UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEAR
CENTRO DE HUMANIDADES
MESTRADO ACADMICO EM FILOSOFIA
BELEZA E LIBERDADE EM SCHILLER:O JOGO DAS FORMAS VIVAS
DEBORA KLIPPEL FOFANO
FORTALEZA 2011
UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEAR
DEBORA KLIPPEL FOFANO
BELEZA E LIBERDADE EM SCHILLER: O JOGO DAS FORMAS VIVAS
Dissertao apresentada ao Curso de Mestrado
Acadmico em Filosofia do Centro de
Humanidades CH da Universidade Estadual
do Cear UECE, como requisito para a
obteno do ttulo de Mestre em Filosofia.
Orientador: Prof. Dr. Luis Alexandre Dias do
Carmo.
FORTALEZA2011
UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARMestrado Acadmico em Filosofia
Ttulo da dissertao: Beleza e Liberdade em Schiller: O Jogo das Formas Vivas
Autor: Debora Klippel Fofano
Professora-Orientadora: Prof. Dr. Lus Alexandre Dias do Carmo
Exame de qualificao em 27/01/2011
Defesa da Dissertao em 31/03/2011 Conceito Obtido:
Nota Obtida:
Banca Examinadora
____________________________________________________
Prof. Dr. Lus Alexandre Dias do Carmo
Orientador UECE
____________________________________________________Prof. Dr. Jos Expedito Passos Lima
1 Examinador - UECE
___________________________________________________Profa. Dra. Marly Carvalho Soares
2 Examinadora UECE
Agradecimentos
Ao meu filho que com seu sorriso mostra que mesmo nas adversidades podemos
seguir felizes.
Aos meus pais e minha irm, pelos quais tenho muito amor e admirao e que
mesmo longe me do vontade para continuar essa caminhada, e sem o apoio incondicional
deles nada disso teria sido possvel.
Ao Prof. Dr. Luis Alexandre do Carmo, pelo seu empenho e dedicao que mesmo
em situaes adversas permitiu a realizao deste trabalho.
Ao Prof. Dr. Expedito Passos, pela sua acessibilidade e cuidado na realizao das
crticas e sugestes para a melhoria da dissertao.
A Profa. Dra Marly Carvalho Soares, pelo seu interesse e por suas sugestes na
banca de qualificao e disposio para a banca examinadora.
A todos os meus amigos, os de longe e os de perto. Em especial aos que
acompanharam essa caminhada, Adilbnia, Alexandre Magalhes, Amanda e Rosemary
Scheel, Bruno Andrade, Elainy Farias, Evaniele Antonia, Fernando Luis, George Facundo,
Horus Augustus, Joelma Mendes, Liliane Severiano, Mara Nunes, Manu, Marcelo
Cavaliere, Mateus Gonalves, MonaSara, Rachel Leite, Sara Mabel, Talles Lucena.
Aos colegas do Colgio D. Helder Cmara.
CAPES, pelo fundamental apoio financeiro.
Resumo
Esse trabalho trata de como por meio da beleza possvel chegar liberdade. Com base
nos pressupostos da filosofia de Schiller, pesquisamos a proposta de educao esttica do
homem, que traz uma formao poltica, social, moral, epistemolgica e pedaggica. O
caminho proposto, para ultrapassar o comum, de levar uma vida somente Ideal, ou uma
vida somente pautada no material, o de uma terceira via, aquela da imaginao como
mediadora de conceitos, como a possibilidade em si mesma, formando o conceito de jogo
entre as faculdades de conhecimento. Da ser possvel pensar um terceiro impulso no
homem que vai alm do formal ou do sensvel, permitindo ao homem ser completo,ou seja,
o impulso Ldico. Para fundamentar a tese central da liberdade mediante a beleza, Schiller
articula um critrio objetivo para a arte, em que intenciona ressaltar ser a beleza a nica
categoria autnoma, que no depende em nada de nenhum conceito e livre de tudo, o
belo por ele mesmo. A beleza no tem um domnio prprio, pois nada funda, mas auxilia
a entrada em um estado de jogo que apresenta outras possibilidades, isto , que liberta. Por
intermdio de uma acertada cultura esttica, permanecem indeterminados o valor e a
dignidade pessoal do homem, medida que estes s podem depender dele mesmo, do que
ele . Por meio da beleza torna-se ao homem possvel, pela natureza, fazer de si mesmo o
que quiser, j que lhe completamente devolvida a liberdade de ser o que deve e quer ser.
Desta forma a beleza passa ser uma segunda criadora do ser humano, uma vez que deixa a
vontade livre para a realizao plena do homem. A beleza tem em comum com a natureza
o fato de que nos nobilita a capacidade para a humanidade.
PALAVRAS-CHAVE : Esttica, Liberdade, Beleza e Jogo
Abstract
This paper deals with how it is possible to get to freedom through beauty. Starting from
proposal, which conveys a political, social, moral, epistemological and pedagogical
education. The chosen course of having an Ideal life only in order to move away from
the common sense, or a life based on the material aspect, happens thanks to a third way,
the imagination way. The latter works as a concept negotiator, such as possibility itself,
which forms the play drive concept among faculties of knowledge. Therefore it is
possible to think of a third impulse in man, which goes beyond formal (Formtrieb) or
sensitive (Stofftrieb) and which allows that man to be complete, the Playful ludic
impulse. For the sake of establishing the central freedom through beauty theory, Schiller
articulates an objective criterion for art which does not depends on any concept and it is
free of everything, whatever is beautiful it is by itself. Beauty does not have an own
domain, beauty establishes nothing, however it helps you enter in a play drive condition
which shows other possibilities, i.e. which sets free. Through a right conjecture
aesthetic culture, they remain undetermined the value and the personal dignity of man,
as the latter can only depend upon himself, upon what he is. By means of beauty it
becomes possible to man, by nature, do whatever he wants with himself, once his
freedom of what he should be and wants to be is completely given back to him. Thus,
beauty becomes a second inventor of human being, since it lets our wil
fulfillment. Beauty has in common with nature the fact that it provides us the capacity
to mankind.
KEYWORDS: Beauty, Freedom, Beauty and Playdrive
SUMRIO
Introduo ................................................................................................................................. 7
CAPTULO ISchiller e Kant: Reconciliar as duas legisles ...................................................................... 16
1.1 A herana Kant na formao do pensamento de Schiller ...............................................171.2 Teoria do jogo com Teoria da Reflexo em Immanuel Kant .........................................241.3 Schiller: conhecimento ou moral na filosofia kantiana. .................................................35
CAPTULO IIA busca de um novo princpio esttico: A beleza como questo ..........................................40
2.1 A tradio esttica moderna e a quarta forma de explicao do belo.............................402.2 Beleza: liberdade no fenmeno.......................................................................................442.3 Beleza: forma da razo prtica........................................................................................51
CAPTULO IIIO Livre Jogo das Formas Vivas ............................................................................................59
3.1 Razo e Sensibilidade. .................................................................................................... 593.2 O impulso para o jogo.....................................................................................................66
CAPTULO IVO Domnio tico e Esttico .................................................................................................... 75
4.1 O carter de uma poca...................................................................................................764.2 O homem reconciliado.................................................................................................... 854.3 O Estado Esttico A mente educada esteticamente .....................................................89
Concluso ................................................................................................................................94
Referncias Bibliogrficas .....................................................................................................98
7
INTRODUOSapere Audi
Entre 1770 e 1780, na Alemanha, formava-se um movimento que produziu
modificaes advindas do Iluminismo e ficou conhecido como Sturm und Drang,
pois demonstra, tanto
em sentido histrico quanto conceitual, o universo em que Friedrich Schiller (1759 1805)
estava inserido. Segundo os estudiosos, o Sturm umd Drang foi comparado a uma espcie
de revoluo que antecipou filosfica e literariamente, em terras germnicas, o que seria
posteriormente, em sentido poltico, a Revoluo Francesa. Outros estudiosos
consideraram o movimento de reao antecipada prpria Revoluo Francesa, j que o
movimento era uma reao ao Iluminismo. O Sturm und Drang foi influenciado por alguns
poetas ingleses, como James Macpherson e Shakespere, alm da influncia naturalista de
Rousseau. Entre os escritores de lngua alem, temos Lessing, que influenciou os Strmer
Klopstock, Klinger e Lenz. Mas, sem dvida, quem elevou o movimento ao seu apogeu
foram, entretanto, os jovens Goethe, Schiller, Herder e Jacobi. Segundo o historiador e
filosofo Ruggiera:
A importncia do Sturm no a de episdio isolado e circunscrito, e sim a de expresso espiritual coletiva de todo um povo. No apenas os Klinger e os Lenz, mas tambm os Herder, os Schiller e os Goethe passaram pelo Sturm: os primeiros se detiveram nele e, por isso, logo foram ultrapassados; os outros, ao contrrio, conseguiram dar forma ao informe, ordem e disciplina ao contedo catico de sua prpria natureza. Para ns, a experincia destes ltimos particularmente importante, porque nos permite estudar nos prprios indivduos duas fases sucessivas e opostas do mesmo processo histrico. No se trata apenas de modo figurado o dizer que o Sturm representa a juventude desordenada e o classicismo composta e serena maturidade alem: o Sturm realmente a juventude de Herder e de Goethe, que se ergue qual o smbolo da juventude de todo o povo e a vitria sobre ele tem significado pessoal que o fundamento mais intimo e slido da crise da alma coletiva1.
A influncia que o classicismo alemo sofreu dos antigos representantes do
, e tanto Herder
1 Apud REALE, 2003, p. 35
8
quanto Schiller e Goethe procuraram organizar as decompostas foras do Sturm umd
Drang em funo dessa ordem e dessa medida. O amor natureza, o culto liberdade e a
redescoberta do gtico e do mundo cavaleiresco da idade mdia, bem como a receptividade
pelas instncias pr-reflexivas, como a paixo, conflitos e mistrios, acabam por expressar
bem o contexto desse movimento.
Os estudos de Schiller e suas concepes estavam inundados por reflexes da
Aufklrung2, do Sturm und Drang, do classicismo e do movimento romntico. O
romantismo que nasce contra a artificialidade da lgica, dos hbitos culturais engessados, e
tudo aquilo que contrrio vontade autnoma influenciam tambm em muito a Schiller.
