos, os

    instrumentos foram tendo sua extenso em direo aos graves e sua potncia sonoraaumentadas, isto foi fundamental num perodo em que as orquestras e as salas de concerto

    se tornavam maiores. Sobretudo os instrumentos contrabaixos (contrabaixo, contrafagote,

    tuba, etc.) passam a ser especialmente importantes nas grandes formaes, a partir do

    perodo Clssico.

    Herdeira de toda tradio meldico-harmnica da msica europia, a linha de

    baixo na msica popular surgida nas Amricas, incorporou a rtmica africana,

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    multiplicando-se numa infinidade de novos padres. Uma das caractersticas da msica

    popular o uso dos instrumentos de percusso na marcao do ritmo, construindojuntamente com os instrumentos de harmonia e os baixos a base rtmico-harmnica,

    conhecida como levada (em ingls groove), que elemento fundamental para dana. A

    linha de baixo por estar intimamente ligada a estruturao das levadas, foi influenciada

    pelos novos ritmos e acentos, transformando-se, sem perder, no entanto, sua importncia

    harmnica e formal.

    2.2.1 Aspectos Histricos

    As origens da linha de baixo podem ser encontradas na Europa no incio do

    sculo XVII, com o surgimento do baixo contnuo.

    O estilo contrapontstico que dominou a msica europia a partir do sculo XIII

    comea a declinar no final do XVI, quando surge em Florena o estilo mondico. Alguns

    fatores contriburam para esta mudana: reao contra a complexidade das obras

    polifnicas, o que atrapalhava a compreenso do texto; secularizao da msica levando-a

    tanto para os eventos sociais festivos, como para o teatro com o surgimento da pera;

    melhoria das tcnicas de construo e execuo dos instrumentos musicais.

    Na monodia a composio era formada por uma melodia nica, na forma de

    recitativo, acompanhada de acordes simples sustentados por uma linha de baixo. Segundo

    alguns historiadores este tipo de tcnica foi primeiramente utilizada pelo compositor

    italiano Giulio Caccini (c.15531618) (WADE-MATTHEWS e THOMPSON, 2002;

    ISAACS e MARTIN, 1985). Uma das formaes tpicas para a interpretao das rias no

    Barroco Mdio (1620-1680), era a textura de dueto ou de trio de cmara, que consistia emuma ou duas vozes solistas, de igual importncia, sobre um baixo (LINDGREN, s/d).

    Neste perodo ps-polifonia as vozes intermedirias passam a ter menos

    importncia, a tal ponto que os compositores fazem apenas indicaes da sua execuo

    atravs de cifras, deixando ao msico grande liberdade parta improvisar o

    acompanhamento. A melodia principal surge como soberana, tornando-se a voz mais

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    importante, sendo seguida pelo baixo. O acompanhamento do Barroco chamado de baixo

    contnuo (ou apenas contnuo).O baixo contnuo tambm conhecido como baixo cifrado, era a linha de baixo

    por definio, pois incorporava todos os aspectos importantes a esta: era a base rtmico-

    harmnica, possua interesse meldico e contrapontstico, e era elemento fundamental na

    estruturao da forma das composies. Ele no servia apenas de base para as outras partes,

    mas determinava tambm todo contedo harmnico e formal, por esta razo alguns

    compositores e tericos do Barroco acreditavam ser o contnuo a obra musical

    propriamente dita (SADIE, 2001).

    O contnuo era geralmente executado por um instrumento de teclado, que

    tocava o baixo e os acordes, juntamente cm outro instrumento grave que dobrava a linha

    de baixo. Os instrumentos mais usados eram: o cravo, e o rgo para a harmonia e baixo; e

    as violas da gamba, violoncelo, violone e fagote para o baixo.

    Aps atravessar todo o Barroco, no incio do perodo Clssico o baixo contnuo

    caiu em desuso, tanto na prtica como na teoria. Por esta poca vrios instrumentos

    comeam a ser usados para realizar a linha de baixo. Nas obras mais tardias de Haydn e

    Beethoven as partes de violoncelo, contrabaixo e fagote se separam, e a trompa,ocasionalmente o tmpano e excepcionalmente o contrafagote e o trombone, tambm

    comeam a assumir a funo de baixos (Ibidem.). No decorrer do sculo XIX o

    contrafagote e o trombone passam a ser utilizados regularmente, e alguns outros

    instrumentos como a tuba, o clarone e o trompete baixo so acrescentados.

    Ao final do Classicismo todos estes instrumentos graves passam a ter suas

    partes separadas, designadas pelos respectivos nomes na partitura, sendo que todos podiam

    desempenhar, ou no, a funo de baixo. Neste perodo eram comuns, sobretudo na msicade cmera, os cruzamentos das partes, onde algumas vezes os instrumentos baixos

    assumiam a melodia principal, enquanto outro instrumento assumia o baixo (Ibidem).

    A linha de baixo mantm a sua funo estrutural e harmnica durante todo o

    perodo Clssico e Romntico e, no sculo XX, no mbito da msica tonal, estas funes

    continuam a ser exercidas.

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    Caracterstica imprescindvel ao tonalismo, o baixo na msica erudita manteve

    o seu papel durante mais de 300 anos, porm, a partir do atonalismo o quadro se altera, poisno s os conceitos de marcha harmnica e cadncia se transformam, como tambm os de

    melodia e forma. Como relata o Grove, o baixo deixa de ser o alicerce e o componente

    principal da harmonia: No dodecafonismo e em outros tipos de msica rigorosamente

    atonais, pode ser posto em dvida se o baixo ainda funciona como base harmnica e

    estrutural (Ibidem, vol. II p. 851).

    A msica popular nascida nas Amricas herdou vrios aspectos estruturais da

    msica erudita, entre eles o tonalismo. Iniciando o seu desenvolvimento quando a fase tonal

    da msica erudita atinge o seu auge, na virada do sculo XIX para o XX, a msica popular

    recebeu a linha de baixo j bem estruturada e a maioria dos instrumentos graves j

    aprimorados, tanto na construo quanto nas escolas tcnicas de execuo. A novidade do

    baixo surgido nas Amricas est nos novos padres rtmicos e no uso de tambores,

    reforando a marcao.

    Uma das funes primeiras da msica popular foi servir de base para as danas

    em festas religiosas e pags, e nos cortejos, procisses, marchas e outras manifestaes

    coletivas. O que todas estas atividades tinham em comum, era a necessidade de umamarcao que estimulasse e cadenciasse os movimentos, fossem eles passos de dana, ou

    de uma marcha. Esta marcao foi reforada pelo acrscimo de instrumentos de percusso

    ao acompanhamento, formando a base rtmico-harmnica dos grupos, que conhecida

    como seo rtmica. Com a mesma importncia que o contnuo na msica barroca, a seo

    rtmica foi fundamental para o desenvolvimento da msica popular, estruturando as formas

    e definindo os estilos.

