Download - 08. a Terceirização Trabalhista e as Responsabilidades Do Fornecedor e Do Tomador Dos Serviços - Um Enfoque Multidisciplinar

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    A TERCEIRIZAO TRABALHISTA E ASRESPONSABILIDADES DO FORNECEDOR

    E DO TOMADOR DOS SERVIOS:UM ENFOQUE MULTIDISCIPLINAR

    Henrique Macedo Hinz*

    INTRODUO

    Quando o direito ignora a realidade, a realidade se vinga, ignorando odireito. Esse aforismo de Henri de Page bastante oportuno quando setrata de analisar qualquer instituto de direito do trabalho. Esse ramo dodireito, ao tratar do trabalho nos moldes previstos nos arts. 2 e 3 da CLT, no devese restringir apenas aos seus aspectos formais, mas principalmente ter em vista arealidade que visa regular.

    Da mesma forma como o bom profissional do direito tributrio necessaria-mente um bom conhecedor de contabilidade, o bom profissional do direito do trabalhoprecisa ter bons conhecimentos sobre o locus onde o trabalho prestado e comprado. Seassim no fizer, os raciocnios lgicos que far partiro, provavelmente, de premissasfalsas, levando fatalmente a concluses igualmente incorretas, se no injustas.

    Embora muito j se tenha dito e escrito a respeito da terceirizao trabalhis-ta, possvel se verificar nas peties processuais, nos despachos e decises judi-ciais, nos trabalhos acadmicos e mesmo na imprensa alguns pontos divergentessobre o assunto.

    Mesmo nas sentenas prolatadas em autos de reclamaes trabalhistas, muitocomum assistirmos a esforos hercleos dos juzes prolatores para lidar com estemecanismo e, no mais das vezes, face ausncia de uma legislao especfica, elaborarempor meio de raciocnios analgicos, formas de responsabilizao do tomador da mo-de-obra face falncia ou simplesmente desaparecimento do fornecedor da mesma.1

    * Juiz do Trabalho Substituto do TRT da 15 Regio. Mestre e Doutor em Direito das RelaesSociais pela PUC/SP. Doutorando em Economia Aplicada UNICAMP. Professor Doutorconcursado do Departamento de Teoria Econmica do Instituto de Economia da UNICAMP e daFaculdade de Direito da PUCCAMP.

    1 Nesse ponto, chamamos a ateno para o problema de muitos discursos em defesa do papel polticoa ser exercido pelo juiz quando da prolao da sentena, visto que, no mais das vezes, essa ativida-de mais restrita do que se pretende. Afinal, a diviso de poderes ainda se encontra vigente naConstituio Federal. Mais que isso, a formao e a forma de recrutamento desses agentes estatais

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    A utilizao desse instrumento de administrao s tende a aumentar nomeio empresarial, face realidade ali vivida, com imediatos reflexos na ordemjurdica, visto que os conflitos de interesses neste campo so usuais. Nos arriscaremosaqui a abordar o tema de forma mais pragmtica, numa viso interdisciplinar tanto no mbito jurdico quanto no econmico para assim lanar novos pontos devista e levantar novos questionamentos.

    Como a seguir se ver neste ensaio, a terceirizao uma realidade presente,e tende a se generalizar cada vez mais, gostem os operadores do direito em especialos do direito do trabalho ou no. Assim, h de se conhecer as origens, os propsitose as responsabilidades desse modo de organizao das empresas e de seustrabalhadores.

    O TRABALHO HUMANO E O LOCAL DE SEU EXERCCIO

    oportuno fazer, inicialmente, uma pequena digresso a respeito do localonde o trabalho prestado pelo trabalhador a quem dele necessita, pois que relevanteao objeto do presente estudo.

    Na passagem do feudalismo para o capitalismo o trabalho era prestado adomiclio, no s pelo trabalhador, mas provavelmente por todos da famlia quetivessem condies de o auxiliar. O produtor contratava as peas que j esperavavender, enquanto que as pessoas trabalhavam com o fito de garantir seu sustento. Nohavia a se instalado a noo do quanto mais melhor, mas prevalecia a do isso mebasta.

    Quando a produo em massa se instala,2 e se desenvolve o sistema de produocom a utilizao de mquinas, surge a necessidade de se trazer todos os trabalhadorespara dentro de um mesmo local a fbrica vez que ali a qualidade e o ritmo de seutrabalho sero de forma bastante rgida controlados pelo empregador.3

    Esse modelo de organizao do trabalho acaba por se tornar hegemnico noregime capitalista at incio dos anos 80, quando surge o modelo de produo emrede, onde a produo dos vrios itens componentes de um determinado produto realizada por empresas diferentes. E, nesses tempos de globalizao, essa mesmaproduo pode ser realizada em qualquer pas no mundo.

    no lhes possibilitam, ou mesmo permitem, que se arvorem na atividade de legisladores por analo-gia, criando direitos ou responsabilidades no previstas em lei, mormente em se considerando oconstitucional princpio da legalidade. o que ocorre com muitas teses que pretendem fazer aaplicao analgica da Lei n 6.019/74 aos casos de terceirizao lcita, com vistas responsabilizaosolidria entre fornecedor e tomador de mo-de-obra em face dos crditos do trabalhador.

