Rogeacuterio Natal Afonso
A dimensatildeo poliacutetica do pensamento de Joseacute de Alencar
(1865-1868)
Liberalismo e escravidatildeo nas cartas de Erasmo
Dissertaccedilatildeo apresentada ao Programa de Poacutes-graduaccedilatildeo em Histoacuteria Social na Universidade Federal do Espiacuterito Santo como requisito parcial para obtenccedilatildeo do Grau de Mestre em Histoacuteria Social das Relaccedilotildees Poliacuteticas
Orientaccedilatildeo Profordf Drordf Maacutercia Barros Ferreira Rodrigues
Vitoacuteria 2013
Dados Internacionais de Catalogaccedilatildeo-na-publicaccedilatildeo (CIP) (Biblioteca Central da Universidade Federal do Espiacuterito Santo ES Brasil)
Afonso Rogeacuterio Natal 1969- A257d A dimensatildeo poliacutetica do pensamento de Joseacute de Alencar
(1865-1868) Liberalismo e escravidatildeo nas cartas de Erasmo Rogeacuterio Natal Afonso ndash 2013
153 f il Orientadora Maacutercia Barros Ferreira Rodrigues Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria) ndash Universidade Federal
do Espiacuterito Santo Centro de Ciecircncias Humanas e Naturais 1 Alencar Joseacute de 1829-1877 2 Escravidatildeo ndash Brasil 3
Brasil - Histoacuteria - Impeacuterio 1822-1889 I Rodrigues Maacutercia Barros Ferreira II Universidade Federal do Espiacuterito Santo Centro de Ciecircncias Humanas e Naturais III Tiacutetulo
CDU 9399
Rogeacuterio Natal Afonso
A dimensatildeo poliacutetica do pensamento de Joseacute de Alencar (1865-1868)
Liberalismo e escravidatildeo nas cartas de Erasmo
Dissertaccedilatildeo apresentada ao Mestrado em Histoacuteria Social das Relaccedilotildees Poliacuteticas na
Universidade Federal do Espiacuterito Santo como requisito parcial para Obtenccedilatildeo do
Grau de Mestre em Histoacuteria Social
COMISSAtildeO EXAMINADORA
___________________________________________________________________Profa Dra Maacutercia Barros Ferreira Rodrigues
Universidade Federal do Espiacuterito Santo (orientadora)
Profa Dra Maria Cristina Dadalto
Universidade Federal do Espiacuterito Santo (membro titular)
___________________________________________________________________
Prof Dr Thiago Lima Nicodemo
Universidade Federal do Espiacuterito Santo (membro titular)
Prof Dr Jorge Luiz do Nascimento
Universidade federal do espiacuterito Santo (membro externo)
Vitoacuteria______ de _______________ de 2013
Agradeccedilo a todos que me ajudaram na construccedilatildeo deste trabalho
A minha famiacutelia
Aos professores todos
A minha orientadora em particular
Aos amigos que me fizeram sugestotildees e criacuteticas
Agravequeles que dedicaram um pouco de seu tempo me ajudando
E a Deus
RESUMO
Partindo dos textos que compotildeem uma seacuterie de ldquocartas abertasrdquo de Joseacute de Alencar
endereccediladas ao Imperador D Pedro II e a alguns entes poliacuteticos da administraccedilatildeo
do Estado escritas entre 1865 e 1868 busca-se discutir a defesa paradoxal entre a
formaccedilatildeo de uma sociedade liberal dentro de um paiacutes de economia agroexportadora
sustentada pela matildeo de obra escrava
Tomaremos o texto de Alencar como um discurso poliacutetico ideoloacutegico das elites
presentes na corte imperial Entendemos a dimensatildeo ideoloacutegica do discurso poliacutetico
de Alencar no sentido marxista de corte gramsciano ou seja como uma concepccedilatildeo
de mundo que perpassa desde o discurso comum ateacute formas mais elaboradas de
discurso filosoacutefico A partir daiacute buscaremos compreender o modo de vida as
representaccedilotildees poliacuteticas e as formas de dominaccedilatildeo presentes no periacuteodo sob a oacutetica
do pensamento poliacutetico conservador de Joseacute de Alencar dando ecircnfase a anaacutelise de
sua defesa do liberalismo e da escravidatildeo
PALAVRAS CHAVE Poliacutetica discurso liberalismo escravidatildeo
ABSTRACT
Based on the texts that make up a series of open letters addressed to Joseacute de
Alencar to Emperor D Pedro II and some political entities of state administration and
written between 1865 and 1868 seek to discuss the defense of the paradox between
a liberal society within a country agro-export economy sustained by slave labor
We will take the text of a speech Alencar as ideological political elites present at the
imperial court We understand the ideological dimension of political discourse of Joseacute
de Alencar in the sense of cutting Gramscian Marxist as a world view that permeates
from the common speech even more elaborate forms of philosophical discourse
From there we will seek to understand the way of life political representations and
forms of domination present in the period from the perspective of political speech of
Joseacute de Alencar emphasizing the analysis of his defense of liberalism and slavery
KEYWORDS politics speech liberalism slavery
LISTA DE IMAGENS
FIGURA 1 ndash Fac-siacutemile da segunda ediccedilatildeo das cartas ao Imperador183
FIGURA 2 ndash Fac-siacutemile da primeira ediccedilatildeo das Cartas os povo184
FIGURA 3 ndash Folha de rosto da ediccedilatildeo das Cartas ao Marquecircs de Olinda185
FIGURA 4 ndash Paacutegina do Diaacuterio do Rio de Janeiro registrando a aboliccedilatildeo186
SUMAacuteRIO
INTRODUCcedilAtildeO10
1 A TRAJETOacuteRIA POLIacuteTICA DE ALENCAR22
11 PRIMEIROS ANOS24
12 VIDA NA CORTE27
13 MILITAcircNCIA POLIacuteTICA34
14 UacuteLTIMOS ANOS49
2 CONJUNTURA POLIacuteTICA DO II REINADO55
21 UMA VISAtildeO GERAL56
22 O ESTADO DA ARTE DA IMPRENSA NO OITOCENTOS 64
23 SOBRE AS ELITES NO PODER 70
24 INTELECTUAIS E OPINIAtildeO PUacuteBLICA77
3 LIBERALISMO E ESCRAVIDAtildeO NAS CARTAS DE ERASMO 82
31 LIBERALISMO E ESCRAVIDAtildeO82
32 LIBERALISMO E ESCRAVIDAtildeO O MODELO BRASILEIRO86
33 AS CARTAS DE ERASMO95
331 AO IMPERADOR103
332 AO POVO AO REDATOR DO DIAacuteRIO DO RIO DE JANEIRO121
333 AO MARQUEcircS DE OLINDA AO VISCONDE DE ITABORAHY133
334 NOVAS CARTAS AO IMPERADOR138
4 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS162
5 BIBLIOGRAFIA174
6 ANEXOS183
INTRODUCcedilAtildeO
O Brasil do seacuteculo XIX com a chegada da famiacutelia real nos primeiros anos ateacute e
particularmente o periacuteodo imperial eacute caracterizado por um desenvolvimento
econocircmico social e poliacutetico intenso e relativamente acelerado se comparado a
outras naccedilotildees da Ameacuterica Latina (COSTA 1999) Tal desenvolvimento se deve a
construccedilatildeo de um projeto poliacutetico para o paiacutes que deixando de ser uma colocircnia de
Portugal necessitava afirmar sua nova identidade - agora como uma naccedilatildeo
independente - tanto interna quanto externamente O processo tem iniacutecio com a
transferecircncia para a cidade do Rio de Janeiro do Priacutencipe Regente D Joatildeo VI a
famiacutelia real portuguesa e sua Corte em 1808 gerando um consideraacutevel aumento na
populaccedilatildeo residente e a consequente transformaccedilatildeo da cidade com a construccedilatildeo
de escolas museus teatros faculdades e dentre outras novidades a imprensa
A emancipaccedilatildeo poliacutetica em 1822 manteacutem o sistema monaacuterquico ndash ainda sob a casa
de Braganccedila com D Pedro I ndash agora pelo modelo constitucional tendo por base as
ideias liberais importadas da Europa iluminista A presumida liberdade que o paiacutes
vem a construir garantida na constituiccedilatildeo outorgada pelo governante jaacute encontra
um terreno poliacutetico e econocircmico bastante diverso daquele onde surgiu o liberalismo
europeu tendo por base a agricultura de produtos de exportaccedilatildeo assentada na
escravidatildeo - tanto a lavoura tradicional accedilucareira do nordeste como as novas e
proacutesperas plantaccedilotildees de cafeacute do Vale do Paraiacuteba dependiam do escravo O Brasil
logo depois da emancipaccedilatildeo politica em 1822 possui uma das maiores populaccedilotildees
escravas da Ameacuterica e tambeacutem a maior populaccedilatildeo de afrodescendentes livres no
continente (MATTOS H 2000) a quem natildeo eram concedidos os direitos poliacuteticos
de cidadatildeo E uma minoria tida como aristocraacutetica dominava assentados seus
privileacutegios nas relaccedilotildees que possuiacuteam com a coroa ndash uma administraccedilatildeo do Estado
de modelo conservador com D Pedro e a heranccedila do absolutismo portuguecircs
Liberalismo e conservadorismo convivem entatildeo na sociedade brasileira em
formaccedilatildeo como os dois lados de uma realidade complexa e contraditoacuteria Liberal no
sentido de que as lideranccedilas que surgem se mobilizaram nesse sentido para
justificar a separaccedilatildeo da metroacutepole e ao mesmo tempo conservador por precisar
manter a escravidatildeo e a dominaccedilatildeo do senhoriato (NOVAIS 1996)
Para a manutenccedilatildeo da organizaccedilatildeo do Estado a monarquia reforccedila os laccedilos jaacute
seculares do estamento portuguecircs presentes desde a colocircnia criando ndash tambeacutem
inspirado na tradiccedilatildeo portuguesa ndash o modelo brasileiro de nobreza de gentleman
este emerge como um segmento que se solidifica na figura do intelectual morador
da cidade bacharel em direito (tambeacutem alguns poucos meacutedicos raros engenheiros
e matemaacuteticos) filho do fazendeiro ou do comerciante enriquecido filho do
funcionaacuterio portuguecircs fixado no Brasil neto e bisneto dos donos da terra e
representante uacuteltimo das famiacutelias que viriam compor esta ldquoeliterdquo da terra garantindo
uma continuidade na estabilidade poliacutetica Observa-se assim com a absorccedilatildeo
destes elementos pelo Estado um crescimento de algumas cidades portuaacuterias e
principalmente no Rio de Janeiro onde se instala a Corte e o consequente
desenvolvimento de uma burocracia especializada necessaacuteria agrave administraccedilatildeo do
reino Um conjunto de instituiccedilotildees baseadas no modelo portuguecircs ndash quando natildeo
copiadas integralmente de seus pares em Lisboa ndash de funcionalismo puacuteblico para
uma monarquia de moldes absolutistas que recebe poucas adaptaccedilotildees no Brasil
(FAORO 2004)
Boris Fausto em sua Histoacuteria do Brasil (FAUSTO 2001) defende certa estabilidade
no periacuteodo sustentada pelo desenvolvimento das cidades e o aumento de pessoas
com niacutevel superior Costa (1999) afirma que os nuacutecleos urbanos mais importantes
em sua maioria estavam ao longo da costa brasileira coincidindo com os principais
portos exportadores e o desenvolvimento destes tem ndash por conta de sua localizaccedilatildeo
ndash caracteriacutesticas especiacuteficas das ideias trazidas da Europa pelos jornais e livros que
chegam pelos portos Nas demais aacutereas o crescimento urbano era limitado
prevalecendo a grande propriedade rural Mas com as faculdades de direito em Satildeo
Paulo e Recife sendo construiacutedas na primeira metade do oitocentos o processo de
composiccedilatildeo de uma intelectualidade local jaacute tem iniacutecio tendo como palco os nuacutecleos
urbanos Tal periacuteodo eacute marcado tambeacutem pelo desenvolvimento da imprensa onde
as ideias liberais satildeo proclamadas aos quatro ventos pelos diversos jornais e
pasquins que surgem e desaparecem todos os dias (BAHIA 1990) os homens que
se formam ndash de uma maneira integral eacute certo - naquele novo cotidiano iratildeo
inspirados em um periacuteodo recente de administraccedilatildeo ndash jaacute dissemos moldado no
estamento portuguecircs - desenvolver certa predileccedilatildeo pelo cargo puacuteblico e pelas
letras Segundo Faoro (2004) o funcionaacuterio puacuteblico que se forma eacute um dos
responsaacuteveis diretos ndash senatildeo o uacutenico tecnocrata ndash pela reorganizaccedilatildeo (reinvenccedilatildeo)
do antigo modelo no novo paiacutes Leitores dos jornais e ao mesmo tempo formadores
de opiniatildeo estes homens satildeo os comentadores e partiacutecipes do desenvolvimento
poliacutetico e econocircmico das cidades enquanto inspirados pelas ideias liberais que jaacute
tomam corpo por aqui Estes homens que tem acesso agrave informaccedilatildeo e fazem de sua
praacutexis um elemento transformador da sociedade (GRAMSCI 1976) alguns sendo
sustentados pelo abraccedilo do cargo puacuteblico outros escrevendo para os jornais onde
apresentam e defendem suas ideias (liberais ou natildeo) para os outros homens - que
vem a constituir uma opiniatildeo puacuteblica representada pelos agravevidos leitores desses
mesmos jornais
Isto posto destacamos que essa dissertaccedilatildeo que tem como tema o liberalismo no
Brasil e sua relaccedilatildeo com a escravidatildeo no periacuteodo do segundo reinado apresenta
como seu objetivo geral discutir as dificuldades de implantaccedilatildeo deste sistema
poliacutetico - o liberalismo - em uma sociedade dominada por uma elite assentada na
economia agroexportadora baseada na matildeo de obra do escravo percebendo como
paradoxal esta relaccedilatildeo entendendo ser o liberalismo uma doutrina poliacutetica que tem
por base a defesa da liberdade individual nos campos poliacutetico econocircmico religioso e
intelectual conquistada por meio de lutas da sociedade civil contra o absolutismo do
Estado caracteriacutestico do Antigo regime na Europa Acreditamos com Gramsci
(1989) que o discurso que sustenta tal relaccedilatildeo e tenta justifica-la eacute mediado entre as
elites e o povo por meio dos intelectuais Portanto cabem aqui mais algumas
questotildees qual era a visatildeo dos intelectuais sobre a relaccedilatildeo entre liberalismo e
escravidatildeo no Brasil Os intelectuais comungariam com tais ideias Elas estatildeo
presentes em seu discurso
Nossa duacutevida fundamental a qual a pesquisa busca explicar eacute seraacute que estes
intelectuais que se formam nas primeiras faculdades de direito do Brasil filhos de
fazendeiros comerciantes muitos dos quais ligados direta ou indiretamente agrave
economia agroexportadora baseada no trabalho escravo assumiram o discurso
liberal Estaria este discurso presente em suas representaccedilotildees e em seus textos
Para tanto nosso objetivo especiacutefico seraacute analisar o trabalho de um intelectual do
periacuteodo e uma parte de sua produccedilatildeo Joseacute de Alencar
Dessa forma partimos da seguinte hipoacutetese eacute por meio de um discurso poliacutetico
conservador vinculado as propostas ideoloacutegicas das elites escravocratas
disseminado pelos jornais e panfletos do periacuteodo que os intelectuais construiacuteram
uma imagem paradoxal do liberalismo para o Brasil no segundo reinado
Para construirmos nossa narrativa histoacuterica tomamos como fonte para analisarmos
nossa hipoacutetese as ldquocartas de Erasmordquo Um conjunto de cartas abertas publicadas
sob a forma de folhetins no periacuteodo de 1865 a 1868 dirigidas ao Imperador e a
vaacuterios outros entes poliacuteticos Nossa hipoacutetese eacute de que neste texto possamos
identificar a tentativa de Alencar sustentar uma visatildeo liberal para o desenvolvimento
poliacutetico e econocircmico da naccedilatildeo ao mesmo tempo em que faz uma defesa da
manutenccedilatildeo do sistema escravista no Brasil o que nos faz crer que exista uma
postura liberalconservadora como modelo ideoloacutegico a ser construiacutedo pelas elites
atraveacutes de alguns setores da imprensa Buscaremos nas cartas poliacuteticas de Alencar
indiacutecios da sustentaccedilatildeo de um discurso liberal que tambeacutem apresenta caracteriacutesticas
conservadoras e admite (e reafirma) a manutenccedilatildeo da escravidatildeo no Brasil Para
tanto nos propomos a uma anaacutelise de todo o texto das cartas em uma perspectiva
hermenecircutica baseada nos princiacutepios da anaacutelise do discurso Como sustenta
Intildeiguez (2005) a anaacutelise de discurso como aparentemente possa parecer natildeo eacute
uma aacuterea restrita da linguiacutestica e comporta contribuiccedilotildees de vaacuterias aacutereas de estudo
Ao mesmo tempo considerando que uma das caracteriacutesticas da histoacuteria poliacutetica
renovada segundo Remond (2003) eacute ser um ponto de convergecircncia de diversas
disciplinas como a sociologia a linguiacutestica o direito dentre vaacuterias outras o que lhe
possibilita um ganho analiacutetico consistente e consolida sua natureza interdisciplinar a
anaacutelise de discurso apresenta-se como um caminho consistente para a abordagem
de textos poliacuteticos do periacuteodo Neste caso nossa pesquisa busca entender a relaccedilatildeo
do modelo de liberalismo poliacutetico implantado no Brasil com a escravidatildeo e se a
justificaccedilatildeo para tal discurso estaacute presente nos textos de intelectuais do periacuteodo
tendo como fonte o texto das Cartas Poliacuteticas de Joseacute de Alencar
Nossa pesquisa se justifica pela necessidade de entender a dimensatildeo poliacutetica do
segundo reinado por meio de uma fonte impressa que teve grande circulaccedilatildeo no
periacuteodo de nosso recorte e que pode criar uma inter-relaccedilatildeo entre os pontos
descritos Na anaacutelise do texto de um dos mais importantes intelectuais do periacuteodo
Joseacute de Alencar - poliacutetico atuante jornalista romancista e dramaturgo -
conseguimos um elo entre intelectuais imprensa e elites e a confluecircncia desses
ldquopartidosrdquo no projeto ideoloacutegico de construccedilatildeo da naccedilatildeo (GRAMCI 1989) Tais
elementos satildeo comunmente tomados em separado Com Alencar nas cartas de
Erasmo temos um intelectual que usa do seu texto literaacuteriojornaliacutestico1 em uma
miacutedia alternativa no momento para se dirigir a segmentos da elite poliacutetica e
econocircmica na Corte no Rio de Janeiro Essa confluecircncia portanto eacute a proacutepria
ldquoaccedilatildeordquo do objeto enquanto veiacuteculo de comunicaccedilatildeo
A discussatildeo historiograacutefica sobre nosso tema apresenta estudos por vezes
coincidentes por vezes conflitantes Bosi (1988) afirma que o paradoxo entre
liberalismo e escravidatildeo natildeo existiu no Brasil ldquono periacuteodo que se segue agrave
Independecircncia e vai ateacute os anos centrais do Segundo Reinadordquo (BOSI 1998 p 05)
O autor tambeacutem afirma que para entender a articulaccedilatildeo do liberalismo pregado ndash e
assumido ndash no Brasil com o regime escravagista eacute necessaacuterio compreender o modo
de pensar das classes poliacuteticas dominantes no impeacuterio a partir da independecircncia
Neves (2001) sustenta que o liberalismo no Brasil se alavanca a partir da revoluccedilatildeo
ldquovintistardquo em Portugal que vem propondo reformas que pudessem garantir ao
indiviacuteduo direitos de cidadania e liberdade de expressatildeo e buscando o fim do
despotismo como uma soluccedilatildeo para o impeacuterio O movimento segundo a autora eacute
assimilado sem dificuldade pelos elementos das elites poliacutetica e intelectuais no
Brasil A proposta era buscar o novo mas sem abrir matildeo dos antigos privileacutegios
econocircmicos
Para Gorender (2002) os princiacutepios liberais levados adiante pelos comerciantes e
plantadores visava o direito de ter uma representaccedilatildeo no estado fora das limitaccedilotildees
impostas pela poliacutetica colonial que terminaria com o processo de independecircncia Tal
1 Antocircnio Cacircndido (1999) sustenta ser uma das caracteriacutesticas do periacuteodo (segundo reinado) a
influecircncia do texto literaacuterio nos jornais que temos vaacuterios exemplos em Machado de Assis Joseacute de
Alencar Joaquim Nabuco Capistrano de Abreu para citar alguns
processo segundo ele tem inicio com a abdicaccedilatildeo em 1831 Este autor afirma que
o liberalismo europeu defende o trabalho livre mas lembra tambeacutem que o proacuteprio
Adam Smith natildeo era contra a escravidatildeo nas colocircnias Ou seja o liberalismo
europeu segundo um de seus mais importantes representantes jaacute nasce sob esta
contradiccedilatildeo O autor lembra que mesmo com a Revoluccedilatildeo Francesa tendo
decretado a libertaccedilatildeo dos escravos em suas colocircnias francesas Napoleatildeo
restabelece a escravidatildeo oito anos depois Apesar da pregaccedilatildeo pela liberdade na
Europa nas colocircnias a poliacutetica praticada natildeo era a mesma O que nos leva a
entender melhor a relaccedilatildeo liberalismoescravidatildeo no Brasil
Entendemos entatildeo que no processo de formaccedilatildeo do Estado Imperial Brasileiro
havia diferentes leituras e objetivos para o uso do liberalismo ligadas a interesses
especiacuteficos Por um lado como enfatiza Mattos (1987) a accedilatildeo do grupo conservador
no impeacuterio seguia no sentido da construccedilatildeo de monopoacutelios uma continuidade do
praticado no periacuteodo colonial enfatizando as relaccedilotildees de dominaccedilatildeo sustentadas
pela coroa Costa (1999) identifica certa originalidade no movimento poliacutetico liberal
brasileiro do periacuteodo tentando interpreta-lo como uma figura hiacutebrida onde os
elementos conservadores permanecem e satildeo amalgamados com as praacuteticas liberais
aceitas estruturando as instituiccedilotildees e a visatildeo de mundo pelas elites dominantes
sustentados pelas classes intermediaacuterias que se desenvolvia nas cidades mas que
ao mesmo tempo viam no sistema agroexportador baseado na escravidatildeo uma
dificuldade para o desenvolvimento do capitalismo Por outro lado Carvalho (2007)
chega a subestimar o aspecto liberal sustentando haver um pensamento
conservador dominante sendo a conciliaccedilatildeo entre as correntes de pensamento e os
partidos a poliacutetica da coroa com o intuito de administrar interesses e evitar conflitos
Bosi (1988) sustenta ainda que o traacutefico se apoia por vezes nas proacuteprias
autoridades a quem cabia fazer cessar o traacutefico Satildeo homens ligados a
administraccedilatildeo e a poliacutetica que manteacutem o controle terras do cafeacute e dos escravos o
que faz com que uma defesa da escravidatildeo seja a proposta corrente Nesse
aspecto Prado (2001) concorda que com a produccedilatildeo organizada sob a exploraccedilatildeo
do trabalho escravo sendo muito lucrativa ateacute entatildeo dificilmente teria por parte da
elite qualquer movimento estimulando o seu teacutermino
O liberalismo poliacutetico proposto para o Brasil apresenta assim caracteriacutesticas
diversas conforme os interesses dos diversos grupos das elites poliacuteticas e
econocircmicas no poder Mattos (1987) enxerga no grupo conservador representado
pelos senhores traficantes de escravos e grandes comerciantes um pensamento
contraacuterio agraves ideias liberais e a favor da centralizaccedilatildeo poliacutetica A anaacutelise do sistema
econocircmico agroexportador brasileiro no periacuteodo Imperial tambeacutem nos revela as
muitas contradiccedilotildees da sociedade escravista do seacuteculo XIX o liberalismo econocircmico
e o aumento do fluxo de escravos para o Brasil a defesa da liberdade e o
incremento da escravidatildeo o desenvolvimento do consumo e a pobreza Tacircmis
Parron (2008) sustenta que durante o seacutec XIX toda a defesa do traacutefico e da proacutepria
escravidatildeo como uma instituiccedilatildeo se sustentaram em ideias liberais Agrave medida que
na Europa o sistema econocircmico pregava um livre mercado com o trabalho livre nas
Ameacutericas a escravidatildeo permanecia forte em paiacuteses como os Estados Unidos em
Cuba e no Brasil Emilia Viotti (1999) sustenta para o periacuteodo uma visatildeo hiacutebrida
onde os elementos conservadores presentes no Brasil servem como um equiliacutebrio a
praacuteticas e ideias liberais que poderiam tomar formas mais radicais se acaso
atingissem grupos da populaccedilatildeo estruturando dessa forma as instituiccedilotildees e a visatildeo
de mundo dos principais agentes poliacuteticos no poder no periacuteodo dando ao liberalismo
aqui sua caracteriacutestica ldquocor localrdquo Dessa feita entendemos que o liberalismo
representa distintos interesses da sociedade brasileira e caracteriza-se
diversamente nas diferentes regiotildees do paiacutes e um dos agentes mais importantes na
divulgaccedilatildeo de tais ideias e praticas eacute justamente a imprensa que muito se
desenvolve no periacuteodo como arena de debates de poliacuteticos e intelectuais
Concordando com Bosi (1988) que afirma que o paradoxo entre liberalismo e
escravidatildeo foi somente verbal que o liberalismo simplesmente natildeo existiu enquanto
uma ideologia dominante Segundo ele o que dominou em todo esse periacuteodo no
Brasil foi um ideaacuterio de fundo conservador Um conjunto de normas juriacutedico-poliacuteticas
capazes de garantir a propriedade fundiaacuteria e a escravidatildeo negra ateacute o seu limite E
em nosso entender essa ideologia era difundida por meio dos intelectuais nos
veiacuteculos de comunicaccedilatildeo do periacuteodo como os panfletos pasquins e jornais em
geral
Portanto nosso objetivo aqui para testar nossa hipoacutetese eacute estudar as formas do
discurso poliacutetico em meados do seacuteculo XIX analisando o texto jornaliacutesticoliteraacuterio
de Joseacute de Alencar nas Cartas de Erasmo Acreditamos que Alencar usava seu
texto como um meio para difundir fortalecer e consolidar a ideologia das elites
presentes na corte imperial suas representaccedilotildees e as formas de dominaccedilatildeo
presentes no periacuteodo Alencar toma do discurso liberal alguns princiacutepios para
sustentar a ideologia de grupos vinculados a uma proposta de conservadorismo
poliacutetico em que a manutenccedilatildeo dos privileacutegios desta ldquoaristocraciardquo bem como a
continuidade da escravidatildeo no Brasil satildeo seus pontos principais
A pesquisa se fundamenta tambeacutem na premissa de que a proposta de Alencar era
a de criar um modelo (segundo ele melhor) para a sociedade De tal maneira
podemos designaacute-lo ndash o texto as cartas de Erasmo - como um discurso ideoloacutegico
Um conceito formulado por Chauiacute (revendo Gramsci) nos ajuda de forma elucidativa
Fundamentalmente a ideologia eacute um corpo sistemaacutetico de representaccedilotildees e de normas que nos ensinam a conhecer e a agir A sistematicidade e a coerecircncia ideoloacutegicas nascem de uma determinaccedilatildeo muito precisa o discurso ideoloacutegico eacute aquele que pretende coincidir com as coisas anular a diferenccedila entre o pensar o dizer e o ser e destarte engendrar uma loacutegica da identificaccedilatildeo que unifique pensamento linguagem e realidade para atraveacutes dessa loacutegica obter a identificaccedilatildeo de todos os sujeitos sociais com uma imagem particular universalizada isto eacute a imagem da classe dominanterdquo (CHAUI 1997 p 03)
Dessa feita entendemos a dimensatildeo ideoloacutegica do discurso poliacutetico construiacutedo por
meio das cartas de Erasmo no sentido marxista de corte gramsciano ou seja como
uma concepccedilatildeo de mundo que perpassa desde o discurso comum ateacute formas mais
elaboradas de discurso filosoacutefico Nesse sentido as cartas de Erasmo seratildeo
tomadas como peccedila de anaacutelise enquanto uma dimensatildeo do discurso de Alencar
como ator poliacutetico de seu tempo para uma discussatildeo sobre a relaccedilatildeo entre
liberalismo e escravidatildeo no Brasil Gramsci (1989) nos mostra que os intelectuais se
formaram historicamente em associaccedilatildeo com as elites econocircmicas Seu papel
dentro dos diversos partidos2 eacute a de organizaccedilatildeo e disseminaccedilatildeo da ideologia
Alencar por meio de seu texto busca criticar a administraccedilatildeo vigente e sua relaccedilatildeo
2 Entendendo ldquopartidordquo no sentido mesmo que Gramsci o determinou GRAMSCI Antocircnio
Intelectuais e a Organizaccedilatildeo da Cultura Satildeo Paulo Civilizaccedilatildeo Brasileira 1989
com a coroa por meio de recriminaccedilotildees a poliacutetica econocircmica a administraccedilatildeo da
guerra do Paraguai ao descaso dos poliacuteticos e ndash em nosso caso ndash quanto agraves
propostas para o fim da escravidatildeo
Buscamos nos textos de Gramsci o referencial teoacuterico que ndash acreditamos ndash nos
apresenta uma melhor adequaccedilatildeo a proposta metodoloacutegica aplicada de uma
discussatildeo hipoteacutetico-dedutiva dos textos que se seguem Gramsci nos fornece um
material teoacuterico que - como ele mesmo comenta em sua organizaccedilatildeo inicial para a
escritura dos cadernos - satildeo apontamentos sem uma ligaccedilatildeo serial linear mas que
podem nos fornecer uma base teoacuterica rica conquanto estejam mesmo permitindo-se
uma interpretaccedilatildeo mais heterodoxa das fontes
Gramsci propotildee uma visatildeo ampliada do conceito de Estado em que a relaccedilatildeo entre
sociedade civil e sociedade poliacutetica eacute dialeacutetica A sociedade civil eacute o lugar da luta de
classes pela hegemonia e junto com a sociedade poliacutetica eacute um dos fatores que a
constituem O Estado eacute um elemento aglutinador e como tal formado pela
diversidade de instituiccedilotildees da sociedade civil Eacute uma combinaccedilatildeo de forccedila e
consenso fazendo parecer que os caminhos traccedilados pelo Estado sejam vistos
como consensuais pela maioria expressos pela opiniatildeo puacuteblica em seus diversos
oacutergatildeos (GRAMSCI 1999) Neste conceito ampliado de Estado a sociedade poliacutetica
eacute a definiccedilatildeo de uma esfera na qual se situam os mecanismos de coerccedilatildeo e
dominaccedilatildeo como o aparato policial-militar e a burocracia e a sociedade civil que eacute
formada pelas organizaccedilotildees responsaacuteveis pela elaboraccedilatildeo e difusatildeo das ideologias
como a escola a igreja os partidos poliacuteticos os sindicatos as organizaccedilotildees
profissionais e a miacutedia A cultura para Gramsci estaacute relacionada com a
transformaccedilatildeo da realidade atraveacutes de uma busca e consequente conquista de uma
consciecircncia superior onde cada indiviacuteduo precisa conseguir compreender o seu
valor na sociedade (GRAMSCI 1976) Eacute dessa forma que se daacute a passagem do
momento corporativo ao momento eacutetico-poliacutetico da estrutura agrave superestrutura Isto eacute
expresso por Gramsci atraveacutes do seu conceito ampliado de poliacutetica a catarse O
momento em que a esfera dos interesses corporativos e particulares eleva-se ao
niacutevel da consciecircncia universal e as classes conseguem elaborar um projeto para
toda a sociedade atraveacutes de uma accedilatildeo coletiva Assim sair da passividade para
Gramsci eacute deixar de aceitar a subordinaccedilatildeo que o sistema capitalista impotildee a
alguns estratos da populaccedilatildeo Nesse processo que eacute dialeacutetico podemos observar
um Alencar em sua posiccedilatildeo de aristocrata mas ao mesmo tempo como um
intelectual - um elo para a divulgaccedilatildeo das ideias da elite e a sociedade como um
todo ndash que opta pela reafirmaccedilatildeo de valores tradicionalmente aceitos reafirmando
um modelo adequado que deve perpetuar-se tanto para a famiacutelia como para a
administraccedilatildeo puacuteblica por meio da divulgaccedilatildeo de suas ideias em um veiacuteculo de
comunicaccedilatildeo em detrimento das transformaccedilotildees que acusa como degradadoras
dos valores temos aqui a proacutepria constituiccedilatildeo do bloco histoacuterico Eacute a partir destes
conceitos formulados por Gramsci que buscamos encontrar uma melhor
compreensatildeo do texto de Alencar
No primeiro capiacutetulo nosso trabalho apresenta uma sucinta biografia de Joseacute de
Alencar tentando situar em sua trajetoacuteria os interesses e as escolhas poliacuteticas nas
quais estava inserido e o contexto a que se referia e ndash de certa forma ndash pretendia
criar
No segundo capiacutetulo buscamos mostrar a conjuntura poliacutetica do segundo reinado
junto ao processo de formaccedilatildeo das elites e intelectuais bem como da imprensa no
Brasil A divisatildeo aparentemente estanque tem como elemento agregador a proacutepria
biografia de Alencar Ali se buscam esmiuccedilar os elementos formadores do
intelectual Alencar apresentados anteriormente e como ele se apresenta em seu
campo de batalha
A conjuntura poliacutetica do periacuteodo junto a alguns elementos relevantes que satildeo
tomados pela criacutetica feroz de Alencar
A imprensa - seus primeiros anos no Brasil - na qual Alencar milita como criacutetico e
jornalista sendo este o seu veiacuteculo principal de divulgaccedilatildeo de ideias
As elites que disputam o poder no periacuteodo e tem nos intelectuais seu ponto de
ligaccedilatildeo com as camadas populares
E os intelectuais em si que comeccedilam a se formar nesse periacuteodo no paiacutes
influenciados pelas ideias liberais vindas da Europa e mesmo em parte
compartilhada com os grupos no poder Alencar se apresenta como um intelectual
surgido em uma das primeiras escolas de direito do paiacutes no Largo de Satildeo
Francisco portanto compartilhando de uma relaccedilatildeo direta com os outros elementos
da elite local que estava se formando
Estes elementos apresentados a opiniatildeo puacuteblica a imprensa e as elites formam em
um conjunto o arcabouccedilo do que seria o campo de atuaccedilatildeo do intelectual Alencar e
a proposta de pontuar o ldquoestado da arterdquo em que se apresentam tais segmentos
pode nos auxiliar na construccedilatildeo de um retrato mais niacutetido da superestrutura
(GRAMSCI 1999) no recorte
No terceiro capiacutetulo analisaremos as Cartas de Erasmo dando ecircnfase agraves propostas
de Alencar sobre o problema da escravidatildeo no periacuteodo Natildeo eacute nosso objetivo
debater (ou defender) as questotildees do traacutefico do abolicionismo e das reaccedilotildees em
oposiccedilatildeo dos diversos grupos envolvidos nas questotildees mas a partir da
investigaccedilatildeo da fonte apresentar a questatildeo sob uma oacutetica especiacutefica a de Joseacute de
Alencar como um ator poliacutetico do periacuteodo e seu modelo de representaccedilatildeo poliacutetico e
ideoloacutegico para o Brasil se eacute ou natildeo influenciado pelos ideais do liberalismo
Para tanto apresentamos uma breve exposiccedilatildeo do pensamento de seus principais
representantes na Europa com o intuito de comparar uma possiacutevel similaridade com
o texto das cartas
No quarto e uacuteltimo capiacutetulo nos reservamos a um conjunto de consideraccedilotildees finais
com vistas a uma compreensatildeo do que foi apresentado
As fontes usadas na pesquisa satildeo As cartas de Erasmo publicadas semanalmente
no periacuteodo de 1865 a 1868 e vendidas pelas ruas da Corte do Rio de Janeiro A
publicaccedilatildeo3 com a qual trabalhamos foi organizada por Joseacute Murillo de Carvalho e
conteacutem as seguintes ediccedilotildees
Ao Imperador Cartas de Erasmo de 1865 no caso a segunda ediccedilatildeo de 1866
Uma carta Ao Redator do Diaacuterio (do Rio de Janeiro) de 1865
Ao Povo Cartas Poliacuteticas de Erasmo de 1866 acompanhadas das cartas ldquoAo
Marquecircs de Olindardquo 1866 e ldquoAo Visconde de Itaboraiacute Carta de Erasmo Sobre a
3 ALENCAR Joseacute de Cartas de Erasmo Joseacute de Alencar organizador Joseacute Murilo de Carvalho
ndash Rio de Janeiro ABL 2009
Crise Financeirardquo tambeacutem de 1866
Ao Imperador Novas Cartas Poliacuteticas de Erasmo de 1867-68
Tambeacutem foram de grande auxiacutelio agraves biografias4 pesquisadas e a bibliografia
composta de obras especializadas e baseadas em recentes pesquisas e em textos
de consolidado valor Uma das finalidades da histoacuteria eacute conhecer melhor os
sistemas de representaccedilatildeo das sociedades passando pela literatura e filosofia e
sempre atentando para a produccedilatildeo intelectual (REMOND 2003) Com as cartas de
Erasmo nos apropriamos de um texto criativo coerente e esteticamente belo o que
soacute vem facilitar o trabalho interpretativo Frente a isto aqui temos o Alencar no
comeccedilo da vida puacuteblica se consolidando tanto como artista como um poliacutetico
atuante na Corte - um intelectual Um Alencar que tem muito a nos dizer sobre o
periacuteodo
4 MENEZES Raimundo de Joseacute de Alencar literato e poliacutetico 2a Ed Rio de Janeiro livros teacutecnicos e
cientiacuteficos 1965 NETO Lira O inimigo do rei uma biografia de Joseacute de Alencar ou a mirabolante aventura de um romancista que colecionava desafetos azucrinava D Pedro II e acabou inventando o Brasil Satildeo Paulo Globo 2006 RODRIGUES Antocircnio Edmilson Martins Joseacute de Alencar O poeta armado do Seacuteculo XIX ndash Rio de Janeiro Editora FGV 2001
1 A TRAJETOacuteRIA POLIacuteTICA DE ALENCAR
Eacute um homem de valor poreacutem muito mal educado
D Pedro II referindo-se ao Alencar
Partindo para um esboccedilo sobre a vida de Alencar preferimos trabalhar com uma
biografia criacutetica buscando enfatizar o agente poliacutetico em detrimento do artista Mas
natildeo podemos deixar de ressaltar ser o poliacutetico Joseacute de Alencar tambeacutem um dos
maiores representantes das letras do Brasil no oitocentos Ele ao lado de Machado
de Assis Castro Alves Gonccedilalves Dias e alguns outros natildeo tatildeo notoacuterios tem seu
trabalho caracterizado pela construccedilatildeo de um projeto de modernizaccedilatildeo e a
constituiccedilatildeo de uma identidade para o Brasil O desenvolvimento tecnoloacutegico
cientiacutefico intelectual promovido na Europa era em seu entender um modelo para o
mundo civilizado e o Brasil natildeo poderia ficar fora de tatildeo significativo projeto
A proposta de nossa biografia se daacute na medida em que a pesquisa busca enfatizar
Joseacute de Alencar enquanto poliacutetico O escritor consagrado eacute deixado por um
momento de lado em detrimento dos rumos a que as questotildees relativas agrave histoacuteria
poliacutetica satildeo colocados No caso aqui a histoacuteria da literatura eacute somente um apecircndice
Tendo tambeacutem em mente as advertecircncias deixadas por Remond (2003) sobre o uso
da narrativa factual e subjetivista eminente na biografia de notaacuteveis que cruzavam
o perigoso caminho de avaliar um periacuteodo pelos olhos de um homem apenas ndash
caracteriacutestica da histoacuteria poliacutetica recriminada jaacute pela Escola dos ldquoAnnalesrdquo -
buscamos pelo caminho biograacutefico integrar o Alencar aos diversos agentes poliacuteticos
a fim de desenhar um retrato mais consistente do periacuteodo mas sempre nos
acautelando quanto a direccedilatildeo seguida Neto (2006) e Menezes (1965) sustentam tal
proposta afirmando que o temperamento reservado de Alencar eacute fator determinante
para a anaacutelise de seu texto que no caso das Cartas de Erasmo apresenta
caracteriacutesticas que transitam entre o romantismo literaacuterio e um jornalismo criacutetico
como poderemos ver mais adiante Pocock (2003) justificando uma proposta
biograacutefica comenta que ldquose [temos de ter] uma histoacuteria do pensamento poliacutetico
construiacuteda sobre princiacutepios autenticamente histoacutericos precisamos ter meios de
saber o que um autor ldquoestava fazendordquo quando escrevia ou publicava um texto
ldquo(POCOCK 2003 p28) Ainda na corrente citaccedilatildeo explica que ldquoem inglecircs coloquial
perguntar o que um autor ldquoestava fazendordquo eacute o mesmo que perguntar ldquoo que ele
pretendiardquo ou seja o que ldquoestava tramandordquo ou o que ldquopretendia obterrdquo Quais
seriam as intenccedilotildees de tal autor quando da escritura de seu texto Quais as suas
pretensotildees com tal trabalhordquo (POCOCK 2003 p28) Philippe Levilain (2003) indica
o fim da deacutecada de 1980 como o momento do florescer da biografia na Franccedila
havendo esta sendo reabilitada no meio universitaacuterio ainda na deacutecada de 1960 e jaacute
na deacutecada de 1980 ultrapassa as fronteiras do paiacutes Michael Winock (2003) nos
lembra da emergecircncia de pesquisas sobre os intelectuais e suas ideias no seacuteculo
XX bem como a sua importacircncia para a difusatildeo de modelos poliacuteticos que tem
atraiacutedo agrave atenccedilatildeo de inuacutemeros pesquisadores Com Joseacute de Alencar ampliamos o
horizonte da pesquisa dos intelectuais no Brasil ateacute meados soacute seacuteculo XIX onde
estaacute nosso recorte temporal
Jaacute existem biografias consistentes sobre o Alencar Destaco o trabalho beneditino de
Raimundo de Menezes (1965) ldquoJoseacute de Alencar literato e poliacuteticordquo que recolheu
desde documentos pessoais ateacute fotografias e caricaturas do periacuteodo mas que tenta
natildeo traccedilar uma criacutetica ao trabalho de Alencar sendo um texto predominantemente
factual Eacute para aonde me remeto como uma fonte baacutesica do estudo e que
determina a linha mestra da descriccedilatildeo mas me apoiando tambeacutem em alguns outros
textos5 Ressaltamos aqui que nosso recorte iraacute enfatizar tambeacutem o contexto das
relaccedilotildees sociais que satildeo (ou podem ser) determinadas pelo texto
5Outras biografias satildeo MAGALHAtildeES Raimundo Jr Joseacute de Alencar e sua eacutepoca Satildeo Paulo Ed
Lisa 1971 FILHO Luiz Viana A vida de Joseacute de Alencar Satildeo Paulo Ed UNESPSalvador Edufba 2008 e NETO Lira O inimigo do rei uma biografia de Joseacute de Alencar ou a mirabolante aventura de um romancista que colecionava desafetos azucrinava D Pedro II e acabou inventando o Brasil Satildeo Paulo Globo 2006
11 PRIMEIROS ANOS
No dia 1ordm de Maio de 1829 em uma pequena casa no siacutetio Alagadiccedilo Novo na vila
de Nossa Senhora da Conceiccedilatildeo de Messejana periferia de Fortaleza proviacutencia do
Cearaacute nasce Joseacute Martiniano de Alencar Filho Seu pai um padre que haacute pouco
deixara a batina para se envolver na poliacutetica6 junto com D Baacuterbara de Alencar sua
matildee o irmatildeo Tristatildeo de Alencar e o tio Leonel Pereira de Alencar foi figura de
destaque na revoluccedilatildeo pernambucana Um revolucionaacuterio liberal ldquoexaltadordquo proacute-
repuacuteblica que posteriormente foi eleito deputado constituinte para o congresso
lusitano7 Alencar mantinha relaccedilotildees proacuteximas com os liberais de Minas Gerais e de
Satildeo Paulo como o Padre Joseacute Bento e com Custoacutedio Dias
Os (chamados) rebeldes de Pernambuco eram militares de alta patente
comerciantes senhores de engenho e sobretudo padres (calcula-se em 45 o
nuacutemero de padres envolvidos) Apesar de ter em suas linhas elementos do povo e
escravos natildeo era uma revoluccedilatildeo que pudesse ser chamada de popular Antes
tentava afirmar a dominaccedilatildeo de alguns grupos de elite local Sobe forte influecircncia da
maccedilonaria que disseminava as ideias liberais entre seus grupos os rebeldes
proclamaram uma repuacuteblica independente que incluiacutea aleacutem de Pernambuco as
capitanias da Paraiacuteba e do Rio Grande do Norte chegando com Alencar ateacute o
Cearaacute O movimento chega a controlar o governo durante dois meses Alguns de
seus liacutederes inclusive padres foram fuzilados Alencar consegue o perdatildeo
(CARVALHO 2002)
Com a abdicaccedilatildeo havendo o Senador pelo Cearaacute Joatildeo Carlos Augusto de
Oeynhausen e Gravenburg marquecircs de Aracati acompanhado D Pedro I em sua
volta a Portugal declara o senado a vacacircncia de sua cadeira O nome de Joseacute
Martiniano o pai eacute indicado em lista triacuteplice entregue a apreciaccedilatildeo da Regecircncia-
6 Um padre longe da igreja Menezes (1965) cita em nota que natildeo foram encontrados os registros de
Alencar na arquidiocese de Fortaleza 7 O pai de Alencar poliacutetico ativo e um dos participantes do movimento republicano proclamado no
Cearaacute em 1817 jaacute forneceria uma sedutora monografia Preferimos aqui em funccedilatildeo da metodologia exigida e dos limites da pesquisa buscar uma anaacutelise coerente apesar de firmada em caminhos mais sinteacuteticos
trina Aprovado toma posse em 02 de Maio de 1832 A vida na corte do Rio de
Janeiro o esperava mas natildeo por muito tempo Em 23 de agosto de 1834 eacute nomeado
presidente da proviacutencia do Cearaacute e retorna agrave terra natal com a famiacutelia Passados
alguns anos de uma administraccedilatildeo exemplar com a renuacutencia do Regente Feijoacute ndash
com quem mantinha agora relaccedilotildees proacuteximas - foi exonerado do cargo Alencar e
Feijoacute desde o golpe de estado de 1832 em que se reuniam nas sessotildees do Partido
Moderado jaacute admitiam certa cumplicidade de ideias
A famiacutelia deixa o Cearaacute e ruma novamente agrave corte em meados de 1838 onde o
Alencar reassume sua cadeira no senado O pequeno Joseacute de Alencar entatildeo com
11 anos passa a frequentar o coleacutegio elementar
O pai de Joseacute de Alencar o senador Joseacute Martiniano de Alencar eacute figura chave no
processo de maioridade de D Pedro II Enquanto orador oficial do Senado faz um
discurso durante a coroaccedilatildeo e sagraccedilatildeo do imperador no Paccedilo da cidade clamando
ao povo e a divina providecircncia para que iluminem o futuro monarca (SCHWARCZ
1998) Com a posse de D Pedro II eacute nomeado logo a seguir presidente do Cearaacute
Toma a administraccedilatildeo da proviacutencia por alguns meses mas depois de enfrentar
algumas revoltas populares deixa o governo e retorna agrave Corte em 1841 Neste
ponto o senador Alencar - agora cooptado pelo Estado - provavelmente jaacute estava
bem distante das ideias que proclamava nos movimentos revolucionaacuterios
Joseacute de Alencar o filho tem no Cearaacute - donde passa a infacircncia nessas idas e
vindas - a vida tranquila do interior Ali encontra as imagens que o seguiram pela
vida inteira e ajudaratildeo a criar as representaccedilotildees para uma naccedilatildeo nova esplecircndida
como tudo o mais que havia a sua volta naquele momento
Alencar desembarca em Satildeo Paulo em maio de 1843 ldquoUm mirrado rapazola de
catorze anos Vem completar os exames preparatoacuteriosrdquo (MENEZES 1965 p49) A
falta de livrarias e gabinetes de leitura e a dificuldade de comunicaccedilotildees com a
Europa torna o acesso aos livros uma dificuldade jaacute naquela eacutepoca Os livreiros em
sua maioria se estabelecem no Rio de Janeiro e vendem majoritariamente tiacutetulos
em inglecircs ndash visto a quantidade de residentes ingleses - e francecircs e alguns romances
adaptados e traduzidos mas ainda pouco material (RENAULT 1976)
Alencar eacute uma figura que passaria despercebida em qualquer local Alto magro
moreno de oacuteculos De jeito acanhado ateacute mesmo silencioso Natildeo frequentava as
tabernas ou salotildees o que produzia certo estranhamento natildeo soacute dos colegas da
repuacuteblica mas nos estudantes em geral Durante o Impeacuterio como os cursos
regulares de medicina direito e engenharia ainda natildeo se proliferassem no periacuteodo
tais escolas natildeo se configuravam apenas como um centro de produccedilatildeo de uma
cultura intelectual no Brasil Eram antes espaccedilos para uma consolidaccedilatildeo do poder
nas matildeos de uma elite citadina que comeccedilava a se sobressair (COSTA 1999) A
frequentaccedilatildeo agraves escolas de Direito era a antessala necessaacuteria ao jovem que
buscava a ocupaccedilatildeo em algum cargo puacuteblico A criaccedilatildeo de cursos de niacutevel superior
tambeacutem busca a criaccedilatildeo de um funcionalismo que possa assumir os cargos da
burocracia do Estado Tambeacutem uma parte da formaccedilatildeo da Corte e uma carreira
possiacutevel dentro de um escasso mercado de trabalho
Durante o periacuteodo do curso os estudantes bagunccedilavam a cidade promovendo
reuniotildees serenatas e bebedeiras num tributo a Lord Byron8 em noitadas
ldquosatanistasrdquo Quando Alencar se transfere para Satildeo Paulo esse Byronismo estaacute na
moda (MENEZES 1977 p 50) os estudantes saem pelas ruas blasfemando contra
a vida e o amor de ldquocapa e cabeleirardquo 9 virando a vida de pernas para o ar Alencar
nunca foi dado a esses arroubos da juventude preferindo levar uma vida mais
absorta em seus pensamentos
Em 1846 Alencar se matricula na Academia Ali tem suas primeiras experiecircncias
jornaliacutestico-literaacuterias onde funda junto a alguns colegas primeiranistas a revista
semanal Ensaios Literaacuterios Em comeccedilos de 48 depois de tirar feacuterias em Fortaleza e
no siacutetio Messejana embarca para a cidade de Olinda onde se matricula no 3ordm ano
do curso Juriacutedico A companhia de Alencar ali satildeo os passeios pelas ruas solitaacuterias e
a biblioteca do mosteiro de Satildeo Bento onde funcionava o curso e aonde tem
acesso a exemplares dos cronistas coloniais Natildeo fica ali por muito tempo voltando
8 Poeta romacircntico inglecircs que veio a morrer na primeira metade do seacutec XIX 9 A expressatildeo recolhida por Menezes de um comentaacuterio de Brito Broca estaacute indefinida Parece
remeter aos juristas ingleses e americanos ndash modelos para esta juventude da elite da corte portanto ndash de usarem perucas como um siacutembolo de poder Renault (1976) indica ndash a partir de uma fonte de 1816 - que cada profissatildeo recorre a determinado tipo de cabeleira como forma de distinccedilatildeo
posteriormente para Satildeo Paulo Alencar comeccedila jaacute a sentir os primeiros sintomas da
doenccedila que o acompanharia ateacute o fim da vida e o clima do Nordeste possivelmente
seria um alivio para a tuberculose
Por fim consegue se formar em Direito em 1849 (na turma de 50) na Faculdade de
Direito do Largo de Satildeo Francisco Satildeo Paulo eacute uma ldquocidadezinha de terceira ordem
tristonha e brumosa natildeo possui cerca de 12 a 14 mil almas se tantordquo (MENEZES
1965 p 60) O espaccedilo eacute dividido entre os estudantes grupo entatildeo numerosiacutessimo
ldquoe o restordquo como diziam Meretrizes gente pobre nos corticcedilos alguns emigrantes
que vinham tentar a vida fora do campo e artistas mambembes que buscavam levar
alegria para ali Carvalho (2007) sustenta que a escolha por Satildeo Paulo e Olinda para
o estabelecimento dos cursos de Direito foi uma maneira de unificar os laccedilos entre
as elites dispersas pelas vaacuterias regiotildees para posteriormente associa-las a Corte
Alencar natildeo foge a regra e muda-se para o Rio de Janeiro cidade mais promissora
economicamente onde comeccedila a trabalhar como praticante no escritoacuterio de
advocacia do Dr Caetano Alberto Soares um dos mais procurados chegando a
representar em certas ocasiotildees a Casa Imperial Alencar trabalha ali por quatro
anos onde se inicia nos estudos mais aacuteridos do Direito mas natildeo esquece o
jornalismo
12 VIDA NA CORTE
Em 09 de agosto de 1853 Alencar comeccedila a trabalhar a convite de um amigo na
redaccedilatildeo do jornal Correio Mercantil - chamado ldquoo grande jornal das ideias liberaisrdquo -
com a obrigaccedilatildeo de promover mudanccedilas em sua estrutura que viessem a tornaacute-lo
um pouco mais popular Era tido como um abrigo dos letrados e o mais importante
dos diaacuterios da Corte a eacutepoca Ateacute 1852 o Correio Mercantil era um dos jornais
cariocas com eventual tiragem em francecircs (MENEZES 1965) Alencar passaraacute a
analisar os acontecimentos da semana no rodapeacute da primeira paacutegina da revista
hebdomadaacuteria ldquoPaacutegina Menorrdquo publicada sempre aos domingos No seacuteculo XIX tais
revistas - em formato de folhetins - jaacute satildeo comuns na imprensa nacional
O trabalho de Alencar era reunir diversos assuntos com uma escrita leve e que
chamasse a atenccedilatildeo do puacuteblico Agora mesmo avesso a festas e salotildees de baile -
como o do Cassino Fluminense famoso ponto de encontro onde fluiacuteam amizades e
intrigas liberais e conservadores conversavam serenamente com seu jeito sisudo o
jovem e acanhado jornalista comeccedila a frequentar a sociedade a procura de ideias e
tambeacutem de amigos
Alencar sabia como bom jornalista que por vezes seria preciso natildeo soacute relatar os
fatos mas tambeacutem criaacute-los eacute o caso do desfile de carnaval Desde 1854 a poliacutecia
proiacutebe a praacutetica do entrudo10 no carnaval Em 1855 um grupo de foliotildees animados
por jornalistas do Correio Mercantil em sua maioria resolve por na rua um carnaval
diferente com desfile de banda de muacutesica carros alegoacutericos e cavaleiros nos
moldes do carnaval de Veneza A moda de oacuteperas italianas pelos teatros da cidade
faz com que o estranhamento seja menor pela populaccedilatildeo jaacute familiarizada com os
tipos da comeacutedia italiana como arlequins e colombinas Alencar acompanhando o
entatildeo coronel Polidoro da Fonseca11 e Muniz Barreto proprietaacuterio do Correio
Mercantil vai ao Paccedilo da Quinta da Boa Vista convidar a famiacutelia imperial para o
desfile que viria a passar tambeacutem no Largo do Paccedilo Seria o primeiro destes
desfiles a se apresentar no Rio de Janeiro O imperador comparece e aprecia o
espetaacuteculo D Pedro II poucos anos mais velho que Alencar reconhece naquele
ldquofilho de padrerdquo um pouco da convicccedilatildeo e do ativismo do velho senador Alencar
Poreacutem o fato de Alencar assumir-se ldquoa favor do impeacuteriordquo natildeo quer dizer que morria
de amores por D Pedro II
Em 1855 devido a alguns desentendimentos com a direccedilatildeo do jornal abandona o
Correio Mercantil e sua coluna ldquoAo correr da penardquo que eacute um sucesso na eacutepoca
voltando a militar na advocacia por algum tempo Em outubro do mesmo ano
assume os cargos de gerente e redator-chefe do Diaacuterio do Rio de Janeiro com a
10 O entrudo era uma festa popular oriunda de Portugal Significa literalmente ldquointroduccedilatildeordquo e remonta antigas praacuteticas pagatildes Carnaval de rua que desde os tempos da colocircnia vem sendo proibido pelas autoridades constituiacutedas devido aos constantes excessos do povo Ver por exemplo DAMATTA Roberto Carnavais malandros e heroacuteis Para uma sociologia do dilema brasileiro Rio de Janeiro Rocco 1997 11 Os ldquoFonsecardquo eram uma famiacutelia aleacutem de influente vasta nos quadros do exeacutercito Podemos citar desde alguns heroacuteis da guerra do Paraguai ateacute o grupo que sustenta Deodoro na proclamaccedilatildeo da repuacuteblica Ver para um melhor esclarecimento nota em CARVALHO Joseacute Murilo de A formaccedilatildeo das almas o imaginaacuterio da repuacuteblica no Brasil Satildeo Paulo companhia das letras 1990 p 144
