II Encontro Nacional da Rede Alfredo de CarvalhoFlorianópolis, de 15 a 17 de abril de 2004
GT História da Mídia SonoraCoordenação: Prof. Ana Baum (UFF)
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Participar do ‘Clube do Guri’ era como hoje aparecer na televisão”: um estudo sobre a
programação infantil no rádio gaúcho (1950-1966).
Marta Adriana Schmitt1
Resumo
Embora hoje haja uma diversidade de mídias disponíveis, o rádio, pela facilidade de acesso e transporte, nos seus 80 anos de existência no Brasil, continua sendo o maior meio de comunicação no país, estabelecendo-se como um forte parâmetro musical, formador de opinião, hábito, gosto e comportamento. Entre os temas mais debatidos na atualidade estão o resgate e a preservação da memória deste veículo, pois o rádio brasileiro ainda não apresenta um amplo levantamento da sua trajetória. O presente trabalho tem como objetivo registrar um dos maiores fenômenos do Rádio Gaúcho, o programa Clube do Guri, que era realizado semanalmente, na Rádio Farroupilha, em Porto Alegre, RS, entre os anos de 1950 e 1966. Este estudo utiliza o método de pesquisa histórica, tendo como técnicas metodológicas, a entrevista semi-estruturada e a prática documental. O interesse deste projeto está em resgatar a história deste programa, contribuindo para a realização de um panorama mais completo da história do rádio no Brasil.
Palavras-chave: rádio, mídia sonora, história, Clube do Guri,
Este estudo trata sobre um dos fenômenos do rádio gaúcho das décadas de 50 e 60, o Clube
do Guri, programa infantil comandado por Ary Rego, que era realizado semanalmente na Rádio
Farroupilha, em Porto Alegre, entre os anos de 1950 e 1966. O trabalho integra um projeto de
pesquisa em desenvolvimento no Programa de Pós-Graduação em Música da Universidade Federal
Do Rio Grande do Sul2. O Clube do Guri é freqüentemente associado à trajetória de Elis Regina,
pois foi neste programa, que a artista, na infância, cantou pela primeira vez no rádio. Além de Elis
Regina, muitos outros profissionais tem seu nome ligado ao programa, além de incontáveis jovens e
crianças que se apresentaram durante os 16 anos que o programa permaneceu no ar.
O interesse deste texto está resgatar a história do Clube do Guri, descrevendo a trajetória do
programa, abordando sua origem, estrutura e formato, sua temática, identificando a emissora, a
equipe de trabalho, o patrocínio, a repercussão no interior do estado, a realização de concursos,
além de responder questões relativas aos participantes.
Nos últimos anos, vários trabalhos vem sendo desenvolvidos a fim de realizar um panorama
sobre a história do rádio no Brasil. Segundo uma análise feita por Del Bianco e Zuculoto (1997),
sobre trabalhos acadêmicos apresentados no Grupo de Trabalho (GT) de Rádio da Intercom até o
1 -Mestranda do curso de Pós-Graduação em Música da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
2 Dissertação de Mestrado intitulada “Programa de Rádio Clube do Guri: uma história das idéias e das práticas pedagógico-musicais (1950-1966), sob orientação da profª. Drª. Jusamara Souza.
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ano de 1996, “as pesquisas, relatos de experiências, artigos e ensaios produzidos pelos
pesquisadores construíram um panorama significativo da condição do rádio, ressaltando, sobretudo,
a influência, o poder e a importância social e política que o meio adquiriu no país desde a fundação
da primeira emissora em 1923” (Del Bianco e Zuculoto apud Zuculoto, 1998, p.2). Del Bianco e
Zuculoto complementam ainda que “no seu conjunto, essa produção é incipiente, revela apenas
parte da história e das relações e de poder que giram em torno do rádio” (ibid, p.2). Quanto à
história do rádio em Porto Alegre, são vários os textos produzidos, embora sejam poucos os
registros sobre a produção radiofônica para crianças. Algumas referências sobre o Clube do Guri
podem ser encontradas em Dillenburg (1990), Faria (2001) e Haussen (1988).
Esta investigação utiliza o método de pesquisa histórica. No estudo histórico, o pesquisador
examina uma determinada realidade em um tempo delimitado e em um lugar preciso, necessitando
delimitar no tempo e no espaço o objeto do seu estudo (Borges, 1993). Realizar um estudo histórico
não significa apenas levantar dados e fatos, mas sim desvendar e organizar as possíveis relações
entre os mesmos. “A história, como toda forma de conhecimento, procura desvendar, revelar,
sistematizar relações desconhecidas, não claras” (Borges, 1993, p. 65-66). No estudo histórico é
necessário que o pesquisador faça uma seleção das fontes mais significativas que fornecerão os
dados referentes ao seu objeto de estudo. Para Borges (1993):
A diversidade dos testemunhos do passado é muito grande. Tudo quanto se diz ou se escreve, tudo quanto se produz e se fabrica pode ser um documento histórico (...) As fontes ou documentos não são um espelho fiel da realidade, mas são sempre a representação de parte ou momentos particulares do objeto em questão. Uma fonte representa muitas vezes um testemunho, a fala de um agente, de um sujeito histórico; devem ser sempre analisadas como tal (Borges, 1993, p.61).
São muitas as fontes disponíveis para a reconstrução e a análise do objeto de estudo. Uma
fonte de pesquisa bastante relevante é a fonte oral. Segundo Nabão (2000), as novas concepções
metodológicas da pesquisa histórica têm valorizado a utilização da fonte oral. De acordo ainda com
a autora, “a fonte oral impõem-se como primordial, pois só através dela é que estamos podendo
conhecer trajetórias, sonhos, desejos, aspirações, crenças, lembranças do passado” (Nabão, 2000,
p.123). As técnicas metodológicas empregadas no presente estudo são a entrevista semi-estruturada
e a prática documental realizada através do contato com os acervos documentais. A prática
documental é uma das atividades compreendidas na coleta de dados. Como explica Félix (1998), a
prática documental “é o momento da localização dos acervos – da identificação, catalogação e
seleção, da produção de instrumentos de pesquisa ou da seleção de quais utilizar e da atividade de
fichamento e registro dos dados obtidos” (Félix, 1998, p.91-92).