    2 Essa passagem magistralmente apresentada por Max Weber em seu tica Protestante e Espritodo Capitalismo.

    3 Em seu filme Tempos Modernos, Charles Chaplin demonstra como a linha de produo, commquinas movidas eletricidade, retira do trabalhador a possibilidade de controlar seu ritmo detrabalho, agora deixado nas mos do empregador.

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    Ocorre que com o desenvolvimento do contrato como instrumento jurdicode responsabilizao dos contratantes e da informtica como elemento que possibilitao controle das atividades em qualquer lugar do planeta, os capitalistas descobriramque poderiam obter de terceiros produtos e servios to bons, ou mesmo melhores,que aqueles que seriam produzidos por seus prprios empregados.

    Assim, liberando os empregados de trabalhar para o empregador, esse deixade assumir custos com o prprio local de trabalho, que envolve crescentes valoresdecorrentes da valorizao dos imveis. E o contrato celebrado com o fornecedorterceirizado garante a qualidade e tempestividade da entrega do objeto do contrato.Dito de outro modo, o contrato jurdico e a informtica permitem ao capitalistadispensar o trabalho que at ento era realizado sob sua viso e controle, sendo quedoravante este poder ser realizado em qualquer local do planeta.

    Mais que importante alterao com relao ao local onde o trabalho realizado, nos dias atuais, cada vez menos se contrata o trabalho humano, e mais sebusca to-somente o seu resultado.

    CAUSAS DA TERCEIRIZAO

    Uma anlise rpida das origens do direito do trabalho nos mostra que o mesmosurge no incio do sculo XX de forma mais ampla, sendo que os direitos trabalhistasmais se desenvolveram no perodo compreendido entre o ps-II Guerra e o fim dosanos 70. Foi a que, no mundo ocidental capitalista, a economia viveu seus 30Anos Gloriosos, num crculo virtuoso que aliava o crescimento econmico com oincremento do Estado do Bem-Estar Social, no s nos pases centrais quanto nosda periferia. Alis, no so poucos os autores que defendem a idia de que os direitosdos trabalhadores s se desenvolveram no ps-guerra para fazer frente s promessasdo comunismo, j instalado na extinta Unio Sovitica desde 1917; desaparecendoa utopia do socialismo, desapareceu a necessidade de se mimar os trabalhadores,comeando o ataque desenfreado s suas conquistas quase que simultaneamentecom a paradigmtica queda do Muro de Berlim.

    De qualquer forma, nesse cenrio econmico caracterizado por forte cresci-mento econmico (os citados 30 Anos Gloriosos), e dentro de uma viso microeco-nmica, as empresas no tm tanta preocupao com relao aos seus custos, vistoque esto mais interessadas em ampliar seus mercados, dentro e fora do pas. Oslucros gerados por esse aumento nas vendas compensam eventuais perdas com custosdesnecessrios. A organizao do trabalho, nessa poca, se fundava no padrofordista, verticalizado, onde a maioria das atividades necessrias realizada dentroda prpria empresa (includas a suas filiais ou empresas coligadas).

    Quando na dcada de 70 ocorre a crise do petrleo (embora a crise econmicamundial no tenha sido causada apenas pela subida dos preos desta commodittypelos pases produtores), a oportunidade de ganho pela ampliao de mercadosdesaparece, e as empresas passam a ter de alterar seu modo de administrao, tendoagora uma grande preocupao com seus custos de fabricao e de funcionamento.

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    Essa nova realidade administrativa fez com que as empresas alterassem omodo de organizao do trabalho,4 pelo que adotaram o mtodo toyotista deproduo, segundo o qual a verticalizao da produo passou a ser substitudapela horizontalizao da mesma, criando uma rede de produtores e fornecedores.

    Com esse sistema, as empresas no mais precisariam se preocupar tanto comos detalhes de produo de suas matrias-primas ou itens utilizados nas suas linhasde produo, pois que essa preocupao seria transferida ao seu fornecedor. Assim,por exemplo, a administrao de uma indstria no precisaria se preocupar com asvariaes de seus estoques, pois que poderia comprar de seu fornecedor apenasaquilo que ela necessitasse para o atendimento de seus pedidos em carteira. Ou seja,deixam de se preocupar com as oscilaes da demanda. A reduo ou mesmoeliminao de estoques reduz os custos com capital imobilizado.

    Deve-se atentar para o fato de que a aquisio de insumos junto a terceirossempre existiu, mesmo poca do fordismo, afinal, no era comum que uma indstriaautomobilstica, por exemplo, produzisse os pneus e os vidros utilizados em seuscarros. O que se alterou foi que, dentro da nova tcnica de administrao dasempresas, a delegao a terceiros da responsabilidade pela produo de um ou maisitens necessrios ao seu funcionamento se tornou hegemnica, comum.

    Nesse sentido, estudiosos do setor automotivo demonstram que, nas indstriasmais avanadas, a quase totalidade da produo, atualmente, est delegada a terceiros,para no dizer a prpria montagem, cabendo montadora propriamente dita apenasos setores de marketing, projetos e financeiro.

    Mas, diferentemente do que entendem muitos, a terceirizao no visa a espe-cializao ou qualificao dos bens ou produtos oferecidos isso j exigvel em facedo contrato celebrado entre comprador e fornecedor. A vantagem da terceirizao queas oscilaes na demanda por produtos ou servios no ser mais arcada pelo tomador,mas sim por quem fornece, de forma terceirizada, os bens ou servios.

