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Tiago Adão Lara
AS RAÍZES CRISTÃS DO PENSAMENTO DE ANTÔNIO PEDRO DE FIGUEIREDO
2ª edição Editora da UEL (Universidade Estadual de Londrina) Londrina
2001
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ÍNDICE
Pág.
INTRODUÇÃO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . 3
PRIMEIRO CAPÍTULO-
Cl ima cultural em que viveu
Antonio Pedro de Figueiredo
1. A retaguarda européia .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . 6
2. O cl ima cultural de Pernambuco... . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . 16
3. O Brasi l e a f i losofia na primeira
metade do século XIX.... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . 21
SEGUNDO CAPÍTULO
Dados biográf icos e formação cultural
de Antonio Pedro de Figueiredo... . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . 26
TERCEIRO CAPÍTULO
A revista “O Progresso” e a polêmica
sobre o social ismo.... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . 38
QUARTO CAPÍTULO
O Folhetim A Carteira .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . 58
QUINTO CAPÍTULO
As raízes cristãs do pensamento de
Antonio Pedro de Figueiredo ... . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . 70
CONCLUSÃO .... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . 114
BIBLIOGRAFIA... . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . 117
NOTAS .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 123
ANEXOS – TEXTOS DE ANTONIO
PEDRO DE FIGUEIREDO ... . . . . . . . . . .. . . . . . . 132
3
INTRODUÇÃO A f igura de Antônio Pedro de Figueiredo, caída no olvido prat icamente após a sua
morte, encontrou em Gilberto Freyre, nos seus l ivros Nordeste e Um engenheiro
francês no Brasi l , o defensor de uma at i tude mais atenta para com este jornal ista
pernambucano, falecido em 21 de agosto de 1859.
Respondendo a seu apelo, o prof. Amaro Quintas apresentava em 1946, na sua tese
de concurso para provimento da cadeira de história do Brasi l , do Colégio Estadual
Pernambucano, sob o t i tulo: O sentido social da Revolução Praieira, a f igura de
Figueiredo, no contexto histórico que precedeu a essa revolução. Baseou-se nos
jornais e periódicos da época e da revista O Progresso, que circulou em Recife de
julho de 1846 a setembro de 1848, e da qual Figueiredo foi redator-chefe.
Era natural que Amaro Quintas enfat izasse, então, aquela faceta do pensamento
f igueirense que o aproximava das idéias dos social istas franceses; e que acentuasse
o interesse demonstrado pelo mesmo para as reformas sociais da estrutura
lat i fundiária do Brasi l e, sobretudo, de Pernambuco daquela época. Mais tarde,
prefaciando a reimpressão da revista O Progresso, o prof. Amaro Quintas volta a
acentuar o caráter social do pensamento de Antônio Pedro de Figueiredo.
Reconhece a inf luência sobre ele de Buchez, Lamennais e Lacordaire. A perspectiva
se alarga, se acrescentarmos a isto a inf luência do pensamento de Cousin e de
Theodoro Jouffroy sobre Figueiredo, reconhecida e explorada, sobretudo por
aqueles que se preocupam mais com o aspecto f i losófico de sua obra. É o caso, por
exemplo, do Prof . Antonio Paim.
Por sua vez, o Prof. Vicente Barretto, estudioso do pensamento l iberal no Brasi l ,
apresentou uma comunicação sobre Figueiredo, na 2ª Semana Internacional de
Fi losofia, real izada sob os auspícios da Sociedade Brasi leira de Fi lósofos
Catól icos, de 14 a 20 de julho de 1974. O tí tulo da comunicação foi "O l iberal ismo
de Antônio Pedro de Figueiredo". Mais tarde, essa comunicação foi publ icada pela
Revista Brasi leira de Fi losofia, sob o t i tulo. "Antônio Pedro de Figueiredo: Uma
revisão crít ica". Segundo o Prof. Barretto, em que pese à classif icação de
social ista, que o própr io Figueiredo se dá, ele é fundamentalmente um l iberal.
Na anál ise, portanto, do pensamento polí t ico e social de Figueiredo, duas teses se
defrontam: aquela que lhe atr ibui um pensamento de cunho eminentemente
social ista. Nessa tese, encontramos, com pequenas diferenças Gilberto Freire,
Amaro Quintas, Vamireh Chacon e Nelson Nogueira Saldanha. A tese de Vicente
Barretto, que procurou mostrar, como as idéias de cunho social, di fundidas por
Figueiredo, nada mais são do que exigências do mesmo arquétipo polí t ico l iberal,
que se caracteriza pela defesa do estado de direito.
4
Procurando ver a matr iz f i losófica do pensamento de Figueiredo, e colocando-o ao
lado dos eclét icos, encontramos autores como Antônio Paim, Luis Washington Vita
e João Cruz Costa.
Ao entrarmos em contato com o pensamento de Antônio Pedro de Figueiredo, pelas
páginas de O Progresso, pareceu-nos que podíamos procurar, para além do seu
l iberal ismo ou do seu social ismo, algo mais na raiz, l igados as tradições cristãs da
cultura brasi leira e a formação do próprio Figueiredo.
A única maneira de testar nosso pressentimento era real izar a tarefa assinalada por
Antonio Paim, ou seja, entrar em contato com o toda da sua obra. Ousamos fazê-lo.
Cresceu em nós a convicção do que pressentíamos. Eis aí, portanto, o fruto da nossa
pesquisa que, esperamos seja proveitosa. Nossa contr ibuição ao conhecimento de
Antônio Pedro de Figueiredo não se si tua, propriamente, na l inha de revisão dos
estudos que precederam. É uma perspectiva a mais que não pode f icar esquecida, ao
se tentar uma interpretação global da sua obra como escri tor.
Para que possamos nos guiar diante das várias abordagens feitas ao pensamento de
Antônio Pedro de Figueiredo, nosso trabalho se inicia com uma visão panorâmica
do mundo l iberal, trabalhado já pelas correntes reformistas. É assim que o primeiro
capítulo versa o l iberal ismo, o social ismo utópico, o intervencionismo estatal, as
correntes sociais cr istãs e o mundo f i losóf ico brasi leiro, na primeira metade do
século XIX. No segundo capítulo, há algumas rápidas notícias biográf icas. No
terceiro e no quarto capítulos, anal isamos os escritos de Figueiredo. É no quinto
capítulo que procuramos demonstrar a nossa posição. Uma breve conclusão põe
termo a essa dissertação para o êxito da qual muitos contr ibuíram. A eles nossos
agradecimentos.
5
PRIMEIRO CAPÍTULO Clima cultural em que viveu Antônio Pedro de Figueiredo
6
1. A RETAGUARDA EUROPÉIA
1.1 Nada de estranho veri f icarmos que as idéias veiculadas na primeira metade do
século passado , no Brasi l , encontram sua origem na Europa. Nada de estranho
veri f icar que movimentos polí t icos, econômicos e sociais que tecem a trama da
nossa história nessa época, sejam versão brasi leira de movimentos congêneres, na
Europa. Bastaria recordar que Arnold Toynbee considera como unidade de estudo
histórico não a história universal ou a história nacional, mas sim a história de uma
civi l ização1. Europa e Brasi l pertencem ao mesmo processo de civi l ização. Normal,
portanto, que a intel igibi l idade de nossa história não se perfaça sem estarmos
atentos à história da Europa. Daí a necessidade dessa incursão a qual chamamos “a
retaguarda européia”.
Sem endossarmos tudo aqui lo que Victor Cousin e Théodore Joutfroy, autores
conhecidos e ci tados por Figueiredo, dizem a respeito da anál ise histórica,
podemos, contudo, concordar com eles em várias
de suas af irmações, a respeito da época em que viveram. Ambos encontram a
intel igibi l idade do século XIX, proximamente, no século XVIII e, remotamente, no
século XVII; e mais para trás ainda, nos séculos do Renascimento.
A característ ica primeira do século XVIII fo i o que se pode chamar a independência
da razão humana, em confronto com a revelação cristã e com as autoridades
eclesiást icas. Diz, com clareza, Cousin:
“J ’a i dû commencer par met tre sous vos yeux le XVl lle . siècle avec tous ses éléments
essent ie ls, et vous fa ire sais ir son caractère le plus générale . De là j ’a i pu déduire le
caractère généra l de la phi losophie du XVl l le. s iècle; e t comme d ’abord le XXVl l le. s ièc le
ne nous avait paru autre chose que la dernière lut te de l ’espr i t nouveau, c ’est -àdire de
l ’espr i t de la l iber té contre l ’espr i t du moyen âge, en arr ivant à la phi losophie du XVl l le.
siècle, nous avons reconnu qu’e l le n ’est pas non plus autre chose que la victo ire défin i t ive
de l ’espr i t de l iber té sur le pr inc ipe de l ’autor i té qui const i tua i t la phi losophie du moyen
âge. La p lus haute indepédance de la raison humaine, te l est donc le caractère général de
la phi losophie du XVl l le . s ièc le, te l le est l ’uni té de cette phi losophie”2.
Interessante observar como André Vachet, quando quer anal isar a ideologia l iberal
remonta também ao século XVIII3. E o motivo que o levou a escolher o século
XVIII é que, no séc. XIX, nós já encontramos uma sociedade l iberal. Uma
sociedade l iberal é já o l iberal ismo encarnado; portanto, sob o inf luxo de outras
forças ideológicas. Para descobrir na sua fonte o liberal ismo é preciso remontar à
sua gênese como ideologia. Ouçamos Vachet:
7
“. . . i l sera possib le de considérer le l ibéra l isme comme l ’expression idéologique de la
genèse et de l ’a f fermissement de la société qui naît en Europa centra le, puis en Amérique,
à la sui te de l ’éc latement de la soc ié té médiévale. l l va en apparaître, en ef fe t , comme
" l ’ex istence idéale" sous l ’Ancien Régime, avant qu’e l le ne naisse socio logiquement en
Angleterre et en Amér ique à la f in du XVl l le. s ièc le, puis en France et en Europe
cont inenta le au XIXe. s iècle . . .
“. . . l ’é tude théor ique du l ibera l isme doi t por ter sur la pér iodo qui précède immédiatement
l ’histo ire de la soc ié té, et doi t même remonter au coeur de la pensée et de la soc iété
médiévales. Le système l ibéra l is te comme idéologie d ’autre part , s ’achève avec
l ’établ issement de la soc ieté l ibérale; s ’ i l cont inue de la just i f ier , i l cesse de se
developper comme le v ivant adul te voi t arrê ter sa croissence. De phi losophie, i l devient
soc io logie et his to ire . Voi là pourquoi notre analyse porte essent i l lement sur la pér iode qui
va de la f in du Moyen Age à la Révo lut ion Française, e t part icul l ièrement sur le point
d ’arr ivée idéologique du l iberal isme au XVl l le. s ièc le” 4.
Reconhece Vachet que podemos falar de l iberal ismo nos séculos XIX e XX, mas já,
então, estamos também sob inf luência de outras forças como “les idéologies
social istes et le développement social, économique et pol i t ique”5.
Temos, portanto, já esboçadas para nós estas característ icas da primeira metade do
século XIX, na história da Europa: o mundo novo, que surgiu após o desaparecer do
mundo medieval, se encarna naqui lo que se chamou a sociedade l iberal. Nada fáci l
def inir essa sociedade de maneira precisa mas um dado parece fundamental na
procura dessa definição: o apreço pela l iberdade. Eis como descreve essa sociedade,
mais que a define, o próprio Vachet, em termos sociológicos, após tentá-lo fazer em
termos de Weltanschaung e de f i losofia:
“Le l ibéra l isme déf ini t une société qui concrètement s ’ ident i f ie . . . sur le p lan pol i t ique,
par la démocrat ie par lamenta ire ; sur le p lan économique par le cap ita l isme industr ie l de
pet i tes et de moyennes unités; sur le p lan soc ial , par l ’accession au pouvo ir et la
dominat ion de la bourgeo isie ; sur le p lan culturel , par les l iber tés de pensée et
d ’expression; sur le p lan mora l, par l ’ ind ividual isme; sur le p lan internat ional par ( le)
fameux pr inc ipe des nat ional i tés; sur le p lan rel igieux, par un ant ic lér ica l isme plus ou
moins viru lent ou modéré selon les pays”6.
A tese de Vachet é que natural ismo, racional ismo e individual ismo são três
característ icas do l iberal ismo. Embora se encontrem e se impliquem mutuamente no
processo que fez nascer a sociedade l iberal, a partir da deterior ização da sociedade
medieval, co-implicam antinomias sérias. A superação dessas antinomias dá-se, em
plano ideo1ógico, pela subordinação do natural ismo e do racional ismo ao
individual ismo. Esse, por sua vez, não é expressão de uma f i losofia da
individual idade considerada abstratamente, como uma natureza humana ideal,
metafísica, mas de uma maneira concreta e histórica. O indivíduo toma consistência
axiológica enquanto proprietário.
8
“Cet te révolut ion économique pr ivi légiai t l ’ idée de pro fi t e t d ’appropr iat ion que la
Physiocrat ie v ient abso lut iser; et par là, e l le expl ique sans di f f icul té la réduct ion à la
propr iété de toutes les valeurs humaines et des d i fférents rappor ts sociaux”7.
A essa luz se entende como, na sociedade l iberal, o indivíduo enquanto indivíduo
simplesmente, está desprovido de qualquer garantia polí t ica ou legal. Passa a gozar
delas enquanto proprietário. O que torna verdadeira também a tese de Adam Smith:
“ là oú i l n ’y a de propr ieté, i l ne peut exister gouvernement, dont la f in propre est de
protéger la r ichesse et de défendre le r iche contre le pauvre”8.
Seria longo por demais traçar o caminho fei to pelos f i lósofos e pelos economistas
sob as instâncias dos grandes proprietários de terra e da emergente burguesia, que
se dera ao comércio e à indústr ia, para se chegar a uma just i f icação racional do
estado de privi légio de que gozavam essas classes. Ainda mais que a
“racional idade” que as just i f ica emerge, por sua vez, de uma perspectiva nova de
encarar o homem, perante o outro homem, perante a natureza e perante os valores
transcendentes.
O que nos vem ao caso, porém, é apontar as apl icações polí t icas e econômicas que
resultam de todo um longo e complicado trabalho histórico. Fazemo-lo com o
auxíl io de Paul Hugon:
“Os f is iocratas (e o que diz, aqui, Paul Hugon dos f is iocracias, segundo Vachet , va le
fundamentalmente também da esco la l ibera l c lássica) vão protestar pe lo exercício p leno
dessa l iberdade na esfera econômica.
— “Liberdade para exercer o homem a sua at ividade como bem lhe aprouver; l iberdade,
portanto , de trabalhar , mas também de não trabalhar.
— “Liberdade de conservar o homem o produto de seu t rabalho e de le d ispor , isto é,
af i rmação e defesa do direi to de propr iedade sob todas as suas formas, mobi l iár ia ou
imobi l iár ia .
— “Liberdade, enfim, de plena a l ienação, seja vendendo o produto de seu trabalho, seja
adquir indo o dos outros, is to é , l iberdade de comércio : l ivre concorrência. . . “9 .
Do ponto de vista polí t ico, na concepção l iberal, o estado entra como fator de
segurança, ou seja como uma organização jurídica que proteja o princípio
fundamental, que é o direito de propriedade. Não está ínsita na ideologia l iberal a
democracia, como a entendemos hoje. Os f isiocratas pleitearam até uma monarquia
absoluta1 0. É muito importante acentuar esse ponto para se poder entender o
l iberal ismo brasi leiro. A obra do Prof. Vicente Barreto, A ideologia l iberal no
processo da independência do Brasi l (1789-1824) é elucidativa disto que, à
primeira vista, poderia parecer a nós, atualmente, um paradoxo: l iberais,
defendendo um governo não democrát ico.
9
Transcrevemos, aqui, uma página da obra c i tada, quer pela sua clareza, quer para
acentuarmos um dado cultural da importância bastante relevante na interpretação do
pensamento de Antônio Pedro de Figueiredo.
Diz-nos o Prof. Vicente Barretto:
“Os propr ie tár ios desse modo transformavam-se nos efet ivos detentores do poder. A
decisão l ivremente tomada entre eles obr igava os que não eram propr ietár ios. Tomada a
decisão todos ser iam obr igados a aceitá-la, mesmo aqueles que discordavam. O
ind ividual ismo de Locke exigia a supremacia da co let ividade sobre os interesses
part iculares. . . .
Vemos, portanto, como a idéia l iberal independia do ideal democrát ico. Foi preciso
uma longa evolução na teoria l iberal para que o ideal democrát ico pudesse ser
incorporado ao l iberal ismo.
A economia de mercado criou uma sociedade, que t inha por fundamento a l iberdade
individual expressa no contrato. A melhor oferta era preenchida pelo mais apto. A
diferença entre este t ipo de mercado de trabalho e o dos períodos históricos
anteriores residia no fato de que na sociedade de mercado as pessoas se
consideravam l ivres para escolher. O capital ista passou, dentro do sistema, a poder
usar o trabalho da pessoa.
“Para o s istema cap ital ista funcionar, uma das condições era a existênc ia de um sistema de
governo responsável, não arbi trár io. Necessitava-se de le is , regulamentos, estrutura f isca l,
serv iços do Estado (defesa, educação, saúde), que possib i l i tassem o funcionamento do
sis tema de forma lucrat iva e efic iente. Nisto tudo a par t ic ipação popular no governo era de
menor impor tância”1 1.
Podemos, porém, af irmar que o l iberal ismo, como ideologia, e a sociedade l iberal
como real idade social e histórica, incluem na sua própria “ just i f icação” elementos
que podiam gerar contrastes. Uma vez que se encarna historicamente, o l iberal ismo
começa o processo de questionamento, de crise, de superação de si mesmo, a tal
ponto que se pode dizer ser o social ismo, ou as várias correntes social istas, fruto
das tensões que o l iberal ismo e a revolução industrial cr iaram e para as quais não
foram capazes de apontar uma l inha de solução.
Destarte, a Europa da primeira metade do século XIX é uma Europa já trabalhada
por forças que reagem à mental idade l iberal gerada no século XVIII.
1.2 Não é indiferente para a compreensão do pensamento de Figueiredo, um lance
de olhos sobre essas outras forças que atuam na Europa, nessa primeira parte do
século passado. Pelo contrário é de importância máxima.
1 0
Segundo Paul Hugon, a diferença fundamental entre o social ismo, ou as várias
correntes social istas, de um lado, e o l iberal ismo de outro, é que
“a igualdade const i tu i um traço caracterís t ico do soc ial ismo, podendo-se dizer mesmo um
dos seus impor tantes caracteres internos: todavia é, por si só, insuf ic iente para dist ingui -
lo e def ini - lo. A busca da igualdade e, deste modo, a busca da just iça, é, sem dúvida, um
dos maiores va lores do soc ial ismo, mas esse va lor é d ivid ido com outras expressões
doutr inár ias do pensamento contemporâneo.. . A soc ial ização da economia const i tuir ia um
meio
de se real izar a igualdade de fa to: impl icar ia a l imi tação ou a supressão do d irei to de
propr iedade pr ivada.. . A histór ia do soc ial ismo const i tui um pro testo, cont inuamente
renovado, contra o regime de propr iedade pr ivada.. .
“A host i l idade do soc ial ismo para com a propr iedade pr ivada const i tu i , pois, uma das
pr incipais característ icas externas, permanente quanto ao espír i to , mutável quanto à sua
apl icação.. .
“A igualdade const i tu i o objet ivo col imado. A supressão – total ou parcia l – da
propr iedade pr ivada e da l iberdade econômica serão os meios preconizados para a
consecução daquele objet ivo”1 2.
É clássica já a dist inção que se faz entre o socialismo utópico (ou espir i tual ista,
como o chama também Paul Hugon) e o social ismo material ista, assim chamado
cientí f ico. O primeiro vige na Europa, até a publ icação de O Capital, de Carlos
Marx, em 1867. É esse t ipo de social ismo que nos interessa. Ligado aos nomes de
homens como Roberto Owen, Charles Fourier, Saint-Simon e os sansimonianos,
Proudhon, Pecqueur, essas correntes social istas utópicas têm de comum duas
característ icas fundamentais: são espir i tual istas e não material istas; são
voluntaristas e não
deterministas.
Sob certo ponto de vista o social ismo utópico continua a tradição do século XVIII,
acreditando no poder de a razão humana descobrir os impasses criados pelo
l iberal ismo, na organização social vigente; e, em geral, dá também um voto de
crédito à l iberdade do homem, julgada capaz de optar pela solução que a razão
apresentar como possível. Nisso estaria justamente o caráter utópico desses
movimentos.
Mas, não foram somente vozes de fora que se levantaram, na crí t ica ao l iberal ismo.
Dentro de casa mesmo, ou seja mesmo entre aqueles que se mantiveram f iéis à
intocabi l idade da propriedade privada, surgiram as crí t icas, no sentido de pedir
mais ao Estado, do que ser um simples guardião da segurança da ordem
estabelecida. Surgiu aquela reação ao l iberal ismo clássico, e que tomou o nome de,
intervencionismo social do Estado. Figura de proa nessa maneira de pensar é Jean
Charles L. Sismonde de Sismondi (1773-1842), que Figueiredo conhece e ci ta, quer
em O Progresso, quer em “A Carteira”. Como diz Paul Hugon:
1 1
“Sismondi fo i , a pr incípio, f ie l d isc ípulo de Adam Smith. Em suas pr imeiras obras,
pub l icadas em 1801, e sobretudo em sua Richesse comercia le (1803), adota as teor ias da
Esco la Clássica. Mas logo va i se sent ir v ivamente impressionado pelo desenro lar dos
acontecimentos que presencia. Fer ido o seu espír i to por esse espetáculo , começa, em seus
Nouveaux Principes, publ icados em 1814, por refutar energicamente as conclusões do
l iberal ismo”1 3.
Mas, como observa o mesmo Hugon, se como crít ico Sismondi se aproxima dos
social istas e, às vezes, chega até a sobrepujá-los, nas soluções que apresenta, ele
não é um social ista, pois quer que se corr i jam as falhas do l iberal ismo, mas jamais
pleteiou que se modi f icasse o Princípio, em si, do l iberal ismo, ou seja, jamais
advogou a abol ição do direito da propriedade privada.
1.3 Enquanto, no plano da história, a reação ao ideal do século XVIII se dá através
das crí t icas à sociedade l iberal, no plano das idéias puras a reação se opera através
de um movimento que procura combater os excessos a que o racional ismo do século
XVIII t inha levado a nova cultura. Há uma página de Th. Jouffroy em Cours de
droit naturel que nos parece muito signif icat iva:
“Or, à cette époque, la déser t ion des convict ions anciennes n’éta i t pas du tout
accompagnées du beso in de cro ire. Le beso in de croire ne se fai t nul lement remarquer dans
les écr ivains scept iques du XVl l le. siècle, host i les aux croyances reçues. I ls sont pénétrés
de la miss ion de détru ire, qu’ i ls rempl issent , mais le besoin de cro ire est s i lo in de leur
coeur, qu’ i ls se réjouissent dans le scept ic isme où i ls sont, qu’ i ls en tr iomphent, qu’ i l est
a leurs propres yeux leur p lus beau t i t re de glo i re. Nous sommes arr ivès à une époque où
le résulta ts de cette lut te destruct ive subsiste, mais où, a côte de ce resulta t , a cessé de
subsister cet te jo ie de ne pas cro ire, qui l ’accompagna dans le XVII (na segunda ed ição
está c laro "d ix-huit iéme siècle") . Ce changement est grand. Messieurs, i l devai t ar r iver .
Et, en ef fe t , i l n ’est pas dans la nature de l ’espri t humain de rester sans lumières sur les
quest ions qui l ’ intéressent. L ’espr i t humain, quand i l a perdu la vér i té, a besoln de la
retrouver ; i l ne peut pas v ivre sans el le”1 4.
Jouffroy resume aqui toda a problemática da segurança intelectual, perdida com a
crít ica do século XVIII. Tudo o que consti tuíra os valores, sobre os quais se
assentara a sociedade medieval, e que vinha sendo contestado desde o século XVI
no mínimo, fora completamente solapado pelo século das luzes, em nome da mais
genuína das aspirações humanas: ser l ivre. Mas, as décadas de revolução geraram
no europeu, uma espécie de decepção, de cansaço e de insegurança. A ciência, a
razão l ivre, o progresso, tudo isto estava bem. Mas não se teria jogado fora, com os
esquemas antigos, mui to valor precioso?
Dá-se, então, uma volta ao passado. Volta que pode assumir uma at i tude superf icial
e inaceitável, pois seria repudiar o que de realmente vál ido se obtivera no século
XVIII; mas também outro t ipo de volta que signif icava uma reconsideração da
1 2
existência, para descobrir o que, no fervor da polêmica, f icou esquecido, e que era
urgente recuperar.
Nessa segunda at i tude, para manter-nos somente em França, cuja inf luência sobre a
cultura brasi leira da época é inegável, encontramos a f igura de Maine de Biran.
Nas suas primeiras ref lexões sobre o homem, Biran reconhece uma atividade
original e irredutível, que escapou à anál ise lógica de Condi l lac e aos esquemas
f isiológicos de Cabanis. Essa at ividade original é o eu, que é uma força e um
princípio de unidade. O eu toma consciência de sua força e de sua unidade no ato
pelo qual ele se dispõe à atenção, na iniciat iva que então ele assume, no esforço
que emprega para dispor de seu cérebro e de seu corpo.
A at ividade do eu não é uma força vi tal (biológica), mas um dado especif icamente
psicológico. Biran toma consciência de uma dual idade de princípios: uma faculdade
de sentir e uma de agir.
Coincidindo com a fonte do querer e da consciência, separada da fonte do desejo e
da sensação, o princípio at ivo é submetido então a uma ref lexão que acusa cada vez
mais sua natureza de “fatointerior”. Fruto destas conclusões é o Memoire sur la
décomposit ion de la pensée, de 1804 que passou a ser, em redação posterior. l ’Essai
sur le fondements de la psychologie.
Nessa obra encontramos o seguinte:
a) o fato não é apenas pura passividade, mas também atividade.
A sensação, descri ta por Condi l lac, não chega, pois, a ser um fato, se for apenas
uma passividade.
b) O fato supõe, desta maneira, dois elementos irredutíveis, o sujeito (at ivo) e o
objeto (passivo).
c) Estabelecido, porém, que o fato primit ivo implica relação com um objeto, parece
criar-se uma séria objeção ao ponto de vista de Maine de Biran, ou seja: como se
pode falar em fato interior?
d) A solução do impasse, é efetuada mediante a tomada de consciência de que à
noção de causa, profundamente arraigada em nós, precede algo de mais profundo.
Diz Maine de Biran:
“Nous ne pouvons nous connai tre comme personnes individuel les, sans nous sent ir causes
rela t ives à certains ef fe ts ou mouvements produi ts dans les corps organiques. La cause ou
force actuel lement app l iquée à mouvoir les corps est une force agissante que nous
appelons vo lonté: le moi s ’ ident i f ie complèment avec cette force agissante. Mais
l ’exis tente de la force n’est un fai t pour de moi qu’autant qu’e l le s ’exerce, e t e l le ne
s ’exerce qu’autant qu’el le peut s ’app l iquer à un terme résistant ou innerte"1 5.
1 3
Dessa maneira, no fato interior do “eu-como-causa”, do “eu-quero”, supera-se, de
um golpe, a problemát ica do abismo entre o sujeito e o objeto: ambos são colhidos
como dist intos, mas o “ eu-como-causa” exige o objeto como ponto de referência.
Em Maine de Biran, de certa maneira, o espír i to francês se reconci l ia consigo
mesmo, o século XIX se rel iga à tradição espir i tualista de toda a história da França.
E o importante é que se faz isso dentro do espír i to do século: a valorização da
razão e do fato, do racional ismo e do empirismo. A razão, não mais sob a
hegemonia da fé, mas em toda a pujança de sua original idade e independência; e o
fato, na sua pureza de fato, e não no pressuposto medievo de uma criatura.
Ao espír i to e ao método de Maine de Biran se prendem Victor Cousin, Jouffroy,
enfim toda aquela corrente que se chamou o eclet ismo, Por algum tempo, ela
pareceu satisfazer às exigências da época. Exigências que se poder iam resumir, com
todas as inconveniências dos resumos, assim: recuperar a dimensão espir i tual ista e
transcendente da vida humana, dentro das exigências de uma razão l iberta da fé.
1.4 A Igreja, a nova cultura e a nova ordem social
A cultura do século XVIII e a nova ordem social que a encarnou, no século XIX,
isto é, a sociedade l iberal, t iveram como característ ica marcante a secularização e
até mesmo o anticler ical ismo. Isso não signif ica, porém, que a Igreja (e nos
referimos à Igreja Catól ica, por causa da anál ise histórica, na qual
estamos empenhados) tenha deixado de exercer sua inf luência sobre essa sociedade.
Falando de maneira global e olhando sobretudo a Igreja nos seus organismos
of iciais, podemos af irmar que a at i tude dela diante da nova ordem de fatos foi uma
at i tude de rejeição, que culminou com a encícl ica de Gregório XVI “Mirari vos”, de
15 de agosto de 1832.
Em França, foco do l iberal ismo, alguns cristãos, inclusive sacerdotes, tentaram um
diálogo com o l iberal ismo. É o caso do grupo l iderado por Lamennais e que editou a
revista L’Avenir. Ao lado de Lamennais encontramos Gerbert, Lacordaire e
Montalembert, chamados catól icos l iberais democrát icos A “Mirari vos” at ingiu-os
de cheio e dispersou o grupo. L’Avenir defendia l iberdade polí t ica incondicionada
dos povos e a necessidade da separação entre Estado e Igreja, além de outras
l iberdades.
De outro lado, porém, após as guerras napoleônicas e a restauração dos Bourbons,
nota-se um ref lorescer do fenômeno rel igioso. Na Revue des Deux Mondes de 1844
saiu um longo e abrangente art igo, assinado por Charles Louandre que anal isa o
fenômeno, nos seus vários aspectos. No início do artigo, recorda ele as
manifestações rel igiosas freqüentes e majestosas, que se podiam presenciar em
França, sobretudo a part ir de 1830. E pondera:
1 4
“On sai t l ’á f f luence qui se porte aux égl ises dans les grandes so lennités, l ’empressement
du publ ic à suivre les prédicat ions des orateurs chrét iens, le succes des cours de la faculté
de théologie, e t , s ’ i l convient de fa ire une assez large par t à la cur ios i té de la foule, i l est
juste aussi de reconnat tre qu’au- près des oisi fs et des cur ieux i l y a les chrét iens
sincères”1 6.
O art igo de Louandre, porém, no seu conjunto, é um tanto ret icente quanto à
profundidade deste movimento. Anal isa, em três partes, páginas 98-133, 325-351,
462-496 os eruditos, os apologistas, os historiadores, os f i lósofos, os utopistas, os
míst icos, os taumaturgos, os poetas, os romancistas, e chega a uma conclusão: em
geral, os movimentos culturais são pobres. Uma volta ao passado é a aspiração
comum, sem coragem de olhar para a frente.
Não é muito diversa a apreciação que encontramos na História da Igreja, de
Bihlmeyer – Tuechle, referindo-se à si tuação da Igreja na França:
“Uma sér ie de homens excelentes, ót imos dia lét icos e escr i tores, preocuparam-se com
ardente entusiasmo, embora não sem exageros e fa lhas teológicas, em reabi l i tar o
cr ist ianismo aos olhos dos contemporâneos, em vivi ficar e conci l iar entre eles rel igião e
cul tura. Assim, especialmente a lguns romancistas como o visconde Francisco Renato de
Chateaubr iand (… 1848) , com a sua cé lebre obra Le gén ie du Christ ianisme” ; e seguem os
nomes de De Maîst re, de De Bonald, de Lamennais, de Gerbert , Fal loux e de Freder ico
Ozanam.” Mas, cont inua depois o texto : “Além disso, general izou-se o acentuar-se sempre
mais o afastamento dos operár ios industr ia is da Igreja e do cr is t ianismo. Apenas uma
minor ia catól ica dos cató l icos f ranceses se ocupava da questão soc ia l , os quais
propendiam a ver a so lução dela na at iv idade car i tat iva e, no máximo, nas formas dos
patronatos, não na transformação das re lações de trabalho, segundo as regras da just iça; na
elaboração soc ia l , quase não tomavam parte”1 7.
Sob outro ponto de vista, o do encontro das mental idades, anal isa Émile Saisset a
posição da Igreja:
“Qu’y a-t - i l dans ce mouvement des intel l igences dont la conscience pub l ique se puisse
alarmer, e t que le c lergé ai t le dro i t de reprouver et de maudire? La phi losophie relève le
drapeau de Descartes et de Leibnitz, le drapeau d ’un spir i tual isme rajeuni e t fécondé par
l ’espr i t nouveau, capable de sat is fa ire ces nob les beso ins re l ig ieux qui éclatent de toutes
partes avec une si grande puissance. Que le c lergé suive cet te impuls ion généreuse au l ieu
de déf igurer e t de la combatt re; qu’ i l nous rende la théo logie profonde de Bossuet e t de
Fénelon en l ’appropr iant à l ’espr i t de notre siècle; ou, s ’ i l ne peut suf f i re a cette tâche,
s ’ i l s ’en reconnai t incapable, qu’ i l cesse a lors de prétendre au gouvernement des
inte l l igences, et la isse faire à d ’autres ce qu’ i l ne lui est pas donné d ’accompl ir . I l faut le
d ire net tement: la première et la pr inc ipale source de mauvais sent iments et des mauvais
desseins du c lergé a l ’égard de la phi losophie, c ’est le défaut de lumières. Plus instrui t , i l
aurai t moins d ’ombrages; p lus for t et p lus sûr lui même, i l ferai t vo ir p lus de ca lme et de
gravi té; mei l leur théologien, i l serai t p lus phi losophe”1 8.
1 5
O texto ci tado é conclusão de um art igo, no qual são anal isadas seis obras sobre
f i losofia, escri tas pelo clero entre 1835-1844. Testemunha o estado de espír i to da
época e, sem descer ao mérito da exatidão ou não da crít ica, serve ele ao nosso
intento de mostrar que a Igreja tentava reagir diante da nova situação criada.
Além das dif iculdades de se despir de um longo, e até certo ponto, glorioso
passado, a Igreja da primeira metade do século XIX via também os impasses criados
pelo l iberal ismo e pelo industr ial ismo. O l ivro do Pe. Fernando Bastos de Ávi la, O
Pensamento social cr istão antes de Marx, é uma ót ima amostra de como a crí t ica ao
l iberal ismo, pelo aspecto desumano que ele assumira ou com o qual era conivente,
já começara entre os autores cristãos.
De Lamenais escreve o Pe. Ávi la:
“A importância de Lamennais na evolução do pensamento socia l cató l ico é dec is iva. Na
fase in ic ial dessa evolução, podem-se d ist ingui r com clareza dois períodos: antes e depois
de Lamennais. A sua exper iência pessoal não fo i apenas coextensiva ou paralela ao f im de
um pensamento vol tado para o ant igo regime e ao iníc io de um pensamento vo ltado para os
novos tempos. Lamennais não assist iu apenas à ruptura entre os do is tempos e os dois
pensamentos. Essa ruptura se deu, de cer to modo, dentro dele. Corresponde à sua própr ia
cr ise inter ior . Ele fo i o úl t imo e mais vivo c larão de um pensamento que se ext inguia e
pr imeiro fulgor de uma aurora que despontava. Foi ne le e por e le que morreu o ant igo e
nasceu o novo. Ident i f icou-se totalmente com o tradic ional ismo agonizante, superou-o
cr i t icamente e abr iu-se totalmente ao l iberal ismo nascente”1 9.
Não foi, porém, uma abertura ingênua e acrít ica, pois faz-se ele o denunciador das
injust iças sociais; e, se as soluções apresentadas podem não nos convencer não
podemos desconhecer sua acuidade, na anál ise que faz da situação vigente, em
termos de verdadeira escravidão para o proletariado.
Ao lado de Lamennais, o Pe. Ávi la coloca mais 16 nomes, alguns já ci tados por nós,
como é o caso de De Maistre, de De Bonald, numa posição bastante conservadora;
de Gerbert, de Montalembert, de Lacordaire, numa ati tude de abertura. Há outros
nomes ainda. Deles queremos recordar o nome de Fi l ipe José Benjamin Buchez
(1796-1865) o qual exerceu certa inf luência sobre Figueiredo. Em Introducion à la
Science de l ’Histoire, datada de 1842, diz ele:
“Eis o que é a sociedade moderna, precisamente sob o aspecto industr ia l do qual os nossos
escr i to res mais se ufanam.. . E esse é o estado da Europa, esse é o estado das populações
mais avançadas, cuja c ivi l ização e cujas doutr inas governam o mundo. Essa humanidade
formada ao preço de tantos sacr i f íc ios dos séculos passados deverá então perecer? Os
homens serão reduzidos a vida ind ividual e selvagem, por esse egoísmo fa ta l que introduz
a host i l idade por toda parte?
1 6
“Em presença de um tal espetáculo, d iante de uma tal incógnita, é impossíve l f icar
ind i ferente. É como se t ratasse, para nós, de escolher entre a vida e a morte.
“Homem, é prec iso responder”2 0.
Antes de terminar esse nosso excurso que chamamos de “a retaguarda européia”
queremos just i f icar o fato de termo-nos cingido, prat icamente, a autores franceses.
De um modo geral poderíamos apelar para a posição que a França ocupava, então,
no Ocidente. Mas, de maneira part icular, nossa análise visa compreender o
pensamento de Figueiredo, e, é patente que a matr iz da sua formação intelectual nós
a encontramos na cultura francesa. Por outro lado, a mediação lusitana, na formação
cultural de Pernambuco da primeira metade do século XIX, nós a faremos agora.
2. O CLIMA CULTURAL DE PERNAMBUCO
Sobre as marchas e contramarchas de Portugal e, concomitantemente, do Brasi l ,
diante da nova cultura, já se escreveu bastante. Luiz Antônio Verney (1713-1792),
com o seu l ivro Verdadeiro Método de Estudar, e o Marquês de Pombal (1699-
1782), poderoso ministro de D. José I, colocam-se no começo da abertura da
intel igência luso-brasi leiro para o pensamento moderno. Até à reforma da
Universidade de Coimbra, efetuada em 1772, Portugal se identi f icara com a cultura
medieval, fechamento total aos ventos que sopravam da Europa modernizada.
Não nos compete aqui anal isar esse evento, ajuizar a respeito das interpretações
várias dadas a cada at i tude e a cada personagem. Mandamos para isso o lei tor às
obras clássicas sobre o assunto que são assinaladas na bibl iograf ia.
No segundo capítulo de seu l ivro, Cairu e o l iberal ismo econômico, o Prof.. Paim
diz que a reforma da Universidade signif icava o “reconhecimento de que cabia
legit imar o saber de índole operat iva. Também a f i losofia, l imitado seu ensino ao
Colégio das Artes, plasmou-se segundo o novo estado de espír i to: Locke substi tuía
Aristóteles. Mas não diretamente, através de Antônio Genovesi, mais conhecido por
Genuense (1713-1769). O pensamento moderno se incorporava a meias,
permanecendo a interdição à idéia l iberal. Acontecimentos polí t icos diversos
retardariam a consecução do processo”2 1.
Esses acontecimentos foram: morte de D. José I (1777), ascensão de Da. Maria I,
com o fenômeno da Viradeira, ao menos até 1792, quando ela se enlouqueceu.
Assumiu, então, a regência D. João VI. Depois, a Revolução Francesa e Napoleão,
com a fuga da corte para o Brasi l . Na real idade, só após a nossa independência é
que o l iberal ismo passa a ser aceito no Brasi l . Em Portugal , a vi tór ia da Revolução
Consti tucional ista do Porto, em 1820, possibi l i tava a colocação clara das posições
l iberais.
O Prof. Vicente Barreto, no seu l ivro A ideologia l iberal no processo da
independência do Brasi l (1792-1824), anal isa a atuação das idéias novas na
1 7
Inconfidência Mineira (1792), na Conjuração Baiana (1798), na Revolução
Pernambucana (1817), na hora decisiva da Independência (1822) e na Confederação
do Equador (1824).
O próprio Antônio Pedro de Figueiredo , em “ A Carteira”, publ icada no dia 17 de
março de 1856, em O Diário de Pernambuco, comemorando a revolução de 1817,
recorda para nós as peripécies por que teve de passar o Brasi l , para se beneficiar do
pensamento moderno, na época, identi f icado, sem mais, com o progresso e a
civi l ização (anexo 25).
O Seminário de Olinda
Todos os historiadores estão de acordo em colocar o início da renovação cultural de
Pernambuco, na fundação do Seminário de Olinda, em 1800, por D. José Joaquim de
Azeredo Coutinho (1742-1821). Fale, por todos eles, o mais antigo e o mais
categorizado, Mons. Muniz Tavares, historiador da revolução pernambucana de
1817. Categorizado, não só e não principalmente por ter sido testemunha ocular dos
frutos dessa reforma, mas, segundo Oliveira Lima, por ter sido imparcial, nos
julgamentos que emit iu, na obra que nos deixou.
Diz Mons. Muniz Tavares:
“A instrução púb l ica acanhada em todo o Brasi l , por assim convi r à pol í t ica dos
dominadores, por uma combinação rara di fund ia-se em Pernambuco com glór ia, e ut i l idade
geral . Esta Província t inha t ido a ventura de possuir na qual idade de bispo, e governador
c ivi l , D. José Joaquim de Azeredo Cout inho, o qual apenas e levado a tão respei táve l
d ignidade del iberou ext i rpar a ignorânc ia dos seus é o homem, menos sujei to a víc ios, ou
del i tos comparece. A força de repet idas instânc ias pôde obter da rainha senhora Da Maria
l a entrega, e posse do deser to co légio dos jesuítas em Olinda para aí fundar um
seminár io.
“Douto e vir tuoso pre lado, brasi le iro de nasc imento, e de coração, seus pensamentos não
circunscreveram-se (s ic) ao estre i to c írculo das idé ias rançosas; com penetração havia
esco lhido pro fessores exímios, que consigo trouxe de Portugal. Sua grande capacidade
cientí f ica o exci tava a promover quando não todas as c iências por não ser favorec ido de
mui tos meios pecuniár ios, ao menos aquelas, que se requerem para a boa educação do
clero. E le abr iu o seu seminár io com as aulas de l íngua lat ina, grega e francesa; retór ica,
poét ica, geografia, cronologia, e h istór ia universal, desenho, lógica, metaf ísica, é t ica,
matemát icas puras, his tór ia natura l , sagrada e eclesiást ica, teo logia dogmática, e moral, e
canto chão, aos quais estudos presid ia com zelo indefesso.
“A mocidade pernambucana não podia de ixar de i lustrar -se dir ig ida por tão zeloso re i tor .
Saíam daquele seminár io não só instruídos, e exemplares pastores, que formavam as
delíc ias das ovelhas, das quais se encarregavam, como também jovens hábeis a empregos.
1 8
Nas pr incipais vi las fundavam-se escolas pre l iminares pagas pelo erár io; a c lasse pobre
entrava na part ic ipação das luzes2 2.
Ol iveira Lima, nas suas substanciosas notas a esse trabalho de Mons. Muniz, vai
apresentando pareceres diversos, vai reduzindo a proporções mais modestas certas
af irmações, mas concorda com a substância do testemunho. O fato é que nessa
primeira fase do seminário, que vai ate a revolução de 1817, ele foi a inst i tuição
que preparou a maior parte dos revolucionários, imbuídos das idéias l iberais. Tal
acontecimento é apreciado diferentemente, de acordo com a perspectiva que se
toma. Do ponto de vista eclesiást ico, isso não signif icou uma boa recomendação.
Na História da Igreja de Bihlmeyer-Tuechle, onde, na edição brasi leira, a parte
referente ao Brasi l f icou a cargo de Mons. Paulo Florêncio da Si lveira Camargo, lê-
se o seguinte:
“A re forma pombal ina do ensino culminou com a reforma to ta l da Universidade de
Coimbra em Portugal, cujos novos estatutos estavam eivados das doutr inas ga l icanas e
jansenistas, do l iberal ismo po lí t ico-re l ig ioso.. .
“Os estudantes brasi le iros, tanto ecles iást icos como le igos, fo ram obr igados pelo governo
a estudar nessa Univers idade, onde se formavam os nossos futuros estadistas ga l icanos e
regal is tas, e tornou-se l ibera l a formação do nosso c lero. Esta inf luência nefasta e l iberal
mani festou-se em seminár ios brasi le iros contaminados em Coimbra.
“O seminár io de Ol inda, fundado em 1800, tornou-se um ninho de idéias l ibera is e
subversivas, pois os seus padres pro fessores seculares e regulares, chamados à d ireção do
seminár io, sobretudo os orator ianos (que sobre serem l ibera is adotavam as doutr inas
cartes ianas) haviam cursado a mesma Univers idade”2 3.
Com o fracasso da revolução de 1817, o seminário, como era natural, teve de fechar
suas portas. É reaberto em 1822. Essa segunda etapa de sua vida que foi até 1849,
quando o seminário se viu obrigado a fechar-se, novamente, não teve o esplendor da
primeira Na sua obra, de tônica um tanto laudatória: Escola de heróis (O colégio de
N. Snra. das Graças. O seminário de Olinda) o Cônego José do Carmo Baratta,
reconhece a precariedade desses anos, ainda que em alguns momentos tenha o
Seminário funcionado bem. Além disso “a cr iação do Curso Jurídico de Olinda a 11
de agosto de 1827, muito o prejudicou, afastando das suas aulas numerosos
alunos”2 4.
O Curso jurídico em Olinda
Outro evento de importância relevante vinha marcar a história cultural de
Pernambuco, poucos anos após a independência nacional.
“Votou a Assembléia Geral, e Pedro I , sancionou a Car ta de le i de 11 de agosto de 1827
que, por ser o d ip loma cr iador das Faculdades jur ídicas do Brasi l , merece aqui ser
transcr i ta em sua íntegra. Le i de 11 de agosto de 1827.
1 9
Cria dois Cursos de ciências jur íd icas e soc ia is um na cidade de São Paulo e outro na de
Ol inda.
Dom Pedro Pr imeiro, por Graça de Deus e unânime aclamação dos povos, imperador
Const i tuc ional e Defensor Perpétuo do Brasi l : Fazemos saber a todos os nossos súbd itos
que a Assembléia Gera l decretou, e Nós queremos a le i seguinte: Ar t . 1º Cr iar -se-ão dois
Cursos de c iênc ias jur íd icas e soc ia is, um na c idade de S. Paulo, e outro na de OI inda, e
ne les, no espaço de cinco anos, e em nove cadeiras, se ensinarão as matér ias seguintes:. . .
“ 2 5
Seguem 11 art igos, que regulamentam o funcionamento dos Cursos Jurídicos.
A 15 de maio de 1828 foi solenemente instalado o Curso Jurídico de Olinda.
Começou a funcionar no mosteiro de São Bento Seu primeiro diretor interino tomou
posse no dia 28 de abri l e foi o Dr. Lourenço José Ribeiro. Começava a marcha
gloriosa desta Faculdade, cuja história foi traçada por Clóvis Bevi laqua, por
ocasião do seu primeiro centenário, em 1927.
Divide o autor a história da faculdade, até então, em dois grandes períodos: o
período ol indense: 1828-1854 e o período recifense: 1854-1927. Nessa segunda
fase, Clóvis Bevi laqua insinua uma subdivisão assim: 1854-1882; 1883-1889; 1890-
19272 6. Tem, porém, o cuidado de advert ir :
“estas datas são, apenas, pontos de referênc ia, porque os movimentos intelectuais não se
operam, de súbi to, numa data determinada. Vêm-se preparando, de longe, a té que, num
dado momento, se sente desdobrada nova curva da espira l do progresso”2 7.
Com relação ao período ol indense, reconhece Bevi laqua que é “um período de
ensaios ainda fracos, apesar da boa vontade dos mestres, alguns certamente
dist intos e competentes”2 8. Dentre estes professores, Clóvis Bevi laqua apresenta-
nos um que nos interessa de maneira pecul iar, pelas suas relações com Antônio
Pedro de Figueiredo. É o Dr. Pedro Autran da Matta e Albuquerque, natural da
Bahia, onde nasceu em 1805. Formou-se em Aix, em 1827, e faleceu no Rio de
Janeiro em 1881. Em 1829, Autran já era lente substi tuto, em 0l inda. Em 1830 é
promovido a catedrát ico. Em 1832 “lecionava direito natural por compêndio seu,
aprovado pela Congregação, como se vê da comunicação de Si lva Porto ao ministro
do Império, aos 11 de abri l desse ano”2 9. Bevi laqua acha que deveria tratar-se de
tradução, fei ta por Autran, dos Elementos de direito natural de Zei ler. Mas, em
1848, Autran publ ica sua obra: Elementos do direito natural privado. Antes já
publ icara, em 1844, Elementos de economia polí t ica, a respeito do qual Figueiredo
fará uma recensão em O Progresso, no ano de 1847. Sobre a doutr ina de Autran,
deixamos para outro capítulo alguma apreciação, quando teremos de situar o
pensamento de Figueiredo, no panorama cultural da sua época e do seu meio.
Autran esteve at ivo na vida cultural de Recife, durante toda a vida de Figueiredo,
2 0
pois jubi lou-se após 40 anos de magistério. Com Figueiredo ele vai ter, em 1852,
uma polêmica, pelos diários de Recife, sobre o social ismo, como teremos ocasião
de ver.
Nomes de outros professores são apontados por Bevi laqua, o qual procura traçar-
lhes o perf i l intelectual e informar-nos de suas atividades e de suas publ icações.
Vê-se que, embora chamado período de ensaio, não deixou de ser um início
promissor.
Em 1832 funda-se, anexo à Faculdade, o Colégio das Artes. Prat icamente, era o
reconhecimento, por parte do Estado, do antigo curso do Seminário. Essa fundação
esvaziava o seminário episcopal que f icava apenas com os cursos de teologia,
l i turgia e canto gregoriano, ou canto-chão, como se costumava dizer. Levantava-se
também assim um emulo do Liceu Provincial, o futuro Ginásio Pernambucano de
Recife, de fundação anterior. Mas Recife acabaria por suplantar Olinda atraindo
para si a Faculdade de Direito. Isso se dá em f ins de 1854. Já, então, Recife t inha
sua vida cultural que, exercerá inf luência sobre a Faculdade. Essa, por sua vez,
reagirá.
Recife e o Ginásio Pernambucano
Enquanto em Olinda, o Seminário, o Colégio das Artes e a Faculdade de Direito
mantinham vivas as luzes da cultura, Recife contava com o Liceu Provincial. Sua
história é-nos transmit ida pela obra de Olívio Montenegro, Memórias do Ginásio
Pernambucano. Ideador e primeiro diretor do Liceu foi o Pe. Mestre Miguel do
Sacramento Lopes3 0. A ereção of icial se deu no dia 10 de setembro de 1825, por ato
do presidente da Província José Carlos Mayrinck Ferrão. A f inal idade do mesmo
era, segundo o regulamento provisório, propiciar a Pernambuco uma inst i tuição
“onde a mocidade do país desenvolvendo o seu natural talento nos princípios
elementares da ciência se habi l i te para seguir aquela que mais lhe convier”3 1. Nos
primórdios da sua existência, funcionou no convento do Carmo. Havia duas etapas:
primeiras letras, chamadas aulas menores; e a etapa que consti tuía o ensino
propriamente secundário, aulas maiores, com: desenho, retórica, gramática lat ina,
f i losofia, geometria. Ao lat im dava-se importância máxima, e era requerida
habi l i tação nele, para se matr icular em f i losofia e retórica. Os primeiros
professores eram, na maioria, padres.
O Liceu passou a l iderar, ao menos por direi to, toda a instrução públ ica da
Província. Foi também o lugar onde se exercitaram as intel igências recifenses. Não
podemos historiar-lhe a existência, nem mesmo até 1860, pois seria longo demais.
Queremos ressaltar, porém, que é aqui que Figueiredo vai poder encontrar um
ambiente para exercer sua at ividade intelectual, como professor de português, a
part ir de 1844. Aí lecionam também José Soares de Azevedo, nomeado professor de
francês em 1841; Antônio Rangel Torres Bandeira, amigos de Figueiredo e
2 1
colaboradores seus, na revista O Progresso, ou nas colunas do Diário de
Pernambuco.
Em 14 de maio de 1855 o Liceu sofre estruturação defini t iva e passa a chamar-se
Ginásio Pernambucano.
Ao lado dessas inst i tuições of iciais, surgem muitíssimas outras at ividades culturais,
tão do sabor da época como são as Academias l i terárias. Há uma verdadeira
explosão de jornais e periódicos, cuja história é traçada para nós por Luiz do
Nascimento3 2. O mais antigo jornal da América do Sul, em circulação até hoje, é
justamente o diário de Pernambuco, fundado em 1825.
3. O BRASIL E A F ILOSOFIA , NA PRIMEIRA METADE DO SÉCULO XIX Após esse escorço histórico, em que focal izamos o movimento da cultura, no seu
aspecto global, é justo perguntar-se: qual grau de ref lexão f i losófica havia em
nossa pátr ia, a essa altura? Quais correntes f i losóficas encontravam aqui terreno
propício para acl imatação? A que desafios se procurava responder?
Há os que, à semelhança de Tobias Barreto, lamentaram “não haver como rota
f i losófica domínio algum da at ividade intelectual em que o espír i to brasi leiro se
mostrasse tão acanhado, tão frívolo e infecundo”3 3. Mas como diz Paulo Mercadante
“a violência da increpação dir igia-se aos sectários do espir i tual ismo”3 4. Deve,
portanto, ser um tanto relat ivizada.
Sem dúvida, durante todo o período colonial, nós t ivemos de nos manter numa
situação de abstinência quase completa, em relação ao movimento f i losófico do
século XVIII, pois ele signif icava uma ameaça à hegemonia da metrópole e aos
interesses das el i tes dir igentes. Mas era insustentável este insulamento cultural.
Vimos como, em Portugal mesmo, a part ir de Verney e Pombal, começa a abertura
da intel igentsia lusa para a nova cultura. À universidade de Coimbra reformada e à
França, acorr iam jovens brasi leiros, e eles foram responsáveis pelos primeiros e,
até certo ponto, vigorosos passos, na ref lexão f i losófica de caráter já nacional.
O que encontravam em Portugal? Uma universidade reformada sim, mas uma
universidade que não pudera dar acesso pleno às idéias novas, pois isso signif icava
uma rat i f icação, da parte do Estado português, de uma doutr ina que se opunha
radicalmente à sua polí t ica. Lembremo-nos de que os l ivros do Ensaio sobre o
entendimento humano, de Locke não puderam ser editados em Portugal.
“Mas, (exclama Joaquim de Carvalho) – i ronia do dest ino das idé ias que têm por s i o
futuro – enquanto por um lado se proib ia a venda e a divulgação do pensamento direto do
Ensaio, por outro ordenava-se o f ic ia lmente a adoção do compêndio de Genovesi
(Genuense) , cujo empir ismo mi t igado fazia largas concessões a Locke, e os fundamentos
2 2
epistemológicos do Ensaio, designadamente a cr í t ica do inat ismo das idéias e a or igem
empír ica dos conhecimentos, tornavam-se lugar comum da f i losof ia acreditada e defend ida
em teses de escolas conventuais. O sensismo, o psicologismo e o gramatica l ismo lógico
que se tornaram entre nós p i lares da f i losof ia do pr imeiro quar te l do século XIX,
procedem de Condi l lac e dos Ideó logos, mas o seu êxi to não se compreende sem a lavra
funda com que o empir ismo do Ensaio sobre o entendimento humano, de Locke, revolveu o
terreno em que enra izavam as concepções esco lást icas da Ontologia, do formal ismo
dialét ico e da exp l icab i l idade do mundo natura l”3 5.
No século XVIII, porém, a reforma da Universidade de Coimbra visou, antes de
tudo, a uma crít ica à Escolást ica. Diz o Prof. Antonio Paim:
“o movimento (reação ant iesco lást ica) apresenta a lgumas fases bem def in idas. Na
pr imeira, com o bafejo of ic ia l , tem lugar o processo da Escola. A preocupação é
eminentemente cr í t ica não havendo maior empenho construt ivo . As famosas cartas de
Verney const i tuem o elemento catal isador e fornecem a base para a Reforma da
Univers idade. A part i r desta, estabelece-se o período af i rmativo com a transformação de
Antônio Genovesi numa espécie de f i lósofo o fic ia l . Nas úl t imas décadas do século XVII I e
nos começos do seguinte estrutura-se o pensamento cientí f ico emancipado. Tudo is to sob a
égide do poder pol í t ico que, em seguida a Pombal, tra ta de sufocar toda e qualquer
pretensão a dar conseqüência à reestruturação do pensamento luso-brasi le iro , in ic iada por
Verney. . . Essa reação tem entretanto a lgo de muito pecul iar : conserva o arcabouço
exposit ivo do pensamento esco lást ico e busca al terar - lhe tão somente o conteúdo. O
empenho é mui to mais de conc i l iação que de ruptura com o passado. A tradição esco lást ica
marcou ao pensamento português mui to mais do que ser ia l íc i to admit i r à pr imeira
vis tas”3 6.
É interessante subl inhar essa últ ima observação do Prof. Paim. A tendência para a
conci l iação entre o antigo e o novo vai ser nota dominante da f i losofia brasi leira ao
menos até o advento do posit ivismo, e vai ser a responsável pela aceitação do
Eclet ismo, em determinado momento do processo cultural do Brasi l independente.
No início do século XIX, encontramos em Silvestre Pinheiro Ferreira, com as suas
Preleções Fi losóficas, novamente um “conci l iador”. A tarefa que impõe a si
mesmo, como um serviço à Pátr ia foi assim resumida pelo Prof. Antonio Paim, na
introdução a Preleções Fi losóficas, reeditadas pela Universidade de São Paulo, em
1970:
“Em decorrênc ia das re formas pombal inas, a consc iênc ia luso-brasi le ira incorpora a f ísica
newtoniana e abandona, nesse aspecto, o ar is totel ismo. A ciência da época Moderna ser ia
assimi lada em seu sent ido correto, is to é, como saber de índo le operat iva. A numerosa
plêiade de natural istas formados pela Universidade de Coimbra, a part i r das úl t imas
décadas do século XVII I , desinteressa-se por qualquer t ipo de especulação. Os relatór ios
da Academia de Ciênc ias, por José Boni fácio , comprovam-no à sac iedade, a lém da obra de
cient ista que cada um deles nos legou.
2 3
“Essa absorção do novo saber da natureza representava entretanto uma profunda cisão na
consc iência luso-brasi le ira. No plano ét ico-po lí t ico , eram mant idas as doutr inas
tradic ionais. Restaurar essa unidade perdida – através da incorporação integral do
pensamento moderno – eis a missão a que Si lvestre Pinheiro dedicar ia toda a sua
existência”3 7.
Fá-lo-ia, aceitando o empir ismo lockeano e f i l iando-o a Aristóteles, sem a mediação
da Escolást ica. Para isso, urgia reelaborar o conceito de substância. Não o rejeita,
mas esvazia-o de tudo aqui lo que pudesse levar a uma dicotomia no real. Admite
uma f i losofia da natureza, ret irando-lhe, porém , qualquer caráter normativo. Na
psicologia, procura part ir de idênticos pressupostos empir istas. Mas aqui lo que
visava como meta f inal é apresentado no que então se chamava: O direito
consti tucional. “ Nesse part icular, seu grande mérito, diz Antonio Paim, que vimos
seguindo até aqui, está em haver compreendido que o problema central consist ia no
da “representação”3 8.
Como acenamos atrás, a reforma pombal ina levou portugueses e brasi leiros à
descoberta das ciências, no seu sentido moderno. José Bonifácio de Andrada e
Si lva, por exemplo, é f igura eminente, no campo científ ico, cuja fama extrapola as
fronteiras do mundo luso-brasi leiro.
Nesse contexto entendemos então o zelo de Azeredo Coutinho pelo cult ivo das
ciências, nos seminários não só, mas ao longo de toda a vida dos sacerdotes:
“o pároco, pr incipalmente rura l ou do ser tão, em razão do seu o f íc io, há de ir procurar
uma e mui tas vezes as suas ovelhas espalhadas pelas brenhas, pe las matas, pe los campos e
pelos deser tos. . . e le verá quase sempre objetos novos e var iados, ele examinará por s i
mesmo os produtos da natureza em todas as estações do ano: o animal , o mineral , o
vegeta l , a p lanta, a raiz , a f lor , o fruto, as sementes, tudo será anal isado.
“O seu paroquiano ser tanejo e s i lvestre , a inda mal convalescente, lhe fará ver a erva que o
sa lvou das garras da morte. . . aquela ra iz que ele, no meio da desesperação.. . arrancou,
mast igou, engo l iu, ta lvez já sem algum acordo; e que conhecimento não adquir i rá esse
pároco, das ervas medic inais e das suas v ir tudes, à custa de repet idas exper iências pelos
seus paroquianos? E de que socorro não serão essas descober tas para a humanidade, e
ainda mesmo para o comércio?
“Todos estes e outros mui tos prodígios da natureza, descober tos só por ela mesma, o
pároco, instruído nas ciências natura is e no desenho, saberá descrever c ient i f icamente, e
os fará ver aos sáb ios; ele os desenhará como mestre, com as mais vivas cores de que os
revest iu a natureza, ele os fará conhecer até daqueles que apenas têm olhos”3 9.
A ci tação poderia alongar-se, pois D. Azeredo Coutinho pede aos párocos que sejam
instruídos em mineralogia, em química, em hidrául ica e geometr ia, em física. É
claro que culmina a l ista com a ciência da rel igião. E não pede isso apenas aos
párocos do campo, mas também aos da cidade. Quase no f im deste terceiro capítulo
2 4
de sua obra: Discurso sobre o estado atual das minas do Brasi l, faz uma integração
de ciência e vida, para os sacerdotes, com a seguinte advertência:
“A ocios idade é a mãe de todos os víc ios; um pároco ignorante no meio dos deser tos,
cercado de rúst icos e de feras, vegetando mui tas vezes na oc iosidade e na moleza, de que
víc ios não se verá cercado? E, pelo contrár io, um pároco sábio e instruído, a inda mesmo
no meio dos desertos e da sol idão, ele nunca se verá só, ele se verá cercado da natureza,
convidando-o a conversar com ela e com o seu Cr iador; a l i os seus l ivros e os seus estudos
serão os seus f ié is amigos, os seus companheiros inseparáveis”4 0.
Representantes deste novo t ipo de cultura, são ainda, no nordeste brasi leiro,
Manoel de Arruda Câmara (1752-1810) e Pe. João Ribeiro de Mello Montenegro
(1766-1817). O primeiro, que fora antes frade carmeli ta, após cursar a Universidade
de Coimbra, secularizou-se, e passou a estudar em Montpel l ier, onde se fez médico.
Como, porém, af irma Luiz Delgado: “Mais do que médico era um natural ista”.
Natural da Paraíba, ele f ixa entre esta e um centro importante, qual era o Recife, na
região de Itambé e Goiana. Aos trabalhos de cientí fico, ajuntou a doutr inação
polí t ica, preparando a Revolução de 1817.
“Em todas as suas excursões, escreveu mui to mais do que o que dele se acha pub l icado,
avultando neste número a sua Memória sobre a cul tura dos a lgodoeiros (Lisboa, 1799) e a
sua Dissertação sobre as p lantas do Brasi l podendo dar l inho e supr ir a fa l ta do cânhamo
(Rio, 1810). A sua Flora Pernambucana deve considerar -se perdida”4 1.
O Pe. João Ribeiro, natural de Tracunhãém, a dois passos de Goiana, foi discípulo
de Arruda Câmara, ordenou-se de sacerdote e, em Lisboa, no Colégio dos Nobres,
aperfeiçoou seus estudos. Tornou-se professor do Seminário de Olinda.
“Acompanhando o mestre (Arruda Câmara) nas suas excursões cientí f icas, adquir iu
prat icamente bastantes conhecimentos e tornou-se per i to no desenho, com o que auxi l iou
grandemente aquele i lustre invest igador nos seus t rabalhos botânicos e minera lógicos”4 2.
Foi f igura de destaque na Revolução de 1817.
Azeredo Coutinho, Arruda Câmara e João Ribeiro têm o mesmo apreço pelas
ciências naturais e, nesse sentido, os três representam nova mental idade e nova
cultura. Mas Azeredo Coutinho, tão avançado, em alguns pontos, é um homem do
status quo. Sobretudo a sua Análise sobre a just iça do Comércio do resgate dos
escravos da costa da Áfr ica, revela para nós um homem cuja cultura está, por
t í tulos vários, presa à mental idade antiga, à mental idade mercanti l ista.
Azeredo Coutinho, portanto, não esposa plenamente a l inha do pensamento
moderno. Recorre à Providência Divina todas às vezes que percebe a ameaça que
pode signif icar para a aristocracia rural e para os r icos comerciantes as
2 5
conseqüências que a seita dos “novos f i lósofos” pode t irar da “ razão natural”. É
assim que af irma categórico:
“Se eu não conseguir o meu f im, eu terei ao menos a consolação de ter apontado a fer ida
mor ta l destes monstros in imigos da espécie humana (os da sei ta f i losóf ica), e de ter fe i to
ver que a necessidade da existênc ia é a suprema lei das nações, que a just iça das le is
humanas não é, nem pode ser abso luta, mas s im relativa às circunstâncias, e que só aos
soberanos legis ladores, que estão autor izados para dar le is às nações pertence pesar as
circunstânc ias e apl icar - lhes o direi to natural que lhes manda fazer o maior bem possíve l
das suas nações relat ivamente ao estado em que cada uma delas se acha”4 3.
E de uma maneira a just i f icar plenamente a monarquia absoluta dizia:
“Ac ima do soberano, qualquer que e le seja, não há nem pode haver outro juiz mais do que
Deus.. . Torno a dizer que não vejo outro senão Deus, e só em Deus ve jo um poder capaz
de a l terar, mudar e destruir os impér ios quando e como bem lhe parecer para os seus
f ins. . . “4 4.
Repel ia, assim, categoricamente, a soberania popular. Just i f icava, com a tese da
“ just iça relat iva” a escravidão vigente. Foi esse homem tão inimigo das “ idéias
francesas” que fundou o Seminário de Olinda, o qual se tornou o seminário dos
revolucionários de 1817, imbuídos dessas mesmas idéias. Arruda Câmara e João
Ribeiro, nesse ponto, estão distantes de Azeredo Coutinho , pois não só abraçam o
ideário l iberal, mas se tornam, até, os seus apóstolos incansáveis.
Feita a independência, novo impasse surge em 1823, quando D. Pedro I fecha a
Consti tuinte. A Confederação do Equador, dispondo embora de maior consistência
doutr inária e tát ica, malogrou. Concluindo o capítulo sobre estes movimentos,
escreve Luiz Delgado:
“Mesmo os que, ao longo dessas jornadas in ic iais, por amor ao ideal ismo pol í t ico, se
iso laram na comunhão brasi le ira , mesmo e les, do al to de uma grandeza mora l fe i ta de
generosidade que não fer iu nenhum d ire i to quando foi poder , e de coragem que não recuou
de nenhum sacr i f íc io quando se tornou desastre, f izeram à Pátr ia comum o benefíc io
incomparável: evidenc iaram a todos os olhos como estavam rad icados em nós, como iam
fundo em nossa alma, os anseios de l iberdade, democracia e direi to, integraram em nossa
histór ia e nossa v ida a repulsa a arb ítr ios e t i ranias. Co locaram em nossos equi l íbr io
inter iores a fé nos pr incípios, para se compor com o real ismo cot id iano que bem pode vir a
ser, quando soz inho, ro t ina e inércia, apagada conformação”.4 5
Nas revoluções de 17 e 24 em Pernambuco a f igura de Frei Joaquim do Amor
Divino Caneca (1774-1825) representa a aceitação plena e radical do l iberal ismo
polí t ico. Verdade é que sua at i tude e seus escri tos fragmentários mostram como,
nele, havia incoerências chocantes, fal ta de clareza nas metas a serem perseguidas,
i rreal ismo polí t ico. Mas
2 6
“ao expl ic i tar um ponto de vis ta rad ica l , Frei Caneca in ic ia t ipo de polar ização que ir ia
marcar o debate da idé ia l iberal no Brasi l no período que se seguiu imediatamente à
Independência e prolongou-se até a década de quarenta”.4 6
E a marca desse processo foi a conci l iação, idéia mestra da obra de Paulo
Mercadante, por nós já ci tada, isto é, A consciência conservadora no Brasi l.
Para o Prof. Antônio Paim, esse debate ir ia levar a el i te brasi leira a esclarecer-se,
sobre o sentido da representat ividade, no contexto concreto da nossa história:
“Do que precede evidencia-se que a e l i te que se incumbiu de conquistar e conso l idar a
independência, cabendo- lhe, em seguida, conceber a forma de governo, apropr iou-se do
sent ido própr io da idéia l iberal em seus pr imórdios, que era a de const i tu ir um governo
estável e responsável, que se regesse por le i escr ita, de todos conhecida, aprovada pelos
representantes da classe propr ie tár ia. A estab i l idade do regime decorrer ia , pois, não
apenas do caráter das le is, mas igualmente da autent ic idade da representação. Ao estender
esse úl t imo concei to ao conjunto das camadas po l i t icamente at ivas, de sua época,
forneceu indício eloqüente de que marchava no sent ido do seu tempo e do que
imediatamente lhe seguiu, quando a idé ia l iberal se deixa penetrar pelo ideal
democrát ico”.4 7
Mercadante, por sua vez, mostra como nossa el i te soube responder a desafios como:
“conci l iar, antes de tudo, a revolução nas relações externas de produção com o
escravismo nas relações internas”.4 8
O que se passa nas idéias, transformadas em fatos polí t icos, acontece no campo da
especulação. Jovens brasi leiros, que vão à Europa, sobretudo à França, podem agora
colocar-se em contato com a cultura européia. Nessa, a aceitação do empir ismo
radical de Condi l lac, vai sofrer uma revisão, no sentido de redescobrir, em bases
novas, a dimensão espir i tual da vida humana. Tal descoberta dará ensejo a uma
fundamentação teórica da l iberdade, tão decantada ao longo do século XVIII, no
momento mesmo em que este lhe havia t i rado o suporte da metafís ica tradicional.
Exemplo t ípico de i t inerário, do material ismo ao espir i tual ismo, em força do
próprio método que o material ismo advogara, é, no Brasi l , o de Eduardo Ferreira
França (1809-1857)4 9. Representante máximo dessa at i tude que foi chamada eclét ica
e da qual já f izemos menção ao tratarmos de Maine de Biran e de Victor Cousin, no
número anterior deste capítulo introdutório, é, entre nós, Domingos Gonçalves de
Magalhães (1811-1882), com sua obra Fatos do espír i to humano5 0.
Nesse cl ima cultural, dentro dessa real idade sócio-polí t ico-econômica, que
tentamos apresentar ao longo deste capítulo, é que vai viver Antônio Pedro de
Figueiredo, do qual passaremos a tratar, a part ir do próximo capítulo.
2 7
SEGUNDO CAPÍTULO Dados biográficos e formação cultural de Antônio Pedro de Figueiredo
2 8
Dispomos de poucos dados, para refazer os episódios, que marcaram a vida de
Figueiredo, e que incidiram na formação da sua cultura e da sua personal idade.
Na maior parte das vezes, temos de contentar-nos com meras conjecturas.
1. É certo que faleceu em 21 de agosto de 1859. Com efei to, o Diário de
Pernambuco do dia 22, uma Segunda-feira, dia em que, havia anos, Figueiredo
escrevia o Folhetim “A Carteira”, com o pseudônimo Abdalah-el-Krat i f , traz-nos a
seguinte comunicação:
“Depois de oi to meses de padecimentos, quando se contava quase restabelec ido, fo i
atacado de uma congestão cerebral e fa leceu ontem o Sr. Antônio Pedro de Figueiredo,
mestre de uma das cadeiras do Ginásio desta província, e ant igo co laborador deste d iár io .
Seus restos mor ta is acham-se depositados na capela do cemitér io púb l ico, e hoje, pelas
quatro horas da tarde, se lhes renderão os úl t imos sufrágios”1.
Neste dia, o Diário trazia, ainda com o pseudônimo costumeiro de Figueiredo o
folhet im “A Carteira”. Antônio Rangel Torres Bandeira escrevia:
“Eis-nos de novo no posto que deixamos por momentos. O nosso amigo a quem
subst i tuí ramos por o i to meses na redação deste fo lhet im, fez, há dias um grande esforço,
dando-nos um trabalho de sua própr ia lavra; mas a enfermidade cont inua a atormentá- lo de
um modo inexpl icável e é impossíve l que, em tal estado o nosso amigo escreva uma só
palavra. Tomamos sobre nós outra vez esta grave tarefa, e esperamos cont inuar a merecer
a atenção púb l ica”2.
Como dissemos, essas l inhas de Antônio Rangel saíram publ icadas no dia 22.
Foram, porém, traçadas dois dias antes, no dia 20 de agosto, como consta do
Folhetim, pois na real idade, no dia 22, Antônio Pedro de Figueiredo já havia
falecido.
No dia 23, o Diário de Pernambuco fazia-lhe “um necrológio, assinado com
asteriscos, num palmo de coluna, em que se falava do mérito intelectual e da
pobreza do jornal ista ext into”. Trazia também: “mortal idade do dia 22: Antônio
Pedro de Figueiredo, pardo, solteiro, 45 anos; congestão cerebral”. No dia seguinte
reproduzia-se um discurso de Frankl in Doria, pronunciado no cemitério; e a 29,
2 9
Torres Bandeira dedicava longo rodapé ao companheiro, em o folhet im “A
Carteira”. Pela primeira vez, assinava com as iniciais T. B.“ 3
Em O Liberal Pernambucano lemos: “Obituário, das pessoas que foram sepultadas
no cemitério públ ico: .. . dia 22: Antônio Pedro de Figueiredo, pernambucano, 45
anos, solteiro, São José, congestão cerebral”4.
2. Se ao falecer em 1859 Figueiredo t inha 45 anos, a data de seu nascimento não
pode ser a de 22 de maio de 1822, como consta no Dicionár io Biográf ico de
Pernambucanos Célebres de Pereira da Costa5, e no Dicionário Bibl iográf ico
Brasi leiro de Sacramento Blake6. Deve remontar, portanto, o nascimento de
Figueiredo ao ano de 1814. E isso se deu na Leal Vila de Iguarassu, a Iguarassu de
hoje. O próprio Figueiredo testemunha-nos:
“Em um dos dias da semana surgiu em nosso porto o cômodo e be lo vapor Iguarassú,
comprado em Londres.. . Foi uma inspiração fe l iz e de gratas recordações para todos os
Pernambucanos em geral , e para nós em par t icular aviva os nossos sonhos e reminiscências
da juventude e as s impatias e saudades da pátr ia do coração, do lugar onde pela pr imeira
vez vimos o sol da ex istência e exa lamos o pr imeiro susp i ro da v ida” . 7 (gr i fo nosso)
Com relação à sua famíl ia, quase nada sabemos. O Vulcão, numa crít ica mordaz de
jornaleco pol i t iqueiro, escreve em um dos seus poucos números:
“. . . o r idículo Cousin Fusco, f i lho do pardo Bazí l io lá de Iguarassu, onde sempre v iveo de
l impar a estrebar ia do Pai, e de pescar os seus c iriz e bod iões”.8
3. Nascimento, portanto, em Igarassu; pobreza por parte dos pais; mas também
sonhos de juventude encheram os inícios da vida de Figueiredo. Parece que o maior
sonho da sua infância e da sua juventude foi estudar. E para isso transferiu-se para
Recife. Como e fundamentado em quais promessas ou esperanças, não sabemos ao
certo. Conforme O Proletário, de 1 de setembro de 1847, confiara em um amigo,
um tal João Sinhô; esse, na hora da necessidade, o abandonara, e Antônio Pedro
encontrou abrigo no convento do Carmo9. Sua permanência com os rel igiosos do
Convento do Carmo é atestada no art igo que Manoel Paul ino Cesar Loureiro lhe
dedica, no Diário de Pernambuco, no dia 23 de agosto de 1859, na rubrica:
“Comunicado”, e com essa introdução: “Uma lágrima sobre o túmulo do meu mestre
e amigo Sr. Antônio Pedro de Figueiredo”. Diz ele:
“Antônio Pedro encerrado em uma das celas daquele convento, sol i tár io, só tendo por
companheiros os l ivros obtém desta sorte os conhecimentos que em pouco tempo o
colocaram na ordem dos pr imeiros homens de le tras desta província"1 0.
Quanto tempo Figueiredo permaneceu com os carmeli tas? Não sabemos.
3 0
No dia 1º de setembro de 1825, tendo, portanto, Figueiredo mais ou menos 11 anos,
o presidente da província de Pernambuco José Carlos Mayrinck Ferrão iniciava
of icialmente a vida do Liceu Provincial, e nomeava para diretor o Pe. Mestre
Miguel do Sacramento Lopes, benedit ino. O Liceu se alojou, precariamente, “numa
das dependências do Convento do Carmo”1 1 e começou a funcionar em 9 de
fevereiro de 1826. Até março de 1844 apesar da sempre reclamada precariedade das
instalações, foi no Convento do Carmo que funcionou o Liceu.
Terá Figueiredo freqüentado o mesmo? Parece que não, pois, na história do Ginásio
Pernambucano de Olívio Montenegro, tem-se o cuidado de assinalar os nomes dos
alunos do Liceu que, mais tarde, at ingem celebridade, como é o caso de Francisco
Fel ix de Macedo, Antônio Francisco de Souza Magalhães e José Pedro da Si lva1 2,
Joaquim Pires Machado Portela e Fel ipe Nery Colaço 1 3, Aprígio Just iniano da Si lva
Guimarães1 4. No entanto, nada se diz de Figueiredo que, pelo contrário, é ci tado,
várias vezes, e sempre a t í tulo de elogio, como professor.
Por ocasião de sua morte, há várias manifestações de pesar, e referências à sua
cultura, mas nenhuma inst i tuição reclama a honra de tê-lo t ido como aluno. O que
dele se elogia foi a tenacidade em estudar, em meio a dif iculdades que teriam
desanimado a outros. Este é o elogio que lhe faz Torres Bandeira, uma semana após
o seu sepultamento”.
“Antônio Pedro de Figueiredo v ivera na pobreza, arcara por vezes com a adversidade,
combatera indefeso nas l ides generosas do saber, arro jara-se impávido pelo mundo das
letras, inscrevera também o seu própr io nome nas memórias do jorna l ismo, estudara com
sat is fação e provei to, e conquistara, sem dúvida, concei to e reputação bastantes para que
se possa falar de le com honra.
“Nascendo no seio de uma famí l ia honesta, e le se achou bem depressa contrar iado em seus
legí t imos intentos; escasseavam-lhe os meios para levar a efe i to asp irações tão justas,
quanto sub l imes: sobrava- lhe, porém, a energia de alma, a força dos própr ios sent imentos;
e ninguém mais do que ele soube quanto va le a perseverança, a ded icação, a tenacidade de
uma vontade que zomba das c ircunstânc ias, que antevê, a través das sombras de um
presente pouco l isonjeiro, o vul to esplêndido de um futuro que a del ic ia. . .
“Venceu obstáculos que a outros parec iam insuperáveis: dormiu por vezes sobre os l ivros,
enquanto mui tos, que se apregoam de trabalhadores e progressistas, fecham-nos para
sempre, ou se dormem, é no sono da indo lênc ia e da preguiça que somente lhes pode trazer
por brasão a obscur idade, que é um brasão nulo”.1 5
Em 1863, Luis Lambert assim escrevia a respeito de Figueiredo em Progressista:
“Antônio Pedro de Figueiredo, f i lho de pais deserdados dos bens da for tuna, nasceu na
vida de Iguarassu, aos 22 do mês de maio de 1822. Condenado cedo a não fru ir as de líc ias
das existênc ias ociosas e opulentas, arranjou-se à carreira l i terár ia com ânsia, com força,
3 1
com energia suprema.. . Antônio Pedro de Figueiredo, tendo apenas estudado a lguns
preparatór ios, e l ido, senão devorado, inúmeros l ivros apresentou-se um dos colaboradores
do – Progresso – revista social , l i terár ia e c ientíf ica, em 1846, a par dos v igorosos
talentos, e l idadores de reputação f i rmada, que então redig iam aquela út i l publ icação.
Mais tarde, o nome de Antônio Pedro de Figueiredo, inscreveu-se entre os dist intos
redatores do Diário de Pernambuco, aos ap lausos dos entend idos em ar te e l i teratura.. . “ 1 6.
Esse testemunho parece-nos impreciso em alguns pontos: a) no que concerne à data
do nascimento, como já vimos; b) ao elogiar três folhet ins de Figueiredo, a saber: o
de 1/8/1858, 15/8/1858 e 25/10/1858; vê-se que o art icul ista não teve a
meticulosidade de observar que o terceiro não é da pena de Figueiredo, mas, como
ele mesmo confessa, é t i rado de uma escri tora.
O testemunho, porém, concorda com outros, no que se refere à origem da cultura de
Figueiredo. O paralelo entre eles e seus colaboradores, na revista O Progresso,
insinua fortemente a disparidade de “status“ cultural. Figueiredo não dispunha de
tí tulos acadêmicos, no entanto, ombreava-se com aqueles que os t inham.
Podemos, portanto, imaginar o jovem Antônio Pedro freqüentando um curso de
português aqui, o de francês al i , com algum professor part icular que se deixava
entusiasmar pelo fervor do discípulo. Essa at i tude era viável. Na história do
Ginásio Pernambucano, Olívio Montenegro conta-nos como muitos alunos faziam
um ou outro curso, sobretudo os que dariam acesso à Faculdade. O mesmo autor,
várias vezes, acentua como, embora se prezasse o lat im, quase ninguém estudava o
português, e como a mesma cadeira de f rancês teve, a certo momento, de ser
ext inta.
Nos jornais da época l iam-se anúncios como este:
“O padre Franc isco José Alves tem aberto uma aula par t icular de pr imeiras le tras, e ensina
francês e inglês, pe lo método Ol lendor f f, de duas horas da tarde em diante, por casas
part iculares: a fa lar na rua do Caldere iro, nº 12, pr imeiro andar”.1 7
Este outro anúncio do Diário de Pernambuco:
“AULA DE LATIM: O padre Vicente Ferrer de Albuquerque mudou a sua aula para a rua
do Rangel, nº 11, onde cont inua a receber a lunos internos e externos desde já por módico
preço como é púb l ico: quem se quiser ut i l izar de seu pequeno prést imo, o pode procurar
no segundo andar da refer ida casa a qualquer hora dos dias úte is” .1 8
De Antônio Rangel de Torres Bandeira testemunha-nos Pereira de Mello:
“Além da cadeira de geograf ia e h is tór ia que exercia no Ginásio Pernambucano, t inha um
curso em sua casa em que ensinava todos os preparatór ios com exceção de la t im e
geometr ia, e era conhecido como mestre predi leto das jovens pernambucanas”.1 9
3 2
Não parece improvável que Figueiredo, além de português, francês e inglês tenha
estudado o lat im e fei to algum curso de f i losofia. Certo, porém, é que Figueiredo
não obteve um tí tulo.
Isso é-lhe recordado por seus adversários. O Volcão de 30/8/1847, após remontar ao
seu passado humilde, como acenamos atrás, continua:
“em aqui chegando, quis estudar, e indo fazer exame de geometr ia na Academia de Ol inda
fo i a l i reprovado, o pr imo Xico Barão que sempre gostou, e teve muitas s impatias pe la
estupidez, o despachou para subst i tuto do Liceu desta Cidade na mesma faculdade, onde
ele havia s ido reprovado.. . ”2 0
Xico Barão é Francisco do Rego Barros, então barão e, mais tarde, Conde da Boa
vista. Rego Barros governou Pernambuco de dezembro de 1837 até 1844. Figueiredo
foi nomeado em 1844 como professor adjunto de geometria. As nomeações para
professores do Liceu Provincial eram realmente fei tas pelo presidente da Província.
Olívio Montenegro descreve-nos o cl ima de interesse, por parte do presidente, pelo
Liceu, nos seguintes termos:
“Havia sobre o Liceu a f iscal ização incessante não só do Presidente da Provínc ia, a se
informar de todos os seus passos, mas do própr io Governador das Armas, que não perd ia
de vista os numerosos a lunos mi l i tares – o fic ia is e cadetes – lá matr iculados.
“Donde o o f íc io de fevere iro de 1827, em que o presidente Mayr inck ordena aos
professores para que por meio de bo let ins informem todo o mês ao Sr . Governador das
Armas sobre ‘o ad iantamento, freqüência e mor igeração dos mil i tares que estão
matr iculados nas aulas do Liceu’. ”2 1
Do interesse de Francisco do Rego para com o Liceu trata longamente o autor de
Memórias do Ginásio Pernambucano, com bastantes elogios, integrando sua
at ividade, neste setor, àquelas outras do seu governo. Pôde Joaquim Nabuco
af irmar, com justeza, que o barão da Boa Vista “marcou uma época na história de
Pernambuco”.2 2 A nomeação de Figueiredo não se terá baseado unicamente em
simpatias pessoais, mas no fato de ser ele competente.
A hipótese de ter Figueiredo cursado f i losofia não é descabível, se atentarmos ao
fato de poder ele traduzir a obra de Cousin. Não basta conhecer uma l íngua para se
verter em outra o conteúdo de um texto. Exige-se também certa famil iar idade com o
conteúdo a traduzir.
4. Antônio Pedro de Figueiredo começa a projetar-se, na vida intelectual do Recife,
em 1843. O Diário de Pernambuco, de 27 de abri l desse ano, trazia o anúncio da
tradução daqui lo que Figueiredo chamou “Curso de Fi losofia” ou ” Lições de
Fi losofia” de Victor Cousin. Tratava-se da Introduction à l ’histoire de la
3 3
phi losophie, da qual Figueiredo fez um volume, e do Cours de l ’histoire de la
phi losophie, dividido em dois volumes. A notícia, assinada por Antônio Pedro de
Figueiredo, terminava assim:
“Eis, no mais l imi tado resumo, o que me fo i possível re fer ir a respeito das l ições de
Fi losof ia do r . V. Cousin, que comporão três vo lumes in 4º , de mais de 400 páginas cada
um, de cuja versão ousei encarregar-me, e para a qual se subscreve nas lo jas da rua e pát io
do Colégio nºs 2 e 20, por o preço de 10$000 ré is cada exemplar” .2 3
Por uma recensão da obra de Cousin e do valor da tradução, que apareceu em A
Estrela, no dia 4 de novembro de 1843, sabemos que o primeiro volume já estava à
venda; o segundo, no prelo; e o terceiro não tardaria também a aparecer (anexo 2, n.
3).
Uma apresentação de Cousin, de sua obra e do seu tradutor aparecia também no
Diário Novo de 28 de novembro de 1843. O longo art igo vem assinado: A.R. de
T.B. que sabemos ser Antônio Rangel de Torres Bandeira. O art icul ista t inha, então,
apenas 22 anos. Em 1848 seria bacharel em Direito pela Faculdade do Recife.
Tornar-se-ia professor do Ginásio Pernambucano, como Figueiredo; e será seu
braço direito, na redação do folhet im “A Carteira”, como teremos ocasião de ver.
As idéias de Cousin empolgavam assim a juventude recifense. Saudavam-no como
um novo Platão.
Torres Bandeira augurava a Figueiredo que continuasse a seguir “a senda que se
propôs tr i lhar” (Anexo 3, nº 11). A Estrela terminava seu art igo sobre a tradução
com um voto mais concreto: “O jovem professor de Pernambuco é uma das mais
viçosas esperanças do país; e nós não duvidamos que dentro em pouco ele real ize o
generoso desejo que o anima de ir à Europa visi tar os seus mestres, e colher, com
as viagens que tenta fazer, um novo cabedal de variada ciência” (Anexo 2, nº 13).
Ao que parece, portanto, na mente do jovem Figueiredo, que contava então 27 anos
de idade, havia planos de dedicar-se realmente à f ilosofia. A ida à Europa não pôde
real izar-se, pois suporia despesas com as quais Figueiredo não podia arcar. Só mais
tarde, quando seu prestígio já se tivesse f irmado, seria possível encontrar, em
alguma inst i tuição, ou no próprio governo da Província, um patrocinador. Mesmo
assim, levantou-se uma celeuma grande. Por agora, restava a Antônio Pedro o tentar
a vida com o magistério. Em 1844, torna-se professor adjunto de geometria do
Ginásio Pernambucano. Mas em 1846, era demit ido. Questões de polí t ica. O Barão
da Boa Vista part ira para o Rio e o substi tuíra, no governo da Província, Antônio
Pinto Chichorro da Gama (1845-1848). O Progresso, revista da qual Figueiredo era
redator-chefe assim se exprimia, em seu segundo número, sob o t í tulo:
“Variedades”.
“O Sr. presidente de Pernambuco, desejando sem dúvida animar os esforços que nós
fazemos para t razer o espír i to públ ico ao terreno das ciências e da l i teratura, subst i tuindo
3 4
aos estéreis e i r r i tantes debates da polí t ica pessoal as discussões fecundas da pol í t ica
racional, e o imparc ia l estudo das questões que interessam o país, saudou a apar ição do
pr imeiro número da nossa Revista com a demissão do nosso redator em chefe, gerente e
responsável, o Sr. Antônio Pedro de Figueiredo, do lugar de pro fessor adjunto do l iceu
desta cidade. Deixaremos a outros, a mui fáci l tarefa de falar do mér i to do nosso
colaborador. Um r igor porém de semelhante natureza, despregado contra um homem que
por mais de do is anos consagrara todos os seus ordenados de pro fessor a pagar as despesas
de impressão de uma impor tante obra f i losóf ica, com que ele quis dotar a sua pátr ia, é
certamente para fazer desanimar a todos aqueles que quisessem arrojar-se conosco à
estrada que lhe abr imos; e é especia lmente sob este importante ponto de vista que nós
lamentamos sinceramente aquela medida, e que provavelmente S. Ex. a sent irá também,
quando melhor re f le t i r em ta l a to.
“Não podemos atr ibuir semelhante dec isão presidencial senão à justa cr í t ica com que O
Progresso se atreveu a fer i r o ministér io transacto. . . “2 4
O presidente, porém, não voltou atrás. Somente quatro anos depois do ato do
Presidente Chichorro da Gama, reparou a injust iça o Presidente Honório Hermeto
Carneiro Leão, segundo notícia de 17/4/1850, do periódico conservador A União
“ provendo o nosso amigo na cadeira de Linguagem Nacional, lugar para o qual ele
tem mais habi l i tação que qualquer candidatos que poderiam se apresentar”. Olívio
Montenegro, em Memórias do Ginásio Pernambucano, escreve:
“No começo de 1849 é nomeado pro fessor de Língua Nacional, Antônio Pedro de
Figueiredo, que em 1844 já t inha sido pro fessor adjunto da cadeira de geometr ia, demit ido
à aproximação da revolução pra ie ira, em 1846”.2 5
Talvez, em 1850, se desse a efet ivação of icial do ato, pelo qual Figueiredo
reentrava no quadro dos professores do Ginásio em 1849. A nota de A União não
deixa de ter um sabor polêmico. Reafirma-se a competência de Figueiredo. Por quê?
Não estaria, novamente, aqui, insinuada sua situação de quase autodidata, que dava
motivo às crí t icas, diante de nomeações of ic iais?
O certo é que, a part ir de 1849 ou 50, Figueiredo encontra uma estabi l idade
econômica, e uma inst i tuição, na qual um grupo de amigos de juventude há de
pleteiar sua ida à Europa, sat isfazendo ant igo desejo seu. Mas não foi fáci l . Na
assembléia provincial o assunto foi debatido e encontrou forte oposição.
Lemos em Diário de Pernambuco segunda-feira, 24/5/1858: “.. . assembléia
provincial na sessão de sábado... foi aprovado em primeira discussão o projeto que
concede 18 meses de l icença a A. P. de Figueiredo, professor do Ginásio Provincial,
para ir à Europa”. Dia 27/5/1858, no mesmo jornal, sob a rubrica “Diário de
Pernambuco’’ . “Na sessão de ontem... Passando à ordem do dia foi aprovado em
segunda discussão o projeto que concede l icença a A. P de Figueiredo, para ir à
Europa, tendo orado o Sr. Souza Reis”. No dia 27/5/1858 houve novas discussões,
3 5
com um discurso contra, do Sr. Manoel Cavalcanti . Finalmente no Diário de
Pernambuco de 29/5/1858 aparece: “Na sessão de anteontem,
27 do corrente, a assembléia aprovou em terceira discussão, o projeto que concede
18 meses de l icença ao professor do Ginásio A. P. de Figueiredo , para ir fazer uma
viagem à Europa”. Mas escreve, na sua homenagem póstuma, Torres Bandeira:
“E quando, chegado a este ponto, f igura-se-lhe próximo o momento de ir dar mais largas
ao espír i to, quando sonhava já com uma viagem, através do At lânt ico, que lhe devia abr ir
os o lhos a um mundo mais vasto, soou para ele a hora extrema; e o corpo pendeu para a
terra, e ao f im da senda lhe estava escancarada uma sepul tura” .2 6
Olívio Montenegro informa-nos:
“O grande sonho de Antônio Pedro de Figuei redo era uma viagem à Europa, onde ao
contato de novos e mais c iv i l izados modelos de arte e de v ida pudesse completar uma
exper iência de cul tura quase toda assimi lada até então apenas dos l ivros. Em 1958 esse
sonho esteve em vésperas de se rea l izar, quando pelo governo da Provínc ia, é
comissionado para estudar nos pr inc ipa is países da Europa os d i ferentes sis temas de
ensino secundár io , e apresentar depo is sugestões que bem servissem ao Seminár io. . . Houve
na Assemblé ia uma campanha para embargar essa comissão.. . sob o fundamento de que
Antônio Pedro de Figueiredo ‘era o menos competente para procurar instrui r -se no
melhoramento do método de ensino no Ginásio desde que existe um conselho diretor a
quem compete propor medidas’” .2 7
A essa altura da vida, Figueiredo já se encontrava comprometido com o Ginásio, no
qual assumira por portaria de 16 de agosto de 1855, uma segunda cadeira, a de
história e geografia. Diz-nos Pereira da Costa:
“Em 1855, por portar ia de 16 de agosto, fo i nomeado pro fessor da segunda cadeira de
histór ia e geograf ia do Ginásio Pernambucano, merecendo durante o seu magistér io, ser
designado examinador, por mui tas vezes, dos a lunos do curso de preparatór ios, anexo à
Faculdade de Direi to”.2 8
Professor no Ginásio, Figueiredo continuou sua at ividade de escri tor. De 1846 a
1848 é redator chefe da revista O Progresso, da qual falaremos amplamente, no
capítulo 3º. Um dos companheiros de Figueiredo, na redação de O Progresso , é o
engenheiro francês Luís Leger Vauthier. Trazido ao Brasi l , pelo então presidente da
província de Pernambuco, o Barão da Boa Vista, Vauthier torna-se, prat icamente,
engenheiro chefe, em Recife.
Seu Diário ínt imo, publ icado em 1940, pelo MEC, a instâncias de Gilberto Freyre,
bem como a obra desse últ imo, int i tulada: Um engenheiro francês no Brasi l , dão-
nos idéia do que signif icou a presença de Vauthier, para a cultura pernambucana da
época. Imbuído do espír i to do seu século, ele sente-se uma espécie de missionário
da cultura, cujo coração é a França. Lemos no seu Diário:
3 6
“Mas a França, a França! Apesar da pobre c ivi l ização que a d i lacera é ainda o país mais
adiantado da ter ra. – É ainda a l i que se encontra o maior numero de almas generosas e de
corações nobres. É ainda al i que há verdadeiras luzes e germes de progresso”.2 9
Vauthier lê João Batista Sai3 0, Sismonde de Sismondi3 1. Assina para si e para os
amigos revistas francesas, como Phalange3 2, Democrat ie 3 3 e Social ista3 4. Entre os
lei tores e assinantes, encontramos o nome de Antônio Pedro de Figueiredo3 5.
Em O Progresso, Vauthier escreve nos dois primeiros números. O terceiro número
da revista, porém, vem já com a notícia da sua partida. Mudara a polí t ica, e a luta
contra esse francês, à frente de obras importantes em Pernambuco, chega ao clímax.
O Progresso lamenta a part ida de homem tão competente e lhe dá um “adeus“
agradecido.
Através de Vauthier, certamente, é que número da revista pernambucana chega à
Europa, conforme se noticia em O Progresso, p. 400-401.
De 1856 a 1858, toda segunda-feira, f igueiredo escreve “A Carteira”, folhet im
original do Diário de Pernambuco, sob o pseudônimo de Abdala-el -Krat i f ; desse
folhet im trataremos no capítulo 4º. No mesmo Diário de Pernambuco, além de
art igos casuais, escreve, a part ir de 52, ao menos, até a morte, o “Retrospecto
Semanal”, também nas segundas-feiras. Pereira da Costa diz que Figueiredo
escreveu em Diário de Pernambuco, durante doze anos. De fato, informa-nos Luiz
do Nascimento:
“No ano seguinte (1847), o relator Pereira Rego era subst i tuído por Antônio Pedro de
Figueiredo, que f igurou ao lado de Flor iano Correia de Br i to e Fel ipe Nér i Colaço”.3 6
Pereira da Costa referindo-se certamente à “Carteira” fala de “crí t icas l i terárias,
revistas de teatro, contos, lendas e tradições, ciências e artes”, e acrescenta:
“notam-se os seus art igos e correspondências t raduzidas do inglês e f rancês, do Anuár io
dos do is mundos, da Revista de Par is, da Revista dos do is mundos, e de outros jorna is da
Europa”.3 7
Em 1852, pelo Diário de Pernambuco e pelo jornal A Imprensa, Figueiredo
polemiza com o Dr Pedro Autran a respeito do socialismo. É uma polêmica de
grande importância, para captarmos o pensamento de Figueiredo. Será motivo de
estudo especial, em capítulos posteriores.
A at ividade de Figueiredo, porém, não se restr ingia, em termos de produção
l i terária, aos jornais e periódicos. É ele o tradutor da obra de M. Ortolan: Da
soberania do povo e dos princípios do governo republ icano (1847), do romance de
3 7
George Sand: As sete cordas da l i ra (1847). Produz, ele mesmo, um trabalho de
f i lologia: Noções abreviadas de f i lologia, acerca da l íngua portuguesa (1851).
No que concerne A Aurora Pernambucana, periódico que circulou de 16/10/1858 até
17/12/1859, Luiz do Nascimento nega colaboração de A. P. de Figueiredo e, parece-
nos, com muita razão, pois, durante esse período, Figueiredo já se achava
adoentado, depois, gravemente enfermo e, f inalmente, falecido. Ao que parece
houve confusão por parte de Alfredo de Carvalho, nos Anais da Imprensa Periódica
Pernambucana, com o nome de José Antônio de Figueiredo3 8.
Pelo contrário, encontramos Antônio Pedro de Figueiredo l igado ao periódico O
Parlamentar, periódico polí t ico, cujo primeiro número saiu em 1/6/1848. Saíram
apenas cinco números, o últ imo dos quais em 1/7/1848. A f inal idade do mesmo era
“o exame dos atos da chamada Assembléia Provincial de Pernambuco, sob
promessas de que não suportará que os seus membros poluam impunemente os
lugares que conquistaram à força de violência e infâmias”.3 9 Em Diário Novo de
5/6/1848 encontra-se esta nota: “Quem quiser comprar o Parlamentar, procure na
rua do Rosário Estreita, em casa do Cousin Fusco, que é o redator”.
5. À vista de todas essas notícias, podemos talvez concluir que o r i tmo da vida, de
uma vida dura, na qual a pobreza e a si tuação de ser um mestiço t iveram seu peso
bem grande, t i rou a Antônio Pedro de Figueiredo a possibi l idade de dedicar-se ex
professo à f i losofia. A viagem à Europa, planejada no início de sua carreira
l i terária, como um meio de colocar-se em contato com os mestres do pensamento
europeu, transformou-se, nos f ins da década de 50, num serviço à causa públ ica da
província, no setor educacional; e abortou, enfim, por causa da sua morte.
