6ª Visita
Diagnóstico Rápido Participativo
- Travessia -
27/06/2007
Da travessia participaram Seu Dola, Seu Zeca e João Décimo.
Juquita, que havia participado da elaboração do mapa, justificou no
dia anterior que não iria participar da caminhada, pois teria de
distribuir a eucaristia para as pessoas do distrito no mesmo horário
de nosso evento.
Quando cheguei à casa de Seu Dola, já que desta vez os guardiões
não nos aguardaram na rua como no mapeamento, ainda não havia
chegado nenhum dos que participariam da travessia. Quando de
minha chegada Seu Dola logo perguntou: “Cadê a professora?”,
justifiquei a ausência e ele compreendeu. Esta justificativa tive de
fazer a todos os guardiões, já que, na hora que chegaram, todos
fizeram o mesmo questionamento: “A moça não vem não?”
Ao deixarmos a casa em que nos encontrávamos, Seu Dola foi o
primeiro a se manifestar sugerindo o início da travessia, como
quem orienta o grupo: “Quer dizer que a escala agora é como é
que é ?”. Expliquei que a idéia era que mostrassem-me tudo o
que haviam apontado no mapa durante a outra etapa do
diagnóstico, que fizéssemos a travessia do distrito conforme o
deslocamento da Festa do Rosário.
Seu Zeca disse então que há dois cortejos: o da alvorada e o
cortejo dos reis; o primeiro evento é realizado durante a
madrugada e corta todas as ruas da comunidade, foi o que guiou
a feitura do mapa e o percurso que fizemos na travessia. O outro
percurso, denominado “cortejo dos reis”, não corta todas as ruas
do distrito, só perpassa os espaços necessários para se ter
acesso às casas dos componentes do reinado de um determinado
ano.
Como salientado pelos guardiões, a saída da alvorada se dá
na casa de Seu Zeca, assim como todos os outros momentos
iniciais da Festa.
A travessia iniciou-se pela Rua São Lourenço sentido a
Praça da Igreja.
A divisa entre a casa de Seu Dola
e a Igreja Assembléia de Deus é
feita somente por um muro.
Questionei se no dia da Festa a
Igreja... E antes de eu terminar
de elaborar a pergunta eles já se
adiantaram em responder que
“Não! A Igreja não se envolve
com nada, eles até param para
olhar, mas não cobiçam nada.
Eles não amola nós nem nós
amola eles.”Questionei então se os cultos eram nos mesmos horários habituais
no dia da Festa. Seu Zeca foi quem explicou: “Quando saímos com
a alvorada ainda não tem culto, quando voltamos, sete, oito horas...
eles param o culto e vêm ver nóis.
No dia doze pra treze também não tem problemas. Começa em outro
horário, não atrapaia não, porque se atrapaiasse nós compunha com
eis, né?” Questionei o que era compunha, Seu Zeca disse que “era
assim, tomo tudo pertinho ali, se eles atrapaisse nóis, nós chamava
eles pra fazer uma concordia com eis, propô para eis, né? Pra que es
mudasse a hora daques trabaio deis ou baixasse aqueles trabaios deis,
pra nóis não ficar prejudicado e eis também não. Por quê? O nosso é
espaçoso, é hoje e as vez passa é quatro, é cinco, é seis mês... Eis tem
todo dia. Então, eis pode pará hoje e amanhã eis pode fazê; o nosso é
hoje, amanhã nóis num vâmo fazer. Então nóis compactua com eis
assim: Eis fazesse mais cedo ou então mais silencioso, né? Pra gente
fazer o movimento da gente mais sossegado. Mas então num atraipaia
e a gente deixa assim mesmo do jeito que tá. Eis num vem atrapaiá
nóis e nóis também num vai atrapaiar eis, então... Agora, se
atrapaiasse, nós ia ter que fazer com eis, concordar com eis, propor
uma concorda com eis.”
“Nóis respeita eles porque é vizinho do Dola aqui, eles já teve
probrema com os outro aqui, querendo fazer abaixo assinado pra
recramar deles aí. Falaram pra o Compá Dola: ‘- Assina o abaixo
assinado aí’. E o Compá Dola falou: ‘- Não! Eles não tão me amolado
em nada não.’ Ele num recrama, na casa dele não adianta a gente
conversar nessa altura que nós tâmo conversando aqui que não dá
pra escutar nada não, mas ele num recrama. Fizeram o abaixo
assinado por causa do barulho. Esses que queria fazer abaixo
assinado é tudo amigo dos crentes, é tudo parente...” (Seu Zeca)
Questionei então sobre a proporção de católicos e “crentes” no
distrito. Responderam que existem muito mais católicos, mas Seu
Zeca acrescentou: “O pouco deles, eles põe é pra frevê mesmo, pra
esquentar os outros. Cê sabe como é que é? Eles põe aquele trem
alto, aquela zuerada. Liga o microfone dentro daquela Igrejinha ali,
vô te fala pro cê, trapaia bastante coisa aí...”