    O desenvolvimento de produtos muito custoso, s sendo vivel s grandesempresas, o que leva muitas a simplesmente copiar o que j se desenvolveu. Parafugir dessa concorrncia desleal, as empresas lderes esto sempre sucateando seusprodutos, colocando outros novos no mercado, mais sofisticados, tendo apropaganda comercial o papel de induzir ao consumo desses mesmos bens.

    Ou seja, a rapidez exigida para a colocao de um produto no mercado e acurta vida til do mesmo demanda dos produtores uma flexibilidade mpar que omodelo anterior de organizao do trabalho jamais poderia garantir. Assim, ocapitalista pode agora, quando necessitar, comprar o que e quanto quiser, enquantoisso lhe for interessante.

    Resumindo, mais importante que a especializao (com conseqente aumentode qualidade do produto) decorrente da produo em rede, ou horizontalizada, est

    4 Entendida aqui no como aquele prestado por um trabalhador a um capitalista, mas sim comoforma de organizar as suas atividades.

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    o benefcio para quem desse mtodo se utiliza de alcanar uma flexibilidade defornecimento, reduo ou mesmo a supresso de estoques e eliminao de gastoscom o local de trabalho. A vantagem da decorrente est em que os valores queseriam imobilizados em estoques e imveis poderem ser usados no desenvolvimentode outros produtos, repasse de dividendos aos acionistas ou, principalmente, suaaplicao no mercado de capitais.

    A TERCEIRIZAO DE SERVIOS

    Todo o raciocnio que at aqui se apresentou com relao terceirizao naproduo pode ser usado para a terceirizao de servios.

    Dentro do propsito de apenas adquirir aquilo que em dado momento sejanecessrio, as empresas passaram a terceirizar, tambm, os servios por elas utilizadosem suas atividades. Exemplo mais clssico dessa tendncia a contratao deempresas de fornecimento de alimentao, de prestao de servios de segurana emesmo de assessoria jurdica. Nesses casos no foram raras as contrataes dosprprios ex-empregados, agora na qualidade de empresrios da rea de servios.

    Se, para os tomadores dos servios terceirizados, a vantagem dessemecanismo est em livrarem eles da responsabilidade da administrao dos mesmos(j se fala h algum tempo em quarteirizao empresas que administram asempresas terceirizadas), para os fornecedores desses mesmos servios a liberdadede escolha pode no ser to ampla assim. Dito de outra forma, se para os quecontratam os servios terceirizados h uma vantagem financeira (caso contrriono o fariam), a opo pelo fornecimento desses mesmos servios pode no sefundar nessa mesma racionalidade, mas sim na pura e simples necessidade, porabsoluta falta de alternativa.

    Muitos estudiosos do direito se detm nessa realidade para combater aterceirizao, sem notar se tratar de uma nova e irrecusvel realidade econmica.Pretender que todo o trabalho seja realizado dentro e sob a responsabilidade e riscodo tomador dos servios pretender fazer girar ao contrrio a roda da histria. Nemse pode pretender que o retorno ao cenrio econmico vigente entre 1945 e 1970faria desaparecer essa tendncia, vez que, certamente, os ganhos decorrentes doaumento da produo seriam canalizados para o mercado financeiro, jamais paraarcar com os custos da internalizao de todo o espectro produtivo.

    J estamos, assim, h mais de 20 anos, dentro de um processo de mudanade paradigmas, que traz em si todas as dores sociais dele decorrentes. Os livros dehistria, alis, nos mostram que as mesmas dificuldades ocorreram com a substituiodo sistema feudal pelo capitalista, e dentro desse com o desaparecimento dos artesospara a hegemonia do trabalho assalariado.

    Dentro dessa condio ideal, a terceirizao nada tem de ilcito. Muito aocontrrio, encontra ela seu fundamento legal no arts. 170, pargrafo nico, daConstituio Federal e 594 do Cdigo Civil.

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    Mas, lamentavelmente, sobretudo em nosso Pas, a terceirizao de serviostem sido instrumento para se burlar direitos dos trabalhadores, o que gera a imperiosanecessidade de se diferenciar a terceirizao lcita da ilcita, bem como as hiptesesde responsabilizao, ou no, do tomador dos servios terceirizados.

    TERCEIRIZAO LCITA E ILCITA

    A doutrina mais autorizada costuma classificar a terceirizao como sendolcita ou ilcita, sendo que, na primeira, a terceirizao se daria nas atividades-meio,gerando a responsabilidade subsidiria do tomador por eventuais crditos dotrabalhador no saldados pelo fornecedor dos servios, e na segunda, a terceirizaoilcita, realizada nas atividades-fim, tornaria nulo o liame jurdico entre o trabalhadore o fornecedor de seus servios, gerando o vnculo empregatcio diretamente entreo trabalhador e o tomador de seus servios. esse o entendimento jurisprudencialcristalizado no Enunciado 331 do c. TST.

    Ocorre, porm, que na prtica muito difcil se diferenciar a atividade-meio daatividade-fim de uma empresa, a comear que o exerccio de uma atividade econmicatraz em si tantas atividades acessrias que, face sua relevncia, podem se confundircom a atividade principal. H ainda a questo de que, tendo o contrato social a funo defixar o objeto da pessoa jurdica, nem sempre ser ele claro nesse sentido.