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As fontes selecionadas para a realização do presente projeto são fontes orais e escritas.
Entre as fontes orais, estão entrevistas gravadas com o apresentador do programa, o radialista Ary
Rego, com a colaboradora Daisy Rego e com 5 participantes que atuaram no programa: Darcílio
Messias, Armando Burd, Maria Helena Andrade, Cleonice Schaefer e Roberto Gianboni. Os
participantes foram localizados através de uma rede de informações a partir das entrevistas com o
apresentador do programa e através da pesquisa em jornais e sites. Dentre as fontes escritas estão
documentos como jornais e revistas presentes em arquivos particulares e públicos. As fotografias
também são consideradas como fontes.
A História do Clube do Guri: origens, emissora, patrocínio e equipe de trabalho
O Clube do Guri surgiu a partir de um programa já existente em São Paulo. De acordo com
Haussen (1988), “sua origem foi no programa Clube do Papai Noel, apresentado anteriormente,
durante seis meses por Ary Rego, patrocinado pelos produtos Vicmaltema. Este programa era
baseado nos apresentados pela rádios Tupi e Tamoio de São Paulo, com o mesmo nome” (Haussen,
1988, p.55). A idéia do programa foi apresentada pelo “agente de anúncios” Júlio Rosemberg à
Rádio Farroupilha, a qual designou o então locutor da emissora, Ary Rego para comandar o
programa. Como recorda Ary Rego:
O Rosenberg trouxe de São Paulo um patrocínio pra fazer um programa infantil, patrocínio esse que era de um produto, um achocolatado, tipo toddy, tinha o nome de vicmaltema (...) e no fim eu fiquei designado pela direção da rádio, porque o Rosenberg nessa época não era um radialista, ele não ia ao microfone ele era um publicitário, ele era um agente de anúncios, de publicidade. Então ele combinou com a direção da rádio, me indicaram, ele fez o contato comigo, tratamos de tudo e eu comecei a fazer um programa nos moldes do que veio a ser depois o Clube do Guri com o nome de Clube Papai Noel, para patrocínio desse Vicmaltema, lá de São Paulo (Ary Rego Nº1 p. 12).
O Clube do Papai Noel durou cerca de seis meses, indo ao ar por um curto período sem
patrocínio, apenas com anúncios da rádio, devido ao rompimento da empresa patrocinadora, a
“Vicmaltema”, com a emissora Farroupilha. Surgiu então um novo patrocinador, a Neugebauer, e o
programa passou a se chamar Clube do Guri, nome derivado de um dos produtos que a empresa
queria lançar, o Guri Vitaminado.
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O Clube do Guri ficou no ar durante 16 anos, de agosto de 1950 à julho de 19663, na
emissora Rádio Farroupilha, de Porto Alegre, a PRH-2. Conhecida como “A mais Potente”4, a
emissora era ouvida em todo o interior do Rio Grande do Sul, tendo um grande alcance, inclusive
em outros estados, com ouvintes-sócios do programa em Santa Catarina, Paraná e São Paulo. A
repercussão da sua programação era mais expressiva do que a das outras emissoras da época. Ary
Rego fala sobre o motivo de querer ir trabalhar na Farroupilha:
eu objetivava muito a Farroupilha, porque era uma emissora que já tinha, naquela ocasião, 50 kW de antena, muito ouvida em todo o interior do estado, na zona sul, né, e as outras duas, que eram a Difusora e a Gaúcha, a Difusora, hoje Bandeirantes, e a Gaúcha, que ainda é Gaúcha, tinha uma capacidade pequena de alcance. A difusora tinha 10 kW, perto dos 50 da Farroupilha, e a Gaúcha tinha 5 (Ary Rego Nº1 p. 8).
A qualidade e a potência da Rádio Farroupilha também era reconhecida pelos participantes
do programa Clube do Guri, “a Rádio Farroupilha era a rádio mais conceituada da época, tinha a
Rádio Gaúcha, também mas, a Rádio Farroupilha era mais, era mais, estava um pouquinho acima da
Rádio Gaúcha” (Darcílio Nº1 p.14), “a Rádio Farroupilha é um canhão, a Rádio Farroupilha tu
estava sempre ouvindo, todo o interior” (Maria Helena p. 6).
A Rádio Sociedade Farroupilha foi a primeira grande emissora do Rio Grande do Sul. Foi
fundada por Luiz e Antônio Flores da Cunha, em julho de 1935, tendo na direção, Arnaldo Ballvé.
Em 1943 ela foi vendida para os Diários e Emissoras Associados, de Francisco de Assis
Chateaubriand Bandeira de Melo, passando a ser dirigida por Manuel Braga Gastal (Ferraretto,
2000, p. 151-176). Conforme Ferraretto (2000),
A incorporação da Farroupilha aos Associados vai fazer com que a emissora lance, nos anos 40, as bases para que, na década seguintes, definam-se os contornos de uma indústria de produção de conteúdo voltada ao entretenimento e caracterizada por produtos de largo consumo, como as novelas radiofônicas, os programa de auditório e os humorísticos (Ferrareto, 2000, p. 178).
Na época do Clube do Guri, a Farroupilha, como outras emissoras, tinham um broadcasting,
de primeira, com orquestras, típicas, cantores e radioatores. “O ‘casting’ do rádio teatro tinha
cinqüenta elementos contratados. A rádio, tanto a Farroupilha, como a Gaúcha, principalmente eram
emissoras assim quase do nível da Rádio Nacional do Rio de Janeiro, em termos de elenco (Ary
3 Quanto à data inaugural do programa, existem divergências. Segundo Ary Rego, o programa começou no dia 28 de agosto de 1950. No Jornal Diário de Notícias de 28 de junho de 1950, na página 8, há uma matéria chamando para a estréia do Clube do Guri para ‘ o domingo próximo’, dia 02 de julho de 1950. Também no Diário de Notícias de 12 de julho, página 7, uma matéria a respeito do êxito absoluto da segunda audição do Clube do Guri.4 Inaugurada no dia 24 de julho de 1935, a Farroupilha contava com um transmissor de 25kW e o chamado canal exclusivo internacional, garantia de transmissões com propagação livre, mesmo em direção a outros países (Ferrareto, 2000, p.131).