Romantismo e Classicismo, foras aparentemente opostas, fazem assim crescer uma nova
reao esttica daquele tempo. Se por um lado, o clssico deixa-se levar pela forma
exterior da tradio e da ordem, harmonia, equilbrio e moderao, pelo vis abstrato, o
romantismo, por outro, vai ao interior da natureza, incorpora ideias e no as copia. O
romntico tende a reproduzir em si a beleza tratada pelos clssicos como exterior, o belo
est no sujeito, mas em manifestao objetiva. As questes esttico-educacionais
assumidas pelo teatro, pela tragdia, dependem, justamente, do momento que comporta
essas diferentes posturas sobre a arte. Desse modo, podemos observar que as distines
entre os artifcios civilizadores so essenciais educao esttica, e o perodo da arte
muito importante para a tomada do teatro como veculo ideal para a efetiva realizao
dessa educao. As relaes duais que o classicismo apresenta servem neste trabalho como
argumento para discutir de forma mais aprofundada o pensar filosfico entre os parmetros
ticos e estticos que, mesmo no sculo atual, ainda tema de reflexo e, por vezes,
tambm nos afasta do que se apresenta como um ideal de homem completo, plena intuio
de sua humanidade.
2 Na Alemanha, as propostas iluministas tiveram em Kant seu ponta p inicial. Em seu texto O que o Iluminismo? O Iluminismo a sada do homem da sua menoridade de que ele prprio culpado. A menoridade a incapacidade de se servir do entendimento sem a orientao de outrem. Tal menoridade por culpa prpria se a sua causa no reside na falta de entendimento, mas na falta de deciso e de coragem em se servir de si mesmo sem a orientao de outrem. Sapere aude! Tem a coragem de te servires do teu prprio entendimento. Eis a palavra de ordem do Iluminismo. A paz perptua e outros opsculos. p.11) Assim, a Aufklrung a emancipao do homem, e a capacidade de assumir todos os riscos do seu livre pensar. Era a chance de o homem responder por si mesmo
9
Nascidos em um perodo histrico no qual a Alemanha se mostrava uma nao
isolada parte do restante da Europa, os alemes desse perodo tiveram que se redefinir
para alcanar o mesmo prestgio das grandes naes do cenrio mundial, e certamente
nomes como Kant, Goethe, Humboldt, e o prprio Schiller tiveram um papel vital nesse
sentido. Enquanto na Frana os intelectuais partilhavam de uma sria de acontecimentos j
abertos h geraes, na Alemanha esse mesmo caminho era aberto passo a passo, naquele
exato momento, com cautela. Concomitante a isso se v a Frana influenciar a histria
alem de diversas formas, pois a maneira como a cultura francesa se consolida bem
distinta daquela alem, j que, no primeiro caso, representava o ideal de civilidade, e, no
segundo, a parcimoniosa lapidao do esprito. Na histria francesa, a revoluo que
marcou o sculo XVIII foi o ponto de partida das agitaes filosficas que convulsionaram
a Alemanha. Nas palavras de Goethe, citadas por Eckermann, se torna inegvel o contraste
francs:
(...) e tambm ns na Alemanha Central tivemos que pagar bastante caro essa escassez de sabedoria, pois no fundo levamos todos uma vida isolada e pobre! Do povo, verdadeiramente, vem-nos uma cultura diminuta e todos os nossos talentos e belas capacidades acham-se semeados pela Alemanha inteira. Vive um deles em Viena, outro em Berlim, um outro em Knigsberg, em Bonn ou Dusseldorf, todos separados uns dos outros por cinquenta milhas ou cem, de modo que se tornam raros os contatos pessoais e a troca de ideias. O que seria isso para ns sinto-o quando homens como Alexandre von Humboldt, por aqui passam e num nico dia progrido mais no que eu procurava e necessitava saber, do que de outra forma em meu caminho isolado, durante anos no o teria conhecido. Imagine-se, no entanto, uma cidade como Paris, onde os mais proeminentes intelectuais de um grande pas esto reunidos num nico lugar, e em convvio dirio, torneios e concursos, se instruem uns aos outros e se elevam, onde o melhor de todos os reinos da Natureza e da Arte de todo o mundo se oferece diariamente contemplao (...) E no pense na Paris de poca obscura e inspida, mas na Paris do sculo dezenove, em que h trs geraes, atravs de homens como Molire, Voltaire, Diderot e seus semelhantes estabeleceu-se uma plenitude de esprito, como no mundo inteiro reunido num nico ponto no se torna a encontrar. (Eckermann, 2004, p.209)
No que diz respeito a Johann Christoph Friedrich von Schiller3 pode-se dizer
que, com 20 anos de idade, j considerado um Gnio, no sentido pr-romntico do termo;
fazia parte veementemente do Sturm und Drang e preparava sua primeira pea teatral, a
saber, Os Bandoleiros , Schiller
3 Nascera em 10 de Novembro de 1759 Marbach am Neckar,Wrttemberg , enobrecido em 1802, e morre em 1805 em Weimar.
10
4. Uma descrio bem
caricatural Schiller como um jovem de 1780, com ar sonhador e inquieto, com um nariz
que se destaca do rosto, que no chega a ser belo, mas tem um fascnio, com cabelos presos
atrs por um lao de veludo, a camisa branca aberta ao peito, ele representa o melhor estilo
strmer. Em sua vida, podem-se distinguir trs perodos de grande produo intelectual.
Primeiramente, ele foi um strmer, aqueles que participavam do movimento literrio-
filosfico, como provam suas obras Os Bandoleiros, A conjura de Feischi em Gnova,
Intriga e amor, Dom Carlos, entre tantas outras; em seguida, dedicou-se a rigorosos
estudos de filosofia, e histria, escrevendo duas obras histricas importantes, ou seja,
Histria da Insurreio dos Pases Baixos (1778) e Histria da Guerra dos Trinta Anos
(1797-1793); estudos que lhe granjearam uma ctedra de histria em Jena. Na ltima fase,
retoma o teatro com a trilogia Wallennstein (1799), com Maria Studart (1800) e com
Guilherme Tell (1804). Morre em 1805.
Suas preocupaes filosficas, no entanto, so o interesse dessa anlise, uma vez
que sua contribuio de grandiosidade imensurvel, pois, influenciando pensadores como
Schelling, Schopenhauer, Hegel, Nietzsche e tantos outros, Schiller no pode ser chamado
somente de poeta ou dramaturgo: a sua grandiosidade est justamente em saber aliar todos
os dons que possui. Seu pensamento foi influenciado por Rousseau, mas sua grande
influncia filosfica, foi, sem dvida, o pensamento kantiano. Schiller tambm se deteve
em obras de fundamentao esttica da poca, escritas por Baumgartem, Burke, Phillip
Moritz, dos j citados Herder, os irmos Lessing, alm de Sulzer, Mengs, Home,
Winckelmann, Hume, Batteaux e Wood. Sempre manteve o dilogo direto com Fichte e
Goethe. De fato, com esse ltimo desenvolveu trabalho em comum e se influenciaram
4 BANDEIRA, Manuel. Prefcio in Maria Stuart: pea em cinco atos. Trad. Br. Manuel Bandeira. So Paulo:
Abril Cultural, 1983. p. x. Na literatura brasileira e portuguesa Schiller tambm exerceu influncia, inicialmente no poeta romntico brasileiro Gonalves Dias, que viria a ser o primeiro grande divulgador da obra de Schiller no Brasil. A obra teatral de Gonalves Dias foi grandemente influenciada pela linguagem teatral e temtica schillerianas, como pode ser visto na obra Patkull, de 1843. A obra narra a histria de Patkull (personagem baseado em Johann Reinhold Patkul), um heri "sensvel e apaixonado, que se torna alvo de inveja e traies". A crtica vida palaciana, s intrigas que ali tomam lugar, o "conflito entre paixes e dever", valores humanistas como a confiana na amizade e no amor, temas tpicos do teatro de Schiller, esto presentes em Patkull e na produo teatral gonalviana. O poeta brasileiro tambm se inspirou nos escritos historiogrficos de Schiller ao escrever suas "Reflexes sobre os Anais histricos do Maranho por Berredo", em que exalta a ideia schilleriana e romntica de humanidade. A admirao de Gonalves Dias por Schiller foi coroada por sua tentativa de traduzir A Noiva de Messinamorte do poeta num naufrgio, no qual provavelmente a verso final se perdeu.
11
mutuamente. O que fascinava Goethe era o idealismo de Schiller, e o que fascinava
Schiller era o vitalismo e o realismo de Goethe. Com Fichte, a discusso filosfica sempre
fora acirrada e parte do pensamento de Schiller pressupe estes.
Como j foi aludido, Immanuel Kant influenciou em muito o pensamento de
Schiller, que vai com e contra ele construir sua filosofia. Kant d subsdios para a
argumentao de Schiller no que concerne compreenso de uma srie de conceitos da
ordem do prtico e do ideal, do puro e do fenomnico, e tantos outros argumentos morais
que fundamentam a sua viso esttica. Nesse sentido, a Crtica da razo Pura,(1781) a
Crtica da razo Prtica(1788) e a Fundamentao da Metafsica dos Costumes(1784)
so obras com as quais Schiller dialoga constantemente, mas a Crtica da Faculdade do
Juzo(1790) a obra de importncia vital, pois justamente nessa obra que a esttica de
Schiller encontrar suas vias de realizao.
Schiller herda os problemas fundamentais de seu sculo e deles conceituar seus
conflitos. As narrativas relativas ao Iluminismo, o Sturm und Drang e os fundamentos
estticos tornam-se para ele o instrumento e exerccio de seu pensamento. Desta forma,
Sobre Graa e Dignidade, Poesia Ingnua e Sentimental e kallias ou Sobre a Beleza
esto entre os escritos principais, alm de outras reflexes como Sobre o Sublime e Sobre
o pattico. Uma das suas principais obras filosficas, A Educao Esttica do Homem
apresenta-se, porm, como viabilizadora de seu pensamento e conclui de maneira
essencial, as questes sobre a arte, beleza e moral, de forma crtica. Essa obra, tambm
conhecida como Cartas a Augustenburg, fora escrita ao seu mecenas, o prncipe
Dinamarques Friedrich Christian Von Schleswig-Holstein-Sondenburg-Augustenburg, em
agradecimento penso anual de trs anos, e auxlio j fragilizada sade de Schiller. V-
se que a compreenso de uma relao ntima entre todas as obras do autor de suma
importncia para o objetivo mais pleno de seu pensamento, que visa fazer do homem um
ser esteticamente educado e pleno em si, capaz de saber aliar sentimento e razo em
oposio a escolhas acertadamente mais belas.