Mas, no dia a dia da vida de professor de escri tor e de devorador de l ivros, como se
af irmou dele, pôde adquir ir uma cultura sól ida que, a despeito de tantos revezes,
lhe granjearam a est ima dos seus coevos. Não só Em seus escri tos, encontramos,
sem dúvida, a meditação de temas f i losóficos, ainda mais se
atentarmos ao fato de que, então, a f i losofia não se concebia dissociada da tarefa de
transformar o mundo, para que ele passasse das trevas às luzes, legado precioso dos
pensadores do século XVIII. Jouffroy o disse, solenemente, em Mélanges
phi losophiques:
“I l sui t de tout ce qui précède que la quest ion la p lus grande et la p lus importante que la
phi losophie puisse poser est ce l le de l ’avenir de notre civ i l isat ion. Sans qu’ i ls le sachent,
e l le est pour tous les hommes une quest ion de famille, pour tous les peuples une quest ion
nat ionale”.4 0
3 8
TERCEIRO CAPÍTULO A Revista “O Progresso” e a Polêmica sobre o Socialismo
3 9
1. No fervi lhar de idéias e paixões, que sacudiram a sociedade pernambucana, na
primeira metade do século XIX, houve também um pulular de diár ios e periódicos1.
Dentre os periódicos, nenhum deles teve a envergadura de O Progresso que, embora
tenha circulado apenas de 1º de julho de 1846 até setembro de 1848, testemunhou
um esforço e uma real ização verdadeiramente admiráveis.
Por proposta do Prof . Amaro Quintas, e por iniciat iva do governo de Pernambuco,
foi reeditado, pela imprensa of icial , no Recife, em 1950, este acervo precioso, que
f icara esquecido e desgastando-se, nos museus históricos e bíbl iotecas of iciais.
Saiu um volume com 920 páginas, no formato 23 x 16 que foi realmente o formato
da Revista, quando ci rculava. No índice, porém, que se encontra no f im do ano de
1847 , as páginas dos art igos não correspondem às páginas do volume da
reimpressão, por causa da diferença de t ipos maiores empregados nessa.
Antônio Pedro de Figueiredo foi seu redator chefe, como consta pela sua assinatura,
colocada no f inal de cada número, nas páginas 77, 169, 327, 401, 473, 545, 624,
696, 765, 849 e 920. Parece-nos que falta a assinatura de Figueiredo, talvez na
página 2472. É verdade que, no fervor da polêmica e das calúnias do período
histórico em que O Progresso surgiu, houve quem colocasse em dúvida a
contr ibuição substancial de Figueiredo, no caso da confecção de O Progresso. É
assim que O Volcão, folha de orientação l iberal e de duração mui efêmera (7/8/1847
até 18/9/1847) atacava Figueiredo dizendo: “O Progresso que é escri to por J.S. e de
que ele Cousin é apenas miserável testa de ferro...” 3 Mas é uma voz discordante, no
meio de muitas outras, não interessadas em vinganças polí t icas. Basta recordar
Pereira Costa4 e Sacramento Blake5. No número de 10/11/1856 de “A Carteira”
temos o testemunho do próprio Figueiredo: “Esta peça de versos foi publ icada em
uma Revista Literária e Científ ica, de que éramos redator em chefe; por outro lado,
a edição do Progresso está ext inta: assim aproveitamos.. .”6
2. Se é tranqüi la a posição de Figueiredo diante da revista que mereceu a atenção de
estudiosos pernambucanos do nosso século, da envergadura de Gilberto Freyre e
Amaro Quintas, não é tão simples individuar quais art igos saíram realmente da pena
de Figueiredo. Os art igos todos são assinados por letras: L. e, depois, L. L.,
identi f icadas como do engenheiro francês Louis L. Vauthier; S. A., atr ibuídas a
José Soares de Azevedo; M. M. abreviaturas do nome de Antônio Peregrino Maciel
Monteiro; H., representando o nome de Henrique Augusto Milet, ao menos para os 5
art igos int i tulados: “ Interesses provinciais”7, e uma série de outras letras, como:
O., RR, A.,D., XY. As letras FP (no texto) FV (no índice)8 estão no f im de uma
4 0
t radução e deve indicar o autor estrangeiro do art igo “Lei agrária nos Estados
Unidos” (p. 407 de O Progresso), pois outros art igos traduzidos vêm marcados com
iniciais dos art iculistas estrangeiros, por exemplo: CG, que pelo índice (p. 768)
sabemos ser: C. Guyormaud; traduzido também é o artigo de Fr. Stromeyr que se
encontra sem assinatura alguma no f inal, pois, no início, logo após o t í tulo:
“ Variedades” (p. 541 de O Progresso), vem dita claramente a procedência do
art igo.
Depois de várias tentat ivas de identi f icar algum art igo de Figueiredo, que fosse
como que pista para novas descobertas, encontramos em “A Carteira” de 21/7/1856,
uma indicação séria. Nesse folhet im Figueiredo continua a f icção de um diálogo
entre dois amigos que se encontram, após longos anos de renúncia. Ambos t inham
feito os estudos em Olinda. Rodolfo é pernambucano e, pelo teor f ict ício do
diálogo, parece ser o próprio Figueiredo. Alfredo, pelo contrário não é
pernambucano. Através de manobras polí t icas desleais consegue “fazer-se” na vida.
Num primeiro diálogo, que consti tui “A Carteira” de 14/7/1856, Rodolfo termina
lendo trechos da obra de Sismonde de Sismondi, que enaltecem o valor da vida
polí t ica no município, já que Alfredo a julgava de menos importância. No segundo
diálogo, que consti tu i o folhet im de 21/7/1856, Rodolfo passa a ler um antigo
trabalho seu:
“Rodol fo, que, não obstante a sua grande modést ia e gravidade, parece ainda ter a lguns
restos de vaidade, d isse- lhe que estava relendo uma produção de outrora, – um juízo
cr í t ico sobre o Livro do Povo de Lamennais; e sem mais preâmbulo acrescentou, vou
repet ir -te a lgumas passagens deste trabalho” .
Em seguida vem um trecho igual ao art igo de O Progresso no qual se apresenta o
l ivro de Lamennais, com pequenas modif icações, embora bastante signif icat ivas,
como veremos mais tarde9. Além dessas pequenas modif icações, são supressos
alguns parágrafos para que “A Carteira” se mantenha nos l imites de seu tamanho.
Pois bem, esse art igo de O Progresso t raz, no f im, como assinatura a letra O,
seguida de pontos. O que teria levado Figueiredo a escolher a letra O para marca
dos seus trabalhos? Não seria o fato de os três nomes: Antônio Pedro de Figueiredo
terminarem com essa letra?
Mais importante, porém, do que essa descoberta, é o fato de os art igos assinados
com a letra O serem aqueles que versam questões f i losóficas de maneira explíci ta,
ou seja: a) Certeza humana, da página 13 à página 24; b) Processos lógicos, da
página 83 à página 92; c) As três respostas ao “Discípulo da Fi losofia”, o qual
sabemos ser “Antônio Vicente do Nascimento Feitosa, que no Diário Novo, lhe (ao
Figueiredo) refutava os pontos de vista sobre o importante tema”1 0. Esses art igos
encontram-se às páginas 166-169, 243-245, 325-326. Ainda com essa assinatura
encontramos os art igos: “Reformadores modernos (Johann Ronge)“, páginas 553-
557. “Ascânio” de Alexandre Dumas, páginas 645-647. “O Livro do Povo” de
Lamennais, páginas 647-653; “Variedade” (no índice: Nascimento do Progresso),
4 1
páginas 397-401. Esse art igo, historiando o nascimento da revista O Progresso, que
o próprio Figueiredo anunciara numa nota do dia 25/5/1846, no Diário de
Pernambuco, f i rma-nos mais ainda na conclusão de que os art igos assinados com O
são realmente da autoria de Figueiredo. Mais, podemos também concluir com
bastante probabi l idade, seja de Figueiredo o art igo: “As reformas” que aparece sem
assinatura, no texto, e que se encontra nas páginas 855-866. Infel izmente, a revista
cessa de circular, pouco depois, e não possuímos o índice, como aconteceu para os
volumes de 1846 e 1847. No índice desses anos, procurou-se sanar ao
esquecimento, assinalando, após o capítulo, as iniciais do autor. O que, porém, nos
leva a atr ibuir a Figueiredo o art igo em questão é o paralel ismo entre o conteúdo
dos dois folhet ins: o de 21/7/1856 que já sabemos de Figueiredo e que, em parte,
retoma material publ icado em O Progresso, como vimos atrás, e o folhet im de
14/7/1856, também de Figueiredo e que retoma material de O Progresso, ou seja, as
palavras sobre a vida do município, conforme se encontra em Sismonde de
Sismondi.
Resumindo: estamos de posse desses art igos assinados com a letra O , e que, sem
medo, podemos atr ibuir ao Figueiredo: a) “Certeza humana”; b) “Processos
lógicos”; c) As três “respostas ao Discípulo da Fi losofia”; d) “Reformadores
modernos” (Johann Ronge) e “ Ascânio” de Alexandre Dumas: d) “Livro do Povo”,
de Lamennais; e) “Variedade”, ou “Nascimento de O Progresso”. Finalmente, muito
provavelmente, é também de Figueiredo: f) “As reformas”.
Antes de prosseguirmos nessa faina de identi f icar art igos de Antônio Pedro de
Figueiredo, na revista de que foi o fundador e redator-chefe, queremos enfat izar o
seguinte: a certeza de que a letra O indica o nome de Figueiredo se f i rmou em nós,
não pelo simples fato de um dos folhet ins: “A Carteira” conter material que
Figueiredo diz retomado de uma sua publ icação anterior, que, no caso, é O
Progresso. Não. O que gerou em nós essa certeza foi o fato de, na anál ise do art igo:
“Certeza humana”, podermos encontrar, ni t idamente del ineada, a f igura intelectual
de um homem que, apesar de assumir uma at i tude crítica diante de Cousin, é-lhe
devedor, no art igo em questão, das suas l inhas mestras de pensar. Deixamos para
mais tarde, ainda nesse capítulo, a anál ise do texto e seu cotejo com a obra de
Victor Cousin, traduzida por Antônio Pedro de Figueiredo. Em outras palavras,
nosso raciocínio é o seguinte: Se é verdade, como atestam testemunhas da época,
que Figueiredo escreveu em O Progresso; se é verdade que ele é o tradutor do
Curso de história da Fi losofia de Victor Cousin, o que lhe granjeou até a alcunha
de Cousin Fusco; nenhum melhor do que Figueiredo para ser apontado como o autor
do art igo: “Certeza humana”, e das três respostas ao “Discípulo da Fi losofia”.
A lei tura de “A Carteira” levou-nos, porém, a novas descobertas. “A Carteira” do
dia 24/3/1856, após uma pequena introdução, recordando o decl inar da peste e as
conseqüências de penúria de braços que ela trouxe para a agricultura, diz o
seguinte:
4 2
“o pr imeiro meio que a este respei to se o ferece à intel igência dos homens encarregados da
gerênc ia dos negócios públ icos, é a colonização estrangeira .
“Com efei to, este recurso é o único que resta, mas pensamos que, para que este meio dê o
resultado que se pretende a lcançar, será mister antes de tudo a real ização de outras
medidas, sem as quais, em nosso entender, a colonização estrangeira não medrará entre
nós.
“Em outra época traçamos algumas considerações sobre este assunto , e como a inda as
reputamos convenientes, aqui as apresentamos, e o públ ico faça- lhes a just iça que
merecem”.1 1
Segue então, com pouquíssimas modif icações e poucas supressões o art igo:
“Colonização do Brasi l” , que se encontra em O Progresso, da página 629 à página
637. No entanto, o art icul ista de O Progresso esconde-se agora sob a letra H e
pontinhos.
A primeira pergunta que pode levantar-se: não se esconderia sob o pseudônimo
Abdalah-el-Krat i f , nesse caso, o antigo colaborador de O Progresso, e que, segundo
Luiz do Nascimento, deu-nos cinco art igos int i tulados: “Interesses Provinciais”,
assinando simplesmente H , e que sabemos ser Henrique Augusto Milet?1 2 Mas se é
assim como Figueiredo pôde usar material que não é seu, se perante a comunidade
recifense Abdalah-el-Krat i f , mais revelava do que escondia o responsável da
coluna? Ao menos é o que consta da polêmica que se levantou, quando, da ocasião
da peste, “A Carteira” cr i t icou at i tudes pouco responsáveis da parte de médicos.
Essa crít ica levantou protestos e acusações. Em “A Carteira” de 17/2/1856 a
redação do Diário de Pernambuco chama a si toda a responsabi l idade do publ icado
no Folhetim: “A Carteira”, mas diz ainda:
“Contudo essa redação não quer abr igar -se covardemente e em segredo sob o vé, al iás
bastante t ransparente, (gr i fo nosso) do pseudônimo de que usa.
“Este nome é o de um homem, nosso co laborador e amigo”.1 3
Inferimos daí que Figueiredo não podia esconder-se impunemente sob o
pseudônimo. Além disso, Luiz do Nascimento ao colocar o H como assinatura de
Henrique Augusto Milet só o faz para os cinco art igos de teor jurídico”1 4. Não seria
o fato de, no f im do art igo de O Progresso: “Colonização do Brasi l” fazer-se
menção de projeto de lei , extraído justamente dos art igos de Milet, o que levou
Figueiredo a assinar com H ?1 5
Confessamos que nos encontramos diante de duas hipóteses possíveis: a) Antônio
Pedro de Figueiredo é o autor do art igo de O Progresso. Com just iça, portanto, e
l i teralmente o diz produção sua, no folhet im de 24/3/1856. O fato de, em O
Progresso, dizer, no f im do art igo: “Nos nossos art igos sobre os interesses
provinciais, já propusemos um projeto de lei acerca do imposto terr i tor ial : eis aqui
agora um a respeito do comércio a retalho” (seguem 4 art igos), deve-se à co-
responsabi l idade do corpo redacional da revista de que era redator-chefe; b)
4 3
Antônio Pedro de Figueiredo não é o autor do art igo de O Progresso e ao
transcrevê-lo em “A Carteira”, com ciência ou à revel ia do autor, fê-lo seu, o que,
do ponto de vista da anál ise do seu pensamento, é-nos suficiente. Al iás, assinando
todos os números de O Progresso, ele os rat i f icava e endossava.
Não terminam, porém, ainda aqui as contr ibuições diretas de Figueiredo para as
colunas de O Progresso. No folhet im: “A Carteira” de 14/4/1856 encontramos nova
pista para descobrir sua pena também nos art igos que trazem, como simples
assinatura, o A , letra inicial de seu primeiro nome Lemos com efeito:
“As recordações do passado, as reminiscências da primeira par te da v ida, de qualquer
natureza que sejam, têm uma certa poesia que nunca perece, que sempre nos encanta e
fascina.
“É este sent imento mister ioso da juventude, esse amor que o homem consagra às suas
insp irações pr imi t ivas, que hoje nos anima a conf iar aos nossos le i tores uma das nossas
locubrações l i terár ias de outrora, acerca do comércio internac ional ” .1 6
Após essa introdução, Figueiredo transcreve, sem modif icação quase nenhuma e
com apenas a supressão de umas vinte e duas l inhas, na edição que estamos usando,
o art igo: “Comércio internacional”, publ icado 10 anos antes, em 1846, na revista O
Progresso1 7. Estamos, portanto, de posse do signif icado de mais uma das
misteriosas letras da revista recifense. E com isso estamos aptos a aumentar o
número de art igos que devem ser atr ibuídos realmente a Antônio Pedro, o pardo de
Igarassu, motejado por jornalecos da época. Este mesmo art igo: Comércio
internacional, nos envia a outro, também ele assinado com a letra A :
“Entre cada povo, a at ividade indiv idual, em vez de ser d ir igida para o bem de todos,
conforme os pr incípios de l iberdade de especial ização, simpl ic idade e economia, como já
estabelecemos no nosso art igo precedente (at ividade humana) , essa at iv idade, d izemosnós,
f icou entregue a s i própr ia”.1 8
Realmente o art igo mencionado, e que ocupa as páginas 175-180 vem assinado por
um simples A . E com um simples A e pontinhos vêm ainda marcados três art igos
sobre “Reforma do Sistema Penitenciário”; o primeiro nas páginas 349-356, o
segundo nas páginas 559-565, e o terceiro, nas páginas 639-643. Não há motivos
para não atr ibuí-los a Figueiredo, sobretudo se atentamos o índice, na página 767.
Aí sob o t í tulo “Ciências Sociais e Pol í t icas”, encontramos sucessivamente:
“At ividade Humana” por A***. “Comércio Internacional”, pelo mesmo; “Reforma
do Sistema Penitenciário” (1º, 2º e 3º art igos), pelo mesmo. De início, pensamos
que o número de pontos depois das letras, ou a mudança de pontos por asteriscos
signif icasse mudança de autor, mas chegamos à conclusão de que esse pormenor
f icava a cri tér io do t ipógrafo, ou ao sabor da mão do art icul ista, na hora de mandar
o original para a t ipograf ia. É o que se pode ver claro nos dois art igos
declaradamente do mesmo autor: “At ividade Humana”, assinalado com A e nove
pontos, enquanto: “Comércio Internacional” é assinalado com um A e seis pontos;
4 4
mais, no índice, o art igo: “At ividade Humana” vem seguido de um A e três
asteriscos, após a letra, e na parte superior da mesma.
Assinados com a letra A vêm ainda dois pareceres sobre l ivros publ icados em
Pernambuco: Elementos de Economia Polí t ica do Dr. Pedro Autran da Matta e
Albuquerque, e Sinopsis ou dedução cronológica dos fatos mais notáveis da
história do Brasi l , da autoria do general José Ignácio de Abreu e Lima, páginas
499-506.
Por tudo isso que dissemos, até agora, podemos concluir que a acusação de O
Volcão não t inha consistência. Mesmo se a Figueiredo se devesse atr ibuir apenas o
que af irmamos até agora, seria já considerável a sua contr ibuição para a revista O
Progresso.
Acontece, porém, que não terminaram as misteriosas letras de f im de art igos. Ficam
ainda por decifrar as seguintes: RR,1 9 XY, D, DL.
RR é assinatura de uma equipe de redatores. No índice, aparece após o primeiro
art igo sob o t i tulo: “Polí t ica”; para os que se seguem repete-se a expressão: pelos
mesmos2 0. O que nos impede de supor que, aí, se encontre também, em parte, a pena
de Figueiredo, ainda mais sendo ele o redator-chefe e o ideal izador da revista?
Continuam indecifráveis para nós as assinaturas: XY, D, DL. Por outro lado,
sabemos que o jovem acadêmico Antônio Rangel Torres Bandeira foi colaborador
de O Progresso. É o que nos af irmam Pereira da Costa2 1 e Clóvis Bevi láqua2 2. Como
assinava ele?
3. O Progresso procurou ser uma revista, à altura dos tempos novos. Pela
“Exposição de princípios”, logo no início do primeiro número, vemos como seus
mentores estavam a par do ambiente cultural da época. Acentua-se a tão propalada
idéia do “ l ivre pensamento”, que signi f icava, na consciência européia, a
independência que a f i losofia obtivera face à teologia e às autoridades
eclesiást icas. O fundamento da razão só pode ser a própria razão. E essa vai se
expl ici tando e se just i f icando, por si mesma, sem ingerência estranha. Até que
ponto o grupo brasi leiro assume realmente essa at i tude, é objeto para outro
capítulo. Mas isso consta como princípio orientador do grupo, o qual se julga
privi legiado, porque possui “uma redação perfeitamente uma (gri fado no texto) de
intenções e desenhos”, o que lhes dará a possibi l idade de “apresentar
constantemente, no desenvolvimento do pensamento próprio ou na exposição das
idéias de outrem as mesmas doutr inas e os mesmos princípios gerais apl icados aos
fatos de diversas ordens”. (Anexo 20, n.1. O Progresso, p. 3)
O segundo art igo do ato de fé da nova cul tura era a fé no progresso. O nome da
revista não foi escolhido a esmo. Ele era um programa. Cria-se então que a salvação
do homem estava no progresso das ciências; e a ciência sem dúvida supõe os fatos,
4 5
mas supõe também as sínteses luminosas; e quão acanhadas eram ainda essas
sínteses em terras do Brasi l ! A revista devia ser um veículo de cultura renovadora,
ou melhor, um eco que pudesse despertar a consciência adormecida, inclusive das
academias que viviam “numa preguiçosa beati tude”. (Anexo 20, n. 3. O Progresso,
p. 5.)
A nova f i losofia, em confronto com o que outrora se chamou f i losofia e que se
perdeu em discussões estéreis, estava em função da fel icidade dos povos. A polí t ica
lhe dizia respeito mui to de perto. E, na polí t ica, dois princípios consti tuem então
uma unidade inscindível: a l iberdade e a ordem. Era preciso crer que a ordem social
perfeita se constrói sobre esses dois pi lares. Não é uma fé rel igiosa cega; os fatos
já estão a provar que passaram os tempos das guerras, que o progresso cientí f ico é
um progresso pacíf ico. Há um otimismo juveni l , no grupo que funda O Progresso:
“é esta polí t ica radiosa de progresso pacíf ico que queremos instaurar entre nós e
que será a legenda da nossa bandeira”. (Anexo 20, n. 7. O Progresso p. 8).
Como injunção nacional era preciso definir -se diante da forma de governo em si
mesma. Isso era questão de pouca importância para o grupo de O Progresso. Para
eles, forma de governo, em sentido mais r ico e de interesse imediato, era a
“organização social”, e a polí t ica é a ciência dessa organização. Mas, para não ser
tachado de covarde, o grupo fazia prof issão de fé na oportunidade da monarquia,
como então se real izava no Brasi l .
Enfim, o progresso realmente humano desabrocha-se no cult ivo das artes. A revista
é um apelo para que todos se beneficiem das luzes e inspirações que vêm da
Europa; é um apelo para que, ao mesmo tempo, todos dêem largo espaço a
criat ividade e à independência.
Por este pórt ico de entrada, que se apresenta solene e majestoso, podemos perceber
que a revista era de uma ambição realmente corajosa. Não era uma revista
especial izada em determinado ramo de ciência. Não. Ela queria ser o órgão cultural
que mostrasse aos brasi leiros o pulsar daqui lo que, então, com certo
estremecimento emocional, se dizia a civi l ização. Não era, portanto, um
instrumento de disputas mesquinhas, mas era um marco a indicar, que do lado de cá
do Atlânt ico, já se concebia “uma maneira transcendente” de olhar a história nas
suas grandes l inhas evolut ivas.
Sem dúvida, a grande inspiradora desses ideais era a Europa. Nota-se, nas
entrel inhas, quando não nas l inhas mesmo, uma espécie de complexo de
inferior idade. O nosso caminhar é em direção daqui lo que França, Inglaterra,
Alemanha, Áustr ia, Itá l ia t inham conseguido real izar.
Esse programa expl ica a estrutura de O Progresso:
4 6
“Edi tor ia is, ar t igos assinados com in ic ia is, assim d ivid ida a matér ia: Revista c ientí f ica,
Revista l i terár ia , Revista pol í t ica (exter ior e inter ior) , Var iedades, Poesias e outros
trabalhos, focal izando temas como: comérc io internacional, co lonização do Brasi l ,
lat i fúndio terr i tor ia l , l iberdade de imprensa, formas de governo, etc . afora traduções
como, le i agrár ia, o comunismo na Alemanha, o soc ial ismo na Suíça e a doutr ina de St.
Simon”.2 3
4. Podemos tentar resumir o r ico material publ icado por “ O Progresso”, do ponto
de vista que nos interessa, que é o da anál ise do pensamento de Antônio Pedro de
Figueiredo, da seguinte maneira:
a) textos f i losóficos explíci tos, versando sobre o problema do conhecimento;
b) textos de cunho eminentemente sócio-econômico-polí t ico, nos quais podemos
descobrir uma concepção da real idade social e da história; nos quais, portanto,
estão encarnados princípios f i losóficos, que nos interessam mui especialmente2 4.
a) Textos expl ici tamente f i losóf icos
Esses textos são: “Certeza humana“, nas páginas 13-24. “Processos lógicos do
espír i to humano“, nas páginas 83-92. As três “respostas ao Discípulo da Fi losofia”,
nas páginas 166-169. 243-245; 325-326. Todos da autoria de Figueiredo.
O art igo sobre a Certeza humana. Esse art igo revela para nós o Figueiredo tradutor
do Cours de l ’histoire de la phi losophie de Victor Cousin.
Para compreender essa nossa af irmação e, portanto, para compreender o art igo de
Figueiredo, devemos fazer uma pequena incursão no pensamento de Victor
Cousin2 5, sobretudo como se revela na obra traduzida por Figueiredo, mas também
em outras suas obras que Antônio Pedro pôde ter às mãos, com faci l idade, dado o
ambiente cultural reinante em Pernambuco e que foi objeto de estudo no primeiro
capítulo desse nosso trabalho.
O Curso da História da Fi losofia, de Victor Cousin, tem uma estrutura sui generis:
começa com o estudo da f i losofia do século XVIII. São as 3 primeiras l ições.
Imediatamente passa ele ao estudo dos sistemas que plenif icam (remplissent) a
f i losofia do século XVIII. Esses sistemas se encontram em todas as grandes épocas
da história da f i losof ia, pois estão na raiz mesmo do espír i to humano. São: o
sensual ismo, o ideal ismo, o cet icismo e o mist icismo. Feita essa constatação,
Cousin descobre também quatro etapas, na história do desenvolvimento do espír i to
humano, portanto, quatro etapas na história da f i losofia: uma a oriental, outra a
grega; outra a do século XVII; a últ ima, a f i losofia do século XVIII. Cada uma
dessas idades supõe um período de incubação de caráter rel igioso. Assim foi para o
Oriente, onde só na Índia e, após séculos, se pôde ver del ineado um pensamento
f i losófico. Assim aconteceu também para Grécia, na qual a f i losofia foi preparada
pela mitologia. A Idade Média, propriamente, não conheceu verdadeira f i losofia,
pois a Escolást ica estava em função da teologia; preparou, porém, as várias
4 7
tentat ivas f i losóficas dos séculos XV e XVI. Finalmente, no século XVII
encontramos as raízes da f i losofia do século XVIII, a qual é a Fi losofia com letra
maiúscula, pois, f inalmente, a razão consegue se esclarecer como a única fonte de
verdade, o fundamento de si mesma.
Em todos os momentos da história humana, sensual ismo, ideal ismo, cet icismo e
mist icismo estão presentes, embora de maneira diferente, de acordo com as
característ icas de cada época.
Depois das três primeiras l ições sobre o século XVIII, Cousin passa a anal isar
rapidamente o Oriente ( l ições 5ª e 6ª), a Grécia ( lições 7ª e 8ª), a Escolást ica ( l ição
9ª), os séculos XV e XVI ( l ição l0ª) para, f inalmente, demorar-se no século XVII
(da l ição 11ª à 25ª) . Mais interessante ainda é que, o estudo do século XVII, a
part ir da 15ª l ição se restr inge ao estudo da obra de Locke:
Ensaio sobre o entendimento humano. Procedimento até certo ponto desconcertante,
em um homem que ao falar de Descartes o compara a Sócrates e o diz fundador da
f i losofia moderna:
“Le père d ’un de vos pères aurai t pu vo ir ce lu i qui a mis dans le monde la phi losophie
moderne. Quel est le nom, quel le est la patr ie de ce nouveau Socrate?.. . Cet homme,
messieurs, est un français, c ’est Descar tes”.2 6
O que levou Cousin a essa at i tude? Nada melhor do que dar a palavra ao próprio
Cousin:
“Je vous rappelarai t que Locke est le père de toute l ’école sensual is te du XVl l le. siècle.
En ef fe t , Locke est incontestab lement, en date comme en génie, le premier métaphysl ic ien
de cet te éco le. Or la métaphysique est aux autres par t ies de la phi losophie ce qu’un
pr incipe est à ses conséquences, ou du moins à ses app l icat ions. La morale, l ’esthét ique,
la pol i t ique ne sont que des app l icat ions de la métaphysique, app l icat ions qui sont e l les-
mêmes les bases de l ’h is to ire en génera l , e t en part icul ier de l ’h isto ire de la phi losophie.
De plus, Locke n’est pas seulement un métaphysic ien; i l a lu i -même transporté sa
métaphysique dans la sc ience du gouvernement, dans la re l ig ion, dans l ’economie
pol i t ique”.2 7
É verdade que a um professor de história da f i losofia, e, sobretudo a um professor
que estabeleceu como algo de conquistado a descoberta de que, em cada época da
história humana, estão presentes: sensual ismo, ideal ismo, cet icismo e mist icismo, a
esse professor deveríamos pedir que, com igual largueza, anal isasse as raízes do
pensamento do século XVIII, nos outros três setores: idealismo, cet icismo e
mist icismo.
De certa maneira o pensamento completo de Cousin, já se encontra
embrionariamente completo nas 13 l ições da Introdução à história da f i losofia.
4 8
E nas demais obras o estudo do racional ismo e, concomitantemente, do cet icismo e
mist icismo é fei to com maior detalhe. Importante, sobremaneira, é o Cours de
phi losophie sur le fondement des idées absolues du vrai, du beau et du bien. De
fato, na primeira l ição deste curso, na qual ele reduz os periodos da história da
f i losofia a dois: o grego e o moderno, anal isa o pensamento de Descartes, a escola
inglesa, a escola escocesa e a escola alemã, nas suas característ icas ideal istas, para
desembocar no eclet ismo. É compreensível falar ele do ideal ismo das escolas
escocesa e alemã. Mas, ideal ista Locke? Por quê? Em Locke, o que Cousin tem em
vista, agora, é o fato de ter-se dado ele a anál ise da mente:
“Trois grandes éco les partagent le XVII I s iècle l ’éco le angla ise, l ’école écossaise et
l ’éco le al lemande; cel le de Locke, ce l le de Reid et ce l le de Kant. Or i l est impossib le de
méconnaître le pr incipe commun qui les anime, ou l ’uni té de leur po int de dépar t . Quand
on examine avec l ’ impart ia l i té la méthode de Locke, on voi t qu’e l le se renferme dans
l ’analyse de la pensée”.2 8
Na real idade, e é o mais importante, a solução cousiniana, no fundo, se mostra
ideal ista para Figueiredo, pois para Cousin no Cours de Phi losophie sur le fondemet
des idées du vrai, du beau et du bien, a conci l iação entre as duas exigências do
conhecimento humano: o “a prior i” e o “a posterior i” dá-se no estado primit ivo da
verdade absoluta na intel igência; ou seja, dá-se na apercepção pura. É o que
aparece do Curso e o que é bem acentuado, tanto no prefácio da primeira edição dos
Fragments phi losophiques, como também no texto do Programe des leçons données
à l ’école normale et à la faculté des lettres, pendent le premier semestre de 1818
sur les veri tés absolues.
Diz-nos Cousin na introdução aos Fragmentos. . . :
“P lus que jamais f idè le à la méthode psicho logique, au l ieu de sort i r de l ’observat ion, je
m’y enfonçait davantage, et c ’est par l ’observat ion que dans l ’ in t imi té de la conscience et
à un degré où Kant n ’ava it pas pénétré, sous la relat ivi té et la subject iv i té apparente des
pr incipes nécessaires, j ’at te ignis e t démêla i t le fa i t instantané, mais rée l, de l ’apercept ion
spontanée de la vér i té, apercept ion qui, ne se réf léchissant po int immédiatement e l le-
même, passe inaperçue dans les pro fondeurs de la consc ience, y est la base vér i tab le de ce
qui , p lus tard , sous une forme logique et entre les mains de la ré f lex ion devient une
concept ion nécessaire. Toute subject iv i té avec toute ré f lex ivi té expire dans la spontanéi té
de l ’apercept ion”.2 9
O caráter absoluto e a dimensão de necessidade do conhecimento são obtidos
através de uma renúncia à subjet ividade, entendida como ref lexão e, o que é mais
importante, como l iberdade. Não podemos nos estender na citação; mas Cousin diz
claro:
4 9
“La ra ison devient b ien subject ive par son rapport au moi volonta ire et l ibre, siège et type
de toute subject ivi té ; mais en el le-même e l le est impersonel le ; e l le n ’appart ient pas plus à
tel moi qu’à te l autre moi dans l ’humani té ; el le n ’appart ient pas même a l ’humanité , et ses
lo is, pas conséquent, ne revèlent que d ’e l les-mêmes”. 3 0
No Programme des leçons données à l ’école normale et à la faculté des lettres,
pendent le premier semestre de 1818 sur les véri tes absolues, esquematicamente
encontramos as diferenças entre o espontâneo e o ref lexivo:
“Obscur i té nécessaire du po int de vue spontané, non réf lechi, et , par conséquent ,
ind ist inct e t obscur; c lar té nécessaire du po int de vue réf lexi f e t d is t inct i f . . .
Que les deux termes du fa i t de l ’apercept ion pure, termes immédiats et int imes l ’une a
l ’autre, sont la raison et la ver i té , p lacées évidemment hors du moi e t hors du non-moi,
qui peuvent b ien concevoir ou contenir l ’abso lu, mais sans le const i tuer” .3 1
Assim nas outras suas obras, Cousin que, coerente ou incoerentemente, se revela
incl inado a soluções de sabor ideal ista, cont inua o estudo do Curso da história da
f i losofia. Ele tem sempre o cuidado de recordar os quatro momentos necessários do
caminhar da mente humana. O Curso da história da f i losofia tem de ser olhado no
conjunto das obras do f i lósofo francês. Do contrário seria um torso e não revelaria
a total idade do seu pensamento.
A nossa excursão no pensamento cousiniano pode ter parecido longa, mas, a nosso
ver, foi necessária, como já o af irmamos antes, para duas conclusões: cert i f icar-nos
de que realmente é Figueiredo o autor do art igo de O Progresso sobre a “Certeza
humana”, assinado por um simples O ; e também para compreensão do art igo, e da
polêmica que suscitou.
O art igo “Certeza humana” é construído, a nosso ver, sob o pano de fundo da obra
de Cousin. Afirmar isto não signif ica af irmar que Figueiredo copie Cousin ou o
siga. Pelo contrário, esse pano de fundo é quase sempre ponto de referência para
discordar da solução de Victor Cousin.
Figueiredo divide seu art igo em três partes: na primeira, com caráter quase que
apenas introdutório, e le af irma que, apesar de 4000 anos de discussões, os homens
ainda não chegaram a concluir nada a respeito da momentosa pergunta: “Poderá o
homem chegar à verdade? ”No entanto, o problema seria resolvido com uma
l inguagem única, não ambigüa, como acontece na matemática, af irma Figueiredo.
Já de início vemos o t radutor de Cousin discordar em cheio daquele que deve tê-lo
entusiasmado, a ponto de levá-lo ao trabalho que lhe mereceu a alcunha de Cousin
Fusco.
De fato, na 20ª l ição de sua história da f i losofia, após terminar o comentário ao
segundo l ivro da obra lockeana: Ensaio sobre o entendimento humano, Victor
5 0
Cousin, acena ao terceiro l ivro, que versa sobre as palavras e a l inguagem. E faz a
seguinte observação:
“Je vais maintenant t i rer de l ’ensemb!e de ce tro isième l ivre et des théor ies qu’ i l
renferme, un cer ta in nombre de points importants qui me paraissent suspects, ou douteux
ou faux: vous en jugerez”.3 2
Faz então quatro ressalvas: A últ ima é justamente esta:
“Par tout Locke at tr ibue aux mots la p lus grande part ie de nos erreurs; et s i vous
commentez le maître par les élèves, vous trouverez dans tous les écr ivains de l ’école de
Locke que toutes les d isputes sont des d isputes de mots; qu’une sc ience n’est qu’une
langue, ce qui est vrai s i les idées générales ne sont que de mots, e t par conséquent qu’une
langue b ien fai te est une science b ien fai te. Je m’inscr is en faux contre ce qu’ i l y a
d ’exagéré dans ces asser t ions”.3 3
O Cousin brasi leiro coloca-se numa l inha de oposição ao Cousin francês, e a favor
de Locke; antes, a favor daqueles que levaram ao extremo a af irmação do pai do
sensual ismo moderno. No entanto, no início do seu art igo, aceita ele a anál ise que o
mestre francês faz da história da f i losof ia, dividindo-a em quatro idades, e
remontando à f i losofia que se inspira nos l ivros Vedas o início da história da
f i losofia.
Mas a discordância não se encontra só nisto. Na classif icação das escolas
f i losóficas, Figueiredo faz aceno a três t ipos de pensamento: sensual ismo,
ideal ismo (englobados sob o nome de dogmatismo) e cét icos. Deixa de parte os
míst icos, o que al iás lhe foi recordado pelo “Discípulo da Fi losofia”. Figueiredo lhe
responde:
“e se por acaso, o que quase não podemos crer , se re ferem as suas palavras aos míst icos,
nós lhe responderemos que não examinamos a solução que esta sei ta dá ao prob lema da
certeza, porque pensamos que um sistema que subst i tu i o êxtase à re f lexão, como meio de
chegar ao conhecimento, coloca-se fora do domínio da f i losof ia, que é f i lha da ref lexão, e
faz par te integrante da teologia, apesar do que d izem Cousin e alguns outros”.3 4
Na segunda parte do seu art igo, Figueiredo procura dar uma visão histórica da
procura da verdade, pelos homens. Tendo descartada a solução míst ica, ele tem de
se haver apenas com três correntes: os cét icos, os sensual istas e os ideal istas.
Seu primeiro cuidado é descartar-se também dos céticos. Para isso vai enfrentar os
discípulos de Théodore Jouffroy, os quais se julgavam armados de uma
argumentação irretorquível, como fundamento de certo t ipo de ceticismo, não
ingênuo e mesquinho, mas um ceticismo transcendente. A apresentação que
Figueiredo faz do pensamento de Jouffroy, mostra-nos que, realmente ele era
conhecedor das obras de Jouffroy. Mélanges phi losophiques contem quatro partes:
5 1
Philosophie de l ’histoire; Histoire de la phi losophie; Psychologie; Morale. Na
segunda parte: Histoi re de la Phi losophie, o terceiro capítulo é justamente: “Du
scepticisme”3 5. Em outra obra Cours de droit naturel, em 2 volumes na terceira
edição, Jouffroy, para fundamentar sua doutr ina sobre a lei moral, trata também,
largamente, sobre o cet icismo: huit ième leçon: Système sceptique (p. 195-215);
neuvième leçon: Refutat ion du scepticisme (p 216-242); dixième leçon: Du
scepticisme actuel (p 243-273). Não há diferença do ponto de vista que
encontramos em Mélanges metaphysiques. A única objeção vál ida dos cét icos é:
“e se nossas faculdades cognit ivas não forem fei tas para captar a real idade como e la é?
A essa objeção, não há resposta possível, d iz Jouffroy. Mas só os f i lósofos fazem
esta pergunta e, assim mesmo, teoricamente, pois, na prát ica, agem como os demais
homens, acreditando que as faculdades humanas, ainda que sujeitas a erro, são
feitas para colher a real idade como ela é3 6. Figueiredo procurou resumir o
pensamento de Jouffroy, e opor-lhe argumento seu.
Se Figueiredo interpretou bem o pensamento de Jouffroy e se, portanto, sua
argumentação procede, talvez não venha ao caso na nossa pesquisa. No nosso modo
de ver, contudo, parece que Jouffroy dever ia ser mandado não para o número dos
cét icos, mas dos f ideístas, quando muito; não um f ideísmo teológico, mas
f i losófico. Um f ideíslo de aqueles que af irmam que há verdades que se impõem,
para além das exigências clarividentes da razão, e que são o suporte da própria
razão. Quando nego a existência de uma verdade absoluta, eu já estou
inst int ivamente af irmando a tendência da intel igência para ela, ainda que deva
reconhecer o caráter sempre f ini to, l imitado de qualquer verdade humana. Crer que
nossas faculdades são aptas, em princípio, para at ingir a verdade é condição “sine
qua non” para pensar, e é questão de bom senso.
Do ponto de vista da nossa pesquisa, o que interessa, porém, é ver confirmada a
opinião de que Figueiredo, na época da publ icação de O Progresso, já t inha uma
posição de inteira independência, diante daqueles que apareciam como os mentores
principais do eclet ismo, na França3 7.
Livre dos cét icos, Figueiredo, traça-nos a história dos sensual istas e dos ideal istas,
dentro de um quadro de referência tr iplamente cousiniano: enquanto, agora, faz
menção de duas épocas só, na história da f i losofia: a antiga e a moderna3 8; enquanto
coloca a at i tude das duas escolas frente ao binômio plural idade-unidade (elementos
últ imos, resultantes da anál ise da razão humana) como cri tér io de dist inção, e até
oposição, das mesmas; enquanto enfat iza o papel da escola escoceza, na tentat iva
de superação do ceticismo moderno, através da valorização da psicologia. Sem
falarmos no aceno rápido à mudança de preferência entre o método sintét ico dos
antigos, e analí t ico dos modernos.
A apresentação de Figueiredo é l inear.
5 2
Claro que poderíamos levantar alguns problemas, como, por exemplo, perguntar se
é justo colocar Kant entre os cét icos: Mas são problemas que, na época, não t inham
procedência histórica. O que realmente visa o art igo é questionar e negar o valor da
solução que a escola eclét ica t inha dado a toda essa “quadrimilenar” questão. E foi
justamente este ponto que levantou a polêmica com o “Discípulo da Fi losofia”.
Figueiredo ataca de cheio a solução que Cousin dá ao problema da verdade. É f iel
em expor o pensamento do mestre francês. Conhecia-o bem. Sob certo ponto de
vista, foi até benigno na crít ica, mostrando como a solução era uma arma de dois
gumes, pois assim como Cousin para dotar a razão de cacacteríst icas de valor
absoluto e de necessidade, negou-lhe a subjetividade, outro qualquer poderia fazer
o mesmo, com o dado sensível e chegar à impersonal idade dos dados da ref lexão
(que para Cousin são essencialmente pessoais). Reconhece Figueiredo que, no f inal
do inventário, Cousin fez uma opção por um t ipo de pensamento de
tendência ideal ista, e procurou salvar a personal idade do eu, diante do não-eu com
a doutr ina dos dois momentos no exercício do pensamento: o momento da
espontaneidade e o momento da ref lexão.
Dissemos que a crí t ica foi benigna, pois Cousin, na Europa, teve de enfrentar
objeções bem mais sérias, que ele mesmo menciona no “Préface de la deuxieme
édit ion” dos Fragments.3 9
Não só; Figueiredo aceita diversos dados da anál ise que Cousin faz da consciência,
como: a redução dos elementos da razão a três termos: eu / não-eu / relação entre
eles; ou, inf ini to / f inito / relação entre eles. Mais, aceita também a dist inção entre
ação espontânea e ação voluntária. Ora, esses dados vão ser a chave de solução do
problema para Figueiredo, embora numa perspectiva bem diversa.
Na terceira parte do art igo, Antônio Pedro de Figueiredo dá-nos a sua solução.
Nega a dist inção entre conhecimento subjet ivo e conhecimento absoluto. A verdade
para o homem será sempre uma verdade humana, portanto, relat iva ao homem, e é
um contrassenso falar em verdade absoluta para o homem. Mais ainda, questionar se
as idéias correspondem a uma real idade, a um mundo exterior a nós é
desnecessário, pois é produto humano também essa idéia mesma da real idade.
Estamos igualmente certos de nossa existência como da existência do mundo que
nos rodeia. A posição cartesiana é insustentável. Em suma, a questão do
conhecimento humano só pode ser posta realist icamente, se tomarmos em conta que
os dados irredutíveis do conhecimento são: o sujeito, com a organização intelectual
que lhe é própria; os objetos que se relacionam com a nossa intel igência. O
conhecimento humano é, a um tempo subjet ivo e objetivo; não há que fugir dessa
evidência. O que está mais a peito a Figueiredo é mostrar como só se pode pensar
em conhecimento como relação de. . . com. Assumir um dos polos: sujeito ou objeto,
e privi legiar um deles, com descaso do outro, já não é mais raciocinar com dados,
mas jogo de palavras, logomaquia. O espír i to humano só percebe relações. E isso é
5 3
tão verdade que a idéia geral de existência (o complexo do f ini to) não tem sentido
para a intel igência a não ser porque é o primeiro termo de uma relação: existência-
nada, f ini to-inf ini to, relat ivo-absoluto.
Nessa estrutura baseia-se o princípio de contradição, fundamento de todo o
f i losofar, de todo o conhecimento.
O “Discípulo da Fi losofia”; na sua primeira crí t ica, acusou o Figueiredo: a) de
desordem na exposição e confusão de fatos ou princípios; b) de confundir verdade
com certeza; objet iva uma, subjet iva outra; c) de parcial idade em expor a história
da f i losofia, esquecendo outras escolas e pensadores; d) de desrespeito a Cousin; e)
de não deixar compreensível o t ipo de solução que ele apresenta. Num segundo
art igo, as acusações aumentaram; f) a solução de Figueiredo é cét ica e atéia.
Às objeções: desrespeito a Cousin e identi f icação de certeza com verdade,
Figueiredo responde chamando a si o direito de pensar com a própria cabeça,
independente de o que os outros pensaram ou pensam. Poderíamos dizer: “Amicus
Plato, magis amica veri tas”. Com relação à acusação de ceticismo e de ateísmo,
despreza-as, dizendo simplesmente que não é nem cético, nem ateu, e apela para o
art igo, capaz de, por si mesmo, defender o seu autor contra tais acusações. Com
relação à objeção, que lhe f izera o “Discípulo da Fi losofia”, de ingrat idão para com
outras escolas não citadas, já vimos a resposta que Figueiredo dá, com relação ao
mist icismo: não o julga f i losofia. Além disso, seu excurso pelo campo da história
da f i losofia obedeceu a uma perspectiva, e é nessa que se deve ver o resumo
histórico, fei to em função, e só em função, do problema da certeza humana.
No f inal da sua segunda defesa Figueiredo resume o seu pensamento dizendo: a)
Que todo o conhecimento vem de uma relação percebida e por conseqüência é
necessariamente subjet ivo. b) Que a qual idade de existência resulta de uma relação
e não pertence aos seus dois termos ainda que ela os suponha. c) Que os dois termos
da relação, considerados isoladamente, só têm existência abstrata, donde se segue
que o f ini to e o inf ini to são abstrações correlat ivas uma da outra, cuja relação é a
existência. Finalmente, a defesa contra o ateísmo, é fei ta apelando ao texto, cujo
término foi a frase de São Paulo: “ In Deo vivimus, movemur (está errado nas duas
vezes que aparece em O Progresso, pois aparece movemus) et sumus”.
O que dizer da posição de Figueiredo e da posição do “Discípulo da Fi losofia”? Se
o “Discípulo da Fi losofia” era um adepto de Cousin, razão t inha para temer a
posição de Figueiredo. A “despersonal ização ou desubjet ivização” das leis da
razão, por parte de Cousin, se de um lado podia dar margem a sérias acusações,
inclusive a de panteísmo lógico, de outro lado, era um pensamento sól ido, para a
objet ividade e concomitantes universal idade e necessidade das verdades
fundamentais. Já Figueiredo, “humanizando” a verdade, necessariamente a
relat ivizava. Podiam acusá-lo de cét ico. E do ceticismo ao ateísmo, ou, talvez
melhor, ao agnosticismo o caminho era pequeno, a não ser que se optasse pela fé.
5 4
Mas em campo de f i losofia, apelar para a fé, seria apelar então, para o mist icismo a
Cousin, ou para a fé a Jouffroy, ambos descartados por Figueiredo.
Com relação a Figueiredo, achamos vál ida a primeira af irmação: todo conhecimento
vem de uma relação percebida, por conseqüência é necessariamente subjet ivo. O
que se deveria, porém, aprofundar é como fundamentar o caráter absoluto da
verdade a part ir desta relação, se ambos os termos, sujeito e objeto, são relat ivos.
Está bem que Figueiredo se negue a chamar a verdade de absoluta. Di-la humana;
mas com isso não nega seu valor probatório, seu valor de certeza, e certeza como a
entendiam os f i lósofos.
Quanto à segunda af i rmação: a qual idade de existência resulta de uma relação e
não pertence aos seus dois termos ainda que ela os suponha, é inspirada em
Cousin. Aqui novamente sente-se uma espécie de vazio sob os pés. Aceitemos que
na ordem lógica e psicológica a existência só é entendida como relação. Mas, e na
ordem ontológica? Poderia perguntar-lhe um Catól ico. A pergunta tem procedência.
A ela, Figueiredo, no nosso modo de ver, não respondeu. Eis o que, a respeito, diz
Vamireh Chacon:
“Tendo optado pelo hegel ianismo impl íc i to em Cousin, ta lvez sem o saber , ele
(Figueiredo) de fato interpretou o Mundo com uma emanação tão natural e necessár ia de
Deus, que pensava ainda considerar -se um cató l ico”.4 0
A terceira af irmação parece uma apl icação da segunda.
Ao fazermos essas perguntas não é nossa intenção dar-lhes uma resposta pessoal,
mas mostrar a problemática que Figueiredo levantou. Também ele caiu na pretensão
de que acusava os outros f i lósofos: a pretensão de resolver uma questão que
realmente desafia o pensamento do homem.
Uma coisa parece evidente e queremos ressaltar. A solução de Figueiredo pretende
superar a divisão entre ideal istas e sensual istas. Nisso al iás, está o espír i to do
eclet ismo.
Portanto, no “fato primit ivo” da consciência, para seguirmos a nomenclatura de
Maine de Biran, encontramos juntos necessariamente, quer o elemento subjet ivo,
quer o elemento objet ivo. Dissemos que esses elementos se encontram unidos
necessariamente, a tal ponto que o conhecimento não se perfaz senão nesta
copresença relat iva do sujeito e do objeto. É por isso, que não há conhecimento
absoluto; é por isso que todo conhecimento é subjet ivo. Af irmar que todo
conhecimento é relat ivo (Figueiredo diz, até, relação) é romper com qualquer
ideal ismo, é ganhar imediatamente a objet ividade do conhecimento, é tornar sem
sentido o célebre problema epistemológico da “Ponte”. Af irmar, por outro lado, que
todo conhecimento é subjet ivo é, com um golpe, terminar com o problema que toda
5 5
solução empir ista cr ia: impossibi l idade da ciência e da f i losofia, a part ir da
subjet ividade, como se subjet ividade e objet ividade se excluíssem mutuamente.
Figueiredo, que aceitou como realmente vál ida a posição de Cousin, o qual
dist ingue dois momentos no exercício do pensamento: a espontaneidade e a
ref lexão, parece ter querido chamar a atenção para o art i f icial ismo das soluções
extremas do ideal ismo e do real ismo. No momento da espontaneidade, no momento
do senso comum, sujeito e objeto, unidade e plural idade não se excluem, mas se
coimplicam como dado primeiro, fundamento de todo o pensar: O pensamento supõe
o exist ir , e o exist i r concreto já e uma teia de relações, cujos termos se
coimplicam..
Isso é visto confusamente; à ref lexão compet ir ia revelar, (o que é um desvelar) esse
dado primit ivo, sem empobrecê-lo. Foi uma intuição feliz de Figueiredo, mas, no
nosso modo de ver, realmente, ele não foi mui claro ao expor suas idéias.
Processos lógicos
O segundo art igo de Figueiredo, em O Progresso, versando tema expl ici tamente
f i losófico, é o que se denomina: ”Processos lógicos”, e que se estende pelas páginas
83-92. O art icul ista mesmo, no início, o si tua num conjunto de três art igos. O
primeiro é o que acabamos de anal isar, ou seja, “Certeza humana” e o terceiro,
infel izmente, não veio à luz. Interessante notar como já na “exposição de
princípios” com que se abriu solenemente a revista é af irmada a fé no gênio do
homem que tem por tarefa descobrir a unidade do universo; e o homem “preencherá
tanto mais faci lmente” essa tarefa, “quanto mais estudar a natureza, e apl icar, com
mais independência de espír i to a essas matérias os “processos lógicos” e os “
métodos de investigação e de exame, que desde Bacon hão permit ido que as
ciências f izesse tão rápidos progressos”4 1.
Encontramos, aqui, uma at i tude semelhante a de Verney, em O verdadeiro método
de estudar e à de Si lvestre Pinheiro Ferreira, em Preleções Fi losóficas: tentar
conci l iar as conquistas da ciência moderna
com o patr imônio tradicional.
No art igo de Figueiredo, dist ingue ele entre: a) “estudo dos meios que o homem tem
à sua disposição para chegar à verdade” (seriam os processos 1ógicos, como nos
revela o contexto); b) “empregos que ele deve fazer de tais meios, ou questão do
método”4 2. Esse é o ar t igo que nunca veio à luz.
Uma anál ise do art igo: “Processos 1ógicos”, de certa maneira nos decepciona.
Figueiredo deixa de lado a audácia do primeiro art igo, para dar-nos, nesse, um
resumo do que poder ia encontrar-se em qualquer manual tradicional de lógica
aristotél ica. Tendo-nos falado de Bacon e dos progressos da ciência moderna,
nenhum valor da à indução, além daquele que já lhe dava Aristóteles:
5 6
“O rac iocínio indut ivo é uma forma de rac iocínio , mui preconizada por cer tos f i lósofos
modernos, que até pretenderam subst i tuí - lo por toda a par te ao si logismo, única verdadeira
forma de rac iocínio, capaz de dar a cer teza”.4 3
Talvez reservasse Figueiredo para o terceiro art igo, que deveria versar a questão do
método, a apresentação e o questionamento dessa problemática que desde Bacon e
Descartes vinham sacudindo a f i losofia moderna; al iás é questão sobre a qual
Victor Cousin insiste no seu Curso de história da f i losofla, sob a forma de anál ise e
síntese (troisième leçon), observação e indução (treizième leçon), e quando estuda
o Ensaio sobre o entendimento humano, de Locke.
O fato, porém, é que em O Progresso nada encontramos a respeito, nem nos demais
escri tos que conhecemos de Figueiredo.
b) Textos de cunho sócio-econômico-polí t ico
Sob essa denominação, incluímos os seguintes art igos, de acordo com o resultado a
que chegamos, no número 3.2 “Reformadores modernos (Johann Ronge), “Ascânio”
e o “Livro do Povo”, “Variedade (ou Nascimento do Progresso), todos assinados
com a letra O . Depois, os art igos “Atividade Humana”, “Comércio Internacional”,
Recensão aos l ivros de Autran e Abreu e Lima e três art igos sobre “Reforma
Penitenciária”, todos assinados com a letra A . Ainda, “Colonização do Brasi l” ,
assinado com H . Julgamos poder atr ibuir -se a Figueiredo também o art igo “As
Reformas” que vem sem assinatura alguma. Nem podemos nos esquecer de que os
art igos assinados por RR, sobretudo, a “Exposição de Princípios”, têm inspiração
também f igueirense. A ele podemos responsabi l izar pela escolha de traduções,
como, por exemplo, o trecho “Anarquia Social” de C. Pecqueur.
É um material suf icientemente r ico, no qual se entrecruzam idéias dos eclét icos
franceses, sobretudo Cousin e Jouffroy, ideais l iberais e de reformistas social istas
da fase chamada utópica ou espir i tual ista. Deixaremos para o capítulo V a
abordagem destes textos. Neste capítulo, então, procuraremos definir a posição
mestra de Figueiredo, em questões de grande atual idade na época.
Queremos aqui observar que os art igos sobre “Reforma Penitenciária” f icariam
incompletos, pelo fato de a revista terminar sua atividade em 1848. De fato, no
f inal do terceiro art igo, escrevia Figueiredo: “Num próximo art igo, investigaremos
as principais causas dos crimes, então nos entenderemos mais sobre essas medidas
preventivas, e sobre as destinadas a moral izar ou regenerar os del inqüentes...”4 4.
Esse art igo não saiu nos números de O Progresso, do ano de 1848.
A polêmica sobre o social ismo
5 7
Diz-nos Luiz do Nascimento em “Hist6ria da Imprensa de Pernambuco”, no volume
4º, dedicado aos periódicos de 1821-1854:
“De outro gênero fo i a contenda inic iada, nas co lunas do jornal (A União), pelo
colaborador Pedro Autran da Mata e Albuquerque. Este lançou extenso art igo,na edição de
31 do mês em referênc ia (maio) , no qual , ao defender-se da pecha de ‘soc ial ista ’ , que lhe
atr ibuíra o deputado Morais Sarmento, dec larou c i frar -se o Social ismo ‘na comunhão de
bens e de mulheres’ . Desaf iou-o, então, o escr i tor Antônio Pedro de Figuei redo, pelo
Diário de Pernambuco, a que indicasse quem apregoara tão ‘monstruosa doutr ina ’.
Refutou-o, ainda, através de A lmprensa, fazendo longa demonstração em torno das bases
da nova doutr ina. Mas não fo i possíve l convencer o pro fessor Autran, que manteve seu
ponto de v is ta em o ito a lentados art igos, o ú l t imo dos quais lançado em 16 de setembro”4 5.
Era o ano de 1852.
Nos anexos 4 e 5 vão os dois art igos de Figueiredo. Reservamos para o capítulo V a
anál ise do seu pensamento, a respeito do que então se apresentava, em Pernambuco,
como “nova doutr ina”, perigosa para alguns, alvissareira para outros, pois vir ia pôr
cobro aos excessos do laissez-faire.
5 8
QUARTO CAPÍTULO O Folhetim: A Carteira
5 9
1. O “Diário de Pernambuco” publ icou, desde 24 de setembro de 1855 até 22 de
agosto de 1859, em geral às segundas-feiras, o Folhetim: A Carteira, assinado pelo
pseudônimo Abdalah-el-Krat i f . No dia 29 de agosto de 1859, o folhet im anunciava
a morte do seu fundador, e fazia-lhe o elogio fúnebre. Era ele Antônio Pedro de
Figueiredo, e o substi tuia, no cargo, aquele que já lhe fora colaborador, o Dr.
Antônio Rangel Torres Bandeira. Nem todos os art igos, porém, que aparecem com a
assinatura de Abdalah-el-Krat i f são da autoria de Figueiredo. Ele
mesmo, na edição de 16 de agosto de 1859, nos assegura:
“Cedendo, enf im, à pers is tênc ia e à intensidade do mal, reconhecemos a louca temeridade
de cont inuar uma luta desigual com a própr ia natureza, luta na qual ter íamos de sucumbir .
Nesse aper tado lance, quando estava iminente a cessação de todo o trabalho de espír i to,
luziu-nos um ra io de fagueira esperança. O nosso colega o Sr. Torres Bandeira , logo ao
pr imeiro s inal de détresse, estendeu-nos mão amiga; e o bate l que se aprofundava, ve io
como por encanto à tona dágua, e, por o i to meses sucessivos navegou galhardo e tr iunfante
por entre as s ir tes e cachopes da publ ic idade, sob a d ireção de navegador tão dextro e
esforçado como é o nosso amável co lega”.1
De oito meses de substi tuição fala-nos também Torres Bandeira, quando, no dia
22/8/1859, pela últ ima vez, assinava o pseudônimo costumeiro. Antônio Pedro de
Figueiredo falecera no dia anterior.
“Eis-nos de novo no posto que deixamos por momentos. O nosso amigo a quem
subst i tuí ramos por o i to meses na redação deste fo lhet im, fez, há d ias um grande esforço
dando-nos um trabalho de sua própr ia lavra; mas a enfermidade cont inua a atormentá- lo de
um modo inexpl icável e é impossíve l que, em tal estado o nosso amigo escreva uma só
palavra.
Tomamos sobre nós outra vez esta grave tarefa, e esperamos cont inuar a merecer a atenção
púb l ica”.2
Pereira da Costa, porém, em Dicionãrio Biográf ico de Pernambucanos célebres, em
1882, escreveu:
“Depois de dez longos meses dos mais acerbos sofr imentos. . .escreveu (Figueiredo) um
fo lhet im; fo i publ icado, e poucos dias depois. . . , a mor te o arrebatou à vida da
eternidade”.3
Como contar, porém, esses oito ou dez meses de substi tuição?
Quem faz uma lei tura continuada dos art igos de “A Carteira” observa uma
contradição estranha. Na edição de 15/11/1858, aparece uma apreciação de “O
Trovador” de Verdi, com ressalvas à fama do compositor i tal iano, o qual não pode
comparar-se aos grandes compositores:
6 0
“Bem que em r igor não se possa dizer do Trovador que é uma obra pr ima, nem seu autor o
maior composi tor de música dramática que tem havido, como exageradamente afi rmam
alguns apaixonados; todavia, sem embargo dos seus defe i tos a ópera é incontestavelmente
uma peça sumamente apreciável e o autor um maestro de mui to
merec imento”.4
À medida que procede a anál ise da ópera, encontramos outras ressalvas, ao est i lo e
à original idade de Verdi.
Entretanto, pouco tempo depois, na edição de 6-12-1858, encontramos um outro
tom, na crí t ica a Verdi; é ele comparado a Victor Hugo, como criador do gênero
romântico, na música.
“Que t ransporte ! que vigor ! que entusiasmo nas produção, deste ins igne “maestro” ! Que
sent imentos indef iníveis nos desper tam suas composições, sempre bafejadas por esse sopro
div ino que é o único a constru ir as mais soberbas cr iações ar t íst icas.
“Se vos parece exagerado este quadro, consul ta i , não amadores f ingidos, mas aos
verdadeiros apreciadores, aos verdadeiros ‘d i le t tant i ’” .
“Se é certo que as be las artes são o mais f ie l t ransumpto das maravi lhas natura is. . . ; é, por
outro lado, incontestável que dentre os engenhos que nestes úl t imos tempos se tem
dist inguido mais em patentear esses mistér ios, quanto à sub l imíssima arte da música,
nenhum está ac ima do célebre Verdi” .5
Há mais ainda. Sabemos que no f im de 1858, Figueiredo já estava enfermo, pois ele
mesmo afirma, vimo-lo em cima, que foi com relutância que via chegar o momento
de dever deixar de escrever. Ora, é justamente no dia 29/11/1858 que “A Carteira”
nos dá um alentado art igo, que quer ser uma incursão pelo campo da f i losofia,
dando ao art icul ista o direito de fazer-se esta pergunta:
“o que d irão agora os que lerem esta t i rada semi- f ilosófica num trabalho que só requer
ameníssima l i teratura em conversação fo lgada e prazente ira?”6
Essas duas constatações de crít ica interna dos textos levaram-nos a colocar entre o
15/11/58 e o 29/11/58 ou, então, mais claramente, o 6/12/58 a passagem do encargo
de redigir “A Carteira”, de Figueiredo para o seu amigo Torres Bandeira.
Estávamos a esse ponto da nossa pesquisa, quando encontramos na bibi loteca da
Faculdade de Direito do Recife, uma monografia da autoria de Henrique Capitol ino
Pereira de Mello, estudante do 4º ano da Faculdade de Direito do Recife, sobre o
Bacharel Antônio Rangel de Torres Bandeira. No f inal do trabalhozinho acadêmico,
publ icado em 1878, encontramos a l ista das obras de Torres Bandeira. Entre elas,
71 folhet ins, publ icados no Diário de Pernambuco, a part ir do dia 22 de novembro
de 1858, até o dia 4 de julho de 1860. Nesta l ista não consta a Carteira de
6 1
16/8/1859, que é a últ ima de Figueiredo; constam a de 22 de agosto, com o tí tulo:
“nossa reentrada nos domínios do folhet im” e também a de 29/8/1859, inst i tulada:
“A memória de um amigo uma saudade. O que é a vida em geral? O que é a vida
humana? A questão resolvida pela f i losofia catól ica” 7. Essa, pela vez primeira, com
as iniciais T. B.
Podemos assim estar certos de quais art igos de “A Carteira” são da lavra de
Figueiredo: os que vão da fundação do Folhetim, até o dia 15/11/58, como al iás já
af irmara, com acerto, Alfredo de Carvalho e A. V. A. Sacramento Blake. Ambos se
enganaram com relação à data de início da publ icação, fazendo-a remontar a 1848;
ambos não t iveram em conta o reaparecimento fugidio de Figueiredo, nas colunas
do Diário de Pernambuco, no dia 16/8/1859, ou dela não t iveram ciência. Nesse
sentido, precisaria ser corr igida a nota nº 38, de Luiz do Nascimento, em História
da lmprensa de Pernambuco, volume 1: (Diário de Pernambuco) 1968, segunda
edição, na p. 60. Como se encontra atualmente redigida, essa nota atr ibui a
Figueiredo art igos que, na real idade, são de Torres Bandeira.
Mas a l ista de Henrique Capitol ino nos assegura que é também da autoria de Torres
Bandeira a Carteira de 4/1/1858 com o tí tulo: “Juízo crí t ico sobre Branca Dias de
Apicucos, drama fundado numa lenda pátr ia do século XVIII, por uma
Pernambucana”8. Por outro lado, o próprio Figueiredo, em “A Carteira” de
16/11/1857 nos avisa que transcreve um art igo que, fazia muito, lhe t inha sido
enviado para esse f im.
Também no dia 14/12/1857, Figueiredo avisa que, como lhe pediram expl icações
sobre “Caminho de Ferro”, transcreve art igo de “uma dist inta intel igência”9. E, em
22-3-1858, “A Carteira” diz o seguinte:
“Vamos dar hoje aos nossos le i tores o art igo seguinte de Fernando Guarr ido, que se
encontra na ‘ l lustração Espanhola ’” . O t í tu lo do folhet im é: ‘Aos poetas’” .1 0
É bem possível que algum outro folhet im não seja de Figueiredo, mas a precisão em
notar a responsabi l idade de outros, quando simplesmente transcreve, é uma
segurança da autoria f igueirense dos demais folhet ins. A assinatura é sempre o
pseudônimo Abdalah-el-Krat i f . Ele era o responsável pela coluna; todos o sabiam;
mas podia contar eventualmente com colaboradores. Que sob o pseudônimo de
Abdalah-el-Krat i f estava uma pessoa conhecida atesta-o uma nota defensiva,
publ icada no dia 17/2/1856:
“Po is bem! Digam o que quiserem. Entretanto, responderemos de uma vez para sempre a
esses esforçados anônimos, que só vêem em nós uma personi f icação ind iv idual, um nome,
sob o pseudônimo vulgar de Abdalah-el -Krat i f ” .
A Car teira se chama a redação do Diár io de Pernambuco.
O que ela pensa, – escreve, e o que escreve é sob toda a sua responsabi l idade.
Aceita todas as conseqüências. . .
6 2
Contudo esta redação não quer abr igar -se covardemente e em, segredo sob o véu, a l iás
bastante transparente, do pseudônimo de que usa.
Este nome é o de um homem, nosso co laborador e amigo”. 1 1
2. Precisada a autenticidade dos art igos de Figueiredo, é importante que façamos
uma idéia clara do que fosse um folhetim. Clara, por quanto for possível, pois ao
longo de toda a sua existência, “A Carteira” mesma procura se definir No primeiro
número do folhet im, sua f inal idade é indicada com estas palavras: “cr i t icar,
construindo. Deixar a fantasia correr”1 2. Na comemoração do seu primeiro
aniversário, nela escreve Figueiredo:
“O d ia 24 deste mês é uma data que, embora não recorde um fei to glor ioso.. . todavia é
uma data que nos traz à memória o pr imeiro d ia em que, no ano passado, nos resolvemos a
entregar ao públ ico as nossas recordações, as nossas convicções, as pobres insp irações de
nossa a lma, vivas e co lor idas, t raços imortais de nossas doces i lusões de outros tempos”.1 3
Em 1/12/1856 novamente encontramos uma definição do que seja o folhet im.
Não é romance que cuida das intr igazinhas do passado, sem pretensão de, daí, t i rar
leis; não é história, que cuida também do passado, mas procura as leis da evolução.
Em r igor, não se impor ta com o passado nem com o futuro . O presente é quase a única
fonte das suas insp irações, e a cr i t ica, a forma com que reveste os sucessos do momento,
grandes ou pequenos, humi ldes ou elevados, graves ou cômicos.. .
“O fo lhet im tornou-se hoje um dos elementos const i tut ivos dos jorna is. Ordinar iamente
tem por objeto as publ icações l i terár ias, ar t íst icas e cientí f icas, os ba i les, os espetáculos
teatra is e outros acontec imentos. Não é uma crônica hebdomadária , propr iamente d i ta, mas
os fa tos que narra devem ser marcados com caráter de atua l idade”.1 4
O folhet im deve ser leve, e não pesado e sério, af irma-se em 16/3/1857. J. Janin e
Alph. Kar são chamados príncipes do folhet ir ismo, em Paris1 5. A página mais
dramática sobre a si tuação do folhet inista é a longa “Carteira” de 22/11/1858, com
a qual Torres Bandeira inicia sua colaboração regular, neste setor, substi tuindo
Figueiredo. Respiguemos uma que outra frase, para podermos entender o que, então,
se pensava por folhet im e folhet inista.
“Diz-se por aí frequentemente: que belo assunto não é um folhet im? que vastíssimo campo
aberto à inte l igência e à fantasia do homem de letras?.. . O fo lhet inista é uma espécie de
viandante perd ido no país imenso da l i teratura, onde nem sempre há marcos mi l iár ios para
designar- lhe o caminho; e fel iz, bem fe l iz , é e le , se tem perseverança bastante para vencer
desf i ladeiros enormes e descer ao fundo dos vales. ..O fo lhet im é paraíso pomposo e
dele i tável, quando à sombra de seus lo iros sempre verdes e imurcháveis repousam vultos
6 3
subl imes ou se desenham fe ições d ignas de reparo, tipos de um belo ideal que se traduz em
caracteres varonis e at lé t icos.
Perguntai -o à França esclarecida, à pro funda Alemanha, à fei t ice ira I tá l ia, e à Suíça tão
justamente ufana de seus painéis soberbos e de suas perspect ivas encantadoras.. . lá podem
surgir de momento a momento os reis da harmonia, no domínio das le tras e das ar tes, os
cr iadores das belezas estét icas, os missionár ios intrepidos do saber , os apóstolos da
renascença l i terár ia, os oráculos intel igentes do romant ismo sem exagerações e desmandos
per igosos”.1 6
Na segunda-feira seguinte, Abdalah-el-Krat i f , agora ocultando o nome de Torres
Bandeira, volta à carga:
“Enquanto a noi te vai passando si lenciosa, aprovei tamos alguns momentos para esta
espécie de diversão l i terár ia, que tanto custa ao pobre escr i tor , na si tuação forçada de
fo lhet inis ta que é a pior de todas as si tuações possíve is e até de todas as s i tuações
imagináveis. Façamos hoje por conc i l iar , em termos que se entendem, essas duas grandes
cond ições de quase todo trabalho de espír i to, que o cé lebre autor da famosa epísto la aos
pisões tanto recomendava.. . Desde aquela época sentia-se já o quanto é necessár io
harmonizar, em obras de arte e em coisas de l i teratura, os dois graves pr incípios da
ut i l idade e do recreio. . .
“Divaguemos, po is, em palestra ínt ima com os nossos amigos de mais ínt imo t rato , com
esses que lêem e studam, que r iem mas que medi tam, que fo lgam ao luar , ao som vago das
harmonias do oceano nas horas mortas e não pouco insp iradoras de mui to pensamento v ivo
e profundo, mas que também sabem penetrar no seio das ideal idades subl imes, e o lhar para
o mundo rea l at ravés de um pr isma br i lhante e por entre os mistér ios de l ic iosos da cr iação
e da natureza.
“Será um devanear de ar t ista, ou um estudo severo de f i lósofo? Nem uma nem outra co isa:
é um passeio pelo mundo, a correr sempre, a voar com rap idez aqui e al i , sem ter foros de
pub l ic ista , nem de economista, nem tão pouco de orador ou mesmo de poeta: — é escrever
duas l inhas para não perder o háb ito de pegar a pena, é o ser fo lhet inis ta. . .1 7
Após essa introdução, o art icul ista, com vigor até então não feito em “ A Carteira”,
ref lete sobre a si tuação do mundo, que ele considera num processo de
material ização. Vêm à bai la, num cl ima polêmico, sistemas f i losóficos e f i lósofos,
como responsáveis por tudo isto. E, como que respondendo a possível objeção dos
lei tores, de que essa não seria a função do folhet inista, acrescenta:
“Digam o que lhes aprouver , aval iem de nosso proceder como lhes for mais conveniente; o
certo e o que lhe podemos asseverar é que ainda neste ponto não f izemos mais do que
seguir as nossas ínt imas idé ias e convicções; e nem pensamos que seja este objeto a lheio à
missão toda l i terár ia e cr í t ica do fo lhet in ista”.1 8
6 4
Podemos agora tentar caracterizar o gênero l i terário “folhet im”, como o entenderam
os autores de “A Carteira”.
É um gênero l i terário, diríamos com l inguagem de hoje, plenamente engajado na
real idade histórica. Justamente por isso, seu conteúdo é o mais amplo possível, pois
pode e até deve abarcar toda a gama de interesses reais dos lei tores, desde os mais
sérios até, se t ivermos o direito de falar assim, os mais fúteis. Quando, porém,
assume qualquer sucesso (palavra que na época signif ica acontecimento)
compromete-se a submetê-lo à crí t ica. Diríamos hoje, o folhet im é, nos jornais, um
elemento altamente conscientizador. Nele, o escri tor tem a possibi l idade de
manifestar sua maneira de encarar a real idade. Tem a possibi l idade de levar o
lei tor, como vimos af irmado atrás, a estudar, a meditar, a penetrar no seio das
ideal idades subl imes, a olhar para o mundo real, com olhar de profundidade, que
at inge o que nele há de misterioso. O folhet im, podemos af irmar sem receio, é uma
maneira popular de f i losofar. Como popular, sua forma não pode ser árdua e
pesada; tem de ser leve e agradável. Nen por isso, porém, o folhet im perde a força
de penetração, que dependerá, é claro, do gênio de quem o compõe. Pode parecer
um gênero fáci l , mas não o é. Nisso concordam Figuiredo e Torres Bandeira.
Essa conceituação que extraímos da própria “Carteira”, casa-se perfeitamente com
aquela que encontramos na Grande Enciclopédia Delta Larousse: “Folhetim, seção
de l i teratura, ciências, crí t ica, etc., inserida frequentemente na parte de baixo de
um jornal. (Foi assim que, na França, apareceram os Lundis (segunda-feira) de
Sainte-Beuve, a part i r de 1851). Romance que aparece em partes sucessivas em
periódicos. (Tiveram voga, a part ir do fim da primeira metade do século XIX, em
França, na Espanha, Portugal etc. e no Brasi l)”.1 9
Por essa definição, vemos que o termo “ folhet im” incluía na época duas
conceituações, análogas é claro, mas de valor diverso. “A Carteira” se configura
dentro das característ icas da primeira conceituação: “seção de l i teratura, ciências,
crí t ica etc.”. O etc. deixa aberta a definição, no que diz respeito ao assunto a ser
abordado Mas o termo “crí t ica” é aquele que define o que Figueiredo designou
como “fatos... marcados com caráter de atual idade”, ou seja, diante dos quais os
lei tores tem de se pronunciar. E que “A Carteira” tenha sido realmente isto, na pena
de Figueiredo, não resta dúvida. São pouquíssimos os art igos que signif icaram
apenas um deleite l i terário, a exemplo do folhet im: “um baleeiro convert ido em
baleia” ( lenda), de 28/6/1858; ou “Serafina: uma fantasia l i terária”, de 16/11/1857
que, como já acenamos, não é de Figueiredo.
3. A natureza mesma do gênero “Folhetim” t i ra a nós qualquer possibi l idade de dar
uma idéia global dos assuntos, sobre os quais versou Figueiredo, em “A Carteira”.
Mandamos o lei tor para o anexo nº 24, no qual se encontram os 160 art igos
subscri tos por Figueiredo, com o pseudônimo Abdalah-el-Krat i f . Nos primeiros
anos, não houve preocupação de se dar um tí tulo especial a cada folhet im. Fomos
nós que à medida que fomos lendo, procuramos resumir, em poucas palavras, o
6 5
conteúdo de cada art igo, à semelhança do que Figueiredo fez, sobretudo e quase
sempre, a part ir de 1857. No anexo, o que se encontra subl inhado é subtítulo
colocado pelo próprio autor, após o tradicional: “Folhetim-original do Diário de
Pernambuco. “A Carteira”, que encabeçou todos os art igos.
A impossibi l idade de uma apresentação exauriente dos assuntos abordados não nos
t ira a obrigação de tentar catalogá-los, de tal maneira que se possa fazer uma idéia
do que foi a at ividade de Figueiredo, folhet inista. Ainda mais que essa tentat iva
prepara terreno para aqui lo que julgamos de muito maior importância: as
preocupações desse “missionário intrépido do saber, desse apóstolo da l i teratura,
desse oráculo intel igente das coisas da vida, tentando parodiar, em parte, Torres
Bandeira, no folhet im de 22/11/1858; por nossa parte, preferíamos dizer: as
preocupações desse amante da sabedoria (f i losofia) que não se enclausurou em
especulações abstratas, talvez mui úteis à humanidade, mas que não dispensam o
auxíl io dos que f i losofam no dia a dia, junto com o povo, povo com o povo; e por
isso mesmo, tradutores das grandes mensagens que a f i losofia, elaborada em termos
técnicos, contém, para dar aos homens.
Procuramos resumir , da seguinte maneira, todo o variado conteúdo das ref lexões de
Figueiredo, em “A Carteira”.
a) ref lexões em torno de fatos eventuais: inaugurações, comemorações
internacionais, nacionais ou locais; fatos de crônica social: bai les, banquetes,
passeios; fatos que traumatizaram eventualmente a comunidade, como a peste, no
segundo semestre de 1855 e no primeiro semestre de 1856; comemorações rel igiosas
e populares.
b) ref lexões em torno de fatos que envolvem uma situação habitual sócio-polí t ico-
econômica, como a guerra da Criméia, o pauperismo, a mendicidade, a colonização
estrangeira, a escravatura, o lat i fúndio, a concorrência desenfreada e desleal, o
protecionismo alfandegário, o industr ial ismo, a agiotagem, as eleições corruptas, o
desmando e as irresponsabi l idades polí t icas.
c) ref lexões em torno do progresso científ ico e técnico: telegraf ia, estrada de ferro,
cr iação do bicho da seda, dos camelos, dos cavalos de raça.
d) ref lexões por ocasião de apresentação, e crít ica l i terária de obras de autores
nacionais (poucos) ou de autores estrangeiros; quase todos franceses.
e) ref lexões, por ocasião de crít ica a apresentações artíst icas, nos teatros do
Recife: peças teatrais, poesias e óperas.
Nesse setor, não faltaram estudos históricos sobre a arte em geral, nas suas grandes
manifestações entre os gregos, os medievais e a renascença.
6 6
f) Merece destaque a crí t ica sempre esclarecida que Figueiredo faz à si tuação do
Império, da Província e do Recife. Para isso ele não dispunha apenas do Folhetim.
Desde 1852, o Diário de Pernambuco iniciara, também às segundas-feiras, uma
coluna int i tulada “Retrospecto Semanal”. Dela, segundo Luiz do Nascimento2 0 o
redator era, desde o início, Fgueiredo.
Assim como em “A Carteira”, no “Retrospecto Semanal”, Antônio Pedro de
Figueiredo nunca foi o cronista apático e desengajado. Há todo um cl ima f i losófico
da primeira metade do século XIX, que fazia da história, do destino do homem ou
da civi l ização o tema mais importante da f i losofia. Teremos ocasião de voltar sobre
o assunto Por ora, é suf iciente tê-lo mencionado.
É pois, à luz dele que podemos aval iar Folhetim e Retrospecto Semanal.
Por exemplo, no folhet im de 1/9/1856, Figueiredo inicia uma série de ref lexões
sobre a inst i tuição que se chama: cidade. O que deve ser uma cidade? A anál ise
continua nos números de 9/9/1856, de 22/9/1856, para, f inalmente, um ano depois,
começar a revelar Recife aos recifenses, a Pernambuco e ao Brasi l . Assim temos,
em 29/9/1857: A cidade do Recife; em 5-10-1857: O Bairro do Recife; em 12/10/57:
a freguesia ou Bairro de Sto. Antônio; em 26-10-57: o Bairro da Boa Vista; em
9/11/57: a Freguesia de São José.
É também à luz do cl ima cultural da primeira metade do século XIX, que podemos
entender uma crônica semanal permeada de ref lexões. Nela abordam-se problemas
concretos, como trânsi to na cidade, ausência de dinheiro miúdo para troco, escassêz
de al imentos, al ta de preço dos remédios, graças à “santa l iberdade” de indústr ia; e
o sério problema da seca.
A crí t ica de Figueiredo não é apenas negativa. Em 28-1-1858, louva ele a ordem
nos festejos juninos. Atr ibui essa ordem ao progresso da civi l ização. Espera que
para o futuro desapareçam, por completo, algumas desordens ainda existentes.
Elogia o Carnaval do Recife, comparando-o com o da Europa.
4. O Folhetim saía ao pé da primeira página do Diário de Pernambuco,
normalmente às segundas-feiras. A regra da segunda-feira só era quebrada, nas
poucas vezes que o Diário saiu aos domingos, ou seja, nos dias 17 e 24 de fevereiro
de 18562 1; e quando a segunda-feira era dia santo ou feriado.
O Diário de Pernambuco atingira, no início de 1854, o formato maior, “passando ao
fól io-máximo (72x55)2 2. A matéria do folhet im era distr ibuída em sete colunas,
mantinha um tamanho bastante regular. Pode-se fazer uma idéia do tamanho médio
dos mesmos, pelo anexo 27, no qual reproduzimos quase na íntegra “A Carteira” de
10/8/1857, altamente expressiva, porque mostra para nós o pensamento de
Figueiredo sobre um assunto de importância capital na época. Poucas vezes, o
6 7
art igo exorbitava os l imites da primeira página, para terminar na página seguinte,
com o dobro de material impresso.
Nada diremos sobre a l inguagem f luida e elegante, na qual eram vasados os art igos.
Pelo contrário, interessa à f inal idade do nosso trabalho anal isarmos o que
poderíamos chamar a metodologia, com a qual eram redigidos os art igos.
Ao tentarmos certa classif icação do conteúdo vário, elaborado por Figueiredo, ao
longo de sua vida de folhet inista, usamos, de caso pensado, a expressão: ref lexões.
Sim; porque Figueiredo ref lete com os escri tores que apresenta, com as crí t icas que
faz, com os fatos que narra e comenta. Se or iginal idade signif icar cr iação de art igos
“ex-novo”, podemos af irmar que Antônio Pedro de Figueiredo quase não foi
or iginal; ao menos em “A Carteira”. Talvez até possamos dizer que não se
preocupou com isso. I lustrat ivo, no caso, é o seguinte fato: em “A Carteira” de
31/8/1857, sob o t í tulo: “os art istas dramáticos desde os gregos até
os nossos dias”, algum crít ico da época viu um plágio de Figueiredo. Pois bem, no
f inal do folhet im de 21/9/1857 assim ele se defendia: P. S. Entretanto vamos contar
o que se passou. Um companheiro de redação encontrou na Independência Belga um
art igo sobre os art istas dramáticos. E suscitou-nos a lembrança de fazer dele um
folhetim.
“Com efeito, f izemos uma espécie de preâmbulo, resumimos o art igo, e ao concluir,
f izemos algumas apl icações aos nossos art is tas dramáticos. Nota-se que em seguida
ao nosso preâmbulo, e para entrar na matéria que fazia o objeto do art igo
empregamos a frase seguinte: “Segundo a opinião de um escri tor i lustre, etc.,”
porque o art igo estrangeiro a que aludimos e outros muitos do jornal a
Independência Belga, t razem a assinatura “XX”.
Outrossim, o Jornal do Comércio de Lisboa reproduziu o art igo integralmente.
“Dizendo nós em princípio que íamos tratar do assunto segundo a opinião de um
escri tor i lustre, t ínhamos para nós que a respectiva responsabi l idade não nos
pertencia; e cremos que não era preciso dizer de que parte extraíramos as idéias,
pois que assim prat icam muitos escri tores nossos e estrangeiros, com os quais
temos aprendido semelhante prát ica... .
“Enfim a história não se cria todos os dias. Um tem a iniciat iva, os outros a copiam
l i teralmente, ou a modif icam: todos os escri tores prat icam desta sorte e ninguém
nunca os qual i f icou de plagiários2 3.
Seu método de trabalho supõe, pois, frequentemente uma obra, um art igo, um autor
que, às vezes, ci ta nominalmente às vezes de maneira genérica. Transcreve
l i teralmente ou l ivremente, resume a data seleciona.
6 8
Típica deste método de trabalho é “A Carteira” do dia 30/6/1857. Tem ela como
subtítulo colocado pelo próprio Figueiredo: Educação – Fragmento de um poema
inédito e original. Em seguida, começa Figueiredo: “ Num tempo em que tanto se
fala em desenvolvimento material , que al iás reputamos tão justo como outro
qualquer, não será fora de propósito, que de quando em quando digamos algumas
palavras sobre o desenvolvimento moral.
Após essas palavras, e ci tando um “escri tor contemporâneo” sem nenhuma outra
indicação bibl iográf ica ele apresenta ao lei tor a obra do célebre bispo francês
Dupanloup sobre a educação.
O art igo é um resumo do primeiro volume da obra “ l ’Education”2 4.
Conseguimos local izar quase todas as frases de Figueiredo no l ivro de Dupanloup.
Há uns poucos trechos que são resumo l ivre. Não excluímos a possibi l idade de
encontrarem-se na mesma obra, as outras frases, cuja localização não conseguimos
obter já que Figueiredo, às vezes inverte a ordem. Ou quem sabe, Figueiredo se
tenha abeberado, não diretamente no l ivro, mas em alguma recensão. Levantamos
essa possibi l idade pelo fato de ele não citar o l ivro, como muitas vezes fez com
relação a outros autores, e pelo fato de o sabermos lei tor assíduo de revistas
francesas entre as quais a Revue des Deux Mondes que era um repertório de
informações bibl iográf icas, às vezes, com art igos bem desenvolvidos.
Os folhet ins freqüentemente são um mosaico de ref lexões, por ocasião de eventos
diversos. O caso do anexo 25 no qual o assunto é o mesmo, do princípio ao f im, não
é o normal. Na maior parte das vezes o folhet im apresenta duas três ou mais
tomadas diversas no amplo panorama da vida concreta. A unidade do folhet im está
na intenção do autor no espír i to com que ele ref lete sobre esses f lashes
existenciais.
Se, como dissemos, não podemos encontrar original idade nos art igos de Figueiredo,
como descobrir, então, a l inha do seu pensamento?
No nosso modo de ver, em duas at i tudes. A primeira é a escolha do material a ser
divulgado; a segunda é a maneira de apresentá-lo.
É inegável a inf luência dos autores franceses como Lamart ine, Lamennais,
Lacordaire, Chateaubr iand, Michelet além de outros que ele ci ta, ou cujas obras
anal isa como Victor Hugo, Edgar Quinet, Gustavo Planche, Ratisbona.
Essa inf luência francesa faz-se notar até na crí t ica musical. A crí t ica de P. Scudo
ao “Trovatore” de Verdi, e a crí t ica de Figueiredo, em 15/11/1858, embora
amaciando esta, um pouco, o lado negativo, são idênticas e há trechos até
traduzidos l i teralmente.2 5
6 9
Nessa revista e no anuário correspondente, Figueiredo pode ter encontrado material
farto para os seus artigos a respeito da história, dos progressos cientí f icos, dos
movimentos sociais e das correntes de pensamento que afetavam a vida européia e,
um pouco, o mundo inteiro, pois a revista quis ser, e em parte real izou sua
pretensão de ser, uma revista para os dois mundos: o antigo e o novo.
Mais do que os autores que inf luenciaram em Figueiredo, interessa-nos anal isar o
que desses autores, que lhe eram mais caros ou acessíveis, ele selecionou para o seu
públ ico; e, sobretudo, em que horizonte de compreensão ele integrou essas
contr ibuições da cultura da sua época, que ele aprecia, sem dúvida, mas diante da
qual, mantém-se numa at i tude crít ica e não ingênua. Interessa-nos é descobrir, para
além do material traduzido, resumido, reelaborado, o f io condutor do seu
pensamento. Embora isso seja objeto de um capítulo à parte, como término desse,
podemos af irmar que Figueiredo, continua a manifestar nesses últ imos anos de sua
vida, aqui lo que foram os anseios da sua juventude cultural. Crê ele profundamente
no progresso. Um progresso que não é apenas o progresso mater ial e técnico, do
qual já entrevê os per igos, mas sobretudo o progresso humano. Um progresso que
obedece a um plano providencial, o qual será real izado pela humanidade, mesmo
quando os vaivéns da história parecem dizer o contrário. Crê no Brasi l , em
Pernambuco, no Reci fe querido, de cuja vida intelectual part icipa intensamente.
Ama-os profundamente. Acredita que sua terra tem uma vocação histórica a
desempenhar, e torna-se então, como que o oráculo dessa vocação, o despertador da
consciência cívica e polí t ica. Sua crít ica nunca foi amarga e derrot ista, mas
desinteressada e apontando para a superação possível das si tuações negativas.
O tí tulo da revista de que foi ideador e redator-chefe, não signif icou uma vaidade
dos anos da juventude, mas marcou sua existência até o f im. Creu no Progresso.
7 0
QUINTO CAPÍTULO
As raízes cristãs do pensamento de Antônio Pedro de Figueiredo
7 1
1. No momento em que devemos mostrar, como no arquétipo mental de Figueiredo,
o elemento da cultura cr istã se faz presente, e de maneira bem acentuada, é
necessário que elucidemos, antes, o sentido da nossa af irmação.
Parece-nos desnecessário recordar que nosso discurso não tem nenhuma pretensão
teológica, ou seja, não interessa à nossa anál ise qualquer tentativa de aval iar o
pensamento de Antônio Pedro de Figueiredo à luz dos cri tér ios de ortodoxia cr istã
ou, melhor ainda, catól ica. Justamente por isso falamos de cultura cr istã e não de
doutr ina ou vivência cr istãs.
Uma vez colocada a problemática nestes termos, vem à tona necessariamente uma
outra exigência: precisar o que entendemos por cultura cr istã. Hoje, parece
tranqüi lo, entre os estudiosos, que podemos falar da possibi l idade de culturas
cristãs, no plural. O crist ianismo, como resposta de fé à experiência rel igiosa de
Jesus de Nazaré, encontrar-se-á sempre encarnado em determinadas coordenadas de
espaço e tempo. A resposta de fé é mediat izada, consciente ou inconscientemente,
por todas as real idades humanas que englobam a vida de uma pessoa, ou, melhor
ainda, de um determinado grupo humano. Daí o caráter histórico, portanto, variado
e variável desta resposta. Tornou-se no entanto comum, entre os escri tores, referir-
se à cultura ou civi l ização cristã, como àquela cujas origens encontramos no
movimento de expansão da mensagem de Cristo, no mundo greco-lat ino. Cujo
apogeu podemos situar no século XIII; cujo princípio de desintegração operou-se, a
part ir do humanismo renascentista. Nesse sentido, há pensadores que chamam a
nossa época de uma idade pós cristã. Não é nossa intenção, nem vem ao caso,
estabelecer uma crít ica dessa maneira de pensar. Julgamos suficiente para a nossa
f inal idade recordar que o caráter cr istão do pensar f igueirense é por nós
considerado, tendo em vista alguns elementos que são tomados como dist int ivos da
nova mental idade, frente à mental idade herdada da Idade Média, considerada como
apogeu do período cul tural cr istão.
2. Em se tratando de uma dissertação de caráter histórico-f i losófico, interessa-nos
sobremaneira revelar os pontos de encontro entre a mensagem cristã e o movimento
de ref lexão, ao qual se deu o nome de f i losofia. E isso não teoricamente, mas
concretamente; quer dizer, interessa-nos é perguntar como, na cultura cr istã, se
relacionaram Fi losofia e Fé. Temos de renunciar, como já insinuamos, a uma
anál ise detalhada, que nos revelaria, também aqui, sem dúvida, uma série de
colocações variadas ao longo de 15 ou 16 séculos. Até certo ponto, uma é a posição
dos Padres da Igreja, outra a da Escolást ica, no seu apogeu, ou ainda a da
Escolást ica posterior. Caberia também atentar às diferenças regionais; di ferenças,
portanto, não só em termos de tempo, mas também de espaço. Tudo isso se torna
inviável. Contentar-nos-emos com um corte vert ical, o qual coloque diante de
nossos olhos a cultura cr istã, como sobrevivia ela na primeiro metade do século
XIX, em terras brasi leiras inserimos, então “a cultura brasi leira” no processo
histórico chamado civi l ização cristã medieval, sem com isso negar outras
7 2
inf luências. Al iás, a mesma colocação do questionamento já supõe essas outras
inf luências.
Sendo assim, perguntamos: como em concreto, na primeira metade do século XIX,
se colocava o novo t ipo de cultura cujo amadurecimento estaria já del ineado, na
segunda metade do século XVIII, frente ao pensar ou a cultura cr istã?
Fundamentalmente, resumiríamos a resposta num só vocábulo: laicização ou
secularização. A cultura moderna frente a cultura medieval se dist ingue porque é
laica e secular, enquanto a medieval é clerical e sacra. A cultura medieval é sacra,
porque as bal izas dentro das quais pode-se movimentar a especulação são marcadas
pelas verdades rel igiosas cristãs, entendidas e vivenciadas na época. A cultura
moderna é secular porque, em princípio, suas bal izas são os l imi tes da razão, sem
outro compromisso a não ser consigo mesma. A cultura medieval é clerical, não
tanto porque o clero mantém uma hegemonia cultural numérica, mas sobretudo
porque todo o processo cultural deve receber a sanção da Igreja.
A cultura moderna é laica, porque, mesmo quando elaborada por eclesiást icos, ela
se independentizou com relação à Igreja.
Se tomarmos, como guia de anál ise do pensamento brasi leiro a tr i logia proposta
pelo Prof. Antônio Paim, na segunda edição de sua obra: História das idéias
f i losóficas no Brasi l , podemos assim concret izar a diferença entre a cultura
medieval e a cultura moderna1:
a) O homem, na Idade Média, é, antes de tudo, cr iatura. Como criatura sua
definição se faz a part ir do seu relacionamento com o Criador. Mais, o homem, para
o medieval, é cr istão, ou seja, atual ou potencialmente, alguém que acredita no
Cristo Salvador.
O homem, na Idade Moderna, é, antes de tudo, um ser l ivre. Essa l iberdade é
af irmada no cotejo com a natureza e com as inst i tuições do passado, sobretudo as
inst i tuições rel igiosas. Sua definição é a sua original idade em relação ao cosmos e
também sua at i tude crít ica frente ao passado, como processo histór ico. Essa at i tude
crít ica, diante do passado, marca mais ainda sua independência dos determinismos,
sejam eles f ísicos ou sócio-inst i tucionais.
b) O homem, na Idade Média, é um cidadão do Reino de Deus. Toda a ordem social
ordena-se, teoricamente, à construção do Reino.
O homem, na Idade Moderna, é um cidadão da terra. A convivência social se baseia
na igualdade de natureza, na aceitação de uma tarefa terrena comunitária a ser
perseguida, em vista da fel icidade de todos.
7 3
c) O saber medieval ordena-se à fé: Crede ut intel ligas, intel l ige ut credas. O que
interessa é crescer no conhecimento de Deus, f im últ imo da criatura. O saber não
visa tanto dar mais poder ao homem, mas dar-lhe mais salvação, mais graça. O
saber moderno ordena-se ao poder. Saber para dominar, saber para compreender a
natureza e a si mesmo é o que se visa com as ciências.
3. Embora se possa traçar uma constante no pensamento de Figueiredo, parece-nos
que a lei tura de seus escri tos e as notícias de suas at ividades justi f icam o
estabelecimento de períodos nesse pensamento.
Há um Figueiredo entusiasmado com a nova f i losofia; um Figueiredo que se apl ica,
com ardor e com sacr i f ícios f inanceiros, à tradução da obra de Victor Cousin. Há
um Figueiredo que já se desvinculou do eclet ismo a Cousin e se entrega sobretudo à
ref lexão sobre a história e, especialmente, a história da sua Pátr ia, imbuído da nova
mental idade, amadurecida na Revolução Francesa. Mas é uma adesão crít ica, com
direito de inventariar os valores e os impasses que o ideal dos revolucionários de
89 criaram para o mundo. Desse período são O Progresso e a polêmica com o Dr.
Pedro Autran sobre o social ismo. Fina1mente, encontramos o Figueiredo de “A
Carteira”. Nele, Cousin parece algo completamente superado na sua vida, e af loram
de maneira mais claras o que chamamos as raízes cristãs do seu pensamento.
Do primeiro período, além da tradução do que Figueiredo chamou l ições ou curso
de f i losofia de Victor Cousin, e que nós sabemos ser a tradução de Introduction à
l ’histoire de la phi losophie e do Cours de l ’histoire de la phiosopbie, dispomos dos
art igos em que a obra é apresentada e encomiada. Há um fervor palpável pelas
idéias do f i lósofo francês. Estamos no ano de 1843.
O contato nosso com Figueiredo vai dar-se, novamente, em 1846, quando da
publ icação do primeiro número de O Progresso.Algo aconteceu neste período que
vai de 43 a 46, pois Figueiredo já se arroga o direito de cri t icar aquele que foi
considerado o “divino Platão”. Algo aconteceu, mas não sabemos o quê. Não
encontramos documento algum que nos esclareça a respeito dessa mudança de
perspectiva. Por isso perguntaríamos: não seria o advento de elementos franceses a
Pernambuco, no governo do Barão da Boa Vista, responsável pelo cl ima de revisão
cultural? Amaro Quintas, em seu l ivro O sentido sociaI da revolução praieira,
acentua vezes várias a inf luência de Louis Vauthier sobre os homens do Recife,
cr iando aquele cl ima a que chamou “quarante-huitard”.
“A atuação exerc ida pelo engenheiro Louis Vauthier , contratado pelo Barão da Boa Vista
para real ização de vár ias obras púb l icas, fo i de considerável ampl i tude no âmbi to
inte lectua l no sent ido de cr iar -se uma menta l idade quarante-huitard . Social ista quase
cient i f ico – a classi f icação é do Sr. Gi lber to Freyre – encarregou-se de propagar revistas e
l ivros dos grandes teór icos do soc ia l ismo vigente na época. As idé ias da construção de
fa lanstér ios e de ‘Novas lcár ias ’ eram fami l iares aos nossos escr i tores que, na longínqua
7 4
província, estavam bem informados de tudo o que se passava, no mundo, no capí tulo de
reformas soc iais. É vasta a re lação de assinaturas de per iód icos e
revistas, or ientadas por tendencias sa int -simonianas e four ier is tas, fe i tas por
pernambucanos de projeção, graças a inter ferencia de Vauthier . E um dos seus melhores
amigos ia ser um dos mais l íd imos representantes do espír i to 48 nos meados do século
passado, aqui na província : Antônio Pedro de Figueiredo, o Cousin Fusco”.2
Levantar a pergunta que f izemos atrás não é, porém, dar uma resposta sat isfatória.
Nada sabemos da maneira através da qual Figueiredo revê sua adesão a Cousin.
Nada podemos inferir a respeito da evolução de seu pensamento: se e como faz um
enxerto das idéias, que são o lei t -motiv de O Progresso, no cepo cousiano; ou se,
simplesmente, o interesse mais acentuadamente especulat ivo das idéias de Cousin
cede lugar a pensamentos mais concretos. Essa segunda hipótese parece-nos
inf irmada, sobretudo por causa,dos art igos de O Progresso, que vêm sob o t í tulo
“Fi losofia”, bem como as três respostas ao “Discípulo da f i losofia”. Nesses art igos
aparece clara a vontade de retomar a problemática central do pensamento de
Cousin, para revê-la. O mesmo podemos af irmar com relação a Jouffroy, cujas
idéias, segundo testemunho de Alfredo de Carvalho, Figueiredo abraçou com
entusiasmo:
“abraçava com entusiasmo as doutr inas de Teodoro Jouffroy, às quais soubera dar um
cunho ind ividual modi f icando-as, em parte ao inf luxo das teor ias econômicas de Saint -
Simon, Owen e Four ier ”3.
O testemunho é, porém, por demais vago e não dispomos de documentação que
possa torná-lo mais sat isfatório, para quem quisesse acompanhar a história da
passagem do que chamamos o primeiro período, para o segundo período do
pensamento de Figueiredo.
Em 1848, cessava de circular O Progresso. De então, até 1852, nada de seguro
temos da lavra de Figueiredo, a não ser Noções abreviadas de f i lologia, acerca da
l íngua portuguesa, publ icadas em 1851. Essa obra, porém, pela sua própria índole,
não tem relevância para nós. Importante, ao contrário são os dois art igos sobre o
social ismo, na polêmica com o Dr. Pedro Autran. Apesar dos 4 anos que medeiam
entre eles e O Progresso, podemos considerá-los como pertencentes ao segundo
período. Neles, porém, já se pode notar expl ici tada a preocupação de conci l iar as
conquistas modernas no modo de pensar, com a tradição cristã, na sua l inha mais
autêntica: o Evangelho e os Santos Padres.