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Rego Nº1 p.10). A realização do Clube do Guri era feita quase sempre no auditório da Rádio
Farroupilha, inicialmente na rua Duque de Caxias, nos altos do viaduto da Borges de Medeiros, e
depois de 1954, com o incêndio da sede da emissora, na rua Siqueira Campos, em frente à
“Paineira”. Nas datas festivas, aniversários e concursos, o programa se transferia para cinemas e
teatros de Porto Alegre, que comportavam um número maior de expectadores. O programa também
era realizado em clubes sociais, cinemas e auditórios de escolas. A partir do sétimo, oitavo ano do
programa, o Clube do Guri passou a realizar excursões ao interior do estado, sendo transmitido de
várias cidades, como Pelotas, Camaquã, Santa Cruz e Caxias do Sul.
O Clube do Guri era patrocinado pela Fábrica Neugebauer. A empresa fornecia os prêmios
que eram distribuídos para os participantes, brindes para o público que comparecia no auditório,
diplomas para os sócios do programa, cachês para as secretárias, confraternizações e festas nos
aniversários do programa, além da infraestrutura para as viagens ao interior do estado, realizadas
pelo elenco do Clube do Guri. Antes do Clube do Guri, a empresa nunca havia realizado algum tipo
de investimento no rádio. O Clube foi o primeiro, como conta Ary Rego:
Quando a Neugebauer procurou um veículo para fazer projeção dos seus programas, que não eram, nunca divulgados, até então não tinha saído uma frase de propaganda em rádio sob produto de Neugebauer de espécie nenhuma. Os alemães, tradicionais tinham certa reserva contra isso. Um mais moço, que era o seu Guido Albertini, um italianinho que veio da Itália prá ser uma espécie de gerente de promoções e tal é que os induziu a permitir aplicar uma verba, aí foi que nasceu o interesse da propaganda da Neugebauer e conseqüentemente nasceu o Clube do Guri (Ary Rego Nº2 com Dayse Rego p. 50-52).
De acordo com Haussen, durante o período dos anos 30 aos 60, época em que havia uma
programação significativa para crianças no rádio, a produção para esta faixa etária estava vinculada
à economia (Haussen, 1988, p. 36). A autora cita Milanesi, o qual afirma que “independente de uma
programação mais educativa ou menos educativa, mais ‘cultural’ ou menos ‘cultural’, o rádio,
enquanto a televisão não existia ou estava restrita a pequenos núcleos, foi antes de tudo, o veículo
principal de venda, ou seja, um estimulador da ampliação do mercado interno” (MILANESI apud
Haussen 1988). O nome da empresa estava sempre associado ao programa, seja através dos brindes
que eram os próprios produtos da Neugebauer, seja nos diplomas para os sócios, que traziam o
brazão da empresa. Eles também realizavam promoções para alavancar a venda dos produtos.
Participar do programa significava também consumir os produtos da Neugebauer, como
lembra Armando Burd: “por ter sido um assíduo freqüentador do programa o que me levou a ser
um consumidor do achocolatado Guri da Neugebauer, talvez eu tenha engordado um pouquinho
por isso” (Armando P.4). O Chocolate também era sinônimo de prestígio, de vitória, como recorda
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Maria Helena Andrade, pois “ganhávamos depois, muitas vezes o prêmio era aquele chocolate da
Neugebauer. E eu tenho até fotos com o bendito chocolate, porque era assim um troféu, chegar em
Porto Alegre e ganha no Clube do Guri, acompanhada por, ao piano, Ruy Silva, grande pianista
(...)” (Maria Helena p. 3). Depois de nove anos de contato com a Neugebauer, e após realizar uma
campanha publicitária para a empresa, Ary Rego passou a trabalhar três vezes por semana na
Neugebauer como uma espécie de gerente de propaganda e promoções. Foi nesta época que o nome
da empresa passou de Ernesto Neugebauer e Companhia prá Ernesto Neugebauer S/A.
Mas fui um relacionamento muito...muito...muito, muito, muito profundo com a firma Neugebauer, a família Neugebauer. O Albertini, um diretor que tinha, que era neto do fundador, apoiaram muito...tanto que durante 16 anos do programa (rindo) . foram quatro entidades sempre, conjuntas: O Animador, a mesma emissora, o mesmo pianista e o mesmo patrocinador. Isto tem algum significado (Ary Rego Nº2 com Dayse Rego p. 49-50).
O Clube do Guri contava com uma equipe de trabalho formada por vários profissionais: o
apresentador Ary Rego, o pianista Ruy Silva, os músicos do Regional da Rádio Farroupilha, as
secretárias, os locutores, os sonoplastas e os ajudantes, além do apoio de Dona Dayse Rego, esposa
do apresentador.
apresentador: “Tio Ary”
Além da apresentação, Ary Rego era responsável pela produção do programa. Era ele quem
escrevia os scripts, redigia a publicidade do patrocinador, “eu relacionava tudo, preparava tudo, era
o responsável pelo auditório da rádio, naquele horário de domingo, e tudo, era uma coisa só” (Ary
Rego Nº1 p. 13-14). Quando entrava em férias, Ary Rego era substituído por José D’Elia, um dos
locutores comerciais que atuavam no programa, “as crianças gostavam muito dele” (Ary Rego Nº2
com Dayse Rego p. 50), “adquiriu tanta familiaridade com o programa, que quando eu tirava férias,
no meses de janeiro ou fevereiro, ele ficava me substituindo, como apresentador também, chamava-
se José D’Elia” (Ary Rego Nº3 p. 17).
pianista: “um mago do piano”
O pianista do programa chamava-se Ruy Silva, que atuou durante os 16 anos do programa.