12
Schiller toma a expresso Sapere aude5 e a postula
Essa expresso encontra-se no ponto inicial deste trabalho, ponto em que est a ideia de
que a inrcia da natureza e a covardia do corao impedem a instruo do homem. Por
isso, Schiller vem formular as bases para a formao da sensibilidade na Educao contra a
acomodao, possibilitando ao homem adentrar os caminhos da crtica do gosto e,
conseqentemente, alcanar a liberdade mediante a beleza: problemtica central desse
trabalho. Para alcanar os tais conceitos, foram escolhidas duas obras relevantesde
Friedrich Schiller; so elas: A Educao esttica do Homem, em uma srie de cartas, e
Kallias, ou Sobre a beleza. Ambas as obras so epistolares e permitem ser amplamente
exploradas tanto em seus aspectos epistemolgicos, ticos, polticos, gnosiolgicos,
pedaggicos, histricos quanto estticos. Ao explorarmos essas obras, nossa pretenso
explicitar como cada uma contribui de maneira diferenciada, mas completando-se na
totalidade da obra schilleriana. A primeira deles em que culmina a filosofia do autor, traz
o ideal de homem esttico, que aproximando o dever e o prazer, o livre jogo das formas
vivas; na segunda, a ideia da beleza como liberdade no fenmeno e a objetividade da arte
apresentam as fundamentaes da bela arte, esta ultima como pode conduzir liberdade. A
correlao desses temas poder, com efeito, trazer a relao entre tica e esttica, ou seja,
como forma que permite a harmonia na sociedade, pois permite a harmonia do indivduo,
deixando nossa vontade livre por meio da beleza. O ponto de partida de sua reflexo
apresenta-se nos seguintes termos:
No extempornea a procura de uma legislao para o mundo esttico quando a moral tem interesse to mais prximo, quanto o esprito da investigao filosfica solicitado urgentemente pelas questes do tempo a ocupar-se da maior de todas as obras de arte, a construo de uma liberdade poltica? 6
Consideramos que uma das motivaes de Schiller para adentrar um caminho to
sobre a esttica, no apenas uma preocupao terica com a
sistemtica kantiana, mas, antes, pode ser compreendida como um interesse - digamos -
5 Dito de Horcio (Epistolas, I, 2 e 40) que Kant utiliza e traduz em Respondendo a Pergunta: que
ilustrao?.6 SCHILLER, Friedrich. A Educao Esttica do Homem Numa Srie de Cartas. (Trad. Br, Roberto Schwarz
e Marcio Suziki. So Paulo:Iluminuras, 1995. p.25. Para melhor compreenso das referncias bibliogrficas e notas, a obra Educao Esttica do Homem ser indicada com a identificao E.E. seguidas pelo numero romano da carta e a pgina. A obra Kallias ou Sobre a Beleza com a identificao K. seguida do nmero da pgina. A obra de Kant, Crtica da Faculdade de Julgar, ser referida como C. F. J. seguida do numero de pgina.)
13
existencial para a determinao e esclarecimento dos fundamentos tericos e dos princpios
prticos dos seus empreendimentos artsticos e literrios. Schiller quer ir alm, vai buscar
uma justificativa vlida do seu papel como poeta e dramaturgo, em uma poca marcada por
revolues e mudanas no mbito da vida poltico-social e cultural. Aps as grandes
questes literrias levantadas pelo jovem Schiller, h um perodo de introspeco e leitura
filosfica, que lhe permitem elaborar novos questionamentos, agora de carter filosfico.
Para Schiller no estavam dissociados o seu pensar e seu agir literrio, havia uma
vivacidade que abarcava todos os campos da atividade reflexiva, permitindo uma
elaborao terica em sua filosofia; isso tudo sem deixar de refletir sobre os aspectos
objetivos, que incluem as questes morais, que acabam por florescer de maneira prtica na
totalidade de sua obra, expresso mxima de sua esttica. O fundir de todas essas ideias
numa nova dinmica uma das principais caractersticas de Schiller, que reorganiza o
cenrio esttico-filosfico da poca, deslocando diversos conceitos, redesenhando o
panorama em que esta inserida a filosofia da arte, acenando para um novo tipo de
experincia filosfica. Somente um autor como Schiller poderia conceber tal reformulao,
pois vivia a experincia artstica nas suas criaes, sabia identificar cada conceito, no
somente de maneira aproximada, j que era o artista de sua criao.
Com base no exposto segue-se o contedo do primeiro captulo deste trabalho na
inteno de esclarecer os conceitos importantes e apresentar o mtodo de Schiller,
explicitando os limites entre a filosofia de Schiller e de Kant, e de como o Kant o
influenciou. Isso justifica a elucidao da teoria da reflexo como teoria do jogo em Kant
e como esse conceito relevante na filosofia de Schiller. A busca de um novo princpio
esttico em sentido schillerianos o tema que o segundo capitulo aborda. Nesse momento
explicaremos sobre alguns conceitos de cultura esttica da poca de Schiller e as
influncias e crticas que ele realizou para estabelecer, seu critrio de beleza. Nesse intento
seguiremos explicando o que beleza para Schiller e como relaciona conceitos
importantes, a saber, Liberdade no fenmeno e Razo Prtica afim de fundamentar sua
teoria da beleza apresentada por ele com base em um critrio objetivo.
Buscando esclarecer de que forma podemos conhecer melhor o homem e suas
determinaes, continuaremos, no terceiro captulo, uma investigao sobre a Teoria dos
Impulsos, uma das chaves de leitura bsica para se compreender o pensamento de Schiller
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e sua proposta de educao esttica do Homem. Na exposio desse terceiro capitulo,
seguiremos expondo e indicando as diferenas entre o Impulso Sensvel e o Impulso
Formal. Por fim, a interao desses dois impulsos, que fazem emergir no homem uma
terceira possibilidade, de vivenciar e compreender as coisas, uma vez que pura
imaginao e criao, tanto no plano esttico quanto no plano tico. Com base no jogo, que
j havia sido postulado por Kant, teremos uma nova possibilidade de inteirao da
realidade e do homem: o livre jogo das formas vivas.
O quarto e ltimo captulo objetiva explicitar como o propsito desse trabalho pode
ser atingido. Seguimos no propsito de Schiller,no sentido de explicar como por meio da
beleza, conseguimos atingir a liberdade. No entanto, no primeiro momento, apresentamos e
explicamos as motivaes que levaram Schiller a repensar seu papel como dramaturgo e
amante da Filosofia, ou seja, repensamos valendo-nos das necessidades daquele tempo e
analisamos o contexto social-politico daquela poca, bastante corrompido. interessante
percebermos que as crticas de Schiller sua poca servem to bem nossa realidade
contempornea. Todas essas questes terminam por revelar tambm que o plano prtico o
de realizao da Esttica, mesmo que ela se oriente para uma atividade Ideal. Para
fundamentar nosso diagnstico, recorremos ao dilogo com os autores da modernidade, e
tratamos de questes como Estado, poltica e histria. Os dois ltimos tpicos
demonstraro por fim que o homem, quando reconciliado consigo mesmo e com a
sociedade, pode alcanar um Estado Esttico de pura determinao para a beleza
permitindo a unidade e a to almejada Liberdade.
Segundo Hegel, Schiller, nas Cartas da Educao Esttica do Homem, defende
que todo homem individual leva em si a disposio de um homem ideal (puro). Este
homem verdadeiro estaria representado pelo Estado, que seria a forma objetiva universal
em que a multiplicidade dos sujeitos singulares se vincularia na unidade. Haveria duas
maneiras do homem no tempo condizer com o homem na ideia: por um lado, na maneira
que o Estado supera a individualidade como gnero do tico, do legal do inteligente; por
outro, na maneira de que o individuo se elevasse ao gnero, e que o homem temporal se
enobreceria voltando-se ao homem ideal. A razo exigir a unidade como tal, o genrico;
a natureza em contrapartida, a diversidade e individualidade. Por ambas as legislaturas, o
homem estaria igualmente reclamado. Seria no conflito desses lados opostos de onde a
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educao esttica teria que realizar as exigncias de sua mediao e reconciliao. Isso por
que segundo Schiller pretenderia formar a inclinao sensibilidade, a pulso e os nimos
de tal maneira que elas mesmas se voltassem racionais, de maneira que tambm a razo, a
liberdade e a espiritualidade sairiam de sua abstrao, e, unidas com o lado natural do por
si racional, receberam carne e ossos. Segundo as palavras de Hegel:
Esta unidade do universal e do particular da liberdade e da necessidade, da espiritualidade e do natural, a que Schiller procurou sem cessar dar vida real por meio da arte e da educao esttica, havendo-a concebido cientificamente como principio e essncia da arte, foi convertida como ideia mesma, em principio de conhecimento e do ser a, e a, e a ideia se reconheceu como o nico verdadeiro real 7.
7 HEGEL, Deduo histrica do verdadeiro conceito de arte. In: Una Polemica Kant, Schiller, Goethe y
Hegel. Barcelona: Ed. Icaria, 1985.
16
Capitulo 1
Schiller e Kant: Reconciliar as duas legislaesNuma filosofia transcendental, em que decisivo libertar a forma do contedo e manter o necessrio puro de todo contingente, habituamo-nos facilmente a pensar o material meramente como empecilho e a sensibilidade numacontradio necessria com a razo porque ela lhe obstruiu o caminho justamente nessa operao. Um tal modo de representao no est de forma alguma no esprito do sistema kantiano, embora possa estar na letra do mesmo. (Schiller)
O projeto filosfico de Schiller no foi uma mera harmonizao interna de
elementos pouco desenvolvidos ou supostamente confusos da teoria do juzo do gosto de
Kant, mas, justamente, a inteno de desenvolver de fora dela apesar de ter como
pressupostos os princpios crtico-transcendentais uma proposta capaz de resolver os
problemas deixados por Kant. Schiller observa que Kant apenas comeou, na sua Crtica
da faculdade de julgar, a aplicar os princpios da filosofia crtica do gosto, preparando
assim os fundamentos para uma nova teoria da arte sem, no entanto, t-la estabelecido. Da
Schiller reclamar a falta de uma abordagem da filosofia da arte, quer dizer, um
aprofundamento do lado objetivo dos juzos estticos nas reflexes kantianas. Ao contrrio
de Kant, ele defendia a possibilidade de uma doutrina do gosto definida em duas partes:
uma pura e outra aplicada.