    Entende-se por seo rtmica o grupo de instrumentos que desempenham umpapel rtmico e/ou harmnico dentro de um conjunto, esse grupo de instrumentos tambm

    conhecido por base, ou cozinha. Os instrumentos normalmente usados nesta seo

    podem ser divididos em trs grupos: eles podem ser instrumentos de percusso (tambores,

    pratos, chocalhos, etc.); instrumentos baixos (baixo acstico, baixo eltrico, violoncelo, sax

    tenor ou bartono, violo sete cordas, tuba, oficlide, bombardino, trombone, etc.); e

    instrumentos harmnicos (piano, rgo, violo, guitarra, acordeo, vibrafone, etc.). Sem

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    um nmero definido de msicos, a seo rtmica pode variar de um a mais de trinta

    componentes.Um fato que observado hoje em dia a supremacia do contrabaixo (tanto o

    eltrico como o acstico) e da bateria como os instrumentos mais utilizados na seo

    rtmica. No importando o estilo ou o tamanho do conjunto, esses dois instrumentos,

    geralmente formando um trio com algum instrumento harmnico, esto presentes no s

    nos grupos que interpretam as msicas de origem afro-pan-americana*, mas em quase

    todos os grupos que produzem a msica dita popular ao redor do mundo. Ser chamado de

    seo rtmica moderna o ncleo contrabaixo/bateria acrescido de um ou mais

    instrumentos harmnicos e/ou de percusso.

    A seo rtmica moderna apareceu e se consolidou no jazz norte-americano nas

    trs primeiras dcadas do sculo XX. Algumas formas rudimentares de bateria eram

    encontradas nos conjuntos e bandas desde o incio do Jazz, mas foi apenas a partir da

    dcada de 1940, que o formato atual deste instrumento se definiu. J o contrabaixo dividiu

    a execuo da linha de baixo com a tuba at o incio da dcada 1930, e s a partir desse

    perodo que ele passa a ser o instrumento preferido dos conjuntos e bandas. A bateria e o

    contrabaixo acrescidos de um ou mais instrumentos harmnicos, se tornaram osinstrumentos mais utilizados na seo rtmica jazzstica.

    Pode-se dizer que o aparecimento e a consolidao do uso do contrabaixo e da

    bateria na msica norte-americana foram contemporneos ao desenvolvimento e

    propagao do gramofone, do rdio e do cinema. No final do sculo XIX os Estados

    * Apesar do termo afro-pan-americano no ser encontrado no dicionrio Novo Aurlio Sculo XXI, eprovavelmente no ter uso corrente, decidimos utiliz-lo. Chegamos a este termo pela fuso de afro-americano com pan-americano. Segundo o dicionrio Aurlio, o adjetivo afro-americano se refere a algo

    que relativo ou pertencente frica e aos Estados Unidos, ou a cultura dos afro-americanos. J o termo pan-americano, segundo o mesmo dicionrio, faz referncia a algo relativo ou pertencente a todas naes daAmrica. procura de um termo que representasse os indivduos descendentes de africanos nascidos nasAmricas do Sul, Central ou do Norte, ou a cultura produzida por estes, pensamos primeiramente em alargar osentido do termo afro-americano, onde americano se referisse no apenas aos Estados Unidos, mas atodos ou quaisquer uns dos pases das trs Amricas. Passaramos a utilizar ento afro-norte-americano,quando quisssemos nos referir aos Estados Unidos. Porm, como o termo afro-americano tem sidoamplamente utilizado com referncia cultura ou aos indivduos norte-americanos de origem africana,optamos por manter o seu sentido mais comum. Utilizaremos, ento, afro-pan-americano quando quisermosnos referir s pessoas ou coisas de ascendncia africana, porm nascidas ou produzidas em qualquer uma dastrs Amricas.

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    Unidos j estavam se destacando como a maior potncia mundial, e possuam junto com

    sua forte economia e indstria, um poderoso mercado consumidor. Esse mercado eraparticularmente vido pelas novidades tecnolgicas e pelo entretenimento, o que

    impulsionou fortemente a recente indstria do cinema e da gravao. Os novos produtos

    criados para o mercado norte-americano passam a ser exportados para todo o mundo, e os

    Estados Unidos comeam a ter no cinema e nos cilindros e discos para gramofone, dois

    importantes veculos de divulgao de sua msica, de sua dana e de seus costumes,

    especialmente aps o trmino da Primeira Guerra Mundial. A partir da, aos poucos,

    substituindo a Europa, os Estados Unidos passam a ditar as novas modas para o mundo

    inteiro, tendncia que se acentuaria na dcada 1950 com o sucesso da televiso.

    As preferncias e principalmente os novos produtos do mercado norte-

    americano so rapidamente copiados em diversos pases e culturas, sobretudo nos grandes

    centros urbanos onde a busca pela modernidade era ainda mais acentuada. Com isso, as

    ltimas novidades da msica e da dana norte-americana comeam a ser tocadas nos sales

    de baile, nas festas, nos cafs e nos teatros de revista das grandes cidades do incio do

    sculo XX, ganhando o espao ento dominado pelas danas europias. Mas, para que

    esses novos estilos pudessem ser executados com perfeio, seus instrumentoscaractersticos deveriam ser utilizados e, desta maneira, os instrumentos dos conjuntos e

    big-bands que tocam o jazz se difundem pelo mundo, entre eles estavam o contrabaixo e a

    bateria.

    Aps este primeiro momento, por influncia do jazz, a predominncia do uso

    do contrabaixo e da bateria na seo rtmica dos grupos de msica popular viria a se

    consolidar com o aparecimento do roque, a partir da dcada de 1950.

    Ao longo de seus cinqenta anos de histria, a sonoridade do roque esteverelacionada s guitarras distorcidas e aos vocais gritados ou sussurrados, que simbolizavam

    a rebeldia, o no-conformismo e o descontentamento, caractersticos do universo dos

    jovens, e por isso, possuam grande apelo junto ao pblico, fato observado ainda hoje.

    Porm, para que essas guitarras e vocais pudessem se exprimir com fora e energia, em

    uma msica vibrante e muitas vezes danante, uma base rtmico-harmnica consistente era

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    necessria, e o contrabaixo eltrico e a bateria se mostraram os instrumentos perfeitos para

    essa funo.No por coincidncia a bateria e contrabaixo chegaram at o roque, eles foram

    herdados das big bands, bandas de baile e grupos de jazz e blues, todas essas formaes

    importantes na gnese deste gnero. A bateria, que j estava bem definida poca do

    nascimento do roque, encontrada em todos os grupos, em todas as pocas e em todos os

    estilos de roque. Com o contrabaixo no foi diferente, sendo que na dcada de 1950 ele era

    utilizado na sua verso acstica, e a partir da, predominantemente na sua verso eltrica.

    Conclui-se ento, que na primeira metade do sculo XX por influncia do jazz,

    e na segunda metade por influncia do roque, o contrabaixo e a bateria se estabeleceram

    mundialmente como os instrumentos mais utilizados na seo rtmica, em todas as formas

    de msica popular.

