4. Um dos desdobramentos da teoria saussureana
• LEF140
• Prof. Maria Carlota Rosa
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Como a perspectiva biológica veio a se firmar na Linguística?
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O ponto de partida foi a distinção
saussureana entre langue e parole.
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A linguística saussureana havia colocado a parole
em segundo plano, uma vez que a parole é individual.
Mas foi pela parole que se tentou inicialmente dar
uma explicação linguística para um problema de fala
decorrente de uma lesão no cérebro.
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Marguerite Durand (1904-1962)
Em 1939, a equipe chefiada pelo neurologista Theophile Alajouanine
(1890-1980), que contava com a foneticista Marguerite Durand (1904-
1962) e o médico e psicólogo André Ombredane (1898-1958), publicou o
que parece ser a primeira pesquisa conjunta reunindo linguistas e
profissionais no cuidado da mente/cérebro sobre aspectos fonéticos afetados
após uma lesão cerebral, Le syndrome de désintégration phonétique dans
l’aphasie [‘a síndrome da desintegração fonética na afasia’].
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A síndrome de desintegração fonética − distúrbio
que afeta o controle dos músculos no momento de
produção da fala, sem comprometimento da
compreensão, da leitura ou da escrita − era
fenômeno reconhecido pelo menos desde 1843 nos
estudos sobre afasia (Lecours, Parente, Feijó &
Maia, 2001: 367-368).
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Dez anos mais tarde, em 1949, ainda no
quadro teórico saussureano, novamente Durand
com Alajouanine e agora P. Pichot publicariam
um estudo dos problemas fonéticos
apresentados por um paciente bilíngue, de
sobrenome Delfrique, que recebera o
diagnóstico de afasia de Broca: o paciente
tivera a fonação muito afetada inicialmente,
“reduzida a um sussurro indiferenciado”
(Lecours, Parente, Feijó & Maia, 2001: 369),
mas não outros aspectos linguísticos.
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Cerca de dois meses após o
acidente, quando a recuperação se tornou
rápida, Delfrique já falava, mas muito
devagar, e o próprio Delfrique escreveria a
seu médico o que estava sentindo (Apud
Lecours, Parente, Feijó & Maia, 2001:
369):
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Doutor, eu quero explicar-lhe porque eu silabo. Num estado normal, o
pensamento se exprime pela palavra, automaticamente, não nos preocupamos
ou nos preocupamos muito pouco com a articulação, pela força do hábito, ela
se torna “maquinal”. Há quatro semanas atrás, tudo que vinha em minha boca
quando eu queria dizer uma palavra, saía um ronco. Um dia, eu consegui
pronunciar “a”, “i”, depois, “a”, “e”, “i”, “o”, “u”; nos dias seguintes, eu
consegui algumas sílabas e palavras que começavam por vogais. Só há uns dez
dias é que consegui dizer “sim”. Desde que eu estou aqui, mal consegui vencer
os “j”, “g”, “l”. Faz três dias que eu consegui dizer o nome de meu filho
“Jean”, eu não podia dizer “le”, “la”, ”les” [em português, o, a, os. Eu
preciso silabar porque a articulação é preguiçosa. Ela não é mais automática,
mas precisa ser comandada. Eu preciso pensar na palavra que eu quero dizer e
na sua forma de dizer, de articular. Se eu quero dizer “bonjour” (bom dia), o
hábito não intervém, não é mais automático, se eu não prestar atenção eu vou
dizer “boso” Se eu disser “le”, “la” sem prestar atenção, eu vou dizer “de”,
“da”. Por isso é preciso que eu articule cada vogal, cada consoante, enfim,
cada sílaba (...) Estando morto o motor, o mecanismo que o fazia funcionar
ficou bloqueado.
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Aparentemente esses trabalhos não encontrariam
eco entre linguistas, mas houve pelo menos uma
exceção:
o linguista russo Roman Jakobson.
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Roman Jakobson (1896-1982)
Para Roman Jakobson,
[a] Linguística interessa-se
pela linguagem em todos os
seus aspectos − pela
linguagem em ato, pela
linguagem em evolução, pela
linguagem em estado
nascente, pela linguagem em
dissolução .
(Jakobson, 1956: 34).
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Jakobson retomaria o trabalho de
Alajouanine, Durand e Ombredane ainda em 1942,
propondo que
a dissolução [do sistema fônico- MCR]
apresenta uma ordem temporal de grande
regularidade. A regressão afásica se
revelou um espelho da aquisição de sons
da fala pela criança; ela nos mostra o
desenvolvimento da criança ao inverso
(Jakobson, 1956: 35-36).