Ele era um dos pianistas da Rádio Farroupilha, atuava “na noite” de Porto Alegre, era o pianista da
Casa Beethoven5 e integrava a Orquestra Sinfônica de Porto Alegre6, como vários outros músicos e
maestros da rádio. Além de acompanhar os participantes no dia do programa, ele era responsável 5 informações prestadas pelos participantes do programa6 informações prestadas pelos participantes do programa
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pelo ensaio das crianças, realizando a preparação para a apresentação. As crianças já chegavam no
ensaio com a música escolhida, mas Ruy Silva auxiliava no sentido de conquistar uma boa
performance dos cantores e instrumentistas. Durante a coleta de dados, o pianista Ruy Silva foi
lembrado com muito orgulho e respeito pelos entrevistados: “era um espetáculo”, “exímio
professor”, “um mago do piano”, “uma pessoa maravilhosa”, “um artista do piano”. O professor
Ruy Silva, como era chamado, comandava a atuação musical no palco, liderando os músicos do
Regional e dando as entradas para as crianças, “(...) então as crianças sabiam, no momento que o
Ruy Silva olhava, eles entravam” (Ary Rego com Dayse Rego p. 46). Algumas crianças no dia da
apresentação saíam da tonalidade da música, e o pianista acompanhava as variações sem que elas
percebessem. Como lembra Ary Rego:
Assim mesmo, muitas vezes, muitas vezes não, poucas vezes, na hora de cantar, um ou outro (rindo), começava numa tonalidade, e de repente subia e baixava, e esse exímio professor que me acompanhava, professor Ruy Silva, pianista Ruy Silva, tinha o dom privilegiado de acompanhar a subida, a descida de tom, o guri, o menino ou a menina, nem sabia o que tinha acontecido, certo, nem sabiam, nem sabiam, subia, descia, tal, ele acompanhava, (rindo) mudando, tocando e mudando. Era um, era um mago do piano. Na verdade eram um... Ruy Silva o nome dele (Ary Rego Nº1 p. 16-17).
Eventualmente e quando entrava em férias, Ruy Silva era substituído por outros pianistas da
Rádio Farroupilha, como Aderbal D’Ávila7.
Secretárias: “coadjuvantes do programa” Havia quatro secretárias no Clube do Guri, sendo que cada uma delas era responsável por uma
das quatro turmas que integravam o programa. Cada domingo era uma turma diferente com sua
respectiva secretária. Houve períodos em que foram escolhidos secretários, que desempenhavam as
mesmas funções das secretárias. Elas funcionavam como apoio ao apresentador, desempenhando
tarefas como conduzir os participantes no palco, ajustar os microfones para os cantores, ler a
nominata dos sócios que escreviam para o programa e que estavam aniversariando naquela semana
do programa, dar recados, distribuir os brindes para os participantes, anunciar e apresentar alguns
cantores, acompanhar as excursões no interior do estado, enfim prestar uma assessoria ao
apresentador. “Eram as coadjuvantes”.
Regional da Rádio Farroupilha
Além do pianista, o acompanhamento musical era realizado pelo Regional de Vitor Abarno,
um Conjunto Regional da Rádio Farroupilha8, que era formado por instrumentos como flauta,
cavaquinho, violão, violão tenor, bateria, pandeiro. Entre os músicos que integravam o conjunto 7 informação prestada pelo apresentador do programa
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estavam o Vitor Abarno, também conhecido como Japonês, Plauto Cruz, Zico, Antoninho Maciel e
Zeno Ribeiro. Eram músicos conceituados, que atuavam em outros horários na rádio Farroupilha e
que não participavam do ensaio. No dia do programa, eles eram orientados pelo pianista Ruy Silva.
“esses aí (risada), era só dizer o tom, prá eles, não precisava nem o Rui tocar, era só dizer é fá
maior e eles tão tocando junto, porque eles tocavam juntos também” (Ary Rego com Dayse Rego p.
41).
locutores: “os moços da locução”
Havia um locutor todo o domingo, que tinha a função de anunciar a publicidade do
programa, “eu dava uma deixa prá ele, o locutor comercial entrava, e fazia a divulgação, a
propagada, publicidade” (Ary Rego Nº3 p. 18). Entre os locutores que participaram do Clube do
Guri estão Ernani Behs, Valter Ferreira, Euclides Prado, Enio Rochenbach, Zé D’Elia, “nomes que
se consagraram como locutores comerciais” (Ary Rego Nº1 p. 14).
“professora Dayse”
Dona Dayse Rego teve presença marcante na trajetória do programa Clube do Guri. Ela
estava sempre presente nos programas, atuando principalmente durante as excursões e nas
festividades do programa. Durante as viagens, auxiliava nos preparativos das apresentações,
ensaiando as crianças. Era com ela que muitas mães vinham conversar pedindo opiniões a respeito
da seleção de repertório. “Ah! Dona Dayse, ela está bem assim, muda a música, não muda...”, (Ary
Rego com Dayse Rego p.1-2).
sonoplastas:
Durante a veiculação do programa, a equipe contava com o apoio dos sonoplas da Rádio
Farroupilha, tais como Pedro Amaro, Victor Stolbe, Expedito Xavier. Eles tinham a tarefa de
controlar o som, baixando e aumentando o volume dos microfones. Ficavam na parte superior do
palco, numa espécie de aquário.
Um programa de calouros para crianças: temática e formatoO Clube do Guri era um programa de auditório, no qual participavam crianças entre 5 e 15
anos de idade. Era um programa musical, que consistia de apresentações de cantores,
instrumentistas, declamadores, dançarinos e locutores. “80% era canto, tinha declamação, tinha
8 Conjunto Regional é como se chamava os grupos que interpretavam música brasileira, especialmente chorinho “conjunto regional, de música regional na época, chamava música regional música popular brasileira” (ARY REGO Nº1 p. 19-20).
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algum fazendo teste prá locutor, mas não eram muitos não, não havia muito interesse.