    Cabe acrescentar que alm do roque, todos os estilos afro-americanos que

    surgiram da dcada de 1950 para c, possuem o contrabaixo e a bateria em suas formaes.

    Atualmente com o rap e com a msica eletrnica, o som e os padres rtmicos desses dois

    instrumentos continuam a servir como base, ainda que executados por samplers ou

    seqenciadores.Instrumentos extremamente versteis, o contrabaixo e a bateria formam um duo

    que pode ser empregado para a execuo de quase todos os estilos de msica popular, no

    s a de origem norte-americana. Utilizados em um primeiro momento para a execuo dos

    ritmos afro-americanos ao redor do mundo, eles foram prontamente empregados, atravs

    da criatividade de seus executantes, tambm na interpretao dos gneros nacionais de

    diversos pases. Adaptando-se bem aos mais variados ritmos da msica caribenha e

    brasileira, so bastante difundidos nas Amricas do Sul e Central.Uma caracterstica importante da seo rtmica a liberdade que os msicos

    tm de criarem o acompanhamento. Normalmente a parte dos instrumentos de base no

    vem escrita nota por nota, e sim apenas so indicados os acordes por meio de cifras, e

    definido o ritmo conforme o estilo. A partir destas indicaes que os msicos aplicam um

    determinado padro rtmico a uma harmonia, estruturando a base do que chamamos de

    levada, batida, ou em ingls, groove. A levada fundamental na definio dos

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    estilos da msica popular, sendo que muitas vezes ela o nico elemento de diferenciao

    entre um estilo e outro.A linha de baixo fundamental na estruturao da levada, e ela normalmente

    executada pelo contrabaixo e pelo bumbo da bateria. Colocando de uma forma simples, o

    baixista toca os baixos dos acordes no mesmo ritmo do bumbo da bateria, improvisando a

    linha de baixo na hora, e promovendo a unio dos elementos rtmicos com os harmnicos.

    No seu livro de arranjo Ian Guest faz um resumo dessa funo do

    contrabaixista:

    O contrabaixo executa o som mais grave da orquestra. encarregado, dentro daseo rtmico-harmnica, de tocar os baixos dos acordes, e notas de passagemque soam bem com os mesmos. Ao ler as cifras, o baixista usa o seu livre critrio,no s na escolha dessas notas, mas tambm na figurao rtmica, integrando-sena pulsao da msica (GUEST, 1996, p. 69).

    A boa interao entre o baixista e o baterista fundamental para o bom

    desempenho da seo rtmica, e ao longo da historia algumas duplas desses instrumentistas

    se tornaram famosas pelo entrosamento e sungue.

    2.2.2 Aspectos Estruturais

    Se em harmonia o baixo a nota mais grave de um acorde, a linha de baixo

    seria na sua definio mais simples, a seqncia dos baixos de uma progresso harmnica.

    De fato, uma linha de baixo que apenas seja formada pelos baixos dos acordes, sem um

    ritmo definido e sem apelo meldico, pode cumprir satisfatoriamente o papel de embasar a

    harmonia, mas, normalmente ela deve ser bem mais do que isto.

    Por estar situado, juntamente com a voz mais aguda, em uma das extremidades

    (pontas) do espectro sonoro, o baixo facilmente percebido pelo ouvido. Este fato faz com

    que compositores e arranjadores, tenham dedicado, ao longo da histria, ateno especial a

    ele, pois, quando bem estruturado e belo, muito contribui para boa qualidade de uma obra.

    Sendo assim, alm dos baixos dos acordes, outras notas so acrescentadas linha de baixo

    com o intuito de transform-la em uma boa melodia. Notas de aproximao, ornamentos,

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    inverses de oitava, arpejos, cromatismos, pedais, enfim, todos os recursos so vlidos e

    devem ser utilizados, na elaborao de uma boa linha. fundamental, porm, que a linhamantenha uma de suas principais funes que a de mostrar com clareza e destaque as

    seqncias dos baixos dos acordes, pois s assim ficam definidas as regies tonais e a

    marcha harmnica.

    Outro ponto importante o papel rtmico desempenhado pela linha de baixo.

    Atravs de figuras rtmicas repetitivas (o que define a pulsao) e da seqncia das

    fundamentais (o que define o ritmo harmnico), o baixo conduz temporalmente, ou seja, no

    plano horizontal, o desenvolvimento das peas. Nas msicas feitas para a dana, e

    conseqentemente em toda msica popular, este papel rtmico de sobremaneira

    ressaltado, sendo o baixo o principal responsvel pelos acentos que definem o tempo, o

    compasso e a cadncia da dana.

    Alm disso, ele deve atravs dos movimentos contrrios, dobras, duetos,

    respostas, ecos, etc. dialogar com a melodia principal, ora respondendo, ora contrastando,

    ora acompanhando, contribuindo, para reforar o estilo e o carter da obra.

    Todos os aspectos acima mencionados so comuns tanto no campo erudito

    como no popular, e a partir do Barroco os relatos sobre a importncia do baixo e de como construda uma boa linha so bastante freqentes. Abaixo esto transcritas algumas

    sugestes de Schoenberg de como se estruturam os baixos.

    Quando no for um pedal, o baixo deve participar de cada mudana harmnica.No se pode esquecer que ele tem que ser tratado como uma melodia secundria,e que dever, portanto, mover-se no mbito de uma tessitura definida (excetoquando h intenes especiais) e possuir certo grau de continuidade. O ouvidoest acostumado a prestar muita ateno ao baixo, e mesmo uma nota curta percebida como uma voz contnua, at que a nota seguinte seja executada como

    uma continuao (meldica).Em considerao fluncia, um baixo que no seja um contracanto deve fazeruso de inverses, mesmo que elas no sejam harmonicamente necessrias(SCHOENBERG, 1991 p. 112).

    E no captulo Melodia e Tema do mesmo livro:

    O baixo foi, anteriormente, descrito como uma segunda melodia. Isto querdizer que ele est sujeito de certa forma, aos mesmos requisitos da melodiaprincipal: deve ser ritmicamente equilibrado, deve evitar a monotonia com

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    repeties desnecessrias, deve possuir certas variedades de perfil e deve fazerbastante uso de inverses (Ibidem, p.146).

    Nos mtodos de arranjo de msica popular, por ser o contrabaixo o principal

    instrumento grave da seo rtmica, a linha de baixo geralmente abordada na seo

    dedicada a ele. A seguir esto algumas descries de sua importncia e de como estrutur-

    la. No mtodo de Gordon Delamont:

    Na orquestra moderna o contrabaixo ocupa uma posio nica. Ele muitoimportante por trs aspectos: rtmico, harmnico e meldico. (Ritmicamente) Aimportncia do contrabaixo como instrumento rtmico inegvel [...]