tarefa de reerguer o entatildeo decadente jornal (o primeiro jornal diaacuterio surgido no Rio
de Janeiro12) alavancando suas vendas Jaacute era naquele momento um jornalista com
certo renome e seus textos sugerem influecircncias de autores europeus O modelo
civilizacional francecircs - e isto de comum acordo com a grande maioria dos bachareacuteis
que frequentavam a corte - eram de seu agrado e como muitos outros redatores do
periacuteodo foi dele tambeacutem um divulgador Eacute o ldquoafrancesamentordquo da sociedade
carioca que se manifestava tambeacutem no uso da linguagem pelos jornais Alencar eacute
grande apreciador de Lamartine e leitor de Balzac e Voltaire desde os tempos da
academia em que passava as tardes junto ao dicionaacuterio de francecircs
Nos fins de 1854 vem ao Rio de Janeiro em feacuterias das funccedilotildees de cocircnsul geral na
regiatildeo da Sardenha na atual Itaacutelia o poeta Domingos Joseacute Gonccedilalves de
Magalhatildees - futuro visconde de Araguaia Traz consigo os originais do poema ldquoA
confederaccedilatildeo dos Tamoiosrdquo obra que dizia ele revolucionaria as letras nacionais
Grande amigo de D Pedro II este manda imprimir uma ediccedilatildeo do poema na
conhecida tipografia de Paula Brito13 em rica encadernaccedilatildeo o que jaacute era um motivo
para que o proclamado poema fosse lido O assunto gira em torna das lutas dos
Tamoios com portugueses em meados do seacuteculo XVI no litoral fluminense e paulista
exaltando o quanto podia as figuras histoacutericas do periacuteodo As criacuteticas foram
unacircnimes o poema era ndash segundo comentadores do periacuteodo como Alexandre
Herculano e Gonccedilalves Dias ndash uma grande decepccedilatildeo Alencar oculto pelo
pseudocircnimo Ig14 investe criticamente sobre o poema classificando-o de mediacuteocre
em uma seacuterie de oito cartas publicadas em sua coluna no Jornal Seria este o
primeiro debate substancioso sobre literatura travado no Brasil e de certa forma a
primeira querela envolvendo o artista e o imperador
12 Interessante lembrar que o Diaacuterio do Rio de Janeiro chega a ser apontado como subversivo por
Joseacute Bonifaacutecio que manda averiguar o teor do ldquoescritos incendiaacuteriosrdquo ali publicados em 1822(COSTA 1999 p71) No Diaacuterio seriam publicados artigos contraacuterios agrave monarquia constitucional Alencar era assumidamente um conservador 13 Paula Brito eacute editor e dono de tipografia um conhecido ponto de encontro de intelectuais e poliacuteticos do periacuteodo Mulato de origem pobre assim como Machado de Assis eacute mais um indicativo de que nas letras nacionais a poliacutetica de segmentaccedilatildeo racial era mais amena 14 Menezes comenta em uma nota que tendo o Imperador esquecido de convidar o Alencar para a leitura da ldquoConfederaccedilatildeo dos Tamoiosrdquo em seccedilatildeo no gabinete imperial este viria a se tornar um criacutetico ferrenho de Magalhatildees Nos parece um reducionismo a implicacircncia do Alencar natildeo chega a tanto e sua capacidade como escritor e poliacutetico mostra bem sua capacidade
A carta aberta eacute comum na imprensa do periacuteodo Um comentador coloca suas
opiniotildees de maneira direta e soacutebria com o intuito de publicitar um assunto Um
debate aberto por vezes uma provocaccedilatildeo E o direito de resposta era concedido
prontamente O assunto se tornado interessante era esperado pelos leitores
A maior parte das criacuteticas se refere agrave gramaacutetica e a metrificaccedilatildeo O poeta Arauacutejo
Porto-Alegre cognominado ldquoO amigo do poetardquo sai em defesa de Magalhatildees
Alencar rebate e a esta altura Ig natildeo seria mais um desconhecido Porto-Alegre
chega a transparecer que a peleja do Alencar natildeo seria contra o preterido poeta
mas um ataque indireto ao seu protetor D Pedro II Alguns outros aparecem pelas
paacuteginas do jornal apoiando tropegamente poema e poeta Alencar segue firme e o
imperador assume a pena sob o codinome de ldquoOutro amigo do poetardquo Escreve seis
artigos que Alencar responde com airosidade O imperador pede a opiniatildeo favoraacutevel
de alguns amigos sobre o poema mas nem as criacuteticas encaminhadas por Gonccedilalves
Dias e Alexandre Herculano conseguem convencer D Pedro II do contraacuterio que
Magalhatildees natildeo era tatildeo bom assim Torna-se entatildeo uma guerra puacuteblica de teimosos
Alencar no mesmo ano reuacutene em livro as cartas publicadas sobre A confederaccedilatildeo
dos tamoios No ano seguinte Magalhatildees publica uma segunda ediccedilatildeo do poema
que D Pedro II promove agora chegando a pagar a publicaccedilatildeo de duas traduccedilotildees
para o idioma italiano da obra O imperador incentiva a pesquisa e publicitaccedilatildeo de
trabalhos que enfatizam essa mitologia romacircntica do indigeniacutesmo mas natildeo significa
que esteja preocupado com a esteacutetica literaacuteria Suas razotildees estatildeo mais proacuteximas do
campo poliacutetico como tambeacutem o seria com sua relaccedilatildeo com o instituto histoacuterico e
geograacutefico ao qual era o maior patrocinador Era o momento de solidificar os
siacutembolos da nova naccedilatildeo e o indigeniacutesmo aleacutem de tudo se caracteriza por ser um
movimento antilusitano (ROMANCINI 2007)
Sobre o texto de Magalhatildees o puacuteblico aparentemente se cansa da peleja e Alencar
como redator do jornal precisa procurar mateacuteria mais interessante e a contenda se
dissipa no tempo Mas esta seria a primeira de uma seacuterie de desavenccedilas
envolvendo o Imperador e Alencar
Em dezembro de 1856 Alencar termina seu primeiro livro distribuiacutedo para os leitores
do Diaacuterio do Rio de Janeiro como um presente no Natal No ano seguinte publica o
primeiro folhetim15 de O guarani no Diaacuterio e depois em livro organizado em quatro
volumes e os primeiros capiacutetulos de A viuvinha em folhetim O sucesso de O
guarani eacute tamanho que vaacuterias portas satildeo abertas para o escritor Eacute neste ano que
Alencar ingressa no teatro com sua peccedila ldquoO Rio de Janeiro verso e reversordquo em
novembro estreia com ldquoO democircnio familiarrdquo e ainda em dezembro do mesmo ano a
comeacutedia ldquoO creacuteditordquo A sociedade apresentada nos palcos do Rio de Janeiro para
Alencar natildeo seria aquela que ele via nas ruas Seu modelo era a ldquosociedaderdquo
francesa Comenta assim em uma crocircnica
(hellip) a verdadeira comeacutedia a reproduccedilatildeo exata e natural dos costumes de uma eacutepoca a vida em accedilatildeo natildeo existe no teatro brasileiro Natildeo achando pois em nossa literatura um modelo fui buscaacute-lo no paiacutes mais adiantado em civilizaccedilatildeo e cujo espiacuterito tanto se harmoniza com a sociedade brasileira na Franccedila Fui feliz o puacuteblico ilustrado foi mais beneacutevolo do que eu esperava e merecia O Democircnio Familiar escrito conforme a escola de Dumas Filho sem lances cediccedilos sem gritos sem pretensatildeo teatral agradourdquo (MENEZES 1977 p 135)
No exposto entendemos que Alencar buscava um modelo ldquomelhorrdquo segundo ele
para a sociedade carioca O modelo francecircs de certa forma jaacute impregnado na
sociedade da Corte eacute agora validado pela arte e aplaudido pelo grupo Tal modelo
como afirma natildeo estava na literatura dramaacutetica nacional A vida em accedilatildeo natildeo existe
no teatro A questatildeo eacute qual seria essa vida que Alencar buscava A das ruas
imundas do Rio de Janeiro dos escravos que recolhiam os dejetos na cidade da
incipiente induacutestria nacional Certamente natildeo
A peccedila de maior aceitaccedilatildeo puacuteblica eacute ldquoO democircnio familiarrdquo e a mais divulgada de
suas comeacutedias Machado de Assis em um artigo qualifica a peccedila ldquoO democircnio
familiarrdquo como um retrato da famiacutelia brasileira no periacuteodo com sua caracteriacutestica ndash
segundo ele ndash paz domeacutestica O texto circula tambeacutem em versatildeo impressa com uma
dedicatoacuteria agrave imperatriz D Teresa Cristina o que chega a ser considerado uma gafe
de Alencar sendo a personagem principal o referido democircnio familiar um moleque
chamado Pedro assim como D Pedro II (e tambeacutem D Pedro I ) Na estreia do
espetaacuteculo no Teatro do Ginaacutesio comparecem D Teresa e D Pedro II que chega a
se irritar com os olhares maliciosos e risadas do puacuteblico a cada travessura do
15
Alencar estava - de certa forma - na vanguarda da miacutedia O folhetim foi uma invenccedilatildeo de Gustave
Planche no dececircnio de 1820 na Franccedila introduzindo uma forma diferenciada agrave narrativa do romance Era um modelo que agradou e ajudou a construir popularidade para Alencar Ver CAcircNDIDO Antocircnio Literatura e Sociedade 9ordf Ed Rio de Janeiro Ouro sobre Azul 2006 p 43
escravo no palco Segundo esse autor se origina daiacute e natildeo do episoacutedio da
Confederaccedilatildeo dos Tamoios as diferenccedilas entre o imperador e Alencar De qualquer
forma natildeo se pode deixar de ver Joseacute de Alencar como um implicante
Em 30 de maio de 1858 no teatro do Ginaacutesio Dramaacutetico estreia a comedia ldquoAs asas
de um anjordquo Depois da terceira apresentaccedilatildeo puacuteblica o texto eacute proibido pelo chefe
de poliacutecia Alencar vem a puacuteblico atraveacutes do Diaacuterio questionar a arbitrariedade e
apresentar sua defesa Questiona como um espetaacuteculo aprovado anteriormente pela
censura (apresenta-las anteriormente aos censores era o procedimento padratildeo)
poderia ser logo depois proibido Diz o autor ter se baseado em uma peccedila de
Alexandre Dumaacutes Filho sobre uma prostituta jaacute tendo sido o espetaacuteculo
apresentado no mesmo teatro semanas a fio sendo assim bem conhecida do
puacuteblico Apresenta ali seus argumentos e motivos repetindo que natildeo entende como
um texto que ele mesmo admite eacute adaptado de um romance europeu ndash a dama das
cameacutelias - que apresenta jaacute a eacutepoca relativo sucesso de puacuteblico no teatro pocircde ser
censurado Eacute ali que Alencar entende da pior maneira que a sociedade carioca de
entatildeo natildeo aceita ser confrontada com uma caracterizaccedilatildeo tatildeo realista de seus
costumes Havia assuntos ainda difiacuteceis de discutir Eacute interessante nos determos um
pouco aqui para analisar o confronto do autor com a censura Alencar se sente
intimamente ofendido com a proibiccedilatildeo e parte para sua defesa puacuteblica fazendo o
que sabe fazer mobilizar a opiniatildeo puacuteblica atraveacutes do jornal
Em 28 de junho de 1858 Alencar puacuteblica no Diaacuterio do Rio de Janeiro um artigo que
viria a ser uma espeacutecie de ldquodireito de defesardquo a censura do espetaacuteculo16 Eacute
interessante no sentido de que podemos ter uma visatildeo ampla da censura praticada
pelas instituiccedilotildees puacuteblicas no periacuteodo imperial Eacute ndash inicia a carta indicando ndash o seu
direito e dever como escritor Alencar se diz indiferente a ldquopuniccedilatildeordquo e explica que tal
somente serviraacute para ldquoexcitar a curiosidade puacuteblicardquo por isso vem a puacuteblico
defender-se apenas por que se diz um defensor da moral e natildeo quer manchar sua
imagem aceitando passivamente a (afirma) injusticcedila Natildeo pretende fugir a puniccedilatildeo e
afirma que ldquose quiser dar-lhe maior publicidade tenho ainda um meio a imprensa
16
Artigo transcrito na seccedilatildeo ldquoensaios literaacuteriosrdquo em ALENCAR Joseacute de Teatro completo Rio de
Janeiro Serviccedilo Nacional de Teatro 1977 As referecircncias entre aspas satildeo todas do artigo
que natildeo estaacute sujeita agrave censura policialrdquo A peccedila conta havia sido liberada por meio
de despacho especiacutefico pela poliacutecia em 25 de maio e pelo Conservatoacuterio Dramaacutetico
ainda em janeiro o que jaacute indica uma contradiccedilatildeo Dentre as causas estipuladas
pela lei para a proibiccedilatildeo de espetaacuteculo teatral estavam o ataque agraves autoridades
constituiacutedas o desrespeito agrave religiatildeo e a ofensa agrave moral puacuteblica que no entender do
jornalista seria o motivo da proibiccedilatildeo
Alencar afirma ter pensado bastante na reaccedilatildeo que o puacuteblico teria sobre o tema e
afianccedila ter se baseado em obras dramaacuteticas filhas da chamada ldquoescola realistardquo que
vem de Paris e que tecircm sido representadas em nossos teatros sende ele mesmo
um dos espectadores Mas sustenta ldquoesqueci-me que o veacuteu que para certas
pessoas encobre a chaga da sociedade estrangeira rompia-se quando se tratava de
esboccedilar a nossa proacutepria sociedaderdquo (ALENCAR 1977 p 227) Afirma que o puacuteblico
da Corte assistindo a ldquoA dama das Cameacuteliasrdquo ou agraves ldquoMulheres de Maacutermorerdquo cada
um toma Margarida Gauthier e Marce satildeo apenas duas moccedilas um pouco
estravagantes mas quando se transpotildee a questatildeo para o Brasil em As asas de um
anjo o espectador encontra a realidade diante de seus olhos e espanta-se sem
razatildeo de ver no teatro sobre a cena o que vecirc todos os dias na rua e nos passeios
Mas o que seria imoral O que motivaria tal ato da poliacutecia Alencar explica que eacute
imoralidade o ato que a moral reprova Alencar se defende dizendo que sua intenccedilatildeo
era a pretenccedilatildeo de mostrar uma liccedilatildeo para os pais de famiacutelia sobre a necessidade
de cuidarem da educaccedilatildeo moral de seus filhos de constituiacuterem-se enquanto famiacuteias
Sustenta que em sua tese natildeo haacute aiacute uma soacute personagem que natildeo represente uma
ideia social que natildeo tenha uma missatildeo moralizadora Natildeo eacute ele quem nos
apresenta diz eacute a proacutepria sociedade E as instituiccedilotildees puacuteblicas criam um
impedimento para que o grupo possa comfrontar sua realidade eacute mais uma barreira
constriacuteda como podemos observar entre o povo (rebelde inculto imoral) e a elite
que soacute observa isso de sua cadeira ou camarote estando distante de tudo
Alencar se desgosta com aquilo e abandona logo depois o Diaacuterio do Rio de Janeiro
e a dramaturgia (pelo menos por enquanto) voltando a se dedicar ao Direito e a seu
trabalho como advogado no escritoacuterio do Dr Caetano Alberto E agora com clientela
vasta Ao longo do periacuteodo imperial com a estabilidade da economia e um maior
(ainda pouco) desenvolvimentos das cidades aparecem outros caminhos para o
trabalho que natildeo somente a burocracia mas a grande maioria dos profissionais
liberais natildeo consegue manter-se Apesar do desenvolvimento da advocacia do
magisteacuterio da medicina do jornalismo muitos destes profissionais liberais ndash o caso
de Alencar ndash encampam duas profissotildees ao mesmo tempo como forma de
sobrevivecircncia ou de esperar ser alcanccedilado pelo braccedilo sedutor do emprego puacuteblico
Para Neto (2006) a produccedilatildeo literaacuteria de Alencar natildeo estaacute desvinculada de sua
personalidade um tanto depressiva e afastada da vida noturna da capital lugar
comum para poliacuteticos e jornalistas - vaacuterios deles conhecidos por Alencar que
preferia a tranquilidade de sua propriedade na periferia onde recebia alguns poucos
amigos Ali entre seus livros dedicava-se a leitura de cronistas e historiadores e a
pesquisa sobre a histoacuteria poliacutetica dos seacuteculos XVIII e XIX Tais leituras teriam levado
Alencar a um aprofundamento de sua reflexatildeo criacutetica sobre a realidade brasileira e
os padrotildees de comportamento da sociedade e das instituiccedilotildees que a constituem e
da famiacutelia burguesa em particular
13 MILITAcircNCIA POLIacuteTICA
Em dezembro de 1858 quando Nabuco de Arauacutejo assume o cargo de Ministro e
Secretaacuterio de Estado dos Negoacutecios da Justiccedila trata logo de promover uma reforma
interna neste e o nome de Alencar eacute lembrado para uma diretoria de Seccedilatildeo na
Secretaria de Estado dos Negoacutecios da Justiccedila Depois de alguns meses no cargo
solicita a um amigo do partido conservador o entatildeo conselheiro Euseacutebio de Queiroz
uma melhoria em seu cargo Em maio de 1859 seu pedido eacute aceito e agora como
consultor recebe o tiacutetulo de conselheiro com seus 30 anos Comeccedila o gosto pela
poliacutetica que estava desde sempre segundo Alencar em sua famiacutelia No mesmo ano
que entra para o ministeacuterio eacute nomeado professor de direito mercantil do Instituto
Mercantil no Rio de Janeiro Ao mesmo tempo publica vaacuterios trabalhos juriacutedicos de
reconhecido valor que alcanccedilam segundas e terceiras ediccedilotildees o que prova que o
texto de Alencar era procurado e lido que conseguiu sucesso como autor ainda em
sua juventude (algo dificilmente alcanccedilado mesmo hoje)
A poliacutetica assim dizia o Alencar era como uma religiatildeo em sua famiacutelia e o desejo
por uma cadeira na Assembleia jaacute eacute latente Mas em sua primeira candidatura em
1856 para uma cadeira de deputado geral pela proviacutencia do Cearaacute na primeira
eleiccedilatildeo por distritos natildeo eacute eleito na ocasiatildeo (ALENCAR 2009) Em 15 de marccedilo de
1860 tem outro desgosto falece o velho senador Alencar seu pai Talvez a uacuteltima
chance de associaccedilatildeo aos quadros do Partido liberal No mecircs seguinte comeccedila
uma correspondecircncia com amigos no Cearaacute jaacute no intuito de buscar uma candidatura
para deputado Em novembro e ainda trajando luto17 embarca para Fortaleza onde
busca amigos e correligionaacuterios para iniciar sua campanha pelo partido conservador
nas periferias da capital cearense Com a quantidade limitada de eleitores pela
legislaccedilatildeo vigente em poucos dias consegue-se conversar com um significativo
percentual de eleitores Apesar de seu pai ser um grande nome do partido liberal e
mesmo Alencar sendo o redator-chefe do Diaacuterio do Rio de Janeiro folha
declaradamente liberal o partido natildeo sugeriu uma filiaccedilatildeo ou a possibilidade de
concorrer a algum cargo puacuteblico fato que seraacute lembrado posteriormente com certa
amargura Talvez com os liberais Alencar pudesse exercitar melhor sua ojeriza por
D Pedro II que jaacute era manifesta a eacutepoca Talvez pelo mesmo motivo o partido natildeo
o desejasse em suas linhas A tatildeo falada homogeneidade de pensamento entre
liberais e conservadores se aplica aqui onde algueacutem que pudesse desagradar o
imperador seria um filho sem pai O que Alencar jaacute sabia era que se natildeo
conseguisse apoio de alguma lideranccedila poliacutetica ndash de um lado ou de outro -
provavelmente natildeo seria eleito Foi o que aconteceu no primeiro pleito Alencar
entatildeo se ldquoapadrinhardquo de Euseacutebio de Queiroz e com o apoio deste e do grupo
conservador eacute eleito para a Cacircmara em 1861
Os principais partidos do periacuteodo o liberal e o conservador apresentavam algumas
diferenccedilas importantes O professor Bonavides consegue uma caracterizaccedilatildeo
abrangente para o periacuteodo de nosso recorte
17 O traje de luto para meados do seacuteculo XIX era conservado por um tempo relativamente grande
quando se tratava de um familiar proacuteximo Poreacutem pode ter funcionado como uma ferramenta
importante na construccedilatildeo de um personagem para sua campanha poliacutetica Ele eacute praticamente um
desconhecido no Cearaacute Eacute preciso mostrar-se como cristatildeo bom filho etc
Os liberais do Impeacuterio exprimiam na sociedade do tempo os interesses urbanos da burguesia comercial o idealismo dos bachareacuteis o reformismo progressista das classes sem compromissos diretos com a escravidatildeo e o feudo
Os conservadores pelo contraacuterio formava o partido da ordem o nuacutecleo das elites satisfeitas e reacionaacuterias a fortaleza dos grupos econocircmicos mais poderosos da eacutepoca os da lavoura e pecuaacuteria compreendendo plantadores de cana-de-accediluacutecar cafeicultores e criadores de gado (BONAVIDES 2000 p491)
Tambeacutem Ilmar Mattos (1987) afirma que a diferenccedila entre ldquoLuzias e Saquaremasrdquo jaacute
estava demarcada desde as revoltas liberais do periacuteodo regencial Poreacutem como os
partidos poliacuteticos ainda natildeo havia desenvolvido suficiente forccedila enquanto instituiccedilatildeo
e ainda natildeo haviam desenvolvido sua configuraccedilatildeo atual geralmente os interesses
pessoais (e as ideias) determinavam as accedilotildees dos poliacuteticos Joseacute Murillo de
Carvalho (2007) sustenta a posiccedilatildeo dos magistrados tipicamente centrados no
partido conservador tanto quanto o clero no partido liberal tendo o grupo dos
militares preferido manter certa neutralidade e por fim um ldquogrupo ascendente de
profissionais liberais formando a ala ideoloacutegica do Partido Liberal e o nuacutecleo do
Partido Republicano do Rio de Janeirordquo (CARVALHO 2007 p 225) Nas cartas
Alencar sustenta que ldquoera do comeacutercio portuguecircs e aderecircncias que o partido
conservador tirava principalmente sua forccedila e os recursos com que sustentava a
lutardquo e mais adiante afirma que ldquoo partido conservador servia-se da induacutestria para
subir ()rdquo (ALENCAR 2011 p63) Em sua quase totalidade estes homens eram
representantes de uma sociedade patriarcal europeizada escravagista e machista
Tais homens partilhavam desse universo cultural que inclusive os caracterizava
independente do partido a que estavam filiados E quantas vezes tais interesses natildeo
se confundiam com a vontade do imperador - figura maior que muitos queriam
agradar e poucos tinham coragem de desagradar Bonavides (2000) citando Rui
Barbosa diz que os dois partidos na praacutetica se resumiriam em um soacute o partido do
poder Faoro (2004) tambeacutem sustenta que no segundo reinado a partir de 1836 a
histoacuteria poliacutetica brasileira se resumiria aos dois grandes partidos o liberal e o
conservador A conciliaccedilatildeo foi algo como uma orientaccedilatildeo um acordo intrapartidaacuterio
ou mesmo uma coligaccedilatildeo e natildeo outro partido A liga que eacute tida como a associaccedilatildeo
geradora do partido progressista foi uma organizaccedilatildeo primaacuteria dessa lideranccedila que
tem seu teacutermino com a deposiccedilatildeo de Zacarias de Goacuteis em 1868 tendo seus filiados
se rearranjado entre liberais e conservadores As discussotildees entre as diferenccedilas
ideoloacutegicas dentro dos partidos excedem a pretensatildeo deste trabalho O que
modestamente se sustenta aqui eacute que a filiaccedilatildeo partidaacuteria se dava a princiacutepio natildeo
como resultado de um aceite pelo ator poliacutetico da base ideoloacutegica do partido ndash se eacute
que houvesse uma O partido conservador por exemplo nunca chegou a escrever
um manifesto ou coisa que o valha ndash mas a suas necessidades pessoais suas
pretensotildees sociais e para seu favorecimento econocircmico Para efeito geral
acompanharemos a anaacutelise de Carvalho
A complexidade dos partidos se refletia naturalmente na ideologia e no comportamento poliacutetico de seus membros dando agraves vezes ao observador desatento a impressatildeo de ausecircncia de distinccedilatildeo entre eles Um exame embora sumaacuterio de alguns problemas cruciais enfrentados pelos poliacuteticos do Impeacuterio pode no entanto mostrar tanto as divergecircncias interpartidaacuterias como intrapartidaacuterias (CARVALHO 2007 p 219)
Em Janeiro ao se realizarem as eleiccedilotildees secundaacuterias Joseacute Martiniano de Alencar
Filho eacute eleito pelo 1ordm distrito (tendo segundo um comentaacuterio seu obtido tambeacutem 30
votos dos cerca de 220 eleitores liberais) no Cearaacute junto a outros seis candidatos de
seu partido Em 23 de maio inicia seus trabalhos na corte O cargo de deputado eacute
um importante comeccedilo para a vida puacuteblica
Apesar de eleitos por um periacuteodo de quatro anos frequentemente conseguiam ser reeleitos para vaacuterias legislaturas ou detinham importantes cargos administrativos Muitos encontraram na Cacircmara um caminho faacutecil para o Senado e o Conselho de Estado Assim como os conselheiros de Estado e os senadores os deputados pertenciam a uma rede poliacutetica de clientela e patronagem que utilizavam tanto em seu proacuteprio benefiacutecio quanto no de seus amigos e protegidos (COSTA 1999 p 141)
Ainda sobre o assunto uma interessante anotaccedilatildeo de Tavares Bastos em seu diaacuterio
pessoal nos ilustra bem a posiccedilatildeo de ldquoclientelardquo a que os deputados estavam
submetidos Referindo-se ao fim de setembro 1869 comenta sobre uma reuniatildeo dos
senadores liberais autorizando Zacarias de Goacuteis a prosseguir negociaccedilotildees sobre o
orccedilamento com Cotegipe ministro da Marinha Ao redigir a informaccedilatildeo refere-se
aos senadores que compotildee uma fraccedilatildeo do partido denominada progressista ndash critica
ou ceticamente - como ldquoos nossos chefesrdquo (ABREU 2007 p122) Disto podemos
deduzir e ainda segundo o depoimento de Costa que Alencar tambeacutem natildeo eacute
nenhum ldquoheroacuteirdquo do Brasil Quer o cargo puacuteblico como uma seguranccedila que garanta
uma rede de relacionamentos necessaacuteria a permanecircncia nesta periferia da elite
com vistas a uma posterior promoccedilatildeo
Quando do iniacutecio dos trabalhos todos os olhares estavam postos sobre Alencar
Romancista e dramaturgo jaacute famoso jornalista respeitado filho de importante
Senador que chegara a orador do Senado na coroaccedilatildeo do Imperador a casa estava
cheia de expectativa para a fala inicial No calor da hora a emoccedilatildeo lhe sobe a
cabeccedila O discurso proferido tatildeo aguardado foi um grande fiasco com momentos
de indecisatildeo e certa disfemia Eacute aos poucos que a palavra lhe vai acontecendo vai
achando seu lugar na tribuna durante o mandato Os argumentos a reacuteplica sempre
pronta o exerciacutecio parlamentar vai construindo o personagem poliacutetico Joseacute de
Alencar que chega a ser um dos mais respeitados oradores da cacircmara A
humilhaccedilatildeo nos primeiros dias arranha um pouco do orgulho e da habitual
arrogacircncia do escritor para depois se constituir em um aprendizado decisivo do
poliacutetico
Em 13 de maio de 1863 eacute dissolvida a Cacircmara Alencar sentindo a doenccedila faz
algumas viagens de repouso fora do Rio de Janeiro De volta agrave Corte passa a morar
na Tijuca e diminui o ritmo da produccedilatildeo literaacuteria atendendo a conselhos meacutedicos Ali
conhece aquele que viria a ser um grande amigo o meacutedico Dr Thomaz Cochrane18
de quem posteriormente toma a filha em casamento Georgiana Augusta Cochrane
Em 1865 nasce seu primeiro filho Augusto
De temperamento arredio dado mesmo a solidatildeo com a dedicaccedilatildeo ao trabalho
redobrada agora pela necessidade de sustentar uma casa natildeo sendo um associado
do Instituto Histoacuterico e Geograacutefico natildeo sendo frequentador assiacuteduo de salotildees ou da
livraria do Paula Brito como outros literatos vai desligar-se ainda das poucas
relaccedilotildees sociais que tem Fecha-se na famiacutelia e para si Eacute o ano em que publica as
primeiras cartas de Erasmo dirigidas ao Imperador
18
Que natildeo eacute o Almirante Cochrane militar contratado por D Pedro I para ldquomassacrarrdquo rebeldes
revolucionaacuterios pelo Brasil afora
Em novembro de 1865 comeccedilam a aparecer nas livrarias do Rio de janeiro uma
seacuterie de ldquocartas abertasrdquo publicadas sempre as terccedilas-feiras endereccediladas ao D
Pedro II e assinadas com o pseudocircnimo de Erasmo mas logo se soube que o autor
era o deputado Alencar A procura pelos folhetins era imensa Havia quem
esperasse a chegada de um vendedor pelas ruas para adquirir seu exemplar19 O
proacuteprio imperador natildeo deixava de estar atento a cada nova carta era como mais um
sucesso literaacuterio Publica tambeacutem em 1866 ldquoOs partidosrdquo em formato de livro mas
discutindo as mesmas questotildees e de forma menos informal
As cartas continham um conjunto de denuncias sobre as irregularidades na poliacutetica e
no procedimento eacutetico dos poliacuteticos Falam do poder moderador da situaccedilatildeo
financeira do paiacutes natildeo haacute assunto que escape ao jornalista Posteriormente
endereccedila outra carta esta ao Visconde de Itaboraiacute ex-Ministro dos Negoacutecios e da
Fazenda uma carta sobre a crise financeira em que tece vaacuterios elogios a este e
mais uma endereccedilada ao Marquecircs de Olinda De julho a agosto publica uma seacuterie
de cartas ao povo20 Alencar se coloca sempre e antes como um pensador da
poliacutetica Algueacutem que observa e indica um caminho para a naccedilatildeo e sua condiccedilatildeo de
jornalista eacute decisiva passa isso Deve-se ter em conta que um pensador poliacutetico eacute
algueacutem que observa contextos comportamentos e instituiccedilotildees e a partir de disputas
retoacutericas em torno de tais conceitos e que busca criticar o poder instituiacutedo e as
justificativas que este toma para continuar no poder
Alguns fatos satildeo modelares para mostrar o desinteresse de Alencar pela sua
valorizaccedilatildeo enquanto uma personagem social preferindo ser identificado enquanto
escritor Prefere as letras e a tranquilidade de seu recanto agrave vida social que poderia
ter na Corte Um exemplo disto eacute o episoacutedio da condecoraccedilatildeo Em 1867 o Alencar
por decreto imperial eacute agraciado com o oficialato da Ordem da Rosa pelos
relevantes serviccedilos prestados agraves letras no paiacutes Um agrado da parte de D Pedro II
feito sem que houvesse uma solicitaccedilatildeo ou concurso A poliacutetica de condecoraccedilotildees eacute
19 Eacute o depoimento de Barros Pimentel que demonstra como o o folhetim foi um meio importante de
divulgaccedilatildeo no periacuteodo
20 As cartas seratildeo analisadas em capiacutetulo a parte
basicamente a mesma dos tiacutetulos nobiliaacuterquicos brasileiros formas de cooptaccedilatildeo de
elementos da elite para o ldquopartidordquo do Imperador Nos anos finais do impeacuterio D
Pedro II agraciaria vaacuterios fazendeiros com a ordem da Rosa pela iniciativa destes
em libertar seus escravos (NOVAIS 1997) Alencar sem um motivo aparente
recusa a condecoraccedilatildeo publicamente solicitando ao redator do Jornal do Comeacutercio
que publicite sua decisatildeo Eacute mais uma alfinetada em D Pedro II que a princiacutepio
busca trazer Alencar para seu grupo mais proacuteximo A caminhada na carreira poliacutetica
vai se tornando ldquocomplicadardquo com tais atitudes de intransigecircncia pelo menos para
algueacutem dentro do partido conservador que almeja seguir adiante
Em 1868 estaacute agrave frente do governo o gabinete liberal presidido por Zacarias de Goacuteis e
Vasconcelos Por conta de alguns desentendimentos entre Zacarias e o marquecircs de
Caxias jaacute tomado como um heroacutei por sua atuaccedilatildeo na guerra do Paraguai D Pedro
II eacute impelido pela imprensa a tomar algum lado na rinha e cai o gabinete Sobem
entatildeo os conservadores sob a chefia do visconde de Itaboraiacute O nome de Alencar eacute
proposto para o Ministeacuterio da Justiccedila e sob o espanto de muitos aprovado pelo
imperador D Pedro estaria tentando amarrar uma ponta da corda que tinha agraves
matildeos no pescoccedilo do teimoso literato Alencar reluta num primeiro momento mas
depois de seu ego ter sido acariciado por algumas visitas de partidaacuterios como o
baratildeo de Muritiba e o Conselheiro Paulino de Souza - falando em nome do Futuro
presidente do Conselho - resolve por bem aceitar o cargo O ministeacuterio apelidado
ldquogabinete-bombardquo toma posse em 16 de julho Eacute composto por aleacutem da figura do
Presidente do Conselho e Ministro da Fazenda o Visconde de Itaboraiacute Joaquim
Rodrigues Torres Paulino Joseacute Soares de Souza como Ministro do Impeacuterio Joseacute de
Alencar Ministro da Justiccedila Joseacute Maria Paranhos o visconde do Rio Branco
Ministro dos Estrangeiros Joatildeo Mauriacutecio Mariani Wanderley o baratildeo de Cotegipe
Ministro da Marinha Manoel Vieira Tosta o visconde de Muritiba Ministro da Guerra
e Joaquim Antatildeo Fernandes Leatildeo Ministro da Agricultura Comeacutercio e Obras
Puacuteblicas A ascensatildeo dos conservadores eacute um fato consumado Alencar eacute aleacutem de
tudo o ministro mais jovem do gabinete mas aos olhos do Imperador natildeo era um
inexperiente D Pedro II parece natildeo se importar com a presenccedila do autor das
Cartas de Erasmo antes se comporta como um admirador da obra de Alencar
Mudanccedilas haacute mas nem tanto As figuras de Rodrigues Torres e Paulino que ndash
segundo Ilmar Mattos (1987) seriam o braccedilo forte da chamada ldquotrindade saquaremardquo
- por tanto tempo estiveram a frente do poder retornam agora com a
responsabilidade de reorganizar a casa Ao mesmo tempo e ateacute como uma forma
de equiliacutebrio de forccedilas D Pedro II tambeacutem tinha seu jeito de se resguardar das
pressotildees exercidas pelas elites no poder e da influecircncia de seus associados e
apadrinhados Em muitos momentos leva a lideranccedila do gabinete homens sem
propriedades lideres com ascendecircncia humilde portanto natildeo diretamente atrelados
aos interesses de grupos poderosos desatados dos laccedilos familiares ou
ldquopatronagemrdquo com fazendeiros e comerciantes ligados ao traacutefico e a exportaccedilatildeo
como Saraiva Zacarias o Visconde de Ouro Preto o marquecircs de Paranaacute entre
outros Eles que estariam mais proacuteximos ao imperador seriam tambeacutem uma ultima
barreira de contenccedilatildeo dos movimentos em prol da diminuiccedilatildeo dos poderes da
monarquia (COSTA 1999) O movimento republicano soacute toma corpo em 1873 e
adiante mas as rusgas que o poder moderador incita no parlamento jaacute se fazem
presentes Alencar no ministeacuterio trabalha com o afinco que sempre daacute a seus
afazeres Isso natildeo eacute uma novidade No ano de 1868 publica tambeacutem ldquoO systema
representativordquo obra em que discute o processo eleitoral como a base de um
governo representativo Nem seria tambeacutem uma novidade o ministro colecionar
desafetos no periacuteodo em que estaacute no cargo Deputados colegas ministros oficiais
natildeo estatildeo livres do temperamento singular de Alencar
As relaccedilotildees do imperador com seu ministro da justiccedila satildeo cordiais poreacutem
complicadas Alencar reclama que D Pedro II em tudo se intromete ndash mais tarde diraacute
que eacute um haacutebito deste e tambeacutem dos outros ministros ndash nos assuntos do Estado Agraves
vezes como um menino curioso que de tudo quer saber outras vezes como um pai
zeloso que se preocupa com seus filhos sendo ldquomaltratadosrdquo pelo ministro chegado
em alguns casos extremos a lembrar de que ele eacute o imperador e eacute quem manda na
casa (MENESES 1977) Um dos haacutebitos de D Pedro eacute o envio de bilhetes para o
ministro Satildeo comentaacuterios questotildees relevantes (ou natildeo) indiscriccedilotildees e
apontamentos que constantemente acompanham os despachos de Alencar
Algumas vezes se diz preocupado com a imprensa e os assuntos gerais em outras
solicita informaccedilotildees sobre processos de funcionaacuterios puacuteblicos e sobre o andamento
das eleiccedilotildees Alencar natildeo faz por menos redigindo tambeacutem os seus bilhetes em
tom cordial e respeitoso mas sempre como um embate de forccedilas tentando
demarcar seu campo de atuaccedilatildeo ou impor limites ao outro Natildeo eacute esta uma praacutetica
do restante do grupo que na acomodaccedilatildeo burocraacutetica a que o partido conservador
se acostuma acaba deixando reverter uma formula antiga para o imperador que
recostado na condiccedilatildeo que lhe permitia o poder moderador apesar de dizer que
ldquodeixa a maacutequina andarrdquo ainda reina governa e administra (FAORO 2004) A
tambeacutem o fato de que D Pedro II prefere morar no paccedilo de Satildeo Cristoacutevatildeo ao Paccedilo
da cidade e os ministros precisavam cavalgam ateacute laacute duas vezes na semana para
os despachos coisa que Alencar abomina - considera uma perda de tempo - aleacutem
de reclamar das ldquofutilidadesrdquo que satildeo obrigados a discutir no lugar de tomar o tempo
com alguma providecircncia importante para o paiacutes como os rumos da Guerra do
Paraguai
Certa feita o imperador encaminha preocupado um bilhete pedindo esclarecimentos
de notiacutecias vinculadas nos jornais sobre o recrutamento de (in)voluntaacuterios para a
guerra do Paraguai pelo paiacutes afora A prisatildeo para recrutamento era uma realidade e
por vezes usada como uma forma do partido da situaccedilatildeo ldquodesaparecerrdquo com
elementos da oposiccedilatildeo Com tal pretexto satildeo escolhidos no periacuteodo
propositalmente os indiviacuteduos simpatizantes do partido liberal Alencar dias depois
encaminha circular tentando normalizar as coisas e coibir abusos por parte dos
presidentes das proviacutencias e autoridades policiais que usavam de tal artifiacutecio para
uma ldquofaxinardquo poliacutetica no eleitorado As preocupaccedilotildees do imperador se
fundamentavam nestas accedilotildees correntes como bem sugeria em outro bilhete onde
dizia ldquo() eu sei infelizmente o que satildeo as eleiccedilotildees entre noacutesrdquo buscando sempre
providencias para que houvesse alguma melhora dentro do possiacutevel e tambeacutem
buscando ldquo(hellip) inteira liberdade de voto conforme nossos maus haacutebitos o permitem
por hora mas dando a autoridade o bom exemplordquo (MENEZES 1965 p133) Mas o
imperador natildeo desconhecia que as eleiccedilotildees pouco refletem a vontade do povo
oprimido do interior que ainda eacute refeacutem do poder poliacutetico local nas matildeos dos
senhores de terras no interior ndash em sua maioria apoiados pelo partido liberal
(CARVALHO 2007) A praacutetica do voto jaacute previamente indicado com a ceacutedula ldquochapa
de caixatildeordquo21 ainda garantia o patildeo para o sustento das famiacutelias (FAORO 2004)
Vaacuterias mudanccedilas satildeo tentadas no decorrer dos anos com pouco resultado mesmo
uma draacutestica mudanccedila nas regras eleitorais ndash como o foi o caso do gabinete da
conciliaccedilatildeo (1853-57) com o marquecircs de Paranaacute em que foram vetadas as
participaccedilotildees de vaacuterios elementos representantes da poliacutecia justiccedila e da
administraccedilatildeo puacuteblica ndash sempre entrevia um espaccedilo para burlar-se a lei o que jaacute
vinha se constituindo como parte da ldquoculturardquo poliacutetica nacional
Austero com os deputados distante dos outros ministros longe das recepccedilotildees
oficiais Alencar apesar de extremamente competente assegura seu lugar como o
homem ldquomais chatordquo da Corte Essa visatildeo era compartilhada ateacute entre alguns
colegas ministros como no caso de Cotegipe que natildeo admitia ldquoo artistardquo no meio
das altas relaccedilotildees poliacuteticas E isso debaixo de um ciuacuteme natildeo declarado pelo fato de
D Pedro II insistir em entregar ao ministro da Justiccedila a maior parte das atenccedilotildees
Atenccedilatildeo que o grupo buscava e que Alencar repelia com seu temperamento
complicado Houve ocasiotildees em que descumprindo os deveres dados pelo decoro
impotildee ao imperador a papelada de sua exoneraccedilatildeo em cerimocircnia puacuteblica
conquanto este natildeo assinasse os decretos que Alencar lhe propunha D Pedro II
em seus despachos tinha o haacutebito de natildeo deixar nada sem assinar poreacutem
postergava Dizia sobre o que natildeo lhe conviesse (ou natildeo quisesse) dar
encaminhamento que deixaria ldquopara a proacutexima semanardquo Os outros ministros
conhecendo tal procedimento tido ateacute como educado tratavam de arquivar a
papelada referente Alencar voltava semana apoacutes semana com os mesmos papeacuteis
natildeo se dando por vencido Esticava os braccedilos a exaustatildeo ateacute que o imperador
reconsiderasse seu ato Natildeo eacute de se estranhar que D Pedro torcesse o nariz para
uma candidatura de Joseacute de Alencar para o senado entatildeo um cargo vitaliacutecio
evitando assim ter de aguentar o homem perto de si por tanto tempo
Alencar sente pressotildees de vaacuterias formas por seu mau jeito como articulador poliacutetico
O ldquodedordquo de Cotegipe como ele mesmo chegou a dizer estava em grande parte
daquilo Joatildeo Mauriacutecio Mariani Wanderley o baratildeo de Cotegipe era um homem
21 A ceacutedula era marcada com uma cruz indicando o voto a ser dado Caso a ceacutedula natildeo aparecesse
na urna o candidato ou chefe poliacutetico poderia procurar o eleitor para ldquotomar providecircnciasrdquo
prestigiado que sabia emprestar seu prestiacutegio ao Ministeacuterio Encarregado da
Marinha este tinha a predileccedilatildeo pela Justiccedila o que o fazia criar situaccedilotildees de
constrangimento para Alencar Com a legislaccedilatildeo vigente o impeacuterio estaacute centralizado
na figura do ldquo() Ministro da Justiccedila generaliacutessimo da poliacutecia dando-lhe por
agentes um exeacutercito de funcionaacuterios hieraacuterquicos desde o presidente da proviacutencia e
o chefe de poliacutecia ateacute o inspetor do quarteiratildeordquo (FAORO 2004 p 369) e tambeacutem os
juiacutezes funcionaacuterios puacuteblicos de carreira todos ao alcance do longo braccedilo da
dominaccedilatildeo do Estado Qualquer deslize e Cotegipe fornecia o material aos jornais
sobre o Ministro (e o ministeacuterio) da Justiccedila nas reuniotildees com o imperador fazia valer
seus pontos de vistas sobre a pasta do adversaacuterio Zombava alfinetava enfim
politicava Alencar reclama com o presidente que tenta contornar as coisas e
apresenta um pedido de demissatildeo mas este natildeo eacute aceito Dias depois Fernandes
Leatildeo titular da pasta da agricultura por motivos pessoais tambeacutem pede demissatildeo
Na ocasiatildeo o Alencar reapresenta sua solicitaccedilatildeo Itaboraiacute tenta segurar o gabinete
como pode evitando que este tombe para caacute ou para laacute De olho nesta indecisatildeo a
alta cacircmara aumenta a vigilacircncia satildeo os olhos de Zacarias Saraiva Nabuco Ottoni
Silveira Lobo Monte Alegre Abrantes e Itanhaeacutem que os acompanham Os ataques
ao ministro-escritor continuam dia a dia cada um com o seu motivo cada qual com
o seu aparte e nem todos direcionados agrave boa ou maacute administraccedilatildeo da pasta da
Justiccedila mas ao proacuteprio jeito de ser do Ministro chegando ao ponto de Cotegipe criar
e difundir (a pior parte) um apelido para Alencar que para a infelicidade deste eacute
aceito pelo grupo no ato era ele o ldquopirracentordquo
Mas nem tudo estaacute relacionado com as brigas internas Ainda enquanto ministro da
Justiccedila Alencar visita a regiatildeo do Valongo22 no Rio de Janeiro conhecido como
antigo mercado dos ldquopretos novosrdquo e se aterroriza com a situaccedilatildeo ao mesmo tempo
aviltante e promiacutescua a qual aquelas pessoas estavam expostas Alencar natildeo era
um abolicionista acreditava que a escravidatildeo no Brasil deveria terminar por um
processo lento e que natildeo incorresse em ocircnus para os proprietaacuterios Tinha uma
posiccedilatildeo conservadora mas tambeacutem natildeo era um incentivador do comeacutercio de
escravos Em 15 de setembro de 1869 eacute publicado um decreto seu que proiacutebe a
22
O antigo Valongo (rua Camerino) era um depoacutesito e armazeacutem de escravos que funcionou de 1779 a 1831 No periacuteodo o comeacutercio se transfere para a rua Direita atual 1deg de Marccedilo Os escravos ficavam expostos na rua (RENAULT 1976)
exposiccedilatildeo puacuteblica de escravos no mercado e a sua venda sob a forma de pregatildeo e
eacute aplaudido por grande parte da populaccedilatildeo Por esse tempo (senatildeo mesmo antes) eacute
que comeccedila uma sondagem com seus correligionaacuterios com o intuito de concorrer a
uma vaga no senado Com a morte em 1865 do marquecircs de Abrantes e do
conselheiro Cacircndido Batista de Oliveira senadores pela proviacutencia do Cearaacute a
vacacircncia das cadeiras estimulam a cabeccedila de Alencar a trabalhar com tal
perspectiva Chega a fundar com seu irmatildeo uma folha a ldquoDezesseis de Julhordquo para
divulgar ndash segundo uma carta-circular enviada aos membros do Partido Conservador
- os ldquointeresses do nosso partido e defender a ideia conservadora no Brasilrdquo
(MENEZES 1975 p252) As eleiccedilotildees vatildeo sendo adiadas devido agraves brigas entre
partidos e as denuacutencias constantes de fraude eleitoral E haacute quem diga que a
demora eacute alimentada pelo ministro da Justiccedila jaacute cobiccedilando uma sua cadeira no
Senado
Em junho de 1869 Alencar escreve a Itaboraiacute comentando seu interesse em
concorrer a uma cadeira no senado Explica que jaacute havia submetido agrave questatildeo aos
colegas do gabinete e tinha o apoio destes O caso se daacute quando apresenta a
proposiccedilatildeo ao imperador chegando a solicitar a demissatildeo do cargo de ministro para
que se candidatasse sem nenhum impedimento ou favorecimento que seu cargo
como ministro pudesse criar D Pedro II sugere (pede) que Alencar reavalie a
decisatildeo pois acreditava que sua situaccedilatildeo pudesse influir nos rumos da eleiccedilatildeo
chegando a sugerir que a atitude natildeo seria eacutetica Alencar se rebela e escreve logo a
seguir a Paulino Nogueira no Cearaacute apresentando-se como candidato pela
proviacutencia e eacute aceito Esse incidente revela algo interessante visto que Paulino
Nogueira como todas as lideranccedilas partidaacuterias que Alencar podia alcanccedilar sabiam
dos motivos do desentendimento e da opiniatildeo do Imperador relatada pelo proacuteprio
missivista E Paulino aceita a candidatura Podemos deduzir que as lideranccedilas locais
ainda natildeo estavam dispostas a acatar podas as decisotildees do centralismo do Estado
mesmo que fossem vindas de uma vontade expressa do imperador As resistecircncias
locais ainda estavam vivas e prontas para reclamar seus direitos
A eleiccedilatildeo se realiza em 12 de dezembro e os liberais seguindo orientaccedilotildees do
partido na corte23 natildeo apresentam candidatos Alencar eacute o mais votado em uma lista
secircxtupla tendo no segundo lugar o nome de Domingos Joseacute Jaguaribe O resultado
vai entatildeo para D Pedro II que escolheria entre os mais votados qual deveria ser o
proacuteximo senador Ao saber do resultado tendo em matildeos a lista o Imperador se irrita
e permanece irredutiacutevel em sua opiniatildeo Manda chamar o Alencar para uma
entrevista e pergunta sobre o entendimento que tiveram sobre a eleiccedilatildeo o clima
entre os dois soacute piorava Haacute vaacuterias versotildees sobre o acontecido todas parecidas
mas o fato eacute que Alencar consegue o que quer sua exoneraccedilatildeo Eacute substituiacutedo pelo
presidente da Cacircmara dos Deputados conselheiro Joaquim Otaacutevio Neacutebias Retorna
o Alencar a Cacircmara e agrave redaccedilatildeo do Dezesseis de Julho
No fim de abril comeccedila o cochicho em Satildeo Cristoacutevatildeo sobre a escolha para as duas
vagas de senador pelo Cearaacute Ao fim a doutrina que os conservadores - inclusive o
Alencar - pregam nos jornais eacute seguida pelo imperador de que somente a este
pertence sem audiecircncia de nenhum ministro a escolha dos nomes para o Senado
Em uma passagem das cartas ao Imperador Alencar sugere que ldquoos atos do poder
moderador satildeo de exclusiva competecircncia vossa [do Imperador] para exercecirc-los natildeo
dependeis de agentes e atualmente nem de conselhordquo (ALENCAR 2011 p 81)
No dia 27 por carta imperial satildeo escolhidos os nomes de Domingos Joseacute
Jaguaribe e do conselheiro Joseacute de Melo Alencar nunca se recuperaria de tal golpe
Agora seu caminho na Cacircmara de deputados eacute o da oposiccedilatildeo ao governo
Em maio de 1871 jaacute tomada certa distacircncia a guerra do Paraguai o imperador
solicita a Cacircmara o necessaacuterio consentimento para uma viagem a Europa Alencar
se apressa nos protestos lembrando o dinheiro esbanjado pelo Estado com as
comemoraccedilotildees puacuteblicas pelo fim da guerra Chega a dizer que uma viagem pela
Europa naquele momento seria uma demonstraccedilatildeo de ldquoabsolutismordquo e ao mesmo
tempo uma tentativa de se afastar das discussotildees sobre a questatildeo da matildeo de obra
escrava e o abolicionismo que o fim da guerra do Paraguai tornou mais urgentes e
23 A influencia local na escolha de candidatos para as eleiccedilotildees soacute volta a crescer a partir de 1881
com a Lei Saraiva
que D Pedro II havia se comprometido em buscar uma soluccedilatildeo
Alencar eacute deputado combativo aguerrido mas natildeo logra muitas vitoacuterias Na
imprensa chega a ser acusado de incoerecircncia no confronto do conteuacutedo das cartas
de Erasmo e a sua atual situaccedilatildeo de rompimento com o imperador seus ataques
constantes ao trono e a administraccedilatildeo Da vida poliacutetica ateacute a literatura tudo eacute motivo
para denegrir a imagem do ex-ministro Eacute assim com Zacarias depois com Cotegipe
depois com Rio Branco depois com Silveira Martins As ideias de Alencar sempre
sustentadas por seu conhecimento do Direito (como vimos as proposiccedilotildees mais
carregadas de complexidade como as cartas geralmente vinham acompanhadas de
estudos publicados pelo Alencar) afligiam vaacuterios grupos Natildeo o grande coro dos
homens da assembleia que em muitos ldquovivasrdquo e ldquobravosrdquo sequer ouviam a pauta das
reuniotildees O partido que detinha a maioria dos deputados conseguia aprovar o que
propunha na maior das vezes tendo em suas relaccedilotildees de ldquoapadrinhamentordquo
construiacutedo vaacuterios laccedilos de dependecircncias entre deputados e senadores
(CARVALHO 2007) Mas eram geralmente as lideranccedilas que viam em Alencar um
problema (NETO 2006) Algueacutem que poderia ter forccedilas (e competecircncia) para propor
mudanccedilas dentro da estrutura Gramsci coloca essa questatildeo quando fala da
educaccedilatildeo dos ldquojovensrdquo Todas as geraccedilotildees educam seus jovens Pode haver ndash e
sempre haacute ndash atritos questotildees divergecircncias de opiniatildeo mas tudo isto faz parte do
processo educativo Mas alguns ldquojovensrdquo da classe dirigente podem se revelar e
buscar alternativas na classe progressista com o intuito de tomar o poder Eacute o
momento em que os ldquovelhosrdquo de outras camadas passam a direccedilatildeo para tais jovens
(GRAMSCI 1989) Eacute certo que para que a ideologia se constitua eficazmente o
discurso assumido por um grupo deve se manter o mesmo ignorando as mudanccedilas
histoacutericas que possam vir a acontecer (e efetivamente acontecem) garantindo a
continuidade das representaccedilotildees sociais e poliacuteticas preacute-determinadas pela classe
dominante (CHAUI 1997) O temor da ideologia eacute o discurso fundador de novas
ideias e natildeo os grupos que as deteacutem porque estes estatildeo associados agraves classes
dominantes no caso aqui a burguesia e pequena burguesia citadina da Corte com
seus intelectuais atuantes constituindo uma camada perifeacuterica a elite representada
natildeo apenas pelo partido conservador mas em vaacuterios casos tambeacutem pelos liberais
Numa citaccedilatildeo de Faoro agrave Bernardo de Vasconcellos o sistema representativo que
entatildeo os partidos ndash conservadores e liberais ndash desejavam construir com sua gama
de funcionaacuterios bachareacuteis e juiacutezes ldquonatildeo significava a vontade popular mas o
governo dos melhores dos mais esclarecidos dos mais virtuosos Entre o paiacutes real
e o paiacutes legal soacute o segundo estaria apto a destilar a elite o poder capaz de
modernizar civilizar e elevar o povordquo (FAORO 2004 p 371) o que garantiria uma
modernizaccedilatildeo dos quadros mas natildeo o fim das oligarquias O que vinha acontecendo
eacute a solidificaccedilatildeo de um processo de deslocamento do poder dos chefes locais do
interior para a burocracia estatal sediada na capital para a Corte e auxiliada pelo
recente processo de construccedilatildeo de uma elite intelectual local A concepccedilatildeo de um
paiacutes dividido em povo e plebe que distinguia os chamados ldquohomens bonsrdquo cidadatildeos
ativos detentores de plenos direitos poliacuteticos proprietaacuterios profissionais liberais
produtores enfim algueacutem que fosse possuidor de certa renda da massa pobre sem
alfabetizaccedilatildeo e dependente (BASILE 2006) As ideias migram se modificam um
pouco e se acomodam em lados diversos e as lideranccedilas partidaacuterias assinaladas (e
outras tantas) que conhecem tal fenocircmeno e nele se sustentam fariam de tudo para
evitar que aquele poliacutetico ldquofanadinhordquo e mal-educado se transformasse tambeacutem em
uma nova lideranccedila
Alencar nos anos que seguem ao trabalho no ministeacuterio sente a sauacutede lhe escapar
Eacute uma eacutepoca em que a doenccedila novamente o alcanccedila e o refuacutegio de sua casa na
Tijuca mais as caminhadas ateacute a vista chinesa junto com Machado de Assis se
tornam a melhor opccedilatildeo para recuperar-se A eacutepoca ele retoma um projeto deixado
de lado a pouco a Guerra dos Mascates Romance histoacuterico mas eacute denominado
