1 Seminário Internacional Fazendo Gênero 10 (Anais Eletrônicos),Florianópolis, 2013. ISSN2179-510X
A CAMINHADA DE ORGANIZAÇÃO DO MOVIMENTO DE MULHERES CAMPONESAS DO BRASIL NA LUTA EM DEFESA DA
VIDA
Teresa Almeida Cruz1
Resumo: Este trabalho discute a trajetória de organização e lutas do Movimento de Mulheres Camponesas (MMC) do Brasil, criado em 2004 em Brasília, que se tornou uma nova personagem política no cenário brasileiro, na luta pelos direitos destas mulheres e na busca de construção de novas relações entre os seres humanos e a natureza. O Movimento de Mulheres Camponesas é definido por elas como “a soma de muitas identidades (quilombolas, indígenas, ribeirinhas, quebradeiras de coco, agricultoras, pescadoras artesanais...) que se unificam e se expressam na produção de alimentos saudáveis, nas relações de trabalho, na ação política e social, pela relação de respeito, apego e cuidado com a natureza e na luta pela libertação das mulheres e transformação da sociedade”. A principal luta do MMC é contra o modelo capitalista, patriarcal e racista e pela construção de uma nova sociedade com igualdade de direitos, assumindo como principal luta o Projeto Popular de Agricultura Camponesa Agroecológica, com uma prática feminista, fundamentada na defesa da vida, na mudança das relações humanas e na conquista de direitos.
Palavras-chave: Movimento de camponesas; lutas feministas; organização de mulheres camponesas.
Este texto objetiva discutir a trajetória de construção do Movimento de Mulheres
Camponesas do Brasil (MMC), que se constituiu em um importante sujeito político no palco
das utas pelos direitos destas mulheres e na busca de construção de novas relações entre os
seres humanos e a natureza, promovendo o desenvolvimento sustentável e humano.
As mulheres estiveram presentes em todas as lutas por justiça, desde os tempos mais
remotos e, de forma mais organizada, a partir das últimas décadas do século XX. As mulheres
indígenas, camponesas, negras, quilombolas, imigrantes, todas tiveram sua contribuição para
o desenvolvimento do Brasil.
Quanto ao movimento de mulheres trabalhadoras rurais, no contexto de crescimento
dos movimentos sociais no país, as lutas iniciaram-se no início da década de 1980, sobretudo
nas regiões sul e nordeste, destacando-se a atuação da Articulação de Instâncias de Mulheres
Trabalhadoras Rurais do Sul (AIMTR – Sul) e do Movimento de Mulheres Trabalhadoras
Rurais do Nordeste (MMTR-NE).
1 Professora de História da Universidade Federal do Acre, Rio Branco/AC, Brasil.
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Em relação ao movimento nacional de mulheres trabalhadoras rurais, o que
encontramos registrado foi a partir do I Encontro Nacional de Mulheres Trabalhadoras Rurais
do Brasil que aconteceu em novembro/1986, em Barueri/SP, com a presença de 36
participantes, representando 16 Estados. Nesse primeiro encontro, foi realizada uma troca de
experiência entre as organizações presentes, debatendo as principais dificuldades, avanços e
conquistas. Também foram definidos a linha de ação dessa Articulação, seus objetivos e
bandeiras de lutas. As prioridades escolhidas para o ano de 1987 foram: formação, divulgação
e organização (ANMTR, 2000, p. 3). É interessante que neste encontro também se definiu o
caráter e os princípios da Articulação Nacional de Mulheres Trabalhadoras Rurais (ANMTR):
- Fortalecer a luta pela transformação da sociedade; - Descobrir-se e valorizar-se como mulher e trabalhadora; - Ser espaço de participação das mulheres e de discussão de propostas, de valores, etc.. - Somos um movimento autônomo de mulheres da classe trabalhadora; - Somos um movimento de massas e de lutas; - Somos um movimento classista e democrático(ANMTR, 2000, p. 3).