O assunto foi interrompido por Seu Dola, que apontou a segunda
rua desenhada no mapeamento, onde se entrou para buscar o rei
em 2006, é a rua João Batista. É aqui que teria se iniciado a história
do distrito para esta rua, pois era o limite entre as “Terras de São
José”, que são as terras da Igreja, e as fazendas. A construção de
casas no distrito se iniciou nas terras da Igreja e só mais
recentemente, com o loteamento das fazendas, é que as outras
construções foram aparecendo.
Ainda na Rua São Lourenço há um Centro Espírita. Questionei sobre ele,
mas as respostas foram desencontradas. Quem mais sabia sobre o Centro
era João; Seu Zeca nem sabia que ele continuava funcionando, sabia sobre
quem o dirigia, mas achava que esta pessoa já não mais morasse em
Viçosa. Seu Dola também não sabia muita coisa a respeito.
“Essa aqui é a Rua Alaídia
Bernadino, viu?!” Todos riram
com a exclamação de João; é
a rua com nome de sua mãe.
A Alvorada passa pela rua.
Ao tirar uma fotografia de outra Assembléia de Deus situada na Rua
São Lourenço, os guardiões parecem ter compreendido meu interesse
pelas Igrejas do distrito. Já começaram então a dar explicações sem
que eu fizesse qualquer questionamento. A Igreja da foto fica,
segundo eles, numa construção que funciona de vez em quando um
bar. “Isso é um bar que eles alugam pra os crentes. Ali foi bar, agora
é uma Igreja, não é coisa fixa não, amanhã pode ser bar de novo. Se
os crentes não pagá o aluguel do salão aí deixa de ser Igreja e vira
qualquer outra coisa, até bar de novo.”
Ao passar pela escola do distrito os guardiões só exclamaram uma
frase: “Aqui é o grupo, é muito antigo!”
Chegamos então à Praça Luíza Rodrigues Lopes que, segundo os
guardiões, existe “toda vida, só não tinha prantinha, era lugar onde
os menino jogava bola”. “Nós jogô muita bola aqui bobo....” (João)
Os guardiões chamaram
atenção aqui para o Retiro,
espaço da Igreja que recebe
visitas regulares de grupos
religiosos. Chamaram
atenção também para a
construção do posto de
saúde debaixo do Retiro.
Apontaram neste ponto para o
cruzeiro: “ - A alvorada vem de
lá direto pra aqui”. Eis que há
então uma fala bem
interessante: “ - Este cruzeiro,
tem que mudar este cruzeiro
daqui, né? - Ah, ele não vai ficar
aí não, né?! - Eles já construíram
aqui, mas ele num vai ficar aqui
não, já vendeiro o lote. - Mas o
caminho não vai acabar não,
tem que ir pro Retiro.”
Apontaram em seguida pra outra rua desenhada no mapa, a
Antônio Lopes de Almeida, “que vai para um caminho da roça”.
Esta rua foi doação da mãe do antigo morador que dá nome a rua,
que “é da família dos donos de todas estas terras aí para frente.”
Chegamos então à Igreja
de São José, ponto
apontado durante o
mapeamento como o mais
importante do distrito para
a Festa, tanto quanto a
casa de Seu Zeca.
Neste momento encontramos com
Juquita pela segunda vez, que
distribuía a hóstia para os religiosos
de São José do Triunfo. O primeiro
encontro havia sido no início da
caminhada.
Chegando à Igreja Seu Zeca logo se
prontificou a mostrar o buraco onde
é apoiado o mastro no dia da Festa.
Ele é permanente na frente da Igreja
e fica tampado com um bloquete.
Indício do espaço da Festa que fica
velado durante o período não
festivo?
O mastro fica exposto oito dias
após a Festa e “nesse tempo
ninguém tira, passou estes dias
nós vem tirá, se nós num vié
eles tira, mas neste tempo
ninguém pode tira”.
Pudemos perceber que dentro da Igreja, onde não chegamos a
entrar, estava montado um altar com a imagem do Sagrado
Coração de Jesus. Eles logo me explicaram que era mês de
coroação. Questionei então se ali já havia sido coroada Nossa
Senhora do Rosário, eles disseram que em São José do Triunfo é
coroada a Santa somente pelos reis durante a Festa, mas que
nunca havia tido uma coroação por crianças.
Questionei se eles sabiam de algum lugar que isto havia ocorrido,
eles lembraram que já assistiram a uma coroação em Coimbra.