    Na maioria dos casos, essa classificao chega a ser impossvel. Para exem-plificar, podemos pensar na movimentao de cargas dentro de uma fbrica de pneus:ser a atividade do emplilhadeirista uma atividade-meio (mas os pneus ou qualqueroutra mercadoria no circulam sozinhos dentro da empresa) ou fim (mas se tratade uma indstria de pneus, e no de uma empresa de prestao de servios demovimentao de carga)?

    Dada a impossibilidade de se limitar terceirizao de servios dentro deuma atividade econmica o seu uso tende ao infinito tem-se que o enquadramentode uma atividade como sendo meio ou fim impossvel, e ainda que no o fosse,seria insuficiente para caracteriz-la como lcita ou ilcita, com as conseqnciasjurdicas antes citadas e de todos j conhecidas.

    Alis, chama a ateno o fato de que o poder amplo que se d ao intrpreteda norma para classificar uma terceirizao como lcita ou ilcita, sem que o mesmotenha a mais simples noo ftica do que se trata, tem levado a situaes de extremainjustia, eis que a terceirizao de uma atividade-meio pode ser fraudulenta, e umarealizada na atividade-fim no o ser, partindo-se sempre do princpio (invivel) deque essa classificao seria possvel.

    No se pode presumir que toda e qualquer terceirizao seja ilcita. Trata-sede negcio jurdico e, desde que atendidos os requisitos legais de validade do contratocelebrado, vlida ela ser, mormente em face do disposto no art. 5, XXVI, daConstituio Federal, que garante o ato jurdico perfeito e os retrocitados arts. 170,pargrafo nico, da mesma Carta Maior e 594 do CCB.

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    Dentro do setor secundrio da economia atividade industrial no se temnotcia de fraudes aos trabalhadores em face de terceirizao realizada peloscapitalistas.5 A questo est, justamente, na terceirizao realizada no setor tercirio(prestao de servios) da economia, posto que envolve a contratao de trabalhohumano e no de produtos, como o caso da terceirizao no setor secundrio.Doravante ser considerado no presente trabalho a terceirizao na prestao deservios.

    De forma bastante sinttica, pode-se dizer que a terceirizao ilcita ocorrerquando o tomador, pretendendo reduzir custos e responsabilidades, contratartrabalhadores por empresa interposta (a marchandage do direito francs).

    Aqui duas observaes so oportunas. Primeira, o fato de pretender reduzircustos no traz em si qualquer ilegalidade, pelo contrrio, faz parte do mecanismode funcionamento do mercado dentro de um regime capitalista de produo. Muitosdoutrinadores, ao que parece, preocupados em dar uma aparncia menos materialistaa esse mecanismo de administrao, o justificam como sendo em busca de umaperfeioamento nos servios a serem prestados. Salvo melhor juzo, no h comodizer que o servio de vigilncia, limpeza etc. possa ser melhor realizado por umaempresa terceirizada do que por funcionrios da prpria tomadora. Muito aocontrrio! Segundo, no se pode crer que algum, deliberadamente, vise apenas eto-somente prejudicar seus empregados, sem se importar com os ganhos financeirosda advindos. O contrrio o que se d: em busca de ganhos financeiros desconsidera-se os direitos dos trabalhadores.

    Ocorre, porm, e em se pensando em atividades especficas, como serviosjurdicos, assessorias econmicas, servios e projetos de engenharia etc., estaespecializao efetivamente se faa presente. Mas a ter-se- o trato com profissionaisliberais que dificilmente pretenderiam ser empregados da tomadora. Inobstante ainexistncia de estatsticas a respeito, fato que o grosso dos processos deterceirizao e onde mais ocorrem violaes aos direitos dos trabalhadores sed nas terceirizaes de pouca especializao profissional dos trabalhadores.

    Feitas essas consideraes, e retornando j para a questo da terceirizaoilcita, decorrente da intermediao de mo-de-obra, a doutrina e a jurisprudnciaj solucionaram a questo, havendo, para tanto, previso legal especfica: para acaracterizao do vnculo empregatcio diretamente com o tomador, basta, na relaoftica existente, o preenchimento dos cinco requisitos previstos nos arts. 2 e 3 daCLT, quais sejam: ser o trabalhador pessoa fsica,6 exercendo seus servios com

    5 Para repetir o exemplo j dado anteriormente, seria aqui a hiptese de uma montadora de autom-veis terceirizar o fornecimento de pneus, vidros ou mesmo o sistema de transmisso dos veculospor ela produzidos.

    6 O simples fato de o trabalhador prestar servios atravs de uma pessoa jurdica, ainda que seja eleprprio o titular da mesma, no descaracterizar o vnculo empregatcio, desde que se verifique afraude no uso da mesma, aliada presena dos demais requisitos.

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    pessoalidade, subordinao, de forma no-eventual e mediante remunerao;presentes esses requisitos em sua totalidade, o disposto no art. 9 da CLT ser ofundamento jurdico para a declarao de nulidade do contrato formal de prestaode servios e declarao do vnculo empregatcio entre o trabalhador e o tomador.