O destaque de 1986 foi a intensa mobilização na coleta e entrega de assinaturas para a
elaboração da nova Constituição, ao mesmo tempo em que se reforçou a organização das
trabalhadoras rurais nos Estados. Em 1987 foi organizado Caravanas das Mulheres
Trabalhadoras Rurais à Brasília para entrega de abaixo-assinado, com as propostas do
movimento para incluir na nova Constituição Brasileira os direitos das trabalhadoras e
trabalhadores rurais (ANMTR, 2000, p. 3).
Em 1988, realizou-se o II Encontro Nacional, novamente em Barueri/SP. Nesse
momento, formaram a Coordenação Nacional com três representantes de cada regional. O
lema para articular os Estados era: “Todo trabalho organizado conduz à vitória” (ANMTR,
2000, p. 4).
A ANMTR trabalhou intensamente em 1992 em torno da luta pela garantia dos
direitos previdenciários: aposentadoria aos 55 anos para as mulheres e 60 anos para os
homens e o salário maternidade. Houve uma mobilização nacional em março com a
participação de 18 Estados, contando com aproximadamente 1.800 mulheres trabalhadoras
rurais na luta pela regulamentação dos direitos previdenciários. Chegou-se à grande conquista
da regulamentação da aposentadoria que resultou no início dos pagamentos por parte do INSS
às trabalhadoras e trabalhadores rurais.
Em 1993, foi priorizada a luta pela aprovação do projeto do salário maternidade.
Aconteceu nova mobilização nacional, em agosto, com a presença de mulheres de 19 Estados.
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Assim conquistaram a aprovação do projeto do salário maternidade, uma significativa
conquista para as mulheres trabalhadoras rurais.
À medida que as organizações de mulheres trabalhadoras rurais foram crescendo e se
fortalecendo nos Estados, sobretudo a AIMTR-Sul participando da Coordenadoria Latino
Americana de Organizações do Campo (CLOC) e Via Campesina, sentiu-se a necessidade da
consolidação da ANMTR. Assim, realizaram o I Encontro Nacional da Articulação Nacional
de Mulheres Trabalhadoras Rurais do Brasil que aconteceu de 19 a 24 de outubro de 1995,
em Jundiaí/SP, no Instituto Cajamar, com a presença de 51 participantes, representando 18
Estados, com o lema “Mulher trabalhadora ura amante da igualdade, é preciso ter força,
garra... sempre” (ANMTR, 1997).
Participaram deste Encontro Nacional de Mulheres Trabalhadoras Rurais
representantes das seguintes organizações: Movimento de Mulheres Agricultoras de Santa
Catarina (MMA – SC), Movimento de Mulheres Assentadas de São Paulo (MMA – SP),
Movimento Popular de Mulheres do Paraná (MPMP), Movimento de Mulheres Trabalhadoras
Rurais do Rio Grande do Sul (MMTR-RS), Articulação de Instâncias de Mulheres
Trabalhadoras Rurais do Sul (AIMTR-Sul), Comissão Estadual de Mulheres da Federação
dos Trabalhadores Agrícolas de Rondônia (FETAGRO), Movimento de Mulheres
Trabalhadoras Rurais do Nordeste (MMTR-NE), Associação de |Mulheres Trabalhadoras
Rurais do Espírito Santo (AMUTRES), Associação de Grupos de Mulheres Trabalhadoras
Rurais da BR 317, Acre (AGMTR), Comissão Nacional de Mulheres Trabalhadoras Rurais da
CUT (CNMTR), Associação de Pequenos Produtores Rurais do Sul de Roraima (APROSUR)
e Movimento de Mulheres Trabalhadoras Rurais do Sergipe (MMTR-SE).
Nesse encontro, como nos anteriores, foi realizada uma troca de experiência entre as
organizações presentes, discutindo as principais dificuldades, avanços e conquistas.