“Foi lindo, aquilo pra mim foi uma surpresa muito grande, as
meninas vestiam de azul e rosa coroando Nossa Senhora do
Rosário, foi lindo!” (João)
Os guardiões explicaram que a Festa se dirige até a Igreja
durante a alvorada e na Missa Conga. Durante a Festa do 12 pra
13 vai-se até o cruzeiro, mas não chega até a Igreja.
Fiz uma observação de que comumente as Igrejas ocupam os
lugares mais centrais das cidades e vilas, e que ali era um tanto
diferente, a Igreja marca o fim do distrito. Eles reconheceram
que ali é mesmo diferente, mas não deram explicações
detalhadas. Ao fundo da conversa Seu Zeca diz uma frase solta
exprimindo o significado de que aquele lugar também é centro,
o que dá pra entender que não no sentido geométrico, mas de
algo parecido com significação ou status.
Durante esta fala Seu Zeca referiu-se mais de uma vez à
vontade de sua filha Eliane de realizar esta coroação durante a
Festa, mas alega que nunca dá tempo pela quantidade de coisas
que existem na Missa.
Seu Zeca durante outros momentos da caminhada se refere por
diversas vezes a esta filha, revelando sempre aspectos da
organização da Festa desempenhados por ela, é ela quem
organiza o reinado de moças e rapazes. “Eu também sou doido
pra fazer uma coroação dessa aqui!” (Seu Zeca)
Ao falarem de Coimbra, os guardiões relembram das Festas que
foram dançar nesta cidade. Lamentam o fim da Festa que teria
ocorrido em função da troca de padres.
Próximo à Igreja, eles mostraram ainda os terrenos desta. Aí
apontaram os deslocamentos de cruzeiros que já ocorreram ali. Ao
falarem dos terrenos da Igreja afirmaram que é graças as doações
de terras para a Igreja que o distrito se desenvolveu, caso
contrário não poderia haver o crescimento do número de casas.
Este terreno, atrás da
Igreja, já foi lugar de
fixação do cruzeiro e já foi
cogitada também a
instalação de um cemitério
neste local.
Em determinado momento João parou para conversar com um
senhor que passava. Seu Dola e Seu Zeca questionam o que era,
e João responde que era sobre futebol. Eles passam a comentar
então como o futebol é importante para as pessoas, a ponto,
segundo eles, de até o governo ter interesse em investir, assim
como no carnaval, o que não acontece com a religião. Questionei
o motivo, eles responderam que é em função do futebol e o
carnaval serem diversão para todos, e o catolicismo não. Além
do que, “o catolicismo não faz propaganda para estes governos,
tendo o carnaval ou um trem qualquer tem o comercial deles.
Num é favorável a religião.”
Eles já chegaram a ir à prefeitura atrás de ajudas de custo, pois
sabiam que “outras culturas” recebem cerca de mil reais por mês
para ajuda, mas não conseguiram. Disseram por parte da
Prefeitura que se o grupo de Congado quisesse que se comprasse
alguma coisa para eles seria necessário fazer um lista de pedidos
e levar para a Prefeitura, mas o grupo não chegou a levar.
Adentramos à Rua José Soares da
Rocha, por onde segue a
alvorada após se deixar a Igreja.
Foi para esta rua que se dirigiu
também após a Missa na Festa
do ano anterior, pois é onde fica
a casa do príncipe que repassou a
coroa. Esta rua liga a Igreja à
Avenida por uma via que não a
Rua São Lourenço.
Em nosso terceiro encontro com
Juquita, este pediu que eu tirasse uma
foto dos membros da irmandade.
Neste momento Seu Zeca fez
lamentações de como não houve
registros de todos os acontecimentos
por que passou o Congado
anteriormente. Fizeram mais uma vez
referências aos candeeiros que
iluminavam as ruas do distrito no
passado e salientaram como é bom a
Festa agora estar sendo registrada. “Quantas vez nós já passou que era
moleque com o Congado e
ninguéééém sabe como é que era,
porque não tem naaaada que
mostra.” (Seu Zeca)
João chama atenção nesta hora
para as casas antigas da rua, que
seriam as primeiras do Fundão. É
nesta casa à esquerda que morou
Adão, que era quem comandava a
Festa antes do pai de Seu Dola;
embora não fosse Adão o Rei
Congo, que era uma função
exercida por um morador de
Viçosa, Firmino. “O Congado
nascia aqui”.
Seu Zeca e Seu Dola voltaram na questão da falta de
registros sobre o Congado, que não tem sua história em
fotografias e escritos, mas na cabeça; as memórias. “Mas
hoje já existem as filmagens e as fotografias para quando
não tivé mais nada. Igual, que nosso avô foi o primeiro a
vir aqui em 1930, então foi nossa prima que teve
conhecimento disso e detalhou para nós, né? Quantas
fotografias não tem, as embaixada... Nós tem isso é na
cabeça.”