Novamente, um si lêncio de mais ou menos quatro anos, para chegarmos ao terceiro
período, isto é, à fundação do folhet im “A Carteira”. Nesse período encontramos
um Figueiredo que renunciou, ou viu-se obrigado a renunciar, a especulações
abstratas. Continua, porém, o mesmo escri tor entusiasmado pela Nova Cultura,
crí t ico diante de suas falhas, e bem mais preocupado em f ixar- lhe as raízes no
antigo terreno da história cr istã. Exagerando, quase poderíamos dizer que do “ l ivre
7 5
pensador” da “Exposição de Princípios”, em O Progresso, passamos ao cristão, f iel
à tradição de quase dois milênios de história do Ocidente, ainda que aberto às novas
perspectivas históricas que a f i losofia, as ciências e a técnica
ofereciam ao homem. Não é, contudo, nossa intenção af irmar que tenha havido em
Figueiredo uma conversão tal qual aconteceu, por exemplo, com Eduardo Ferreira
França, que de material ista, torna-se espir i tual ista4. Não. Nada há, no primeiro e no
segundo períodos, que just if ique considerar Figueiredo como um escri tor de
mental idade laica e secular, no sentido de renúncia ao patr imônio especif icamente
cristão. Como também nada há, no terceiro período, que just i f ique uma afirmação
de retratação, como se, a determinado momento, Figueiredo tenha sentido
necessidade de voltar a algo abandonado. Tudo se passa mui naturalmente, ao que
parece. Tudo se reduz a questão de acentuações diferentes, dadas às necessidades
concretas do momento em que escrevia.
É o que tentaremos mostrar, nas páginas que se seguem. Como reza o t í tulo da
dissertação e, especif icamente, deste quinto capítulo, vamos à procura das raízes
cristãs do pensamento de Antônio Pedro de Figueiredo. Isso não signif ica que não
nos sintamos obrigados a mostrar como essas raízes suportam um t ipo de
pensamento de alguém que tenta pensar com o seu tempo.
PRIMEIRO PERÍODO : A INFLUÊNCIA DE COUSIN
Temos, dessa época, três art igos. Um da autoria do próprio Figueiredo, e que
aparece no Diário de Pernambuco de 27/4/1843. Outro art igo, sem assinatura,
publ icado por A Estrela, em 4/11/1843. O terceiro, é de Antônio Rangel de Torres
Bandeira, no Diário Novo de 28/11/1843. Os três nos interessam, pois ajudam-nos
a entender porque Victor Cousin encontrou aceitação na geração daquela época. Os
três apresentam Cousin como aquele que vem satisfazer às exigências de superação
das incertezas geradas pelo século XVIII. Menos explíci to nisso é o próprio
Figueiredo que af irma:
“ isso posto, é desse manancia l fecundo, derramado da cadeira que por tantos anos i lustrara
o Sr. V. Cousin, que nós podemos deparar com um dos remédios capazes de sanar os
males, sobremaneira do lorosos que sofremos”5.
O art icul ista de A Estrela escreve enfat icamente:
“O nome do Sr . V. Cousin é um e logio europeu e americano. Ninguém melhor do que ele
tem contr ibuído para apressar a época da redenção das ideias, e const i tu ir enf im a ciência,
que ainda voga azoinada, como um navio sem bússula.
“O Sr. Cousin descobre-nos o verdadeiro e o falso de cada sistema com uma luc idez
admirável, e faz-nos trabalhar com e le de todo o coração no monumento glor ioso que
devemos legar a nossos f i lhos – a unidade f i losófica. De tantos trabalhos do pensamento
que os homens hão lançado ao mundo, apenas se levantam o ito ou dez nomes que
representam a ciênc ia, e três ou quatro gênios que a resumem; mas estes três ou quatro
7 6
gênios são umas personagens histór icas, que se erguem orgulhosas no meio da histór ia,
como os cedros do porvi r : – Platão e Ar istó te les! Leibnitz e Descartes!
Quem pronuncia estes nomes veneráveis, pronuncia o que há de mais i lustre na f i losofia
ant iga e moderna; e foram esses os luzeiros que o Sr. Cousin compulsou para conduzir o
aud itór io que t inha d iante de s i aos admiráveis resultados a que o levou a anál ise”.6
Antônio Rangel de Torres Bandeira expl ici ta para nós a problemática que Cousin
encontra e o que signif ica ele para a f i losofia, no momento. Seria longo demais
transcrever tudo o que nos parece importante. Pode-se ler o texto na íntegra, no
anexo 3. Aqui transcrevemos apenas poucas l inhas de real importância para
entendermos qual tenha sido a visão que, no Brasi l , se fez de Cousin, quando da sua
aceitação.
“Numa época, qual esta em que nos coube exist i r , baralhada de op iniões que dos d iversos
bandos civ is e de todos os lados se levantam; num século como o atua l, em que o
ind i ferent ismo, lavrando pelo corpo socia l , se tem quase tota lmente destruído e arruinado;
entre turb i lhões de part idos que vo lteiam e se abismam, sem uma estrela polar que os
conduza; de necessidade se faz ia que um homem, unindo ao ta lento de orador a
profund idade de f i lósofo, abraçando todos os s is temas e todas as escolas, nos abr isse um
plano novo na ciênc ia f i losóf ica.
“A grande revolução que este século tem fe i to nas idéias, e que va i tão rapidamente
correndo por todo o mundo l i terár io, sem dúvida tem uma expansão demasiado poderosa; e
sem sermos taxados de encarec idos, e de amigo de l isonjear, podemos afi rmar que a
civi l ização moderna data da f i losof ia atual. Assim a verdade das doutr inas do i lustre
Professor de França, não só é evidente por o lado de ser invest igada com a mais apurada
cr í t ica e aprofundado exame, como porque nos não deixa na ir resolução e no desvio . Com
efei to, o que faz o Sr. Cousin? — Encarregado de combater as tão perversas teor ias do
século passado, impondo-se a s i mesmo a tarefa assaz trabalhosa de um f i lósofo pro fundo,
o Sr. Cousin, mui to há cooperado para que o c í rculo dos conhecimentos cientí f icos se vá
cada vez mais a largando.
“Para vermos qual a ut i l idade da f i losofia moderna, nada mais é necessár io do que
abr irmos a grande obra, que o Sr. F igueiredo acaba de traduzir . Com que br i lhantes provas
defende o Sr. Cousin os direi tos da razão!”7
Cousin é, portanto, para seus adeptos brasi leiros, o homem que traz a segurança no
pensar, que restabelece a fé no valor da razão humana, que se refaz à tradição
metafísica do Ocidente, desprezada e abandonada pelos movimentos de idéias do
século XVIII, idéias que, no fundo, remontam a Locke. Pergunta, a certo momento,
Torres Bandeira:
“e o que fez Victor Cousin e os f i lósofos modernos? Mais hábeis, ta lvez, que os Condi l lac ,
mais pro fundos que os Locke, e les se apresentam na arena do combate, postergaram os
ru inosos pr incípios que já iam grassando como moda; e , extraindo das melhores obras o
que ju lgavam melhor, fundaram o Eclet ismo, sobre as ruínas do ot imismo emperrado e do
obst inado
7 7
Mater ia l ismo”.8
Entendemos assim como Figueiredo, ao apresentar a obra que traduziu, fez questão
de acentuar justamente o mérito de ter o Eclet ismo abordado e solucionado a
transcendente questão, estreiada por Aristóteles e desde então continuada por quase
todos os f i lósofos até Descartes e Kant – Quais são os elementos integrantes de que
se compõe o pensamento”9. E a solução de Cousin é saudada como a mais simples e
irredutível”, levando-nos a admit ir os tão debatidos conceitos de causa e
substância, fundamentais em toda a metafísica clássica e abandonados, a part ir de
Locke e Hume, como por demais vaporosos e questionáveis. Sobre a sol idez desses
dois princípios: causa e substância salvam-se os valores julgados ameaçados,
quando se tratou de aceitar Locke, na tradição
portuguesa, ou seja, os valores rel igiosos tradicionais. O entusiasmo de Figueiredo
é tal que chega a af irmar que Cousin
“demonstrou com evidência pa lpável a Tr indade Santíssima, não como mistér io, mas como
verdade que, podendo ser tra tada por a f i losofia mais simples é acessíve l à mais humi lde
inte l igência”.1 0
A af irmação, se do ponto de vista da ortodoxia cr istã levanta uma oposição frontal
e radical, do ponto de vista da história do pensamento de Figueiredo é altamente
indicat iva de como quer ele manter os valores tradicionais cr istãos.
Aqui se poderia levantar uma pergunta: essa últ ima questão, a que acenamos – a “
demonstrabi l idade da Trindade Santíssima” – não coloca defini t ivamente
Figueiredo fora da perspectiva cristã, para inseri -lo de cheio no esquema mental de
Cousin e Jouffroy? Para esses o Crist ianismo é um dado superado, ou a superar, em
idades futuras, pois sua função seria a de preparar os homens para uma visão
completamente natural da real idade. Nada de sobrenatural, nada de míst ico. Tudo
tornar-se-á luminoso. A razão será a fonte de toda a verdade.
Sem dúvida, esse é um dos lugares onde podemos encontrar, em Figueiredo, marcas
da tendência de laicização completa do pensamento, até o ponto de substi tuir
rel igião por f i losofia. Mas, como nas demais eventuais passagens, não podemos
enfat izar tais af irmações, para além do que o conjunto de seus escri tos, nos
permitem. Em outros escri tos jamais volta à tona afirmação tão radical, nem mesmo
afirmações af ins. Figueiredo se mostrará sempre um acolhedor dos mistérios
cr istãos, até o ponto de “A Carteira” de 22/6/1857 exaltar a fé que adere ao
sobrenatural, em confronto com a arrogância da razão que procura tudo medir
segundo os seus estrei tos cr i tér ios (Anexo 26).
Na apresentação do l ivro que traduziu, Figueiredo faz questão de assinalar ainda,
que Cousin “desenvolveu completamente e i lustrou as provas a priori e a posteriori
acerca da existência de Deus, dadas por Descartes”, e enfat iza também o fato de ter
Cousin cr iado “uma nova teoria a respeito da l iberdade, mais precisa e mais
7 8
luminosa, como é dado ao espír i to humano, a qual tem a virtude de excluir as
objeções a que todas as outras conhecidas precedentemente estavam sujeitas” Com
isso Cousin “deu o últ imo... golpe mortal no princípio de ut i l idade, que tão
pernicioso é, pulverizando inteiramente o s istema do patr iarca desde princípio –
Locke” continuado por os seus sectários inclusive o mais exagerado – J. Bentham,
(Anexo 1, nºs 5 e 6).
É interessante comparar os art igos que revelam para nós a mente pernambucana,
diante da doutr ina de Victor Cousin. Consti tuem eles os três primeiros anexos desse
trabalho. Os três acenam a Platão; os três falam das incertezas reinantes no campo
intelectual; os três concordam em indicar Cousin como aquele que será a solução
para esse estado de insegurança. Mas, enquanto o art igo de A Estrela se compraz
em mostrar o que poderíamos chamar a f i losofia da história de Cousin, e o art igo de
Torres Bandeira é largo em acentuar o cl ima cultural no qual emerge essa obra, para
depois demorar-se em aspectos que poderíamos chamar humaníst icos (defesa da
glória), ou apenas acena ao momentoso problema da reconstrução da confiança no
poder da razão humana, Figueiredo bem mais sóbrio nas suas expressões, bem mais
conciso e lapidar, at inge o que hoje estudiosos do pensamento brasi leiro acham
fundamental na just i f icação da consciência conservadora no Brasi l , para usar a
expressão de Paulo Mercadante. Figueiredo coloca a part ir de Cousin, o al icerce
para a meditação sobre o homem reconhecido como dotado de l iberdade; sobre a
vida polí t ica, enquanto anexa à solução da problemática ét ica; e, f inalmente, sobre
as relações entre fi losofia e ciência ao conceder àquela os princípios sól idos sobre
os quais se erigir.
Não sabemos se Figueiredo conheceu toda a polêmica que se levantou em Portugal,
a respeito de Locke, e que resultou em duas negações of iciais ao pensamento do
f i lósofo inglês em 1768 e em 1790, pela Real Mesa Censória. Mas o fato é que na
interpretação de Figueiredo, em 1843, o pensamento de Cousin bem que se poderia
colocar como antídoto às conseqüências tão temidas em Locke.
Locke fora repudiado em Portugal porque material ista e ateísta, segundo a anál ise
de Joaquim de Carvalho1 1. Victor Cousin, em 1843, aparecia à el i te pernambucana,
justamente, como o defensor do espir i tual ismo e do teísmo.
Não podemos deixar na sombra essa outra observação de Figueiredo: “no tocante à
polí t ica (Cousin) revelou imortais teorias; entre outras sistematizou a ensinada por
Vico – que as formas diferentes de governo não são fatos voluntários, mas
necessários e subordinados às leis topográficas dos países.. (Anexo 1, nº 7). Não
está aqui a vontade de legit imar a monarquia que, com a maioridade de D. Pedro II,
acabava de f irmar-se entre nós?
Essa legit imação não é rat i f icação fatal ista de um dado de fato, mas, como
acentuam os estudiosos de nossa história, um imperativo do momento; se é que se
queria salvar a unidade nacional; se é que se queria ter um estado l iberal e
7 9
democrático, dentro de um contexto, por motivos vários, desafiador do l iberal ismo
e da democracia.
SEGUNDO PERÍODO : O PROGRESSO – A POLÊMICA SOBRE O SOCIALISMO
1. Já acenamos atrás aos art igos expl ici tamente f i losóficos, que encontramos em O
Progresso. Já os anal isamos, amplamente, no capítulo terceiro. Seria temerário
querer ver, na solução de Figueiredo, para além do que suas palavras parecem
apontar: uma volta ao bom senso, na colocação da problemática gnosiológica.
Uma série de perguntas vêm-nos à mente, às quais gostaríamos de responder. Mas,
honestamente, nossa pesquisa não nos possibi l i tou pista alguma. E as perguntas
seriam: terá havido alguma inf luência do “real ismo” da “f i losofia cr istã”, na
elaboração da resposta de Figueiredo? Qual o sentido últ imo da conclusão de
Figueiredo: “a existência e o nada, o inf ini to e o f ini to são correlat ivos, supõem-se
um ao outro, e a razão humana pode ainda exclamar com o apóstolo: — In Deo
vivimus, movemur ET sumus!!!”?
O fato de se defender da acusação de ateu, o fato de apelar para São Paulo, nada de
elucidativo traz para nós, sobre uma possível inf luência do patr imônio f i losófico
cristão em Figueiredo.
Tendo em vista os demais art igos, reconhecidamente de Figueiredo, ou seja, os
assinados com as letras A, O, H, e um ou outro sem assinatura, conforme
expusemos no capítulo terceiro, devemos concluir, com Paulo Mercadante, que
Figueiredo foi um crít ico social. Não podemos encontrar, portanto, um corpo de
doutr ina elaborado sistemática e completamente. Isso, porém, longe de ser uma
desvantagem, é uma vantagem, pois leva-nos à gênese mesma do seu pensamento,
ao desafio concreto, ao qual ele quer responder. E o desafio é o mundo, a história
do seu tempo; mas, sobretudo, o Brasi l e Pernambuco do seu tempo.
Uma das maneiras para conhecermos uma pessoa seria perguntar-lhe o que ela pensa
de si mesma. Ainda que na autopercepção houvesse erros, é a part ir dela, contudo,
que se poderia expl icar muita coisa, inclusive o erro dessa autopercepção. Ora, se
perguntamos a Figueiredo, nos documentos que nos restam dele, qual o seu
pensamento; em que escola ou em qual tendência ele se coloca, a resposta vem alto
e bom som: eu sou social ista. É o que aparece claro da f icção talvez, com a qual
Figueiredo historia o nascimento de O Progresso.
“Era a meiado de abr i l de 1846. Quatro homens, que designaremos pelas le tras A. B.C. e
D., moços na idade, mas velhos pe lo pensamento, seguiam juntos, no “Trapiche Novo”,
para o bairro de Santo Antônio. Três dentre eles t inham bebido as sãs e generosas
doutr inas da esco la socie tár ia (gr i fo nosso) na sua mais l ímpida fonte; todos eram
animados de v ivo amor para com a humanidade; todos três exper imentavam enérgica
8 0
necessidade de trabalharem para a sua regeneração. O outro a inda se achava emergido nas
trevas do cr i t ic ismo; ainda o lume da c iênc ia social não t inha pod ido t raspassar a espessa
venda com que as abusões re inantes e os lugares comuns do XVII I século lhe haviam
tapado os o lhos – era um per fe i to civ i l izado (gr i fo no texto).1 2
Seria interessante ler todo o art igo que se encontra no Anexo 10. Nele se conta
como resolveram os três amigos publ icar uma revista, que se chamaria O progresso.
A f inal idade da revista seria tomar “a peito a causa da humanidade, a do povo que
geme, paga e se cala”1 3. A revista veio à luz a 12 de julho de 1846, continua
Figueiredo, “armada para l idar como órgão das idéias de progresso social na
América do Sul”1 4. O que suscitou esse art igo, que comemorava os inícios da
revista, foi o fato de a Democratie ter-se referido a O Progresso, como órgão do
social ismo no Brasi l .
“Enfim, além dos mares, lá nos muros dessa nova Atenas: o pr incipa l órgão do soc ial ismo
em França, d iz que o nosso programa é inte i ramente conforme às doutr inas da Escola
Societár ia, e fa la a nosso respei to nos termos benévolos que aqui reproduzimos.. .
“Fundação de um novo órgão socia l is ta no Brasi l ”1 5. . .
O mais interessante é que Democrátie chega a conclusão de que O Progresso é um
órgão social ista pela “Exposição de Princípios” que, em parte, foi transcri ta na
revista francesa.
“É do nosso dever repet ir aos nossos subscr i tores do domingo, que a causa societár ia
acaba de enr iquecer-se com um novo órgão. Há poucos dias recebemos o pr imeiro número
de uma revista mensal O Progresso, cujo programa, de que já pub l icamos um trecho no
nosso número de ontem é conforme em tudo e por tudo com o da Democrat ie”1 6.
Pudéssemos saber quais trechos da “Exposição de Princípios” a Democratie
reproduziu, em suas páginas, e teríamos encontrado o motivo pelo qual, entre as
duas revistas, se estabelecia uma irmandade. Infel izmente, não nos foi possível ter
em mãos esse número. Mas, lendo a “Exposição de Princípios” nós podemos tentar
descobrir alguns desses trechos. Ajuda-nos nesta tarefa a definição que Figueiredo,
em sua polêmica com Pedro Autran, dá de Social ismo: “O social ismo não é uma
doutr ina, ainda não passa de uma aspiração; mas esta tende a reformar o estado
social atual em prol do melhoramento moral e material de todos os membros da
sociedade” (Anexos 4 e 5).
Ora, consoante esta definição, certamente t rechos de O Progresso deviam ressoar,
na Europa, como sinal de que a revista brasi leira esposava os ideais do social ismo
utópico. Ei-los:
“O f im da polí t ica, tomando esta pa lavra na sua acepção mais elevada, é a indagação das
cond ições da fe l ic idade dos povos.. . E entretanto que é o que vemos nós na região
chamada po lí t ica? Inf indas d iscussões sobre as garant ias pol í t icas dos cidadãos, sobre os
8 1
direi tos e as l iberdades const i tucionais, d ire i tos fr ívolos, l iberdades vãs, quando não saem
da atmosfera metafís ica das const i tu ições e não se apo iam numa organização socia l que
lhes permi ta encarnar-se nos fatos. . . Para nós pois, a pol í t ica é a c iência da organização
soc ial , com o único a lvo de real izar a fe l ic idade dos ind ivíduos.. . É esta pol í t ica rad iosa
de progresso pací f ico que queremos instaurar entre nós, e que será a legenda da nossa
bandeira. Logo mostraremos quais as le is f ís icas e as condições capi ta is que para isso se
requerem, e também, ind icaremos que medidas se devem tomar para decid ir a sua
inauguração e f ixar - lhe o caminho. Mas esta pol í t ica incontestavelmente boa para a nação
considerada no seu todo (o progresso mater ia l) , e capaz de fundar a sua provindoura
grandeza, achar-se- ia evidentemente encravada em seus efei tos por um vício rad ica l e
f lagrante, se ao mesmo tempo que se aumentasse a soma das r iquezas, e la só tendesse
como na Europa, a aumentar indef inidamente a misér ia das massas. É isto uma verdade, e
longe de procurarmos afastar a d i f iculdade d iremos, que para nós, o desenvo lvimento do
pauper ismo que atualmente assusta a Europa é, sem dúvida uma conseqüências do
industr ia l ismo moderno, mas não resultado necessár io dos progressos mater ia is , os quais
são absolutamente bons e benéficos, e que para acharmos a causa de semelhante misér ia
convém procurá-la na fa lsidade das re lações estabelec idas entre os homens, como
produtores e consumidores, na exagerada inf luênc ia concedida a certos elementos de
produçao”1 7.
Quando, pois, Figueiredo faz a recensão do l ivro Elementos de Economia Polí t ica
da autoria do Dr. Pedro Autran que ele f i l ia à velha escola econômica de Adam
Smith, João Batista Say, Malthus, ele se coloca em outro t ipo de pensamento. A
velha escola, escreve ele, teve todo o seu valor, sobretudo teve o mérito de ser
pioneira, mas não chegou a conhecer o princípio da nova escola: o fecundo teorema
da sol idariedade humana”1 8. Al iás, antes de iniciar sua crít ica, Figueiredo cita a
frase seguinte de H. Renaud: “Tous les membres de la grande fami le sont l iés en un
seul faisceau pour un grand principe, la sol idari té” (gr i fado no texto). A velha
escola esposou, pelo contrário, o princípio laissez-faire, laissez-passer, que, a
história o tinha provado à saciedade, levou à concorrência desenfreada. É essa
concorrência que Figueiredo combate, pois, “no estado de guerra permanente em
que ora se acham todas as forças individuais, este aforisma ( laissez faire) não passa
de inumano, anti -econômico, ant i -social”.1 9
É preciso recordar, porém, para irmos fazendo uma idéia do social ismo de
Figueiredo, que, discordando de Pedro Autran pelo fato de esse ter af irmado: “que a
maioria dos homens conhece melhor o que é conducente aos seus interesses do que
qualquer homem, ou mesmo uma assembléia escolhida; e que, por conseqüência,
deve ser l ivre a cada um seguir a sua incl inação e o ramo de indústr ia que ele julgar
conveniente”, Antônio Pedro de Figueiredo não combate a propriedade privada.
Invoca, apenas, o direito de o Estado intervir no jogo das causas econômicas.
Pleteia essa intervenção, com o exemplo de um exército cuja at i tude, em frente ao
inimigo, na iminência do combate, não pode ser deixada ao léu das vontades
individuais. Seria a derrota certa.
8 2
Explici tamente aborda a questão da propr iedade privada, quando aponta, como
suscetível de crí t ica, estas três af irmações de Pedro Autran:
“A segurança da propr iedade é a pr imeira condição ind ispensável para a produção da
r iqueza. Deve colher quem semeou o produto do trabalho do homem e a obra das suas
mãos são propr iedade sua. (s ic) A le i c ivi l não é o fundamento do direi to de
propr iedade”.2 0
Nem mesmo aqui Figueiredo combate frontalmente a propriedade privada. Seu
pensamento aparece claro nestas palavras:
“Estas três c i tações são mais que suf ic ientes para mostrarem que o autor pretende que a
propr iedade ind ividual, ta l como se acha const i tu ída entre nós, segundo o di rei to
romano,sem os corret ivos de que então era cercada, representa um direi to anter ior à
formação da soc iedade. d irei to que a le i c iv i l não fez mais que sancionar”.2 1
Figueiredo vê, na af irmação de Autran, e di - lo expressamente, uma crít ica
“a maior parte das tentat ivas fei tas pe los governos para introduz ir alguma ordem na
grande o fic ina soc ia l , estabelecendo garant ias para uns e outros, no meio da incoerência
atua l e da guerra medonha que rola entre os diversos elementos produtores, d ist r ibuidores
e consumidores”2 2.
O direito fundamental, o direi to, portanto, natural à propriedade se prende ao
direito que o indivíduo tem de “sat isfazer as necessidades que a sua organização lhe
cria”, este direito lhe dá até o direito de herdar, não, porém, na maneira em que se
fazia em Pernambuco:
“O dire i to a tual de propr iedade (ut i e t abut i) fo i inst i tuído, na fal ta de coisa melhor. . . para
sat is fazer ao di rei to que tem cada geração de apossar-se da herança da geração precedente,
d irei to que em si mesmo não é senão uma conseqüências do direi to ainda mais gera l , que
qualquer ind ivíduo, ao nascer , t raz consigo, – sat is fazer as necessidades que a sua
organização lhe cr ia. E is aí o verdadeiro d ire i to natural , e este é tão d i ferente do direi to
atual (gr i fo nosso) da propr iedade. Que com o andar do tempo este úl t imo tornou-se
destrut ivo do pr imeiro e ao mesmo passo incompatível com e le”2 3
A at i tude de Autran lhe parecia mais grave ainda pois “general izando o autor o
vocábulo propriedade, apl ica-o às faculdades do espír i to e do corpo humano, e diz
dar-se violação indescupável da propriedade quando se impede ao indivíduo o uso
dos poderes que a natureza lhe deu”.2 4 Para Figueiredo, isso signif icaria pregar a
volta ao estado selvagem, de Rousseau.
Finalmente, Figueiredo cri t ica outra af irmação de Pedro Autran: “As leis que
regulam a produção e a distr ibuição da r iqueza são as mesmas em todos os países e
estados do mundo”2 5. Ora, um pouco de real ismo mostra que, se em principio, a
8 3
formulação é vál ida, na apl icação que Autran quis dar-lhe, não estava correta. É
aqui, nos exemplos que propõe, que Figueiredo compara dois t ipos de organização
de trabalho: a capita l ista e uma sociedade organizada, segundo o principio da
associação. Mas, mesmo com essa referência expl ici ta à doutr ina de Fourier,
Figueiredo não a defende, nem opta por esse t ipo de sociedade, embora af irme que
o principio, apresentado por Autran, seria benéfico no segundo t ipo de organização
social, e maléf ico no primeiro t ipo, a capital ista.
Figueiredo, portanto, correta ou errôneamente, não é o caso de decidir ainda, se
julgava social ista. Entendemos, assim, que apresente, com entusiasmo, o l ivro de
Lamennais que tanta polêmica suscitara na Europa e cujo t í tulo era O l ivro do Povo.
A Revue des Deux Mondes, em 18382 6, t razia o longo art igo de Lerminier, ao qual
acena Figueiredo. A esse art igo, al tamente desfavorável ao l ivro, responde George
Sand com uma apreciação favorável2 7. Segue-se outro de Lerminier, em resposta a
George Sand2 8.
Ora, Lamennais, conforme vimos no capitulo primeiro, pode considerar-se o divisor
de águas, em campo catól ico, no que se refere à maneira de encarar o problema
social.
Mais tarde em “A Carteira” de 21/7/1856, Figueiredo transcreve esse art igo de O
Progresso, com pequenas modif icações. Continua, portanto, l igado às teses que
mereceram seu apreço em 1847.
Não é para se desprezar, na pesquisa do pensamento de Figueiredo, o fato de, em O
Progresso, aparecerem art igos de forte conotação social, como “A voz do céu”2 9 e “
Anarquia social”3 0. O primeiro vem sem assinatura. O segundo é tradução do
trabalho de C. Pecqueur. Figueiredo era redator chefe da revista e punha sua
assinatura, no f im de cada número. Seu nome estava, portanto, comprometido,
sobretudo nestes casos de anonimato ou tradução.
2. Afirmamos atrás que uma das maneiras de conhecer uma pessoa é perguntar-lhe o
que ela pensa de si mesma. Não basta, porém, este testemunho pessoal. A mais de
um século de distância, nós podemos perguntar se o testemunho pessoal de
Figueiredo corresponde à real idade. É o problema que colocou o Prof. Vicente
Barretto, numa comunicação feita, na 2ª Semana Internacional de Fi losofia,
real izada em Petrópol is, de 14 a 20 de julho de 1974. Essa comunicação foi depois
publ icada na Revista Brasi leira de Fi losofia, vol. 24 fascículo 96, com o tí tulo:
Antônio Pedro de Figueiredo: Uma revisão crít ica. Diz o Prof. Barretto:
“Na anál ise ideo lógica não nos parece a metodologia mais segura a aceitação pura e
simples da auto-classi f icação f i losófica, pol í t ica ou social que se faz o própr io pensador.
No caso de Antônio Pedro de Figueiredo ser ia considerá- lo como per tencendo à matr iz
soc ial ista em vir tude de af i rmação de s impatia doutr inár ia ou esperanças em suas
conquistas futuras” .3 1
8 4
Em base, depois, ao conjunto de art igos de O Progresso, o Prof. Barretto vai
mostrando que a matr iz do pensamento f igueirense, em campo polí t ico-social, é a
matr iz mesma do pensamento l iberal; para concluir sua comunicação, com estas
palavras:
“Não nos parece sem propósi to realçar na cr í t ica de Antônio Pedro de Figueiredo o fato de
que ela representa, na his tór ia das idé ias pol í t icas no Brasi l , um elo perdido. Trata-se da
pr imeira tentat iva fracassada de incorporar à ideologia l ibera l brasi le ira o dado econômico
e soc ial . Antônio Pedro de Figueiredo compreendeu com mais prec isão e ni t idez do que os
própr ios l iberais brasi le iros no século XX que os objet ivos básicos (do l iberal ismo,
somente ser iam a lcançados através da democrat ização) da ordem l ibera l . Essa
democrat ização ser ia fe i ta, de acordo com Antônio Pedro de Figueiredo, não at ravés de
métodos externos ao sis tema, que acabar iam por destruí - lo, mas com os própr ios
instrumentos estabelec idos pe la organização jur íd ica e pol í t ica”.3 2
Pretendemos agora em base aos textos que sabemos terem sido escri tos por
Figueiredo mesmo, procurar os elementos que nos possibi l i tem tomar uma posição
pessoal diante da questão discutida. Há dois art igos de O progresso interl igados
pelo próprio Figueiredo. O primeiro é “Atividade humana”, da página 175 à página
180. No f inal desse, Figueiredo, que o assina com a primeira letra de seu nome A.
faz dele um art igo introdutório ao art igo “Comércio internacional”, que se estende
da página 253 à página 261. Na real idade, o f inal do primeiro art igo parece
prometer
mais um terceiro, este sobre o comércio interior. O índice, fei to após ano e meio de
circulação de O progresso, deixa claro que, como em outros casos, os planos dos
art icul istas eram revistos ou derrubados pelas contingências da vida. De fato, na
página 767 encontramos sob a rubrica: “Ciências sociais e polí t icas“ Atividade
humana, por A., Comércio Internacional, pelo mesmo. No tomo terceiro, relat ivo ao
que se publ icou em 1848, e do qual não temos índice não encontramos esse terceiro
art igo que parece insinuado no primeiro. É também possível que, tendo versado o
comércio internacional, o art igo sobre o comércio interior tenha parecido
desnecessário a Figueiredo.
Podemos concluir, portanto, que “Atividade humana” e “Comércio internacional”
consti tuem um todo intencional. É nesta perspectiva que os vamos anal isar.
3. At ividade humana
Neste art igo Antônio Pedro de Figueiredo procura fundamentar a ordem social (cujo
progresso maior ou menor, está na proporção das trocas l ivres) em a natureza do
homem. É, sem dúvida, dos art igos reconhecidamente da autor ia de Figueiredo
aquele que mais claramente o si tua na l inha do pensamento moderno. A norma da
at ividade humana, com amplas ressonâncias no âmbito ét ico, ainda que se prescinda
8 5
do mesmo ao longo de todo o art igo, é pedida à natureza humana em si mesma, sem
apelo a qualquer injunção que a transcenda.
Figueiredo parte de uma afirmação de Jouffroy, em Miscelâneas f i losóficas: o f im
últ imo da at ividade humana é o prazer, o qual “resulta da sat isfação dos desejos que
a organização de cada indivíduo determina em si próprio” 3 3.
É claro que o prazer, para real izar-se, exige a existência do objeto desejado; que
esse esteja ao alcance de quem o deseja, e que seja empregado para obter o prazer.
Traduzindo em termos de economia: f im: o prazer; meio: o consumo, e,
concomitantemente, produção e distr ibuição.
Com esses elementos à mão, Figueiredo estabelece as regras para uma boa ordem
econômica:
“Co locar e manter os diversos e lementos que representam um papel nos fenômenos da
produção, d is tr ibuição e consumo, de sorte que gozem da maior l iberdade, e exerçam a
ação o mais possíve l, segundo suas atrações ou tendências natura is; cond ição
evidentemente mais favorável, com uma força dada qualquer, para obter -se um efe i to
máximo” .3 4
Essas regras valem para o indivíduo, no que diz respeito ao conjunto de suas
virtual idades, as quais, para tornarem uma pessoa fel iz, devem funcionar de acordo
com esse cri tér io Valem também para os indivíduos, no seu relacionamento mútuo,
ou seja, no seio do grupo social, ou grupos sociais aos quais pertencem. Não só,
valem ainda, para os indivíduos-grupos (por exemplo Nações), em referência à
Humanidade, ou seja, à ordem econômico-social global.
Figueiredo af irma ainda que a sucessão incessante dos desejos do homem brota do
mesmo fato de o homem exist ir . Que a l iberdade do indivíduo é maior pela inserção
dele no grupo social; que as trocas entre os homens é sinal infalível de maior
l iberdade, pois a troca pressupõe diversif icação de trabalhos, e essa, por sua vez,
supõe que cada um se entregue espontaneamente à at ividade que mais lhe convém e
agrada. Resumindo:
“Vemos pois que o alvo da at ividade humana, que é a sat is fação dos desejos inic iais,
emanados das diversas paixões do ind ivíduo, encontra a sua mais completa rea l ização na
maior l iberdade concedida a cada um dos elementos desta mesma at ividade, e que a soma
possíve l desta l iberdade va i sempre em aumento, do homem iso lado no estado selvagem,
ao homem no estado soc ial , e enf im ao homem, membro de uma sociedade que ser ia por s i
mesma um dos e lementos da humanidade organizada”.3 5
Encontramos nessa anál ise, sem dúvida, todos os elementos que caracterizam a
ideologia l iberal: valorização máxima do indivíduo; o qual goza de uma l iberdade
ao máximo grau, dentro de uma sociedade de mercado, entregue ot imistamente às
8 6
forças naturais da at ividade humana, cuja norma suprema é a razão. O indivíduo,
assim compreendido, encontra sua fel icidade na posse e no usufruto dos bens
materiais. Figueiredo reconhece que essa meta é mais uma utopia, jamais
defini t ivamente at ingível, mas que funciona como ativador do processo histórico:
“Ora, é evidente que estas cond ições não existem hoje, e até não são absolutamente
rea l izáveis (gr i fo nosso): o que podemos e devemos que, o t í tu lo comporta. A par t i r de um
pensamento de Jou f f roy, F iguei redo ins taura um d iscurso, cu ja preocupação, é a ordem
econômico-soc ia l . Não há no ar t igo, aceno algum à prob lemát ica moral ou ét i ca .
concluir do que precede, é que o caráter do progresso é permi t i r a cada indiv idual idade um
desenvo lvimento de mais e mais l ivre da sua at iv idade, com a condução de que esta
at iv idade seja sempre di r igida, segundo o alvo que se deve at ingir ” .3 6
Chegado a esse ponto, Figueiredo se pergunta: “por quem deve ela (at ividade) ser
dir igida?”3 7 Ele não responde claramente. Fá-lo da seguinte maneira: “Deduzir-se-á
do que precede a nossa opinião a este respei to”.3 8
Do que precede parece-nos poder deduzir que, dentro da boa doutr ina l iberal, em
teoria Figueiredo reconhece que a direção da at ividade compete fundamentalmente
ao indivíduo. Subsidiariamente, à Nação e, depois, à Humanidade, sempre que a
ação individual for impotente para, de per si , obter um acréscimo de l iberdade.
É o que mostram claramente estas palavras:
“Ora, a sol idar iedade dos indivíduos-homens, no indivíduo social , é completa; o gozo
daqueles é inte iramente proporc ional ao deste; logo, trata-se de d ir ig ir a at ividade
ind ividual d ire tamente em vista do maior gozo possíve l, para o indivíduo soc ia l” .3 9
Visar o maior gozo do indivíduo-social é meta da atividade do homem-indivíduo,
porque o gozo daquele condiciona o gozo, a fel icidade do homem-indivíduo. A
categoria fundamental é, portanto, o indivíduo cercear-lhe a l iberdade só tem
sentido, para acréscimo ao seu gozo.
O art igo de Figueiredo é uma boa peça de teoria sobre a “ordem social”, tendo
como fulcro a “consideração econômica”; e à procura, implíci ta embora, de uma
“et icidade”, para o complicado jogo que a vida moderna criara. No f inal dele,
Antônio Pedro de Figueiredo tenta minimizar a importância da resposta à pergunta
que ele mesmo se fez:
“Por quem deve ela (a at ividade) ser d ir igida? Deverá f icar entregue ao ind ivíduo homem
a apl icação das regras, ou devem ser impostas pelo indivíduo nação, ou ainda pelo
ind ivíduo humanidade?”4 0
Diz Figueiredo que a questão é de pouca monta em vista do assunto, ao qual o
art igo serve de introdução e que já sabemos ser a questão do comércio interno e
8 7
internacional. Diz que mais importante é reconhecer a necessidade das regras
acenadas, o caráter delas “que é o progresso, pela extensão da l iberdade, e,
sobretudo, o sinal característ ico do progresso, que é a cr iação e a extensão da troca
entre as faculdades do indivíduo, entre os próprios indivíduos, e enfim entre as
nações”.4 1 Para nós porém, a resposta é importante. E já que Figueiredo nos
garantiu que podemos deduzi-la do que foi di to, tentamos fazê-lo.
4. Comércio internacional
Da teoria do primeiro art igo, caímos para a real idade concreta do segundo. Naquele,
o “como-deve-ser” a ordem econômico-social. Neste, como ela é, ou melhor, era, no
tempo de Figueiredo. O contraste já é insinuado pelas costumeiras frases de
introdução aos art igos. No primeiro: “Nous voulons le plein développement de
toutes les individual i tés spontanément et legit imement ordonnées, dans l ’unité
absolue de l ’espèce. Phalange”. No segundo: “Olho por olho, dente por dente. Lei
hebraica”.
Figueiredo faz, neste art igo, uma crít ica severa à si tuação vigente. A humanidade
encontra-se em estado de sofr imento, o qual é revelado pelo aumento do
proletariado, por cr imes de todos os gêneros, por sublevações que põem em risco a
própria existência da ordem social. E, o que é até irônico, o progresso material em
vez de trazer a fel icidade, tem ocasionado derramamento de sangue. São duas as
causas dessa situação: a má organização da at ividade individual, no seio das
nações; a discórdia entre as nações, impedindo “pela extensão das trocas
internacionais, a terceira fase de progresso nesta ordem de fatos”.4 2
A causa da desordem, no interior das nações, é o fato de a at ividade humana ter
f icado entregue a si mesma, ao sabor do capricho individual. Quer no que diz
respeito ao consumo, como no que concerne à distr ibuição e à produção, não se
ateve o homem às regras estabelecidas, no art igo anterior. Figueiredo enfat iza
sobretudo a guerra aberta entre os produtores, como elemento de deterior ização da
ordem social. Em suma, o estado em que vive o homem é prat icamente ainda o
estado selvagem. O “direito das gentes” é mais um pacto, no papel, do que
real idade atuante. As nações vivem sob o signo retrógado do “Si vis pacem, para
bel lum”.
Em seguida, Figueiredo anal isa a questão das restr ições ao l ivre comércio, entre as
nações, por meio do protecionismo. Por pr incípio, é contra ele, ainda que possa
aceitar certos impostos alfandegários, por contingências especiais. O ideal, porém,
é bem del ineado, nestas suas palavras:
“É pois evidente, que em pr incíp io todo os obstáculos à mul t ip l icação, e, por
conseqüência, à fac i l idade das trocas internac ionais, é abso lutamente prejudic ial ao bem
de todas as nações em geral , e de cada uma em part icular” .4 3
8 8
Finalmente, depois de anal isar a si tuação da economia inglesa que
“após dez anos, pouco mais ou menos, de luta encarniçada entre o “ f ree traders” e os
part idár ios de monopól ios e pro teção.. . acaba de despedaçar de uma vez os embaraços que
lhe impunha o monopól io agrícola dos descendentes dos conquistadores normandos, e de
simpl i f icar ou supr imir a maior par te dos d irei tos pro tetores da sua indústr ia” .4 4
após prever que França e Alemanha imitarão a Inglaterra, Figueiredo setencia:
“A emancipação industr ia l acha-se, pois, na ordem do d ia em todas as terras. Este fa to e
os eventos que o prepararam, não devem ser para nós le tra morta, exemplo perd ido”.4 5
A problemática, tal qual foi apresentada, reconhece Figueiredo, inexiste para o
Brasi l . Mas um dia haverá de colocar-se. Daí a oportunidade das ref lexões.
Se o art igo anal isado é contundente em recriminar a si tuação econômico-social em
vigor, ele é também mui explíci to em mostrar que Antônio Pedro de Figueiredo, em
vez de afastar-se dos princípios colocados no art igo anterior, pelo contrário, urge a
prát ica do que nele se recomenda. Não há, portanto, nenhuma descrença com
relação ao modelo proposto. Não se arvora a bandeira de uma revolução, que
subverta um estado de coisas, para implantar “ex novo”, outro modelo. A at i tude é
até oposta. A miséria do proletariado, os cr imes, as sublevações existem, porque
não se deu vasão às forças econômicas dentro dos cânones do l iberal ismo
econômico.
É verdade também que o art igo complementa o primeiro e mostra-nos Antônio
Pedro de Figueiredo, defendendo a intervenção do Estado, para impedir os abusos
da l ivre concorrência:
“sat is f izeram-se os legisladores com o f ixar certas le is, impor certas regras, a f im de
impedir que os ind ivíduos se ofendessem uns aos outros diretamente, e exig ir , para o
consumo, cer tas condições part iculares; o resto f icou à mercê do capr icho indiv idual, sem
ter nada que o dir igisse em vista do a lvo a que se mira”.4 6
5. Reforma do Sistema Penitenciário
Há uma outra série de art igos de Figueiredo que, versando embora um assunto
restr i to, revela-nos, contudo, a estrutura do seu pensamento. Trata-se dos três
art igos sobre a “Reforma do Sistema Penitenciário”, páginas 349-356, 559-565 e
639-643.
Nestes art igos, o que nos interessa é tão somente descobrir elementos que nos
ajudem a compreensão do arquétipo mental com que são elaborados. Respigaremos,
portanto, algumas af irmações que nos parecem altamente preciosas, pois colocadas
num momento de pensar concreto, e não num momento de elaboração teórica de
8 9
uma doutr ina. São nestas ocasiões que afloram naturalmente o que consti tui o
fundamento da maneira de pensar de uma pessoa.
A veri f icação de um fato:
“As sociedades assim como os ind ivíduos, se defendem contra todo aquele que os ataca;
mas o fato da defesa não prova de maneira alguma a legi t imidade do direi to que se elas
arrogam.
“Uma sociedade baseada, como são todas as nossas soc iedades modernas, sobre o gozo do
homem pelo homem; e que coloca os interesses de cada ind ivíduo, no estado da mais
f lagrante oposição com os interesses de todos, necessar iamente não pode manter -se senão
pela força.. . ; . . . se pode notar que, à medida que o progresso da ciênc ia vai o ferecendo à
disposição do homem meios mais poderosos de produzir , e que, se devemos dar crédi to aos
grandes economistas do século, a i l imi tada concorrênc ia faz que a opulênc ia c i rcule em
todas as classes da sociedade, o número dos pro letár ios vai aumentando, e os governos dos
países mais ad iantados na civ i l ização se vêem per iodicamente obr igados a dupl icar o
número dos agentes de políc ia, carcere iros e algozes”4 7.
Esse é o fato na sua crueza. Mas Antônio Pedro de Figueiredo pergunta:
“E não ser ia possível organizar -se a soc iedade de manetra que cada um encontrasse, no
interesse gera l , a mais completa sat is fação dos seus interesses part iculares; que o maior
desenvo lvimento de ordem correspondesse ao maior desenvolv imento do pr incíp io de
l iberdade; e que se pudesse rest i tu ir à produção todos estes agentes improdut ivos
ocupados para manter a ordem, em restr ingir a l iberdade, e todas as forças empregadas no
modo subvers ivo pe los exérci tos e cr iminosos?”4 8
A resposta à pergunta é clara.
“Temos para nós que tudo isso se pode ver i f icar , e até esperamos que as nossas convicções
a este respeito se tornem em breve as dos homens esc larecidos de todas as terras”.4 9
No segundo art igo, Figueiredo apresenta três modelos de solução para o problema
dos sérios inconvenientes que surgiam nas penitenciárias de então. Essas soluções
tentadas são t ipi f icadas nas prisões de Auburn, Cherry-hi l l e Genebra. Final izando
o art igo, que tem caráter simplesmente descri t ivo-informativo, Figueiredo promete
uma aval iação das mesmas. Para isto, porém, diz:
“É-nos absolutamente necessár io resolver uma questão importante, cuja so lução nos deve
serv ir de guia e de cr i tér io: – a questão das bases e do a lvo da pensal idade; e a sua al ta
importância, assim como os desenvo lvimentos que necessar iamente se lhe deve dar para
deles deduzirmos as condições que requer um excelente s istema penitenc iár io , nos obr igam
a adiar o estudo deste sujei to para um dos nossos próximos números”.5 0
9 0
É sobretudo, portanto, no terceiro art igo, que vamos encontrar maior r iqueza
doutr inária, maiores elementos, portanto, para aprofundarmos os pressupostos
ideológicos do pensamento de Antônio Pedro de Figueiredo.
Após o t í tulo: “Reforma do Sistema Penitenciário” (art igo 3.”) segue este subtítulo:
“ investigações a priori sobre o alvo e bases da penal idade”. Em seguida, são
colocadas duas frases: “ab jove principium” e “ la loi verra dans le cr iminel un frère
egaré à ramener et non un coupable a punir. F. de Lamennais”.
Como no art igo sobre a at ividade humana, ao qual, al iás, em nota, ele faz menção,
Figueiredo recorda rapidamente o surgir da vida em sociedade.
“Preciso era pois organizar a sociedade de maneira que cada uma ind ividual idade se
pudesse desenvo lver l ivremente, sem ser compr imida na sua l iberdade pelas
ind ividual idades v iz inhas; ou f ixar l imi tes a at iv idade de cada um, para que ela não
ofendesse a dos outros”.5 1
Das duas alternativas, a primeira é a preferível, af irma Figueiredo, mas optou-se
pela segunda. A just i f icat iva dessa opção é assim expl icada:
“Tão pouco tempo há que as le is que presidem aos fenômenos gerais da vida dos povos são
reconhecidas e classi f icadas; tão poucos anos há que a economia socia l conquistou o
direi to de c idade, mesmo entre as nações que caminham à frente da c ivi l ização, que até
estes úl t imo tempos, apenas a lguns pensadores so l i tár ios, precedendo os seus
contemporâneos um ou dois séculos, ousaram arr iscar a opin ião tão audaz e considerar
como possíve l uma organização deste gênero”.5 2
As sociedade estão, portanto, sob o império das restr ições:
“Adotou-se, pois, o outro meio, e por convenções ou le is restr ingiu-se o dire i to abso luto
de que gozava cada indivíduo no exercício da sua atividade.. . Os cr imes e de l i tos são
vio lações destas convenções, le is ou regras, como quer que se chamem... Resul ta daí que
as le is devem de estabelecer o menor número possível dessas restr ições, e só pro ib i r atos
que são prejudic ia is em alto grau aos interesses de todos”.5 3
As conseqüências desta visão, segundo expl ici ta Figueiredo é que a f inal idade das
penas não é punir cr imes, mas “embargar a violação de convenções úteis a todos”; a
sociedade sofre, em sofrendo um dos seus membros.
Figueiredo reconhece que essa sua visão não é a que presidiu à confecção da maior
parte dos códigos. Quanto a épocas remotas, compreende-se a fal ta de visão, ou a
visão distorcida dos cr iminal istas que
9 1
“não quiseram ver no interesse geral , e em convenções mais ou menos arbi trár ias, a
verdadeira base da penal idade, e foram procurá- la em abstrações f i losóficas sobre o
direi to e o dever , e, às mais das vezes, ainda, em concepções teológicas”.5 4
Daí o identi f icarem a ordem jurídica com a moral e até rel igiosa. Daí a punição,
com caráter expiatório. A este ponto, Figueiredo promete um quarto art igo, que,
como vimos no capítulo 3° não veio à luz, e defende-se contra um possível mal
entendido. Eis suas palavras:
“Mas antes de encetarmos esta tarefa, vamos de antemão responder a uma acusação que
necessar iamente se nos há de fazer , o de menosprezarmos a le i moral de que outros mui tos
pretenderam fazer a base da penal idade.
“Estamos longe de desconhecer a existênc ia da le i mora l, reconhecemo-la como uma le i
geral e de caráter obr igatór io , gravada no coração de todos os homens e com cujas
prescr ições todos e les são mora lmente obr igados a conformar-se; mas negamos que esta
le i seja idênt ica com as le is soc ia is que em muitos casos lhe são inteiramente opostas, e
por conseqüência que e la possa ser considerada como base da penal idade.
“A nenhum poder humana podemos conceder o d irei to de se arvorar em ju iz da v io lação
de le is que não são humanas; (gr i fo nosso) e temos para nós que mesmo no caso em que a
soc iedade se organizasse segundo as prescr ições da le i mora l, as le is soc ia is , enquanto
soc iais, não ser iam obr igatór ias senão como convenções puramente humanas, baseadas no
interesse gera l e cuja manutenção e execução é autor izada pela força”.5 5
Esses tópicos parecem elucidar a tese do Prof. Vicente Barretto, o qual af irma estar
o pensamento de Figueiredo dentro da matr iz do pensamento l iberal. De fato,
condição primeira para a elaboração da concepção l iberal de vida em sociedade foi
o desl igamento desta de qualquer concepção transcendente à mesma
natureza humana. À concepção moral e rel igiosa da Idade Média, seguia-se a
concepção contractual e secular, na qual os fundamentos da sociedade são postos
pela mesma l iberdade dos homens. Da nossa parte, queremos acentuar como
encontramos, também aqui, páginas bem característ icas de um pensador que já se
l ibertou das concepções sacrais da Idade Média, no que se refere à vida social. E o
mais interessante é que esta dessacral ização se apresenta sob a forma de um
profundo respeito para com Deus, conforme se pode ver da frase que subl inhamos.
6. Ainda três art igos de autoria de Figueiredo
Em O Progresso aparecem ainda três art igos que podemos atr ibuir a Figueiredo: a)
“Reformadores modernos”, página 553. É assinado com a letra O. b) “Colonização
do Brasi l” , página 629, assinado com a letra H . c) “As reformas”, página 855, sem
assinatura. Sobre a autenticidade da autoria f igueirense dos mesmos, tratamos nas
páginas 66-72.
Eles têm de comum que abordam o tema das reformas, ainda que em campos
diversos e sob ângulos e dimensões diversas.
9 2
Reformadores Modernos
O art igo que se int i tula “Reformadores modernos” história o movimento rel igioso
cristão, desencadeado por João Ronge e que deu origem à Igreja Cristã Universal e,
na Alemanha, à Igreja Catól ica Alemã. No historiar o movimento, Figueiredo
procura colocá-lo dentro do quadro de mudanças que se operavam na época. Ao
apreciá-lo, Figueiredo mostra-se o homem conci l iador por excelência. Convêm
transcrever algumas de suas palavras:
“A luta do pro testant ismo contra o cato l ic ismo no XVI século, em essência, era a luta do
espír i to humano, da razão indiv idual pe lejando para sacudir o jugo que lhe impusera a
teologia romana; e o tr iunfo do protestant ismo em metade da Europa não há passado de
uma vi tór ia ganha pelo espír i to de exame sobre o princípio da fé cega e da autor idade
infal íve l .
“Mas se o d ire i to de exame é para a razão humana um direi to sagrado e imprescr ip t ível ,
assim como o é o da l iberdade, na ordem po l í t ica e social , são duas mani festações da
at iv idade humana, legít imas pelo mesmo t í tu lo ; e assim como na soc iedade a l iberdade
abso luta gera a anarquia e a guerra, e só obtém o seu mais completo desenvo lvimento
numa organização soc ia l e polí t ica da humanidade tal que todos os interesses convir jam
em lugar de divergir , como ora acontece; da mesma sor te, na ordem das crenças, o d ire i to
de exame não pode ser abso luto sem gerar anarquia, c ismas e d ivisões ao inf in i to , a não
ser numa organização re l igiosa ta l que os trabalhos da razão indiv idual não possam tender
senão a desenvolver e esclarecer o dogma sem nunca atacar- lhes os fundamentos. Portanto,
assim como o catol ic ismo t inha perdido a metade do mundo cr is tão em conseqüência da
despót ica opressão em que quer ia manter o espír i to humano (phi losophia theo logiae
anci la) , da mesma sorte , o protestant ismo, por outro lado, se perdera pelo excesso do seu
pr incíp io”.5 6
Baseado nesta anál ise, Figueiredo augura que o episódio de Ronge e o movimento
das igrejas cristãs, em geral, seja no sentido da aproximação e da reconci l iação,
procurando sal ientar o que de comum elas têm, ou melhor, de minimizar as
diferenças. Afirma com efeito, já caminhando para o f im do art igo:
“Os le i tores esperam, por ventura, ver -nos atacar ou defender os pr incíp ios da nossa
Igreja, no entanto de ixaremos esta tarefa aos teólogos e contentar -nos-emos com observar
de passagem que a maior parte das mudanças fe i tas pe los dissidentes na ortodoxia romana
não são inovações, mas, pelo contrár io, restaurações”.5 7
Do ponto de vista da nossa anál ise, que não é teológica, mas, por outro lado,
procura precisar até que ponto o pensamento de Figueiredo tem um embasamento
cristão, ressaltam como elementos apreciáveis: a) o reconhecimento de um campo
intocável e que foge à dialét ica da razão, ou seja, o dogma. O que se condena à
teologia romana é a pretensão de querer manter a razão sempre como menor, como
serva da teologia. Ora, a conquista moderna, e nisto Figueiredo é bem moderno, foi
9 3
a l ibertação da razão. Na “Exposição de princípios”, para a qual, certamente
Figueiredo contr ibuíra, já constara claro:
“Na esfera das idéias f i losóf icas pretendemos arvorar a bandeira do l ivre pensamento. –
Persuadidos de que para a razão do homem, só há legí t imos os dados da razão, não
acei taremos senão aqui lo que nos apresentar os caracteres da evidência, e não
reconhecemos dogma a lgum que tenha o pr iv i légio de dir igir os nossos atos, antes de nos
ter convencido o espír i to” .5 8
Na “Exposição de pr incípios” fala-se da esfera da razão; em “ Reformadores
Modernos”, fala-se da ordem das crenças; b) a sensibi l idade de Figueiredo para o
problema da divisão entre os cristãos; sensibi l idade que o faz um ecumenista, entre
os leigos do século passado. Encabeçam o art igo duas frases evangél icas que
apelam para a unidade: “Vos omnes fratres est is” (Mt 23,8) e “Et eri t unus grex et
unus pastor” (Jo 10,16). c) a consciência de que há um campo próprio da teologia,
no qual não compete a ele pronunciar-se. Tal at i tude apareceu já atrás, quando se
venti lou a questão do crime e del i to:
“empregamos aqui os vocábulos cr ime e del i to na acepção usual que lhes assinam os
códigos de todos os povos; e não no sent ido geral e abso luto que lhes at r ibuem os teólogos
e f i lósofos”.5 9
Do ponto de vista pol í t ico-social, vem reafirmado, como termo de comparação, o
princípio tão caro à mental idade l iberal e, também ele, exarado logo no início de O
Progresso:
“em pol í t ica t ranscendente, exis te um pr incíp io eternamente verdadeiro, é que a ordem não
pode reinar sem a l iberdade, é que a l iberdade não pode exist i r sem a ordem; de sorte que
esses do is fatos, considerados como destruindo-se mutuamente, não se dão um sem o
outro, e se acham necessár ia e int imamente l igados”.6 0
7. Colonização do Brasi l
O art igo das páginas 629-637 de O Progresso é retomado, quase que integralmente,
em “A Carteira” de 24-3-1856. O resumo do art igo é fei to pelo próprio art icul ista,
nestes textos:
“A colonização há sido inoportuna; no estado atua l, o Brasi l tem necessidade de sábios e
de operár ios hábeis, (d ir íamos, hoje, qual i f icados) que venham instrui r a população e
introduz ir d iversos gêneros de cultura e de indústrias. Mas não tem necessidade a lguma de
colonos, porque a sua população atua l é super ior aos meios que ora possui à sua
disposição, para v iver ” .6 1
Figueiredo desenvolve esses vários pontos. A nós interessa sobremaneira a sua
posição diante do lat i fúndio e da maneira como o combate.
9 4
“Quanto à agr icul tura. . . é a í que residem os interesses v i ta is da nossa pátr ia; e como ela se
acha cercada por uma barreira é mister que esta barreira caia , custe o que custar .
“E qual é esta barreira? — A Grande Propriedade Terr i tor ia l (gr i fo no or ig ina l) . Esta
ent idade terr íve l que tem arruinado e despovoado a I r landa, a campanha de Roma e outros
mui tos países.
“A cul tura que deve de ocupar a nossa população, que um dia deve dar-nos uma c lasse
média e estabelecer a verdade do nosso sis tema representat ivo, como já o demonstramos,
não é a grande cul tura, que exige grandes cap itais, e que é aqui executada por escravos,
mas é a pequena cultura, a que pode executar um pai de famí l ia com os seus f i lhos,
ajudado quando mui to por trabalhadores alugados no momento da plantação e da
colhe ita”.6 2
Como forçar os grandes proprietários a ceder suas terras?
“Para obter -se semelhante resultado, só há um meio eficaz; – o constrangê-los todos, ao
mesmo tempo, por uma força externa, e esta força encontramo-la nesse imposto di reto de
que reza a nossa const i tuição, – nesse imposto terri tor ia l que já propusemos noutro lugar
desta revista, e cujas vantagens já mostramos. Estendendo-se gradualmente sobre a
província, o imposto ter r i tor ia l obr igar ia os grandes propr ietár ios a despojar-se das terras
que lhe são inúte is. Estas terras repar t idas entre grande número de ind ivíduos ser ia uma
fonte de uma classe média de pequenos agr icul tores, que aumentar iam, excessivamente, a
produção do país, e servi r iam poderosamente o governo, quanto à manutenção da ordem
públ ica”.6 3
Reformas por meios legais, formação da classe média, como observa o Prof.
Vicente Barretto, faziam parte da crí t ica interna do l iberal ismo do século passado.
8. As reformas
Os motivos que nos levaram a colocar, entre os de autoria de Antônio Pedro de
Figueiredo, este art igo de O Progresso, da página 855-866, estão expostos no
capítulo 3º página 70-71. A problemática é apresentada, logo de início, de maneira
incisiva:
“Há cer tos momentos da vida de um povo, em que, como as suas inst i tuições já se não
acham de acordo com as prec isões ou necessidades da época, embargam elas o progresso
desse povo, e incessantemente reclamam modi f icações ou reformas mais ou menos
radicais”.6 4
Numa situação como esta, ou o povo já sabe as causas do mal e, então basta operar;
ou ainda não se chegou a um consenso sobre a causa desses males e sobre os meios
a serem usados para os el iminarem. O Brasi l se acha, segundo o art icul ista, na
segunda hipótese.
9 5
O Brasi l tem imensas possibi l idades; no entanto, fal tam empregos, o pauperismo
aumenta rapidamente. Além disso “possuímos uma das consti tuições mais l iberais
que existem no mundo, e entretanto estamos sujeitos ao mais r igoroso despotismo, a
um despotismo sem freio, despotismo de mil cabeças, donde resulta a fal ta de
garantias e segurança para a vida e propriedade dos cidadãos”.6 5
Não há unanimidade sobre os meios a empregar para solucionar o impasse.
A esta altura aparece uma citação de Sismonde de Sismondi, t i rada da obra As
Consti tuições dos povos l ivres, sobre o r isco de uma revolução. Após a ci tação, o
art icul ista subl inha:
“Par t i lhamos completamente a op inião do d ist into escr i tor a quem devemos estas l inhas;
consideramos as revo luções como remédios extremos que devem ser empregados quando já
não há salvação possíve l pelos meios pací f icos. E ainda quando toda a nação fosse
unânime em querer cer tas e determinadas reformas; e estas re formas fossem as própr ias de
que prec isamos hoje, nem por isso reputar íamos uma revo lução ind ispensável” .
Por que não? Porque “a nossa consti tuição é mui l iberal, e admite toda e qualquer
modif icação por meios legais”.6 7 As aberrações introduzidas não o foram pelo
capricho de um monarca. O Brasi l carece é de conhecer as causas de seus males.
Daí parte o art icul ista, para diagnosticar as causas dos males que af l igem a pátr ia.
Numa palavra é a “Falta de organização”. Na esfera social vige ainda o laissez
faire, o laissez passer, que faz com que o trabalho seja depredado pelo capital ,
através de usura. O comércio está na mão de nação estrangeira. “A grande indústr ia,
esta ainda está para nascer”. Há agiotagem. Há miséria e até uma verdadeira
si tuação de escravidão, no meio do povo. Urge apl icar o imposto terr i tor ial . É
preciso “a intervenção do poder social no comércio dos gêneros al imentares da
primeira necessidade”.
“Os pr imeiros legisladores apenas esboçaram o nosso ed i fíc io pol í t ico; e os seus
sucessores se contentaram em construir ou modi f icar sucessivamente as partes super iores,
sem repararem que o ed i f íc io pecava pelas bases, e que fal tavam os al icerces”6 8.
As partes superiores são os belos princípios e as belas leis; o al icerce são os meios
concretos para as fazer funcionar.
“A ação legal que o povo deve ter sobre o governo em todo o estado l ivre, nunca fo i
verdadeiramente regulada, e temos chegado a um ponto tal que essa ação tornou-se
completamente nula, e os c idadãos, incapazes dessa resistência cont ínua ao governo que é
própr io dos estados l ivres, não tem outro recurso senão al is tarem-se nas f i le iras dos
part idos po lí t icos, e serem al ternat ivamente perseguidores e perseguidos”.6 9
9 6
São apresentadas depois t ipos de solução: a) o fortalecimento do poder municipal;
com uma longa citação de Sismonde de Sismondi. Após a ci tação, vem esta
conclusão:
“Este poder que a const i tu ição deverá co locar no mesmo nível que o judic iár io, o
legis lat ivo e o moderador, e que deve ser um complexo deles, não existe entre nós.
“as municipa l idades só servem para apurar as chapas das facções po lí t icas que d i laceram o
país”.7 0
b) A existência real da guarda nacional. c) a l iberdade do Júri . Há uma longa
citação de Tocquevi l le. d) A polícia.
“Outra inst i tu ição, a políc ia que em todas as paragens do mundo pertence à
municipal idade, e poderosamente concorre a e levar o caráter do cidadão aos seus própr ios
olhos, entre nós, essa inst i tu ição há s ido at r ibuída à autor idade centra l , tornando-se
destarte poderoso instrumento das facções”.7 1
O art icul ista mesmo, no f im, faz o resumo de suas propostas:
“Consiste o remédio em tomarmos o nosso edi f íc io polí t ico pela base, e ampararmo-lo com
possantes a l icerces. Pr imeiramente devemos organizar as municipal idades com extensas
atr ibuições, proporcionando- lhes os meios pecuniár ios para que elas possam exercer essas
atr ibuições, sendo a pr imeira de todas a pol íc ia dos respect ivos munic íp ios; reorganizar a
guarda nac ional, restaurando a e leição para os postos, e combinando esta eleição com a
vi ta l ic iedade de maneira a dar- lhe a estab i l idade compatíve l com as nossas circunstâncias;
organizar o júr i , tanto no cr ime como no c íve l , segundo as prescr ições da const i tu ição.
Isto fe i to , haverá na nação uma força real, – a da opin ião públ ica, mui super ior à que as
facções possam apresentar, e então as prescr ições das le is poderão ser executadas”.7 2
segue a enumeração de uma série de inst i tuições que se reformariam.
* • *
No f inal desta apresentação dos art igos da autoria de Figueiredo, publ icados em O
Progresso, para além da questão de dir imir se ele foi um típico representante do
l iberal ismo, ou realmente um social ista utópico, interessa-nos mostrar a
“modernidade” de sua ref lexão.
Figueiredo e, podemo-lo af irmar, seus colaboradores na redação da revista,
consti tuíram um fenômeno cultural digno da mais alta consideração. Através deles,
a nova visão da real idade, que aos poucos, fora se impondo à intel igência
brasi leira, pode f irmar-se na l ides da imprensa, numa vontade séria e concreta de
acertar o passo do nosso processo histórico com o do resto do Ocidente. O
alheiamento a tal processo, ao qual est ivéramos sujeitos por injunções de ordem
polí t ica colonial ista, fora sem dúvida, rompido, mesmo antes da independência.
9 7
Autores vários, e nós mesmos os mencionamos, tornaram-se arautos da nova
cultura. Mas, no Reci fe de 1846 a 1848, há um esforço comum de envergadura tal
capaz de mostrar como os tempos realmente haviam mudado.
Duas at ividades fundamentais marcaram este esforço: abertura a tudo o que pudesse
ser valor; capacidade supreendente de seleção, em ordem à real idade na qual
viviam.
Para quem se propôs indagar sobre as raízes cristãs do pensamento de Figueiredo, a
“modernidade”que caracteriza O Progresso, pode parecer, à primeira vista, nada de
posit ivo. Pelo contrário, pode parecer algo de negativo ou, pelo menos,
embaraçoso. Em O Progresso, encontramos uma ref lexão realmente l ivre dos
esquemas rel igiosos, com os quais a cultura luso-brasi leira est ivera sempre
comprometida. Livre, mas não sectariamente contrária ou indiferente. Livre, mas
aberta a aceitar o dado concreto da real idade nacional, em cujas entranhas se
confundiam a consciência nacional e a consciência de pertença ao mundo cristão.
É nas páginas que se seguem sobre a polêmica a respeito do social ismo, e, mais
tarde, em “A Carteira”, que poderemos refazer os caminhos pelos quais a
“modernidade”pode reconci l iar-se com um passado cristão, sem abdicar dele nem de
si mesma.
9. A polêmica sobre o social ismo (Anexos 4 e 5)
Em que pese à anál ise hodierna sobre o l iberal ismo de Antônio Pedro de
Figueiredo, o fato é que ele foi considerado na sua época um social ista, e até o
declarou manifestamente.
A 31 de julho de 1852, am A União, o Dr. Pedro Autran da Matta e Albuquerque
publ icava um art igo, respondendo a alusões feitas por Moraes Sarmento, em
discurso na Assembléia Geral. Neste art igo, Autran, então professor de Direito em
Olinda, dizia que o social ismo “ci fra-se na comunhão das mulheres e dos bens”.
Figueiredo, em 12 de agosto, através do Diário de Pernambuco, defendia o
social ismo desta pecha e desafiava de novo ao Dr. Autran a apresentar “um texto
social ista que apregoasse semelhante monstruosidade”. Fazia um apelo ao mesmo,
para que se mantivesse nos termos iniciais da discussão, e desse ao termo
“comunhão”o sentido verdadeiro, que ela tem para a maioria dos lei tores.
É, então que lhe vem a oportunidade para exprimir o que pensava ele por
social ismo:
“o social ismo não é uma doutr ina, a inda não passa de uma aspiração; mas esta asp iração
tende a re formar o estado socia l atual em prol do melhoramento moral e mater ial de todos
os membros da soc iedade”.7 3
9 8
Mais ainda, Figueiredo l igava o movimento social ista às intenções dos princípios de
l iberdade e fraternidade.
Repl ica o Dr. Autran, sempre através de A União. Nesta répl ica, segundo
Figueiredo, pois não pudemos ler o original dos artigos do Dr. Autran, esse fez a
Figueiredo três objeções: a) a definição que Figueiredo deu de social ismo é
contraditória; b) é, além disso, uma definição cavilosa; c) e pergunta: qual é a
escola social ista à qual pertence Figueiredo?
Figueiredo vê-se, pela primeira vez em seus escri tos, urgido a colocar o problema
da relação entre seu modo moderno de pensar e o cr ist ianismo. Na carta que redige
aos redatores de A Imprensa expl ica que o Diário de Pernambuco não permit ia a
publ icação, na íntegra, de seu escri to, motivo pelo qual se dir igia a outro jornal.
Nela também há um trecho que abre para nós a possibi l idade de entrever, que a
posição de Autran, como se revelou em outras ocasiões da sua vida, era a posição
do defensor da tradição catól ica. Diz Figueiredo:
“Quando escrevi a correspondência inc lusa, tenc ionava seguir o Sr. Autran em qualquer
terreno a que levasse e le a d iscussão, supondo então que t inha a discut ir com um f i lósofo
e um economista; mas como meu adversár io t rouxe por arresto no seu úl t imo ar t igo o
concí l io provinc ia l de Par is e o venerável Pio IX, não querendo eu ter a sor te de Gal i leu,
del ibere i não prosseguir em tal questão”. (Anexo 5, nº 2)
Desafiado, Figueiredo não tergiversa. Reaf irma o que pensa sobre o social ismo.
Não é uma escola. Pelo contrário, há várias escolas social istas. Nenhuma delas,
porém, defende os pontos que Autran apresentou como comuns na doutr ina
social ista, ou seja: a reabi l i tação da carne; a satisfação plena dos nossos desejos,
paixões e fel icidade completa nesta vida; a negação do crist ianismo, da sua moral e
das suas promessas; a negação da propriedade individual e da famíl ia.
Como a f inal idade do nosso discurso não é desl indar se Autran ou Figueiredo t inha
razão, mas através desta polêmica, procurar compreender como Figueiredo se
radica, apesar da sua “modernidade”, na tradição cristã brasileira, atemo-nos a
acentuar os textos que nos levam, direta ou indiretamente, ao nosso intento.
“Nego redondamente que haja uma só destas af i rmações que seja comum a todos os
soc ial istas; e até d igo: . . . 3º que a imensa maior ia dos soc ia l istas, longe de negar o
cr ist ianismo sua moral e suas promessas, como afirmastes, pe lo contrár io, pretendem ser
os verdadeiros cr is tãos, os que procuram o re inado de Deus e da sua Just iça (gr i fo do
autor) .
“Pudera a este respei to mul t ip l icar as c i tações de Buchez, Pierre Leroux, V i l legardel le,
Simon Granger, H. Doherty e tc. : mas como tendes maior conhecimento dos falanster ianos,
e os acusastes par t icularmente de ep icur ismo, l imi tar -me-e i aos seguintes trechos,
extra ídos da úl t ima obra pub l icada por V. Considerant, atual chefe dos falanster ianos.
9 9
“No Socia l ismo perante o velho mundo diz ele : ‘quando uma re l ig ião se formulou sobre
este dogma fundamental : — amai-vos rec iprocamente, e amai a Deus sobre todas as coisas,
– pode af iançar que está dada a def ini t iva fórmula rel igiosa da humanidade (p . 70) ’. Em
outro lugar da mesma obra (p. 24) assim se expr ime: ‘ao pr incíp io o socia l ismo moderno
julgava não proceder senão de s i própr io ou quando mui to da revo lução francesa; mas ao
estudar-se a s i própr io e a histór ia da f i losof ia e do cr ist ianismo, encontrou a sua or igem
na f i losof ia e no
cr ist ianismo’. Mais adiante (p. 205 e 212) ainda se lê o seguinte: ‘co loquemo-nos
sinceramente sob a invocação do Evangelho: reivindiquemo-lo em nosso favor, mostremo-
nos verdadeiros apóstolos da fraternidade. O socia lismo se ergue do meio dos povos, e
reivind ica para si o Evangelho e as puras tradições da rel igião dos f racos e dos
apr imidos’” .7 4
A segunda acusação que Autran faz a Figueiredo é que a definição que ele dera do
Social ismo era cavi losa, por ter di to que o Social ismo deseja o melhoramento moral
e material da humanidade. Defendendo-se, diz Figueiredo:
“O ideal de todos os social is tas é a rea l ização na ter ra dos grandes pr incíp ios de
l iberdade, igualdade e fra ternidade, revelados ao mundo há dezoito séculos pelo
cr ist ianismo, desse re inado de Deus e da sua Just iça , onde todos os bens são dados ao
homem, como d iz o apóstolo. (gr i fo nosso) Há divergências entre eles acerca dos meios de
real ização; mas todos são concordes na procura deste ideal” .7 5
Finalmente, respondendo à pergunta que lhe f izera Autran, escreve Figueiredo:
“Procurare i agora sat is fazer a vossa terce ira exigência.
“A fórmula geral da esco la soc ial ista a que pertenço, é a rea l ização progressiva do
pr incíp io cr istão da l iberdade, igualdade e fra ternidade, e fetuada sem vio lência , e por
meio de medidas apropr iadas às necessidades dos d iversos países. Talvez que na Europa eu
quisesse o desenvo lvimento integra l do pr incípio da assoc iação, na agr icul tura, na
indústr ia; em uma palavra: em todas as esferas de at iv idade humana. Entre nós julgo
prematura essa subst i tuição do poder socia l ao indivíduo, e tenho para mim que o est ímulo
da propr iedade ind ividual é o melhor incent ivo para acelerar a marcha da civ i l ização, ao
menos na esfera pr inc ipal, – a da produção; e por isso a mais urgente das nossas
necessidades socia is me parece ser o faci l i tar a todos o acesso à propr iedade terr i tor ia l .
“Sat is fe i tas destarte as vossas exigências, rematare i esta resposta com algumas ref lexões
de alguns pontos da vossa cr í t ica.
“Não acho apl icável à nossa civ i l ização atua l, nem mesmo ainda à européia essas fórmulas
de abol ição de cap ita l , v ida em comum, gra tuidade do créd ito e igualdade dos sa lár ios
(gr i fo no texto), que ci tastes com menosprezo; mas no meu entender, consideradas de uma
maneira absoluta, e sem apl icação prát ica na época em que vivemos, são marcadas com o
cunho da just iça eterna, e longe de serem, como dissestes, o socia l ismo abjeto e bruta l
(gr i fo no texto) , acham o mais poderoso apo io nos livros que servem de base à nossa santa
rel ig ião, e para prová- lo , ofereço-vos as c i tações seguintes”.7 6
1 0 0
Cita, em seguida, Antônio Pedro, os Atos dos Apóstolos, S. Clemente papa, Santo
Ambrósio, São Gregór io, Lactâncio, S. Gregório de Nicéia, S. João Crisóstomo e o
Evangelho.
A esta altura da sua at ividade intelectual, tornou-se clara para Figueiredo a maneira
de integrar a “modernidade” da sua cultura, no velho cepo da tradição cristã. O que
antes parecera remontar às origens próximas da civil ização moderna cujos
princípios se cristal izaram na bandeira desfraldada pela Revolução Francesa, agora
se prendiam, em seu espír i to, a uma revolução bem mais anterior e mais profunda.
Os princípios dessa revolução anterior eram de uma radical idade tal, que dezoito
séculos não foram capazes de assimilá-los. A razão via, agora, o que, havia muito, a
fé anunciara aos homens. Tanto se tomarmos o princípio da l iberdade, como
Figueiredo fez no art igo de O Progresso, “At ividade humana” – como se tomarmos
o princípio da igualdade na fraternidade, – como o pensamento social ista utópico
acentuava, – levando-os às últ imas conseqüências, esbarramos com uma utopia, ou
seja, com algo que não tem lugar plenamente na terra. Figueiredo reconheceu isso
em O Progresso7 7; reconhece-o também agora.
E essa utopia, pode dizer, é a utopia cr istã. Mas aqui impl ici tamente, como lá
expl ici tamente, Figueiredo reconhece um papel à utopia. O papel de fazer a história
caminhar no sentido do mais: da mais l iberdade, da mais igualdade, da mais
fraternidade. O social ismo, portanto, pregando-a, não se torna abjeto e brutal, mas
tem uma função histórica de primeira ordem.
O segundo período, del imitado por nós para estudo do pensamento de Figueiredo,
termina com a superação do eclet ismo e a descoberta da mediação cristã, entre a
cultura antiga e a nova cultura. Cousin e Jouffroy podem ter parecido, num primeiro
momento, a solução de compromisso entre as luzes da razão e as exigências da fé
cr istã, arraigada na história do povo. Mas o teísmo e o espir i tual ismo deles não iam
além das conseqüências lógicas dos pressupostos racionais de suas posições. A
meditação f i losófica, porém, dos nossos pensadores deste período, part ia de uma
real idade viva e bem concreta que era a sociedade brasi leira a organizar, cheia de
contrastes e de virtual idades. Pois bem, é na meditação sobre esta real idade, que
Figueiredo reencontra, não o Deus dos f i lósofos e da razão apenas, mas o Deus do
Evangelho, cuja mensagem social vai mostrar como as profundas aspirações de que
se fez paladina a civi l ização moderna, encontram uma pré-existência para além da
idade das luzes:
“ao pr incípio o soc ia l ismo moderno ju lgava não proceder senão de si própr io ou quando
mui to da revo lução francesa; mas ao estudar-se a si própr io e a h istór ia da f i losof ia e do
cr ist ianismo, encontrou a sua or igem na f i losof ia e no cr ist ianismo”.7 8
Igual af irmação vamos encontrar em “A Carteira” sobre a própria Revolução
Francesa. Citando Lamart ine, Figueiredo transcreve trecho da História dos
Girondinos:
1 0 1
“Gastare i (é o Cr ist ianismo quem fa la) dois mi l anos ta lvez em renovar os espír i tos, antes
de mani festar -me nas inst i tu ições. Mas v irá um dia em que a minha doutr ina sairá do
templo e entrará no conselho dos povos. Neste dia o mundo soc ial será renovado.
“Este dia, cont inua Lamart ine, t inha chegado. T inha sido preparado por um século de
f i lósofos cét icos em aparência, mas que cr iam na rea l idade.
“O cet ic ismo só se l igava às formas exter iores, e aos dogmas sobrenatura is do
cr ist ianismo; mas adotou- lhe com paixão a mora l e o sent imento socia l .
“Aqui lo que o cr is t ianismo chamava revelação, a f i losof ia chamava razão. As pa lavras
eram d i ferentes, o sent ido era o mesmo.
“A emancipação dos ind ivíduos, das castas, dos povos, der ivava igualmente do
cr ist ianismo. O mundo ant igo se emancipava em nome de Cr is to, o mundo moderno se
emancipava em nome dos d ire i tos que toda cr ia tura recebeu de Deus; ambos faziam
dimanar esta emancipação de Deus ou da natureza.7 9
Isso, porém, foi transcri to por Figueiredo em 1857. Estamos já no terceiro período
do pensamento de Antônio Pedro de Figueiredo.
TERCEIRO PERÍODO : A C ARTEIRA
l . Embora, teoricamente, pudéssemos af i rmar que, de 1852 até a morte de
Figueiredo, nós o podemos acompanhar, semana por semana, através do
“Retrospecto Semanal”, em o Diário de Pernambuco, na prát ica, é a part ir de
setembro de 1855, que vamos reatar o contato com ele, através do folhet im “ A
Carteira”. O “Retrospecto Semanal”, espécie de crônica da semana, oferece-lhe
pouca oportunidade para ref lexões pessoais, embora encontremos algumas. Em 24
de setembro de 1855, aparecia, pela primeira vez, “A Carteira”. No capítulo quarto
estudamos-lhe a natureza, as f inal idades e o conteúdo; este últ imo de uma maneira
global.
Como afirmamos atrás, no pensamento de Figueiredo, há uma constante que perdura
nos três períodos por nós apresentados. Essa constante del inea o pensador moderno,
preocupado com o momento histórico, que se lhe apresenta túrgido de
possibi l idades que não se podem malbaratar, um pensador voltado sobretudo para a
crí t ica social, consciente do papel que tem o intelectual no processo de
desenvolvimento de uma sociedade; um pensador aberto às correntes de pensamento
que se vão sucedendo.
É claro que, ao longo de uma vida, os períodos se sucedem também com novidades.
Talvez a novidade deste período se encontre mais na intensidade com que são
focados certos aspectos da vida, de preferência a outros, do que numa maneira nova
de ref let ir .
1 0 2
Vamos, portanto, antes de tudo, mostrar como a meditação que caracterizou o
segundo período da vida de Antônio Pedro de Figueiredo, continua presente neste
terceiro.
Antônio Pedro de Figueiredo foi um pensador moderno, já o af i rmamos. Além de
outros aspectos que tal af irmação implica, e por nós já abordados, uma fé quase
juveni l no Progresso humano é a marca da modernidade. No segundo período, dos
escri tos de Figueiredo, esta característica se condensou até no tí tulo mesmo da
revista, que marcou os anos mais r icos da ref lexão f igueirense. Na “Exposição de
princípios”, há um como que ato de fé nos ideais que nortearão a equipe. Um dos
art igos desta fé é justamente este: “Fi lhos do século que vai andando, renegáramos
nossa origem, se não admirássemos o glorioso progresso das ciências”8 0. A par do
progresso cientí f ico, admiravam o progresso técnico, como provam os art igos
colocados sob a rubrica: Ciências f ísico-matemáticas.
Em “A Carteira”, a exaltação do progresso é uma espécie de “r i tornel lo“ Há dois
folhet ins dedicados quase exclusivamente a este tema: o de 7/6/1858 e o de
14/6/1858. O primeiro apresenta uma crít ica de Ratisbona ao l ivro pessimista de
Huzar, o qual predizia o f im do mundo, como conseqüência do progresso cientí f ico.
Figueiredo satir icamente inicia o folhet im da seguinte maneira:
“Vamos hoje comunicar ao le i tor a not íc ia de um terr ível per igo que nos ameaça: é não já
a destruição do mundo, queimado pela cauda inf lamada do cometa do cônego de Liège,
mas pelo seu aniqui lamento contra a árvore da c iência, sucesso este úl t imo predi to por M.
Eugênio Huzar : fe l izmente para nós, tr istes mor tais, o novo pro feta não f ixa a época desse
terr ível catac l isma universal. . . “Mas o autor (Huzar) se engana, e todo o seu s istema não
passa de uma hipótese engenhosa. Apesar de tudo quanto podem d izer aqueles que negam o
progresso e aqueles que nele acredi tam, assustando-se das suas úl t imas conseqüências,
como o Sr. Huzar, o homem sente em si um inst into invencíve l que o impele a modi f icar,
melhorar , sujei tar a terra, segundo o preceito d ivino.
“Ele não crê nesse r id ículo e miserável dest ino de uma humanidade condenada a subir , a
aper fe içoar-se incessantemente, para depois ro lar fatal e i r remediavelmente no abismo, e
recomeçar a inda e sem fim essa tarefa ingrata como a de Sísi fo. Crescer e perecer
sucessivamente, pode ser o dest ino dos povos, não o é de toda a humanidade, em cujo seio
os povos não são mais do que ind ivíduos. A caravana humana avança nos caminhos que ela
abre, obedecendo a uma voz secreta que lhe d iz: Progresso e aper fe içoamento! Debaixo
desse carro do progresso que e la conduz para d iante com trabalho e per igo, sem dúvida a
cada instante uma mul t idão de ví t imas,
ind ivíduos e povos, são esmagados e é conveniente lançar-se de quando em quando a esta
humanidade tr iunfante o gr i to melancól ico do escravo ao vencedor: ‘Lembra-te que és
humanidade’. Mas não se deve procurar fazer- lhe medo, não se conseguirá embarga- la, até
o d ia em que os seus dest inos forem real izados, ao menos neste mundo, e em que Deus
ext inguir o nosso globo terrestre, como os ast ros que se apagam nos campos do céu”.8 1
1 0 3
O final do folhet im é meio lépido. Antônio Pedro de Figueiredo imagina o mundo a
terminar no excesso da técnica, não por desastre, mas por tédio. Dado o caráter
lépido do f inal, podemos af irmar não haver nenhuma crít ica negativa à técnica,
como destruidora dos outros valores. Há uma hipérbole na colocação do tema, para
r idicularizar o arrazoado de Huzar.
No folhet im seguinte o de 14/6/1858, o tema do progresso volta, e ocupa quase todo
o folhet im. Somente que agora não se trata de progresso técnico, mas de caráter
polí t ico. O tí tulo já esclarece a temática: “as tendências do século da polí t ica”.
Escreve Figueiredo:
“Debaixo desta confusão do tempo e da mor te, de doutr inas e idé ias, de recordações
simpát icas e tr is tes, da vida que se consome, e da v ida que começa, existe um pr incípio
imutável eterno, que nunca se acaba, que nunca morre: é a le i suprema do progresso, que a
despeito de tudo sempre cont inua sua marcha tr iunfante sobre as ruínas do passado.
Mas no f im da carreira da geração que se ext ingue, e no pr incíp io da geração que começa
encontram-se a lguns
ind ivíduos, que ainda vagam por a lgum tempo sobre o mundo agitado, como nadadores
sobre o oceano. Estes raros indivíduos, que personif icam o passado que se va i f indar,
depositár ios inf ié is do precioso tesouro da civ i l ização, incapazes de o fazer frut i f icar, se
obst inam, e não o querem entregar aos homens do futuro”.8 2
Figueiredo recorda que isso se dá sempre, mais ainda na polí t ica. Recorrem os
opositores do progresso a intr igas e calúnias e geram ódios e guerras. Manifestou-
se no Parlamento inglês em 1788. Chegou até nós essa tendência que procura
manter viva uma fase da história que acabou em 1831 e que já é “passado”.
“Ora, o tempo dessa oposição capr ichosa já passou. O espír i to vigoroso do século está
acima da inf luência efêmera de alguns homens. Depois de Vo lta ire e Rousseau, nenhum
homem se pode l isonjear de ter empunhado o cetro dos espír i tos. Como Ar is tóteles e
Platão, eles div id iram entre si , por mui to tempo o reino das inte l igências, mas sua missão
f indou-se, no pr imeiro quar te l desse século. O segredo do futuro não lhes per tenc ia”.8 3
Após mostrar como uma nova cultura se elaborou, forjada com a contr ibuição dos
progressos das ciências; que a revolução industr ial modif icou a maneira de viver;
após recordar os saudosistas franceses em polí t ica, incapazes de representar os
interesses nacionais, Figueiredo passa a anal isar a si tuação do Brasi l .
“Entretanto, cumpre repet ir a esses homens das lutas meramente pol í t icas, que através
dessa atmosfera espessa e confusa do passado, apareceu a idéia nova do futuro, e surgiram
problemas reais e posit ivos, que foram estabelecidos em caracteres de fogo. É verdade que
nesta nova fase soc ia l em que entramos ainda há confusão, prec ip i tação e impaciênc ia.
Mas quem tentar ia embargar a torrente das a lmas para a luz? “Como as l ínguas de fogo da
escr i tura, novas palavras se co locaram sobre as nossas cabeças: assoc iação, garant ia,
1 0 4
socorros mútuos, ext inção da misér ia e tc. etc . ; e is a glór ia do tempo em que v ivemos, o
caráter que assina la a nova geração, a tendência deste século”.8 4
Encontramos aqui a pena e o espír i to do mesmo escritor que, em O Progresso, fez-
se arauto de reformas sociais, a despeito da teimosia de aqueles que preferiram
discutir os aspectos formais das inst i tu ições l iberais, antes que a urgente
necessidade de colocar bases sól idas, em a nossa organização social, como já
defendera Figueiredo.
Nesses dois art igos, encontramos uma apologia teórica do progresso; mas, em
muitíssimas outras ocasiões, Figueiredo vol tará sobre o mesmo tema, ao tratar, por
exemplo, das estradas de ferro, do telégrafo elétr ico, dos meios para apagar
incêndio, da fotograf ia, da melhoria no fabrico do açúcar e no plantio da cana, da
viação aérea etc.
6. 2. Na l inha do reformismo social, encontramos Figueiredo, na mesma ati tude
assumida em O Progresso: at i tude crít ica diante dos males que a indústr ia e o
individual ismo econômico t inham gerado. Além de af irmações espalhadas, cá e
acolá, encontramos estes folhet ins: 17/12/1855: O pauperismo e a mendicidade;
24/3/1856: a colonização estrangeira para o Brasi l ; 14/4/1856: industr ial ismo
individual ismo, concorrência, protecionismo; 1/9/1856: lei elei toral por distr i tos, e
bairr ismo; 21/12/1857 e 28/12/1857: pauperismo e inst i tuições de caridade.
Colocamos no Anexo 27 o folhet im, talvez mais signif icat ivo, o de 10/8/1857. Pela
lei tura dele vemos como Figueiredo continua pleiteando uma reforma, dentro dos
quadros inst i tucionais vigentes.
Há um progresso na at i tude de Figueiredo; é com relação à escravidão. O assunto
não foi venti lado em O Progresso. Agora sim. Figueiredo passa à defesa aberta do
escravo, contra os interesses dos escravocratas.
Em “A Carteira” de 22/10/1855, escrevia inf lamado:
“Ri f leman, – apesar das tuas asas metál icas impel idas pe la força dos teus duzentos
cavalos, apesar de toda a tua v igi lânc ia, sempre foste i ludido; mas consola-te, o navio do
tra f icante fo i agarrado pelas autor idades brasi le iras, e cento e sessenta afr icanos, que
vinham servir de gado humano, não serão vend idos, nem comprados, nem mut i lados como
uma co isa inanimada, f icarão l ivres como nasceram, e, temos para nós que o transgressor
da le i , mais cedo ou ma is tarde, será punido pelo seu egoísmo.. . ( recorda que o Brasi l em
1827 se comprometera a acabar com o t rá f ico de negros, e cont inua): Entretanto esta
obr igação magnânima, contraída perante todas as nações do mundo, e insp irada pela
f i losofia e pelo cr is t ianismo, fo i v io lada durante alguns anos pela cob iça e pelo desejo de
alguns ind ivíduos sedentos de ouro. . . Mas fe l izmente para honra do caráter nacional e
como um testemunho de veneração humanitár ia às verdades enunciadas do al to do Gálgota,
os nossos convênios para a abol ição defin i t iva do trá f ico se tornaram uma real idade depois
de 1850 em d iante. . . (após e logiar o governo brasi le iro que se tem
1 0 5
esmerado para ext ingui r o trá fego, cont inua:) Mas não basta que a governa pare neste
ponto; cumpre que proporcione os meios de subst i tu ir o trabalho escravo pelo t rabalho
l ivre . Que procure ext inguir essas re l íquias vergonhosas da escravidão, esse labéu da
civi l ização moderna”. . .8 5
O problema do tráf ico de escravos já fora abordado por Figueiredo no “Retrospecto
Semanal” de 21/3/1853. Nele Figueiredo ataca o mal pela raiz. É preciso acabar
com a mental idade escravocrata, tão arraigada no brasi leiro, mediante uma
reeducação do povo.
“Qualquer, porém, que passa ser essa medida.. . parece-nos que não poder ia e la ser bem
sucedida, se não for acompanhada mui de perto das seguintes circunstâncias: 1) uma
propaganda mui to especial , genera l izada e at iva, que abra as olhos ao nosso povo, destrua
as seus prejuízos em favor da escravidão, e lhe faça ver c laramente os grandes males de
que e la é causa pr imár ia. 2) uma concessão de vantagens e interesses muita reais e
posi t ivas a toda aquele que denunciar um contrabando de negros, ou concorrer para
apreensão destes, e captura dos cr iminosas”.8 6
6.3. Apesar de colocar o dedo na chaga, apesar de reconhecer os males existentes,
Figueiredo continua, fundamentalmente, um otimista. Eis o que escrevia no
“Retrospecto Semanal” de 21/4/1856:
“Tudo indica que as sociedades modernas vão caminhando para uma nova fase de just iça
dis tr ibuída em favor dos deserdados da for tuna. Parece que já é chegada a hora de fazer
just iça às egoístas e absurdas teor ias do governo úlcera (s ic) f i lho do fatíd ico pr incíp io da
la issez-fai re, la issez-passer. Com efei to, os governos já vão compreendendo que a sua
tarefa não se l imi ta à estér i l missão de cruzar as braços e observar impassíveis o
desenvo lvimento anárquico da at iv idade humana, intervindo somente nos casos de
conf l i tos e sem procurar d ir igir em um sent ido proveitoso e benéf ico a força com que Deus
nos doutou em bem da camunhão, e pr inc ipalmente daqueles que foram pr ivados dos meios
de for tuna.
“Em todas as par tes do mundo, os homens revest idos do caráter de governar os povos
apl icam grande fração da sua intel igência em melhorar ou remover as tr is tes condições em
que se acham os governados.. .
“Esta tendência, f i lha incontestavelmente do cr is t ianismo e da c ivi l ização moderna, posto
que um pouco lenta, também já se va i mani festando entre nós”.8 7
Outro trecho ot imista:
“Dizem que o nosso tempo não é o tempo da poesia, como se porque o vapor sopra,
ninguém pudesse mais cantar. Ora, a indústr ia não se deve impor tar com a poesia.
“Esta é imor ta l como as decepções e esperanças da humanidade. E, por ventura, já não
exist i rá a humanidade em nosso tempo? E se existe, não deverá a poesia suavizar - lhe as
dores, al ige irar - lhe o presente e dourar - lhe o porvir?
1 0 6
“O d ia em que a poesia já não t iver nada que fazer , no mundo, será verdadeiramente o
úl t imo dia, e quando já se não cantar é porque o mundo se terá tornado surdo e mudo.
Assim, pode-se dizer que se a lgumas vezes os Poetas fa l tam, a poesia nunca fa l ta”.8 8
Sobretudo Figueiredo é daqueles que não esposa a concepção pessimista de que a
história e o progresso só podem ser fei tos em favor de uma el i te, com a
marginal ização das massas. No folhet im comemorativo do primeiro aniversário de
“A Carteira” dá-nos ele uma página perpassada de poesia. É um ato de fé no
progresso, mas no progresso para todos. Ei-la:
“As questões sociais e polí t icas do nosso país e do estrangeiro também hão merec ido a
nossa atenção, e, como não acred itamos na misér ia eterna da humanidade, temos
proclamado a fel ic idade do povo nos nossos sonhos de futuro.
“Dizem que sempre haverá infel izes. . . ( re t icênc ias do autor) . Temos fu lminado semelhante
blasfemia contra a imensa bondade de Deus e da sua onipotênc ia.
“Com efei to, para quem serão os frutos dos vergéis, as f lores dos campos, os produtos da
indústr ia. Dar-se-á que uma parte da humanidade se deva o ferecer a outra em perpétuo
holocausto?
“Todo aquele que vem ao mundo tem os mesmos d ire i tos à fe l ic idade, isto é, ao trabalho,
ao l ivre desenvolv imento das suas faculdades, à justa re tr ibuição dos produtos da
inte l igência. Se a lguns homens são l ivres e fe l izes, todos podem e devem sê-lo. Só há
possib i l idade de progresso com esta condição: af i rmar o contrár io, é negar a inte l igência
geral , o gênio dos grandes homens, a per fe ição universal da Providência.
“Se não est ivéssemos int imamente convencidos da bondade nat iva do homem, da sua
soc iabi l idade, da unidade de sua inte l igência, das suas necessidades e dos seus desejos,
pedimos a Rousseau suas f lorestas, a Bruto sua espada, à terra um túmulo. . . ( ret icênc ias
do autor) . Lançar íamos um olhar de desprezo sobre os monumentos f i losóf icos do passado,
sobre as t radições de glór ia e de l iberdade que nos legaram nossos pais, sobre as belas
cr iações da arte e os imensos trabalhos da indústr ia .
“E de que servir ia tudo is to, se a humanidade deve agi tar -se eternamente no vácuo e num
circulo fatal? Não desesperamos! Santa esperança! Abóboda estre lada do f i rmamento!
Presc iênc ia infal ível de dias melhores, de alegr ias inefáveis e de uma idade de ouro eterna
que Deus nos reserva sobre as plagas embalsamadas do futuro, tu és metade da vida.. .
(após recordar a guerra da Cr iméia, d iz que a humanidade, contudo caminha para a paz;
elogia a indústr ia e cont inua:)
“Abandonemos, pois, essas lutas sangrentas, esses torneios estéreis. Só há um povo sobre
o globo, uma famí l ia em uma nação, bem como só há um so l em o nosso turb i lhão, e uma
Providência no universo. “Seja o amor, a fé, a unidade o único laço que nos l igue; e como
Samari tanos da sociedade humana procuremos beber a nossa consolação na fonte da
harmonia e do futuro. Eis o voto, a imagem herá ld ica da nossa bandeira, o hino de
engrandecimento, que no dia do seu pr imeiro aniversár io envia a nossa pobre Car tei ra aos
seus simpat izantes. . .8 9
É uma página inf lamada, que poderia ser considerada entusiasmo momentâneo, se
ela não se encastoasse numa cadeia de outras af irmações e, sobretudo, se ela não
1 0 7
brotasse da pena de um homem, que, com igual acuidade, foi capaz de anal isar os
males da sociedade em que viveu. Às vezes até parece que Figueiredo chegou a
formular bem clara a diferença entre males estruturais, para os quais é preciso uma
cirurgia radical, e males provenientes do mal funcionamento de uma estrutura em si
boa. No f inal de 1855, precisamente no dia 17 de dezembro, Figueiredo fazia uma
dist inção entre o pauperismo e a mendicidade. Esta é algo de sanável, com medidas
relat ivamente fáceis. Aquele é um mal, para cuja solução não basta a vontade do
homem indivíduo, ou de um determinado grupo, nem mesmo do governo.
É uma página lúcida na anál ise. Pena que a vida de Figueiredo, sendo a de um
jornal ista e professor que deve lutar no dia a dia das obrigações prof issionais, não
lhe tenha dado oportunidade para levar às últ imas conseqüências a sua intuição.
Dois folhet ins vão ainda tratar do pauperismo, o de 21/12/57 e 28/12/57. Nenhum
deles, porém, explora esta dist inção entre mendicidade e pauperismo.
Eis, l i teralmente, o que escreveu ele:
“Co isa s ingular ! quanto mais a civ i l ização e as artes industr ia is se desenvo lvem, quanto
mais cresce o número das necessidades do homem, e quanto mais por conseqüência se
aumenta o número dos pobres. Dar-se-á caso que o progresso, que a propagação das luzes
seja uma punição que Deus inf l ige ao homem? Será o futuro das sociedades uma dor
eterna, um mal sem reparação? Este melancó l ico problema tem agi tado vár ios pensadores,
e produzido mi lhares de utopias generosas, de soluções efêmeras, que hão ocasionado
momentos de convulsão e de cr ises amargas entre os povos modernos. Mas por maiores
que sejam os esforços que os governos prat iquem para embargar os gr i tos das classes
pobres, a causa real cont inuará a exist i r , e só uma medida radica l poderá ext inguir esta
calamidade f i lha dos tempos modernos. Assim o pauper ismo é um fato real, estranho à
vontade do homem, fa ta l f i lho da organização socia l; ao passo que a mendicidade, o estado
daquele que pede esmola, é ordinar iamente um fato humano, e tem por causa a preguiça e
a fal ta de trabalho”.9 0
A exegese desse texto tem de tomar em conta o que atrás f icou dito, a respeito de
seu ot imismo, e que é cronologicamente posterior. Pode-se, então, concluir que as
interrogações do texto são est i l íst icas, e supõem uma resposta negativa. O que
Figueiredo visa é mais acentuar a viabi l idade imediata para certos problemas que
assolavam Pernambuco e, sobretudo, o Recife. O certo é, porém, que f icava
formulada, de maneira clara, a problemática das reformas de estrutura.
Para terminar esta série de contatos com Figueiredo, através de textos de A
Carteira que ref letem sua fé no progresso, coloquemos este últ imo, escri to como
fecho do ano de 1855:
“Temos passado por provações dolorosas, mas este per íodo de sofr imentos será transitór io
e efêmero, po is que uma bondade suprema regula o nosso dest ino.