pelo autor de ldquocomeacutedia histoacutericardquo em que satirizava seus companheiros de gabinete
ndash Alencar comenta em uma nota que natildeo faria tal coisa ndash os colegas deputados e
(natildeo poderia faltar em sua lista) D Pedro II Aproveitando-se de partes do episoacutedio
que eacute bastante documentado no periacuteodo cria uma caricatura da corte e suas ilustres
figuras um arremedo da poliacutetica contemporacircnea Algo como uma vinganccedila particular
a que ningueacutem poderia impetra-lhe culpa
Como uma forma de terapia embarca com a famiacutelia em junho de 1873 para uma
viagem ateacute o Cearaacute onde encontra amigos e um clima revigorante Fica ali por
alguns meses longe dos trabalhos na Corte mas sempre encontrando e
conversando com lideranccedilas poliacuteticas locais diversas sem que ldquoa cor partidaacuteriardquo
criasse algum empecilho Era para todos ali o conselheiro Alencar um filho da
terra Conhece durante esse tempo o jovem Capistrano de Abreu com quem
comeccedila uma grande amizade e aonde jaacute profetiza seu sucesso nas letras no Rio de
Janeiro Volta para casa em novembro e para o trabalho A doenccedila o acompanha
sempre
Alencar retorna a Cacircmara em julho para os debates da reforma eleitoral Apesar do
cansaccedilo e da constante fraqueza muscular eacute ainda um orador fervoroso Combate
veementemente a eleiccedilatildeo direta e sustenta que as reformas poliacuteticas e sociais
cabem a uma iniciativa do ministeacuterio sempre visando um centralismo administrativo
Alencar nunca deixa de guiar-se pelas metas do partido conservador e sabe do
crescimento dos liberais no interior onde a massa votante estaacute nas matildeos dos
proprietaacuterios de terra em sua maioria adeptos do liberalismo e da descentralizaccedilatildeo
do poder Alencar eacute um poliacutetico moderado algueacutem que confia em uma monarquia
constitucional que possa garantir a ordem dentro da heterogeneidade de um paiacutes de
enormes dimensotildees que eacute o Brasil desacreditando assim de qualquer forma
republicana que tendesse a uma descentralizaccedilatildeo de poder e fortalecesse os chefes
locais dispersos pelo territoacuterio do paiacutes
14 UacuteLTIMOS ANOS
No ano de 1875 Alencar sofre as primeiras hemoptises Planeja uma viagem para a
Europa na busca de uma cura para sua sauacutede jaacute bastante debilitada Eacute neste
mesmo ano que retorna agrave Corte vindo de Paris Joaquim Nabuco Jovem bem
educado filho do Senador Nabuco Sua primeira accedilatildeo poliacutetica eacute iniciar-se na
imprensa E assim como Alencar o fez em seu iniacutecio de carreira insurgir contra uma
personalidade consolidada no cenaacuterio literaacuterio e poliacutetico com paus e pedras na matildeo
ndash no caso o nosso biografado - em busca de algum reconhecimento Traz da
Europa um livro de poemas publicado em francecircs que consegue certa
consideraccedilatildeo Assume a redaccedilatildeo dos folhetins do jornal ldquoO Globordquo tecendo criacuteticas
mais centradas nos literatos que agrave literatura ldquodos brasileirosrdquo Joaquim Nabuco
tomava para si o lugar do novo da modernidade da esperanccedila e das ideias novas
O lugar que pertencera ao Alencar por algumas deacutecadas e que havia segundo
Nabuco ficado no passado
A polecircmica que se deu veio da necessidade de Nabuco se afirmar no cenaacuterio da
Corte a partir de um modelo intelectual e artiacutestico que se confrontaria com o
romantismo um realismo baseado nas ideias positivistas e evolucionistas Modelo
natildeo assumido somente por ele mas por toda uma geraccedilatildeo que estava se
estabelecendo Pesavento nos mostra o cenaacuterio
Imbuiacuteda das teorias europeias de Darwin Spencer Comte Taine Renan esta geraccedilatildeo buscava o universal de forma expliacutecita assumindo um cosmopolitismo declarado o Brasil deveria acertar o passo com a histoacuteria ingressando na modernidade de seu tempo A Europa fornecia o padratildeo de refinamento civilizatoacuterio e de patamar cultural Dela vinham as ideias a moda as novas teacutecnicas e o Brasil precisava acompanhar o trem da histoacuteria nem que fosse no uacuteltimo vagatildeo (PESAVENTO 1998 p 27)
Assumir um modelo europeu natildeo era uma novidade Mas como tal modelo se
renova as ideias satildeo ldquoassumidasrdquo pelas novas geraccedilotildees como a pouco nos
referimos sustentando uma continuidade do sistema sem que uma mudanccedila radical
seja conseguida (ou pretendida)
O tema central do debate era a ideia de Nabuco de que a literatura de Alencar
estava superada Comeccedila com o fracasso de puacuteblico da peccedila ldquoo jesuiacutetardquo
apresentada ainda naquele ano Alencar rebate e segue na peleja como era de seu
gosto Natildeo eacute nossa intenccedilatildeo aprofundar aqui uma discussatildeo sobre a literatura do
periacuteodo para noacutes importa a questatildeo qual modelo de sociedade era sustentado por
Alencar e qual era defendido por Nabuco e dos grupos que se instalavam ditos a
geraccedilatildeo de 1870 Foi um momento em que viacutenculos foram criados entre intelectuais
brasileiros e europeus Podemos apresentar uma caracterizaccedilatildeo do periacuteodo na
anaacutelise de Antocircnio Cacircndido mostrando que
()o movimento das novas ideias filosoacuteficas e literaacuterias que comeccedilou mais ou menos em 1870 e se estendeu ateacute o comeccedilo do seacuteculo XX tendo como
nuacutecleo inicial a cidade do Recife capital de Pernambuco e sua Faculdade de Direito Laacute e em outros centros como o Cearaacute e sobretudo o Rio de Janeiro desenvolveu-se um agudo espiacuterito criacutetico voltado para analisar de maneira moderna a sociedade a poliacutetica a cultura do Brasil com inspiraccedilatildeo primeiro no Positivismo de Augusto Comte em seguida nas diversas modalidades de Evolucionismo das quais teve aqui maior voga a filosofia de Herbert Spencer Acrescente-se a divulgaccedilatildeo das novas ciecircncias como Biologia Linguiacutestica Etnografia Antropologia Fiacutesica (CAcircNDIDO 1999 p 51)
Natildeo soacute Nabuco mas tambeacutem escritores como Franklin Taacutevora e Feliciano de
Castilho protagonizaram ataques ao Alencar e suas ideias em favor da escravidatildeo
estavam totalmente distantes do modelo sociais e cientiacuteficos apresentados Alencar
era a pedra da vez e seu estado de sauacutede debilitado provavelmente contribui pra
piorar o humor do genioso deputado A literatura precisava deixar o reino do
simboacutelico e chegar-se para a realidade representada pelo cientificismo Alencar
refuta as acusaccedilotildees porque acredita no que escreve natildeo eacute um cientista e nem
pretende ser O que tem em mente natildeo eacute tatildeo somente a anaacutelise do real mas uma
possibilidade de ldquomelhorarrdquo o real moralizando-o Influenciar a sociedade em busca
sempre de um caminho de purificaccedilatildeo do social
O debate aberto interessa aos dois Alencar um pouco desgastado pelos recentes
arranhotildees da poliacutetica e Nabuco buscando ainda o reconhecimento do puacuteblico
Precisam do jornal Precisam de um veiacuteculo que os fortaleccedila frente agrave opiniatildeo
puacuteblica construindo ali sua arena de luta Eacute no jornal que as ideias alcanccedilam um
puacuteblico variado e seleto visto que a alfabetizaccedilatildeo do povo natildeo era um fato mas
tambeacutem natildeo podemos cair no mito do analfabetismo ldquototalrdquo da populaccedilatildeo em que
ainda natildeo seja possiacutevel atingir um grupo tamanho que haacute de se considerar enquanto
uma opiniatildeo puacuteblica como prova disso temos a venda de livros ndash romances de
folhetim em sua maioria para o periacuteodo ndash e a presenccedila de salas de leitura e
bibliotecas onde jaacute se cativava um puacuteblico fiel entre mulheres e estudantes24 e o
proacuteprio Alencar admite ter na infacircncia lido para grupos Era comum em
estabelecimentos comerciais e mesmo em casa de famiacutelia uma leitura coletiva de
24 Eacute interessante uma consulta a o trabalho de Sandra G Vasconcelos sobre a formaccedilatildeo do
romance no Brasil e o levantamento sobre os romances ingleses em circulaccedilatildeo no Brasil no XIX
jornais informando as notiacutecias aos que natildeo satildeo alfabetizados o que possibilitava
que as informaccedilotildees e opiniotildees chegassem a grupos maiores (SCHWARCZ 1999)
A guerra que deixa de ser particular e toma agrave imprensa Nabuco representa a
proposta de um novo liberalismo que vai ganhando corpo a partir do final da deacutecada
de 1860 que se contrapotildee ao nacionalismo conservador concebido na obra de
Alencar Depois de dois meses o debate termina sem necessariamente abalar
quaisquer dos lados Nabuco se retira para tentar a poliacutetica e Alencar deixa-se estar
ateacute maio seguinte quando embarca com a famiacutelia para a Europa Sofrendo de
depressatildeo a viagem o angustia Paris Londres Portugal Alencar estaacute velho
consumido pela doenccedila pulmonar Soacute melhora um pouco com a volta ao Rio de
janeiro Agrave Tijuca
Alencar ainda combate na Cacircmara Eacute eleito para um quarto mandato como
Deputado Com a sauacutede jaacute muito debilitada natildeo comparece a todas as seccedilotildees e
diminui as saiacutedas de sua casa para os costumeiros passeios Uma descriccedilatildeo
construiacuteda por Lira Neto nos daacute uma clara visatildeo de Alencar nesse momento em que
a tuberculose jaacute chegara agrave situaccedilatildeo terminal
() era impressionante como o homem definhara nos uacuteltimos meses Virara uma garatuja
Os olhos miuacutedos haviam perdido o brilho caracteriacutestico e agora praticamente sumiam em meio as negras olheiras Na outrora vasta cabeleira uma entrada pronunciada alongava-lhe a testa e ajudava a conferir-lhe o ar de velhice precoce A barba tomava conta do rosto magro e descera abundante sobre o peito a ponto de os fios desgrenhados esconderem-lhe o noacute da gravata Tinha apenas 48 anos de idade Parecia ter no miacutenimo vinte a mais (NETO 2006 p13)
Jaacute natildeo eacute mais o mesmo poliacutetico agressivo mas ainda encontra focirclego para se
arranhar com Caxias ndash entatildeo chefe do executivo ndash e mais uma vez com Cotegipe
arrancando aplausos e risos do plenaacuterio sempre com suas criacuteticas bem vivas a
famiacutelia real Haacute de se admitir que houvesse um pouco de rancor pela sua natildeo
indicaccedilatildeo para o senado que lhe acompanharia ateacute os uacuteltimos dias de vida
aguccedilando sua ldquoimplicacircnciardquo e por vezes chegando a contradiccedilotildees como quando
ataca seu proacuteprio partido enquanto o Imperador passeava pelo mundo com parte da
famiacutelia A regente Isabel tambeacutem natildeo lhe enchia os olhos Se natildeo era alvo
constante de suas criacuteticas eacute porque pouca importacircncia lhe dava o deputado
Em abril de 1877 chega agrave capital notiacutecia da seca que castiga a proviacutencias do Cearaacute
e vizinhas como natildeo acontecia a deacutecadas Vai agrave tribuna o Alencar para pedir
esclarecimentos aos Ministros sobre a situaccedilatildeo real da regiatildeo e cobrar providecircncias
Os jornais de Fortaleza acusam o conselheiro de descaso ao mesmo tempo em que
este se propotildee a recolher junto a uma comissatildeo donativos para as viacutetimas
Tambeacutem algumas folhas do Rio de Janeiro que divulgam litografias sobre os
retirantes chamam a responsabilidade Vale lembrar que Joseacute do Patrociacutenio um
dos jornalistas responsaacuteveis pela divulgaccedilatildeo do problema da seca no Cearaacute eacute um
abolicionista ferrenho Eacute notoacuterio que Alencar piora dia a dia sentindo-se desprezado
ateacute por seus colegas do partido Natildeo se propotildee mais ao debate puacuteblico e deixa por
menos as provocaccedilotildees dirigidas a ele Sua preocupaccedilatildeo eacute com a famiacutelia com o
desamparo que pode vir a acorrer em funccedilatildeo de sua morte Vai definhando
lentamente abandona de vez a caminhada pelo passeio puacuteblico e tambeacutem se
distancia dos amigos eacute quando a doenccedila finalmente o alcanccedila Aos 12 dias de
dezembro de 1877 falece Joseacute de Alencar Agraves 10 horas da manhatilde do seguinte dia
seu corpo eacute levado em cortejo ateacute o cemiteacuterio de Satildeo Francisco Xavier aonde vem a
ser sepultado por um pequeno grupo de jornalistas e amigos proacuteximos O imperador
se dirigindo agrave Petroacutepolis na ocasiatildeo ndash como o fazia habitualmente - do falecimento
ao ser comunicado reage com uma expressatildeo ressentida ldquoHomem de valor
Poreacutem muito mal-educadordquo (MENEZES 1965)
O necroloacutegio eacute escrito por Capistrano de Abreu e estampado na primeira paacutegina da
ldquoGazeta de Notiacuteciasrdquo mas sem a assinatura do autor Eacute o primeiro trabalho
publicado por Capistrano de Abreu na imprensa carioca O novo jornalista viria a
fazer o sucesso que Alencar profetizara e ainda mais como escritor Poliacutetica eacute
assim Mesmo com sua morte o deputado elege um ldquofilhoterdquo25
25 Na giacuteria eleitoral do periacuteodo filhote era o candidato apadrinhado por algum liacuteder poliacutetico
2 CONJUNTURA POLIacuteTICA DO II REINADO
Os infelizes natildeo andam na rua do Ouvidor
De um Editorial da ldquoGazeta da tarderdquo
Depois de conhecermos por meio de sua biografia o Alencar eacute importante que
possamos nos deter nos campos de atuaccedilatildeo de Alencar enquanto poliacutetico e
enquanto um intelectual que pretende atingir a opiniatildeo puacuteblica com suas ideias
Lembramos aqui que nos baseando nos textos de Gramsci (1989) entendemos o
intelectual como a figura que faz a ligaccedilatildeo entre a da elite com o povo Na verdade
eacute o intelectual que iraacute construir uma relaccedilatildeo de confianccedila com os vaacuterios segmentos
sociais na sociedade para a divulgaccedilatildeo e manutenccedilatildeo da ideologia dos grupos que
formam essa elite no poder Para tanto cabe o exame de tais pontos as elites a
imprensa os intelectuais e a opiniatildeo puacuteblica em uma relaccedilatildeo dialeacutetica que
necessariamente apresenta um discurso em forma de tese e a partir de uma
antiacutetese observada recreia seu discurso na forma de siacutentese Os elementos acima
descritos existem de forma separada o que os agrega eacute tatildeo somente o trabalho de
Alencar Portanto funcionam como em uma pintura feita na forma de um poliacuteptico
onde os de os elementos que a compotildeem tem uma existecircncia individual isolada
mas quando unidas ou justapostas criam um novo conjunto de significaccedilotildees Eacute o
acircmbito da esfera puacuteblica Cabe lembrar que a esfera puacuteblica burguesa eacute uma
categoria tiacutepica de uma eacutepoca caracterizada como sociedade burguesa A esfera
puacuteblica deve ser entendida como categoria histoacuterica drsquoonde seu uso na sociedade
da corte no Rio de Janeiro no segundo reinado A burguesia eacute o fulcro deste puacuteblico
caracterizado fundamentalmente como o puacuteblico que tem condiccedilotildees de ler tem uma
educaccedilatildeo tem direitos e deveres na sociedade bem como consegue ser
reconhecido como um igual entre seus pares E eacute este reconhecimento que permite
com que haja alguma alteridade e suas vozes sejam reconhecidas Para Habermas
algueacutem soacute faz parte de uma esfera puacuteblica enquanto portador de uma ldquoopiniatildeo
puacuteblicardquo (HABERMAS 2003)
Para um entendimento mais consistente do periacuteodo de nosso recorte iniciaremos
aqui apresentando uma visatildeo geral sobre o segundo reinado e os acontecimentos
que formam o complexo cotidiano apresentado por Joseacute de Alencar em suas cartas
poliacuteticas
21 UMA VISAtildeO GERAL
O segundo reinado considerando o periacuteodo regencial se estende de 1831 ateacute 1889
D Pedro II eacute entronado com o golpe da maioridade promovido pelos liberais da qual
o senador Alencar ndash pai de Joseacute de Alencar - fez parte em julho de 1840 Uma
caracteriacutestica marcante que talvez ajude a compreender melhor esse periacuteodo eacute o
fato de o Imperador nunca ter aberto matildeo do poder moderador ndash um adendo incluiacutedo
por seu pai na constituiccedilatildeo liberal de 1824
A alternacircncia de partidos no poder foi uma constante Durante os cinquenta anos em
que governa D Pedro II se sucederam 36 gabinetes ministeriais Nas crises de
governabilidade entre interesses partidaacuterios e as determinaccedilotildees do imperador os
ministeacuterios eram alternados e o partido opositor tornava-se situaccedilatildeo Poreacutem eacute valido
ressaltar que as diferenccedilas entre liberais e conservadores natildeo representavam os
anseios da populaccedilatildeo mas os interesses de elites que disputavam o poder As
eleiccedilotildees para o legislativo eram manipuladas pelo grupo da situaccedilatildeo de acordo com
seus interesses particulares e em geral marcadas por fraudes (FAORO 2004)
O partido liberal fica poucos meses na administraccedilatildeo apoacutes o golpe e logo em 1841
temos a primeira vitoacuteria dos conservadores a restituiccedilatildeo do Conselho de Estado
Abolido pelo Ato Adicional de 1834 este retorna para ampliar mais ainda os poderes
do Executivo em detrimento da autonomia poliacutetica das proviacutencias Em retaliaccedilatildeo os
liberais organizam algumas revoltas contra o governo em Satildeo Paulo Rio de Janeiro
e em Minas Gerais
Em 1844 ordens imperiais afastam os Conservadores do poder e retornam os
Liberais a compor com Pedro II Em 1847 eacute criado o cargo de presidente do
Conselho de Ministros que teria a tarefa de nomear os demais ministros Eacute a
instituiccedilatildeo do parlamentarismo brasileiro Poreacutem o modelo parlamentar adotado no
Brasil era atiacutepico justamente pela accedilatildeo do imperador (o poder moderador) de
tambeacutem nomear ministros ndash ou desautoriza-los ndash a sua vontade D Pedro II escolhia
o presidente do conselho e este por sua vez escolhia os ministros Eacute o chamado
ldquoParlamentarismo agraves Avessasrdquo a consolidaccedilatildeo de uma nova fase de centralizaccedilatildeo
poliacutetica Mas natildeo deixa de ser um progresso na medida em que no periacuteodo anterior
o imperador simplesmente nomeava todos eles Com o ministeacuterio composto restava
a aprovaccedilatildeo dos parlamentares na Cacircmara dos Deputados Poreacutem detendo o
imperador a prerrogativa de dissolver os gabinetes ministeriais como condiccedilatildeo para
formaccedilatildeo de outro ministeacuterio dependendo da ocasiatildeo e da conjuntura poliacutetica e
como o fez D Pedro I ateacute de dissolver a cacircmara tudo era negociado com muita
cautela As reformas buscam agradar os diversos grupos existentes em um sistema
de troca de favores onde o imperador usava da distribuiccedilatildeo de cargos puacuteblicos e a
cooptaccedilatildeo de lideranccedilas da oposiccedilatildeo o que acaba por criar uma aparecircncia de
legalidade ao processo eleitoral e manter certa ordem evitando excessos como do
episoacutedio das ldquoeleiccedilotildees do caceterdquo logo no iniacutecio de sua administraccedilatildeo onde a
violecircncia toma forma de pressatildeo sobre o eleitorado (GRAHAM 1997) A proposta
era inserir o Paiacutes no conjunto das naccedilotildees civilizadas e adeptas da democracia
representativa mas natildeo eacute bem assim que acontecia O presidente da proviacutencia era
uma figura fundamental no processo eleitoral cabendo a ele garantir a vitoacuteria do
governo no pleito Alguns eram trocados estrategicamente pouco tempo antes das
eleiccedilotildees com o poder de afastar substituir e ateacute determinar a aposentadoria
antecipada de juiacutezes anular resultado das apuraccedilotildees e preencher atas eleitorais
com nomes de sua preferecircncia Era comum listarem-se eleitores falecidos ou natildeo
aparecerem eleitores do partido opositor Esse comportamento decorre das
perturbaccedilotildees experimentadas durante o Periacuteodo Regencial onde diversos conflitos
regionais se espalharam pelo paiacutes em oposiccedilatildeo agraves decisotildees tomadas pelo governo
central Enquanto isso a soluccedilatildeo era dissolver e reorganizar o gabinete dando uma
impressatildeo de que as coisas iriam ser ldquodiferentesrdquo Geralmente o conselho de
ministros natildeo chegava a ficar mais de dois anos no poder Ao longo de todo o
governo de D Pedro II os conservadores estiveram agrave frente do gabinete por vinte e
noves anos e os liberais por dezenove anos (CARVALHO 2007) garantindo uma
aparecircncia democraacutetica para um governo conservador Em 1853 Carneiro Leatildeo
estabelece o Ministeacuterio da Conciliaccedilatildeo com a finalidade de ampliar a interaccedilatildeo dos
dois partidos no governo brasileiro O ldquoconluiordquo durou ateacute 1858
Mas o paiacutes eacute pacificado Cessaram as rebeliotildees provinciais que tiveram iniacutecio na
regecircncia e ameaccedilavam a consolidaccedilatildeo do Estado brasileiro Duas dessas rebeliotildees
eclodiram ainda no periacuteodo regencial e tiveram seu termo com D Pedro II a
balaiada em 1841 e a farroupilha em 1845 A uacutenica grande revoluccedilatildeo posterior foi a
praieira em 1848 na proviacutencia de Pernambuco mas durou ateacute 1849 A paz
conseguida favoreceu a consolidaccedilatildeo dos interesses da classe dominante
representada pelos grandes proprietaacuterios rurais dos quais dependia o impeacuterio Tais
grupos defendiam a manutenccedilatildeo da escravidatildeo e a ausecircncia da participaccedilatildeo popular
nas decisotildees poliacuteticas Suas divergecircncias estavam centradas mais nos interesses
econocircmicos e poliacuteticos locais
Durante o Segundo Reinado o Brasil se envolveu em trecircs conflitos armados com
paiacuteses fronteiriccedilos da regiatildeo Platina Em 1851 teve iniacutecio a Guerra contra Oribe e
Rosas Esse conflito envolveu a Argentina e o Uruguai (paiacutes que pertenceu ao Brasil
ateacute 1828) Em 1851 Oribe liacuteder do Partido Blanco tomou o poder no Uruguai e
com o apoio de Rosas ditador argentino bloqueou o porto de Montevideacuteu
prejudicando o comeacutercio brasileiro na bacia Platina As tropas brasileiras
comandadas por Caxias aliaram-se ao exeacutercito liderado por poliacuteticos rivais a Oribe e
Rosas O Brasil sai por fim como vitorioso da Guerra o ano eacute o de 1852
Em 1864 desponta a Guerra contra Aguirre liacuteder do Partido Blanco e governante do
Uruguai Tem iniacutecio depois que os uruguaios promoveram vaacuterias invasotildees ao Rio
Grande do Sul roubando o gado dos fazendeiros gauacutechos O ministeacuterio organiza o
exeacutercito sob o comando de Tamandareacute e do marechal Mena Barreto Com o apoio
de tropas opositoras do governo de Aguirre o Brasil consegue a vitoacuteria e transfere o
governo para o liacuteder do Partido Colorado Venacircncio Flores O conflito armado mais
longo e violento do periacuteodo foi a Guerra do Paraguai indo de 1864 ateacute 1870 O
Paraguai era o paiacutes mais proacutespero da regiatildeo Contava ainda com uma moeda forte e
uma economia industrial como bases para um bem-sucedido desenvolvimento
nacional
Quando o ditador Solano Loacutepez chegou ao poder colocou em praacutetica uma poliacutetica
expansionista que pretendia ampliar o territoacuterio do Paraguai tomando terras do
Brasil Argentina e Uruguai Solano Loacutepez tinha como objetivo formar o Grande
Paraguai A guerra teve iniacutecio quando tropas paraguaias invadiram o territoacuterio
brasileiro e argentino Formou-se entatildeo a Triacuteplice Alianccedila que unia militarmente o
Brasil Argentina e Uruguai para lutar contra o Paraguai Para Fausto (2001) os
interesses ingleses tambeacutem estavam em pauta com a necessidade de garantirem-
se mais mercados e evitar o desenvolvimento de concorrentes a Inglaterra foi
grande incentivadora do conflito As lutas foram intensas terminando somente em
1870 com a invasatildeo de Assunccedilatildeo e a perseguiccedilatildeo e morte de Solano Loacutepez Para o
Paraguai as consequecircncias da guerra foram desastrosas devido agrave destruiccedilatildeo de sua
economia industrial e a morte de cerca de 80 da populaccedilatildeo (FAUSTO 2001)
Mesmo vitorioso o Brasil saiu com diversos problemas econocircmicos pois teve que
pedir grandes somas de dinheiro emprestadas para a Inglaterra o que aumentou
sua diacutevida externa Tambeacutem a poliacutetica de manutenccedilatildeo da escravidatildeo se viu em um
paradoxo como escravos podem ir para as fileiras lutar pela liberdade de uma
naccedilatildeo se eles individualmente natildeo possuem direito a liberdade Muitos escravos
foram alforriados para lutarem na guerra e tantos outros lutaram na esperanccedila de
receber uma posterior alforria ndash considerando que pela legislaccedilatildeo alguns cidadatildeos
alistados natildeo querendo fugir de suas obrigaccedilotildees para com o paiacutes - poderiam
mandar seus escravos para tomar ldquoseurdquo lugar na guerra (MATTOS 2000)
As dificuldades financeiras do Impeacuterio e a necessidade de apresentar uma soluccedilatildeo
para o problema da escravidatildeo apressaram a queda de D Pedro II visto que seu
uacuteltimo pilar de sustentaccedilatildeo estava no apoio dos fazendeiros que praticavam a
agricultura de exportaccedilatildeo baseada na matildeo-de-obra escrava
Um dos momentos de crise mais aguda na poliacutetica eacute sentido com a deposiccedilatildeo do
gabinete Zacarias de Goacuteis pelo Imperador - atribuiccedilatildeo garantida ao poder
moderador mas natildeo muito bem resolvida na ocasiatildeo D Pedro II vai ao conselho e
os votos depois de uma fala decisiva de Nabuco de Arauacutejo satildeo favoraacuteveis agrave
deposiccedilatildeo do gabinete26 A conciliaccedilatildeo agrupando os partidos em torno do trono
fortalecia o centro do poder em detrimento do poder local nas proviacutencias e logo
apoacutes a regecircncia ela vai desaparecendo em funccedilatildeo do personalismo descolado de
algum programa partidaacuterio Pode-se perceber que ldquoo desenvolvimento econocircmico e
as mudanccedilas sociais que ocorreram no paiacutes a partir dos anos 1850 trouxeram para a
arena poliacutetica novos grupos de interesse tornando impossiacutevel manter a alianccedila entre
os dois partidosrdquo (COSTA 1999 p162) A elite agraacuteria que dirigia os rumos do paiacutes
daacute lugar paulatinamente a uma elite de letrados urbanos uma nova geraccedilatildeo que se
forma lentamente no Brasil associada a uma classe meacutedia dissolvida nas camadas
de um estamento burocraacutetico que vem segundo Faoro (2004) transplantado quase
que integralmente para o Brasil e que lhe daacute o necessaacuterio suporte a existecircncia A
queda do ministeacuterio liberal em 1868 e sua substituiccedilatildeo por um gabinete conservador
gera uma crise que culmina em um manifesto em favor de vaacuterias mudanccedilas no
sistema poliacutetico como a exigecircncia da descentralizaccedilatildeo de eleiccedilotildees diretas contra a
vitaliciedade do senado a favor do sufraacutegio universal da liberdade religiosa e de
muitas outras mudanccedilas pretendidas Eacute a fase aacuteurea do impeacuterio que vecirc seu decliacutenio
iniciar-se depois da guerra do Paraguai
Observando a economia um dos fatores da estabilidade econocircmica e poliacutetica
do paiacutes no periacuteodo imperial foi o desenvolvimento do cafeacute dando um novo
impulso para a economia agroexportadora Durante o primeiro reinado a elite
agraacuteria estava ainda concentrada no nordeste accedilucareiro mas aos poucos a
produccedilatildeo em larga escala do cafeacute - que comeccedilou no Rio de Janeiro em 1930 em
Angra dos Reis e Mangaratiba ndash vem mudando as posiccedilotildees no jogo As plantaccedilotildees
avanccedilam para o vale do rio Paraiacuteba possibilitando pelo volume da produccedilatildeo que
aumentaria gradualmente nos anos seguintes partir para a exportaccedilatildeo Em meados
de 1850 a lavoura cafeeira se expande para o Oeste paulista favorecida pelas
condiccedilotildees do solo (FAUSTO 2001) mas o cultivo exigia a manutenccedilatildeo da matildeo de
obra escrava que ainda era considerada como muito lucrativa Sabe-se poreacutem que 26 A questatildeo colocada se refere (resumidamente) a um desentendimento de Caxias no comando
das tropas no Paraguai e Zacarias de Goacuteis entatildeo na chefia do gabinete Faoro (2004) argumenta
que apesar de D Pedro II ter consultado o conselho sobre o fato e ter seguido a diretriz
recomendada eacute acusado de usar arbitrariamente o Poder Moderador para a retirada dos liberais
com a proibiccedilatildeo do traacutefico negreiro - jaacute exigido pela Inglaterra ao governo brasileiro
ainda no primeiro reinado como uma das condiccedilotildees para aceitaccedilatildeo da
independecircncia - chegar-se-ia inevitavelmente ao fim o trabalho escravo no Brasil
mas a elite dominante adiou o quando pocircde a aboliccedilatildeo da escravidatildeo no paiacutes Para
tanto o impeacuterio relutava em cumprir os acordos leis e tratados firmados Como
forma de solucionar o problema da crescente escassez de matildeo de obra os
fazendeiros recorreram inicialmente ao traacutefico interno de escravos Quando do
agravamento do problema os fazendeiros paulistas comeccedilam uma poliacutetica de
incentivo agrave imigraccedilatildeo de colonos europeus (havia outras opccedilotildees como chineses
aos quais Joaquim Nabuco tinha verdadeira ojeriza) que passariam a trabalhar sob
o regime assalariado A troca foi gradual e lenta Diversas leis foram aprovadas ndash
sob pressatildeo ndash no decurso do tempo como a Lei de 7 de novembro de 1831 ndash Lei
Feijoacute a lei Euseacutebio de Queiroz a Lei do Ventre livre e adiante ateacute a aboliccedilatildeo total
em 1888 Mas o primeiro golpe seacuterio eacute sentido em 1851 como resultado da pressatildeo
inglesa Esta se sente de forma efetiva desde os acordos firmados com D Pedro I
para o reconhecimento da Naccedilatildeo ateacute o iniacutecio da vigilacircncia dos mares pela marinha
inglesa atraacutes de traficantes de escravos em navios de bandeira brasileira
No Rio de Janeiro e em Satildeo Paulo o escravo era utilizado nas plantaccedilotildees de cafeacute e
cana-de-accediluacutecar aqueles que possuiacuteam ou aprendiam uma profissatildeo bem como
tinham capacidade para desenvolver atividades comerciais eram utilizados nos
chamados ldquotrabalhos de ganhordquo e nos diversos trabalhos domeacutesticos nas cidades
Mas seu trabalho na lavoura no periacuteodo de nosso recorte ainda eacute imprescindiacutevel
para a expansatildeo da cafeicultura O cafeacute viria a tornar-se o principal produto de
exportaccedilatildeo brasileiro estimulando a industrializaccedilatildeo e a urbanizaccedilatildeo Fatores como
a expansatildeo do creacutedito atraveacutes de uma reforma bancaacuteria e ndash com o fim do traacutefico ndash a
aplicaccedilatildeo dos capitais desse comeacutercio em operaccedilotildees financeiras as mais diversas a
qual forneceu recursos para a formaccedilatildeo de novas aacutereas de plantaccedilatildeo e a ampliaccedilatildeo
das redes ferroviaacuterias em Satildeo Paulo que reduziram o custo de transporte para os
proprietaacuterios no interior paulista foram decisivos Para os interesses dessa classe
de ricos proprietaacuterios rurais paulistas que se forma a monarquia centralizadora -
sediada no Rio de Janeiro e apoiada pelos senhores de engenhos nordestinos e
cafeicultores do vale do Paraiacuteba - jaacute natildeo era uacutetil Com isso surgiram novos grupos e
classes sociais portadoras de novas demandas e interesses e de muito dinheiro
Na vida social Renault (1976) sustenta que a invasatildeo do luxo se consolida por volta
da deacutecada de 1850 Cabeleireiros alfaiates modistas perfumistas e floristas
construiacuteam uma realidade de consumo ateacute entatildeo desconhecida aqui O
endividamento tambeacutem toma conta da cidade como forma de se integrar a vida
social o que vem a causar desequiliacutebrios no orccedilamento domeacutesticos Um anuacutencio
assinado por certo ldquoMr Gadetrdquo e publicado ainda na deacutecada de 1840 no Jornal do
Comeacutercio prevenia os negociantes da Rua do Ouvidor que ele natildeo se
responsabilizaria pela vendas de objetos a creacutedito- possivelmente para sua esposa e
familiares - sem seu consentimento (RENAULT 1976)
A cidade se renovava e as pessoas viviam o luxo vindo direto da Europa para as
suas casas na maacutequina a vapor nas primeiras ferroviais na evoluccedilatildeo social com os
bondes e a integraccedilatildeo maior das periferias na iluminaccedilatildeo a gaacutes aleacutem da moda em
si que traz novos haacutebitos As viagens pela Europa para as famiacutelias mais abastadas
se torna algo possiacutevel e ateacute comum Mas o contraste eacute visiacutevel Em crocircnicas dos
jornais apresenta-se o melhor de Paris mas escrito em um ldquopeacutessimo francecircsrdquo pelos
jornalistas As salas de leitura e as livrarias recheadas de obras claacutessicas - algumas
de elevado niacutevel cultural e tiacutetulos em liacutengua estrangeira - esbarram no alto iacutendice de
analfabetismo satildeo 10 livrarias soacute no Rio de janeiro na deacutecada de 1850 (mas que
tambeacutem indica a quantidade de europeus ndash ingleses espanhoacuteis franceses e outros
ndash agora residindo no Brasil) e ao mesmo tempo as casas de famiacutelia ainda natildeo tem
um sistema de aacutegua encanada
Segmentos das elites nas deacutecadas de 60 e 70 passariam a contestar o regime
monaacuterquico atraveacutes dos movimentos republicano e abolicionista Mesmo alguns
fazendeiros que defenderam tenazmente a escravidatildeo progressivamente tornam-se
adeptos dos princiacutepios federalistas contidos nos ideais do movimento republicano
quando a situaccedilatildeo lhes era mais favoraacutevel economicamente Mesmo porque a
oposiccedilatildeo burguesia-aristocracia setores urbanos versus setores rurais caracteriacutestica
de outras sociedades natildeo se manifesta no Brasil com a mesma intensidade que em
paiacuteses europeus visto que o antagonismo que se registrou na Europa e gerou
alguns dos mais importantes movimentos revolucionaacuterios do periacuteodo entre burguesia
empresarial e aristocracia agraacuteria aqui era menos consistente Pela metade do
seacuteculo dezenove jaacute teriacuteamos fazendeiros com uma visatildeo mais progressista
apostando na matildeo de obra livre em melhorias no processo produtivo e ao mesmo
tempo uma parcela da burguesia que passa a comprar terras e participar
(associativamente ou mesmo por laccedilos familiares que viessem a ser criados) da
vida e do trabalho na propriedade rural Haacute uma tendecircncia maior entre as elites a
uma formaccedilatildeo de laccedilos de proteccedilatildeo muacutetuos (COSTA 1999)
Lembramos tambeacutem que o manifesto do Partido Liberal de 1868 previa a aboliccedilatildeo
apesar de natildeo haver um movimento organizado para isto Jaacute o Partido Conservador
silenciou sobre o assunto mas foi sob a administraccedilatildeo de gabinetes conservadores
que as leis abolicionistas vieram a acontecer (SKIDMORE 1989)
Golpe a golpe a monarquia vai perdendo sua legitimidade Aleacutem disso a partir da
deacutecada de 1870 o regime monaacuterquico entra em conflito com duas instituiccedilotildees
importantes que formavam outras duas bases de sustentaccedilatildeo do regime o Exeacutercito
e a Igreja Catoacutelica Entre os militares o positivismo pregava a liberdade e uma
postura moral que natildeo condizia com as antigas ideias escravocratas
O movimento proacute-repuacuteblica no Brasil que cresceu ao longo do periacuteodo tomava
proporccedilotildees irreversiacuteveis mas para que a alteraccedilatildeo na forma de governo se desse de
forma democraacutetica seria necessaacuterio uma Assembleia Geral majoritariamente
republicana o que natildeo deveria ocorrer posto que a populaccedilatildeo ainda apoiasse o
imperador e com a lei aacuteurea tinha-se medo do descontentamento dos escravos
com o possiacutevel fim da monarquia podendo acarretar uma revolta popular
(SCHWARCH 1999) Cientes desse problema os republicanos viram-se obrigados
a apelar para o ataque direto em associaccedilatildeo com militares de alta patente Em 15 de
novembro de 1889 D Pedro II foi deposto do trono e embarca para a Europa com a
famiacutelia no dia 17 de novembro sem alardes e sem despedidas puacuteblicas que
pudessem suscitar manifestaccedilotildees Eacute a partir desta alianccedila entre os proprietaacuterios
rurais do oeste paulista e os quadros da elite militar do Exeacutercito que chega no fim do
seacuteculo XIX a Repuacuteblica ao Brasil
22 O ESTADO DA ARTE DA IMPRENSA NO OITOCENTOS
Mas o oitocentos em meio a toda essa agitaccedilatildeo tambeacutem eacute um periacuteodo de
consolidaccedilatildeo da ldquopropostardquo de um paiacutes chamado Brasil um paiacutes novo natildeo mais
uma colocircnia detentor de um ideal proacuteprio que o substantiva em meio agraves outras
naccedilotildees como um ldquoigualrdquo entre elas D Pedro II em seus melhores anos vecirc e
estimula a extrema agitaccedilatildeo onde se busca em algumas ideias ou programas
poliacuteticos e culturais importados de outras naccedilotildees e (soacute algumas vezes) devidamente
adaptados para a ldquocor nacionalrdquo uma identidade para o Brasil Estamos mesmo
para usar uma expressatildeo de Antony Giddens (1991) na periferia
Apesar disso a identidade que se busca deve estar concernente com os elementos
os quais ela pretende representar que satildeo as elites que deteacutem o poder a partir de
1822 composta por comerciantes traficantes fazendeiros e elementos a estes
ligados interessados na grande propriedade agroexportadora e no traacutefico de
escravos e dos grupos de pressatildeo que com o tempo iram se aproximando e
afastando deste nuacutecleo inicial (COSTA 1999) buscando uma acomodaccedilatildeo
adequada durante todo o impeacuterio Schwarcz (1999) nos lembra de que na confecccedilatildeo
da primeira bandeira do Brasil imperial D Pedro I jaacute apostava nos ramos de cafeacute
ladeando o brasatildeo central como um siacutembolo nacional mesmo antes do cafeacute se
configurar como a riqueza que veio a ser
Os primeiros prelos chegam ao Brasil com D Joatildeo VI e natildeo havia uma imprensa no
Brasil no periacuteodo anterior Sodreacute (1999) registra uma pequena tipografia instalada no
Recife em 1706 sob autorizaccedilatildeo do governador da Proviacutencia Francisco de Castro
Morais mas jaacute em 08 de Junho do mesmo ano uma carta reacutegia potildee fim a empresa
Em 1746 novamente com autorizaccedilatildeo de um governador local ndash Gomes Freire ndash
transfere-se de Lisboa o impressor Antocircnio Isidoro da Fonseca para o Rio de Janeiro
e consegue por um breve tempo colocar em atividade pequena oficina tipograacutefica
que sob uma ordem reacutegia foi fechada e queimada Portugal natildeo queria uma
propagaccedilatildeo de ideias ldquoimproacutepriasrdquo dentro da colocircnia e tudo faria para evitar que isto
acontecesse Em Portugal as Ordenaccedilotildees Filipinas determinavam a proibiccedilatildeo da
impressatildeo de qualquer obra que natildeo passe pela censura dos desembargadores do
Paccedilo e dos oficiais do santo Ofiacutecio da Inquisiccedilatildeo (SODREacute 1999) A partir do
segundo quartel do seacuteculo XVII a igreja intensifica a fiscalizaccedilatildeo do conteuacutedo de
obras impressas ateacute que Pombal toma a frente e substitui a pratica pela instituiccedilatildeo
da ldquoReal Mesa Censoacuteriardquo que vigora de 1768 ateacute 1787 Os livros de conteuacutedo
classificado como proibido constituem bibliotecas particulares de alguns letrados e
geralmente satildeo impressas em outro paiacutes entrando em Portugal da mesma forma
que na colocircnia por meio de navios ingleses e franceses em forma de contrabando
Papeacuteis jornais e livros eram vendidos no cais por marinheiros a poliacutecia fiscalizava
livrarias e livreiros mas talvez toda essa pressatildeo acabasse por incentivar a criaccedilatildeo
de sociedades literaacuterias (e tambeacutem nas lojas maccedilocircnicas onde a natildeo se praticava um
pacircnico por autores franceses) onde era possiacutevel procurar e encontrar tiacutetulos
censurados Com a abertura dos portos em 1808 o comeacutercio ilegal se intensifica e a
situaccedilatildeo soacute melhora com a instalaccedilatildeo efetiva da Imprensa Reacutegia O Correio
Braziliense o primeiro jornal a discutir o cotidiano poliacutetico do Brasil e que tem seu
primeiro nuacutemero em junho de 1808 eacute produzido em Londres onde os olhos da
censura e da inquisiccedilatildeo natildeo alcanccedilam o redator tatildeo facilmente
As razotildees do atraso no desenvolvimento de uma imprensa no Brasil ultrapassam os
limites poliacuteticos descritos para esbarrar tambeacutem no problema tecnoloacutegico e de uma
cultura de censura preacutevia para os jornais Mesmo em Portugal nos conta Romancini
(2007) o jornalismo foi precedido pela publicaccedilatildeo sem periodicidade de folhas
impressas chamadas relaccedilotildees ou notiacutecias avulsas no final do seacuteculo XVI Apesar
das primeiras Gazetas de periodicidade mensal circularem desde a metade do
seacuteculo XVII dando iniacutecio assim a uma periodicidade para a publicaccedilatildeo de notiacutecias
impressas ateacute meados do seacuteculo seguinte ainda se conviveria com gazetas
manuscritas O primeiro jornal diaacuterio em Portugal seraacute o Diaacuterio Lisbonense de 1809
portanto posterior a vinda da famiacutelia real para o Brasil e a todo um conjunto de
mudanccedilas que isto viria a acarretar
Eacute sob a responsabilidade Antocircnio de Arauacutejo futuro Conde da Barca que chega ao
Brasil o material para uma oficina tipograacutefica ndash comprado na Inglaterra para a
Secretaria de Estrangeiros e da Guerra e que natildeo havia sido ainda instalado em
Portugal devido ao periacuteodo conturbado da transferecircncia da Corte para o Brasil D
Joatildeo ao saber do acontecido manda abrir a empresa para atender as necessidades
da coroa e possivelmente conseguir algum rendimento (a impressatildeo de cartas de
baralho para o divertimento das famiacutelias viria a trazer um bom lucro para a coroa)
Em ato real o priacutencipe determinava que uma junta apropriada examinasse os
materiais que solicitassem a impressatildeo e publicitaccedilatildeo para que nada se produzisse
de ofensivo contra a religiatildeo o governo ao aos bons costumes (SODREacute 1999) Em
10 de setembro de 1808 sai o primeiro nuacutemero da ldquoGazeta do Rio de Janeirordquo Um
jornal oficial que apesar de natildeo ter um conteuacutedo inovador marca o momento inicial
dos jornais impressos aqui
O ano de 1821 eacute relevante para a histoacuteria da imprensa brasileira Em 28 de agosto
DPedro entatildeo declarado priacutencipe-regente com o retorno de DJoatildeo VI a Portugal
decreta o fim da censura preacutevia a toda mateacuteria escrita tornando livre no Brasil a
palavra impressa Eacute um ato decorrente das deliberaccedilotildees das Cortes Constitucionais
de Lisboa em defesa das liberdades puacuteblicas e marca uma etapa de liberdade de
expressatildeo do pensamento
Com o passar dos anos tem-se a necessidade de formular uma logiacutestica para a
imprensa devido agraves vendas e ao crescimento das cidades Em 1844 o serviccedilo de
correios passa a entregar correspondecircncias nos domiciacutelios o que possibilitava um
sistema de assinaturas de impressos A partir de 1858 no Rio de Janeiro tem-se a
mobilizaccedilatildeo de negros forros e mulatos para o trabalho de entregadores mediante
pagamento para a venda avulsa regular nas ruas da cidade (BAHIA 1990) A partir
de entatildeo o sistema de distribuiccedilatildeo soacute melhora e o jornal como veiacuteculo de
comunicaccedilatildeo toma conta do Rio de Janeiro e de Satildeo Paulo
A busca por uma identidade para o Brasil tem na imprensa um lugar privilegiado
onde as opiniotildees e doutrinas vaacuterias buscavam conquistar a opiniatildeo puacuteblica como
forma de legitimaccedilatildeo de cada projeto individual (BASILE 2006) Satildeo as primeiras
deacutecadas de um veiacuteculo de comunicaccedilatildeo que viria a se tornar poderoso no seacuteculo
seguinte como um agente de informaccedilatildeo das massas Segundo Hall
As culturas nacionais satildeo compostas natildeo apenas de instituiccedilotildees culturais mas tambeacutem de siacutembolos e representaccedilotildees Uma cultura nacional eacute um discurso ndash um modo de construir sentidos que influencia e organiza tanto nossas accedilotildees quanto a concepccedilatildeo que temos de noacutes mesmos (HALL 1998 p 50)
A imprensa o jornal diaacuterio eacute o meio por excelecircncia da poliacutetica Lugar onde os
discursos acontecem os debates satildeo esperados as pelejas travadas e a construccedilatildeo
dos sentidos vecircm a acontecer Mais do que no salatildeo da Cacircmara de Deputados eacute
impresso no jornal que o discurso chega ateacute o leitor que formaraacute em seu conjunto
de propostas criacuteticas e reclames a opiniatildeo puacuteblica Eacute a imprensa que faz chegar
notiacutecias e informaccedilotildees a uma plateias bem mais ampla levantando questotildees do
cotidiano trazendo as informaccedilotildees que ateacute entatildeo estavam em domiacutenio privado para
a esfera puacuteblica Os folhetos e panfletos do periacuteodo tem um caraacuteter tambeacutem
didaacutetico divulgando ideias ndash natildeo soacute liberais eacute certo ndash por meio de uma linguagem
acessiacutevel Muitas vezes encadeando textos respondendo a outros jornais ou
publicitando debates Eacute esta literatura poliacutetica que consolida palavras ideias
expressotildees do liberalismo para a maior parte das pessoas (NEVES 2001)
Hobsbawn (2010) falando do periacuteodo compreendido entre 1848 e a deacutecada de 1860
na Europa comenta a importacircncia dos jornais na formaccedilatildeo de um nacionalismo que
se baseia na cultura partilhada pelo maior nuacutemero de cidadatildeos O autor afirma que a
ideia nacional eacute construiacuteda pelos veiacuteculos de comunicaccedilatildeo e os grupos a estes
vinculados
() o movimento nacional tendia a tornar-se poliacutetico apoacutes sua fase sentimental e folcloacuterica com a emergecircncia de grupos mais ou menos expressivos dedicados agrave ideia nacional publicando jornais e literatura nacionais organizando sociedades nacionais tentando estabelecer instituiccedilotildees educacionais e culturais e engajando-se em vaacuterias atividades francamente poliacuteticas Mas de forma geral neste ponto o movimento ainda era carente de um apoio decisivo por parte da massa da populaccedilatildeo Consistia basicamente de um extrato social intermediaacuterio entre as massas e a burguesia ou a aristocracia existentes (se tanto) especialmente os literatos professores camadas inferiores do clero alguns pequenos comerciantes e artesatildeos urbanos (HOBSBAWN 2010 p 105)
Segundo Romancini (2007) eacute a imprensa criacutetica observadora e natildeo comprometida
com os interesses do Estado que tem suas raiacutezes no Correio Brasiliense27 que iraacute
contribuir para a formaccedilatildeo de uma opiniatildeo puacuteblica no Brasil
27
Correio Brazilience ou Armazeacutem Literaacuterio Jornal mensal editado por Hipoacutelito Joseacute da Costa desde 1808 em Londres e importado para o Brasil para fugir da censura da cora portuguesa Apesar de Hipoacutelito daCosta manter relaccedilotildees com a Corte e com o priacutencipe D Joatildeo chegando mesmo a receber ajuda financeira deste para mantecirc-lo relativamente livre de sua redaccedilatildeo criacutetica o Correio foi um modelo para o jornalismo poliacutetico a ser desenvolvido no Brasil (ROMANCINI 2007)
O impeacuterio foi o periacuteodo da histoacuteria brasileira em que a imprensa teve maior liberdade
de expressatildeo (CARVALHO 2004) mas ela natildeo era um poder independente Em sua
maior parte os jornais e panfletos estavam vinculados a organizaccedilotildees que visavam
como os partidos poliacuteticos ao poder
Havia folhas independentes como o Jornal do Commercio e os jornais radicais Mas eram poucos e com raras exceccedilotildees natildeo duravam muito A grande maioria era vinculada a partidos ou a poliacuteticos O governo tinha sempre seus jornais o mesmo acontecendo com a posiccedilatildeo Os jornalistas lutavam na linha de frente das batalhas poliacuteticas e muitos deles eram tambeacutem poliacuteticos Muitos poliacuteticos por seu lado escreviam em jornais nos quais o anonimato lhes possibilitava dizer o que natildeo ousariam na tribuna da
Cacircmara ou do Senado (CARVALHO 2007 p78)
Liberais conservadores progressistas histoacutericos puritanos todos tem o seu ldquooacutergatildeordquo
de comunicaccedilatildeo Todos tem um jornal seu com o intuito de divulgar e defender seus
ideais propostas e tendecircncias
Rodrigues (2008) comenta que os jornais foram importantes para a divulgaccedilatildeo do
liberalismo moderado pelo Brasil e daacute ecircnfase ao ldquoAurora Fluminenserdquo e ao ldquoSete de
Abrilrdquo que tem a frente Bernardo Vasconcelos e Evaristo Ferreira da Veiga
respectivamente Seus editoriais eram reimpressos em outros jornais do interior do
Rio de Janeiro e de outras regiotildees do paiacutes o que serviu como uma rede de
divulgaccedilatildeo para as ideias liberais
Neves (2001) sustenta que bem como os jornais os panfletos e folhetos de caraacuteter
poliacutetico tiveram papel importante para a divulgaccedilatildeo natildeo somente de ideias mas de
um vocabulaacuterio especiacutefico efetivamente didaacutetico com uma linguagem acessiacutevel
para que uma parte maior da populaccedilatildeo pudesse entender o desenvolvimento do
liberalismo mesmo que este soacute tenha enfatizado um parte do arcabouccedilo de ideias
liberais Toda essa estrutura de ldquomiacutediardquo acabava por propiciar o surgimento de uma
opiniatildeo puacuteblica que assimilava ideias discutia propostas e tomava partido O ideaacuterio
que se pretendia construir era a criacutetica ao despotismo como siacutembolo de um passado
que jaacute estava enterrado e o liberalismo como o ideaacuterio poliacutetico para os novos
tempos (NEVES 2001)
A imprensa do seacuteculo XIX de maneira geral tem por caracteriacutestica ser constituiacuteda ndash
em sua maioria ndash por jornais de vida curta geralmente se ocupando de causas
tambeacutem momentacircneas e tem como proprietaacuterio um indiviacuteduo ou um grupo pequeno
de empresaacuterios (natildeo necessariamente jornalistas) e eacute por excelecircncia poliacutetico
(PINTO 2003) O jornal eacute a representaccedilatildeo de fato e dos fatos para a sociedade um
ente poliacutetico dos mais importantes no momento E junto a ele dentro das
possibilidades existentes no seacuteculo XIX folhetos cartazes livros e muitos outros
suportes foram usados com o intuito de difundir discursos de teor ideoloacutegico Isso jaacute
eacute uma percepccedilatildeo de que a participaccedilatildeo de camadas cada vez maiores da populaccedilatildeo
ndash e natildeo somente da burguesia ndash se apresentavam como elementos emergentes para
a poliacutetica Hobsbawn (2011) nesta passagem nos informa sobre a percepccedilatildeo das
elites europeias da necessidade de um jornal que disseminasse suas ideias para o
povo apoacutes a seacuterie de revoluccedilotildees de 1848
Os defensores da ordem social precisaram aprender a poliacutetica do povo Esta foi a maior inovaccedilatildeo trazida pelas revoluccedilotildees de 1848 Mesmo os mais arqui-reacionaacuterios dos junkers prussianos descobriram naquele ano que precisavam de um jornal que pudesse influenciar a opiniatildeo puacuteblica ndash conceito em si proacuteprio ligado ao liberalismo e incompatiacutevel com a hierarquia tradicional (HOBSBAWN 2011 p41)
Para a Corte no Brasil assim como na Europa jaacute na segunda metade do seacuteculo XIX
os jornais do periacuteodo passam a publicar obras literaacuterias em folhetins Autores como
Manoel Antocircnio de Almeida Machado de Assis e Alencar ficaram famosos por conta
desse tipo de veiculaccedilatildeo e tal associaccedilatildeo da imprensa com a literatura que vai se
revelando no jornal impresso - jaacute no periacuteodo de nosso recorte ndash determina
caracteriacutesticas proacuteprias de um veiacuteculo de comunicaccedilatildeo de massa (PINTO 2003)
Referir-nos-emos entatildeo a estes para uma melhor compreensatildeo da anaacutelise com o
vocaacutebulo ldquomiacutediardquo
Chartier (1991) nos alerta de que natildeo existe um texto fora do suporte que lhe
permita ser lido (ou ouvido) e que natildeo haacute compreensatildeo de um escrito qualquer que
seja que natildeo dependa das formas pelas quais ele atinge o leitor O princiacutepio do
discurso ideoloacutegico eacute o de ldquoalcancerdquo Quanto maior eacute o grupo atingido por uma
proposta maior eacute sua forccedila Eacute uma percepccedilatildeo de base estatiacutestica e natildeo filosoacutefica
Para que o discurso ideoloacutegico venha a surtir efeito eacute preciso que as ideias da classe
dominante se tornem as ideias de todos os membros da sociedade que todos (ou
sua maior parte) se identifiquem com elas E ainda para que a ideologia seja eficaz
o discurso deve se manter sempre o mesmo ignorando as mudanccedilas que possam
vir a acontecer (CHAUI 1997) Para tanto tambeacutem eacute necessaacuterio que a classe
dominante por meio de seus agentes e instrumentos eou instituiccedilotildees especiacuteficas
tratem de aleacutem de produzir suas ideias possam distribuiacute-las o que eacute feito por
exemplo atraveacutes da educaccedilatildeo da religiatildeo dos costumes dos meios de
comunicaccedilatildeo disponiacuteveis As ideias mudam de lugar conforme a interpretaccedilatildeo que
os homens lhe datildeo e no campo poliacutetico essas mudanccedilas nas ldquoorientaccedilotildeesrdquo dos
homens ocorrem com certa frequecircncia Eacute preciso confianccedila como tambeacutem partilhar
as ideias com o grupo e se possiacutevel com quem mais aparecer