Próximo a casa onde morou Adão encontramos com Noêmia,
esposa do rei festeiro deste ano. Mais uma vez Seu Dola fez
questão de explicar quem sou eu e o que estava fazendo ali,
como já havia feito diversas vezes e o que ainda repetiu com
todas as pessoas conhecidas que encontrávamos no percurso.
O nome da Universidade sempre aparecia quando me
apresentavam e faziam questão de deixar claro que nós
estávamos interessados em saber como o Congado funciona.
Noêmia fez comentários de que outras pessoas da
Universidade que freqüentam a casa dela em função do
Congado e diz que “são pessoas muito legais e que não
devem deixar de freqüentar mesmo”. E Seu Dola completou:
“Que bom que tem mesmo, a pessoa que tem cultura entende
de cultura, né? As vezes tem gente que não tem cultura e não
entende nós, né?”
Ao conversar com Noêmia foram discutidas algumas
questões para a Festa deste ano. Ela estava indo naquele
dia a São Miguel do Anta fazer acertos com uma banda de
música para tocar na Festa, ela comentou que estava muito
cara a banda de Viçosa e que tinha de arranjar isto. Quem
organiza a banda é sempre o rei festeiro.
Em determinado momento da conversa Noêmia perguntou
sobre um pano, Seu Dola respondeu que Eliana, filha de Seu
Zeca, já havia tirada as medidas, Noêmia então disse que
depois pegaria com ela. (Aspectos que revelam mais uma
vez a participação da mulher na organização da Festa).
Eles me apresentam em seguida a casa mais antiga do
Fundão (acima), que pertenceu a família Lopes, uma das
mais numerosas do distrito.
Quando passamos próximo ao córrego da foto ao lado, Seu Zeca
chamou atenção para este ponto como demarcação do início das
terras do Santo. Estas terras pertencentes a Igreja foram cedidas
, através de um recibo, mas não de escritura, para que as
pessoas construíssem. “Agora Dom Luciano autorizou que
fossem dadas as escrituras das terras para quem já possui
construções no local.” “Dom Luciano foi muito bom pro povo”.
(Seu Zeca)
Passamos posteriormente pelo campo de futebol do distrito e Seu
Dola logo exclamou: “Isso aí é o que a turma gosta, ninguém faia,
óia aí. Os menino nega nóis lá pra vim praí. Se tiver um ensaio lá,
eles arruma uma desculpa pra não ir pro Congo e vem praí.
Costuma até desmarcar viagem pra vir praí!” Seu Dola e Seu Zeca
admitiram nunca terem sido jogadores de bola, o contrário de João,
que segundo os primeiros ainda adora se envolver nestes assuntos.
Deixamos a Rua José Soares da
Rocha e chegamos à Avenida para
ir ao “outro lado” do distrito. Eles
admitiram que antigamente a Festa
não vinha até este ponto do
distrito. “Na época de Adão a Festa
ia para uma casa, que não existe
mais, para este outro lado da
Avenida para fazer reuniões e
ensaios, mas era só.”
Adentramos então à Rua Elisa
Ladeira. A preocupação por parte
dos guardiões por fotografar todas
as placas com nome das ruas a que
chegávamos, era uma constante.
Quando não havia estas
identificações eles diziam da
necessidade de conversar com o
líder do movimento de bairro sobre
a questão
“Agora olha pro cê vê, a pessoa que foi
dono disso tudo aqui, e que agora lotiou,
hoje tá numa casa de pousada, é o Zé
Tião, da família dos Silva.” Seu Dola se
referindo à rua Elisa Ladeira e apontando
para a casa onde Zé Tião morou.
A rua Elisa Ladeira é “a rua de João”.
Ao questionar sobre o crescimento deste
lado do distrito, Seu Zeca disse não
lembrar muito bem em que ano isto se
iniciou, mas disse que foi desde que uma
padaria se instalou por ali.
Posteriormente disse ter sido 1972.
Entramos então na Rua Batalha Neto, que
corta a Elisa Ladeira ao meio e dá acesso
à Celina Ladeira.
Chegamos à Rua Celina
Ladeira, onde os guardiões
apontam que fica a casa do rei
que receberá a coroa neste ano
(Juquita), e da rainha que
repassará a coroa (D’Lourdes).
Neste momento encontramos
novamente com Juquita, ele
pede que nós o esperemos,
responderam os guardiões que
é uma alvorada e alvorada não
pode parar. Não encontramos
mais com Juquita depois disso.