Instrumentista, acordeon, piano, violino, violão, aquelas coisas assim, e balé” (Ary Rego Nº1 p.
25). Além de ser um programa de auditório e de tratar sobre música, outra característica do Clube
do Guri é que ele era realizado sempre ao vivo, “era ao vivo! Ah!, era ao vivo” (Ary Rego Nº1
p.21). O programa que deu origem ao Clube do Guri, o Clube do Papai Noel, já tinha estas
características. Ele foi o primeiro programa de auditório, de palco, com crianças participando e se
apresentando. Era uma espécie de programa de calouros-mirins. Ele inaugurou este tipo de
programação. Não havia nada nestes moldes, antes do Clube do Papai Noel no rádio gaúcho. Ary
Rego e Dayse Rego registram este dado:
Dayse: Eu tenho a impressão que um tipo de programa assim, que as crianças se apresentavam, artisticamente, eu acho que foi o primeiro. Não me lembro. Tinha, programa prá criança Vovô Contando História, Criança Assistindo, ou programa de filmes pras crianças, mas as crianças participando, como artista, eu não me lembro de ter, aqui no Rio Grande do Sul....Ary: Não...quanto a isso, não precisa nem recorrer a tua memória, porque eu posso assegurar que não havia...de palco, programa intitulado de auditório, o primeiro que foi com crianças, o primeiro foi o programa Clube Papai Noel (Ary Rego com Dayse Rego p. 50-51).
Na voz dos participantes, o programa se caracterizava pela variedade, por oportunizar o
contato com o animador Ary Rego, e com instrumentistas reconhecidos que integravam a equipe
do programa, “ele já nos tava até nos preparando mesmo como futuros cantores” (Maria Helena p.
9). De acordo com Darcílio Messias, era um programa de calouros para crianças:
ele era apresentação de crianças, prá cantar, tocar instrumento e mostrar, todo dia tinha novo cantor, então, como hoje um programa de calouros, era um programa de calouros prá criança, só que no início ele não tinha aquela conotação de concurso, era uma espécie de uma mostra, uma apresentação, depois aí então ele escolhia os melhores, aí então chegou um ponto assim que tinha muita gente boa, então tinha que fazer um, resolveu fazer um concurso, provavelmente até pra alavancar a audiência do programa (Darcílio Messias Nº1 p.9).
Entre as décadas de 30 e 60 havia uma programação infantil bastante significativa nas
emissoras de Porto Alegre, principalmente programas que contavam histórias9. De acordo com
Haussen (1988), o Clube do Guri está entre os três principais programas deste período, junto com
o programa Lactaclube, da rádio Difusora, e Histórias do Mestre Estrela, da Rádio Guaíba, devido
ao alcance junto ao público infantil e a sua duração.
“Diretamente do auditório da Rádio Farroupilha. Rua Siqueira Campos, De fronte à
Paineira, numa manhã de domingo, alegre, cheia de pássaros cantando, ou numa manhã de domingo
9 maiores informações ver Haussen 1988
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triste, com chuva, mas vamos alegrar todos nós” (Ary Rego Nº1 p.15). Era assim que Ary Rego
iniciava o programa Clube do Guri todos os domingos de manhã, saudando as centenas de pessoas
que lotavam o auditório, acompanhando ao vivo à programação matinal da Farroupilha, e também
os inúmeros ouvintes em todo o Rio Grande do Sul e demais estados que sintonizavam a PRH-2.
Antes da saudação de Ary Rego, as crianças abriam o programa cantando a característica do
programa, uma música adaptada Ary Rego, a partir do tema Trevo de Quatro Folhas: “Felizes
crianças vivemos cantando, um canto alegre e bom. A juventude é mesmo assim, toda a alegria e
sonho sem fim. Contentes vivemos, a nossa vida, tristeza não conhecemos. E todo domingo estamos
aqui, no Clube do Guri” (Ary Rego Nº1 p.15).
Ary Rego, da sua banqueta, anunciava as crianças e conversava com elas, auxiliado pela
secretária e tendo o acompanhamento do professor Ruy Silva, ao piano, e do Regional da Rádio
Farroupilha. Entre um número e outro, havia as intervenções dos locutores com os anúncios
publicitários e a leitura dos sócios-ouvintes que estavam aniversariando naquela semana, tarefa que
era realizada pelas secretárias. Ary Rego dá mais detalhes de como era o formato do programa:
Ary: eu abria o programa com aquela característica [vinheta] de “Felizes Crianças, vivemos cantando” aquela coisa...Marta: Todos cantando?Ary: Todos cantando, os que participavam, com a cortina fechada, atrás do palco, conforme eles iam cantando, metade da letra, aí eu, uma secretária tava lá e tal, puxava a cortina devagarinho, abria, o pessoal aplaudia, aquela coisa, e eu começava o programa, fazia a saudação que tinha que fazer e já dava a dica para a primeira mensagem comercial que o locutor que estava ali, (...) quando e então vinha o menino e aqui e tal, vamos começar o programa e tal e coisa, e canta o fulaninho, aí chega o guri: “Que que tu vai canta?”, aquela mecânica, cantava, terminava de cantar, aplauso, o pessoal batia palma, a secretária já tava alí com o chocolate pronto prá dar pro menino, como gentileza por ele ter comparecido no programa e tal, e o locutor, eu dava uma deixa prá ele, o locutor comercial entrava, e fazia a divulgação, a propagada, publicidade, do produto que estava indicado prá ele fazer. Terminava aquilo, voltava de novo prá mim e tal e aí eu conversava, fazia o que tinha que fazer (ARY REGO Nº3 p. 17-18).
Com a experiência de quem atuava no rádio em vários programas realizando diferentes
atividades, Ary Rego comandava o programa sem roteiro, apenas com uma lista dos participantes
que cantariam no programa daquele domingo, além da publicidade que ele mesmo preparava.