23 SOBRE AS ELITES NO PODER
Apesar dos estudos sobre a burguesia e as elites natildeo serem uma novidade entre
noacutes uma pergunta metodoloacutegica insiste em aparecer ndash como nos lembra Flaacutevio
Heinz (2006) Onde comeccedilam e onde terminam as elites - Este mesmo autor
sugere que os limites tradicionais tendem a ficarem menos riacutegidos com o
aparecimento de pesquisas mais recentes e a inclusatildeo de novas categorias
profissionais e de diferentes recortes que modificam a visatildeo tradicional sobre o
assunto integrando outras fontes e apresentando possibilidades para a
interpretaccedilatildeo destas
Temos em mente que mesmo considerando tais limites para o segmento ldquoeliterdquo eacute
preciso lembrar como nos mostra Chauiacute que a elite descrita a que nos referimos
deve ser entendida como a ldquoclasse dominanterdquo e natildeo necessariamente os
ldquomelhoresrdquo homens e mulheres dentro de uma sociedade como o termo pode
sugerir (CHAUI 1997 p 48) Cabem aqui entatildeo algumas consideraccedilotildees agraves quais
tomamos por base a partir o modelo democraacutetico de Schumpeter (1984)
salientando que por se tratar de um modelo este nos permite uma gama maior de
possibilidades de interpretaccedilatildeo e uma flexibilidade em nossa anaacutelise tentando
abarcar um periacuteodo que apresenta contrastes acentuados Consideramos aqui que o
governo eacute exercido por elites poliacuteticas natildeo existe o chamado ldquobem comumrdquo como
uma meta de trabalho ou projeto de administraccedilatildeo do Estado que vaacute agradar ou
interessar a todos os segmentos da sociedade pelo simples fato de que para
indiviacuteduos grupos e classes diferentes este bem comum significa coisas diferentes
Neste caso consideramos a busca deste ldquobem comumrdquo como um fator de
subjetivaccedilatildeo que acaba por deslocar a ideologia partidaacuteria das metas do agente
poliacutetico o que termina dando a impressatildeo de que os partidos (seus integrantes no
caso) liberais ou conservadores democratas ou republicanos ou outros tantos satildeo
uma mesma coisa o objetivo primordial dos partidos poliacuteticos eacute conquistar e manter
o poder e a realizaccedilatildeo do ldquobem comumrdquo eacute um meio para atingir este objetivo
(SCHUMPETER 1984) a soberania popular embora natildeo seja nula eacute reduzida
visto que satildeo as elites poliacuteticas que propotildeem candidatos e alternativas para o eleitor
e no caso das eleiccedilotildees no impeacuterio isso eacute bem marcante E eacute preciso notar que um
importante aspecto da poliacutetica imperial eacute o de conseguir ter mantido a supremacia do
poder civil O exeacutercito e a marinha tiveram influencia reduzida nas decisotildees da
poliacutetica nacional e quando foi o caso seus representantes eram antes poliacuteticos
vinculados a algum dos partidos do que militares em cargos administrativos Um
caso singular eacute a figura de Caxias que mesmo na posiccedilatildeo de um heroacutei de guerra
com o comando geral das tropas no Paraguai teve de passar pelo crivo do conselho
de Estado para que fossem resolvidas seus desentendimentos com Zacarias de
Goacuteis
As decisotildees vimos partem de um grupo civil e eacute para estes civis que Alencar dirige
seu discurso A elite poliacutetica que chega ao poder depois da independecircncia e se
ldquoenraiacutezardquo com o fim do periacuteodo regencial apresentando caracteriacutesticas de unidade
ideoloacutegica de treinamento administrativo e de educaccedilatildeo A Corte no Rio de Janeiro
recebia representantes de todo o Brasil pois a Cacircmara dos deputados e o Senado
satildeo instituiccedilotildees sediadas naquela cidade Natildeo estamos considerando tatildeo somente a
sociedade carioca ou mesmo as oligarquias fluminenses do cafeacute que jaacute dava seus
frutos por ali mas as elites do Brasil na qualidade de seus representantes
Deputados senadores conselheiros altos funcionaacuterios da burocracia magistrados
fazendeiros traficantes de escravos banqueiros e outros mais transitando pelas
ruas estreitas do Rio de janeiro sem considerar os ricos comerciantes estrangeiros
(alguns enriqueceram ali mesmo) e alguns setores da monarquia espanhola que se
estabelecem no Brasil ainda no periacuteodo das revoluccedilotildees republicanas que se
espalharam pelo restante da Ameacuterica Latina encontrando no Rio de Janeiro o abrigo
de uma monarquia constitucionalista
Alfredo Bosi abre um capiacutetulo de sua Dialeacutetica da colonizaccedilatildeo onde se refere agrave
formaccedilatildeo do ldquonovo liberalismordquo com uma citaccedilatildeo de uma crocircnica de Machado de
Assis intitulada ldquoHistoacuteria de quinze diasrdquo na qual o romancista daacute lugar ao criacutetico
cruel do sistema social e poliacutetico do impeacuterio O recorte fala por si
As instituiccedilotildees existem Mas por e para 30 dos cidadatildeos Proponho uma reforma no estilo poliacutetico Natildeo se deve dizer ldquoconsultar a naccedilatildeo os representantes da naccedilatildeo os poderes da naccedilatildeordquo mas ldquoconsultar os 30 representantes dos 30 poderes dos 30rdquo A opiniatildeo puacuteblica eacute uma metaacutefora sem base haacute soacute a opiniatildeo dos 30 (ASSIS apud BOSI 2003 p222)
Cabe-nos demonstrar agora quantos e quais (estatisticamente no caso) seriam os
eleitores os que podiam participar ativamente do processo eleitoral em nosso
periacuteodo de recorte temporal notadamente aqueles a quem Alencar se dirigia em
suas cartas
As primeiras eleiccedilotildees para a composiccedilatildeo das cortes em 1821 adotaram
basicamente o voto universal masculino Jaacute nas eleiccedilotildees para a constituinte
brasileira foi exigida a idade miacutenima de 20 anos e a exclusatildeo de estrangeiros e
assalariados Com a constituiccedilatildeo outorgada por D Pedro I elevam-se as restriccedilotildees
com idade miacutenima de 25 anos exclusatildeo aos criados e adoccedilatildeo do criteacuterio de renda
miacutenima Em 1846 excluem-se os ldquopraccedilas-de-preacuterdquo aleacutem de alterar o caacutelculo de renda
miacutenima baseado na desvalorizaccedilatildeo da moeda em funccedilatildeo da inflaccedilatildeo O formato
determinava que em um primeiro momento designar-se-iam os votantes ndash com
renda superior a 100 mil-reacuteis anuais ndash que escolheriam os eleitores ndash com renda
superior a 200 mil-reacuteis anuais ndash que iriam escolher os deputados ndash com renda
superior a 400-mil reacuteis anuais Mas a limitaccedilatildeo de renda tinha pouca importacircncia a
maioria da populaccedilatildeo trabalhadora ganhava mais de 100 mil-reacuteis por ano Em 1876
o menor salaacuterio registrado no serviccedilo puacuteblico era de 600 mil-reacuteis (CARVALHO
2002) mas era preciso que houvesse alguma comprovaccedilatildeo
Em 1881 temos algumas mudanccedilas a eliminaccedilatildeo da eleiccedilatildeo em dois turnos e eacute
proibido o voto dos analfabetos aleacutem de tornar o voto em si voluntaacuterio Calcula-se
a partir de tais restriccedilotildees para o periacuteodo que estamos tratando um percentual de
13 da populaccedilatildeo total com possibilidades de participaccedilatildeo eleitoral que diminui
para quase 1 a partir da lei de 1881 (CARVALHO 2007) Todas estas medidas
foram tomadas com real intuito de diminuir a participaccedilatildeo popular na votaccedilatildeo
concentrando o sufraacutegio nas elites Hebbe Mattos (2000) nos informa que para ser
eleitor ndash e para conseguir algumas vantagens que a condiccedilatildeo lhe permitia ndash o
cidadatildeo natildeo poderia ter nascido ldquoingecircnuordquo (escravo) Mas analfabetos e ex-escravos
poderiam habilitar-se a eleitores de segundo grau e ateacute mesmo serem eleitos para a
vereanccedila (NOVAIS 1997)
Apesar de haverem algumas estrateacutegias para modificar esse quadro e conseguir
uma renovaccedilatildeo maior dos parlamentares com vistas a uma representaccedilatildeo popular
como a lei dos ciacuterculos e a adoccedilatildeo do voto distrital (que pouco tempo permaneceram
em vigor logo que comeccedilaram a proporcionar tais mudanccedilas) as eleiccedilotildees em sua
forma e dinacircmica estavam cada vez mais sob o controle das elites econocircmicas que
optavam por manter uma estabilidade no poder A forma que a eleiccedilatildeo se dava jaacute
era um complicador com a necessidade de que o eleitor votasse em tantos nomes
quantos houvesse cadeiras em sua assembleia Isto geralmente favorecia ao
candidato que pudesse ter uma representaccedilatildeo aleacutem dos limites locais o que era
conseguido atraveacutes das redes de relaccedilotildees que se compunham pelos demais
representantes ou pelos ldquopadrinhosrdquo poliacuteticos de cada candidato relaccedilatildeo que
geralmente era conseguida pelo partido mesmo que estas fossem descontinuadas
apoacutes a eleiccedilatildeo Para o pai de Alencar corria uma anedota no Cearaacute entre partidaacuterios
que anunciavam a falta de uma relaccedilatildeo com o senador depois de sua partida para a
Corte Quando se recebia uma notiacutecia da qual natildeo se tinha muito creacutedito uma
interjeiccedilatildeo de desconfianccedila prenunciava a frase - Tal coisa vai acontecer ()assim
que o Alencar me escrever ndash anunciavam aludindo a algum acontecimento
impossiacutevel por ali (MENEZES 1965) Com tudo isso acreditamos que Machado de
Assis em sua criacutetica estava sendo bastante otimista com os 30 anunciados
Sobre a formaccedilatildeo intelectual da elite local eacute importante lembrar que a constituiccedilatildeo
de 1824 entregando o ensino fundamental e meacutedio nas matildeos da igreja cria uma
educaccedilatildeo de caraacuteter religioso centrada mais na tradiccedilatildeo filosoacutefica e com certa
indiferenccedila pela pesquisa cientiacutefica mas impregnada pelo estudo das letras
determinada pela tradiccedilatildeo jesuiacuteta (SKIDMORE 1989) Portugal evitou criar em seus
domiacutenios ultramarinos faculdades ou universidades Os textos disponiacuteveis ficavam
restritos agraves bibliotecas dos conventos e agraves poucas escolas mantidas tambeacutem por
religiosos o que garantia certo controle sobre a divulgaccedilatildeo das ideias
ldquoprogressistasrdquo Natildeo havendo jornais em circulaccedilatildeo ou livros impressos visto que os
primeiros prelos chegam com a famiacutelia real em 1808 os leitores se contentavam
com a literatura produzida na Europa ndash traduzida ou natildeo o que jaacute limitava o nuacutemero
de leitores - e que atravessava o Atlacircntico em sua maior parte por via clandestina
Aqueles que tinham condiccedilatildeo econocircmica mandavam seus filhos para Portugal onde
faziam os estudos superiores na Universidade de Coimbra e adquiriam os valores
ditados pela metroacutepole Estes em sua maioria eram aproveitados para compor a
burocracia do impeacuterio em formaccedilatildeo Caiam quase sempre na poliacutetica
Em nuacutemeros temos o percentual de Senadores com educaccedilatildeo superior no periacuteodo
de 1853 a 1871 - portanto pertinente ao nosso recorte temporal - chegando a 80 e
o dos ministros dos diversos gabinetes a 96 do total Considerando que a
educaccedilatildeo militar ndash exeacutercito e marinha aos quais alguns poliacuteticos tambeacutem pertenciam
ndash recebida por um grupo desses parlamentares natildeo entra nesta base para o caacutelculo
final o nuacutemero de poliacuteticos que natildeo recebeu instruccedilatildeo eacute praticamente nulo Para os
conselheiros de Estado de 1840 a 1889 dos 72 homens que estiveram em seus
quadros apenas 02 natildeo possuiacuteam educaccedilatildeo superior O niacutevel educacional dos
deputados gerais se assemelha percentualmente ao dos senadores (CARVALHO
2007)
Depois da elite de Coimbra dominar os primeiros anos do impeacuterio vem o comeccedilo da
nacionalizaccedilatildeo com os cursos de Direito preferecircncia nacional para o ingresso na
elite poliacutetica via cargo puacuteblico Tais cursos satildeo criados no Brasil depois da
independecircncia em 1827 e comeccedilando efetivamente em 1828 Um em Satildeo Paulo e
outro em Olinda - transferindo-se o segundo posteriormente para a cidade do Recife
A presenccedila no poder de egressos da escola de medicina e engenharia tem o peso
relativo proporcional ao dos militares eacute o diferencial estava mesmo na formaccedilatildeo no
Direito O curso superior era o preacute-requisito para tentar um cargo no poder Sobre o
segundo e terceiro escalotildees da burocracia como bem nos mostra Joseacute Murilo satildeo
representados por diretores chefes de seccedilatildeo e uma gama de funcionaacuterios
especializados em sua maioria vinculada a algum ministeacuterio e que buscava nas
cidades principalmente o emprego puacuteblico como forma de sobrevivecircncia visto a
falta de postos de trabalho em outros setores A elite brasileira era em sua quase
totalidade letrada o que a afastava mais ainda da grande massa do povo sem
alfabetizaccedilatildeo
Carvalho (2007) sustenta que a homogeneidade ideoloacutegica eacute um dos importantes
fatores que iriam fornecer a possibilidade de constituir determinados modelos de
dominaccedilatildeo poliacutetica Uma elite homogecircnea tende a uma movimentaccedilatildeo em uma
mesma direccedilatildeo e garante ao menos a possibilidade de um projeto comum E eacute essa
homogeneidade que sugere que se possa conseguir certa estabilidade para
administrar conflitos dentro destes grupos O Brasil jaacute dispunha de tal elite quando
da independecircncia (que apesar de seguir os moldes portugueses jaacute apresentavam
caracteriacutesticas distintas mesmo por que seus grupos eram diversos procedentes de
muitas proviacutencias do Brasil) A composiccedilatildeo da elite vai se transformando lentamente
com o passar dos anos e com o crescimento do quantitativo de pessoas passiacuteveis
de acesso a esta na grande maioria composta de funcionaacuterios puacuteblicos Eacute uma
verdade a afirmaccedilatildeo de que os representantes da sociedade nesse periacuteodo satildeo
tambeacutem representantes do Estado Os estamentos como sustenta Bauman (2001)
lugares a que os indiviacuteduos pertenciam por hereditariedade aos poucos vatildeo dando
lugar as classes onde o pertencimento eacute fabricado pelo esforccedilo do indiviacuteduo por
sua vontade de pertencimento E ao mesmo tempo associadas as caracteriacutesticas
que a sociedade brasileira consegue ter neste momento de uma dinacircmica para a
consolidaccedilatildeo de um sistema liberal e ao mesmo tempo conservador de dominaccedilatildeo
Segundo Alencar o paiacutes tambeacutem eacute ldquoconduzidordquo pelo Estado Estaacute em suas matildeos
considerando que ldquoempresas industriais associaccedilotildees mercantis bancos obras
puacuteblicas operaccedilotildees financeiras privileacutegios fornecimentos todas essas fontes
abundantes de riquezas improvisadas emanam das alturas do poderrdquo (ALENCAR
2011 p99) A centralizaccedilatildeo da elite garantia ao mesmo tempo um Estado forte e
uma homeostase entre os grupos no poder em que os conflitos mais seacuterios e os
movimentos contestatoacuterios ficavam localizados nos municiacutepios onde era mais faacutecil
uma soluccedilatildeo (mesmo que em forma de accedilatildeo militar como no caso das revoltas no
periacuteodo regencial) Uma grande mudanccedila se efetua entre 1855 e 1868 quando o
partido liberal quase desaparece por completo depois de dominar o cenaacuterio poliacutetico
por aproximadamente 10 anos Eacute um periacuteodo de ascensatildeo de liberais histoacutericos e
conservadores dissidentes jovens lideranccedilas que aparecem no periacuteodo da
conciliaccedilatildeo De 1862 a 1868 haacute uma notoacuteria instabilidade no ministeacuterio durando em
meacutedia um ano cada gabinete Tudo isto em um momento de guerra externa que
produzia inflaccedilatildeo e consumia enorme quantidade de recursos puacuteblicos (CARVALHO
2007) Mas isto natildeo eacute sentido no cotidiano das elites econocircmicas que tem no Estado
sua fonte de renda quando natildeo de exploraccedilatildeo das rendas do proacuteprio Estado
Schwarcz (1999) nos daacute uma visatildeo interessante do interior de um sobrado citadino
em meados do seacuteculo XIX o padratildeo de moradia para a elite da corte onde temos
uma ideia de seu cotidiano luxuoso e requintado
() eacute na capital durante os anos de 1840 a 1860 que se cria uma febre de bailes concertos reuniotildees e festas A corte se opotildee agrave proviacutencia arrogando-se o papel de informar os melhores haacutebitos de civilidade tudo isso aliado agrave importaccedilatildeo dos bens culturais reificados nos produtos ingleses e franceses Nas casas os homens jogam voltarete gamatildeo xadrez e whist e os moccedilos o jogo da palhinha Jaacute as mulheres divertem-se com jogos de prenda de flores do bastatildeo do amigo ou amiga e do lenccedilo queimadordquo (SCHWARCZ 1999 p 156)
O teatro por exemplo estaacute entre as diversotildees mais apreciadas do periacuteodo Eacute o lugar
de encontros poliacuteticos flertes e namoros escondidos de encontros e desencontros
um lugar de diversatildeo Natildeo eacute a toa que a expressatildeo teatro poliacutetico tatildeo usado por
Nabuco Alencar e Machado tambeacutem se refira a possibilidade do puacuteblico participar
das seccedilotildees das casas legislativas como expectador Este vecirc se constrange ri
chora pode vaiar pode aplaudir Mas suas accedilotildees natildeo iratildeo modificar
substancialmente o andamento do espetaacuteculo poliacutetico Cabe lembrar que os teatros
(o espaccedilo fiacutesico) tambeacutem satildeo locais onde a propaganda poliacutetica tinha ldquoseu lugarrdquo
Usados como lugares para reuniatildeo geralmente pela localizaccedilatildeo e capacidade de
abrigar vaacuterias pessoas A tiacutetulo de exemplo registramos uma anotaccedilatildeo de Tavares
Bastos em seu diaacuterio sobre o uso do Teatro Phenix Dramaacutetica na Rua da Ajuda
para as ldquoconferecircncias radicais do Clube Radicalrdquo (ABREU 2007 p 129) Os
comiacutecios puacuteblicos soacute seratildeo uma realidade a proximidade do fim do seacuteculo com
homens como Lopes Trovatildeo que conseguiram levar a populaccedilatildeo agraves praccedilas puacuteblicas
em nome do partido republicado (COSTA 1999)
24 INTELECTUAIS E OPINIAtildeO PUacuteBLICA
Gramsci nos mostra que os intelectuais se formaram historicamente associados agraves
elites econocircmicas Sua funccedilatildeo dentro dos diversos ldquopartidosrdquo eacute o de organizaccedilatildeo e
disseminaccedilatildeo da ideologia Alencar eacute algueacutem que nasceu na tradiccedilatildeo da aristocracia
rural mas por sua atividade como jornalista advogado e poliacutetico e por seu ativismo
poliacutetico pode ser enquadrado na categoria de intelectual orgacircnico Aquele que
busca em sua praacutexis transformar ensinar e buscar soluccedilotildees para a sociedade Mas
Alencar estaacute longe de ser um elemento que surge do povo ou das ldquobases
popularesrdquo apesar de ter sido eleito deputado para vaacuterios mandatos Cabe lembrar
que as campanhas poliacuteticas no periacuteodo natildeo exigiam uma presenccedila constante do
candidato junto a sua base eleitoral Os eleitores ndash pouquiacutessimos decerto - satildeo
relativamente abastados (considerando natildeo haver um mercado de trabalho as
diferenccedilas entre os grupos satildeo grandes) configuram uma categoria da elite regional
que tendia a se identificar com um candidato mais pela rede de relaccedilotildees sociais a
que este representava ou estava associado do que propriamente agraves ideias de algum
dos partidos poliacuteticos em atuaccedilatildeo no periacuteodo
Eacute na literatura e no jornalismo aonde floresce a vocaccedilatildeo de Alencar como
intelectual eacute ali que se constitui a sua forma de estudar a realidade e de interagir
com ela Entendemos que para Gramsci (1976) a ideia de participaccedilatildeo na cultura
natildeo significa a simples aquisiccedilatildeo de conhecimentos ou uma atitude passiva do
sentimento humano mas sim posicionar-se frente agrave histoacuteria fazer a histoacuteria
acontecer mesmo que a poder das armas E a luta armada do intelectual vem na
forma de manifestos eacute a sua maneira de interagir com o puacuteblico (BOBBIO 1997)
buscando (incitando) a transformaccedilatildeo da realidade
A cultura estaacute relacionada com esta transformaccedilatildeo da realidade atraveacutes da busca e
da conquista de uma consciecircncia superior onde cada indiviacuteduo precisa conseguir
compreender o seu valor na sociedade (GRAMSCI 1976) Eacute a passagem do
momento corporativo ao momento eacutetico-poliacutetico da estrutura agrave superestrutura Isto eacute
expresso por Gramsci atraveacutes do seu conceito ampliado de poliacutetica a catarse O
momento em que a esfera dos interesses corporativos e particulares eleva-se ao
niacutevel da consciecircncia universal e as classes conseguem elaborar um projeto para
toda a sociedade atraveacutes de uma accedilatildeo coletiva Assim sair da passividade para
Gramsci eacute deixar de aceitar a subordinaccedilatildeo que o sistema capitalista impotildee a
alguns estratos da populaccedilatildeo
Alencar advogado brilhante e poliacutetico combativo eacute antes de tudo um homem das
letras Algueacutem que conhece a forccedila da palavra e como jornalista e editor o alcance
que um perioacutedico pode ter E ele usaraacute isso em seu favor Este intelectual buscaraacute
em suas leituras os conceitos claacutessicos do liberalismo com Adam Smith John Locke
Benjamim Constant e outros poucos livros que tinham em matildeos ndash vaacuterios ainda em
sua liacutengua original (RENALT 1976) - que lhes dariam o suporte para se sustentar
junto a tecnocracia administrativa que se formava situando-se em algum lugar
confortaacutevel entre o absolutismo e a democracia - em alguns casos entre o
constitucionalismo e o voto censitaacuterio entre o liberalismo e a igualdade
A tarefa a que se propotildee o Alencar que pode ser entendida tambeacutem como uma
espeacutecie de educaccedilatildeo ndash senatildeo das massas com os movimentos operaacuterios
principalmente no iniacutecio do seacuteculo XX e que natildeo se percebem ainda no periacuteodo mas
de grupos paulatinamente mais generalizados que se formam como resultado do
desenvolvimento das cidades ndash eacute praticado pelos intelectuais (sendo Alencar um
exemplo) como agentes de ligaccedilatildeo entre as elites e tais grupos visto que o projeto
educacional corresponde a uma necessidade de formaccedilatildeo intelectual e teacutecnica do
povo ateacute mesmo para uma maior qualificaccedilatildeo do trabalhador que pudesse gerar
com seu trabalho um desenvolvimento tecnoloacutegico dos meios de produccedilatildeo de
capital e tambeacutem para o periacuteodo um texto mais ldquoagradaacutevelrdquo e basicamente mais
acessiacutevel que seria um facilitador para que uma maior parte da populaccedilatildeo pudesse
conhecer as ideias liberais O sentido era didaacutetico e ideoloacutegico ao mesmo tempo de
forma que um grupo maior pudesse ser identificado com o movimento e dele
tomasse partido
Observe-se que em Gramsci a supremacia de um grupo social se manifesta de dois
modos como domiacutenio (coaccedilatildeo) e como direccedilatildeo intelectual e moral (consenso) Eacute no
consenso que o trabalho de Alencar busca organizar uma sociedade menos desigual
a partir da divulgaccedilatildeo de uma ideologia liberal (dentro dos limites do que se pode
entender como ldquoiguaisrdquo no liberalismo brasileiro estamos sempre no acircmbito de uma
aristocracia) de uma moral cristatilde que auxilia no projeto de dominaccedilatildeo do povo e da
defesa da propriedade privada esta extensiva ao projeto da escravidatildeo
Um grupo social pode e deve impor-se como dirigente (e seu modo de expressatildeo eacute
em geral o partido poliacutetico) e sua organizaccedilatildeo eacute o que lhe sustenta na busca de
uma posiccedilatildeo no poder Isto vale tanto para as elites como para os grupos de
trabalhadores Mas a maneira para que isto ser levado a cabo seria pela via da
informaccedilatildeo da educaccedilatildeo da politizaccedilatildeo enfim Algumas preocupaccedilotildees de Gramsci
satildeo tais como as de Alencar Como levar a discussatildeo poliacutetica para a maior parte da
populaccedilatildeo enquanto esta natildeo se preocupa com a realidade mas com os modismos
com as influencias externas Como politizar o povo (GRAMSCI 1976) O que se
nota eacute que tal discurso natildeo se dirige propriamente as massas ele jaacute existe ndash anterior
a Marx e Gramsci ndash e eacute usado como forma de dominaccedilatildeo para todos os grupos
sociais Segundo Gramsci (1999) os intelectuais que mesmo na Itaacutelia natildeo estavam
ligados agraves massas ldquodeveriamrdquo ligar-se como uma opccedilatildeo eacutetica e como uma opccedilatildeo
poliacutetica para a transformaccedilatildeo O que muda natildeo eacute necessariamente a forma do
discurso mas a direccedilatildeo e o puacuteblico a que se destina O poder natildeo eacute mantido apenas
atraveacutes da hegemonia de classe ou pela simples difusatildeo de ideias desta classe
que o assume eacute preciso accedilatildeo
Em Alencar natildeo observamos uma radicalizaccedilatildeo neste sentido apenas o uso cada
vez maior das formas de comunicaccedilatildeo disponiacuteveis ndash e de forma cada vez mais
diversa tentando alcanccedilar cada vez mais pessoas ndash no momento A sociedade civil
para Alencar aumentaria sua participaccedilatildeo poliacutetica quanto mais politizada estivesse e
quanto maior fosse desenvolvida sua capacidade criacutetica e o Estado natildeo seria assim
tatildeo somente a sociedade poliacutetica mas o resultado da accedilatildeo poliacutetica da sociedade civil
enquanto nuacutecleo formador da sociedade poliacutetica (GRAMSCI 1999) As ideias da
sociedade poliacutetica satildeo passadas como discurso ideoloacutegico para todo o grupo e em
Alencar percebemos a importacircncia senatildeo do formador mas principalmente do
divulgador de tais ideias algueacutem que por vezes pode efetivamente mudar a direccedilatildeo
do jogo dependendo da capacidade de inserccedilatildeo de propostas valores e ideias nos
diversos grupos Natildeo se trata aqui de buscar uma intencionalidade em Alencar
Este enquanto autor dos discursos existe em integraccedilatildeo com os outros ldquoeusrdquo o
leitor o intertexto A palavra e o enunciado ndash no caso ndash satildeo por natureza
ideoloacutegicos Natildeo haacute um significado que natildeo se refira (natildeo se remeta) ao social Todo
enunciado eacute um evento histoacuterico e ao mesmo tempo um ato social Eacute por meio de
enunciados que os agentes comeccedilam a compreender o mundo e depois agir sobre
ele Qualquer texto constitui uma forma de accedilatildeo verbal calculada para a leitura e
com o intuito de propiciar respostas internas e para uma possiacutevel reaccedilatildeo criacutetica ndash
positiva ou negativa - da sociedade Uma enunciaccedilatildeo eacute uma forma de poder Cada
enunciado eacute dirigido a algueacutem em uma situaccedilatildeo especiacutefica em um momento
especiacutefico do tempo As relaccedilotildees de poder imersas na linguagem determinam
tambeacutem as formas das relaccedilotildees sociais Os enunciados dialogam constantemente
com outros enunciados em sua constituiccedilatildeo O cotidiano natildeo existe em uma ordem
formal somos noacutes que tentamos organizaacute-lo mediante uma narrativa que se
pretende coerente e as relaccedilotildees entre os ldquofalantesrdquo que estatildeo sempre mudando
Tais mudanccedilas nas instituiccedilotildees se datildeo porque satildeo constituiacutedas nesse movimento
dinacircmico (STAN 1992) O texto se constitui como uma forma de accedilatildeo que visa
propiciar respostas internas e uma possiacutevel reaccedilatildeo criacutetica ndash positiva ou negativa - da
sociedade Alencar busca construir em seu texto uma resposta positiva empaacutetica
que pretende sugerir (quando menos) comportamentos determinados aos grupos
sociais a que se referem E quanto mais acessiacutevel eacute o discurso maior a sua
amplitude Eacute a relaccedilatildeo a que se chama dialogismo Os enunciados dialogam
constantemente com outros enunciados em sua constituiccedilatildeo e mesmo depois
quando assimilados por noacutes o que jaacute eacute uma das formas de assimilaccedilatildeo do discurso
dada pelo processo dialoacutegico (STAN 1992)
Essa hipoacutetese se sustenta na observaccedilatildeo de que os grupos poliacuteticos necessitam se
reproduzir e apesar do controle restrito do eleitorado (voto censitaacuterio) e dos
reconhecidos laccedilos de famiacutelia natildeo eacute soacute o nuacutecleo familiar o ldquoberccedilaacuteriordquo aonde poliacuteticos
iram encontrar e formar seus sucessores Os laccedilos de apadrinhamento satildeo comuns
e tambeacutem natildeo satildeo incomuns as escolhas de sucessores poliacuteticos pelo criteacuterio de
amizade tiacutepico do clientelismo em vigor no Brasil A escolha dependia de quem
estivesse disposto a assumir o discurso do poder Lembramos que Chauiacute (1997)
sustenta que a proliferaccedilatildeo dos discursos sobre a naccedilatildeo faz com que existam vaacuterias
ldquonaccedilotildeesrdquo dentro da naccedilatildeo cada uma determinado por um modo de pensar a
realidade a sociedade e a poliacutetica e apresentado a um grupo diferente Eacute no
bacharel um ldquoprotordquo poliacutetico elemento constituinte da opiniatildeo puacuteblica e objeto dos
jornais poliacuteticos que Alencar busca seu interlocutor O objeto de seu discurso que
visa ldquoconstruirrdquo uma opiniatildeo puacuteblica Hobsbawn (2010) afirma que a opiniatildeo puacuteblica
eacute um conceito em si proacuteprio ligado ao liberalismo A informaccedilatildeo eacute um agente
constituinte para a integraccedilatildeo dos novos grupos que passam a participar dos
movimentos poliacuteticos
Para a Europa o autor sustenta que as revoluccedilotildees europeias de 1848 mostraram
que a classe meacutedia o liberalismo a democracia poliacutetica e mesmo as classes
trabalhadoras seriam a partir de entatildeo presenccedilas permanentes no panorama
poliacutetico (HOBSBAWN 2010) E com relaccedilatildeo ao Brasil se ainda natildeo temos uma
classe operaacuteria com poder de luta Fora a classe privilegiada detentora de
educaccedilatildeo leitora de jornais detentora dos cargos poliacuteticos e do funcionalismo
puacuteblico compondo a burocracia a classe formadora de opiniatildeo a que nos referimos
ndash que podemos designar como opiniatildeo puacuteblica ndash muito pouco podemos observar da
interferecircncia popular nos processos poliacuteticos A direito ao voto por exemplo nos
conta Prado (2001) era conseguido (e exercido) pelos homens pobres possuidores
de poucas posses que constituiacuteam o grosso do eleitorado mas que em quase sua
totalidade estavam atrelados aos grandes proprietaacuterios de terras e de escravos
como no exemplo do ldquovoto de caixatildeordquo28 com Nabuco (FAORO 2004) o que
acabava por determinar certo conservadorismo nas eleiccedilotildees com os resultados
sempre tendendo ao continuiacutesmo e a solidariedade pelo chefe poliacutetico local mesmo
estas sendo constantemente vitimadas por fraudes e manipulaccedilotildees
Portanto a imprensa colaborou no processo de constituiccedilotildees e acesso de uma
opiniatildeo puacuteblica no Brasil A opiniatildeo puacuteblica pode ser entendida enfim como a
28
Conf Nota 21
participaccedilatildeo da populaccedilatildeo (ou de uma parte desta como vimos) na criacutetica aos
rumos de um determinado estado ou mesmo assunto relevante Apesar de alguns
comentadores negarem veementemente a possibilidade de uma opiniatildeo puacutebica
como no caso de Bourdier (1981) se baseando principalmente no fato de que
quando se coloca a mesma questatildeo para todo um grupo (por mais homogecircnio que
este possa vir a ser) estaacute impliacutecita assegura a hipoacutetese de que exista um consenso
sobre os problemas e que jaacute hajam acordos sobre as questotildees que merecem ser
colocadas e uma manipulaccedilatildeo nos caminhos a que tais propostas de opiniatildeo devam
revelar caracterizando o discurso da opiniatildeo puacuteblica como algo jaacute previamente
moldado preferimos nos basear em Becker (2003) que afirma que a opiniatildeo puacuteblica
se caracteriza exatamente pela diversidade o que lhe distingue como um estudo
mais aprofundado da sociedade que eacute capaz de indicar a atitude e o
comportamento dos homens enquanto em conjunto (enquanto massa) diante de sua
eacutepoca
3 LIBERALISMO E ESCRAVIDAtildeO NAS CARTAS DE ERASMO
31 LIBERALISMO E ESCRAVIDAtildeO
Pudemos observar no capiacutetulo anterior uma visatildeo geral do oitocentos no segundo
reinado e a intrincada relaccedilatildeo dos intelectuais e elites tendo suas ideias divulgadas
por meio da imprensa Mas quais seriam essas ideias Em nosso caso aqui
sustentamos que Alencar fez uma opccedilatildeo pelas ideias liberais que jaacute se
apresentavam por aqui desde antes do impeacuterio As ideias de liberdade chegam de
carona com a independecircncia americana em 1776 e a revoluccedilatildeo francesa em 1789 e
influenciam os movimentos abolicionistas pelo Brasil desde a inconfidecircncia mineira
e a conjuraccedilatildeo baiana29 ateacute os uacuteltimos movimentos revolucionaacuterios no periacuteodo
regencial
O termo liberalismo bem como liberdade tem sua raiz no termo ldquolivrerdquo Cunha
(1997) apresenta-nos as variaccedilotildees livre do latim libegraver liberal do latim libeacuteralis
liberdade do latim libertas ndashaacutetis que etimologicamente formaram o francecircs
libeacuteralisme Bobbio (1998) afirma que a definiccedilatildeo histoacuterica de liberalismo oferece
dificuldades especiacuteficas a menos que possamos admitir a existecircncia de diversos
liberalismos Em primeiro lugar porque o liberalismo se manifesta em diferentes
paiacuteses em tempos histoacutericos diversos e em funccedilatildeo disso o liberalismo se confronta
com problemas especiacuteficos que acabam por determinar sua fisionomia e conteuacutedos
Abbagnano (2007) explica que o liberalismo eacute uma doutrina que tem origens na
idade moderna no seacuteculo XVIII e se caracteriza por tomar para si a defesa da
liberdade no campo poliacutetico O liberalismo pode ser classificado em duas fases uma
primeira fase no seacuteculo XVIII caracterizado pelo individualismo e uma segunda
fase no seacuteculo XIX caracterizada pelo estatismo
A primeira fase eacute caracterizada pelas seguintes linhas doutrinaacuterias que constituem os instrumentos das primeiras afirmaccedilotildees poliacuteticas do Liberalismo a) jusnaturalismo que consiste em atribuir aos indiviacuteduos direitos originaacuterios e inalienaacuteveis b) contratualismo que consiste em considerar a sociedade humana e o Estado como fruto de convenccedilatildeo entre indiviacuteduos (ABBAGNANO 2007 p604)
Na economia o liberalismo combate a intervenccedilatildeo do Estado na sociedade
tentando fazer com que o mercado siga seu caminho Bem como negando o
absolutismo estatal definindo a accedilatildeo deste definindo seu papel em cada lugar
mediante a divisatildeo dos poderes
Jusnaturalistas e moralistas como Bentham acreditavam que bastava ao indiviacuteduo buscar inteligentemente sua proacutepria felicidade para estar buscando simultaneamente a felicidade dos demais A doutrina econocircmica de Adam Smith baseia-se no pressuposto anaacutelogo da coincidecircncia entre o interesse econocircmico do indiviacuteduo e o interesse econocircmico da sociedade (ABBAGNANO 2007 p604)
29
Haacute de se observar a diferenccedila entre as vertentes do pensamento liberal jaacute aqui A conjuraccedilatildeo baiana pregava o fim da escravidatildeo ao passo que entre os participantes da inconfidecircncia mineira a aboliccedilatildeo da escravidatildeo negra natildeo era uma meta
Essas ideias aparecem no campo poliacutetico com os filoacutesofos iluministas como John
Locke Thomas Hobbes e Rousseau que tentaram estabelecer os limites do poder
poliacutetico ao afirmar que existiam direitos individuais que nem os reis poderiam
ultrapassar Bastos (1999) afirma tambeacutem que a busca pelo modelo de Estado
Liberal eacute o coroamento de toda a luta do indiviacuteduo contra alguma tirania do Estado
ldquoSeu pressuposto fundamental eacute que o maacuteximo de bem-estar comum eacute atingido em
todos os campos com a menor presenccedila possiacutevel do Estadordquo (BASTOS 1999
p139) A construccedilatildeo desse Estado liberal em contraposiccedilatildeo ao Estado absoluto eacute
dada pelo jusnaturalismo que eacute
() a doutrina segundo a qual o homem todos os homens indiscriminadamente tem por natureza e portanto independente de sua proacutepria vontade e menos ainda da vontade de alguns poucos ou de apenas um certos direitos fundamentais como o direito a vida agrave liberdade agrave seguranccedila agrave felicidade ndash direitos estes que o Estado ou mais concretamente aqueles que num determinado momento histoacuterico detecircm o poder legiacutetimo de exercer a forccedila para obter a obediecircncia a seus comandos devem respeitar e portanto natildeo invadir e ao mesmo tempo proteger contra toda possiacutevel invasatildeo por parte de outros (BOBBIO 1998 p11)
A segunda fase comeccedila quando esse postulado entre em crise na medida em que o
liberalismo individualista parecia defender os interesses de uma classe determinada
de cidadatildeos a burguesia que se consolidava nas cidades Teoacutericos contratualistas
como Rousseau e Burke e mesmo Hegel posteriormente afirmam que a teoria da
infalibilidade da vontade geral resultante da alienaccedilatildeo total de cada associado com
todos os seus direitos em favor de toda a comunidade transforma aquilo que para o
individualismo eacute do interesse individual como interesse estatal e de certa forma
absorvendo-o Dessa feita ia-se afirmando a superioridade do Estado sobre o
indiviacuteduo contra o que o liberalismo tinha lutado em sua primeira fase
(ABBAGNANO 2007)
As ideias de liberdade poliacutetica combinaram com as propostas de liberdade
comercial algo que se entendia ser beneacutefico a todos sendo assim posteriormente
associadas a defesa e desenvolvimento do capitalismo (HOBSBAWM 2010) O
chamado liberalismo econocircmico prega o fim da intervenccedilatildeo do Estado na produccedilatildeo
de riquezas o fim dos monopoacutelios e outras medidas protecionistas e incentivava a
livre concorrecircncia no mercado No Brasil as ideias liberais tomam forccedila a partir do
iniacutecio do seacuteculo XIX notadamente a partir da independecircncia em 1822 sob influecircncia
tambeacutem da revoluccedilatildeo liberal do Porto de 1820 mas tomando aqui suas
caracteriacutesticas proacuteprias Costa (1999) sustenta que o liberalismo brasileiro deve ser
entendido com referecircncia a realidade brasileira Tendo entre seus adeptos homens
ligados a economia agroexportadora ao traacutefico de escravos e os grandes
proprietaacuterios de terras que buscavam maior espaccedilo para seus produtos fora do
controle de Portugal Para tanto a situaccedilatildeo de colocircnia natildeo poderia ser aceita de
forma alguma
O liberalismo eacute uma corrente de pensamento vastiacutessima e que abrange vaacuterios
campos do pensamento humano Natildeo pretendemos aqui esgotar sequer algumas de
suas possibilidades nem tampouco discutir os valores filosoacuteficos do liberalismo
Este nos eacute apresentado como um movimento que busca a realizaccedilatildeo da liberdade
as garantias da propriedade privada e da vida humana Poreacutem nem sempre a
organizaccedilatildeo do pensamento liberal estaacute associada da ideia democraacutetica A
discussatildeo das ideias liberais no Brasil por exemplo exerceu influecircncia na Carta de
1824 A questatildeo eacute quais seriam as ideias que Alencar buscava apresentar em seu
discurso Satildeo as ideias desse poliacutetico caracterizadas como ideias liberais Haacute uma
comunhatildeo entre o liberalismo e a escravidatildeo Para comeccedilar a responder a tais
questotildees os intelectuais brasileiros se detiveram nas propostas do liberalismo
claacutessico representado pelo pensamento de ndash entre outros ndash T Hobbes Locke
Adam Smith Rousseau Bentham e Mill tentando traccedilar entre eles um caminhos
que justifique a implantaccedilatildeo do liberalismo poliacutetico no Brasil Esse caminho tambeacutem
seraacute trilhado por Alencar Vejamos como foi a adequaccedilatildeo do liberalismo agrave realidade
brasileira
32 LIBERALISMO E ESCRAVIDAtildeO O MODELO BRASILEIRO
A tiacutetulo de complementaccedilatildeo depois desse esboccedilo que natildeo se pretende exaustivo
podemos observar tambeacutem como bem nos diz Schwartz (1991) citando um panfleto
antiescravagista do segundo reinado um dos princiacutepios da economia poliacutetica eacute o
trabalho livre E no Brasil temos portanto o fato ldquoimpoliacuteticordquo da escravidatildeo O autor
adverte que o que se configurava como uma ideologia para as classes em ascensatildeo
na Europa vem a converte-se no Brasil em ideologia que constituiacutea o pano de
fundo dos interesses de uma elite escravocrata Dessa feita o liberalismo perderia
seu caraacuteter universalista passando a defender prioritariamente interesses
particulares
Durante o impeacuterio temos a formaccedilatildeo de dois grupos poliacuteticos distintos que
caracterizariam o periacuteodo com suas lutas e conciliaccedilotildees inclusive com a ldquotroca de
ladordquo de figuras relevantes satildeo eles o partido conservador e o partido liberal Muitas
das ideias que poderiam ser tomadas como liberais foram implantadas no Brasil
pelos conservadores mas nenhuma delas deixava de buscar a realizaccedilatildeo de
interesses particulares de uma elite social e poliacutetica e a manutenccedilatildeo da exploraccedilatildeo
do trabalho
Apoacutes a Independecircncia em 1822 o formaccedilatildeo do Estado Brasileiro toma corpo com
os princiacutepios de um estado regulador baseado em um governo de tradiccedilatildeo
absolutista poreacutem nascido sob a aclamaccedilatildeo de alguns preceitos especiacuteficos do
liberalismo Os processos de independecircncia dos Estados Unidos em 1776 a
Revoluccedilatildeo Francesa (1789-1799) e os movimentos de independecircncia que ocorriam
nas colocircnias espanholas no periacuteodo satildeo influecircncias determinantes
Segundo Costa (1999) o liberalismo estaacute vinculado ao desenvolvimento do
capitalismo e a criacutetica ao ldquoantigo regimerdquo Surge do enfretamento entre a burguesia
e o abuso da autoridade real como a concessatildeo de privileacutegios ao clero e da nobreza
e a manutenccedilatildeo de monopoacutelios Os liberais defendiam os teoacutericos do contrato social
afirmavam a soberania do povo e a supremacia da lei Lutavam ainda pela
representatividade frente ao governo e o direito a propriedade e a liberdade de
comercio e de trabalho No Brasil as elites poliacuteticas se julgavam aptas a gerir este
novo modelo de soberania Tais elites viam na monarquia constitucional o caminho
para se conseguir manter o povo sob controle restringir o poder do imperador e
conseguir a unidade e a estabilidade poliacutetica (COSTA 1999) O ideal liberal
proposto tambeacutem pela revoluccedilatildeo do Porto em 1820 segundo Carvalho (2007) foi o
fomento necessaacuterio para o processo de independecircncia da colocircnia Ao mesmo
tempo a heranccedila do pensamento poliacutetico portuguecircs assimilado pela elite brasileira
fora a responsaacutevel pela homogeneizaccedilatildeo de seus princiacutepios o que muito contribuiu
para a feitura de um projeto comum de naccedilatildeo coesa aos interesses da elite
A assimilaccedilatildeo dos ideais liberais de por alguns atores poliacuteticos que participaram do
processo de independecircncia advecircm de sua formaccedilatildeo intelectual concluiacuteda nas
universidades europeias principalmente em Coimbra o que lhes possibilitou um
contado direto com os fundamentos do liberalismo europeu Esses homens tinham
seus interesses relacionados a economia agroexportadora eram em geral
proprietaacuterios de grande extensatildeo de terras e elevado nuacutemero de escravos Portanto
tencionavam manter as tradicionais estruturas de produccedilatildeo ao mesmo tempo em
que se libertariam de Portugal e das restriccedilotildees que a relaccedilatildeo de dominaccedilatildeo da
metroacutepole lhes impunha Significava enfim determinar a sobrevivecircncia de um
sistema de clientela e patronagem que representava os ideias que as revoltas
liberais europeias tentavam destruir Esse era o principal problema lidar com a
contradiccedilatildeo entre o liberalismo e a manutenccedilatildeo do trabalho escravo (COSTA 1999)
Podemos distinguir segundo Carvalho (2007) dois tipos de liberalismo no Brasil
Um deles ligado aos proprietaacuterios rurais ligados a economia de exportaccedilatildeo e trafico
de escravos e aquele dos profissionais urbanos que comeccedilas a aparecer a partir
das deacutecadas de 185060 com o maior desenvolvimento urbano e o aumento do
niacutevel de escolaridade nas cidades com a criaccedilatildeo das primeiras faculdades
Faoro (2004) tambeacutem argumenta que podemos identificar duas formas distintas de
liberalismo ao longo do seacuteculo XIX no Brasil O primeiro liberalismo vem de uma
ideologia de longa duraccedilatildeo e pode identificar seu marco fundamental em 1808 com
a abertura dos portos por D Joatildeo libertando das amarras de Portugal a produccedilatildeo
agriacutecola que agora busca ndash sem intermediaacuterios diretos - o comeacutercio internacional
poreacutem com acentuado favorecimento agrave Inglaterra As medidas satisfazem a uma
exigecircncia da Inglaterra e ao mesmo tempo aos produtores locais que se sentiam
limitados pelo pacto colonial Outro marco eacute a Independecircncia e a posterior outorga
da constituiccedilatildeo por D Pedro I que estabelece as normas para a representaccedilatildeo
poliacutetica o voto censitaacuterio e o funcionamento dos poderes legislativo e executivo
mediante uma combinaccedilatildeo de parlamentarismo e monarquia O segundo liberalismo
chega com as ideias de Joaquim Nabuco encabeccedilando um grupo reformista que
pretende as eleiccedilotildees diretas busca a limitaccedilatildeo dos poderes do Senado e do Poder
Moderador e em certa medida a defesa da aboliccedilatildeo da escravidatildeo para um futuro
proacuteximo (FAORO 2004)
a realidade socioeconocircmica no Brasil era muito diferente da europeia o que
acarretava em uma dificuldade na disseminaccedilatildeo dos ideais liberais para as camadas
populares visto que os niacuteveis de analfabetismo eram altos e os meios de
comunicaccedilatildeo poucos o que determinava uma marginalizaccedilatildeo do povo na vida
poliacutetica Tambeacutem o fato de que no Brasil o predomiacutenio de uma sociedade estamental
formada por donos de latifuacutendio que controlavam trabalhadores comuns e escravos
e a ausecircncia de uma burguesia dinacircmica que pudesse servir de suporte a esses
ideais Tudo isto fazia com que se esvaziasse o conteuacutedo dos manifestos em favor
das formas representativas de governo da soberania do povo da liberdade e
igualdade como direitos de todos os homens quando o que se via era a maior parte
da populaccedilatildeo alienada da vida poliacutetica e a manutenccedilatildeo da escravidatildeo (COSTA
1999 p29)
Em um dos periacuteodos mais conturbados da Histoacuteria do Brasil que eacute o periacuteodo da
regecircncia que vai de 1831 com a abdicaccedilatildeo de D Pedro I ateacute 1840 com o golpe da
maioridade podemos identificar uma seacuterie de movimentos poliacuteticos e trecircs facccedilotildees
que disputavam o poder os restauradores os liberais exaltados e os liberais
moderados
O grupo restaurador representava uma parte da classe dominante que apoiara D
Pedro I Com a abdicaccedilatildeo em favor de seu filho passaram a batalhar por seu
retorno ao trono brasileiro agitando os primeiros anos da Menoridade Acreditavam
que soacute uma monarquia com um regente de pulso forte e autoritaacuterio conseguiria
manter a uniatildeo do impeacuterio Seu braccedilo principal estava no senado e no Clube militar
Com a morte de D Pedro I em 1834 os caramurus ndash como eram chamados -
passaram a compor com os moderados o ldquoregresso conservadorrdquo
Os liberais moderados representavam a outra parcela da aristocracia Buscavam a
monarquia mas pelo vieacutes constitucionalista uma vez que a Constituiccedilatildeo de 1824
assegurava a sua continuidade no poder O liberalismo que rotulava essa facccedilatildeo era
apenas de fachada adequado agraves suas necessidades de classe dominante Este
grupo predominou durante os primeiros anos das Regecircncias tendo como um de
seus liacutederes principais Evaristo da Veiga Empenharam-se no combate aos
restauradores e exaltados federalistas na defesa da ordem e da centralizaccedilatildeo
fornecendo subsiacutedios para a orientaccedilatildeo governista
Os liberais exaltados que pretendiam-se uma esquerda liberal (um pouco mais a
esquerda do que os outros grupos) tambeacutem tinham viacutenculos com algumas parcelas
da aristocracia rural mas conseguiam alcanccedilar alguns outros grupos chegando
mesmo a arregimentar uma camada de homens livres destituiacutedos de propriedades
ou pequenos proprietaacuterios Variando de regiatildeo para regiatildeo desenvolviam atividades
nos centros urbanos ou nos campos oscilando numa relaccedilatildeo de dependecircncia entre
a classe dominante e a classe trabalhadora livre (FAUSTO 2001)
Enquanto os moderados defendiam a manutenccedilatildeo da ordem e das instituiccedilotildees
opondo-se a qualquer alteraccedilatildeo mais radical no contexto poliacutetico os liberais
exaltados eram reformistas Defendiam a liberdade ndash em alguns locais para
realmente todos os homens ndash e as reformas poliacuteticas chagando mesmo a defesa
do republicanismo Defendiam tambeacutem maior autonomia das proviacutencias em
contraproposta a tendecircncia centralista que se fortalecia (FAUSTO 2001)
Os membros do grupo moderado eram os regente e deputados Padre Diogo
Antocircnio Feijoacute Evaristo da Veiga Bernardo Pereira de Vasconcelos e o grande
proprietaacuterio de terras e escravos Honoacuterio Hermeto Carneiro Leatildeo
Jaacute o grupo de liberais exaltados (ou radicais) tinha como uma das principais
lideranccedilas Miguel de Frias (que ficou famoso por ter recebido a carta com a
abdicaccedilatildeo de D Pedro I) Eram favoraacuteveis agrave repuacuteblica desejavam a aplicaccedilatildeo das
ideias liberais mesmo que a custa de luta armada Agrave frente do grupo de
restauradores estavam os irmatildeos Andrada
Segundo Rodrigues (2008) a violecircncia social foi caracteriacutestica da regecircncia e com a
maioridade os uacuteltimos resquiacutecios de dissenccedilotildees foram resolvidos institucionalmente
com o fim das revoltas populares pelo interior do Brasil afastando assim os focos de
tendecircncias mais radicais Eacute a partir da ascensatildeo desse grupo moderado que se
solidifica a vertente conservadora que
() admitia a escravidatildeo a participaccedilatildeo poliacutetica restrita aos proprietaacuterios de terras e o modelo de organizaccedilatildeo juriacutedico-poliacutetico monaacuterquico Desse modo os liberais conservadores da regecircncia lutavam pela aboliccedilatildeo das instituiccedilotildees coloniais contra o despotismo o poder da aristocracia portuguesa contra a interferecircncia do Estado na vida econocircmica e pela defesa da propriedade incluindo os escravos (RODRIGUES 2008 p158)
A base de sustentaccedilatildeo do grupo moderado que se apresentava entatildeo como um
representante dos cafeicultores incluiacutea proprietaacuterios e comerciantes e tambeacutem o
grupo dos intelectuais urbanos ciando um ponto de aglutinaccedilatildeo para os outros
setores da classe proprietaacuteria
Bosi (1988) afirma que o paradoxo entre liberalismo e escravidatildeo foi somente verbal
O liberalismo ativo do trabalho ndash e do trabalhador ndash livre ldquosimplesmente natildeo existiu
enquanto ideologia dominante no periacuteodo que se segue agrave Independecircncia e vai ateacute
os anos centrais do Segundo Reinadordquo (BOSI 1998 p 05) O autor tambeacutem afirma
que para entender a articulaccedilatildeo liberal com o regime escravagista eacute necessaacuterio
compreender o modo de pensar das classes poliacuteticas dominantes no impeacuterio que se
impocircs a partir da independecircncia e se consolida entre 1831 e 1860
aproximadamente Segundo ele o que dominou em todo esse periacuteodo no Brasil foi
um ideaacuterio de fundo conservador Um conjunto de normas juriacutedico-poliacuteticas capazes
de garantir a propriedade fundiaacuteria e a escravidatildeo negra ateacute o seu limite Para que
possamos nos inteirar deste paradoxo eacute preciso entender a ascensatildeo dos grupos
que defendiam o trabalho escravo e seus liacutederes
Formado ao longo das crises da Regecircncia o nuacutecleo conservador definiu-se pela voz dos seus liacutederes Bernardo Pereira de Vasconcelos Arauacutejo Lima e Honorio Hermeto como o Partido da Ordem no ano criacutetico de 1837 e logo apoacutes a renuacutencia de Feijoacute A sua histoacuteria eacute a de uma alianccedila estrateacutegica flexiacutevel mas tenaz entre as oligarquias mais antigas do accediluacutecar nordestino e as mais novas do cafeacute no Vale do Paraiacuteba as firmas exportadoras os traficantes negreiros os parlamentares que lhes davam cobertura e o braccedilo militar chamado sucessivas vezes nos anos de1830 e 40 para debelar surtos de facccedilotildees que espocavam nas proviacutencias Ao radicalismo impotente desses grupos locais opocircs-se desde o comeccedilo o chamado liberalismo moderado que exerceu de fato o poder tanto na fase regencial quanto nos anos iniciais do Segundo Impeacuterio As divisotildees internas natildeo tocaram sua unidade profunda na hora da accedilatildeo (BOSI 1998p05)