Ao andarmos por um espaço em que não diziam muito sobre
o Congado, surgiu o assunto de um batizado. Seu Zeca
começou então a falar das mudanças no Fundão. Segundo
ele, se antigamente tinha um batizado ali, todo mundo se
reunia nele, não havia mais nenhum outro evento no
Fundão. “Batizado e casamento hoje tem todo dia, agora é
diferente, várias coisas acontecem ao mesmo momento, é
muita gente. Se se fazia um tutu era coisa diferente e todo
mundo se reunia em volta daquilo, hoje isso tem em todo
lugar, em todos os eventos. Missa, hoje tem no Fundão, na
Cachoeirinha, no Buieié.” João faz então observações em
torno das mudanças das formas das casa no Fundão que,
segundo ele, antigamente eram de sapê.
“Êta ferro! Isto aqui tudo era roça rapaz!”
Em uma conversa eles falam qualquer coisa sobre Seu José Augusto,
pai de Seu Zeca, questiono sobre o período de permanência dele
como Rei Congo. Eles dizem que entre a morte de Firmino, Rei Congo
anterior a Seu José Augusto, em 1956, e 1958, ano da morte de Adão,
não existiu Rei Congo, somente o Rei do Meio que era Adão. Só com a
morte deste é que Seu José Augusto se tornou Rei Congo, e
permaneceu nesta função até seu falecimento em 1982.
Seu Dola disse ter iniciado sua função de Rei do Meio em 1988, o que
ele diz ter até registrado em um papel, junto com o tempo em que ele
permaneceu em outras funções, como a de Vassalo. Numa fala um
tanto quanto confusa ele diz ter se tornado Rei Congo em 2000, e que
entre a morte de Seu José Augusto e sua ascensão a Rei do Meio não
existiu outro Rei Congo, apenas outro Rei do Meio, Cesário, que fazia
o “esbanjamento” da Festa. Almiro, tio de Seu Dola, também ajudava
no desenvolvimento desta função.
A fala se dissipou para informações sobre a casa do fiscal falecido há
não muito tempo, Seu Luiz. Foi ali que fizeram a “manifestação” no
velório a que haviam se referido durante o mapeamento. João explica
que para alguns dos participantes do Congado que falecem eles vão
até o velório, vestidos com a camisa e a calça da vestimenta da
banda, “a sainha não!”, munidos de alguns instrumentos (o pandeiro,
a caixa e a viola), fazendo o acompanhamento do cortejo e do velório.
Neste cortejo são cantadas as músicas do Congado, o que gera uma
grande comoção. “As músicas são muito apropriadas e meu Padrim
Dola, que é muito sábio, sabe fazer verso. Ele canta,
faz um verso da cabeça, canta a primeira parte e nós
responde. É lindo, mas depois baixa o astral da
gente.” (João). Neste momento começam a falar dos
falecidos, falam da mãe de João e do pai de Seu
Zeca. A casa do fiscal (foto a esquerda) já é na
Avenida Silva Araújo.
Neste momento encontramos com um dos fiscais do grupo de
Congado e imediatamente os “guardiões” se preocuparam em
explicá-lo o mapeamento que estávamos realizando: “um cortejo
fazendo o levantamento das ruas da comunidade por onde passa a
alvorada, nosso movimento de festa”. Seu Dola disse
posteriormente que esta explicação era necessária para que no
caso de alguém perguntar o que estávamos fazendo ali ficasse bem
explicado.
A preocupação em fotografar as placas com nome das ruas
permaneceu constante. Por termos adentrado à Rua Maria
Francisca de Jesus a partir da Avenida Silva Araújo, a placa
com a denominação desta rua ficava um tanto distante do
local em que estávamos e para o deslocamento da Festa tal
como realizávamos ficaria “fora de mão” ir até onde a placa
estava localizada somente para fotografá-la.
Os “guardiões”, então, como se imaginassem um formato
para um relatório que eu iria fazer daquela travessia, me
aconselharam a lembrar que aquela era a Rua Maria Francisca
de Jesus, que em outro momento passaríamos pela placa com
esta denominação e no momento de organização de meu
relatório eu encaixasse a foto em seu devido lugar.
Este exercício me foi proposto por eles em outros momentos.
Eles pareciam tentar tornar legível um “quebra cabeça” que a
festa faz com o distrito: o cortejo, em determinado momento,
entra numa rua, percorre uma pequena extensão de seu espaço
para em seguida adentrar em outra rua, e posteriormente
retornar a esta outra rua... Embora os guardiões sejam
cartesianos ao apresentar o deslocamento da festa pelo distrito,
a lógica da festa parece não ter esta preocupação do reto, do
contínuo e do retilíneo. A festa faz da cartografia oficial do
distrito um labirinto, realizando seus deslocamentos numa
“racionalidade” pautada muito mais numa geografia simbólica
daquele lugar, que é passível de ser explicado ao estrangeiro
por meio da cartografia cartesiana.