Para uma exposio sobre os pressupostos das formulaes estticas de Schiller,
preciso, de incio, um breve excurso na Crtica da Faculdade de Julgar. Para
diviso de uma crtica em doutrina elementar e em doutrina do mtodo, que precede
cincia, no se deixa aplicar a crtica do gosto, porque no h nem pode haver uma cincia 8 Nesse sentido, para Kant,
no possvel uma doutrina do gosto aplicada arte, pois, a doutrina do gosto pura trataria
das condies universais subjetivas sob as quais juzos do gosto so possveis, teoria
desenvolvida por ele e que se bastaria em si mesma, no precisando por isso de uma
segunda parte, aquela prtica ou aplicada. A reflexo sobre uma crtica do gosto aplicada
que acaba por dar base a uma de suas obras mais importantes:
8 C. F. J. p. 60
17
. Ali se encontraria a crtica do gosto aplicada e plenamente desenvolvida, que diz
respeito s determinaes particulares sob as quais certos fins estticos podem ser
atingidos; e, , tambm um fim moral.
1.1 A herana de Kant na formao do pensamento de Schiller.
Na tentativa de sempre alcanar xito em suas reflexes, Schiller recorre ao
exerccio que denomina como um dos mais complexos de sua filosofia,ou seja, o de se
empenhar por um fundamento slido do conhecimento, o qual nada pode abalar.9 Tanto
julga necessrio elevar-se alm da realidade imediata e ir ao ermo e abstrato, sair do campo
dos fenmenos, pois sustenta que quem no vai alm da realidade imediata no pode
conquistar a verdade. Da se preciso se elevar ao ideal10 a fim de compreender o real, fazer
o exerccio ao transcendental.
Muito do pensamento de Schiller, incluindo a reflexo acima apresentada, se deve
s obras de Kant, at mesmo, em especial ao seu mtodo de desenvolver suas ideias. Como
apontado em vrios momentos no decorrer da obra, Schiller elege o modelo de
pensamento critico-transcendental11 como o mais adequado a fundamentao e construo
de sua filosofia. Devemos entretanto ressaltar que Schiller absorve a filosofia de Kant
como modelo/mtodo de construir o raciocnio, e no sua filosofia em si, pois do ponto de
9 Alguns pensadores articularam seu pensamento a partir da reflexo aberta pela filosofia transcendental de
Kant e em contraposio a ela. Sem dvida uma das peculiaridades principais do idealismo alemo a articulao da filosofia como metafsica, termo aqui compreendido como saber sistemtico da totalidade do ser, logo, saber que ultrapassa as formas de dualismo e pe a unidade do real, levantando assim a aspirao a apresentar a compreenso racional do universo em sua unidade, o que torna possvel expressar conceitualmente a composio fundamental da realidade. Diante dessa tarefa, a percepo de um avano da metafsica pr-kantiana filosofia critica de Kant demonstra j um primeiro passo dado em direo a um saber reflexivo. Desta forma observamos que tanto Fichte, quanto Schelling e Hegel, representantes maiores do grupo de pensadores que compunham o idealismo alemo, conseguem articular o que podemos chamar deuma metafsica crtica, ou seja, um pensamento que se corrobora reflexivamente como teoria do absoluto, como princpio de unidade do real.
10 uma idia inalcanvel, uma tarefa imposta pela razo; mas tambm um modelo, tal como os gregos representavam um modelo para os artistas modernostermos kantianos persistem, entretanto demonstrando que na verdade, devemos fazer uma analise crtica do procedimentos adotados, tema que justamente o abordado nesse primeiro capitulo. Tambm podemos notar semelhana com o conceito de tarefa infinita, postulado por Fichte, onde um ideal almejado, mas que s se alcana por aproximao.
11
mas com nosso modo de conhecer objetos na medida em que este deve possvel a priori... No podemos denomin-la propriamente doutrina, mas somente critica transcendental, pois tem como propsito no a ampliao dos prprios conhecimentos, mas apenas sua retificao, devendo oferecer pedra de toque que
18
vista de contedo veremos Schiller e Kant divergir em vrios aspectos, em particular do
ponto de vista esttico: alm de algumas ressalvas quanto filosofia moral. Pela extrema
relao e intimidade entre esses temas e autores, de grande importncia para nossa
temtica compreender no s a teoria do gosto na filosofia de Kant, mas tambm como
seus pressupostos crticos-transcendentais norteiam a mtrica da filosofia de Schiller. Feito
isso, ser possvel compreender at onde Schiller influenciado por Kant e a partir de onde
Schiller trilha por seus prprios rumos sua autentica filosofia 12.
Nesse sentido, optamos por seguir os passos de Schiller, e em um primeiro
momento nos empenhamos tambm em construir um fundamento bastante solido para
assentarmos essa dissertao, justificando assim o presente captulo, que aborda de
maneira geral os conceitos kantianos imprescindveis compreenso da filosofia de
Schiller. Da a seguinte justificao: 1)dar um arcabouo terico geral do que seja a
filosofia crtica de Kant; 2)esclarecer conceitos importantes, como o de Reflexo e de Jogo
na teoria do gosto kantiana; 3)dar prosseguimento s formulaes, retomando o
pensamento de Schiller com base agora no terico kantiano. Aps esses procedimentos, a
compreenso do conceito de juzo reflexivo presente na Crtica da Faculdade de Julgar em
conjunto com a crtica kantiana. Da considerarmos a seguinte afirmao de Schiller para
trilharmos o caminho:
(...) falo aqui mais como kantiano, pois possvel ao final que tambm minha teoria fique inteiramente livre dessa repreenso. Tenho diante de mim um duplo caminho para lhe introduzir em minha teoria; um muito divertido e fcil, atravs da experincia, e um muito inspido, atravs de concluses racionais. Deixe-me preferir o ltimo; pois uma vez percorrido este, tanto mais agradvel o restante.13
12 H uma ambiguidade de Schiller em relao ao kantismo Victor Hell, autor de Schiller: Thories esthtiques
et structures dramatiques,meios de expresso a argumentao racional, de uma parte da experincia total de onde nasce a obra de arte e que ela deve exprimir, de outra parte, uma diferena fundamental entre a tica do pensador crtico e a do
e pela imaginao criadora. Kant pensou no jogo, Schiller vive o jogo, esttico e dramaticamente. Alm disso, Schiller vivera profundamente uma das maiores contradies que um artista pode vir a viver: a de teorizar. Talvez seja ele o smbolo mximo do conflito interior vivido no sculo XVIII por aqueles que se dispunham a elaborar conceitualmente certas ideias filosficas. Essa disposio ele a viveu como um verdadeiro drama existencial em seu perodo esttico, abstrato. (C. F. MODERNO, Joo Ricardo. Esttica da Contradio.Rio de Janeiro: Editora Moderno, 1997, p. 242.)
13 K., p. 54.
19
Do ponto de vista heurstico, a Critica da Razo Pura, obra em que reside o ponto
de partida da filosofia crtica, busca esclarecer a especificidade da investigao
transcendental, no em uma tentativa de ensinar qualquer tipo de filosofia, ou investigao
epistemolgica propriamente dita, mas sim, de postular, como possvel estabelecer os
limites da razo pura terica, visando solucionar as questes do conhecimento,
investigando de que maneira a faculdade de conhecer opera. Como esta tarefa no nada
fcil, Kant recomenda que a crtica analise tudo e, segundo um exame livre e pblico,
busque compreender como se processa o conhecimento, pois sua poca seria a verdadeira
poca da crtica, qual tudo tem de submeter. Devendo assim a crtica examinar tudo, o
exame crtico deve funcionar como uma chave de leitura de todas as interpretaes de
puros produtos da razo por meros conceitos. Nos Prolegomenos, Kant apela aos leitores e
faz advertncias essenciais para a compreenso de sua inteno:
Esse trabalho difcil e exige um leitor decidido a entrar aos poucos, pelo pensamento, num sistema que no tem como fundamento nada que seja dado, a no ser a prpria razo, leitor que, por conseguinte, busca desenvolver o conhecimento a partir de seus germes originais, sem se apoiar em nenhum fato14.
Kant nos convida para uma atividade eminentemente intelectual, uma atividade que
requer argumentos puros e para compreender isso observemos como ele argumenta nossa
forma de conhecimento. Na interpretao de Kant, os conceitos so representaes
imediatas previamente determinadas e relativas a um objeto. Conhecer , portanto, a soma
de uma representao X mais uma representao Y, resultando uma nova representao Z.
Uma representao no basta, por si mesma, para formar um conhecimento, a Crtica da
Razo Pura busca justamente o fundamento a priori, anterior prpria representao,
definindo uma faculdade de conhecer superior.
Quando os objetos so submetidos a essa sntese de representaes, Kant observa
que, no o objeto que se d a conhecer, mas absolutamente o inverso, a faculdade
14Prolegomena, A 38-39. (APUDE in: Marcio Suzuki - Schellegel) p.21. Que ainda explica
Critica pode, depois de completar a investigao dos princpios puros do conhecimento estabelecer critrios para a apreciao das obras de filosofia antiga ou moderna. No entanto, de se presumir que s ser capaz de examinar e julgar as idias de um sistema filosfico qualquer, se, juntamente com os fundamentos de todo conhecimento legitimo, proporcionar os instrumentos indispensveis para que se leia e compreenda o sentido das afirmaes dos autores que discute. Seu procedimento tem de ser crtico, isso , no pode ter como ponto de partida uma doutrina a ser corroborada ou refutada, pois neste caso no se distinguiria das estratgias empregadas por exemplo, pelo dogmtico ou pelo ctico. As condies transcendentais do conhecimento tm de fornecer tambm os meios hermenuticos de compreenso do ) p.21.
20
concede atribuies e propriedades novas ao objeto. Por conseguite, no uma faculdade
cronologicamente anterior, mas logicamente anterior que faculta exatamente o que vem em
seguida: s pensamos por que temos a faculdade transcendental de pensar. Somente
atravs do princpio transcendental15 dada a forma a priori sob a qual podemos perguntar
pelos objetos de nossa experincia e do nosso conhecimento. A tematizao dos princpios
transcendentais constitui uma tarefa filosfica especfica que ele denomina de
conhecimento transcendental:
Denomino transcendental todo conhecimento que em geral se ocupa no tanto com objetos, mas com nosso modo de conhecer objetos na medida em que este deve possvel a priori (...) No podemos denomin-la propriamente doutrina, mas somente crtica transcendental, pois tem como propsito no a ampliao dos prprios conhecimentos, mas apenas sua retificao, devendo oferecer pedra de toque que decide sobre o valor ou desvalor de todos os conhecimentos a priori16.