Rodrigues (2008) tambeacutem sustenta que Bernardo de Vasconcelos e Evaristo
Ferreira da Veiga com mandatos de deputados durante a regecircncia ldquolideravam o
grupo dos liberais moderados que representava os interesses dos proprietaacuterio de
terras e dos cafeicultores Naquele momento o cafeacute era o principal produto na pauta
de exportaccedilatildeo do Brasil a partir de 1831rdquo (RODRIGUES 1988 p155) Nesse
contexto estes representantes dos cafeicultores dificilmente iriam contra a poliacutetica
da escravidatildeo visto a falta de braccedilos para a lavoura e os lucros advindos do
trabalho escravo O liberalismo praticado pelo grupo vai se tornando cada vez mais
conservador visto a necessidade de manter os interesses e o predomiacutenio do grupo
dominante Admite esta autora que ldquoo liberalismo poliacutetico posto em praacutetica pelo
grupo moderado teve como objetivo a defesa dos interesses dos proprietaacuterios e natildeo
a alteraccedilatildeo da ordem vigenterdquo (RODRIGUES 1988 P157) Com o advento da
Regecircncia os uacuteltimos focos de um liberalismo mais radical foram suprimidos com o
fim dos movimentos revoltosos pelo paiacutes o que abriu espaccedilo para a consolidaccedilatildeo
do modelo liberal conservador com alguns ajustes e concessotildees que o ajudaram a
aglutinar as dissidecircncias dos outros grupos
A importacircncia de Bernardo de Vasconcelos e Evaristo da Veiga como divulgadores
do liberalismo pode ser observada principalmente em seu trabalho como jornalistas
a frente dos jornais ldquoO Sete de Abrilrdquo e o ldquoAurora Fluminenserdquo respectivamente Tal
influencia natildeo se limita a Corte visto que outros perioacutedicos reeditavam seus
editoriais chegando o seu alcance desde o interior do Rio de Janeiro ateacute outras
proviacutencias particularmente agrave regiatildeo centro-sul do paiacutes Daiacute podemos ter uma ideia
do poder da imprensa como divulgadora de ideias ndash liberais ou natildeo ndash para os grupos
letrados Bernardo Vasconcelos chega a estabelecer uma diferenciaccedilatildeo entre os
dois liberalismos identificando os radicais como aqueles que norteavam-se pelas
ideias de Rousseau e acreditavam na luta armada e os liberais conservadores como
adeptos da conciliaccedilatildeo e a compatibilizaccedilatildeo dos novos com os antigos valores
(RODRIGUES 2008)
Neves (2001) sustenta que o liberalismo no Brasil se alavanca a partir da revoluccedilatildeo
vintista em Portugal erguida ldquoem nome da Constituiccedilatildeo da naccedilatildeo do rei e da
religiatildeo catoacutelicardquo (NEVES 2001 p76) propondo reformas que pudessem garantir ao
indiviacuteduo direitos de cidadania liberdade de expressatildeo de imprensa dentre outros
buscando o fim do despotismo como uma soluccedilatildeo para o impeacuterio O movimento tem
a adesatildeo do Paraacute e da Bahia seguidos posteriormente pelo Rio de Janeiro sendo
segundo a autora assimilada sem dificuldade pelos elementos das elites poliacutetica e
intelectuais no Brasil A proposta era buscar o novo mas sem abrir matildeo dos antigos
privileacutegios econocircmicos Esta autora sustenta que os jornais panfletos e pasquins
editados no periacuteodo auxiliaram a tomada de um vocabulaacuterio ldquoliberalrdquo pelo grande
puacuteblico que acompanhava as criacuteticas de intelectuais contra o regime divulgadas nas
diversas publicaccedilotildees criando uma rede de ideias que se multiplicava por vaacuterias
partes do paiacutes
Para Gorender (2002) os princiacutepios liberais levados adiante pelos comerciantes e
plantadores era o direito de ter uma representaccedilatildeo no estado fora das limitaccedilotildees
impostas pela poliacutetica colonial Esse processo segundo ele tem inicio apenas com a
abdicaccedilatildeo em 1831 visto que D Pedro I ainda era um representante de Portugal
aqui em nossas terras Gorender afirma que o liberalismo europeu defende o
trabalho livre a eliminaccedilatildeo das injunccedilotildees feudais do pagamento da corveia e de
todos os demais tributos que caracterizaram o sistema feudal Mas lembra tambeacutem
que o proacuteprio Adam Smith natildeo era contra a escravidatildeo nas colocircnias Ou seja o
liberalismo europeu segundo um de seus mais importantes representantes jaacute nasce
sob esta contradiccedilatildeo O autor tambeacutem sustenta que mesmo com a Revoluccedilatildeo
Francesa tendo decretado a libertaccedilatildeo dos escravos em suas colocircnias francesas
Napoleatildeo restabelece a escravidatildeo oito anos depois (GORONDER 2002) Apesar
da liberdade ser um valor importante na Europa aparentemente nas colocircnias a
poliacutetica praticada natildeo era a mesma O que nos leva a entender melhor a relaccedilatildeo
liberalismoescravidatildeo no Brasil Tambeacutem podemos lembrar aqui que mesmo as
instituiccedilotildees religiosas natildeo foram totalmente contraacuterias a escravidatildeo visto que as
ordens religiosas no Brasil mantinham escravos negros
Por tudo isso podemos entender que no processo de formaccedilatildeo do Estado Imperial
Brasileiro havia diferentes leituras e objetivos para o uso do liberalismo ligadas a
interesses especiacuteficos Por um lado como enfatiza Mattos (1987) a accedilatildeo do grupo
conservador no impeacuterio seguia no sentido da construccedilatildeo de monopoacutelios como uma
certa continuidade da poliacutetica que era praticada no periacuteodo colonial enfatizando as
relaccedilotildees de dominaccedilatildeo sustentadas pela coroa Costa (1999) identifica uma certa
originalidade no movimento poliacutetico brasileiro do periacuteodo tentando interpreta-lo
como uma figura hiacutebrida onde os elementos conservadores permanecem criando
uma amalgama com as praacuteticas liberais aceitas estruturando as instituiccedilotildees e a
visatildeo de mundo dos agentes poliacuteticos das elites dominantes sustentados pelas
classes intermediaacuterias que se desenvolvia nas cidades mas que ao mesmo tempo
viam no sistema agroexportador baseado na escravidatildeo uma dificuldade para o
desenvolvimento do capitalismo E haacute mesmo aqueles que como Carvalho (2007)
que chega a subestimar o aspecto liberal enfocando o periacuteodo na perspectiva de
que havia um pensamento conservador dominante prevalecendo no pensamento
poliacutetico local sendo a conciliaccedilatildeo entre as correntes de pensamento e os partidos a
poliacutetica da coroa com o intuito de administrar interesses e evitar conflitos e o
liberalismo sendo apenas uma face da mesma moeda Prado (2001) ainda enfatiza
que o pacto liberal era difiacutecil de ser compreendido no impeacuterio brasileiro que se
forma sob a tradiccedilatildeo ibeacuterica caracterizada pela valorizaccedilatildeo da tradiccedilatildeo e por uma
resistecircncia para as novas ideias que soacute eram experimentadas quando
extremamente necessaacuterias e sob a condiccedilatildeo de que natildeo desestruturassem a ordem
vigente Bosi (1988) sustenta ainda que o traacutefico esta apoiado por vezes pelas
proacuteprias autoridades a quem cabia fazer cessar o traacutefico Mantendo sob seu controle
terras o cafeacute e os escravos tais homens ligados a administraccedilatildeo e a poliacutetica como
o grupo ldquosaquaremardquo de Euzeacutebio Paranaacute Uruguai e Itaboraiacute apoiavam o ldquocomeacutercio
livre Primeira e principal bandeira dos colonos patriotas [ que ] natildeo significava
necessariamente e natildeo foi efetivamente sinocircnimo de trabalho livrerdquo (BOSI 1988 p
07) O que resulta segundo o autor que os moderados cedo ou tarde mostrariam
sua verdadeira face que eacute a conservadora
Os traficantes foram poupados e os projetos iluministas raros e esparsos de aboliccedilatildeo gradual foram reduzidos ao silecircncio Deu-se ao Exeacutercito o papel de zelar pela unidade nacional contra as tendecircncias centriacutefugas dos clatildes provinciais Vencidos os uacuteltimos Farrapos estava salva a sociedade no caso o Estado aglutinador de latifundiaacuterios seus representantes tumbeiros e burocracia A retoacuterica liberal trabalha seus discursos em torno de uma figura redutora por excelecircncia a sineacutedoque pela qual o todo eacute nomeado em lugar da parte impliacutecita (BOSI 1988 09)
Podemos entender com o que foi visto que o liberalismo acaba por adaptar suas
caracteriacutesticas gerais dependendo do local onde se estabelece Prado (2001) lembra
ainda que o impeacuterio no Brasil herdeiro da tradiccedilatildeo poliacutetica ibeacuterica era tambeacutem
avesso a novas ideias no campo poliacutetico que pudessem vir a desestruturar a ordem
estabelecida o que faz com que as ideias liberais assumidas sejam
preferencialmente as de cunho mais conservador Aleacutem do que Prado (2001)
concorda que com a produccedilatildeo organizada sob a exploraccedilatildeo do trabalho escravo
(altamente lucrativo no momento) era muito difiacutecil empreender qualquer movimento
em prol da igualdade e liberdade individuais
A partir da apresentaccedilatildeo deste conjunto de ideias acreditamos que seja possiacutevel
verificar se no texto de Alencar haacute ou natildeo alguma identidade com o liberalismo e a
defesa da escravidatildeo Concordando com o que diz Bosi (1988) acreditamos que
Alencar em seu texto busca uma defesa para o conservadorismo pregado pelos
latifundiaacuterios e traficantes de escravos em que a economia agroexportadora
baseada no braccedilo escravo deveria permanecer como a base econocircmica do Brasil
mantendo assim os privileacutegios dessas elites O liberalismo defendido por Alencar eacute ndash
como afirma Bosi(1988) ndash uma sineacutedoque em que a parte apresentada escolhida
determinada eacute tomada como um todo uniforme desvirtuando assim as ideias
originais do liberalismo e criando novo discurso ideoloacutegico para sustentar um grupo
que se apresenta no poder E eacute para esse discurso disseminado no texto de
Alencar que nos remetemos agora
33 AS CARTAS DE ERASMO
A carta aberta integra os gecircneros textuais caracterizados pelo caraacuteter
argumentativo Sua proposta eacute permitir que o missivista expusesse para o puacuteblico as
suas opiniotildees ou reivindicaccedilotildees acerca de um determinado assunto O gecircnero
difere-se da carta pessoal a qual trata em geral de assuntos que dizem respeito
apenas aos interlocutores nela envolvidos A carta aberta faz referecircncia a assuntos
de interesse coletivo ou que se queira coletivizar De tal modo a carta aberta pode
ser utilizada como forma de protesto contra esse problema como alerta e ateacute
mesmo como meio de conscientizaccedilatildeo da populaccedilatildeo ou de algueacutem com certa
influecircncia como por exemplo um representante de uma entidade ou do governo
acerca da problemaacutetica em questatildeo
As cartas em geral tem uma importacircncia grande como fontes para a historiografia
brasileira A epistolae era forma de comunicaccedilatildeo habitual entre os jesuiacutetas
registrando o cotidiano das primeiras deacutecadas da colocircnia Os jesuiacutetas escreviam-se
dos lugares mais distantes incentivando-se e sugerindo formas de abordagem para
os diferentes grupos aos quais tinham contato No Brasil as primeiras cartas de
Anchieta em sua maioria escritas em latim relatam detalhes da paisagem dos
costumes e das pessoas em Satildeo Paulo entatildeo Vila de Piratininga A primeira carta
do padre Joseacute Anchieta30 escrita em Setembro de 1554 e endereccedilada a Inaacutecio de
Loyola fundador da Companhia de Jesus fala da primeira missa realizada na regiatildeo
(PARIS 1997) As chamadas ldquoCartas Chilenasrdquo atribuiacutedas a Tomaacutes Antocircnio
Gonzaga e escritas em meados do seacuteculo XVIII compondo um longo e irreverente
poema satiacuterico satildeo um documento importante para auxiliar-nos na compreensatildeo da
Inconfidecircncia Mineira Famosas tambeacutem ficaram as cartas de D Pedro I a Condessa
Domitila de Castro nos mostram sete anos (1822 a 1829) de romantismo e do
cotidiano da Corte Na cultura cristatilde mais identificada conosco temos o conjunto de
cartas que Paulo escreve para as igrejas (eccleacutesia ecclesiam ἐκκλησίαν31) na Aacutesia
menor que segundo suas instruccedilotildees poderiam ser lidas para a comunidade
A carta aberta era um meio comum de participar o debate poliacutetico com o puacuteblico nas
primeiras deacutecadas da imprensa Sua publicaccedilatildeo nos jornais no caso dos deputados
como Alencar que moravam na Corte e representavam proviacutencias distantes servia
como uma prestaccedilatildeo de contas puacuteblica O jornal apesar do pouco tempo de vida no
Brasil alcanccedila no segundo reinado a qualidade de um importante agente de
agitaccedilatildeo poliacutetica Entendia-se ali que apesar da verborragia caracteriacutestica do
romantismo e presente em praticamente todos os textos natildeo oficiais o poliacutetico
estava efetivamente trabalhando por alguma coisa Oficializando para a sociedade
suas opiniotildees e posiccedilatildeo no palco poliacutetico da Corte Vaacuterias cartas abertas foram
redigidas no periacuteodo o trabalho de Alencar eacute apenas um exemplo entre muitos
outros E a liberdade de opiniatildeo e de imprensa jaacute eacute presente (e utilizada) desde o
reinado de D Pedro I garantida pela constituiccedilatildeo de 1824 Apesar de D Pedro I natildeo
ter se notabilizado por seu ldquoapoiordquo a imprensa O priacutencipe sempre foi alvo de duras
criacuteticas ateacute mesmo por sua conduta na vida privada
30 Uma ediccedilatildeo de ldquoCartas Avulsasrdquo de Jesuiacutetas - escritas no periacuteodo de 1550 a 1568 - pela Biblioteca da Cultura Nacional publicada jaacute em 1931 registra a importacircncia desse gecircnero 31
As comunidades religiosas do periacuteodo criadas sob a supervisatildeo de Paulo satildeo ainda estaacutegios
de formaccedilatildeo de uma ldquoigrejardquo cristatilde No latim claacutessico eccleacutesia apresenta uma grande variante graacutefica nos textos portugueses do seacutec XIII ao XVI Conforme CUNHA Antocircnio Geraldo da Dicionaacuterio etimoloacutegico da liacutengua portuguesa Rio de Janeiro Nova Fronteira 1982
Alencar publica as cartas e as endereccedila a vaacuterios entes poliacuteticos segundo o assunto
a que iraacute referir e dependendo do efeito e do ldquodestinataacuteriordquo que pretenda atingir Sua
posiccedilatildeo conservadora frente a escravidatildeo talvez tenha sido o tema que mais chama
a atenccedilatildeo Eacute onde centraremos o foco de nossa pesquisa na tentativa de analisar a
defesa de um projeto liberalconservador baseado na matildeo de obra escrava que vai
de encontro as pressotildees externas da Inglaterra de intelectuais franceses e mesmo
internas como a disposiccedilatildeo anunciada por D Pedro II na fala do trono de 1867 para
dar um fim a escravidatildeo no Brasil O pseudocircnimo escolhido foi Erasmo32 No periacuteodo
do recorte ainda natildeo havia um movimento abolicionista consistente vindo da opiniatildeo
puacuteblica Em publicaccedilatildeo recente33 Tacircmis Parron reedita a seacuterie das ldquoNovas Cartasrdquo
endereccediladas ao Imperador no periacuteodo de 196768 aonde procura detalhar este
ponto
Nosso objetivo com a leitura das cartas aleacutem de descobrir se houve uma defesa das
ideias liberais no Brasil ao mesmo tempo em que se tentava conciliar o ideal de
liberdade com a escravidatildeo eacute tambeacutem conseguir uma visatildeo geral do cotidiano
poliacutetico do II reinado na oacutetica de um importante intelectual do periacuteodo enquanto um
analista da dinacircmica das accedilotildees poliacuteticas e como um agente de justificaccedilatildeo do poder
da elite sobre a populaccedilatildeo como um elemento de ligaccedilatildeo das ideias (da ideologia)
desses grupos dominantes com suas vaacuterias camadas perifeacutericas Dado os limites da
pesquisa como observado anteriormente nos concentraremos na posiccedilatildeo de
Alencar frente a escravidatildeo
Apesar de ter jaacute experiecircncia como redator de jornais e manter relaccedilotildees com a
imprensa Alencar prefere publicar as cartas em forma de folhetins que eram
vendidos nas ruas e em livrarias e entregues em casa apenas por meio de 32 Uma referecircncia os filoacutesofo humanista Erasmo de Roterdatilde (1466-1536) As ideias de Erasmo teriam
sido precursoras da reforma protestante que inicia efetivamente com Lutero Dentre seus muitos
trabalhos destacamos o ldquoInstitutio Principis Christianirdquo escrito como uma seacuterie de conselhos
poliacuteticos e morais ao Rei Carlos da Espanha (mais tarde Carlos V do Sacro Impeacuterio Romano)
Acreditamos que o conhecimento de tal obra tenha sido o que sugeriu a Alencar assumir o
pseudocircnimo Erasmo
33 Ediccedilatildeo das ldquoNovas cartas poliacuteticas ao Imperadorrdquo em ALENCAR Joseacute de Cartas a favor da
escravidatildeo Org Tacircmis Parron Satildeo Paulo Heacutedra 2008
solicitaccedilatildeo anterior feita ao editor O que jaacute demonstra que Alencar natildeo pretendia
manter viacutenculos com a imprensa sobre suas opiniotildees poliacuteticas que acabariam
trazendo louros (ou problemas) para o jornal a que ele estivesse vinculado Apesar
do pseudocircnimo natildeo era difiacutecil descobrir o autor dos textos visto que o grupo de
agentes poliacuteticos era reduzido na Corte no periacuteodo imperial e o estilo literaacuterio de
Alencar jaacute fazia sucesso
Tomaremos aqui para a nossa anaacutelise a nova ediccedilatildeo das cartas publicada pela
Academia Brasileira de Letras em 2009 tendo a organizaccedilatildeo do professor e
historiador Joseacute Murilo de Carvalho que se baseou para esta publicaccedilatildeo nos
exemplares originais da biblioteca da Cacircmara dos Deputados em Brasiacutelia o que nos
proporciona uma visatildeo iacutentegra do texto Segundo R Chartier (2009) eacute preciso ter
cuidado com as possiacuteveis adaptaccedilotildees que editores realizam para que determinada
obra natildeo tenha sua leitura ldquofacilitadardquo para o grande puacuteblico podendo mesmo admitir
cortes Acreditamos que natildeo seja o caso aqui A publicaccedilatildeo com a qual
trabalharemos conteacutem as seguintes cartas
Ao Imperador Cartas de Erasmo de 1865 no caso a segunda ediccedilatildeo de 1866
Uma carta ldquoAo Redator do Diaacuteriordquo (do Rio de Janeiro)
Ao Povo Cartas Poliacuteticas de Erasmo de 1866 acompanhadas das cartas ldquoAo
Marquecircs de Olindardquo e ldquoAo Visconde de Itaboraiacute Carta de Erasmo Sobre a Crise
Financeirardquo
Ao Imperador Novas Cartas Poliacuteticas de Erasmo de 1867-68
Eacute preciso explicar uma diferenccedila baacutesica entre as cartas e os folhetins O chamado
ldquoromance de folhetimrdquo chega ao Brasil por volta do iniacutecio do seacuteculo XIX e assim
como na Inglaterra e na Franccedila cai no gosto popular e eacute responsaacutevel por uma parte
importante do desenvolvimento intelectual da populaccedilatildeo Visto que a educaccedilatildeo era
um bem muito caro os romances divulgavam ideias e uma moral
caracteristicamente burguesa para uma parte importante da populaccedilatildeo o que era
desejaacutevel e estimulavam o prazer da leitura A maioria dos tiacutetulos vem traduzida do
original inglecircs (ou francecircs) No Rio de Janeiro salas de leitura (gabinetes) foram
criadas as bibliotecas constituiacutedas (natildeo somente para brasileiros mas para muitos
ingleses que aqui tinha organizado sua vida) emprestavam livros a preccedilos moacutedicos
e pelo seu desenvolvimento cabe questionar o mito de que a maioria da populaccedilatildeo
natildeo tenha nenhum tipo de alfabetizaccedilatildeo O prazer das histoacuterias e a seduccedilatildeo que
estas apresentavam jaacute comenta o Alencar eram muito apreciadas Ele quando
ainda menino lia romances em voz alta para as pessoas em uma sala de estar
acalenta o coraccedilatildeo do povo que por tantos motivos foi privado da alfabetizaccedilatildeo
(NETO 2006)
Alencar se aproveita da praacutetica da publicaccedilatildeo de tais romances em colunas de
jornais regulares Ele mesmo teria oferecido nas paacuteginas da Gazeta do Rio de
Janeiro o romance O Guarani entatildeo um sucesso Os leitores confiantes na
periodicidade aguardavam os proacuteximos capiacutetulos dos romances em dias
determinados Sabendo disso Alencar cria tambeacutem uma ldquoperiodicidaderdquo para as
suas cartas anunciada desde a primeira e veiculada por meio de uma nota do
editor O missivista trata do tema como em uma novela usando sua retoacuterica
romacircntica para alcanccedilar os gostos mais diversos Vem daiacute a procura das cartas
pelos leitores nas terccedilas-feiras dia de sua circulaccedilatildeo A questatildeo da impressatildeo da
carta em folhetim eacute justificada por ser este um meio barato e de raacutepida finalizaccedilatildeo
As cartas satildeo pois impressas em folhetins este eacute o seu suporte Poreacutem natildeo
constituem um romance de folhetim gecircnero tambeacutem relativamente novo no periacuteodo
Folhetim aqui eacute formato do veiacuteculo um pequeno caderno com folhas encartadas
mais parecido com um jornal em tamanho modesto como eram comuns os jornais
na primeira metade do oitocentos Outro sentido dado ao termo (que ajuda na
confusatildeo) ldquofolhetimrdquo indica um texto publicado no rodapeacute da paacutegina do jornal com
comentaacuterios sobre os fatos correntes no meio caminho entre o texto informativo e a
crocircnica em que o jornalista geralmente emitia sua opiniatildeo sobre o assunto tratado
Alencar com sua coluna semanal ldquoao correr da penardquo se especializa nesse estilo de
escrita Por fim lembramos que com as cartas em tais suportes Alencar retoma de
certa forma a tradiccedilatildeo dos pasquins como um tipo de publicaccedilatildeo criacutetica escrita por
uma pessoa apenas e jaacute presente no Brasil mesmo antes da independecircncia em
forma satiacuterica e ateacute mesmo panfletaacuteria (BAHIA 1990)
Eacute mesmo possiacutevel que algueacutem um funccedilatildeo dessas caracteriacutesticas do suporte tenha
chegado a pensar nas cartas como uma ficccedilatildeo em que o imperador e o congresso
figurassem como personagens em mais um drama ou comeacutedia do autor mas isto eacute
soacute uma suposiccedilatildeo deixaremos essas questotildees para a vertente de romancista do
Alencar com suas anotaccedilotildees na pasta da gaveta Mesmo assim sendo esta uma
possibilidade entendemos que a releitura e emprego de fontes tradicionais podem
mesclar-se a partir do meacutetodo utilizado com a invenccedilatildeo de novas fontes que nos
possibilitem uma interpretaccedilatildeo do pensamento dos atores de determinado periacuteodo
(CHARTIER 1990) O jornalismo como instrumento de convencimento poliacutetico
caracteriza a imprensa brasileira na primeira metade do seacuteculo XIX e continua
assim mesmo que de forma mais branda no segundo reinado (ROMANCINI 2007)
Eacute desta forma que caracterizaremos inicialmente o texto das cartas de Erasmo
Joseacute Murilo de Carvalho (2007) sustenta que a despeito da tradiccedilatildeo familiar tendo
sido seu pai um importante poliacutetico representante do partido Liberal as ideias de
Alencar tendiam mais para a proposta conservadora Mas como jaacute comentamos
tais diferenccedilas ndash apesar de existirem ndash eram tatildeo somente maneiras de se posicionar
frente a um mesmo sistema de dominaccedilatildeo o que nos faz crer que exista uma
postura liberalconservadora como modelo para a manutenccedilatildeo do poder a ser
construiacutedo pelas elites e nesse momento tambeacutem atraveacutes de alguns setores da
imprensa Eacute o que buscaremos aqui atraveacutes de uma anaacutelise criacutetica do texto
tentando formular hipoacuteteses em seu curso e deduccedilotildees a partir dos dados obtidos
Cabe lembrar que as cartas de Erasmo satildeo publicadas no periacuteodo entre 17 de
novembro de 1865 e 15 de marccedilo de 1868 portanto antes de Alencar assumir o
ministeacuterio da Justiccedila Talvez a leitura das cartas tenha influenciado a opiniatildeo de
Itaboraiacute na ocasiatildeo do convite de Alencar para compor o ministeacuterio e mesmo na
decisatildeo de D Pedro II para o aceite do ministro Aqui surge uma questatildeo Sustenta-
se que uma das razotildees de D Pedro natildeo ter escolhido Alencar para ser ldquopremiadordquo
com uma cadeira no senado se daria em funccedilatildeo de seu temperamento impulsivo
Que o imperador natildeo podia ldquoconfiarrdquo no Alencar por natildeo saber que tipo de ideais
poderiam sair daquela cabeccedila em dias de arroubo - eacute o que consideram Schwarcz
(1999) e Menezes (1965) Acreditamos tendo por base a pesquisa que D Pedro II
jaacute teria reconhecido no Alencar uma possibilidade para a cooptaccedilatildeo do intelectual haacute
muito tempo E seu ideal conservador e monarquista eacute determinante O imperador
conhecia o Alencar estudou suas accedilotildees por meio das cartas conhecia seus
romances e assistiu aos espetaacuteculos de teatro que o artista criara A ideia de uma
sociedade liberal assentadas na base escravista vinha a calhar com o pensamento
necessaacuterio para a manutenccedilatildeo do Estado no periacuteodo Dom Pedro II era - de certa
forma segundo sustenta Menezes - um seu ldquofatilderdquo E quando do aceite de seu nome
para o ministeacuterio da justiccedila o imperador sabia muito bem onde pisava
As cartas nos mostram a situaccedilatildeo poliacutetica do paiacutes a escravidatildeo e a opiniatildeo de
Alencar sobre como deveria funcionar uma monarquia representativa Um ponto
importante a ser levado em conta eacute o diacronismo caracteriacutestico da seacuterie Sua
publicaccedilatildeo semanal com respeitaacutevel regularidade entre 1965 e 1968 permite a
Alencar uma visatildeo do cotidiano da Corte e suas transformaccedilotildees inclusive as
respostas (muitas vezes diretas de interlocutores que se apresentavam em outras
veiacuteculos ou mesmo na cacircmara) agraves suas criacuteticas o que conduzia a reavaliaccedilotildees eou
reafirmaccedilotildees de posiccedilatildeo do missivista sempre para um proacuteximo nuacutemero
Admitindo que uma sociedade da corte como lembra Chartier (1990) citando um
estudo de Norbert Elias eacute uma formaccedilatildeo social caracterizada por um estatuto de
dependecircncia das relaccedilotildees sociais existentes entre os sujeitos esta constitui
portanto uma forma particular de sociedade onde a Corte desempenha um papel
central que se caracteriza por um conjunto especiacutefico de relaccedilotildees de poder nesse
dado momento Natildeo somente a Corte brasileira no segundo reinado mas a
sociedade caracterizada (construiacuteda pode-se dizer) na e pela Corte como um
modelo para o restante do paiacutes criar um modelo (ou um conceito) na Corte seria
uma forma de agenciamento de tais modelos para os grupos perifeacutericos
Eacute preciso esclarecer por fim que o conteuacutedo das cartas natildeo eacute novo como natildeo eacute
nova sua apresentaccedilatildeo e estudo feitos por comentaristas de renome como por
exemplo os citados Raimundo Menezes e Joseacute Murilo de Carvalho O que se
propotildee aqui eacute buscar nas indicaccedilotildees nas proposiccedilotildees enfim nos iacutendices deixados
no texto uma visatildeo mais abrangente que as caracteriacutesticas de Joseacute de Alencar ndash
com seu estilo marcante ndash propotildeem na escritura - o que trataremos aqui como
documento Vale a ressalva de que as ldquocartas poliacuteticasrdquo natildeo a satildeo a primeira
experiecircncia de Alencar no gecircnero A polecircmica sobre a ldquoConfederaccedilatildeo dos Tamoiosrdquo
com Gonccedilalves de Magalhatildees (e com o grupo que o apoiava) lhe garante uma
experiecircncia soacutelida no debate aberto Cabe tambeacutem enquanto delimitaccedilatildeo do objeto
a caracterizaccedilatildeo dos leitores Alencar escreve para as elites (natildeo que soacute membros
da elite carioca tivessem acesso aos textos tambeacutem funcionaacuterios puacuteblicos diversos
pequenos comerciantes profissionais liberais mesmo um puacuteblico leigo que se
interessava pelo cotidiano poliacutetico do Rio de Janeiro ndash como o demonstramos em
toacutepico anterior - e que deveria ser consideraacutevel visto a quantidade de pequenos
jornais e folhetos impressos para a divulgaccedilatildeo de ideias de poliacuteticos e partidos Mas
estes natildeo eram entatildeo seu principal alvo) tendo a imprensa ndash a miacutedia impressa visto
que a impressatildeo do texto foi feita em folhetins ndash como veiacuteculo que o permitiria levar
suas ideias a um grupo maior detentor de uma opiniatildeo que pode ser mobilizadora
ou mobilizada aqui temos clara a afirmativa de Chartier (1990) que sustenta que a
proacutepria cultura da elite eacute constituiacuteda em grande parte por um trabalho operado em
material que lhe seja proacuteprio que por esta eacute reconhecido Sendo assim sobre tais
elites definimo-las com o apoio de Boacutebbio
() uma minoria que por vaacuterias formas eacute detentora do poder em contraposiccedilatildeo a uma maioria que dele estaacute privada () Em todas as sociedades a comeccedilar por aquelas mais mediocremente desenvolvidas e que satildeo apenas chegadas aos primoacuterdios da civilizaccedilatildeo ateacute as mais cultas e fortes existem duas classes de pessoas a dos governantes e a dos governados A primeira que eacute sempre a menos numerosa cumpre todas as funccedilotildees puacuteblicas monopoliza o poder e goza as vantagens que a ela estatildeo anexas enquanto que a segunda mais numerosa eacute dirigida e regulada pela primeira de modo mais ou menos legal ou de modo mais ou menos arbitraacuterio e violento fornecendo a ela ao menos aparentemente os meios materiais de subsistecircncia e os que satildeo necessaacuterios agrave vitalidade do organismo poliacutetico (BOBBIO1998 p385)
Alencar tinha conhecimento do alcance das cartas Mas o seu destinataacuterio o ldquoleitorrdquo
referencial eacute o imperador D Pedro II A figura do homem bom protetor dos
inocentes iacutentegro e saacutebio mecenas das artes amigo dos intelectuais e tudo o mais
que ficou caracterizado para a posteridade jaacute estava constituiacutedo no periacuteodo o
homem que por tudo se interessava mas natildeo se interessava pelo Brasil
(CARVALHO 2007) E a criacutetica a uma atitude passiva do imperador frente aos
problemas da poliacutetica da administraccedilatildeo puacuteblica ao seu papel constitucional de
mediador de contendas de apaziguador de disputas de fiel da balanccedila eacute o mote
para o conjunto de cartas a que se entrega mui respeitosamente o Alencar
331 AO IMPERADOR (ALENCAR 2009 p09-113)
Na primeira carta endereccedilada ao Imperador um tratamento respeitoso eacute justo e
necessaacuterio Alencar se dirige a D Pedro II como ldquoSenhorrdquo e anuncia-se logo na
primeira linha por um anunciador da verdade Escreve ldquoA verdade filha do ceacuteu
como a luz natildeo se apagardquo (ALENCAR 2009 p09) que natildeo eacute uma ldquofigura de estilordquo
que sugere a referecircncia inicial Alencar se apresenta como portador desta verdade
encarnada que passaraacute a analisar os problemas da sociedade Continua entatildeo
marcando seu territoacuterio entre os grandes quando diz que ldquoagraves vezes eacute um historiado
como Taacutecito ou um poeta como Juvenal outras eacute Demoacutestenes o orador ou
Secircneca o filoacutesofordquo (ALENCAR 2009 p09) E estre eles o nosso autor Alencar
apresenta-se como figura conhecedora do pensamento claacutessico colocando-se como
argumentador que se basearaacute nos princiacutepios do Direito e conhecedor dos princiacutepios
de ciecircncia poliacutetica para sua anaacutelise Apresenta-se como uma autoridade elevando o
debate natildeo a uma reclamaccedilatildeo pessoal sobre o governo mas a condiccedilatildeo de um
criacutetico consciente do sistema de governo que estaacute posto
A posiccedilatildeo de Alencar eacute de apoio agrave monarquia As primeiras cartas satildeo um apelo ao
imperador para que intervenha no executivo e no legislativo para tirar o paiacutes do
momento de crise poliacutetica social e econocircmica que o teriam levado o Partido Liberal
e a poliacutetica de conciliaccedilatildeo Segundo Alencar haacute uma distinccedilatildeo entre as tarefas do
Imperador como titular do Poder Moderador e como chefe do Executivo Cita
Montesquieu em O espiacuterito das Leis em uma passagem que fala da falta de
participaccedilatildeo popular na poliacutetica mas apenas para lembrar ao imperador a teoria da
separaccedilatildeo e independecircncia dos poderes Natildeo chega a citar os argumentos deste
autor contra a escravidatildeo
Defende Alencar que o poder moderador seria um mediador entre a constituiccedilatildeo e o
povo Eacute possiacutevel pensar na accedilatildeo do Poder Moderador como algo que permitia
conquanto suas interferecircncias uma modificaccedilatildeo nas formaccedilatildeo das facccedilotildees das
elites no poder permitindo uma alternacircncia de grupos e partidos (CARVALHO
2007) mas tambeacutem como Alencar aprovava e propotildee na carta o poder moderador
como um instrumento de ldquotomada do poderrdquo pelo monarca com o consentimento do
povo Cabe lembrar que fato parecido ocorre com D Pedro I com a destituiccedilatildeo da
Assembleia Constituinte em 1823 e a outorga de uma nova Constituiccedilatildeo Chega
mesmo a afirmar em um trecho a caracteriacutestica liberal da constituiccedilatildeo quando diz
que ldquoo primeiro reinado em oito anos legou-nos a constituiccedilatildeo belo padratildeo de
sabedoria e liberalismordquo (ALENCAR 2009 p19) esquecendo-se de citar o anterior
fechamento da Assembleia constituinte
Alencar escreve sobre o momento de singular impopularidade pelo qual passa D
Pedro II satirizado ldquopelos teatros e praccedilas a vozeria da gente leviana que entre
hinos e flores vos sauacuteda como o heroacutei da Uruguaiana34rdquo (ALENCAR 2009 p12)
devido agrave longevidade que alcanccedila a guerra e proclama-se um seu defensor frente
aos acontecimentos poliacuteticos que este segundo Alencar ldquodesconhecerdquo E iraacute tornar
puacuteblica ldquoa verdade inteira a respeito do paiacutes sobre os homens como sobre as
coisas ()rdquo (ALENCAR 2009 p14) A culpa na opiniatildeo de Erasmo natildeo seria de D
Pedro II mas da administraccedilatildeo Eacute certo que os gastos com a guerra atrapalham ou
impossibilitam uma seacuterie de investimentos necessaacuterios para o desenvolvimento do
Brasil As despesas provenientes do conflito foram enormes ldquo614 mil contos de
reacuteis onze vezes o orccedilamento governamental para o ano de 1864 criando um
deacuteficit que persistiu ateacute 1889rdquo (SCHWARCZ 1999 p459)
Alencar termina a primeira carta citando Salomatildeo ldquoMisericordia et veritas custodiunt
regem35rdquo (ALENCAR 2009 p15) Apelando para a honra e seguindo a citaccedilatildeo para
34 D Pedro II assistiu a rendiccedilatildeo dos paraguaios no chamado ldquocerco de Uruguaianardquo
35 A misericoacuterdia e a verdade protegem o rei
a sabedoria de D Pedro II justifica a intervenccedilatildeo que este deveria fazer e garante
que o povo lhe veria novamente como um restaurador (palavra cara ao Alencar) da
normalidade Para tanto desenha um ldquopanteatildeordquo poliacutetico ideal da restauraccedilatildeo
proclamando-os defensores da honestidade e da honra Satildeo citados ldquoos Feijoacutes
Vergueiros Andradas Paulas Souzas Limpos Torres e Paulinos36rdquo (ALENCAR
2009 p17) Jaacute na primeira carta podemos observar a predominacircncia da pregaccedilatildeo
de uma sociedade conservadora monarquista aristocraacutetica onde o imperador
ldquogoverna e administrardquo e precisa mostrar que tem tal poder concordando assim com
a tendecircncia do liberalismo moderado que defende que a sociedade soacute poderaacute viver
em paz com um poder forte e centralizado (BOSI 2013) Alencar chega a criticar a
liberdade de imprensa em sua narraccedilatildeo algo que chega a ser discutiacutevel na posiccedilatildeo
de algueacutem que edita um panfleto poliacutetico
A crise na governanccedila proclamada pelo panfletista pode ser entendida de modo
diverso O discurso de Alencar eacute ideoloacutegico no sentido de tentar fazer com que as
transformaccedilotildees histoacutericas sejam negadas e entendidas como uma crise no sistema
O momento (o surgimento digamos) da sociedade ideal eacute dado pela fixaccedilatildeo dos
ldquomaacutertiresrdquo a que Alencar se refere ndash indicando a clara presenccedila de uma aristocracia -
e qualquer mudanccedila neste modelo ideal eacute determinada como uma crise Numa
leitura da teoria de Gramsci por Chauiacute essa construccedilatildeo eacute tida como uma
representaccedilatildeo e uma ideologia ldquoA ideologia eacute um discurso que se desenvolve sob o
modo da afirmaccedilatildeo da determinaccedilatildeo da generalizaccedilatildeo () trazendo a garantia da
existecircncia de uma ordem atual ou virtualrdquo (CHAUI 1997 p33) Quando essa
ordem necessaacuteria ao discurso eacute contestada temos uma crise
A crise eacute imaginada entatildeo como um movimento de irracionalidade que invade a racionalidade gera desordem e caos e precisa ser conjurada para que a racionalidade anterior ou outra nova seja restaurada A noccedilatildeo de crise permite representar a sociedade como invadida por contradiccedilotildees e simultaneamente toma-las como um acidente um desarranjo pois a harmonia eacute pressuposta como sendo de direito reduzindo a crise a uma desordem fatual provocada por enganos voluntaacuterios ou involuntaacuterios dos agentes sociais ou por mau funcionamento de certas partes do todo A crise serve assim para opor uma ordem ideal a uma desordem real () (CHAUI
36 Diogo Antocircnio Feijoacute Nicolau Pereira de Campos Vergueiro Joseacute Bonifaacutecio de Andrada e Silva
Francisco de Paula Souza e Melo Antocircnio Paulino Limpo de Abreu Joaquim Joseacute Rodrigues
Torres e Paulino Joseacute Soares de Souza
1997 p37)
O discurso de Alencar sugere o momento ideal no qual os indiviacuteduos devem se
remeter para aceitar as instituiccedilotildees puacuteblicas a vida e as relaccedilotildees de poder que os
conduzem Um discurso que partindo do social se torna poliacutetico e degenerando-se
dominador
Tornando ao texto na segunda carta Alencar critica a relaccedilatildeo dos ministros com
seus representantes nas proviacutencias ndash delegados ndash os quais acusa de abuso de
poder Repete-se aqui nada mais que o sistema estamental de que nos fala
Raimundo Faoro em que o poder se apresenta na figura do funcionaacuterio do governo
como o governo Natildeo um representante do Rei mas se tornando um rei local em
miniatura (FAORO 2004) Alencar chama particular atenccedilatildeo para as financcedilas que
nomeia como ldquoforccedilas musculares da naccedilatildeordquo (ALENCAR 2009 p24) Alude aos
gastos com armamentos supeacuterfluos (no caso armamentos jaacute sem valor para uso)
destinados a uma raacutepida deterioraccedilatildeo e as dificuldades tambeacutem em consequecircncia
da guerra de conseguir alguma credibilidade financeira das naccedilotildees europeias o que
afetaria ndash e oneraria ndash as importaccedilotildees de maneira geral e tambeacutem as negociaccedilotildees
dos empreacutestimos contraiacutedos no exterior que datavam da eacutepoca de D Pedro I
referentes ao reconhecimento do Brasil como independente e a indenizaccedilatildeo de
Portugal Reconhece que a alta no preccedilo do algodatildeo e a receita gerada natildeo chegam
para sustentar tantas e tatildeo altas despesas visto que as boas safras natildeo satildeo
constantes e a paz conseguida nos Estados Unidos acabaria por determinar uma
queda de preccedilos Esclarece ainda sobre uma crise nas duas maiores fontes de
renda do Estado o comeacutercio ldquojungido a uma liquidaccedilatildeo forccedilada que principiou em
10 de setembro de 1864 e terminaraacute ningueacutem sabe quandordquo (ALENCAR 2009 p25)
e a agricultura ldquoameaccedilada pela questatildeo magna da emancipaccedilatildeo que avanccedila a
grandes passos e estremece ateacute o intimo a sociedaderdquo (ALENCAR 2009 p 25)
O missivista acha por bem terminar a segunda carta com um leve ldquosolavancordquo no
imperador conclamando-o agrave luta em dois paraacutegrafos exemplares
Quando um povo livre abdica o pleno exerciacutecio da soberania eacute dever imperioso do monarca seu primeiro representante assumir essa grande massa inerte de poder para evitar que ela seja dissipada por um grupo de ambiciosos vulgares
Ache ao menos a liberdade que desertou a alma sucumbida da paacutetria um abrigo agrave sombra do manto imperial para que natildeo morra conspurcada nos tripuacutedios da anarquia (ALENCAR 2009 p 26)
Faltava que D Pedro II tomasse as reacutedeas da situaccedilatildeo Alencar entende que essa
sociedade constitucionalista eacute responsabilizada pela maacute administraccedilatildeo visto que os
governantes tambeacutem fazem parte do contrato e devem dar conta de suas accedilotildees sob
pena de serem substituiacutedos Afirma novamente o Alencar que o povo apoiaria o
Imperador em sua accedilatildeo e esperava mesmo por isso Alencar alude mais uma vez
a uma velha foacutermula conservadora de que o imperador reina governa e administra
(Carvalho 2007)
O missivista eacute duro na criacutetica com o periacuteodo chamado conciliaccedilatildeo Uma ldquocorrupccedilatildeo
geral dos partidos () dissoluccedilatildeo dos princiacutepiosrdquo (ALENCAR 2009 p30) da proacutepria
existecircncia da democracia Classificando conciliaccedilatildeo como um termo honesto e
decente para qualificar ldquoa prostituiccedilatildeo poliacutetica de uma eacutepocardquo (ALENCAR 2009
p30) Alencar enxergava aleacutem de sua criacutetica uma dificuldade criada pela
conciliaccedilatildeo para a eleiccedilatildeo de novos quadros para a Cacircmara e consequentemente
os ldquoarranjosrdquo eleitorais para o Senado cargo a que ele pretenderia poucos anos
depois (sua situaccedilatildeo como bacharel lhe garantiu ateacute o momento um emprego como
jornalista e uma mesa em um escritoacuterio de advocacia)
Os partidos segundo ele seriam a miliacutecia da naccedilatildeo entende ele que o povo deve
participar e fiscalizar o legislativo satildeo eles que garantem a existecircncia e a preservam
instituiccedilotildees da monarquia e do povo Em outro momento ao se referir novamente
agraves coalizotildees que se seguem ano apoacutes ano no parlamento questiona com espanto
como pode ser que ldquocidadatildeos individualmente probos e cordatos se consolidam
assim com a escoacuteria em uma liga monstruosa que humilha a cada um no recesso
da consciecircnciardquo (ALENCAR 2009 p36) A criacutetica de Alencar mostra menos sua
preocupaccedilatildeo com a democracia sustentada pelas ideias de partidos diversos em
uma luta pelo poder princiacutepio baacutesico do liberalismo que a preocupaccedilatildeo com a
homogeneizaccedilatildeo das ideias que pode dar mais espaccedilo para grupos diversos
alcanccedilarem cargos na administraccedilatildeo puacuteblica
Segundo Carvalho (2007) a liga natildeo foi propriamente um partido mas uma
orientaccedilatildeo poliacutetica e Alencar a considerava como um ldquomomentordquo da conciliaccedilatildeo
Nada mudaria afinal As eleiccedilotildees continuariam a serem compradas com as
ldquoceacutedulas pagas agrave vista ou descontadas com promessas de pingues empregos e
depreciadas condecoraccedilotildeesrdquo (ALENCAR 2009 p37) O circo estava posto os
comiacutecios apresentados como espetaacuteculos nos teatros puacuteblicos a imprensa tatildeo
ldquobem desenhada nesta grande capital que mata as folhas poliacuteticas e soacute fomenta as
gazetas industriaisrdquo37 (ALENCAR 2009 p37)
Termina a carta de 03 de dezembro desiludido mas natildeo sem lanccedilar seu bilhete da
sorte
O povo inerte os partidos extintos o parlamento decaiacutedo Restam eacute verdade alguns cidadatildeos eminentes abrigados na tribuna vitaliacutecia como as reliacutequias do senado romano esperam tranquilos em suas curules o momento de morrer com a liberdade que amaram (ALENCAR 2009 p37)
O Senado eacute visto aqui como a instituiccedilatildeo merecedora de creacutedito dentro de tudo o
mais que foi criticado Mas seraacute que os olhos do missivista natildeo procuravam jaacute por
uma cadeira naquela casa
A carta datada de 09 de dezembro inicia derramando louros sobre a cabeccedila de D
Pedro II Alencar chega a chama-lo pelo epiacuteteto de Rei sol logo depois se corrigindo
(se eacute que isso seja possiacutevel) e tratando de conduzir a luz do imperador do Brasil
para longe da referecircncia de Luiz XIV ndash seria ele ldquoo foco brilhante que rege todo um
sistema e dardeja luz e calor para a naccedilatildeordquo (ALENCAR 2009 p39) O foco
realmente estaacute em criacuteticas puacuteblicas de que haja certa interferecircncia do imperador na
37 Alencar sabe que o leitor de poliacutetica busca os folhetos e pasquins comuns no periacuteodo O leitor de
jornais regulares busca outros atrativos Ele mesmo aumentou a venda da ldquoGazeta do Rio de
Janeirordquo enquanto seu soacutecio e editor com a publicaccedilatildeo de um romance de folhetim O Guarani
administraccedilatildeo (na maacute administraccedilatildeo) o que Alencar chama de modo de governo
pessoal responsabilizando o imperador pelos atos dos ministros apesar da
responsabilizaccedilatildeo expressa pela doutrina liberal de que o governante estaacute laacute para
exercer a soberania dada a ele pelo povo Cabe lembrar que pela constituiccedilatildeo do
Impeacuterio o Imperador natildeo poderia ser responsabilizado por suas accedilotildees A referecircncia
ao Rei Sol se daacute neste sentido pois a constituiccedilatildeo brasileira de 1824 no seu artigo
99 diz claramente que a pessoa do Imperador eacute sagrada e inviolaacutevel38 Ele natildeo estaacute
sujeito a responsabilidade alguma Eacute enquanto do exerciacutecio do Poder Moderador
que adviriam as responsabilidades Por vezes temos a impressatildeo de que Alencar
exagera sua veia romacircntica como uma forma pessoal de provocaccedilatildeo No momento
defende a postura de D Pedro
Minha convicccedilatildeo vai muito aleacutem Natildeo somente nenhuma influecircncia direta exerceis no governo mas vosso escruacutepulo chega ao ponto de frequentes vezes concentrar aquele reflexo que uma inteligecircncia satilde e robusta como a vossa deve derramar sobre a administraccedilatildeo (ALENCAR 2009 p 39)
Depois de alguns anos jaacute como Ministro Alencar se arrependeraacute dessas palavras
enquanto observa os muitos ldquobilhetinhosrdquo de D Pedro sobre sua mesa indagando e
bisbilhotando na pasta da Justiccedila Mas a verdade eacute que Alencar eacute um dos
defensores da responsabilizaccedilatildeo do monarca por seus atos recaindo esta (sendo
dividida) tambeacutem sobre o ministeacuterio O que determinaria o poder moderador como
limitado longe do despotismo de Luiz XIV Como um bom conservador Alencar eacute
dogmaacutetico e pessimista quanto as mudanccedilas que poderiam acontecer se o
Imperador natildeo se impusesse
Em um segundo momento compara D Pedro II a Jorge III da Inglaterra pela
inflexibilidade do caraacuteter e poder39 cita o episoacutedio em que depois de muitas
tentativas consegue sucesso com um ministeacuterio em que liberais e conservadores
trabalhassem juntos ldquona ceacutelebre coalizatildeo de North Fox Cavendish Keppel Burke e
outrosrdquo (ALENCAR 2009 p41) Mas laacute sustenta formaram-se ldquopartidos vigorosos
38
Conforme a CONSTITUICAtildeO POLIacuteTICA DO IMPERIO DO BRAZIL (DE 25 DE MARCcedilO DE 1824)
Disponiacutevel por exemplo em wwwplanaltogovbrccivil_03constituiccedilatildeo24htm 39 Jorge III foi cognominado ldquoo loucordquo por apresentar problemas de sanidade mental durante seu
reinado
que agrave inflexibilidade da coroa opunham a firmeza e rigidez de seus princiacutepiosrdquo No
Brasil ndash segundo Alencar - o parlamento estaacute entregue a homens preocupados com
seu poder e capacidade de enriquecimento esquecendo-se do povo e mesmo da
eacutetica que os deveria conduzir
Nesta carta volta a criticar as coalisotildees que se operam nas casas poliacuteticas inclusive
no conselho de Estado aonde chega a sugerir que estes (os conselheiros) estejam
em busca por ldquoapenas uma aliagem [sic] de individualidades na esperanccedila de
engrandecimento pessoalrdquo (ALENCAR 2009 p42) Critica tambeacutem a instituiccedilatildeo dos
Voluntaacuterios da Paacutetria acreditando ser uma forma de fragmentar a hierarquia dentro
do exeacutercito sugerindo algo feito a revelia de D Pedro II e a que este se aliaria
depois para agradar ao grupo
Apreciais devidamente o exeacutercito que ama com entusiasmo seu monarca e zeloso protetor Natildeo era possiacutevel que cogitaacutesseis um meio de desgostaacute-lo profundamente estabelecendo preferecircncias a favor de bisonhos soldados com pretericcedilatildeo de bravos veteranos cheios de serviccedilos e jaacute traquejadas pela vitoacuteria (ALENCAR 2009 p 43)
O imperador foi para Uruguaiana como o primeiro voluntaacuterio da paacutetria em um
exemplo de patriotismo e espiacuterito de lideranccedila e tentando tambeacutem criar um estado
de acircnimo geral no oficialato Aqui ainda natildeo estaacute o Alencar a se referir ao
recrutamento forccedilado de homens pelos presidentes das proviacutencias que viria mesmo
a criticar enquanto ministro como uma violaccedilatildeo da liberdade E por falar em
ministros a incompetecircncia destes ndash chamados por ele de ldquoefecircmerosrdquo - eacute ponto
paciacutefico Em sua criacutetica tambeacutem natildeo deixa de alfinetar o imperador garantindo que
os ministros fraacutegeis que satildeo ldquonatildeo ousariam tanto sem a certeza do apoio da coroardquo
(ALENCAR 2009 p42) Acusaccedilotildees de corrupccedilatildeo preenchem as vaacuterias paacuteginas das
cartas e indicam senatildeo cumplicidade ao menos consciecircncia do imperador sobre tal
situaccedilatildeo Alencar encena uma defesa mas ao mesmo tempo critica a praacutetica da
(podemos chamar) natildeo-interferecircncia no executivo por parte do Imperador Ao fim
qualquer atitude da coroa de accedilatildeo ou omissatildeo eacute objeto para o jogo de poder que se
daacute no parlamento
Em certo ponto da carta faz uma alusatildeo a Caxias chamado para o comando de
tropas no Rio da Prata A figura de Caxias - da parte que interessava ao Alencar -
era um poliacutetico respeitado vinculado ao partido conservador Surgindo como um
salvador da paacutetria exigia atenccedilatildeo do ministeacuterio e do Imperador No episoacutedio do
desentendimento com Zacarias de Goacuteis em 1868 entatildeo presidente do gabinete o
primeiro sairia vencedor mas sua vitoacuteria mudaria em muito os rumos da poliacutetica
nacional Mas por agora o ocircnus de um desenvolvimento deficiente das tropas na
guerra recaiacutea sobre o imperador Esta era a fala de Alencar e segundo ele ldquoesta eacute a
verdaderdquo (ALENCAR 2009 p47)
Na quita carta Alencar toma as figuras de Maquiavel e de Dacircmocles - uma
personagem da mitologia grega a quem se atribui uma faacutebula sobre a precariedade
do poder Nota-se ateacute aqui a facilidade com que Alencar se refere a mitologias
diversas indicando que o texto se dirige a um puacuteblico seleto No impeacuterio era uma
praacutetica a menccedilatildeo a mitologia greco-romana e a figuras biacuteblicas como forma de
demonstrar o domiacutenio de uma cultura letrada (o que eacute particularmente importante
para o Alencar que segundo Neto (2006) era visto com certo preconceito por ter se
formado em uma faculdade de Satildeo Paulo e natildeo na Europa como os membros mais
antigos do parlamento) A referecircncia a Maquiavel novamente serve para lembrar a
D Pedro II que o fim justifica meios e se omitir natildeo eacute a melhor atitude Ainda que
tratado em ldquocarta abertardquo a alusatildeo constante a capacidade intelectual do imperador
funciona como um indicativo (velado) da distacircncia cultural que o separa do povo
Natildeo soacute ele mas praticamente a totalidade da burocracia
A liberdade com que o texto constroacutei o periacuteodo criticando-o natildeo seria encontrada
(tampouco permitida) novamente tatildeo cedo Na repuacuteblica no Estado Novo e mesmo
em periacuteodos bem mais proacuteximos de noacutes a liberdade de imprensa natildeo seria algo
possiacutevel Um trecho da carta apresenta uma criacutetica agrave postura dos jornais sobre a
esquiva poliacutetica do imperador por ser tratado sem o devido respeito No Brasil do
segundo reinado o povo detinha a informaccedilatildeo ndash apresentada pelos veiacuteculos de
comunicaccedilatildeo - mas natildeo conseguia entende-la ou efetiva-la dada sua falta de
instruccedilatildeo O povo tambeacutem neste sentido vive agrave margem das discussotildees poliacuteticas
natildeo podendo entrar em suas aacuteguas tumultuadas Ou em suas margens natildeo se
preocupa com problemas abstratos mas com a realidade que observa no cotidiano
No trecho
Na parte natildeo editorial satildeo frequentes os artigos pagos com endereccedilo a vossa augusta pessoa Conteacutem eles queixas de indiviacuteduos de todas as classes sobre minudecircncias do expediente de empregados subalternos Apelam os suacuteditos para vossa autoridade agrave qual parecem ter devolvido
toda confianccedila e todo poder (ALENCAR 2009 p 53)
Nota-se aqui a preocupaccedilatildeo com o favor real O favorecimento individual O suacutedito e
D Pedro II deixava isto de certa forma impliacutecito poderia procurar o Imperador como
a um balcatildeo de queixas sobre as instituiccedilotildees puacuteblicas Alencar sabia que o povo
estava com D Pedro ldquoEste povo apaacutetico e indiferente agraves mais nobres funccedilotildees da
soberania ainda sente por vossa pessoa sinceros transportes () [sente no
imperador] o estandarte capaz de nestes tempos inertes levantar entusiasmos em
prol de uma causardquo (ALENCAR 2009 p50) quando da partida para Uruguaiana