Definiram claramente que “a luta de gênero e classe são inseparáveis, se entrelaçam e devem
ser assumidas pelas mulheres trabalhadoras rurais em todos os momentos e espaços de
atuação, em vista da construção do projeto democrático e popular” (ANMTR, 1997) Também
traçaram as seguintes linhas políticas:
- Organizar condições para a participação das mulheres (creche, horário...); - Colocar as reivindicações de gênero nas pautas das lutas da Classe Trabalhadora; - Politizar o debate e a ação de gênero com mulheres e homens; - Garantir que as lutas por saúde, planejamento familiar, sexualidade, etc, sejam realizadas sob a ótica da luta de classe e de gênero; - Implementar nas lutas dos trabalhadores, um novo modo de atuar (novas relações, novos métodos, companheirismo, solidariedade, sentimento do belo...); Ocupar espaços nas instâncias de direção das organizações dos trabalhadores; com respaldo aos grupos e coletivos de mulheres e à organização de base;
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- Enfrentar os “boicotes” de gênero nas ações desenvolvidas pelas organizações de trabalhadores; - Ampliar aliados na luta de gênero e classe, garantindo que a luta de gênero seja considerada uma luta estratégica, para a transformação da sociedade; - Integrar a luta de gênero à construção de um PROJETO DEMOCRÁTICO E POPULAR; - Construir uma articulação Nacional de MULHERES TRABALHADORAS RURAIS, como espaço de discussão, elaboração e definição das lutas; - Garantir nos estatutos, documentos e pautas a nossa participação (ANMTR, 1997)
Como podemos perceber nestas deliberações as lutas de gênero e classe são
indissociáveis, estando presentes em todas as deliberações e ações na perspectiva de
construção de uma nova sociedade, onde mulheres e homens sejam respeitados e valorizados.
Segundo a ANMTR, de 1996 a 1998, tiveram avanços importantes como:
- Visualizamos conjuntamente o inimigo maior: o Projeto Neoliberal, e tivemos em nossas ações a compreensão de gênero e de classe;
- Consolidamo-nos como uma referência de representação das organizações de mulheres trabalhadoras rurais do Brasil;
- Conhecemos melhor e passamos a respeitar as diferenças culturais deste imenso país;
- Fizemos a articulação entre os movimentos dos Estados, sabendo que não estamos sós;
- Compreendemos e assumimos que “o caminho se faz caminhando”;
- Conseguimos que as mulheres trabalhadoras rurais fossem sujeitos na luta pela garantia dos direitos na previdência;
- Unificação do 12 de agosto: Dia Nacional de Luta das Mulheres contra a Violência no Campo e pela Reforma Agrária;
- Implementação da Campanha de Documentação: “Nenhuma Trabalhadora Rural sem Documentos”, em 26 Estados;
- Unificação do debate em torno do tema: Gênero e Classe;
- Fortalecemos a organização de base e o trabalho educativo para que as mulheres - - sigam sendo o sujeito da própria história;
- Realização de grandes seminários e elaboração de materiais como: panfletos, cartazes, cartilhas, em torno de temas considerados importantes para a nossa organização;
- Integração com outros movimentos na construção de um Projeto Popular para o Brasil (Consulta Popular) (ANMTR, 2000, p. 5-6)
O desenvolvimento da Campanha de Documentação nos Estados se tornou muito
significativa, pois propiciou às mulheres trabalhadoras rurais o acesso aos seus documentos e,
consequentemente aos direitos previdenciários.Desta forma, as mulheres vão sendo
protagonistas da história, conquistando a cidadania. Também, como analisa Rosângela
Carvalho Amorim: “Possuir documento é um aspecto importante para a afirmação da
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identidade da mulher trabalhadora rural enquanto cidadã, sujeito de um novo processo social,
mas é também uma exigência do Estado para concessão dos benefícios garantidos pela
Constituição” (AMORIM, 1998, p. 48).
Este intenso trabalho da Articulação Nacional de
Mulheres Trabalhadoras Rurais culminou com a realização do
IV Encontro Nacional, com a participação de 70 delegadas, de
22 Estados, em 1999, e com a Mobilização Nacional de
Mulheres Trabalhadoras Rurais que aconteceu em
março/2000.
O significativo trabalho que a ANMTR tem
desenvolvido nos últimos anos fez com que a mesma
recebesse o Prêmio Internacional de “Criatividade da Mulher
no Campo”, em 1999, concedido pela FCMM, com sede em
Genebra, na Suíça. É o reconhecimento pelo seu trabalho de
base, lutas e conquistas dos direitos das trabalhadoras rurais.