A apresentação da Rua Maria
Brígida foi feita nos moldes desse
“quebre-cabeça”. Enquanto
passávamos pela Maria Francisca de
Jesus, passamos por um “braço” da
Rua Maria Brígida e na tentativa de
tornar didática a explicação do
deslocamento da festa, os
“guardiões” insistiram nesta
questão da cartografia oficial do
distrito (que pareciam ter interesse
em apresentar) em contrapartida à
geografia simbólica da festa ( que
deixavam transparecer em suas
falas, mas sem grandes esforços
explicativos).
Quando passamos em frente a uma casa que possuía uma
cruz em sua fachada, Seu Dola fez referência a uma
observação que eu havia feito anteriormente sobre como é
comum cruzes nas fachadas das casas do distrito. Daí
iniciou-se uma reflexão sobre a temática. Seu Dola,
primeiramente, pediu a uma moça que limpava a varanda da
casa em questão, para que “acertasse” a cruz que estava
“tombada”, o que não poderia ocorrer. João foi quem fez as
primeiras colocações sobre as cruzes: “- Padre Joaquim
Quintão fala que na casa onde não existe cruz o demo
rodeia”. Fiz uma indagação a respeito dos protestantes: “ -
Ih, então o pessoal da Igreja Crente tá perigando, hein?” João
diz que: “ - O que mais fala no nome do satanás é os crente.
Fala demais. Tudo deles fala o nome do demônio dentro da
igreja!”.
Então foi a vez de Seu Zeca: “- Bubiça! Porque isso não
interfere, o demônio não mexe com ninguém não, o
demônio é a gente mesmo, rapaz!” . Questionei: “Como é
que é Seu Zeca?” E ele: “- É isso mesmo, o demônio somo a
gente mesmo, porque demônio... Eu não acredito nisso não!
A pessoa que faz ruindade com os outros, vai lá machuca o
outro, mata o outro, manda fazer porcaria com o outro...
Então é ele que é o demônio, porque é ele que mandou
fazer aquilo com o outro. Acho que é estranho isso!!! Se ele
fez é porque foi ele quem mandou”. Seu Dola cortou
bruscamente a conversa para apresentar uma nova rua.
Chegamos à Rua Argina Silvina,
local apontado pelos “guardiões”
como o ponto em que se buscou o
Rei e a Rainha festeiros no último
ano. Estes moram no Rio de Janeiro
e vieram para a casa da irmã de
São Dola durante a festa, Dona
Maria do Nascimento. Seu Dola
apontou que buscaram o reinado
na casa de sua irmã porque “ela é
sogra dele”. (Seu Dola considerou
mais relevante apresentar Dona
Maria do Nascimento como sogra
do Rei do que como mãe da
Rainha, já que Rei e Rainha eram,
na última festa, marido e mulher).
Em determinada altura desta
Rua Argina Silvina, nos
aproximamos de um grupo de
pré-adolescentes sentados
numa calçada. João logo que os
viu já foi dizendo de maneira
que tanto Seu Dola e Seu Zeca
quanto os meninos pudessem
ouvir:
“ - Olha eles aí, oh!” Seu Dola então
proferiu referindo-se a irmãos gêmeos que
se encontravam em meio ao grupo “ - Ah,
os dois estão aí, né?” João perguntou: “ -
Qual dos dois é o dançador?” Gutierrez se
manifestou como sendo ele; com a reação
os “guardiões” exclamaram elogios do
tipo: “- Que maravilha!”
Neste momento Seu Zeca questionou: “ - É
de coração ou é só na cabeça?”.
Os “guardiões” abordaram Gutierrez pois sabiam que este
possuía interesse em entrar para a banda de Congado, ele
havia pedido ao avô que conversasse com Seu Dola sobre
isto. Seu Dola, naquele momento, pegou o nome completo
de Gutierrez e começou a fazer algumas perguntas a ele
dizendo que necessitava de algumas confirmações.
Perguntou então se se um dia houvesse um ensaio, um jogo
de bola e um aniversário no mesmo momento, o que ele
escolheria para ir? O menino logo se adiantou dizendo que o
ensaio. Seu Dola discursou “Nós qué esta confirmação,
porque, quando cresce, costuma querer negar a gente e...
Tem muito que tá andando correto, né? Mas tem muitos que
mistura nós.”
Ao nos aproximarmos da casa de Dona Maria do Nascimento, irmã
de Seu Dola e de Seu Zeca, este último começou a falar sobre ela
sem que fosse necessário qualquer pedido: “ - Ela morava na
roça. Antes de nós entrar no Congo ela que era bandeireira com o
Adão, com o Seu Firmino... Carregou muita bandeira na cidade...”