Questionado, durante as entrevistas, se havia improvisação no transcorrer do programa, Ary Rego
comentou:
Alguma coisa, mas tinha muita experiência, já bastante prática depois de, também no fim, depois de dezesseis anos, e eu, não era só o Clube do Guri, que eu fazia, houve uma época em que todas as noites no auditório eu tinha um programa, de um patrocinador diferente, que eu ia prá cima do palco prá apresentar o programa. Tinha também prática de narrador de programa [do rádio] porque eu era do
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radioteatro também, eu fiz tudo no rádio, tudo, menos a parte técnica, que essa eu nunca me envolvi (rindo), nem quis me evolver, nem entendia muito, entendia do que precisava ser feito, mas acionar aquilo era com os especialistas, os sonoplastas, os sonotécnicos, operadores e os técnicos da rádio. Bom, o resto eu fiz tudo (Ary Rego Nº3 p. 18).
A ausência de um roteiro fixo, e a realização do programa ao vivo, sem possibilidade de
edição, às vezes possibilitava algumas alterações no formato, alguns imprevistos, “as coisas não
aconteciam assim certinhas, né, tinha um que às vezes ia cantar, de repente tinha um no auditório
que queria cantar, ele levava prá lá e a criança cantava, tinha o que começava a chorar, na hora, é
coisa de criança, né” (Darcílio Nº1 p.8-9). Durante uma hora de programa havia cerca de 13
incidências, treze números, entre canto, dança, declamação, “treze crianças, ou uma criança
individual, ou um grupo, por exemplo, um conjunto, um trio vai cantar, era um número, né,
também. Mas é treze números no programa” (Ary Rego Nº1 p. 26). A partir do quarto, quinto ano,
foram feitas quatro listas fixas, quatro turmas fixas, cada uma com uma secretária, formada por
cerca de nove, dez, crianças cada uma delas. A cada programa havia sempre espaço para 4 novos
participantes. Ary Rego justifica este procedimento da seguinte forma:
como eram um volume muito grande de crianças que queriam cantar, e eu ficava constrangido, fiz o seguinte: Eu fiz quatro listas, quatro listas, com sete números privilegiados, eram os melhores cantores do programa. Sete, mais quatro, não eram oito, oito, mais quatro, nove, nove e mais quatro alternativas, então aqueles nove eram já tarimbados, eram bons cantores, eram bons instrumentistas, eram boas bailarinas, enfim faziam parte mais ou menos, iam seguido ao programa. Então, e quatro ficavam para alternativas que então, no sábado, na hora do ensaio, eu acolhia pra isso ou pra aquilo, gente nova no programa (Ary Rego Nº1 p.27-28).
Participantes, Ensaios e Concursos
O Clube do Guri era aberto a todas as crianças que queriam participar. A faixa etária era dos
cinco aos quinze anos de idade. As crianças assumiam diversos papéis: cantores, instrumentistas,
dançarinos, declamadores e locutores. Muitos dos participantes vinham do interior do estado para se
apresentar no programa, “daí o Ary dava um destaque ‘É um prazer de ter aqui conosco hoje uma
representante’, vamos supor ‘de Passo Fundo, de Caxias’” (Roberto Gianoni p. 8). Para Maria
Helena Andrade, “qualquer menino, menina que viesse do interior, pode ter certeza parada
obrigatória na Rádio Farroupilha e também tentar a sua oportunidade. Era muito bonito” (Maria
Helena p. 5). Muitas vezes, no aniversário do programa havia um convidado especial que vinha do
Rio de Janeiro ou São Paulo, onde se realizavam programas no gênero. Eventualmente o programa
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recebia alguma participação especial com crianças do Uruguai e também da Itália, como registra a
fala de Roberto Gianoni:
Raramente aparecia alguém de fora, a não ser quando por uma eventualidade qualquer por exemplo, aparecia aí, eu me lembro que na época tinha uma cantora italiana, se não me engano era Gianela de Marco10, era uma menina também, uma garotinha mas ela veio da Itália, fez um sucesso terrível no Brasil, ela se apresentou no Clube do Guri, e a gente cantou junto com ela, mas era assim, era esporádico, só quando aparecia alguém ou alguma coisa muito especial (Roberto Gianoni p. 7).
O maior número de participantes era de cantores, mas havia participação de instrumentistas,
principalmente acordeonistas, pois na época, o acordeon era bastante executado. Violinistas e
pianistas também procuravam o programa, no entanto, “a música instrumental na época, prá
meninos e meninas assim era uma coisa muito difícil, não era prá qualquer um. O cantar já era um
negócio mais natural de todos, cantar todo mundo sabia” (Roberto Gianoni p. 8). Declamação de
poesias também havia no Clube do Guri, “tinha uma menina que se chamava, Suzel Pereira, se
tornou inclusive depois, muito boa declamadora e tal, foi professora formada depois, no Instituto
de Educação. Era pequenininha, depois foi professora junto com a vovó, praticamente, que era
minha esposa, lá na, Suzel, enfim” (Ary Rego Nº1 p. 23). Dayse Rego salienta que os participantes
“eram crianças que gostavam de cantar, já tinham mais ou menos um bom ouvido, porque se eles
iam a primeira vez e cantavam mal, iam a segunda vez cantavam mal, eles nem voltavam, (...) nem
eram chamados” (Ary Rego com Dayse Rego Nº2 p. 46-47).
Não havia um período ou um número determinado de vezes para a participação no Clube do
Guri. Algumas crianças permaneceram vários anos do programa, como Darcílio Messias que cantou
dos 5 aos 15 anos de idade. Os cantores que integravam as turmas fixas tinham uma participação
constante. Ary Rego lembra que eles “não precisavam nem ir lá no sábado ensaiar, sabiam que o
domingo deles era aquele” (Ary Rego Nº1 p. 31). Outros participantes começaram a se apresentar
próximo à idade limite dos 15 anos, permanecendo pouco tempo no programa.