Nos últimos anos os Grupos específicos de Mulheres sentiram a necessidade de criar
um movimento próprio para ter mais autonomia. Assim, após dois anos de debates, nasceu o
Movimento de Mulheres Camponesas do Brasil (MMC). As mulheres camponesas são:
agricultoras, arrendatárias, meeiras, ribeirinhas, posseiras, boias-frias, diaristas, parceiras,
extrativistas, quebradeiras de côco, pescadoras artesanais, sem-terra, assentadas... “Mulheres
índias, negras, descendentes de europeus. Somos a soma da diversidade do nosso país.
Pertencemos à classe trabalhadora, lutamos pela causa feminista e pela transformação da
sociedade”.
O Movimento de Mulheres Camponesas do Brasil consolidou-se durante a realização
do I Congresso Nacional do MMC que aconteceu de 05 a 08 de março de 2004 em Brasília,
como um movimento autônomo de mulheres cuja luta central é a defesa da vida, lutando pela
justiça, pela liberdade e pela solidariedade. Por isto que o MMC considera que “a unificação
dos Movimentos Autônomos de Mulheres é um passo certo e firme contra o sistema
neoliberal e machista que nos explora, oprime e discrimina” (MMC, 2004, p. 1).
Esta postura política e ideológica demarca bem o caráter de classe e feminista do
MMC que se articula com a Via Campesina, com organizações e entidades de mulheres, de
ambientalistas, com redes de debate e práticas agroecológicas, com igrejas, dentre outros.
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Entre as suas prioridades está a construção de um Projeto de Agricultura Camponesa e
Agroecológica como “resistência, enfrentamento e negação ao modelo capitalista e patriarcal
no campo”, bem como o desenvolvimento de uma Campanha pela Produção de Alimentos
Saudáveis, afirmando “a importância de fortalecer a produção de alimentos saudáveis e
diversificados, a fim de garantir a soberania alimentar e o combate à fome e à miséria”
(MMC, 2007). Este movimento tem consciência também que a luta pela nova sociedade deve
basear-se em novas relações sociais entre os seres humanos e destes com a natureza.
Neste sentido, como analisa Ávila (2001, p. 57), o movimento de mulheres tem
construído teias de organizações que perpassam o cotidiano das pessoas, tomando as
experiências de injustiças e de carência como base de reflexão e luta política para sua
superação, forjando novas propostas de ação social. Assim, diante da crise ambiental do
planeta e da falta de uma política agrícola do Brasil voltada para os interesses dos
camponeses, nos últimos anos o MMC tem intensificado a preocupação e ação em torno da
construção de novas relações entre os seres humanos e a natureza, desenvolvendo e
articulando um Projeto de Agricultura Camponesa para o país como destaca a Rosângela
Piovizani Cordeiro, 49 anos, da coordenação nacional do MMC:
O Movimento de Mulheres Camponesas tem uma afirmação pelo Projeto de Agricultura Camponesa. Além de uma afirmação é também uma proposta de projeto politico ideológico para a agricultura no Brasil. A gente associa agricultura camponesa com embasamento da agroecologia. E pensando a agroecologia a gente pensa nas relações das pessoas, a gente pensa nas relações dos homens com as mulheres, dos homens com homens e mulheres com mulheres, e de todos com a natureza. Que é toda uma relação de respeito, de tirar daí o seu sustento de forma sustentável com a questão ambiental, a questão da água, a questão da terra, a questão das sementes, enfim, é uma relação não só de apropriação para satisfazer as necessidades da gente, mas também de cuidar disso como um patrimônio das populações camponesas (CORDEIRO. Entrevista, 2001).