    (Harmonicamente) Porque normalmente o contrabaixo o alicerce (botton) daorquestra seu papel harmnico vital... A parte do contrabaixo vai geralmentedelinear a progresso harmnica. O pulso harmnico, os acentos fortes e fracos, omovimento contrrio, as cadncias, as modulaes transientes, etc. so fatoresque devem ser considerados quando escolhemos as notas do baixo.(Melodicamente) Como o baixo uma parte exposta, e porque ele fornece umalinha forte e constante, contra a qual as partes superiores usam sincopes emovimento oblquo, a qualidade da melodia do baixo importante. Curvameldica, ao e reao, resoluo de saltos dissonantes, e todos os outros fatoresdo controle meldico devem receber ateno (DELAMONT, 1965, p. 2).

    Assim como Delamont, Carlos Almada (2000) no seu manual de arranjo, na

    parte dedicada ao contrabaixo, tambm diz que o instrumento deve exercer as trs funesacima mencionadas, e concorda com Schoenberg em considerar a linha de baixo uma

    segunda melodia, citando tambm que o uso de inverses e rearmonizaes podem ajudar

    na composio de um bom baixo. Almada, ao se referir funo harmnica do contrabaixo

    acrescenta algumas observaes importantes:

    J a funo harmnica aparece na correta traduo do vertical em horizontal,isto , os acordes transformando-se em linhas meldicas (intercmbio com afuno meldica), atravs do uso ponderado de arpejos e inflexes. Uma boa

    linha de baixo deve bastar-se harmonicamente, isto , no deve precisar de outroinstrumento toque os acordes para que a progresso harmnica seja claramentepercebida (ALMADA, 2000, p. 58).

    Essa importncia estrutural limita as possibilidades criativas na hora de se

    estruturar a linha de baixo.

    Quando foram analisadas acima as funes do baixo, foi dito que ele deve (

    obrigado a) fornecer a base para as outras vozes, e por isso de certa forma, subordinado a

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    elas. Por outro lado, o baixo o fundamento da harmonia e do ritmo, sendo que a partir

    dele que as outras vozes se estruturam. Estas duas funes, a de servir e a de gerar o ritmo ea harmonia, pautam as possibilidades criativas na composio da linha de baixo, pois

    restringem as alternativas de variao rtmica e meldica.

    Ritmicamente o baixo est comprometido com a marcao dos compassos, ou

    seja, com o cho. A linha de baixo tem que definir, por meio de notas graves e precisas,

    onde est o tempo, para que os demais elementos rtmicos possam se estruturar.

    As restries meldicas so originadas da importncia harmnica do baixo.

    ele quem define o acorde, por isso, torna-se mais importante para percepo da harmonia

    do que todas as outras vozes juntas. Se no for tocado suficientemente forte, para ser

    ouvido, ou suficientemente grave para fundamentar as outras vozes, no cumpre o seu

    papel, e a clareza harmnica prejudicada. Quando sob um mesmo acorde, h a

    possibilidade de serem tocadas duas ou mais notas, a preferncia recai sobre as

    fundamentais e quintas dos acordes.

    Outro aspecto importante a relao entre a potncia e a extenso dos

    instrumentos graves, com a formao dos grupos. Esta relao pautou ao longo da histria

    no s a escolha dos instrumentos, mas tambm, o tipo de linha realizado. Como foi ditoacima, o baixo deve ser tocado suficientemente forte para ser ouvido, e relativamente grave

    para ser baixo, mas, por outro lado, ele no pode encobrir os outros instrumentos e nem

    atuar numa regio muito distante dos instrumentos de harmonia.

    Um ponto de grande importncia como a regio em que est situado o baixo

    influencia na sua estruturao. Como foi visto acima, a partir do sculo XIX devido ao

    aumento do tamanho das salas e dos grupos, houve uma demanda por instrumentos mais

    potentes e graves. Com isso novos instrumentos foram criados e os j existentesaperfeioados e estendidos para atingirem a regio do contrabaixo, que est situada abaixo

    do C1. Sendo assim, juntamente com os instrumentos baixos que atuavam basicamente nas

    duas oitavas abaixo do C3, como o violoncelo, o fagote e o trombone, comearam a

    aparecer os instrumentos contrabaixos tocando uma oitava abaixo dos primeiros, entre eles

    esto o contrabaixo, o contrafagote, e a tuba.

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    Ao longo do sculo XIX os compositores que originariamente apenas dobravam

    a linha dos instrumentos baixos com os instrumentos contrabaixos, passam a ter apossibilidade dividir os graves das orquestras criando duas linhas diferentes. Nesse

    processo surge uma linha de baixo grave, geralmente mais simples, focada na marcao

    rtmica e no reforo harmnico, e outra mais aguda, com maiores possibilidades meldicas

    e contrapontsticas.

    Este autor acredita que esta nova maneira de compor a linha de baixo tenha dois

    motivos principais. Primeiramente os instrumentos contrabaixos so maiores e mais

    pesados de serem tocados, por isso oferecem mais limitaes tcnicas. Soma-se a isso o

    fato das freqncias graves terem ondas muito longas, que necessitam de mais tempo e

    espao para se propagarem. Sendo assim, um trecho que tocado com relativa facilidade

    pelo violoncelo, torna-se virtuosstico para o contrabaixo. E ainda que o contrabaixista

    tenha um bom nvel tcnico e execute este trecho com perfeio, ele provavelmente soar

    menos definido, por estar situado em uma oitava mais grave. Por este motivo, as linhas

    mais graves que so tocadas pelos instrumentos contrabaixos tendem a ser mais simples.

    Em segundo lugar, como conseqncia, na medida em que os instrumentos

    contrabaixos realizavam uma marcao eficiente, fornecendo uma base segura para toda aorquestra, os instrumentos baixos tinham liberdade de realizarem linhas mais complexas,

    pois o alicerce estava garantido. Ento surge uma linha sem tantas restries e obrigaes,

    que pode tanto complementar o baixo grave, como responder a melodia principal.

    Esta separao do baixo em duas linhas encontrada em diversos gneros

    musicais, e ao longo do tempo algumas duplas destes dois tipos de instrumento foram se

    estandardizando. Citando alguns exemplos aparecem: o bumbo da bateria e o contrabaixo,

    na seo rtmica moderna; as tubas e os bombardinos, nas bandas militares; o cravo evioloncelo, no baixo contnuo; e os violoncelos e contrabaixos, nas orquestras sinfnicas.

    Quando os dois instrumentos no dobram a mesma linha em oitavas, e cada e

    cada um dos instrumentos executa uma linha diferente, a interao entre elas deve ser bem

    planejada. Os choques de notas e ritmos entre duas melodias prejudicam a compreenso do

    discurso musical sob quaisquer circunstncias, e nos graves eles so particularmente

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    prejudiciais. Por este motivo, a interao entre os instrumentos que realizam o baixo dentro

    de um mesmo grupo fundamental para a clareza da base. necessrio apontar, que a dobra da linha de baixo pelos instrumentos baixos e

    contrabaixos continuou a existir, principalmente na msica sinfnica.

    Nesta pesquisa chamaremos o baixo mais grave e simples de baixo rtmico, e o

    baixo contrapontstico e mais agudo de baixo meldico.