Dona Maria do Nascimento quando veio nos atender na porta
nos recebeu com uma grande exclamação: “ Nossa! Que tanto
de home, cês num tem serviço não? Ah, vai capinar aí pra
mim, quatro home, ah! Dou uma pá e uma enxada e de
repente cês capina esses gaio aí pra mim.” E Seu Zeca: “Nóis
tâmo é trabaiando mesmo, uai!” Muitos risos e Seu Dola
explica a ela o mapeamento.
Seu Dola disse a ela que eu comentei da Igreja do Rosário
derrubada em Viçosa, que ela deveria lembrar, já que carregou
muita bandeira na cidade. Ela disse lembrar, mas não deu
muita atenção, falou mais da Rua Seca (hoje Morro do
Pintinho). Seu Zeca e Seu Dola disseram lembrar de terem ido
na Igreja derrubada, durante a missa de sétimo dia de Virgílio
(?). “É uma boa lembrança essa!”. Conclui Seu Dola.
“Ela carregava bandeira antes mesmo de nós nascer. Eu num
alembro de festa lá em Viçosa. Quando ela nasceu nós era
pequeno. Era essa época de 37, 40, né? Nós era nascido, mas
eu num lembro, eu fui conhecer a Igreja eu já era grande”
(Seu Dola).
Num primeiro momento apontaram-na como sendo a
bandeireira mais antiga, mas depois lembraram de algumas
tias que também já foram bandeireiras.
Perguntei se a festa chegou a ocorrer simultaneamente em
Viçosa e no Fundão, responderam que, como tinham
“companheiros” do Fundão e de Viçosa, a festa ocorria mais
de uma vez, “um domingo aqui e outro lá”.
Aí contavam para nós: -Foi assim,
assim, assim. Aí nós guardamos na
cabeça aquele acontecido, aquele
evento, né? Aí tem a minha prima que
conta, que detalhou tudo, então nós
temos na cabeça, assim, essas datas,
né?”
Ao nos despedirmos de Dona Maria os “guardiões” salientaram que
ela “nasceu no dia do menino Jesus, 25 de dezembro de 1930. O
ano que nosso avô fez a primeira festa aqui foi o ano que ela
nasceu também. O pai de papai fez a festa aqui em outubro de
1930, ela nasceu em dezembro. E depois papai fez a festa aqui em
outubro de 1937 e eu nasci em dezembro. Isso é porque eles
contavam para nós e nós tem na cabeça, é igual eu falei prá você,
não tinha nada escrito, nada fotografado, era só na cabeça.
Encontramos em seguida com o irmão de João; ele é o avô de
Gutierrez. Seu Dola contou que havia encontrado com seu neto, “ a
gente conversou, fiz a eles algumas perguntas, aí ele respondeu e
no próximo ensaio ele vai”. O irmão de João perguntou a Seu Dola
referindo-se a mim: “ - Este é o rapaz que você falou comigo?”. Seu
Dola respondeu: “Isso... Ele pegou o nome das ruas e hoje vinha
para conhecer as ruas, ir filmando as placas da rua e ir confirmando
ainda mais os nomes que nós deu, né?”. “Confirmando tudo
direitinho!”
Entramos na Rua Bom Jesus, os “guardiões” mais uma vez
explicaram que a placa com seu nome só poderia ser fotografada
após percorrermos toda sua extensão. Neste momento passamos
em frente a casa da princesa que repassou a coroa na última festa,
como salientaram.
Enquanto subíamos um morro Seu Zeca e Seu Dola comentavam
que João agora morava por ali e que mesmo eles ainda não
conheciam a nova casa de João e não sabiam onde ela se
localizava.
Em seguida entramos na Rua
São José, onde segundo os
“guardiões” localiza-se o
morro mais ‘à pique’ do
percurso da alvorada.
Reclamaram novamente das
ruas que iniciam sem a placa
com a denominação e
apontaram para a Rua São
Sebastião que por ser muito
alta não é percorrida durante
a alvorada.
Neste momento João entoa
uma música da alvorada e
todos acompanham: “Lá vai,
lá vai, subindo o morro. Com
joelho em terra, vai pedindo
socorro”.
Esta parte está entre as mais altas do distrito e permite uma
visão panorâmica de quase todo seu território. Aqui Seu Zeca
chamou atenção para a casa de sua filha Eliana e fez
comentários da possibilidades de fazer a coroação de Nossa
Senhora do Rosário sob a organização desta.
Nesta parte mais elevada do distrito, os “guardiões” fizeram
inúmeras referências às modificações por que passou o local, tais
como os lugares de início do Fundão e as mudanças nos padrões
de construção das casas. Questionei a respeito dos motivos que
levaram as pessoas a irem morar no Fundão, já que segundo João,
a maior parcela da população de São José do Triunfo é constituída
por pessoas de fora que se mudaram para lá a não muito tempo.