    Os casos de terceirizao ilcita ocorrem com grande freqncia com aspseudocooperativas de prestao de servios, servios de segurana e vigilncia,sendo que os tribunais trabalhistas tm sido bastante rgidos na responsabilizaodos envolvidos, no raras vezes atingindo aspectos criminais.

    A RESPONSABILIDADE NA TERCEIRIZAO LCITA

    A terceirizao de servios, como espcie de ato jurdico que , gera aoscontratantes direitos e obrigaes. Em especial aos tomadores dos servios gera,tambm, responsabilidades.

    Na terceirizao lcita, verifica-se uma relao jurdica entre o trabalhador e aempresa que o contrata a fornecedora dos servios , relao essa, normalmente denatureza trabalhista. H, ainda, a relao entre essa empresa fornecedora dos serviose aquela que a contrata a tomadora dos servios , relao essa, de natureza comercial.

    Na relao entre o trabalhador e a empresa fornecedora de seus servios,aplicam-se as normas heternomas e autnomas que regem as relaes empregatcias.Ou seja, enquanto empregadora, essa empresa deve se responsabilizar pelocumprimento de todas as suas obrigaes decorrentes da relao empregatcia havidacom o trabalhador.

    No que se refere relao entre a fornecedora e a tomadora dos servios, osdireitos e as obrigaes das partes contratantes decorrero das disposies contratuaise das disposies legais aplicveis a essa mesma relao contratual.

    Mas haver alguma responsabilidade do tomador dos servios para com otrabalhador, vez que entre eles no h uma relao contratual direta, mas intermediadapela fornecedora dos servios?

    sabido que, no direito ptrio, no h regulamentao jurdica especficasobre a terceirizao. O que h, em verdade, so construes doutrinrias ejurisprudenciais sobre o assunto, vigendo, na atualidade, o Enunciado n 331 docol. TST, que, em seu item IV, dispe, verbis:

    O inadimplemento das obrigaes trabalhistas por parte do empre-gador, implica a responsabilidade subsidiria do tomador dos servios, quantoquelas obrigaes, inclusive quanto aos rgos da administrao direta,das autarquias, das fundaes pblicas, das empresas pblicas e dassociedades de economia mista, desde que hajam participado da relaoprocessual e constem tambm do ttulo executivo judicial.

    Dado que, em face do disposto no art. 5, II, da Constituio Federal, talenunciado no gera qualquer obrigao direta, mas sinaliza o entendimento

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    jurisprudencial dominante,7 de se indagar qual seria o fundamento jurdico para aresponsabilizao subsidiria do tomador dos servios em face de eventuais crditosdo empregado no saldados pelo fornecedor dos servios. E a resposta se encontrano art. 186 do Cdigo Civil, que dispe: Aquele que, por ao ou omisso voluntria,negligncia ou imprudncia, violar direito e causar dano a outrem, ainda queexclusivamente moral, comete ato ilcito. E do ato ilcito surge a obrigao deindenizar o ofendido, conforme disposio do art. 927 do mesmo Cdigo Civil.

    Mas aqui se deve retornar questo inicialmente posta: de onde surge aresponsabilidade do tomador? Pratica ele ato ilcito ao celebrar um contrato denatureza comercial com a empresa fornecedora de servios?

    Mais ainda, a doutrina e a jurisprudncia costumam fundar a responsabilidadenas culpas in eligendo e in vigilando do tomador dos servios, partindo-se dopressuposto que agiu ele com culpa ao contratar a empresa fornecedora dos serviosque violou os direitos dos trabalhadores (culpa in eligendo) e por no fiscalizar ocumprimento das obrigaes trabalhistas daquela para com esses (culpa in vigilando).Contra esses argumentos, e mais especificamente contra a alegada culpa in eligendo,poderia ser considerado que, dentro de um regime capitalista, bvio que a tomadorair contratar os servios da empresa que oferecer melhores preos e condies,afinal, essa a finalidade maior da terceirizao, como anteriormente j analisado.Nada h de ilegal na contratao de quem oferea um determinado bem ou servionas melhores condies, dentro de um regime de concorrncia, fato alis comumem nosso dia-a-dia enquanto consumidores!

    Contra a culpa in vigilando, caberia o argumento segundo o qual a tomadorados servios no tem competncia fiscalizatria, no pode exigir da fornecedora, aqualquer tempo, a exibio de seus livros e registros fiscais, pois que tal competncias dada s autoridades estatais. E se essas no constataram, em tempo, odescumprimento das obrigaes da fornecedora para com o trabalhador, como exig-lo da tomadora? Como ento fundar a responsabilidade da tomadora em elementosdos quais ela no pode se utilizar? No seria, ento, o Estado o efetivo responsvelpelos atos da fornecedora?

    Tais contradies so apenas aparentes e no se sustentam a uma anlisemais cuidadosa das relaes havidas entre as partes.

    Em primeiro lugar, h de se considerar o aspecto teleolgico do direito dotrabalho, que tem em vista, sempre, a melhoria das condies de trabalho dostrabalhadores (Constituio Federal, 7, in fine).

    Mas importa, especialmente questo ora posta, o disposto no art. 421 doCdigo Civil, segundo o qual: A liberdade de contratar ser exercida em razo enos limites da funo social do contrato (grifo nosso).