A seleção dos participantes era realizada nos ensaios do programa, que aconteciam aos
sábados, e em determinado período, às sextas-feiras. Era dada oportunidade para todos os que
queriam participar, havendo alguns critérios para a seleção. Ary Rego conta que a escolha era feita
“pelas virtudes vocais, pelas qualidades que o artistas, o menino e a menina demonstravam” (Ary
Rego Nº1 p.29-31). Os ensaios eram coletivos, com todas as crianças participando, tendo também a
presença dos pais. As crianças que se inscreviam eram chamadas conforme a ordem de chegada.
10Uma menina de seis anos de idade que passou uma temporada em Porto Alegre regendo a Ospa, apresentando-se em vários teatros da capital
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Armando Burd descreve sua primeira participação no ensaio, o “teste”, o qual, segundo ele, era nas
quintas-feiras:
havia a seleção às quintas-feiras, fui com a gaita, uma sala e depois um estúdio e eles iam chamando conforme a hora de chegada na inscrição, então o Ruy ouvia e dizia “olha você vai ensaiar um pouco mais e vai voltar daqui um mês, porque você está desafinando e [tararaá]” e alguns ele já dizia “não esse aqui tá pronto, não esse aqui...bom tu vai daqui a duas semanas entrar, tu não vai entrar, mas ensaia mais”, então eu toquei... disse “não, não, tu sabe tocar pode incluir o garoto, e alguém ia anotando... (Armando p.7).
O responsável pelo ensaio era o professor Ruy Silva, o mesmo pianista que acompanhava no
dia do programa. Para alguns, o ensaio está mais claro na memória do que a própria apresentação,
como sugere Cleonice Schaefer, “eu me lembro assim que com o Ruy Silva que era o pianista
tocando e eu do lado dele cantando, isso aí eu me lembro muito bem, eu acho que ali já era, já era o
ensaio né, aquela parte, [a gente ensaiava] depois a gente no dia do programa, o conjunto ficava
tocando então a gente ia pro microfone e cantava” (Cleonice Schaefer p.1).
No dia do ensaio, as crianças cantavam a mesma música que iriam apresentar no dia do
programa. O pianista perguntava a música que queria cantar, conferia as tonalidades, e às vezes
sugeria uma outra canção, como lembra Maria Helena: “Que música tu vai cantar...” tipo assim né
sujeito a mudanças, e dizia “não, essa música não é boa prá tua voz, quem sabe outra e tal”, sempre
a gente aceitava as sugestões dele, grande maestro, um grande músico, então ele já nos orientava
assim, e a gente ensaiava” (Maria Helena p. 8-9). Maria Helena afirma que o próprio ensaio já era
um momento especial, podendo ser dirigida por Ruy Silva e tendo como platéia todas as crianças:
olha, só em ensaiar assim com ele báh já me sentia o máximo, Bah Ruy Silva, aqui em Porto Alegre, pô super legal, ensaiava com ele depois no outro domingo...então todas as crianças que iam...as meninas e os meninos que iam participar nos assistiam alí, então ficávamos alí junto com o pessoal, ensaiando, assistindo os outros também, na torcida né, Bah, será que eu vou ganhar ou não, entendeu, então era... algo que emocionava mesmo (Maria Helena p. 8-9).
Para Ary Rego o ensaio transcorria “normalmente”, principalmente porque havia as turmas
fixas, cantores que já eram experientes, que participavam sempre do programa “ensaiava e tal, não
tinha mistério nenhum. Com os novos é que era um pouco mais trabalhoso, mas a gente gostava de
fazer, tinha paciência e valia a pena” (Ary Rego Nº1 p.30-31). Quando terminava o ensaio, Ary
Rego ia para casa e preparava uma lista, uma “nominata” com o nome das crianças que iriam
participar e com o nome das músicas que iriam executar.
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Os concursos do Clube do Guri marcaram a trajetória do programa. Além de lotar o
auditório da rádio Farroupilha e também cinemas e teatros com quase dois mil lugares, os concursos
ganhavam as páginas de jornais e revistas de Porto Alegre. Algumas finais de concurso foram
realizadas em cidades do interior, como Caxias do Sul, Pelotas e Rio Grande. Estes campeonatos
passaram a ser realizados, a partir do sétimo ano de programa. De acordo com Darcílio Messias
houve apenas cinco anos de concurso, “e desses cinco anos eu ganhei três” (Darcílio Nº2 p. 2-3). Já
Ary Rego, ora lembra que as edições foram até o término do programa, em 1966, ora recorda que
houve apenas três anos de concurso (Ary Rego Nº2 com Dayse Rego p. 5-9). Para o apresentador, a
idéia de realizar estes concursos surgiu porque:
Ary: O público era bem numeroso e começamos a fazer excursões também, prá aproveitar essas oportunidades lá, e...talvez nem me lembro mais, ouvindo sugestões e coisas ... não sei se foi da minha cabeça ou da ...sabe como é, bom...Dayse: [rindo] eu também não lembro...Ary: ...sei que começamos a fazer...um concurso, escolhendo os melhores cantores, primeiro e segundo lugar, masculino, e primeiro e segundo lugar feminino (Ary Rego Nº2 com Dayse Rego p. 5).
A escolha dos melhores cantores era feita sempre através do voto escrito da platéia, como
conta Ary Rego: “não, nada de comissão, não, a platéia, a platéia é que escolhia” (Ary Rego Nº2
com Dayse Rego p. 5-9). E a escolha não era por aplauso. O público, quando comprava o ingresso,
recebia um bilhete, um “talãozinho” para votar. A contagem dos votos era de responsabilidade de
Dona Dayse Rego, “era ela quem coordenava”. O concurso consistia de várias etapas
classificatórias. Para participar da edição final, as crianças tinham que ser escolhidas previamente
pela platéia, “a partir dos três meses anteriores a dezembro” (Ary Rego Nº2 com Dayse Rego p. 9).