Somente sob a condio a priori, que a nica sob a qual determinamos a
objetividade do que pode ser conhecido, passamos a conceber o mundo. Faz-se necessrio
ento compreender o que conhecimento a priori, que tudo aquilo que ocorre
absolutamente na dependncia dos princpios transcendentais e, portanto, independente de
toda experincia, permitindo que a faculdade de conhecer encontre em si mesma a sua lei,
legislando assim sobre seus objetos. As formas a priori do entendimento, ou os conceitos
puros, so exatamente as categorias, ou as maneiras com que o ser humano compreende as
sas, constitui o que Kant denominou
de subjetividade transcendental. As coisas portanto, s podem ser conhecidas quando o
sujeito, transcendentalmente constitudo, tem a faculdade necessria para constituir seus
prprios objetos. Trata-se a do eu penso transcendental. A filosofia transcendental
apresenta-se como um exame crtico das condies de possibilidade das coisas se tornarem
objetos para o sujeito conhecedor, logo, ela tematiza as condies de toda experincia
possvel.
15 a priori a condio universal, sob a qual apenas as coisas podem ser objetos do nosso conhecimento em geral. Em contrapartida, um principio chama-se metafsico, se representa a priori a condio, sob a qual somente os objetos, cujo conceito tem que ser dado empiricamente, podem ser ainda determinados a priori. Assim transcendental o princpio do conhecimento dos corpos como substncias e como substncias suscetveis de mudana, se com isso se quer
C. F. J , Introduo p. 25.16 KANT, Crtica da Razo Pura. p. 34.
21
Na faculdade da sensibilidade a priori que se demonstra que aquilo que o sujeito
no pode intuir espao-temporalmente no se torna objeto para ele, o que podemos
conhecer aquilo que podemos experimentar e o que podemos experimentar o que pela
intuio podemos apreender mediante espao-tempo.17 Ainda que a experincia desperte a
faculdade de conhecer, isso no significa, entretanto, que ela determinante. O que de fato
determina nosso modo de conhecer os objetos so os juzos, no caso, que Kant chamou de
juzos a priori e a posteriori.
Ambos so formas de conhecimento, no entanto o segundo tipo de juzo depende da
experincia, isto , tem seu aparecimento atrelado ao dado. Em contrapartida, Kant fala
dois outros tipos de juzos: os analticos e os sintticos. Os juzos analticos permitem
reconhecer um predicado que apenas estava oculto no sujeito do juzo atuando por meio da
anlise. Esse tipo de juzo no chega a gerar nenhum conhecimento novo, visto que no h
fuso de espcie alguma entre representaes, ele simplesmente analisa o que j est dado,
o predicado est contido no sujeito. J os juzos sintticos, estes efetuam snteses entre
sujeitos e predicados: podem, portanto, gerar conhecimento. no interior desse tipo de
juzo que podemos reconhecer o a priori e o a posteriori.
No entanto, um conhecimento nascido da experincia, possvel somente com base
no dado sensvel, envergonha-se diante da tarefa de impulsionar o conhecimento,
agregando a ele novas informaes. Isso se deve ao fato de que o a posteriori apenas
promove constataes. As atenes de Kant se voltam, ento, para os juzos a priori. Boa
parte da primeira crtica se debrua na compreenso desses juzos, tanto no mbito do
entendimento, quanto nos da razo e da imaginao.
A grande questo da primeira crtica justamente a pergunta sobre se , de fato,
possvel um juzo sinttico a priori. Prescindindo da experincia, esse juzo se afasta de
impresses subjetivas (visto que o sujeito quem vive a experincia), tornando-se dado
objetivo. Por exemplo, os juzos matemticos so todos sintticos a priori por que quem
realiza a sntese o entendimento utilizando para isso os juzos puros. Nesse sentido, os
juzos a priori objetivamente, acabam por adquirir um carter universal e necessrio.
Estabelece-se aqui o problema geral da razo pura: a extenso do conhecimento em direo
17 Toda essa temtica o que Kant denomina como Esttica Transcendental.
22
ao universal e necessrio.18 Podemos dizer que, segundo Kant, para conhecer algo
necessrio que imediatamente, por meio da intuio, a sensibilidade apreenda o objeto para
que depois o entendimento lance mo dos conceitos para ajuizar esse objeto. A ligao
entre os dois dada, ento, pela imaginao, que esquematiza os fenmenos. O ltimo
procedimento do conhecer se d, justo, com a razo, que trata de dar corpo quilo que o
entendimento ajuizou. Desse modo, se a razo pura teoriza, cabe razo prtica tornar o
objeto dessa teorizao em realizao.
Nesse sentido, h um afastamento da possibilidade de os objetos serem meros
efeitos da nossa representao, isto , o que caracteriza a primazia do sujeito no ser to
somente a descoberta da fora das faculdades do conhecimento, tal como uma inteligncia
que tudo intui, o que caracteriza a descoberta de Kant como algo novo antes a liberdade
de movimento que permite aceder a uma variedade de perspectivas, a prpria expresso
dele, pode ser traduzida no preenchimento de um campo semntico, o caso do ponto de
vista (Gesichtspunkt ou Standpunkt). O uso do entendimento encarado segundo o nosso
modo de pensar ou inteno. Em diversas passagens Kant demonstra essa explanao:
-nos completamente desconhecida a natureza dos objetos em si mesmo e independente de toda esta receptividade da nossa sensibilidade. Conhecemos somente o nosso modo de os perceber, modo que nos peculiar, mas pode muito bem no ser necessariamente o de todos os seres, embora seja o de todos os homens. E mais: Sem sensibilidade, nenhum objeto nos seria dado e, sem entendimento, nenhum seria pensado. Pensamentos sem contedo so vazios, intuies sem conceito so cegas. Por isso, to necessrio tornar sensveis os prprios conceitos, quanto tomar inteligveis para si as suas intuies19.
preciso acrescentar aos conceitos os objetos da intuio, e por nas intuies os
conceitos. Esse jogo do pensamento, longe de ser um enigma lanado por Kant, se torna
absolutamente importante na terceira crtica, ponto a ser investigado mais frente, mas
agora j nos dado perceber que os conceitos vazios, desprovidos de sentidos, se no se
ligam a um correlato sensvel resta apenas um dado da percepo, no somente o
conceito que necessita ser exibido na intuio, um conceito somente ter validade atravs
18E antagonicamente, o problema persiste, revelando na Crtica da faculdade de Julgar, o juzo reflexivo,
demonstrando a possibilidade de um juzo a priori que advm de um movimento contrrio: procura o universal no particular. Sustenta-se ento o princpio de que o entendimento a faculdade que fornece os princpios do conhecimento a priori, e essa cincia tem de denominar-se crtica, pois serve apenas para purificar a razo, e para mant-la livre de erros.
19 KANT, Crtica da Razo Pura. B. 75
23
do outro. Neste jogo, as condies de possibilidade do conhecimento se apresentam
tambm como a condio de significao e de inteligibilidade da experincia possvel.
Essa mesma realidade sensvel do mundo dos fenmenos aparece tambm no
mundo inteligvel (ou coisa em si) que, para Kant, governado por uma causalidade que
difere da causalidade do mundo fenomnico. O mundo dos fenmenos constitui-se como o
espao das coisas tais como nos aparecem, o fenmeno nada mais do que o objeto que
aparece, e condio de possibilidade de ser pensado a partir dos conceitos puros a priori do
entendimento. Ao contrrio desses, no mundo inteligvel residem os nmenos, as coisas em
si, e no as aparncias das coisas.
A caracterstica numenal de um objeto, de uma coisa, justamente esse objeto ser
como ele , em si e por si mesmo, quando assim , manifesta-se em sua plenitude,
independente de como aparecem para ns. Nesse sentido os nmenos no geram
conhecimento, pois parecem inapreensveis ao entendimento que s consegue captar
fenmenos, j que no podemos nos despir de nossa subjetividade para compreender as
coisas em si. O que parece por o objeto numenal em posio de no acrescentador de
conhecimentos, em um primeiro momento, pode ser refutado com argumento de que a
razo em sua forma pura, organiza o que advm do entendimento, a realidade
suprassensvel do mundo inteligvel passa a dar verso final daquilo que foi apresentado
pela realidade sensvel do mundo dos fenmenos. Essa realidade pode ser captada pela
subjetividade humana no reino dos fenmenos, atravs da formula expressa na esttica
transcendental, visto que espao e tempo constituem a forma da sensibilidade a priori, isto
, as formas unicamente sob as quais podemos ter a percepo dos objetos da experincia,
disso resulta que no conhecemos objetos em si mesmos, ou seja, como eles seriam
independentes do nosso modo de perceb-los (fora das condies espao-temporais da
nossa sensibilidade), pois apenas conhecemos os objetos em relao ao modo como nos
aparecem, como fenmenos.
Decorrente desses argumentos, dizemos que o idealismo de Kant est muito longe
de pr em dvida o valor emprico, ou de procurar as verdades nicas nas ideias do
entendimento puro da razo, como fizera a metafsica clssica. Kant, absolutamente, no
duvida das coisas postas fora de ns, seu idealismo nada tem de ontolgico, diz respeito
apenas ao conhecimento das coisas, ele quer esclarecer que as intuies sensveis no
24
bastam para nos dar a conhecer o mundo, torna-se ento necessrio orden-las segundo os
conceitos do entendimento.
Toda essa reviravolta na maneira de constituir o mundo e a filosofia, o prprio
oluo copern o homem passa estar
. Nesse sentido
podemos ptolomaica
essa sim pe o homem no centro do universo, ao passo que a copernicana desloca o
homem e pe o sol, porm no sentido do movimento realizado por Kant e sua inteno de
deslocar, como Coprnico deslocou, possui funo a sua expresso. Da essa mudana de
postura terminou por deslocar o sujeito, fixando-o na base do acontecimento.20 O sujeito
passa a ser a medida de todas as coisas,21 e esse novo encaminhamento passou a ser a
submisso do objeto ao sujeito, elevando o homem ao posto de senhor de toda relao de
conhecimento. A razo tornou-se autnoma, permitindo definir com legitimidade os
contornos da razo terica, e na medida em que o ato de conhecer se determina sem o
intermdio do dado sensvel, fundamenta-se a no ingerncia da realidade objetiva,
exatamente daquilo que reside fora do sujeito. Se o sujeito abre mo de contar com o que
est fora de si mesmo, s resta aquilo que lhe inerente, o mundo sob a sua prpria
perspectiva, perspectiva que se apresenta das maneiras mais variadas possveis, em
especial, na Esttica.