Essa discussão se insere na perspectiva de desenvolvimento sustentável. Este conceito
foi utilizado e defendido no relatório das Nações Unidas intitulado Nosso Futuro Comum,
também denominado Relatório Brundtland, por ter sido coordenado pela então primeira
ministra da Noruega, GroBrundtland, publicado em 1987. O relatório define e defende o
conceito de desenvolvimento sustentável como “aquele que atende às necessidades do
presente sem comprometer a possibilidade de as gerações futuras atenderem as suas próprias
necessidades” (COMISSÃO NACIONAL SOBRE MEIO AMBIENTE E
DESENVOLVIMENTO, 1991, p. 46).
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O Relatório Brundtland enfatiza os três componentes fundamentais do novo modelo de
desenvolvimento sustentável: proteção ambiental, crescimento econômico e equidade social.
Isso coincide historicamente com o fortalecimento dos movimentos dos povos da floresta,
apoiados nacional e internacionalmente, na luta pela preservação da floresta amazônica e de
seus modos de vida.
Por outro lado, embora o Relatório Brundtlandofereça uma perspectiva que renova a
discussão da questão ambiental e do desenvolvimento, o conceito de desenvolvimento
sustentável passa a ser apropriada pelo discurso oficial, pela linguagem comum e pelas
empresas, como questiona Enrique Leff. Assim, conforme as interessantes análises deste
autor, “a retórica do desenvolvimento sustentável converteu o sentido crítico do conceito de
ambiente numa proclamação de políticas neoliberais que nos levariam aos objetivos do
equilíbrio ecológico e da justiça social por uma via mais eficaz: o crescimento econômico
orientado pelo livre mercado” (LEFF, 2009, p. 24). Assim seguindo a trilha do pensamento
crítico deste autor temos um “neoliberalismo ambiental” que
busca debilitar as resistências da cultura e da natureza para subsumi-las dentro da lógica do capital. Seu propósito é legitimar o espólio dos recursos naturais e culturais das populações dentro de um esquema combinado, globalizado, onde seja possível dirimir os conflitos num campo neutro (LEFF, 2009).
Como sempre, a lógica do capital é o lucro, embora possa mudar o discurso. Então,
diante destas estratégias de apropriação econômica e simbólica da natureza, Leffcontinua
afirmando que, “emerge hoje uma ética ambiental que propõe a revalorização da vida do ser
humano. Esta ética se expressa nas lutas de resistência das comunidades indígenas e
camponesas a serem convertidas em reservas etnológicas” (LEFF, 2009, p. 29). Estes povos
com seus modos de vida tradicionais sempre preservaram o meio ambiente e, hoje, no caso da
Amazônia enfrentam as políticas ambientais com criação de parques nacionais que pretendem
expulsar as populações tradicionais ou a ganância das empresas mineradoras, agropecuárias
que querem apropriar-se de suas terras e dos recursos naturais. Por isto que Leff analisa que,
O conceito de ambiente se defronta com as estratégias fatais da globalização. O principio de sustentabilidade surge como uma resposta à fratura da razão modernizadora e como uma condição para construir uma nova racionalidade produtiva, fundada no potencial ecológico e em novos sentidos de civilização a partir da diversidade cultural do gênero humano. Trata-se da reapropriação da natureza e da reinvenção do mundo; não só de um mundo conformado por uma diversidade de mundos, abrindo o cerco da ordem econômico-ecológica globalizada (2009, p. 31).
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Nessa perspectiva, as práticas políticas do MMC voltadas para a construção de um
Projeto de Agricultura Camponesa baseada nos princípios da Agroecologia constroem uma
nova racionalidade produtiva, reapropiando-se da natureza e reinventando o mundo com
novas relações entre os seres humanos e a natureza, contribuindo para a continuidade da vida
no planeta. Por isto que ação do MMC marca a diferença como destaca o depoimento de
Maria Luciene dos Santos, 48 anos, de Branquinha, AL:
Quando conheci o MMC em 2004, mudei muito o meu modo de pensar, claro, eu já tinha uma certa bagagem de conhecimento, mas o movimento contribuiu na luta pela autonomia, no maior cuidado com o meio ambiente e principalmente com o processo de formação, pude identificar o quanto o agronegócio prioriza o lucro e não se importa com a vida das pessoas e do planeta.