    O baixo rtmico o tipo mais comum de linha de baixo, ele encontrado em

    todo tipo de msica, particularmente nas melodias acompanhadas. Formado basicamente

    atravs da aplicao de um determinado padro rtmico aos baixos dos acordes, o baixo

    rtmico geralmente utiliza padres que se repetem a cada um, ou a cada dois compassos.

    Esse tipo de linha de baixo facilita a estruturao do acompanhamento, pois conduz

    ritmicamente a base atravs das repeties, e define claramente os acordes e a marcha

    harmnica, j que apenas os baixos dos acordes com algumas poucas notas de passagem

    so utilizados.

    Abaixo est transcrito um trecho da linha da tuba do maxixe gua, onde

    esto presentes apenas semnimas, e algumas alteraes do baixo dos acordes, que ilustra a

    linha rtmica.

    Figura 1: Baixo Rtmico

    Visando o aprimoramento meldico da linha, outras notas so acrescentadas aos

    baixos dos acordes, e comeam a aparecer as notas de aproximao cromtica, os arpejos e

    as inverses. Desta forma a linha torna-se mais cantabile e ganha maior destaque, a sim

    atuando como uma segunda melodia, surgindo o baixo meldico. A importncia na

    conduo harmnica e rtmica, porm, no pode ser esquecida, e de nada adianta uma linha

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    de baixo melodicamente bem feita, se ela no mantiver o seu papel de servir como base

    para as outras vozes.No mesmo maxixe gua, na terceira parte aparece este baixo meldico

    tocado pelo bombardino.

    Figura 2: Baixo Meldico 1

    Ou, neste outro exemplo, no qual o bombardino executa uma linha tpica das

    baixarias do choro.

    Figura 3: Baixo Meldico 2

    O baixo rtmico geralmente realizado nas oitavas mais graves, entre o C2 e o

    C-1, pelos instrumentos contrabaixos, e o baixo meldico em regies mais agudas no indo

    abaixo do E1.

    A da linha de baixo em dois tipos e o nome escolhido para classific-las, um

    procedimento relativo, j que em msica o ritmo, a melodia e a harmonia, so na maioriadas vezes inseparveis e complementares. Alm disso, somente em alguns casos o baixo de

    uma msica possui uma nica forma de estruturao, sendo que muitas vezes, em um

    trecho musical uma linha de baixo pode apresentar todas as caractersticas acima descritas,

    como no exemplo abaixo:

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    Figura 4: linha de baixo

    Outro ponto que merece destaque o fato de que na msica popular a linha de

    baixo rtmica ser geralmente composta por dois elementos, um essencialmente rtmicorealizado por algum tambor, e outro rtmico, harmnico e meldico, realizado por algum

    instrumento baixo, seja ele meldico ou meldico-harmnico.

    No exemplo abaixo est representada uma linha tpica de roque,onde se pode

    notar a interao do contrabaixo com o bumbo da bateria.

    Figura 5: Baixo e bateria

    Com relao s opes de notas que podem ser utilizadas na estruturao dos

    baixos existem trs categorias bsicas: fundamentais e quintas, notas do acorde e notas de

    aproximao cromtica.

    Na esfera da msica popular o fato de serem usadas majoritariamente

    fundamentais e quintas nas linhas de baixo (o famoso tnica e quinta) tem sido algumas

    vezes, motivo de incompreenso por parte dos estudantes de contrabaixo (que acham muito

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    simples um acompanhamento s com estas opes) e at mesmo de ridicularizaro pelos

    outros msicos (que pem em dvida os conhecimentos harmnicos e a criatividade dosbaixistas), existem, porm, razes estruturais importantes, que levam os baixistas a

    adotarem este procedimento.

    Para que a linha de baixo cumpra o seu papel rtmico, na maioria das vezes so

    tocadas mais de uma nota sob o mesmo acorde. Diante desta situao, normalmente o

    baixista opta por repetir o baixo do acorde, a sua oitava, ou o seu quinto grau. As razes da

    repetio do baixo e de sua oitava so bvias, est-se apenas reafirmando o que j foi

    ouvido, mas, como se explica o uso do quinto grau?

    O som um fenmeno fsico, e como tal est sujeito a uma srie de leis

    matemticas e fsicas. As relaes da srie harmnica com o sistema tonal maior-menor so

    bem conhecidas, e existe um consenso entre tericos, fsicos e musiclogos, de que a srie

    harmnica explica a organizao meldico-harmnica da msica ocidental.

    Schoenberg expressa claramente esta idia:

    A nossa escala maior, a seqncia c-d-e-f-g-a-b, cujos sons se baseiam nos modosgregos e eclesisticos, pode ser explicada como uma imitao da natureza.

    Intuio e combinao cooperaram para que a qualidade mais importante do som,seus harmnicos superiores (que representamos - como toda simultaneidadesonora verticalmente), fosse transferida ao horizontal, ao no simultneo, aosonoro sucessivo (SCHOENBERG, 2001, p. 61).

    Ou seja, em msica se imita a natureza na medida em que o sistema tonal

    maior-menor originou-se de uma propriedade fsica (natural) dos sons, que a srie

    harmnica.

    Partindo da teoria de que o sistema tonal um espelho da srie harmnica,

    conclui-se que, se uma caracterstica vertical do som (a srie harmnica) produziu umresultado horizontal (a escala), e que algum tempo depois esta escala originou um resultado

    vertical (os acordes), estes acordes devem tambm estar de acordo com a srie harmnica.

    Abaixo est representada a srie harmnica do C1.

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    Figura 6: Srie Harmnica

    Pode-se notar que na parte baixa da srie harmnica, os quatro harmnicos mais

    graves so: a prpria fundamental, sua oitava, a quinta justa, e mais uma dobra da

    fundamental. Quando estas notas so utilizadas na linha de baixo, o modelo da srie

    harmnica respeitado, da mesma forma quando as dissonncias dos acordes (cores) sotocadas nas regies mais agudas.

    O quinto grau naturalmente ouvido juntamente com qualquer nota,

    especialmente nas regies graves, e por isso torna-se neutro, no causando mudana na

    funo do acorde, pois no oferece nenhuma novidade em termos harmnicos, sendo assim

    pode ser includo no baixo sem restries.

    Soma-se a isto o fato que do ponto de vista meldico o movimento primeiro

    grau/quinto grau justo/primeiro grau, utilizado em qualquer uma de suas possibilidades

    meldicas, , juntamente com os meios tons, a principal fora da cadncia

    tnica/dominante/tnica, caracterstica primeira do tonalismo. Realiz-lo no baixo confere

    movimento, direo e coerncia ao ritmo harmnico, sobretudo quando o quinto grau

    aparece na oitava abaixo da fundamental.

    A fora deste movimento fundamental/quinto grau justo oitava

    abaixo/fundamental - to grande, que algumas vezes at mesmo quando o acorde possui

    quinta alterada, ignora-se a alterao da quinta e toca-se a quinta justa. O mesmo ocorrendo

    com acordes com o baixo alterado, nos quais so tocadas as quintas justas do baixo, e no aquinta do acorde ou alguma outra nota.