1.2 Teoria da reflexo como teoria do jogo em Immanuel Kant
De maneira geral, o projeto da filosofia crtica kantiana se orienta na
fundamentao dos trs interesses da razo: a primeira Crtica se ocupa do interesse
20
porm todas as tentativas e mediante conceitos estabelecer algo a priori sobre os mesmo, atravs do que ampliaria o nosso conhecimento fracassaram sob esta pressuposio. Por isso tente-se ver uma vez se no progredimos melhor nas tarefas da Metafsica admitindo que os objetos tem que se regular pelo nosso conhecimento, o que concorda melhor com a requerida possibilidade de um conhecimento a priori dos objetos que deve estabelecer algo sobre os mesmos antes de nos serem dados. O mesmo aconteceu com os primeiros pensamentos de Coprnico que, depois das coisas no quererem andar muito bem com a explicao dos movimentos celestes admitindo-se que todo exercito de astros girava em torno do espectador, tentou ver se no seria melhor que o espectador se movesse em torno dos astros, deixando estes em paz. Na metafsica pode-se ento tentar algo similar no que diz respeito a intuio Razo Pura, p. 12
21 Diferentemente de Protgoras,coloca a subjetividade do homem como a medida de todas as coisas.
25
especulativo, a segunda se rende ao interesse prtico e a ltima tem a inteno de mediar as
outras duas crticas, situada no em outra esfera alm da terica ou da prtica, mas
justamente na interseo das duas. De maneira mais especifica, na Crtica da Razo Pura
Kant trata do conhecimento, do reino da natureza; na Crtica Razo Prtica, da moral, do
reino da liberdade; e, na Crtica da Faculdade de Julgar, do juzo do gosto. Observando
seu sistema, se que pode ser denominado assim, a cada parte crtica corresponde uma
parte doutrinal, onde est expressa o contedo de efetivao do proposto na crtica: parte
correspondente Crtica da Razo Pura e, a seus Prolgomenos, seria a Metafsica da
Natureza; a parte correspondente Crtica da Razo Prtica, a Metafsica do Costumes,
com sua Fundamentao22. J a Crtica da Faculdade de Julgar no teria nenhuma parte
doutrinal, pois alm do terico e prtico no h nenhuma outra parte na Filosofia.
A Crtica da Faculdade de Julgar descortina a nossa prpria capacidade de julgar,
detalhando passo a passo a intrincada rede de pensamento proposta por Kant. Abre um
campo precedente, mas, vale dizer, no engendra um domnio, j que no exerce uma
doutrina. O juzo esttico, o qual investigaremos, at figura ao lado dos juzos terico e
prtico, definidos por Kant, pois esclarece que so, verdadeiramente, trs os tipos de
juzos. O juzo esttico porm, no comporta nenhum domnio, pois no determina nenhum
objeto especfico, mas existe legitimamente e ocupa o seu espao. Um dos objetivos
principais da Crtica da Faculdade de Julgar foi defender que existe uma ligao entre os
princpios teoricamente necessrios da experincia e os princpios praticamente necessrios
da razo, justamente ponto que abre precedente discusso sobre a atividade reflexiva23, e
que interessa a esse trabalho.
22 A idia da dupla metafsica, a da natureza e a dos costumes, uma apresentando respectivamente a parte
racional (natureza), e a outra a parte emprica (antropologia e fsica), surge em funo da constatao da diferenciao existente na fundamentao da doutrina, a primeira parte baseando-se em princpios a priori, segunda baseando-se em princpios da experincia.
23
bem o momento do que seria a reflexo, amplamente inserido no pensamento kantianoreflexo se prope tematizar o a priori a vida concreta do homem. Neste sentido, ela implica uma transcendncia, uma passagem, mesmo um deslocamento da intencionalidade comum do homem. Ao invs de continuar simplesmente envolvida no a posteriori, a conscincia da um passo para trs para explicar as razes da vida humana. Porm, a reflexo no um refugiar-se numa torre de marfim de um sujeito isolado, sem mundo, sem historia, mas um ato de transparncia, de um sujeito empenhado em sua auto-construo. Enquanto ela essencialmente histrica, isto , este sujeito que reflete, no um puro sujeito, um eu transcendental, precisamente por transcender o mundo e a historia, uma razo absoluta em plena autonomia, que se contrape radicalmente a realidade objetiva, para domin-la terica e praticamente, mas um sujeito essencialmente condicionado pelo mundo histrico, no qual ele est inserido e ele s pode ser
26
Nos termos dos conhecimentos legados por Kant e que interessam diretamente a
Schiller, se faz necessrios algumas indagaes: ser possvel julgar a arte sem ser por
intermdio de nossos humores? Existe algum julgamento particular aplicvel atividade
artstica, e, se existem, quais seriam essas caractersticas? possvel traar uma forma
universal, segundo a qual tais julgamentos poderiam ser exercidos de maneira que todos os
julgamentos de gosto, referir-se-iam a essa forma universal?
Para responder a essas questes gostaramos antes de esclarecer quatro proposies
em forma de oximoros que correspondem s quatro funes lgicas segundo as quais um
julgamento pode ser realizado. So elas: Qualidade, Quantidade, Finalidade, Modalidade.24
Coloco essas proposies, apresentadas na Crtica da Faculdade de Julgar, como
oximoros j que tm a particularidade de conservarem dentro de si a possibilidade de
assero de dois termos contraditrios. Os julgamentos do entendimento e os preceitos da
moral esto submetidos, em cada uma dessas funes lgicas obrigatoriedade do
principio da no contradio levando a assertivas como, por exemplo: que necessidade
exclui liberdade, universalidade exclui subjetividade, e tantas outras. importante
observar que na faculdade judicativa tudo isso pode ser diferente, pois essa faculdade
admite e reivindica o terceiro no excludo, e por analogia compreendemos que qualidade
corresponde a satisfao desinteressada; que quantidade corresponde a subjetividade
universal; que finalidade correspondem as inconformidades afins; que modalidade
corresponde a necessidade livre.
Conhecendo cada um desses casos em sua particularidade, obteremos em cada um
deles, a explicao previamente mais plausvel para evitar futuros equvocos na
compreenso de cada categoria to importante naa Terceira Crtica: a Satisfao
desinteressada: Sentimento produzido pela existncia de um objeto, no por que ele
poderia ser til ou necessrio vida, mas porque pode ser sentido um prazer ou um
desprazer, sem considerar qualquer tipo de aprovao, ou ralao com a moral, o
agradvel, o belo, o bom ou o justo. Subjetividade universa; a universalidade dos
sujeito deste mundo, sendo, antes envolvido por este mundo. O homem se realiza como homem, enquanto liberdade finita, isto sempre condicionado pelo a priori concreto de um mundo, que , embora em principio alargvel, sempre limitado, determinado, abrindo para ele um horizonte especifico determinado de
24 Categorias essas que j estavam expressas na lgica Aristotlica.
27
julgamentos est garantida desde o primeiro momento, se nenhum interesse particular est
em questo e se o desejo no vem ao caso.
O prazer ou desprazer que experimentamos no de ordem intelectual, como o
proporcionado por uma lei universal, mas de ordem sensvel: o jogo das faculdades de
conhecimento imaginao e entendimento ou imaginao e razo jogo que
compartilhado universalmente. Conformidade a fins; caso se faa um julgamento segundo
finalidade est se fazendo um julgamento conceitual, que no o caso do julgamento
esttico, pois o belo e o sublime agradam universalmente sem conceitos.
O que solicitado no julgamento do gosto a forma de uma finalidade, a ideia de
um curso espontneo das nossas representaes e dos objetos que contemplamos. Essa
representao universal vaga acima e por meio de uma infinidade de objetos e sujeitos, e,
quando captada por meio e a propsito de um objeto singular entra-se em contato com a
forma universal, sem a necessidade de recorrer ao conceito de universalidade. Necessidade
livre; o julgamento universal necessariamente vlido, entretanto, essa necessidade no
pode ser imposta como exterior, pois deve ser intimamente sentida e requer mais adeso do
que obedincia regra.
Decorrente disso, Kant prope que exista no homem um senso comum, cuja norma
permanecesse indeterminada. Esse senso comum consistiria em cada sentir em si o jogo
das faculdades de conhecimento. Para compreendermos esse jogo, que tambm interessa
tanto a Schiller vejamos como os juzos reflexivos podem agir levando o homem a essa
fruio com base nesses quatro conceitos previamente explicados.
A faculdade do juzo em geral a faculdade de pensar o particular como contido no universal. No caso de este (a regra, o principio a lei) ser dado, a faculdade do juzo, que nele subsome o particular, determinante (o mesmo acontece se ela, enquanto faculdade de juzo transcendental indica priori as condies de acordo com as quais apenas naquele universal possvel subsumir). Porm, se s o particular for dado, para o qual ela deve encontrar o universal, ento a faculdade do juzo simplesmente reflexiva.25
Vale ento investigar sobre o campo de atuao desse tipo de juzo que promove
conexo, e que inaugura um novo campo filosfico, sem que, contudo, o sistema filosfico
seja abalado em sua dualidade terico-formal. Reconhecer o lugar da esttica nos seguintes
25 C.F.J. Prologo p. 11.
28
alicerces de ambas, o que o permite reuni-las; surgindo assim um novo campo, o esttico;
mas, por no ter domnios, ele no conduz a nenhum conhecimento, no modificando
assim o que era proposto por Kant nas crticas precedentes. O enigma para esse esquema
descoberto quando se concebe os juzos reflexivos, ponto essencial para a diferenciao
entre a terceira crtica e as duas primeiras, e ponto de chegada desse trabalho. Esclarece no
trecho acima, Kant distingue duas espcies de juzos: determinante e reflexivo. Em ambos
os casos, o princpio a associao entre um particular e um universal.