A participação no movimento tem contribuído na minha vida e de meu companheiro, pois ele tem mudado a forma de pensar e de cultivar a terra. Hoje, priorizamos a produção agroecológica e a diversidade de alimentos, pois acredito que uma alimentação saudável garante mais saúde e vida para minha família e das pessoas que adquirem nossos produtos na feira.
Muitas coisas mudaram na minha vida, posso afirmar que sou uma camponesa feliz por fazer parte do MMC e de contribuir com outras mulheres a pensar diferente, olhar diferente a realidade e viver diferente para fazer a diferença2.
Assim compreendemos que estas práticas sociais de mulheres e homens do campo
destoam de uma prática majoritária de produção e consumos industrialistas, se contrapondo
às politicas neoliberais, ao agronegócio, se colocando contra a produção de transgênicos e
desenvolvendo uma campanha de produção de alimentos saudáveis, contribuindo com seus
modos de vida para constituir práticas sociais que se situem em uma nova proposta de
desenvolvimento agrícola para o país como analisa a Rosângela Piovizani Cordeiro:
Produzir uma alimentação saudável é uma campanha que a gente lançou em 2007 pra contrapor o monocultivo e aos transgênicos. A produção de alimentação saudável ela não é só uma questão de dizer, eu vou plantar o meu pé de alface, o meu pé de cebola sem veneno pra eu ter isso. Ela tá casada, tá dentro de uma questão bem maior, que é a questão de um modelo de agricultura que mantém a diversificação da produção, da forma tradicional dos nossos camponeses viver ... E não introduz os pacotes tecnológicos que tão aí....de um monte de agroquímicos até a colheita. A gente vê a agricultura convencional que tá aí. A produção de alimentação saudável também tá casada numa discussão bem ampla com essa questão do cuidado com a terra, o cuidado com a água, com a semente, com o meio ambiente. A gente não tá produzindo só pra nós, nós queremos produzir pro Brasil ser autossustentável.
2 Disponível em: http://www.mmcbrasil.com.br/materiais/publicacoes/folder_projeto_MDS_2011_web.pdf.
Acessado em: 13 de abril de 2012.
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Então, o que está em jogo é a questão da construção de um novo modelo de agricultura
para o Brasil que, por sua vez está associado à proposta de outro projeto político para o país
que contemple os interesses dos camponeses e não da agroindústria, do mercado. Para que
isto aconteça se faz necessário também uma nova política de crédito como continua
analisando a Rosângela Piovizani Cordeiro:
E outra questão, o crédito é fundamental. Hoje, a politica de crédito que tem está dentro deste pacote que visa o lucro pro mercado, agricultura expansionista com alto grau de agroquímicos e que você faz o financiamento do PRONAF, você é obrigado a aderir às sementes agropecuárias... a pessoa produzir aquilo que ela não queria. Falar de alimentação saudável é discutir e repensar o modelo de agricultura que a gente tem no Brasil. Não só como plantar, mas como intervir com assistência técnica, como ter uma política de crédito voltado para a questão agroecológica, de mercado e tudo mais.
Esta proposta de desenvolvimento da agroecologia elimina o uso de agrotóxicos e de
adubos químicos, proporcionando uma produção de uma diversidade de alimentos mais
saudáveis para a população do campo e da cidade bem como contribuindo para a preservação
do meio ambiente, como podemos perceber pelo depoimento da camponesa Lucimar
Margarete Roman, 48 anos, de São José do Cedro/SC:
A diversidade de alimentos é importante para termos mais saúde, pois o nosso organismo precisa de diversas vitaminas e proteínas que tem nos cereais, sementes, raízes, folhas de hortaliças e frutas.
Nós procuramos produzir um pouco de tudo como: frutas, legumes, hortaliças, aves, suínos e bovinos e seus derivados. Tudo isso é para o sustento da família e para comercialização. Nossos produtos são orgânicos, livres de veneno e produtos químicos. São saudáveis e fazem bem a saúde. O uso de agrotóxicos é um assassinato a natureza, poluindo os rios e nascentes, acabando com o controle natural, pois a natureza é soberana e ela mesma faz seu controle. Para uma boa produção é necessário o cultivo do solo, por isso utilizamos adubação verde3.