    Este padro fundamental/quinto grau justo oitava abaixo/fundamental

    particularmente utilizado no baixo das marchas e em todas as situaes que se necessita de

    um estmulo ao movimento.

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    As outras vozes da ttrade, as dissonncias e outras notas permitidas pela

    harmonia, quando utilizadas em valores longos, tempos fortes, ou sem nenhuma finalidademeldica, podem confundir a percepo do acorde, pois acabam soando como um outro

    baixo, modificando o acorde. Essas outras notas, porm, desempenham um importante

    papel quando utilizadas como notas de aproximao, conectando os baixos; em situaes

    excepcionais quando se quer destacar o baixo.

    Como foi dito anteriormente, existem diversas formas de estruturao dos

    baixos, e certo que muitas dessas formas so bem mais complexas do que simples

    tnicas e quintas tocadas nas cabeas dos tempos fortes. Mas, o fato que todas se

    originaram deste esquema, ou podem ser reduzidas a ele.

    Alm das fundamentais e quintas podem-se utilizar outras notas do acorde. As

    teras de um modo geral, e as stimas nos acordes dominantes e nos menores com stima

    menor, so as principais escolhas. As nonas aparecem tambm com freqncia, mas

    geralmente no final das frases, aps as notas mais baixas do acorde terem sido tocadas.

    As notas de aproximao cromtica so um recurso importantssimo na

    estruturao dos baixos, pois, quando bem utilizadas, contribuem para uma boa conduo

    harmnica da linha.O ltimo aspecto estrutural abordado so os recursos utilizados por

    compositores, arranjadores e baixistas para alterarem, o carter, a textura ou o efeito de um

    determinado trecho, atravs da linha de baixo.

    Primeiramente o baixo cromtico. O uso de cromatismos no baixo geralmente

    obtido atravs da alterao dos baixos dos acordes, ou atravs da rearmonizao. No est

    se referindo aqui aos cromatismos que ocorrem, por exemplo, nas notas de aproximao, e

    sim na utilizao clara de uma sucesso cromtica dos baixos de uma progressoharmnica. Abaixo esto dois exemplos de baixo cromtico. No primeiro exemplo apenas

    foi alterado o baixo dos acordes; e no segundo os acordes.

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    Figura 7: Baixo Cromtico

    Outro recurso bastante utilizado o pedal, que pode atuar, tanto tencionando

    uma determinada passagem harmnica, como criando um efeito de inrcia ou repetio.

    Ele pode acontecer de duas formas: a primeira quando sob um nico acorde

    tocado somente o seu baixo, sem nenhuma outra nota. Geralmente isto ocorre por meio de

    uma nota longa ou por uma srie de valores curtos, mas tocados de forma legato, causando

    a sensao de uma nota ininterrupta.

    Figura 8: Baixo Pedal 1

    A segunda a definio clssica de pedal, e ocorre quando sob vrios acordes

    um mesmo baixo utilizado. O detalhe que para esse tipo de recurso sortir efeito

    normalmente este baixo tambm tocado, como no primeiro caso, ou com uma nota longa,

    ou com uma srie de valores curtos repetidos visando dar uma sensao de uma nota longa.

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    Figura 9: Baixo Pedal 2

    Existem tambm o ostinato e o vamp, que so muito importantes em toda

    msica popular. O termo ostinatooriginou-se no Barroco e significa em italiano obstinado,

    persistente. uma linha de baixo de tamanho e complexidade varivel, que

    constantemente repetida ao longo de uma composio, tanto vocal como instrumental,

    formando a base para o desenvolvimento meldico, harmnico ou contrapontstico desta

    composio. Originou-se provavelmente das danas, e foi um dos elementos que ajudaram

    a estruturar as monodias no incio do sculo XVII. Segundo Lowell Lindgren:

    Durante o Barroco Mdio esses padres (do baixo ostinato), freqentementeajudaram a estruturar as msicas do tipo ria (aria-like music), onde o baixo eracomumente andante (walking) ou danante, ou seja, constantemente movendo-seem padres rtmicos regulares com notas de valores iguais ou no padro curto-longa [...]. O efeito era quase hipntico, especialmente quando um breve ostinatoem compasso ternrio era repetido milhares de vezes sob as variaes meldicas(LINDGREN, s/d, p. 329).

    No a toa que o ostinatoseja uma das formas mais comuns de estruturao

    dos baixos na msica popular e mais especificamente na msica pop, pois assim como na

    msica erudita, o baixo formado por padres curtos e repetitivos especialmente prprio

    para as danas, finalidade primeira da msica popular. O funk, o roque, o reggae, o rap e

    at mesmo a salsa, nas suas descargasfazem uso freqente dos ostinatos.

    Abaixo est representado o ostinatoda clssica Take Five de Paul Desmond,

    esta pequena clula pode ser repetida durante centenas de compassos sem alterao.

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    Figura 10: Ostinato

    O ostinato s vezes tambm chamado de vamp, mas isso no totalmente

    correto. Vamp uma palavra inglesa que como um verbo significa improvisar um

    acompanhamento simples para um solo instrumental ou vocal, e como um substantivosignifica um pequeno trecho tocado como preparao para a entrada de um solista.

    Acontece que muitas vezes este pequeno trecho formado por um baixo ostinato, da a

    confuso.

    Na msica popular e no jazz, vamp so as progresses introdutrias ou

    transitrias de acordes repetidos at a entrada do solista. Este recurso se tornou

    particularmente comum nos musicais, aonde os cantores pelas necessidades do enredo, s

    vezes, se demoravam em voltar cena, sendo que as orquestras deveriam repetir um

    pequeno trecho at a entrada do cantor (vamp till ready). Em algumas formas de jazz e

    msica popular (principalmente funk) uma pea inteira pode ser baseada em um vamp

    repetido ad libitum(openended vamp).

    Por fim, a melodia principal pode ser dobrada pelo baixo, ou tocada apenas na

    voz mais grave. De certa maneira este procedimento no se encaixa na definio de linha de

    baixo, mas um importante recurso de orquestrao. Este recurso pode ser utilizado, tanto

    para se reforar a melodia principal, quando o baixo dobra o tema; ou como recurso para

    obteno de outros timbres, quando a melodia principal tocada na oitava mais grave doarranjo.

    Encontra-se tambm, embora bastante raramente o baixo formando duetos com

    a voz principal com intervalos de teras, sextas, etc., ou ento, realizando o mesmo ritmo da

    voz principal, mas em movimentos contrrios. Esta tcnica originria da escrita a quatro

    vozes, onde soprano e baixo eram a vozes mais importantes. Na msica popular isto no

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    muito comum, mas algumas vezes o baixo imita apenas o ritmo da voz principal tocando

    apenas a nota do baixo do acorde ou dos acordes.