alude a populaccedilatildeo que ldquo se aglomerou em vossa passagem agrave hora da despedida e
da voltardquo (ALENCAR 2009 p52) Mas o povo pouco importa para a elite Aqui o
povo ainda eacute visto como uma massa ignorante sendo mais uma questatildeo de poliacutecia
do que de poliacutetica Talvez este seja o sentido da frase em que se refere agraves elites
localizadas ldquonas camadas superiores da sociedade onde a luz penetra mais clarardquo
(ALENCAR 2009 p54) Se D Pedro II natildeo tiver uma atitude eneacutergica frente aos
acontecimentos e sobre a corrupccedilatildeo que assola o periacuteodo ndash utilizando-se do Poder
Moderador o que a constituiccedilatildeo permitia ndash seraacute responsabilizado no tempo Alencar
ainda profetiza ldquoA naccedilatildeo vos ama mas a histoacuteria vos julgaraacute com severidaderdquo
(ALENCAR 2009 p56) E continua em tom provocador aproveitando o momento
da guerra como mote para o discurso afirmando que ldquoo trono que a naccedilatildeo vos
confiou eacute um posto de honra Deveis a Deus e ao povo sua guarda severa Natildeo
podeis esquivar-vos a ela sob pena de deserccedilatildeordquo (ALENCAR 2009 p58)
Novamente Alencar afirma concordando com Hobbes a relaccedilatildeo da soberania que
eacute dada pelo povo ao soberano e dele espera um rumo para a sociedade
Para a sexta carta Alencar prefere iniciar em um tom mais ameno novamente
aludindo a ilustraccedilatildeo do imperador em contraposiccedilatildeo com a ldquoatoniardquo do povo O
problema continua no combate eacute ldquoa depravaccedilatildeo do organismo poliacutetico de que
resultou o amortecimento das crenccedilas a extinccedilatildeo dos partidos e a corrupccedilatildeo
espantosardquo (ALENCAR 2009 p59) que estaacute por toda a parte Qual seria questiona
agrave D Pedro II a causa do mal que assola o paiacutes A resposta que propotildee eacute a da falta
de educaccedilatildeo poliacutetica Nesse momento Alencar faz uma breve exposiccedilatildeo sobre a
monarquia parlamentar e o regime republicano e suas relaccedilotildees enquanto
representaccedilotildees do povo justificando que o povo brasileiro ldquoeste povo nobre e digno
das instituiccedilotildees que o regem este povo precoce para a liberdade pois ainda na
infacircncia colonial jaacute se eletrizava com ela natildeo foi educado como merecia para a
monarquia representativardquo (ALENCAR 2009 p61) Alencar tenta amalgamar as
propostas de educaccedilatildeo para o povo com o persistente discurso da tutela do povo
que caracteriza um traccedilo fortemente conservador Eacute o mesmo discurso que Alencar
propotildee para a manutenccedilatildeo da escravidatildeo de que o sistema escravagista teria a
funccedilatildeo de educar o escravo para o conviacutevio social Aqui preferimos acreditar que se
trata de uma estrateacutegia discursiva Este ldquopovordquo de quem fala parece ser o descrito no
paraacutegrafo seguinte
Em 1821 a independecircncia se fez no entusiasmo da liberdade O Brasil conquistou simultaneamente o governo dos brasileiros pelos brasileiros e o governo do povo pelo povo
Desde 1808 com a vinda do rei e a invasatildeo de Portugal a emigraccedilatildeo da metroacutepole para a colocircnia fora muito crescida havia pois ao lado da populaccedilatildeo nata uma populaccedilatildeo adventiacutecia mas jaacute ligada agrave outra por identidade de liacutengua laccedilos de sangue e relaccedilotildees domeacutesticas (ALENCAR 2009 p 62)
O povo eacute o modelo civilizacional trazido de Portugal (modelo europeu) e no caso da
independecircncia as elites que a sustentaram Percebemos que Alencar acreditava na
diferenccedila jaacute demonstrada anteriormente entre povo e plebe (BASILE 2006) A
imprensa segundo ele tenta trabalhar essa educaccedilatildeo poliacutetica para o povo
notadamente com ideias liberais Haacute de se considerar para o periacuteodo jaacute uma
geraccedilatildeo como o Alencar de poliacuteticos formados no Brasil com influecircncia de ideias
liberais A homogeneidade garantida pelo estudo em Coimbra havia sido deixada
nos tempos da colocircnia e os laccedilos entre os indiviacuteduos de proviacutencias diferentes que se
juntavam nas faculdades criadas no Brasil tendiam a aumentar o que deixava de
caracterizar um estamento e passava a transferecircncia das decisotildees para os grupos
socializados de forma diversa nos nuacutecleos brasileiros ndash principalmente o Direito para
a formaccedilatildeo das novas elites da burocracia Este foi o elemento de formaccedilatildeo poliacutetica
para a elite brasileira baseado na educaccedilatildeo Mas o povo soacute tinha acesso aos jornais
e outras poucas miacutedias impressas
Ao mesmo tempo mas tambeacutem sustentando o intelectual como parte da elite
poliacutetica Alencar traccedila um perfil da aristocracia brasileira Esta seria
Composta em geral de duas classes de pessoas os abastados de inteligecircncia e escassos de cabedais e os ricos de haveres mas pobres de ilustraccedilatildeo raros bem raros satildeo os que tecircm a forccedila de se conservar em sua oacuterbita Aqueles urgidos pela seduccedilatildeo do luxo e mesmo pela necessidade buscam nos altos empregos puacuteblicos e elevadas posiccedilotildees uma renda ou as facilidades de alianccedilas e estabelecimentos avantajados Estes pruridos pela vaidade se oferecem aos desejos dos primeiros em compensaccedilatildeo de graccedilas e consideraccedilatildeo (ALENCAR 2009 p6465)
Alencar confirma a necessidade de que (alguns elementos) sua geraccedilatildeo de
ldquobachareacuteisrdquo precisem vincular-se ao governo atraveacutes de cargos na burocracia como
uma questatildeo de sobrevivecircncia e associar-se a alguns grupos econocircmicos ldquoem
compensaccedilatildeo de graccedilas e consideraccedilatildeordquo (ALENCAR 2009 p65) Alencar tambeacutem
eacute um deles o que desmente seu discurso sobre os bens de o que chama de uma
ldquoempregocraciardquo (ou a fundamenta) Os grupos se modificam os poliacuteticos podem
mudar mas a situaccedilatildeo permanece uma aristocracia que manipula o povo inerte
Sobre a imprensa esta se tornou ldquoum luxo entre noacutes as leis fiscais a fizeram tal O
povo eacute pobre e natildeo pode pagaacute-la Alguns perioacutedicos aparecem com sacrifiacutecios
enormes que vegetam em estreito ciacuterculo e afinal acabam inanidosrdquo (ALENCAR
2009 p67) Eacute bem verdade que os pequenos natildeo conseguem sobreviver e
() as folhas diaacuterias de grande formato e circulaccedilatildeo essas constituem o feudalismo da publicidade Suas colunas abertas agrave concorrecircncia mal chegam para os abastados a emissatildeo das ideias ali importa uma despesa natildeo soacute de inteligecircncia e estudo mas do grosso cabedal (ALENCAR 2009 p68)
Esta imprensa ldquoque tem suas raiacutezes como suas ramificaccedilotildees na aristocracia
burguesardquo (ALENCAR 2009 p67) natildeo iraacute atacar a aristocracia Antes a ela se une
Entendemos aqui que a mesma imprensa que serviria a educaccedilatildeo do povo (segundo
Alencar) estaacute vinculada a aristocracia Reafirmamos que o povo que a tanto se
refere Alencar satildeo aqueles que possuem a cidadania confirmada certo grau de
educaccedilatildeo e renda Natildeo o grosso da populaccedilatildeo As ideias liberais pregadas natildeo satildeo
possiacuteveis para todos os homens Termina afirmando que ldquoo uacutenico meio eficaz de
salvar o paiacutes senhor eacute uniatildeo firme dos homens de bem de que sois o chefe
legiacutetimo contra a imoralidaderdquo (ALENCAR 2009 p67) Para onde deveremos ir se
Alencar deixou aqui poucas opccedilotildees para descobrir quem satildeo afinal os chamados
homens de bem Seriam estes os ldquohomens bonsrdquo do municiacutepio no periacuteodo colonial
(FAORO 2004) em uma roupagem mais nobre
Na seacutetima carta Alencar propotildee um estudo sobre a estagnaccedilatildeo em que se encontra
o paiacutes e sustenta que tal estudo deva abranger ldquoa importante questatildeo do sistema
segundo o qual deve funcionar a coroa na monarquia representativardquo (ALENCAR
2009 p69) Isto sem mexer na legislaccedilatildeo Seus fundamentos se assentariam sobre
a praacutetica e experiecircncia (uma experiecircncia que o teoacuterico Alencar ainda natildeo tem)
Busca uma justificaccedilatildeo baseando-se na ldquoliccedilatildeo fecunda do povo mestre em ciecircncia
governamental inventor do sistema representativo e seu modelordquo (ALENCAR 2009
p70) que sendo o imperador constitucionalmente o chefe do poder executivo
exerce sua qualificaccedilatildeo ldquohonoriacuteficardquo por meio dos ministros Investido de majestade
eacute chefe tambeacutem do judiciaacuterio o que se sustenta pelo simples fato de que em todos
os tribunais as sentenccedilas satildeo expedidas em nome do imperador No executivo os
ministros trabalham como um corpo uacutenico e ldquopodem levar para o conselho vaacuterios e
encontrados alvitres a respeito de uma questatildeo importante Na discussatildeo os
argumentos satildeo desenvolvidos e ponderadas as objeccedilotildees Afinal () constroem
uma opiniatildeo meacutedia que natildeo sendo de nenhum ministro individualmente seja a do
ministeacuteriordquo (ALENCAR 2009 p71) A solidariedade eacute o princiacutepio de coesatildeo do
grupo
Em todo momento propiacutecio Alencar toma a Inglaterra como o princiacutepio exemplar
Natildeo por ser a naccedilatildeo mais poderosa e comercialmente mais proacutexima do Brasil nem
mesmo pelo modelo civilizacional que a burguesia brasileira do periacuteodo toma da
Inglaterra mas pela reduzida forccedila que o monarca tem frente ao parlamento que eacute a
tocircnica de Locke Rousseau e Mill Apesar das palavras elogiosas e galanteadoras do
missivista seu intuito eacute o de fazer ver a D Pedro II sua ldquoobrigaccedilatildeordquo de interferir no
sistema quando este estivesse falindo e reorganiza-lo para novamente deixa-lo
seguir sozinho Possibilidade que Alencar natildeo encontra tatildeo facilmente na Inglaterra
O que Erasmo quer afinal eacute a mudanccedila do grupo dirigente porquanto alude aos
atos do Imperador indicando uma postura eacutetica deste quanto ao uso do poder
Moderador Alencar tenta construir a ideia de que natildeo eacute o Imperador quem demite
um ministeacuterio mas ao curso de algum problema maior ldquoa dignidade de homens e
sinceridade de poliacuteticos exigem que incontinente deem e natildeo peccedilam sua demissatildeo
respeitosardquo (ALENCAR 2009 p73) em vista de que o poder lhes eacute delegado e o
Estado deve ter uma accedilatildeo menor em tal processo Eacute a soberania constituiacuteda na
figura do Imperador a consciecircncia ilustrada do povo Eacute para que ldquoo poder moderador
acompanhe de perto a trilha da administraccedilatildeo e observe seus rumos que ele foi
instituiacutedo chefe titular do executivordquo (ALENCAR 2009 p73) Alencar entende que o
poder emana do povo e o Estado deve funcionar antes como um organizador do
desenvolvimento da naccedilatildeo mais uma proposta liberal para a administraccedilatildeo do paiacutes
Para Alencar os dois partidos se alternavam nos gabinetes mas nenhum deles
consegue tempo bastante para realizar seus projetos Alternavam-se e quando no
poder veem-se ldquoesterilizados pela resistecircncia demasiada que encontravam na
moderaccedilatildeo e prudecircncia da coroardquo (ALENCAR 2009 p77) para a realizaccedilatildeo de
necessaacuterias mudanccedilas que pudessem criar um dinamismo na administraccedilatildeo puacuteblica
Um dinamismo que oferecesse uma maior liberdade de investimentos para o
desenvolvimento da naccedilatildeo Mas isso tambeacutem eacute culpa segundo ele da
desorganizaccedilatildeo ideoloacutegica dos partidos e de sua situaccedilatildeo de distanciamento das
bases populares (se eacute que houvesse) O monarca representa o poder nacional
situado acima do sistema que ldquoplaina sobre os outros meros poderes poliacuteticosrdquo
(ALENCAR 2009 p79) O termo poder nacional explica Alencar eacute usado para
designar ldquoa quase comunidade em que se acha com a naccedilatildeo Nele reside uma parte
da soberania popular que se isolou em princiacutepio e se consolidou nessa grande
individualidade a fim de resistir aos desvarios da opiniatildeordquo (ALENCAR 2009 p79)
Alencar falando das instituiccedilotildees lembra os liberais de 1834 que extinguiram o
conselho de Estado eliminando assim o elemento aristocraacutetico que se agarrava a
coroa Alencar sugere que ldquoos atos do poder moderador satildeo de exclusiva
competecircncia vossa [do Imperador] para exercecirc-los natildeo dependeis de agentes e
atualmente nem de conselhordquo (ALENCAR 2009 p81) Mas se observarmos bem
como nos mostra Carvalho (2009) o conselho de Estado apesar de natildeo muito
solicitado e de a despeito de tudo tratar de assuntos em sua maioria sem uma
significacircncia maior era um oacutergatildeo consultivo importante que garantiria uma visatildeo
realista de problemas praacuteticos a que o Imperador provavelmente natildeo tinha acesso
como na deposiccedilatildeo do ministeacuterio Zacarias de Goacuteis Ali o conselho foi olvido e
opinou apesar da decisatildeo final ser de D Pedro II este seguiu o voto dos
conselheiros Mesmo sendo a escolha para o cargo de conselheiro uma
competecircncia exclusiva da coroa e provavelmente D Pedro II natildeo viria a escolher
algueacutem de quem natildeo quisesse ouvir a opiniatildeo tendendo assim a formaccedilatildeo do
conselho para um formato que estivesse mais proacuteximo do temperamento do
imperador e de suas pretensotildees o proacuteprio ato de consulta sugere uma anaacutelise mais
apurada das diversas situaccedilotildees e assuntos (CARVALHO 2007)
O poder moderador eacute uma das bandeiras de Alencar E segundo ele emana
tambeacutem do povo Escreve que ldquo() o poder moderador eacute a consciecircncia ilustrada do
povo [Esse povo] que aceitou a lei fundamental de 25 de marccedilo de 1824 tinha sem
contestaccedilatildeo o direito soberano de a revogar apenas se convencesse que natildeo era a
mais proacutepria para sua felicidaderdquo (ALENCAR 2009 p82) Novamente colocando o
ldquopovordquo enquanto seus representantes A defesa da monarquia constitucional
baseada na lei com os poderes cedidos pelo povo a um governante escolhido Mas
os senadores e mesmo os deputados com poder constituinte estavam muito
distantes do proclamado povo das cartas de Erasmo Em determinado ponto
Alencar chega a defender que ldquoa forccedila ativa do poder moderador eacute
sobreconstitucionalrdquo (ALENCAR 2009 p88) o que parece incoerente com uma
monarquia constitucional Admitindo que este possa dissolver o legislativo demitir
ministeacuterios afirma que ldquonenhum poder nem mesmo o povo tem no domiacutenio da
constituiccedilatildeo faculdade igualrdquo (ALENCAR 2009 p89) D Pedro I aprovaria tais
medidas
Todos os atos do soberano se entendidos como atos do povo soacute levariam o paiacutes
novamente para o absolutismo para a ideia gasta que o proacuteprio Alencar sugere na
carta anterior de que ndash o povo sou eu - o Estado sou eu E todo o resto quando
chama D Pedro II pelo epiacuteteto de rei sol Aqui temos a face do intelectual utilizando-
se de seu texto complexo como uma arma totalmente associado com as elites
dirigentes e servindo de instrumento para sua justificaccedilatildeo Em uma das romacircnticas
figuras que toma compara D Pedro II ao profeta biacuteblico Josueacute indicando que ldquoo
profeta recebia sua possanccedila de Deus o imperador a recebe da leirdquo (ALENCAR
2009 p92) Mas de qual lei se jaacute indica anteriormente ser o poder moderador
sobreconstitucional O que se vecirc eacute que a lei eacute mais um instrumento modificaacutevel pra
justificar a permanecircncia no poder mais uma caracteriacutestica de adequaccedilatildeo do
liberalismo as necessidades das elites locais no poder Alencar como advogado
bem sabe o que escreve
Ao iniciar a nona carta Alencar se apresenta como a voz da consciecircncia do
Imperador o seu pensamento em forma sensiacutevel uma intimidade que o desperta O
tom pressupotildee uma intimidade que jaacute teria sido conquistada com na sequencia das
cartas Faz uma apologia da aristocracia tomando-a como ldquoum elemento infaliacutevel e
salutar no governo e na sociedaderdquo (ALENCAR 2009 p95) Acredita que sem este
estiacutemulo a ldquoelevaccedilatildeo a humanidade ficaria eternamente jungida agrave sua animalidaderdquo
(ALENCAR 2009 p95) Mas eacute preciso conter o poder da aristocracia A monarquia
deve tirar ldquoa esse elemento o privileacutegio de casta que o torna odioso e absurdordquo
(ALENCAR 2009 p95) Defende aqui a aristocracia burocraacutetica com vistas agrave
defesa da monarquia constitucional visto que o monarca a serviccedilo das leis estaria
limitado por esta aristocracia que determina tais leis e essa aristocracia seriam os
elementos do povo fazendo parte do legislativo
Jaacute eacute passado o tempo de D Pedro I que entendia dever seguir a constituiccedilatildeo se
esta estivesse a sua altura (querendo dizer se estivesse conforme seu gosto
pessoal) Os tempos satildeo outros e o Imperador eacute uma peccedila do sistema poliacutetico
escolhido pelas elites para a naccedilatildeo que se forma a partir da independecircncia
(CARVALHO 2007) Eacute preciso dar elementos legais para que o paiacutes se desenvolva
e crie mais riqueza com uma intervenccedilatildeo menor do Estado e ao mesmo tempo natildeo
se modifiquem as condiccedilotildees estaacuteveis conquistadas pelas elites no poder Eacute o traccedilo
que caracteriza o periacuteodo uma postura liberal e ao mesmo tempo conservadora
como modelo ideoloacutegico a ser construiacutedo Um traccedilo caracteriacutestico eacute o sistema de
captaccedilatildeo de intelectuais para os quadros da burocracia que segundo Alencar eacute
uma necessidade Explica ele que
A nossa aristocracia eacute burocraacutetica natildeo que se componha somente de funcionaacuterios puacuteblicos mas essa classe forma a sua base agrave qual adere por alianccedila ou dependecircncia toda a camada superior da sociedade brasileira
Para o desenvolvimento espantoso que tem esse corpo oficial entre noacutes natildeo concorre como pensam o nuacutemero dos empregos mas sim a tendecircncia absorvente da administraccedilatildeo a par da falta de iniciativa particular (ALENCAR 2009 p96)
O Estado gera os empregos para absorver a oferta que cria com os cursos
superiores eacute preciso que se crie uma elite que vaacute administrar o paiacutes eacute certo mas
tudo depende da accedilatildeo do Estado Alencar em um feliz paraacutegrafo delineia suas
pretensotildees poliacuteticas com um pedido que elogiando anteriormente as geraccedilotildees mais
jovens e sua capacidade de adaptaccedilatildeo a adversidade sugere
Volvei os olhos em torno senhor e procurai um homem superior que se tenha elevado do seio do povo na robustez de suas crenccedilas na virgindade de sua inteligecircncia na amplitude enfim de sua personalidade
Natildeo o encontrareis eu vos garanto (ALENCAR 2007 p 97)
Quando sugere um novo nome a sugestatildeo jaacute estaacute feita Mesmo acrescentando no
paraacutegrafo seguinte que natildeo se conseguiria encontrar a construccedilatildeo coloca o criacutetico
como a escolha acertada para a resoluccedilatildeo do problema Eacute um efeito da carta aberta
todos tecircm direito a uma opiniatildeo A opiniatildeo ldquopuacuteblicardquo que tanta preocupaccedilatildeo leva ao
Imperador E mesmo esta pode ser manipulada (se natildeo o eacute) visto que segundo
sua criacutetica ldquoa burocracia fabrica a opiniatildeo puacuteblica no Brasil [considerando que] os
jornais como tudo neste impeacuterio vivem da benevolecircncia da administraccedilatildeordquo
(ALENCAR 2009 p96) com subvenccedilotildees que lhe indicam o caminho dos editoriais
A aristocracia tomada aqui por Alencar se refere ao que chama de melhores
indiviacuteduos escolhidos entre todos e o criteacuterio para a escolha seria o voto A elite
portanto eacute determinada pelo voto pela democracia representativa concordando
com as propostas do liberalismo com os tracircmites que a lei determina caccedilando e
permitindo o exerciacutecio do voto para um grupo determinado a quem eacute possiacutevel
exercer ldquofraccedilatildeo de soberania ativa reservada a cada individualidaderdquo (ALENCAR
2009 p98) a partir de uma seacuterie de regras estas tambeacutem determinadas por esta
aristocracia burocraacutetica
Alencar sugere que o gabinete estaacute dominado por esta burocracia Apesar das
escolhas dos ministros incidirem em uacuteltima instacircncia sobre o Imperador qualquer
que seja ela ldquoquaisquer que sejam os nomes por voacutes escolhidos senhor caracteres
iacutentegros vontades riacutegidas o corpo oficial logo os absorve e amalgama () [pois soacute]
vive pensa e governa no Brasil o espiacuterito burocraacuteticordquo (ALENCAR 2009 p99) O
parlamento impede que haja mudanccedilas que natildeo sejam de interesse das elites no
poder esta eacute a base da corrupccedilatildeo de que fala nosso missivista
Na uacuteltima carta desta seacuterie Alencar sugere que o cidadatildeo comum espera do
imperador atitude firma e severa frente ao estado de coisas que se apresenta Haacute
segundo ele uma necessidade de rdquorestauraccedilatildeo dos costumes e das leisrdquo
(ALENCAR 2009 p106) E eacute papel de D Pedro II comandar este movimento de
centralizaccedilatildeo ldquoA flor do paiacutes se reuniraacute ao redor do trono Esse haacute de ser vosso
partido o grande partido nacional da regeneraccedilatildeordquo (ALENCAR 2009 p107) eacute o
movimento a que aludimos da tradiccedilatildeo inventada outro lugar no tempo em que
sendo ldquoo Brasil () menor haacute vinte anos poreacutem estava entatildeo mais alto porque na
sumidade que domina o trono brilhavam os grandes nomes de nossa histoacuteriardquo
(ALENCAR 2009 p112) Eacute ali que o modelo de monarquia parlamentar
constitucional brasileiro cria um momento ilusoacuterio de estabilidade de cuja substacircncia
segundo o missivista devem sair os novos partidos poliacuteticos Eacute o periacuteodo
demarcado nos vinte anos nos conduz a 1845 onde o partido conservador volta
novamente a direccedilatildeo do Estado O apelo ao princiacutepio moral fundador de uma naccedilatildeo
que deve ser representado pela figura do imperador como seu protetor perpeacutetuo
define o modelo para os novos partidos que a partir daiacute seriam criados Partidos que
soacute poderatildeo refletir nesse caso as direccedilotildees dadas pelo trono Natildeo haacute no discurso
de Alencar a existecircncia de um lugar fora da ideologia
332 AO POVO AO REDATOR DO DIAacuteRIO DO RIO DE JANEIRO (ALENCAR
2009 p114-220)
Em junho de 1866 Alencar inicia outra seacuterie de cartas agora endereccediladas ao povo
Apesar de tratarmos do gecircnero ldquocarta abertardquo e sua funccedilatildeo primordial seja a
informaccedilatildeo do ldquopovordquo (no caso de um grupo relativamente grande) determinar
assim o destinataacuterio pressupotildee que a seacuterie de cartas anteriores endereccediladas ao
Imperador formam um todo com o novo conjunto em que Alencar se propotildee a ser o
elo entre o povo e o poder (GRANSCI 1989) Como Alencar havia sugerido no
conjunto anterior das cartas o poder moderador ndash nas matildeos do Imperador ndash seria o
instrumento de representaccedilatildeo do povo Em suas palavras ldquoO poder moderador eacute o
eu nacional a consciecircncia ilustrada do povordquo (ALENCAR 2011 p75) Entatildeo eacute das
obrigaccedilotildees e dos limites do poder moderador que tratamos
A estrateacutegia eacute a mesma Inicia seu discurso profetizando o fim da forccedila vital que
sustenta a naccedilatildeo afirmando que houve um tempo em que se poderia esperar do
trono soluccedilatildeo para segundo Alencar tamanha calamidade que vem afligindo o paiacutes
A guerra do Paraguai segue com quantidade enorme de baixas e percebe-se a
tristeza dos ldquochefes das famiacutelias brasileiras () como pais que geram a prole para a
desgraccedilardquo (ALENCAR 2009 p128) Os gastos com a guerra trazem ldquoa miseacuteriardquo para
esse paiacutes de tantos recursos ldquoRumores surdos assomos de impaciecircncia das
classes inferiores circulam a cidade () tais ecos anunciam profundos
ressentimentos do espiacuterito puacuteblicordquo (ALENCAR 2009 p128) Alencar acusa ao
gabinete de indiferenccedila frente agrave situaccedilatildeo contando com a conivecircncia (passiva) do
trono o que gera insatisfaccedilatildeo por parte da populaccedilatildeo pelos rumos da guerra O
apelo direto a famiacutelia aqui eacute muito representativo Carlo Buacutessula (1997) lembra que a
famiacutelia - e o indiviacuteduo pertencente a tal famiacutelia - existem antes do Estado E que a
autoridade deste lhe eacute outorgada pela famiacutelia e pelos indiviacuteduos que a compotildeem O
vocaacutebulo naccedilatildeo ainda segundo Buacutessula eacute derivaccedilatildeo do latim ldquonatiordquo que
entendemos por nascer Refere-se a um conjunto das famiacutelias ndash e suas lideranccedilas ndash
nascidas em determinada regiatildeo constituindo um grupo social de certa
homogeneidade e que partilha de uma cultura um domiciacutelio uma condiccedilatildeo de
pertencimento Podemos observar mesmo em textos mais antigos como em
Aristoacuteteles (1998) a afirmaccedilatildeo de que o Estado eacute uma reuniatildeo de famiacutelias Daiacute
podemos estender o pensamento e considerar as bases legais (neste periacuteodo) para
um ldquopaacutetrio poderrdquo O liacuteder de uma famiacutelia com sua extensatildeo a parentes agregados
e escravos tem sua autoridade como senhor depois a autoridade material que se
apresenta tambeacutem em relaccedilatildeo a sua mulher e a procriaccedilatildeo dos filhos e a
acumulaccedilatildeo de riqueza para o sustento do grupo ao qual eacute responsaacutevel Chegando
mais proacuteximo as relaccedilotildees entre Estado e Famiacutelia e seu pertencimento a terra ao
domiciacutelio e a busca pela liberdade podem ser relacionadas com as lutas dos barotildees
na Idade Meacutedia com o rei Joatildeo sem terra pelo reconhecimento de seus direitos da
liberdade e da aplicaccedilatildeo da justiccedila Aqui temos um contiacutenuo processo histoacuterico e
poliacutetico de superaccedilatildeo e no mesmo tempo conservaccedilatildeo dessa comunidade natural
que culmina no Estado nacional como um resultado da vontade desta comunidade
(CHAUIacute 1997)
Da mesma forma que Alencar se dirigiu ao Imperador comenta ele agora se dirige
ao povo para que este se levante de sua letargia e por fim ldquoacorde para defender o
patrimocircnio sagrado de suas liberdades e gloriosas tradiccedilotildeesrdquo (ALENCAR 2009
p131) No momento se define como um arauto que iraacute ldquofalar ao povo brasileiro e
proferir verdades que ele nunca ouviu nem de seus ditadores nem de seus
tribunosrdquo (ALENCAR 2009 p131) O interessante ndash devemos ressaltar - eacute que natildeo
haacute uma seacuterie de cartas endereccedilada ldquoao legislativordquo ou mesmo ldquoao senadordquo Tanto
Hobbes quanto Locke e Rousseau ndash cada qual a seu modo ndash defendiam a presenccedila
do parlamento O movimento em Alencar parece passar do povo diretamente ao
imperador deixando ao largo as instituiccedilotildees democraacuteticas40 como no absolutismo
em que o trono justifica todas as suas accedilotildees despoacuteticas justificada como para o
bem do povo a revelia de uma constituiccedilatildeo abonando sua intenccedilatildeo como a de
ldquorenovar a alianccedila da realeza com a democracia Quero restituir o monarca e o povo
um ao outrordquo (ALENCAR 2009 p131)
A primeira estrateacutegia de Alencar eacute delimitar o que acredita ser o povo ldquopor povo
entendo o corpo da naccedilatildeo sem distinccedilatildeo de classes excluiacutedos unicamente os
representantes e depositaacuterios do poderrdquo (ALENCAR 2009 p133) Apesar da
distacircncia que o vocabulaacuterio rebuscado constroacutei do povo a fala eacute justificada Os
depositaacuterios do poder deixam de ser uma categoria do povo por estar distante diste
econocircmica e culturalmente distante mas por que os representantes Nas cartas ao
imperador a camada de poliacuteticos (representantes) era a chaga que deveria ser
extinta ndash pelo menos alguns mas a atividade representativa natildeo deve distinguir o
poliacutetico do povo pelo menos eacute o que sustenta No paraacutegrafo seguinte toma o tom de
paraacutebola anunciando que mesmo os de menor capacidade no seio do povo
poderiam compreendecirc-lo
Aos grandes como aos pequenos falarei a linguagem que me deu a natureza compreendam-me os capazes pelo raciociacutenio os ignorantes pela intuiccedilatildeo misteriosa que em todos os tempos haacute inoculado a verdade no seio das massas
Carecia dizer-vos estas coisas (ALENCAR 2009 p 133)
Alencar se potildee acima das instituiccedilotildees para anunciar que o povo como no
movimento de 1834 ndash e provavelmente atraveacutes das verdades que este lhes diraacute nas
proacuteximas cartas ndash eacute o agente da mudanccedila do paiacutes corrompido Eacute bom lembrar o
conteuacutedo ideoloacutegico que tais afirmaccedilotildees carregam
As Ideologias surgem normalmente em periacuteodos de crise quando a visatildeo do mundo dominante natildeo consegue satisfazer novas e pressionantes necessidades sociais e pedem imperiosamente aos proacuteprios seguidores uma transformaccedilatildeo total da sociedade ou um afastamento dela (BOBBIO
40 Natildeo trata aqui das habituais ldquovisitasrdquo que o Imperador recebia de seus suacuteditos pedindo
empregos pedindo vetos a algum projeto ou perdatildeo de diacutevidas O discurso de Alencar eacute
intencional e bem planejado Indica realmente uma criacutetica agrave intromissatildeo de D Pedro em
determinados assuntos de responsabilidade do parlamento
1998 p 588)
Alencar conclama o povo para que este busque com sua forccedila pressionar as
instituiccedilotildees e mesmo a monarquia na figura de D Pedro II a fim de encontrar
soluccedilotildees para os problemas que apresenta nas cartas A associaccedilatildeo feita pelo
primeiro conjunto (cartas ao Imperador) indica que ldquoo povordquo eacute tambeacutem responsaacutevel
e o discurso lembra sua soberania frente a seus representantes Como afirmamos
anteriormente uma das caracteriacutesticas da prosaiacutestica utilizada eacute a afirmaccedilatildeo de que
tudo depende de uma ordem interna e Alencar constroacutei por via do discurso tal
ordem O impacto que isso tem eacute provavelmente grande O espiacuterito conciliador do
brasileiro (CARVALHO 2007) jaacute comeccedila a ser construiacutedo junto com a estabilidade
vinda depois do periacuteodo regencial e o controle (para)militar das revoltas tendo seu
uacuteltimo suspiro na Revolta da Praia Todos detidos alguns assimilados vaacuterios mortos
e esquecidos a centralizaccedilatildeo eacute uma meta e esta segue o caminho ditado pela
Corte no Rio de Janeiro
Alencar natildeo deixa sequer por um momento de fazer a associaccedilatildeo da coroa com o
povo sendo ele a justificaccedilatildeo para o poder moderador ldquodevo agrave majestade popular a
mesma franqueza que usei com a majestade imperialrdquo (ALENCAR 2009 p134)
Critica a condiccedilatildeo da populaccedilatildeo que natildeo recebe respeito por parte do Estado
afirmando que ldquoo cidadatildeo natildeo vale na medida de seus direitosrdquo (ALENCAR 2009
p135) o que eacute inaceitaacutevel para a teoria liberal claacutessica que vem da busca pela
liberdade Alencar afirma que soacute os que detecircm algum poder econocircmico possuem
direitos civis A liberdade do povo natildeo eacute respeitada Fala da guerra que
aparentemente deve continuar e da situaccedilatildeo moral e econocircmica que esta constitui
O governo toma da liberdade do povo tomando-lhe ldquoa substacircncia da vida ndash o
sangue o fruto do trabalho ndash o suorrdquo (ALENCAR 2009 p136) A poliacutetica do
recrutamento forccedilado da populaccedilatildeo eacute o tema inicial que leva o povo para ldquoeste
abismo para sorver milhares de vidas e os recursos de talvez um seacuteculo de
existecircnciardquo (ALENCAR 2009 p137) O povo aceitou ldquoa guerra com dignidade ()
mas no acircmago da consciecircncia nacional estaacute latente a indignaccedilatildeordquo (ALENCAR 2009
p137) Alencar nessa carta explora as ideias do liberalismo claacutessico quando fala da
relaccedilatildeo do povo com o Estado A busca da liberdade civil e poliacutetica os impostos
forccedilados para a manutenccedilatildeo da guerra o direito a vida e a felicidade tatildeo caros agrave
Bentham e Mill Como eacute possiacutevel um recrutamento forccedilado e como eacute possiacutevel que
algueacutem ndash praacutetica comum ndash possa mandar um escravo em seu lugar para sal a paacutetria
na qual o escravo natildeo tem direito a cidadania
O povo ldquocordato e brioso almejava eacute certo pela mudanccedila de nossa poliacutetica no Rio
da Pratardquo (ALENCAR 2009 p137) Alencar sustenta que
a poliacutetica de intervenccedilatildeo fora sobretudo filantroacutepica exprimia a caridade internacional de um povo por seus irmatildeos dilacerados () [que] o Brasil natildeo precisa do territoacuterio de seus vizinhos pois o tem de sobra e ubeacuterrimo tambeacutem natildeo eacute essencial para seu bem-estar a paz e equiliacutebrio das repuacuteblicas americanas (ALENCAR 2009 p138)
Eacute o momento da indignaccedilatildeo mas Alencar natildeo chega admitir que concorda com a
poliacutetica da coroa para a manutenccedilatildeo do territoacuterio tanto com guerras internas como
defendendo a fronteira sul do Brasil contra o inimigo externo Apresenta em favor
deste uacuteltimo argumento a ideia de que havia pendencias em aberto com as
Repuacuteblicas do Prata e que enfim a guerra poderia ser a soluccedilatildeo Mas tal guerra foi
incentivada pelo governo brasileiro sendo um de seus episoacutedios a missatildeo chefiada
por Joseacute Antocircnio Saraiva em maio de 1864 o executivo ldquosem ter obtido da
assembleia geral com os meios essenciais a aprovaccedilatildeo legislativardquo (ALENCAR
2009 p142) decide pela guerra e a populaccedilatildeo deve arcar com as consequecircncias
do ato apelando para a honra da naccedilatildeo sacrificada Alencar afirma que o legislativo
natildeo toma providecircncias (exigi-las do executivo) para tentar evitar a continuidade da
guerra ocupando-se de discursos vazios de sentido ldquoenquanto o paiacutes estorteja
deleitam-se na compostura de frases perluxas e nos guizos de suas ocas palavrasrdquo
(ALENCAR 2009 p145 A falta de accedilatildeo do Estado cria situaccedilotildees de
constrangimento para o paiacutes como os episoacutedios da questatildeo inglesa que jaacute
anunciavam a falta de tato poliacutetico da administraccedilatildeo puacuteblica De certo ldquoa eacutepoca
infeliz que vamos atravessando natildeo eacute realmente outra coisa senatildeo um grande e
longo desvario da razatildeo puacuteblicardquo (ALENCAR 2009 p146) a quem Alencar culpa
enfim a ascensatildeo da liga progressista entatildeo no governo
A guerra que sustentamos eacute desde sua origem um tecido de incongruecircncias
e desacertos Soacute haacute em toda ela de nobre digno e consolador a intrepidez de nossos marinheiros e soldados Virtude espontacircnea do homem e do povo produziu-se independente do governo e apesar dos esforccedilos adrede empregados para abafaacute-la (ALENCAR 2009 p 146)
A administraccedilatildeo da guerra para Alencar leva a inuacutemeros problemas Como a falta
de uma resposta de forccedila as humilhaccedilotildees sofridas pelo paiacutes as frentes de batalha
que enquanto lutam em uma fronteira
deixam o governo ao desamparo e franca aos paraguaios outra e importante fronteira abandonando assim criminosamente Mato Grosso agrave ruiacutena e assolaccedilatildeo () [Depois da] rendiccedilatildeo de Uruguaiana que fizemos ainda para desafronta da dignidade nacional agravada (ALENCAR 2009 p149)
A lenta marcha do exeacutercito agraves margens do Paranaacute daacute tempo agraves tropas inimigas de
abandonarem o local onde permanecem os aliados Aos jornais eram enviadas
notiacutecias de batalha para segundo Alencar acalentar a impaciecircncia puacuteblica sobre os
seus Quando enfim se alcanccedila o campo paraguaio
avanccedilamos apenas duas leacuteguas em territoacuterio inimigo e estacamos Invasor queda-se o grande exeacutercito agrave sombra da esquadra e natildeo avanccedila um passo Criou raiacutezes ali nos charcos pestiacuteferos que envenenam diariamente nossos bravos soldados (ALENCAR 2009 p152)
Falta comando agraves tropas de terra e mar o que acarreta maiores perdas humanas e
econocircmicas Alencar critica o tratado da triacuteplice alianccedila e o comando das tropas
brasileiras por militares argentinos sob as ordens do presidente Mitre e a falta de
empenho para a ldquopuniccedilatildeo dos desacatos feitos agrave nacionalidade brasileirardquo
(ALENCAR 2009 p155) chegando mesmo a acusar o estado de fechar os olhos
frente aos assassinatos perpetrados no acampamento contra os soldados
brasileiros e natildeo exigiam a pronta e severa puniccedilatildeo do crime com receio de
estremecer a alianccedila Eacute bom lembrar que um dos traccedilos do conservadorismo eacute o
nacionalismo Um nacionalismo que tem em certa medida ligaccedilatildeo com a
democracia
Falando da liberdade de pensamento
() eacute forccediloso que o Brasil mantenha seu nome de naccedilatildeo culta e de segunda grande potecircncia da Ameacuterica () [poreacutem] a poderosa liberdade do pensamento garantida pela constituiccedilatildeo brasileira a voz solene e vibrante do povo natildeo eacute de nosso paiacutes A imprensa e a tribuna existem entre noacutes por mera complacecircncia (ALENCAR 2009 p158)
A censura eacute constante em publicaccedilotildees desde a imprensa reacutegia uacutenica instalada no
paiacutes quando da vinda da Famiacutelia Real mas com D Pedro II isso se abreviou muito
a ponto do republicanismo ser discutido publicamente em clubes e jornais O
problema segundo ele eacute a incapacidade do povo em compreender os problemas
visto que ldquoa populaccedilatildeo jaz na indolecircncia ou estaacute ainda em geral submergida na
ignoracircncia o pensamento natildeo pode livremente circular Por maior forccedila que o
revista ele natildeo penetra jamais a flaacutecida superfiacutecie da indiferenccedilardquo (ALENCAR 2009
p159) o que faz com que natildeo seja possiacutevel uma transformaccedilatildeo das condiccedilotildees
sociais Alencar cumpre seu papel de intelectual como nos mostra Gramsci
enquanto busca incentivar o debate poliacutetico para elevar intelectual e moralmente
camadas cada vez mais amplas da populaccedilatildeo ou seja para dar personalidade a
massa Mas o que se tem quando da posiccedilatildeo completamente externa que Alencar
toma frente agrave populaccedilatildeo ele nega uma praacutexis transformadora desta e acaba por
atualizar a ideologia Quando critica o parlamento por exemplo em
Quanta influiccedilatildeo tem no paiacutes a aluviatildeo de palavras que diariamente se despenha da tribuna parlamentar ou se espraia na imprensa
Que peso exercem no espiacuterito puacuteblico as liccedilotildees da sabedoria e experiecircncia do conselho dos anciatildeos ou a palavra magistral e ungida pela sinceridade de um veneraacutevel Itaboraiacute ou de um provecto Pimenta Bueno (ALENCAR 2009 p 159)
A alusatildeo aos parlamentares que defendem os direitos do povo natildeo visa uma
transformaccedilatildeo mas apenas uma mudanccedila no grupo da elite que estaacute no poder
Visto que ndash no caso ndash tais direitos satildeo concessotildees Natildeo haacute uma discussatildeo com a
populaccedilatildeo sobre suas necessidades haacute - como pudemos notar - a resoluccedilatildeo de
problemas com vistas aos interesses das elites como por exemplo no caso do fim
do traacutefico de escravos e a aboliccedilatildeo que soacute vem a acontecer quando as elites
diretamente ligadas ao problema o permitem Ainda se vecirc traccedilos de preconceitos
herdados de uma aristocracia portuguesa no texto como uma natildeo valorizaccedilatildeo do
trabalho que natildeo seja intelectual como quando adverte ser necessaacuterio que o Brasil
mantenha-se frente aos problemas da guerra como um paiacutes civilizado ldquoou entatildeo se
reduza a uma terra de mercadoresrdquo (ALENCAR 2009 p152)
Alencar adverte ainda que ldquoo governo descansa pois tranquilo a este respeito [da
liberdade de pensamento] imprensa e tribuna satildeo inocentes folguedos para o nosso
povo menino Brincando esse jogo de liberdaderdquo (ALENCAR 2009 p160) que leva
somente a um vazio de accedilotildees Ilustra seu argumento dizendo que a Franccedila e ndash
querendo imita-la a Pruacutessia brevemente ndash concede aos suacuteditos o voto universal
Para o autor o voto universal ldquoeacute uma teteia poliacutetica semelhante agrave nossa imprensa
livrerdquo (ALENCAR 2009 p160) O autor defende o modelo de restriccedilotildees ndash censitaacuterio
no caso ndash para o sufraacutegio o que eacute mais um iacutendice de que o ldquopovordquo a quem Erasmo
dirige suas cartas eacute restrito e que a liberdade natildeo eacute para todos E ele mesmo
justifica afirmando que se for da vontade dos ldquodominadoresrdquo qualquer atitude ndash ou
projeto de revolta ndash que saia do povo poderia ser controlada mesmo ele
Um exemplo Estas cartas parecem a alguns dos nossos senhores inconvenientes a outros extravagantes Nenhum deles poreacutem afianccedilo ousaraacute contestaacute-las E para quecirc Basta-lhes soprar na doacutecil consciecircncia dos sateacutelites e em breve um sussurro se derrama pela cidade Esse sussurro natildeo diz mas infiltra de uma banda que estou fazendo a propaganda do absolutismo da outra que provoco o povo agrave revoluccedilatildeo (ALENCAR 2009 160)
E confirma a seguir em outro paraacutegrafo sua afirmaccedilatildeo mostrando que seu texto
natildeo tem tanta infiltraccedilatildeo como a ideologia reinante
A verdade poreacutem eacute que tais infiltraccedilotildees subterracircneas da aleivosia no espiacuterito pensante do paiacutes satildeo mais poderosas que a palavra eneacutergica do escritor atirada agraves turbas A chama desta se apaga caindo de arremesso no chatildeo a faiacutesca da outra vai se propagando sempre e surdamente O povo lecirc pouco mas escuta muito o que se diz em voz submissa (ALENCAR 2009 p161)
Em suma segundo Alencar eacute preciso ofertar uma educaccedilatildeo para o povo de forma
que este tenha maior consciecircncia de seu papel o que eacute um traccedilo liberal e ao
mesmo tempo sugere que no decorrer do processo o povo seja tutelado enquanto
natildeo alcanccedila uma maturidade intelectual e poliacutetica uma proposta decididamente
conservadora Alencar afirma que o povo teve sua histoacuteria recente marcada pela
revoluccedilatildeo e pela opiniatildeo Em todos os movimentos revolucionaacuterios teve de arcar
com consequecircncias que restringiriam sua liberdade Em 1824 a revolta de
Pernambuco foi logo contida Como consequecircncia D Pedro I com sua constituiccedilatildeo
liberal profana a liberdade prometida e cria as juntas militares Em 1831 com a
revoluccedilatildeo na Corte o povo triunfa sem um combate armado e aderia ao jovem
imperador Em 1837 o paiacutes sucumbe agrave anarquia que o partido liberal - entatildeo no
poder - natildeo consegue conter sendo salva a naccedilatildeo ndash segundo ele - pelo partido
conservador Em 1840 a revoluccedilatildeo imperial e o partido que a promove logo se vecirc
retirado do poder Levantando-se Minas e Satildeo Paulo em favor do partido Liberal
logo foram vencidos e ldquodas cinzas da revolta nasceram todas as leis homicidas da
liberdade que hoje nos parecem opressivas e naquele tempo foram salvadorasrdquo
(ALENCAR 2009 p163) Em 1842 a liberdade comeccedila a declinar vendo seu fim
proacuteximo em 1848 A liberdade eacute uma ilusatildeo ldquosagaz eacute a oligarquia que domina o
paiacutes [porque consegue] manter o povo na doce ilusatildeo de que eacute livrerdquo (ALENCAR
2009 p165) e assim sustentar uma poliacutetica de dominaccedilatildeo opressiva e constante
Ao povo falta a consciecircncia que gera a opiniatildeo
Alencar relata o episoacutedio das tropas inglesas na guerra da Crimeacuteia e a presenccedila de
um repoacuterter do jornal ldquoTimesrdquo no acampamento Sua presenccedila por um momento
censurada depois foi aceita como forma de ligaccedilatildeo entre a opiniatildeo puacuteblica e o
comando da guerra o que por fim salvaria a honra da Inglaterra na batalha com o
relato fiel do que via em seu cotidiano no campo de batalha Mas no Brasil a critica
natildeo eacute assim Aquele que ousa levantar ldquoa voz para arguir os erros deploraacuteveis
cometidos em uma guerra infauta eacute logo coberto com o baldatildeo e o insulto Seja
banido da paacutetria esse reacuteprobo poliacutetico ()rdquo (ALENCAR 2009 p170) desacreditada
sua accedilatildeo Para que natildeo sejam criados embaraccedilos ao governo sustenta ldquonatildeo se
deve preferir uma palavra ou balbuciar um receio [sobre a administraccedilatildeo da guerra]
() Esta heresia se escreveu na imprensa de um Estado livre ecoou em uma
tribuna que ainda chamam parlamentordquo (ALENCAR 2009 p171) funcionando como
uma poliacutetica de Estado que tenta manter a consciecircncia do povo distante dos
acontecimentos Eacute o tatildeo conhecido medo da revolta popular que assombra as elites
desde antes da independecircncia e tambeacutem para encobrir
o esbanjamento dos dinheiros puacuteblicos a dissipaccedilatildeo das forccedilas do Estado o atropelo erigido em atividade a ineacutercia com foros de prudecircncia [chegando a tanto descaso que] depois de um esbanjamento louco dos dinheiros puacuteblicos natildeo ter canhotildees para bombardear o inimigo e a ele () natildeo faltam armas aperfeiccediloadas de longo alcance (ALENCAR 2009 p177)
Eacute tal a quantidade de erros observados que causam extremo desacircnimo ao paiacutes O
atual gabinete41 eacute um dos responsaacuteveis ndash senatildeo o maior ndash devido ldquoa incoerecircncia
levada agrave infantilidade as contradiccedilotildees incessantes a negaccedilatildeo eterna de si mesmordquo
(ALENCAR 2009 p186) enquanto um grupo coeso causado por intrigas e
desafetos novos e antigos entre seus membros a falta de certo cuidado para tratar
com as possiacuteveis reaccedilotildees aos acontecimentos Natildeo deixa de criticar D Pedro II
novamente por natildeo tomar providecircncias para que tais conflitos internos e do gabinete
com a cacircmara dos deputados tenham um fim e o porquecirc disso tudo que ldquoeacute um
assunto digno da seacuteria meditaccedilatildeo do povordquo (ALENCAR 2009 p188) A
administraccedilatildeo da guerra foi deixada nas matildeos de seus agentes enquanto o
gabinete diz ter nestes a sua confianccedila tal o eacute que se permitem deixar-lhes livres
para desenvolver suas taacuteticas militares confirmam os ministros Estes uacuteltimos
estariam mais preocupados ndash segundo Alencar ndash em defender tais atitudes frente
aos parlamentares Sentindo-se esgotado desabafa em tom increacutedulo ldquoSoacute no
Brasilrdquo (a interjeiccedilatildeo faraacute histoacuteria)
Soacute no Brasil Escapou-me a palavra Soacute nesta eacutepoca desgraccedilada em que o Brasil desapareceu para deixar o lugar ao impeacuterio da alucinaccedilatildeo e desatino soacute durante esta siacutencope da razatildeo social torna-se possiacutevel a existecircncia de semelhantes desvarios e a jactacircncia de os haver praticado (ALENCAR 2009 p 194)
Desvarios permitidos senatildeo pela coroa e pela passividade do povo ldquoO governo natildeo
quer saber do que se passa nem faz a miacutenima exigecircncia Delegou sua razatildeo seu
dever seu pundonor no aacuterbitro supremo da Triacuteplice Alianccedilardquo (ALENCAR 2009
p196) a quem o tesouro brasileiro auxiliou ateacute na compra de armamentos
D Pedro II se guiaria pela opiniatildeo puacuteblica medida na publicitaccedilatildeo dos atos do
governo pelos jornais E os jornais da Corte nos garante Alencar jaacute estatildeo todos nas
41 Presidido pelo Marquecircs de Olinda Dura de 12051865 a 03081866
matildeos do ministeacuterio os partidos conservador e liberal a muito natildeo detecircm espaccedilos
nessas miacutedias Mas o imperador ldquoreconhece e sente mais no iacutentimo a crise perigosa
que oprime o paiacutesrdquo (ALENCAR 2009 p201) mas eacute tolerante com o executivo em
sua forma de administrar a coisa puacuteblica mesmo por que veria uma dificuldade de
montar outro gabinete no conturbado periacuteodo que se atravessa onde o partido
conservador se recolhe segundo ele ao silecircncio e ao repouso
Na nona carta Alencar anuncia por fim a dissoluccedilatildeo do gabinete de 12 de maio e a
subida de Zacarias de Goacuteis vinculado agrave liga progressista em 02 de agosto O que
resultaria em nenhuma mudanccedila significativa na conduccedilatildeo da poliacutetica do Estado e
confirmaria a ldquocompleta identificaccedilatildeo da coroa com a poliacutetica vigenterdquo (ALENCAR
2009 p210) Volta ao gabinete Acircngelo Muniz da Silva Ferraz que teve
desentendimentos anteriormente com Caxias sobre a conduccedilatildeo da guerra e que
aprovara - tambeacutem como ministro da guerra ndash o tratado da Triacuteplice Alianccedila e ldquoos
outros escolhidos entre os mais dedicados aderentes da poliacutetica progressista
presidente ou chefes da maioriardquo (ALENCAR 2009 p213) sob a forma de uma
grande conciliaccedilatildeo Zacarias entatildeo liderando o gabinete em 1864 que daacute o
ldquoultimatum de 4 de agostordquo (ALENCAR 2009 p218) iniciando - por assim dizer - os
trabalhos na guerra do Paraguai eacute justo estar ele ali para dar-se um fim a guerra
sugere Alencar conclui essa seacuterie de cartas a 06 de agosto afirmando que acredita
no fim da passividade do povo brasileiro e que se afastaraacute por algum tempo para
ver os resultados conseguidos pelo atual gabinete Mas natildeo muito tempo
Um aparte eacute necessaacuterio para o comentaacuterio a carta endereccedilada ldquoAo Redator do
Diaacuterio do Rio de Janeirordquo (ALENCAR 2009 p114-123) uacutenica datada de 12 de
janeiro de 1866 A resposta de Alencar a criacutetica sobre suas preferecircncias pelo
absolutismo Eacute uma carta breve na qual natildeo nos deteremos
Alencar ndash depois de um breve alento sempre educado ndash indica o teor da conversa
com seu sempre generoso adversaacuterio o redator do Diaacuteriordquo adversaacuterio pois no
momento se encontram em posiccedilotildees opostas e como os ponteiros de um reloacutegio
apontam suas ideias em direccedilotildees diferentes
Alencar escreve ao redator em resposta a uma criacutetica que recebe - enquanto
Erasmo - pelo conteuacutedo das cartas Acusado de fomentador do absolutismo vai a
puacuteblico em defesa proacutepria Indica com seu estilo caracteriacutestico ter sido viacutetima de
acusaccedilotildees como
Sou nada menos do que - ltlt o crocodilo feroz do despotismo disputando a admiraccedilatildeo dos poucos creacutedulos que ainda restam e os tecircnues almejos do magnacircnimo coraccedilatildeo do rei insonegtgt A reticecircncia natildeo eacute minha sim do indignado escritor que some-se por ela e logo apoacutes surge para mandar-me literalmente ao diabo sob a conduta de Erasmo (ALENCAR 2009 p 116)
Eacute a antiga histoacuteria do feiticcedilo contra o feiticeiro Alencar se expotildee publicamente mas
como jaacute pudemos perceber ateacute mesmo pela anaacutelise de sua curta biografia natildeo
admite criacuteticas a seu trabalho Manteacutem-se distante em uma posiccedilatildeo decididamente
superior aos outros (decidida por ele) mesmo em se tratando de seus iguais Tenta
ao longo da carta melhorar sua situaccedilatildeo admitindo que
Estes ecos da imprensa partidos de vaacuterios pontos e condensados aos surdos rumores que burburinham nos ciacuterculos da Corte satildeo indiacutecios de uma crise salutar Anunciam eles que a pena de Erasmo natildeo fez a autoacutepsia de um cadaacutever operou sobre corpo vivo e robusto onde satildeo prontas as reaccedilotildees (ALENCAR 2009 p116)
Admite que o absolutismo esteja presente mas vindo das elites no poder e em seus
mecanismos de comunicaccedilatildeo como a imprensa E talvez certa complacecircncia de D
Pedro II com a situaccedilatildeo quando afirma que
O absolutismo Quem natildeo o vecirc Natildeo convive ele conosco Onde a minoria subjuga a maioria aiacute estaacute a tirania seja de um seja de muitos Repimpado nas poltronas ministeriais espreguiccedilando-se nos sofaacutes da assembleia pedante nas reparticcedilotildees puacuteblicas risonho e sedutor na imprensa empertigado nos fardotildees mostra-se em toda a parte esse Proteu da nossa poliacutetica (ALENCAR 2009 p 118119)
Afirma que em resposta a acusaccedilatildeo releu o conteuacutedo de suas cartas e natildeo encontra
motivos ali para tal O que apenas admite eacute que
Quero a constituiccedilatildeo como foi escrita natildeo como a aleijaram Na constituiccedilatildeo aparecem bem distintos os trecircs princiacutepios cardeais da monarquia representativa a Coroa o povo e o elemento intermeacutedio ou misto que em falta de melhor termo chamo aristocraacutetico (ALENCAR 2009 p120)
Afirmando que de sua postura criacutetica visa os povos livres Infelizmente a criacutetica soacute
pocircde ser feita (ou admitida) de um dos lados De qualquer forma como jaacute viacutenhamos
demonstrando no decurso das cartas algumas similaridades do texto de Alencar
com as ideias de Hobbes podem fazer com que o Redator do Diaacuterio natildeo perca de
todo sua razatildeo Eacute visiacutevel mesmo para os contemporacircneos que Alencar toma o
partido de uma intervenccedilatildeo forte do Imperador em detrimento dos direitos e da
liberdade da maior parte da naccedilatildeo
333 AO MARQUEcircS DE OLINDA AO VISCONDE DE ITABORAHY (ALENCAR
2009 p223-254)