1 0 8
“Só o bem é absoluto; só ele é necessár io. O mal no mundo é um acidente, é por isso que
ele será incessantemente venc ido. Ao passo que as vi tó r ias do bem são def in i t ivas, as
derrotas do mal são ir revogáveis”.9 1
6.4. O que há de novo no pensamento de Antônio Pedro de Figueiredo, neste
período? Antes de tudo, uma superação defini t iva do eclet ismo. Cousin e Jouffroy
não são mais recordados. Um pequeno detalhe; porém, mui signif icat ivo. Em
outubro de 1847, na revista O Progresso, Figueiredo fazia uma apreciação do Livro
do Povo, da autoria de Lamennais. A certo ponto escrevera:
“O dest ino do homem neste mundo (segundo Lamennais) é aproximar-se o mais possível de
Deus, desenvo lvendo todas as suas faculdades.. . “Deste pr incípio Lamennais t i rou
pr imeiramente o dire i to e o dever, de acordo neste ponto com Th. Jouff roy e os f i lósofos
da nova escola (gr i fo nosso), e reconhece que em substância só há para o homem um único
dever. . . ”
Em “A Carteira” de 21/7/1856, como já vimos atrás, esse art igo vai ser transcri to.
Chegado ao ponto supramencionado, Figueiredo modif ica, assim, a frase que faz
referência a Jouffroy:
“Deste pr incíp io Lamennais t i rou pr imeiramente como todos os f i lósofos (gr i fo nosso), o
d irei to e o dever e reconhece que em substância, só há para o homem um único dever”.9 2
A modif icação é mínima, mas nos mostra que Figueiredo já não considera
importante apoiar-se na autoridade de Jouffroy; e terá, quem sabe, reconhecido que
a tese deste não era tão nova e tão original , mas remontava a uma longa tradição
f i losófica.
Sem dúvida, a temática central das ref lexões de Figueiredo concorda com aquela de
Jouffroy. Para Jouffroy ela se exprime em termos de: “o destino do homem”. Todas
as ref lexões de Mélanges Phi losophiques encaminham-se para os dois últ imo
números que são: “Le problême de la destinée humaine“. O problema retorna
sempre, com facetas diferentes, tanto em Nouveaux mélanges phi losophques, como
no Cours de droit naturel. Jouffroy conta para nós em Nouveaux Mélanges
Phi losophiques, na parte que se int i tula: “De l ’organisat ion des sciences“, a
história da sua infância cr istã, da perda de fé, da procura angustiante para obter o
sentido da existência, e da vitór ia defini t iva, quando consegue ele reformular, não
mais à luz de uma rel igião tradicional, mas à luz da razão, quase todos os valores
admit idos em criança. Resume em sete pontos fundamentais toda a problemática
f i losófica, respondida a qual, se estabelecia a paz em sua vida.
“En premier l ieu, tout homme désire savo ir pourquo i i l est ic i bas, à quel le f in, dans quel
but : car i l est l ibre, et comme tel i l sent responsable de sa conduite. . .
“En second l ieu, tout homme se demande et désire vivement savo ir si toute son existence
est renfermée dans les l imi tes de cette v ie : car i l sent en lu i une foule de désirs et des
1 0 9
facul tés que cette v ie ne contente pas, e t i l s ’estimerai t t rés malheureux, e t ce lui qui la
fa i t t res injuste, s i sa dest inée devai t être de ne jamais atteindre à ce bonheur, a cet te
per fect ion dont i l a l ’ idée.. .
“En tro isiéme l ieu, tout homme veut a l ler p lus lo in, e t savoi r encore, en supposant qu’ i l y
ai t une autre v ie, quel le sera cette autre v ie, s i e l le sera immortel le ou l imi tée.. .
“En quatr iéme l ieu, tout homme veut savoir qui l ’ a fa i t , qui a fa i t ce monde qui
l ’enveloppe.. . “9 3
Como se vê, das sete questões fundamentais, quatro dizem respeito ao que, na
f i losofia tradicional, se colocaria entre as questões de fundo teológico, quer fossem
tratadas na teodicéia, na antropologia ou na moral.
Ora, em nenhum escr i to de Figueiredo se nota a mínima preocupação por esta
problemática. Quando ele coloca a questão do destino do homem, ou melhor, do
sentido do progresso, esta questão tem uma dimensão puramente histórica. Quer
saber Figueiredo como encaminhar a história, como organizar a ordem social, para
que ela responda aos desejos de fel icidade do homem e aos imperat ivos da just iça.
As perguntas de Joutfroy não urgem para Figueiredo, porque ele as t inha resolvido
pela fé cr istã.
A adesão a Joutfroy e a Cousin, na primeira parte da sua at ividade intelectual foi
uma adesão de entusiasmo, segundo testemunhos da época. Por quê? À luz da
documentação que temos em mão, só uma resposta nos é possível. Porque, ambos,
Cousin e Jouffroy fa lavam uma l inguagem moderna e transmit iam um quadro
moderno de referência cultural que vinham se casar com as convicções de
Figueiredo. Mas não chega a ser uma adesão que implicasse ruptura com o
Crist ianismo. De fato, para Cousin como para Joutfroy, o cr ist ianismo é uma etapa
na história humana; etapa respeitável, mas que será superada por uma outra: a idade
da razão, na qual a f i losofia preencherá todas as necessidades do coração humano.
Após enumerar os sete pontos fundamentais que o homem se coloca, Jouffroy
concluia:
“En les envisageant dans leur ensemble, je me convainquis, si j ’ava is des réponses à ces
quest ions, mon ame rentrerai t dans un repos par fai t. . .
” l l y ava it donc ce rapport entre la phi losophie et mes quest ions, que mes quest ions éta ient
comprises dans l ’objet de cet te sc ience, e t que cette sc ience étai t b ien cel le à laquel le je
devai t m’adresser pour en obtenir les lumiérs que je cherchais. J ’ava i t donc pr is le bon
chemin, dans mon doute, en me jetant de ce côté; c ’é ta i t à la phi losophie que j ’ava is
af faire, e t d ’e l le que j ’ava is à t i rer les so lut ions qu’ i l me fa l la i t ” .9 4
Com relação ao Crist ianismo sentencia Jouffroy:
“Les événements sont si absolument déterminés par les idées, et les idées se succedent e t
s ’enchaînent d ’une manière s i fa ta le, que la seule chose dont le phi losophe puisse être
1 1 0
tenté, c ’est de se croiser les bras et de regarder s ’accomplir des révolut ions auquel les les
hommes peuvent si peu. C’est par une lo i nécessaire qu’une doctr ine se produit ; c ’est par
une lo i nécessaire qu’el le passe, quand sa mission est terminée. Cel le du chr is t lanisme me
semble avo ir é té d ’achever l ’educat ion de l ’humanité, e t de la rendre capable de connaître
la vér i té sans f igures et de l ’accepter sans aucun t i t re que sa propre évidence”.9 5
Cousin pensa da mesma maneira; al iás foi na escola dele que se formou Jouffroy: –
Pois, bem, para Figueiredo o Crist ianismo era uma rel igião revelada. Colocava-se
em outro plano.
6.5. Da época de adesão a Cousin e a Jouffroy, quase nada temos de Figueiredo, a
não ser a apresentação da obra de Cousin, por ele traduzida. Da época de O
Progresso, na série de art igos que anal isamos, encontramos, sem dúvida, um
esforço para fundar uma ref lexão em bases modernas. Na l inguagem desaparecem
por completo referências a um esquema rel igioso, como interpretat ivo das
real idades estudadas. Na disputa sobre o social ismo, começam a aparecer
referências ao Evangelho e aos Padres. No período de “A Carteira”, essas
referências se mult ipl icam. Vamos apresentar algumas à maneira de exemplo.
Comemorando o Natal de 1855 escrevia Figueiredo:
“No momento em que Augusto desfechava o úl t imo golpe no pr incípio da l iberdade e
igualdade, nascia em Belém o Cr isto , – o tr ibunal universa l dos Povos, o grande
representante sobre a terra da igualdade e da l iberdade o qual, depo is de ter p lantado a
cruz para serv ir de l imi te a dois mundos, se de ixa atar a essa cruz, e ne la morre símbolo,
ví t ima e redentor dos sofr imentos humanos.
“Desde Adão até Cr is to é a sociedade com escravos, com a desigualdade dos homens entre
si ; desde Cr isto até nós é a sociedade com a igualdade dos homens entre si , a igualdade
soc ial do homem e da mulher, é a igualdade sem escravos, ou ao menos sem o pr incíp io da
escravidão, é o pensamento redentor e messias do futuro do gênero humano” .9 6 (sic)
Podemos af irmar que entre o teísmo de Cousin e de Jouffroy, de um lado, e o
teísmo de Figueiredo, do outro, há uma l inha divisória que se chama Cristo.
E a aceitação do Cristo, expl ici ta ou implici tamente, impl icava a aceitação da
revelação, ou seja de um plano diverso de conhecimento e de atuação.
Não é possível transcrever todas as referências ao caráter pecul iar do Crist ianismo,
que saem da pena de Figueiredo. Eis como escreve em “A Carteira” de 22/6/1857.
“Se o cr is t ianismo não se apresentasse a nós com todos os caracteres div inos que o seu
div ino fundador lhe deu, seríamos obr igados a at r ibuir - lhe uma or igem d ivina, em razão da
per fei ta harmonia que e le estabeleceu entre Deus e o homem; e da per fe i ta conveniênc ia
que tem com a natureza do homem as relações que formulou entre estes do is extremos da
cadeia dos entes”9 7.
1 1 1
Falando do culto dos mortos, após recordar sua universal idade na histórias dos
povos, termina:
“A revelação, d issipando todos os erros conf irmou essa crença subl ime, inata, que é a
fonte da mora l, e a co locou na a l tura de um dogma, de uma verdade ir recusável ” .9 8
No “Retrospecto Semanal” aparecem apreciações denunciadoras de uma
irrel igiosidade perigosa. Após comentar o suicídio de José Alves da Costa, 36 anos,
e após dizer que se discute muito se o suicídio é sempre fruto de anomalia psíquica,
Figueiredo aproveita para a seguinte ref lexão:
“. . . então devemos procurar a causa da sua freqüência, nos tempos modernos, nesse
cet ic ismo universa l e nessa re laxação de todos os laços sociais, que por toda a parte se
mani festam, por glór ia da l i teratura, que os fomenta. Assim d iz o poeta:
Quand on a tout perdu
Quand i l n ’a p lus d ’espo ir ,
La vie est un opprobre,
La mort est un devoir .
“E adeus anátema da re l igião, adeus sagrados deveres e prec iosos laços de famí l ia, que
vós nada sois, e nada va leis, em presença desse heroísmo cego e indomável do f i losof ismo
de Rousseau e seus sectár ios”.9 9
Neste terceiro período, portanto, Figueiredo chegou a fazer a síntese entre o
moderno de seu pensar e a cultura cr istã do seu povo, a qual plasmara a ele mesmo,
nos anos da infância e da juventude, como podemos supor tranqüi lamente.
Nos escri tos aparecem, congeminados, Crist ianismo e Civi l ização Moderna,
Crist ianismo e Fi losofia. É assim que af irma ser, a tendência para a just iça
distr ibuída “f i lha incontestavelmente do cr ist ianismo e da civi l ização moderna”,
(cf. p. 173) que a ext inção do tráf ico de escravos foi “ inspirada pela f i losofia e
pelo cr ist ianismo” (cf. p. 172). Note-se que, pelo contexto, a palavra “f i losofia” se
refere àquela que produziu o lema: l iberdade, igualdade e fraternidade.
Podemos af irmar que a conci l iação entre o pensamento cristão e o pensamento
moderno, nos escri tos de Figueiredo, não se faz através de uma confrontação direta
e teórica mas prát ica e implíci ta. No seu comportamento como escri tor cr istão, qual
se revelou sobretudo a part ir de 1852, escri tor bastante l ivre para cri t icar os erros
de sua época, inclusive os do clero, está sempre subjacente esta convicção: nada do
que realmente é bom, verdadeiro e humano, nas conquistas da humanidade, pode ser
contra o Crist ianismo verdadeiro. Antes, o Crist ianismo está na raiz mesmo do “
moderno”, naqui lo que ele tem de vál ido.
1 1 2
Colocando-se em uma at i tude prát ica e não te6rica, o que preocupa a Figueiredo são
os temas sociais. Se em O Progresso tentou para eles uma fundamentação leiga, a
part ir de 1852 já não lhe é problema fundamentá-los também nas teses cristãs, que
reconhecem no homem uma criatura, um f i lho, um redimido. Chegara à convicção
que podia ser cr istão e ser moderno. Podia então sonhar, sem medo de cair no
r idículo, o sonho-f icção-l i terária com que encerramos este capítulo:
“Eu sonhava!. . . . . .
Sonhava na cultura dos homens, nasc ida da at iv idade industr ia l , das ciênc ias e das artes, –
sob o p lano subl ime da Providência, ensinada pelos pro fetas da harmonia universa l,
depositár ios sagrados de todas as esperanças, de todos os votos, de todos os
pressent imentos do futuro, s ímbolo de um reinado ideal, – fórmula suprema da soc iedade
humanitár ia.
Sonhava nesse sub l ime inst into do gênero humano, que o conduz incessantemente a uma
assoc iação unânime de amizade e amor f raternal, em que o pobre e o enfermo, o fraco e o
opr imido, o escravo e o servo, encontrarão um dia a dedicação sagrada de almas ternas e
corações s inceros.
Sonhava nesse hino glor ioso de harmonia, entoado por toda a humanidade, marchando para
a conquista de todos os obstáculos que a natureza inanimada ainda levanta à at iv idade e
inte l igência do homem.
Sonhava o desmoronamento das montanhas, nos t r iunfos esplêndidos da c iv i l ização sobre o
tempo e o espaço – na unidade cosmopol i ta de todos os povos, repar t indo o globo entre si ,
segundo os santos pr incípios da just iça dist r ibut iva. Sonhava na cr iação da l íngua
universal , mais bela e mais poét ica que as l ínguas de Homero e de Cícero, eco sonoro de
um único povo, de uma única raça.
Sonhava e via o templo augusto e suntuoso da cr iação terrestre , anunciado, pregado,
ensinado pelos pro fetas, pelas v irgens, pe los apósto los, pe los anjos, pelos santos, onde só
reinava a harmonia, o amor, a amizade, – onde morava a l iberdade, tr iunfavam as crenças,
– e Cr isto, único soberano, dominava toda a humanidade, sob o santo dogma da igualdade
e fraternidade. Sonhava e v ia Pernambuco, minha cara pátr ia nata l , cercado de uma
auréola imor ta l , indíc io anunciador de uma prosper idade magní f ica.
E v ia o seu por to cheio de navios de todas as nações, que, atraídas pe las vantagens
proporcionadas pela ext inção absoluta de qualquer industr ia is, as r iquezas fabulosas de
nosso so lo abençoado. Sonhava e via a ausência completa do pr incíp io da escravidão, esse
cr ime consagrado pela geração atua l, e a subst i tu ição do trabalho escravo pelo l ivre e
espontâneo desenvolv imento da at ividade humana.
Via todo o solo sulcado de estradas, e em todas as suas partes um vest ígio impresso pela
mão do homem. Via as margens dos nossos r ios l igadas umas às outras, por meio de pontes
magní f ícas. Via a nossa cidade cingida de cais sol idamente construídos.. . ”1 0 0
e continua, descrevendo o Recife que ele sonhava.
A síntese entre o progresso da indústr ia e a paz messiânica, qual se imagina neste
sonho-f icção, revela uma at i tude que poderíamos chamar de l ibertação dos
esquemas sacrais da Idade Média.
1 1 3
Agora é possível um pensamento l ivre, para pesquisar a verdade; onde quer que ela
se encontre, aí a fé encontrará al imento.
Agora é possível ser c idadão do Reino e da terra.
Agora é possível fundamentar a ciência no fato, como fato, sem trair a fé na
Criação.
Agora é possível agir e contemplar!
1 1 4
CONCLUSÃO
No f inal do nosso trabalho, um olhar retrospectivo sobre o caminho percorr ido,
permite-nos aqui latar o que pudemos obter da nossa pesquisa, deste nosso esforço
para colocar-nos em contato, com o conjunto das obras de Figueiredo.
Antes de tudo, precisamos, com a lei tura de “A Carteira”, aqueles art igos de O
Progresso que podem, com certeza, ser atr ibuídos à pena mesma de Figueiredo.
Resta ainda a desvendar os nomes que se escondem sob algumas letras, com as
quais são assinados outros art igos de O Progresso. Quem sabe não ande também por
aí o trabalho pessoal do redator-chefe desta revista, que muito honrou o Recife nos
meiados do século passado? Verdade é que, se isso acontecesse, aumentaria, sem
dúvida, o apreço pela envergadura da laboriosidade de Figueiredo; não mudaria,
porém, em nada, a interpretação do seu pensamento.
De nossa pesquisa, emerge Figueiredo como representante t ípico do homem culto,
que, num primeiro momento de sua at ividade intelectual, encontra em Victor Cousin
e Teodoro Joutfroy, f iguras eminentes do eclet ismo, a solução para as posições
extremadas entre o empir ismo e o racional ismo. Este extremismo era uma herança
européia do século dezoito, a qual, ainda que tardiamente e com tônica nacional,
não deixou de inf luir sobre a intel igência brasi leira.
Foi uma adesão entusiást ica, como nele atestam os art igos que apresentam a
tradução do Curso da História da Filosofia de Cousin, por inic iat iva e trabalho
pessoal de Figueiredo. Foi uma adesão que contaminou também outros jovens
pernambucanos, entre os quais evidenciamos a pessoa de Antônio Rangel de Torres
Bandeira.
Sem dúvida, em base à documentação que pudemos ter em mãos, ainda não f ica
muito claro o grau de engajamento de Figueiredo com a doutr ina daquele que lhe
mereceu a alcunha de Cousin Fusco. A formação do eclet ismo em Pernambuco é um
campo ainda aberto à pesquisa.
Na época da publ icação de O Progresso, Figueiredo mostra-se numa fase de
elaboração pessoal, assumindo inclusive at i tude crít ica diante de Cousin, o que
acarretou para ele uma polêmica, registrada nas páginas da sua revista com o
“Discípulo da Fi losofia”.
Figueiredo é, então, um arguto crí t ico, bastante aberto para ouvir as vozes de
reforma social que se fazem ouvir, sobretudo da parte dos socialistas utópicos, de
cuja l i teratura se acha bem informado. De tal maneira encarna os ideais reformistas
que autores como Gi lberto Freyre, Amaro Quintas, Vamireh Chacon e Nelson
Nogueira Saldanha o classif icam como um social ista. Já Vicente Barretto prefere
colocá-lo entre os reformistas sociais, que surgiram no seio mesmo do l iberal ismo.
Não foram, porém, s implesmente as doutr inas exógenas que determinaram sua
1 1 5
ati tude; elas tiveram um papel e importante. Foi, contudo, o contato com a
real idade brasi leira, em geral, e de Pernambuco, em especial, que marcou a ref lexão
f igueirense. Os que até hoje o estudaram não se cansam de f r isar o senso do
concreto que permeia qualquer reivindicação feita por ele.
Da nossa parte, a produção l i terária de Figueiredo nesta fase, a par da tentat iva de
uma recolocação da problemática epistemológica, com os art igos “Certeza humana”
e as três respostas ao “Discípulo da Fi losofia” apresentou-se-nos como um esforço
real para colocar em bases modernas, os temas fundamentais, para a construção de
uma ordem social mais justa e humana. É um momento precioso este. É o momento
em que a intel igência nacional, mostra-se criadora. É o momento em que os
desafios da nossa história exigem de aqueles que não só os vivem, mas também os
meditam, uma resposta que podem ter procurado e encontrado, na Europa ou nos
Estados Unidos, elementos de inspiração, mas que adquirem o cunho da
original idade conci l iadora,
como observa Paulo Mercadante.
Na polêmica sobre o social ismo, com o Sr. Pedro Autran, Antônio Pedro de
Figueiredo começa a marcha para a integração de sua “modernidade” com as raízes
cristãs da cultura brasi leira. Esse traço defini t ivo de sua carreira de escri tor revela-
se plenamente, quando da publ icação do folhet im “A Carteira”. O que serviu de
mediação entre o “moderno” e o “antigo” ou “tradicional” não foram esquemas
teóricos, mas a descoberta de que os valores sobretudo de cunho social, que a
Fi losofia Moderna apresentava como conquistas suas, estavam já latentes e atuantes
no Crist ianismo.
Figueiredo aparece assim como um pensador bastante original. De um lado se
punham os adeptos intransigentes da Fi losofia, contra os quais em dois folhet ins
Torres Bandeira se levanta veemente e combativo (Anexos 28 e 29); de outro lado,
se entr icheraram os pensadores catól icos de um ortodoxismo intransigente também,
como o Dr. Pedro Autran e Braz Florentino, entre outros, para falarmos apenas de
Pernambuco.
Uma amostra desta luta, como afirmamos acima, são os dois folhet ins de Torres
Bandeira, um deles assinado ainda com o pseudônimo Abdalah-el-Krat i f . Diz Torres
Bandeira:
“O que faz o eclet ismo? Enroupa-se com as vestes dos mi tos or ientais, põe- lhe por c ima o
manto p la tônico, arma-se da c lava do esp inozismo, toma o ar categór ico, imi tando o
mestre de Könisberg, mune-se das v isões de Hegel, de quem p lagia com gosto, percorre
assim apavorado todos os grandes círculos do mundo f i losóf ico, fa lseia a h is tór ia,
amesquinha o papel da razão humana, querendo emancipá- la do jugo da revelação e da fé,
e por úl t imo contradiz-se miseravelmente. O Cousin que escreveu o Curso da histór ia da
Fi losof ia, que traduz ira Platão, que afrancesara todo o Oriente e todo o Ocidente em
matér ia de f i losof ia, escreve o Bom, o Belo, o Verdadei ro, e condena-se antes de o
1 1 6
condenarem. Jouffroy ideal iza dogmas para derroca-los como castelos de cartas; faz-se
uma revelação a seu je i to, pro fet iza a queda do reinado dogmát ico, e tem a gravíssima
ser iedade de
mostrar como se acabam esses pr incípios eminentemente pro fundos da razão catól ica”.1
Ora, não encontramos página similar em Figueiredo. A ele pareceu possível
conci l iar as conquistas da razão humana com as conquistas daqui lo que Torres
Bandeira chama “razão catól ica”; e isto pela convicção de que uma não pode opor-
se à outra, mas uma é o desabrochamento, em plano racional, do que a outra já
manifestara ao homem, em nome da revelação.
Figueiredo assoma, destarte, como mediador entre o tradicional e o moderno, sem
querer trair nem um nem outro. Seu entusiasmo pelo social ismo utópico francês está
l igado a esta convicção.
1 A Carte i ra. Diár io de Pernambuco, Reci fe, 29-11-1858. Anexo. 28, n . 16.
1 1 7
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VITA, Luís Washington. A f i losofia no Brasi l. São Paulo : Mart ins, 1950.
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N O T A S P R I M E I R O C A P Í T U L O 1 T O Y N B E E , A r n o l d . A s t u d y o f h i s t o r y . V . 1 º L o n d o n, O x f o r d U n i v e r s i t y P r e s s , H u m p h r e t M i l f o r d , 1 9 3 9 , p . 1 7 - 5 0 . 2 C O U S I N , V i c t o r . C o u r s d e l ’ h i s t o i r e d e l a p h i l o s op h i e . I n : O e u v r e s d e V i c t o r C o u s i n , t o m e p r e m i e r . B r u x e l l e s , S o c i é t é B e lg e d e L i b r a i r i e , H a u m a n e t C i e . , 1 8 4 0 , t r o i s i è m e l e ç o n , p . 1 3 2 . 3 V A C H E T , A n d r é . L ’ i d é o l o g i e l i b e r a l e ( I ’ i n d i v i d u et s a p r o p r i e t é ) . P a r i s , E d i t i o n s A n t h r o p o s , 1 9 7 0 . 4 V A C H E T , A n d r é . O p . c i t . , p . 2 3 - 2 4 . 5 V A C H E T , A n d r é . O p . c i t . , p . 2 9 . 6 V A C H E T , A n d r é . O p . c i t . , p . 2 1 . 7 V A C H E T , A n d r é . O p . c i t . , p . 4 0 7 . 8 A p u d V A C H E T , A n d r é . O p . c i t . , p . 4 9 7 . 9 H U G O N , P a u l . H i s t ó r i a d a s d o u t r i n a s e c o n ô m i c a s . 13 ª e d . S ã o P a u l o , A t l a s , 1 9 7 4 , p . 1 0 3 . 1 0 H U G O N P a u l . O p . c i t . , p . 1 0 4 . 1 1 B A R R E T O , V i c e n t e . A i d e o l o g i a l i b e r a l n o p r o c e s so d a i n d e p e n d ê n c i a d o B r a s i l ( 1 7 8 9 - 1 8 2 4 ) . B r a s í l i a , C â m a r a d o s D e p u t a d o s , 1 9 7 3 , p . 3 0 p a s s i m . 1 2 H U G O N , P a u l . O p . c i t . , p . 1 7 0 - 7 3 p a s s i m . 1 3 H U G O N , P a u l . O p . c i t . , p . 2 8 7 . 1 4 J O U F F R O Y , T h . C o u r s d e d r o i t n a t u r e l . T o m e p r e m ie r , t r o i s i è m e é d i t i o n . P a r i s , L i b r a i r i e d e L . H a c h e t t e e t C i e , 1 8 5 8 , p . 2 50 . 1 5 B I R A N , M a i n e d e . O e u v r e s C h o i s i e s , a v e c u n e i n t ro d u c t i o n p a r H e n r i G o u h i e r . P a r i s , A u b i e r , 1 9 4 2 , p . 8 7 . A l i á s t o d a e s ta e x p o s i ç ã o s o b r e M a i n e d e B i r a n é u m r e s u m o d a i n t r o d u ç ã o d e H e n r i G o u h i e r . 1 6 L O U N D R E , C h a r l e s . D u m o u v e m e n t c a t h o l i q u e . I n : re v u e d e s D e u x M o n d e s , 5 p . 9 8 - 9 9 , 1 8 4 4 . 1 7 B I H L M E I Y E R , K a r l e T U E C H L E , H e r m a n n . H i s t ó r i a d a I g r e j a . V . 3 º S ã o P a u l o , P a u l i n a s , 1 9 6 5 , p . 4 6 9 - 4 7 0 . 1 8 S A I S S E T , É m i l e . D e l a p h i l o s o p h i e d u c l e r g é . I n : R e v u e d e s D e u x M o n d e s , 6 p . 4 8 0 , 1 8 4 4 . 1 9 Á V I L A , F e r n a n d o B a s t o s d e . O p e n s a m e n t o s o c i a l cr i s t ã o a n t e s d e M a r x : t e x t o s e c o m e n t á r i o s . R i o d e J a n e i r o , J o s é O l y m p i o , 1 9 7 2 , p . 7 2 . 2 0 I d e m , i b i d e m , p . 1 0 6 . 2 1 P A I M , A n t ô n i o . C a i r u e o l i b e r a l i s m o e c o n ô m i c o . R i o d e J a n e i r o , T e m p o B r a s i l e i r o , 1 9 6 8 , p . 5 3 . 2 2 M U N I Z T A V A R E S , F r a n c i s c o . H i s t ó r i a d a r e v o l u ç ã o d e P e r n a m b u c o e m 1 8 1 7 , t e r c e i r a e d i ç ã o , r e v i s t a e a n o t a d a p o r O l i v e ir a L i m a . R e c i f e , I m p r e n s a I n d u s t r i a l , 1 9 1 7 , p . l x x i x - l x x x . 2 3 B I H L M E Y E R , K a r l e T U E C H L E , H e r m a n . O p . c i t . , p . 4 1 3 - 4 1 4 .
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2 4 B A R A T T A , C ô n e g o J o s é d o C a r m o . E s c o l a d e H e r ó i s .R e c i f e , I m p r e n s a I n d u s t r i a l , 1 9 2 6 , p . 7 6 . 2 5 B E V I L A Q U A , C l o v i s . H i s t ó r i a d a F a c u l d a d e d e D i r ei t o d o r e c i f e . 1 º v . R i o d e J a n e i r o , S . P a u l o , B e l o H o r i z o n t e , F r a n c i s c o A l ve s , 1 9 2 7 . 2 6 B E V I L A Q U A , C l o v i s . O p . c i t . , c o m p a r e m - s e o s í n d ic e s d o p r i m e i r o e d o s e g u n d o v o l u m e . 2 7 I d e m , i b i d e m , v . 2 º , p . 7 . 2 8 I d e m , i b i d e m , v . 2 º , p . 7 . 2 9 I d e m , i b i d e m , p . 7 . 3 0 F o i o P e . M i g u e l d o S a c r a m e n t o L o p e s q u e f u n d o u e e s c r e v e u d e 1 8 3 2 a t é 1 8 4 7 o p e r i ó d i c o c h a m a d o C a r a p u c e i r o . E m 1 8 3 4 o P e . M i g u e l s e l a i c i z o u e p a s s o u a a s s i n a r M i g u e l d o S a c r a m e n t o L o p e s G a m a . O p e r i ó d i c o s o f r e u v á r i a s i n t e r r u p ç õ e s . 3 1 M O N T E N E G R O , O l í v i o . M e m ó r i a d o G i n á s i o P e r n a m b u ca n o . R e c i f e , 1 9 4 3 , p . 8 . 3 2 N A S C I M E N T O , L u i z . H i s t ó r i a d a I m p r e n s a d e P e r n a mb u c o . 7 v s . R e c i f e , U n i v e r s i d a d e F e d e r a l d e P e r n a m b u c o , 1 9 6 6 - 1 9 7 5 . 3 3 A p u d M E R C A D A N T E , P a u l o . A c o n s c i ê n c i a c o n s e r v a d or a n o B r a s i l . 2 º e d i ç ã o . R i o d e J a n e i r o , C i v i l i z a ç ã o B r a s i l e i r a , 1 9 72 , p . 1 9 8 . 3 4 I d e m , i b i d e m , p . 1 9 8 . 3 5 C A R V A L H O , J o a q u i m d e . S u b s í d i o s p a r a a h i s t ó r i a d e F i l o s o f i a e d a C i ê n c i a e m P o r t u g a l — I l . C o i m b r a , B i b l i o t e c a d a U ni v e r s i d a d e , 1 9 5 0 . 3 6 P I N H E I R O F E R R E I R A , S i l v e s t r e . P r e l e ç õ e s f i l o s ó f ic a s . I n t r o d u ç ã o d e A n t o n i o P a i m . S ã o P a u l o , G r i j a l b o , 1 9 7 6 , p . 9 - 1 0 . 3 7 P I N H E I R O F E R R E I R A , S i l v e s t r e . P r e l e ç õ e s f i l o s ó f ic a s . I n t r o d u ç ã o d e A n t o n i o P a i m . S ã o P a u l o , G r i j a l b o , 1 9 7 0 , p . 9 - 1 0 . 3 8 I d e m , i b i d e m , p . 1 0 . 3 9 A Z E V E D O C O U T I N H O , D . J o s é J o a q u i m d a C u n h a d e . Di s c u r s o s o b r e o e s t a d o a t u a l d a s m i n a s d o B r a s i l . L i s b o a , I m p r e s s ã o R é g i a , 1 8 0 4 , c a p í t u l o 3 . I n : O b r a s e c o n ô m i c a s d e J . J . d a C u n h a d e A z a v e d o Co u t i n h o ( R o t e i r o d o B r a s i l I ) . S ã o P a u l o , C i a . E d i t o r a N a c i o n a l , 1 9 6 6 , p . 2 1 2 - 2 1 3 . 4 0 I d e m , i b i d e m , p . 2 1 4 . 4 1 D E L G A D O , L u i z . G e s t o s e v o z e s d e P e r n a m b u c o . R e ci f e , U n i v e r s i d a d e F e d e r a l d e P e r n a m b u c o , 1 9 7 0 , p . 1 4 . 4 2 M U N I Z T A V A R E S , F r a n c i s c o . H i s t ó r i a d a R e v o l u ç ã o d e P e r n a m b u c o , e m 1 8 1 7 , t e r c e i r a e d i ç ã o r e v i s t a e a n o t a d a p o r O l i v e i ra L i m a . R e c i f e , I m p r e n s a I n d u s t r i a l , 1 9 1 7 , p . 4 6 , n o t a 1 4 . 4 3 A Z E R E D O C O U T I N H O , D . J o s é J o a q u i m d a C u n h a d e . An á l i s e s o b r e a j u s t i ç a d o c o m é r c i o d o r e s g a t e d o s e s c r a v o s d a c o s ta d a Á f r i c a . L i s b o a , N o v a O f i c i n a d e J o ã o R o d r i g u e s N e v e s , 1 8 0 8 , p r e f á c i o , I n: o p . c i t . , p . 2 3 8 . 4 4 I d e m , i b i d e m , n o t a 3 § 1 1 2 , p . 2 9 7 - 2 9 8 . 4 5 D E L G A D O , A n t ô n i o . O p . c i t . , p . 6 8 - 6 9 . 4 6 P A I M , A n t ô n i o . F r e i C a n e c a : o l i b e r a l i s m o c o m o ra c i o n a l i s m o , t e x t o e s c o l h i d o s e a p r e s e n t a d o s p o r A n t ô n i o P a i m . R i o d e J a n e i r o : D e p a r t a m e n t o d e F i l o s o f i a d a P U C R J , 1 9 7 3 . p . 6 . 4 7 P A I M , A n t ô n i o . H i s t ó r i a d a s i d é i a s f i l o s ó f i c a s no B r a s i l . 2 . e d . S ã o P a u l o : G r i j a l b o , 1 9 7 4 , p . 7 8 - 7 9 . 4 8 M E R C A D A N T E , P a u l o . A c o n s c i ê n c i a c o n s e r v a d o r a n o B r a s i l . 2 ª B r a s i l . 2 . e d . R i o d e J a n e i r o : C i v i l i z a ç ã o B r a s i l e i r a , 1 9 7 8 . p . 2 1 . 4 9 F E R R E I R A F R A N C A , E d u a r d o . I n v e s t i g a ç õ e s d e P s i c ol o g i a . 2 . e d . R i o d e J a n e i r o , C i v i l i z a ç ã o B r a s i l e i r a , 1 9 7 2 , p . 2 2 1 .
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5 0 G O N Ç A L V E S M A G A L H Ã E S , D o m i n g o s . F a t o s d o e s p í r i t o h u m a n o , 2 . e d . R i o d e J a n e i r o : G a r n i e r , 1 8 5 5 . S E G U N D O C A P I T U L O : 1 R e v i s t a d i á r i a . D i á r i o d e P e r n a m b u c o . R e c i f e , 2 2 -0 8 - 1 8 5 9 . 2 F o l h e t i m : A C a r t e i r a . D i á r i o d e P e r n a m b u c o . R e c i fe , 2 2 - 8 - 1 8 5 9 . O F o l h e t i m : A C a r t e i r a e r a p u b l i c a d o s e m p r e n o r o d a p é d a 1 ª p á gi n a , à s s e g u n d a s - f e i r a s . 3 N A S C I M E N T O , L u i z d o . H i s t ó r i a d a I m p r e n s a d e P e r na m b u c o , v o l . 1 ª D i á r i o d e P e r n a m b u c o , 2 . e d . R e c i f e , U n i v e r s i d a d e F e d e r a l d e P e r n a m b u c o , 1 9 6 8 , p . 6 6 . 4 D i v e r s o s . O L i b e r a l P e r n a m b u c a n o . R e c i f e , 2 5 / 8 / 1 85 9 . 5 P E R E I R A D A C O S T A , F r a n c i s c o A u g u s t o . D i c i o n á r i o bi o g r á f i c o d e p e r n a m b u c a n o s c é l e b r e s . R e c i f e T i p o g r a f i a U n i v e r s a l, 1 8 8 2 , p . 1 4 5 . 6 S A C R A M E N T O B L A K E , A u g u s t o V i t o r i n o . D i c i o n á r i o b ib l i o g r á f i c o b r a s i l e i r o , 1 º v . R i o d e J a n e i r o , T i p o g r a f i a N a c i o na l , 1 8 8 3 , p . 2 7 6 . 7 F o l h e t i m : A C a r t e i r a . D i á r i o d e P e r n a m b u c o . R e c i fe , 2 9 - 9 - 1 8 5 6 . 8 Q U I N T A S , A m a r o . O s e n t i d o s o c i a l d a R e v o l u ç ã o P r ai e i r a . R i o d e J a n e i r o , C i v i l i z a ç ã o B r a s i l e i r a , 1 9 6 7 , p . 1 4 7 - 1 4 8 . 9 I d e m , i b i d e m , p . 1 4 8 . 1 0 C o m u n i c a d o s . D i á r i o d e P e r n a m b u c o . R e c i f e , 2 3 - 8 -1 8 5 9 . 1 1 M O N T E N E G R O , O l í v i o . M e m ó r i a d o G i n á s i o P e r n a m b u ca n o . R e c i f e , 1 9 4 3 , p . 1 1 . 1 2 I d e m , i b i d e m , p . 2 0 , n o t a 1 . 1 3 I d e m , i b i d e m , p . 5 2 . 1 4 I d e m , i b i d e m , p . 7 2 . 1 5 F o l h e t i m : A C a r t e i r a . D i á r i o d e P e r n a m b u c o . R e c if e , 2 9 / 8 / 1 8 5 9 . 1 6 P r o g r e s s i s t a , R e c i f e , 6 - 5 - 1 8 6 3 . A p ó s a a s s i n a t u ra d e L u í s L a m b e r t , s e g u e a d a t a 1 0 - 3 - 1 8 6 2 . E r r o o u o a r t i g o f o i e s c r i t o m a i s d e u m a n o a n t e s da p u b l i c a ç ã o . 1 7 P r o g r e s s i t a , R e c i f e , 2 7 - 4 - 1 8 6 3 . 1 8 D i á r i o d e P e r n a m b u c o , R e c i f e , 3 - 9 - 1 8 5 5 . 1 9 P E R E I R A D E M E L L O , H e n r i q u e C a p i t o l i n o . O b a c h a r el A n t ô n i o R a n g e l d e T o r r e s B a n d e i r a . P e r n a m b u c o , T i p o g r a f i a d o J o r n a l do R e c i f e , 1 8 7 6 , p . 1 8 . 2 0 Q U I N T A S , A m a r o . O p . c i t . , p . 1 2 . 2 1 M O N T E N E G R O , O l í v i o . O p . c i t . , p . 2 9 . 2 2 I d e m , i b i d e m , p . 4 4 . 2 3 D i á r i o d e P e r n a m b u c o , R e c i f e , 2 7 - 4 - 1 8 4 3 . A n e x o 1, n . 9 . 2 4 R . R . V a r i e d a d e s . O P r o g r e s s o , R e c i f e , p . 1 6 5 - 1 66 . T o d a s a s v e z e s q u e c i t a m o s O P r o g r e s s o , f á - l o - e m o s s e g u n d o e s t a e d i ç ã o: O P r o g r e s s o , r e v i s t a s o c i a l l i t e r á r i a e c i e n t í f i c a , r e e d i ç ã o f e i t a p e l o G o v e r n o d o E s t a d o d e P e r n a m b u c o c o m o p a r t e d o p r o g r a m a d a s c o m e m o r a ç õ e s d o c e n t e n á r i o d a R e v o l u ç ã o P r a i e i r a . P r e f á c i o d e A m a r o Q u i n t a s . R e c if e , I m p r e n s a O f i c i a l , 1 9 5 0 . 2 5 M O N T E N E G R O , O l í v i o . O p . c i t . , p . 8 2 . 2 6 F o l h e t i m : A C a r t e i r a . D i á r i o d e P e r n a m b u c o , R e c if e , 2 9 / 8 / 1 8 5 9 . A n e x o 2 9 , n . 2 2 . 2 7 M O N T E N E G R O , O l í v i o . O p . c i t . , p . 1 2 6 - 1 2 7 . 2 8 P E R E I R A D A C O S T A . O p . c i t . , p . 1 4 7 .
1 2 6
2 9 V A U T H I E R , L . L . D i á r i o í n t i m o , p r e f á c i o e n o t a s d e G i l b e r t o F r e y r e , R i o d e J a n e i r o , M E C , 1 9 4 0 , p . 1 0 3 . 3 0 I d e m , i b i d e m , p . 4 1 . 3 1 I d e m , i b i d e m , p . 1 0 4 . 3 2 I d e m , i b i d e m , p . 1 8 9 . 3 3 I d e m , i b i d e m , p . 1 9 7 . 3 4 I d e m , i b i d e m , p . 1 9 9 . 3 5 I d e m , i b i d e m , p . 1 9 9 a 2 0 1 . 3 6 N A S C I M E N T O , L u i z d o . H i s t ó r i a d a I m p r e n s a d e P e rn a m b u c o , v . 1 º D i á r i o d e P e r n a m b u c o , 2 ª e d . R e c i f e , U n i v e r s i d a d e F e d e r a l d e P e r n a m b u c o , 1 9 6 8 , p . 4 8 . 3 7 P E R E I R A D A C O S T A , O p . c i t . , p . 1 4 7 . 3 8 N A S C I M E N T O , L u i z d o . H i s t ó r i a d a I m p r e n s a d e P e rn a m b u c o , v . 5 º P e r i ó d i c o s d o R e c i f e ( 1 8 5 1 - 1 8 7 5 ) . R e c i f e , U n i v e r s i da d e d e P e r n a m b u c o , 1 9 7 0 , p . 1 1 2 . 3 9 N A S C I M E N T O , L u i z d o . H i s t ó r i a d a I m p r e n s a d e P e rn a m b u c o , v . 4 º P e r i ó d i c o s d o R e c i f e ( 1 8 2 1 - 1 8 5 0 ) . R e c i f e , U n i v e r s i da d e d e P e r n a m b u c o , 1 9 7 0 , p . 2 8 9 . 4 0 J O U F F R O Y , T h . M é l a n g e s p h i l o s o p h i q u e s , t r o i s i è m e é d i t o n . P a r i s , L i b r a i r e D e L . H a c h e t t e e t C i e . , 1 8 6 0 , p . 9 6 . T E R C E I R O C A P I T U L O 1 N A S C I M E N T O , L u i z d o . H i s t ó r i a d a I m p r e n s a d e P e r na m b u c o . v s . 1 , 2 , 4 . R e c i f e , U n i v e r s i d a d e F e d e r a l d e P e r n a m b u c o , 1 9 6 8 - 1 97 5 . 2 O P r o g r e s s o , r e v i s t a s o c i a l l i t e r á r i a e c i e n t í f i ca , r e e d i ç ã o f e i t a p e l o G o v e r n o d o E s t a d o d e P e r n a m b u c o c o m o p a r t e d o p r o g r a m a d a s c o m e m o r a ç õ e s d o c e n t e n á r i o d a R e v o l u ç ã o P r a i e i r a . P r e f á c i o d e A m a r o Q u i n t a s . R e c i f e , I m p r e n s a O f i c i a l , 1 9 5 9 . 3 O V o l c ã o . R e c i f e , 3 0 . 8 . 1 8 4 7 . 4 P E R E I R A D A C O S T A , O p . c i t . , p . 1 4 7 . 5 S A C R A M E N T O - B L A K E , A u g u s t o V i t o r i n o A l v e s . D i c i o n ár i o b i b l i o g r á f i c o b r a s i l e i r o , v . 1 º R i o d e J a n e i r o , T i p o g r a f i a N a c i o na l , 1 8 8 3 . 6 F o l h e t i m : A C a r t e i r a . D i á r i o d e P e r n a m b u c o , R e c i fe , 1 0 . 1 1 . 1 8 5 6 . 7 N A S C I M E N T O , L u i z d o . H i s t ó r i a d a I m p r e n s a d e P e r na m b u c o , v . 4 p e r i ó d i c o s d o R e c i f e 1 8 2 1 - 1 8 5 0 . R e c i f e , U n i v e r s i d a de F e d e r a l d e P e r n a m b u c o , 1 9 6 9 , p . 2 5 0 . 8 O s e r r o s d e i m p r e s s ã o s ã o f r e q u e n t e s n a r e v i s t a . U m e x e m p l o é o q u e c i t a m o s a q u i . O a r t i g o : a l e i a g r á r i a n o s E s t a d o s Un i d o s , q u e v a i d a p . 4 0 7 à p . 4 1 5 é a s s i n a d o F . P . E n t r e t a n t o n o í n d i c e q u e a p r óp r i a r e v i s t a e l a b o r o u , n o f i m d e 1 8 4 7 , e n c o n t r a m o s , a p ó s o a r t i g o a a s s i n a t u ra F . V . 9 R e v i s t a L i t e r á r i a : O l i v r o d o P o v o . O P r o g r e s s o , p . 6 4 7 - 6 5 3 . A n e x o 1 2 . 1 0 N A S C I M E N T O , L u i z d o . O p . c i t . , v . 4 º , p . 2 5 9 . 1 1 F o l h e t i m : A C a r t e i r a . D i á r i o d e P e r n a m b u c o , R e c if e , 2 4 - 3 - 1 8 5 6 . A n e x o 1 9 . 1 2 N A S C I M E N T O , L u i z d o . O p . c i t . , v . 4 º , p . 2 5 0 . 1 3 F o l h e t i m : A C a r t e i r a . D i á r i o d e P e r n a m b u c o , R e c if e , 1 7 - 2 - 1 8 5 6 . 1 4 N A S C I M E N T O , L u i s d o . O p . c i t . , v . 4 º , p . 2 5 0 . 1 5 C o l o n i z a ç ã o d o B r a s i l . O P r o g r e s s o , p . 6 3 7 . A n e xo 1 9 . 1 6 F o l h e t i m : A C a r t e i r a . D i á r i o d e P e r n a m b u c o , R e c if e , 1 4 / 4 / 1 8 5 6 . 1 7 O P r o g r e s s o , p . 2 5 3 - 2 6 1 . A n e x o 1 4 . 1 8 O P r o g r e s s o , p . 2 5 4 . A n e x o 1 4 , n . 3 .
1 2 7
1 9 O E R d a p á g . 3 1 9 p a r e c e - n o s u m s i m p l e s e r r o t ip o g r á f i c o . D e v e s e r R R , a s s i n a t u r a d e t o d o o c o n j u n t o q u e s e c h a m a “ R e v i s t a P o l í t i c a ” , c o m o n o s d e m a i s n ú m e r o s . 2 0 O P r o g r e s s o , p . 7 6 8 - 7 6 9 . 2 1 P E R E I R A D A C O S T A . O p . c i t . , p . 1 4 7 . 2 2 B E V I L A Q U A , C l ó v i s . H i s t ó r i a d a F a c u l d a d e d e D i r ei t o d o R e c i f e . 2 v . R i o , S . P a u l o , B e l o H o r i z o n t e , F r a n c s i c o A l v e s , 1 9 7 2 , p . 3 0 . 2 3 N A S C I M E N T O , L u i s d o . O p . c i t . , v . 4 º , p . 2 4 9 . 2 4 A m e s m a r e v i s t a i n s p i r o u - n o s e s s a d i s t i n ç ã o . N o í n d i c e , à p á g i n a 7 6 7 , c o l o c a e l a , s o b o t í t u l o “ F i l o s o f i a ” , a p e n a s o s d o is a r t i g o s : “ C e r t e z a h u m a n a ” e “ P r o c e s s o s l ó g i c o s ” . N ó s a c r e s c e n t a m o s a s r e s p o s t a s a o “ D i s c í p u l o d a F i l o s o f i a ” , q u e v ê m s o b o t í t u l o “ P o l ê m i c a e M i s c e lâ n e a s ” , n o í n d i c e . 2 5 T o d a s a s v e z e s q u e c i t a r m o s a l g u m a o b r a d e C o u s in , s e g u i r e m o s a e d i ç ã o : O e u v r e s d e V i c t o r C o u s i n , 3 v s . , B r u x e l l e s , S o c i é t é B e l g e d e L i b r a i r i e , H a u m a n , e t . C i e . 1 8 4 0 , 1 º v . , 1 8 4 1 2 º v . e 3 º v . 2 6 C O U S I N , V i c t o r . I n t r o d u c t i o n à I ’ h i s t o i r e d e l a p h i l o s o p h i e . I n : O p . c i t . , t o m e 1 º , p . 1 7 . 2 7 C O U S I N , V i c t o r . I n t r o d u c t i o n à I ’ h i s t o i r e d e l a p h i l o s o p h i e . I n : O p . c i t . , t o m e 1 º , p . 2 4 1 - 2 4 2 . 2 8 C O U S I N , V i c t o r . I n t r o d u c t i o n à l ’ h i s t o i r e d e l a p h i l o s o p h i e . I n : O p . c i t . , t o m e 1 º , p . 3 6 0 . 2 9 C O U S I N , V i c t o r . F r a g m e n t s p h i l o s o p h i e , p r é f a c e de l a p r e m i è r e é d i t i o n . I n : O p . c i t . , t o m e 2 º p . 3 3 . 3 0 I d e m , i b i d e m . 3 1 C O U S I N , V i c t o r . F r a g m e n t s p h i l o s o p h i e . I n : O p . ci t . , t o m e 2 º p . 1 0 1 . 3 2 C O U S I N , V i c t o r . C o u r s d e l ’ h i s t o r i e d e l a p h i l o so p h i e . I n : O p . c i t . , t o m e 1 e , p . 2 9 3 . 3 3 I d e m , i b i d e m , p . 2 9 5 . 3 4 J O U F F R O Y , T h . M e l a n g e s p h i l o s o p h i q u e s . T r o i s i è m e é d i t i o n . P a r i s , L i b r a i r i e D e L . H a c h e t t e e t C i e . . 1 8 6 0 , p . 1 6 2 - 1 7 1 . 3 5 J O U F F R O Y , T h . M e l a n g e s p h i l o s o p h i q u e s . T r o i s i è m e é d i t i o n . P a r i s , L i b r a i r i e D e L . H a c h e t t e e t C i e . , 1 8 6 0 , p . 1 6 9 - 1 7 1 . 3 6 J O U F F R O Y , T h . C o u r s d e D r o i t N a t u r e l , 2 v s . , t r oi s i è m e é d i t i o n . P a r i s , L i b r a i r i e d e L . H a c h e t t e e t C i e . , 1 8 5 8 . 3 7 P A I M , A n t ô n i o . H i s t ó r i a d a s i d é i a s f i l o s ó f i c a s no B r a s i l . 2 ª e d . S ã o P a u l o , G r i j a l b o , 1 9 7 4 , p . 2 2 7 . 3 8 C O U S I N , V i c t o r . C o u r s d e p h i l o s o p h i e s u r l e f o n de m e n t d e s i d é e s d u V r a i , d u B e a u e t d u B i e n . I n : o p . c i t . , t o m e 1 º , p . 3 5 9 . 3 9 C O U S I N , V i c t o r . F r a g m e n t s p h i l o s o p h i q u e s , p r é f a ce d e l a d e u x i è m e é d i t i o n . I n : o p . c i t . , t o m e 2 º , p . 1 1 - 2 6 . 4 0 C H A C O N , V a m i r e h . H i s t ó r i a d a s i d é i a s s o c i a l i s t a s n o B r a s i l . R i o d e J a n e i r o , C i v i l i z a ç ã o B r a s i l e i r a , 1 9 6 5 , p . 1 1 3 . 4 1 O P r o g r e s s o , p . 4 . A n e x o 2 0 , n º 2 . 4 2 O P r o g r e s s o , p . 8 3 . A n e x o 7 , n . 2 . 4 3 O P r o g r e s s o , p . 9 1 . A n e x o 7 , n . 3 1 . 4 4 O P r o g r e s s o , p . 6 4 2 - 6 4 3 . A n e x o 1 8 , n . 1 3 . 4 5 N A S C I M E N T O , L u i s d o . O p . c i t . , v . 4 º , p . 3 0 1 - 3 0 2.
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Q U A R T O C A P I T U L O 1 F o l h e t i m : A C a r t e i r a . D i á r i o d e P e r n a m b u c o , R e c i fe , 1 6 / 8 / 1 8 5 9 . 2 F o l h e t i m : A C a r t e i r a . D i á r i o d e P e r n a m b u c o , R e c i fe , 2 2 - 8 - 1 8 5 9 . 3 P E R E I R A D A C O S T A , O p . c i t . , p . 1 4 9 . 4 F o l h e t i m : A C a r t e i r a . D i á r i o d e P e r n a m b u c o , R e c i fe , 1 5 - 1 1 - 1 8 5 8 . 5 F o l h e t i m : A C a r t e i r a . D i á r i o d e P e r n a m b u c o , R e c i fe , 6 - 1 2 - 1 8 5 8 . 6 F o l h e t i m : A C a r t e i r a . D i á r i o d e P e r n a m b u c o , R e c i fe , 2 9 / 1 1 / 1 8 5 8 . A n e x o 2 8 , n . 2 3 . 7 P E R E I R A D E M E L L O , O p . c i t . , p . 4 8 - 5 3 8 P E R E I R A D E M E L L O . O p . c i t . , p . 5 3 . 9 F o l h e t i m : A C a r t e i r a . D i á r i o d e P e r n a m b u c o , R e c i fe , 1 4 - 1 2 - 1 8 5 7 . 1 0 F o l h e t i m : A C a r t e i r a . D i á r i o d e P e r n a m b u c o , R e c if e , 2 3 - 3 - 1 8 5 8 . 1 1 F o l h e t i m : A C a r t e i r a . D i á r i o d e P e r n a m b u c o , R e c if e , 1 7 - 2 - 1 8 5 6 . 1 2 F o l h e t i m : A C a r t e i r a . D i á r i o d e P e r n a m b u c o , R e c if e , 2 4 . 9 . 1 8 5 6 . 1 3 F o l h e t i m : A C a r t e i r a . D i á r i o d e P e r n a m b u c o , R e c if e , 2 9 . 9 . 1 8 5 6 . 1 4 F o l h e t i m : A C a r t e i r a . D i á r i o d e P e r n a m b u c o , R e c if e , 1 / 1 2 / 1 8 5 6 . 1 5 F o l h e t i m : A C a r t e i r a . D i á r i o d e P e r n a m b u c o , R e c if e , 1 6 / 3 / 1 8 5 7 . 1 6 F o l h e t i m : A C a r t e i r a . D i á r i o d e P e r n a m b u c o , R e c if e , 2 2 / 1 1 / 1 8 5 8 . 1 7 F o l h e t i m : A C a r t e i r a . D i á r i o d e P e r n a m b u c o , R e c if e , 2 9 / 1 1 / 1 8 5 8 . A n e x o 2 8 , n . 1 , 2 , 3 . 1 8 F o l h e t i m : A C a r t e i r a . D i á r i o d e P e r n a m b u c o , R e c if e , 2 9 - 1 1 - 1 8 5 8 . A n e x o 2 8 , n . 2 3 . 1 9 G r a n d e E n c i c l o p é d i a D e l t a L a r o u s s e . R i o d e J a n e ir o , E d i t o r a D e l t a S . A . , 1 9 7 0 , v . F o l h e t i m . 2 0 N A S C I M E N T O , L u i z d o . O p . c i t . , v . 1 º , p . 5 5 . 2 1 N A S C I M E N T O , L u i z d o . O p . c i t . , v . 1 º , p . 5 8 , n o ta 3 5 – O D i á r i o d e P e r n a m b u c o s a i u t a m b é m n o d o m i n g o , 1 0 d e f e v e r e i r o d e 1 8 5 6 . M a s “ A C a r t e i r a ” s a i u n o d i a 1 1 . 2 2 N A S C I M E N T O , L u i z d o . O p . c i t . , v . 1 º , p . 5 5 . 2 3 F o l h e t i m : “ A C a r t e i r a ” . D i á r i o d e P e r n a m b u c o , R ec i f e , 2 1 - 9 - 1 8 5 7 . 2 4 D U P A N L O U P , M g r . D e l ’ e d u c a t i o n , t o m e p r e m i e r , d e l ‘ e d u c a t i o n e n g é n é r a l e , d i z h u i t i è m e é d i t i o n . P a r i s , P i e r r e T é q u i , l i b r a i r i e - e d i t e u r , 1 9 2 8 . 2 5 P o d e m - s e c o m p a r a r : A C a r t e i r a . D i á r i o d e P e r n a m bu c o , R e c i f e , 1 5 / 1 1 / 1 8 5 8 e S C U D O , P . R e v u e M u s i c a l e . R e v u e d e s D e u x M o n d e s . P a r i s , 4 1 7 - 4 2 3 , 1 8 5 5 . Q U I N T O C A P I T U L O 1 “ A s s i m , p o d e - s e a f i r m a r q u e o t e m a d a p e s s o a h u m an a , a b u s c a d e u m a f i l o s o f i a p o l í t i c a e a s r e l a ç õ e s e n t r e f i l o s o f i a e c i ê n c i a s ã o a s q u e s t õ e s e s s e n c i a i s c o m q u e s e d e f r o n t o u o p e n s a m e n t o f i l o s óf i c o b r a s i l e i r o ” . P A I M , A n t ô n i o . H i s t ó r i a d a s i d é i a s f i l o s ó f i c a s n o B r a s i l . S ã o P a u l o , G r i j a l b o / U S P , 1 9 7 4 , p . 1 7 . 2 Q U I N T A S , A m a r o . O p . c i t . , p . 7 8 .
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3 C A R V A L H O , J o a q u i m d e . A n a i s d a I m p r e n s a p e r n a m b u ca n a , a p u d A m a r o Q u i n t a s , p r e f á c i o a O P r o g r e s s o , R e c i f e , 1 9 5 6 , p . XI I I . 4 P A I M , A n t ô n i o . O p . c i t . , p . 3 4 - 3 7 . 5 F I G U E I R E D O , A n t ô n i o P e d r o . C u r s o d e h i s t ó r i a d a Fi l o s o f i a p o r V . C o u s i n . D i á r i o d e P e r n a m b u c o , R e c i f e , 2 7 / 4 / 1 8 4 3 . A n e x o 1 , nº 3 . 6 C u r s o d e h i s t ó r i a d a f i l o s o f i a p e l o S r . V . C o u s i n, v e r t i d o e m p o r t u g u ê s p e l o S r . A . P . d e F i g u e i r e d o . A E s t r e l a , R e c i f e , 4 / 1 1 / 1 84 3 . A n e x o 2 , n º s . 4 e 5 . 7 T O R R E S B A N D E I R A , A . R . C u r s o d a h i s t ó r i a d a f i l o so f i a , p o r V . C o u s i n , v e r t i d o e m l í n g u a v e r n á c u l a p o r A . P . d e F i g u e i r e d o. D i á r i o N o v o , R e c i f e , 2 8 / 1 1 / 1 8 4 3 . A n e x o 3 , n º 1 e 5 . 8 A n e x o 3 ; n º 8 . 9 A n e x o 1 , n º 5 . 1 0 A n e x o 1 , n º 5 . 1 1 C A R V A L H O , J o a q u i m d e . S u b s í d i o s p a r a a h i s t ó r i a d a F i l o s o f i a e d a C i ê n c i a e m P o r t u g a l I l . C o i m b r a , B i b l i o t e c a d a U n i ve r s i d a d e , 1 9 5 0 , p . 6 4 . 1 2 O P r o g r e s s o , p . 3 9 7 . A n e x o 1 0 , n º 1 . 1 3 O P r o g r e s s o , p . 3 9 9 . A n e x o 1 0 , n º 3 . 1 4 O P r o g r e s s o , p . 4 0 0 . A n e x o 1 0 , n º 4 . 1 5 O P r o g r e s s o , p . 4 0 0 . A n e x o 1 0 , n º 7 e 8 . 1 6 O P r o g r e s s o , p . 4 0 1 . A n e x o 1 0 , n º 1 0 . 1 7 O P r o g r e s s o , p . 6 - 9 . p a s s i m . A n e x o 2 0 , n º 6 - 8 p as s i m . 1 8 O P r o g r e s s o , p . 5 0 0 . A n e x o 1 5 , n º 3 . 1 9 O P r o g r e s s o , p . 5 0 1 . A n e x o 1 5 , n º 1 0 . 2 0 O P r o g r e s s o , p . 5 0 3 . A n e x o 1 5 , n º 1 6 . 2 1 O P r o g r e s s o , p . 5 0 3 . A n e x o 1 5 , n º 1 6 . 2 2 O P r o g r e s s o , p . 5 0 4 . A n e x o 1 5 , n º 2 2 . 2 3 O P r o g r e s s o , p . 5 0 3 . A n e x o 1 5 , n º 1 7 . 2 4 O P r o g r e s s o , p . 5 0 3 . A n e x o 1 5 , n º 1 9 . 2 5 O P r o g r e s s o , p . 5 0 2 . A n e x o 1 5 , n º 1 2 . 2 6 L E R M I N I E R . D u r a d i c a l i s m e é v a n g é l i q u e . L e l i v r e d u P e u p l e . R e v u s d e s D e u x M o n d e s , 1 3 , 1 3 7 - 1 6 1 , 1 8 3 8 . 2 7 S A N D , G e o r g e . L e t t r e à M . L e r m i n i e r s u r s o n E x a me n C r i t i q u e d u L i v r e d u P e u p l e . R e v u e d e s D e u x M o n d e s , 1 3 , 3 2 4 - 3 3 6 , 1 8 3 8 . 2 8 L E R M I N I E R . R é p o n s e à G e o r g e S a n d . R e v u e d e s D e u x M e n d e s , 1 3 , 4 5 8 -4 7 5 , 1 8 3 8 . 2 9 O P r o g r e s s o , p . 8 5 1 - 8 5 3 . A n e x o 2 2 . 3 0 O P r o g r e s s o , p . 8 6 7 - 8 8 1 . A n e x o 2 1 . 3 1 B A R R E T O , V i c e n t e . A n t ô n i o P e d r o d e F i g u e i r e d o : Um a r e v i s ã o c r í t i c a . R e v i s t a B r a s i l e i r a d e F i l o s o f i a , I B F , v . 2 4 , f a s c . 9 6 , p . 4 0 8 , o u t . / d e z . 1 9 7 4 . 3 2 I d e m , i b i d e m , p . 4 1 7 . O q u e c o l o c a m o s e n t r e p a r ên t e s i s , n a c i t a ç ã o , f o i o m i t i d o , p o r f a l h a , n a r e v i s t a . P u d e m o s r e f a z e r o te x t o c o m o o r i g i n a l d a “ C o m u n i c a ç ã o ” , d i s t r i b u í d a a o s c o n g r e s s i s t a s . 3 3 S e r i a o p o r t u n o r e c o r d a r q u e e s s a a f i r m a ç ã o t ã o ge n é r i c a , n ã o i m p l i c a u m a a t i t u d e h e d o n i s t o - m a t e r i a l i s t a e m J o u f f r o y , c o m o a te s t a m a m p l a m e n t e v á r i a s p á g i n a s d e s u a s o b r a s , s o b r e t u d o q u a n d o v e r s a e l e so b r e o d e s t i n o h u m a n o . A
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o b s e r v a ç ã o é v á l i d a t a m b é m p a r a F i g u e i r e d o . N ã o p r et e n d e e l e i n s t a u r a r u m d i s c u r s o s o b r e o f u n d a m e n t o d a a t i v i d a d e h u m a n a , e m t o d a s a s i m p l i c a ç õ e s q u e , o t í t u l o c o m p o r t a . A p a r t i r d e u m p e n s a m e n t o de J o u f f r o y , F i g u e i r e d o i n s t a u r a u m d i s c u r s o , c u j a p r e o c u p a ç ã o , é a o r d e m ec o n ô m i c o - s o c i a l . N ã o h á n o a r t i g o , a c e n o a l g u m à p r o b l e m á t i c a m o r a l o u é t i ca . 3 4 O P r o g r e s s o , p . 1 7 6 . A n e x o 1 3 , n º 4 . 3 5 O P r o g r e s s o , p . 1 7 9 . A n e x o 1 3 , n º 1 3 . 3 6 O P r o g r e s s o , p . 1 8 0 . A n e x o 1 3 , n º 1 5 . 3 7 O P r o g r e s s o , p . 1 8 0 . A n e x o 1 3 , n º 1 6 . 3 8 O P r o g r e s s o , p . 1 8 0 . A n e x o 1 3 , n º 1 6 . 3 9 O P r o g r e s s o , p . 1 7 8 . A n e x o 1 3 , n º 1 0 . 4 0 O P r o g r e s s o , p . 1 8 0 . A n e x o 1 3 , n º 1 6 . 4 1 O P r o g r e s s o , p . 1 8 0 . A n e x o 1 3 , n º 1 6 . 4 2 O P r o g r e s s o , p . 2 5 3 . A n e x o 1 4 , n º 2 . 4 3 O P r o g r e s s o , p . 2 5 7 . A n e x o 1 4 , n º 1 0 . 4 4 O P r o g r e s s o , p . 2 5 9 . A n e x o 1 4 , n º 1 6 . 4 5 O P r o g r e s s o , p . 2 6 0 . A n e x o 1 4 , n º 1 6 . 4 6 O P r o g r e s s o , p . 2 6 0 . A n e x o 1 4 , n º 1 6 . 4 7 O P r o g r e s s o , p . 3 5 0 . A n e x o 1 6 , n º s . 4 e 5 . 4 8 O P r o g r e s s o , p . 3 5 0 - 3 5 1 . A n e x o 1 6 , n º 6 . 4 9 O P r o g r e s s o , p . 3 5 1 . A n e x o 1 6 , n º 6 . 5 0 O P r o g r e s s o , p . 5 6 4 - 5 6 5 , A n e x o 1 7 , n º 2 4 . 5 1 O P r o g r e s s o , p . 6 4 0 . A n e x o 1 8 , n º 2 . 5 2 O P r o g r e s s o , p . 6 4 0 . A n e x o 1 8 , n º 2 . 5 3 O P r o g r e s s o , p . 6 4 0 . A n e x o 1 8 , n º s 3 e 4 . 5 4 O P r o g r e s s o , p . 6 4 1 - 6 4 2 . A n e x o 1 8 , n º 8 . 5 5 O P r o g r e s s o , p . 6 4 3 . A n e x o 1 8 , n º s 1 3 - 1 5 . 5 6 O P r o g r e s s o , p . 5 5 3 - 5 5 4 . A n e x o I I , n º s . 2 e 3 . 5 7 O P r o g r e s s o , p . 5 5 6 . A n e x o I I , n º 1 3 . 5 8 O P r o g r e s s o , p . 3 . A n e x o 2 0 , n º 2 . 5 9 O P r o g r e s s o , p . 6 3 9 . A n e x o 1 8 , n º 2 , n o t a . 6 0 O P r o g r e s s o , p . 6 . A n e x o 2 0 , n º 5 . 6 1 O P r o g r e s s o , p . 6 2 9 - 6 3 0 . A n e x o 1 9 , n º 4 . 6 2 O P r o g r e s s o , p . 6 3 4 - 6 3 5 . A n e x o 1 9 , n º s . 1 5 - 1 7 . 6 3 O P r o g r e s s o , p . 6 3 6 - 6 3 7 . A n e x o 1 9 , n º 2 0 . 6 4 O P r o g r e s s o , p . 8 5 5 . A n e x o 2 3 , n º 1 . 6 5 O P r o g r e s s o , p . 8 5 6 . A n e x o 2 3 , n º 2 . 6 6 O P r o g r e s s o , p . 8 5 7 . A n e x o 2 3 , n º 7 . 6 7 I d e m , i b i d e m . A n e x o 2 3 , n . 9 . 6 8 O P r o g r e s s o , p . 8 5 9 . A n e x o 2 3 , n º 1 8 . 6 9 O P r o g r e s s o , p . 8 6 0 . A n e x o 2 3 , n º 1 8 . 7 0 O P r o g r e s s o , p . 8 6 3 . A n e x o 2 3 , n º 2 1 7 1 O P r o g r e s s o , p . 8 6 5 . A n e x o 2 3 , n º 2 4 7 2 O P r o g r e s s o , p . 8 6 5 - 8 6 6 . A n e x o 2 3 , n º s . 2 6 e 2 7 . 7 3 F I G U E I R E D O , A . P . S r . D r . P e d r o A u t r a n d a M a t t a e A l b u q u e r q u e . D i á r i o d e P e r n a m b u c o , R e c i f e , 1 2 / 8 / 1 9 5 2 . A n e x o 4 , n º 8 ; F IG U E I R E D O , A . P . S r . D r . P e d r o A . d a M . A l b u q u e r q u e . I m p r e n s a , R e c i f e , 6 / 9 / 18 5 2 . A n e x o 5 , n º 9 . 7 4 A n e x o 5 , n º s . 1 3 - 1 5 . 7 5 A n e x o 5 , n º 1 9 . 7 6 A n e x o 5 , n º s . 2 9 - 3 1 . 7 7 O P r o g r e s s o , p . 1 8 0 . A n e x o , 1 3 , n º 1 5 .
1 3 1
7 8 A n e x o 5 , n º 1 5 . 7 9 F o l h e t i m : A C a r t e i r a . D i á r i o d e P e r n a m b u c o , R e c if e , 1 3 - 4 - 1 8 5 7 . 8 0 O P r o g r e s s o , p . 4 . A n e x o 2 0 , n º 3 . 8 1 F o l h e t i m : A C a r t e i r a . D i á r i o d e P e r n a m b u c o , R e c if e , 7 - 6 - 1 8 5 8 . 8 2 F o l h e t i m : A C a r t e i r a . D i á r i o d e P e r n a m b u c o , R e c if e , 1 4 / 6 / 1 8 5 8 . 8 3 I d e m , i b i d e m . 8 4 I d e m , i b i d e m . 8 5 F o l h e t i m : A C a r t e i r a . D i á r i o d e P e r n a m b u c o , R e c if e , 2 2 - 1 0 - 1 8 5 5 . 8 6 R e t r o s p e c t o S e m a n a l . D i á r i o d e P e r n a m b u c o , R e c i fe , 2 1 - 3 - 1 8 5 3 . 8 7 R e t r o s p e c t o S e m a n a l . D i á r i o d e P e r n a m b u c o , R e c i fe , 2 1 / 4 / 1 8 5 6 . 8 8 F o l h e t i m : A C a r t e i r a . D i á r i o d e P e r n a m b u c o , R e c if e , 1 3 / 7 / 1 8 5 7 . 8 9 F o l h e t i m : A C a r t e i r a . D i á r i o d e P e r n a m b u c o , R e c if e , 2 9 / 9 / 1 8 5 6 . 9 0 F o l h e t i m : A C a r t e i r a . D i á r i o d e P e r n a m b u c o , R e c if e , 1 7 / 1 2 / 1 8 5 5 . 9 1 F o l h e t i m : A C a r t e i r a . D i á r i o d e P e r n a m b u c o , R e c if e , 3 1 / 1 2 / 1 8 5 5 . 9 2 O P r o g r e s s o , p . 6 4 8 . F o l h e t i m : A C a r t e i r a . D i á r io d e P e r n a m b u c o , R e c i f e , 2 1 / 7 / 1 8 5 6 . 9 3 J O U F F R O Y , T h . N o u v e a u x M é l a n g e s P h i l o s o p h i q u e s , d e u x i è m e é d i t i o n . P a r i s , L i b r a i r i e d e L . H a c h e t t e , 1 8 6 1 , p . 1 0 4 - 1 0 5 pa s s i m . 9 4 J O U F F R O Y , T h . O p . c i t . , p . 1 0 9 - 1 1 1 p a s s i m . 9 5 I d e m , i b i d e m . 9 6 F o l h e t i m : A C a r t e i r a . D i á r i o d e P e r n a m b u c o , R e c if e , 2 4 / 1 2 / 1 8 5 5 . 9 7 F o l h e t i m : A C a r t e i r a . D i á r i o d e P e r n a m b u c o , R e c if e , 2 6 / 6 / 1 8 5 7 . 9 8 F o l h e t i m : A C a r t e i r a . D i á r i o d e P e r n a m b u c o , R e c if e , 5 / 1 1 / 1 8 5 5 . 9 9 R e t r o s p e c t o S e m a n a l . D i á r i o P e r n a m b u c o , R e c i f e , 3 - 2 - 1 8 5 2 .
1 3 2
ANEXOS TEXTOS DE ANTONIO PEDRO DE FIGUEIREDO
1 3 3
Anexo 1
CURSO DA HISTÓRIA DA FILOSOFIA
por
VICTOR COUSIN,
ver t ido em por tuguês por
ANTÔNIO PEDRO DE FIGUEIREDO
1– Para expor em breve e expressivo bosquejo a imensa ut i l idade e importânc ia do Curso
de Fi losofia do Sr. V. Cousin, o Platão dos nossos dias, e conseguintemente fazer sent ir a
r igorosa necessidade dele ser estudado por todos os brasi le iros, nada menos fora mister,
que uma pena de ouro e um espír i to tal que associasse à precisão mais depurada o poder de
assimi lar -se tudo o que lê; infel izmente careço de disposições tão pro fícuas; e por isso não
se espere de mim o ver relevada a ut i l idade da obra; antes receio que debaixo da minha
pena e la d iminua o seu méri to.
2 – É uma verdade recebida por todos os pensadores, que a civ i l ização é obra da f i losof ia,
a qual sendo ao mesmo passo um dos e lementos dessa mesma c ivi l ização, é o elemento por
excelênc ia que i lumina e desenvolve todos os outros, donde se segue que a c ivi l ização se
não pode dar nos países onde a f i losofia é ignorada e desprezada.
3 – Foi reconhecendo esta verdade e se afanando com so l ic i tude no estudo da f i losof ia que
a Alemanha, a França e a Ingla terra, têm podido al ige irar e remover os embaraços que
di f icul tavam o tão justamente gabado desenvolv imento mora l e mater ia l de que hoje
gozam, desenvo lvimento que lhes tem conquistado a pr imeira hierarquia entre as nações
modernas: isto posto, é desse manancial fecundo, derramado da cadei ra que por tantos
anos i lustrara o Sr . V. Cousin, que nós podemos deparar com um dos remédios capazes de
sanar os males, sobremaneira do lorosos, que sofremos.
4 – O Sr V. Cousin, part indo do Or iente, e a travessando a Grecia até o pr imeiro quarto
deste século, estudou com indefeso desvelo, por todas as par tes, os quatro exagerados
sis temas f i losóf icos, ou os quatro pontos de vis ta sob os quais só é possível considerar o
espír i to humano a saber : o sensual ismo, o ideal ismo, o cet ic ismo e o mist ic ismo; e, ne les
discr iminando a par te boa da má, que cada um envo lve, cr iou, com a pr imeira par te, uma
nova f i losof ia, a que chamamos Ecletec ismo. (s ic)
5 – Entre as inumeráveis e important íss imas questões f i losóf icas que reso lveu, ocupou-se
da transcendente questão, estreiada por Ar is tóteles e desde então cont inuada – por quase
todos os f i lósofos até Descar tes e Kant – Quais são os e lementos in tegrantes de que se
compõe o pensamento – e deu- lhe a mais simples e i r redutível so lução na fórmula seguinte
– causa e substânc ia. Demonstrou com evidência palpável a Tr indade Santíss ima, não
como mistér io, mas como verdade que, podendo ser tra tada por a f i losof ia mais s imples, é
1 3 4
accessível à mais humi lde intel igência. Desenvolveu completamente e i lustrou as provas a
prior i e a posterior i acerca da existênc ia de Deus, dadas por Descar tes. Cr iou uma nova
teor ia a respeito da l iberdade, mais prec isa e luminosa, como é dada ao espír i to humano, a
qual tem a vi r tude de exc luir as objeções a que todas as outras conhecidas
precedentemente estavam sujei tas.
6 – Em moral deu o úl t imo golpe mor ta l no pr incípio de uti l idade, que tão pernic ioso é,
pulver izando inte iramente o sistema do patr iarca deste pr incípio – Locke, cont inuado por
os seus sectár ios inclusive o mais exagerado – J. Bentham.
7 – No tocante à pol í t ica revelou imorta is teor ias; entre outras sis temat izou a ensinada por
o célebre Vico – que as formas di ferentes de govemo não são fatos vo luntár ios, mas
necessár ios e subordinados às le is topográf icas dos países.
8 – O est i lo , em que estas l ições foram pronunciadas, é sem controvérs ia o mesmo que
grangeou ao imor ta l P latão o epí te to de div ino, e sobre o ser c lar íss imo, é sobremodo
enr iquecido de mui vivas e br i lhantes imagens, o que arrasta o le i tor insensivelmente a ler
de uma vez, se possível fosse, toda a sua sér ie.
9 – E is, no mais l imi tado resumo, o que me fo i possíve l re fer ir a respeito das l ições de
Fi losof ia do Sr. V Cousin, que compõem três vo lumes in 4º , de mais de 400 págs. cada um,
de cuja versão ousei encarregar-me, e para a qual se subscreve nas lo jas da rua e pát io do
Colégio ns. 2 e 20, por o preço de 10$000 cada exemplar.
Reci fe , 25 de abr i l de 1843. - Antônio Pedro de Figuelredo.
Diár io de Pernambuco, Reci fe, 27/4 /1843.
Anexo 2
L ITERATURA NACIONAL
Curso da Histór ia da Fi losofia,
pelo Sr. V. Cousin,
ver t ido em por tuguês pelo Sr . A. P. de Figueiredo
1 – No estado de próxima transformação soc ia l em que o globo se acha, nenhum estudo
convém hoje cul t ivar de tão bom ânimo e tão ser iamente, como o estudo da Fi losofia. A
humanidade caminha para uma fase de ascensão glor iosa em que tem de rea l izar a
harmonia para que Deus a dest inou; e esta revo lução pací f ica que e la tem de efetuar não
pode ser fei ta senão pelas idé ias. O Brasi l , que se acha lançado pela mão da Providência
como um grande coração de fogo no meio do oceano, tem, por sua posição geográfica, de
representar um grande papel no meio desta inevi tável t ransformação. Aqui têm de
1 3 5
elaborar -se os p lanos fecundos que devem engrandecer a condição da Amér ica do meio-
dia; e o espír i to ardente dos brasi le iros, quando tiver em torno de si todos os confor tos da
vida que a c iênc ia lhe houver ministrado, produzirá então as maravi lhas da ar te que o
Brasi l é chamado a produzir sob o formoso céu que o cobre, mas sob um regime de atração
para o trabalho, que o patr io t ismo de seus f i lhos abraçará em pouco. O estudo da Fi losofia
é pois necessár io a todas as nações do globo, mas ele é de uma ut i l idade mani festamente
super ior à geração brasi le ira que se levanta, e que tem de inf lu ir grandemente na sorte
futura do país.
2 – O Curso da Histór ia da Fi losofia do Sr. Victor Cousin é o melhor l ivro que hoje possa
inculcar -se para semelhante estudo: são as l ições do i lustre pro fessor nos anos de 1828 e
29, as quais formam um desses l ivros importantes, dest inados a introduzir a mocidade no
santuár io da ciênc ia, e a derramar no engenho de quantos o estudam uma soma de luz pura
e generosa. A maior parte das nações da Europa possuem o Curso do Sr. V. Cousin
trasladado para as suas respect ivas l ínguas; a América do Nor te acaba de imi tá-las; e
somente o Brasi l a inda não via nas suas bib l iotecas este monumento de pro funda reflexão
e trabalho. É esta lacuna que acaba de encher fel izmente o Sr. A. P. de Figueiredo, com a
f idel idade de um intérprete r igoroso, e com a correção de l inguagem que semelhante
versão reclamava. Fel ic i temos por tanto o d igno tradutor pela nobre inspiração a que
obedeceu, e também a mocidade brasi le ira, a quem ele dedicou o seu
trabalho.
3 – Nos curtos l imi tes de um ar t igo não cabe uma larga exposição das doutr inas que se
encerram nas l ições de que nos ocupamos. São elas div id idas em três sér ies, como o
professor as div id iu, e formam por isso três volumes. O pr imeiro é uma introdução ao
Curso, na qual o Sr . Cousin assinalou o lugar que à Fi losofia devia dar-se no quadro dos
conhecimentos humanos, e qual o que devia ter a histór ia da Fi losofia na histór ia geral : —
é uma revelação de todo o seu ensino. No segundo volume faz ele escolha de uma época
part icular da his tór ia da Fi losof ia, para a e la ap licar os pr incíp ios que proclamara no ano
antecedente: esta época é o XVII I século, que vem preced ida de um exame minucioso das
quatro grandes esco las desse século, e de um esboço de toda a Histór ia da Fi losofia , desde
o Oriente. O terce iro volume abre a exposição das escolas f i losóficas do XVII I século,
começando pela sensual is ta, representada por Locke; e quase todo esse volume é
consagrado a uma crí t ica pro funda e r igorosa do Ensaio do entend imento humano. O
pr imeiro volume é um modelo de método, o segundo de erudição, o terce iro de dia lé t ica. O
pr imeiro volume acha-se impresso, e acaba de publ icar -se; o segundo parece que se acha já
no prelo ; e o tercei ro aparecerá logo depois, segundo nos informam.
4 – Basta esta ráp ida enumeração que fazemos do que esses l ivros abrangem, para se
compreender a sua imensa ut i l idade. O nome do Sr. V. Cousin é um elogio europeu e
americano. Ninguém melhor do que e le tem contr ibuído para apressar a época da redenção
das idéias, e const i tuir enf im a ciência, que ainda voga azoinada, como um navio sem
bússola.
1 3 6
5 – O Sr. Cousin descobre-nos o verdadeiro e o fa lso de cada sistema com uma lucidez
admirável, e faz-nos trabalhar com e le de todo o coração no monumento glor ioso que
devemos legar a nossos f i lhos: – a unidade f i losóf ica. De tantos trabalhos do pensamento
que os homens hão lançado ao mundo, apenas se levantam o ito ou dez nomes que
representam a ciênc ia, e três ou quatro gênios que a resumem; mas estes três ou quatro
gênios são umas personagens histór icas, que se erguem orgulhosas no meio da histór ia,
como os cedros soberbos do Líbano, e afrontam as idades e as teor ias por v ir : – Platão e
Ar istó te les!
6 – As l ições 3º , 8º , 9º e 10º do pr imeiro volume, que se acha impresso, e que temos
presente, são de um interesse imediato para todas as escolas secundár ias, a quem as
recomendamos. E is aqui por exemplo como o douto representante do ecle t ismo nos faz
compreender a be leza da histór ia , depo is de a ter concebido como uma mani festação do
plano da Providência:
7 – “Assim a histór ia não é uma anomalia na ordem geral ; pode ser ver i f icada em todos os
seus graus por todos os graus da existência universal , como estes graus podem ser
ver i f icados uns pelos outros. Duvidareis vós dos caracteres essencia is da Divindade? —
Dir igi -vos ao mundo; porque repugna que o efei to não ref l i ta mais ou menos a causa. —
Dir igi -vos à humanidade; porque repugnará que a humanidade, cuja apar ição é fei ta no
se io do mundo, não o re f let isse de a lgum modo. Duvidareis vós da legi t imidade dos vossos
resultados histór icos, hesitareis acerca da marcha e ordem do desenvo lvimento da
histór ia? — Dir igi -vos ao mesmo tempo à humanidade, à natureza e à Divindade. Ver i f ica i
cont inuamente todas essas esferas da ordem geral umas pelas outras: esta ver i f icação dar-
vos-á sempre o mesmo resultado. Aí vere is que a histór ia reproduz os movimentos
sucessivos da existênc ia universa l na concessão (s ic) de suas épocas, e que está cheia de
harmonia de s i mesma, para consigo mesma, nos d iversos momentos do seu movimento
tota l , e de si mesma para com tudo o mais. A his tória, concebida assim nesta harmonia
universal , é pois eminentemente be la: – é uma poesia admirável: – é o drama ou a epopéia
do gênero humano” (Lição 8º) .
8 – Eis aqui ainda por exemplo como a humanidade, as épocas e a natureza inteira se
resumem nos grandes homens, e como e las nascem e morrem a propósito :
9 – Mas o que será a própr ia humanidade? — A humanidade, já nós o temos visto , não é
outra coisa senão a úl t ima expressão da ordem universal . A humanidade resume a natureza
inte ira, e representa-a. Esta natureza mesma, como o temos v is to igualmente, é a
mani festação do seu autor. Deus não pod ia f icar no estado de uma unidade absoluta: esta
unidade absoluta, esta substância eterna, sendo uma força cr iadora, devia cr iar , devia
produzir e mani festar -se nas suas produções, com todos os seus grandes caracteres.
Portanto a natureza representa a Deus; e como a natureza com todas as suas le is se resume
na humanidade, e a humanidade com todas as suas épocas se resume em os grandes
homens, resulta daí, com um r igor que nada deixa a contestar que a ordem das coisas, ou
al iás o movimento perpétuo das co isas, não é em todos os seus momentos e em todos os
seus graus senão a apar ição dos grandes homens. Part i da unidade absoluta e chegai aos
1 3 7
grandes homens, e vós tereis nem mais, nem menos os dois extremos da cadeia dos seres.
Depois dos grandes homens não há mais nada a buscar, porque o grande homem é a mais
al ta indiv idual idade possíve l; e a ind ividual idade é o termo de toda a coisa, como a
unidade abso luta é o seu ponto de part ida.
10 – “Assim tudo conspira no mundo para formar a maravi lha do grande homem. Ei - lo
formado: e i - lo que chega na cena da histór ia ; mas daí o que faz ele? Que papel representa,
e sob que aspecto a f i losof ia da histór ia o deve considerar?
11 – “Senhores, um grande homem, seja em que gênero for , em qualquer época do mundo,
em qualquer povo que apareça, vem para representar uma idéia – uma idéia determinada, e
não outra, enquanto essa idé ia tem força e vale a pena de ser representada; – não antes –
não depois. A conseqüência é que um grande homem aparece quando e le deve justamente
aparecer, e desaparece assim que termina a sua missão – que nasce e morre a propósito .
Quando nada há de grande a obrar, o grande homem é impossível. E o que será com efei to
um homem? — O instrumento de um poder que lhe é estranho; porque todo o poder
ind ividual é miserável ; e nenhum homem se rende a outro homem: – rende-se apenas ao
representante de um poder gera l : quando po is este poder gera l não existe, ou já não existe,
quando fal ta ou se esvaece, que força terá o seu representante? Assim, não sois vós que
podeis fazer nascer o grande homem antes da sua hora, nem o fare is morrer antes do tempo
prefixo: não podeis removê- lo, nem apressá-lo, nem fazê- lo recuar : não podeis cont inuá-
lo, nem subst i tuí - lo; porque, se ele exist ia, é porque t inha uma grande obra a executar ; e
se já não existe, é porque nada mais tem que fazer : – cont inuá-lo é querer cont inuar um
papel f ini to e esgotado “ . (Lição 10ª)
12 – Paremos aqui. Se cedêssemos à tentação que temos de ind icar ao públ ico todo o valor
do l ivro de que hoje damos conta, i r íamos sem dúvida mui longe.
13 – O Sr. V ictor Cousin encontrou no Sr A. P. de Figueiredo um tradutor f ie l , e um amigo
cheio de ded icação. O jovem professor de Pernambuco é uma das mais viçosas esperanças
do país; e nós não duvidamos que dentro em pouco ele real ize o generoso desejo que o
anima de ir à Europa visi tar os seus mestres, e colher, com as v iagens que tenta fazer, um
novo cabedal de var iada ciência .
14 – Queira e le no entanto acei tar esta homenagem que hoje lhe rendemos em nome da
Fi losof ia e da Li teratura Nacional, como um testemunho não suspeito de grat idão públ ica.
A Estrela, Rec i fe, 4/1 1 /1843
Anexo 3
A PEDIDO
NOTÍCIA LITERÁRIA
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Curso da Histór ia da Fi losofia, por V. Cousin,
ver t ido em l íngua vernácula por A. P. de Figuei redo
1– Numa época, qual esta em que nos coube exist i r , baralhada de opin iões que dos
diversos bandos c ivis e de todos os lados se levantam; num século como o atual, em que o
ind i ferent ismo, lavrando pelo corpo socia l , se tem quase tota lmente destruído e arruinado;
entre turb i lhões de part idos que vo lteiam e se abismam, sem uma estrela polar que os
conduza; de necessidade se faz ia que um homem, unindo ao ta lento de orador a
profund idade de f i lósofo abraçando todos os s istemas e todas as esco las, nos abr isse um
plano novo na ciência f i losófica. Era mister que um espír i to for te e penetrante,
arremessando-se a uma vida de contemplação e de estudo, surgisse como um pendão de
vi tór ia sobre os desmantelados restos da velha c iv il ização. A Europa t inha vis to passar de
relance a f i losofia de Bacon, Descar tes e Le ibnitz : determinada a abraçá-la, ela lhe deu
parte de s i mesma nos a lunos que lhe entregou: o empir ismo, a Encicloplédia, a d ialét ica
dos séculos anter iores, roçada desde mui to no pórt ico já ve lho de uma esco la sensual ista,
levantou o estandarte da imobi l idade no meio das nações do norte e do coração daquela
grande par te do mundo.
2 – Bem depressa esta necessidade tão poderosa e de tanto momento obteve uma sat is fação
quase completa; e se os homens de hoje não acabaram o que pretend iam, se não levaram ao
cabo suas intenções l isonjeiras: ao menos estamos nimiamente capaci tados que e les
meteram mãos a esta obra; e o edi fíc io, já tem dado, de gosto grego, re f let ido nos quadros
da ant iga Europa, sent ia re forçarem-se- lhes os a l icerces, e f i rmarem-se suas co lunas num
terreno seguro. (sic)
3 – O ideal da esco la de Platão, reproduzido nos escr i tos do grande Vic tor Cousin, se por
um lado prova a vantagem de serem estudados presentemente os vár ios s is temas
f i losóficos como eles são em si ; por outro nos desenro la um vasto campo para fér teis
indagações – e abr iu-nos o mundo de uma c iência nova, a que e le com tanta propr iedade
denomina Eclet ismo. O homem, que estava dest inado a instru ir a mocidade francesa,
fechando nas suas mãos o dest ino da moderna c iv i l ização, acostumado já de mui to tempo
com as labor iosas fad igas de um espír i to a turado e perspicaz, abandonou por um momento
e com grandíssimo proveito, a já tr i lhada senda que, haviam estradado seus d ignos
predecessores; e depois de ter estudado e v iajado por quase todo o Nor te da Europa, f ixou-
se como a estátua de mármore, e deu-nos a f i losofia moderna. Entrou no Santuár io do
pensamento, e, examinando os e lementos grandiosos de que se compõe, e le nos pôde
oferecer um método isento de di f iculdades e puro de desvantagens. De certo, a
transformação geral do presente século pedia um representante na ciência do pensamento –
e o Sr . Cousin ve io encher esta lacuna tão d igna de ser sat is fe i ta .
4 – Mas, no meio mesmo de tantas revo luções cientí ficas, de tantos acontecimentos
notáveis o Brasi l se achava como preso, e um só passo não dava como que receioso de seus
progressos: – a medida que a tocha acesa nos países Europeus d i fundia seus luze iros por
1 3 9
todo o vasto c írculo da l i teratura; ao passo que a civ i l ização pulava com a velocidade de
um r io caudal por c ima dos quebrados monumentos da passada idade; a nossa pátr ia sofr ia
o peso vergonhoso de um jugo já de todo desprezado nas c iências. Necessár io e até
ind ispensável era que um homem amante da sua pátr ia, nos viesse ofer tar o que a Europa
tem de mais lhe grangeasse a est ima de todos os bons brasi le iros. Daqui a necessidade da
tradução do Curso da Histór ia da Fi losofia do Sr. V Cousin. Na verdade, nada poder ia o
Sr. Antônio Pedro de Figueiredo fazer presentemente que mais lhe grangeasse a est ima de
todos os bons brasi le iros como a versão que acaba de oferecer da pr imorosa obra do Platão
Europeu, e que forma uma das glór ias do XIX século. O Brasi l , esta par te mais abençoada
da América do meio-d ia, ressenta-se, sem dúvida, de uma doença a mais enfadonha e,
ta lvez a mais per igosa; e de repente sumiu-se esta lepra e eis sat is fe i ta nossa expectat iva.
A excelente obra do grande f i lósofo francês de nossos dias achou no Sr. Figueiredo um
tradutor f ie l e exato, que, unindo à l inguagem de Camões as precios idades daquela l íngua
tão culta, em que estão concebidos seus pensamentos notando os id iot ismos, e evi tando os
pernic iosos gal ic ismos que desgraçadamente tanto vogam nas versões portuguesas, soube
dar ao públ ico brasi le iro uma prova de que mui to se interessa pela prosper idade moral de
seus concidadãos.
5 — A grande revolução que este século tem fei to nas idé ias, e que vai tão rap idamente
correndo por todo o mundo l i terár io, sem dúvida tem uma expansão demasiado poderosa; e
sem sermos taxados de encarecidos, e de amigo de l isonjear, podemos aventurar que a
civi l ização moderna data da f i losof ia atual. Assim a verdade das doutr inas do i lustre
Professor de França, não só é evidente por o lado de ser invest igada com a mais apurada
cr í t ica e aprofundado exame, como porque nos não deixa na ir resolução e no desvio . Com
efei to, o que faz o Sr. Cousin? — Encarregado de combater as tão perversas teor ias do
século passado, impondo-se a si mesmo a tarefa
assaz trabalhosa de um fi lósofo pro fundo, o Sr. Cousin mui to há cooperado para que o
círculo dos conhecimentos c ientí f icos se vá cada vez mais a largando.
6 – Para vermos qual a ut i l idade da f i losof ia moderna, nada mais é necessár io do que
abr irmos a grande obra, que o Sr. F igueiredo acaba de traduzir . Com que br i lhantes provas
defende o Sr. Cousin os dire i tos da razão! E com que prudência e verdadeira cr í t ica ele
reprova os erros onde os encontra!
7 – Vejamos como defende ele a glór ia. “Nunca se dá atenção a que tudo quanto é humano,
é a humanidade que o faz, ou ao menos que o promete; que mald izer o poder (e entendo
um poder longo e durador) é b lasfemar da humanidade, e que acusar a g lór ia é nada menos
que acusar a humanidade que a decreta. E o que é a glór ia? — O juízo da humanidade
sobre um dos seus Srs. membros; ora, a humanidade tem sempre razão: com efe i to, c i ta-me
uma glór ia imerec ida; demais a pr ior i é isso impossível, porque não se a lcança a glór ia
senão com a cond ição de haver mui to trabalhado, de ter deixado grandes resul tados.. . os
grandes resultados, Srs. , grandes resultados.. . tudo o mais é nada. Dist ingui bem a glór ia
da reputação Reputação tem-na quem a quer. Quere is vós reputação? — Pedi a este ou
aquele de vossos amigos que vo-la faça; associai -vos a ta l ou a tal par t ido; da i -vos a um
clube; servi -o , e e le vos louvará. Enfim há cem mi l maneiras de adquir i r reputação; é uma
1 4 0
empresa como outra qualquer ; nem ela supõe mesmo grande ambição. O que dist ingue a
reputação da glór ia, é que a reputação é o juízo de a lguns, e a glór ia é o juízo do maior
número, da maior ia na espécie humana. Ora, para agradar ao pequeno número bastam
pequenas co isas: para agradar às massas é mister coisas grandes. Na opinião das massas,
os fatos são tudo, o resto é nada. As intenções, a boa vontade, a moral idade, os mais be los
projetos, que não ter íamos por certo deixado de bem conduzir , não ter iam s ido isto nem
aqui lo ; tudo o que se não conver te em fatos é t ido como nada pela humanidade; e la quer
grandes resultados, porque são unicamente os grandes resultados que até ela vão ter : ora
em matér ia de grandes resultados, não há trapaça possíve l. As ment iras dos part idos e dos
clubes, as i lusões da amizade não têm poder a lgum neste caso; – não há mesmo lugar para
discussão. Os grandes resultados não se contestam; a glór ia , que é a sua expressão, não se
contesta tão pouco. Fi lha de fatos grandes e evidentes, ela mesma é um fato mani festo, tão
claro como o dia . A glór ia é o juízo da humanidade; e é um juízo em úl t ima instância;
pode-se apelar dos conventículos e dos par t idos para a humanidade; mas da humanidade
para quem apelar neste mundo? Ela é infa l íve l . Nem uma só glór ia tem sido infundada, e
nem o pode ser . Demais, em vista de que fa tos a humanidade aprec iará e decretará a
glór ia? — Em vista dos fa tos úte is, isto é, úteis a si : a sua medida é a sua própr ia
ut i l idade; e e la não pode ter outra a menos que se abd ique a s i mesma, e deixe de tomar à
natureza os pr incíp ios de seus juízos. A glór ia é o gr i to da simpat ia e do reconhecimento;
é a d iv ida da humanidade para com o gênio; é o prêmio dos serv iços que e la reconhece
haver receb ido, e lhe paga com o que tem mais precioso, – a sua est ima. Convém pois
amar a glór ia , porque é isto amar as grandes coisas, os longos trabalhos, os serv iços
efet ivos fei tos à pátr ia e à humanidade em todo o gênero; e convém menosprezar a
reputação, os sucessos de um dia, e os pequenos meios que aí conduzem; é mister
pensarmos em mui to obrar, mui to trabalhar, em trabalhar mui to bem, e em sermos, Srs. , e
não parecermos; porque (regra infa l íve l) tudo o que parece sem ser depressa desaparece;
mas tudo o que é, por a vir tude de natureza própr ia, aparece cedo ou tarde. A glór ia é
quase sempre contemporânea; mas não há nunca grande intervalo entre o túmulo de um
grande homem e a glór ia” (Lição 10ª, p . 154). — Que poesia! E que teor ias tão doces
nestes grandes pensamentos do Platão Europeu! A idade de ouro da f i losofia moderna, que
va i passando rapidamente como o fogo de uma bater ia contra as ve lhas muralhas de um
empir ismo grosseiro, f ixará também um lugar assaz dist into, para o qual cumpre que a
geração presente e a que v ier depois suba, e onde há de completar -se o plano fecundo de
Deus. Na sucessão cont ínua dos séculos, na tão vár ia mul t ip l ic idade de doutr inas e de
esco las, reagindo umas contra as outras, exercendo um puro espír i to de controvérs ia, não
se pode encontrar uma idéia tão cheia de grandes frutos como a que acaba de expender o
Sr. Cousin, e a qual o Sr . F igueiredo com tanto esmero nos deu.
8 – O caráter do homem se desenvo lve inte iramente nesse turbi lhão de opiniões que se
contrastam e se baralham: – desenvolve-se intei ramente, porque aparece em cena a mesma
humanidade em pessoa. Esse espír i to que herdamos da f i losof ia passada, longe de nos
ministrar cabedais com que abastássemos o entendimento ve io f ixar a época da
ir rac ional idade, a época do erro e da ignorância. Sem força, sem estímulos, entregue aos
devaneios de uma fantasia corrupta, o espír i to humano só pode colher do XVII I século
idéias indeterminadas sobre a natureza e a razão: – atualmente uma f i losofia mais
1 4 1
i lustrada, uma doutr ina mais vantajosa e popular nos vai mostrando quanto se ostentou
cavi loso o abuso da razão naquela época, em que os Rousseau, os Vol taire, os Helvécios
só t inham por bússola as mais fúte is idéias. O sistema da natureza estava, para assim
dizer, no seu berço, rodeado de aventurei ros: – e o que se or ig inou desse erro tão
ind iscreto? O abuso da razão: – e o que fez Victor Cousin e os f i lósofos modernos? Mais
hábeis, ta lvez, que os Condi l lac, mais profundos que os Locke, eles se apresentam na
arena do combate, postergaram os ru inosos pr incípios que já iam grassando como moda; e,
extra indo das melhores obras o que julgaram melhor, fundaram o Eclet ismo sobre as ruínas
do ot imismo emperrado, e do obst inado Mater ial ismo.
9 – A c iência do pensamento humano estava durante o século passado, sepultado na mais
escura masmorra: gênios vert iginosos que se entusiasmam, e correm de repente para a
l ição sem armas que lhes aprovei tem; espír i tos estonteados pelo ca lor de uma lógica
turbulenta surgiram na Europa, e fecharam em suas mãos o dest ino da civ i l ização no
século passado. Achava-se então a Europa numa si tuação demasiado mel indrosa,
acometida por bárbaros usurpadores, insultada pelo furor de diversos potentados
estrangeiros: era mister um e lemento mais for te para rest i tu ir - lhe o seu verdadeiro posto
de que se v ia desalojada; e eis que o espír i to moderno, já enfadado do pensar ant igo,
erguido apenas sobre os restos de uma escola já morta se levantou glor ioso por ter obt ido
um caminho novo.
10 – A f i losofia que até o XVII I século se l imi tava a opin iões d ispersas e incompat íveis,
por ventura, e que somente aguardava um dest ino acidenta l , hoje é claramente observada
pelos maiores homens que f iguram na cena l i terár ia. Conci l iando os sis temas precedentes,
e anal isando seus métodos, ve io a conseguir um termo fe l iz, porque de outra maneira, sem
recurso algum, o espír i to perecer ia no meio de sua car reira, ou permanecer ia imóvel e
estac ionár io.