    2.3 Os instrumentos graves

    No dicionrio Aurlio o adjetivo grave em msica possui dois significados,

    um relativo ao andamento de uma composio, e outro altura de um som: Diz-se do mais

    lento de todos os andamentos; Na escala geral dos sons, diz-se da regio que se estende do

    C1 ao C2. Andamento lento, vagaroso (FERREIRA, 1999, p. 1007-1008).Segundo White em seu dicionrio de udio, bass, aqui traduzido por grave,

    significa:

    Grave (bass) aquela poro que engloba as alturas mais baixas (lower pitches)das freqncias audveis. A extenso dos graves considerada de mais ou menos30 a 200 Hz ( WHITE, 1987, p. 31).

    Transformando oitavas em freqncias e vice-versa, obtm-se o seguinte

    panorama: 30 Hz a freqncia da fundamental do B-2 (corda mais grave de um baixo decinco cordas), e no limite agudo 200 hz equivale aproximadamente fundamental do G2

    (corda mais grave do violino). O C1 (corda mais grave do violoncelo) vibra a 65 Hz, e o C2

    (corda mais grave da viola) a 130 Hz.

    A oitava indicada pelo Aurlio (do C1 ao C2) era conhecida como a grande

    oitava (great octave) e geralmente a oitava mais grave dos instrumentos baixos. Os

    instrumentos que atingem sons abaixo desta oitava so chamados de contrabaixos, ou em

    ingls doublebasses

    Estes dois termos tm razes histricas nem sempre conhecidas, o que tem

    gerado confuses, sendo que ambos se originaram de diferentes sistemas de classificao

    das oitavas. Primeiramente ser definido o adjetivo ingls double, e depois o prefixo

    contra utilizado em vrios idiomas. As definies se encontram no Grove:

    Double (duplo):Adjetivo utilizado para indicar a oitava mais grave. Assim odoublebasson (contrafagote) toca uma oitava abaixo do basson (fagote), o

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    doublebassuma oitava abaixo do violoncelo e assim por diante. Este uso derivada antiga prtica de se identificar as notas abaixo da gamma ut (o sol na

    primeira linha da clave de f, ou o G 1) por letras duplas: FF, EE, DD, etc. Osconstrutores de rgos ainda se referem a estas notas como double F, doubleE, etc. (SADIE, 2001, vol. VII p. 519).

    Contra: prefixo que significa a oitava mais grave, provavelmente derivado daantiga prtica de se indicar as notas abaixo da grande oitava (great octave) de Ca B por traos embaixo da cifra: C, D, etc. Estes traos eram opostos (contra) aosutilizados nas oitavas agudas (c, d, f). Da a contra-oitava aquela abaixo dagrande oitava e instrumentos com este alcance eram chamados de contrabaixos.Ex. saxofone contrabaixo, clarinete contrabaixo, contrafagote e o contrabaixopropriamente dito (Ibidem, vol. VI, p. 367).

    Com base nesses dados conclu-se que, contrabaixo na verdade no um nomede um instrumento, e sim o nome de uma regio do espectro sonoro que engloba as

    freqncias entre 30 e 300 Hz.

    O problema em relao ao tamanho dos instrumentos graves sempre foi um

    obstculo a ser vencido: tubos muito largos, cordas muito grossas, caixas de ressonncia

    enormes. Difceis de construir, no apenas pelos problemas impostos pela construo

    propriamente dita, mas, principalmente pelas dificuldades de projeto, pois os instrumentos

    tinham que ser grandes, contudo ainda assim tocveis, apresentando um nvel mnimo de

    recursos. O engenheiro francs E. Leipp no livro Acoustique et Musique aborda esta

    questo:

    A fora humana limitada. Ora, a msica se utiliza de sons bastante graves. Paraproduzirem sons de 30 Hz suficientemente intensos a fim de serem claramentepercebidos, os pulmes no seriam suficientes nos instrumentos de sopro, e nascordas, as caixas de ressonncia seriam enormes, impossveis de seremmanejadas. A experincia do lutier J. B. Vuilhaume, que construiu umcontrabaixo enorme, o octobaixo, de 4 metros de altura, uma demonstraoclara deste fato (LEIPP, 1977, s/p).

    A inveno e o desenvolvimento de novos recursos e materiais foram

    fundamentais para o sucesso dos grandes instrumentos. Nos sopros, com o aparecimento

    das chaves, as notas ficam mais afinadas e ao alcance dos dedos; nas cordas a inveno das

    cordas recobertas com metal, permitiu uma reduo do comprimento e da grossura das

    mesmas, diminuindo os instrumentos e facilitando a execuo.

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    Todavia, apenas o aparecimento de novos materiais e a melhoria dos projetos

    no conseguiriam sozinhos resolver o problema do tamanho, pois, pelas leis da fsica, paraque um instrumento ou uma outra fonte sonora qualquer, possa irradiar uma energia

    significante, ele precisa ser to grande quanto o comprimento da onda gerada. Por este

    motivo, por maiores que a tuba ou o contrabaixo sejam, eles teoricamente no so grandes

    o suficiente para produzirem notas audveis nas oitavas graves.

    A nota A grave do piano que vibra a 27 Hz, por exemplo, tem uma fundamental

    que possui um comprimento de onda de aproximadamente 30m. Obviamente que a corda

    do piano que produz essa nota no possui este comprimento, mas mesmo assim, ouvimos a

    nota na oitava certa. Isto acontece por causa de um fenmeno auditivo explicado pela

    psicoacstica, que a capacidade que temos de perceber a altura de um som de onda

    complexa, mesmo que a fundamental deste som seja muito fraca ou esteja faltando, pois,

    mesmo quando ouvimos apenas os harmnicos superiores de uma nota, ns conseguimos

    reconstruir e ouvir a sua fundamental. Este um fenmeno h muito tempo conhecido

    pelos tericos e construtores de instrumentos, e faz com que os instrumentos graves

    produzam sons mais graves do que eles, teoricamente, seriam capazes de produzir. Em

    ingls este fenmeno chamado de fundamental tracking e em francs de sensation de

    hauteur.

    Mesmo com os melhoramentos ocorridos ao longo do tempo, a execuo dos

    grandes instrumentos, pelo seu tamanho, pela energia empregada e pela regio grave em

    que atuam, ainda trabalhosa.

    Primeiramente pelo tamanho. No caso da famlia das cordas, por exemplo,

    facilmente perceptvel a diferena de uma escala de duas oitavas tocada em um violino,

    comparada com a mesma escala tocada em um contrabaixo. O violinista quase no mexe amo de lugar, apenas os dedos se deslocam, j o contrabaixista movimenta o brao inteiro.

    Em segundo lugar, as notas graves como so percebidas pela sensao de

    altura, necessitam de serem tocadas com mais energia do que as agudas, para serem

    ouvidas na mesma intensidade. Em outras palavras o instrumentista faz mais fora.

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    E por ltimo, os sons graves so os que apresentam maiores problemas de

    propagao, pois em certas situaes os graves podem se tornar embolados, o quedificulta na clareza das notas, e principalmente na afinao.

    Para a composio e execuo das linhas de baixo, essas limitaes nunca

    podem ser esquecidas, pois do contrrio prejudicam uma das principais qualidades de um

    baixo, que a clareza.