Este apontou como motivos a localização não muito distante da
cidade, a facilidade de transporte, o asfalto, a existência de algum
comércio, ser um “lugar sossegado”, as características sociáveis da
população (espírito comunitário, como ajuda na bateção de lajes) e
também o preço dos terrenos.
Seu Zeca retornou à questão da divisão de terras. Segundo ele, “no
princípio o distrito não evoluía” em função dos terrenos
pertencerem a fazendeiros, que não estavam dispostos nem a
vender nem a doar terras, o que não permitia o crescimento do
Fundão. Só com a venda de lotes pelos herdeiros dos fazendeiros é
que o distrito começou a crescer.
Eles apontam que no passado todo o espaço, que por ora
estávamos percorrendo, já foi um matagal e lavouras de café.
Questionei se apesar deles não terem sido os primeiros moradores
daquele local eles estiveram presentes desde o início do
adensamento de povoamento. Seu Zeca respondeu que desde o
início o movimento deles era ali, que as vendas onde se fazia
compra se localizavam ali, que o trajeto que se percorria para ir
para o trabalho e para a cidade passava por ali, assim como as
missas, as rezas e os estudos, “tudo era aqui”. Seu Zeca conclui:
“Eu não troco aqui por uma casa na cidade, porque eu gosto demais
daqui.”
“Nós conheceu isso aqui nada, bem dizer. Quando nós
conheceu aqui não tinha nada, não tinha luz, você passava
pelas ruas, eram ruas escuras e ninguém mexia uns com os
outros, você passava pelas casas e só via gretas de luz
florando, cê via aquelas gretinhas de gente acordada que
tinha frestinha de luz. Mas as ruas eram todas escuras e nós,
tremendo que daqui naquele pessoal que tá lá na frente, um
acendia isqueiro para acender cigarro e a gente falava: -
Fulano evem lá.”
Questionei se havia alguma venda que era ponto de
encontro e eles apontaram uma que ficava na praça da
Igreja e o campo de futebol quando havia jogos, as missas
também eram ponto de encontro. “Desde de menino nós
movimentamos é aqui, a missa era aqui, eu vinha aqui na
missa com mãe ainda. Quando soltava foguete eu
segurava na saia dela com medo, eu era medroso ainda.
A missa era na mesma igreja, que era de esteio de
madeira e que eles vem aumentando e crescendo ela.
Papai alembra quem fez a igreja, papai conheceu ele, ele
falou que era um negão!” (Seu Zeca).
Seu Zeca disse que se iniciou o loteamento do distrito em
1972.
Encontramos pelo caminho a
princesa que recebeu a coroa no
último ano e que este ano a
repassará. Fizeram questão que
eu a fotografasse.
Encontramos pelo caminho uma Igreja da Congregação Cristã no Brasil
em construção, onde o grupo parou para esperar João. Seu Dola disse
que de todas as igrejas evangélicas que existem, ele acha que a
melhor é esta, “porque eles não são de harmonia, eles trabalham num
sistema que era quase o dos católicos, os católicos passou muita coisa
para trás. Eles trabalham quase que no mesmo ritmo, as pessoas aí
trabalham ainda com o véu na cabeça, eles eram quase igual era
antigamente, as mulhié se não estavam com o véu na cabeça tinham
que arrumar um pano qualquer e pô. Hoje em dia não, tá de qualquer
jeito, o pessoal desobedeceram tudo, aí que...”
Seu Dola corta mais uma vez para fazer observação sobre o
início de uma rua. Durante toda a caminhada foi visível esta
preocupação maior de Seu Dola em apresentar o nome das
ruas e suas demarcações; já Seu Zeca foi sempre mais
preocupado em apresentar a significação das coisas e os
processos existentes no Congado.
Passamos pela Rua Turiângela, onde não havia placa com o nome
da rua, que é sem saída, obrigando a alvorada a fazer todos seu
percurso ao ir e ao voltar. Nesta rua está instalado o posto de saúde
do distrito, é onde mora um dos fiscais da banda de Congado e é
onde está localizada a Associação Atlética de São José do Triunfo,
onde ocorre a maioria das festas fechadas do distrito. Os guardiões
comentaram que há muitos eventos relacionados à capoeira e
comentaram que no dia anterior à travessia se realizou neste local o
Desfile Beleza Negra.
Após a Rua Turiângela os
“guardiões” me apresentam o
caminho através do qual eles
vão para a roça onde eles ainda
trabalham e que vai “prá ondé
nossos véis morô, pai, disavô...”
(Seu Dola).“E agora termina a
alvorada!” Anuncia Seu Dola,
quando chagamos no encontro
das ruas Alaídia Bernadino com a
São Lourenço. Seu Dola diz que
neste fim da alvorada o pessoal
descansa para que ao meio dia
na festa estejam todos prontos
para recomeçar.
Top Related