De quatro concursos que participou, Darcílio Messias ganhou três edições. Ele relata que havia
muita expectativa no período que antecedia os concursos:
Ah! era ansiedade... a gente tinha que arrumar a roupa direitinho, existia uma preocupação de se apresentar bem arrumadinho, bem direitinho, ensaiava bastante, e era...ia...ia apertando (bem enfático, voz forte), como se diz, né...Eu sei que no primeiro concurso assim (...) na primeira vez eu fui o primeiro a cantar, eu era o mais novo...eu cantei Granada (pausa...suspiro) de Augustin Lara, e... eu cantei aquele e o auditório “AHHHH”, ...aí cantou todo aquele mundo de gente e eu tava assim, né, porque tinha muitos bons cantores, sabe, e aquela coisa toda, e...aí depois veio a votação, aí que eu ganhei... eu ganhei longe dos outros, ...eu não imaginava (Darcílio Nº1 p.13-14).
Dona Dayse lembra que existia uma “rivalidade muito sadia”, o grupo era coeso e havia
muita integração entre participantes e familiares. Entre os primeiros colocados Ary Rego e Dayse
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Rego destacam vários nomes, como Gisele Pimentel, Maria Helena Silveira, Darcílio Messias, Elis
Regina, Luiz Gessian.
O fim dos programas de auditório: o surgimento da TV
O término do Clube do Guri deu-se devido ao esvaziamento dos auditórios e ao desinteresse
do público pelo rádio, público esse que estava envolvido com um novo meio de comunicação, a
televisão. “A televisão roubou a preferência do público, que não se contentava só em ouvir, quer
ver e quer ouvir, e o público que queria assistir, passou a ficar em casa para assistir na televisão,
quer dizer que o auditório, a rádio perdeu em volume de sintonia, o rádio em si, a onda da rádio, o
auditório perdeu em freqüência” (Ary Rego Nº1 p.29). O desinteresse das crianças e jovens que
participavam do programa, os cantores-mirins, em continuar indo no auditório da rádio também
contribuiu para o término do Clube do Guri. Eles queriam era aparecer na televisão, uma nova
mídia, a qual segundo Ary Rego, “em 66 já tinha, absorvido 60%, 70% do interesse do rádio”(Ary
Rego Nº1, p.28). De acordo com o apresentador:
até os que eu tinha como cantores permanentes e tal, às vezes, “Ah! seu Ary e tal, quem sabe eu cantar na televisão, porque eu tinha um programa na televisão também, chamava-se atrações Neugebauer com três números, todos os, uma vez por semana no horário, esse horário assim das 7 mais ou menos. Eles queriam cantar no programa de televisão, já não se interessavam mais pelo programa de rádio (Ary Rego Nº1 p. 31).
Para Ary Rego, os programas de auditório “já estavam assim, quase falindo, quer dizer,
pouca audiência, pouca presença e tal até o ponto que suspendemos o programa de auditório” (Ary
Rego Nº1, p.28-29). Ary Rego lembra um outro programa de grande audiência, o programa
Maurício Sirotsky Sobrinho, da Rádio Gaúcha, o qual também foi suspenso devido ao esvaziamento
dos auditórios:
(...) Ah! e quando eu senti isso e tal, o Maurício também sentiu no programa, ele fazia programa com multidões no cinema Castelo passou pra fazer no Círculo Israelita, alí em cima do cinema ali no Bonfim, Baltimore, alí o Círculo Social Israelita passou prá lá, porque o ambiente menor e acabou como eu também, simplesmente desistindo da programação porque ...só queriam, só queriam televisão (Ary RegoNº1 p. 31).
Considerações finais
O Clube do Guri foi um marco na radiofonia gaúcha. Além de permanecer durante 16 anos
no ar, mantendo o mesmo formato, a mesma equipe de trabalho e o mesmo patrocinador, o
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programa lançou vários nomes no mercado, cantores e instrumentistas que seguiram atuando
profissionalmente no rádio. Muitos deles, até hoje, tem seu nome ligado à música.
O formato do programa, com crianças atuando no palco, incentivou o surgimento de
diversos programas similares, contribuindo para a solidificação da cultura do nosso estado. O
aspecto lúdico é outro elemento importante no Clube do Guri, pois as crianças participavam de
forma espontânea e prazeirosa, integrando esta atividade no seu dia-a-dia. O programa mobilizava
centenas de pessoas, que lotavam auditórios e cinemas de Porto Alegre, além da grande audiência
no interior do estado. Este aspecto nos leva a refletir sobre o atual espaço, no rádio gaúcho,
dedicado a esta faixa etária.
Conhecer a trajetória do Clube do Guri é resgatar e preservar um pouco da história do rádio
gaúcho, relevando personagens, relatando episódios e contribuindo para a construção de um
panorama do rádio no Brasil.
Referências Bibliogáficas:
BORGES, Vavy Pacheco. O que é história. São Paulo: Editora Brasiliense, 1993.
DILLENBURG, Sergio Roberto. Os anos dourados do rádio em Porto Alegre. Porto Alegre: Ari/Corag, 1990
FARIA, Arthur de. Um século de música no Rio Grande do Sul. CEEE. Secretaria de Energia, Minas e Comunicações. Secretaria do Estado da Cultura. Governo do Estado do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, 2001.
FELIX, Loiva Otero. História e memória – a problemática da pesquisa. Passo Fundo: Ediupf, 1998.
FERRARETTO, Luiz Artur. Rádio no Rio Grande do Sul (anos 20,40 e 40) - dos pioneiros às emissoras comerciais. Dissertação de Mestrado. Porto Alegre: 2000.
HAUSSEN, Doris Fagundes. Rádio e criança. Um estudo sobre a ausência de programação infantil nas emissoras de Porto Alegre. Dissertação de Mestrado. Escola de Comunicação e Artes. Universidade de São Paulo. São Paulo, 1988.
NABÃO, Maria Teresa P.. Algumas questões acerca da utilização de fontes orais no âmbito da pesquisa histórica. Pós-História Revista de Pós-Graduação em História. Assis: Universidade Estadual Paulista. v. 8. p. 121-143, 2000.
ZUCULOTO, Valci Regina Mousquer. A notícia no radiojornalismo brasileiro: transformações históricas e técnicas. Dissertação de Mestrado. Faculdade dos Meios de Comunicação Social. PUCRS. Porto Alegre, 1998.
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