Nos juzos determinantes, a imaginao organiza o mltiplo e o esquematiza sob a
tutela do entendimento. Nos juzos reflexivos, as representaes so referidas pela
imaginao ao sentimento de prazer e desprazer, no h nenhuma predeterminao, pois o
que a imaginao rene e organiza encaminha-se ao entendimento, sem mediao. Da, de
subordinada, a imaginao passa parceira do entendimento, sem que precise curvar-se a
ele. Imaginao e entendimento associam-se de maneira livre, jogando e promovendo, com
isso, a reflexo ldica, o juzo de gosto. Podemos dizer que esse livre jogo o prprio
ajuizamento e esse ajuizar o que produz o prazer. Absolutamente independente de
conceitos, a experincia define-se como essencial nesse processo, o que bvio, tendo-se
em vista o desinteresse. desinteressado porque sob nenhum grau pode ser conhecido ou
inferido antes do contato, antes da experincia. No se espera nada da experincia esttica,
a no ser o que ela mesma ir fundar.
Neste sentido como Kant afirma,
por si s em nada contribuam para o conhecimento das coisas, eles apesar disso pertencem 26, quer dizer, os juzos reflexivos no esto
postados na finalidade de determinar as coisas, pois essa funo dos juzos
determinantes, aqui eles por si s no contribuem para o conhecimento, mas constituem a
reflexo autnoma que o sujeito ajuizador obrigado a fazer para apreender um dado, o
que gera prazer. Logo, apesar de pertencerem s faculdades de conhecimento, no
contribuem diretamente para o conhecimento, mas contribuem, sim, para o jogo, inteirao
reflexiva entre as faculdades existentes. Os j
imediata dessa faculdade ao sentimento de prazer e desprazer segundo algum princpio a
26 C.F.J. Prologo p. 13 e 14
29
priori, sem o mesclar com o que pode ser fundamento de determinao da faculdade de
apetio, porque esta tem seus princpios a priori 27. Dessa forma
entendamos bem: o prazer que sentimos com a reflexo no da ordem da apetio, pois
essa tem seu fundamento a priori baseado na razo, e a faculdade de julgar reflexiva tem
seu fundamento a priori na conformidade a fins que seu princpio transcendental, e o
sentimento de prazer decorre da possibilidade de poder ajuizar segundo esse princpio,
satisfazendo assim o entendimento.
Kant compreende que a beleza no uma propriedade do objeto, mas de um
julgamento subjetivo, ou seja, compe o resultado de um exame que se d com base no
objeto singular e que se efetiva na mente do sujeito, como reflexo que busca combinao
do universal com o particular. O juzo reflexivo busca universalidade em relao ao objeto
particular, o que gera ento prazer intelectual, pois no caso foi possvel ajuizar segundo sua
azo ou do
entendimento. Na verdade, a regra dada pelo prprio juzo reflexivo, e no pelo juzo
determinante que utilizaria a regra do entendimento ou da razo. O juzo reflexivo utiliza o
livre jogo entre a imaginao e o entendimento gerando o belo, e o livre jogo entre razo e
imaginao gerando o sublime28.
27 C.F.J. Prologo p. 13 e 1428 Para distinguir se algo belo ou no, referimos a representao, no pelo entendimento ao objeto em vista
do conhecimento, mas pela faculdade da imaginao (talvez ligada ao entendimento) ao sujeito e ao sentimento de prazer ou desprazer. O juzo de gosto no , pois, nenhum juzo de conhecimento, por conseguinte no lgico, e sim esttico, pelo qual se entende aquilo cujo fundamento e de determinao no
CFJ. p. 48). Alm dos juzos estticos a Critica da Faculdade de Julgar tambm apresenta Juzos teleolgicos, que no sero explorados, mas cabe uma informao essencial que ajudar a compreender as diferenas propostas posteriormente por Schiller. Segundo Kant, um juzo teleolgico no
finalidade na natureza, no posto no objeto, mas exclusivamente no sujeito e, alis, em sua mera faculdade Primeira Introduo Critica da Faculdade de refletir 1980 p. 179). Marcio Suzuki expe mais:
o juzo esttico aparenta-se com o teleolgico no fato de que aquele, ainda segundo Kant, no pe constitutivamente o belo no objeto, mas apenas na reflexo que o objeto suscita. Um episdio narrado por Goethe ilustra bem a preocupao de Schiller em distinguir os juzos determinantes e reflexivos (estticos ou teleolgicos) - episodio que de resto serve tambm para mostrar a diferena da concepo do simblico entre Goethe e Schiller. Aps uma reunio da sociedade dos cientistas naturais em Jena, Goethe -me a entrar; ali expus animadamente a metamorfose da plantas, e com alguns traos caractersticos, fiz nascer uma planta simblica ante seus olhos. Ele escutava e observava tudo com grande interesse, com decidida capacidade de compreenso; quando terminei, porm, ele sacudiu a cabea e disse: isso no uma experincia, uma Idia. Fiquei perplexo, e de certo modo aborrecido: pois o ponto que nos separava fora assinalado (Citado por Friedrich Burschell, in Schiller. Berlim, Deutsche Buchgemeinschaft, 1970. p 353.)
30
Para compreendermos melhor essa questo, cabe observar o que Kant explica na
Introduo da Crtica da Faculdade de Julgar, pois sustenta que o entendimento humano
segue passos e interconexes que no podem ser ignoradas. Uma dessas leis sempre
conter o particular no universal e, da mesma forma, a faculdade de julgar deve agir. No
entanto, o que ocorre quando o universal no dado, como justamente acontece nos
fenmenos estticos? Nesse caso a faculdade de julgar reflexiva a priori, que precisa
ajuizar conforme uma regra, percorre ento outro caminho: faz justamente o contrrio do
juzo determinante e passa a procurar o universal nesse mesmo particular, e assim procede
segundo leis29. Nesse caso, a conformidade a fins o princpio transcendental por meio do
qual a faculdade de julgar, quando reflexiva, pode operar. Explica-nos Kant:
A faculdade do juzo reflexiva, que tem a obrigao de elevar-se do particular na natureza ao universal, necessita por isso de um princpio que ela no pode retirar da experincia, porque este precisamente deve fundamentar a possibilidade da subordinao sistemtica dos mesmos entre si. Por isso s a faculdade de juzo reflexiva pode dar a si mesma um tal princpio como lei e no retir-lo de outro lugar, nem prescrev-lo natureza, porque a reflexo sobre as leis da natureza orienta-se em funo desta, segundo as quais ns pretendemos adquirir um conceito seu, completamente contingente no que lhe diz respeito30.
Procedendo assim, a faculdade reflexiva busca no particular o universal no qual
est contido esse mesmo particular; e o faz sob um o princpio que ela no retira da
experincia, por isso a priori: a conformidade a fins. Segundo Kant, a conformidade a fins
da natureza um conceito transcendental, mas no um conceito objetivo da natureza. E
trata-se da nica forma sob a qual podemos proceder para refletir, portanto um princpio
subjetivo da faculdade de julgar. Quando conseguimos, sob o princpio transcendental da
conformidade a fins apreender os dados empricos em um juzo reflexivo, ocorre-nos um
sentimento de prazer que Kant nos descreve nos seguintes termos:
Da que ns tambm nos regozijamos (no fundo porque nos libertamos de uma necessidade), como se fosse um acaso favorvel s nossas intenes, quando encontramos uma tal unidade sistemtica sob simples leis empricas, ainda que tenhamos necessariamente que admitir que uma tal necessidade existe, sem que, contudo a possamos descortinar e demonstrar31.
29 Observar as quatro funes lgicas segundo as quais o julgamento pode ser realizado. 30 C.F.J. Introduo p. 2431 C.F.J. Introduo p. 28
31
A unidade sistemtica que Kant indica no texto consiste na capacidade de julgar
mesmo no caso em que o juzo reflexivo tem que operar de maneira diferenciada, isto ,
buscando o universal no particular. O sucesso dessa reflexo gera prazer, pois realizamos a
obrigao sistemtica que o entendimento nos impe. A reflexo consegue ajuizar, mas
no com base nos conceitos e leis do entendimento, e sim segundo a sua prpria regra, o
seu prprio principio transcendental de conformidade a fins. Isso esclarece quando Kant
nos apresenta a ideia oposta:
[...]ser-nos-ia completamente desaprazvel uma representao da natureza, na qual antecipadamente nos dissessem que a mnima da investigaes da natureza, para l da experincia mais comum, nos haveramos de deparar com uma heterogeneidade das suas leis, que tornaria impossvel para o nosso entendimento a unio das suas leis especficas sob leis empricas universais. que isso contraria o principio da especificao da natureza subjetivamente conforme fins nos seus gneros e o princpio da nossa faculdade de juzo reflexiva no concernente queles32.
Quando um fenmeno se apresenta ao sujeito ajuizador, e ele no consegue
determin-lo conceitualmente, gera-se um movimento de reflexo no sujeito, que o leva a
pensar aquele fenmeno, para transform-lo em objeto. justamente o que ocorre diante
de manifestaes estticas, fenmenos estes que esto alm da ordem do terico e da
ordem prtica. Nesse momento, para ser capaz de dar conta do ajuizamento, a faculdade de
juzo reflexivo entra em ao, e passa a procurar na prpria representao do fenmeno, na
prpria manifestao esttica, o universal no qual ela precisa estar contida, tratando essa
representao como conforme ao fim do entendimento, isto , adequado para ser pensado,
ajuizado, enquanto um particular contido no universal. Se no o nosso prprio
entendimento que, com base em seus conceitos puros a priori, legisla determinativamente
sobre esse fenmeno, ento nossa faculdade de julgar reflexiva pensa-o ainda assim como
contido em um universal, como se um outro entendimento tivesse legislado sobre ele.
Trata-se, pois, de uma reflexo sobre o fenmeno, mas como reflexo interna ao sujeito
graas ao princpio da conformidade a fins da faculdade de julgar reflexiva que, ao
considerar o fenmeno adequado ao ajuizamento, no o abandonar heterogeneidade
emprica.
32 C.F.J. Introduo p. 32
32
Para Kant, todo ajuizamento deve procurar o particular no universal. Para tanto, o
princpio da conformidade a fins permite faculdade de julgar constituir uma unidade
inteligvel para o fenmeno, o que por sua vez gera muito prazer intelectual, pelo simples
fato de ter sido possvel ajuizar. A reflexo capaz, diante de uma diversidade fenomnica,
de satisfazer necessidade de sistematizao por meio do principio de conformidade a fins.
Essa satisfao gera um prazer intelectual imenso, pois a reflexo autnoma satisfaz
nossa necessidade de compreender as representaes que a princpio so de difcil
ajuizamento. Isso gera muita satisfao, e melhor ainda, uma satisfao desinteressada33.