11 – Graças sejam dadas ao senhor Vic tor Cousih, que herdando do século passado a
dialét ica manhosa, a d ialé t ica esco lást ica, soube indagar a verdade. E graças, também,
sejam dadas ao Senhor A. P de Figueiredo, que, nos o ferecendo a boa versão do curso de
histór ia da f i losof ia de V. Cousin, nos vem supr ir a maior necessidade e merecer por isso
os nossos votos de ingênua grat idão. Nós lhos damos, como eles saem do fundo de nossa
alma, e como um feudo da amizade que lhe consagramos; e esperamos que o Senhor
Figueiredo siga sem receio a senda que se propôs tri lhar, e cada vez mais se f i rme na
consideração que como amigo hoje lhe tr ibutamos.
A. R. de T. B.
Diário Novo, Reci fe , 28/11/1843
Anexo 4
Sr. Dr. Pedro Autran da Matta e Albuquerque!
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1 – O i lust re autor do – Ensaio sobre o entendimento humano —, cé lebre Locke, d isse
outrora, e com razão, que todas as d iscussões f i losóficas não passavam de logomaquia, e
que se para tais matér ias houvesse uma l íngua exata, como existe a álgebra para as
matemát icas, já não haver ia d iscussões para os teoremas f i losóficos, assim como não pode
haver sobre o valor dos três ângulos de um tr iângulo, nem sobre a so l idez de uma esfera.
2 – O mesmo acontece nas c iênc ias chamadas socia is e pol í t icas; nelas também a fal ta de
l íngua exata, de expressões cabalmente def inidas, é a causa de todas as divergências. A
verdade é uma só; e se os contentores t iverem boa fé e lógica, o termo de qualquer
d iscussão revela que os adversár ios eram em essência da mesma op inião, mas davam às
mesmas palavras, uma signi f icação di ferente.
3 – Por comunhão das mulheres e dos bens entendo eu, e comigo, se não me engano, a
maior ia dos le i to res, um estado soc ia l em que ninguém poderia possuir um objeto , sem
que outro qua lquer t ivesse o di re i to de lho tomar; e as mulheres ser iam reputadas
objeto de que cada qual poder ia se serv i r todas as vezes que quisesse (o gr i fado está
em i tá l ico no texto).
4 – Sr. , esta monstruosa utop ia, que justamente horror iza o públ ico, e , segundo me parece,
somente se pode encontrar no Repúbl ica de Pla tão, fo i atr ibuída aos socia l istas modernos
pelos abso lut is tas e outros, a despeito dos protestos veementes desses apóstolos do
progresso; e como na vossa defesa, eu achasse reproduzida essa ca lúnia, ju lguei do meu
dever não só protestar, como a inda hoj e protesto contra tão imerecida imputação, senão
desaf iar -vos a que me apresente is um texto social ista que apregoasse
semelhante monstruosidade.
5 – Bem sab ia eu que não era possível achar esse texto nas obras dos escr i tores atualmente
conhecidos sob a denominação genér ica de soc ial is tas e por isso ju lgava que me ci tásseis
o d iv ino Platão, com quem os soc ia l istas não têm nem querem ter so l idar iedade a lguma.
Mas nunca ju lguei que ampl iásseis o sent ido do vocábulo comunhão, a ponto de chamardes
comunhão dos bens a propriedade co let iva de cer tos objetos, e comunhão das mulheres
esse estado em que a mulher tem t rato carna l com vários; que com semelhante def inição,
em vez de provardes a odiosa imputação fei ta aos socia l is tas, somente dáveis lugar a que
se dissesse que a comunhão dos bens e das mulheres como def inis tes, exis te em mui tos
casos na sociedade atual .
6 – Entretanto, fo i esse o vosso procedimento, pois da anál ise da vossa resposta resulta o
seguinte:
1º – Muitas descomposturas aos soc ia l istas, assinadas por Proudhon, as quais somente
provam que Proudhon também reproduziu as calúnias ir rogadas aos social is tas pe los
abso lut is tas e jesuítas; a inda que em outras obras, o mesmo Proudhon se tenha apresentado
como campeão da democracia social is ta.
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2º – Um trecho de Four ier , o qual mostra que dadas cer tas cond ições, o d i to Four ier
admit ia para o futuro que se poder ia conceder às mulheres a independência de que hoje
goza o nosso sexo.
3º – Um trecho de Gabet , do qual deduzistes a comunhão das mulheres a pretexto de lógica
e a despeito dos protestos do mesmo Gabet ; confund indo destar te as modi f icações que
certos social is tas admitem no futuro para o casamento ind isso lúvel e outras inst i tu ições
que hoje servem de base à famí l ia , com a comunhão das mulheres ou promiscuidade
animal, que ninguém quer.
7 – Portanto, Senhor , parece-me que a vossa argumentação nada tem de i r res ist ível , porque
nada provaste em abono da vossa ir re f let ida asserção. Assim, podia eu parar aqui,
aguardando ci tações mais conc ludentes. Entretanto como tenho certeza de que não
podereis achá- las, aproveito a ocasião para dar uma defin ição genuína desse mesmo
soc ial ismo que p intastes aos le i tores da União, como ci frando-se na comunhão dos bens e
das mulheres.
8 – O soc ial ismo não é uma doutr ina, a inda não passa de uma aspiração; mas esta
asp iração tende a re formar o estado soc ia l atual em pro l do melhoramento mora l e mater ial
de todos os membros da soc iedade.
9 – Para este f im cada esco la social is ta o ferece meios di ferentes, mas não há uma sequer,
cujas intenções deixem de ser puras e generosas, cujo ideal não seja a real ização na terra
dos pr incíp ios de l iberdade e fraternidade.
A. P. de Figueiredo
7 de agosto de 1852
Diár io de Pernamhuco, Reci fe , 12-8-1852
Anexo 5
Senhores Redatores
1 – Pelo Diár io de Pernamhuco me havia eu compromet ido a defender o socia l ismo da
acusação, que o Sr Dr. Pedro Autran da Matta e Albuquerque lhe f izera, de ci frar -se e le na
comunhão dos bens e das mulheres. Para este f im publ iquei no mesmo Diár io uma
correspondência, e no dia 24 do corrente entreguei outra sobre o mesmo assunto .
Entretanto , como o propr ietár io da di ta gazeta, além de ter exigido que eu f izesse na
pr imeira correspondência certas modi f icações, a que me sujei te i , exige agora, para
pub l icar a segunda, mudanças tais, que t i rarão toda a força à minha argumentação, rogo a
Vv. Ss. o obséquio de admit i r nas co lunas da sua gazeta a di ta correspondência, a qual
também será a úl t ima, que a tal respei to pub l icarei.
1 4 4
2 – Quando escrevi a correspondência inc lusa, tencionava seguir o Sr Autran em qualquer
terreno a que levasse e le a d iscussão, supondo então que t inha a discut ir com um f i lósofo
e um economista; mas como meu adversár io t rouxe por arresto no seu úl t imo ar t igo o
concí l io provinc ia l de Par is e o venerável Pio IX, não querendo eu ter a sor te de Gal i leu,
del ibere i não prossegui r em tal questão. O públ ico ju lgará se tenho ou não razão em
recolher-me ao si lênc io.
Sou de Vv. SS. Atento, venerador, obr igado
A. P. de Figueiredo.
30 de agosto de 1852.
Sr. Dr. Pedro A. da M. e Albuquerque!
3 – Antes de responder à vossa correspondência, inserta na União número 469, em que
abandonastes a questão pr incipal, e acometestes de novo o Socia l ismo e a defin ição que
dele de i no número 179 do Diár io de Pernambuco, não será fora de propósi to determinar
precisamente o estado atua l da nossa discussão.
4 – Afi rmastes em o número 464 da União, que o Socia l ismo ci frava-se na comunhão dos
bens e das mulheres; desaf ie i -vos a que me apresentasses um trecho sequer de um escr i tor
soc ial ista , que apregoasse tão monstruosa doutr ina. Não vos fo i possíve l achar esse trecho,
e para responder ao meu desaf io inventastes uma defin ição de comunhão dos bens e das
mulheres, que em nada se assemelha ao sent ido, que o púb l ico tem assinado a estes
vocábulos. Ci tastes um trecho de Four ier sobre o amor l ivre ; e f i rmado nesse trecho e na
autor idade mui contestável de Proudhon, pretendestes provar com deduções vossas o que
haveis i r re f let idamente aventurado.
5 – Respondi-vos, no Diár io de 12 do corrente, co locando a questão no seu verdadeiro
aspecto ; mostrei , que a vossa def in ição não passava de um subter fúgio, e que o que t inhas
a provar, era que os soc ial istas querem, não já a propr iedade colet iva de certos objetos e
esse estado em que a mulher tem tra to carnal com vár ios, o que mais ou menos existe na
atua l idade, mas sim a comunhão dos bens e das mulheres, ta l como é entend ida pelo
púb l ico, e por mim fo i def inida na ci tada correspondência.
6 – Achastes a tarefa mui pesada; e como não pudestes sustentar a vossa pr imi t iva
asseveração, e nem vos quisestes confessar venc ido, me chamastes para novo terreno em o
número 469 da União.
7 – Neste campo, assim como em qualquer outro, ace itarei a luta; mas quis pr imeiro
assinalar a vossa ret i rada; e isto posto , t ratarei de responder aos d iversos tóp icos da vossa
segunda correspondência.
8 – Se me não engano, c i fra-se ela nos pontos seguintes:
1 4 5
1º – Contestastes a minha defin ição de Socia l ismo, acusando-a de contraditór ia.
2º – Alcunhastes a mesma defin ição de cavi losa, sob pretexto de que, em vez do
Social ismo trazer o melhoramento moral e mater ial da Sociedade, tornar ia p ior a cond ição
moral e mater ial da nossa espécie.
3º – Perguntastes a que escola soc ial ista eu pertencia. Procurarei responder-vos sem
tergiversar.
9 – Disse eu, que o Social ismo não era uma doutr ina, mas uma aspiração tendente a
re formar o estado atua l socia l em pro l do melhoramento mora l e materia l de todos os
membros da soc iedade.
10 – Pretendeis que esta defin ição seja contradi tória, e, para prová- lo, procurastes
confund ir o espír i to do le i tor , dando al ternat ivamente ao vocábulo doutr ina, 1º o seu
verdadeiro sent ido, – um complexo de dogmas, regras ou precei tos s istematizados, bem
como quando se diz, – a doutr ina re l ig iosa do cr is tianismo, a doutr ina rel igiosa dos
Maometanos, a doutr ina rel ig iosa dos Budistas, & C., ou a doutr ina f i losófica de Locke, a
doutr ina f i losóf ica de Kant , a doutr ina f i losóf ica de Descar tes; 2º outro sent ido mais
geral , o qual se não pode atr ibuir a este vocábulo, e se ap l icar ia aos movimentos,
tendências ou aspirações, que se chamam Rel igião e Fi losof ia, e a que são devidas as
diversas doutr inas rel igiosas e f i losóf icas.
11– Ora, da mesma sorte que a Rel igião não é uma doutr ina, a inda que haja mui tas
doutr inas re l ig iosas, nem tão pouco a Fi losof ia, apesar de haver mui tas doutr inas
f i losóficas da mesma sorte o Social ismo não é uma doutr ina, a inda que haja mui tas
doutr inas soc ia l is tas. Temos a doutr ina social is ta de S. Simon, a de Mornely, a de
Baboeuf, a de Four ier , a de Vida l, a de Buchez, a de Luiz Napoleão, a de Pièrre Leroux, a
de Cabet, e tc. , etc. , etc. ; mas não há doutr ina socia l ista! !
12 – Entretanto tão pouco escapou-vos a fraqueza de semelhante argumentação, baseada
nessa confusão vo luntár ia, que ao mesmo tempo procurastes mostrar que os diversos
sis temas socia l is tas t inham certos pontos comuns que const i tuíam uma doutr ina social is ta,
e a f i rmastes que estes pontos eram os seguintes: 1º a reab i l i tação da carne; 2º a sat is fação
plena dos nossos desejos, paixões, e fel ic idade completa nesta v ida; 3º a negação do
cr ist ianismo, da sua moral e das suas promessas; 4º a negação da propr iedade indiv idual e
da famí l ia.
13 – Nego redondamente que haja uma só destas afi rmações que seja comum a todos os
soc ial istas; e a té digo: 1º , que de cem soc ia l istas, há noventa e nove, que nunca se
ocuparam com a ta l reabi l i tação da carne, a qual, segundo me parece, pertencia à fa lec ida
esco la sansimoniana, nem tão pouco com a doutr ina fanlaster iana acerca da legi t imidade
das paixões humanas; 2º , que nenhum soc ial is ta crê, que se possa obter fe l ic idade
completa neste mundo; 3º que a imensa maior ia dos soc ia l istas, longe de negar o
cr ist ianismo, sua moral e promessas, como afi rmastes, pelo contrár io pretendem ser os
verdadeiros cr is tãos, os que procuram o re inado de Deus e da sua Just iça.
1 4 6
14 – Pudera a este respei to mul t ip l icar as ci tações de Buchez, Pierre Leroux,
Vi l legardel le , Simon Granger, H. Doher ty, & C. ; mas como tendes maior conhecimento
dos fanlaster ianos, e os acusastes part icularmente de ep icur ismo, l imi tar -me-ei aos
seguintes trechos, ext raídos da úl t ima obra pub l icada por V. considerando, atua l chefe dos
faniaster ianos.
15 – No Socia l ismo perante o ve lho mundo diz ele : “ quando uma rel igião se formulou
sobre este dogma fundamenta l : – Amai-vos reciprocamente, e amai a Deus sobre todas as
coisas –, pode se afiançar que está dada a defin i t iva fórmula re l ig iosa da humanidade, (p.
70)” . Em outro lugar da mesma obra (p. 24) assim se expr ime: “ao pr incípio o social ismo
moderno julgava não proceder senão de s i própr io ou quando mui to da revo lução francesa;
mas ao estudar-se a si p rópr io e a histór ia da f i losof ia e do cr is t ianismo, encontrou a sua
or igem na f i losof ia e no cr ist ianismo” Mais adiante: (p. 205 e 212) ainda se lê o seguinte:
“coloquemo-nos s inceramente sob a invocação do Evangelho; reiv indiquemo-lo em nosso
favor, mostremo-nos verdadeiros apósto los da fraternidade. O Social ismo se ergue no meio
dos povos, e reiv indica para si o Evangelho e as puras
tradições da rel igião dos fracos e dos opr imidos” .
16 – Voltando ao nosso assunto, prosseguire i nas minhas af i rmações e direi : 4º , que não
há soc ial ista que pretenda abol i r a famí l ia ; 5º que a imensa maior ia dos socia l is tas não
negam a ut i l idade da propr iedade ind ividual, e nenhum quer supr imi- la completamente.
17 – Pode ser que, se alguém procurasse cuidadosamente deparasse nos diversos s is temas
com algum dogma comum aos d iversos sis temas socia l is tas; mas releva confessar que não
fostes fe l iz na vossa pesquisa, pois nem sequer achastes um.
18 – Respondida destar te a pr imeira parte da vossa cor respondência, passarei à segunda.
I I
19 – Arguistes a minha def in ição de cavi losa. Ora, vê-se do que procede que essa
def inição, não só é verdadeira como também a única que se possa dar do soc ia l ismo. Com
efei to, o ideal de todos os socia l is tas é a real ização na terra dos grandes pr incíp ios de
l iberdade, igualdade e fra ternidade, revelados ao mundo há dezoito séculos pelo
cr ist ianismo, desse re inado de Deus e da sua Just iça , onde todos os bens são dados ao
homem, como d iz o Apósto lo. Há divergência entre e les acerca dos me ios de real ização;
mas todos são concordes na procura deste ideal. E quando algum homem reclama reformas
para real izar tão nobres desejos, não há cavi lação em dizer se que e le quer o
melhoramento mora l e mater ia l da humanidade.
20 – Entretanto, a inda desta vez confund istes as intenções com os resul tados,
procedimento este mui cavi loso, pois quisestes provar que os soc ial is tas não aspiram a
melhorar a humanidade moral e mater ialmente, porque o s istema que pretendem ap l icar
não ter ia essa vir tude, e antes dar ia um resul tado contrár io.
1 4 7
21– Ainda quando houvesse doutr ina soc ial ista na verdadeira acepção da palavra, isto é, se
todos os socia l is tas se achassem de acordo sobre cer tas re formas, e destas re formas não
pudesse demandar o bem que desejam, nem por isso a minha defin ição deixar ia de ser boa;
mas acresce que, como mostrei ac ima, não existe ta l doutr ina.
22 – Há mui tas se i tas socia l istas, mas a inda há muito maior número de soc ial istas que não
pertencem a se ita alguma; e só têm de comum a asp iração cr is tã que assinalei , como
caráter d ist int ivo do socia l ismo. Assim fostes obr igado a fantasiar uma doutr ina que
alcunhaste de soc ia l ista, e então dissestes que o soc ial ismo apregoa a sat isfação p lena das
nossas pa ixões; conduz natura lmente à negação de Deus e à negação formal do
cr is t ian ismo.
23 – Ora, infe l izmente para vós, se a lgum social is ta d iz com Four ier que as paixões do
homem são legít imas, e atr ibui os cr imes à má organização da soc iedade, nenhum conheço,
à exceção de Proudhon, que tenha negado a Deus; e ainda assim, se nessa obra das
contrações econômicas, donde t i rastes os argumentos contra o soc ial ismo, o mesmo
Proudhon negou a Deus em uma par te da obra, af i rmou-o em outra; da mesma sorte que
glor i f icara e fu lminara sucessivamente a propr iedade, a comunhão, a concorrênc ia, & C.,
por ser f ie l à teor ia das ant inomias ou oposição, que não quisestes compreender.
24 – Quanto à negação expressa do cr is t ianismo que atr ibuistes ao soc ial ismo, é tão mal
fundada essa vossa afi rmação que a imensa maior ia dos soc ia l istas venera a Cr isto e a sua
doutr ina, e se arroga a honra de ser os legít imos sucessores dos seus Apósto los.
25 – Vedes por tanto, senhor, que até aqui só houve cavi lação da vossa parte não da minha.
Lestes as descomposturas de Proudhon aos soc ial is tas, e pensastes que is to era sufic iente
para esmagá-los; mas enganastes-vos, porquanto , apesar deste poderoso a l iado, até o
presente não tendes t i rado vantagem alguma da discussão; fostes obr igado a fugir da
questão, a tergiversar, a ampl iar o sent ido dos vocábulos, e confund ir os seus diversos
sent idos; e o que a inda é pior a a tr ibuir aos soc ial istas pr incípios que e les nunca t iveram,
ou que não passam de excrescências de a lguma doutr ina socia l is ta especial .
26 – Vejamos agora se fostes mais fel iz na parte econômica da questão. Por este lado
apesar dos vossos esforços, não achastes uma doutr ina econômica que pudestes atr ibuir a
todos os Social is tas, e por isso vos l imi tastes a atacar sucessivamente algumas teor ias
soc ial istas, procurando provar que a apl icação delas havia de d iminuir a r iqueza gera l em
vez de aumentá-la. Assim atacastes um Sistema anônimo que proclama a absorção
completa do indivíduo no estado; fa lastes de passagem em Luiz Blanc e Proudhon, e
fu lminastes o trabalho atraente de Four ier .
27 – Ora, ainda quando houvésseis re futado a opinião destes autores e mostrado que da
real ização das suas teor ias resul tar ia d iminuição da r iqueza gera l , nada tere is provado
acerca do Social ismo em geral , mas s im acerca de quatro s is temas socia l istas. Entretanto
nem ao menos a lcançastes este resul tado, porque no tocante à doutr ina que segundo
1 4 8
dissestes, exige a soc ia l ização dos instrumentos de trabalho, era prec iso que provastes que
a diminuição de produção, devida à supressão do estímulo da misér ia e da apropr iação
part icular não ser ia compensada pelo aumento devido à emulação que se há de desenvo lver
em toda a organização regular, e pelas imensas economias de força, tempo e despesas, que
resultam da associação. Não examinastes na vossa correspondência as teor ias econômicas
de Proudhon e Luiz B lanc e quanto à vossa cr í t ica da teor ia four ier is ta, consiste ela em
objeções que há mui to foram respondidas no tra tado da Associação doméstica agr íco la, no
Dest ino Social, etc. , e tc . , e não reproduzire i aqui estas respostas por me fa l tar o espaço.
28 – Parece-me por tanto que vos não saistes melhor da parte econômica do que da par te
lógica da vossa resposta. Entretanto não posso deixar de dizer que se eu me compromet i a
defender o social ismo tal qual o defin i , não me corre a obr igação de sustentar todas as
idéias prát icas, apresentadas pelos social istas, o que por outro lado não fora possível,
vis to a d ivergência que existe entre eles a este respeito . Defendi -as contra a vossa cr í t ica,
porque a vossa argumentação não me pareceu procedente, mas não porque eu as tenha em
conta de verdadeiras.
29 – Procurarei agora sat is fazer à vossa terce ira exigência. A fórmula gera l da esco la
soc ial ista a que pertenço, é a real ização progressiva do pr incípio cr istão de l iberdade,
igualdade e fra ternidade, e fetuada sem vio lênc ia, e por meio de medidas apropr iadas às
necessidades dos diversos países. Talvez que na Europa eu quisesse o desenvolv imento
integral do pr incípio da assoc iação, na agr icul tura, na indústr ia; em uma palavra: em todas
as esferas da at iv idade humana. Entre nós julgo prematura essa subst i tu ição do poder
soc ial ao ind ivíduo, e tenho para mim que o estímulo da propr iedade indiv idual – é o
melhor incent ivo para acelerar a marcha da c ivi l ização, ao menos na esfera pr inc ipa l, a da
produção; e por isso a mais urgente das nossas necessidades soc ia is me parece ser o
faci l i tar a todos o acesso à propr iedade terr i to r ial .
30 – Sat is fe i tas destar te as vossas exigências, rematarei esta resposta com algumas
ref lexões acerca de a lguns pontos da vossa cr í t ica.
31 – Não acho apl icável à nossa c ivi l ização atua l, nem mesmo ainda à européia essas
fórmulas de abol ição de capi ta l , v ida em comum, gratu idade do créd ito e igua ldade dos
salár ios, que ci tastes com menosprezo; mas no meu entender, consideradas de uma
maneira absoluta, e sem apl icação prát ica na época em que vivemos, são marcadas com o
cunho da just iça eterna, e longe de serem, como dissestes, o soc ia l ismo abjeto e bruta l,
acham o mais poderoso apoio nos l ivros que servem de base à nossa santa re l ig ião, e para
prová- lo, o fereço-vos as ci tações seguintes:
Vida em comum
32 – “E todos aqueles que cr iam estavam unidos, e t inham todas as coisas em comum;
vend iam suas fazendas e bens e os distr ibuíam por todos segundo as necessidades que
cada um t inha.
1 4 9
“E estavam todos os dias assíduos no templo de comum acordo; e, part indo o pão pelas
casas, tomavam seus a l imentos com prazer e s impl ic idade de coração” (Atos dos Apósto los
I I , 44, 45 e 46).
33 – E em outro lugar :
“E da mul t idão dos que cr iam o coração era um e a alma uma; e nenhum dizia ser sua,
coisa alguma daquelas que possuía. Mas tudo entre eles era comum” (Atos dos Apóstolos
IV 32, 34, 35, 36, 37).
“ A v ida comum é obr igatór ia para todos os homens, e pr imeiramente para todos aqueles
que pretendem servir a Deus de uma maneira i r repreensíve l e imi tar o exemplo dos
Apóstolos e dos seus discípulos” (S. Clemente, At. conci l . ) .
Abo l ição do capita l
34 – “O uso de todas as coisas que estão neste mundo deve ser comum a todos os homens.
A in iquidade fo i que permi t iu que um d issesse: isto é meu; e outro: is to me pertence.
Deste fa to proveio a discórd ia entre os morta is” (S. Clemente I .P. act. conc i l . ) .
35 – “ A natureza minist rou em comum todos os bens a todos os homens. Com efe i to , Deus
cr iou todas as coisas a f im que o gozo delas fosse comum a todos, e a terra se tornasse a
posse comum de todos. Assim a natureza gerou o direi to de comunidade, e fo i a usurpação
que produziu o direi to de propr iedade” . (S. Ambrósio , Sem. 64, in luc. cap. 16)
36 – “Saibam que a terra de que eles foram t i rados é comum a todos os homens, e que por
isso os f ru tos que e la produz pertencem a todos indist intamente” . (S. Gregór io, curs. , Pas.
Voy, adm. 22.)
Gratu idade do crédito
37 – “É soberanamente injusto exig ir -se mais do que aqui lo que se deu: prat icar desta
maneira, é depredar o próximo, é especular per f idamente sobre as suas necessidades” (S.
Lactânc io 1, S, Inst . Div. , c. 17 (s ic))
38 – “A v ida do emprestador é uma vida preguiçosa e insaciável; e le não conhece os
trabalhos do campo, quer que tudo nasça para si sem semente e sem cul tura; a sua charrua
é a sua pena; o seu campo é o bi lhete que lhe dará o capi ta l e o lucro. A SUA SEMENTE
A SUA TINTA. Enf im a pena (estragado no texto) fecundar o seu trabalho é o tempo
necessár io para que o seu dinheiro aumente e lhe produza frutos mister iosos.. . ; o
emprestador não tem nada e possui tudo, vivendo v ida inte iramente contrár ia às
prescr ições dos Apóstolos. . . Homem ávido, rest i tu i a teu i rmão aqui lo que lhe roubaste
injustamente!” (S. Gregór io de Nicéia, Orat . contr . usurar.) .
39 – “O que há mais revo ltante do que pretender semear sem campo, sem chuva, sem
charrua! Mas também aqueles que se entregarem a esse gênero de agr icul tura pest í fero só
colherão jo io, que deve ser entregue ao fogo eterno” (S. Cr isóstomo. Homi l . 57 in Mat.) .
1 5 0
40 – Quem denominasse roubo e parr icíd io a iníqua invenção do emprést imo a juro não
estar ia mui to longe da verdade. Com efei to, que importa que vos tornásseis senhor do bem
de outrem, escalando muros e matando passageiros, ou que adquir ísse is aqui lo que vos não
pertence pelo efe i to inexorável do emprést imo? Oh depravação da l inguagem!. . . Se alguém
ao encontrar -se com um viajante, lhe arrancasse à força ou lhe subtraísse por astúc ias as
suas provisões, chamá-lo-ão sal teador e ladrão. Mas aquele que comete injusta espo l iação,
em presença de testemunha, e que conf irma a sua in iquidade por atos de boa aparência, é
qual i f icado homem generoso, benévolo , serviça l . ” (S. Gregór io de Nicéia. Homi l . in c. 4
Ecles.)
Igua ldade de salár ios
41 – “O reino dos Céus é semelhante a um homem pai de famí l ia que ao romper da manhã
sa iu a assalar iar t rabalhadores para sua vinha.
“E fe i to com os trabalhadores o ajuste de um dinheiro por d ia, mandou-os para sua v inha.
“E tendo saído junto da terceira hora, v iu estarem outros na praça ociosos.
“E disse- lhes: Ide vós também para minha vinha, e dar -vos-e i o que for justo.
“E e les foram. Saiu porém outra vez junto da hora sexta e junto da nona, e fez o mesmo.
“E junto da undécima tornou a sa ir , e achou outros que lá estavam e lhes disse: Por que
estais vós aqui todo o d ia ociosos?
“Responderam-lhe eles: porque ninguém nos assalar iou. Ele lhes disse: Ide vós também
para minha v inha.
“Porém lá no f im da tarde d isse o senhor da vinha ao seu mordomo: chama os
trabalhadores, paga- lhes o jorna l, começando pelos úl t imos e acabando nos pr imeiros.
“E tendo chegado po is os que foram junto da hora undécima, recebeu cada um seu
dinheiro .
“E chegando também os que t inham ido pr imeiro, julgaram que haviam de receber mais,
porém também estes não receberam, mais do que um dinheiro cada um.
“E, ao recebê-lo , murmuravam contra o pai de famí l ia.
“Dizendo: Estes que v ieram últ imos não trabalharam senão uma hora, e tu os igualaste
conosco, que aturamos o peso do dia e da ca lma.
“Porém e le respondendo a um deles, lhe disse: amigo, eu não te faço agravo: não convieste
tu comigo em um dinhei ro?
“Toma o que te per tence e va i -te; que eu de mim quero dar também a este úl t imo tanto
como a t i .
“Visto isto não me é l íc i to fazer o que quero? Acaso teu olho é mau porque eu sou bom?”
(Mt. XX l a. l5)
Basta por hoje.
Reci fe , 23 de agosto de 1852.
A. P. de Figueiredo.
A Imprensa, Reci fe, 6 /9/1852.,
1 5 1
Nota: de ixamos as ci tações como se encontram elas, no or iginal.
Anexo 6
CERTEZA HUMANA
I
To be or not to be!
Schakespeare
1– Poderá o homem chegar à verdade? Terá ele o d irei to de acredi tar em alguma coisa? É
esta uma questão bem simples em aparência pois que todos nós a reso lvemos
inst int ivamente em cada momento da v ida; mas cuja so lução, há 4 000 anos encetada,
ainda os f i lósofos não hão pod ido encerrar. Conhecemos hoje, no todo ou em par te os
pr incipais monumentos das quatro grandes épocas f i losóficas em que se div ide a his tór ia
do espír i to humano, desde as pr imeiras tentat ivas de interpretação t ímida dos Vedas, a té
as sínteses orgulhosas da f i losofia moderna. Cada uma destas épocas há produzido
diversos s is temas que também hão dado diversas soluções posit ivas ou negat ivas acerca da
questão que nos ocupa, e todas se acham, hoje por terra sem que nenhuma delas sequer
t ivesse t ido a for tuna de persuadir a humanidade.
2 – E qual será a causa de semelhante impotênc ia? Um grande f i lósofo do século XVII , o
pai da f i losofia do XVI I I , o i lustre Locke, no seu Ensaio sobre o entendimento humano,
(obra, a respeito da qual , sem embargo da nossa reverênc ia para com o inventor do cá lculo
d i ferencia l , não podemos rat i f icar o severo juízo de Leibnitz, Paupert ina phio lsoph ia) ,
nos diz que a maior par te das discussões f i losóf icas versam sobre palavras mal def in idas:
são puras disputas de palavras, – logomaquias.
3 – Encostamo-nos completamente à opin ião deste profundo anal is ta e genera l izamos
mesmo o seu pr incíp io , d izendo que não só a maior par te, mas todas as discussões
f i losóficas provêm de os homens se não compreenderem uns aos outros. Temos para nós
que, em essência, os f i lósofos são da mesma opinião, e que todas as dissidênc ias
cessar iam, se eles, à maneira dos matemát icos, se pudessem servir de uma l íngua, cujos
termos t ivessem todos uma signi f icação precisa e não pudessem ser empregados ou
receb idos em duas ou três acepções di ferentes.
4 – Assim a questão da certeza, que se acha par t icularmente confund ida pelo sent ido vago
dos termos de que os f i lósofos se servem para estabelecê-la, é o ponto de d ivergência de
todos os s is temas; e da so lução que estes mesmos sis temas lhe dão é que depende a
determinação da classe a que per tencem.
1 5 2
5 – Uns, os cét icos, hão negado a possib i l idade de uma certeza qualquer ; outros, os
ideal istas e sensual is tas, compreendidos sob a designação colet iva de dogmáticos hão
atr ibuído os caracteres da cer teza a cer tos dados do espír i to humano, e recusado a outros.
6 – Não é pois a questão da certeza um ter r i tór io tranqüi lo, em que todos podem ed i f icar e
cul t ivar segundo a sua vontade, e sem receio de ser dele expulso. Os maiores gênios dos
tempos passados e modernos viraram-no e reviraram em todos os sent idos; mas nem um só
pode tomar de le posse def ini t iva: Assim, antes de nos arr iscarmos a formular a nossa
opinião pessoal sobre tão grave assunto examinaremos pr imeiro as pr incipais so luções
dadas pelos d iversos sis temas f i losóf icos a esse problema fundamenta l .
I I
Er rare humanum est .
7 – Vejo uma árvore, d iz Th. Jouffroy, a f i rmo que esta árvore existe: eis a í a verdade
humana. Ora, é absolutamente verdade que esta árvore existe ou é absolutamente verdade
que e la não existe ; logo existe uma verdade abso luta. E será esta verdade absoluta idênt ica
com a verdade humana? Que autor idade poderemos nós invocar para decid ir a questão?
Será nossa intel igênc ia? Assim deve ser, po is que é este o único meio que temos para
chegar a conhecer, mas trata-se dela mesma; é sobre a sua legi t imidade que temos de
decid ir . Ela se não pode provar a si mesma sem uma pet ição de pr incípios, um círculo
vic ioso palpável. Em matér ia de dúvida, abstém-te, d iz o ant igo adágio; assim Jouffroy
conclu i em favor da legi t imidade do cet ic ismo, e esta so lução a pr ior i fo i a lcunhada pelos
seus par t idár ios com o nome pomposo de cet ic ismo transcendente.
8 – Pela nossa parte, estamos longe de aceitar semelhante legi t imidade e transcendência;
com efe i to, tomemos outra vez, nos seus elementos, o rac iocínio de Jouffroy. Vejo uma
árvore, a f i rmo que esta árvore existe (verdade humana) : nesse ponto estamos nós de
acordo; mas acrescenta ele : ora é absolutamente verdade que esta árvore existe ou é
abso lutamente verdade que ela não existe. Logo existe uma verdade abso luta.
9 – Não, três vezes não!! ! não é abso lutamente verdade de que esta árvore existe ou
abso lutamente verdade que não existe, se por absoluto entendeis alguma co isa
completamente independente da inte l igência humana, e nem podeis entender outra co isa; o
pr incíp io de contrad ição que invocais aqui é certamente a cond ição, a base indispensável
de um raciocínio qualquer , mas nem por isso deixa de ser essencialmente humano, e por
conseqüência subjet ivo. Não podeis a f i rmar a existênc ia de uma verdade absoluta, senão
depois de um postulado, o da legi t imidade de vossa inte l igência, ao menos enquanto vos
ela dá o pr incípio de contradição. A vossa chamada verdade absoluta é pois subjet iva; a
indagação da sua ident idade com a verdade humana, uma obra vã; e o cet ic ismo
transcendente, um não senso.
10 – Passemos agora aos dogmát icos. Unidade e mul t ip l ic idade, ta is são os dois pó los do
conhecimento humano, como mui bem disse V. Cousin. Impl íc i ta ou expl ic i tamente todos
1 5 3
os s istemas de dogmáticos partem da existência de um destes dois termos, e daí chegam a
negar o outro. De uma parte, Locke e Condi l lac, com a escola sensual is ta do XVII I século,
assim como 2000 anos antes Tales de Mi le to, e a escola Iônia chegaram a este resul tado, –
a absorção do eu no não eu, da unidade na mul t ip l ic idade; apesar da di ferença aparente do
ponto de par t ida que para Tales, e sua escola era o mundo, cujos fenômenos procuravam
exp l icar, no entanto que para Locke e Condi l lac era a consciênc ia ou as própr ias cond ições
na formação das idéias. De outra par te, os f i lósofos E leát icos part idos (assim como depois
Spinoza), da substânc ia inf ini ta e eterna chegam ao mesmo resultado que os ideal istas
modernos, part idos da existência, e das propr iedades do eu. Assim, todos, à maneira de
Fichte, absorvem o não eu no eu, a mult ip l ic idade na unidade, e negam logicamente a
mesma possib i l idade da existência da mul t ip l ic idade.
11 – Os l imi tes de um art igo deste gênero não nos permi tem examinar
c ircunstanc iadamente os d iversos sis temas; portanto l imi tar -nos-emos a esboçar os
pr incipais raciocínios comuns aos mater ial is tas, sensual istas, ideal istas, e espinoz istas.
12 – Os mater ia l is tas da escola Iônia , e os esp ir i tual istas da esco la de Eléa, à qual
podemos associar Sp inoza, apesar dos 24 séculos de intervalo que os separam, hão
procedido s inte t icamente.
13 – A matér ia existe , d iz ia a esco la Iônia, múl t ipla e f ini ta em extensões e duração; a
alma humana não é senão um ref lexo do mundo exter ior , re f lexo múl t ip lo e cont ingente
como e le ; as idé ias legít imas lhe são ministradas pelos objetos que lhe enviam as suas
imagens: tudo o mais, é uma i lusão. As idéias de inf ini to em duração não são mais que
genera l izações da extensão e da duração dos objetos f ini tos. Af ina l , o inf ini to não é
possíve l, porquanto juntai uns aos outros tantos espaços f in i tos quantos quiserdes, e nunca
tere is o inf ini to. O homem só percebe objetos l imi tados em espaço e em duração; o
inf in i to po is não pode ser senão o complexo de coisas f in i tas, e tc. , etc.
14 – Sp inoza pelo contrár io, parte da substânc ia cuja essência é a existênc ia. Ele mostra
que esta substânc ia tem por atr ibuto o ser necessariamente inf ini ta de todas as maneiras, e
que esta substância é Deus, que ele def iniu assim: Per Deum intel l igo ens absolu te
inf in i tum, hoc est substant iam constantem in f in i t is at t r ibut is, quorum unum quodque
aeternam et in f in i tam ex istent iam expr imit .
15 – Ora, quando a existência é a essência de uma substância inf in i ta, seja qual for o
ponto de vista por que se a considere, vê-se faci lmente que a existência do f in i to torna-se
impossível ; já não há aí vácuo possíve l, nem sucessão de fenômenos, nem movimentos,
nem indiv idual idade, nem mul t ip l ic idade possível. Resta uma unidade inf ini ta e imutável.
Assim a escola de Eléa, que, seguindo as pisadas dos Pitagór icos, havia part ido de bases
análogas, com razão desaf iava as outras escolas f i losóf icas a provar-lhe a existênc ia do
f ini to, e parec ia chegar mui logicamente a todas estas conseqüências, contradi tór ias com o
bom senso popular, de que os sofis tas se serviram para provar que se não podia acred itar
em coisa a lguma. (Cét icos).
1 5 4
16 – Os sensual is tas e os ideal istas modernos são mais analí t icos; estabelecem como
pr incíp io, que todo o conhecimento se resume nas idé ias, e encetam a questão da sua
or igem. Todas as idéias rea is são emanações do mundo exter ior , idéias-imagens, d iz
Locke. São sensações transformadas acrescenta Condil lac e os seus cont inuadores da
esco la francesa. Ar is tóteles também d izia: “nih i l est in in telectu quod non prius fuer i t in
sensu” . Locke chama a alma uma tábua rasa (tabula rasa) ; at r ibui à exper iência a
formação de todas as idéias, e d iz que s idé ias reais são aquelas que são conformes com os
seus arquét ipos. Para ele a idé ia do eu é gerada pela memória; – nasce da sucessão das
idéias, para Condi l lac a alma humana não é senão um co leção de sensações. Tais são em
resumo os pr inc ipa is a for ismos das esco las sensual is tas; e é par t indo destas bases que e las
procuram expl icar todas as idé ias, que a observação psicológica mostra no entendimento
humano.
17 – Um bispo angl icano, Berke ley, par t indo do pr imeiro pr incíp io de Locke, de que nós
não conhecemos senão idéias e a este acrescentando o pr incíp io das substâncias, chegou a
mostrar a impossib i l idade de uma substância mater ial ; e o célebre Hume t i rou f ie l e
logicamente, das bases estabelec idas por Locke, a impossib i l idade de toda a substância
quer mater ial quer espir i tua l . “O eu, d iz ele, não é nem matér ia : não existe ; a substância é
uma quimera imaginam-na para servir de sustentáculo às idé ias”.
18 – Eis a í pois o sensual ismo, levado ao seu úl t imo l imi te, negando mesmo a existência
do mundo exter ior , de que part i ra ; – negando toda a existência possíve l.
19 – Os ideal is tas modernos, cujo representante legít imo é Kant, procedem igualmente
pelo estudo das idéias, e pe la questão da sua or igem. O f i lósofo de Koenigsberg, f ie l aos
pr incíp ios estabelecidos por Bacon, no estudo das ciências, empreendeu a anál ise dos
elementos do pensamento, e fo i o pr imeiro que, depois de Ar is tóteles, deu deles um
quadro completo. Depois de ter reconhecido, que a exper iênc ia é o antecedente
crono lógico de todas as idé ias humanas, a f i rma que e la não é sempre o seu fundamento
lógico, que se a idé ia da extensão de um corpo, por exemplo, é poster ior à sensação, tem
por antecedente lógico a idéia de um espaço inf ini to, do qual este corpo ocupa uma
porção; e o mesmo acontece com a idé ia de duração que tem, segundo Kant, por
antecedente lógico a concepção do tempo (eternidade), ainda que ela tenha a sensação por
antecedente, crono lógico. Toda a f i losofia de Kant der iva desta dis t inção; fo i e la que o
levou a c lassi f icar as idé ias em empír icas a posterior i, que ele supôs der ivar
racionalmente da exper iênc ia ; em a prior i mistas, que a inda que não der ivem da
exper iência, tem a exper iênc ia por elemento necessár io, e enf im a pr ior i puras que, em
sua opinião, não encerram e lemento algum empír ico. Kant a tr ibui estas úl t imas ao espír i to
humano, que, por ocasião da sensação, as produz por meio das suas formas inatas.
Defin idas e classi f icadas assim as le is do entendimento, Kant perguntou a s i mesmo, se do
sujei to pensante que e le acabava de examinar se podia passar legi t imamente ao mundo
exter ior , a tudo quanto se acha fora do sujei to pensante, porque ele havia admit ido
impl ic i tamente a existênc ia do eu e a do não eu; e le estabeleceu pois a questão que tem
por f im saber, se as idéias correspondem aos seus objetos, e observando que destas le is
própr ias ao suje i to do pensamento, destas le is puramente subjet ivas, se não poder ia t i rar
1 5 5
conseqüência alguma onto lógica, real idade alguma objet iva, conc lui e le em favor da
legi t imidade da dúvida, – em favor do cet ic ismo.
20 – Mas não era esta ainda a derradei ra palavra do Cr i t ic ismo. Mui tas outras
conseqüências cont inha a f i losofia de Kant ; e Fichte, seu discípulo, se encarregou de t i rá-
las. Este mundo exter ior , cuja existência Kant admit i ra impl ic i tamente, e do qual não
podia t i rar uma objet ividade verdadeira, apl icando-lhe as le is subjet ivas do pensamento,
observa Fichte, que o espír i to humano não tem conhecimento dele senão por meio destas
le is, porque a exper iência só não poder ia ministrar idéia a lguma, sem a intervenção do
sujei to pensante, que entra como elemento necessár io na formação da idé ia ; que por
conseqüência os objetos não são senão o que a natureza do sujei to os faz ser, não são
senão induções do sujei to, são o própr io sujei to do qual o mundo chamado exter ior não é
mais que um ponto de vista. Para Fichte só existe o suje i to. .
21 – Os mater ial istas e os sensual is tas t inham absorvido a unidade na mul t ip l ic idade; por
outro lado, o seu s is tema tend ia logicamente à negação desta mesma mul t ip l ic idade,
resultado este que o fendia ao bom senso. A sua teoria da or igem das idéias não podia
exp l icar convenientemente todas aquelas que a observação psicológica reconhecia no
espír i to humano: acrescentaremos mesmo que e la não exp l icava uma sequer; porque para
estabelecer a formação de uma idéia é mister um sujei to que entre como elemento no
fenômeno, com as le is da sua organização; co isa esta que está em contradição com os
pr incíp ios daquele escola, que quer que o eu seja somente uma coleção de sensações. Por
outra parte os ideal istas t inham chegado a absorver completamente a mul t ip l ic idade na
unidade, a negar a mult ip l ic idade, o que conduzia logicamente ao resultado já t i rado por
Hume da f i losof ia sensual is ta de Locke, ao ni i l ismo, po is que como o eu já não é l imi tado,
tomava-se necessar iamente inf in i to, e e ternamente imóvel .
22 – A f i losof ia achava-se pois num grande embaraço, e o cept ic ismo dominava; no
entanto que, escondidos lá num canto da Escócia, Reid, Mackintosh, Ferguson e Dugald
Stewar t se ocupavam modestamente em reorganizar a psicologia.
23 – Apresentou-se Cousin e declarou que as duas grandes esco las dogmáticas part iam de
pontos de v is ta incontestavelmente verdadeiros, e que a sua união const i tu ir ia a verdadeira
f i losofia. Tudo ia bem até aí. Desgraçadamente o eclet ismo, que t inha declarado que todos
os erros dos seus predecessores provinham do dogmatismo exc lus ivo, se de ixara também
assaltar pela febre do dogmatismo. Quis conc lu ir imediatamente; e em vez da síntese
luminosa que anunciara, s íntese que devia encerrar todas as conseqüência legít imas do
sensual ismo e do ideal ismo, d iv id iu entre ambos arbi trar iamente o domínio do
pensamento, dando ao espír i to humano cer tas idéias que chamou necessárias e absolu tas, e
atr ibuindo as outras ao mundo exter ior , à exper iência , sob o nome de idéias cont ingentes e
re lat ivas. Mas isto não era ainda, posto que um pouco modi f icado, senão o sis tema de
Kant , do qual F ichte havia t i rado o ideal ismo subjet ivo, – a absorção do não-eu no eu e
f inalmente o ni i l ismo. Era mister pois sacar o não-eu da subjet iv idade do eu, para
const i tuir - lhe uma objet iv idade rea l. Assim V. Cousin julgou reso lver a d i f iculdade, com a
teor ia das apercepções puras.
1 5 6
24 – Eis aqui, em poucas palavras, esta teor ia em que o própr io Cousin já não tem
conf iança, se devemos dar créd ito às revelações recentes dos seus ant igos discípulos, e
que em resultado não passa de um jogo de palavras, – uma verdadeira pe lót ica f i losóf ica.
25 – Cousin d is t ingue dois momentos no exercíc io do pensamento, a espontaneidade e a
ref lexão O homem estréia pe la espontaneidade que ao mesmo tempo lhe dá, posto que
confusamente, o eu e o não-eu, ou o f in i to , o in f in i to e a sua re lação, is to é, todo o campo
do conhecimento possível. Vem depois a re f lexão, que desenvo lve este caos e ac lara todos
os termos mas a re f lexão nada acrescenta à espontaneidade. A espontaneidade ao exercer-
se pe la pr imeira vez, sem intervenção a lguma da vontade, ministra a idéia do f in i to, do
inf in i to e da sua relação; ora o que const i tu i a personal idade humana para Cousin é a ação
voluntár ia ; os dados da ref lexão são po is tomados à subjet iv idade os da espontaneidade
não o são; e como fo i a espontaneidade que nos ministrou as idéias do f ini to, do inf ini to e
da sua relação, estas três idéias são impessoais, independentes do eu; mas ta is idé ias,
const i tuem a razão humana, e Cousin conc luiu, apesar de Kant e da sua esco la, que a razão
humana é independente do eu, – que é a substância verdadeira, a essência absoluta.
26 – Ora, admit indo como justa, a redução dos elementos da razão, em três termos, como o
propõe Cousin, e a real idade da d ist inção que ele faz entre a ação espontânea e a ação
voluntár ia, d is t inção que julgamos per fei tamente fundada, a argumentação supra mostra
sem dúvida que a razão humana pode ser considerada como independente do eu, enquanto
eu voluntário, mas não pode de sor te alguma subtrai - la à subjet ividade das formas pré-
existentes do entend imento, formas que, assim como a vontade, são e lementos necessár ios
do eu. Cousin provou a tese, const i tuindo o eu com um dos pontos de vista abstra tos do
eu. Outro qualquer const i tu indo o eu unicamente com o ponto de v ista abstra to do eu
sensível, ter ia chegado da mesma sor te à impersonalidade dos dados da ref lexão.
27 – Não insis t i remos mais sobre esta nova solução do prob lema e, para sermos justos,
d iremos que a escola eclé t ica há deixado ao seu autor toda a responsabi l idade; e é
provável que e le mesmo já hoje a não considere senão corno um erro da juventude.
I I I
Numeri regunt mundum
PITÁGORAS
28 – A questão, pois, ainda se acha estabelec ida entre os sensual is tas e os ideal is tas,
assim como há dois mi l anos, estava entre a escola Iônia a escola de Eléa. Ela oferece um
verdadeiro d i lema, um argumento de do is gumes de que admiravelmente se servem os
cét icos para desmoronar todo o dogmatismo, e mostrar que devemos duvidar de tudo, a té
da própr ia vida.
29 – Part i da existência de um dos do is termos: da do eu ou da do não eu, e chegare is a
absorver o outro, e f ina lmente a negar o ponto de part ida. Será pois a questão inso lúvel?
1 5 7
Não nos parece: antes julgamos que e la ainda não foi resolv ida, porque há sido mal
estabelec ida.
30 – Todos os rac iocínios carecem de uma base, e seja qual for esta base não pode ser
provada, ao menos na questão que nos ocupa, sem um para logismo evidente; e é também
evidente que a ap l icação do raciocínio a esta base, nada dele t i rará que e la não contenha
impl ic i tamente. Todos os raciocínios possíveis se reduzem a uma sér ie de s i logismos, e é
mister que os três termos de cada um sejam sempre suje i tos a esta regra eterna da lógica:
Prima proemissarum conclusionem cont ineat, et a l tera contentam demonstret.
31– Até hoje os f i lósofos têm estabelecido sempre, como ponto de part ida, o resul tado a
que f inalmente chegam, ou por si mesmos ou por seus discípulos e cont inuadores; ponto de
part ida ante o qual, ter iam recuado, se t ivessem a noção clara de todas quantas
conseqüências implíc i tas e le encerra.
32 – Todo o conhecimento para o homem é necessar iamente subjet ivo, pois que ele se
resume numa idé ia e toda a idéia não é senão o resultado da percepção de uma relação;
fenômeno em que o homem é suje i to e a relação objeto. A idé ia de uma verdade absoluta é
um não senso, como já o demonstramos, ao tratar do cet ic ismo transcendente de Jouffroy,
pois que ela resulta de um fenômeno no qual representamos o papel de sujei to. Mas porque
a verdade humana não é abso luta nem por isso deixa de ser revest ida de toda a certeza
possíve l, po is que o sujei to (homem) é o e lemento indispensável da cr iação da idéia
mesma de uma certeza qualquer, e a idé ia de verdade é alguma co isa puramente humana.
33 – Excusado é pois indagar, se a verdade humana é idênt ica com a verdade abso luta,
porquanto estes dois vocábulos – verdade e abso luto – apresentam um não senso
(existência do nada) . Tão pouco é necessár io indagar, se todas as idéias correspondem a
uma rea l idade qualquer, a um mundo exter ior a nós, pois que a idéia mesma de rea l idade é
um produto humano. É evidente, a f ina l , que não temos mais d ire i to de crer na nossa
própr ia existência (cog ito, ergo sum de Descartes) do que na existência do mundo
exter ior ; porque a idé ia da nossa própr ia existênc ia, que lá mais para ao diante
transportamos para fora de nós, a f im de af i rmar outras existênc ias exter iores, é o
resultado de um fenômeno, em cuja produção entra como elemento indispensável: 1º a
nossa intel igênc ia com a organização que lhe é própr ia; 2º uma sucessão de relações entre
nós e alguma co isa exter ior a nós.
34 – Se o que precede é exato, achar-se-á a certeza humana destarte estabelec ida sobre a
sua verdadeira base, sub jet iva e objet iva ao mesmo tempo; mas nós podemos ir mais longe
ainda, e, esquadr inhando mais pro fundamente o fenômeno da formação da idéia de
existência, encontraremos a exp l icação de todos os resul tados em aparênc ia absurdos, mas
em essência per fe i tamente legí t imos, que hão obt ido, de um lado, os sensual istas, e do
outro, os ideal is tas; e veremos também que entre ambos a questão não passava de uma
questão de palavras – uma pura logomaquia.
1 5 8
35 – O espír i to humano só percebe re lações; a nossa existência nos é dada, como
inseparável da pré-existência de uma sér ie de re lações entre nós e alguma coisa exter ior a
nós; e a existênc ia dos objetos exter iores também se apresenta da mesma sorte, como
inseparável da pré-existência de uma sér ie de relações entre estes objetos e alguma co isa
exter ior a e les. Supõe portanto a existênc ia dois termos e uma sér ie de relações entre eles.
Supr imi um dos do is termos, e já não tereis re lação, nem existênc ia possíve l, mas sim a
negação da existência, o nada,
m
( ____ = e, façamos
nm
m
nm = o, vem ____ = ) o inf in i to que nos aparece em toda a par te, como a negação do
f ini to
o
e de todas os at r ibutos do f ini to, a negação da duração, a negação do l imi te , e tc.
36 – O espír i to humano pode sem dúvida, em vir tude da faculdade de abstrair , considerar
iso ladamente a si mesmo, ou um objeto, ou o mundo exter ior a s i ou a este objeto; a té
pode fazer outro tanto a respeito de cada um dos termos das re lações da sér ie perceb ida,
mas não pode apl icar legi t imamente a estas abstrações a noção da existênc ia. A existência
resulta da relação, e não pertence como propr iedade a um dos termos.
37 – A existênc ia par t icular , a existência dos objetos que chamamos f ini tos, cont ingentes,
é determinada por suas relações com outros objetos igualmente f in i tos; e as relações são
da mesma sor te f in i tas. É tão verdade que o espír i to humano só pode perceber re lações que
a idéia gera l de existência, o complexo do f in i to, não tem sent ido para a intel igênc ia, e
signi f icação possível se não porque sat is faz a esta condição, porque é o pr imeiro termo de
uma relação, ou antes de uma sér ie fundamenta l de relações, que sob o nome de pr incíp io
de contrad ição, os f i lósofos forçosamente reconheceram como condição de todo o
conhecimento possível a relação da existência ao nada, do f ini to ao inf ini to, do re la t ivo ao
abso luto – re lação que encerra os dois pó los do conhecimento humano, o al fa e o ômega, o
pr incíp io e o f im de todas as co isas. A existência e o nada, o inf in i to e o f ini to são
correlat ivos, supõem um ao outro, e a razão humana pode ainda esc larnar com o apósto lo:
– In Deo v ivimus, movemur et sumus!! !
O.. . . . . . . .
O Progresso, revista socia l , l i terár ia e c ient í f i ca ( reed ição fe i to pelo Governo do Estado de
Pernambuco como par te do programa das comemorações do centenár io da Revolução Praie i ra.
P refácio de Amaro Quin tas) Reci fe, Imprensa Of ic ia l, 1950, p . 13-24.
* ) E r ro t i pográ f i co. Deve ser p reced en te.
1 5 9
Anexo 7
PROCESSOS LÓGICOS
Percut i t natura intelectum nostrum rad io d irecto . . .
Ipse vero homo semet ips i monstratur et exbibetur rádio re f lexo.
Bacon
1 – No presente (s ic)* número da nossa Revista, mostramos nós, de acordo nesta par te com
o bom senso da humanidade, a legi t imidade da certeza humana, o d ire i to que o homem tem
de acredi tar e de af i rmar. Trata-se hoje de invest igar o como pode ele chegar a esta
certeza. Já sabemos que é por meio da inte l igênc ia; mas a intel igênc ia do homem, se lhe
dá a verdade, também o conduz a numerosos erros, como o atesta a exper iênc ia dos
séculos. Agora, donde é que nascem semelhantes erros? Que meios tem o homem para
evi tá-los? Que processos par t iculares deve e le empregar para chegar à verdade? São
questões estas sem contradição important íss imas, e const i tu i por si só o objeto de uma
ciênc ia par t icular – a lógica, que em todos os tempos há contado numerosos adeptos,
part idár ios fanát icos e até márt i res.
2 – É pois a lógica a ciência que tem por a lvo invest igar e estabelecer os processos que o
homem deve empregar para chegar à verdade; e só do enunciado de semelhante def inição
se depreende a imensa impor tânc ia desta c iênc ia que é o antecedente necessár io de todas
as outras.
1º – Estudo dos meios que o homem tem à sua d isposição para chegar à verdade
2º – Emprego que e le deve fazer de ta is meios, ou questão do método.
3 – Trataremos, por esta vez, de esboçar completamente posto que com brevidade, os
pr incipais traços da pr imeira destas divisões, a que diz respeito ao estudo dos meios; e,
logo que esta tarefa est iver conc luída, nos ocuparemos com o problema do método.
4 – Todo o conhecimento, para o homem, resul ta, como já v imos precedentemente, da
percepção de uma relação; esta percepção, nos l imi tes da intel igênc ia do indivíduo que
percebe, const i tu i o que se chama um juízo, e todo juízo, para mani festar -se
exter iormente, toma a forma de uma proposição, composta de sujei to, verbo e at r ibuto.
5 – Mas, se todo o conhecimento supõe um juízo, e se todo o juízo se mani festa
necessar iamente sob a mesma forma, o caminho percorr ido pe lo espír i to humano, para
chegar, ou ao própr io juízo, ou à proposição que o formula, bem longe está de ser o
mesmo em todos os casos, e para todos os e lementos do domínio do conhecimento. Assim,
por exemplo, os meus sent idos recebem cer ta impressão e eu afi rmo que s into uma
resistência. E que fo i o que aí teve lugar? Os meus sent idos receberam uma impressão, e
comunicaram-na à minha inte l igênc ia que fez, imediatamente o juízo que acabamos de
1 6 0
enunciar, sob a forma que lhe é própr ia. Mas se tomarmos outro juízo, por exemplo, este
que a á lgebra o ferece: uma quant idade qualquer d iv id ida por zero torna-se inf in i tamente
grande
A
( ____ = ) , veremos que só depois de uma sér ie de outros juízos é que temos pod ido
chegar a este.
O
Para nos remontarmos a este juízo pr imi t ivo, somos obr igados a nos refer ir a esta
conseqüência da d ivisão, de que o quociente é tanto maior quanto menor for o d ivisor, daí
à própr ia defin ição da d iv isão e assim por d iante, até os axiomas fundamenta is da á lgebra,
os quais supõem ainda outros juízos anter iores.
6 – Se t ivéssemos tomado, por exemplo, outros juízos, não já à álgebra, mas à geometr ia ,
como a sol idez de um setor esférico , ou a de um tronco de cone, a f i l iação dos juízos
t ivera sido mais v isíve l ; entre tanto, o que dissemos basta para mostrar que há duas sor tes
de juízos bem dist intos, não quanto à forma, mas quanto ao caminho que até eles nos
conduz: 1º – aqueles que chamaremos imediatos que são produzidos instantaneamente
pelo espír i to , quando os sent idos lhe transmitem uma impressão receb ida, donde resulta
para e le a percepção de uma re lação; 2º – aqueles que chamaremos mediatos, que são
juízos que a inte l igênc ia só faz em vir tude de outros juízos, de que eles, por assim d izer,
são conseqüências e de que ela os extrai por um processo par t icular .
7 – Seja qual for o número de juízos que examinemos, vê-se que esta div isão é
per fei tamente natural , perfei tamente justa, a única que não deixa dúvida alguma possíve l
conforme a classi f icação que por ventura se faça. Os juízos imediatos são f i lhos da
espontaneidade; os mediatos são f i lhos da ref lexão e da ação voluntár ia. Verdade é, que
pelo háb ito , em vir tude da memória, os juízos, logicamente mediatos, se podem tornar
imediatos de fa to; mas isto em nada deve inval idar a d ivisão que acabamos de estabelecer .
Os juízos imediatos são aqueles que não pressupõem logicamente outro algum, e os juízos
mediatos são aqueles que ao contrár io pressupõem outros necessar iamente. Os juízos
imediatos per tencem à espontaneidade, porque seguem imediatamente a transmissão à
inte l igência de uma impressão receb ida, ou pelos órgãos exter iores dos sent idos, ou pe los
órgãos inter iores (consc iênc ia ou senso ínt imo). Os juízos mediatos são f i lhos da ref lexão;
nunca são instantâneos, porque exigem uma operação antecedente, por meio da qual se os
extraem de outros juízos, já adquir idos. É este ato de extração que há recebido o nome de
Raciocínio , e cujas regras, processos, e tc. , invadiam quase inte iramente, entre os ant igos
f i lósofos, o domínio da lógica.
8 – Acabamos pois de reconhecer duas classes de juízos; os juízos imedia tos que a
inte l igência gera, sponte sua, inst int ivamente, e os juízos mediatos, que exigem ou
pressupõem juízos anter iores, e a ação da vontade ou ref lexão; e observaremos, de
passagem, que, pelo que toca a estes úl t imos, a sua cer teza depende inteiramente da dos
juízos imediatos de que eles procedem, verdade bem c lara em si mesma, mas que nem
1 6 1
sempre a têm presente ao espír i to todos os que hão escr i to sobre estas matér ias Somente,
os juízos mediatos apresentam uma probabi1idade erro de mais que os juízos imediatos, a
que pode provir do processo de que nós servimos para extra irmos juízo ref le t ido do juízo
pr imi t ivo, para fazer sa l iente, de entre relações já conhecidas, uma nova relação, objeto
do juízo mediato; ou, em outros termos, às probabi l idade de erro, que podem apresentar os
juízos imediatos sobre que ele repousa, o juízo mediato acrescenta a que provém da
possib i l idade de um mau emprego do rac iocínio.
9 – Agora, se procurarmos quais são as probabi l idade de er ro que apresentam os juízos
imediatos, veremos que elas var iam com a maior ou menor per fe ição dos órgãos, ou, para
nos expr imirmos em a l inguagem eclét ica, das faculdades, que põem o eu em relação com
o mundo exter ior a s i (sent idos e consciência); faculdade ou órgãos cuja veracidade pode
também ser dominada por d iversos fenômenos, que mui compr ido ser ia o exame que deles
f izéssemos aqui.
10 – Pelo que toca à intel igênc ia, – ao eu in tel igente o papel, que ele representa no
fenômeno de que nos ocupamos, é quase inte iramente passivo; – preenche, por assim dizer,
o ofíc io de uma balança; e a sua decisão, baseada na transmissão exata ou inexata das
impressões recebidas, é infal íve l , nas bases que lhe hão s ido ministradas.
11 – Entretanto, como para sair do eu e traduzir -se exter iormente, o juízo tem necessidade
de tomar uma forma, – forma que lhe deve ser adequada, vê-se e le obr igado por isso a
recorrer a a lgum desses sistemas de s ina is que representam o pensamento, e a que nós
chamamos l ínguas; ora, ainda não há l íngua verdadeiramente f i losóf ica, l íngua em que as
palavras sejam per fe i tamente defin idas, l íngua que permi ta a todo o juízo revest ir de uma
forma que lhe seja adequada; daí resul ta pois que um juízo per fei tamente justo se pode
traduz ir sob forma ta l , que pareça fa lso , no todo ou em parte, àqueles a quem ele for
comunicado; e daí é que se gera, para nós, a causa das intermináveis d iscussões em que os
f i lósofos, há 4000 anos, se perdem por se não entenderem.
12 – Eis a í pois, quanto aos juízos pr imi t ivos, juízos imedia tos, duas classes de causas de
erro cabalmente def inidas.
1º – A inexat idão possível da transmissão fei ta ao eu, pelos órgãos ou faculdades,
(sent idos e consc iênc ia) das impressões receb idas do mundo exter ior a s i .
2º – A imper feição da forma ( l íngua) em que os juízos são obr igados a traduzir -se.
13 – Elas são de cer to suscetíve is de serem atenuadas; mas é impossíve l supr imi- las
completamente, ao menos na esfera ind ividual ; mas se considerarmos, não já um juízo
ind ividual, mas todos os juízos fei tos sobre uma mesma questão, por grande número de
ind ivíduos, estas causas de erro , i rão d iminuindo , a té que por f im desaparecerão quase
completamente.
14 – Agora, não já no caso de um juízo imediato, mas de um juízo mediato, temos nós
ainda de acrescentar às causas de erros precedentes duas novas or igens, duas novas
categor ias de causas de erros, categor ias importantíss imas, sob o ponto de v ista das
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ciênc ias, quando se ref lete no pequeno número de juízos imedia tos, sobre que elas se
baseiam, e na compr idão do caminho que se tem de percorrer, para passar dos axiomas
fundamentais aos teoremas f ina is de qualquer c iênc ia. Estas novas categor ias são:
1º – A dos erros que podem provir da intervenção do raciocínio, intervenção de que já
acima fa lamos.
2º – A que resul ta da t ransmissão imper fe i ta da memór ia ao espír i to humano acerca dos
juízos imedia tos sobre que ele se deve apo iar.
15 – O rac iocínio, como já vimos precedentemente, é o processo que se emprega para
extra ir um juízo de outro juízo, em que se ele acha impl ic i tamente cont ido; ora, com que
condições poderemos nós efetuar semelhante ext ração? Para isto é preciso, pr imeiro que
tudo, que o juízo mãe seja expresso; is to é, que ele esteja sob a forma de uma proposição;
e de mais é prec iso recorrer a uma proposição intermediár ia, para ext rair da proposição
mãe, a nova proposição, – o juízo que nela se acha cont ido.
16 – O complexo da proposição mãe, da proposição f i lha, e da proposição in termédia,
const i tui o que os f i lósofos chamam si logismo. Compõe-se pois o si logismo
invar iave lmente de três termos, dos quais os dois pr imeiros chamados maior e médio (a
proposição mãe e a in termédia) são compreendidos sob o nome de premissas, o terce iro
termo é o menor ou a conclusão (a proposição f i lha ) . “ Terminus esto t r ip lex, medius,
majorque minorque” , d iz iam os ant igos lógicos.
17 – Ora, para extra irmos uma proposição de outra, é necessar iamente preciso, ou que esta
outra proposição seja mais gera l que a pr ime ira, ou que lhe seja idênt ica; são estes os
únicos casos em que se pode ext rair , com perfei ta certeza, uma proposição de outra
proposição, um juízo de outro juízo; e é is to o que resume o afor ismo que já c i tamos no
art igo da certeza humana.
Prima proemissarum conclusionem cont ineat et a l tera contentam demonstret.
18 – Afor ismo per fei tamente ap l icável aos dois casos acima, que são os únicos em que o
raciocínio possa dar à conc lusão uma certeza igual à das premissas, e os quais não
const i tuem duas formas part iculares de raciocínio , mas dois casos de uma só e única
forma, – o si logismo, aquele em que a maior contém a menor, e aquele em que ambas são
idênt icas.
19 – Houve quem quisesse atr ibuir a Ar is tóte les a invenção do si logismo, mas não há
razão para isso, porque o uso do rac iocínio dedut ivo é de ta l sor te inseparável das
pr imeiras noções, – dos pr imeiros passos da humanidade, a inda quando se reduzissem
estas noções à sat is fação das mais grosseiras necessidades animais, que o homem devia,
desde a or igem, aper fe içoar semelhante instrumento. E, ainda quando não possuíssemos
sequer um dos ant igos monumentos da f i losof ia índ ia, que Colebroocke nos deu a
conhecer ; a inda quando não possuíssemos nem a dia lét ica de Gotama, para quem encerra o
si logismo completo cinco proposições; nem as dissertações de Kanada e de Kapi la; a
his tór ia dos f i lósofos gregos, anter iores a Sócrates, as aventuras dos célebres sofistas,
1 6 3
Górgias, Pro tágoras, Diágoras, e tc. , enfim o famoso d i lema de Enalthus bastar iam para
provar que, mui to antes de Ar istó te les, não só se conhecia o si logismo, mas já mui to se
havia tra tado acerca do emprego de semelhante instrumento.
20 – Mas, se não é Ar istóteles o inventor do si logismo, resta- lhe sempre a glór ia de lhe ter
dado as regras, e pub l icado a seu respeito uma teoria completa, que ainda hoje se acha de
pé e intacta, depois de ter serv ido de guia a todos os pensadores pagãos, muçulmanos e
cr istãos, por mais de dois mi l anos, e de ter quase obt ido para seu autor as palmas da
canonização.
21 – Os l imi tes de um art igo deste gênero não nos permi tem dar, de um modo completo, a
teor ia do s i logismo, este déspota inte lectua l da média idade. Contentar -nos-emos apenas
com esboçar-lhe os pr incipa is pontos, lembrando aos nossos le i tores que, se os f i lósofos
esco lást icos mui to trabalharam para aper feiçoar o si logismo, os seus t rabalhos versaram
antes sobre a forma do que sobre a essência, que se acha a inda hoje a mesma que
Ar ist6 te les estabelecera.
22 – Os t rês termos do si logismo podem ser const i tuídos por via de proposições de
natureza d iversa; assim, elas podem ser a f i rmativas ou negat ivas gerais, a f i rmativas ou
negat ivas par t iculares, e é isso o que se representava pelas quatro letras A, E, I , O, como
o atestam os do is versos seguintes:
“Asser i t A, negat E, verum universa l i ter amboe.
“Asser i t I , negat O, sed part icular i ter amboe”.
23 – Part indo daí , outros quatro versos de um lat im mui bárbaro, encerravam todas as
f iguras e todos os modos de si logismos possíveis. Eis aqui, se nos não falha a memória ,
estes quatro versos, reproduzidos pouco mais ou menos exatamente.
Barbara, Celarent , Dar i i , Fer io data pr imoe;
Cesare, Camestr is , Fest ino, Baroco segundoe;
Tert ia grande sonans rec i ta t Darapt i , Felapton;
Adjunges Disamis, Datysi , Bocardo, Fer ison.
24 – As f iguras de que se fala aqui eram determinadas pela re lação dos três termos, e os
modos pela natureza mesma dos termos: assim, um si logismo se achava em Baroco, quando
a maior era uma af i rmativa geral , a média e a menor duas negat ivas par t iculares; em
Disamis, quando a maior e a menor eram duas negat ivas par t iculares, e a média uma
af i rmativa geral etc . e tc .
25 – As quatro f iguras do s i logismo pod iam dar lugar a mais de duzentos si logismos
part iculares, mas nem todos eram legít imos. Sobre este assunto, de ixaram Ar is tóteles e os
esco lást icos cur iosos t rabalhos, e enumeraram os silogismos fa lsos, os sof ismas ou
argumentos capc iosos.
Tudo isso, junto com o séquito um pouco esquis i to que acima refer imos, nos parece
sufic iente e vantajosamente subst i tuído, por este único preceito que devemos aos lógicos
1 6 4
de Porto Real, e que já c i tamos em outro lugar desta escr i tura: Prima proemissarum, etc. ,
etc.
26 – Independente do classi f icar dos Si logismos sob diversas f iguras e modos, d ist inguia-
se ainda vár ias outras formas de raciocínios dedut ivos: o ent imema, epiquerema, o sor i tes,
o d i lema etc. ; mas estas não são mais em real idade que si logismos truncados iso lados, ou
reunidos de d iversas maneiras. Assim, no ent imema, subentende-se uma das premissas, e o
sor i tes compõe-se de uma sér ie de proposições, de tal sor te encadeadas uma na outra, que
o atr ibuto da pr imeira torna-se o sujei to da segunda, o atr ibuto da segunda o suje i to da
terceira , e assim por d iante.
27 – A ant iga lógica também t inha c lassi f icado os falsos rac iocínios, ou sof ismas. Vamos
dar estas c lasses, ta is como haviam sido estabelec idas por Ar is tóteles mas sem
desenvo lvimento a lgum, porque não queremos que o nosso art igo sa ia mui compr ido e
sobrecarregado de ant iqualhas.
28 – Todos os sofismas possíveis provêm, segundo Aristó teles, de uma das o i to causas
seguintes:
1º – Ignorat io e lench i. Ignorânc ia da questão; questões mal estabelecidas, ignorância
daqui lo que se deve provar .
2º – Pet i t io pr incip i i. Círculo vic ioso; supor estabelec ido aqui lo que se acha em questão,
aqui lo que se pretende provar;
3º – Non causa pro causa. Tomar por causa aqui lo que o não é; confrontar fenômenos
contemporâneos e os supor corre lat ivos;
4º – Census imperfectus. Enumeração imper fei ta.
5º – Fal lacia accident is. T irar uma conseqüência absoluta daqui lo que só é verdade por
acidente;
6º – Fal lacia composit ionis aut d iv is ionis. Passar do sent ido diviso ao sent ido composto , e
reciprocamente;
7º – A dic to secundum quid ad d ic tum simpl ic i ter. Passar daqui lo que é verdade a certo
respeito , ao que verdade simplesmente.
8º – A úl t ima enfim consiste na ambigüidade das palavras, causa que não carece de
comentár io.
29 – Estas observações, que se ap l icam, umas ao raciocínio si logíst ico , outras aos juízos
que lhe servem de bases, nos parecem compreendidas, dentro e a inda além nas d iversas
causas de erros, que acima enumeramos, como podendo inf lu ir sobre a certeza das diversas
classes de juízos.
30 – Além destas causas de erro, também já demos a regra única por meio da qual possui a
conclusão do si logismo uma certeza igual a da maior. Com ela f inal izamos nós o exame do
raciocínio dedut ivo, sob todos os pontos de v ista. Só nos resta falar agora de outra forma
de rac iocínio dest inada, não já a chegar a certeza, mas a obter uma probabi l idade maior ou
menor, – o raciocínio indut ivo.
1 6 5
31 – O rac iocínio indut ivo é uma forma de rac iocínio, mui preconizada por certos
f i lósofos modernos, que até pretenderam subst i tuí - lo por toda a parte ao si logismo, única
verdadeira forma de raciocínio , capaz de dar a cer teza. Consiste a indução numa
genera l ização de fa tos part iculares, numa enumeração incompleta, que se supõe completa,
estabelecendo assim uma hipótese que depois se ver if ica nos casos par t iculares.
32 – O único caso, em que a indução toma os caracteres da cer teza, é aquele em que a
enumeração, em vez de ser incompleta, se torna completa. Assim, se a exper iênc ia, ou
antes uma sér ie de exper iênc ias, nos der por exemplo, que cada uma das p lantas da famí l ia
das so laneas, contém uma base vegeta l , dotada de propr iedades narcót icas, nós
conclu irmos daí que a famíl ia das solaneas contém esta base; mas, neste caso, isto já não
é, verdadeiramente fa lando, senão uma equação, ou uma sér ie de equações, que tem um
termo comum, – que se transformam umas nas outras. A indução cer ta não é senão uma
equação, uma verdadeira dedução um puro si logismo.
33 – A verdadeira indução, a que não é um si logismo disfarçado, não pode dar certeza
alguma, mas sim uma hipótese mais ou menos provável, e tanto mais provável quanto a
enumeração que lhe serve de base se acha mais perto de ser completa.
34 – Recordemo-nos, ao f ina l izar, dos diversos pontos que temos estabelec ido até o
presente. A certeza humana é legí t ima e se resume nas idé ias, que se traduzem sob a forma
de juízos.
35 – Todo o juízo resul ta da percepção de uma relação; nesta percepção dá-se o eu
infal íve l que pronuncia, sobre os dados que lhe são ministrados pelos órgãos ou
faculdades que o põem em re lação com o mundo exter ior a s i (sent idos, consciência,
memória) .
36 – Todos os er ros provêm, ou da incer teza dos dados que servem de bases aos juízos
(quer estes erros consistam em fenômenos internos ou externos, quer consistam em juízos
já adquir idos anter iormente), ou vem da imperfe ição da forma de que os juízos têm
necessidade de se revest ir para poderem ser compreensíveis, ao passar ao estado de
proposição, ou a inda de uma terce ira e ú l t ima causa, – o mau emprego do raciocínio.
Chegados a este ponto , possuímos todos os elementos necessár ios para nos ocuparmos com
o problema do método.
O.. . . . . . . . .
O Progresso, p. 83-92.
Anexo 8
Pr imeira resposta ao “Discípulo da Fi losof ia”
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1 – Temos sob os olhos o nº 156 do D. Novo e aí deparamos um comunicado, assinado
Discípulo da Fi losof ia, em que o autor , depo is de dir igir ao Progresso algumas palavras
obsequiosas, que s inceramente lhe agradecemos, passa a cr i t icar o nosso art igo sobre a
certeza humana; e é essa cr í t ica que nós não podemos deixar passar sem resposta.
2 – Neste comunicado somos nós acusados de desordem na maneira de expor as nossas
idéias, de confusão de fa tos ou de pr incípios essencialmente dis t intos, e ainda de outras
mui tas cousas. Assusta-se também o Discípulo da Fi losof ia da impetuosidade juveni l , com
que nos lançamos nas garras do cet ic ismo e quisera contr ibuir um pouco para sa lvação da
nossa a lma; agradecemos-lhe essa car idade toda cr istã, que é o mais belo e logio do seu
coração; mas somos obr igados a dec larar - lhe que não lhe acei tamos as outras observações
sobre ponto algum, e que perseveramos, não no cet icismo que bem longe está do nosso
pensamento, mas nos nossos pr incípios dogmát icos que a inda reputamos inatacáveis.
3 – O Discípu lo da F i losof ia nos acusa de confundi rmos “a verdade com a cer teza, quando
o sent ido subjet ivo em que esta se toma não permi te que a confundamos com a verdade,
em cuja objet iv idade todos os f i lósofos concordam”; observaremos ao nosso antagonista
que é e le quem, confunde aqui lo que d issemos com o que pudéramos dizer. Tomamos a
tarefa de expr imir as nossas idé ias e não as de outrem, e, posto que saibamos cabalmente,
que para os f i lósofos em gera l a certeza é subjet iva e a verdade objet iva, tomamos a
l iberdade de ser de uma opinião di ferente. É isso sem dúvida grave ir reverênc ia, mas como
em nosso art igo enunciamos por extenso o nosso pensar a este respei to, apoiando-o em
provas que a inda cont inuamos a reputar boas, nos parece que era, se não mais s imples, ao
menos mais lógico, d iscut ir a nossa op inião, do que acusar-nos de confusão, sob pretexto
de não serem os f i lósofos e seus discípulos do nosso parecer. A autor idade dos f i lósofos é
de certo alguma cousa; mas ser ia pormos de parte a razão o conceder a esta autor idade
outro valor que não o de uma probabi l idade maior ou menor; equiva lera isso até a abalar a
f i losofia em sua base, – a l iberdade do pensamento.
4 – Como os erros essencia is do Discípu lo da Fi losof ia repousam na confusão de que e le
nos acusa e de que nos acabamos de defender, bem pudéramos nós f inal izar aqui a nossa
tarefa; mas todavia diremos a inda algumas palavras.
5 – O Discípulo da Fi losof ia, que parece querer de propósito responder em todo o seu
art igo ao que não dissemos, sem se ocupar com o que dissemos, considerou a segunda
parte do nosso art igo como um resumo da histór ia da f i losof ia, entretanto que aí apenas
nos l imi tamos a indicar os pr incipa is dados histór icos que se re ferem à questão da certeza.
Basta isso para retorquir vi tor iosamente a pecha de ingrat idão que e le nos dir ige, em favor
de certos sistemas f i losóf icos; e se por acaso, o que quase não podemos crer, se re ferem as
suas palavras aos míst icos, nós lhe responderemos que não examinamos a so lução que esta
se i ta dá ao prob lema da cer teza, porque pensamos que um sistema que subst i tu i o êxtase à
ref lexão, como meio de chegar ao conhecimento coloca-se fora do domínio da f i losof ia,
que é f i lha da ref lexão, e faz par te integrante da teologia, apesar do que d izem Cousin e
alguns outros. Quanto a “sem cer imônia com que ju lgamos provável que o Cousin já não
considere a sua esco la senão como um erro da juventude”, d iremos ao Discípulo da
1 6 7
Filosof ia que, se esta discussão t ivesse grande impor tância, ser ia de certo um
procedimento pouco generoso o desnatura l izar a tal ponto as nossas palavras, e apl icar à
esco la de Cousin aqui lo que dissemos da sua teoria das apercepções puras. Quanto à esta
úl t ima teor ia, sustentamos no todo a nossa asserção: mas como sabemos mui bem que esta
asserção por si mesma nada prova, e que o própr io Cousin poder ia considerar a sua teor ia
das apercepções puras como fa lsa, ainda que ela fosse verdadeira, convidamos ao
Discípulo da F i losof ia a levantar a luva que lançamos, para que nos estabeleça a verdade
desta teor ia, o que lhe dará ta lvez ocasião de provar alguma coisa, ocasião que parece ter
inut i lmente procurado no art igo a que respondemos.
6 – Declara, enfim, “com candura”, o Discípulo da Fi losof ia, não ter compreendido a
solução que demos ao problema de que se trata . Custa-nos isso bem, por amor seu e nosso;
mas observar- lhe-emos que semelhante argumento nada tem de v i tor ioso, e que a
ignorânc ia em que e le se acha sobre o sent ido das nossas palavras pode provar tanto a
fraqueza da sua compreensão como a obscur idade das nossas doutr inas. E pensamos que,
se o Discípu lo da Fi losof ia visse no f im do ar t igo que e le ataca em lugar da nossa modesta
in ic ia l , o nome do grande Cousin, do grande Damiron ou de outro grande f i lósofo, não
ter ia sido tão pronto em fazer semelhante conf issão, e em antes de se assustar, de se
entr is tecer e de se lançar sobre as doutr inas do autor, ter ia fe i to todo o esforço para bem
compreender o nosso pensamento.
O . . . . . . . . .
O Progresso, p. 166-169.
Anexo 9
Segunda resposta ao “Discípulo da Fi losof ia”
1– Conquanto o discípulo da f i losof ia confessasse que nos não compreendera, nem por isso
deixou de atacar ca lorosamente, no Diário Novo nº 156, o nosso ar t igo f i losófico, sobre a
certeza humana.
2 – Acusava-nos ele de termos comet ido, além de outros mui tos enormes pecados, o de
cairmos no gol fo do cet ic ismo, de propalarmos idé ias nimiamente per igosas e de termos
dado aos nossos le i to res um resumo imper fe i to das doutr inas metaf ís icas da escola
escocesa; e f ina l izava, aconselhando aos ado lescentes ávidos de ciência , que se não
deixassem fascinar pe las nossas idé ias especiosas. Ora, como o discípu lo da f i losof ia, no
começar sua cr í t ica, confessasse não compreender o que cr i t icava, e, em vez de ver i f icar
os nossos raciocínios, chamasse somente em apoio das suas asserções a opinião dos
f i lósofos e afor ismos caducos sobre as vantagens da fé e os horr íve is per igos do cet ic ismo,
apenas respondemos nós então a a lgumas acusações part iculares pouco exatas, e
1 6 8
convidamos o d iscípulo da f i losof ia que procurasse pr imeiro que tudo compreender-nos e
depois nos demonstrasse a precisão da teor ia de Cousin acerca das apercepções puras, em
favor da qual sobremaneira se pronunciara e le , em razão da sem-cer imônia com que a
tratamos.
3 – A resposta, que demos, no nosso segundo número, ao discípu lo da f i losof ia, só serv iu
para dup l icar - lhe o ardor, e fazer que e le, em quatro art igos já publ icados, acrescentasse,
às notáveis descobertas de que acima fa lamos, as que vamos refer ir .
4 – Desta vez, f icamos bem convencidos de sermos sectár ios do cet ic ismo de Protágoras e
de Mitrodoro de Chio, f i lósofos mui venerandos sem dúvida, mas cujos escr i tos não nos
consta que tenham chegado até os nossos dias; f icamos também convencidos de ateísmo no
grau máximo, e acusados de termo bebido e saboreado as pernic iosas doutr inas do escocês
Hami l ton.
5 – Releva confessar que vivemos numa terra pobríssima de or ig inal idade, pois que todos
querem, por força, que as idé ias enunciadas nos escr i tos dos seus conterrâneos ou amigos
lhes não per tençam, e as tenha necessar iamente tomado a outrem. Sobre ser isto já uma
tendência má, p ior é ainda a de atacar os resul tados dos rac iocínios f i losóficos, por meio
de negações dest i tuídas de provas e de inf indas divagações, como há fe i to o discípulo da
f i losof ia.
6 – O verdadei ro cr í t ico , realmente d igno de tal nome, é aquele que toma pei to a pei to os
raciocínios do adversár io e mostra- lhe o lugar em que pecara. Existe ou não existe verdade
abso luta? tha t is quest ion! Não se tra ta de saber, se a nossa solução conduz ao cet ic ismo,
ao ateísmo ou ao mater ial ismo, o que negamos; nem tão pouco de saber se Protágoras,
Górgias, Mitrodoro ou outro qualquer , foram desta opin ião, ou se as nossas idéias se
assemelham mais à Bohon-Hupa, que a outro qualquer objeto ; o que se deve ver i f icar é se
o nosso raciocínio é bom ou mau; e como ele se acha à páginas 14 do 1º número do
Progresso, lá pode quem quiser ver i f icar - lhe os dados com descanso.
7 – Era esse o pr imeiro trabalho prel iminar a que se devera ter dado o discípulo da
f i losof ia, em vez de se deixar arrastar , pela sua ardente admiração para com V. Cousin, a
não ser que o nosso art igo lhe servisse somente de tema, para desenvo lver a sua erudição
f i losófica. Numa palavra, para que ele se não descarre ie, como até agora há fei to, e não
perca o tempo inut i lmente fazendo castelos só com o prazer de os derrocar, vamos expor-
lhe, em poucas palavras, o sent ido geral do nosso art igo sobre a certeza humana; e destar te
lhe abr iremos a est rada a f im de que, se quiser , possa entrar numa crí t ica regular.
8 – No nosso c i tado art igo, indagamos nós se o homem t inha d irei to de acred itar em
alguma co isa, e, para nos esclarecer, recorremos à f i losof ia, e aí achamos intermináveis
d iscussões, travadas há 4000 anos sobre esta questão, que o senso comum em todos os
instantes da vida reso lve. E nós, como estamos f i rmemente convencidos de que a anál ise
f i losófica só tem por alvo dar uma síntese luminosa das crenças inst int ivas e confusas do
senso comum, dissemos, à maneira de Locke, que esta divergência provinha da fal ta de
1 6 9
uma l ingua f i losóf ica e que só se disputa sobre as palavras, po is que todos concordam
sobre a essências das idéias.
9 – Como quisemos por nós mesmos indagar a or igem das divergências f i losóficas, sobre a
questão da certeza, examinamos rap idamente as so luções dos d iversos sis temas, e, depois
de termos provado, de passagem, que não pod ia extsti r verdade abso luta, mostramos que as
duas grandes so luções sensual is ta e ideal is ta são dois paralogismos e a so lução de Cousin
um jogo de palavras. Na terceira parte , abandonamos o escalpe lo da cr í t ica, e , passando
também a dogmat izar, estabelecemos os pontos seguintes:
1º – Que todo o conhecimento vem de uma re lação percebida e por consequência
necessar iamente subjet ivo;
2º – Que a qual idade de existênc ia resulta de uma re lação e não pertence aos seus do is
termos, a inda que e la os suponha.
3º – Que os dois termos da relação, considerados isoladamente, só têm existênc ia abstra ta,
donde se segue que o f in i to e o inf in i to são abstrações corre la t ivas uma da outra, cuja
relação é a existência.
E f ina lmente, somos tão pouco ateus que, ao f inal izarmos, exc lamamos com S. Paulo: In
Deo v iv imus movemur et sumus!
O.. . . . . . . .
O Progresso, p. 243-245.
Anexo 10
Nascimento de O Progresso
1 – Era a meiado de abr i l de 1846. Quatro homens, que designaremos pelas letras A. B. C.
e D., moços na idade, mas ve lhos pelo pensamento, seguiam juntos, no Trap iche-Novo,
para o ba irro de S. Antônio. Três dentre eles t inham bebido as sãs e generosas doutr inas
da escola socie tár ia na sua mais l ímpida fonte; todos três eram animados de vivo amor
para com a humani idade; todos os três exper imentavam enérgica necessidade de
trabalharem para a sua regeneração. O outro ainda se achava imerso nas t revas do
cr i t ic ismo; a inda o lume da ciênc ia social não t inha pod ido traspassar a espessa venda com
que as abusões re inantes e os lugares comuns do XVII I século lhe haviam tapados os
olhos: – era um per fe i to civ i l izado.
2 – Pernambuco, como todos nós sabemos, achava-se então no auge de tota l desbarato.
Todos os d ias, publ icava a gazeta o fic ia l os nomes das ví t imas da véspera. A assembléia
provincial , que com todas as veras ajudara os destrutores, há pouco acabava de encerrar a
sua sessão extraordinár ia, e a ordinár ia da assembléia gera l estava para abr ir -se. Assim, de
todas as partes se lhes oferec iam assuntos para uma conversa animada sobre os negócios
da terra ; e apesar d isto , o d iscurso não havia saído dos lugares comuns ordinár ios, quando,
1 7 0
no momento em que os nossos quatro personagens iam saindo da praça do Comérc io em
busca da rua da Cadeia, descort inaram um dos empregados púb l icos demit idos, que se
encontrava com o seu sucessor, e este inc idente ocasionou o d iálogo seguinte, que
infel izmente nos vemos obr igados a reproduzir imperfe i to, por não termos na ocasião um
taquígrafo que o apanhasse.
3 – Olhem, d isse A. ; estão vendo aquele infel iz que al i va i? ainda traz o desgosto na
fronte: estou que é a pr imeira vez que sai à rua desde que fo i demit ido.
— Fizeram mui to bem em mandá- lo para casa, respondeu D. ; sempre o conheci baronista, e
no entanto, assim que fo i revogada a le i da v i ta l iciedade rapou logo a pera;
— Meu amigo, tornou A.; você é mui to severo para com os mais; quem tem mulher e f i lhos
a dar de comer , pode sacr i f icar a barba sem desonra para se conservar no emprego.
— Eu cá não admito essas transações, d isse D. ; cada um deve ser f ie l ao seu pensamento.
— Sabem que mais, acudiu B., d izem que para a semana tem de haver uma nova sér ie de
demissões? Desta vez não escapará um só baronista : não f icará o mais simples al feres da
guarda nacional, nem o mais humi lde cont ínuo das repar t ições provincia is.
— Que querem vocês? respondeu D.; é uma necessidade do sistema const i tucional. A cada
mudança de ministér io deve corresponder uma inversão gera l de todos os empregados que
dele dependem. Cada part ido deve governar por sua vez e neste osc i lar contínuo é que
consiste a vida do sis tema representat ivo .
— Quer d izer, a juntou C. ; que lhe dá a a lgumas centenas de intr igantes o meio de v iver à
custa do suor do pobre povo. (s ic) Se é esta a essência do ta l governo representat ivo ,
então d igo-lhe que é a mais detestável de todas as formas de governo.
— Então, perguntou D. ; prefere o despot ismo, ou a anarquia?
— Talvez! respondeu C.; e por outro lado, com mui pouca exceções, é ao que se reduz o
governo representat ivo para aqueles que se deixam fasc inar pe las aparências. As forças
vivas da nação se gastam nestas lutas inter io res, e o progresso f ica indefínidamente
interrompido.
— Tem razão, acrescentou D.; antes o despot ismo com um imperador semelhante ao Czar
Nico lau I do que todas as const i tu ições do mundo.
— Conforme, d iz C. ; depende is to assaz do estado da nação que se pretende governar. Para
plantar -se o despot ismo russo numa terra como a nossa, mui tas ondas de sangue, haviam
de correr .
E, por outro lado, d iz B.; que são as re formas polít icas sem as reformas soc iais? uma
máscara, e nada mais.
— No meu entender, acrescentou A. ; todo o nosso mal vem da fal ta de opinião públ ica ou
antes do seu sono.
— Então, acorde-a; d isse D.
— E por que não? respondeu B.
— Como? perguntou D.
— Com a imprensa, respondeu B: Até hoje, Pernambuco só há visto gazetas votadas aos
interesses de part ido, que se barateam insultos às mãos cheias; mas nós podíamos pub l icar
uma que tomasse a pei to a causa da humanidade, a do povo que geme, paga e se cala.
— Mui to bem, d isse C.; ensinaremos ao povo os seus dire i tos e deveres; mostrar - lhe-emos
os seus verdadeiros amigos, – os que curam de melhorar a sua desgraçada condição.
1 7 1
Mostraremos a todos esses pretendidos homens de estado que nos governam, que e les
ignoram as pr imeiras noções de economia social e. . .
— Hão de apedrejá- los, d iz D.
— Paciênc ia, respondeu A.
— Não terão subscr i tores, d isse D.
— Faremos as despesas a nossa custa, respondeu A.
— Bravos, d isse D. r indo-se. Eu também subscrevere i. . . .
— Não zombe, acrescentou C. O que d issemos é mais sér io do que pensa. Durante este
diálogo, os nossos quatro personagens chegaram à rua do co légio . D. os deixou, e os três
cont inuaram o seu caminho.
4 – Daí a se is semanas encontramos nós outra vez os nossos três amigos sozinhos, em
torno de uma mesa cheia de papéis, ocupados em escrever um prospecto. Decidira-se a
apar ição do Progresso! e a 12 de julho, ei - lo no domínio da publ ic idade, armado para
l idar , como órgão das idéias de progresso social na América do Sul.
5 – De então para cá, apesar das numerosas cr ises financeiras, o Progresso há sempre
caminhado, quase que há cumprido as promessas do seu programa (coisa rara em todas as
terras) ; e enf im chegou tr iunfante ao segundo volume. Há posto os seus le i tores ao a lcance
da polí t ica exter ior , e da marcha das ciências; há dado conta dos debates da assembléia
geral e da nossa; há discut ido o va lor das le is votadas por e las, e a lgumas vezes há t ido o
prazer de ver os seus art igos reproduzidos, e a sua opinião receb ida no exter ior .
6 – Foi assim que na Bahia o Guaicuru t rasladou, para as suas co lunas, o nosso ar t igo
Interesses província is. E o Jorna l do Comérc io, que nos trouxe o úl t imo vapor , na sua
revista comercial de 1846, a respeito da le i do melhoramento do meio circulante, dá uma
opinião que d iz ser a do corpo de comérc io do Rio de Janeiro , e d isséreis a do 3º número
do Progresso.
7 – Enf im, além dos mares, lá nos muros dessa nova Atenas, o pr incipal órgão do
soc ial ismo em França, d iz que o nosso programa é inte iramente conforme às doutr inas da
Esco la Societár ia, e fa la a nosso respei to nos termos benévolos que aqui reproduzimos. . .
8 – “Fundação de um novo órgão socia l ista no Brasi l .
“A idéia social , d iz a gazeta francesa, caminha e vai progredindo na conquista do mundo,
a despei to de todos quantos obstáculos se lhe oponham.
“Já por vár ias vezes tendo nós not ic iado a propaganda fe i ta em nome de Four ier nos
Estados Unidos; hoje, é do Brasi l que uma voz amiga responde à nossa. Recebemos o
pr imeiro número de uma revista soc ia l , c ient í f ica e l i terár ia, O Progresso, que se pub l ica
em Pernambuco desde o mês de julho passado, com esta lacônica epígrafe: I (Avante!)
Traduzimos algumas páginas do seu programa, que está em per fe i ta conformidade com o
nosso.
“Depois de uma síntese cientí f ica, O Progresso cont inua assim:”
1 7 2
Segue-se a tradução francesa de grande par te da posição de pr incíp ios do Progresso.. . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
9 – E conc lui assim a mesma gazeta:
“Após esta declaração de pr incípios, a revista brasi le ira publ ica: 1º , um ar t igo cr í t ico e
dogmático sobre o problema da cer teza que tanto há ocupado os f i lósofos desde
Ar istó te les até M. Cousin, passando por Descartes, Sp inoza, Berkeley, Kant e seus
sucessores; 2º , o começo de um trabalho sobre o estado do mundo em 1846; este pr imeiro
art igo contém o quadro da sociedade no XV século ; 3º uma revista c ient í f ica; 4º , uma
revista pol í t ica do movimento socia l ; 5º , um poemeto, int i tulado o Tamarinei ro de Mip ibu
e var iedades. Quando recebermos a conc lusão do ar t igo sobre o estado do mundo,
pretendernos fazer a lguns extra tos”.
10 – E no nº 20 do mesmo jornal lê-se também o seguinte: “É do nosso dever repet ir aos
nossos subscr i to res do domingo, que a causa socie tár ia acaba de enr iquecer-se com um
novo órgão. Há poucos dias recebemos o pr imeiro número de uma revista mensal, O
Progresso, cujo programa, de que já pub l icamos um trecho no nosso número de ontem, é
conforme em tudo e por tudo com o da Democrat ie. Esta revista que começou a aparecer
em ju lho, tratará as questões sociais, f i losóf icas pol í t icas, c ient í f icas e l i terár ias. A
julgarmo-la pela pr imeira l ivração, não duvidamos que dentro em pouco ela conquiste
numerosas s impatias”:
À vis ta pois d isso, que mal nos faz a gr i ta de alguns ignorantes invejosos, os insul tos e as
personal idades do D. Novo da nossa própr ia pátr ia e do Corre io Mercant i l da Bahia?
O.. . . . . . . .
O Progresso, p. 397-401.
Anexo 11
REFORMADORES MODERNOS
Johann Ronge
Vos omnes fra tres est is
S. Math.
Ut omnes unum sint.
Et er i t unus grex et unus pastor
S. João
Tradidi t mundum disputat ionibus
1 – Em toda parte estão as re formas na ordem do dia, – na l i teratura, nas ciências, na
organização pol í t ica e soc ial dos povos, na f i losofia, e a té nas crenças re l ig iosas. Um
1 7 3
movimento espontâneo agi ta as duas grandes comunhões cr istãs, – o cato l ic ismo e
protestant ismo, a se aproximarem por meio de mútuas concessões: e aqui lo que não pôde
real izar o ta lento de Melanton de Eck e de todos os espír i tos d is t intos, que, como e les,
t rabalhavam no século XVI para embargarem uma cisão completa na cr is tandade, o curso
natura l das co isas parece querer rea l izá-lo nos nossos d ias.
2 – A luta do protestant ismo contra o cato l ic ismo no século XVI, em essência, era a luta
do espír i to humano, da razão indiv idual, pe lejando para sacudir o jugo que lhe impusera a
teologia romana; e o tr iunfo do protestant ismo em metade da Europa não há passado de
uma vi tór ia ganha pelo espír i to de exame sobre o princípio da fé cega e da autor idade
infal íve l .
3 – Mas, se o d ire i to de exame é para a razão humana um direi to sagrado e imprescr i t íve l ,
assim como o é da l iberdade na ordem po lí t ica e socia l , são duas mani festações da
at iv idade humana, legít imas pelo mesmo t í tu lo ; e assim como na soc iedade a l iberdade
abso luta gera a anarquia e a guerra, e só obtém o seu mais completo desenvo lvimento
numa organização soc ia l e polí t ica da humanidade tal que todos os interesses convir jam
em lugar de divergirem, como ora acontece; da mesma sorte, na ordem das crenças, o
d irei to de exame não pode ser abso luto sem gerar anarquia, c ismas e d ivisões ao inf ini to, a
não ser numa organização rel ig iosa tal que os trabalhos da razão ind ividual não possam
tender senão a desenvo lver e esclarecer o dogma sem nunca atacar- lhes os fundamentos.
Portanto, assim como o catol ic ismo t inha perdido a metade do mundo cr is tão em
conseqüência da despót ica opressão em que quer ia manter o espír i to humano da mesma
sorte, o pro testanísmo, por outro lado, se perdera pelo excesso do seu pr incíp io.
4 – A razão ind ividual abandonada a si própr ia gerou mi lhares de sei tas par t iculares; o
protestant ismo se d ivid iu indefin idamente. Pelo que, os espír i tos s intét icos que sentem a
necessidade de unidade em todas as mani festações da intel igência humana, reconheceram
por f im que o espír i to humano, ao fugir do despot ismo do pr incípio de autor idade para
invocar o l ivre exame e a soberania da razão, caíra de Car ibdis em Ci la ; e tudo parece dar
a entender que o século não há de exp irar sem que o cato l ic ismo e o pro testant ismo sejam,
se não absorvidos numa solução super ior , ao menos reunidos por mútuas concessões.
5 – Na univers idade de Oxford, no própr io se io da hierarquia da Igreja angl icana, grande
part ido aspira com o doutor Pusey a a l iar -se ao dogma cató l ico. Na Prússia , a sei ta
protestante dos amigos da Luz pro fessa doutr inas análogas, e a Igre ja catól ica alemã,
fundada por Ronge, rejei tando a supremacia do papa ou a conf issão aur icular , e
reclamando o restabelec imento da comunhão em duas espécies, o do casamento dos padres
e a introdução da l íngua vulgar nas cer imônias do culto , há dado um passo decisivo para o
protestant ismo.