    7 No se pretende minimizar o papel de fonte de direito das smulas de jurisprudncia, mas apenas consi-derar a necessidade de fundamentao jurdica especfica da responsabilidade subsidiria nos casos deterceirizao em vista do Princpio da Legalidade previsto no citado art. 5, II, da Constituio Federal.

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    Quer dizer, se dentro do aspecto organizacional de sua empresa pode otomador de servios decidir, ou no, pela contratao de empresas de prestao deservios para o desempenho de atividades que, de outra forma, seriam de sua prpriaresponsabilidade, dever ele ter em mente no s o aspecto econmico a envolvido,mas tambm os aspectos sociais relacionados a essa operao.

    Nesse sentido, necessrio se abordar novamente os elementos que a doutrinae a jurisprudncia utilizam para a responsabilizao do tomador pelos crditostrabalhistas do trabalhador no saldados pela fornecedora de seus servios, quaissejam, as culpas in eligendo e in vigilando.

    No que se refere primeira delas culpa in eligendo , interessante seretomar s consideraes de ordem microeconmicas, mais precisamente questodo acesso s informaes. A capacidade e a facilidade do capitalista s informaesnecessrias ao desenvolvimento de suas atividades (custos, encargos fiscais, preospraticados pela concorrncia etc.) so consideradas como instrumentos de suaatuao. Quanto maior o acesso s informaes relativas ao seu negcio, maior apossibilidade de o empresrio ser bem sucedido em relao aos concorrentes queno tenham acesso s mesmas.

    E se, para contratarem, o tomador e o fornecedor podem e devem lanar moda busca do maior nmero de informaes acerca de seu futuro parceiro contratual,em relao aos trabalhadores, tal no se d. Na terceirizao de servios, sobretudonaquelas em que ocorrem os maiores casos de violao a direitos trabalhistas, osempregados costumam ser de baixa qualificao e pouca instruo, o que, aliado aoseu grau de necessidade de obterem uma fonte de renda, torna invivel se esperardos mesmos qualquer considerao dessa natureza a respeito de quem os contrata.Mais que isso, no se pode esperar dos trabalhadores uma preocupao quanto higidez financeira de quem os pretende contratar, quando se sabe do grave quadrode desemprego que assola nosso Pas.

    Pois bem, no que se refere capacidade de obteno de informaes, indiscutvel que o tomador de servios terceirizados pode, e deveria, serextremamente criterioso ao contratar uma empresa fornecedora de serviosterceirizados. No se trata apenas de pesquisar perante as juntas comerciais os dadosrelativos fornecedora, ou mesmo os servios de proteo ao crdito ou banco dedados dos tribunais trabalhistas sobre o nmero de demandas em que aquela figuracomo r, mas, tambm, de consideraes de ordem matemtica-financeira, querdizer, analisar se os preos cobrados pela empresa fornecedora de servios sosuficientes para o pagamento dos salrios dos trabalhadores que sero postos a seuservio, acrescido dos encargos sociais e lucro dessa.

    Dito de outra forma, pode o tomador apurar, face aos salrios mdiospraticados no mercado aos trabalhadores que exercem os servios disponibilizadospela empresa fornecedora, se essa ter como arcar com os salrios, encargos fiscaise previdencirios sobre o mesmo incidentes, os encargos tributrios decorrentes doexerccio da atividade da fornecedora, bem como sua eventual margem de lucro.Com essas consideraes simples, de ordem mesmo matemtica, saber o tomador

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    se a empresa fornecedora de servios terceirizados cumpridora de suas obrigaesfrente aos seus empregados e o Fisco, ou no.

    Como se diz popularmente, ningum faz milagre, ou quando a esmola muita, o santo deve desconfiar. Dessa forma, se as contas no fecharem, dever otomador evitar a contratao, pois que ali se tem fortes indcios de violaes adireitos de terceiros perpretados pela fornecedora, com os quais a tomadora nopode compactuar.

    Assim, reside a a eventual culpa in eligendo do tomador dos serviosterceirizados.

    Por sua vez, e no que se refere culpa in vigilando da tomadora, de se verque, em mbito contratual, poder ela verificar se os clculos aproximados procedidospara a iseno de sua culpa in eligendo esto se realizando na prtica. Para tanto, interessante que faa constar no contrato a ser celebrado com a fornecedora deservios a obrigatoriedade de essa fornecer mensalmente, sob condio de no-pagamento do preo acordado, a relao dos empregados que lhe tenham prestadoservios, os cartes de ponto e recibos de pagamento de salrios dos mesmos, almdas guias de recolhimento de FGTS, INSS e demais encargos e obrigaestrabalhistas exigveis daquela.

    importante neste ponto recordar que, na maior parte das vezes, ascondenaes atribudas s tomadoras de servios terceirizados grande porque emaudincia se deu a revelia da fornecedora dos servios, e no tem a tomadora apossibilidade de comprovao de cumprimento de parte das obrigaes por partedaquela.

    Se a tomadora condiciona o pagamento pelos servios prestados entregaem cpia simples desses documentos, e, efetivamente, tal ocorrendo, no se poderatribuir mesma a culpa in vigilando decorrente da relao contratual havida coma empresa de servios terceirizados, sem, com isso, caracterizar-se exerccio defunes estatais.