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Essa hipótese seria falsificada pouco tempo
mais tarde, mas o trabalho de Jakobson
contribuiria, como ele próprio reconheceu, para
“criar um novo campo interdisciplinar,
conhecido atualmente como Neurolinguística”
(Jakobson & Pomorska, 1980: 130).
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Diferentemente de Durand e seus colegas,
Jakobson não se centraria na fala, mas na langue
saussureana.
Com base na oposição entre os dois eixos da
análise linguística saussureana, o eixo das relações
sintagmáticas (ou o contexto formado pelas unidades
linguísticas ao se combinarem) e o eixo das relações
associativas ou paradigmáticas (em que os elementos
linguísticos podem ser substituídos por outros de mesma
categoria), Jakobson deduziria dois tipos polares dentre
os variados tipos de afasia.
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Jakobson (1956: 36) proporia um programa metodológico
para aqueles linguistas que enveredassem por esse
caminho na pesquisa:
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A aplicação de critérios puramente
linguísticos à interpretação e
classificação dos fatos da afasia pode
contribuir, de modo substancial, para a
ciência da linguagem e das perturbações
da linguagem, desde que os linguistas
procedam com o mesmo cuidado e
precaução ao examinar os dados
psicológicos e neurológicos como
quando tratam de seu domínio habitual.
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Primeiramente, devem familiarizar-se com
os termos e procedimentos técnicos das
disciplinas médicas que tratam da afasia;
em seguida, devem submeter os
relatórios de casos clínicos a uma análise
linguística completa; ademais, eles
próprios deveriam trabalhar com os
pacientes afásicos a fim de abordar os
casos diretamente e não somente através
de uma reinterpretação das observações
já feitas, concebidas e elaboradas dentro
de um espírito totalmente diferente.
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Noam Chomsky (1928-)
A grande mudança no interesse da
Linguística pela linguagem e sua
aproximação das ciências cognitivas
viria no final da década de 1950 com
Noam Chomsky (n.1928), fundador da
teoria que se tornaria conhecida como
Gramática Gerativa. A influência de
Chomsky foi por vezes denominada a
revolução chomskyana ou ainda a
revolução cognitiva.
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A Linguística, então preocupada com a variação
entre os sistemas linguísticos, com a Gramática Gerativa
introduzia a metáfora do desenvolvimento, que significa
“literalmente, o desdobrar ou desenrolar de algo que já
está presente e em certo sentido pré-formado” (Lewontin,
1998:11), sendo o papel do ambiente servir de gatilho
(outra metáfora) para o início do processo e prover as
condições mínimas para o desenvolvimento dos estágios
internamente programados (Lewontin, 1998:19).
É neste sentido que começa a ser empregado o termo
Biolinguística
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Como frisaria Eric Lenneberg (1964: 55),
Chomsky afastou a pesquisa gerativista da visão
de que a linguagem é “um fenômeno puramente
aprendido e cultural [....], a veste artificial de
uma capacidade geral e amorfa denominada
inteligência”.
A natureza do conhecimento linguístico, a
origem desse conhecimento e o uso linguístico
passaram a constituir a base de um programa
de investigação.
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NATUREZA DO CONHECIMENTO LINGUÍSTICO (a) O queconstitui o conhecimento linguístico? Ouo que sabemos quando falamos ecompreendemos uma língua, como oportuguês, por exemplo?
ORIGEM DO CONHECIMENTO LINGUÍSTICO (b) Como esseconhecimento se desenvolve na mente dofalante? É necessário pressupor que tipo deconhecimento que a criança já traria aonascer para explicar a aquisição tão rápidade uma ou mais línguas maternas?
USO LINGUÍSTICO (c) Como esse conhecimento é posto emuso em situações concretas?
BASE FÍSICA DO CONHECIMENTO LINGUÍSTICO (d) Quais são os mecanismos físicos que servem de base material para esse sistema de conhecimento e para o uso desse conhecimento
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AHLSÉN, Elisabeth. 2006. Introduction to Neurolinguistics. Amsterdam: John Benjamins.Ahlsén, 2006.
LENNEBERG, Eric H. 1964. A capacidade de aquisição da linguagem. Trad. Miriam Lemle. In: COELHO, Marta; LEMLE, Miriam & LEITE, Yonne, org. Novas perspectivas linguísticas. Petrópolis: Vozes. p. 55-92.
ROSA, Maria Carlota. 2010. Introdução à (Bio)Linguística. São Paulo: Contexto.
Referências
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