6 – João Ronge, o fundador da Igreja catól ica alemã, a que já se al iara grande número de
municipal idades prussianas, tanto cató l icas como protestantes, nascera em 1813, em
Bischofswalde, na Si les ia prussiana. Ainda que f i lho de um camponês, fo i educado no
colégio de Neisse, onde terminou os estudos secundár ios com mui ta honra. Daí passou ele
1 7 4
para a universidade de Breslau, onde estudou teologia, entrou no seminár io daquela cidade
em 1839, e daí saiu em 1841, e logo depois fo i nomeado cura da pequena c idade de
Grot tkau.
7 – Era Ronge um espír i to reto e generoso, cheio de amor para com seus semelhantes e
pela terra que o v ira nascer. Penetrado do dogma da per fet ib i l idade humana, sob todos os
pontos de v is ta, so fr ia Ronge cruelmente o sacr i f ício de toda a penal idade, exig ido pe la
hierarquia catól ica e não pôde ver sem indignação a inf luência re trógada da Companhia de
Jesus se fazer sent ir na sua diocese sob a proteção do vigár io geral que inter inamente
ocupava a cadeira ep iscopal. .
8 – Uma car ta que e le pub l icou a este respei to no nº 135 do Vater landsb läter, sob o
pseudônimo de um cônego, fo i o pr imeiro fe i to que atra iu sobre e le a atenção públ icas:
custou-lhe uma acusação absurda, demissão e condenação à pr isão, a que fo i obr igado a
substra ir -se pela fuga. Passava-se is to em 1842.
9 – Então ret i rou-se e le para Laurahütte , na al ta Si lésia, onde os seus amigos lhe
alcançaram um modesto emprego de pro fessor, e a í aguardava e le ocasião opor tuna para
in ic iar os seus compatr iotas nas convicções po lí t icas e re l ig iosas que o animavam: esta
ocasião não tardou. Em 1844, o b ispo Arno ldi , tendo mandado expor na catedral de Treves
uma chamada túnica de N.S.J.C., imensa mul t idão fo i em romar ia às margens do Mosela, a
f im de lá adorar a santa rel íquia. Dentro de pouco tempo o número dos romeiros elevou-se
a mais de 500.000, segundo as gazetas alemãs. Então fo i que Ronge publ icou contra o ato
do bispo Arno ldi um mani festo v iru lento que fez grande bulha em toda a Alemanha
cató l ica, e determinou o novo cisma. Neste cur ioso documento da histór ia contemporânea
notamos nós as frases seguintes:
10 – “É de fei to uma festa idó lat ra, porque mui tos espír i tos s imples são induzidos a
renderem a um vest ido, a uma obra da mão dos homens, as honras e adoração que só
devem a Deus” ,
11– “O fundador da nossa santa re l ig ião não deixou a sua túnica, mas sim o seu espír i to
aos seus discípulos e sucessores: sua túnica, b ispo Arnold i , de ixou-a e le aos seus
algozes”.
12 – O mani festo de Ronge teve um duplo efei to: os seus super iores ec les iást icos o
depuseram e o excomungaram, mas de outra par te, recebeu e le numerosas adesões; redig iu-
se uma pro testação de fé em Schneidemühl , e o c isma fo i consumado. A nova Igreja já
tomou o nome de Igreja catól ica apostól ica alemã. Di fere da romana por c inco pontos
fundamentais. 1º Não reconhece a supremacia de S. S. o Papa que não é para ela senão
bispo de Roma. 2º Não admite a conf issão aur icular . 3º Restabelece a comunhão em duas
espécies. 4º Subst i tu i a l íngua vulgar à l íngua latina nas cer imônias do culto. 5º Permi te o
casamento dos padres.
1 7 5
13 – Daí vê-se que os novos cismáticos alemães aproximam-se do protestant ismo, e
provavelmente são também iconoclastas. Os le i tores esperam, porventura, ver -nos atacar
ou defender os pr incípios da nova Igreja, no entanto deixaremos esta tarefa aos teó logos, e
contentar -nos-emos com observar de passagem que a maior par te das mudanças fei tas
pelos diss identes da ortodoxia romana não são inovações, mas, pelo contrár io,
restaurações.
14 – A supremacia do b ispo de Roma exist i ra largo tempo antes de ser reconhecida. Nos
pr imeiros séculos da era cr istã , a conf issão t inha lugar em al tas vozes, perante todos os
f ié is reunidos. A comunhão em uma espécie é disposição recente. E quanto ao cel ibato dos
padres, todos sabemos que o cel ibato imposto hoje às funções ec lesiást icas passou no
concí l io com
uma maior ia insigni f icante.
15 – A pro fissão de fé de Ronge não di fere, pois, sensivelmente, quanto ao dogma, da
prof issão de fé catól ica romana; e todavia grande número de protestantes a l iou-se- lhe.
16 – Freder ico Gui lherme, que em qual idade de metodista fervoroso não levara a mal os
germens de divisões entre os seus súd itos catól icos, e nem de leve se opusera às préd icas
de Ronge e ao progresso da nova Igreja, segundo se diz, já se vai arrependendo da
to lerânc ia que lhes prestara, ao ver que parte dos seus súdi tos protestantes adotara a
bandeira dos d iss identes; mas é tarde para sufocar o c isma. A l iberdade rel ig iosa é para o
povo alemão uma necessidade de pr imeira ordem, e qualquer perseguição só serv ir ia de
aumentar o número dos part idár ios da nova se ita .
17 – Qual seja a sor te f ina l de Ronge e da sua doutr ina, é o que ser ia mui d i f íc i l de
predizer.
18 – Entretanto, segundo as idé ias progressivas que S. S. há mani festado desde a sua
ascensão à cadeira de S. Pedro, pode-se esperar , sem que por isso se deseje um impossível,
a lgumas concessões da parte de Roma.
19 – Não estamos hoje no século XVI; t rês séculos de rudes exper imentos mostraram
claramente a todos o excesso em que caíra o protestant ismo, e um concí l io hoje houvera
mais probabi l idade que o concí l io de Trento para reunir todos os cr is tãos numa única e
mesma comunhão. Reci fe, 1° de maio de 1847.
O . . . . . . . . .
O Progresso, p. 553 - 557
Anexo 12
O LIVRO DO POVO
1 7 6
1 – O Livro do Povo de Lamennais é uma obra de al to a lcance f i losóf ico polí t ico , e nesta
qual idade deu ele lugar aos mais contrad itór ios juízos. Uns reputaram-no um novo f lorão a
acrescentar -se à coroa l i terár ia do autor, outros só quiseram ver ne le um l ivro sem
unidade, sem efe i to possíve l e que se re futava a si p rópr io.
2 – Estas duas maneiras de ver tão d i ferentes expl icam natura lmente sem que se suponha
má fé da par te do cr í t ico. De fei to, em qualquer obra deste gênero dão-se duas co isas
dis t intas, pr imeiramente o alvo com que é escr i to, a idéia que o insp irou e que cada parte
deve de fazer sobressair : em segundo lugar, as f rases que a compõem, as quais não devem
ser tomadas isoladamente; porque, se considerarmo-las, com o seu valor absoluto,
destacadas do que precede e do que se segue, poderemos encontrar ne las contradições e
inconseqüências que não existem de sor te a lguma nem na obra, nem no pensamento do
autor.
3 – O crí t ico verdadeiramente digno deste nome e do sacerdócio de que é revest ido se
adstr inge ao pr imeiro destes dois pontos de vis ta, ident i f ica-se com a idé ia do autor,
segue-a em todos os seus desenvo lvimentos, ver i f ica a inexat idão dos rac iocínios, e
somente sobre o resul tado deste trabalho é que e le assenta a sua opinião. Outros, (e
desgraçadarnente são numerosos) incapazes de apanhar o todo de uma obra, perdem-se nos
pormenores e condenam uma obra que rea lmente não compreenderam.
4 – Destarte fo i que um escr i tor medíocre (Lerminier) que à força de dec lamações,
antí teses e exagerações de mau gosto , conseguiu uma semireputação, acusava o Livro do
Povo de não passar de um tec ido de contradições, e chamava-o “l ivro de Cólera e de
mansidão, de sed ição e de ascet ismo, traçado por um t r ibuno e por um santo, mater ial is ta e
míst ico, destru indo-se a s i própr io, sem unidade, sem efe i to possíve l, sem per igo, página
de catec ismo cozida a um farrapo de contrato socia l, e tc. , etc. , etc .”
5 – Lerminier não compreendeu o Livro do Povo. Este l ivro é um t ratado de mora l meio
f i losófico e meio cr istão. É um tra tado de moral baseado neste pr incípio: “O dest ino do
homem neste mundo é aproximar-se o mais possível de Deus, desenvolvendo todas as suas
faculdades”. t ra tado que, apesar de a lguns v islumbres de mist ic ismo, ainda apresenta um
caráter de lógica mui notável.
6 – Deste pr incíp io Lamennais t i rou pr imeiramente o direi to e o dever, de acordo neste
ponto com Th. Jouffroy e os f i lósofas da nova esco la, e reconhece que em substância só há
para o homem um único dever, o de completar o seu dest ino; donde se segue mui
legi t imamente: 1º que cada homem deve de respeitar os outros no cumpr imento do seu
dest ino; (e is a just iça); 2º , deve ajudá- los no cumprimento deste mesmo dest ino. (E is a
car idade). Assim, o amor é toda a le i .
Amor do próximo – Respeito aos outros no cumprimento do seu dest ino (Just iça).
Socorro aos outros para completar este mesmo dest ino (Car idade).
1 7 7
7 – Decorre, pois, deste pr incípio, além do dever, o d i rei to que cada qual tem de ser
respeitado e socorr ido no cumprimento do seu dest ino. O Livro do Povo é consagrado ao
desenvo lvimento destes pr incíp ios. O autor segue-os na esfera social e polí t ica, e mostra
os d irei tos e os deveres tornando-se cada vez mais sagrados, à medida que o cí rculo em
que se e les devem de exercer se vai alargando.
8 – Procuraremos, po is, resumir em a lgumas páginas esta impor tante obra, a f im que os
nossos le i tores possam ver i f icar a exat idão da nossa apreciação. Os homens, d iz
Lamennais, não dever iam formar senão uma grande fama, (sic) unidos pelo amor ; mas
surgiu o egoísmo que se apoderou dos corações de alguns, e eles prenderam seus irmãos, e
deles f izeram seus escravos. Estes escravos passaram por três estados di ferentes.
Tornavam-se servos, isto é, não eram tota lmente a causa de seus senhores, mas sempre
obr igados a obedecer- lhes e trabalhar para eles; enfim, tornaram-se proletár ios, iguais aos
seus senhores in nomine, mas de fato pr ivados de todos os di rei tos pol í t icos e
abandonados sem defesa à depredação das c lasses pr ivi legiadas.
9 – E, contudo, o povo é o gênero humano, e os pr ivi legiados não formam senão uma
fração quase imperceptíve l . O povo é que sustenta a sociedade pelo seu trabalho, e por
cuja defesa derrama o seu sangue; e quem produz tudo, e em paga só tem a escravidão e a
misér ia. A sor te deplorável do povo melhorará quando e le quiser, pois existem cem
proletár ios contra um pr ivi legiado. Mas, procurando reaver os seus di rei tos, não convém
que ele ataque o de outrem. Cumpre destru ir a injust iça para subst i tu ir - lhe a just iça, e não
cont inuá-la em provei to seu. O povo não será um forte; o seu poder e a sua vontade não
serão ir resis t íve is senão quando ele for unido pela just iça e pela car idade. Os vocábulos
direi to e dever se supõem mutuamente, e não são senão consequência do dest ino imposto
ao homem como indivíduo transpor tado para a esfera soc ia l . O dest ino imposto ao homem
na terra é separar -se cessantemente do bruto para se aproximar de Deus, cul t ivando todas
as suas faculdades, tanto esp ir i tua is como f ísicas: este é o seu dever ind iv idual.
10 – Como homem soc ial , e le deve respei tar e ajudar os outros no cumpr imento do seu
dest ino; e tem direi to ao mesmo respei to, ao mesmo socorro da par te de cada um deles.
Respeitar é a just iça; ajudar é a car idade.
11 – Daí resul tam todos os d ire i tos e todos os deveres. Todo o homem tem dire i to de v iver
e de se conservar, de viver vida do corpo e v ida do espír i to. Estes direi tos são o que se
chama a l iberdade, e este direi to pertence igualmente a todos os homens. Não há ninguém
que tenha direi to de pr ivar os outros da sua l iberdade. Todos os homens são iguais.
12 – A moral idade do gênero humano é inseparável da l iberdade. O homem transpor ta este
direi to de l iberdade para a esfera social . O direi to social , o d ire i to do povo, é a coleção de
todos os dire i tos ind ividuais; por isso ainda é mais respei táve l, e se não pode vio lá- lo sem
que se cometa um cr ime contra toda a humanidade.. Entretanto , por toda a parte o povo
vive na misér ia, pr ivado do seu dire i to e da sua l iberdade, sujei to a le is de monopól io e de
pr ivi légios, que e le não f izera nem autor izara, e que tendem a mantê-lo sempre na
dependência, perpetuando a sua ignorânc ia e avi l tamento.
1 7 8
13 – Destes homens que têm imposto o seu jugo a seus irmãos,
uns não têm dado outra razão senão a sua força, outros argumentos senão os seus saté l i tes;
outros se apoiaram na rel ig ião, se proclamaram de natureza super ior aos outros homens, e
a humanidade os acred i tou: ao d irei to do mais for te subst i tuíram eles o direi to d ivino.
Depois reconheceu-se a i legi t imidade do direi to do mais for te e do dire i to d iv ino.
Reconheceu-se o pr incípio de soberania do povo, mas somente como pr incípio , porque
desta soberania resul tar ia que a le i deve de ser a expressão da vontade e da l iberdade de
todos, e que todo o monopól io pol í t ico é i legal. O governo não passa de um mandatár io
revogável, que recebe do povo poderes que este deve rever de quando em quando, e pode
cassá-los todas as vezes que ju lgar conveniente; donde resul ta a i legi t imidade de qualquer
soberania hered itár ia, de qualquer poder que não há sido cr iado pela vontade de todos, ou
que, uma vez cr iado, pretende guardar eternamente o seu poder. . . . . . . . . . . (no texto)
Todos os animais tem sobre a terra o que lhes é necessár io, e só o homem é nu e pobre,
(nudus et pauper) porque um pequeno número se apropr iou de tudo. Herança, pr iv i légio,
nobreza, rea leza, qualquer soberania que se subtrair à soberania popular é um atentado
contra os d ire i tos da sociedade; o povo não cr ia priv i légios, de lega o seu poder, e re t i ra-o
quando lhe apraz. É este o seu direi to ; o d ire i to do homem soc ial . (A l iberdade)
Vejamos agora os seus deveres, porque o direi to concentra cada qual em si . O direi to
separado do dever fora a soberana injust iça, (so lum jus summa injust i t ia) o egoísmo puro.
O dever puro é a ded icação, a car idade, enfim o amor . O direi to e o dever são sagrados; e
do seu cumpr imento resul tar iam a fe l ic idade e a harmonia do gênero humano.
14 – Todos os entes têm um dest ino a cumpr ir . Por isso é um ato imora l o fazer padecer ou
morrer a lgum deles sem ut i l idade. Como a existênc ia do homem é mais importante que a
dos animais, e le os pode matar para a sua própr ia conservação, mas não para o seu recre io.
15 – Todos os dire i tos e todos os deveres do homem der ivam de uma única le i – a do
amor; o amor é que lhe impõe o dever de se aproximar incessantemente de Deus, e de
prat icar para com o seu próximo a just iça e a car idade.
16 – Os deveres gerados por esta le i são gerais ou par t iculares, segundo se considera o
homem, ou como ind ivíduo, ou fazendo par te de uma sociedade organizada. Estes deveres,
o homem os lê na sua consc iênc ia, os vê por toda a par te fora de si . Como indivíduo, e le
tem para consigo mesmo, e para com os outros, deveres negat ivos e deveres posi t ivos –
just iça e car idade. Da mesma maneira, na esfera socia l , e le tem a cumpr ir deveres de
famí l ia e de pátr ia ; ele tem deveres a cumpr ir para com a mulher a que fo i unido pelo
santo laço do matr imônio; deveres para com os f i lhos, a quem deve, no estado atua l da
soc iedade, bons exemplos, e a educação física e intelectual, o al imento do corpo e do
espír i to, porque, como. d iz J. Cr is to, o homem não vive somente de pão; v ive também de
todas as pa lavras que saem da boca de Deus, ” isto é, de verdade.
1 7 9
17 – Os f i lhos têm também deveres a cumpr ir para com os pais, enquanto moços, devem
respeitá-los e amá-los; quando ve lhos, devem rest i tuir - lhes os desvelos, que por e les lhes
foram prodigal izados durante a infânc ia.
18 – O homem têm também deveres a cumprir para com a sociedade no seu todo, para com
sua pátr ia; não deve hesi tar em sacr i f icar por ela a própr ia vida. Acima do ind ivíduo a
famí l ia , ac ima da famí l ia a pátr ia , ac ima da pátr ia a humanidade. Dar-se-á co isa mais
imora l que este vocábulo – estrangeiro? Não são todos os homens irmãos? Não são irmãs
todas as nações? Dar-se-á co isa mais infame que trucidar -se rec iprocamente, pe lo fato de
não ter nascido do mesmo lado do r io, ou de uma serra?
19 – O complexo dos deveres e das verdades eternas que lhes servem de fundamento, é a
rel ig ião, – a verdadeira rel igião. E la está gravada no coração de todos os homens, e não
deve ser confund ida com as formas cont ingentes e morredoras que reveste. Conta i os
benefíc ios prestados à humanidade pelo Cr is t ianismo e vere is que as palavras do Cr is to
const i tuem a verdadeira rel ig ião, que nem pode mudar nem morrer.
20 – Mesmo na soc iedade ant icr istã e imora l em que vivemos, a vir tude e o víc io trazem
consigo a sua recompensa. E que acontecerá, pois, quando se cumpr i r a le i? porque, o
cumprimento do dever por todos, real iza o di rei to de todos. O dire i to e o dever são
inseparáveis. Se quiserdes reconquistar os vossos direi tos, respei tai o dos outros. Uni -vos
para obter a just iça; mas não vos esqueçais da car idade. Ide com estas idé ias, tende
conf iança, e o vosso tr iunfo é cer to.
21– O resul tado deste tr iunfo consist i rá em chegarmos, não a este níve l absurdo e
ant inatural , inventado pelos part idár ios dos pr ivi légios para amedrontarem os que
possuem, níve l que, em pouco tempo, destrui r ia o progresso social , se pudesse ser
estabelec ido, mas à verdadeira e única igualdade possível, a dos d ire i tos. Então, já não
haverá aí nem monopól io, nem pr ivi légios hereditár ios, mas s im l iberdade indefin ida de
assoc iação: e l ivre, enf im, dos óbices que há largo tempo o embaraçam, o trabalho do
homem mudará o aspecto do mundo. O vapor, os r ios, motores possantes que a natureza
deixou à d isposição do homem, em vez de pr ivarem o povo de trabalho como hoje
acontece, lhe permi t i rão, pelo contrár io, consagrar mais tempo ao seu progresso mora l e
inte lectua l, tomar sua parte nos gozos da inte l igênc ia e da arte.
22 – Então só se dará um cr ime de longe em longe, e a le i verá no cr iminoso um irmão
desvairado, que deve ser reconduzido e não um cr iminoso a punir . Já não haverá cadeias,
nem patíbulos. A sociedade já se não manchará com assassinatos jur íd icos; desaparecerá
esta infame pena de morte, atentatór ia dos d i rei tos do c idadão, da humanidade e do
própr io Deus.
23 – Já não haverá déspostas; já não haverá guerra; mas sim união entre todos os c idadãos;
fra ternidade entre todos os povos; enf im, a mais completa fe l ic idade de que o homem
possa gozar, antes de se reunir a Deus.
Reci fe , 9 de outubro de 1847.
1 8 0
O.. . . . . . . .
O Progresso, p. 647-653.
Anexo 13
At ividade Humana
Nous voulons le plein développement de toutes les
individual i tés, spontanément et legit imement ordonnées,
dans l ’unité absolue de l ’espece.
PHALANGE
1 – Todos os atos da individual idade humana, como com muita razão observara
Theodoro Jouffroy, nas suas Miscelâneas f i losóficas, tendem a um único f im – ao
prazer que resulta da sat isfação dos desejos que a organização de cada indivíduo
determina em si próprio.
2 – Ora, este fenômeno de prazer, único móvel da nossa at ividade, exige para
manifestar-se: primeiramente que exista o objeto desejado; depois, que ele esteja ao
alcance do indivíduo que deseja, e enfim que seja empregado com vistas no prazer.
3 – Ao que pode ser o objeto de desejos, deu a economia pol í t ica o nome de
r iquezas, e o de consumo, ao ato que faz que tais r iquezas sirvam ao prazer. Ora se
estas r iquezas exist issem naturalmente, sempre proporcionais aos desejos do
homem, e se sempre est ivessem ao seu alcance, bastaria que ele manifestasse a sua
at ividade pelo fenômeno do consumo, cuja condição única seria então o tornar-se
ele proporcional aos desejos ou necessidades do indivíduo que obra. Mas a
distância em que as r iquezas se podem achar, os obstáculos que algumas vezes se
levantam entre o homem e o objeto desejado, nos fazem obrar de um novo modo,
que consiste em colocar as r iquezas ao alcance do consumo, e a que se deu o nome
de distr ibuição. Finalmente, a insuficiência das r iquezas naturais, para sat isfazerem
os nossos desejos incessantes, determina uma terceira manifestação que se
denominou produção.
4 – Logo, móvel da at ividade humana, o desejo; f im o prazer; meio o consumo;
necessariamente produção e distr ibuição, e isto indefinidamente, porque um desejo
sucede a outro, enquanto exist ir o indivíduo, em quem esta sucessão mesma é a
manifestação indispensável da persistência da vida. Daí resulta igualmente que a
produção e o consumo, para preencherem a sua missão, se devem tornar
proporcionais às necessidades; e a distr ibuição, que representa somente o papel de
1 8 1
intermédio, deve ser fei ta do modo mais econômico, em tempo e força despendida.
Além disto, como, para passar do desejo ao prazer, por via dos fenômenos que
acabamos de indicar, se pode seguir diversas estradas, que nem todas seriam
igualmente direitas, seguras e transitáveis, é claro que se deve impor certas
condições, e sujeitar a certas regras cada um dos elementos que entram nesses
diversos modos da at ividade humana. Assim, o solo, os produtos naturais, o cl ima,
o trabalho do homem, quer imediato, quer executado de antemão (capital), as suas
faculdades produtoras e consumidoras devem ser dir igidas e combinadas conforme o
alvo f inal. Numa palavra, estas regras são excessivamente simples, pois se reduzem
à apl icação da fórmula seguinte: colocar e manter os diversos elementos que
representam um papel nos fenômenos da produção, distr ibuição e consumo, de
sorte que gozem da maior l iberdade, e exerçam a ação o mais possível, segundo as
suas atrações ou tendências naturais; condição evidentemente mais favorável, com
uma força dada qualquer, para obter-se um efeito máximo.
5 – Já observamos noutro lugar que o simples fato da existência implica a idéia da
sucessão incessante dos desejos no homem. Estes desejos são de diversas ordens e
se referem a diversas faculdades, que são como as componentes cuja reunião
consti tui a individual idade. Ora, estas componentes, seja qual for, na origem, o seu
estado mútuo de luta, se acham evidentemente nas melhores condições possíveis
para o bem ser geral do indivíduo, com o qual elas são todas solidárias, cada vez
que se estabelece entre si um tal estado de equi l íbr io e de harmonia, que repartem
entre elas mais precisamente a esfera da at ividade, e convêm numa troca recíproca
de serviços. Como esta troca permite, em virtude da divisão do trabalho, uma
l iberdade de especial ização maior a cada faculdade, para o gênero de at ividade que
lhe é mais próprio, daí resulta, como já vimos precedentemente, melhores condições
para a produção, a distr ibuição e o consumo, e, por consequência, um maior gozo
tanto para a resultante homem, como para cada uma das suas componentes.
6 – Mas, ainda depois desse primeiro progresso realizado pela troca mútua entre as
diversas faculdades, nunca o consumo se poderia afastar muito dos l imites traçados
pelas necessidades indispensáveis para a conservação do indivíduo, que,
constrangido a gastar todo o seu tempo, a empregar toda a sua at ividade, para este
resultado mesquinho, nunca teria alcançado requintar os seus sentidos, nem
desenvolver o seu coração e intel igência, se uma nova complicação, ao passo que
lhe pusesse em dúvida a existência, não o obrigasse a um novo compromisso, fonte
de novas trocas e por conseqüência de novos progressos.
7 – Como o homem não é o único de sua espécie no globo, achou-se logo em
contato com entes dotados de necessidades análogas; cada um quis se apropriar as
r iquezas naturais, e, como estas, em breve se tomaram insuficientes, o estado de
guerra ao cabo de certo tempo foi a conseqüência necessária do desenvolvimento
espontaneo dos seus desejos e at ividade inst int iva. Então não houve mais
segurança, nem mesmo existência possível para o homem; e já nem ele podia
produzir, nem recolher, nem transportar, nem consumir suas r iquezas, sem receio de
1 8 2
as ver roubadas por seus semelhantes. Esta luta, que revelou a sua sol idariedade aos
homens existentes, em certa região, foi para eles a causa que determinou a
formação do laço social que, em princípio, não foi mais que uma convenção para
garantir a cada um certa l iberdade de produção, distr ibuição e consumo, f ixando
l imites ao desenvolvimento individual.
8 – Ora, esta convenção permit iu a cada indivíduo o entregar-se, dentro de certos
l imites, à sua at ividade. A natureza os dotara com desejos múlt iplos e incessantes,
com forças, faculdades e aptidões diferentes e ao passo que, cada um procurava
especial izar, segundo as tendências naturais, as suas forças produtoras e
consumidoras, nasceu de semelhante diversidade a divisão do trabalho, que
necessitou entre os homens as t rocas – sinal infalível, como já vimos
precedentemente, de maior l iberdade e de um maior gozo.
9 – Assim, o indivíduo social, – municipal idade, província, nação; seja qual for o
nome e dimensão que se lhe assine, tem existência necessária, tão legít ima como a
do indivíduo homem, para quem a sua formação constitui verdadeiro progresso,
progresso indispensável até para a persistência da sua individual idade. Por
conseqüência, como o homem deve viver em sociedade, não é a at ividade do homem
isolado e selvagem, que se deve regular e dir igir , mas sim a do homem em contacto
com os seus semelhantes.
10 – Ora, a sol idariedade dos indivíduos – homens, no indivíduo social, é completa;
o gozo daqueles é inteiramente proporcional aos destes; logo, trata-se de dir igir a
at ividade individual diretamente, em vista do maior gozo possível, para o indivíduo
social. Mas, entre esta individual idade composta e a do homem no estado selvagem
ou de isolamento, que ao princípio já examinamos, vemos uma semelhança
completa, quanto à disposição e arranjo das componentes. A sua natureza quase que
não oferece diferença alguma, senão na ordem a que pertencem, e na complicação
um pouco maior do mecanismo que diversif ica as componentes-faculdades que
consti tuem o homem, das componentes-indivíduos que consti tuem a nação. O f im a
esperar é o mesmo – o gozo; os meios para chegarmos até ele são idênticos – a
produção, distr ibuição e consumo; podemos pois apl icar afoitamente, tanto a uma
como a outra, a regra precedentemente enunciada, e dir igir cada elemento, de modo
que lhe deixemos a maior l iberdade de ação possível. Em últ ima anál ise, estes
elementos são completamente análogos aos que já consideramos, no caso
precedente, à exceção de um só, que é a diversidade das aptidões, forças,
capacidades das individual idades – homens, que aparece aqui, pela primeira vez, e,
como todos os outros, deve ser empregado do modo mais profícuo ao bem ser do
indivíduo social; bem ser real izado pelo aumento e especial ização do consumo, que
tem ao mesmo tempo por conseqüência, causa e termômetro infalível a extensão das
trocas entre os indivíduos, – comércio interior.
11 – Considerações análogas apl icadas à coexistência dos diversos indivíduos
sociais – nações, sobre a superfície do globo, nos mostram, como para os
1 8 3
indivíduos – homens, antes da criação do laço social, a luta entre os povos, apenas
eles se encontram, o comprometimento da sua existência pela guerra, e a opressão
de todas as manifestações da sua at ividade, até que pela consciência da sua mútua
sol idariedade, eles se consti tuem, pela formação de um laço internacional, partes
integrantes de nova individual idade de ordem superior, a humanidade. As nações na
humanidade, assim como os indivíduos em a nação, são sol idárias umas para com as
outras; assim, elas encontram o seu gozo mais completo, a sua maior soma de
fel icidade, na do indivíduo humanidade, em cujo proveito devem ser dir igidos,
defini t ivamente, os fenômenos de produção, distr ibuição e consumo.
12 – Esta nova compl icação do mecanismo da individual idade, cuja at ividade deve
ser dir igida, não causa modif icação alguma no apl icar das regras já enunciadas; é
bastante sujeitar-se a elas o novo elemento introduzido, que é a diversidade das
forças, apt idões, etc. das nações, elemento cuja introdução permite, em virtude de
nova divisão no trabalho, uma especial ização muito mais l ivre das forças
produtoras e consumidores individuais, que assinale uma terceira e últ ima fase de
progresso, caracterizada pela mult ipl icidade das trocas entre nações.
13 – Vemos pois que o alvo da at ividade humana, que é a sat isfação dos desejos
iniciais, emanados das diversas paixões do indivíduo, encontra a sua mais completa
real ização na maior l iberdade concedida a cada um dos elementos desta mesma
atividade, e que a soma possível desta l iberdade vai sempre em aumento do homem
isolado no estado selvagem, ao homem no estado social, e enfim ao homem,
membro de uma sociedade que seria por si mesma um dos elementos da humanidade
organizada.
14 – Seguir-se-á acaso daqui forçosamente, como alguém o poderá crer, que seja
necessário conceder uma l iberdade absoluta às individual idades (nações, homens,
paixões ou faculdades) no exercício da sua at ividade? De certo que não. Seria
necessário para isso que cada força produtora se achas-se colocada de tal sorte, que
a sua ação espontânea fosse a mais vantajosa possível, que a distr ibuição se f izesse
por si só, por assim dizer, de modo mais simples e direto e o consumo pudesse ser
adequado às necessidades.
15 – Ora, é evidente que estas condições não existem hoje, e até não são
absolutamente real izáveis: o que podemos e devemos concluir do que precede, é que
o caráter do progresso é permit ir a cada individualidade um desenvolvimento de
mais e mais l ivre da sua at ividade, com a condição de que esta at ividade seja
sempre dir igida, segundo o alvo que se deve at ingir.
16 – Por quem deve ela ser dir igida? Deverá f icar entregue ao indivíduo homem a
apl icação das regras, ou devem ser impostas pelo indivíduo nação, ou ainda pelo
indivíduo humanidade? Deduzir-se-á do que precede a nossa opinião a este respeito;
entretanto, é uma consideração de pouca monta, para o assunto a que este art igo
serve de introdução; o que importa é veri f icar a necessidade dessas regras, o seu
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caráter, que é o progresso, pela extensão da l iberdade, e, sobretudo, o sinal
característ ico do progresso, que é a cr iação e a extensão da troca entre as
faculdades do indivíduo, entre os próprios indivíduos, e enfim entre as nações, – a
extensão do comércio
interior e exterior.
A. . . . . . . . .
O Progresso, p. 175-180
Anexo 14
COMÉRCIO INTERNACIONAL
Olho por olho, dente por dente!
Lei hebraica
1 - Por maior que seja a dose de ot imismo, encomendado, ou de convicção, com que
examinemos as nossas sociedades modernas, não se pode escurecer que atualmente
se acham elas num estado de sofr imento que vai crescendo cada vez mais, o qual
nos é revelado ao mesmo tempo pelo aumento rápido do proletariado e crimes de
todos os gêneros, e pelas sublevações que de quando em quando põem em dúvida a
própria existência da forma social. E até é sabido que, no estado atual, cada
progresso nas ciências e nas artes mecânicas, cujo efeito devera ser, – aumentando
as forças produtoras, ou simpli f icando-lhes o emprego, aumentar proporcionalmente
o bem ser geral, produz um efeito absolutamente contrário. A maior parte das
insurreições de operários hão sido ocasionadas pela introdução de máquinas
aperfeiçoadas, e é isso também o que há feito periodicamente correr o sangue em
todas as terras em que se há desenvolvido a grande indústr ia.
2 – Duas causas determinam este estado mórbido, que faz converter em desproveito
do corpo social as descobertas que lhe deviam aumentar os gáudios: provém ele,
primeiramente, de uma má organização da at ividade individual, no seio de cada
indivíduo social (povo, nação etc.), em segundo lugar, de ainda não terem os
diversos indivíduos sociais compreendido a sua sol idariedade nem real izado, pela
extensão das trocas internacionais, a terceira fase de progresso nesta ordem de
fatos.
3 – Entre cada povo, a at ividade individual , em vez de ser dir igida para o bem de
todos, conforme os princípios incontestáveis de l iberdade de especial ização,
simplicidade e economia, como já estabelecemos no nosso art igo precedente
1 8 5
(at ividade humana), essa at ividade, dizemos nós, f icou entregue a si própria:
sat isf izeram-se os legisladores com o f ixar certas leis, impor certas regras, a f im de
impedir que os indivíduos se ofendessem uns aos outros diretamente, e exigir, para
o consumo certas condições part iculares: o resto f icou à mercê do capricho
individual, sem ter nada que o dir igisse em vista do alvo a que se mira.
4 – E de semelhante anarquia que foi o que resultou? — Que o consumo se há feito,
e ainda hoje se faz à ventura, sem proporção com os desejos e às mais das vezes,
sem a mínima l iberdade de especial ização: a distr ibuição ocupa, em dupl icados
empregos e rodas inúteis, uma força cêntupla da que lhe fora mister, e danif ica
assim diretamente a produção, pelas forças que lhe t i ra, não levando em conta a
inf luência que ela exerce ao mesmo tempo sobre o consumo, pelos desperdícios e
fraudes de todas as castas.
5 – Quanto à produção, essa se efetua num deplorável estado de incoerência: os
elementos produtores vivem em guerra aberta entre si , e trabalham num estado de
isolamento, de ordinár io em circunstâncias desfavoráveis, e sem se importarem com
as necessidades que se acham por prover; as quais, nesse estado anárquico em que
vivemos, nem sequer se podem conhecer. – Forças imensas sem emprego, algumas
empregadas de um modo improdutivo, outras enfim empregadas para destruir, – eis
o quadro que nos oferece a of icina social: com semelhante organização, ou antes,
nesta ausência de organização, não admira que a produção e o consumo,
consideravelmente restr ingidos, restr injam outro tanto o prazer e o bem ser do
corpo social.
6 – Como já vimos no art igo precedente sobre a atividade humana, a coexistência
no globo de diversos indivíduos sociais, após o primeiro momento de luta e de
sofr imento que é a sua conseqüência, devia permit ir maior desenvolvimento de
l iberdade produtora e consumidora, maior bem-estar, progresso caracterizado pela
extensão da troca internacional, – comércio exterior. Desgraçadamente, ainda não
saímos do primeiro período dessa fase de progresso, – a do sofr imento causado pelo
antagonismo dessas individual idades de nova espécie. Até hoje ainda, a humanidade
se não acha consti tuída; verdade é que os seus elementos co-existem mas como que
sem nexo; apenas um pacto, – pacto antes de usanças que de direi to, sem embargo
do nome de direito das gentes que se lhe dá –, interveio para regularizar certas
relações internacionais, e garantir a cada povo certa l iberdade de at ividade. Ainda
mais, como esse código, além das suas imperfeições e lacunas, não tem outra
sanção mais que a força bruta das partes, cada nação é atualmente obrigada a gastar
um quarto ou metade dos seus haveres, a empregar uma parte notável da sua força
viva, a f im de manter armadas, exércitos e praças de guerra, fundições, arsenais e
outros meios de destruição, para se não pôr a mercê das suas vizinhas, e o axioma
romano é ainda hoje tão verdadeiro na prát ica como há dois mil anos: Si vis pacem,
para bel lum!
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7 – A persistência do estado selvagem entre os homens, há sempre encontrado mui
poucos part idários; mas de tempos a cá, a maior parte dos homens de estado e
escri tores, não ref let indo que, na humanidade, são as nações análogas aos
indivíduos e são por conseqüência sol idár ios em bem e em mal, esses homens,
dizemos nós, nunca consideraram o bem estar de um povo senão como adquir ido à
custa do bem-estar dos outros povos. Assim, em todos os t ipos, eles indagaram
somente os meios de desfrutar a at ividade das nações vizinhas, em lugar de se
ocuparem, como é mais racional e simples, em tornar ao mesmo tempo mais
produtiva esta últ ima e a sua própria. Em lugar de verem, no antagonismo armado
atual, uma transição dolorosa que bem depressa deve dar lugar ao reinado da paz e
da fratemidade universal, eles consideram-no como estado normal, e chamaram
utopistas, loucos e ímpios a todos quantos os contradizem; — Mercê de Deus !
quando as f i lantrópicas convicções dos homens de progresso lhes não custam o
sacri f ício da l iberdade ou das vidas!
8 – Este absurdo sistema de isolamento guerreiro, tinha, como corolário natural, a
obrigação imposta a cada nação de t irar, do seu solo e indústr ia part icular, todos os
produtos destinados ao consumo, e isto sob pretexto de se tornar ela tributária do
estrangeiro; e para esses sábios economistas, consist ia o ideal do comércio em
muito exportar e nada importar. Foi sob a inf luência destas idéias bárbaras e anti -
sociais que se estenderam as l inhas de alfândegas em quase todos os países;
estabelecidas, na origem, com o único alvo de perceberem um imposto, e depois
modif icadas, para permit ir o desenvolvimento de certas indústr ias, tornaram-se
af inal as alfândegas verdadeiros aparelhos isoladores, cujo único resultado é
dif icultar as trocas, embaraçar o comércio internacional e até prejudicar as rendas
do tesouro, em proveito aparente, mas, em desvantagem real do qual, t i ram elas
esses direitos chamados diferenciais, protetores, e que antes se deveriam chamar
destruidores.
9 – Com efeito, podemos considerar a existência dos direitos de alfândegas debaixo
de dois pontos de vista: como meio de t irar o imposto necessário para as despesas
da comunidade, e como meio de proteger a indústr ia social. Como meio de t irar o
imposto, vemos antes que tudo, que é esse um dos piores, pois que emprega sem
proveito um exército de agentes, com que se despende uma porção notável das
rendas recebidas, submete viajores e negociantes a muitos incômodos e vexações
insuportáveis, dá ocasião a que o comércio faça despesas enormes, e,
f inalmente, faz que o imposto não corresponda às condições de justiça geral, que
exigem que os encargos do estado pesem igualmente sobre todos os ramos da
produção do país, em proporção da sua importância. Como meio de proteger a
indústr ia a experiência há provado que, como a teoria indicava, toda a proteção, em
últ ima anál ise, não passa de um imposto t i rado, em proveito de uma indústr ia, sobre
todas as outras, trazendo de mais as desvantagens seguintes:
1ª – fazer pagar aos consumidores nacionais os produtos das indústr ias
privi legiadas, mais caro do que se t i rassem do estrangeiro, e gravar destarte todos
os outros ramos de indústr ia nacional, de um modo tanto mais desastroso quanto os
1 8 7
direitos produtores pesam sobre matérias de um uso mais geral, como tr igo, sal,
ferros, etc.;
2º – dispensar os produtores privi legiados da concorrência que os obrigaria a
progredir, a apl icar processos mais aperfeiçoados, e por consequência obstar que os
produtos se tornem mais baratos; 3º – Enfim, prejudicar ao país inteiro, de um
modo geral, desenvolvendo indústr ias parasitas, em despeito do cl ima e das
circunstâncias naturais, à custa dos verdadeiros ramos da produção nacional, que a
proteção priva de consumidores no exterior, em consequência dos direitos
diferenciais ou proibit ivos, que os seus produtos encontram nos mercados
estrangeiros, e para os quais as nações se não deixam tratar com reciprocidade.
10 – É pois evidente, que em princípio todo obstáculo à mult ipl icação, e, por
conseqüência, à faci l idade das trocas internacionais, é absolutamente prejudicial ao
bem de todas as nações em geral, e de cada uma em part icular . Entretanto, não
temos que convenha suprimir imediatamente todas as barreiras que hoje separam os
diversos povos, sob a relação comercial e industr ial . Para que semelhante medida
fosse boa, fora mister que todos os povos e todas as porções do solo se achassem no
mesmo grau de r iquezas e de progresso: mas no estado atual das coisas, quando a
primeira das unidades que se deve real izar, a do solo, ainda se não acha
completamente adquir ida, em país algum, por fal ta de numerosas vias de
comunicação, rápidas e fáceis; e quando os capitais, que se tornaram o elemento da
mais importante consideração, nos fenômenos que dependem de at ividade humana,
longe de se acharem necessariamente em mãos capazes de dir igi -los do modo mais
racional e vantajoso, ao contrário se acham distr ibuídos ao acaso: neste estado de
coisas, dizemos nós, concebe-se que a sociedade deve proteger momentaneamente
tal ou tal ramo da produção, quando este ramo se acha realmente colocado em
circunstâncias favoráveis, e em termos de poder tr iunfar, com este socorro, dos
obstáculos que se encontram na origem de toda a indústr ia nova, e dar ao país, mais
para o diante, pela barateza dos seus produtos, mais que o valor do imposto com
que ela o houver gravado. Em resumo, a proteção não deve passar de um
empréstimo temporário, judiciosamente fei to pelo corpo social a um dos seus ramos
de at ividade.
11 – Outras considerações ainda podem autorizar, em certos casos, uma derrogação
no princípio da l ivre indústr ia, e motivar o estabelecimento de direitos protetores:
assim, quando, entre algumas nações, a existência de certas proteções e proibições
restr ingem o consumo de um art igo que outro povo produz vantajosamente, se essas
nações, por ignorância, ou má vontade, se recusam obstinadamente a qualquer
mudança mais l iberal, esse povo se poderá achar em certos casos, com uma porção
da sua população sem trabalho, ou ocupada em uma produção sem extração, ainda
que colocada nas mais vantajosas circunstâncias naturais. Num caso semelhante,
pode ser vantajoso responder a essas proibições e proteções, por medidas análogas,
e será bom talvez, para dar ocupação a esse povo, desenvolver, além daqui lo que
devera ser, no estado normal, uma indústr ia part icular, ou mesmo introduzir outra
totalmente f ict ícia. Mas, é evidente, que convém que, antes de se tomar semelhante
1 8 8
medida, cálculos posit ivos estabeleçam que o imposto cobrado pela proteção, não
seja um mal mais grave que a desapreciação produzida pelo empachamento do
produto proibido ou altamente taxado pelas nações vizinhas, e ainda assim seria
preciso que não houvesse um meio menos dispendioso para arremediar o mal.
12 – As nações mais adiantadas na carreira da civi lização, como Inglaterra, França
e Alemanha pelejam hoje com dif iculdades sem número, por não terem sido f iéis
aos princípios que acabamos de expor, nem terem mantido a proteção dentro de
justos l imites.
13 – A sombra das tari fas produtoras, e até muitas vezes das proibições absolutas,
se desenvolveram indústr ias de todos os gêneros, nestas terras, à custa da r iqueza e
da prosperidade geral , e aquelas mesmas, que eram apropriadas aos países, se
dispuseram, no solo, ao acaso, sem procurar indicações favoráveis de local idade
tais como a proximidade dos centros de consumo e produção, canais, r ios e outras
vias de comunicação. De mais, como o mercado nacional lhes era exclusivamente
reservado, e lhes assegurava grandes benefícios, elas se não deram ao trabalho de
procurar melhores condições, nem de aperfeiçoar os seus processos de produção,
senão quando o atrat ivo dos ganhos enormes que elas real izavam, sublevara uma tal
concorrência interna, que ocasionara a ruína de grande número de fabricantes. E
que foi o que resultou, para estas três nações, das suas tari fas de alfândegas
elevadas, e destas medidas chamadas protetoras da indústr ia nacional? A at ividade
produtora achou-se colocada sob um regime inteiramente art i f icial ; toda a indústr ia
era protegida, e por conseqüência os seus produtos tanto mais encarecidos, quanto
piores eram as condições em que se achava cada ramo; assim, como as indústr ias
especiais ao cl ima e solo se achavam sem proteção alguma, foram obrigados, para
que lhes aceitassem os produtos nos mercados estrangeiros, onde os esperavam
enormes direitos, abaixar os preços de tal sorte, que lhes foi necessário fazer
contínuas reduções no tênue salário do trabalhador, o que não embargou que
algumas vezes se achassem elas no caso de perderem os seus produtos, por fal ta de
compradores, como aconteceu em França com a indústria dos vinhos, que,
conquanto ela empregue seis milhões de operários, – um quinto da of icina nacional,
acha-se escandalosamente sacri f icada às indústr ias parasitas dos departamentos do
Norte.
14 – Em suma, muito hão sofr ido as indústr ias naturais destes países; as classes
operárias se acham reduzidas à mais terrível miséria, e um estado de crise e de
sofr imento contínuo aí persiste sem outra ut i l idade mais que a de permit ir a poucos
industr iais o produzirem más condições, enriquecer ainda mais grandes
proprietários de bosques, campinas, ou terras cult iváveis, e elevar as ações de
algumas companhias de mineiros; tudo isso à custa da r iqueza e prosperidade
nacional, e, até muitas vezes, em detr imento dos cofres do Estado.
15 – Já de há muito, que os homens mais adiantados nas ciências sociais e
econômico-polí t icas c lamavam contra o vasto tecido de medidas prejudiciais e
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i lógicas, com o nome de sistema protetor; mas apenas, de longe em longe, eles
alcançavam algumas concessões. Enfim, agora, após dez anos, pouco mais ou
menos, de luta encarniçada entre os f ree traders e os part idários de monópolios e
proteção, a Grã-Bretanha, que sempre há tomado a dianteira às outras nações na
senda das grandes medidas polí t icas e comerciais, acaba de despedaçar de uma vez
os embaraços que lhe impunha o monópolio agrícola dos descendentes dos
conquistadores normandos, e de simpli f icar ou suprimir a maior parte dos direitos
protetores da sua indústr ia. França não tardará em seguir-lhe as pegadas, e é
provável que os industr iais part idários da proteção na Alemanha central, sucumbam
na próxima assembléia geral do delegado do Zol lverein.
16 – A emancipação industr ial acha-se, pois, na ordem do dia em todas as terras.
Este fato e os eventos que o prepararam, não devem ser para nós letra morta,
exemplo perdido.
17 – Verdade é que, neste Brasi l ainda tão novo, tais questões não oferecem o
interesse palpitante que, noutras terras, resulta de fatos consumados, e de chagas
gangrenadas que ameaça a vida do corpo social; mas possuem toda importância de
um perigo visível e iminente, de um precipício, em que cairemos necessariamente,
por pouco que nós afastemos da estrada que se deve seguir. Entre nós, os direitos
de alfândegas ainda não foram considerados senão como meio de t irar o imposto; e,
com efeito, em um país imenso, ainda pouco povoado, fa l to de vias de
comunicação, de unidade administrat iva e, sobretudo, de opinião públ ica; em um
país que recebe do exterior a maior parte do que consome, os direitos de alfândega
se apresentam ao mesmo tempo, como o meio mais simples e econômico de t irar o
imposto, e como menos odioso aos povos ignorantes, porque, exigido diretamente
dos negociantes de grosso trato, ele se apresenta ao consumidor que, em últ ima
anál ise, é quem vem a pagá-lo, sob a forma de um aumento suave no preço da
mercadoria.
18 – Mas, se até hoje as alfândegas entre nós hão sido somente empregadas como
meio f iscal, nem por isso é menos urgente prevenir a opinião públ ica contra os
desastrosos efeitos que pode produzir o seu emprego como meio de proteger a
indústr ia. E isto é tanto mais necessário, quanto há entre nós um part ido
econômico, em que desgraçadamente vemos f igurar todos os nossos ministros de
fazenda e grande número dos nossos senadores e deputados, o qual pretende
natural izar todas as indústr ias, por meio de tari fas e proibições, sem dar-se ao
trabalho de saber se tais indústr ias, entre nós, acharão condições favoráveis, se os
tempos estão maduros, para que elas sejam introduzidas, e se as nossas indústr ias
naturais, as de que vamos vivendo, obrigadas a pagarem as custas dessas
natural izações imprudentes, não sofrerão a ponto de perigarem gravemente; vindo a
ser comprometida, em conseqüência de uma ambição prematura, a r iqueza e o futuro
do Império da S. Cruz.
Di i talem avert i te casum !
1 9 0
A... . . . . . .
O Progresso, p. 253-261
Anexo 15
REVISTA BIBLIOGRAFICA
Tous les membres de la grande famile
sont l iés en un seul faisceau pour un
grand principe, la S0LIDARITÉ
H. Renaud.
Elementos de Economia Polí t ica, pelo Dr. Pedro Autran da Matta e Albuquerque (1
vol. in 12. Pernambuco 1844).
1 – Os elementos de economia polí t ica do Sr. Autran, em geral, são f i lhos da velha
escola econômica do laissez faire, laissez passer, que reconhece por patr iarcas
Adam Smith e J B. Say, e cujas diversas ramif icações, mais ou menos ortodoxas,
ainda lhes defendem obstinadas a doutr ina incoerente e simplistas soluções contra
as vi tor iosas teorias da economia social.
2 – Um lance de olhos, ainda mesmo rápido, sobre esta obra, é suf iciente para aí
ver, em toda a sua ingenuidade, as selvagens doutr inas de Malthus e Bentham
acerca do equi l íbr io da população, – a teoria do governo úlcera e as idéias estreitas
desta escola sem entranhas, no tocante à sorte dos trabalhadores, ut i l idade das
máquinas, etc. etc.
3 – Entretanto, estamos longe de dizer que a economia polí t ica de Adam Smith e
João Batista Say seja um complexo de absurdos. Pelo contrário, rendemos toda a
homenagem devida a esses corajosos at letas que primeiro penetraram no caos ainda
obscuro dos fenômenos tão mult ipl icados da vida dos povos. A esta velha escola
econômica devemos nós muitas exatas anál ises da maior parte destes fenômenos;
mas por fal ta de estudo assaz profundo do ponto de part ida que tomaram, e dos
elementos que deviam fazer entrar nos seus cálculos; por não conhecerem o fecundo
teorema da sol idariedade humana, e por fal ta também de uma terminologia exata;
chegaram eles às mais estupendas contradições, e muita vez a resultados que
ofendem o bom senso, e os sentimentos de just iça distr ibut iva que Deus colocara no
coração do homem.
4 – É isso o que se concluirá faci lmente dos resultados, impl ici ta ou expl ici tamente
contidos nas soluções dadas pelo Sr. Autran aos principais problemas econômicos.
1 9 1
5 – Eis aí algumas destas soluções: dá-nos o Sr. Autran (pág. 13) como princípio
corrente em economia polí t ica, que a maioria dos homens conhece melhor o que é
conducente aos seus interesses do que qualquer homem, ou mesmo uma assembléia
escolhida; e que, por conseqüência, deve ser l ivre a cada um seguir a sua
incl inação e o ramo de indústr ia que ele julgar conveniente.
6 – Não hesitamos um instante em nos pronunciar contra este princípio que o Sr.
Autran reputa corrente, e que a nada menos tenderia se lhe general izássemos as
apl icações que a reconduzir-nos imediatamente ao estado selvagem, por via da
supressão imediata dos governos, legislações e todos os obstáculos opostos, em
vista do bem geral, ao desenvolvimento espontâneo das incl inações individuais.
7 – O lugar que este princípio ocupa às primeiras páginas do l ivro do Sr. Autran,
onde é ci tado de passagem e como exemplo, autorizaria a alguém a considerá-lo
como pouco importante; e todavia é, sem t irar nem pôr, a base da grande escola
econômica que apreciamos noutro lugar. Os primeiros passos dados por ela no
domínio dos fenômenos econômicos precipitaram-na logo num erro capital que
viciou todos os resultados que mais para o diante obteve.
8 – No nosso art igo – Atividade Humana – lançamos as verdadeiras bases da
economia polí t ica, ou antes social: aí mostramos nós que a maior soma de gozos, e
por conseqüência de r iquezas para a humanidade, correspondia ao máximo de
l iberdade consentido ao l ivre desenvolvimento das individual idades de toda a
espécie que representam um papel nos fenômenos de produção, distr ibuição e
consumo.
9 – Por considerações análogas às que expusemos, os fundadores da escola
econômico-polí t ica, com que nos ocupamos, chegaram, pouco mais ou menos, assim
como aos mesmos resultados, porém se apressaram de mais em concluir daí que
bastava soltar as rédeas a todas as individual idades. Obrando-se desta maneira, só
se consegue a mais completa anarquia, e cada individual idade comprimida em todos
os sentidos pelas tentat ivas de desenvolvimento de todas aquelas que a cercam,
apenas possui o nome de l iberdade. Verdade é que lhe é dado seguir as suas
incl inações; mas não o pode.
10 – O máximo de l iberdade para cada individual idade exige um meio, em que as
tendências individuais se achem harmonizadas entre si , e se possa desenvolver
pacif icamente. Então, e só então, o laisser-faire, laisserpasser torna-se máxima
verdadeira e benéfica. Mas, no estado de guerra permanente em que ora se acham
todas as forças individuais, este aforismo não passa de inumano, anti -econômico,
ant i -social. Se, no momento de um exército travar peleja com o inimigo, se
apresentasse um economista ao general e pretendesse demonstrar-lhe que, para
ganhar a vi tór ia, devera ele, destruindo no exército tudo o que se assemelha à
organização, deixar cada soldado obrar como lhe aprouvesse, todos zombariam dele,
e talvez até o mandassem para casa dos orates.
1 9 2
11 – A questão com que nos ocupamos é semelhante a esta; o exército é a
humanidade, o inimigo a natureza física; – são os agentes naturais que se devem
domar e acomodar às necessidades do homem. E entretanto, quando os economistas
puri tanos se apresentam com os seus princípios de liberdade absoluta, ainda há aí
quem os ouça, quem os creia e os pague para propagarem tão desastrosa doutr ina!
12 – Logo mais adiante, no l ivro do Sr. Autran, (pág. 20) encontramos nós as l inhas
seguintes: As leis que regulam a produção e a distr ibuição da r iqueza são as
mesmas em todos os países e estados da sociedade. Ainda aqui vemo-nos obrigados
a contradizer, não já o princípio em si, mas o sentido que o autor parece querer dar-
lhe. Pensa o autor, que, seja qual for o estado social de um povo, as medidas que
inf luem sobre a produção, ou qualquer fenômeno econômico, terão exatamente o
mesmo efeito. Tanto neste como em outro qualquer estado social.
13 – Este princípio, que se acha int imamente l igado ao precedente, e do qual é por
ventura o antecedente lógico porque lhe expl ica a adoção, não passa de erro grave,
que bastará um exemplo para prová-lo.
14 – Suponhamos, por exemplo, que em Inglaterra acontece o seguinte: Novo
aperfeiçoamento mecânico permite efetuar por meio de máquinas os 9/10 de
trabalho que atualmente são executados por homens. Que aconteceria daí? Os
capital istas, que são os possuidores de todos os instrumentos de trabalho,
mandariam construir as máquinas; e os trabalhadores, substi tuídos por elas,
f icariam desocupados; a maior parte não acharia em que se empregar, porque quase
tudo seria fei to por máquinas e daí morreriam de fome, e a produção diminuir ia, na
fal ta de consumidores. Suponhamos pelo contrário que a mesma medida seja posta
em execução num meio organizado segundo o princípio da associação: então todos
os associados hão de ganhar, porque gozarão, com menos trabalho, das r iquezas que
lhes fornecerem as máquinas, e poderão empregar maior parte do tempo e força, que
lhes sobrar, no desenvolvimento da intel igência. A produção não diminuirá, pelo
contrário, há de aumentar necessariamente, porque o custo dos produtos será menor
e o número dos consumidores o mesmo.
15 – O capítulo segundo do l ivro do Sr. Autran é consagrado à questão da segurança
da propriedade.
A segurança da propriedade, diz o Sr. Autran, é a primeira condição indispensável
para produção dá r iqueza. Deve colher quem semeou, o produto do trabalho do
homem e a obra das suas mãos são propriedade sua. A lei civi l , continua ele, não é
o fundamento do direito de propriedade.
16 – Estas três ci tações são mais que suficientes para mostrarem que o autor
pretende que a propriedade individual, tal como se acha const i tuída entre nós,
segundo o direito romano, sem os corret ivos de que então era cercada, representa
1 9 3
um direito anterior à formação da sociedade, direi to que a lei civi l não fez mais que
sancionar.
17 – Esta crença consti tui erro grave. O direito atual de propriedade (uti et abuti)
foi inst i tuído, na fal ta de coisa melhor, como cabalmente mostrara o nosso i lustrado
amigo e colaborador, o Sr. H., para sat isfazer ao direito que tem cada geração de
apossar-se da herança da geração precedente, direi to que em si mesmo não é senão
uma conseqüências do direito ainda mais geral, que qualquer indivíduo, ao nascer,
traz consigo – sat isfazer às necessidades que a sua organização lhe cria. Eis aí o
verdadeiro direito natural, e este é tão diferente do direito atual da propriedade,
que com o andar do tempo este últ imo tornou-se destrut ivo do primeiro e ao mesmo
passo incompatível com ele.
18 – Tudo quanto diz o autor a respeito da necessidade da segurança da propriedade
para a produção e acumulação das r iquezas, não passa de uma verdade totalmente
contingente e só se apl ica a um estado social, que se acha baseado nesta mesma
propriedade.
19 – Mais adiante, general izando a autor o vocábulo propriedade, apl ica-o às
faculdades do espír i to e do corpo do homem, e diz dar-se violação indesculpável da
propriedade quando se impede ao indivíduo o uso dos poderes que a natureza lhe
deu.
20 – Aqui, assim como precedentemente, ainda se acha o Sr. Autran em perfeito
acordo com a velha economia, e é impossível pregar-se mais abertamente em favor
da abol ição de todas as leis e regras; o que, dentro em pouco, nos conduzir ia a este
estado social, tão apreciado por esse pobre J. J. Rousseau, que era economista sem
o saber, quando queria que a humanidade vol tasse ao estado selvagem.
21 – Verdade é que, para sermos justos, devemos confessar que o Sr. Autran
acompanha este princípio anti -social com uma restr ição, que, bem entendida,
bastaria para destruir-lhe as más conseqüências e transformá-lo em alguma coisa
verdadeiro.
22 – Mas esta restr ição, apenas ele a fez porque o bom senso lhe faria entrever o
abismo a que o conduzia o princípio, levado às últ imas conseqüência; assim, nas
apl icações, esquece-a completamente, e ci ta, como violações abomináveis do direito
de propriedade, a maior parte das tentat ivas fei tas pelos governos para introduzir
alguma ordem na grande of icina social, estabelecendo garantias para uns e outros,
no meio da incoerência atual e da guerra medonha que rola entre os diversos
elementos produtores, distr ibuidores e consumidores.
23 – Pararemos aqui, ainda que só chegássemos ao terceiro capítulo do trabalho do
Sr. Autran, a f im de não transpormos os l imites de um exame crít ico; e em
conclusão diremos que os elementos de economia polít ica são uma reprodução f iel
1 9 4
dos princípios em vigor, há hoje vinte anos, sob a proteção de Adam Smith e João
Baptista Say, e ainda que estas teorias econômicas pequem pela base, o Sr. Autran
nem por isso deixou de fazer grande serviço à juventude estudiosa, pondo-lhe ao
alcance, sob forma resumida e no idioma pátr io, os problemas agitados pela ciência,
talvez mais importante de todas para o bem estar da humanidade.
A. . . . . . . . .
O Progresso, p. 499-504.
Anexo 16
REFORMA DO SISTEMA PENITENCIÁRIO
Primeiro art igo
Aimez vous les uns les autres
comme le sauveur de la race humaine
vous a aimé, jusqu’à la mort.
F. de LAMENNAIS
1 – Há em todo o sistema penitenciário duas coisas bem dist intas; a lei que marca
as penas diversas que devem ser apl icadas às diversas variedades de crimes e
del i tos, e os meios materiais que o governo possui para pôr em prát ica as
prescrições da lei .
2 – Assim, ao passo que as nossas leis estabelecem um sistema penitenciário
regular, vemos, no apl icá-lo, uma confusão deplorável, em vez de gradação de
penas exigidas pela le i , portanto, ainda quando o nosso sistema legal não exigisse
reforma, todavia teríamos necessidade de uma organização para as apl icações deste
mesmo sistema. Verdade é que no meio das preocupações da polí t ica do dia, até
hoje a questão penitenciária há sempre permanecido em olvido; assim, é de dever da
imprensa, chamar a atenção do governo e das câmaras sobre este assunto, cuja
importância se vai tornando de dia em dia cada vez maior. A just iça humana está
sujeita a numerosos erros. No estado atual das nossas relações sociais, os ódios
individuais ou o furor das dissenções polí t icas podem ocasionar para com muitos
inocentes, a privação da l iberdade e até mesmo os próprios cast igos da lei . Daí
provém uma urgente necessidade de organizarmos, sob o ponto de vista legal e
material , o nosso sistema penitenciário, de maneira que os encarcerados não sofram
maior constrangimento do que aquele que é indispensável impor-lhes, para interesse
geral da sociedade; que as penas inf l ingidas pelas leis não sejam agravadas
i legalmente pela fal ta ou mau estado dos órgãos materiais que o nosso código
criminal pressupõe; e que estas mesmas penas não excedam o alvo que a sociedade
1 9 5
quis at ingir, chamando sobre si a terrível responsabi l idade do direito absoluto com
que se ela revestiu a respeito de cada um dos seus membros.
3 – Isto posto, examinaremos a questão penitenciária em suas bases, e daí
procuraremos t irar alguns esclarecimentos que nos possam orientar nas
investigações das medidas apl icáveis ao nosso país.
4 – As sociedades, assim como os indivíduos, se defendem contra todo aquele que
as ataca; mas o fato da defesa não prova de maneira alguma a legit imidade do
direito que se elas arrogam.
5 – Uma sociedade baseada, como são todas as nossas sociedades modernas, sobre o
gozo do homem pelo homem; e que coloca os interesses de cada indivíduo, no
estado da mais f lagrante oposição com os interesses de todos, necessariamente não
pode manter-se senão pela força. Assim ninguém se deve admirar, que o agente de
polícia, o carcereiro e a algoz, estes três grandes moral istas, sejam ainda hoje os
sustentáculos indispensáveis das mais adiantadas civi l izações. O egoísmo, a miséria
geral, e os outros bons efeitos do antagonismo aparecem aí para lhes dar o que
fazer. Até se pode notar que, à medida que o progresso da ciência vai oferecendo à
disposição do homem meios mais poderosos de produzir, e que, se devemos dar
crédito aos grandes economistas do começo do século, a i l imitada concorrência faz
que a opulência circule em todas as classes da sociedade, o número dos proletários
vai aumentando, e os governos dos países mais adiantados na civi l ização se vêem
periodicamente obrigados a dupl icar o número dos agentes de polícia, carcereiros e
algozes.
6 – E não seria possível organizar-se a sociedade de maneira que cada um
encontrasse, no interesse geral, a mais completa sat isfação dos seus interesses
part iculares; que o maior desenvolvimento do princípio de ordem correspondesse ao
maior desenvolvimento do princípio de l iberdade; e que se pudesse rest i tuir à
produção todos estes agentes improdutivos ocupados, para manter a ordem, em
restr ingir a l iberdade, e todas as forças empregadas no modo subversivo pelos
exércitos e cr iminosos? Temos para nós que tudo isso se pode veri f icar, e até
esperamos que as nossas convicções a este respeito se tornem em breve as dos
homens esclarecidos de todas as terras; mas desgraçadamente não se muda um
estado social assim como se muda um ministério ou um rei, e, para efetuar-se
semelhante evolução, é mister mais tempo do que para conquistar um império.
Portanto cremos, que, ainda por muito tempo, hão de exist ir homens que violem as
leis estabelecidas pela sociedade, e a obriguem a ter agentes de polícia para vigiá-
los e prendê-los, juízes para os condenar, e cadeias para t irar-lhes a possibi l idade
de ofendê-la.
I
1 9 6
A CADEIA
Lasciate ogni speranza voi chi intrate!
DANTE
7 – Com raras e honrosas exceções, entre as quais, infel izmente, não nos podemos
colocar, em todos os países que se dizem civi l izados, há perto de tr inta anos, e
ainda hoje quase por todas as paragens, não passavam as cadeias de uma cloaca
infecta, em toda a extensão da palavra, onde se amontoam promiscuamente
mendigos, vagabundos, suspeitos, indiciados, acusados e condenados.
8 – Sem falarmos da injust iça clamorosa que se dá em confundir acusados, que
sempre se devem presumir inocentes, e vagabundos que não têm outro del i to senão
o de se verem sem pão e sem asi lo, com ladrões e assaltantes; o homem, que,
desvairado pelo desespero, e todo sustos, roubara um pão para a mulher, f i lhinhos
mortos de fome, com celerados ouriçados de crimes. Sem falarmos, dizemos nós,
desta injustiça clamorosa, dá-se um perigo real e terrível para a sociedade no
contágio que favorece em tão subido ponto semelhante convivência.
9 – Na impura atmosfera das cadeias, os homens se classif icam segundo os seus
conhecimentos na arte do crime: o maior malvado é aí o mais respeitado; a ele é
que se confia o cuidado de vigiar os seus companheiros de infortúnio, e de manter a
ordem e tranqüi l idade. Aí cada um vai subindo de graduação em graduação: o
mendigo, a quem a sociedade não permite pedir à caridade públ ica com que matar a
fome, aprende os meios de suprir essa necessidade por via do fur to. Aquele que a
precisão levara a cometer o primeiro furto, aprende em pouco tempo, em virtude da
convivência em que vive, o processo para cometer novos com mais proveito e
segurança. Numa palavra, roubos, falsi f icações, envenenamentos, assassínios, não
há variedade de crimes, cuja teoria se não ache aí expl icada por homens versados na
prát ica. Assim, os maiores criminosos têm confessado que na cadeia, depois do seu
primeiro del i to, foi que eles beberam o gosto e adquir iram os meios de cometer
maiores; sem falarmos das relações contraídas nas prisões, que, continuadas após a
soltura, arrastam ao crime, mau grado seu, o infel iz que busca entrar outra vez para
o grêmio da sociedade.
10 – Em Inglaterra, França, e nos países mais adiantados em civi l ização proibe-se a
mendicidade. A pobreza torna-se um crime ou uma presunção de crimes futuros; e a
lei previdente manda para a cadeia o mal-aventurado que nem possui habitação nem
dinheiro para havê-la!
11 – Já mostrara Eugênio Sue, na sua admirável obra, os “Mistérios de Paris”, e de
modo mais dramático e palpitante, esse concurso fatal de circunstâncias, devidas às
relações, ou até ao simples contato dos presos entre si que arrasta forçosamente até
1 9 7
ao mais alto grau da escala dos crimes aquele que lhe transpusera o primeiro
degrau.
12 – Em últ ima anál ise, as cadeias, segundo o antigo e deplorável sistema de
confusão, oferecem o duplo defeito: 1º, de aumentarem excessivamente, por
sofr imentos morais e f ísicos, o dano de que a sociedade se torna culpada para com
os acusados, muitas vezes inocentes, que ela priva da l iberdade, por medidas
preventivas; 2º, de serem escolas de crimes, escolas prof issionais, onde nada falta;
onde se encontra a teoria e a prát ica elevadas ao mais alto grau de perfeição.
13 – Os vícios de semelhante estado de coisas eram palpáveis demais, e os seus
funestos efeitos mui evidentes; assim, há hoje vinte anos que, em quase todas as
terras civi l izadas, se agita a questão da reforma do sistema penitenciário, e aí
também se há efetuado notáveis mudanças no regime das cadeias. Entre nós, onde
esta confusão tem tocado ao mais alto grau, onde se dá o nome de prisão a cloacas
infectas, onde os detentos perdem a saúde e até muitas vezes a vida; ainda se não
tentou melhora alguma neste sentido, senão em poucas províncias. Mas se desta
demora há resultado grandes padecimentos para certas individual idades e grande
mal para a sociedade em geral, ela nos permit irá aproveitar os erros cometidos
pelas outras nações, que nos hão precedido nesta estrada; e destarte evitaremos
consumir os nossos tênues recursos em tentat ivas cuja inut i l idade a experiência
vir ia depois demonstrar.
14 – Em quase todas as partes já se há encetado esta estrada de melhoramentos; mas
sem ordem, nem sistema regular: à ventura, por assim dizer. E daí que resultou?
15 – Por toda a parte em vez de tomar-se a população das cadeias em o seu ponto de
part ida, tomaram-na em seu últ imo grau de corrupção. Começou-se pelo incurável;
e em vez de tratarem de preservar aqueles que a lei presume inocentes, e fazerem
que voltem para o caminho direito os que mal se haviam dele descartado; apl icaram
toda a força disponível na regeneração dos condenados, e até dos condenados a
longas detenções.
16 – E que se há feito em Inglaterra? Que se há feito nos Estados Unidos? Lido o
relatório dos comissários enviados pelo governo francês, para examinarem os
resultados da reforma operada no sistema penitenciário da América do Norte; ouvi
aos Srs. Demetz e Blozet. Eles vos dirão: — nos Estados Unidos, neste país, em que
há longo tempo se submete os condenados a um sistema de prisões evidentemente
aperfeiçoado, as casas de detenção e de correção permanecem num deplorável
estado. Tem-se totalmente deixado de parte os indiciados e os acusados, e
continuam acumulá-los em horríveis masmorras, receptáculos de vícios e corrupção.
O sr. Moreau Cristóvão que ministrou um trabalho análogo sobre o sistema
penitenciário da Grã Bretanha, dir -vos-á que, nas cadeias dos três reinos, ainda se
dá a mesma inversão anti -racional.
1 9 8
17 – Em França, donde part ira o sinal para a reforma penitenciária, disséreis ser a
apl icação da pena inteiramente oposta ao código penal e ao alvo que ele t inha em
mira; porque, em lugar de subir, ela desce na escala da criminal idade, como resulta
claramente de relatório fei to em 1838 ao ministro do interior pela comissão das
cadeias da cidade de Lião.
18 – A primeira noite da prisão é dormida na chamada casa de depósito, isto é,
numa espelunca infecta, onde se confundem as idades, condições, e, algumas vezes,
até os sexos; onde as mais intensas tor turas morais vêm juntar-se aos mais
intoleráveis sofr imentos físicos: r iquíssimo viveiro para o cadafalso, onde
Lacenaire e muitos outros hão declarado ter recebido as primeiras l ições do crime.
19 – As casas de prevenção geralmente são menos más, as de correção melhores, e
as centrais quase excelentes. Se a prisão fosse uma recompensa, à fé que se não
devera proceder de outra sorte; assim, quando novo crime ocasiona a mudança do
condenado, de uma prisão de departamento para uma prisão central, quantas
amarguras não deve ele tragar por não ter estreado por um crime mais considerável,
que lhe houvesse poupado o doloroso noviciado da cadeia do seu respectivo
departamento?
20 – Pelo primeiro del i to, dormira ele sobre palhas, fora reduzido a pão e água; e
nem sequer encontrara o recurso do trabalho que o distraísse do enfado da prisão;
mas, hoje, em virtude do progresso que ele há fei to na estrada do mal, tem melhor
habitação, recebe melhores al imentos, e goza de boa cama: pode distrair-se por
meio do trabalho, melhorar o seu regime al imentar, sat isfazer, em parte, os seus
desejos e poupar alguma coisa para o futuro. Assim, à prisão chama ele sua casa de
campo, deixa-a sempre com saudades, anunciando ao mesmo tempo a intenção de
para aí voltar; e de fei to, cumpre a palavra.
21 – Assim pois, em França, Inglaterra, e nos Estados Unidos, caminha a sociedade
diretamente contra o seu alvo, e como que fazendo a propaganda da prisão. Pelo
que, todos os publ icistas que hão escri to sobre a questão, reclamam, com todas as
veras, a imediata mudança deste estado de coisas absurdo e i lógico; e, há alguns
anos, Inglaterra e França, e principalmente França, hão encetado, posto que
devagarinho, uma estrada mais razoável. Tem-se procurado regenerar os meninos
que a miséria, a vagabundagem e pequenos furtos conduzem em mui grande cópia às
cadeias daqueles dois países. Tem-se procurado preservá-los do bafo de entes mais
gangrenados, e assegurar-lhes, em saindo da prisão, meios de viver e de trabalho.
Para este f im, fundaram-se penitenciárias de jovens detentos, onde estes infel izes,
mais desgraçados que criminosos, recebem a instrução que a miséria ou a
ignorância não permit iram que seus país lhes proporcionassem, e aprendem um
ofício capaz de lhes dar meios de vida. Daí, quando são soltos, mandam-nos para
casas de mestres probos e laboriosos que se encarregam de acabar-lhes o t i rocínio,
e continuam, sob a vigi lância de sociedades protetoras, a obra da regeneração
começada na penitenciária.
1 9 9
22 – A França, o número das penitenciárias de jovens detentos é hoje mui
considerável; mas todas elas t inham o grave defeito de não permit irem que se
ensinasse aos jovens detentos senão os ofícios que se exercem nas grandes cidades,
para as quais, na verdade, há já operários de sobra. A f i lantropia e a caridade
públ ica são vindas a socorrer a sociedade sobre esta questão; e alguns homens
devotados, com o produto de subscrições, e algumas vezes até à sua custa, fundaram
penitenciárias agrícolas, como bem, as de Mottray e de Peti t Quevi l ly, onde todos
os jovens detentos são empregados em trabalhos relat ivos à agricul tura.
23 – Era, de fei to, mui prudente e acertado, que a sociedade consagrasse os seus
desvelos, em fazer desses infel izes, votados, por assim dizer, pelo primeiro del i to,
à miséria e infâmia, homens probos, laboriosos e úteis ao seu país; mas dava-se
f lagrante injust iça em se ela ocupar somente dos meninos que não souberam resist ir
às sugestões da miséria ou ao contágio dos maus exemplos; e abandonar aqueles que
resistem corajosamente. Havia nisso alguma coisa que se assemelhava a esta
propaganda de prisão feita pelo governo, da qual já falamos noutro lugar. As
colônias de Peti t Bourg, de Mesni l , S. Firmin, Grand Jouan e outras, foram
fundadas por part iculares, com o f im de reparar-se semelhante injust iça.
24 – Uma dúzia de colônias para os meninos pobres, é sem dúvida mui pouca coisa
para uma nação de mais de 36.000. 000 de habitantes, e que vai sendo devorada
pelo cancro do proletariado. Mas se isto não é um remédio, e nem sequer pal iat ivo;
ao menos é um gérmen de esperanças, um exemplo capaz de gerar novas dedicações,
de acordar os poderes do estado, e preparar a vinda desse momento, em que a
sociedade se encarregue, como lhe cumpre da instrução e educação de todos os seus
f i lhos.
25 – São estes, na verdade, excelentes exemplos para os países que se acham na
mesma situação em que se acham França, e Inglaterra; mas ainda não passam de
prel iminares para a solução geral da questão do sistema penitenciário: solução que
deve, não só f ixar e melhorar a sorte dos indiciados, acusados e condenados, mas
ainda prevenir a maior parte dos crimes, garantindo, a cada um dos membros da
sociedade, o mais sagrado de todos os direitos, — o de viver do trabalho.
Recife, 10 de Janeiro de 1847.
A . . . . . . . . .
O Progresso, p. 349-356.
Anexo 17
REFORMA DO SISTEMA PENITENCIARIO
2 0 0
I I
Auburn, Cherry-Hi l l e Genebra.
I I ne sutf i t pas de punir, i l faut encore regénérer.
Digo-vos que houvera maior júbi lo no Céu, sobre
um pecador que f izer penitência, que sobre noventa
e nove justos que não precisam fazer penitência. S.
Lucas, Cap. XV. v. 7.
1 – Uma vez condenado o antigo sistema, como imoral, cruel, contrário ao alvo
social, a desaparecer o mais cedo possível, era forçoso apresentar outro mais justo,
e mais conforme ao alvo da penal idade. Concordes em atacá-lo, os part idários da
reforma se dividiram quanto à escolha do sistema que devia substi tuir ao antigo, e
daí surgiu grande número de sistemas penitenciários.
2 – Entretanto, todos os propostos se podem reduzir a três sistemas principais, cujo
t ipo se encontra nas prisões penitenciários de Aubum, de Cherry-Hi l l e de Genebra:
procuraremos pois esboçar-lhes em poucas palavras os traços característ icos.
3 – Antes de tudo observaremos que, divididos quanto ao modo de encarceramento
que deve de haver para com os condenados, os part idários de Auburn, de Cherry-
Hi l l e de Genebra são quase unânimes no reclamarem, para os indiciados e
acusados, um sistema em que se não dê o menor contato entre os detentos, e por
isso todos adotaram o sistema chamado celular em que cada detento ocupa uma cela
separada, e vive completamente isolado dos outros, de dia e de noite.
4 – Ainda se dá outro ponto de contato entre todos os sistemas. Todos os
part idários das reformas penitenciárias são contagionistas. Todos compreenderam
que a sociedade devia de ter em vista não só punir o del inquente, mas também
corr igí-lo, tomá-lo út i l à sociedade; e que de um lado era o trabalho a mais
moral izadora das inst i tuições; e de outro, a causa mais enérgica das reincidências,
achava-se nas convivências da cadeia, nessa inf luência desmoral izadora, de que já
falamos no nosso primeiro art igo, (Veja-se o PROGRESSO, Tomo II, pág. 20) que
faz com que cada encarcerado suba um degrau na escala do crime. Assim, todos
querem empreender a reforma, obrigando os detentos a trabalharem, isolando uns
dos outros para impedir esta convivência de que acabamos de falar; mas diferem
completamente quanto aos meios de obter este isolamento.
5 – Em Auburn, (Cidade dos estados Unidos da América) onde se instalara pela
primeira vez o sistema que tem este nome, todas as noites são os detentos
encerrados cada um em uma célula, e de dia trabalham juntos em vastas of icinas,
onde devem guardar si lêncio absoluto, sob pena dos mais r igorosos cast igos;
qualquer comunicação, ainda mesmo por gestos, lhes é severamente vedada, e
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guardas armados giram continuamente para velarem na estr i ta execução da regra, e
punir as infrações por via de cast igos corporais.
6 – Este sistema, que está em prát ica nos Estados Unidos, num grande número de
penitenciárias, cujas principais são as de Auburn, Sing-Sing, Westerf ield, Maryland
e Charles-Town, apresenta para os seus part idários numerosas vantagens; eis aqui
as principais.
7 – Sob o ponto de vista f iscal, como as células não são habitadas pelos
encarcerados senão durante a noite, podem ser bastante pequenas a f im de serem
pouco dispendiosas. E como os detentos trabalham em comum durante o dia, pode-
se empregá-los nas indústr ias mais lucrat ivas; e as penitenciár ias estabelecidas
segundo este sistema, em vez de serem, como de ordinário, um encargo para o
governo, lhe fornecem pelo contrário, um ramo de rendas. E sob o ponto de vista da
moral ização dos del inqüentes, as vantagens de tal sistema ainda seriam maiores.
Privados de todas as relações com os seus companheiros de reclusão, os detentos se
recolheriam em si, e se arrependeriam dos seus del itos. O hábito do trabalho
contraído na prisão faria que eles, depois da soltura, continuassem a trabalhar, para
com honra adquir irem meios de subsistência; e a presença dos seus numerosos
companheiros de prisão, ocupados nos mesmos trabalhos, sofrendo a mesma pena,
lhes faria suportar o cast igo com resignação, e evitara a desordem das faculdades
intelectuais, que, segundo a opinião de grande número de médicos, ataca
necessariamente os detentos que se conservam por largo tempo numa sol idão
absoluta.
8 – Por todas estas considerações f iscais e morais, e principalmente por causa das
primeiras, e também por se prestar faci lmente às exigências do culto catól ico, o
sistema d’ Auburn tem em seu favor uma decisão do congresso cientí f ico de
Florença em 1841, o apoio constante do clero belga, uma recente decisão do
governo português, e entre nós, a opinião dos primeiros fundadores da penitenciária
da Bahia. Não citaremos aqui os diretores dos diversos estabelecimentos em que
este sistema é posto em prát ica, por serem mui interessados na questão
9 – O sistema da penitenciária de Genebra, cujo diretor é Aubanel, e Carlos Lucas o
apologista, se parece perfeitamente com o sistema de Auburn. Em Genebra, assim
como em Auburn, dormem os detentos em células separadas, e trabalham em comum
durante o dia. Somente em Genebra, às inf luências moral izadoras, ci tadas acima,
acrescentou-se a classif icação por moral idade presumida, e o atrat ivo das
recompensas.
10 – Em Genebra, o detento pode empregar uma parte do fruto do seu trabalho,
pode ajudar a famíl ia, se a tem, e obter na cadeia alguns confortos. Em virtude do
seu comportamento, pode passar para uma divisão superior, onde goze de mais
l iberdade, onde os cômodos que pode alcançar são mais numerosos; enfim, pode
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esperar o perdão. A reclusão sol i tár ia em Genebra e Lausana, que quase segue o
mesmo sistema, não é empregada senão como meio de punição.
11 – Em Cherry-Hi l l , pelo contrário, onde se acha em vigor o chamado sistema
pensi lvano, os detentos vivem materialmente isolados uns dos outros, do modo mais
completo. São claustrados em células separadas umas das outras por enormes
paredões, construidos de maneira que se não dê meio algum de comunicação
possível. O detento nem sequer vê a pessoa que é encarregada de lhe levar os
al imentos, porque estes lhe são dados por meio de uma roda, semelhante, às que
serve para receber os meninos enjeitados.
12 – Passados que sejam os primeiros momentos de furor, muita vez seguidos de
prostração física e moral, que acompanham os primeiros dias do encarceramento, ao
cabo de pouco tempo, o detento é o própr io que pede trabalho, e se lho dá. De
quando em quando é visi tado por um ministro da rel igião, que procura fort i f icar
nele o arrependimento, e as boas intenções que a sol idão lhe deve de ter inspirado;
de quando em quando também o diretor da prisão, e os membros da comissão de
vigi lância o vão visi tar e as vezes até se concede esta permissão a parentes dos
detentos; mas, aí, nem esperança de recompensa, nem de perdão.
13 – Este sistema superf icialmente modif icado em alguns detalhes obteve em seu
favor um número respeitável de part idários. Demetz, Júl io e Crawford, mandados a
América pelos governos inglês, francês e prussiano pronunciaram-se altamente em
favor dele; e as suas opiniões foram adotadas pelos seus governos e grande número
de publ icistas, entre os quais notam-se Ayl ies, Duceptiaux, Victor Foucher. O
congresso cientí f ico reunido em Milão em 1843; o congresso penitenciário reunido
ult imamente em Francfort, e enfim, a opinião públ ica em França, Inglaterra,
Bélgica, Alemanha, arvoraram a mesma bandeira.
14 – Entre nós, também vimos a comissão nomeada ultimamente pelo presidente da
Bahia, para o estudo da questão, pronunciar-se igualmente em favor do sistema
pensi lvano; é pois provável que a penitenciária da Bahia, que primit ivamente fora
destinada para o sistema d’Auburn, haja de receber as modif icações necessárias a
apl icação do sistema celular.
15 – Os adversários do sistema pensi lvano fazem-lhe três censuras principais.
1º – O exigir ele grandes despesas de instalação, e não dar senão rendas
insuficientes em conseqüência da impossibi l idade que se dá em se empregarem os
detentos em trabalhos mais lucrat ivos; e ensinar um ofício àqueles que o não
sabem.
2º – O ser anti -social, pois condena à sol idão um ente criado para viver com os seus
semelhantes, e que, em saindo da prisão, deve outra vez juntar-se com eles.
16 – E, enfim, o ser cruel e ocasionar aos detentos sofr imentos inauditos em
consequência da sol idão a que os condena; e produzir necessariamente, em se
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prolongando a detenção, ora uma irr i tação excessiva, ora um esfalfamento físico e
moral, donde resultam frequentes casos de loucura.
17 – Segundo eles, o encerramento sol i tár io é uma medida de desmesurado r igor,
que reduz a existência do detento a uma espécie de vegetação; torna o homem
insociável, e lhe ensina não a viver, mas a morrer, entretanto que o si lêncio
absoluto do sistema de Auburn deixa o homem consigo mesmo e não o del inquente
com o del inquente; separa os detentos sem que deixem de estar juntos, faz que eles
se resignem com a sua sorte, e por isso f icam corr igidos de algum modo. Assim a
detenção é sempre um tempo de r igorosos experimentos, mas ao menos ainda isso é
vida, entretanto que a prisão celular é o túmulo.
18 – Por sua parte, os part idários do sistema pensilvano sol i tár io atacam o sistema
d’Auburn com muitos, e terríveis argumentos.
19 – O si lêncio dizem eles, cujo menor defeito é ser impossível, coloca os detentos
num estado de luta perpétua entre a regra e as inclinações que contraria
despoticamente. Mil vezes mais cruel que o encerramento sol i tár io, ele faz que o
detento sofra o suplício de Tântalo, e por meio dos rudes cast igos que exige, tende
sempre a excitar a revolta que não pode evitar senão por via de um dispendioso
séquito de guardas armados. Numa palavra, provoca para punir, mult ipl ica os
del i tos, em vez de preveni-los, disfarça antes o contágio que o impede, e aí onde é
ajudado pela classif icação por moral idade, e atrat ivo das recompensas, desenvolve
ele nos detentos, a incl inação à hipocrisia, e conseguintemente se opõe a uma
verdadeira regeneração.
20 – De mais, pouco varia a principal fonte das reincidências as relações perigosas
que, ainda mais que os preconceitos, opõem uma barreira invencível ao condenado
que depois de ter cumprido a sentença, aspira a entrar outra vez para o grêmio da
sociedade.
21 – Se um infel iz detento, depois da soltura, ocultanto seus antecedentes, puder
achar ocupação, o só encontro de um dos seus antigos companheiros de prisão será
suficiente para o obrigar, por bem ou por mal, a seguir outra vez a vereda do crime,
como um grande escri tor social ista, Eugênio Sue, o mostrara de um modo fr isante
nos seus “ Mistérios de Paris”.
22 – Eis aí, pois, em poucas palavras as principais objeções feitas aos sistemas d’
Auburn e de Genebra pelos part idários do sistema pensi lvano-Demetz, Júl io,
Grawford, Ayl ies, Foucher, apoiados em numerosos fatos acontecidos.
23 – A alguns casos de loucura proveniente do encarceramento celular opõem ele
outros que os cast igos do sistema de em Auburn, têm causado; e c i tam vários casos
de morte ocasionados pelas muitas bastonadas prescri tas em Auburn, Westerf ield e
Sing-Sing, como meio de obter o si lêncio moral izador.
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24 – Final izarernos aqui este inventário abreviado das opiniões vigentes sobre a
questão que nos ocupa, a f im de passarmos a discutir -lhes o valor relat ivo. Mas, em
antes de nos darmos a este trabalho, é-nos absolutamente necessário resolver logo
uma questão importante, cuja solução nos deve servir de guia e de cri tér io: a
questão das bases e do alvo da penal idade; e a sua alta importância, assim como os
desenvolvimentos que necessariamente se lhe deve dar para deles deduzirmos as
condições que requer um excelente sistema penitenciário, nos obrigam a adiar o
estudo deste sujeito para um dos nossos próximos números.
Recife, 15 de maio de 1847.
A . . . . . . . . .” .
O progresso, p. 559-565.
Anexo 18
REFORMA DO SISTEMA PENITENCIÃRIO
(Art igo 3º)
Investigações a prior i sobre o alvo e bases da penal idade.
Ab jove principium.
La loi verra dans le cr iminel un
frère egaré à ramener et non un
coupable à punir.
F. de Lamennais
1 – Quando os homens viviam no estado selvagem, sem mais outro guia que o seu
inst into, sem mais outras leis que a autoridade irresistível da sua organização, nem
se conheciam crimes, nem del i tos (* ); e por isso o que hoje entendemos por
penal idade não t inha razão alguma de ser. Os crimes e a penal idade foram gerados
pelo laço social; são f i lhos da sociedade civi l .
2 – De feito, o estabelecimento do laço social entre os indivíduos isolados (* * ) teve
por alvo assegurar a cada um maior soma de gozos, maior desenvolvimento das suas
faculdades. Ora, no estado de guerra que precedeu a aurora da sociedade civi l , cada
um era prejudicado no desenvolvimento da sua at ividade pelo desenvolvimento da
* Empregamos aqui os vocábulos cr ime e del i to na acepção usual que lhes assinaram os códigos de todos os povos; e não no sent ido geral e abso luto que lhes at r ibuem os teólogos e f i lósofos. * * Veja-se o Progresso, tomo I , pág. 125 e 126.
2 0 5
atividade dos outros; e esta at ividade apenas existia na massa dos possíveis. Preciso
era, pois, ou organizar a sociedade de maneira que cada uma individual idade se
pudesse desenvolver l ivremente, sem ser comprimida na sua l iberdade pelas
individual idades vizinhas; ou f ixar l imites a at ividade de cada um, para que ela não
ofendesse a dos outros. Destes dois expedientes, o primeiro é evidentemente
preferível, sob todos os respeitos; mas tão pouco tempo há que as leis que presidem
aos fenômenos gerais da vida dos povos são reconhecidas e c lassif icadas; tão
poucos anos há que a economia social conquistou o direito de cidade, mesmo entre
as nações que caminham à frente da civi l ização, que até estes últ imos tempos,
apenas alguns pensadores sol i tár ios precedendo os seus contemporâneos um ou dois
séculos, ousaram arr iscar uma opinião tão audaz e considerar como possível uma
organização deste gênero.
3 – Adotou-se, pois, o outro meio, e por convenções ou leis restr ingiu-se o direito
absoluto de que gozava cada indivíduo no exercício da sua at ividade: impuseram-
se-lhe regras a seguir. Os crimes e del i tos são violações destas convenções, leis ou
regras, como quer que se chamem.
4 – Ora, como a sociedade tem por alvo o interesse geral, e como este interesse
geral sofre com as restr ições do exercício da at ividade dos membros do corpo
social, resulta daí que as leis devem de estabelecer o menor número possível dessas
restr ições, e só proibir atos que são prejudiciais em alto grau aos interesses de
todos. Em sendo organizada a sociedade destarte, trata-se de fazer respeitar as
convenções sobre que repousa a sua existência; e como estas convenções restr ingem
a l iberdade de cada um, cada indivíduo é impelido continuamente pelo seu interesse
individual a transpor os l imites que lhe foram f ixados, e por conseqüência a violar
a lei a cometer cr imes e del i tos. Foi preciso, pois, que as proibições estabelecidas
pelas leis fossem acompanhadas de uma sanção que as f izesse respeitar, e
assegurasse a sua execução. Esta é a origem da penal idade que consequentemente
tem por alvo a manutenção das convenções sobre que se assenta a sociedade, e por
bases o interesse geral em cujo nome se estabeleceram estas convenções.
5 – Do que acabamos de expor resultam conseqüências mui importantes para a
questão que nos ocupa.
6 – A primeira destas conseqüências é que a sociedade, ao promulgar códigos
criminais, não tem por alvo punir os cr imes, e que os cast igos devem de ser
considerados não como punição ou expiação de del i tos cometidos, mas como meio
empregado, segundo o interesse de cada um, para embargar a violação de
convenções úteis a todos; e, por conseqüência, como a sociedade não é um ente
abstrato, mas um complexo de indivíduos, e sofre em sofrendo um dos seus
membros, segue-se daí que a penal idade ou a ação repressiva com que se arma o
poder social deve de ser comprimido nos l imites estreitos dos seus interesses vitais,
e os cast igos não devem de ser empregados senão em caso de absoluta necessidade.
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7 – Resulta igualmente do princípio acima estabelecido que a sociedade tem um
interesse eminente em diminuir o número dos crimes, modif icando as inst i tuições
sociais de maneira a tornar cada vez mais rara a tentação de violar as prescrições
que elas impõem, e enfim não deve de considerar o cast igo senão como um meio de
int imidação; e depois de ter empregado todos os seus esforços para impedir que os
seus membros se tornem criminosos, deve empregar novos para que doravante
respeitem a lei , ou, servindo-nos das palavras sacramentadas, deve moral izar e
regenerar os del inqüentes.
8 – Apesar da precisão da teoria que acabamos de expor acerca das bases e alvo da
penal idade, e apesar da exatidão r igorosa das conseqüências que dela t i ramos; não
parece que semelhantes princípios tenham presidido a confecção da maior parte dos
códigos criminais! No berço das sociedades, isto não admirava, visto o estado de
ignorância e de barbaria em que se achava mergulhada a humanidade; mas depois,
quando se pretendeu legit imar o que primit ivamente estabelecera o direito do mais
forte, e que se ressent ia das trevas da sua origem, caíu-se num erro deplorável. Os
criminal istas não quiseram ver no interesse geral, e em convenções mais ou menos
arbitrárias, a verdadeira base da penal idade, e foram procurá-la em abstrações
f i losóficas sobre o direito e o dever, e, as mais das vezes ainda, em concepções
teológicas. Para eles a sociedade já não fora um ente part icular, defendendo-se
contra aqueles que atacam-na, e reprimindo em nome dos seus interesses as
violações dos seus princípios fundamentais, mas sim um representante, ora da lei
moral, ora da divindade, que castiga criminoso para que ele expie o del i to que
cometera.
9 – Ainda que esta opinião não tenha sempre reinado exclusivamente, todavia a ela,
a esta falsa concepção das bases e do alvo da penalidade é que se deve atr ibuir o
estado deplorável, ou a impotência radical do sistema repressivo entre a maior parte
das nações civi l izadas, seja qual for o ponto de vista sob que se considere.
10 – De certo, no momento em que o legislador perde de vista o verdadeiro caráter
da penal idade, e faz que a sociedade represente o papel de deus vingador, ele vai
dar na consti tuição do sistema repressivo quase tal qual vemos hoje, isto é, quase o
contrário do que reclamam os interesses sociais.
11 – Então a sociedade sofre, porque as leis restr it ivas da l iberdade dos indivíduos
se não l imitam a defender e ordenar aqui lo que é indispensável ao bem de todos;
porque as penas impostas para punir o cr ime às vezes são mais nocivas à sociedade
do que eram o próprio cr ime; porque ninguém se ocupa nem com medidas
preventivas, nem com regeneração dos del inqüentes que se vão corrompendo cada
vez mais, porque o número dos crimes vai sempre aumentando, etc. , etc.
12 – Assim, pois, tornando a tomar, para nos resumir, o caminho que percorremos,
vimos que a penal idade não tem outro alvo senão manter a observância das leis
consti tut ivas da sociedade, e não tem outras bases mais que o interesse desta mesma
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sociedade – o interesse geral. Concluímos daí que a penal idade deve de ser mais
restr i ta possível; que a sociedade se devia ocupar principalmente com medidas
preventivas, a f im de diminuir o número dos crimes; e que, em sendo cometido um
crime, ela devia trabalhar na regeneração daqueles que o prat icaram.
13 – Num próximo art igo, investigaremos as principais causas dos crimes, então nos
entenderemos mais sobre essas medidas preventivas, e sobre as destinadas a
moral izar ou regenerar os del inqüentes. Mas antes de encetarmos esta tarefa, vamos
de antemão responder a uma acusação que necessariamente se nos há de fazer, a de
menosprezarmos a lei moral de que outros muitos pretenderam fazer a base da
penal idade.
14 – Estamos longe de desconhecer a existência da lei moral, reconhecemo-la como
uma lei geral e de caráter obrigatório, gravada no coração de todos os homens e
com cujas prescrições todos eles são moralmente obrigados a conformar-se; mas
negamos que esta lei seja idêntica com as leis sociais que em muitos casos lhe são
inteiramente opostas, e por conseqüência que ela possa ser considerada como base
da penal idade.
15 – A nenhum poder humano podemos conceder o direito de se arvorar em juiz da
violação de leis que não são humanas; e temos para nós que mesmo no caso em que
a sociedade se organizasse segundo as prescrições da lei moral , as leis sociais,
enquanto sociais não seriam obrigatórias senão como convenções puramente
humanas, baseadas no interesse geral e cuja manutenção e execução é autorizada
pela força.
Recife, 4 de Setembro de 1847.
A . . . . . .
O Progresso, p 639-643.
Anexo 19
COLONIZAÇAO DO BRASIL
Le vrai peut quelque fois n’être pas vraisemblable.
Boi leau
1 – Colonização, colonização; é esta uma palavra que de contínuo soa aos nossos
ouvidos desde o fel iz dia em que conseguimos a nossa independência; e disséreis
que a colonização é um remédio infalível para todos os nossos males. E que
resultado temos nós obtido de todos sacri f ícios pecuniários fei tos com a
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colonização? Aí estão os fatos: eles que respondam. O resultado adquir ido não
corresponde de maneira alguma às despesas feitas para este f im.
2 – Entretanto, quantos sistemas se não têm apresentado e quantas tentat ivas de
real ização se não têm empreendido, desde o famoso plano de monsenhor Miranda,
que vemos estampado, por inteiro, na coleção das leis e decretos do Império, até o
que acaba de ser submetido à aprovação da nossa assembléia geral legislat iva?
3 – Poucas são as nossas províncias que não tenham feito o seu ensaiozinho de
colonização; e de todas essas colônias ainda não há uma sequer que tenha
correspondido às esperanças que f izera nascer: quase todas desapareceram, porque
os colonos abandonaram a cultura do solo, a f im de se darem às pequenas
indústr ias, já obstruídas pelos nacionais, ou ao comércio a retalho. Quanto ao
pequeno número das que ainda existem, mantém-se a maior parte delas somente em
virtude de repetidos sacri f ícios da parte do governo. Qual será a causa do mau êxito
destas tentat ivas? Ei la:
4 – A colonização há sido inoportuna; no estado atual, o Brasi l tem necessidade de
sábios e de operários hábeis, que venham instruir a população e introduzir
diversos gêneros de cultura e de indústr ia. Mas não tem necessidade alguma de
colonos porque a sua população atual é superior aos meios que ora possui à sua
disposição para viver.
5 – À primeira vista, em presença do nosso imenso terr i tór io, cortado de r ios
navegáveis e de regatos perenes; deste solo fért i l , que encerra imensas r iquezas
naturais que só aguardam a mão do homem para colhê-las, parece que a que
acabamos de aventurar não passa de paradoxo atrevido que apenas merece as honras
de uma refuta e entretanto, por desgraça nossa, nada se dá mais verdadeiro que esta
proposição. Com uma população de menos de seis milhões de habitantes para um
terr i tór io de quase 700.000 léguas quadradas; já possuímos, à maneira das velhas
nações da Europa, uma fração notável da nossa população cujos meios de existência
são tão precários que apresenta evidente per igo para o resto da sociedade. E o que
ainda é mais terrível é que esta fração tende a aumentar-se cada dia!! !
6 – Na hora em que escrevemos estas l inhas, existem certamente mais de um
sol ici tador de emprego, mais de um empregado demit ido, mais de um operário sem
trabalho, que sonham com revoluções, etc.
7 – Antes de cuidarmos em colonizar, em importar para entre nós habitantes de
outras terras, ou, o que fora muito melhor, em atrair para o Brasi l o excesso das
populações laboriosas da Europa, devemos dispor as coisas de maneira que elas
possam empregar o seu trabalho, de um modo produtivo, e não sejam obrigadas a
virem aumentar a classe perigosa da população do nosso país.
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8 – Ora, é de toda evidência que antes de tratarmos de proporcionar meios de
existência a estrangeiros, a homens que ainda se acham em sua pátr ia, dá-se um
primeiro dever a preencher, dever imposto pelos mais simples sentimentos de
just iça e de prudência: o oferecer trabalho lucrat ivo, meios de existência a esta
porção necessariamente ociosa e perigosa dos nossos concidadãos, de que acima
falamos. É, por assim dizer, uma colonização interna que deve de preceder à
colonização externa. Mas não basta assinar o alvo a at ingir -se, cumpre indicar ainda
os meios. As medidas que se apresentam a primeira vista, como capazes de produzir
o resultado desejado, são as medidas di retas: o estabelecimento de colônias
nacionais, a abertura de grandes of icinas de trabalho, etc. Mas um exame pouco
profundo basta para mostrar a insuficiência radical das medidas diretas, e a
impossibi l idade de obter-se por este meio um resultado duradouro.