    A TERCEIRIZAO TRABALHISTA E A RELAO PROCESSUAL

    Se tudo o que se exps at aqui tem natureza de direito material, de seanalisar, tambm, quando, nas situaes de terceirizao, ocorrem conflitos deinteresses que sejam submetidos ao Judicirio Trabalhista.

    Nesse aspecto, ser necessrio, antes de mais nada, verificar se trata-se deterceirizao lcita ou ilcita, ou seja, se ser discutida a responsabilidade subsidiriado tomador ou, no caso da terceirizao ilcita, o vnculo empregatcio direto entreesse e o trabalhador.

    Assim, quando se constatar que, em verdade, o trabalhador era empregadodo tomador de seus servios, eis que presentes os requisitos para a caracterizaodesse vnculo (subordinao, onerosidade, no-eventualidade e principalmente apessoalidade), dever-se- postular a nulidade do contrato de trabalho entre o

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    trabalhador e a empresa fornecedora de mo de obra, ante o disposto no art. 9 daCLT, e a declarao do vnculo empregatcio entre o agora reclamante e a reclamada-tomadora dos servios. Poder a fornecedora de mo-de-obra (formal empregadorado trabalhador) constar tambm do plo passivo do feito para que no se alegue,posteriormente, cerceamento de defesa, embora a discusso principal seja,efetivamente, entre o trabalhador e a tomadora, bem como para que no surjamincidentes frente a eventual pedido de interveno de terceiros a ser solicitado pelatomadora. O melhor, todavia, que se apresentem pedidos sucessivos, o primeiro,postulado o vnculo empregatcio diretamente com a tomadora; caso o mesmo sejajulgado improcedente, postulam-se a condenao da prestadora de servios e aresponsabilidade subsidiria da tomadora.

    Por sua vez, se no caracterizado o vnculo empregatcio entre a tomadora eo trabalhador, eis que a terceirizao foi lcita, devero ambas as empresas figurarno plo passivo do feito, a fornecedora de mo-de-obra como devedora principal ea tomadora como subsidiria. E como h a possibilidade de o trabalhador prestarservios para vrios tomadores, dever se atentar para o arrolamento de todos ostomadores, especificando cuidadosamente o perodo trabalhado para cada um deles,vez que a eventual responsabilidade subsidiria ser restringida ao perodo em queo reclamante para cada uma trabalhou.

    Expostos os fatos, dever se postular, no rol de pedidos, a condenao dareclamada fornecedora no pagamento das verbas postuladas e a responsabilidadesubsidiria da tomadora caso aquela se mostre inadimplente quanto aos direitos doreclamante.

    Caso uma ou mais tomadoras negue o trabalho do reclamante no perodocitado na exordial, caber a esse provar ter laborado para a mesma, caso contrrio,ser da reclamada o nus de provar que todos os direitos do reclamante foramquitados poca em que o mesmo para ela trabalhou da a importncia do quantose disse a respeito da exigncia contratual de fornecimento pela fornecedora tomadora dos documentos comprobatrios.

    de se notar que, ante eventual alegao da tomadora de total quitao dosdireitos do reclamante o que transmitiria a esse o nus probatrio , pode o juizdevolver o nus probatrio reclamada ante o disposto no art. 6 do Cdigo deDefesa do Consumidor, aplicvel subsidiariamente ao processo do trabalho ante apreviso do art. 769 da CLT.

    Por sua vez, comprovado que o reclamante trabalhou para a tomadora noperodo declinado na petio inicial, a responsabilidade subsidiria se restringe aesse perodo, no se podendo responsabiliz-la pelo que venha a ocorrer na relaofornecedora-trabalhador aps a resciso contratual entre aquela e a tomadora. Ditode outra forma, a responsabilidade subsidiria da tomadora da mo de obra serestringe ao perodo em que manteve relao contratual com a fornecedora. Se algumempregado dessa vier a ser dispensado nesse perodo, s haver responsabilidadedaquela se o trabalhador tiver para ela trabalhado. Por sua vez, se, aps rescindidoo contrato entre as empresas, vier a fornecedora algum tempo depois a falir, no

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    poder a tomadora ser responsabilizada pelas verbas rescisrias dos trabalhadores,ainda que tenham trabalhado para a tomadora, vez que nesse momento no tem elaqualquer responsabilidade para com a fornecedora ou com o trabalhador.

    Com relao falncia da fornecedora de servios terceirizados (terceirizaolcita), tem-se que a responsabilizao da tomadora, de natureza subsidiria, dependerda extino do processo falimentar sem a quitao dos direitos do trabalhador, salvose se tratar de fornecimento de trabalho temporrio, regulado pela Lei n 6.019/74,quando a responsabilidade da tomadora ser solidria com a fornecedora, ante odisposto no art. 16 da mesma. Discordamos, assim, dos que fazem aplicao analgicado referido artigo para os casos em que a prestao de servios no tem cartertemporrio, mas por tempo indeterminado, por falta de previso legal especfica.

    No que diz respeito contestao das rs, h de se atentar para a natureza dopedido formulado na inicial. Assim, se o autor considera que a terceirizao foiilcita e postula o reconhecimento do vnculo empregatcio diretamente com atomadora, dever essa, a par de eventuais questes preliminares, de naturezaprocessual, discutir o mrito do feito, ou seja, a inexistncia do vnculo empregatciopretendido, demonstrando que no se encontram presentes um ou mais dos requisitosdos arts. 2 e 3 da CLT.