Neste sentido, a experiência do MMC tem revelado que as mulheres têm conquistado
os camponeses a aderirem a este novo modelo agrícola baseado no paradigma da
agroecologiaque considera a preservação do meio ambiente e a produção de alimentos
saudáveis, retomando as práticas antigas das populações camponesas, como aborda a Valéria
HenkesMarcolini, 51 anos, de Terra Nova do Norte/MT:
O MMC ajudou a relembrar aos camponeses que pra produzir não há necessidade de uso de agrotóxicos. Antigamente nãoprecisava usar veneno, porque que agora precisa. Introduziramisso na cabeça dos agricultores, sabemos, porém, que não estão
3 Disponível em: http://www.mmcbrasil.com.br/materiais/publicacoes/folder_projeto_MDS_2011_web.pdf.
Acessado em: 13 de abril de 2012.
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pensando na saúde dos camponeses, mas no lucro que terão comcomercialização dos venenos. Com o movimento reaprendemos a cultivar sem o uso de agrotóxicos.
Na preparação da terra, para o plantio, utilizo adubo orgânico, adubo folhar que eu mesma preparo, busco terra do mato. Quanto as semente, procuro utilizar sementes crioulas, mas sinto dificuldade na conservação das mesmas4.
Esta contribuição das mulheres camponesas para o desenvolvimento rural sustentável
com base no paradigma da agroecologia está relacionada às práticas culturais das mulheres na
sua relação com a natureza como analisa a Rosângela Piovizani Cordeiro:
Pra nós como mulheres está muito ligado a nossa vida e ao nosso ser mulher camponesa. Está muito dentro de nós essa coisa do cuidado: o cuidado com as sementes, o cuidado com a água, o cuidado com a horta, o cuidado com os pequenos animais, porque isso garante pra nós mulheres e às nossas filhas, às nossas famílias não vai passar fome. Isso é uma coisa muito ligada à questão da produção e da reprodução que está nas mãos das mulheres. Mas isso não é tarefa só das mulheres... É necessário pra gente ter uma intervenção, uma política do governo pra fazer essa mudança radical... senão a gente não vai conseguir de fato produzir alimento saudável pra proteger não só a nossa casa, mas ao povo brasileiro.
Diante da questão planetária do aquecimento global as populações camponesas,
principalmente as mulheres, passam a ter um papel fundamental no cuidado com a terra, com
os ecossistemas, contribuindo para a produção de alimentos saudáveis, como aborda
Rosângela, e para o equilíbrio do planeta. Segundo Leonardo Boff, “a ótica do cuidado funda
uma nova ética, compreensível a todos e capaz de inspirar valores e atitudes para a fase
planetária da humanidade” (BOFF, 1999). Esta ética do cuidado tem sido bem trabalhada
pelas mulheres do MMC que cada vez mais vão conquistando outras mulheres e homens do
campo a assumirem o projeto popular de agricultura camponesa baseada na abordagem
agroecológica.
Estas práticas agroecológicas desenvolvidas, sobretudo a partir de iniciativas de
mulheres camponesas que vão conquistando a adesão de seus companheiros, tem sido
defendida por autores como Kageyama e Santos (2011). Segundo eles, “A utilização dos
sistemas agroflorestais com biodiversidade, do mosaico de culturas e de variedades crioulas
são técnicas que vêm sendo aplicadas, principalmente pela agricultura familiar, com
vantagens para este segmento rural”. Para Costa, a agroecologia trata-se de uma “ciência da
produção agrícola e da conservação socioambiental” (2006, p. 108). Ele ainda destaca que a
4 Disponível em: http://www.mmcbrasil.com.br/materiais/publicacoes/folder_projeto_MDS_2011_web.pdf.
Acessado em: 13 de abril de 2012.
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agroecologia surge como um novo desafio para os rumos que a humanidade vai tomar e como
um caminho viável para o desenvolvimento rural (2006, p. 109).