A carta endereccedilada ao Marquecircs de Olinda (ALENCAR 2009 p243-254) entatildeo
presidente do conselho e ministro dos negoacutecios do Impeacuterio inicia com a objetiva
epiacutegrafe ldquovou te interrogar e tu me instruiraacutesrdquo42 (ALENCAR 2009 p243) e se dirige
ao marquecircs com toda a reverecircncia que o romantismo da uacuteltima fase lhe permite
Olinda teve participaccedilatildeo no processo de independecircncia havia sido regente e
ministro Era uma figura respeitaacutevel no cenaacuterio poliacutetico brasileiro Formado em
Coimbra fazia parte de um grupo ao qual Alencar acreditava estar tempo demais no
42 Natildeo pudemos deixar de notar o erro indicado pelo revisor da epiacutegrafe Pois bem A epiacutegrafe
em latim refere ao livro de Joacute 33-3 como ldquoCinge como um valente os teus lombos vou te
interrogar e tu me instruiraacutesrdquo O revisor prontamente corrige a referecircncia que estaacute na verdade
em Joacute 38-3 Mas se entendermos a epiacutegrafe como mais uma das armadilhas de Alencar a
referecircncia dada por ele (incorreta no caso) mostra em Joacute 33-3 uma resposta ao versiacuteculo
anterior ou mesmo um indicativo para a continuidade da leitura da epiacutegrafe onde se vecirc ldquoAs
minhas razotildees sairatildeo da sinceridade do meu coraccedilatildeo e a pura ciecircncia dos meus laacutebiosrdquo Que eacute o
apregoado pelo missivista desde as primeiras cartas ao Imperador Ele como o arauto da
verdade Mas se quisermos acreditar no radicalismo e perversidade do Alencar seguiremos ateacute
Joacute 33-33 onde se lecirc ldquo escuta-me tu cala-te e ensinar-te-ei a sabedoriardquo Para Alencar filho de
um padre e extremamente conservador eacute possiacutevel entender o jogo de relaccedilotildees com os versiacuteculos
como um iacutendice para o iniacutecio de uma criacutetica ferrenha ao Marquecircs Eacute interessante lembrar sem
pretender se extender em tal ponto (que natildeo cabe aqui devido as limitaccedilotildees do trabalho) nas
observaccedilotildees de Chartier (1999) sobre o texto como forma literaacuteria e sua impressatildeo todo o
processo que acompanha o texto ateacute alcanccedilar o seu suporte as intervenccedilotildees de tipografia
graacutefica editores e mesmo erros que afetam o texto A recepccedilatildeo eacute sempre algo que deve ser
observado junto a uma criacutetica do texto e natildeo como um simples derivado deste
poder Compara seu trabalho com o de Vasconcelos Joseacute Clemente e Paranaacute
invoca Evaristo Feijoacute e Vergueiro tecendo uma trama de modelos ideais na qual
tentaraacute capturar Olinda Se apresenta ao Marquecircs afirmando que seu ldquoempenho
sincero tem sido reparar os estragos do tempordquo (ALENCAR 2009 p244) buscando
e indicando caminhos para a administraccedilatildeo puacuteblica como em uma espeacutecie de
jornalismo criacutetico e investigativo Compara o poliacutetico em sua astuacutecia a Luiz XVIII de
Franccedila novamente consolidando o modelo europeu como marco de uma civilizaccedilatildeo
ldquomais avanccediladardquo cultural e politicamente mas tambeacutem aludindo ao seu longo tempo
de permanecircncia nos grupos entatildeo no poder E esta permanecircncia Alencar sugere
que eacute devida a capacidade de adequaccedilatildeo que possui o Marquecircs acompanhando a
mareacute dos fatos e acomodando-os agraves suas necessidades - como em decisotildees
polecircmicas como na partida de D Pedro II para Uruguaiana ou sobre a deposiccedilatildeo do
gabinete O tato poliacutetico que teria o Marquecircs lhe permite sempre estar em
consonacircncia com a opiniatildeo puacuteblica pelo menos com a parte elogiosa da opiniatildeo
Com certo tom de gracejo Alencar brinca com a idade avanccedilada do Marquecircs e
sugere que ele escreva uma biografia Biografia que estaria rica de assuntos e
informaccedilotildees poliacuteticas jaacute que ndash falando com uma ponta de sarcasmo conservador
sobre a mobilidade partidaacuteria no periacuteodo ndash o Marquecircs ldquohavendo pertencido a todos
os partidos modernos e antigos a datar da constituinte vossa autobiografia deve ser
um tesouro inexauriacutevel de liccedilatildeo e conselhordquo (ALENCAR 2009 p247) E qualquer
poliacutetico continua encontraraacute ldquonesse novo evangelho poliacutetico um tema um exemplo
uma epiacutegrafe para adornar sua doutrinardquo (ALENCAR 2009 p248) Mas Olinda
apesar da idade continua firme no poder aparentemente natildeo querendo abrir matildeo
disto como muito bem nos sugere Alencar ldquopara voacutes poreacutem natildeo chegou ainda o
tempo das memoacuterias estais com as matildeos na obrardquo (ALENCAR 2009 p248) em
todas as obras em que consegue esgueirar suas matildeos era o que queria dizer
Mesmo quando os resultados natildeo lhe satildeo promissores como em 1851 com o
episoacutedio do Prata
Em 1857 alude o partido conservador comeccedila a perder forccedila apesar da presenccedila
de lideranccedilas importantes que poderiam seguir com uma administraccedilatildeo competente
Tendo homens como o dissera ldquode talhe para a empresa uns pela ilustraccedilatildeo
outros pela popularidade Itaboraiacute Uruguai Euseacutebio Caxias Pimenta Buenordquo
(ALENCAR 2009 p249) natildeo consegue encontrar um norte com algum destes e ao
clongo de alguns anos o partido perde sua forccedila de combate
Olinda foi presidente do conselho de ministros e ministro em diversas pastas e
diferentes gabinetes Seu nome nos conta enche o livro do Segundo reinado ldquorara
eacute a paacutegina em que natildeo figure ele no alto Estreastes regente era natural que
acabaacutesseis vice-rei43rdquo (ALENCAR 2009 p249) Mas o paiacutes sofre por demais neste
momento e o Marquecircs eacute o signo (senatildeo o culpado) dessa administraccedilatildeo
equivocada incompetente oriunda de uma oligarquia irresponsaacutevel que lanccedila o paiacutes
na ldquocorrupccedilatildeo infrene o descreacutedito puacuteblico a ruiacutena das financcedilas o aniquilamento da
induacutestria e finalmente a guerra ladeada a uma pela vergonha e pela miseacuteriardquo
(ALENCAR 2009 p250) A paacutetria exige um esclarecimento que Olinda ponha a
matildeo na consciecircncia e admita ndash na impossibilidade de corrigi-los ndash seus erros a
quem lhe creditou agrave administraccedilatildeo O paiacutes sofre e Olinda dorme ldquoagrave sesta e consente
que os convivas de teu banquete tripudiem sobre meu corpo exacircnimerdquo (ALENCAR
2009 p252) Natildeo a paacutetria exige sua salvaccedilatildeo E o instrumento para tanto eacute ldquoo
mesmo que serviu em 1837 aiacute jaz atirado ao poacute e desdenhado Eacute o grande Partido
Conservador numeroso ateacute na imobilidade forte ainda no abandonordquo (ALENCAR
2009 p252) Olinda deve indicar ao monarca um novo gabinete constituiacutedo pelo
partido conservador Alencar acena para a permanecircncia de grupos no poder mesmo
com a mudanccedila de gabinetes e vertentes poliacuteticas onde lideranccedilas transitam pelos
dois lados - conservador e liberal ndash e adaptam suas ideias as correntes de
pensamento vigentes em cada momento
Na sequencia das cartas (ALENCAR 2009 p223-239) outro destinataacuterio ilustre tem
a sua vez O Visconde de Itaborahy - carta de Erasmo sobre a crise financeira
Homem probo poliacutetica e civilmente ldquoum dos poucos contra quem natildeo se atreveu
ainda a maledicecircnciardquo (ALENCAR 2009 p223) Esse fiel monarquista esteve por
um breve periacuteodo distante da militacircncia na reorganizaccedilatildeo de partidos e gabinetes
quando do periacuteodo da liga para retornar logo em seguida fortalecido pelos
descaminhos da administraccedilatildeo em uma defesa da instituiccedilatildeo imperial e dos
43 O uacuteltimo vice-rei do Brasil foi o Conde dos Arcos em 1808 O tiacutetulo impotildee certo respeito mas eacute
evidente que Alencar o toma em um tom jocoso
destinos do paiacutes em discursos inflamados no Senado junto agrave outros conservadores
Itaborahy comeccedila a carreira poliacutetica no partido liberal e tambeacutem como jornalista
Assume o ministeacuterio da marinha e em 1837 se transfere para o partido conservador
Foi deputado geral e presidente do Banco do Brasil causa pela qual a segundo
Alencar assustadora perspectiva econocircmica do paiacutes leva o missivista - cheio de
elogios - agrave pessoa do Visconde pedir conselhos a este sobre os rumos que a
administraccedilatildeo puacuteblica deveria seguir admitindo natildeo ter a necessaacuteria ciecircncia para o
assunto nem sequer pretende ldquoao tiacutetulo de disciacutepulo da escola que vos reconhece
por mestrerdquo (ALENCAR 2009 p225) mas se propotildee a analisar o momento de crise
iniciando pelos problemas com o creacutedito As duas espeacutecies de creacutedito indicadas
pelo analista satildeo o mercantil e o predial Os dois estatildeo como que envolvidos um no
outro como uma sustentaccedilatildeo de garantia muacutetua a que os bancos se remetem no
sistema implantado no Brasil E as transaccedilotildees financeiras ldquose prendem por
filamentos mais ou menos longos e tortuosos agrave lavourardquo (ALENCAR 2009 p227)
base da economia no momento O investimento hipotecaacuterio afugenta os capitais
particulares visto que o comeacutercio e a induacutestria inspiram maior confianccedila
considerados seguros e lucrativos por uma maioria Com a deficiecircncia do credito
predial atrelado a lavoura o comeacutercio vai a seu auxiacutelio na tentativa de achar certo
equiliacutebrio que natildeo acontece devido as diferenccedilas proacuteprias de cada modalidade44
O problema de conseguir creacutedito para as lavouras comenta eacute comum em vaacuterios
paiacuteses do mundo e natildeo seria diferente no Brasil mas a soluccedilatildeo para nosso paiacutes
determinada pelo governo associado ao Banco do Brasil eacute a de extravasar os limites
da emissatildeo bancaacuteria o que acarreta financiamentos impossiacuteveis de serem tolerados
pela grande maioria dos que dele necessitam A recente implantaccedilatildeo do sistema de
creacutedito cede lugar a problemas de imperiacutecia financeira e junto a isso certos abusos
praticados por integrantes da associaccedilatildeo comercial constroem com a imobilizaccedilatildeo
de grande soma de capitais um caminho para a derrocada do sistema Ao mesmo
tempo a lavoura tambeacutem atravessa uma crise com a escassez de matildeo de obra e a
introduccedilatildeo de teacutecnicas dispendiosas acrescidas da carestia de gecircneros e das
44 Alencar usa de seu conhecimento como advogado especializado em direito administrativo e
comercial para equilibrar a narrativa com os argumentos da economia e administraccedilatildeo puacuteblicas
uacuteltimas maacutes colheitas Tambeacutem o fato de estarmos em periacuteodo de guerra acarretou
dois fenocircmenos preocupantes o ldquoescoamento dos depoacutesitos bancaacuterios para o
tesouro [e tambeacutem a ] monetizaccedilatildeo do papel bancaacuterio como um meio sub-reptiacutecio
de fornecer recursos ao governordquo (ALENCAR 2009 p230) criando o que chamou
de uma moeda simboacutelica natildeo tendo reservas que os garantam
Anunciado esse quadro desolador (aqui simplificado) Alencar questiona o Visconde
sobre qual seria o remeacutedio visto que a crise se alastrara por todo o sistema
financeiro Alencar responde afirmando ser necessaacuteria a separaccedilatildeo do creacutedito
agriacutecola do mercantil chegando a sugerir agrave fundaccedilatildeo de um banco agriacutecola
brasileiro que aliviaria o Banco do Brasil de garantir suporte a avultada diacutevida
agriacutecola a impontualidade do agricultor no pagamento de suas diacutevidas resultado da
imprevisibilidade do sistema de colheitas e a constante oscilaccedilatildeo no valor da
propriedade rural A proposta de Alencar indica a emissatildeo pelo governo de apoacutelices
para o banco agriacutecola transformando o agricultor ndash ou seu qualquer portador ndash em
acionista Algo como uma auto gerecircncia do sistema em que uma hipoteca de terras
garantiria o saldo devedor Proposta avanccedilada para a eacutepoca aqui mais uma vez
podemos observar a distorccedilatildeo que se deu no Brasil para as propostas de
implantaccedilatildeo de uma poliacutetica liberal tendo o Estado que se tornar distante das
soluccedilotildees econocircmicas mas ao mesmo tempo garantindo um lucro faacutecil para uma
aristocracia Eacute o que vecirc aqui onde a grande propriedade foi formada pelo sistema
de distribuiccedilatildeo de sesmarias e seus proprietaacuterios como os da antiga colocircnia soacute
querem explorar sem ter que arcar com quaisquer diacutevidas ou prejuiacutezos Mas Alencar
condena-os afirmando que ldquoa lavoura natildeo pode esquivar-se a garantir o Estado
quando este contrai grandes compromissos para auxiliaacute-lardquo (ALENCAR 2009
p235) Os tempos satildeo outros mas seraacute que satildeo de verdade O governo durante a
mudanccedila proposta tambeacutem deve arcar com o prejuiacutezo dos tiacutetulos sem valor que
emitiu sendo alguns de empreacutestimos que ele mesmo cedeu No fim o prejuiacutezo eacute
sempre grande Alencar sustenta uma regulaccedilatildeo do mercado provavelmente
influenciado pelas ideias de Adam Smith em que o mercado consegue trabalhar
melhor sem uma interferecircncia direta do Estado (KENNY 1998) Smith entatildeo muito
em voga nos meios acadecircmicos mas para Alencar manter a criacutetica lhe falta alguma
experiecircncia como financista para o tratamento de assuntos tatildeo especiacuteficos o que
pode ter sido interpretado como arrogacircncia de jornalista Da carta fica a opccedilatildeo por
uma estrutura administrativa baseada nas ideias liberais de fomento a livre
empresa creacutedito bancaacuterio em uma tentativa de diminuir a intervenccedilatildeo contiacutenua do
Estado na economia segunde ele ateacute entatildeo necessaacuteria O que fica para a histoacuteria
poliacutetica eacute a questatildeo com a pressatildeo para ao fim efetivo do traacutefico de escravos e a
implementaccedilatildeo da matildeo de obra assalariada ndash qualquer que fosse esta imigrante ou
natildeo europeia ou natildeo ndash em todo o paiacutes quem arcaraacute com o custo final disso tudo o
Estado ou as elites entatildeo no poder
334 NOVAS CARTAS AO IMPERADOR (ALENCAR 2009 p257-389)
A uacuteltima seacuterie de cartas datadas de junho de 1867 e endereccediladas novamente ao
Imperador tem uma intenccedilatildeo bem menos louvaacutevel ndash em um comentaacuterio de Tacircmis
Parron (2008) - que eacute a defesa da escravidatildeo negra no Brasil aleacutem de retomar
temas como a guerra e a poliacutetica no paiacutes O exame do texto nos auxiliaraacute nas
afirmaccedilotildees Eacute bem verdade que na fala do trono de 1867 (cerimocircnia que abre os
trabalhos no parlamento) D Pedro II teria mostrado disposiccedilatildeo em resolver o
problema do elemento servil problema que se arrasta na necessidade de uma
soluccedilatildeo jaacute com seu pai assegurando o fim do traacutefico como uma das condiccedilotildees para
o apoio da Inglaterra a independecircncia do Brasil O imperador tambeacutem se sentindo
pressionado por uma elite intelectual europeia que via na escravidatildeo (neste
momento depois da guerra de secessatildeo talvez natildeo antes) um insulto ao modelo
de civilidade que pretendia o Brasil como uma naccedilatildeo moderna alguns destes
intelectuais e artistas satildeo muito caros agrave D Pedro II como no caso de Victor Hugo A
proposta seria resolver gradativamente sem ferir os interesses daqueles que ainda
atrelados agraves culturas de exportaccedilatildeo necessitavam de braccedilos para o trabalho
atentos a condiccedilatildeo de que a imigraccedilatildeo europeia ainda natildeo era um fato substancial
Bosi comenta que
Algumas atitudes poliacuteticas de D Pedro II pareciam indicar que embora hesitantemente ele passou do polo nacional-conservador para o polo nacional-reformista guiado pelo religioso respeito que lhe inspiravam as culturas inglesa e francesa (BOSI 2003 p 239)
Resta saber em que ponto da estrada D Pedro II teria pegado o bonde reformista e
ateacute onde este poderia levar-lhe O decliacutenio da monarquia o que sugerem alguns
comentadores como Boris Fausto (2001) e Faoro (2004) jaacute estaacute batendo nos
portotildees de Satildeo Cristoacutevatildeo Alencar como bom conservador que eacute defende os
interesses ndash mesmo que natildeo textualmente ndash da oligarquia agriacutecola escravista que
sustentava o paiacutes (leia-se o impeacuterio) com sua produccedilatildeo para exportaccedilatildeo Alencar
antevecirc em seu texto as mudanccedilas sugeridas pelos novos tempos em que o ldquonovo
liberalismordquo ndash termo de Joaquim Nabuco com quem Alencar travaria discussotildees
inflamadas - vai tomando conta do parlamento e a proposta de renovaccedilatildeo da matildeo
de obra por colonos europeus jaacute estava em debate apesar de ainda natildeo termos as
campanhas abolicionistas Mas em sua opiniatildeo tais mudanccedilas ndash que aconteceriam
inevitavelmente - precisam ser combatidas no momento visto que uma mudanccedila
draacutestica poderia trazer prejuiacutezos para as colheitas devido agrave falta de trabalhadores Eacute
o ideal conservador que deve ser salvo A proposta das cartas enquanto veiacuteculo de
divulgaccedilatildeo ideoloacutegico eacute esta chegar o mais longe possiacutevel e alcanccedilar a quantos
pudessem com as ideias conservadoras
Eacute pontual que coloquemos ndash diga-se assim - uma questatildeo ante a defesa do trabalho
escravo por Alencar e tambeacutem uma resposta agrave interferecircncia direta da coroa no
assunto jaacute que estariacuteamos sob a vigecircncia de uma monarquia constitucional
parlamentarista A posiccedilatildeo de Alencar eacute criticada no periacuteodo como ideia jaacute superada
Tavares Bastos eacute um exemplo jaacute aludia agraves melhorias na produccedilatildeo advindas do
trabalho assalariado que tatildeo bem estava no periacuteodo se adaptando e trazendo
frutos principalmente no Nordeste com peculiar atenccedilatildeo ao Cearaacute a terra do
Deputado Alencar (BOSI 2003) Eacute um sinal de que o missivista estava mais
preocupado com a corte do que com suas bases ou desconhecia deliberadamente
esses dados
A escravidatildeo eacute um ponto complexo visto que a instituiccedilatildeo desde a colocircnia permeia
praticamente todas as outras instituiccedilotildees De maneira geral observamos que
(hellip) toda pessoa com algum recurso possuiacutea um ou mais escravos O Estado os funcionaacuterios puacuteblicos as ordens religiosas os padres todos eram proprietaacuterios de escravos Era tatildeo grande a forccedila da escravidatildeo que os proacuteprios libertos uma vez livres adquiriam escravos A escravidatildeo penetrava em todas as classes em todos os lugares em todos os desvatildeos
da sociedade a sociedade colonial era escravista de alto a baixo (CARVALHO 2002 p20)
Alencar tem uma posiccedilatildeo particular sobre a escravidatildeo Quer acabar com ela mas
de forma lenta e segura sem arroubos libertaacuterios que pudessem trazer prejuiacutezos ao
Brasil Parece em alguns momentos um produtor rural paulista preocupado com
seu lucro em outros um tecnocrata arrecadador de impostos Nas novas cartas
poliacuteticas Alencar jaacute natildeo se apresenta - podemos dizer assim - ao Imperador Ele de
certa forma jaacute teria conquistado o seu ouvinte e tomado sua atenccedilatildeo Sua opiniatildeo jaacute
consegue certo respeito dos leitores enxergando-o natildeo apenas como um artista um
escritor de romances (como fazia o Cotegipe) mas como um poliacutetico combativo com
capacidade de influenciar um grupo importante atraveacutes da imprensa Eacute aqui que
podemos observar de maneira mais integrada as propostas liberais sendo
mescladas ao conservadorismo na defesa da escravidatildeo
Alencar nesse novo conjunto de cartas pocircde usar em suas criacuteticas de uma
ldquolinguagem [que] seraacute minimamente severardquo (ALENCAR 2009 p259) e que ele
mesmo admite ser talvez improacutepria para um suacutedito que se dirige ao soberano
A primeira das cartas trata da ameaccedila de abdicaccedilatildeo de D Pedro II O episoacutedio se daacute
devido agrave proposta de uma negociaccedilatildeo de paz com Lopes considerada interessante
ateacute por Caxias dando fim a longa guerra O imperador discorda Uma crise que
abala ldquonatildeo jaacute a cidade mas o impeacuteriordquo O texto de Alencar eacute brilhante
Seraacute real que vossos laacutebios selados sempre pela reserva e prudecircncia se abriram para soltar a palavra fatal Eacute possiacutevel que suacutebita alucinaccedilatildeo desvaire a tal ponto um espiacuterito soacutelido e reto Natildeo creio natildeo posso natildeo devo crer Recebendo a nova incriacutevel a populaccedilatildeo ficou atocircnita (ALENCAR 2011 p257-258)
A expressatildeo ldquopalavra fatalrdquo natildeo determina se o missivista estaacute falando da proposta
da abdicaccedilatildeo ou de seu posicionamento contra uma negociaccedilatildeo de paz com Solano
Lopes E continua com ldquo() a populaccedilatildeo ficou atocircnita () O espanto lhe embarga a
falardquo (ALENCAR 2009 p258) Somente quando vem aludir posteriormente a D
Pedro I que cita a palavra abdicaccedilatildeo
Rara vez e soacute em circunstacircncias muito especiais pode a abdicaccedilatildeo tornar-se um ato de civismo admiraacutevel D Pedro I vosso augusto pai logrou um lance destes que o consagrou heroacutei da paz e da liberdade Sua missatildeo estava concluiacuteda havia fundado a monarquia brasileira e criado um povo (ALENCAR 2009 p258)
Apesar do elogio D Pedro I eacute portuguecircs e figura inaceitaacutevel com suas ideias
absolutistas na naccedilatildeo que surge E o povo que D Pedro I cria eacute uma aristocracia
local que tenta desvincular-se de Portugal
D Pedro I era ldquoum obstaacuteculo uma anomalia A mais veemente das paixotildees
populares o patriotismo sublevou-se contra o princiacutepio estrangeiro encarnado na
sua pessoa O Sr Pedro II eacute americano [sic] como seu povordquo (ALENCAR 2009
p259) e a abdicaccedilatildeo seria um crime de lesa naccedilatildeo Seriam os rumos incertos da
guerra pergunta o missivista motivo para uma abdicaccedilatildeo Alencar acusa
duramente o Imperador de ser o responsaacutevel pela ldquotemeridade com que nos
precipitamos sem refletir em uma situaccedilatildeo irremissiacutevel dilema cruel entre a ruiacutena e a
vergonhardquo (ALENCAR 2009 p260) A guerra tem nele seu responsaacutevel Tu ldquofostes
o princiacutepio e sois a alma da guerra Vosso pensamento a inspirou vossa convicccedilatildeo
a alimentardquo (ALENCAR 2009 p260) em busca de uma vitoacuteria que significaria
Humaitaacute arrasado Lopes deposto e o franqueamento da navegaccedilatildeo ribeirinha mas
apesar de compreensiacuteveis as razotildees e do patriotismo brasileiro que ndash segundo ele ndash
tende a apoiar a guerra ldquonenhum homem tem o direito de arrastar sua matildee paacutetria agrave
ruiacutena para vatilde satisfaccedilatildeo de seus brios revoltadosrdquo (ALENCAR 2009 p261)
Alencar argumenta (lembrando-o) que o imperador natildeo pode agir como uma pessoa
comum que ele natildeo tem o direito do simples cidadatildeo que eacute o de ter uma opiniatildeo
que natildeo considere a naccedilatildeo em primeiro lugar A soberania soacute existe porque eacute dada
ao Imperador e seus atos satildeo justificados pelo cidadatildeo E esse contrato impede
mesmo que haja qualquer ideia de renuncia pois os atos do imperador satildeo os atos
de todos os cidadatildeos A honra do Imperador segundo ele eacute a honra da naccedilatildeo e a
partir do modelo de monarquia constitucional entatildeo vigente enquanto defensor
perpeacutetuo da naccedilatildeo
quando o povo entenda que chegou o momento de acabar a guerra e exprima seu voto pelos meios constitucionais haveis de pensar do mesmo modo senatildeo como homem infalivelmente como soberano Em voacutes estaacute encarnado e vivo o grande eu nacional (ALENCAR 2009 p263)
Alencar repreende o Imperador severamente determinando que ldquoqualquer que seja
o desfecho da guerra [ele natildeo teria] o direito de separar vossa dignidade da causa
nacionalrdquo (ALENCAR 2009 p264) Vecirc-se nas palavras de Alencar a defesa natildeo do
imperador nem mesmo da monarquia mas do principio constitucionalista liberal Jaacute
aqui se percebe uma criacutetica ao que Alencar indicava como omissatildeo mas era de
certa forma um caminhar que D Pedro II mantinha nos tracircmites da legalidade que a
proacutepria constituiccedilatildeo lhe impunha sabia onde colocar seus peacutes E apesar das criacuteticas
Alencar sabia que os atos do imperador natildeo pedem contestaccedilatildeo visto que a
representaccedilatildeo deste eacute coletiva e todas as verdades se alinham em seu nome (em
nome da soberania) D Pedro II sabia o que poderia fazer e ateacute aonde confrontar a
burocracia que a casa de Braganccedila lhe tinha deixado por heranccedila Em outros
tempos mesmo sem buscar referecircncias anteriores a D Pedro I o texto de Alencar jaacute
estaria sujeito ao silecircncio
Uma das constantes reclamaccedilotildees de Alencar eacute a da falta de notiacutecias da guerra no
sentido de previsotildees reais sobre o andamento dos trabalhos sobre a movimentaccedilatildeo
das tropas sobre enfim quando iraacute terminar o supliacutecio Segundo ele haacute por parte
do governo um velamento da realidade no campo para o puacuteblico existe uma
censura ndash senatildeo oficializada mas efetiva ndash sobre os reais rumos da guerra dada em
funccedilatildeo da relaccedilatildeo que os jornais tecircm com o gabinete ministerial E a falta de atenccedilatildeo
para tais assuntos junto a posiccedilatildeo equivocada frente agrave guerra estatildeo aiacute por culpa
de D Pedro II
Termina essa carta anunciando o erro do Imperador na fala de ldquoabdicaccedilatildeo quando a
senha do dia para todos os brasileiros e para voacutes primeiro que todos eacute dedicaccedilatildeordquo
(ALENCAR 2009 p274) O sarcasmo de Alencar brinca com os brios de D Pedro
II com seu orgulho de intelectual ndash tiacutetulo o qual preferia algumas vezes ao de
Imperador (SCHWARCZ 1999) ndash indicando que a imprensa do mundo inteiro o
proclama ldquoum saacutebiordquo e cita o artigo publicado nos jornais em que ldquoo presidente dos
Estados Unidos aludindo agrave franquia do Amazonas vos considerou entre os
primeiros estadistas do mundordquo (ALENCAR 2009 p277) o que provavelmente natildeo
aconteceria se este tomasse medidas protecionistas no paiacutes o que jaacute funcionavam
como uma poliacutetica de Estado desde os fins da guerra de Secessatildeo nos Estados
Unidos mas era duramente criticado por este para toda a Ameacuterica Latina eacute possiacutevel
que seja isto que Alencar quer dizer quando escreve logo a seguir que terminado
estaacute ldquoo tempo em que os povos eram instrumento na matildeo dos reis que os
empregavam para obter a satisfaccedilatildeo de suas paixotildees e a conquista de um renome
vatildeordquo porque aqui ldquorasga-se o manto auriverde da nacionalidade brasileira para
cobrir com os retalhos a cobiccedila do estrangeiro [Natildeo existe] para voacutes senhor outra
fama liacutecita e pura senatildeo aquela poacutestuma que eacute a verdadeira gloacuteriardquo (ALENCAR
2009 p278) e que dispor das reservas econocircmicas tanto quanto das pessoas de
forma displicente e buscando uma valorizaccedilatildeo pessoal eacute sinal de um despotismo
que jaacute natildeo cabe mais aqui Eacute o Alencar liberal que fala
A partir daqui Alencar passa depois de construir a narrativa em um tom duro de pai
que repreende o filho teimoso a falar da questatildeo da emancipaccedilatildeo mais diretamente
D Pedro II coloca a discussatildeo na pauta pela fala do trono e os progressistas ndash
chamados vacircndalos no texto de Alencar ndash a aceitam como uma plataforma Alencar
toma a proposta de emancipaccedilatildeo do escravo pelo menos para o momento como
um erro do Imperador Segue a referecircncia
Libertando uma centena de escravos cujos serviccedilos a naccedilatildeo vos concedera distinguindo com um mimo especial o superior de uma ordem religiosa que emancipou o ventre estimulando as alforrias por meio de mercecircs honoriacuteficas respondendo agraves aspiraccedilotildees beneficentes de uma sociedade abolicionista de Europa e finalmente reclamando na fala do trono o concurso do poder legislativo para essa delicada reforma social sem duacutevida julgais ter adquirido os foros de um rei filantropo (ALENCAR 2009 p280)
Alencar acreditava que o momento com a economia debilitada por conta da guerra
e tambeacutem por conta desta a falta de braccedilos para a constituiccedilatildeo de um sistema de
matildeo de obra diferenciado e sem o apoio ainda da prometida imigraccedilatildeo (apesar das
muitas propostas tanto de europeus como de asiaacuteticos nenhum projeto de vulto
havia sido executado) o paiacutes essencialmente agraacuterio se precipitaria no caus Os
argumentos de Alencar apesar de bem trabalhados sugerem mais suas ligaccedilotildees (e
preocupaccedilotildees) com a aristocracia rural do que propriamente com o povo afirmando
seu ideal de manutenccedilatildeo dos privileacutegios das elites em detrimento de medidas mais
imediatas Alega que a escravidatildeo eacute um fato social tendo como exemplo ldquoo
despotismo e a aristocracia como jaacute foram a coempccedilatildeo da mulher a propriedade do
pai sobre os filhos e tantas outras instituiccedilotildees antigas45rdquo (ALENCAR 2009 p282)
Argumentos que Alencar potildee no passado mas que reconhece presentes quando
trata deles em suas obras Eacute o direito a escravidatildeo como uma instituiccedilatildeo legal que
segue em sua argumentaccedilatildeo lembra que satildeo as naccedilotildees em suas leis que justificam
a escravidatildeo Que sob a lei haacute a justificativa e que ningueacutem pode ser obrigado a
fazer ou deixar de fazer algo a menos que isso esteja expresso na lei
Alencar lembra que a ldquoescravidatildeo caduca mas ainda natildeo morreu ainda se prendem
a ela graves interesses de um povo Eacute quanto basta para merecer o respeitordquo
(ALENCAR 2009 p283) O respeito que se daacute sustenta enquanto instituiccedilatildeo E
satildeo os progressistas com o apoio formal do imperador que tratam de desqualificar
a instituiccedilatildeo lanccedilando ldquoo odioso sobre as instituiccedilotildees vigentes qualificando seus
defensores de espiacuteritos mesquinhos e retroacutegradosrdquo (ALENCAR 2009 p283) Isto
em mateacuteria de reforma natildeo tem propriamente um fim eleitoreiro ndash ainda natildeo seria o
caso - mas tentando fortalecer outros grupos aos quais as ideias abolicionistas
vinham a calhar como os financistas e banqueiros que esperavam por um
liberalismo mais econocircmico e burguecircs que poliacutetico e aristocraacutetico Alencar se
protege como bom advogado enquanto defende a escravidatildeo sobre o vieacutes da lei
Para ele ldquoa escravidatildeo se apresenta hoje ao nosso espiacuterito sob um aspecto
repugnante Esse fato do domiacutenio do homem sobre o homem revolta a dignidade da
criatura racional Sente-se ela rebaixada com a humilhaccedilatildeo de seu semelhanterdquo
(ALENCAR 2009 p284) mas sua opiniatildeo natildeo pode prevalecer O missivista busca
o que seria a melhor alternativa para a economia do paiacutes jaacute prontamente
argumentada na carta ao Visconde de Itaborahy A instituiccedilatildeo da escravidatildeo eacute legal
e justa ldquoquando realiza um melhoramento na sociedade e apresenta uma nova
situaccedilatildeo embora imperfeita da humanidade () Neste caso estaacute a escravidatildeo ()
45 Jaacute eacute um comentaacuterio de Aristoacuteteles na poliacutetica
um instrumento da civilizaccedilatildeo como foi a conquista o municiacutepio a glebardquo
(ALENCAR 2009 p284) Eacute uma das fazes do desenvolvimento pelo qual passaram
diversas naccedilotildees
Sempre apelando para a histoacuteria europeia Alencar apresenta a escravidatildeo como ldquoo
primeiro impulso do homem para a vida coletiva o elo primitivo da comunhatildeo entre
os povosrdquo (ALENCAR 2009 p285) Ao menos admite adiante que possam parecer
estranhas tais proposiccedilotildees mas sempre sustentado pelo estudo de textos
canocircnicos46 (cita o Gecircnesis de Moiseacutes quando da admissatildeo da escravidatildeo pela
Biacuteblia) segue o argumento admitindo que por exemplo a escravidatildeo pela guerra
com a conquista dos povos haveria um constante holocausto infligido as sociedades
derrotadas Na Ameacuterica resultaria no extermiacutenio das populaccedilotildees indiacutegenas Mas
isso que aconteceu de qualquer forma um argumento injustificado
Alencar eacute um dos defensores da ideia de que a ldquoraccedila negrardquo eacute a que melhor se
adapta ao trabalho agriacutecola (apesar de afirmar que o colono portuguecircs aguenta
firmemente o trabalho dos troacutepicos) Sendo esta mais disponiacutevel e apta e ndash segundo
ele ndash baacuterbara e necessitando de um processo civilizatoacuterio que o tirasse da
selvageria aproveitando sua energia vital ldquopara lutar com uma natureza giganterdquo
(ALENCAR 2009 p289) Natildeo fosse a escravidatildeo ndash toma isso como um acaso
valoroso - a Ameacuterica ldquoseria hoje um vasto desertordquo (ALENCAR 2009 p289)
Alencar nos lembra do fato de que a moderna escravidatildeo ressurgida na peniacutensula
ibeacuterica - com o haacutebito de presentear o Rei com escravos negros - natildeo se estabelece
na Europa mas mesmo os ingleses franceses e holandeses portanto natildeo soacute os
portugueses e espanhoacuteis servem-se dela na colocircnia Adam Smith admitia a
escravidatildeo nas colocircnias inglesas ((WEFFORT 2001) Como se explica pergunta
ele ldquoessa anomalia de povos repelindo na metroacutepole uma instituiccedilatildeo que adotam e
protegem no regime colonialrdquo (ALENCAR 2009 p290) Tal pressatildeo internacional
a que comeccedila a ceder o Imperador eacute comum nesse periacuteodo e seraacute assim ateacute hoje
Carvalho (2007) estudando as atas do conselho de Estado do Impeacuterio comenta que
46
A igreja possuiacutea escravos negros e ara um grupo que natildeo se pronunciava ateacute entatildeo a favor da aboliccedilatildeo
apesar do modelo poliacutetico para o Brasil - de Inglaterra e Franccedila ndash serem uma
unanimidade entre os conselheiros chegando estes a citar de memoacuteria frases e
anedotas dos poliacuteticos mais conhecidos como o faz tambeacutem o Alencar o bom senso
prevalecia sobre o modelo e as accedilotildees poliacuteticas tomadas (sugeridas e votadas) ali
tinham uma real preocupaccedilatildeo com a realidade do paiacutes Mas o que observamos na
criacutetica de Alencar eacute que a realidade do paiacutes passava pelos interesses desses
mesmos grupos representados pelo conselho
A questatildeo a que se chega eacute a escravidatildeo jaacute teria cumprido seu papel no Brasil
Segundo Alencar natildeo E ele o afirma ldquocom a consciecircncia do homem justo que
venera a liberdade com a caridade do cristatildeo que ama seu semelhante e sofre na
pessoa delerdquo (ALENCAR 2009 p293) Para o bem de todos afirma ele ateacute mesmo
dos escravizados ainda natildeo eacute o tempo para a aboliccedilatildeo Mas os ldquotodosrdquo aqui
assinalados tecircm uma clara linha que distingue o escravizado do escravizador
Alencar natildeo chega a defender nem mesmo uma proximidade entre eles Usando o
discurso da etnia afirma que ldquoningueacutem desconhece todavia quanto eacute lenta essa
coesatildeo ou amaacutelgama de raccedilas Demanda seacuteculos e seacuteculos semelhante operaccedilatildeo
etnograacutefica e traz graves abalos agrave sociedaderdquo (ALENCAR 2009 p295) Mas ao
mesmo tempo com uma imigraccedilatildeo europeia e a amalgama o problema tambeacutem se
resolveria pois
Em trecircs e meio seacuteculos o amaacutelgama das raccedilas se havia de operar em larga proporccedilatildeo fazendo preponderar a cor branca Trecircs ou quatro geraccedilotildees bastam agraves vezes no Brasil para uma transformaccedilatildeo completa (ALENCAR 2009 p292)
O contato que Alencar defende eacute tatildeo somente social como forma civilizatoacuteria ldquoA
raccedila africana tem apenas trecircs seacuteculos e meio de cativeiro Qual foi a raccedila europeia
que fez nesse prazo curto a sua educaccedilatildeordquo (ALENCAR 2009 p310) A raccedila
branca diz ele ldquoembora reduzisse o africano agrave condiccedilatildeo de uma mercadoria
nobilitou-o natildeo soacute pelo contato como pela transfusatildeo do homem civilizadordquo47
(ALENCAR 2009 p296) Embranquecer seria um destino e uma meta a ser
cumprida para chegar-se enfim a uma futura civilizaccedilatildeo da Aacutefrica A soluccedilatildeo 47 Mesmo velado preconceito racial sempre houve no Brasil Nota-se em textos natildeo soacute de Alencar
mas de intelectuais como Silvio Romero e o proacuteprio Joaquim Nabuco (SKIDMORE 1989)
proposta eacute resolver a escravidatildeo pela absorccedilatildeo de uma raccedila por outra mas
aparentemente por outras as raccedilas e categorias sociais como o indiacutegena e o
imigrante pobre que chegaria em alguns anos Pois cada ldquomovimento coesivo das
forccedilas contraacuterias eacute um passo [a] mais para o nivelamento das castasrdquo (ALENCAR
2009 p296) ateacute o amalgama quando da geraccedilatildeo anterior findasse com a morte
mas sempre enquanto castas Sempre com uma marca social (in) visiacutevel que as
distinguisse
Chegado o termo fatal produzido o amaacutelgama a escravidatildeo cai decreacutepita e exacircnime de si mesma sem arranco nem convulsatildeo como o anciatildeo consumido pela longevidade que se despede da existecircncia adormecendo Mas antes do seu prazo quem fere mortalmente uma lei derrama sangue como se apunhalara um homem (ALENCAR 2009 p296)
Alencar usa como argumento que o escravo seria um inimigo se emancipado Os
povos que emanciparam seus escravos estavam em superioridade numeacuterica quanto
a estes e natildeo era o caso do Brasil Nos Estados Unidos do periacuteodo da guerra de
secessatildeo o norte tinha uma superioridade muito grande de homens livres sobre a
quantidade de escravos ao contraacuterio do sul o que os levaram a apoiar a
emancipaccedilatildeo Foi tambeacutem o caso da Inglaterra com suas colocircnias Libertar uma
quantidade tatildeo grande de escravos como haacute no Brasil de uma soacute vez pode criar
uma situaccedilatildeo de descontrole social alerta Alencar Comentando ainda sobre os
movimentos abolicionistas que vem se sucedendo na Ameacuterica Latina desde as
primeiras deacutecadas do seacuteculo XIX ndash o que aparentemente viria a reforccedilar a instituiccedilatildeo
nos paiacuteses que natildeo aderiram ao processo de emancipaccedilatildeo aleacutem de considerar que
a populaccedilatildeo escrava no Brasil consegue se reproduzir muito mais que em outros
paiacuteses O mais certo seria que a escravidatildeo natildeo se extinguisse ldquopor ato do poder e
sim pela caduquice moral pela revoluccedilatildeo lenta e soturna das ideiasrdquo (ALENCAR
2009 p306) E aparentemente sem muita pressa Mesmo porque haacute tambeacutem o
movimento contraacuterio do senhor de escravos que quer manter sua propriedade
O processo de emancipaccedilatildeo segundo ele jaacute se iniciou no Brasil a ponto de afirmar
que jaacute natildeo temos mais ldquoa verdadeira escravidatildeo poreacutem um simples usufruto da
liberdade ou talvez uma locaccedilatildeo de serviccedilos contratados implicitamente entre o
senhor e o Estado como tutor do incapazrdquo (ALENCAR 2009 p309) Cabe lembrar
que natildeo temos no periacuteodo um movimento abolicionista encapado pelos partidos ou
mesmo pela opiniatildeo puacuteblica Alencar lembra que quantidade de escravos eacute grande
demais para arriscar uma emancipaccedilatildeo por decreto
Trecircs seacuteculos durante a Aacutefrica despejou sobre a Ameacuterica a exuberacircncia de sua populaccedilatildeo vigorosa Calcula-se em cerca de quarenta milhotildees o algarismo dessa vasta importaccedilatildeo Nesse mesmo periacuteodo a Europa concorria para a povoaccedilatildeo do Novo Mundo com um deacutecimo apenas da raccedila negra (ALENCAR 2009 p292)
Alencar sugere que natildeo foi o Brasil do seacuteculo XIX que inicia o processo de
escravizaccedilatildeo nessas terras mas o Europeu o portuguecircs aacutevido de lucros com a
exploraccedilatildeo da colocircnia Exigir que se corrigisse um erro de uma hora para a outra eacute
uma sandice mesmo por que este (o europeu) espera ainda os produtos tropicais
com preccedilos baixos o que uma brusca mudanccedila no processo de produccedilatildeo natildeo
conseguiria manter o que acarretaria perdas tanto para os produtores como para os
mercados consumidores O escravo natildeo entrou na conta A passagem eacute
esclarecedora nesse sentido
O filantropo europeu entre a fumaccedila do bom tabaco de Havana e da taccedila do excelente cafeacute do Brasil se enleva em suas utopias humanitaacuterias e arroja contra estes paiacuteses uma aluviatildeo de injuacuterias pelo ato de manterem o trabalho servil Mas por que natildeo repele o moralista com asco estes frutos do braccedilo africano Em sua teoria a bebida aromaacutetica a especiaria o accediluacutecar e o delicioso tabaco satildeo o sangue e a medula do escravo Natildeo obstante ele os saboreia (ALENCAR 2009 p307)
Alencar explica que um necessaacuterio crescimento da populaccedilatildeo livre deve ser
incrementado para que a partir desta (sugere como a melhor forma a imigraccedilatildeo)
poderaacute haver a substituiccedilatildeo do trabalho escravo Nos Estados Unidos nos conta foi
assim Eacute a imigraccedilatildeo que colocaraacute uma nova ldquocorrdquo no paiacutes e lhe daraacute novo vigor E
coloca a culpa na Europa novamente por natildeo facilitar o envio de imigrantes para
nosso paiacutes Estes viriam de bom grado considerando mesmo ndash e ateacute como
argumento comparativo ndash a qualidade de vida aqui eacute bem melhor que laacute Na
verdade como afirma Prado (2001) os princiacutepios liberais erigiam a liberdade com
base em direitos do homem e natildeo pelo ponto de vista religioso Contestar a
escravidatildeo era tambeacutem contestar todo o antigo regime
A amaacutelgama de raccedilas proposta por Alencar tem por base o fluxo intenso de
imigrantes lusitanos para a Corte do Brasil a partir de 1850 com o fim do traacutefico de
escravos Por conta disso a populaccedilatildeo eacutetnica se altera mas o contingente
populacional se manteacutem praticamente o mesmo entre 1850 e 1872 ldquoa populaccedilatildeo
escrava diminui e a populaccedilatildeo lusitana quase dobrardquo (NOVAIS 1997 p30) Ainda
acompanhando este autor temos a indicaccedilatildeo de que ao fim da deacutecada de 1860
metade da populaccedilatildeo masculina da Corte era estrangeira vinda principalmente de
Portugal Alencar ainda coloca em um comparativo um operaacuterio europeu
trabalhando 12 15 18 horas soacute almeja a liberdade para tentar um outro caminho
que a cidade natildeo lhe oferece A ldquocondiccedilatildeo do nosso escravo comparada com a do
operaacuterio europeu eacute esmagadora para a civilizaccedilatildeo do Velho Mundo [essa liberdade]
eacute o meio um direito o fim eacute a felicidade48 e desta o escravo brasileiro tem um
quinhatildeo que natildeo eacute dado sonhar ao proletaacuterio europeurdquo (ALENCAR 2009p324)
O que se viu dando um breve espaccedilo ao tempo eacute que as criacuteticas de Alencar a
forma como o governo processa o problema da emancipaccedilatildeo (ou seria tambeacutem a
emancipaccedilatildeo a soluccedilatildeo do problema em outro ponto de vista) acabam encontrando
um espaccedilo vazio onde podiam criar raiacutezes visto que as promessas de aboliccedilatildeo no
fim da guerra de forma progressiva e por meio da estimulaccedilatildeo da emigraccedilatildeo ainda
estatildeo na forma como promessas no periacuteodo e a dificuldade de se encontrar uma
soluccedilatildeo (ateacute a aboliccedilatildeo completa claro) abrem precedentes para que o pensamento
de Alencar ndash se natildeo o mais eacutetico ndash acabe se apresentando como o mais coerente A
libertaccedilatildeo como o quer o governo sem um projeto que forneccedila condiccedilotildees de
inserccedilatildeo no novo projeto socioeconocircmico para o receacutem-libertado acabaraacute por
coloca-lo em situaccedilatildeo de miseacuteria caindo na mendicacircncia ou criminalidade A ideia
central de Alencar eacute que mesmo que haja aboliccedilatildeo geral e irrestrita se consiga
garantir que o escravo ldquose for libertado permaneceraacute em companhia do senhor e se
tornaraacute em criadordquo (ALENCAR 2009 p329) De qualquer forma para o senhor de
escravos na economia monocultora exportadora com um mercado flutuante
48 Natildeo eacute difiacutecil encontrar referecircncias aos textos do Utilitarismo de Jeremy Bentham em uma leitura
de Alencar
qualquer justificativa era boa contanto que a escravidatildeo natildeo terminasse naquele
momento nem em um futuro proacuteximo Nesse sentindo o argumento que Ilmar Mattos
(1987) defende eacute de que a relaccedilatildeo do Estado com os interesses da classe
ldquosenhorialrdquo faz com que a coroa assuma o papel de Partido ( nos termos de Gramsci)
natildeo se reduzindo assim agrave figura do Imperador que mesmo acuado pela criacutetica de
Alencar sabe que ele (e mesmo o missivista) satildeo peccedilas de uma organizaccedilatildeo mais
complexa dentro da sociedade Mas a coroa deve resolver tambeacutem os problemas
internos como convergecircncias e divergecircncias garantindo sempre que esta se
atualize
Como parte de um jogo de relaccedilotildees entre poliacuteticos e opiniatildeo puacuteblica eram
aplaudidos ateacute mesmo argumentos romantizados ao estremo como quando Alencar
defende que
A uacutenica transiccedilatildeo possiacutevel entre a escravidatildeo e a liberdade eacute aquela que se opera nos costumes e na iacutendole da sociedade Esta produz efeitos salutares adoccedila o cativeiro vai lentamente transformando-o em mera servidatildeo ateacute que chega a uma espeacutecie de orfandade o domiacutenio do senhor se reduz senatildeo a uma tutela beneacutefica (ALENCAR 2009 p113)
As soluccedilotildees que se propotildeem satildeo muitas mas uma breve reflexatildeo faz cair por terra
todo o conteuacutedo ideoloacutegico que estas carregam Uma situaccedilatildeo se daacute quando da
publicaccedilatildeo em marccedilo de 1868 tambeacutem de uma carta aberta endereccedilada ao
presidente do Conselho e lida perante a cacircmara dos deputados em fins do ano
anterior o Imperador declara abrir matildeo da quarta parte de sua dotaccedilatildeo Conta-nos
Alencar que a imprensa noticiando o caso ldquoem nome da opiniatildeo puacuteblica vos
retribuiu com bonitos e merecidos elogiosrdquo (ALENCAR 2009 p331) o ato que
busca devido agrave deficitaacuteria condiccedilatildeo do Estado auxiliar na organizaccedilatildeo da economia
senatildeo economicamente ao menos simbolicamente Notiacutecia que o parlamento
recebe com aplausos Alencar encontra aiacute uma possibilidade de contestaccedilatildeo do ato
afirmando ainda que natildeo aceita enquanto suacutedito e contribuinte tal donativo visto
que a dotaccedilatildeo natildeo eacute um ordenado pago ao Imperador e a famiacutelia real Eacute o ldquodecoro
do trono e a dignidade da naccedilatildeo como diz-nos a lei fundamental (art 108) que
determina a dotaccedilatildeordquo (ALENCAR 2009 p332) coisas de que este eacute depositaacuterio
enquanto representante da naccedilatildeo e natildeo proprietaacuterio Mais uma vez Alencar estaacute
assumindo a participaccedilatildeo do soberano no contrato O missivista usa seu
conhecimento do direito constitucional para denunciar as accedilotildees da coroa visando agrave
manipulaccedilatildeo ideoloacutegica do povo visto que tais atitudes propriamente simboacutelicas
como o ato de abrir matildeo da dataccedilatildeo (visto que os valores pouco ou nada influenciam
no ressarcimento das perdas do eraacuterio puacuteblico resultantes das uacuteltimas maacutes gestotildees
e dos custos com a guerra chegando mesmo Alencar classifica-las como migalhas)
satildeo uma forma de tranquilizar por meio dos jornais a opiniatildeo puacuteblica quanto a
realidade econocircmica por que passa o paiacutes e refrear as ameaccedilas de contestaccedilatildeo a
ordem estabelecida Sugere que se D Pedro II realmente quiser ajudar a naccedilatildeo que
seja
pondo um termo a esse esbanjamento desordenado que tem exaurido todas as reservas do paiacutes e vai sorver os uacuteltimos recursos do futuro natildeo satildeo os Vossos duzentos contos de reacuteis que vatildeo suprir o vaacutecuo aberto no orccedilamento por uma administraccedilatildeo imprevidente e desasada (ALENCAR 2009 p333)
Natildeo poderatildeo resolver o problema do Rio da Prata que garantiratildeo o creacutedito puacuteblico
ou evitaratildeo uma possiacutevel bancarrota do impeacuterio brasileiro Alencar entatildeo aconselha
que o Imperador continue fazendo uso do dinheiro em suas obras de caridade pois
a recusa dos valores soacute seraacute ldquoum foco de imoralidade e corrupccedilatildeo Carniccedila atirada
ao tempo que a podridatildeo logo decompotildeerdquo (ALENCAR 2009 p334) visto que tal iraacute
fluir para poliacuteticos corruptos e suas necessidades pessoais Se quiser ajudar o paiacutes
evitai que a administraccedilatildeo continue com a guerra que arruinaraacute enfim o paiacutes e
termina solicitando a demissatildeo do ministeacuterio ndash uacutenica soluccedilatildeo ndash como uacutenica forma de
salvar o Brasil e com sua integridade Eacute importante lembrar que D Pedro II conhece
bem a constituiccedilatildeo e apesar dos ataques de Alencar nunca toma uma atitude
defensiva eacute preciso registrar sua permissividade e respeito agrave liberdade de imprensa
como um traccedilo liberal mas como bem anuncia Alencar a criacutetica feita pela imprensa
natildeo encontra respaldo junto a opiniatildeo puacuteblica e as mudanccedilas natildeo satildeo
implementadas impossibilitando mudanccedilas na base administrativa o que pode ser
visto como um traccedilo de totalitarismo
Segundo Carvalho (2007) no modelo parlamentar que se desenvolve no Brasil o
parlamentarismo francecircs eacute a base apesar das constantes referecircncias ao
parlamentarismo inglecircs O gabinete ministerial eacute o elo entre a cacircmara e o imperador
a referenda do poder moderador A carta magna eacute influenciada pelas Constituiccedilotildees
francesa de 1791 e espanhola de 1812 e uma das mais liberais da eacutepoca Nesse
modelo eacute o gabinete que deve explicar-se com a cacircmara sobre os atos da
administraccedilatildeo puacuteblica evitando que se perceba algum resquiacutecio de absolutismo
Sem o gabinete o poder moderador instituiria um ldquodespotismo legalrdquo nas palavras do
senador Vergueiro (CARVALHO 2007) Eacute uma vitoacuteria dos liberais que tentam
garantir que D Pedro II reine e natildeo governe mas natildeo eacute assim que sempre funciona
O senado vitaliacutecio eacute a sombra do imperador - natildeo importando se eacute
predominantemente conservador ou abriga um e outro liberal moderado - que
manda e desmanda com sua influencia dentro dos partidos para garantir apoio a um
ou outro deputado do interior Eacute o tempo que iraacute solidificar as estruturas e o poder e
isto a cacircmara dos Deputados natildeo tinha para si A essecircncia do mecanismo eacute povo
dominado pelos poliacuteticos e poliacuteticos tutelados pelo imperador dentro do quadro
burocraacutetico instituiacutedo (FAORO 2004)
Zacarias de Goacutees e Vasconcelos defendia que o rei absoluto deveria ser distinguido
do rei constitucional natildeo cabendo mais o primeiro no seacuteculo XIX A garantia de
constitucionalidade dos atos do poder moderador estava na referenda feita pelos
ministros que prestavam contas agrave cacircmara O ministeacuterio deve contar entatildeo com a
confianccedila do parlamento Eacute um dado interessante que a maioria dos ministros saiacutesse
do senado e natildeo da cacircmara dos deputados o que garantia que as propostas
administrativas dos gabinetes estivessem mais afinadas com o modelo de governo
esperado pelo imperador O senador escolhido em uma lista triacuteplice apresentada ao
imperador eacute referendado por ele Natildeo havia nesse modelo formas de burlar o
domiacutenio da oligarquia ldquo() calccedilada na vitaliciedade no Senado e no Conselho de
Estadordquo (FAORO 2004 p 354)
A sexta carta datada de 23 de setembro de 1867 portando logo em seguida agrave
publicaccedilatildeo da carta anterior (o que permite aceitar que os textos sejam de certa
forma complementares visto a dificuldades de comunicaccedilatildeo com as frentes de
batalha) que tem a data de 20 de setembro Intitulada estaacute como uma carta ldquosobre a
guerrardquo e visto que a guerra eacute assunto presente em todas as cartas eacute preciso deter-
se um pouco no assunto Alencar inicia seu argumento afirmando de forma
progressiva que ldquoa paz eacute uma grande vergonha () a paz eacute um ato de miseacuteria
() a paz eacute uma vilaniardquo (ALENCAR 2009 p343) mas que o momento torna a
guerra algo insustentaacutevel Culpa o ministeacuterio por natildeo conseguir mais alistar homens
para a batalha e com a consequente falta de braccedilos para a lavoura a economia se
retrai dia apoacutes dia pois o escravo negro cada dia mais eacute presente nas fileiras da
guerra O alistamento feito para a guerra a princiacutepio voluntaacuterio comeccedila a encontrar
resistecircncia O governo forccedila o alistamento e o alistado poderia mandar um escravo
em seu lugar Eacute um impasse complexo para o liberalismo no Brasil Como pode
algueacutem que natildeo dispotildee de sua liberdade ndash nem disporaacute ndash pode lutar pela liberdade
Aproveita ainda o Alencar para dar alfinetadas nos liberais por meio da figura de
Zacarias de Goacuteis afirmando que o temor da guerra (ou mesmo de se responsabilizar