    Apesar de toda a importncia da linha de baixo para o desenvolvimento da

    msica ocidental e da presena de instrumentos graves em quase todas as formaes da

    msica popular e erudita, o baixo e seus instrumentos continuam a ser pouco conhecidos. O

    autor afirma isto com base na sua prpria experincia, pois nos mais de vinte anos como

    contrabaixista profissional, raras foram as vezes em que os observaes sobre o seu

    instrumento e a funo deste dentro da msica foram pertinentes, mesmo quando proferidas

    por msicos.

    Fazendo uma analogia com a engenharia, e aproveitando o ttulo deste trabalho,

    conclui-se que: os alicerces, tanto musicais como arquitetnicos, no despertam o interesse

    das pessoas de um modo geral, apenas os iniciados que os conhecem.Espera-se que os conceitos apresentados neste capitulo tenham ajudado a um

    melhor conhecimento dos alicerces sonoros da msica ocidental, e possam ser teis para a

    compreenso dos aspectos musicais expostos no captulo seguinte.

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    3. O Maxixe e o Samba

    3.1 Aspectos Histricos

    O maxixe, o samba e o choro so trs gneros musicais que se misturam na sua

    origem e nas suas caractersticas musicais. Todos surgiram na cidade do Rio de Janeiro,

    durante a Primeira Repblica, nas classes mdia e baixa, compostas por negros e afro-

    descendentes. Com instrumentao e padres rtmicos de acompanhamento muitas vezes

    idnticos, estes trs gneros compartilhavam nas suas origens, dos mesmos ambientes e dos

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    mesmos msicos. Analisando-os hoje em dia, nota-se que as diferenas entre eles, podem

    estar apenas em um detalhe, como o andamento, a forma ou o arranjo.Na metade do sculo XIX, antes do aparecimento de qualquer um desses

    gneros, as manifestaes musicais populares se dividiam em dois grandes grupos: um que

    reunia as msicas de origem europia, e outro, as de origem africana. Desta forma, em um

    grupo estavam as polcas, mazurcas, valsas, schottiches,quadrilhas, habaneras, entre outras,

    todas elas danas da moda na Europa, executadas em um primeiro momento ainda com

    partituras e interpretao europias; e em outro grupo, as manifestaes musicais africanas:

    o cucumbi, o jongo, o batuque, a umbigada, as msicas do candombl, etc., que muitas

    vezes, mesmo que bastante modificados dos seus originais africanos, eram executados

    quase que exclusivamente por africanos e seus descendentes. Essas msicas, europias e

    africanas, eram consumidas respectivamente pela classe alta e a aristocracia, e pela classe

    baixa de negros forros e escravos.

    Entre essas duas classes sociais, surge ao longo do sculo XIX, uma nova classe

    mdia, composta por brancos mais pobres, negros libertos e remediados, e principalmente

    mestios afro-descendentes. Esta nova classe, totalmente cosmopolita, visava ascender

    socialmente, e por este motivo imitava as modas e os gostos da classe alta, mas, por serfortemente influenciada pela cultura negra, e tambm por uma srie de tradies populares

    europias trazidas pelos imigrantes pobres, mantinha vrios costumes e tradies de seus

    lugares de origem.

    A classe alta, francamente europeizada, consumia, mas no produzia a sua

    prpria msica, seja executando ou compondo. A ocupao de msico era considerada um

    trabalho manual qualquer, e por isso era desprezada pelos homens de bem que se

    ocupavam apenas das funes, burocrticas, administrativas e intelectuais. Por este motivo,a msica no Brasil foi confiada primeiramente aos negros, na msica de barbeiros dos

    tempos coloniais; e posteriormente aos negros e mestios atravs dos chores e das bandas

    militares da Primeira Repblica.

    Esses msicos, na sua maioria pertencentes s classes mdia e baixa, passam a

    executar os ritmos europeus em ambientes mais populares, aonde o povo comea a dan-

    los sua moda, com gestos e movimentos francamente africanizados. Atrs do gesto, do

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    movimento, vem a msica, alis, seguindo uma tradio africana, onde no s os msicos

    estimulam dana, mas tambm os bailarinos transformam a msica, atravs de um dialogoimprovisado.

    Assim nasce o maxixe.

    Apesar do preconceito da sociedade da poca, contra sua dana indecente (que

    na verdade estava muito mais relacionado sua origem mestia e pobre), o maxixe se

    desenvolve, passa a ser executado nos teatros e sales da alta sociedade, e divulgado nas

    casas de famlia atravs das partituras editadas para piano.

    Nos primeiros anos do sculo XX o fongrafo vira um bem de consumo

    acessvel, Fred Figner cria a Casa Edson, e j em 1897 comea a gravar msica brasileira,

    impulsionando o consumo de msica e estimulando assim, a profissionalizao dos msicos

    e a criao de novos grupos.

    O maxixe vira sucesso mundial atravs dos ps do bailarino baiano Duque, e

    em 1914, Dona Nair de Teff mulher do Mal. Hermes da Fonseca, ento presidente da

    Repblica, executa o maxixe Corta-Jaca de Chiquinha Gonzaga no Palcio do Catete.

    Paralelamente ao sucesso do maxixe, agora aceito e consumido por todos os

    setores da sociedade, continuavam nos morros, terreiros e fundos de quintal das casas debaixa renda, as manifestaes da cultura africana, como os batuques e umbigadas, as rodas

    de capoeira e pernada, e os cultos religiosos. Essas manifestaes eram perseguidas pela

    policia e pela igreja, que as associavam marginalidade e vagabundagem.

    A classe mdia baixa cresce com aumento das possibilidades de ascenso

    social proporcionadas pelo comrcio e pela indstria. Esta perspectiva de melhoria de vida

    atrai gente do Brasil inteiro, principalmente negros vindos das regies rurais. Dentre esses

    negros que chegam Capital, os de origem baiana tiveram importante papel na organizaosocial deste contingente e na manuteno das tradies africanas, criando o que se tornou

    conhecida como a pequena frica no Rio de Janeiro.

    A partir da dcada de 1920 uma onda nacionalista se inicia na poltica, nas artes

    e na cultura, e em busca de valores e produtos que pudessem representar a alma do povo

    brasileiro, destaca-se o samba, ainda tocado de forma maxixada. O preconceito com as

    manifestaes de origem negra diminui, e um grupo de compositores oriundos do bairro

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    carioca do Estcio, tradicional reduto de malandros e desocupados, comea a se tornar

    conhecido fora de seu gueto, transformando a maneira maxixada de se fazer o samba, nosamba batucado.

    Nascia assim, o samba como conhecido hoje.

    Com o aparecimento e o sucesso do rdio, e o apoio do governo no Estado

    Novo, o samba carioca se consolida como msica nacional, e passa a ser produzido e

    executado em todo o pas.

    O perodo histrico relatado acima vai aproximadamente de 1850 a 1940; a

    transformao das danas europias em maxixe se d em algum momento antes da virada

    do sculo XIX para o XX; e do maxixe em samba, a partir da dcada de 1920.

    Aps este