Ademais, o que está em questão é a forma de se viver no planeta, como aborda o
filósofo francês Guattari, no contexto de aceleração das mudanças técnicas científicas e do
crescimento demográfico (2008, p. 8). Esta situação agrava ainda mais a crise ecológica,
sendo necessário como propõe este autor uma “autêntica revolução política, social e cultural
reorientando os objetivos da produção de bens materiais e imateriais” (GUATTARI, 2008, p.
9). Neste sentido, Guatarri lança o desafio da construção da “ecosofia”, uma articulação ético-
política entre os três registros ecológicos: o do meio ambiente, a das relações sociais e a da
subjetividade humana (2008, p. 8). A nosso ver, este tipo de ecosofia proposto por Guatarri,
de certa forma se articula com a ideia de desenvolvimento sustentável idealizada por José Eli
da Veiga (2006) como a utopia que substituirá o socialismo neste milênio, pois Guatarri
entende que “uma ecosofia de um tipo novo, ao mesmo tempo prática e especulativa, ético-
política e estética” deve “substituir as antigas formas de engajamento religioso, político,
associativo...” (2008, p. 54). De qualquer forma, estas reflexões nos levam a repensar e recriar
nossas relações com o meio ambiente, com os outros seres humanos, enfim as formas de viver
na atualidade.
As ações do Movimento de Mulheres Camponesas voltadas para a construção de um
Projeto Popular de Agricultura Camponesa com base no paradigma da agroecologia, na nossa
concepção, articulam esses três registros ecológicos. O projeto de agricultura camponesa está
ligado à vida. É necessário mudar o estilo de vida, pensar que também fazemos parte da
natureza e cuidar bem dela. Viver bem e comer bem. Lutar contra os agrotóxicos. Iraildes
Caldas Torres discutindo gênero e meio ambiente na Amazônia chega a afirmar que “se as
ciências sociais derem a devida visibilidade às maneiras pelas quais as mulheres cuidam da
terra, como algo que lhes é próprio, forjando condições necessárias para que os sistemas vivos
se perpetuem na natureza, será possível encontrar uma base significativa para que seja
adotada a sustentabilidade nas relações com o ambiente” (CALDAS, 2009, p. 347).
Enfim, o MMC desenvolvendo este Projeto de Agricultura Camponesa, envolvendo
mulheres e homens, está cuidando das sementes crioulas, produzindo alimentos saudáveis,
afirmando que “um outro mundo é possível”, baseado em novas relações entre os seres
humanos e a natureza.
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Em fevereiro de 2013 o MMC realizou o I Encontro Nacional de Mulheres Camponesas, e’m Brasília, reunindo cerca de três mil mulheres, com o lema “Na sociedade que a gente quer basta de violência contra a mulher”. Este evento “reafirmou a importância do Movimento de Mulheres Camponesas autônomo, feminista, camponês e socialista. Confirmou a missão do MMC de lutar pela libertação das mulheres trabalhadoras de qualquer tipo de
opressão e discriminação; a construção do projeto de agricultura camponesa agroecológico
e a luta pela transformação da sociedade”.
Referências
AMORIM, Rosângela Carvalho. Mulheres trabalhadoras rurais e transformações
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The Course of Organization of The Country Women Movement from Brazil in the Defense of life struggle
Abstract: This paper provides a discussion upon the organization and struggles of The Country Women Movement (MMC) from Brazil, created in 2004 in Brasilia, which became a new political character in the Brazilian scene, in the struggle for these women´s rights and intending to forge new relationship between humans and nature. The Country Women Movement is defined by them as “the addition of many identities (quilombolas, indigenous, riverine, coconut breakers, farmers, artisanal fisherwomen…) that unify and express themselves in the production of healthy food, work relations, political and social action, for respect, attachment and care for nature and the struggle for women liberation and the transformation of society”.The Country Women Movement main struggle is against the capitalist, patriarchal and racist model, and for the construction of a new society based upon equality of rights, having as main struggle the Ecological Country Agriculture Popular Project, with a feminist practice, based on the defense of life, in the change of human relations and the achievement of rights.
Keywords: Movement of country women; feminist struggles; country women organization.
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