    Mas, se o autor entende lcita a terceirizao, fazendo figurar no plo passivodo feito ambas as empresas envolvidas fornecedora e tomadora da mo de obra ,dever a primeira discutir o mrito dos pedidos, impugnando-os, se for o caso, aopasso que segunda caber discutir a sua responsabilidade, principalmente comrelao ao perodo em que o reclamante eventualmente tenha de forma efetivatrabalhado para ela.

    Em audincia, dever a tomadora, quando demandada na qualidade desubsidiariamente responsvel, fazer provas quanto ao trabalho prestado pelotrabalhador a ela, ainda que tenha havido a revelia da primeira reclamada/fornecedorade servios. Afinal, a confisso ficta abrange to-somente a empresa revel, e noaquela que, se fizer presente e apresentar sua defesa. Note-se, neste ponto, que empossuindo a tomadora os documentos relativos relao entre fornecedora etrabalhador/reclamante, poder fazer prova da quitao de verbas eventualmentepagas, bem como fazer instruo acerca das matrias fticas cabveis, dado que seuinteresse processual repousa na possibilidade de se ver condenada por conta darevelia da fornecedora.

    Por fim, a execuo da empresa tomadora que, na sentena trnsita, teve asua responsabilidade subsidiria declarada s poder ocorrer aps a certido deinexistncia de bens executveis da fornecedora dos servios, pois que s a iniciaa sua responsabilidade.

    CONCLUSO

    Muitas das dificuldades encontradas atualmente pelos operadores do direitodo trabalho se fundam na incapacidade dos mesmos de compreenderem a nova

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    realidade que esse ramo jurdico visa a regular. Buscam o uso de tipos jurdicos aosquais os fatos j no mais se subsumem.

    A terceirizao, enquanto modelo de organizao do trabalho num regimecapitalista de produo, fenmeno atual e irreversvel, e sua utilizao, que j grande, tende certamente a aumentar, no Brasil e no mundo. Alis, muito do que sediz acerca da globalizao tem a ver, em parte, com o fenmeno de se delegar aterceiros a realizao de atividades que outrora eram realizadas pela prpria empresaterceirizante.

    Se, de um lado, a demanda por servios terceirizados promovida porempresas mdias e grandes que optam por dispensar seus empregados para delegara terceiros (quando no estes mesmos empregados, agora na qualidade deempresrios) a realizao de suas atividades, a oferta por servios terceirizados,muitas vezes, garantida pelo enorme nmero de trabalhadores dispensados, criandoum crculo nem sempre virtuoso.

    Levados os conflitos de interesses arbitragem estatal, devero os operadoresjurdicos bem tipificarem a relao ftica havida: verdadeira relao de empregomaquiada de terceirizao, que levar a caracterizao do vnculo empregatcioentre o tomador e o trabalhador, ou tpica situao de terceirizao de mo-de-obra,quando surgir para o tomador a responsabilidade subsidiria pelos crditos devidosquele que lhe prestou servios, no saldados pela fornecedora desses mesmosservios.

    Na relao processual, dever-se- atentar para o tipo de tutela pretendida declarao do vnculo empregatcio diretamente entre tomador e trabalhador oucondenao da fornecedora de mo-de-obra pelos crditos de seu empregado, comresponsabilidade subsidiria da tomadora, a qual se restringir ao perodo em quehouve relao jurdica entre elas, e desde que o empregado tenha prestado serviospara essa tomadora.

    H de se ter em mente que a terceirizao no , per si, ilegal, como no sepode pretender que o tomador ou fornecedor da mo-de-obra terceirizada estarsempre visando a prejudicar os trabalhadores. Trata-se de nova forma de organizaoempresarial, sendo que, no mais das vezes, o fornecedor da mo-de-obra um ex-empregado que, dispensado, nada mais tinha a oferecer ao mercado que seu trabalho,agora organizado numa empresa de trabalho terceirizado.

    Verifica-se, assim, que muito grande a responsabilidade do operador dodireito no trato dessa matria, pois que o descuido na anlise da situao ftica quelhe for eventualmente apresentada poder, com grande facilidade, criar grandesinjustias ou mesmo inviabilizar o sustento de inmeras famlias, num mundo ondeo trabalho tende a ser cada vez menos necessrio.

    Por seu lado, os que tomam servios de mo-de-obra terceirizada devem terem mente que o contrato a ser celebrado no envolve apenas seus interesses e daempresa fornecedora, mas tambm traz consigo o sustento de muitas pessoas, da anoo que se deve ter de carter social do contrato. Se lcito que busque sempre o

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    incremento de seus ganhos, dever atentar para que, para obt-lo, outros no sejamprejudicados. E, para tanto, poder lanar mo de instrumentos j hoje plenamenteacessveis, sob pena de responder por eventual inadimplncia dos fornecedores deservios.

    E, para concluir, devero os operadores do direito do trabalho buscarcompreender cada vez mais a realidade ftica na qual o trabalho se desenvolve,deixando de lado seus conceitos prvios, suas convices e suas ideologias paraentender o modus operandi vigente, para s ento tipific-lo como lcito ou ilcito,buscando a responsabilizao no segundo caso, tudo para que, mais que a meraaplicao do direito, se faa a verdadeira Justia.

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