9 – Quanto às colônias nacionais, para elas como para as que são formadas de
estrangeiros, é mister que os colonos possuem, além do solo, os instrumentos
necessários para cult ivá-lo, os capitais indispensáveis para esperarem até que
possam viver dos seus produtos; isto é, durante alguns anos, a julgarmos pela
experiência das nossas colônias e das estabelecidas pelas nações européias, e
mormente pela Inglaterra. E demais, coisa indispensável é que a colônia se ache
vizinha de um grande centro de consumo ou de exportação, a que possa transportar
os seus produtos com poucas despesas. Ora, mui poucas são as porções do nosso
terr i tór io que, à vista da fal ta absoluta de vias de comunicação, se achem
atualmente nestas circunstâncias, ou nelas se possam colocar sem grandes despesas;
e as que se acham em tais casos não pertencem ao governo mas sim aos
part iculares, aos quais lhe fora mister comprá-las. Logo, em todo o caso, cumpre
fazer enormes despesas, sem certeza alguma de que sejam reembolsadas, com
bastante brevidade, para que o sacri f ício seja út i l à geração que o f izer. A mesma
objeção se apresenta, no tocante às of icinas de trabalho; mesmo no caso em que os
trabalhadores desocupados sejam empregados em trabalhos tais, que os seus
produtos não façam concorrência aos dos operários atualmente ocupados e não os
privem de trabalho, no caso, por exemplo, serem empregados em abrir estradas,
canais, etc. Seja qual for o sacri f ício que o nosso governo se imponha para obter
este resultado, nunca poderá ele ocupar toda a porção da população que hoje vive
desocupada. E ainda quando ele pudesse ocupá-la hoje, já não poderá amanhã,
porque esta população aumenta todos os dias.
10 – Objetar-nos-ão talvez que, como a criação das vias de comunicação permite a
cultura de muitas terras ora incultas, necessitará grande número de braços, e
oferecerá trabalho a este acréscimo de populações. Responderemos a isso, que a
criação das vias de comunicação, ao passo que permite a cultura de muitas terras
ora incultas, terá também outro efeito, o de substituir na parte do solo ora
cult ivado, o transporte por carros ao transporte por cavalos, e por consequência
privará desses meios atuais de existência os três quartos dessa população tão
considerável , que atualmente se ocupa com os transportes e que seria obrigada a
procurar outros meios de vida. Entretanto, estamos longe de negar as imensas
2 1 0
vantagens que resultariam necessariamente da criação de grandes of icinas de obras
públ icas; mas cremos que este meio ser ia insuficiente, porque, como acima
dissemos, as forças do governo são mui escassas para que, em poucos anos possa
ele pôr em comunicação fáci l com os centros de consumo ou de exportação os
terrenos férteis que ainda pertencem ao estado, e não foram sujeitos ao desastroso
sistema das sesmarias. Quanto aos outros, os que pertencem a part iculares, só se
pode contar com eles para acomodar-se mui pequeno número de indivíduos. O
governo deve de caminhar nesta estrada;
sim! mas carece de um meio mais pronto e menos oneroso.
11 – Em nossas praias, ao redor dos nossos grandes centros de população, existem
vastas extensões de terrenos, pela mor parte férteis, cuja décima parte apenas, e
muitas vezes a centésima, é cult ivada. Nestes terrenos é que se deve operar a
colonização interna. O que se deve fazer é pôr estes terrenos à disposição dos
trabalhadores. Mas, há largos anos que estes terrenos foram concedidos; acham-se
em poder de legít imos possuidores, e a sua posição na zona do movimento
comercial para a exportação lhes dá grande valor vendável. O governo está longe de
os poder comprar. Logo, é força recorrer a outro meio. Qual é este meio? — Aquele
que nos indicar, de uma maneira mais palpável, um rápido exame do modo de
formação dessa classe turbulenta da nossa população, de que já falamos, e que,
impel ida pela necessidade, torna-se a causa ef iciente das nossas lutas polí t icas, e
ainda de outros muitos males.
12 – Entre nós, assim como em todos os países infantes, a população vai crescendo,
e a fecundidade das uniões é espantosa tanto nas cidades e vi las, como nos campos,
e sobretudo nas grandes cidades como a em que habitamos. Examinemos o que vem
a ser este acréscimo de população, primeiramente aqui no Recife, depois no
interior. Não falamos das famíl ias r icas porque são em número l imitado, e al iás se
vão empobrecendo de geração em geração, por amor das part i lhas; mas das famíl ias
arremediadas e pobres. As f i lhas sobrecarregam as suas famíl ias, ocasionam-lhes
novas necessidades, que, no comércio, se t raduzem por fal imentos, al iás por uma
insaciável sede de empregos públ icos; e entre os pobres por via de resultados ainda
mais deploráveis para a moral públ ica. Quanto aos rapazes, se os pais são
remediados, esses estudam, e por f im reclamam também empregos: se os pais são
pobres, aprendem um ofício e destarte aumentam o número, já desmensurado, dos
nossos alfaiates, sapateiros, pedreiros, carpinas, etc... e estabelecem entre si uma
concorrência que os arruína, e muitas vezes se acham sem trabalho. Alguns vão
estabelecer-se no interior, mas em pequeno número, e a causa disso nós vemo-la
mais longe que destino tem o acréscimo contínuo da população no interior? (sic)
Acaso emprega-se ele na agricultura? Não; a parte mais esclarecida vem aqui para o
Recife procurar fortuna, sol ici tar um ridículo emprego; o resto af lui para as vi las e
outros centros de população, e aí vive vida miserável, porque entre nós não há
indústr ia que ofereça ao trabalhador l ivre um serviço certo e regularmente
retr ibuído.
2 1 1
13 – Eis aí de onde provêm essas massas de homens sem meios seguros de
existência, que em certa esfera alimentam a polí t ica dos partidos, e nas regiões
inferiores da sociedade prat icam o roubo e todas as suas variedades.
14 – E por que razão os mancebos das famí l ias arremediadas, em vez de entrarem
na carreira tão precária dos empregos públ icos, não se dão ao comércio, ou o que
ainda seria melhor à agricultura? E por que razão, em vez de aprenderem os ofícios
de alfaiate, pedreiro, carpina, etc. os f i lhos das famíl ias pouco favorecidas da
fortuna, não retrocedem para o interior; por que também se não vão fazer
agricultores? Por que os habitantes do mato não cult ivam o solo senão
constrangidos ? Por que os seus f i lhos buscam as vilas? Para tudo isso não vemos
mais que uma única resposta, e desgradaçamente ela é cabal !
15 – No estado social em que vivemos, os meios de subsistência do pai de famíl ia
não aumentam em proporção dos seus f i lhos, de onde resulta que, em geral, os
f i lhos são mais pobres que os pais, e possuem menos capitais. Ora, a agricultura e
o comércio, sobretudo a agricultura, estão hoje cercados por uma barreira
inacessível para o homem pouco favorecido; para todo aquele que não possui certo
numero de contos de reis. Toda a gente sabe dos motivos que tornam o comércio
inacessível àqueles que t ivessem necessidade dele para viver; não nos
estenderemos, pois, sobre tal assunto; e por outro lado o comércio é uma função
parasita que já conta o número de agentes, cem vezes maior do que comporta.
Entretanto, julgamos não poder eximir-nos de dizer que uma lei que tornasse o
comércio a retalho privat ivo dos nacionais, e abrisse destarte vasta saída aos nossos
concidadãos sem fortuna, fora uma coisa absolutamente justa, razoável e vantajosa
ao país. Quanto à agricultura, a função produtora por excelência, a mãe (alma
mater) das nações, é aí que residem os interesses vitais da nossa pátr ia; e como ela
se acha cercada por uma barreira é míster que esta barreira caia, custe o que custar.
16 — E qual é esta barreira? — A Grande Propriedade Terror ial. Esta entidade
terrível que tem arruinado e despovoado a Ir landa, a campanha de Roma e outros
muitos países.
17 – A cultura que deve de ocupar a nossa população, que um dia deve dar-nos uma
classe média e estabelecer a verdade do nosso sistema representat ivo, como já o
demonstramos, não é a grande cultura, que exige grandes capitais, e que é aqui
executada por escravos; mas é a pequena cultura, a que pode executar um pai de
famíl ia com os seus f i lhos, ajudado quando muito por trabalhadores alugados no
momento da plantação e da colheita. Ora, as terras susceptíveis de se prestarem com
vantagem à pequena cultura, em consequência da natureza do solo, da vizinhança
das fontes e dos r iachos, e dos centros de consumo e de exportação, não são os
sertões longínquos, nem as caatingas, crestadas pelo sol, e reduzidas a uma quase
esteri l idade por amor dos sorr ibamentos (s ic) inconsiderados dos fazendeiros de
algodão. São as terras contíguas à beira-mar: na nossa província é essa a região
ocupada pelos engenhos. Esta região que se estende sobre todo o l i toral da nossa
2 1 2
província até uma profundeza de dez, doze, e às vezes quinze e dezoito léguas para
o interior, se acha, como se sabe, dividida em engenhos ou propriedades cuja
dimensão varia desde um quarto de légua quadrada até dois e três, e até quatro e
cinco léguas quadradas. Como a cultura da cana exige uma qual idade de terras
part icular, que se não encontra por toda a parte, segue-se daí que, afora as terras de
cana, as matas que lhe são necessárias e as terras de que carece para os seus bois e
a plantação de mandioca, indispensável ao al imento dos escravos, a maior parte dos
engenhos possui vastas extensões de terrenos incultos, terrenos que seriam
eminentemente próprios para a pequena cultura, e que se fossem cult ivados
bastariam para fornecer com abundância farinha, feijão, milho, etc. a toda a
população da província e das províncias vizinhas e até para exportação. Ora, os
proprietários se recusam a vender estes terrenos, e até a arrendá-los. Se possuirdes
tr inta ou quarenta contos de réis, então podereis comprar um engenho; mas se sois
pobre, e quiserdes comprar ou arrendar algumas jeiras de terra, não achareis! É isso
o que faz que a população improdutiva das cidades, a classe dos sol ici tadores de
empregos públ icos se aumente todos os dias, que os crimes contra a propriedade se
tornem mais frequentes e o país se empobreça de dia em dia, em consequência do
aumento do número dos consumidores, no entanto que o dos produtores permanece
estacionário; ou ao menos não cresce senão em proporção muito mais lenta.
18 – Mas, dizem os grandes proprietários, estamos longe de recusar, como dizeis, à
gente pobre as terras que ela precisa para cult ivar; apresentem-se, e mediante um
foro módico e às vezes até por nada, nós lhe daremos não só a terra para plantar,
mas madeiras para construir habitações. É verdade, mas este gozo que lhe
proporcionais, só se dá enquanto vos praz. No momento, porém, em que vos dá
vontade, por um capr icho vosso, ou porque eles se recusam a votar pelas vossas
chapas nas eleições, ou a executar uma ordem que lhes destes, vós despejai-os sem
remissão. Como é que quereis que estes infel izes plantem, se eles não têm certeza
de colher? Que incentivo há aí que os induza a beneficiar um terreno do qual podem
ser despejados de um instante para outro? Nas vossas terras eles não gozam de
direito algum polí t ico, porque a sua opinião deve por força seguir a vossa; para eles
vós sois a polícia, os tr ibunais, administração, tudo, numa palavra; e, afora o
direito e a possibi l idade de vos deixarem, a sorte desses infel izes em nada difere da
dos servos da meia-idade.
19 – O poder dos grandes proprietários do interior (e este poder é grande) tem por
base o número desses vassalos obedientes que eles mantêm nas suas terras. Assim,
no estado de fraqueza em que se acha o governo, quanto a estas individual idades
poderosas, na impossibi l idade em que ele está, na maior parte do tempo, de fazer
por si mesmo respei tar a lei no interior do país pela sua única força, cada
proprietário é obrigado, mau grado seu, a manter esta espécie de mil ícias, a f im de
não ser t i ranizado pelos seus vizinhos, ou adversários polí t icos, transformado em
autoridades pol iciais, e para que possa sem perigo despojar-se de uma parte das
suas terras, e consequentemente de uma parte dos seus meios de inf luência
2 1 3
guerreira fora mister que os seus vizinhos f izessem outro tanto e que o governo se
tornasse bastante forte para protegê-los contra as agressões possíveis.
20 – Ora, para obter-se semelhante resultado, só há um meio ef icaz: o constrangê-
los todos, ao mesmo tempo, por uma força externa, e esta força encontramo-la nesse
imposto direto de que reza a nossa consti tuição – nesse imposto terr i tor ial que já
propusemos noutro lugar desta revista, e cujas vantagens já mostramos.
Estendendo-se gradualmente sobre a província o imposto terr i tor ial obrigaria os
grandes proprietários a despojar-se das terras que lhe são inúteis. Estas terras
repart idas entre grande número de indivíduos seria uma fonte de uma classe média
de pequenos agricultores que aumentaria, excessivamente, a produção do país, e
servir iam poderosamente o governo, quanto à manutenção da ordem públ ica; e
então, vendo todos os seus f i lhos ocupados de uma maneira produtiva e vantajosa, o
Brasi l poderia chamar o excedente das populações industr iosas da Europa, ao qual
ofereceria trabalhos e meios seguros de existência. Antes disso, qualquer tentat iva
de colonização é absurda.
21 – Nos nossos art igos sobre os interesses provinciais, já propusemos um projeto
de lei acerca do imposto terr i tor ial : eis aqui agora um a respeito do comércio a
retalho.
22 – A assembléia geral legislat iva decreta:
Art igo 1º – A contar do 1º de ... . . . . . . . de 184.., ninguém no Brasi l poderá possuir
armazéns, ou lojas de vender a retalho, produtos por ele não fabricados, se não for
cidadão brasi leiro.
Art igo 2º – Fica concedido a todos os estrangeiros que ora se acham nestas
circunstâncias o prazo de . .. . meses para l iquidarem os seus negócios e venderem os
seus estabelecimentos.
Art igo 3º – Os estrangeiros que se acharem nestas circunstâncias, e quiserem gozar
do privi légio exarado no 1º art igo, privat ivo dos nacionais, declararão na câmara
municipal da sua residência a intenção de se natural izarem cidadãos do império, e
depois de seis meses a respectiva câmara municipal mandará passar carta de
natural ização, l ivre de qualquer despesa e emolumentos.
Art igo 4º – A declaração de que reza o art igo precedente deverá ser acompanhada
de documentos, que provem ser o supl icante maior de 21 anos, e estar no gozo dos
seus direitos polí t icos.
Recife, 24 de Setembro de 1847.
H . . . . . . .
O Progresso, p. 629-637.
Anexo 20
2 1 4
EXP0SIÇÃO DE PRINCÍPIOS
A fruct ibus eorum cognoscetis eos
EVANG.
1 – Ao darmos princípio a publ icação, cujo primeiro número hoje oferecemos ao
públ ico, sentir íamos a necessidade, ainda mesmo que as tradições da imprensa
periódica a isso nos não obrigassem, de expor os nossos princípios e de declararmos
sob que ponto de vista encaramos as diversas matérias a que sucessivamente
daremos cabida nas páginas da nossa Revista. Com efeito, só destarte é que as
pessoas que simpatizarem com as nossas idéias se poderão aproximar de nós e
animar o nosso trabalho. Gozando do privi légio bem raro em nossa terra, para não
dizermos desconhecido, de possuirmos uma redação perfeitamente uma de intenções
e desenhos, teremos assim a vantagem de apresentar constantemente, no
desenvolvimento do nosso pensamento próprio ou na exposição das idéias de
outrem, as mesmas doutr inas e os mesmos princípios gerais, apl icados aos fatos de
diversas ordens.
2 – Na esfera das idéias f i losóficas, pretendemos nós arvorar a bandeira do l ivre
pensamento. Persuadidos de que para a razão do homem, só há legít imos os dados
da razão, não aceitaremos senão aqui lo que nos apresentar os caracteres da
evidência, e não reconhecemos dogma algum que tenha o privi légio de dir igir os
nossos atos, antes de nos ter convencido o espír i to. Cremos que tudo é l igado no
sistema na natureza, que o mundo moral tem leis assim como o mundo físico, e, sem
pretendermos que semelhantes leis já se achem descobertas, pensamos que a sua
indagação é uma tarefa destinada ao gênio do homem, tarefa subl ime, que ele
preencherá tanto mais faci lmente quanto mais estudar a natureza e apl icar com mais
independência de espír i to a essas matérias os processos lógicos e os métodos de
investigação e de exame, que desde Bacon hão permitido que as ciências f izessem
tão rápidos progressos. Aplaudiremos pois e animaremos quanto em nós couber
todas as tentat ivas do espír i to humano que neste sentido se façam; e sem que
demos, em nossas páginas, mui amplo lugar às considerações metafísicas, contudo,
iremos noticiando aos nossos lei tores os mais importantes trabalhos que sobre tais
matérias apareçam.
3 – Fi lhos do século que vai andando, renegáramos nossa origem se não
admirássemos o glorioso progresso das ciências. Com efeito, nos nossos dias,
caminham elas a passo de gigante, e o vasto campo que abraçam, é explorado por
todos os lados, não só naquelas paragens mais luminosas, como também nos mais
obscuros pontos, por milhares de sábios que todos os dias recolhem algum fato ou
idéia nova. Mas semelhante movimento de exploração, posto que magníf ico em si
mesmo, e posto que deva produzir belos resultados porvindouros, contudo ainda nos
não apresenta, no seu todo, a imagem da ordem e de uma organização regular.
2 1 5
Todos os dias, fatos inumeráveis vêm juntar-se aos fatos já conhecidos, e novas
idéias de apl icação arregimentar-se ao lado de outras; mas tudo isso se acumula,
sem ordem e sem nexo. A ciência entretanto não é um montão informe de pedras, é
um todo composto de materiais regularmente arranjados segundo as regras da
geometria divina, sobre os planos do arquiteto sublime. A função do sábio, e a sua
função mais alta, devera pois ser a indagação das leís para a construção deste vasto
edif ício, mas hoje, nas ciências, oh! bem poucos são os arquitetos, – quase que não
existe senão quem lavre a pedra! E se temos direito de exprimir pensamentos tais a
respeito de ciências que, a maneira das matemáticas da física e da química, estão
sentadas em algumas bases sól idas, e se podem reputar consti tuídas, com quanto
mais forte razão ainda se não apl icarão as nossas palavras àquelas que, como a
medicina e a economia polí t ica, por exemplo, ainda não possuem bases e usurpam
verdadeiramente o nome de ciências? Assim, temos para nós que em nossos dias
anda a ciência um caminho errado, e desgraçadamente as academias, cuja função
devera ser organizar as indagações, traçar o edif ício que se deve determinar-lhe as
leis e proporções, essas dormem quase por todas as partes numa preguiçosa
beati tude. Em lugar de guiarem, procuram as mais das vezes reprimir o
desenvolvimento, negar o valor das idéias poderosas, e se deixando estar deste
modo fora do movimento, permitem que o progresso se efetue sem elas e mau grado
seu.
4 – Pela nossa parte convencidos de que, se os fatos são os elementos consti tut ivos
da ciência, eles não possuem todo seu valor senão com a condição de serem
regularmente coordenados entre si , numa síntese luminosa, invocaremos uma
mudança na estrada hoje adotada, acolheremos com prazer todas as idéias
sintét icas, tudo quanto propender para a ordem, coordenação e regularidade, tudo
quanto t iver por alvo expl icar, simpli f icar e reduzir a um número menor os
princípios geradores de que procedem as ciências; e enfim, tudo quanto tender a
atar a uma lei de ordem superior as leis parciais que ora possuímos. Assim, posto
que a ciência, encarada sob o ponto de vista tão elevado, mui poucos adeptos conta
cá neste canto do mundo em que vivemos, não nos forraremos por isso, quando se
nos oferecer ocasião, de exprimir o nosso parecer sobre tais matérias; e já que o
pensamento impresso voa hoje, vá também o nosso despertar ao longe alguns ecos.
5 – Agora, se apl icarmos à polí t ica os princípios, gerais que acima estabelecemos,
concluir -se-á que somos part idários da ordem na sociedade, do acordo e disposição
regular dos interesses e dos homens; mas deve-se ver também que queremos a
l iberdade, – a expansão l ivre dos indivíduos e das massas. E não creia alguém que
ao estabelecermos semelhante princípio, ao querermos ao mesmo tempo a ordem e a
l iberdade, reclamemos duas coisas contraditórias. Bem sabemos que, para aqueles
que só podem ver uma face das idéias, é a l iberdade antagonista e inimiga declarada
da ordem, e que para eles também não pode a ordem reinar senão rareando e
comprimindo a l iberdade; mas pela nossa parte, semelhante maneira de ver é
radicalmente errônea, repousa sobre uma falsa inteligência de palavras e inexata
interpretação de fatos. Pelo contrário, se, em polít ica transcendente, existe um
2 1 6
princípio eternamente verdadeiro, é que a ordem não pode reinar sem a l iberdade, é
que a l iberdade não pode exist ir sem a ordem; de sorte que esses dois fatos,
considerados como destruindo-se mutuamente, não se dão um sem o outro, e se
acham necessária e int imamente l igados. Em verdade, como é que se poderia dar na
sociedade a ordem, – a disposição regular e harmônica dos homens e das coisas, se
houvesse lugar a ofensa e violação da l iberdade? Porventura os homens oprimidos e
violentados deixarão de resist ir , de se agitarem e de se sublevarem para conquistar
ou reaver os direitos que alguém lhes negasse? Não, sem dúvida; eles se hão de
agitar, e, se por compressão violenta embargar-se momentaneamente ou mesmo por
algum tempo, toda a manifestação de desordem aparente, nem por isso se persuada
alguém ter obtido a ordem, porque a ordem na sociedade não é essa organização
art i f icial produzida pelo despotismo. Quanto à l iberdade, como é que a
conceberemos na ausência da ordem? Como é que imaginaremos que aí onde as
partes se acham mal dispostas uma a respeito da outra, onde os interesses e as
paixões se chocam, possa dar-se l iberdade dos indivíduos nos seus interesses e a
sat isfação das suas necessidades? Não; o que aí é a luta, é a anarquia, e a anarquia
é tão pouco l iberdade como o despotismo é ordem. Logo, tanto aqueles que
escrevem em suas bandeiras que trabalham pela ordem, como os que escrevem que
combatem pela l iberdade, ambos se enganam, se entendem, excluir um destes dois
termos em favor do outro. Para nós, ambos eles são correlat ivos, supõe um ao
outro; e posto que saibamos que a ordem ainda mesmo falsa e incompleta, ainda
mesmo obtida transitor iamente por meio de alguma compressão, é a primeira
condição, a condição sine qua non da existência das nações, contudo, em tese nunca
nos decidiremos em favor dela com prejuízo da l iberdade, e procuraremos, em todos
os casos, a solução superior que ao mesmo tempo satisfaz a estas duas
manifestações, legít imas no mesmo grau.
6 – O f im da polí t ica, tomando esta palavra na sua acepção mais elevada, é a
indagação das condições da fel icidade dos povos. Uma destas condições, talvez a
principal, no estado atual das coisas, é a forma governamental, a organização dos
poderes chamados pol í t icos; mas evidentemente, de ser ela uma destas condições,
não se segue que seja a única, pois que as formas do estado social, a natureza das
relações de indivíduo a indivíduo, a maior ou menor faci l idade de adquir ir o bem-
estar, o desenvolvimento das ciências, das letras e das artes, os usos e costumes,
também são fatos polí t icos de uma alta importância e que mui profundamente
inf luem sobre a fel icidade dos indivíduos e dos povos. E entretanto que é o que
vemos nós, na região chamada polí t ica? Inf indas discussões sobre as garantias
polí t icas dos cidadãos, sobre os direitos e as l iberdades consti tucionais, direi tos
fr ívolos, l iberdades vãs, quando não saem da atmosfera metafísica das consti tuições
e não se apóiam numa organização social que lhes permita encarnar-se nos fatos,
máquinas aerostát icas sobre que batem os ambiciosos no assalto dos empregos e do
poder, para abafarem com o rumorejar de suas inúteis contendas a expressão do seu
pensamento, prenhe de ambição e de personal idade. De certo, quando alguém se
remonta ao passado dos povos, quando ref lete nas antigas organizações polí t icas,
geralmente opressivas e duras para os indivíduos e as nações, acha excelente que
2 1 7
em princípio o corpo e o pensamento do homem se tenha emancipado do jugo que os
comprimia; mas hoje que os direitos polí t icos do homem se acham reconhecidos e
aceitos, e que já ninguém os confiscará aí onde uma vez eles se deram; de que
servirá disputarmos todos os dias sobre pontos já concedidos, e girarmos sem cessar
no círculo estreito de impotentes discussões que nem mesmo têm por efeito dar a
tais direi tos mais real idade e valor? Abandonemos pois estas vãs discussões, e
abafemos com a loisa do olvido estas lutas estéreis; – lembremo-nos que a polí t ica
não é só a arte de falar para nada dizer: que é uma ciência, a ciência mais
interessante para os homens, pois que inf lui mais diretamente sobre a fel icidade
deles, e que a devem estudar aqueles que querem governar os povos.
7 – Para nós pois, a polí t ica é a ciência da organização social, com o único alvo de
real izar a fel icidade dos indivíduos; e sem entrarmos aqui em desenvolvimentos,
que os l imites desta escri tura não comportam, diremos que para esta nossa terra do
Brasi l , na atual idade, a ação da polí t ica deve ser principalmente econômica e
industr ial , deve andar sobretudo o caminho dos progressos mater iais. Com efeito,
quando lá dum ponto de vista elevado, se considera as circunstâncias que inf luem
sobre a fel icidade do homem, vê-se faci lmente que o bem ser material é a sua
condição primit iva, o companheiro inseparável da ordem e da l iberdade, o
antecedente lógico dos progressos racionais de todos os gêneros. Por outro lado, o
que é que vemos aí em roda de nós, na Europa e entre os nossos vizinhos do Norte?
À exceção de alguns fatos isolados, vemos por todas as paragens dominarem as
idéias de progresso material . Já expirou a guerra; e o seu século, escondeu-o a noite
dos tempos. Em verdade, quem há aí que ainda se lembre hoje de guerra como
princípio polí t ico? — Alguns loucos ou alguns soldados ambiciosos! Não, a paz é
decididamente o voto do século XIX; o arado e o tear despedaçaram a espada, o
vapor substi tuiu, como força motora, na máquina de pulmões de ferro que trabalha
para a fel icidade dos homens, a pólvora que outrora abalava máquinas de bronze
para os destruir aos milhares; as velhas barreiras nacionais, desmoronam-se, e o
caminho de ferro que as despedaça ao passar por cima delas, anula o espaço e
confunde povos que ao encontrar-se f icam surpresos de ver hoje mudarem-se em
simpatia as antipat ias de ontem. É esta pol í t ica radiosa de progresso pacíf ico que
queremos instaurar entre nós, e que será a legenda da nossa bandeira. Logo
mostraremos quais as leis f ixas e as condições capitais que para isso se requerem, e
também, indicaremos que medidas se devem tomar para decidir a sua inauguração e
f ixar-lhe o caminho.
8 – Mas esta polí t ica incontestavelmente boa para a nação considerada no seu todo,
e capaz de fundar a sua provindoura grandeza, achar-se-ia evidentemente encravada
em seus efeitos por um vício radical e f lagrante, se ao mesmo tempo que se
aumentasse a soma das r iquezas, ela só tendesse como na Europa, a aumentar
indefinidamente a miséria das massas. É isto uma verdade, e longe de procurarmos
afastar a dif iculdade diremos, que para nós, o desenvolvimento do pauperismo que
atualmente assusta a Europa, é sem dúvida uma conseqüência do industr ial ismo
moderno, mas não resultado necessário dos progressos materiais, os quais são
2 1 8
absolutamente bons e benéficos, e que para acharmos a causa de semelhante miséria
convém procurá-la, na falsidade das relações estabelecidas entre os homens, como
produtores e consumidores, na exagerada inf luência concedida a certos elementos
de produção; e esperamos demonstrar como é possível, senão fáci l evitar o escolho
que acabamos de assinalar.
9 – Vê-se pois que a nossa polí t ica, baseada nas aspirações legít imas da ordem e da
l iberdade terá tendências eminentemente pacíf icas e organizadoras de progresso
social. Armados com este cr i tér io é que levaremos o escalpelo da cr í t ica e o archote
da af irmação ao estudo das questões que são hoje a ordem do dia, daquelas que
sucessivamente forem aparecendo no correr natural das coisas, ou das que nós
mesmos suscitarmos, em se nos mostrando maduras, e susceptíveis de próxima
apl icação.
10 – Agora, à vista do que acabamos de dizer, não seria ocioso o perguntar-nos
alguém a nossa opinião, a respeito da forma governamental em si mesma, e obrigar-
nos a escrever em nossa bandeira, como em geral costumam fazer as folhas
polí t icas, se somos monarquistas ou republ icanos? — Confessaremos primeiro que,
para nós é esta uma coisa de menor monta do que para aqueles que encaram a
polí t ica de um ponto de vista menos elevado; mas para que ninguém julgue que
queremos esconder alguma face do nosso pensamento, diremos que no estado atual
do Brasi l a forma consti tucional com um hereditário e duas Câmaras elet ivas nos
parece oferecer mais garantias de estabi l idade que as outras de governo. Temos
para nós que um monarca em geral é o homem do seu império, mais interessado pela
glória, e fel icidade desse império. E sem pensarmos que seja esta uma razão para
que ele sempre saiba fazer semelhante fel ic idade; nem por isso é menos certo, de
que se trata muito mais de esclarecer e fazer que os governos progridam, quaisquer
que sejam, do que destruí-los. O que primeiro e acima de tudo somos é amigo do
povo, o que queremos é a fel icidade da nação, considerada no seu todo e nos
elementos que a compõem; e como este governo é absolutamente necessário à
nação, somos subsidiariamente amigos do governo; mas isto não nos impõe
evidentemente a obrigação nem de admirar nem de aprovar tudo quanto f izerem os
governos, nem tão pouco tudo quanto f izer o povo: af inal, a um e a outro, sempre
que convier, dir igiremos nós as nossas censuras.
11 – Deixaremos por acabar esta exposição dos nossos princípios, se ao sairmos do
terreno árido em que acabamos de andar, não passássemos por um momento a uma
região mais serena se não disséssemos algumas palavras sobre coisas geralmente
gratas ao coração do homem e que excitam de um modo menos violento as suas
paixões: queremos falar das letras e das artes. Sem dúvida pudéramos nós entoar
sobre este assunto longos dit i rambos, cantar em frases harmoniosas o seu alto valor
social e civi l izador; mas julgamos ser obra mais úti l empregar o pouco espaço que
nos resta em l igar semelhante matéria a uma das teses que mais acima
estabelecemos, quando enunciamos que o bem-estar material é o antecedente lógico
dos progressos racionais de todas as ordens. É certo que o homem ama as artes por
2 1 9
um pendor inst int ivo da sua organização; os sentidos são embriagados pelos divinos
acentos da música, pela harmonia das l inhas e das cores, e o espír i to que se praz em
contemplar as leis da natureza, naqui lo que elas possuem mais fei t iceiro e suave,
procura dar aos sons forma e vida, animar com o seu bafo as criações do pincel,
embalar-se nas divinas inspirações da poesia.
Descende coelo, et dic age t ibia
Regina longum Caliope melos.
12 – Mas, oh! quão l imitado não é o número daqueles que se podem dar a esse
pendor inst int ivo! para isso é necessário descanso e alguns meios, e que eles se não
vissem obrigados a permanecer todo dia curvados sobre um trabalho ingrato, com o
coração cheio de angústias e o espír i to de receios do futuro. Para que o homem
possa levantar a cabeça ao céu e sorr ir-se contente pelas benéficas emanações que
de lá recebe, é mister que nem a sua alma nem o seu corpo sejam torturados. Logo,
para que a letra e as artes se desenvolvam, releva primeiro que a sociedade seja r ica
e poderosa, que os homens no meio dela possam faci lmente chegar ao bem ser; e é
isso também o que nos mostra a história, nas mais ricas épocas das letras e das
artes que correspondem sempre a existência de sociedades fel izes ou de sociedades
poderosas. Tudo é pois como já dissemos l igado no domínio na natureza; os
progressos num sentido implicam necessariamente os progressos em todos os
outros: caminhemos pois! e abramos caminho ao progresso com todas as nossas
forças. Por outro lado, é visível quando se ref lete no estado do Brasi l sob esta
relação, que é natural que as artes e as letras se achem ainda aqui mui pouco
desenvolvidas; o Brasi l acha-se assentado há tão poucos anos, que os homens
apenas tem t ido tempo de se reconhecerem uns aos outros, e as condições da
existência ainda se acham entre nós mui vaci lantes, para que tenhamos podido
cuidar noutra coisa que não seja em viver. Todavia, manifestam-se de todas as
partes grandes aspirações e desejos para as letras e para as artes; a música é
cult ivada com avidez, e muitos já se at iram com prazer sobre a l i teratura européia.
É este o prelúdio de um fel iz movimento e procuraremos favorecê-lo, porque é
eminentemente social; mas falta-nos uma l i teratura nacional; até hoje as nossas
obras-primas (que bem raras) não passam de cópias. Apelemos pois para a
original idade individual, e empenhemo-la a desenhar-se claramente, convidemos os
espír i tos à independência; e pela nossa parte, animaremos com a nossa débi l voz
todas tentat ivas que aparecerem neste sentido; e talvez que possamos, ao divulgar
sobre a matéria alguns princípios teóricos, arrancar as sarças e os espinhos da
estrada diante daqueles que por ela quiserem caminhar com ânimo e independência.
O progresso, p. 3-11.
Anexo 21
ANARQUIA SOCIAL
2 2 0
I l faut reconnaître que leur doctr ine de la propriété
peut al ler loin; les mots d’oisi fs et de travai l leurs ont
de la porter.
Un temp viendra où l ’on ne concevra pas qu’ i l fut
un ordre social dans lequel un homme comptait un
mil l ion de revenu, tandis qu’un autre homme n’a
vait , pas de quoi payer son diner. Un noble marquis
et un gros propriétaire paraitront des personages
fabuleur, des êtres de raizon.
Chateaubriand.
1 – Qualquer r iqueza material supõe duas condições, é o produto de dois elementos
combinados: – o trabalho e a matéria do trabalho: O globo com a sua atmosfera é o
grande e único receptáculo da matéria do trabalho. O globo, tomado como base de
qualquer r iqueza, é também uma riqueza, porque na qual idade de elemento essencial
de toda a ut i l idade material é soberanamente út i l à humanidade; mas nem por isso
deixa de ser compreendido na lei comum a toda a real ização de r iqueza, a qual
exige absolutamente a ação út i l do homem sobre a matéria, para que haja riqueza
posit iva.
2 – Um dos dois elementos da r iqueza, sem o outro, é, pois, nulo e como se não
exist ira, quanto à existência da r iqueza. O trabalho como faculdade, não basta ao
homem para viver e enriquecer: é-lhe míster a posse de uma quantidade qualquer de
matéria, sobre que ele possa exercer a sua ação út il . A matéria do trabalho do
homem, é igualmente incapaz de passar ao estado de r iqueza para o homem. Até o
gozo de um fruto selvagem exige que o homem agite-se, que estenda a mão para
colhê-lo ou apanhá-lo. Ora, esta ação é já trabalho: Assim, qualquer matéria tem
necessidade de ser apropriada pelo homem, e de sofrer a sua ação út i l para
converter-se em riqueza.
3 – Portanto, a at ividade do homem não pode, simplesmente como faculdade, cr iar
r iqueza, se o indivíduo não possui a matéria, como base e objeto do seu trabalho
út i l .
4 – Assim, a ação do homem, ao exercer-se sobre a matéria, produz uma quantidade
de r iqueza. De qualquer quantidade de r iqueza faz-se ordinariamente duas partes:
uma que se destina ao consumo absoluto ou defini t ivo;outra que se destina a ser a
condição exterior de nova produção de r iqueza, a ser a matéria de novo trabalho
út i l . Esta parte é igualmente consumida; mas difere da primeira, porque se reproduz
sob a forma nova de maior r iqueza; dão-lhe o nome de capital de produção; a outra
é o que se chama um capital de consumo.
5 – Ora, resulta da organização atual da sociedade, que muitos homens não têm à
sua disposição a matéria do trabalho pelo mesmo tí tulo que outros, ou não a têm
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senão com a permissão dos seus semelhantes, e por consequência podem ser
privados dela totalmente.
6 – Segue-se que a r iqueza se não alcança, igualmente, e com as mesmas condições,
por todos os homens; que muitos dentre eles vivem na completa dependência de
outrem, quanto ao emprego do segundo elemento de toda a r iqueza – a matéria do
trabalho, e que este elemento até lhes pode ser recusado e roubado a ponto de
ocasionar a morte ou cruéis privações.
7 – Depois da miséria, o fato mais notável, que resulta desta desigualdade radical e
fundamental, é a necessidade a que se acham reduzidos aqueles que não possuem a
matéria do trabalho, de se colocarem na completa dependência daqueles que
possuem essa segunda condição de toda a r iqueza material . Não que eles se decidam
de uma maneira ref let ida a esta dependência; mas porque são arrastados pela força
das coisas econômicas, imemorialmente estabelecidas. Nas terras em que a lei há
sido substi tuída, sob certas relações, ao capricho dos indivíduos, essa dependência
não é direta, no sentido de que os indivíduos que possuem a matéria de trabalho
possam tudo o que pretendam contra as pessoas que se acham privadas desta
matéria; mas, por ser indireta semelhante dependência, nem por isso deixa de ser
real, posto que seja menos pesada, menos avi l tante; e dela dimanam, como de uma
fonte, todas as desigualdades de bem estar, de saber, de desenvolvimento moral,
intelectual e f ísico que se observam nas mais adiantadas sociedades, em que está
abol ida a escravidão legal e direta.
8 – A matéria do trabalho, em quanto objeto de apropriação pelo homem, toma o
nome de propriedade. O homem, ao apropriar-se da matéria do trabalho sob a
sanção das leis posit ivas, chama-se proprietário. Todos os homens que, de fei to não
part icipam desta apropriação numa quantidade suficiente, são não proprietários ou
proletários.
9 – Assim, para viverem, os não proprietários são obrigados a se colocarem, direta
ou indiretamente, ao serviço dos proprietários, isto é, à sua dependência. Esta
dependência manifesta-se de duas maneiras diferentes, e estas são possíveis; ou os
não proprietários emprestam o trabalho, isto é, submetem a sua at ividade út i l , e por
conseguinte a sua vontade, à disposição dos proprietários, mediante o quinhão de
uma parte das r iquezas que estes possuem, ou das que real izarão com o concurso
desta at ividade; ou os proprietários emprestam a matéria do trabalho aos não-
proprietários, sob a condição expressa e absoluta de que estes conservem à
disposição dos primeiros o equivalente da matéria emprestada, ou esta matéria
mesma aumentada de uma parte anual, das r iquezas que se presume haverem sido
criadas pelo trabalho út i l do tomador sobre esta matéria emprestada.
10 – Os não-proprietários podem emprestar o seu trabalho aos proprietários de
várias maneiras. Ministram os seus desvelos à pessoa ou à famíl ia dos proprietários
pelas ocupações domésticas e part iculares; neste caso são criados. Concorrem com
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eles, ou sob as suas ordens, para a produção das r iquezas agrícolas manufatureiras e
comerciais; e então são operários: e a parte da r iqueza que recebem se chama
salário. Dir igem o trabalho, ou preenchem diversas funções da ordem intelectual ou
de vigi lância, que garantem a obra de produção, por conta do proprietário; e então,
sob a denominação de empregados, conseguem mais consideração e estabi l idade nas
suas funções de que os operários, que trabalham por dia ou por semana: e a parte da
r iqueza que lhes cabe toma o nome de ordenado ou vencimento, e se paga por mês
ou por ano.
11 – Os proprietários também têm vár ios modos de emprestarem os seus
instrumentos de produção aos não-proprietários. Uns emprestam a juro as suas
fazendas agrícolas, etc.; e então o tomador se chama rendeiro, e o juro que recebe o
emprestador chama-se arrendamento. Outros emprestam as suas casas, etc.; e então
o tomador é um locatário, se tem somente por f im a habitação; é um empreendedor,
se sol ici ta, a locação com o intuito de nela empregar não-proprietários, e o juro que
paga ao emprestador se denomina aluguel.
12 – O benefício que cabe aos empreendedores, depois de haverem pago o aluguel,
o salário, e, em geral, as despesas de produção, toma o nome de lucro. Outros
emprestam, sob a forma de dinheiro, capita is de produção ou a matéria do trabalho
derivada para um uso indeterminado; e então o juro conserva pura e simplesmente o
nome de juro, e o tomador é simples devedor. Muitas dist inções e classif icações
ainda teríamos a fazer para esgotar a anál ise da consti tuição econômica dos povos;
mas todas elas se resumem nestas grandes divisões:
1: Proletários que emprestam, mediante certa paga, o seu trabalho, isto é, a sua
at ividade e vontade, aos proprietários.
2: Proprietários que emprestam a juro a matéria aos proletários do trabalho.
13 – Ora, tomar emprestado trabalho mediante juro, é emprestar a matéria do
trabalho a juro assim como tomar a juro a matéria do trabalho é o mesmo que em
ambos os casos, ou fazermos trabalhar a outrem em nosso lugar, ou trabalharmos
em lugar de outrem: o que é o ponto preciso onde se ata o nó górdio da economia
polí t ica do passado; nó fatal, que consti tu i , com a escravidão ou com a servidão
mit igada, a mais f lagrante imoral idade, segundo São Paulo, que declara que aquele
que não quer trabalhar não tem direito de comer.
14 – Assim, pois tudo se reduz a esta alternativa: alugar o trabalho, ou alugar a
matéria do trabalho: mas que diferença entre estes dois modos de locação! aquele
que aluga o seu trabalho, começa a sua escravidão; aquele que
aluga a matéria do trabalho consti tui a sua l iberdade. Com efeito, o trabalho é o
homem: pelo contrário, a matéria nada tem com o homem, e todavia substi tui o
trabalho do homem que a possui, pelo fato da lei humana, e lhe vale uma parte de
r iqueza produzida, como se ele houvesse empregado o seu trabalho na formação
desta r iqueza. Resulta imediatamente de semelhante estado de coisas que no grande
ato da criação das r iquezas, alguns homens substi tuem o trabalho de outrem ao seu,
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e enriquecem sem trabalhar. Basta-lhes a posse da matéria do trabalho. Em
conseqüência desta substi tuição, o elemento matéria que nada inf lui na criação da
r iqueza sem o outro elemento t rabalho recebe a virtude mágica de ser fecundo para
eles, como se para isto houvessem concorr ido, pelo seu própr io fato, com este
indispensável elemento.
15 – Ora, este trabalho em lugar de outrem e em proveito de outrem é a fonte de
todos os males, de todas as privações dos não-proprietários. Trabalhando destarte
para outrem 15 e 18 horas cada dia, não lhes resta tempo para trabalharem para si ;
nem podem cult ivar o espír i to, nem desenvolver o corpo.
16 – Supondo-se que o trabalho quotidiano de um operário lhe proporcione (termo
médio) 400 frs., por ano, e que esta soma seja suficiente a cada adulto para viver
vida grosseira, todo o proprietário que t iver 2000 frs., de renda, arrendamento, ou
aluguel, obriga, pois, indiretamente cinco homens e trabalharem para ele; 100.000
francos, de renda representam o trabalho de 25 homens, e 1.000.000 de francos o
trabalho de 2500 indivíduos!
17 – Este grande fato de emprestar a juro sob tantas formas a matéria do trabalho,
revela assaz que os proprietários receberam da lei dos homens o direito de usar e
abusar, isto é, de fazerem o que querem da matéria de qualquer trabalho, da fonte
ou condição exterior de toda a r iqueza, do trabalho de outrem mesmo, e das
r iquezas produzidas. Somente são sujeitos a algumas restr ições, que em geral se
convertem em vantagem colet iva de todos os proprietários, como de transmit irem a
seus f i lhos ou à sua famíl ia a r iqueza ou matéria de trabalho que deixam depois da
morte. Mas esta disposição mesma produz um grande mal, porque não se leva em
conta a inaptidão dos herdeiros em fazerem valer a natureza de propriedade que
lhes toca pelo acaso do nascimento. Deve-se notar sobretudo que os proprietários
não são de sorte alguma obrigados pela lei a ministrar a propósito e sempre
t rabalho aos não-proprietários, nem a pagar-lhes um salário sempre suficiente, etc.
Logo, l iberdade plena quanto à natureza, quantidade, qual idade, oportunidade de
produção, ao uso, consumo das r iquezas e disposição da matéria de qualquer
trabalho. Cada qual tem l iberdade de trocar o que é seu como melhor entender, sem
outra consideração mais que o seu próprio interesse individual.
18 – Esta faculdade absoluta de l ivre troca e de l ivre produção é o que consti tui o
estado de concorrência arbitrária ou do laisser faire. Toda a gente compreende os
efeitos anti -sociais e anti -econômicos da concorrência. Os quadros que acerca deste
assunto se tem desenhado há dez anos são conhecidos por todos aqueles que se
ocupam das questões da matéria e da associação. Mas poucos hão visto, ou se
atreveram a confessar que este grande fato da concorrência não era senão um efeito,
cuja causa primária era a apropriação individual e arbitrária dos instrumentos do
trabalho.
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19 – A concorrência nada mais exprime que a troca facultat iva, que também é a
conseqüência próxima e lógica do direito individual de usar e abusar dos
instrumentos de produção. Estes três momentos econômicos, que não fazem senão
um, o direito de usar e abusar, a l iberdade de trocas e a concorrência arbitrária,
arrastam às conseqüências seguintes: cada qual produz o que quer, como quer,
quanto quer, onde quer; produz bem ou produz mal, de mais ou não bastante,
demasiado cedo ou demasiado tarde, demasiado caro ou demasiado barato; cada
qual ignora se venderá, como venderá, quando venderá, ou onde venderá, a quem
venderá; e o mesmo acontece quanto às compras. O produtor ignora as necessidades
e os recursos, as procuras e as ofertas. Ele vende quando quer, quanto pode, onde
quer, a quem quer, pelo preço que quer. E compra da mesma sorte.
20 – Em tudo isto, é ele o ludíbrio da sorte, do acaso, o escravo da lei do mais
forte, do menos necessitado, do mais r ico. Cada um se determina segundo as suas
conveniências, e necessidades, e as dos outros. Nunca se trata das exigências da
just iça; nenhum laço, nenhuma sol idariedade, nenhum acordo obrigado entre os
produtores, distr ibuidores e consumidores; nem entre aqueles que oferecem o seu
trabalho, e aqueles que possuem a matéria do trabalho: é quem mais se aproveitar
da miséria de outrem. Especula-se sobre as necessidades, sobre os gostos, sobre as
modas, sobre os lugares: os preços de todas as coisas são tão diversos quantas são
as lat i tudes e vi las. Os indivíduos são punidos por terem nascido ou por habitarem
antes neste do que naquele lugar. Entretanto, poderão eles dizer à associação que
não são culpados disso.
21 – Ao passo que reina escassez de uma riqueza num ponto, no outro dá-se
superabundância e disperdício.
22 – Ao passo que um produtor vende muito e por alto preço, e com benefício
enorme, outro não vende nada, ou vende com prejuízo Em todas as partes, e para
todas as coisas, reina instabi l idade, incerteza, confusão, guerra e caos. A oferta
ignora a procura, e a procura ignora a oferta. Se produzis f iado em gosto, em uma
moda que se manifesta no domínio dos consumidores, quando ides oferecer a
mercadoria, a moda já tem passado e se há f ixado noutro gênero de produto.
23 – A roda de fortuna vive num movimento contínuo, e a cada giro que dá esmaga,
machuca os concorrentes, abre brechas na propriedade; e todavia, não aparece uma
inst i tuição em paragem alguma que estanque o sangue, feche e sare a chaga.
24 – Daí, pois, como consequências infal íveis, permanência e a universal ização das
bancarrotas; as fraudes, as ruinas súbitas e as fortunas improvisadas; as cr ises
comerciais, a fal ta de trabalho, os empachamentos ou a escassez periódicas; a
instabi l idade e o avi l tamento dos salários e dos lucros; aí disperdício, lá enorme
profusão de r iquezas, tempo e esforços lançados na arena de uma concorrência
desenfreada.
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25 – Os próprios proprietários são expostos às mais desastrosas vicissitudes: a cada
instante podem ser precipitados lá das altas regiões em que o luxo e supérf luo se
f ixaram, cá no fundo, cheio de lama e de andrajos, em que jaz a miséria. Esta
decadência é incessante na esfera deles: o infortúnio abrange sempre a uns, se não a
todos; e isto pela força das coisas consti tuídas, porque, como não estão certos de
vender, ou de vender por preço conveniente, não estão certos não só de t irar juros
dos seus capitais, mas até de conservar-lhes a integridade primit iva.
26 – Eis aí uma consequência próxima da t roca arbitrária e da ausência de toda a
sol idariedade nas boas e mãs probabi l idades da produção e da concorrência. Mas os
desastres e os revezes são frequentes e funestos, sobretudo na indústr ia, na
propriedade móvel. Aí é raro que as for tunas se consol idem por mais de três
gerações na mesma famíl ia.
27 – Mas basta: este fato deve i luminar a vista dos proprietários e permite-lhes
orientar-se na investigação do bem entendido. Quanto aos proletários, o caráter
homicida da consti tuiçao das coisas econômicas lhes é assaz demonstrado pelas
agonias e privações de toda a espécie que os cercam e os torturam desde os seus
primeiros passos na vida.
28 – A pretexto de dar meios de subsistência aos pobres que não deveriam exist ir , o
luxo empobrece tudo: e mais cedo ou mais tarde despovoa o Estado. E quanto mais
o luxo e o supérf luo vão aumentando para os privi legiados, tanto mais a miséria e
as privações são extremas para a mult idão deserdada. Vêde, por exemplo, a Europa
dos nossos dias! Em todos os países, quanto mais a cabeça se doira e resplandece,
tanto mais os pés se enterram na lama e se emporcalham: esta consti tuição
econômica condena certos homens a prof issões tão abjetas, a uma degradação tão
amarga que, em comparação a selvajaria se apresenta como uma condição de rei.
(sic) Quem acreditará este fato para o futuro! e quem o teria acreditado entre os
povos das civi l izações primit ivas e patr iarcais! Entre nós, a dignidade humana se
acha tão avi l tada, que cadáveres vivos que se chamam farrapeiros, saem
quotidianamente dos seus túmulos nas horas mortas da noite, e munidos de uma
lanterna, de um anzol e de uma alcofa, vão revolver e cavar os montões de
imundices das nossas r icas e soberbas cidades, em busca de andrajos! E tanta
ignomínia para prover as mais palpitantes necessidades de uma vida moribunda!
Quantas aberrações e iniqüidades não foi mister que se acumulassem antes de
descer a semelhante enormidade! (1 )
29 – Não é somente a propriedade dos instrumentos do trabalho que se transmite de
indivíduo a indivíduo, ou de famíl ia a famíl ia, é também o direito de usar e de
1 Não é somente a ter ra, a indústr ia, que destarte se acham entregues à anarquia, ao
iso lamento, à inso l idar iedade, à impotência, é também a c iênc ia e as boas artes. O mesmo desperdic io, a mesma confusão, a mesma incerteza, a mesma desigualdade, a mesma instab i l idade reinam nesta esfera da r iqueza e do trabalho imateria is.
2 2 6
abusar dos povos e das nações; a este respeito apontaremos um exemplo: o rei da
Holanda acaba de transmit ir por direi to de herança, a um dos seus f i lhos, o seu
direito de propriedade arbitrária e absoluta sobre toda a nação neerlandesa. A
propriedade é uma realeza, assim como a realeza uma propriedade: por conseguinte,
existe o mesmo sistema de apropriação para o solo, para o gado e os outros
capitais; e para os povos. Se ref let irmos nisto, veremos que o di reito hereditário,
legado às dinastias e às aristocracias feudais, de usarem e abusarem dos seus povos
e súditos, gera no mundo polí t ico a mesma série de males que o direito sagrado de
propriedade material gera no mundo econômico.
30 – Àqueles que se não aperceberam da luz que torna patentes as raízes de toda a
desigualdade, de toda a miséria, de toda a escravidão, de toda a instabi l idade nas
fortunas e nas posições, a esses faremos estas simples perguntas: — Serão
miseráveis os operários, os proletários em geral, porque não são proprietários?
Serão ignorantes, dependentes, grosseiros ou incultos, porque não possuem a sua
parte suficiente de instrumentos de produção, ou porque não têm, à maneira dos
proprietários, a faculdade de disporem destes instrumentos, ou de exercerem uma
ação út i l , ao único proveito seu, sobre a matéria comum do trabalho, dest inada por
Deus à humanidade inteira? Serão eles obrigados a trabalhar doze, quinze e dezoito
horas por dia, a f im de obterem os meios de subsistência para si e suas famíl ias, por
mais numerosas que sejam, ao passo que outros vivem no supérf luo sem nunca
trabalharem, nem eles nem suas famíl ias; e esta diferença provém de que a famíl ia
proletária é excluída do l ivre gozo dos instrumentos da produção; ao passo que a
famíl ia proprietária monopoliza a parte de matéria do trabalho, correspondente às
r iquezas que consome.
31 – Obterá o pai de famíl ia com o seu trabalho um salário proporcionado ao
número de f i lhos que deve educar e manter, e se do seu trabalho ele não t irar mais
do que um cel ibatário t i ra do seu, poderão os seus f i lhos mal educados escapar de
uma miséria proporcional ao seu número?
32 – Serão os proprietários r icos, i lustrados, cultivados, pol idos, sadios, alegres e
dispostos, fel izes, enfim, relat ivamente, porque eles dispõem da matéria do trabalho
ou das condições exteriores de toda a ut i l idade, de toda a comodidade; porque tem
rendas, isto é, porque uma mult idão dos seus semelhantes são arrastados
forçosamente por esta consti tuição econômica a trabalharem em proveito deles? As
pessoas que sem trabalharem vivem na opulência ou são arremediadas, serão
ociosas porque são proprietários ou porque são proletários?
33 – Aqueles que nascem sob as águas furtadas de um proletário, serão, quanto ao
seu desenvolvimento e l iberdade futura, tão infal ivelmente destinados aos gáudios
deste mundo como aqueles que nascem num palácio, ou no seio de uma famíl ia de
proprietários terr i tor iais?
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34 – Estarão os r icos na corte, no foro, nos tr ibunais, no comércio ou nas grandes
administrações; serão reis, ministros, elei tores, deputados, pares, marechais e
of iciais, f idalgos e conselheiros de estado, prefeitos, etc.; têm eles o poder, as
honras e os prazeres, porque possuem propriedade ou ainda que as tenham.
35 – Onde está o braço que trabalha, a vontade que obedece, a carne que sofre?
Quem são os soldados e os trabalhadores; os operários da paz e os da guerra? Serão
os proprietários, serão proletários?
36 – Enfim, na real idade, serão os proletários l ivres à maneira dos proprietários?
Serão seus iguais, serão seus irmãos? Ora, daqui estou ouvindo, no ínt imo da
consciência dos meus contraditores, a irresistível e implacável evidência que lhes
arranca este gri to: — Sim, sim! a miséria, a ignorância, a servidão e o seu
lamentável séquito, são os efeitos necessários e imediatos da privação da
propriedade! Basta-nos isto: porque quanto a sabermos se existem meios próprios a
permit irem a ascensão de todos ao igual uso da matéria do trabalho, é outra
questão; por agora, eu paro neste ponto; a causa do mal é esta e só esta.
37 – Não se pode negar que hoje neste mundo existem galés e cadeias; taxas de
pobres, salões de asi los e estabelecimentos de caridade: os suicídios e os
infanticídios, a Morgue ( lugar onde, em Paris, se costuma expor os cadáveres
achados) e as rodas de enjeitados, tão pouco são desconhecidos; o cel ibato dos
homens e das mulheres, também é um pouco geral; e a prost i tuição das f i lhas do
povo, a prost i tuição do canudo, do operário, a prost i tuição da carne não-
proprietária sob todas as formas, é também notória.
38 – Há igualmente meninos que empalidecem e se marasmam nas manufaturas dos
proprietários; e, além disto, entre os proprietários dão-se hábitos de superioridade e
t i rania, de soberba e mando, de orgulho e desprezo, de aspereza e insolência para
com os proletários: entre os proletários dão-se hábitos de humildade, de hipocrisia,
de mentira, de adulação, de aspiração estúpida para com os r icos; há abjetos
servidores que se chamam lacaiada; há proletários que vão morrer em lugar dos
r icos em câmbio de alguns mil francos; há... . . o Inferno na terra!
39 – Ora, ainda pergunto aos ot imistas se os terrores e as imperiosas sugestões da
miséria; se a cegueira e as fatal idades da ignorância; se a abjeção que nasce do
servi l ismo; se as decepções cruéis da instabil idade das fortunas; se a perspectiva de
um trabalhar sempre ingrato e estéri l ; se o desespero de um infor túnio sem termo,
deixam de ter inf luência sobre a existência e prosperidade das galés; sobre a série
de atentados e abominações que acabamos de enumerar! E se eles responderem sim,
deixa-los-ei t i rar a conclusão prát ica: se disserem não, mentem.
40 – Em últ ima anál ise, as causas ocasionais do permanente catacl ismo da
sociedade humana residem todas nas disposições econômicas seguintes, que todos
os povos têm consagrado:
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1: O direito reconhecido aos indivíduos e às famíl ias de se apropriarem, isolada,
exclusiva e parcialmente, os instrumentos de produção, as fontes da r iqueza
nacional, as condições materiais da existência e do bem estar colet ivo, e como
consequência deste direito;
2: A produção, a circulação e a troca facultat ivas e arbitrárias, ou a l iberdade do
comércio, a l ivre concorrência, o direito de abusar da terra e dos seus frutos, sem
condição de ut i l idade, just iça e aptidão;
3: O empréstimo a juro sob todas as suas formas, ou a virtude produtora da matéria
sob o nome de capital;
4: O direito de transmit ir e al ienar os instrumentos de trabalho, segundo convém;
5: O direito de herança pelo sangue, sem condição de conveniência social ou de
habi l idade para empregar as r iquezas herdadas; isto é, a hereditariedade cega e fatal
da pobreza e da fortuna por direi to de nascimento;
6: A insol idariedade absoluta dos indivíduos e das famíl ias, no seu destino e meios
de subsistência.
41 – Quaisquer que sejam a igualdade da part i lha e as combinações no ponto de
part ida de um povo; quaisquer que sejam as restr ições assinaladas ao direito de usar
e abusar da sua propriedade; quaisquer que sejam mesmo a moral idade, at ividade e
habi l idade dos indivíduos, sempre esta sextupla l icença, combinada com os eventos
da ordem natural, com as vicissitudes de força maior, com os caprichos da moda, a
incerteza das precisões e dos recursos, e a cegueira obrigada da produção; sempre
essas disposições econômicas, fundamentais, serão suficientes, e demais, para
causarem eternamente perturbação, confusão, anarquia, miséria, pr ivações cruéis,
males inf indos na terra; para estabelecerem uma desigualdade, uma dependência
verdadeiramente ímpias entre todas as c lasses, todas as famíl ias, todos os
indivíduos; e para fazerem da mais adiantada nação uma sociedade bárbara e cruel !
42 – Indagam-se as causas da miséria e da imoral idade. Eis aí a mais profunda e
mais geral. Fala-se do vale de lágrimas! Ei-lo cavado e aprofundado pelo fato único
da propriedade mal entendida.
43 – A apropriação individual , absoluta e arbitrária, é mãe da concorrência; a
concorrência é mãe da desigualdade, da pobreza, da miséria. A pobreza, a
desigualdade são mães da anarquia, do crime e da baixeza, da inveja, de ódio e da
servidão; da preguiça, da mandrianice. E a anarquia, a preguiça, os cr imes, etc. ,
também são causa de maior miséria.
44 – Homens de boa vontade, homens de paz, de just iça e de l iberdade, vós bem
estais vendo ! eu disse a verdade, e a verdade é terrível. Assim, pela palavra, pelas
inst i tuições e pela persuasão, por todos os meios da ordem pacíf ica, fazei a guerra
santa a este prejuízo que causa males aos vossos irmãos!
45 – O quadro que acabamos de esboçar é verdadeiro em todas as sociedades
passadas e presentes, nos seus traços principais. Todos estes males são inerentes a
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todas as idades da civi l ização; porque todas as sociedades repousam sobre a mesma
consti tuição da propriedade.
46 – Esta consti tuição não difere senão por combinações secundárias e por detalhes.
Em essência é a mesma em Pekim e em Paris, em Roma e em San-Petersburgo, em
New York e no México.
47 – Somente em certas sociedades, a mobil idade da propriedade é extrema, e os
não-proprietários têm mais probabi l idades de se tornarem proprietários porque a lei
dá grande l iberdade aos indivíduos acerca da transmissão ou troca dos seus
instrumentos do trabalho. Noutras, é a imobil idade que prevalece, e os não-
proprietários são condenados para sempre, de pais a f i lhos, à mesma condição;
porque aqui a lei infeuda a propriedade do solo a certo número de famíl ias sempre
as mesmas, opondo óbices à fáci l transmissão, pelas substi tuições, morgados e
mãos mortas. Assim, todos os povos osci lam entre a concentração extrema e o
retalhamento extremo.
48 – A posse dos instrumentos de trabalho pelos indivíduos ou pelas famíl ias é uma
disposição de tal sorte anti -social em si, que o retalhamento extremo ou médio, e a
concentração extrema ou média, são formas da propriedade, igualmente perniciosas,
funestas à l iberdade e igualdade, incompatíveis com as exigências da civi l ização.
49 – Deixar os instrumentos de trabalho, terr i tór ios e móveis, à disposição
arbitrária dos indivíduos e das famíl ias, é como provam peremptoriamente a
história e o presente, querer que a concentração, e o retalhamento destes
instrumentos permaneçam num f luxo e ref luxo perpétuo, em que todos naufraguem
sucessivamente.
50 – Se a concentração predomina, vós tendes o regime das castas imutáveis, a
extrema desigualdade de raças, de condições e de fortuna móvel e de raiz; a
escravidão, a servidão legal, ou de fato, da Índia, da Rússia, da Áustr ia, de
Inglaterra e de todas as sociedades feudais.
51 – Se é o retalhamento, tendes todas as misérias, todas as insuficiências morais,
intelectuais e f ísicas do estado de concentração, na existência de uma plebe ignara,
adstr i ta à gleba, ao torrão, à cabana e à pequena indústr ia, como em França, como
na China e em muitos países da Alemanha. E em ambas as partes dá-se resultado
econômico e social monstruoso. Eis aqui toda a diferença: é grande: porque a
miséria, a ignorância e todo o seu séquito de males movem ou f icam imóveis em
proporção sobre as mesmas cabeças e sobre as mesmas famíl ias.
52 – Todavia, tanto num caso como no outro, a minoria dos r icos habita
relat ivamente o paraíso terrestre, ao passo que a imensa maioria do gênero humano
lamenta-se dolorosamente nas entranhas do inferno e do purgatório. É, pois,
verdadeira no seu princípio, esta sentença famosa, paradoxa aparência, pela qual
2 3 0
Rousseau resumiu toda a economia social do passado que acabava de expirar: “O
primeiro que, tendo cercado um terreno, teve a lembrança de dizer: isto é meu, e
encontrou homens tão simples que o acreditasse, esse foi o verdadeiro fundador da
sociedade civi l ” .
53 – Quantos crimes, quantas guerras, quantos assaltos, quantas misérias e horrores
não teria poupado ao gênero humano aquele que, arrancando as estacas ou
obstruindo o fosso, t ivesse bradado aos seus semelhantes: – Não ouçais a este
impostor. Vós f icareis perdidos, se vos esquecerdes de que os f rutos são de todos, e
que a terra não é de ninguém.
C. Pecqueur
O Progresso, p. 867-881.
Anexo 22
A VOZ DO CÉU
Dans la societé tout homme vit necessairement au
dépens des autres;
i l leur doit en travai l de prix de son entret ion. (sic)
Cela est sans exception; travai l ler est donc un devoir
indispensable a l ’homme social, r iche ou pauvre,
puissant ou faible; tout ci toyen oisi f est un f r ipon.
J. J. Rousseu
1 – “A terra é minha ‘disse o Senhor a Moisés’”, “com tudo o que ela contém; vós
sois estrangeiros, a quem eu a aluguei !”
2 – Todos nós somos f i lhos de Deus; nosso pai nos entregou a terra em comum, a
f im de que dela t i rássemos a nossa subsistência, e com que prover todas as nossas
necessidades; ela pertence pelo mesmo t i tulo a todas as gerações que nos devem
substi tuir , assim como pertencera àquelas que nos precederam. A propriedade da
terra pertence a Deus, o usufruto aos seus f i lhos a quem ele a entregou.
3 – Fi lho de Deus, herdeiro dos seus dons e benefícios, que f izeste da tua herança?
Que f izeste deste depósito sagrado que devias transmit ir às gerações do porvir?
4 – Fi lho de Deus, caminha para o setentr ião, para o meio-dia, para o levante, para
o poente, não encontrarás uma polegada da terra da qual um usurpador do teu
2 3 1
direito não te expi la dizendo: esta terra é minha. Fi lho de Deus, onde poderás tu
repousar os teus membros fat igados?
5 – Fi lho de Deus, percorre a terra; vê essas árvores carregadas de frutas, mas
guarda-te de estenderes a mão para t i rá-los, porque um usurpador do teu direito ta
deceparia, dizendo: estes frutos são meus. Fi lho de Deus, como saciarás a fome que
te devora?
6 – Membro deserdado da grande famíl ia humana, não há lugar para t i sobre a terra;
aqui tu não deves reproduzir a tua imagem; é força que desapareças o mais cedo
possível.
7 – Desaparecer! não; não é isto o que querem os teus opressores, porque tu também
podes vir a ser uma propriedade. Depois de haverem usurpado o solo e os frutos da
terra, eles ainda pretendem apropriar-se dos teus suores, servi r -se de t i como
animais que o homem subjuga ao seu serviço.
8 – Lá vem um deles com frutos nas mãos e palavras douradas na boca; meu amigo,
diz ele, eis aqui uma porção de Minha terra; cult iva-a, os frutos que ela produzir
serão meus, mas eu te darei uma parte deles para que possas matar a tua fome.
9 – Lá vem outro! ouçamo-lo: meu amigo, diz ele, a terra que eu possuo produz
muitos frutos; anda comigo, dou-te l icença para que colhas alguns, com a condição
de executares as minhas ordens e de seres meu servo.
10 – Lá surge um terceiro, e diz: amigo, Minha terra contém pedra calcária, pedras
para edif icar, madeiras, abundância de ferro; anda, tu porás estes materiais em
obra; tu me construirás um palácio; e, em paga do teu trabalho, dar-te-ei uma
cabana para te abrigares das intempéries de atmosfera, um tênue al imento para
prolongares a tua existência!
11 — Fi lho do homem, que f izeste tu? Em vez de perguntar-lhes em virtude de que
direito eles se reputam senhores desta terra que Deus entregou aos seus f i lhos: com
que direito pretendem eles gozar no ócio os produtos dos teus suores; tu aceitaste
as suas proposições, curvaste a cerviz ao jugo que eles te apresentaram; anuiste
tacitamente à depredação de que eras vít ima: — tu e todos os teus descendentes?!
12 – Desde então, tu te mult ipl icaste no seio da miséria, o teu jugo se tornou de
mais e mais pesado; muita vez até ofereces os teus serviços aos usurpadores dos
teus direitos em câmbio de uma tênue parte do produto, e eles recusam aceitá-los;
já não tens recursos: é força morrer!
13 – Apenas te resta o direito de escolheres uma morte rápida, em lugar da morte
lenta com que te ameaçam a miséria, as pr ivações e a enfermidade, que é a sua
consequência inevitável. A sociedade que te recusa os meios de subsistência tem a
2 3 2
generosidade de te permit ir a escolha entre os numerosos gêneros de morte que te
oferecem os elementos.
14 – Mas que clarão refulgente é aquele que bri lha no horizonte?! Que estrépito é
esse que ret ine ao longe, e que se ouve no meio dos incessantes gemidos das
vít imas da miséria?!
15 – São as chamas de um trono que arde por entre os aplausos de um povo imenso;
é o gri to de vi tór ia dos teus irmãos que acabam de derramar o seu sangue para
quebrarem na pessoa de um rei perjuro e egoísta o primeiro dos obstáculos à
emancipação do trabalhador.
16 – Eles tr iunfaram nesta primeira luta, e a proclamação de um direito sagrado foi
o resultado da sua vitór ia; eles f izeram reconhecer que a sociedade devia ao
indivíduo uma indenização dos direitos naturais, cujo uso ela lhe veda, uma
indenização da sua herança confiscada; e, como primeiro passo nesta estrada
fecunda, o estado reconheceu o direito que todo o homem tem de viver do seu
trabalho.
17 – Ainda isto não é tudo; a indenização está longe de ser completa; mas o tempo
acabará esta tarefa: começou a emancipação.
18 – Começou, é verdade: mas num só ponto do globo; nas outras paragens, este
princípio sagrado, esta primeira conquista da just iça e da eterna eqüidade sobre a
jur isprudência da força sublevou contra si a numerosa coorte dos depredadores da
humanidade.
19 – Foi mister pelejar para estabelecê-lo, será preciso pelejar para defendê-lo,
para propagá-lo.
20 – Levanta-te, f i lho do homem! Seja qual for o solo que te viu nascer: seja qual
for a terra que habitas; repita a tua voz de longe o gri to de emancipação do
trabalhador; al ista-te nas f i leiras dos campeões da humanidade: tua é a causa que se
venti la, e já é vindo o dia para todos os despojados reclamarem o seu quinhão da
herança paterna.
Recife, 26 de maio de 1848. (sem assinatura)
O Progresso, p. 851-853.
Anexo 23
AS REFORMAS
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Nos nossos dias houve quem quisesse rebaixar o
verbo, dizendo: “as palavras são fêmeas ao passo
que os fatos são machos”. A palavra é fêmea sem
dúvida mas é mãe do macho...
Zimmermann
1 – Há certos momentos na vida de um povo, em que, como as suas inst i tuições já
se não acham de acordo com as precisões ou necessidades da época, embargam elas
o progresso desse povo, e incessantemente reclamam modif icações ou reformas
mais ou menos radicais. Dois casos então se podem apresentar – ou a maioria da
nação sabe cabalmente quais são as causas do mal e os remédios que devem de ser
apl icados; ou sofre sem saber a causa real dos seus sofr imentos e quais os meios
que podem ser empregados para conduzi-la ao estado normal. – No primeiro caso,
dá-se um obstáculo que deve ser removido: então só se trata de obrar; no outro, é
mister indagar primeiramente as causas do mal, procurar o remédio e tratar de
organizar a solução do problema antes de pô-la em execução, a f im de não lançar o
país nas dif iculdades de inf indas revoluções.
2 – Achamo-nos atualmente na segunda hipótese: sofremos, e nisso todos são
acordes. Possuidores de vastos terr i tór ios, fecundo em toda sorte de r iquezas
naturais e de uma fert i l idade proverbial, sulcado de r ios imensos e navegáveis; nós,
que sobre o oceano Atlânt ico ocupamos uma extensão de mil léguas de costa
abundante em peixes, e semeada de magníf icas baías, não temos em que empregar a
nossa população desocupada; o pauperismo vai crescendo com rapidez, e no meio de
tantas r iquezas, vemo-nos reduzidos a disputar alguns empregos insignif icantes, e a
dizer que o nosso país se acha povoado demais, e poderá exportar colônias em vez
de recebê-las do estrangeiro. Por outro lado, possuímos uma das consti tuições mais
l iberais que existem no mundo, e entretanto estamos sujeitos ao mais r igoroso
despotismo, a um despotismo sem freio, despotismo de mil cabeças, donde resulta a
fal ta de garantias e de segurança para vida e propriedade dos cidadãos.
3 – E haverá unanimidade na nação acerca da causa dos nossos males, acerca dos
remédios que se lhes devem apl icar? Certo que não. Uns atr ibuem o mal à presença
dos portugueses e à suposta inf luência que eles exercem no andamento dos negócios
polí t icos; outros assinam como única causa dos nossos sofr imentos a imoral idade
do povo; outros, enfim, atr ibuem-nos à existência da escravatura, à central ização, à
forma do governo monárquico, etc. etc..
4 – Quanto aos remédios de que precisamos, deparamos a mesma diversidade de
opiniões e até há estadistas que dizem que tudo se deve esperar do tempo, e que não
precisamos de reforma alguma.
2 3 4
5 – Assim, qualquer revolução tentada no estado atual dos espír i tos não teria
probabi l idade alguma de ser recebida pela maioria da nação, porque não há outro
pensamento comum a todos os seus membros senão a crença dos nossos sofr imentos
e do prodigioso atraso em que jazemos. Por outro lado, que necessidade temos hoje
de uma revolução ?
6 – “Uma revolução, diz Sismonde de Sismondi, na sua excelente obra sobre as
consti tuições dos povos l ivres, uma revolução pode ser legít ima, pode ser bem
sucedida, pode ser gloriosa; mas aqueles que encetam se devem lembrar que se
at iram a si próprios, e, consigo, a todos os seus concidadãos numa horrível
calamidade, numa calamidade certa; se devem lembrar que a l iberdade, a união e o
bom governo os abandona, e por largo tempo; que sacri f icam o presente ao futuro, e
que os frutos que esperam colher desse futuro não passam de possibi l idades, cujo
cálculo faz estremecer”.
7 – Part i lhamos completamente a opinião do dist into escri tor a quem devemos estas
l inhas; consideramos as revoluções como remédios extremos que devem ser
empregados quando já não há salvação possível pelos meios pacíf icos. E ainda
quando toda a nação fosse unânime em querer certas e determinadas reformas; e
estas reformas fossem as próprias de que precisamos hoje, nem por isso
reputaríamos uma revolução indispensável.
8 – Com efeito, qual seria o f im desta revolução? – a mudança da forma de governo,
à imitação do que acabam de fazer os franceses, os napol i tanos e outros povos da
Europa? Não vemos razão alguma para seguirmos o exemplo dado por estes povos.
Em Nápoles, em França, em Viena, a nação já havia esgotado todos os meios
pacíf icos para obter as reformas que julgava indispensáveis à sua prosperidade e
encontrava obstáculos invencíveis na vontade do governo que repel ia todo e
qualquer progresso, e tornava a revolução necessária.
9 – Ora, por ventura estaremos nós nas mesmas situações, teremos também um
obstáculo permanente, ou uma vontade sistemática oposta à nossa prosperidade?
Não: a nossa consti tuição é mui l iberal, e admite toda e qualquer modif icação por
meios legais. Verdade é que ela se acha hoje totalmente fals i f icada, mas essa
aberração não foi parte de um monarca que quisesse impor ao país um sistema
anti l iberal; e se atualmente todos os poderes do estado se acham quase absorvidos
no poder executivo, não temos direito algum de criminar por este fato nem a
consti tuição nem o monarca, mas a nós mesmos e a ignorância dos nossos
legisladores.
10 – Por ora, não precisamos de revoluções nem de insurreições; o que nos é mister
é investigar as causas dos nossos sofr imentos e as reformas que nos podem salvar, e
propagarmos pela imprensa e pela palavra a solução deste importante problema.
Quando houvermos preenchido esta tarefa; quando a opinião se achar esclarecida e
se t iver manifestado claramente em favor de certas e determinadas reformas; se
2 3 5
aparecer algum obstáculo que os meios legais não sejam suficientes para remover
então será oportuno recorrermos à força e apelarmos para a just iça de Deus na arena
das
revoluções.
11– E quais serão, pois, as causas dos nossos sofr imentos? — São múlt iplas, como
as chagas da nossa malfadada pátr ia; como as diversas manifestações da at ividade
humana. Entretanto, todas elas podem ser compreendidas sob uma denominação
genérica: – a fal ta de organização.
12 – Na esfera social ainda impera entre nós o laissez faire, laissez passer. O
trabalho vai sendo depredado desapiedadamente pelo capital por meio da mais
escandalosa usura; o comércio se acha entregue a uma nação estrangeira que o
monopoliza completamente; e o solo, pela maior parte, permanece inculto nas mãos
da aristocracia terr i tor ial . A grande indústr ia, esta ainda está para nascer, e por ora
ainda o país lhe não oferece boas condições; ao passo que a carreira das pequenas
indústr ias se acha completamente obstruida, e os gêneros al imentares dão lugar, a
uma agiotagem escandalosa. Daí resulta, como já temos demonstrado por várias
vezes nas páginas desta revista, que a maior parte da nossa população vive num
estado de dependência que muito se parece com a antiga servidão, tendo como
único incentivo de trabalho o provimento necessário das precisões de cada dia; daí
resulta também que grande número dos nossos patrícios não tem que se empregue
para se manter a si e as suas famíl ia na miséria, at irando-se com furor nas lutas
com o f im de alcançar algum emprego de tenue rendimento; resulta, enfim, que as
indústr ias mais lucrat ivas são a usura e agiotagem.
13 – Nos precedentes números, já apontamos com o devido desenvolvimento
algumas medidas que, no nosso entender, sarariam radicalmente essa lepra de
pauperimo, e desenvolveriam o nosso progresso material ; por isso hoje só delas
trataremos perfuntoriamente.
NOTA
(1) Todas as vezes que o resumo do número de “A Carteira”est iver sem gri fo é
porque não há subtítulo. Quando houver gri fo, é porque, no original, após o t í tulo:
Folhetim: A Carteira, e, às vezes, a data em que o folhet im foi escri to, vem um
resumo do mesmo, fei to pelo próprio autor.
14 – Assim, lembraremos o imposto terr i tor ial e o privi légio exclusivo aos
nacionais do comércio a retalho, que propusemos, com o f im de abrir aos nossos
patrícios pobres as portas do comércio e da agricultura que hoje se acham
inteiramente fechadas para eles; lembraremos a demarcação das terras públ icas, a
f im de l imitar, vender aforar terras nacionais que existem na zona de at ividade do
país; a abertura dos rios, melhoramentos dos portos e construção de estradas que
alarguem esta zona; a conservação das matas para embargar-se a cr iação de desertos
2 3 6
no interior e o progresso das secas que periodicamente devastam as províncias do
Norte.
15 – Lembraremos a intervenção do poder social no comércio dos gêneros
al imentares de primeira necessidade, por exemplo: far inha, bacalhau, carne seca e
carnes verdes; ou concedendo-se, mediante certas condições, o monopólio destes
gêneros a companhias privi legiadas, como parece conveniente acerca das carnes
verdes, ou pela cr iação de depósitos, em que os donos dos gêneros serão obrigados
a depositá-los, taxando-se o preço todas as semanas, como se prat ica em vários
países da Europa, ou, enfim, por monopól io direto.
16 – Para proteger o trabalho contra o capital , lembraremos o Banco Popular, que
propusemos no nosso derradeiro número; Armazéns Públ icos de depósitos de todos
gêneros, onde serão vendidos mediante diminuta corretagem; Bancos de Depósitos e
Descontos, e enfim a revogação da desastrosa lei do juro convencional e a f ixação
de uma taxa de juros razoável.
17 – Para al iviarmos o povo de pesados e vexatórios impostos, e fazermos que cada
cidadão concorra para as despesas públ icas em proporção dos seus haveres,
lembraremos a substi tuição gradual da maior parte dos impostos indiretos por um
imposto direto e sobretudo pelo imposto progressivo sobre os rendimentos e pelo
imposto sobre as heranças; primeiro dos quais é o que mais corresponde às
exigências da lei , e o segundo é o menos vexatório, porque todos o pagam depois da
morte.
18 – Na esfera polí t ica, os nossos males provêm igualmente, como já dissemos, da
fal ta de organização. Os primeiros legisladores apenas esboçaram o nosso edif ício
polí t ico, e serem alternativamente perseguidores e perseguir e modif icar
sucessivamente as partes superiores, sem repararem que o edif ício pecava pelas
bases, e que lhe fal tavam os al icerces. Com efeito, os al icerces do edif ício polí t ico,
as garantias, não dependem de frases mais ou menos l iberais, inseridas num projeto
de lei ou nas páginas de uma consti tuição, é mister que haja uma força que as faça
respeitar , essa força não existe em paragem alguma do nosso império; não há
manifestação alguma
legal ou i legal que possa ser considerada como o termômetro real da opinião
públ ica. A nossa consti tuição estabelecera as bases de uma organização completa,
mas semelhante organização nunca exist iu senão nas partes superiores da
administração; a ação legal, que o povo deve ter sobre o governo em todo estado
l ivre, nunca foi verdadeiramente regulada, e temos chegado a um ponto tal que essa
ação tornou-se completamente nula, e os cidadãos incapazes dessa resistência
contínua ao governo que é próprio dos estados l ivres, não têm outro recurso senão
al istarem-se nas f i leiras dos part idos polí t icos; e serem alternativamente
perseguidores e perseguidos.
2 3 7
19 – Todas as inst i tuições esboçadas com o f im de servirem de al icerces à ordem
polí t ica e escudar a nação com uma força que a f izesse servir de lastro à nau do
Estado, e destarte permit isse o embate dos part idos polí t icos, todas estas
inst i tuições, dizemos nós, ou nunca passaram do esboço ou foram imediatamente
nul i f icadas, e a nau do Estado f icou à mercê dos furacões.
20 – Onde existe neste Brasi l , esse poder municipal, condição essencial para
existência de um povo civi l izado; esse poder municipal que permite que o povo
tome parte da direção dos negócios que lhe dizem respeito de mais perto, e aprenda
a conhecer os seus direitos e deveres de cidadão? A respeito deste importante
assunto ouçamos o i lustre autor da obra sobre as consti tuições dos povos l ivres:
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
21 – Este poder que a consti tuição deverá colocar ao mesmo nível que o judiciário,
o legislat ivo e o moderador , e que deve ser um complexo deles, não existe entre
nós senão em nome. As municipal idades só servem para apurar as chapas das
facções polí t icas que di laceram o país.
22 — Que é da guarda nacional, este baluarte da ordem social, que entre todos os
povos l ivres, é t ido como condição indispensável de um sistema consti tucional? —
Também não existe; pois não podemos chamar guarda nacional a essas companhias
de mil ícias ou ordenanças que, sob o nome da guarda nacional, nem sequer podem
nomear os seus of iciais, e só servem de instrumento às facções ou ao governo.
23 — Que é do júr i? Esta inst i tuição tão nobre há sido truncada desde o começo. O
júri em matéria civi l , decretado pelo art igo 151 da consti tuição nunca foi posto em
prát ica; e o cr iminal há sido tão falsi f icado, que de antemão se sabe do resultado
das decisões, e só serve para instrumento de impunidade e de vingança. Entretanto
em outra parte do nosso continente, a inst i tuição do júr i f lorece, e mereceu as
l inhas seguintes de M. Tocquevi l le:
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
24 – Outra inst i tuição, a polícia que em todas as paragens do mundo pertence às
municipal idades, e poderosamente concorre a elevar o caráter do cidadão aos seus
próprios olhos, entre nós, essa inst i tuição há sido atr ibuída à autoridade central,
tornando-se destarte poderoso instrumento das facções.
25 – Assim, organização municipal, guarda nacional e júr i , estas três bases das
garantias de toda a espécie, estes al icerces do edif ício polí t ico, não existem entre
nós, ou se acham totalmente falsi f icadas; donde resulta necessariamente que todas
as outras inst i tuições são também falsi f icadas.
2 3 8
A independência do poder judiciário já não passa de uma f icção; o poder legislat ivo
quase que não existe, e vivemos à mercê de um despotismo qualquer: o do monarca
ou das facções.
26 – Do que acabamos de expor vê-se claramente o remédio. Consiste o remédio em
tomarmos o nosso edif ício polí t ico pela base, e ampararmo-lo com possantes
al icerces. Primeiramente devemos organizar as municipal idades com extensas
atr ibuições, proporcionando-lhes os meios pecuniários para que elas possam exercer
essas atr ibuições, sendo a primeira de todas a polícia dos respectivos municípios;
reorganizar a guarda nacional, restaurando a eleição para os postos, e combinando
esta
eleição com a vital iciedade de maneira a dar-lhe a estabi l idade compatível com as
nossas circunstâncias; organizar o júr i , tanto no crime como no cível, segundo as
prescrições da consti tuição
27 – Isto fei to, haverá na nação uma força real, – da opinião públ ica, mui superior a
que as facções possam apresentar, e então as prescrições das leis poderão ser
executadas; então será oportuno reformar a nossa organização mil i tar, diminuir o
efet ivo do exército cr iando-se batalhões de voluntários, suprimindo-se o
recrutamento, os cast igos corporais e as atuais sinecuras, e dando-se garantias de
acesso e reforma àqueles que derramaram o sangue pela segurança e prosperidade
da pátr ia.
28 – Então será oportuno organizar a instrução pública; reformar nossa viciosa
organização administrat iva e organizar o país realmente, o que hoje é impossível
por fal ta de bases f ixas e força permanente que assegure a estabi l idade das leis e a
sua execução. Antes disto, todas as reformas não passarão de pal iat ivos
insignif icantes que apenas suprimirão certos inconvenientes, para criarem outros
talvez piores.
Recife, 20 de junho de 1848. (sem assinatura)
O Progresso, p 855-866.
Anexo 24
Folhetins: A CARTEIRA (1)
1 – 24/09/1855: nº 220 – Anúncio do início do folhet im. Final idades: cr i t icar
construindo. Deixar a fantasia correr.
2 – 01/10/1855: nº 226 – Uma noite contrariada: Dois jovens que não conseguem
passear, como queriam; à espera da madrugada, para o passeio, conversam sobre
autores de l i teratura.
2 3 9
3 – 03/08/1855: nº 232 – A peste. As recomendações médicas. O lazareto. Cenas de
caridade (ceia para cem pobres), no Convento de S. Francisco.
4 – 15/10/1855: nº 238 – Ridicularização das eleições: “Eleição, fonte inesgotável
de bens, por tua causa os chefes das repart ições suspendem os r igores da lei , o
magistrado despacha os fei tos que há longos anos dormiam na conclusão...”. Peste,
Asi lo para pobres.
5 – 22/10/1855: nº 244 – O caso de navio aprisionado, por transportar escravos.
Elogios à Inglaterra. Poesia. Música.
6 – 29/10/ 1855: nº 250 – Sátira ao Juri que perdoa grandes ladrões e pune
pequenos. Estrada de ferro. Queda de Sebastopol.
7 – 05/11/ 1855: nº 255 – Recorda o dois de novembro. Razão e Revelação
concordam sobre a imortal idade da alma. Louva o cemitério comum, porque aí se dá
o congraçamento de todas as famíl ias, em vez de cada uma ir para a sua igreja.
Poesia: “pensamentos sobre os mortos”.
8 – 12/11/1855: nº 261 – Coroação de D. Pedro V de Portugal. Te Deum na igreja
do Corpo Santo, mandado cantar pelos portugueses Descreve a função e a igreja.
Novo jornal, português: “ A Pátr ia”. Desejos de l iberdade e independência para o
jornal. Outros assuntos.
9 – 19/11/1855: nº 267 – A Faculdade de Direito do Recife. Observações sobre o
sistema de exames. Recorda as vinganças e os favorit ismos. O tráf ico de escravos.
10 – 26/11/1855: nº 273 – M.A. Álvares de Azevedo, poeta paul ista. Hospital
português.
11 – 03/12/1855: nº 279 – Ridicularização das eleições, pois incapazes se elegem.
Banquete a bordo de um navio inglês. Teatro. Curso para bacharéis (sát ira).
12 – 10/12/1855: nº 284 – Homeopatia (discussões na França). A peste.
13 – 17/12/1855: nº 290 – O Pauperismo e a mendicidade. Dist inção entre um e
outra Pleiteia-se criação de asi los para pobres verdadeiros.
14 – 24/12/1855: nº 296 – Natal. Descrição do Natal nos vários países.
15 – 31/12/1855: nº 301 – Resenha dos fatos tr istes (guerras) e alegres (progressos
no Brasi l) , no ano que f inda.
16 – 07/01/1856: nº 5 – Progresso materia l e espir itual. Pernambuco ainda fraco
nesse últ imo. Compara Recife com S. Luís do Maranhão. As artes: pintura,
escultura e arquitetura. Brasi leiros insensíveis às mesmas. A música, porém, é
apreciada.
17 – 21/01/1856: nº 17 – Um sonho. A ponte provisória. Passeio públ ico. A
Companhia l ír ica.
18 – 28/01/1856: nº 23 – Projeto para a criação de uma Bibl ioteca Públ ica.
História de um médico francês.
19 – 04/02/1856: nº29 – O Carnaval. O Trovador, estréia da Companhia l ír ica.
20 – 11/02/1856: nº36 – Reparação de uma falta involuntária. A repetição do
Trovador. Terceiro espetáculo l ír ico. O Carnaval de 1856. A epidemia.
21 – 17/02/1856: nº42 – (é um domingo) Os médicos. Os boticários. Os frades. O
administrador do Cemitério. As obras públ icas. A Companhia l ír ica.
22 – 24/02/1856: nº49 (é um domingo) A peste. Descreve os males e os heroísmos.
2 4 0
23 – 03/03/1856: nº56 – A peste at inge o Recife; antes at ingira outras cidades da
Província. Falta de Irmãs de Caridade. Elogio à dedicação da mulher.
24 – 17/03/1856: nº68 – Versa sobre a revolução de 1817.
25 – 24/03/1856: nº73 – A colonização estrangeira para o Brasi l . Crít ica ao método
usado.
26 – 31/03/1856: nº78 – Pernambuco e as revoluções nacional istas:tabocas,
guararapes, 1817, Confederação do equador , exigência de uma consti tuição
democrát ica.
27 – 07/04/1856: nº84 – Crít ica à obra de um francês Carlos Reybaud. Asobras de
Ozanam, sábio e santo.
28 – 14/04/1856: nº90 – Industr ial ismo, individual ismo,
concorrência,protecionismo.
29 – 21/04/1856: nº96 – Ainda sobre o l ivro “Brasi l” de Carlos Reybaud.
30 – 28/04/1856: nº 102 – A imprensa: importância, l iberdade, censura.
31 – 05/05/1856: nº 107 – Curso famil iar de l i teratura, por Lamart ine.“O
Passarinho”, obra de Michelet. “Ensaio sobre a Providência”, de Eugênio Bersat.
32 – 12/05/1856: nº 113 – Progresso material de Pernambuco. Necessidade do
progresso cultural. Arte do Renascimento. A arte gótica.
33 – 19/05/1856: nº 119 – Fim da guerra da Criméia. Nascimento do f ilho de
Napoleão II I.
34 – 26/05/1856: nº 124 – Telégrafo elétr ico. Descrição do funcionamento do
mesmo.
35 – 02/06/1856: nº 130 – O l ivro das”Contemplações’ ’ de Victor Hugo. A
i luminação do Recife a gás ou com carvão de pedra? Os prós e os contras.
36 – 09/06/1856: nº 136 – Os grandes cient istas do século XVIII.
37 – 16/06/1856: nº 142 – Adeus ao barão da Boa Vista. Confiança da Inglaterra no
Brasi l , do ponto de vista econômico. Século XIX, século das ciências prát icas.
Meios para apagar incêndios.
38 – 23/06/1856: nº 148 – Arte em geral. Valor de todas. A música. O Crist ianismo
e as artes. Teatro Santa Isabel.
39 – 30/06/1856: nº 153 – Melhoramento do Porto do Recife.
40 – 07/07/1856: nº 159 – Eventos europeus. Morte de Augustin Thierry.
Processo para fazer fotograf ia. Novo caminho de Ferro. Capital estrangeiro.
41 – 14/07/1856: nº 165 – Ficção: diálogo entre Alfredo e Adolfo dá motivo para
cri t icar os métodos imorais em polí t ica. Apela-se para a obra de Sismonde de
Sismondi: “Consti tuição dos Povos l ivres”.
42 – 21/07/1856: nº 171 – Continuação do diálogo anterior Pretexto para falar de
polí t ica e ler algo do l ivro de Lamennais: “Livro do Povo”.
43 – 28/07/1856: n.” 177 – O Estereoscópio.
44 – 04/08/1856: nº183 – O l ivro de Edgar Quinet: “Curso sobre as l iteraturas
meridionais”. Apresentação sem crít ica.
45 – 11/08/1856: nº189 – Ainda a obra de Quinet, agora sob o ponto de vista da
arte em geral.
2 4 1
46 – 18/08/1856: nº 194 – Aniversário do Ateneo Pernambucano. Os gregos e suas
artes. Quinto aniversário do “Gabinete português de lei tura”. Arqueologia (peça
encontrada em Pernambuco com inscrição em holandês).
47 – 25/08/1856: nº 200 – O arsenal de Marínha. Internato do Ginásio.
Mulheres na vida públ ica, graças à intel igencia do Barão da Boa Vista.
48 – 01/09/1856: nº 206 – Comentário sobre bai le: os costumes vão se aprimorando.
Lei elei toral por distr i to: evitar o bairr ismo. A inst i tuição: Cidade: o que deve ser.
49 – 09/09/1856: nº 212 (é uma terça-feira). Ainda sobre a cidade. Mostra como os
modernos, salvando o que de belo houve na Idade Média, procuraram acabar com a
mesquinhez da cidade medieval.
50 – 15/09/1856: nº 217 – Relação entre a cultura de um povo e as suas cidades.
51 – 22/09/1856: nº 223 – Apl ica às nossas cidades o que se disse nos números
anteriores: cidades maltraçadas, nomes r idículos de ruas, etc. Lamart ine e seu
“Curso de Literatura”, publ icado em jornais.
52 – 29/09/1856: nº 229 – Escri to dia 28, comemora o primeiro aniversário de “ A
Carteira”; f inal idade da mesma.
53 – 06.10.1856: nº 235 – Telégrafo elétr ico entre Rio e Recife. Usina central de
açúcar.
54 – 13/10/1856: nº 241 – A cavalaria e a mulher. A mulher na Idade Média. Faz
votos que a mulher volte à posição que teve.
55 – 20/10/1856: nº 247 – Chateaubriand e o dinheiro. Empresa de pesca para
Pernambuco e Rio Grande do Norte.
56 – 27/10/1856: nº 253 – Na vida é preciso seguir não l inhas retas, mas curvas.
57 – 03/11/1856: nº 259 – A respeito de concursos e bolsas real izados em França,
para mandar moços à Itál ia, Figueiredo af irma que o mesmo se deveria fazer no
Brasi l . O “ Patent sl ide” ou estaleiro patente.
58 – 10/11/1856: nº 265 – Culto universal dos mortos. Crença na imortal idade. A
antiga revista “O Progresso“. Poesia.
59 – 17/11/1856: nº 271 – A escolha de um estado de vida. A lenda de Hércules
entre a Fel icidade e a Virtude.
60 – 24/11/1856: nº 277 – Lenda popular sobre a origem da fundação do convento
do Carmo em Olinda, e da Igreja e convento de Santa Teresa no lugar denominado
Pisa.
61 – 01/12/1856: nº 283 – O que é o folhet im. Pobreza da cultura de Pernambuco.
Elogio a São Luís do Maranhão. Luxo das senhoras e moças do Recife, no traje.
Estrada de ferro.
62 – 09/12/1856: nº 289 – (é terça-feira). O século XIX é o século do estudo das
artes. A história dos art istas, seguindo Gustavo Planche.
63 – 15/12/1856: nº 294 – Reprodução de duas poesias: “Manga do Jasmim” e
“Galo da Serra”, ambas de Soares de Azevedo.
64 – 22/12/1856: nº 300 – Pic Nick em Itamaracá.
65 – 05/01/1857: nº 3 – Natal na Inglaterra, segundo uma testemunha ocular.
66 – 12/01/1857: nº 8 – Hospício, signif icado. Os irmãos hospitaleiros
da ordem de São João de Jerusalém. Em Recife a casa passou dos irmãos para o
Exército, que destinou parte para enfermaria do Exército
2 4 2
67 – 19/01/1857: nº 14 – História dos Const i tuintes por A. Lamart ine.
68 – 26/01/1857: nº 20 – Ainda a história dos Consti tuintes por A. Lamart ine.
69 – 03/02/1857: nº 26 – (é terça-feira). Breve notícia acerca da fundação dos
conventos e igrejas respectivas que existem no bispado de Pernambuco.
70 – 09/02/1857: nº 31 – Início do ano let ivo no Ginásio Provincial.
Educação Física.
71 – 16/02/1857: nº 37 – Lembrança para a criação de uma Companhia de Ti lbury
nesta cidade.
72 – 23/02/1857: nº 43 – O teatro. O Sr: João Caetano. A companhia dramática.
Aniversário da batalha dos Guararapes.
73 – 03/03/1857: nº 50 – (é terça-feira). A repetição do Otelo. O carnaval de 1857.
74 – 09/03/1857: nº 55 – Mariana ou a Vivandeira. A Gargalhada. Algumas
palavras sobre o relatório com que S. Exc. abriu a assembléia provincial.
75 – 16/03/1857: nº 61 – Sorte do folhet inista. A gargalhada e outras coisas.
Colégio das órfãs. Campanha monetária para o asi lo. A próxima chegada de duas
irmãs de Caridade. O Folhetim tem de ser leve e não pesado. Duas poesias.
76 – 23/03/1857: nº 67 – O Colégio das órfas. A repetição da Vivandeira. A nova
Castro.
77 – 30/03/1857: nº 72 – Lembrança para a criação de uma Sociedade Fi larmônica
nesta cidade. (Repete parte de A Carteira do dia 7 de janeiro de 1856).
78 – 06/04/1857: nº 78 – Valorização das ciências. Cheias e secas de Pernambuco,
por causa do corte das f lorestas nas cabeceiras do Capibaribe.
79 – 13/04/1857: nº 83 – Civi l ização moderna e crist ianismo. Semana Santa em
Roma, segundo um viajante i lustre.
80 – 20/04/1857: nº 89 – Tatayra, Alfredo e contos populares por M. P. de Morais
Pinheiro. Planihistória do lmperio do Brasi l , reino de Portugal e famíl ias reinantes
nestes países, pelo tenente-coronel de engenheiros José Joaquim Rodrigues Lopes.
81 – 27/04/1857: nº 95 – O cometa de 13 de junho.
82 – 04/05/1857: nº 101 – Museu de ciências naturais do Ginásio, fundado pelo
professor L. J. Brunet. Ainda o cometa de 1857.
83 – 11/05/1857: nº 107– Gabinete de pintura dos Srs. Arsênio e E. Gadault .
84 – 18/05/1857: nº 113 – O americano Hume. Novo Possesso ou Feit içaria.
85 – 25/ 05/1857: nº 118 – Inauguração do Hospital de Caridade. A Igreja e a
caridade. As irmãs de Caridade.
86 – 01/06/1857: nº 124 – Bicho da seda do Carrapateiro. Criação do bicho da
seda e da conchini la.
87 – 08/06/1857: nº 130 – Proposta do Prof. Brunet para se criar camelos.
88 – 15/06/1857: nº 135 – Ridicularização da profecia do Cônego de Liège sobre o
f im do mundo.
89 – 22/06/1857: nº 141 – Olinda. Vasos achados no engenho Camaleão. Oração no
hospital de caridade.
90 – 30/06/1857: nº 146 – (é terça-feira) Educação. Fragmento de um poema
inédito e original.
91 – 06/07/1857: nº 151 – O dia 4 de julho de 1776.
2 4 3
92 – 13/07/1857: nº 157 – Embaraços do folhet inista. J. Janin. Alph. Kar. O
sentimento poético do nosso tempo. Poesia de Menezes Dória. Scapini. Esforços da
Companhia Dramática. Cenas de sonambulismo por uma dama da alta sociedade
francesa. A música entre os antigos gregos.
93 – 20/ 07/1857: nº 163 – Os primeiros habitadores do Brasi l .
94 – 27/07/1857: nº 169 – O aniversário de S. Vicente de Paulo, celebrado pela
primeira vez na capela do hospital de caridade no dia 19 do corrente .
95 – 03/08/1857: nº 175 – A navegação aérea. A companhia dramática nacional. A
companhia dramática francesa.
96 – 10/08/1857: nº 181 – A colonização afr icana promovida pela França para
Guadaloupe e Mart inica. Opinião de Mr Labouchere acerca da emigração para a
Guiana inglesa. Pensamento de Lord Claredon sobre a exportação
francesa de afr icanos. Camões e a Gargalhada dados no Santa Isabel. Companhia
francesa. Cenas de sonambulismo no Apol lo.