O contato com o belo gera, no sujeito, um prazer que no deriva do agrado da
sensao, mas sim do comportamento livremente indeterminado das faculdades do nimo.
Em virtude disso, o prazer do belo espera encontrar um estado de nimo de natureza
formal, isto , ainda no visitado pela matria. Disso resultam os dois critrios encontrados
por Kant para assegurar que certo conhecimento a priori: exatamente a necessidade e a
universalidade. por isso que podemos definir o juzo do gosto como formalmente
universal e necessrio. Ainda que esse ajuizamento tenha uma fonte subjetiva, parte-se do
princpio que esse ajuizamento universal, extensivo a todos os outros seres. Somamos a
isso o fato de que o assentimento de todos no algo esperado; ao contrrio, exigido na
prpria constituio do juzo. Como necessidade que pensada em um juzo do gosto, ela
s pode ser denominada exemplar, isto , uma necessidade do assentimento de todos a um
juzo que considerado como exemplo de uma regra universal que no se pode indicar, ou
seja, o senso-comunis34 aceita esse dado como algo compreensvel por todos.
33Nesse sentido a priori para a possibilidade
da natureza, mas s do ponto de vista de uma considerao subjetiva de si prpria, pela qual ela prescreve uma lei, no a natureza (como autonomia), mas sim a si prpria (como heautonomia) para a reflexo sobre aquela, lei a que se poderia chamar da especificao da natureza, a respeito das suas leis empricas e que aquela faculdade no conhece nela a priori, mas que admite em favor de uma ordem daquelas leis, suscetvel a ser conhecida pelo nosso entendimento, na diviso que ela faz das suas leis universais, no caso de pretender subordina-lhes uma multiplicidade das leis particulares. por isso que, quando se diz que a natureza especifica as suas leis universais, segundo o princpio da conformidade a fins para a nossa faculdade de conhecimento, isto , para adequao ao nosso entendimento humano na sua necessria atividade, que consiste em encontrar o universal para o particular, que a percepo lhe oferece e por sua vez a conexo na unidade do princpio para aquilo que diverso (na verdade, o universal para cada espcie) desse modo, nem se prescreve natureza uma lei, nem dela se apreende alguma mediante a observao (ainda que aquele principio posso ser confirmado por esta). Na verdade no se trata de um princpio da faculdade do juzo
C.F.J. Introduo p. 3034 de um senso comunis
finalidades sem fins, prprios a uma arena pblica em que os homens que julgam a histria precisam viver
33
Retomando as definies acima, podemos ver que a reflexo totalmente livre.
Ainda que se possa estabelecer entre a representao de um objeto e o jogo reflexivo das
faculdades da mente um momento como se o fenmeno fosse impensvel, o elemento
subjetivo da representao no dado como conhecimento, embora seja possvel pens-lo
em um jogo entre as faculdades da imaginao, do entendimento e da razo; justamente e
somente da pode ser extrado o sentimento de prazer e desprazer, ligado ao dado que foi
possvel ajuizar. Leia-se a respeito:
[...] E o prazer no pode mais do que exprimir a adequao do objeto s faculdades de conhecimento que esto em jogo na faculdade do juzo reflexiva e por isso, na medida em que elas a se encontram, exprime simplesmente uma subjetiva e formal conformidade a fins do objeto. Na verdade aquela apreenso das formas na faculdade da imaginao nunca pode suceder, sem que a faculdade de juzo reflexiva, tambm sem inteno, pelo menos a possa comparar com a sua faculdade de relacionar intuies com conceitos. Ora, se nesta comparao a faculdade da imaginao sem inteno posta de acordo com o entendimento mediante uma dada representao e desse modo se desperta um sentimento de prazer, nesse caso o objeto tem que ento ser considerado como conforme a fins para faculdade do juzo reflexiva35.
Caso o prazer estiver ligado simples apreenso da forma de um objeto na intuio,
ligado apenas ao sujeito, e no ao objeto, o prazer no pode mais do que exprimir a
adequao desse objeto s faculdades de conhecimento que esto em jogo na faculdade do
imaginao nunca pode suceder, sem que a faculdade do juzo reflexivo, tambm sem
inteno, pelo menos a possa comparar com a sua faculdade de relacionar intuies em 36.
Senso comunis no , portanto, um senso
comum, uma deliberao imediata acerca de algo, uma deliberao objetiva, mas senso comunitrio. Alm do contrato inteligvel e metafsico no supra-sensvel de que todo homem racional participa, Kant pensa em um
versal entre os homens que julgam reflexivamente a histria e a
35 C.F.J. Introduo p. 3436 C.F.J. Introduo p. 34
estranha ambigidade gnosiojogo livre dos poderes-de-conhecimento sem aproveit-los pelo menos no imediatamente para a formao de um conceito objetivo, esse tipo de experincia se realiza principalmente no pr-conceitual, isto , no modo da sensibilidade; deixando, no entanto aquele objeto no totalmente indeterminado (por ele ficar
sempre contm, ao mesmo tempo, um elemento que ultrapassa, pelo menos tendencialemente, o puro sensvel em direo a esfera de algo objetivo-
34
Apesar do juzo reflexivo no servir a nenhuma instncia, ele deve realmente abrir
perspectivas para a realizao por meio da reflexo. Esse juzo no leva em considerao o
que agradvel ou bom, porque no tem necessidade, de modo algum, do nosso interesse,
do nosso desejo e nem mesmo da nossa aprovao. Aqui o objeto no importa
definitivamente em nada, nem as suas condies de existncia. Os julgamentos proferidos
sobre essa ordem no so de nenhuma natureza moral ou, cognitiva, ou advindos da
sensao.
Segundo Kant, para ajuizarmos algo belo a nossa opinio suprflua, pois no juzo
de gosto a sensao de prazer ou desprazer imediata, ou seja, sem a interveno de
quaisquer conceitos. O que, verdadeiramente, apraz no belo, acontece exatamente no ato
mesmo da fruio. No se tem que simpatizar minimamente com a existncia da coisa, mas
ser completamente indiferente para, em matria de gosto, desempenhar o papel de juiz. Tal
desinteresse tem a sua procedncia no prprio juzo reflexivo. Enquanto os juzos
determinantes determinam, constituem, atuam sobre o objeto, os juzos reflexivos buscam
o universal no particular, procedendo, ento, de uma maneira totalmente diferenciada do
entendimento.
Justamente por esses motivos, a faculdade do juzo reflexiva no tem domnio, no
atua como o terico e o prtico e nem por isso deixa de definir seu territrio, que
justamente estar na interseo do prtico e do terico estabelecendo um novo campo, o
esttico, onde prevalece a ideia de jogo entre as esferas do conhecimento. Esse juzo se
torna de extrema importncia porque, sendo ele isento da responsabilidade de determinar,
ele pode, assim, tornar-se livre de interesses, abrindo um campo de atuao onde tem total
autonomia37.
37 Segundo explicao de Christian Hamm (2009p. 59): Para garantir a possibilidade dessa forma peculiar de
Kant tem que estabelecer (ou melhor, encontra como elemento sistematicamente indispensvel ), alm das faculdades de conhecimento e de apeti
o prprio Kant fala, no Prefcio da Crtica do Juzo, a esse respeito tem sua base e se manifesta, segundo ele, no em conhecimento ou
idias, mas unicamente no harmonioso jogo-em-conjunto dos poderes-do-conhecimento, num jogo no identificvel objetiva e conceitualmente, mas, contudo, subjetivamente necessrio. Involuntrio mas no casual, esse jogo indica o que o entendimento no pode fundamentar e com o que a razo s pode sonhar, a
intuio
35
A faculdade de julgar, que reflexivamente opera de maneira autnoma, joga. S
desse jogo pode surgir a inteirao necessria que gera a experincia genuinamente
esttica. Em termos mais diretos podemos compreender que, em Kant, a efetivao da
atividade reflexionante exige do sujeito um ajuizamento totalmente desinteressado, fruto
do jogo livre entre entendimento e imaginao, que gera o sentimento prazeroso de belo: e
no caso do livre jogo entre a razo e a imaginao, gera o do sublime. Com o
gosto aqui compreendido como o sentimento de prazer e desprazer. No tendo porm,
como base de determinao algo apenas subjetivamente prazeroso, tampouco algo
objetivamente determinado por intermdio de conceitos, mas tendo somente o prazer
genuinamente esttico e a validade universal desse estado. O que permite, em um juzo de
gosto, demandar de qualquer um acordo unnime acerca da validade universal deste juzo.
Podemos falar do
reflexionante do juzo, o jogo harmonioso das faculdades de conhecimento, e o sentimento
de prazer e desprazer so conceitos que permitem Kant apresentar a experincia
genuinamente esttica. S o jogo das faculdades do nimo assinala a possibilidade de
pensarmos uma harmonia preestabelecida.
1.3 Schiller: conhecimento ou moral na filosofia Kantiana
Ali onde eu apenas derrubo e ataco as outras opinies doutrinrias, sou rigorosamente kantiano; somente ali onde eu construo, encontro-me em oposio a Kant.
Schiller
O ltimo pargrafo do tpico anterior condensa boa parte do pensamento de Kant
que interessa a Schiller do ponto de vista do conhecimento e da esttica, tanto no que diz
respeito apropriao por parte de Schiller do pensamento de Kant quanto aos aspectos
divergentes. Desde quando Kant lana a ideia de jogo, que absolutamente explorada por
Schiller, at o ponto em que Schiller vai alm de Kant ultrapassando o prprio conceito de
jogo e o pondo como o cerne do seu pensamento. Poderemos observar que Schiller busca ir
alm do modelo kantiano, e compreende o jogo entre as capacidades racionais e sensveis
do homem como a ausncia de regras ou conceitos, criando uma verdadeira possibilidade
de liberdade e completude humana.
36
Uma das principais mudanas que Schiller executa em relao filosofia de Kant
diz respeito funo dos juzos e ao arranjo das faculdades de conhecimento que, em Kant,
como vimos, ganha novos contornos com o juzo reflexivo. Esse tipo de ajuizamento, para
Schiller, no limita seu desempenho a somente operar o jogo das faculdades de
conhecimentos e garantir o seu estado de reflexo, mas consiste tambm na assimilao de
um material que dado razo prtica, a qual est em jogo com o entendimento. Quer
dizer, Schiller v uma nova pos
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