97 – 17/08/1857: nº 186 – As armas e as letras. A heráldica ant iga e a moderna
Brasi leiros i lustres em ciências e artes. A navegação aérea. O padre Bartolomeu
Lourenco de Gusmão. A palavra: impossível : dentro de um século será obsoleta em
todas as l ínguas cultas.
98 – 24/08/1857: nº 192 – O homem pode voar. Ainda o Pe. Bartolomeu de Gusmão
e o seu aeróstato. Considerações gerais sobre a navegação aérea. Os irmãos
Montgolf iers e o seu balão. O carro aéreo de lord Carl ingford. Outra invenção do
Pe. Bartolomeu. A biograf ia universal de Michaud. O futuro do Brasi l . Conclusão.
99 – 31/08/1857: nº 198 – Os art istas dramáticos desde os gregos até os nossos
dias.
100 – 07/09/1857: nº 204 – O dia 7 de setembro de 1822.
101 – 14/09/1857: nº 209 – A feit içaria (anál ise do l ivro de Michelet sobre a
fei t içaria na Idade Média e no século XVIII) .
102 – 21/09/1857: nº 215 – Ainda a fei t içaria. Feit içarias pernambucanas (ou seja
a beleza da mulher pernambucana).
103 – 28/09/1857: nº 221 – A cidade do Recife.
104 – 05/10/1857: nº 227 – O Bairro do Recife.
105 – 12/10/1857: nº 233 – A freguezia ou bairro de Santo Antônio.
106 – 19/10/1857: nº 239 – Observacões sobre o Folhetim precedente. Algumas
palavras acerca da Companhia pernambucana.
107 – 26/10/1857: nº 245 – O bairro da Boa Vista e algumas palavras sobre a
organização de um correio predial, nesta cidade.
108 – 02/11/1857: nº 251– Algumas considerações sobre a correspondência
cientí f ica de Paris, escri ta pelo nosso i lustrado colaborador o Sr. G... M...
publ icada no Diário de 23 passado, e um modelo de contrato entre um proprietário
de engenho e colonos índios, na I lha Maurícia.
109 – 09/11/1857: nº 257 — A freguezia de S. José e algumas palavras acerca da
f igura que vem em bar leo (sic), tendo um espelho na mão esquerda.
110 – 16/11/1857: nº 263 – Serafina: uma fantasia l i terária.
111 – 23/11/1857: nº 269 – Casa de banhos no pátio do Carmo. Projeto de um
passeio públ ico no bairro da Boa Vista.
2 4 4
112 – 30/11/1857: nº 275 – Kean, ou o gênio e a desordem. A festa de Santa
Cecíl ia. Um fragmento para a história de Pernambuco.
113 – 07/12/1857: nº 281– O dia 2 de dezembro. Teatro de Apolo. Teatro de Santa
lsabel. O porto de Tamandaré. Algumas palavras sobre Hipól i to Gadault .
114 – 14/12/1857: nº 286 – Caminho de Ferro.
115 – 21/12/1857: nº 292 – Do pauperismo e das inst i tuições de caridade.
116 – 28/12/1857: nº 297 – Ainda o pauperismo e as inst i tuições de caridade.
117 – 04/01/1858: nº 2 – Juízo crí t ico sobre Branca Dias de Apipucos, drama
fundaldo numa lenda pátr ia do século XVll l , por uma pernambucana.
118 – 11/01/1858: nº 7 – Algumas palavras sobre o teatro português comparado
com o teatro i tal iano.
119 – 18/01/1858: nº 15 – Algumas palavras sobre Dante e seus últ imos
comentadores.
120 – 25/01/1858: nº 19 – O futuro dos nossos art istas mecânicos. A companhia de
aprendizes menores de arsenal de marinha.
121 – 01/02/1858: nº 25 – O Colégio de N. S. do Bom Conselho, fundado na
povoação de Papacaça, no ano de 1853, pelo Revmo. prefeito da Penha, frei
Caetano de Messina, Capuchinho sici l iano.
122 – 02/02/1858: nº 30 – Apontamentos acerca de alguns melhoramentos, cuja
real ização julgamos út i l e necessária para esta cidade.
123 – 15/02/1858: nº 36 – Amor em tudo. Poesia inédita pelo Sr Dr. Antônio
Rangel de Torres Bandeira, dedicada ao Sr. Conselheiro Antônio Fel iciano de
Casti lho.
124 – 22/02/1858: nº 42 – A agiotagem (repete parte de “A Carteira” de
10/08/1857).
125 – 08/03/1858: nº 54 – A abertura do teatro de Santa Isabel no dia 27 do mês
passado. Primeira representação da Louca, ou o Castelo das sete Torres
Espetáculo do dia 3. Quem tudo quer tudo perde, e a Capa de José. Estréia dos
cantores i tal ianos.
126 – 15/03/1858: nº 60 – O jovem pianista Arthur Napoleão. Algumas palavras
sobre o espetáculo l ír ico da noite de 11 do corrente.
127 – 22/03/1858: nº 66 – Aos poetas.
128 – 29/03/1858: nº 71– Os costumes contemporâneos no teatro. A queda de
Rosas. (peça teatral).
129 – 05/04/1858: nº 76 – A regeneração das raças cavalares do império, pelo Dr.
F. L. C. Burlamaque.
130 – 12/04/1858: nº 82 – Aclimatação do dromadário nos sertões do norte do
Brasi l , e a cultura da tareira, com tradução do relatório do Mr. Dareste
apresentado à sociedade zoológica de acl imatação de Paris, sobre o mesmo
assunto, pelo Dr. F. L. C. Burlamaque.
131 – 19/04/1858: nº 88 – Caminho de ferro portát i l agrícola. Duas experiências
fei tas no porto desta cidade por meio de um aparelho mergulhador, ul t imamente
chegado da Europa para o arsenal de marinha. Algumas palavras sobre o
últ imo espetáculo l ír ico dramático.
2 4 5
132 – 26/04/1858: nº 94 – Reflexões sobre um art igo que se lê no “Moniteur
Universel” de Paris, sob o t í tulo Catacumbas no Brasi l . Carta de Lamart ine escri ta
a alguns jornais l i terários que o acusaram de ter roubado ao conde Forbin o seu
episódio de Grasiela. A graça de Deus. (teatro).
133 – 03/05/1858: nº 100 – Biograf ia de alguns poetas e homens i lustres da
província de Pernambuco, pelo comendador Antônio Joaquim de Mello.
134 – 10/05/1858: nº 106 – Uma excursão cientí f ica no interior desta província
pelo Sr. L. J. Brunet.
135 – 17/05/1858: nº 111 – Um rápido lanço de olhos sobre o continente
americano.
Organização de uma companhia destinada a cobrir o globo com f ios elétr icos.
Higiene Públ ica.
136 – 24/05/1858: nº 117 – Contos negros e brancos.
137 – 31/05/1858: nº 123 – Ainda outra obra l i terária fei ta em França sobre o
Brasi l .
138 – 07/06/1858: nº 128 – Uma nova profecia, sobre o f im do mundo, causado pela
ciência, por Eugênio Huzar.
139 – 14/06/1858: nº 134 – As tendências do século em polí t ica. A história da
moda.
140 – 21/06/1858: nº 140 – Dedicação do amor conjugal.
141 – 28/06/1858: nº 145 – Um baleeiro convert ido em baleia. (lenda).
142 – 05/07/1858: nº 150 – Os nossos restaurantes, hotéis e cafés. O bai le dado no
dia 2 de Julho no salão do Santa Isabel.
143 – 12/07/1858: nº 156 – Algumas palavras sobre o projeto de um colégio para
meninas, dir igido por irmãs de caridade nesta cidade. Pequena biograf ia sobre
uma destas f i lhas adot ivas de S. Vicente de Paulo, chamada Rosár ia.
144 – 19/07/1858: nº 162 – Telegraf ia elétr ica.
145 – 02/08/1858: nº 174 – Uma vingança de nova espécie motivada por uma
mulher.
146 – 09/08/1858: nº 180 – Origem dos teatros.
147 – 16/08/1858: nº 186 – O passado e o presente. O túnel submarino entre a
França e a Inglaterra.
148 – 23/08/1858: nº 192 – Te Deum landamus. Estréia da Companhia l ír ica, os
puri tanos. Aniversário da fundação do Gabinete Português de Leitura. Festa na
Capela do Ginásio.
149 – 30/08/1858: nº 198 – O teatro. Biograf ia de Vicente Bel l ini .
150 – 06/ 09/1858: nº 204 – A Companhia i tal iana. O Sr. Tranconi. Estréia das
dançarinas. Conclusão da biograf ia de Bel l ini .
151 – 13/09/1858: nº 209 – Revista Musical: representacão da ópera de Torquato
Tasso ; estréia da Sra. Patrese e do Sr. Torricel l i.
152 – 20/09/1858: nº 215 – Primeira representação de Lucrécia Borja, ópera em 3
atos de Donizett i . Resposta de Lamart ine a um art igo publ icado contra ele em
revista inglesa.
2 4 6
153 – 27/09/1858: nº 221– Uma decepção. A Companhia l ír ica. Repetição da
Lucrécia. Reflexões de uma senhora, sobre a existência de uma verdadeira mulher
na época atual.
154 – 11/10/1858: nº 233 – Colocação do f io elétr ico entre Estados Unidos e
Inglaterra.
155 – 18/10/1858: nº 239 – O teatro. Primeira representação da Traviata. História
curiosa acerca de Luís Napoleão, extraída do Grahm’s Magazine.
156 – 25/10/1858: n.º 245 – A Natureza e a Sociedade relat iva à igualdade. A luz
da vida.
157 – 02/11/1858: nº 251 – (é uma terça-fei ra). Um Cavaco. Rel ig ião nova.
Cálculo muito notável. Uma mulher santa e um marido demônio. Uma pianista
como há muitas. O que é a paciência de um inglês. Biograf ia de Morse.
158 – 08/11/1858: nº 256 – O primeiro dever da mulher. Maneira de evitar um mau
marido. Modo de achar uma boa mulher. Os dois avarentos. Haverá habitantes na
lua? Música telegráf ica. Um prest idigi tador célebre. Os domadores de cavalo ou
wispere. Manias extravagantes. A irmã de caridade no século XIX.
159 – 15/11/1858: nº 262 – As óperas l ír icas no teatro Sta. Isabel. Verdi e o seu
Trovatore. Um mágico estupendo. Aviso interessante para os corcovados
Escravos pretos. Bons princípios e maus fíns. Exemplo galante. Origem dos
Marechais de Campo.
NB: De 22/11/1858 até 25/07/1859 Antônio Rangel Torres Bandeira escreveu 31
folhet ins, com o mesmo nome, e o mesmo pseudônimo, substi tuindo Antônio Pedro
de Figueiredo, enfermo. No dia 16/08/1859 (terça-feira) Antônio Pedro de
Figueiredo escreve o últ imo art igo.
No dia 22/08/59, já morto o Figueiredo, Torres Bandeira pela últ ima vez assina
Abdalah-el-Krat i f .
160 – 16/08/1859: nº 185 – (é terça feira). Fala de seus sofr imentos, suas
esperanças. Agradece ao Dr. Antônio Rangel Torres Bandeira.
Anexo 25
6 de março de 1817
1 – Fez 39 anos no dia 6 do mês em que estamos, que nesta c idade soou, pela
primeira vez, o gri to profét ico de l iberdade e emancipação polí t ica, entre as
aclamações e as esperanças de um povo generoso.
2 – Herdeiros agradecidos dos bens que nos legaste com toda a veneração e mais
terno amor f i l ial , nós te saudamos, dia 6 de março, aniversário da nossa gloriosa
revolução de 1817.
3 – E vós, sombras augustas que passastes rápidas neste mundo, vós que agora
viveis tranqüi las no seio da divindade, e que, a custa do sacri f ício imaculado da
2 4 7
vossa existência, nos destes a l iberdade de que gozamos, recebei na celeste morada,
onde habitais, a sincera homenagem da nossa mais pura grat idão.
4 – Ainda não at ingimos o degrau supremo na escala ascensional do progresso, mas
já temos caminhado muito. O nosso futuro causa inveja às nações do velho mundo.
Em 39 anos temos real izado melhoramentos, que povo algum nunca conseguiu
dentro de tão curto espaço de tempo; e temos para nós que um membro da geração
do princípio deste século, que comparasse o nosso estado atual com o que éramos
em 1817, de certo f icaria surpreendido e deslumbrado à vista da soma de
civi l ização que temos acumulado.
5 – O que éramos nós naquela época? — Nada; E que idéia fazia de nós o
estrangeiro civi l izado? De selvagens quase indomáveis. Mas este estado de
degradação moral em que nos achávamos não podia durar. A just iça divina mais
cedo ou mais tarde havia de lançar as suas vistas compassivas sobre esta terra, que
parece destinada pela Providência a representar um papel importante no congresso
das nações. Tudo parecia favorecer a nossa ascensão à categoria de povo l ivre. Os
nosso dominadores eram os próprios que indiretamente apressavam a obra da nossa
redenção polí t ica e social. A metrópole pouco ou nada favorecia o desenvolvimento
das ambições legít imas dos brasi leiros. A cultura da intel igência e o gozo das
outras conquistas da civi l ização nos eram vedados de fato; e a proibição fatal do
ingresso de estrangeiro nos portos da terra da Santa Cruz, ainda mais funesta
tornava a nossa sorte.
6 – Curvados sob o jugo colonial, olhávamos inut i lmente para este imenso terr i tór io
em que Deus nos f izera nascer, e contemplávamos com dor amarga esta vasta
extensão de praias, banhadas por um mar sempre benigno e semeadas de baias e
portos magníf icos e, onde a natureza só deixara ao homem um insignif icante
trabalho a executar. (Omit idas poucas l inhas que exaltam a grandeza geográfica do
Brasi l) .
7 – Grande parte dos frutos do trabalho nacional, ia manter, do outro lado do
Atlânt ico, o luxo da metrópole; e o desenvolvimento do país se achava paral isado
por fal ta de capitais, por vias de comunicação, e de homens versados nas artes e
ciências.
8 – Vivíamos privados de todas as vantagens inerentes à civi l ização, sem inf luência
alguma sobre os nossos destinos, e a maior parte da nossa população ainda se
achava no estado selvagem, e o resto mergulhado nas trevas da ignorância, e
entregues ao costume das eras bárbaras.
9 – Semelhante estado de cousas não podia durar por muito tempo, t inha uma
existência efêmera, transitór ia; por outro lado o progresso das nações é uma lei
fatal, necessária, divina, e não pode deixar de real izar-se um dia. Os homens são
instrumentos cegos de que a Providência se serve para a real ização dos seus planos
2 4 8
imortais e a grande transformação porque tínhamos de passar, vem, de mui longe;
vem do grande movimento revolucionário que teve lugar em França em 1789; mas a
semelhança deste imenso sucesso, ela teve uma causa mais remota.
10 – Com efeito, as chamas da fogueira que reduziu a cinzas o corpo de João Huss
em 1414 não se apagaram na pequena cidade de Constância, nem extinguiram as
suas generosas aspirações, i luminaram o mundo, e a sua claridade misteriosa se
estendeu sobre todas as regiões.
11 – As míst icas controvérsias do inglês Wiclef, e os próprios esforços
contraditórios e incompletos do profeta de Wittemberg, em favor da emancipação
do pensamento, também concorreram para a conquista da l iberdade de que gozaram
alguns povos modernos.
12 – Mas o que é certo é que Lutero na Reforma só compreendeu um lado da
questão: combateu os privi légios que a Igreja t inha sob a consciência do homem,
mas respeitou as usurpações polí t icas prat icadas pela autoridade temporal. Ao passo
que desobedecia ao pontíf ice Leão X e cobria de opróbrio a Henrique VIII por se
ingerir em matérias de consciências, mandava acatar em polí t ica a todos os
soberanos da terra.
13 – Henrique VIII pretendeu refutar a obra de Lutero, que tem por t í tulo – O
Cativeiro de Babi lônia, e quando este trabalho chegou às mãos do promotor da
Reforma, ele trovejou contra o arrojo do Tudor, e prorrompeu nestes termos:
“Mentes, rei estúpido e sacrí lego, com rosto impudente dás às infal íveis palavras de
Deus um sentido diferente do que elas têm”.
14 – Os anabatistas Stork e Munzer , chefes da revolução dos niveladores, –
daqueles que pretendiam abol ir todos os privi légios, de qualquer gênero que fosse;
todos os fatos, todos os acontecimentos, que t iveram lugar no século XVI, neste
século fecundo em toda a casta de revoluções, – tudo isto contr ibuiu, de uma
maneira mais ou menos direta para a fase da regeneração social, em que nos
achamos.
15 – O decálogo polí t ico, traçado por Thomaz Pay, no meio das f lorestas virgens da
Luisiana posto que incompleto, porque não compreendeu os fenômenos sociais da
vida do povo norte americano, também não deixou de inf luir no ato de nossa
consti tuição nacional.
16 – Porém o que mais posit ivamente determinou a revolução, cujo aniversário teve
lugar no dia 6 do corrente foi o imenso e universal abalo que imprimiram na
sociedade Francesa, Rousseau, Voltaire, a Enciclopédia e toda a plêiade i lustre dos
f i lósofos do século XVIII, foi a revolução f rancesa de 1789.
2 4 9
17 – Com efeito, a França, este cérebro e coração das nações modernas, não agitava
então os seus interesses, nem os interesses de um povo, agitava os interesses de
toda a humanidade. As aspirações dos operários da revolução Francesa eram
divinas, e lavando-se o sangue que manchava as suas teorias, f icava a verdade
imortal, que um dia há de dar frutos que encerra em seu seio.
18 – Se há no mundo um fenômeno que prove de uma maneira mais evidente e
luminosa a unidade e identidade do espír i to em toda a famíl ia humana, é
incontestavelmente a adoção de certas idéias.
19 – Assim, em virtude deste laço impalpável, misterioso que l iga todos os homens
entre si pelas aspirações, pelos desejos, pelos sentimentos, os brasi leiros não
podiam tardar muito em sentir as vibrações elétr icas do movimento polí t ico que em
1789 abalara a sociedade francesa.
20 – Mas ainda era preciso um fato , uma circunstância, que servisse de causa
ocasional ao desabrochamento do gérmen lançado no meio da sociedade brasi leira;
e este fato, e estas circunstâncias apareceram com a mudança da corte portuguesa
para o Brasi l .
21 – Então, desmoronaram-se as barreiras que vedavam aos estrangeiros o ingresso
nos nossos portos; com as mercadorias transatlânt icas, recebíamos também algumas
idéias de civi l ização que ainda mais apressavam as peripécias do drama que se t inha
de representar.
22 – Os conhecimentos que então possuíamos eram mui raros, e estes mesmos pouco
profundos; e não tínhamos nenhum dos veículos necessários, que hoje tanto
abundam entre nós, para propagar os trabalhos de intel igência, nem os inventos
úteis das artes e ciências, pois que a imprensa já descoberta havia quase 3 séculos,
era desconhecida entre nós, especialmente na província de Pernambuco.
23 – Entretanto, sempre havia alguns indivíduos, que mais favorecidos dos meios da
fortuna, t inham i lustrado de alguma sorte o seu espír i to no seminário episcopal de
Olinda, fundado pelo bispo D. José Joaquim de Azeredo Coutinho, e que era então o
único foco que esparzia as suas luzes, posto que frouxas, sobre toda a capitania de
Pernambuco.
24 – As r ival idades e os ciúmes, entre brasi leiros e portugueses, foram tomando
largas proporções, e no dia 6 de março de 1817, a efusão de sangue de dois povos
irmãos, l igados por muitos laços diversos, que falavam a mesma língua e t inham os
mesmos costumes, precipitou o desenlace do drama; e no dia 7 do mesmo mês, pela
manhã, o povo da cidade do Recife, despertado pelo rufo dos tambores, ouvia ler o
seguinte bando, primeiro ato do governo provisório, cr iado pelos patr iotas:
2 5 0
25 – “Nós abaixo assinados, presentes para votarmos na nomeação de um governo
provisório para cuidar da causa da pátr ia, declaramos à face de Deus que temos
votado e nomeado os cinco patr iotas seguintes: da parte do eclesiást ico o patr iota
João Ribeiro Pessoa de Mello Montenegro; da parte mil i tar o patr iota capitão
Domingos Theotônio Jorge Mart ins Pessoa; da magistratura o patr iota José Luís de
Mendonça; da parte da agricultura o patr iota coronel Manoel Corrêa de Araújo e da
parte do comércio o patr iota Domingos José Mart ins; e ao mesmo tempo todos
f irmamos esta nomeação, e juramos obedecer a este governo em todas as suas
del iberações e ordens. Dada na casa do Erário às 12 horas do dia 7 de março de
1817. E eu Maximiano Francisco Duarte o escrevi. – assinados, Luís Francisco de
Paula Cavalcanti . – José Ignácio Ribeiro de Abreu e Lima. – Joaquim Ramos de
Almeida. – Francisco de Bri to Bezerra Cavalccanti de Albuquerque. – Vaz Salgado.
– Antônio Joaquim Ferreira. – Francisco de Paula Cavalcanti . – Fi l ipe Ferreira. –
Joaquim da Anunciação e Siqueira. – Thomás Ferreira Vi l la Nova. – José Maria de
Vasconcelos. – Francisco de
Paula Cavalcanti Junior. – José Alves de Siqueira. – João de Albuquerque.
– João Marinho Falcão”.
26 – Era o ato de emancipação de um povo, que depois de três séculos de cativeiro
pretendia tomar parte no concerto das nações l ivres; e os sofr imentos, as opressões
e injust iças que sofr ia, atenuam e just i f icam em nossa opinião, os excessos e
delír ios que prat icou na véspera da mani festação de sua vontade soberana. As
individual idades desaparecem, quando se trata de real izar uma verdade
providencial, e as lágr imas derramadas à memória de um homem, e as cabeças que
caem justa ou injustamente, são condições indispensáveis para a aquisição do bem
na vida povos.
27 – Pernambuco parece o centro destinado pela Providência para ser o foco da
civi l ização brasi leira. Sem que haja pretensão da nossa parte, esta província tem
sempre caminhado à frente de suas irmãs. Em todos os movimentos em favor da
l iberdade, e, depois de certa época sob o aspecto das ciências e das artes, quando
não as precede, procura logo colocar-se a par delas; mas o que é certo é que, no
domínio das idéias e das inst i tuições civi l izadoras a primazia lhe pertence
exclusivamente.
28 – Desta tendência, deste amor para com os princípios de l iberdade e, progresso,
resultou que entre todas as províncias do Brasi l Pernambuco fosse o teatro em que
se representou o prólogo do drama da civi l ização moderna, drama inspirado aos
apóstolos dos sofr imentos e dores da humanidade pelos princípios proclamados do
alto do Gólgota.
29 – A f lor da famíl ia pernambucana, que então se estendia até o Ceará, tomou
parte neste movimento, que posto não produzisse todos os frutos premeditados,
todavia lançou as premissas da fel icidade que hoje gozamos.
2 5 1
30 – A Paraíba, em consequência da comunhão de idéias de seus f i lhos com os de
Pernambuco, foi a primeira que acompanhou o impulso patr iót ico de nossos pais, e
as cabeças de seus mais i lustres f i lhos também rolaram aos pés do carrasco.
31 – A revolução malogrou-se, tanta dedicação, tanta generosidade e patr iot ismo,
quase que se perdeu inut i lmente, e o cadafalso foi o lugar em que os chefes do
primeiro movimento polí t ico do Brasi l exalaram as aspirações ínt imas de suas
almas puras e imortais. Morreram, é verdade, mas nenhum traiu o santo juramento
que prestara à pátr ia agradecida.
32 – E nós, que veneramos as sombras destes márt ires, e que humildemente
tr ibutamos hoje um feudo de grat idão e saudade à sua memória, terminaremos estas
l inhas, copiando aqui o epílogo, com que um historiador moderno, rematou a
história dos fei tos gloriosos de seus antepassados.
33 – Em verdade, uma nação deve chorar os seus mortos, e não consolar-se de uma
só cabeça injusta ou odiosamente sacri f icada; mas não deve lamentar o seu sangue,
quando correu para fazer germinar verdades eternas. Deus permit iu que os seus
designos sobre o homem se manifestassem à custa deste sacr i f ício. As idéias
vegetam com sangue humano As revelações descem dos cadafalsos. Todas as
rel igiões se divinizam pelos seus márt ires. Fi lhos dos combatentes ou das vít imas,
perdoe-mo-nos reciprocamente!
34 – Renconci l iemo-nos sobre os seus túmulos para continuar a sua obra
interrompida! O crime perdeu tudo, intrometendo-se na obra da repúbl ica. Combater
não é immocular (sic). Tiremos o crime da causa do povo como uma arma que lhe
fere a mão e que converteu a l iberdade em despotismo; não procuremos just i f icar o
cadafalso pela pátr ia, nem as proscrições pela l iberdade; não endureçamos a alma
do século pelo sofisma da energia revolucionária; deixemos o coração à
humanidade, é mais seguro e o mais infalível de seus princípios, e resignemo-nos
com a condição das cousas humanas.
35 – A história da revolução é gloriosa e tr iste como o dia seguinte de uma vitór ia,
e como a véspera de outro combate. Mas se esta história é cheia de luto, é cheia
especialmente de fé. Assemelha-se ao drama antigo, em que, ao passo que o
narrador faz a exposição, o coro do povo canta a glória, chora as vít imas e eleva um
hino de consolação e de esperança a Deus! Abdalah-el-Krat i f .
Folhetim: A Carteira, in: Diário de Pernambuco, Recife 17/03/1856.
Anexo 26
Olinda – vasos achados no engenho Camaleão
Oração do Hospital da caridade
2 5 2
1 – Se o crist ianismo não se apresentasse a nós com todos os caracteres divinos que
o seu divino fundador lhe deu, seríamos obrigados a atr ibuir-lhe uma origem divina,
em razão da perfeita harmonia que ele estabeleceu, entre Deus e o homem; e da
perfeita conveniência que tem com a natureza do homem as relações que formulou
entre estes dois extremos da cadeia dos entes.
2 – Todas as seitas não têm mais que uma porção da verdade; nenhuma compreende
o homem inteiro cada uma t ira-lhe uma faculdade, para engrandecer o domínio de
outra. Uma t ira-lhe o coração e a vontade para dele fazer um ente puramente
intel igente e o homem torna-se então orgulho e egoísmo: é o eu Deus. Outra t i ra-lhe
a intel igência para dele fazer um ente puramente obediente, passivo; e daí nasce o
fanatismo e a ignorância que é a sua consequência.
3 – O crist ianismo faz o homem intel igente e l ivre, deixa-lhe as faculdades que
Deus lhe deu – o espír i to e o coração. Reconhece no homem duas partes dist intas,
formando um todo que é um, e ambas estas duas partes têm direito; posto que, com
tí tulos diversos, e com diferentes condições ao complemento das promessas de
Jesus Cristo.
4 – O homem espír i to e matéria coloca-se em virtude de uma destas faculdades
entre os entes altamente colocados na escala da criação; em virtude da outra parece
descer a um grau inferior; mas pela unidade que Deus colocou entre estas duas
partes, que parece tão opostas, torna-se um todo único ; um ente à parte; e os seus
meios de conservação deverão ser de conformidade com estas duas partes ; deverão
part icipar do espír i to e da matéria para corresponder plenamente aos desígnos de
Deus na sua criação.
5 – Assim o culto cr istão, esse culto ao mesmo tempo interior e exterior, nada
menos é que a expressão da necessidade que resulta da dúpl ice natureza do homem
e não nos admiramos de ver este culto tão profundamente gravado no coração do
povo.
6 – É o crist ianismo, é a fé, é Deus que faz a educação do povo. A ciência no seu
orgulho parece desprezar descer às coisas deste mundo, coloca-se em presença de
Deus para examiná-lo e medir-lhe o grau de amor e de obediência que lhe deve.
Nada de dedicação que segundo ela é uma fraqueza do coração, condenada pelas
luzes da razão. É o orgulho que presidiu a esta educação. Fel iz daquele que, como
diz a Escri tura Santa, foi ensinado por Deus. O povo, o f iel , é o escolhido de Deus.
E se Deus não lhe ensinou a ser pretencioso, deu-lhe a intel igência das coisas da
vida.
2 5 3
7 – Depositou-lhe no espír i to e no coração a máxima que o senso ínt imo lhe
demonstra melhor do que qualquer raciocínio: que há reciprocidade entre Deus e
ele, entre as suas idéias e as dele, entre os seus sentimentos e os dele.
8 – Sabe que vem de Deus, que vai para Deus, e que tudo neste mundo lhe foi dado
para ajudá-lo a chegar a este alvo, tanto no mundo material , como no mundo
sobrenatural. Então a natureza é para ele a escada de Jacó para elevar-se a Deus; e
os seus prodígios de beleza e de magnif icência tornam-se um poderoso est imulante
para que agradeça ao Criador e Senhor de todas as coisas.
9 – Então o homem se considera, e é com efeito, o sacerdote da criação, o pontíf ice
deste imenso sacri f ício que se deve fazer de tudo a Deus.
10 – A natureza é inerte, e deve cantar os louvores de Deus. É para real izar este
dever da criatura que o homem foi colocado à frente de todas as coisas criadas, e é
porisso que tudo, especialmente o que bri lha pela beleza e pela magnif icência,
torna-se entre as mãos do cristão um objeto de oferenda
ao Senhor, e concorre para testemunhar a este Pai comum de todas as coisas, o amor
e o reconhecimento das criaturas.
11 – À vista destas idéias, compreende-se os ornatos das nossas igrejas, o
aformoseamento dos nossos altares, e o coração nos diz que tudo está no seu lugar,
e que o culto exterior é uma das necessidades resultantes da nossa dúpl ice natureza.
12 – Esta magnif icência do concurso da natureza, da sua part icipação na adoração
de Deus é antes um socorro, uma coadjuvação, um estimulante do que um dever
r igoroso, ao menos em todas as circunstâncias da vida.
13 – Haverá alguma coisa que excite a piedade, gere a dedicação, nutra o amor de
Deus, como essa veneração, esses cânticos de um povo crente do Deus que reina no
mais alto dos céus, governa os elementos, morre sobre o calvário pelo homem, e se
deixa ainda contemplar sobre o altar, onde se expõe aos olhos da fé, para nos
lembrar pela sua dedicação e caridade, o que devem ser a nossa dedicação e a nossa
caridade?
14 – Para compreendê-lo cumpre ter sido testemunha deste espetáculo, quando este
espetáculo é dado nas condições que lhe convêm: a fé do cristão, o amor do
discípulo de Jesus Cristo.
15 – E então se compreende ainda mais pelo coração do que pela intel igência, e é
este o segredo da ciência de Deus, a ut i l idade das f lores, o perfume do incenso, a
beleza do altar, a exal tação dos cânticos, e esses transportes de um povo que fala a
seu Deus.
2 5 4
16 – Tais são os sentimentos que experimentaram todos aqueles que assist iram a
veneração do Santíssimo Sacramento quinta-feira passada, na modesta, mas decente
capela do Hospital : nada de extraordinário. Um simples altar, alguns ramalhetes de
f lores, alguns cânticos executados com fé e coração, um concurso recolhido e
orando, mas um Deus sobre o altar: eis o que expl ica tudo.
Folhetim: A Carteira, Diário de Pernambuco, Recife, 22/06/1857.
Anexo 27
9 de agosto de 1857
A colonização afr icana promovida pela França para Guadaloupe e Mart inica.
– Opinião de Mr. Labouchere acerca da emigração para a Guiana inglesa. –
Pensamento
de Lord Claredon sobre a exportação francesa de africanos. – Camões e a
Gargalhada
dados no Santa Isabel. – Companhia francesa. – Cenas de sonambulismo no Apolo.
1 – Estamos na época das maravi lhas. Se o século XVI era considerado como o mais
fecundo em descobertas grandiosas e apl icações fel izes, que vieram melhorar a
sorte da sociedade, a primeira metade do atual parece exceder-se lhe na mesma
estrada.
2 – Mas, assim como o homem, a sociedade tem intermitências, que parecem
anunciar certos momentos de loucura, nos quais a modo que a humanidade retrogada
na sua marcha providencial para as regiões inf ini tas do porvir. (sic)
3 – Vamos hoje manchar a alvura imaculada deste papel, de duas maneiras; em
geral, com a t inta com que traçamos estes caracteres, em part icular com um dos
assuntos por eles descri tos.
4 – Se a dúvida absoluta foi o caráter singular do século passado, disséreis que o
desejo de acumular r iquezas, a divinização do dinheiro é o sinal característ ico da
era em que vemos, e para este f im todos os meios são julgados bons.
5 – Temos para nós que neste caso, a sociedade se afasta da verdadeira regra, e se
torna tão frági l como o metal que ela adora.
6 – O poder por mais enérgico que seja não a salvará, e alguém já disse: um povo
sempre mereceu as inst i tuições que lhe convêm.
2 5 5
7 – A velha Europa cede desmesuradamente ao gosto desenfreado das r iquezas,
adquir idas da maneira mais fáci l .
8 – De que servir ia ocultar esta chaga? Não se torna ela todos os dias mais larga e
mais sangrenta? Não é verdade que, ao lado das grandes cousas que se observam
todos os dias, na guerra e na paz, observa-se também um tr iste espetáculo: a
especulação e a usura?
9 – Como dizíamos ao começar , há para as sociedades, assim como para os
indivíduos hora de crise, de febre, de abatimento, de corrupção , mas voltando para
os preceitos traçados pela razão, lutando contra o mal, não com remédios
desconhecidos e novos, mas com os velhos remédios da probidade, do exemplo, da
moderação, de todos os sentimentos nobres e elevados, um povo pode refrescar a
sua alma como no batismo, e subtrair -se às seduções e torpezas das paixões
vulgares e degradantes.
10 – As enfermidades morais se curam como as outras: se pode sair, sob salutares
inf luências, das más incl inações para as boas, dos gostos que depravam para os
gostos que elevam, do culto falso para o verdadeiro, do abatimento para a honra: a
consciência públ ica que se enfraquece nunca pode operar estas curas.
l l – A civi l ização material tem sem dúvida sua grandeza, e desconhecer este fato,
fora mostrar uma razão acanhada e ingrata, e esta grandeza se pode real izar sem
corrupção.
12 – A r iqueza pode servir de alvo à vida de certos homens, não tem para as almas
elevadas os atrat ivos da glória, tão pouco tem as doçuras int imas e incessantemente
renascentes que dá a piedade e a pureza, não eleva o espír i to às regiões superiores,
onde as conduz o sentimento da verdade e a adoração das belezas intelectuais, mas
quando se procura esta r iqueza honestamente, ela impõe ainda deveres dif íceis, e
exige qual idades preciosas, está como que colocada na extremidade de uma longa
estrada que é a imagem do trabalho, e o trabalho enobrece tudo.
13 – Quando ele se apl ica à matéria, desenvolve as forças do homem, e mantém a
saúde e dupl ica-lhe o vigor: em todas as coisas engrandece o espír i to e melhora o
coração.
14 – Por um fato, que deixa ver cabalmente que a Providência Divina quis fazer do
trabalho uma lei , ela parece fort i f icar aqueles a quem ele enriquece, contra os
perigos e as seduções da r iqueza adquir ida; torna precioso os frutos do trabalho, e
dá ao mesmo tempo, a dignidade e a fortuna.
15 – Aquele que num comércio honesto e laborioso acumula r iquezas, é út i l a si e
aos outros.
2 5 6
16 – O art ista que produz obras primas as quais o gosto dá grande valor torna-se
i lustre e r ico ao mesmo tempo; o homem cujo talento descobre e cuja paciência
apl ica processos que dominam a natureza e mult ipl icam os produtos merece
igualmente a fortuna e a obtém sem corrupção; o mesmo acontece com o banqueiro
que empalidece sobre os l ivros e que junta a assiduidade à exatidão, às fadigas que
o seu estado lhe causa: em suma, a r iqueza é honrosa quando vem do trabalho
17 – Com esta origem, ela não tem os numerosos vícios que se encontram, quando é
devida ao acaso, excita o respeito ao mesmo, tanto quanto a inveja; não corrompe
habitualmente nem o possuidor, nem aqueles que o cercam.
18 – Aquele que honesta e laboriosamente a tem adquir ido não a dissipa em
escândalos, porque ela tem o cunho da fadiga e das vigí l ias, não se expõe a perdê-
la, porque sabe que para ganhá-la é preciso trabalho e tempo! Aquele que a recebeu
dos seus, também não a prodigal iza porque sabe que ela envolve recordações e
deveres.
19 – O homem que pode confessar a r iqueza que recebeu ou que ele próprio
adquir iu, não experimenta o fr ívolo desejo de mostrá-la em todas as coisas;
derrama-a à medida das suas necessidades, apl ica-a às empresas honestas, emprega-
a em nobres culturas.
20 – Não se esquece nunca de que ela é para os f i lhos um exemplo assim como um
patr imônio, e se as necessidades do futuro não lhe prescrevem que poupe o
supérf luo, ele a reparte com os infel izes.
21 – Se, pelo contrário, procura-se e encontra-se a fortuna no acaso, ela perde todos
os seus caracteres, que tornavam tolerável, dissipa-se loucamente e cr ia esse luxo
pernicioso que parece al imentar vícios, que causa piedade aos homens intel igentes e
de gosto, corrompe o mundo sem ter o atrat ivo da verdadeira elegância.
22 – Adquir ida e aumentada por injust iças, como por exemplo, por meio de usuras,
semelhante fortuna não merece proteção alguma, e os seus possuidores fraudulentos
e efêmeros não podem ser defendidos. Todavia são defendidos sob uma forma
vulgar, e, como se exprime certo escri tor, os seus advogados dizem em esti lo de
mercador, que convém deixar que o comércio progrida.
23 – Mas é a agiotagem que se deve perseguir, e não o movimento dos capitais em
grandes e benéficas empresas; não convém combater os grandes industr iais, diz um
economista i lustre, devem-se combater os manejadores de dinheiro; são eles que
corrompem até a especulação; enriquecem sem nada fazer; atraem para a
especulação o dinheiro e as consciências.
NOTA
2 5 7
(1) Apesar de assinar Abdalah-el-Krat i f o escri tor é Antônio Rangel Torres
Bandeira.
24 – O mal social que causam é incalculável, e embora digam o que quiserem, não
fazem bem algum. A verdadeira indústr ia não tem necessidade deles, salvo se ela
tem necessidade de fraude e de mentira. Não acrescentam nada ao crédito.
25 – As suas operações não melhoram empresas, são as suas manobras que fazem
subir e descer sucessivamente, como numa máquina de prest idigi tação, o nível dos
valores.
26 – Fazem ainda maior mal, provocam o abandono da terra que não tem somente a
vantagem de conter tesouros que abre ao trabalho, e que dá ainda àqueles que a
procuram e cult ivam alguma cousa da sua sól ida e fecunda natureza, que não
enriquece num dia, mas cuja r iqueza tem uma como certa nobreza que a realça e
aumenta-lhe o valor.
27 – Enfim, a especulação destes indivíduos empregou em seus interesses homens
de todas as prof issões e de todas as carreiras, é em favor do maior tr iunfo dos
corruptores introduzidos em muitas casas, mostrando à propriedade terr i tor ial que
val ia e produzia mais do que ela, deixando ver
aos trabalhos do espír i to as suas imensas receitas ao lado dos seus estéreis
esforços.
28 – Por milhares de seduções, tem ela arrolado muita gente, dizendo simplesmente:
vem especular; dou r iqueza sem trabalho, mas não acrescentando , o que é verdade:
comigo, quando alguém não se arruína, aumenta o talento, prospera sem mérito.
29 – Algumas pessoas já se têm levantado contra este vergonhoso despotismo, mas
para o fazer, tem-se empregado uma paixão que não parece que nem sempre é pura,
e nas causas que se têm apresentado há injust iças que têm diminuido a força das
outras.
30 – Cumpre repreender uma sociedade que se descarrea como se repreendem as
crianças, com uma ternura que adoce a censura e faça penetrar o conselho. Importa
também pôr, tanto quanto for possível , o peso de uma vida exemplar na crí t ica dos
outros.
31 – Nestes últ imos tempos, as classes médias não têm procurado bastante a sua
força na dignidade dos costumes, na probidade do proceder, no exemplo do trabalho
e na conquista laboriosa destes privi légios do exemplo, o único que elas possam ter,
e é porque elas têm faltado aos seus deveres, que as turbas são sacri f icadas,
devoradas por esta febre de interesses, de apeti tes, de gozos e de especulação, que
2 5 8
dá grande impulso ao progresso material , mas que tem os corações enfermos e as
almas enfraquecidas.
32 – Por outro lado, a lei tem sido até hoje vencida pela agiotagem, e reduzida a
este papel, o pior daqueles que ela pode ter, de exist ir , apesar da sua derrota, e
viver sem governar.
33 – Os agentes de câmbio criados para dar às negociações sér ias a garantia do
segredo e a do respectivo caráter, avi l tam as suas funções em operações f ict ícias e
prestam o seu ministér io a especulações escandalosas.
34 – A honra e a lei proibem-lhe isto, eles o fazem impunemente, elevam a
agiotagem ao apogeu; incorrem nas penas mais graves, mas em vez de cast igo,
encontram benefícios enormes. São mais fortes que a lei . Há para eles privi légios
nos países, que os têm abol ido, até aqueles que se concediam a quem derramava o
sangue nos campos de batalha.
35 – Assim o desejo de acumular r iquezas em pouco tempo, e sem grande
dif iculdade, é a paixão dominante, o caráter geral da sociedade presente. Todos os
meios são bons: até o homem serve de instrumento passivo para esta conquista.
36 – A época da glori f icação do dever, do reconhecimento comum da espécie parece
que ainda está longe. Ainda se observam as lutas da sol idariedade e do
individual ismo, e o tr iunfo ainda é duvidoso.
37 – No Jornal inglês European Times, de 8 de julho deste ano lê-se uma notícia
que parece confirmar estas considerações gerais.
38 – “A Gazeta da manhã”, fundada por Mr. Charles Dickens que sempre tem sido
assinalada por tendências l iberais, diz o European Times, chama a atenção públ ica
sobre um fato que ele denomina uma nova fase de tráf ico de escravatura.
39 – “Segundo esta autoridade, o governo francês celebrou um contrato com uma
casa comercial de Marselha para o suprimento de 10.000 negros para Guadalupe e
Mart inica, e dizem que este contrato já foi assinado pelo ministro da marinha e pelo
ministro dos negócios estrangeiros em França, e pela f irma da casa de Marselha. O
contrato foi celebrado a 13 de março próximo passado.
40 – “Eis aqui as est ipulações: dentro de t rês anos e se for possível, em menos
tempo, 5.000 afr icanos devem ser remetidos a Guadalupe e igual número a
Mart inica, os quais deverão ser engajados por dez anos com o salário de doze
francos e cincoenta centésimos por mês; deste salário o negro deve descontar dois
francos mensalmente para o pagamento da despesa que se houver fei to com o seu
transporte.
2 5 9
41 – “Grandes navios a vapor deverão ser empregados em conduzir os negros da
Áfr ica para os estabelecimentos franceses, os proprietários receberão § 20 pela
passagem de cada colono negro. Dizem que já part iu um vapor.
42 – “O nosso contemporâneo considera isto como a renovação do tráf ico de
escravatura.
43 – “Até agora dizem que nenhuma restr ição é imposta aos contratadores; podem
fazer as suas operações em toda a costa da Áfr ica ocidental, exceto nas possessões
inglesas; obterão os negros onde e como puderem; tudo quanto o governo francês
aspira é a chegada dos 10.000 afr icanos às colônias, onde deverão ser condenados
ao trabalho por dez anos, mediante menor salário por um mês do que o valor atual
do trabalho por uma semana nas possessões bri tânicas.
44 – “Se é uma renovação do tráf ico da escravatura” podemos somente dizer que
desejamos cordialmente que o governo inglês siga o exemplo que foi dado pelo
imperador dos franceses.
45 – “Se os proprietários de fazendas em nossas colônias tropicais alcançassem o
mesmo privi légio, veríamos em breve o incremento de prosper idade nas índias
Ocidentais – mais açúcar, algodão, café, em uma palavra tudo quanto o povo
precisa, ao passo que a condição do próprio afr icano seria admiravelmente
melhorada em comparação do bárbaro estado em que existe no seu próprio solo.
46 – “presentemente, os nossos infel izes colonizadores são obrigados a conduzir os
emigrantes das índias Orientais com enormes despesas. E as horríveis cenas e a
mortal idade durante a viagem excedem a tudo quanto costumamos ler a este
respeito”.
47 – Esta notícia não foi bem acolhida na Inglaterra. Embora o European Times
deseje que o governo bri tânico imite o exemplo dado pelo imperador dos franceses,
Charles Dickens, o i lustre l i terato inglês, opõe-se à idéia, considerando-a como a
renovação do tráf ico da escravatura; Lord Brougham também censurou-a no
parlamento, e Lord Claredon, respondendo-lhe, “declarou que o governo francês
pretende tomar todas as seguranças possíveis contra abusos no plano da emigração
negra que foi proposto, e disse que concordava com Lord Brougham em que
qualquer plano teria uma tendência para reviver o tráf ico da escravatura”.
48 – Entretanto, parece que a colonização afr icana que a França pretende real izar,
encontra simpatia na pessoa de um dos membros do gabinete de S. James. No Jornal
que acima citamos lê-se o seguinte a este respeito!
49 – “Emigração para a Guiana inglesa: “Em resposta a Mr. Thomas Baring, Mr.
Labouchere reconhece a importância de oferecer facil idades à emigração para a
Guiânia inglesa, e manifestou a crença em que está de que o açúcar poderia
2 6 0
aumentar tão proveitosamente pelo trabalho l ivre como pelo trabalho escravo; mas
julgava necessário que o emigrante fosse um agente l ivre; que se prescrevessem
garantias para que ele fosse convenientemente tratado na passagem; que não fosse
vít ima de um sistema interno de escravidão; e que houvesse um número igual de
ambos os sexos conduzido à colônia. Mediante tais condições, foi sempre o seu
ardente desejo, desde que ocupou o cargo de secretário das colônias faci l i tar a
emigração para as colônias”.
50 – Com efeito, também temos para nós que a colonização afr icana pode ser a
renovação do tráf ico da escravatura, e se nas colônias francesas ela desperta tantas
apreensões,entre nós seria uma calamidade: um verdadeiro mal.
51 – Se hoje, no estado atual da civi l ização da Europa o elemento bárbaro seria
impotente para fazer conquistas, numa sociedade nova como a nossa, encontraria
faci l idade para se desenvolver. É este um dos maiores inconvenientes que nos
resultou da introdução de afr icanos no solo brasi leiro.
(Continua, com outros assuntos, como consta no tí tulo).
Folhetim: A Carteira, Diário de Pernambuco, Recife, 10/08/1857.
Anexo 28
27 de novembro (1)
1 – Enquanto a noite vai passando si lenciosa, aproveitamos alguns momentos para
esta espécie de diversão l i terária, que tanto custa ao pobre escri tor, na si tuação
forçada de folhet inista que é a pior de todas as situações possíveis. Façamos hoje
por conci l iar, em termos que se entendem, essas duas grandes condições de quase
todo trabalho do espír i to, que o célebre autor da famosa epístola aos Pisões tanto
recomendava, com especial idade aos poetas. Desde aquela época sentia-se já o
quanto é necessário harmonizar, em obras de arte e em coisas de l i teratura, os dois
graves princípios da ut i l idade e do recreio, de cuja exata compreensão tanto se
apartam, e que os reformadores frenéticos das et iquetas clássicas, e dos r i tos
sacramentais da velha escola poética, tanto desconhecem, ou tão barbaramente
maltratam. Tinham razão de sobra os nossos antecessores, porque mais do que nós
em muita mina de ouro f iníssimo cavavam e escavavam eles de dia e de noite, e não
poucas vezes criavam e fantasiavam muito, sem outro molde ante os olhos que o
natural e o verdadeiro , sem outro diretório a seguir além do gênio e do gosto
l imado e pol ido.
2 – Divaguemos, pois, em palestra ínt ima com os nossos amigos de mais ínt imo
trato, com esses que lêem e estudam, que r iem mas que meditam, que folgam ao
2 6 1
luar, ao som vago das harmonias do oceano nas horas mortas e não pouco
inspiradoras de muito pensamento vivo e profundo, mas que também sabem penetrar
no seio das ideal idades subl imes, e olhar para o mundo real através de um prisma
bri lhante e por entre os mistérios del iciosos da criação e da natureza.
3 — Será um devanear de art ista, ou um estado severo de f i lósofo? Nem uma nem
outra coisa: É um passeio pelo mundo, a correr sempre, a voar com rapidez aqui e
al i , sem ter foros de publ icista, nem de economista, nem tão pouco de orador ou
mesmo de poeta: – é o escrever duas l inhas para não perder o hábito de pegar a
pena, é o ser folhetinista para fabricar um folhetinzinho magro, – raquít ico, e, por
ventura, sem sabor e desgracioso! Que modéstia não é a nossa.
4 – Parece-nos ouvir a algum cri t ico a condenação explíci ta do nosso proceder nesta
ocasião: cr i t ique-nos embora, muita paciência temos nós para ouvi-lo e ouvir a
tantos que, não fazendo nada, esperam e exigem que os outros façam tudo.
Prometemos divagar: cumpramos a promessa.
5 – Diz-se por aí mui enfat icamente que o mundo vai às mil maravi lhas, que a
sociedade caminha em tapete de f lores, que a civi l ização estende-se por toda parte
com grandíssimo aparato de inst i tuições benéficas, de melhoramentos de
associações úteis e humanitárias, de imensos focos de i lustração substancial e
prodigiosa. Tece-se todos os dias o mais pomposo elogio ao espír i to progressista da
nova era, entoam-se hinos à l iberdade e à fraternidade dos povos, mostra-se com o
dedo no mapa das nações cultas, o resultado precioso das belas conferências
diplomáticas e dos tratados de sumo interesse polí tico. Fala-se muito em vias
férreas, em telégrafos elétr icos, em navegação a vapor, em i luminação a gás, em
reformas industr iais e f inanceiras; em milhares e milhares de novidades que se
antolham como precursores de futuros esplêndidos e magníf icos. Pela nossa parte,
sem rejeitar o princípio do progresso, porque acreditamos na perfect ibi l idade
humana, sob condições de l imitação mui natural e eminentemente razoável, cremos
que o século tem muito de prosaico para merecer a honra de ser cantado em poesia
de sentimento e de inspiração fecunda. É muito para apreciar nesse movimento
rápido e ascendente que vulgarmente se chama civi l ização: t í tulos de sobra existem
por aí para convencer-nos de que o plano é outro, mais fáci l , mais regular até certo
ponto, mais conducente à prosperidade material das nações e dos povos; mas a
sociedade que vive do espír i to e não só do pão corpo, a sociedade que renasce
quase sempre após uma grande série de gerações, mais vívida e esperançosa do que
antes, vê-se no século atual como em um circulo de ferro, numa luta, numa reação
constante, com o pensamento a remontar para o céu, e com os olhos pregados no
posit ivismo de uma real idade esmagadora e cruel. Dir-se-ia talvez, que as utopias
vão fascinando o folhet inista, para condená-lo em vida à desesperação de um futuro
melhor: não há nada disto.
6 – Fi lho deste século, pertencemos a ele irrecusavelmente: vemo-lo nas obras que
o representam, nos interesses que o simbolizam, nos t ipos superiores que vaí
2 6 2
criando em seu caminhar comum, em seus arrojos f i losóficos, em seus cálculos
industr iais, em suas operações mercantis, em seu material ismo e até no seu
espir i tual ismo todo especial e novo. Sem renegar a esperança que nos fala mui alto,
sem perder a crença que desde muito depositamos na marcha providencial dos
acontecimentos grandes e poderosos, temos apreensões sérias de que a vida
espir i tual e moral da sociedade modema se vá a definhar e a acabar, talvez, numa
dessas enfermidades tenazes e perigosíssimas que a própr ia f i losofia tão
indiferentista para com a sorte da humanidade chama com o nome de
indiferentismo. Aventuramos mais: – cremos que a dominação do egoísmo pessoal,
individual e concentrado tem hoje suas honras de salão e seus encantos bem
poderosos.
7 – Embora as associações formiguem, embora as classes operárias respirem mais
l ivres de um jugo pesado e mort i f icador que a l iberdade da indústr ia e a
concorrência necessar iamente lhes destruíram, há aí mesmo, nessas associações
formadas, mais um culto de individual ismo material e estéri l , do que o cunho de
uma verdadeira fraternização. Lavra em grande escala a febre da agiotagem
devastadora e furiosa; os capitais central izados e monopolizados af luem somente
para melhoramentos materiais, e a civi l ização que se aplaude tanto e que tão
entusiast icamente se preconiza corre posit iva e calculada, sob uma atmosfera de
carvão de pedra, por c ima de vias férreas, em telégrafos e em combinações de mero
industr ial ismo. Para as classes que mais precisam de trabalho e de animação há-os,
presentemente de modo que as possam isentar de todo o r isco de uma situação
aterradora? Respondam economistas e f i lósofos; respondem por outro lado o bom
senso e a verdade do homem prát ico e f i lantropo.
8 – Vai este século tão precipitado por esses carr is impetuosos com que o
industr ial ismo nos estruge os ouvidos, que a maioria ou, quando não grande parte
do gênero humano parece compreender nisto unicamente a fel icidade públ ica e
privada. Não pensamos assim: – instrução para nós é coisa diversa de educação; e
se não há oposição nos termos, assim como não há nas idéias que eles representam,
há, todavia um grave inconveniente em considerá-las a mesma coisa, em identi f icá-
las ou confundi-las. O progresso material é condição bem val iosa e importante para
a conquista da moral ização e do saber; mas quando se percorre indefinidamente o
estádio aberto às lutas da matéria, nos combates dos interesses da vida posit iva e
pautada pelos ganhos e pelas perdas na praça públ ica, nem o espír i to se anima subir
até onde pode, nem o coração pode expandir-se e cult ivar-se como deve.
9 – Aval iamos a civi l ização à luz de dois princípios altamente f i losóficos, a
instrução e a educação; e assim como queremos sempre que o corpo vigore, e as
tendências naturais e prof icuas se lhe desenvolvam convenientemente,assim
quiséramos sempre que o espír i to e o coração encontrassem para seu especial
progresso incentivos ef icazes e estímulos regulares.
2 6 3
10 – Um hábi l economista, o Sr. Cheval ier, disse, além de outras, uma
preciosíssima verdade, quando em seu l ivro da “organização do t rabalho” mostrou
como, dominando a matéria, e aproveitando-a em seus amplos recursos, o homem se
nobi l i ta, e cresce em poder e aumenta em verdadeiro progresso. Outros já o
disseram antes, o pensamento é simples mas profundo; e nós não estamos longe de
aceitá-la em toda a sua legít ima força. Temos para nós que os melhoramentos
materiais, ou aperfeiçoamento nos diversos ramos de indústr ia, os aumentos e
invenções na escala das fontes produtivas e dos instrumentos e recursos próprios a
dar novo impulso à r iqueza e prosperidade das nações, revertem mais cedo ou mais
tarde em benefícios reais para a sociedade que os absorve e recebe, e para o homem
que os estuda e os aproveita. Nem nos ir íamos colocar em tal si tuação hosti l aos
verdadeiros interesses sociais, que desconhecêssemos a grande, a grandíssima
intervenção que tem o espír i to nessa mesma manifestação elevada do progresso
material ; porque em úl t imo resultado, é sempre a intel igência que cria que trabalha,
que produz. Entretanto, nos hão de conceder, por uma vez ao menos, que estejamos
em bom terreno sustentando que o demasiado aferro às elaborações posit ivas do
industr ial ismo vai material izando demais a sociedade, e fazendo entrar no templo
da sabedoria como divindade ou gênio superior o que só era e será sempre
considerado pelo que deve ser meio para a c ivi l ização e não a mesma civi l ização em
si.
11 – Por outro lado, hoje mesmo se reconhece que esta tendência pesada e
material izadora do século se vai estendendo e comunicando a vapor, se é possível
dízê-lo, a todos os pontos das esferas, onde giram ciências, letras e artes. A
f i losofia também vai vest indo hoje à moda das inovações e dos cálculos materiais e
desoladores; e não é por outra razão que espír i tos pensadores e eminentes engenhos
lá procuram reagir na Europa moderna contra os sonhos vaporosos do
transcendental ismo alemão, do panteismo francês, e de centenares de sistemas
extravagantes e que se vão produzindo, e reproduzindo todos os dias. Se nos dão
l icença os lei tores do folhet im diremos que, além de ser a Fi losofia aquela de todas
as ciências que menos talvez tenha feito do que se propusera fazer em prol da
humanidade, é de todas elas a que mais prost i tuída tem sido e vai sendo
presentemente nos próprios centros do mundo civi l izado.
12 – Sonhara Platão em seus momentos de febrici tante entusiasmo uma ordem de
idéias e de coisas que a sua “ Repúbl ica” e o seu “ Fédon” vieram a demonstrar
imprat icáveis; e posto que fosse “divino” e muita gente boa o seguisse, e muito
santo padre o abraçasse como mestre desde os primeiros séculos da Igreja, fantasiou
muito, evaporou-se muito e não fez lá muita coisa pelo gênero humano. Vieram
Aristóteles e Sócrates, Zeno e Diógenes, Pitágoras e Tales, e tantos outros; e
moral istas ou puros cét icos, atomistas ou estóicos, espir i tual istas com o divino
Platão, ou moral istas com o tão humano Epicuro, cr iadores ou plagiadores de
doutr inas alheias, grandes ou pequenas, pouco adiantaram no curso encetado ,
porque combateram, disputaram, formaram escolas, estabeleceram um sistema,
2 6 4
for jaram teorias, doutr inas e opiniões; e tudo veio a dar em luta, em contradições,
em oposições de idéias e de pensamentos.
13 – Marchava então a Grécia em seus formosos dias para conquistar essa glória
admirável que ainda lhe notam antigos e modernos, que ainda lhe soletram nos
monumentos, poupados pelo tempo, viajantes e poetas, que ainda lhe veneram
f i lósofos e l i teratos de mérito. Havia então muito que ver na l i teratura desse povo
civi l izado e amante s incero da l iberdade, que se imortal izara em Salamina, em
Maratona e em Platéa. Riqueza e comércio dos fenícios, segredos astronômicos dos
caldeus e egípcios, sabedoria recôndita dos primeiros e mais antigos povos do
Oriente, os gregos as t inham, as conservaram, e na musa épica, trágica, e l ír ica, e
nos voos arrogantes da imaginação criadora, lá se viam surgir e resplandecer os
mais belos caracteres de uma civi l ização colossal e admirável. Mas, quando Homero
deixou uma“ Il íada” , Hesíodo os seus “ Trabalhos” e os seus “Dias” , Píndaro os
seus poemas heróicos, tão realmente inimitáveis em quase todas as modernas
l i teraturas da Europa; quando a poesia subiu tão fervida nos arrojos impetuosos de
Sófocles e Eurípedes, nos melodiosos gorjeios do cisne de Lesbos e do velho de
Teios; nos vivacíssimos arrebatamentos de Tirteu e Arquíloco ; a f i losofia, tão alta
e soberba, tão animada e possante, contentou-se em combater e em combater passou
todo o seu melhor tempo! Ficaram grandes vestígios de sua soberania, mas os
poetas vivem porque encantavam e encantam, os f i lósofos que podiam instruir e
moral izar, mui poucas vezes fazem uma coisa e outra!
14 – Passemos com o nosso folhet im à cidade célebre dos Sênecas e Cíceros. Al i a
f i losofia teve escolas, e por conseguinte mestres e discípulos; mas assim como na
Grécia, desceu e subiu muito e nunca f icou ao nível da humanidade. A sociedade
daqueles tempos, carcomida pelo sensual ismo e devastada pelo idolatr ia, ah! está
pintada com bem expressivas cores na história e nas tradições coevas; o primeiro
dos f i lósofos, que a não ser pagão seria ainda o maior, teve a sorte dos de Atenas e
do Oriente; e o combate e o contraste das opiniões é ainda o t í tulo único para o
aparatoso l ivro da f i losofia romana.
15 – Deixemos em paz essas memórias dos primeiros tempos; passemos por cima
desses pórt icos e l iceus e academias; f iquem-nos apenas de memória as impressões
vivas das revoluções cientí f icas e l i terárias daquelas épocas e a voo de pássaro
cheguemos à nossa, e olhemos para o presente. Alí , nas doutr inas gregas, orientais
e romanas, ou o espir i tual ismo era incompreensível, inexpl icável, e obstruso, ou o
material ismo era pesado, árido, destruidor e horrível. Ainda lembra, por ventura, a
mais de um pensador o “turpe pecus” da l ír ica romana, e as manifestações
epicuristas e sufocadoras do bom senso, que a alma poética de Lucrécio era forçada
a gravar em traços indeléveis em seu poema f i losófico da “ Natureza das Coisas”.
Mas hoje .. . (do texto). Ora é o cartesianismo, trajando a capricho dos lógicos
emproados, que só tem anátemas para a bela f i losofia cr istã de Santo Tomás, da
escolást ica e da Idade Média; ora é o kantismo, espécie de quinta essência da razão
f i losófica, subti l , capcioso, ideal e visionário, com suas “categorias” e seus
2 6 5
“objet ivo” e “subjet ivo”, casta de l inguagem própria para as cabeças profundas da
Alemanha, que nem por isso são menos sujeitas à loucura e à mania das fórmulas
híbridas e alterosas do racional ismo puro ou disfarçado. Aquela f i losofia de além
Reno que Lerminier tanto macaqueia, que lhe deu matéria para escrever tantas
páginas de pesada e abafadora erudição psicológica até mesmo jurídica; aquela
f i losofia indefinível
que sobe com a razão até Deus, ou desce de Deus até à humanidade nos sonhos de
Fichte, nos delír ios de Hegel, nos paradoxos horríveis de Strauss; lá se acl imata na
França, na Itál ia, na Inglaterra, onde as memórias de Espinoza e Locke, de Berkeley
e Cabanis, de Vanini e Diderot, de Bayle e Voltaire, de Bel inbroke e Hobbes, de
Pope e d’Alembert, a inda são, porventura, apreciáveis, a meia dúzia de espír i tos
fortes. Passou a encic lopédia, mas f icaram os enciclopedistas; foi -se a Revolução
Francesa de 1789, mas f icaram revolucionários e adeptos das teorias funestas
daqueles apóstolos do terror. Hoje o que faz a f i losofia? Cética por capricho, e
carregada de névoa, porque é moda da atmosfera bri tânica e dos amplíssimos
laboratórios cientí f icos da moderna Germânia; vaporosa por galanteria, incrédula
por paixão, panteísta por devaneio, ela é tudo ao mesmo tempo, mas em sua
essência é inteiramente material ista. Há muito quem não se sente à mesa desses
f i losofantes da época, e muita gente há que não comungue os princípios e as
doutr inas excêntr icas desses novos exploradores da ciência humana. A reação
aparece; a transição, porém, terá de ser longa e penosa, e antes que os Venturas, os
Lacordaire, os Montalembert, os Balmes e os Donozos-Cortés hajam reconstruído a
fábrica meio desmoronada da f i losofia deste século, o século irá em seu giro, o
material ismo e o industr ial ismo se irão entronizando no meio de populações
inteiras, e o panteismo e o protestantismo se difundirão precipitados em tantos
monumentos da devassidão intelectual e moral.
16 – O que faz o eclet ismo? Enroupa-se com as vestes dos mitos orientais, põe-lhe
por cima o manto platônico, arma-se da clava do espinozismo, toma o ar categórico,
imitando ao mestre de Könisberg, mune-se das visões de Hegel, de quem plagia com
gosto, percorre assim apavorado todos os grandes círculos do mundo f i losófico,
falseia a história, amesquinha o papel da razão humana, querendo emancipá-la do
jugo da revelação e da fé, e por últ lmo contradiz-se miseravelmente. O Cousin que
escrevera o “ Curso da História da Fi losofia”, que traduzira Platão, que afrancesara
todo o oriente e todo o ocidente em matéria de f i losofia, escreve “o Bom, o Belo e
o Verdadeiro”, e condena-se antes de o condenarem. Jouffroy ideal iza dogmas para
derrocá-los como castelos de cartas; faz uma revelação a seu jeito, profet iza a
queda do reinado dogmático , e tem a gravíssima seriedade de mostrar como se
acabam esses princípios eminentemente profundos da razão catól ica.
17 – Não pensaremos bem, quando dizemos que esses são os representantes
legít imos da época luminosíssima em que vivemos, deste século que, em vez de ser
idade de ouro, como parece que devera ser o século das luzes, é idade de ferro?
Assentamos que não é somente ferro o que osci la nas l inhas telegráf icas, o que se
balança no vapor, o que se entranha por debaixo dos mares, o que produz milagres
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pela força reunida do magnetismo e dos prestígios da química e da física; também é
ferro tanto sistema que por aí vai, tanta teoria material ista, tanta f i losofia
antihumanitária e mesmo anti f i losófica, de que por toda parte se vai fazendo tanto
alarde.
18 – Que papel está reservado ao publ icista, ao economista, ao jur isconsulto que sai
de tais escolas ou que aprende nelas? Desde os rasgos incomensuráveis do
comunismo, que também por sua parte plagia, e muito, até os social istas puros e
genuínos; desde os fatal istas tenebrosos até os ateus diretos ou dissimulados; há
uma escala de r imadores pelo mesmo tom, de contrapontistas pelas mesmas regras,
de pregadores pelo mesmo tema. Al i está Luis Blanc, com seu patr iót ico e
humanitário sistema de organização do trabalho: o que fez ele? destrói a
concorrência porque não presta para nada, coloca exclusivamente nas mãos do
governo a sorte e o desenvolvimento das classes laboriosas, mata a indústr ia que
não vive na sua organização senão a vida do oprimido e do acabrunhado pela
prepotência do senhor, quase déspota. Aquele outro quer, como Fourier, a
desenvolução dos princípios atrat ivos e simpáticos ; forma, talvez, uma nova escala
de paixões e de interesses que legit ima e revolve a sociedade até os ínt imos e
derradeiros fundamentos. Outro proclama o fatal ismo histórico e o l ivro da
“Humanidade” de Pièrre Leroux é para um pensador desta ordem um guia infalível,
ou antes, um tesouro inapreciável. Não concebe, entretanto, que assim destrói a
humanidade colet iva pela humanidade individual, e acaba por fazer à própria razão
humana o maior, o mais posit ivo, o mais violento insulto.
19 – Em boas se foi meter o folhet inista! dirá muita gente que ler este art igo; mas
respondemos com a palavra sincera do escr i tor sincero e consciensioso. Também é
dado ao rabiscador do folhet im subir até onde pode tomar fôlego; e uma vez que
não lhe falece a respiração, continua o caminho. Escrever em l i teratura, – cremo-lo
nós – não é só escrever poesia, romance, variedades etc.; o domínio das letras
humanas é imenso e para apreciar um pouco o século atual, o folhet inista não julga
que lhe seja proibido correr a vôo de pássaro por sobre as escolas e os sistemas,
que se apraz de averiguar em sua peregrinação l i terária, art íst ica e cientí f ica.
20 – Nós que assim pensamos sobre os pensadores desta época e desta civi l ização
para o material ismo, porque se modela em quase tudo pela sua capital idéia, que é o
industr ial ismo, somos o mesmo que noutra ocasião já temos feito propósitos
soleníssimos de guerra aberta às extravagâncias e exagerações do pensamento.
21 – Em crít ica l i terária, queremos o homem que fala com saber, cr i tér io, bom
senso e gosto apurado: e por que não havemos de querer em f i losofia o pensador,
antes austero do que frívolo, antes rígido e árido do que efeminado e adamado?
inimigo do romantismo extremado, somo-lo também do que para nós é romantismo
f i losófico, ou, disséramos antes, cientí f ico e social. São vaporizadores – permitam-
nos a frase própria e sui generis – os que se nutrem de quimeras, ou as propalam,
seja em que país for, e debaixo de qualquer signo que seja: – e para prova de que
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não vamos errado, concluiremos esta parte com o pensar escri to de um homem, da
grande repúbl ica l i terária e cientí f ica de hoje. Tem esta ci tação a vantagem de ser
de Proudhon, f i lósofo, economista, e tudo quanto se queira que ele seja em a nova
ordem de coisas em França, sob a relação puramente cientí f ica. Julga a f i losofia em
geral aquele que com tantos outros a tem deturpado e corrompido aquele que disse
algures que a existência de Deus é uma hipótese, que a rel igião tem sido a causa da
relaxação da sociedade, que a propriedade é um crime, que a famíl ia está nas
expensas de cada um pelo laço de mútua espontaneidade natural.
22 – “A f i losofia, diz Prondhon, é o movimento do espír i to para a ciência, com o
si logismo por método, e ela não é a ciência nem espécie alguma de ciência. Por isso
nunca pôde, apesar dos esforços dos seus adeptos, nem determinar seu objeto, nem
circunscrever seu domínio, nem criar um método: ela permanece, mau grado as
declamações dos modernos eclét icos, sob o império do si logismo, e colocada fora
da observação e da expediência. O que tem ela produzido em diferentes partes do
domínio que se atr ibui , nada é; o que sabe de mais posit iva, recebe-o de fora, o que
pretende produzir é cópia ou plagiato”.
23 – O que dirão agora os que lerem esta t i rada semif i losófica num trabalho que só
requer ameníssima l i teratura em conversação folgada e prazenteira? Digam o que
lhes aprouver, aval iem de nosso proceder como lhes for mais conveniente; o certo e
o que lhes podemos asseverar é que ainda neste ponto não f izemos mais do que
seguir as nossas ínt imas idéias e convicções; e nem pensamos que seja este objeto
alheio à missão toda l i terária e crí t ica do folhet inista.
24 – Eis como sinceramente pensamos sobre as coisas deste século, pelo que diz
respeito principalmente à f i losofia. Não que neguemos a quem quer que seja o nome
de f i lósofos, só porque não pode esposar nossos pensamentos; fora rematada
loucura. Cada um siga a doutr ina e o sistema que lhe parecer, f icando-lhe salvo o
direito de sustentá-lo ou não quando e onde bem lhe agradar.
25 – Se o que dissemos ofendesse a alguém digno de lást ima, fora impiedade; se
agravasse aos poetas, isto é, aos bons poetas, seria imperdoável, e fal ta de gosto; se
se dir igisse como insulto às classes tão nobres em que se acha dividida a sociedade,
fora injust iça; mas sendo relat ivo à f i losofia e a f i lósofos, tudo quanto expendemos,
não há receio de mínima ofensa. A razão é óbvia. Nós não queremos que se nos
tome por inimigo da f i losofia, da verdadeira e sól ida f i losofia, que faz tanta honra
aos que a professam como qualquer outra ciência, de cujo desenvolvimento se possa
deduzir a mais incalculável ut i l idade. Somos, sim, inimigos da falsa e perigosa
f i losofia, que, ministrada em l ivros de papel assetinado, e escri ta em esti lo
fascinador, perverte com uma rapidez incrível os espír i tos menos experientes e
contamina todos os corações humanos.
26 – Aos verdadeiros f i lósofos, saudação e respeito profundo: aos f i lósofos, quem
nos veda de os ir apreciando tanto quanto couber em nossas forças? De mais, eles
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que tanta coisa dizem e com tanto desembaraço e l iberdade, não estão muito
habi l i tados para exigi r que deles se não diga coisa alguma. Se eles perturbam a
sociedade, pregando doutr inas subversivas e detestáveis, não há mal nenhum em
censurá-los; há nisto muito bom direito, e todo aquele que o puder fazer que o faça.
27 – O nosso f i to foi bem simples: – mostrar que a sociedade na época presente não
marcha tão às mil maravi lhas como dizem muitos, ou antes que este século é mais o
século das combinações e dos cálculos materiais, e dos melhoramentos desta ordem,
do que de verdadeira c iví l ização, à luz da moral e da história.
28 – O caráter da moderna f i losofia, na máxima parte dos seus apóstolos, é
modelado por esse espír i to material ista da época ; e se o folhet inista conseguiu
provar o que a tal respeito pensa, e de que está int imamente convencido, já não fez
pouco. Ao menos valha-lhe isto para compensá-lo do muito que há de sofrer de
crí t icas e f i lósofos abastardados e i legais.
Haverá f i lósofos deste jaez? Há-os de sobra, e o folhet inista só pede a Deus que o
l ivre de semelhante casta de gente.
Abdal lah-el-Krat i f .
Folhetim: A Carteira, Diário de Pernambuco, Recife, 29/11/1858.
Anexo 29
27 de agosto de 1859
À memória de um amigo. – Uma saudade –
O que é a vida em geral? – O que é a vida humana?
A questão resolvida pela teologia catól ica.
1 – Escrevemos hoje sob a impressão de uma dor profunda. A nossa missão, porém,
com ser dolorosa numa ocasião destas, não deixa de ser nobre e subl ime. A amizade
tem suas leis supremas, seus deveres imprescri t íveis; e o coração agita-se
espontâneo, quase por um movimento inst int ivo, toda a vez que um sentimento
ínt imo o vem tocar de perto.
2 – O prazer desperta-se natural, quando a alma se expande na efusão de júbi lo,
quando rebenta-lhe do seio a torrente dos gozos, das delícias puras e suaves; mas se
a mágoa domina lá dentro, é à própria natureza que convém pedir a razão dela.
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3 – Ontem era, talvez o r iso que transluzia nas faces do homem; hoje é o pranto que
se lhe desata dos olhos: um dia ele foi divagar por um jardim ameno e pitoresco,
eram as f lores novas que o entret inham, que o deleitavam de sobra: noutro dia ele
cruzava melancól ico o vasto recinto de um cemitério, via em torno de si algumas
f lores secas, alguns arbustos desbaratados pelo sopro da tempestade, l ia algumas
páginas de edif icante eloquência no metal e no mármore, e parava si lencioso diante
de um cadáver que ia ser dado à sepultura!
4 – Ao primeiro aspecto, rompia-lhe dos lábios um como hino de ternura e de
inefável encanto: ao dar com os olhos no segundo quadro, a l inguagem despontava-
lhe trêmula, sentimental, misteriosa; porque era a poesia simples dos afetos que
desabrochavam do fundo do peito, modestos mas graves.
5 – Que se dir ia então das lágrimas se a amizade as f izera brotar num dia de luto,
em hora de recordações tão solenes e amargas? Que se pensaria da frase singela em
que se revelava uma pena acerba, à luz do santuário, no si lêncio dos túmulos, pela
memória de um amigo, e na presença de amigos que também se interessavam por
ele?
6 – Há perguntas a que somente o coração pode responder E assim é o mundo!
7 – São passados apenas oito dias depois que anunciamos a continuação deste nosso
trabalho, em substi tuição ao est imável colega, cuja fal ta mal supríramos durante
oito meses, e que pouco antes se apresentara de novo ao públ ico, possuído de
algumas esperanças animadoras, meio al iviado da luta imensa que travara com uma
enfermidade tenaz.
8 – Era do lei to onde o ret inham ainda os sofr imentos, onde ele dif ici lmente
repousava o corpo cansado de tanto padecer, que ele ditara essas páginas em que
transpareciam para conosco tantas mostras de part icularíssima est ima e de honrada
consideração. Era o amigo que traçava o seu folhet im, e que longe estava de supô-
lo o últ imo esforço de sua intel igência, o derradeiro rasgo de sua imaginação, a
expressão extrema do seu culto pelas letras!
9 – Nós que o auxi l iáramos até al i , corremos de novo ao nosso posto de cooperador
sincero: – a cruz tornar-se-ia para ele menos pesada, uma vez que a molést ia
progredia já espantosa e acelerada, após uma breve pausa que se antolhara para
todos verdadeira melhora.
10 – Escrevíamos em 20 do corrente, a Carteira, porque o nosso amigo estava na
impossibi l idade de fazê-lo; e a 21 ele não pertencia mais a este mundo!
11 – Vimo-lo nesses poucos momentos que lhe restavam: lutando braço a braço com
o mal que já o acomet ia com desmedida violência: vimo-lo então vergar sob o peso
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dos padecimentos, e f inalmente para sempre, mau grado as tentat ivas reiteradas da
arte , mau grado as di l igências e as aspirações de todos.
12 – No dia imediato o seu corpo inanimado era conduzido, do pequeno templo
onde se lhe f izeram as últ imas cerimônias rel igiosas, para o jazigo que devia
recebê-lo; e a turba numerosa dos amigos acompanhou o até esse lugar, onde se ia
fechar , de uma vez para esse f inado o l ivro da existência neste mundo.
13 – Não era o grupo de espectadores curiosos que se detêm por espír i to de sistema
ante o painel sempre signif icat ivo de um enterramento; aí havia mais do que
simples cortesia: o homem que descia então para as sol idões da sepultura era um
f i lho do povo, pobre de recursos, mas r ico de talento; e os i lustres personagens que
prezaram na vida o homem de intel igência e de mérito não lhe voltaram as costas
depois que a morte arrebatou-o do meio deles.
14 – Não! Antônio Pedro de Figueiredo vivera na pobreza, arcara por vezes com a
adversidade, combatera indefeso nas l ides generosas do saber, arrojara-se impávido
pelo mundo das letras, inscrevera também o seu próprio nome nas memórias do
jornal ismo, estudara com satisfação e provei to, e conquistara, sem dúvida, conceito
e reputação bastantes para que se possa falar dele com honra.
15 – Nascendo no seio de uma famíl ia honesta, ele se achou bem depressa
contrariado em seus legít imos intentos; escasseavam-lhe os meios para levar a
efeito aspirações tão justas, quanto subl imes: sobrava-lhe, porém, a energia de
alma, a força dos próprios sentimentos; e ninguém mais do que ele soube quanto
vale a perseverança, a dedicação, a tenacidade de uma vontade que zomba das
circunstâncias, que antevê, através das sombras de um presente pouco l isonjeiro, o
vulto esplêndido de um futuro que a del icia.
16 – Figueiredo sacri f ica-se ao estudo; e se a Providência negou-lhe a opulência e
os tesouros que faculta a muitos outros, abriu-lhe fontes mais abundantes e pôs-lhe
diante dos olhos tesouros mais preciosos e dignos de maior est ima.
17 – Como é belo o tr iunfo alcançado pelo talento! Por mais que digam o contrário
esses que se deixam rastejar ignorados no tropel dos adoradores da matéria, há para
o espír i to uma vida de gozos inexprimíveis, há para a intel igência uma coroa
sempre viçosa e perfumada, há para o homem de mérito uma glória imorredoura.
18 – Se ao amanhecer-lhe a existência neste mundo ele não se viu rodeado dos
encantos da púrpura ou do ouro ; se desde esses primeiros instantes não se lhe
desdobraram formosas e deslumbradoras as tapeçarias de uma sala elegante, as
alfaias custosas de um palácio magníf ico, as suntuosidades de uma habitação
aristocrát ica, nem por isso definhará no opróbrio e desaparecerá esquecido, esse
quem quer que seja, para o qual a natureza foi pródiga de seus dons mais subidos e
apreciáveis. E que há aí mais interessante que a vitór ia assinalada do engenho sobre
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os cálculos posit ivos e estúpidos da matéria?! Onde está a nobreza da legít ima
origem, se não a encontramos no espír i to que se engrandece, à custa de vigí l ias, de
investigações assíduas e de continuo trabalho?! Em que parte iremos procurar os
foros de uma consideração val iosa, de uma sól ida reputação, se a não achamos no
merecimento que se dist ingue, na dist inção que se conquista?!
19 – Por esse lado ninguém conquistou com mais afã, com mais empenho e
ansiedade que o nosso amigo. Venceu obstáculos que a outros pareciam
insuperáveis: dormiu por vezes sobre os l ivros, enquanto muitos, que se apregoam
de trabalhadores e progressistas, fecham-nos para sempre, ou se, dormem, é no sono
da indolência e da preguiça que somente lhes pode trazer por brasão a obscuridade,
que é um brasão nulo.
20 – A essa incansável sol ici tude deveu Figueiredo o elevar-se bem cedo na posição
que conquistou palmo a palmo. O discípulo que devassa com tanta galhardia o
campo da ciência, que seguia ousado por esse caminho cheio de tropeços e de
embaraços, que tr i lhava essa estrada íngreme, arr imado a uma vontade de ferro,
tornou-se depois mestre: e se o magistério proporcionou-lhe maior espaço para ir
adiante, é porque nele se dava a união do estudo com as habi l i tações naturais.
21 – Mais tarde surgiu nele o jornal ismo, com a dicção pura e correta, com as
graças do est i lo, que lhe traduziam os pensamentos e as idéias, com os atavios da
forma que ele nem sacri f icava às usanças do arcaismo, nem malbaratava no gosto
bárbaro dos neologismos que vão tanto em moda.
22 – E quando, chegado a este ponto , f igura-se-lhe próximo o momento de ir dar
mais largas ao espír i to, quando sonhava já com uma viagem, através do Atlant ico,
que lhe devia abrir os olhos a um mundo mais vasto, soou para ele a hora extrema;
e o corpo pendeu para a terra, e ao f im da senda lhe estava escancarada uma
sepultura!
23 – Embora! Passou-lhe bem por perto a primavera garr ida com suas belezas
embriagadoras e louçãs: e essa primavera foi a glória que lhe sorriu na mocidade.
Embora! Atravessou ele com vento em popa o mar tempestuoso do jornal ismo; e
colocado de pé na direção do seu barco deixou-se levar sereno e benfadado pelas
suas auras bonanças que lhe enfunavam as velas.
24 – Sentara-se um dia em seu posto de honra, di tara algumas páginas de boa prosa
para a primeira folha da Província, da qual já era um ornamento, colaborara com
dignidade no sentido do progresso e da civi l ização de sua pátr ia, e um precioso
folhet im criado por ele valeu-lhe desde essa época de tradição gloriosa nos anais da
l i teratura contemporânea. (sic)
25 — Nós – que ainda mal ! – o substi tuímos hoje em sua obra, conservamos-lhe o
nome que ele mesmo lhe havia dado: é mais um tr ibuto de respeito que pagamos à
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sua memória. Aprendemos com ele (não nos envergonhamos nunca de confessá-lo),
com ele palestramos e convivemos em mútuo comércio de letra e de ciência,
sentamo-nos muita vez com ele à sombra do mesmo lar, abrigados à mesma árvore,
provando os mesmos frutos, tomando parte nas mesmas l idas da escola. Durante sua
longa enfermidade prestamos-lhe o auxíl io que nos permit iam nossas forças,
substi tuindo-o sem interrupção no trabalho que hoje nos cabe como efet ivo
exercício: e se, enquanto ele vivera, não lhe votamos o nome ao esquecimento,
menos o poderíamos fazer à hora em que seu cadáver ia ser encerrado nos estreitos
l imites de uma sepultura; menos o poderíamos fazer agora, que estamos ocupando o
seu lugar nesta obra que ele fundara.
26 – Se nesse momento de despedida solene, houve muitos que lhe orvalhassem o
corpo, já resfr iado pelo gelo da morte, com o pranto sentido e amargurado; se então
lançaram-lhe muitos por sobre o jazigo a saudade,simbólica que traziam no coração;
se não faltou quem lhe fosse render aí mesmo o feudo insuspeito da consideração
por nossa vez, também nos desvanecemos de havê-los acompanhado com toda a
sinceridade e candura.
27 – Al i , ao passo que um poeta dist into, que já se engrinalda de louros na
mocidade, fazia ouvir a sua vóz plangente e inspiradora, que é sempre bem-vinda
nas comemorações públ icas, e lhe dir igia uma homenagem de afeto ínt imo; al i ao
passo que um art ista de mérito falava em seu nome e de sua digna corporação essa
l inguagem tocante que tem todo o cunho da singeleza e da gravidade; nós, colega e
amigo do i lustre f inado, mandáramos-lhe um adeus saudoso, uma lembrança viva e
perpétua, uma frase pura e signif icat iva da mais terna amizade.
28 – Fizemo-lo, tanto mais quanto era um dever de nossa parte: f izemo-lo, porque
Figueiredo o merecia, e porque à beira de uma campa é que se pode falar com mais
l iberdade, sem temer o olhar sarcástico e repelente do detractor, nem as censuras
mordazes e vi lãs do hipócri ta traiçoeiro e cavi loso.
29 – A província perdeu em Figueiredo um de seus homens de letras que muito a
enobreciam: – as letras perderam nele um de seus mais zelosos cul tores. – Se, como
homem, ele t ivera defeitos, cumpre a Deus julgá-lo e apreciá-lo: como cidadão
sabia cumprir o seu dever, como mestre era digno do lugar que ocupava, como
amigo era credor de toda a confiança e est ima.
30 – Viveu e morreu pobre, é verdade; mas a r iqueza é de um dia, e a intel igência e
a glória não se somem na poeira de um cemitério... Nisto ao menos, está a elevação
do talento: não podem contestá-lo, porque o l ivro em que se lê o necrológico de um
homem de mérito real é aquele mesmo em que se inscreve a sua memória para a
posteridade.
31 – O assunto de hoje prende-nos a certas considerações morais que não virão fora
de propósito: Quando se trata da morte, é natural que se fale da vida: são dois
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termos opostos de uma proporção que vem a ter uma solução única; e por isso, o
espír i to passa naturalmente duma para outra.
32 – A f i losofia, sonhadora audaz que percorre com tanta sofreguidão o universo,
colhendo da contemplação e do estudo de todos os seres criados certos princípios e
idéias com que se põe a caminho para investigações mais altas e di latadas, está
desde muito a mirar o quadro quase indefinido da vida geral, que se lhe ostenta
bri lhante e variada em todo o espetáculo da natureza. Já desde muito explora esse
terreno, onde se tem perdido não poucas vezes, extenuada de cansaço, lutando com
dif iculdades imensas, i ludida em milhares de aspirações que se não real izam, que,
por ventura, a condenariam ao desespero, se lhe não assomasse ao longe, com todos
os visos de medianeira ef icaz, a fé que se baseia de todo nas belezas da moral e nas
inspirações supremas da rel igião.
33 – Compreender, somente à luz da razão, os mil segredos e prodígios que aí se
notam na extensa escala da criação, no panorama da natureza, já sob a relação
puramente física, já sob o aspecto essencialmente moral; conhecer uma por uma
todas essas leis de sumo valor que formam o enlace e consti tuem a harmonia do
plano universal, conceber tudo o que vai de superior e de elevado nesse
desenvolvimento da at ividade pasmosa que se irradia em toda a organização animal,
e que mais ou menos ressalta no mecanismo, na combinação, na travação estreita de
todas as criaturas, presas por um f io ininterrupto à primeira cadeia da criação ;
definir depois o que importa, o que signif ica, o que representa tudo isso: eis o
problema dos problemas; eis a mais dif íci l e importante de todas as questões. A
dif iculdade, porém, ainda mais sobe de ponto, porque se julga talvez que a razão
por si só expl ica todos esses fenômenos e compreende-lhes a causa e a origem
fundamental: – aí é que está o gravíssimo erro de muitos pensadores temerários, de
muitos investigadores ousados que se abalançam com tanto ardor pelas regiões de
uma f i losofia demasiado racional ista.
34 – Outros, entretanto, bem que sigam unicamente a impulsos e os esforços da
razão, nessa pesquisa tão árdua em todos os domínios da natureza criada, deixam-se
f icar na observação muda e simples da matéria; e racional istas quanto ao
instrumento de que se servem, nesse empenho tão arriscado, passam a ser
material istas, quanto ao resultado f inal de suas indagações.
35 – Fáci l é ver que essa questão magna, importantissima, de que eles tratam, é a
questão da vida considerada em todas as relações do seu próprio desenvolvimento; e
por mais que eles pretendam resolvê-la, nunca o poderão conseguir , se não
chamarem em auxíl io da razão o princípio rel igioso, a revelação, a fé.
36 – Se até certo ponto se pode sustentar que “não se pode saber nada com
exatidão, com certeza” , como o proclamava o primeiro f i lósofo das Gálias,
Favorino, autor da Visão Compreensiva e da Proposição Acadêmica; se muito antes
desse escri tor já o célebre Salomão havia di to que o “homem não pode achar razão
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alguma de todas as obras que aí se patenteiam debaixo do sol” ; parece que, em
nenhum caso é isto uma verdade de primeira
ordem como quando se investiga e se procura anal isar o que é a vida. 37 – Encarada
pelo lado absoluto, e sem que a vamos apl icar somente ao ente racional; tomada,
sim, num sentido verdadeiramente geral, o que vem a ser isto a que se chama vida,
e sobre a qual tanto se há disputado nas escolas, pela imprensa? Se a estudarmos
sob o aspecto essencialmente f isiológico, qual será a definição que lhe convenha?
38 – Kant, que não será tachado de suspei to em matéria de f i losofia, mormente
naqui lo que se quer sujeitar exclusivamente ao domínio da razão, porque ele mesmo
é o príncipe dos nacional istas, na frase de um sábio escri tor da época, define a vida
– “um princípio interior, de ação, de mudança e de movimento”. Entretanto, essa
suposta definição nada expl ica: adotando-a, o espíri to f ica na mesma obscuridade
em que antes se achava; suscitam-se quase as mesmas dúvidas sobre o valor da
palavra que anda de boca em boca, a respeito de cuja signif icação nem todos se
compreendem, bem que todos sintam em si o que é em si mesmo essa vida que
também se manifesta no mundo material somente pelo lado físico.
39 – Outro f i lósofo, Schmidt, não duvidou defini -la: - “a at ividade da matéria
dir igida pelas leis da organização”. É evidente que esta definição não peca por ser
extensa e difusa, mas antes por ser lacônica demais; porque há aí um vácuo que se
não supre, ou talvez, consti tui isso uma verdadeira petição de princípio. Fora
necessário, pr imeiro que tudo, conceber e mostrar o que é essa “atividade da
matéria” e quais são essas “leis da organização”; fora necessário dist inguir a
matéria como princípio da atividade como qual idade, não identi f ica-las; separar a
ação material, quanto à substância da ação direta e reguladora dessa mesma
substância. Por sua parte, Erhard quer que a vida seja “a faculdade do movimento
destinado ao serviço do que é movido”; e Cresivano a define: - “a uniformidade
constante dos fenômenos, com a diversidade das inf luências exteriores”. Qualquer
uma destas expl icações é em si mesma inexpl icável; e a vida não f ica mais
conhecida com estas definições do que era antes de serem elas mesmas conhecidas.
O que dirá a semelhante respeito o grande Bichat, cujo l ivro da vida e da morte aí
corre tão aplaudido, com uma reputação propriamente européia? Que sentença
proferirá neste caso esse autor de tão ampla nomeada, esse mestre da f isiologia,
como geralmente o consideram? “A vida, proclama ele, é o todo das funções que
resistem à morte”.
40 – Não é possível que à sombra da ciência se zombe mais do bom senso e da
lógica da humanidade! É um f isiologista que fala: e é dele mesmo que procede
ainda maior dif iculdade na compreensão da palavra, porque a definição é uma
misti f icação, ou, antes, um perfeito jeu d’espri t.
41 – Quando espír i tos tão i lustrados andam assim às apalpadelas sem saberem o
caminho de devam tomar para definir o que é a vida no seu sentido absoluto e geral;
quando Adelon, servindo-se antes de uma l inguagem híbrida do que perceptível, não
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teme dizer que a vida é um modo de at ividade, de existência, no qual se começa a
exist ir por um nascimento, cresce-se por intussuscepção, acaba-se por uma morte, e
durante a existência que é l imitada, conserva-se como indivíduo por nutrição, como
espécie por uma reprodução, e passa-se por diferentes idades; quando o próprio
Cuvier, de tão célebre memória, definiu a vida “a faculdade que tem certos corpos
de durar por certo tempo e sob uma forma determinada, atraindo incessantemente
em sua substância parte das substâncias, etc.”; quando, não satisfeito com essa
definição, formulou ele mesmo a seguinte: - “a vida é um turbi lhão mais ou menos
rápido, mais ou menos complicado, cuja direção é constante e que arrasta sempre
moléculas, da mesma maneira, mas onde as moléculas individuais entram e donde
saem continuamente”; - há razão de sobra para dizer que a vida não se acha
perfeitamente expl icada e definida, que a fi losofia e a f isiologia quase que a não
têm pressentido.
42 – Fechemos os l ivros que nesta parte não dizem nada, deixemos aos f i lósofos o
gosto dessa fraseologia alambicada, com que i ludem por vezes em lugar de
convencer; e aceitemos a rel igião como intérprete, como decifradora desse grande
problema. Entretanto, a solução por esse lado não é aparatosa na forma, nem seduz
pelo bri lho falso da tecnologia; - há toda a simplicidade no conceito e por isso há
toda a faci l idade na compreensão.
43 – O catol icismo – a única rel igião verdadeira, porque é a única rel igião i lustrada
e civi l izadora – proclama a harmonia das leis naturais como resultado necessário do
plano providencial na criação: - daí a necessidade de admit ir nos seres criados uma
manifestação externa, segundo leis próprias que lhe foram determinadas e assinadas
antes. A vida será, pois, a ação efet iva, o desenvolvimento progressivo e
ascensional das coisas criadas, a existência delas em toda a esfera de sua própria
at ividade: - a vida do universo, portanto, é a existência de toda a criação com a sua
força at iva: - a vida do universo, pelo lado f ísico ou f isiológico, será a existência
de toda a criação, obedecendo às leis de seu desenvolvimento físico e natural.
44 – Assim, a regularidade das funções orgânicas em todos os corpos, os fenômenos
da procriação, da disseminação das espécies, da reprodução dos seres, da sua
mult ipl icação e af inal da decomposição dos seus elementos, consti tuem a vida
desses mesmos corpos, sob a relação natural e f isiológica; por isso o homem,
entrando como ser, como criatura, no quadro dessa total idade de seres criados, tem
igualmente a sua vida física, sujeita às leis naturais, que, guardadas as proporções
devidas à espécie a que ele pertence, tem o mesmo caráter de permanência e
estabi l idade.
45 – Mas, pondo de parte o que é a vida física do homem; deixando mesmo de
examinar essas relações contínuas que se dão no ente racional entre o f ísico e a
moral, estudos esses que já têm ocupado a tantas cabeças, antes e depois do célebre
Cabanis; meditemos um pouco, e façamo-lo, como homem e como cristão – sobre o
que é a vida humana, sob o aspecto moral, em sua acepção mais vasta e mais nobre.
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46 – Assim como a vida física dos outros seres que consti tuem o universo é um
mistério, cuja primeira chave está em Deus – n Criador – porque dele é que emanam
essas leis diretoras do desenvolvimento de todos eles, assim como a vida física do
homem acha a sua expl icação, a sua suficiente solução nesse ponto culminante e
últ imo das investigações do espír i to; assim também, e com maioria de razão, a vida
moral do homem, que em si mesma envolve quase toda a sua mani festação natural e
espontânea, somente pode ser compreendida à luz da f i losofia rel igiosa, como uma
questão de alt íssimo alcance que a fé e a revelação perfeitamente expl icam. Nem se
julgue que, ao considerarmos o homem-moral, em sua esfera de ação, nós o vamos
separar inteiramente do homem físico: se há nele duas faces dist intas, assim como
pode haver uma terceira que é a intelectual, apraz-nos compreende-lo em todas elas
ao mesmo tempo, quando nos referimos ao seu desenvolvimento moral, porque este,
sem dúvida, importa a parte mais assinalada da at ividade humana.
47 – O que é, porém, a vida do homem, em geral? O que vem a ser ela sob o aspecto
moral? Como a expl icaremos? Onde e como lhe procuraremos a solução necessária e
conveniente? Di-lo, por ventura, a f i losofia das escolas, a f i losofia sistemática,
l ibérr ima, paradoxal, que ora degrada o homem até a simples matéria, como a de
Epicuro e de Helvécio, ora o confunde e a Deus com o todo – com o universo –
como a de Espinosa e Lamennais, que umas vezes remonta-se impávida nas asas de
um ideal ismo transcendental e absurdo, como a de Platão e de Hegel, ou debate-se
do labir into inextr incável da dúvida absoluta, como a de Pirro e de Bayle? Di-lo-á
essa f i losofia que, pela boca do i lustre Bonald, define o homem – “uma intel igência
servida por órgãos”? di-lo-á essa que inspirava Hobbes, quando o obrigada a
proferir que o estado natural do homem é o da guerra; ou essa que levava Rousseau
a proclamar a doutr ina severa e antisocial da misantropia como a mais conforme
com as tendências e as aspirações naturais do coração humano? Pode-lo-á essa
f i losofia arrogante do chefe do eclet ismo francês, que leva o panteísmo ao ponto de
estabelecer a necessidade imperiosa da criação, como o t í tulo sem o qual se não
pode compreender a existência de Deus?
48 – Não! a verdadeira f i losofia está no Evangelho: - a vida humana só pode ser
expl icada, mediante as inspirações desse código universal: - a terra, para o homem,
é, segundo essa f i losofia suprema, a sua tenda de viagem. Lançado no mundo, o
homem tem uma missão a cumprir: abre-se-lhe para logo um estádio, ao f im do qual
ele deve parar um dia: nesse dia a peregrinação f inda-se-lhe neste mundo, e,
segundo o papel que desempenhará nessa jornada, para a qual fora chamado, achará
um marco mil iár io onde se encoste, no pleno gozo de uma fel icidade sem l imites,
ou puri f icar-se-á do mal que prat icara, para subir l impo ao seio do Eterno, ou terá
por paradeiro a dor, o desalento e a privação da luz e do bem.
49 – Venham agora os f i lósofos, e digam-nos: o que signif ica a vida do homem: O
que é ela, em suma? Eles, sem dúvida, não a poderão expl icar com os seus sistemas
e com as suas teorias abstrusas e repuls ivas: - i rão pedir à fé a solução do
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problema, à rel igião o desenlace do enigma; e mais se instruirão, ao f ixarem os
olhos sobre a cruz, al alçarem as vistas para um túmulo que se entreabre na sol idão
e no si lêncio, através das sombras e das trevas.
50 – Bendita f i losofia que nos deste o conhecimento da vida! Bendita crença que
nos iniciaste nos segredos da eternidade! Antes que tu houvesse falado, a
humanidade parava na contemplação da vida mortal, da existência neste mundo: -
depois, tu proclamaste os princípios da verdade: - e o homem compreendeu desde
então o que é, quando sem o teu auxíl io, sem a tua instrução, nem sabia ele o que
podia ser.
51 – E somente assim compreende-se a vida e expl ica-se a missão do homem na
terra. O i lustre moral ista e f i lósofo português disse que a “vida é um enigma que a
morte vem decifrar”; disse muito, mas não pronunciou tudo o que a religião ensina
a semelhante respeito. A morte decifra a existência na primeira fase de seu natural
movimento, até a decomposição da matéria; mas daí para cima, a morte é
insuficiente para resolver a questão: e só em Deus é que ela se resolve af inal.
52 – O sábio brasi leiro, o marquês de Marica, disse-o perfeitamente: a vida humana
é um problema que se resolve em Deus.
53 – Eis a solução da f i losofia catól ica: - é a sentença últ ima e peremptória dada
nessa matéria pelo bom senso, pela fé, pela rel igião, pela própria natureza e pela
história ínt ima da humanidade.
54 – Findaríamos aqui, se não t ivéssemos de acrescentar duas palavras a essa
comemoração sincera que no começo deste folhet im dir igimos ao amigo que na não
vive.
55 – Há pouco – pelas 7 horas da manhã – revezava-se na capela do cemitério uma
missa e art icularam-se as orações fúnebres ante a sepultura de Antônio Pedro de
Figueiredo. O ato esteve solene; vários amigos do ilustre f inado se achavam
reunidos al i , sob a pressão do mesmo sentimento: - era a saudade que transparecia
no semblante de todos, porque a dor lhes repassava o coração. Havia dentre os
circunstantes um a quem esse espetáculo comovia de ais perto: - para ele aquele
jazigo encerrava mais de um amigo, um pai . . .
56 – Lia-se na frente da catacumba nº 21 do lado direito, onde repousam os restos
mortais do nosso amigo, a seguinte inscrição:
Aqui jaz
ANTÔNIO PEDRO DE FIGUEIREDO
Lembrança de seu amigo
2 7 8
Manuel Luiz Virães – 1859
57 – É uma inscrição modesta, mas revela toda a candura de uma alma que sabe
prezar o culto da amizade, e que tem amplo direito à manifestação do nosso afeto,
do nosso reconhecimento e veneração.
Honra ao amigo que teve esta lembrança tão consoladora e ef iciente.
T.B. (pela primeira vez Torres Bandeira coloca suas iniciais ao f im de “A
CARTEIRA”
Folhetim: A Carteira, Diário de Pernambuco, Recife, 29.08.1859.
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