por seus rumos que seria efetivamente o caso) afasta a possibilidade de outro
partido tomar as reacutedeas da politica nacional garantindo a permanecircncia do partido
liberal no poder Critica veementemente a situaccedilatildeo de alistamento de escravos ndash
alguns cedidos por seus senhores para que combatam por eles - no exeacutercito regular
A questatildeo eacute como algueacutem que natildeo goza da liberdade pode lutar pela liberdade
ldquoPor entusiasmo espontacircneo esposando a causa de seus senhoresrdquo (ALENCAR
2009 p350) afirma Sua sugestatildeo eacute que se decirc fim agrave guerra pelo menos por
enquanto para que se resolvam os maiores problemas que satildeo os da poliacutetica
interna comeccedilando pela reorganizaccedilatildeo (ou deposiccedilatildeo claro) do gabinete e o
problema da escravidatildeo e completa consagrando seu momento maacutegico no tempo
a afirmaccedilatildeo de que soacute assim ldquoo paiacutes haacute de recuperar as forccedilas inertes os brios
abatidos O impeacuterio seraacute outra vez o Brasil da independecircncia o Brasil de 1851rdquo
(ALENCAR 2009 p354) Pronto para dar uma soluccedilatildeo os problemas do paiacutes
afirma somente o partido conservador Este ldquonatildeo tem a cumplicidade desta guerra
natildeo o tolhem compromissos do passado Entraria no poder com a imparcialidade do
juiz [e com] bastante civismo para arrostar as dificuldades da guerrardquo (ALENCAR
2009 p355) Um pouco de partidarismo ao fim da carta faz bem o estilo de nosso
missivista
O intervalo entre a penuacuteltima carta publicada em 23 de setembro de 1867 e a Uacuteltima
Carta49 datada de 15 de marccedilo de 1868 eacute grande se comparado ao restante do
conjunto Uma nota ao final (indicada como post-scriptum) assinala que ldquomotivos
imperiosos retardaram a publicaccedilatildeo desta cartardquo (ALENCAR 2009 p389) O uso do
termo ldquoimperiososrdquo eacute um indicio que pode se referir agrave condecoraccedilatildeo oferecida ao
Alencar pelo Imperador no ano de 1867 o oficialato da Rosa pelos serviccedilos
prestados ao paiacutes por meio da literatura Com seu habitual jeito mal educado
Alencar recusa a comenda e D Pedro II consegue uma inteligente cartada de
manipulaccedilatildeo aceitando desta forma as criacuteticas e tirando o Alencar do centro do
universo O episoacutedio da comenda oferecida sem que haja qualquer pretensatildeo de
agradar (assim o diz) ao Alencar mostra publicamente que haacute na figura do
imperador um interlocutor para as cartas E que este sabe muito bem o que lecirc e
sabe tambeacutem responder quando necessaacuterio for
Inicia Alencar aludindo a seu recolhimento explicitando o motivo na ideia de que
tambeacutem a situaccedilatildeo parece ter tido uma pausa Eacute o periacuteodo de encerramento do
trabalho das cacircmaras em Janeiro Caxias assume o comando das tropas aliadas
Alguns rumores correm a cidade conta de que o ministeacuterio pretende mudanccedilas e
encontra certa resistecircncia de D Pedro II A verdade segundo ele eacute que a situaccedilatildeo
deve ter fim A corrupccedilatildeo toma conta do Estado e natildeo se consegue uma
intervenccedilatildeo estando todos preocupados com a guerra natildeo se enxerga a corrupccedilatildeo
na administraccedilatildeo do Paiacutes Alencar sugere que a devassidatildeo que se daacute soacute terminaraacute
quando a consciecircncia do povo mudar ou quando o paiacutes natildeo tiver mais o que ser
corrompido
O corretivo da desmoralizaccedilatildeo sairaacute de seu proacuteprio seio quando natildeo haja mais nada a corromper e a dissoluccedilatildeo tenha-se operado no paiacutes todo entraremos necessariamente no periacuteodo embrionaacuterio de uma nova existecircncia poliacutetica em uma era de reorganizaccedilatildeo (ALENCAR 2009 p358)
Essa visatildeo pessimista tem um pouco de rancor por conta da manobra da comenda
oferecida ao missivista pelo Imperador mas natildeo deixa de levar em conta a proposta
de que agora com as mudanccedilas na direccedilatildeo da Guerra do Paraguai esta encontre
49 Intitulada ldquoUltima cartardquo Alencar dava por fim seu projeto
seu termo e tenha um fim o deacuteficit puacuteblico (que soacute se ampliava e seguiria D Pedro II
ateacute sua deposiccedilatildeo em 1889) e que agora eacute o momento em que D Pedro II natildeo deve
intervir A escolha por Caxias sugerida ateacute mesmo por Alencar poderia mudar os
rumos ateacute aqui e jaacute havia os rumores de que finalmente o Imperador iria ceder aos
apelos do Conde Drsquoeu ndash marido ldquoestrangeirordquo de Isabel ndash para que o enviasse ao
Paraguai e virasse tambeacutem um heroacutei do Brasil (ou encontrasse alguma atividade
qualquer para sua real pessoa) O interesse na guerra chega a ser observado por
Isabel em carta recolhida por Schwarcz No recorte Isabel indica seus medos
Papai me disse que a paixatildeo eacute cega Que a sua paixatildeo pelos negoacutecios da guerra natildeo o tornem cego Aleacutem disso Papai quer matar o meu Gaston Feijoacute recomendou-lhe muito que natildeo apanhasse sol nem chuva nem sereno e como evitar-lhe isso quando se estaacute na guerra (SCHWARCZ 1999 p 485)
Alencar natildeo estava errado haja vista as opccedilotildees que tinha o Imperador em sua
famiacutelia Mas seu conselho eacute a cautela Resolve nesta uacuteltima carta fazer um
apanhado de suas criacuteticas citando o problema da especulaccedilatildeo financeira que
ldquoassalta a riqueza puacuteblica e particular que potildeem em siacutetio todos os interesses
legiacutetimos da sociedaderdquo (ALENCAR 2009 p368) O avanccedilo dos progressistas
dilapidando as bases do governo estruturadas em um modelo de democracia que se
baseia na disputa entre os dois partidos entatildeo majoritaacuterios o liberal e o conservador
a inexperiecircncia dos parlamentares e demais dirigentes chamados por ele crianccedilas
as quais ldquoquase que saiacuteram dos cueiros para as cadeiras da Cacircmara dos Deputados
e para as poltronas ministeriaisrdquo (ALENCAR 2009 p369) lembrando a situaccedilatildeo do
golpe da maioridade com que D Pedro II chega ao poder quando afirma que ldquovoacutes
sabeis senhor e ningueacutem melhor do que voacutes que moralmente eacute a verdaderdquo
(ALENCAR 2009 p369) Critica a gastanccedila e a dilapidaccedilatildeo do tesouro a
depravaccedilatildeo dos costumes e da ordem puacuteblica afirmando que o gabinete eacute corrupto
e que tal corrupccedilatildeo se espalha com o conhecimento e por vezes o apoio da casa
imperial quando permite ldquolanccedilar agraves enxurradas tiacutetulos e condecoraccedilotildees por todo o
paiacutes [onde] com dois contos de reacuteis um aventureiro se condecorava com a fita que
voacutes trazeis ao peito como gratildeo-mestre das ordens brasileirasrdquo (ALENCAR 2009
p370) tatildeo somente com o intuito de captaccedilatildeo de dinheiro Culpa novamente o
Partido Progressista como o verme que destroacutei o paiacutes se vende ao comeacutercio e ldquoo
comeacutercio satildeo alguns indiviacuteduos ou mais atilados ou mais decididos que dirigem o
pensamento dos outrosrdquo (ALENCAR 2009 p371) aprovando ideias projetos e
mudanccedilas na poliacutetica
A situaccedilatildeo do periacuteodo na opiniatildeo de Alencar natildeo eacute de tranquilidade e
desenvolvimento mas de corrupccedilatildeo e descontrole As figuras que aviltam o paiacutes e
estatildeo por toda a parte seguem na narrativa satildeo eles
o parlamentar sem escruacutepulos nem convicccedilotildees que se faz servo de todos os governos () o poliacutetico cheio de cobiccedila que errou sua natural vocaccedilatildeo de agiota () o ministro que para conservar-se no poder natildeo duvida associar-se a indignos instrumentos () o funcionaacuterio puacuteblico sem dignidade ()o negociante que em vez de desenvolver sua atividade no campo livre da induacutestria anda farejando pelas cercanias do poder algum pingue contrato de fornecimentordquo (ALENCAR 2009 p 373-374)
Todos estes constituem o conjunto de forccedilas que atuam dentro do sistema
correndo-o A soluccedilatildeo seria um processo de moralizaccedilatildeo do Estado Por outro lado
sendo atingida em seus preceitos a famiacutelia que ldquoassiste sem querer a essa
representaccedilatildeo da comeacutedia perigosardquo (ALENCAR 2009 p374) que seria o uacuteltimo
refuacutegio da moralidade e a base da sociedade se sente ameaccedilada Cabe lembrar
que essa recusa de Alencar em aceitar mudanccedilas na estrutura dos partidos natildeo
condiz com o pensamento liberal (KENNY 1998) Segundo Alencar
O domiacutenio progressista devido agrave vossa niacutemia complacecircncia natildeo atuou unicamente sobre a poliacutetica sua decidida influecircncia na sociedade na vida privada estaacute bem patente As maacuteximas de governo adotadas nestes uacuteltimos tempos foram insinuando na domesticidade do cidadatildeo ideias e tendecircncias ateacute agora desconhecidas (ALENCAR 2009 p 373)
A deturpaccedilatildeo dos valores morais do ser humano eacute reconhecida nos personagens da
famiacutelia No pai no marido no filho que assistem a tudo e ndash se natildeo se reconhecem ndash
se inspiram A instituiccedilatildeo forte ldquoque repelia com indignaccedilatildeo as mais brilhantes
seduccedilotildees do mal agora flaacutecida e lacircnguida recebe quanto lhe deitam amolda-se a
qualquer pressatildeordquo (ALENCAR 2009 p374) E este eacute o retrato que se ldquoobserva em
geral na vida domeacutestica deste paiacutes Eis o segredo de todas estas defecccedilotildees de
caracteres que diariamente registra a opiniatildeo puacuteblicardquo soacute se tem apreccedilo pelo
dinheiro a cobiccedila ao ldquolar brasileiro onde outrora pendiam com as alegrias da
famiacutelia os penates da religiatildeo e do amor [agora] soacute haacute presentemente um iacutedolo o
bezerro de ourordquo (ALENCAR 2009 p377) E que ouro Eacute ali que ldquotodos os dias se
formam almas progressistas que devem mais tarde substituir os corifeus da
atualidaderdquo (ALENCAR 2009 p377) A moral base da sociedade estaacute subvertida
Vale lembrar que o argumento eacute legal A moral catoacutelica pregada eacute a ordem presente
para todos e assumida na lei dentro do projeto conservador de Alencar Mesmo o
herdeiro do trono jaacute rezava a constituiccedilatildeo poliacutetica do impeacuterio do Brasil de 1824 no
juramento que prestaria perante o senado ao aniversaacuterio de quatorze anos como
indica o artigo 106 se comprometia a manter a religiatildeo Catoacutelica Apostoacutelica Romana
observar a Constituiccedilatildeo Politica da Naccedilatildeo Brasileira e ser obediente aacutes leis e ao
Imperador
Voltando ao texto a sugestatildeo de Alencar eacute a de civilizar o negro ndash influecircncia
perniciosa dentro da famiacutelia - pelo trabalho e em seu contato com o branco - a ldquoraccedila
cultardquo O escravo domeacutestico eacute aquele que estaacute mais proacuteximo dos patrotildees do contato
direto com o branco partilhando de seus segredos seus problemas e suas
deficiecircncias Conhece o cotidiano da casa e partilha de um espaccedilo de limitaccedilotildees
com mulheres e crianccedilas entes de menor valor na sociedade patriarcal do seacuteculo
XIX Natildeo eacute nunca um igual algueacutem que partilha dos mesmos direitos de seus
senhores Eacute sempre um ser inferior que nunca mereceria ser elevado a dignidade
de seus senhores Gorender (2002) nos conta que Thomas Jefferson que foi o
redator da declaraccedilatildeo da Independecircncia dos Estados Unidos segundo a qual todos
os homens satildeo iguais era um grande proprietaacuterio de escravos e natildeo via nenhuma
incoerecircncia nisto pois julgava que os negros pertenciam a uma raccedila de inteligecircncia
inferior Eacute como se Alencar abraccedilasse o princiacutepio juriacutedico baacutesico de diferenciaccedilatildeo
entre naccedilatildeo e populaccedilatildeo onde sua defesa do liberalismo se refere a naccedilatildeo
brasileira e como se a escravidatildeo referisse aos elementos da populaccedilatildeo ndash os
desvinculados a naccedilatildeo brasileira mas de nacionalidade africana transportados para
o Brasil por meio da escravidatildeo Todos dentro de um mesmo territoacuterio mas com
realidades diferentes determinadas pela lei
Tornando ao texto percebe-se aqui uma associaccedilatildeo da cultura negra cooptada
para ldquodentrordquo da famiacutelia e nas relaccedilotildees do patriarcado em oposiccedilatildeo ao elemento
externo tanto o europeu (inglecircs ou portuguecircs ou outro mais) que se estabelece e
passa a usufruir das condiccedilotildees propiacutecias que a coroa ainda permite como o
imigrante com seus valores e idiossincrasias um elemento externo agrave famiacutelia mas
totalmente associada ao contexto das relaccedilotildees econocircmicas do periacuteodo Alencar
sugere uma escolha entre a escravidatildeo e a imigraccedilatildeo os dois males presentes e ao
mesmo tempo as duas soluccedilotildees possiacuteveis para a manutenccedilatildeo tanto do trabalho
como das elites
Podemos admitir que o Rio de Janeiro do periacuteodo se caracteriza como uma
sociedade onde o maior distanciamento social se manifesta com a maior
proximidade social entre os pares senhorescravo (CHARTIER 1999) e eacute a proacutepria
concepccedilatildeo ndash ou usufruto ndash da liberdade que os diferencia Um caso particular eacute o do
escravo domeacutestico Um escravo domeacutestico natildeo eacute um trabalhador do campo um
escravo do eito ndash diretamente ligado agrave produccedilatildeo Pertence ao mundo urbano ao
ambiente da casa-grande e natildeo da senzala O tratamento modelar que propotildee
deriva da questatildeo para a adaptaccedilatildeo do modelo econocircmico escravo para o trabalho
livre a partir da demanda criada pela cidade com novos empregos devido ao
desenvolvimento do capitalismo O modelo que propotildee seria para um escravo da
cidade se adaptar as relaccedilotildees econocircmicas dali para a constituiccedilatildeo talvez de um
proletariado urbano enquanto a massa de matildeo-de-obra agriacutecola permaneceria da
mesma forma enquanto conviesse ao produtor rural ao Senhor de escravos E a
transformaccedilatildeo do modelo deve ser tambeacutem tutelada e monitorada pela Elite Alencar
defende veementemente a tutela posterior do escravo liberto pelo antigo senhor Em
Alencar mesmo que haja o fim do viacutenculo da escravidatildeo os laccedilos criados
permanecem com a tutela e a manutenccedilatildeo da matildeo de obra No fim nada muda
nem mesmo as condiccedilotildees de trabalho O elemento branco masculino europeu
cristatildeo se torna tambeacutem aqui no Brasil o modelo a ser seguido e obedecido
mesmo porque a percentagem de escravos na cidade natildeo era pequena Novais
(1997) informa que a Corte abriga em 1849 em nuacutemeros absolutos a maior
concentraccedilatildeo de escravos urbanos no mundo desde o impeacuterio romano Em 1850
de um total de 206 mil habitantes em aacuterea urbana 79 mil (portanto 36) eram
escravos Sabemos que os padrotildees de comportamento da sociedade acompanham
as mudanccedilas no cenaacuterio poliacutetico que vem a acontecer no Brasil desde o iniacutecio do
seacuteculo XIX isso foi sentido tambeacutem no modelo da famiacutelia Com o fortalecimento
econocircmico do Rio de Janeiro ndash capital do reino ndash a riqueza passa a fazer parte da
cidade e o comeacutercio se desenvolve grandemente A escravidatildeo ainda eacute uma questatildeo
mal resolvida dentro e fora de casa para o desenvolvimento de um liberalismo
poliacutetico e econocircmico Mas essa amalgama proposta por Alencar eacute seu projeto
liberalconservador com a moralizaccedilatildeo do Estado a diminuiccedilatildeo da intervenccedilatildeo
deste nos negoacutecios privados um desenvolvimento do capitalismo ainda ldquoperifeacutericordquo
onde haacute consumidores e natildeo existe produccedilatildeo e a manutenccedilatildeo da escravidatildeo como
base para a agricultura agroexportadora se faz necessaacuteria para a manutenccedilatildeo dos
privileacutegios da elite e garantia de uma induacutestria (agricultura) lucrativa Alencar
concorda com a pregaccedilatildeo dos liberais moderados em que os privileacutegios dos grupos
ligados a propriedade de terra deve ser mantido mesmo que a custo da manutenccedilatildeo
da escravidatildeo pois eacute o que garante o desenvolvimento da economia e da proacutepria
naccedilatildeo O argumento contra a mudanccedila eacute expresso por Evaristo da Veiga em uma
ediccedilatildeo do Aurora Fluminense em 1829 quando diz que os moderados satildeo contra
toda espeacutecie de ldquotiraniardquo contra todos os excessos que possa haver (PRADO
2001) Mas aqui ldquoexcessosrdquo para Evaristo quer dizer atitudes que possam mudar
as condiccedilotildees de produccedilatildeo de forma brusca Extremismos dos liberais radicais que
possam deturpar a ordem estabelecida
Alencar sugere que o clima percebido no paiacutes (na opiniatildeo puacuteblica) anuncia
mudanccedilas revolucionaacuterias talvez E natildeo estamos muito distantes aqui das uacuteltimas
revoluccedilotildees liberais do periacuteodo regencial Zacarias de Goacuteis entatildeo no gabinete eacute um
dos grandes defensores da proposta de que o Imperador reina mas natildeo governa
(chega a publicar um livro sobre o assunto) que D Pedro II natildeo deve interferir
diretamente na administraccedilatildeo ndash leia-se poder moderador Mas segundo Alencar o
gabinete do jeito que estaacute tambeacutem natildeo consegue levar o governo O que haacute de se
esperar Propotildee jaacute que somente com a pressatildeo popular conseguiraacute mudar tal
gabinete ldquodai reacutedeas ao ministeacuterio Quanto mais breve provoque ele o motim com
seus erros menos sofreremosrdquo (ALENCAR 2009 p382) A questatildeo em Alencar
contudo natildeo eacute a defesa do modelo de trabalho escravo A lei garante isto Sua
defesa visa a opiniatildeo puacuteblica e a manutenccedilatildeo dos valores em um quadro em que eacute
preciso ldquoadministrarrdquo o conteuacutedo liberal a ser mostrado sob um filtro conservador
Concordando entatildeo com o que diz Bosi (1988) afirmamos que o liberalismo
defendido por Alencar se apresenta como uma sineacutedoque em que um conteuacutedo
escolhido se torna representativo do todo desvirtuando assim as ideias originais do
liberalismo e criando discurso ideoloacutegico que visa sustentar uma elite no poder
representada pelos latifundiaacuterios ricos comerciantes e traficantes de escravos para
quem a economia agroexportadora baseada no braccedilo escravo trazia lucros e
portanto deveria permanecer como a base econocircmica do Brasil
No uacuteltimo capiacutetulo anuncia a despedida de Erasmo certo de que sua identidade eacute
conhecida Justifica o seu pseudocircnimo dizendo que para se dirigir a figura do
Imperador com um conjunto de criacuteticas poderoso ndash escolhe entatildeo o pseudocircnimo
baseando-se na figura do filoacutesofo e intelectual renascentista que natildeo casualmente
foi tambeacutem professor - como o fez ldquoera necessaacuterio ter um nome respeitado cheio de
prestiacutegio e autoridade Faltando [-me] esse tiacutetulo soacute me restava o da verdaderdquo
(ALENCAR 2009 p385) e eacute a verdade (sob sua oacutetica a de um intelectual do
periacuteodo claro) que foi descrita aqui A soluccedilatildeo para o cidadatildeo comum eacute rir disto
tudo da comeacutedia que se tornou o paiacutes O cidadatildeo cordado diz ou chora ou
gargalha E parece cada vez mais ser isolado de uma efetiva participaccedilatildeo poliacutetica
extremamente necessaacuteria nesse regime constitucional Anuncia que natildeo acredita ser
tudo isto culpa de D Pedro II mas das elites que dominam o povo Termina com
letras garrafais afirmando que ldquoa liberdade nos paiacuteses constitucionais natildeo depende
do rei e soacute do povo () Mas infelizmente do povo que natildeo sabe governar-serdquo
(ALENCAR 2009 p389)
A resposta de D Pedro II viria logo depois com a queda do gabinete Zacarias de
Goacuteis Para o novo ministeacuterio a pasta da justiccedila eacute entregue a Alencar por sugestatildeo
do presidente do gabinete Itaboraiacute no chamado gabinete-bomba sob a presidecircncia
de Itaboraiacute A soluccedilatildeo eacute bem simples para o Imperador e pode parecer como uma
pequena vinganccedila pessoal como Alencar parece conhecer tatildeo bem os problemas
do Brasil ele que os resolva
4 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
A histoacuteria das antigas religiotildees e escolas como a dos partidos e revoluccedilotildees modernas nos ensina que o preccedilo da sobrevivecircncia eacute o envolvimento praacutetico a transformaccedilatildeo de ideias em dominaccedilatildeo
Adorno e Horkheimer
Para o conjunto das cartas - aqui analisado de forma natildeo exaustiva - haacute muitos
outros aspectos relevantes que dada a dimensatildeo do trabalho natildeo pudemos
alcanccedilar Natildeo se pretende aqui um diagnoacutestico geral e futuro da sociedade brasileira
mas sobretudo a partir do texto a compreensatildeo da situaccedilatildeo poliacutetica econocircmica e
social do periacuteodo na visatildeo de um agente poliacutetico que se apresenta como um
intelectual orgacircnico Sua praacutexis transformadora eacute a criacutetica ao sistema em forma de
mobilizaccedilatildeo da opiniatildeo puacuteblica Esse eacute um exemplo do processo ao qual Gramsci
(1999) chama de catarse a elaboraccedilatildeo da estrutura em superestrutura quando da
tomada de consciecircncia destes leitores da capacidade de transformaccedilatildeo social que
lhes eacute possiacutevel conseguir e que soacute se efetiva a partir da participaccedilatildeo de cada
indiviacuteduo Alencar consegue mobilizar-se (e usar) em um veiacuteculo de comunicaccedilatildeo
com um novo formato e distribuiccedilatildeo com as cartas e alcanccedilar um puacuteblico leitor que
caracteriza a maior parte da opiniatildeo puacutebica do periacuteodo Dissemos anteriormente que
o alcance eacute dado importante na consolidaccedilatildeo da ideologia que eacute preciso partilhar
com o grupo o discurso Deixamos claro tambeacutem que discurso em favor da
manutenccedilatildeo da escravidatildeo natildeo era novo estaacute em debate jaacute com as ideias de Joseacute
Bonifaacutecio no primeiro reinado com os produtores de cana nordestinos e seus
representantes com Euzeacutebio de Queiroz com o grupo saquarema e vaacuterios outros
deputados e senadores que se apresentavam com seus proacutes e contras Alencar
poderia escrever livros e livros justificando a escravidatildeo mas tinha a clareza de que
seu argumento eacute injustificado ndash considerando-se algueacutem que se propotildee um liberal -
e que a aboliccedilatildeo era mais dia menos dia inevitaacutevel Diferindo da accedilatildeo de Gramsci
que pretendia reduzir desigualdades entre todos os homens o nuacutecleo transformador
de Alencar era mais segmentado (afinal ele nunca deixou de ser um representante
da aristocracia) como pudemos observar examinando dos dados sobre o niacutevel de
formaccedilatildeo intelectuais desses grupos mas eacute a disseminaccedilatildeo de suas ideias que as
tornaraacute comum a todos (era esta a sua proposta) determinando assim o curso
contiacutenuo da ideologia
Pudemos observar que o diferencial de Alencar foi identificar uma mudanccedila na
conjuntura poliacutetica com grupos de pressatildeo os mais diversos alimentando a ideia de
uma aboliccedilatildeo da escravidatildeo em um momento que a imprensa ndash entatildeo em
emergecircncia na Corte do Brasil ndash traz novas ideias baseadas no liberalismo poliacutetico e
econocircmico europeu para os grupos perifeacutericos da elite que se configuram como
uma opiniatildeo puacuteblica centrada em uma burguesia citadina que se desenvolve
grandemente no periacuteodo Com isso Alencar busca usar um veiacuteculo de comunicaccedilatildeo
de grande alcance para tentar mobilizar esta opiniatildeo puacuteblica em seu favor no caso
aqui tratado em favor das ideias de manutenccedilatildeo da escravidatildeo Dessa feita
observamos tambeacutem que as cartas poliacuteticas de Alencar objeto de nosso estudo satildeo
uma obra de teor criacutetico poliacutetico-social mas tambeacutem tem como objetivo divulgar o
pensamento de Alencar e consolida-lo como figura valorosa no cenaacuterio poliacutetico da
Corte Seu caminho jaacute foi escolhido eacute o do partido conservador ser-lhe-aacute fiel ateacute o
fim Mas como pudemos observar as diferenccedilas entre os dois partidos natildeo eram
tatildeo acentuadas e os dois acabavam por defender o sistema monaacuterquico O Rio de
Janeiro com a onda de independecircncia poliacutetica nos seacuteculos XVIII e XIX eacute o reduto
monarquista da Ameacuterica Latina eacute bom lembrar
O que tambeacutem pudemos observar no texto de Joseacute de Alencar eacute a tentativa a partir
de estrateacutegias discursivas muacuteltiplas de disseminar um conteuacutedo ideoloacutegico
sugerindo a manutenccedilatildeo de um conservadorismo de molde monarquista e baseado
no regime escravagista Tais estrateacutegias buscam um ldquolugarrdquo diferenciado para o
discurso longe das disputas partidaacuterias longe da possibilidade do debate direto
Isso eacute mostrado na opccedilatildeo para a publicaccedilatildeo das cartas em ldquofolhetinsrdquo textos
impressos tambeacutem em graacuteficas mas natildeo no ldquocorpordquo de um jornal (o que poderia ter
sido relativamente faacutecil para Alencar no momento visto sua posiccedilatildeo como editor de
um importante jornal na Corte) Deslocar o texto da miacutedia ldquojornalrdquo para um veiacuteculo
alternativo desloca tambeacutem o discurso e cria uma situaccedilatildeo confortaacutevel de
hegemonia podemos assim dizer ndash mesmo porque era ele o uacutenico a fazecirc-lo no
momento Um traccedilo do manifesto de Alencar no texto eacute acreditar que o intelectual
tem o dever de iluminar o caminho do desenvolvimento e o desenvolvimento poliacutetico
e econocircmico pregado nas ideias de Alencar tem base nas ideias liberais D Pedro II
se guiaria pela opiniatildeo puacuteblica que pode ndash segundo dados de Alencar ndash ser medida
na publicitaccedilatildeo dos atos do governo pelos jornais E os jornais da Corte nos garante
ele jaacute estatildeo todos nas matildeos do ministeacuterio e o Imperador prefere sempre o caminho
da conciliaccedilatildeo os partidos conservador e liberal natildeo detecircm espaccedilos na imprensa de
grande circulaccedilatildeo e seus pequenos jornais poliacuteticos natildeo satildeo de grande alcance o
que apresenta um campo aberto para o texto de Alencar Eacute dessa forma que
entendemos o que pode ser aqui descrito pelo conceito de bloco histoacuterico
(GRAMSCI 1999) que eacute a articulaccedilatildeo de um conjunto de praacuteticas e concepccedilotildees
para garantir a manutenccedilatildeo de uma situaccedilatildeo histoacuterica determinada
Cabe lembrar que para que a ideologia seja eficaz o discurso deve se manter o
mesmo ignorando as mudanccedilas que possam vir a acontecer (CHAUI 1997) Mesmo
com o fim da escravidatildeo que Alencar sugere eminente eacute preciso que ela se
mantenha por mais algum tempo (e enquanto for possiacutevel) A decorrente captaccedilatildeo
de Alencar para o ministeacuterio vem disso Sua capacidade de reflexatildeo e mobilizaccedilatildeo
foi reconhecida e este que jaacute foi deputado e pertence agraves fileiras do partido
conservador seria devidamente enquadrado nos quadros do governo onde sua
ldquoliacutenguardquo pudesse ser reduzida via cargo puacuteblico juntando-o agrave burocracia passando
assim a fazer parte do governo que criticara Natildeo eacute de todo correto o que os
bioacutegrafos pesquisados aqui como Menezes (1965) Neto (2006) e Aguiar (1984)
dizem sobre a relaccedilatildeo de desconfianccedila ideoloacutegica que D Pedro II teria por Alencar
quando natildeo escolhe em lista triacuteplice seu nome para uma cadeira no senado o
motivo natildeo eacute somente este Com as cartas o imperador vecirc que Alencar eacute mesmo
um elemento importante do conservadorismo e que poderia confiar em suas ideias
e em suas atitudes colocando-o sob os braccedilos do governo A captaccedilatildeo de Alencar
para o ministeacuterio apesar de ele revelar-se extremamente competente segue o
mesmo caminho das condecoraccedilotildees e concessotildees de tiacutetulos que eacute criar uma
aristocracia dependente dos favores da coroa tendo no caso da burocracia o
elemento controlador e deixando o ldquoperigordquo bem a vista do imperador Os motivos
tambeacutem parecem ser de ordem pessoal em um relacionamento que nunca teve
tanta cordialidade D Pedro II como mostramos sequer queria demitir o Alencar do
cargo de Ministro da Justiccedila atestando assim a competecircncia deste
Novamente com Gramsci entendemos que o discurso desenvolvido nas cartas de
Erasmo tem todas as caracteriacutesticas da ideologia partilhada pelas classes
dominantes Alencar tenta se localizar acima do lugar comum acima das outras
miacutedias como o jornal ou mesmo os folhetins que ajudou a popularizar acima ateacute dos
partidos reafirmamos que essa proposta conservadora ndash baseada em uma eacutetica
moral cristatilde ndash eacute parte de um conjunto ideoloacutegico partilhado pelas classes dominantes
(mesmo por segmentos liberais e conservadores) e que tem em vista ndash agora com
Alencar ndash a criaccedilatildeo de uma utopia
A partir de nossa anaacutelise sustentamos aqui que - segundo Chauiacute - a utopia nasce
como gecircnero na literatura constituindo a narrativa sobre uma sociedade perfeita e
feliz e ao mesmo tempo como discurso poliacutetico na exposiccedilatildeo sobre uma forma para
a cidade justa (CHAUIacute 2008) O termo topos em grego significa lugar e o prefixo ldquourdquo
indica um sentido negativo como um ldquonatildeo lugarrdquo ou lugar desconhecido ou ainda
no sentido da obra o diferente do que conhecemos e praticamos eacute a possibilidade
de interaccedilatildeo com a alteridade (CHAUIacute 2008) Eacute esta a proposta de Alencar a utopia
no sentido possiacutevel alcanccedilaacutevel por meio de um conjunto de ideias baseadas no
liberalismo claacutessico com traccedilos marcantes de conservadorismo Seu texto ndash natildeo
lugar ndash eacute lugar de passagem rumo a construccedilatildeo de um fim possiacutevel que ele
acredita indicar como uma postura para a sociedade que comeccedila a se desenvolver
no paiacutes Mas uma sociedade em que as classes satildeo bem definidas a elite o povo e
os outros50 Vale argumentar como jaacute comentado anteriormente no capiacutetulo que
refere a biografia de Alencar sua praacutetica de leitura para um grupo de pessoas Em
Chartier (1999) por exemplo observamos tal praacutetica (dentro da famiacutelia ateacute com
grupos proacuteximos ao nuacutecleo familiar) na Europa ainda nos seacuteculos XVII e XVIII com a
venda avulsa de livros sobre a vida dos santos contos de fadas e romances de
cavalaria ndash para citar os gecircneros com maior venda - por toda a parte para as
50
Um dado interessante eacute o de que Tomas Morus autor do claacutessico Utopia a que nos referimos aqui
natildeo chega a publicar seu livro sendo decapitado a mando de Henrique VIII em 1535 O livro seria publicado poucos anos depois na Basileacuteia (Suiacuteccedila) por Erasmo a quem este estava ligado por laccedilos de amizade
camadas populares natildeo soacute nas cidades mas tambeacutem em lugares os mais distantes
As ideias de Alencar poderiam chegar a mais e mais pessoas sem que o proacuteprio
autor tivesse condiccedilotildees de mensurar tal alcance Mas por outro lado natildeo podemos
ser ingecircnuos e acreditar que tais condiccedilotildees de leitura natildeo fossem - mesmo que
parcialmente - conhecidas por Alencar sendo este um jornalista e autor literaacuterio de
renome e um dos poucos que puderam dizer ainda em vida que vendiam suas
obras
Alencar estava ciente da forccedila de seu projeto e tinha consciecircncia da repercussatildeo
que conseguiu logo depois da publicaccedilatildeo da primeira carta Na segunda ediccedilatildeo das
cartas ao Imperador datada de 1866 e impressa na Typographia de Cacircndido
Augusto de Mello no Rio de Janeiro Alencar escreve na advertecircncia ao texto ndash
referindo-se a publicitaccedilatildeo da primeira ediccedilatildeo que ldquoa tentativa foi bem decidida O
favor puacuteblico a acompanhou e deu-lhe forccedilas e estiacutemulos para progredirrdquo
(ALENCAR 2009 p08) Natildeo haacute uma poetizaccedilatildeo da poliacutetica nem a utopia romacircntica
nesse momento apenas as estrateacutegias discursivas no texto com o objetivo
especiacutefico de disseminar um discurso ideoloacutegico para a construccedilatildeo da verdadeira
utopia O seu modelo de naccedilatildeo que como advogado segue o princiacutepio geral do
Direito e apresenta uma clara separaccedilatildeo entre povo e populaccedilatildeo
Alencar bem sabia o que estava a fazer com as cartas e sabia tambeacutem que estava
sendo acompanhado pelos leitores e tinha condiccedilatildeo de sugerir ldquoopiniotildeesrdquo para esse
puacuteblico enquanto reafirma constantemente sua opccedilatildeo pela aristocracia e a
monarquia ndash confirmando tambeacutem as ideias em defesa da escravidatildeo Em seu
modelo de transformaccedilatildeoconservaccedilatildeo opta pela afirmaccedilatildeo de valores
tradicionalmente aceitos pela burguesia pela moral cristatilde e a preservaccedilatildeo do
modelo da famiacutelia cristatilde do patriarcado e pelo liberalismo econocircmico Um modelo
que deve ndash segundo suas convicccedilotildees - perpetuar-se mesmo com as transformaccedilotildees
sociais que o desenvolvimento da cidade e da sociedade brasileira prenuncia
Cabe lembrar que pode ser observado que os grupos representativos das elites no
Rio de Janeiro jaacute demonstravam um misto de preconceito racial e econocircmico tanto
com a populaccedilatildeo livre e mesticcedila como a populaccedilatildeo de escravos e ex-escravos que
se multiplicava vendo nessas pessoas apenas instrumentos para o trabalho e
obtenccedilatildeo de lucros E sua ideia nos parece claro eacute que permanecessem assim
Cabe lembrar que quando da publicaccedilatildeo das ldquonovas cartas ao Imperadorrdquo entre
186869 a Inglaterra paiacutes que exercia forte influencia na sociedade brasileira tanto
poliacutetica quanto economicamente jaacute dava os primeiros sinais das mudanccedilas de
relaccedilotildees trabalhistas com a liberaccedilatildeo dos sindicatos trabalhistas e o direito de greve
e outros direitos que viriam a integrar o conjunto ateacute 1875 (HOBSBAWN 2011) e
com certa resistecircncia tambeacutem na Franccedila o que consequentemente poderia se
estender e chegar aqui junto com trabalhadores imigrantes europeus modificando
as relaccedilotildees entre patratildeo e empregado - que seriam inevitavelmente muito diferentes
da anterior relaccedilatildeo senhorescravo Acreditamos que nessa perspectiva o estudo
do trabalho de Alencar e suas ideias frente agrave escravidatildeo se torna pertinente visto
que as teorias que se podem classificar como ldquoracistasrdquo e de valorizaccedilatildeo da raccedila
branca soacute vem a se instalar no Brasil em uma eacutepoca senatildeo posterior ao menos
contemporacircnea ao nosso recorte Destacamos aqui baseado no que mostra
Skidmore (1989) o trabalho do historiador inglecircs Henry Thomas Buckle a ldquoHistoacuteria
da civilizaccedilatildeo na Inglaterrardquo publicada em vaacuterios volumes entre 1857 e 1861 que
defendia uma filosofia do determinismo climaacutetico onde as raccedilas oriundas de lugares
de climas mais quentes seriam mais bem adaptadas para o trabalho braccedilal Seu
contemporacircneo Arthur de Gobineau um francecircs que chega a trabalhar no Brasil
como diplomata em 1869 edita seu ldquoEssai sur lrsquoInegaliteacute des Races Humainesrdquo em
1853 aonde defende que a sociedade multirracial que se via aqui soacute servia para a
degeneraccedilatildeo tanto de negros como de europeus criando uma mesticcedilagem fraca e
esteacutereo Outras teoacutericos tiveram suas ideias divulgadas em um periacuteodo posterior e
alguns ficaram bastante conhecidos aqui como no caso do argentino Joseacute Inginieros
e do francecircs Louis Couty que publica um diaacuterio de sua viagem pelo Brasil em 1868
feita com o auxilio de sua esposa trecircs anos antes (SKIDMORE 1989) Cabe
lembrar tambeacutem que a questatildeo do preconceito eacute somente uma parte da histoacuteria
A defesa da instituiccedilatildeo familiar em seu modelo cristatildeo catoacutelico tambeacutem eacute uma
caracteriacutestica do pensamento do missivista Segundo Alencar faz-se necessaacuterio
dentro deste projeto submeter-se a instituiccedilatildeo a certos ajustes optando pela
reafirmaccedilatildeo de valores tradicionalmente aceitos reafirma todo seu modelo como o
adequado e defende que este deve perpetuar-se em detrimento das
transformaccedilotildees sociais que vem ocorrendo com o desenvolvimento da cidade e que
acusa como degradadoras dos valores morais Que eacute preciso acabar com a ineacutercia
do povo (talvez se referindo a necessidade de braccedilos para a lavoura natildeo a
revoluccedilotildees populares) com o egoiacutesmo dos estadistas e a distacircncia que o Estado ndash
na figura do Imperador ndash tem da administraccedilatildeo puacuteblica A constante criacutetica a ineacutercia
do povo configura a afirmaccedilatildeo de que no constitucionalismo todo participam do
processo decisoacuterio a partir do ldquocontrato socialrdquo Entatildeo todos devem se mobilizar
pois satildeo corresponsaacuteveis por tudo na sociedade
A tiacutetulo de organizaccedilatildeo das ideias podemos afirmar que Alencar um intelectual
militante no oitocentos busca na imprensa uma forma de educaccedilatildeo e ao mesmo
tempo de mobilizaccedilatildeo de determinadas camadas sociais que estatildeo na periferia da
elite e que vem estruturando-se como uma opiniatildeo puacuteblica na Corte com um
discurso ideoloacutegico e moralizante marcado pela valorizaccedilatildeo das tradiccedilotildees e pelo
pensamento liberal ndash devidamente adaptado para a realidade escravagista do Brasil
o que vem a se tornar um sistema com caracteriacutesticas ao mesmo tempo liberais e
conservadoras No caso Alencar serve como instrumento para uma multiplicaccedilatildeo da
ideologia da elite aristocraacutetica que se forma no Brasil depois da independecircncia
tendo na Corte do Rio de Janeiro e na defesa das instituiccedilotildees seu nuacutecleo de poder e
seu norte de dominaccedilatildeo Alencar se forma no curso de Direito em 1849 (na turma de
50) e jaacute no iniacutecio de sua militacircncia jornaliacutestica observa os reflexos da restauraccedilatildeo
da Europa depois das malsucedidas accedilotildees da primavera dos povos E segundo
Hobsbawn (2011) as economias se recompuseram e a partir daiacute paiacuteses como a
Alemanha Itaacutelia o impeacuterio dos Habsburgos (para citar alguns) tiveram um
desenvolvimento econocircmico acelerado Era esta a referecircncia direta observada pelo
Alencar para a defesa da monarquia e este deveria ser o modelo para o Brasil
Monarquia e constitucionalismo
Observa-se assim concordando com o que propotildee Foucault (2004) que o poder
natildeo se restringe ao Estado a uma pessoa determinada ou a um grupo de pessoas
este eacute muacuteltiplo e diversificado aparecendo de modo diferente em diferentes esferas
da sociedade O poder no sentido aqui descrito eacute algo que se manteacutem a partir do
aceite do grupo a que este se refere Norberto Bobbio apresenta um conceito de
poder que vai ao encontro do que procuramos Poder eacute ldquoa capacidade do homem
em determinar o comportamento do homemrdquo (BOBBIO 1998 p933) Mais adiante
o autor alarga seu conceito de poder explicitando
O conceito em que conveacutem basear este alargamento da noccedilatildeo de Poder eacute o conceito de interesse tomado em sentido subjetivo isto eacute como estado da mente de quem exerce o Poder Diremos entatildeo que o comportamento de A que exerce o Poder pode ser associado mais que agrave intenccedilatildeo de determinar o comportamento de B objeto do Poder ao interesse que A tem por tal comportamento As relaccedilotildees de imitaccedilatildeo por exemplo onde falta a intenccedilatildeo no imitado de se propor como modelo se incluem em Poder se a imitaccedilatildeo corresponde ao interesse do imitado (como em certas relaccedilotildees entre pai e filho) mas natildeo se incluem se agrave imitaccedilatildeo natildeo corresponde o interesse do imitado (BOBBIO 1998 p 934)
Entendemos que haacute sempre algueacutem predisposto a aceitar o poder Mas como se daacute
tal aceite Eacute justamente nas relaccedilotildees interpessoais as quais se constituem por meio
da internalizaccedilatildeo de discursos alheios No caso de um texto como o apresentado por
Alencar nas ldquoCartas de Erasmordquo eacute por meio de uma relaccedilatildeo de confianccedila que o
leitor passa a ter com o autor como algueacutem que compreende a realidade e a mostra
para este o que sustenta uma relaccedilatildeo de confianccedila entre as partes Entendemos
tambeacutem que essa construccedilatildeo subjetiva da realidade que passa a ser ldquosocialrdquo a partir
do compartilhamento de sua leitura eacute histoacuterica porquanto assume significaccedilatildeo para
os grupos a que se referem A obra eacute entendida como uma conceptualizaccedilatildeo do
mundo onde se constitui como conjuntos de enunciados e eacute o enunciado o portador
da significaccedilatildeo (MORSON 2008) Isso se daacute a partir da construccedilatildeo de uma
representaccedilatildeo social onde haacute sempre a perspectiva da alteridade em forma de
resposta imediata ao texto ou retomada posteriormente Eacute por meio desta leitura das
representaccedilotildees e do poder que entendemos - na concepccedilatildeo de Gramsci - a funccedilatildeo
do intelectual de disseminar ideias propostas e conceitos E mesmo de forma
indireta como um agente de mobilizaccedilatildeo Eacute preciso lembrar que os reflexos da
ldquoprimavera dos povosrdquo ainda estavam presentes na memoacuteria de uma elite que
desenvolvera laccedilos econocircmicos e sociais com naccedilotildees europeias e as elites tinham
a dimensatildeo do que poderia acontecer com a mobilizaccedilatildeo da massa Hobsbawm
(2010) nos mostra a importacircncia dos intelectuais na revoluccedilatildeo de 1848 enquanto
sujeitos de uma praacutexis poliacutetica que senatildeo imprescindiacutevel eacute relevante na
caracterizaccedilatildeo do que tais movimentos viriam a apresentar
Eles [os intelectuais] natildeo eram mais importantes nesta revoluccedilatildeo que em quaisquer das outras que ocorreram assim como nesta em paiacuteses
relativamente atrasados onde o melhor do estrato meacutedio consistia de pessoas caracterizadas por sua escolarizaccedilatildeo e comando da palavra escrita graduados de todos os tipos jornalistas professores funcionaacuterios Mas natildeo havia duacutevida de que os intelectuais eram proeminentes poetas tais como Petoumlfi na Hungria Herwegh e Freiligrath na Alemanha (que pertencia ao corpo editorial da Neue Rheinische Zei-tung) Victor Hugo e o consistente moderado Lamartine na Franccedila (os professores franceses ainda que suspeitos para os governos permaneceram quietos sob a monarquia de julho e supotildee-se terem feito frente com a ordem em 1848) acadecircmicos em grande nuacutemero na Alemanha (a maioria no lado moderado) meacutedicos como C G Jacoby (1804-51) na Pruacutessia Adolf Fischhof (1816-93) na Aacuteustria cientistas como F V Raspail (1794-1878) na Franccedila e uma vasta quantidade de jornalistas e publicistas dos quais Kossuth era entre todos o mais celebrado e Marx provava ser o mais formidaacutevel Como indiviacuteduos tais homens podiam exercer um papel decisivo como membros de um estado social especiacutefico ou como membros de uma pequena-burguesia radical natildeo o podiam
51 (HOBSBAWN 2010 p36)
Tornando ao texto de nossa anaacutelise pudemos perceber como Alencar se aproveita
dos veiacuteculos de comunicaccedilatildeo a que tem acesso para divulgar suas ideias e como
consegue adapta-las aos diferentes formatos que tais miacutedias exigem conseguindo
assim alcanccedilar natildeo somente uma maior quantidade de pessoas mas uma variedade
grande de camadas sociais e a propalada ldquoopiniatildeo puacuteblicardquo com maior intensidade
tentando fomentar a ampliaccedilatildeo da participaccedilatildeo poliacutetica ativa (ao menos enquanto
conscientizaccedilatildeo de um maior grupo tirando a exclusividade da atividade poliacutetica
apenas do recinto parlamentar) podendo ndash e por isso mesmo - ampliar as
possibilidades de alcance do conjunto da dominaccedilatildeo Essa mesma opiniatildeo puacuteblica
que temos alguma dificuldade de representar numericamente mas que eacute elemento
fundamental no periacuteodo E eacute tambeacutem com intenccedilatildeo de ldquoconstruirrdquo uma opiniatildeo natildeo
somente na elite mas em seus representantes mais diretos como o funcionaacuterio
puacuteblico representante de uma administraccedilatildeo centralizadora que fatalmente deveria
promover pelo paiacutes a ideologia do Estado No dizer de Uruguai o agente da
administraccedilatildeo puacuteblica eacute efetivamente um agente da centralizaccedilatildeo (MATTOS I
1987) D Pedro II chega a escrever agrave princesa Isabel em um dos momentos que
esta assume a regecircncia prevenindo-a contra uma possiacutevel maacute interpretaccedilatildeo das
notiacutecias e criacuteticas publicadas nos vaacuterios jornais da Corte considerando que o
ldquosistema poliacutetico do Brasil funda-se na opiniatildeo nacional que muitas vezes natildeo eacute
manifestada pela opiniatildeo que se apregoa como puacuteblicardquo (FAORO 2004 p 343)
Mas natildeo podemos esquecer que ateacute o momento (estamos no segundo reinado) natildeo
51
O grifo eacute meu
haacute como mensurar tal opiniatildeo puacuteblica ou a dimensatildeo das accedilotildees que esta possa
alcanccedilar A preocupaccedilatildeo imediata de D Pedro II seria com o que poderiacuteamos
chamar de os ldquoformadoresrdquo de uma opiniatildeo puacuteblica Com o texto dos agentes
poliacuteticos publicados em jornais ou outras miacutedias em um momento privilegiado de
liberdade de imprensa
Fica claro que a defesa da escravidatildeo eacute para Alencar necessaacuteria no momento -
tendo mesmo a certeza de a aboliccedilatildeo natildeo tardaria - funcionando como um discurso
que busca retardar a disseminaccedilatildeo de ideais progressistas e abolicionistas para o
conjunto da opiniatildeo puacuteblica conquanto esta passa a ser um elemento de pressatildeo
sobre as elites que controlavam o sistema econocircmico vigente e ele busca seus
argumentos nos teoacutericos liberais europeus O que se vecirc em Alencar natildeo eacute uma
discussatildeo sobre o direito de propriedade de um ser humano sobre o outro isto estaacute
posto pela legislaccedilatildeo a praacutetica do cativeiro eacute legitimada pelo Estado brasileiro O
que temos satildeo as criacuteticas de Alencar a forma como o governo trata o problema
inevitaacutevel da emancipaccedilatildeo com promessas de aboliccedilatildeo ao fim da guerra de forma
progressiva e por meio da estimulaccedilatildeo da emigraccedilatildeo Tais promessas natildeo se
efetivam o que abre um precedente para que o pensamento de Alencar ndash se natildeo o
mais eacutetico ndash acabe se apresentando como o melhor aceito pelas elites e sendo
reproduzo Outro ponto a ser lembrado eacute que com o fim do traacutefico a partir de 1850 e
a expansatildeo das lavouras cafeeiras no interior do Rio de Janeiro e Satildeo Paulo haacute
tambeacutem uma transferecircncia gradual de escravos urbanos para essas regiotildees Com o
aumento do valor do escravo no mercado interno vaacuterias famiacutelias venderam seus
cativos para as fazendas causando uma consequente diminuiccedilatildeo no percentual da
escravaria na corte e outros nuacutecleos urbanos (NOVAIS 1997) A pulverizaccedilatildeo da
posse de escravos na cidade regride o que em pouco tempo pode levar a uma
mudanccedila de consciecircncia da opiniatildeo puacuteblica centrada na Corte sobre a escravidatildeo
Em uma foacutermula simples Quando todos possuiacuteam escravos isto era visto como algo
comum Quando soacute os ricos cafeicultores passaram a possuiacute-los isto se tornava
errado e antiquado para um paiacutes em desenvolvimento Alencar vai contra isto e
confirma em seu texto os valores do conservadorismo assumindo uma postura que
podemos chamar de liberalconservadora Admitindo isto concordamos com o que
propocircs Bosi (1988) que o liberalismo defendido por Alencar pode ser resumido em
uma figura de linguagem uma sineacutedoque em que uma parte do conteuacutedo eacute tomada
como um todo uniforme desvirtuando assim as ideias originais do liberalismo e
criando novo discurso ideoloacutegico e conservador para sustentar um grupo que se
impotildee no poder Em Alencar se vecirc a escolha da ldquoparte pelo todordquo como em uma
sineacutedoque Alencar defende que se uma parte da populaccedilatildeo estaacute na direccedilatildeo do
Estado e da economia e tem privileacutegios eacute porque essa parte conseguiu consolidar
seu poder pessoal e pode organizar um projeto poliacutetico de desenvolvimento para
que o todo da naccedilatildeo se desenvolva entatildeo satildeo essas pessoas que tem o ldquodireitordquo de
representar a naccedilatildeo Eacute o que pudemos observar
Constatou-se tambeacutem que a situaccedilatildeo do Brasil no periacuteodo segundo Alencar natildeo eacute
de tranquilidade e desenvolvimento mas de corrupccedilatildeo e descontrole Com o
parlamento repleto de elementos sem escruacutepulos ou convicccedilotildees que tomam as
riquezas o paiacutes com sua cobiccedila Alencar defende um Estado de leis com pulso forte
e mesmo a interferecircncia do Imperador para garantir que isto natildeo mais acontecesse
Era apenas assim que se garantiria a ordem puacuteblica e as ldquonecessidades puacuteblicasrdquo
seriam supridas o que natildeo era apenas uma opiniatildeo de Alencar mas uma visatildeo do
Estado compartilhada por boa parte dos homens que passaram pela administraccedilatildeo
puacuteblica no segundo reinado (MATTOS I 1987) Os gabinetes que se seguem sem
estrutura ou conhecimento administrativo levam o paiacutes agrave bancarrota com seus erros
constantes devido a sua ineacutepcia com a coisa puacuteblica O conjunto de instituiccedilotildees que
atuam dentro do sistema estatildeo corroendo-o por conta da ganancia da elite com o
dinheiro do Estado Do outro lado sendo atingida em seus preceitos a famiacutelia que
ldquoassiste sem querer a essa representaccedilatildeo da comeacutedia perigosardquo O que seria o
uacuteltimo refuacutegio da moralidade e base da sociedade
Por fim entendemos que como o sugeriu Carvalho (2007) em uma reflexatildeo sobre o
impeacuterio os fatos mostrados aqui podem ateacute ser reconhecidos pelos estudiosos e jaacute
trilhados mas as explicaccedilotildees tendem a ser insatisfatoacuterias por isso a necessidade
constante de revisitar textos do periacuteodo e teorias Ao mesmo tempo lembrando
Norberto Bobbio (1997) em uma reflexatildeo sobre seus escritos ao enfrentar o tema da
relaccedilatildeo entre os intelectuais e a poliacutetica em frente ao oceano de textos sobre o
tema dizia sentir-se como a crianccedila que despejando um copinho drsquoagua no mar
acreditava estar aumentando o seu niacutevel Eacute como nos vemos aqui Poreacutem
acreditamos ter conseguido demonstrar a presenccedila de um discurso
liberalconservador nas cartas de Erasmo como estrateacutegia discursiva de
disseminaccedilatildeo ideoloacutegica Os dados obtidos nos permitem dizer que nossa hipoacutetese
de que por meio de um discurso poliacutetico conservador vinculado as propostas
ideoloacutegicas das elites escravocratas disseminado pelos jornais e panfletos do
periacuteodo os intelectuais construiacuteram uma imagem paradoxal do liberalismo para o
Brasil no segundo reinado pocircde ser confirmada
As confluecircncias entre tais extremos (liberalismo x conservadorismo) natildeo satildeo
ineacuteditas visto que Hobsbawn (2010) por exemplo pode demonstrar a mobilidade de
agentes poliacuteticos partiacutecipes de movimentos liberais moderados e ateacute mesmo
radicais para as linhas dos partidos conservadores quando os movimentos
revolucionaacuterios da ldquoprimavera dos povosrdquo em 1848 tendiam a modificar a ldquoordem
socialrdquo organizando liberais e conservadores em movimentos unificados ndash onde as
ideias de ambos os lados acabavam por se adaptar as necessidades de
sobrevivecircncia de tais grupos - para uma retomada do poder para as elites europeias
No Brasil a elite nem por um minuto descuidou de estar com as duas matildeos nas
reacutedeas do poder
Por fim esperamos tambeacutem que nosso trabalho tenha sido uacutetil para exemplificar
algumas das muitas relaccedilotildees de poder que existiram (e existem) na relaccedilatildeo Estado
ndash cidadatildeo mediadas pela ideologia atraveacutes de um de seus muitos colaboradores
os intelectuais e ajudar na compreensatildeo de tema tatildeo complexo como a relaccedilatildeo dos
intelectuais com a elite e o poder
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6 ANEXOS
Figura 1 Fac-siacutemile da segunda ediccedilatildeo das Cartas ao Imperador impressa na
Typographia de Candido A de Mello em 1866 Alencar era um autor reconhecido
ainda em vida conseguindo publicar ndash e vender ndash natildeo somente obras literaacuterias mas
tambeacutem estudos sobre poliacutetica e legislaccedilatildeo
Figura 2 Fac-siacutemile da ediccedilatildeo das Cartas ao Povo impressa na Typographia de
Pinheiro e Companhia em 1866 Logo abaixo texto da contra capa indicando pelo
editor o modo de distribuiccedilatildeo do material
Figura 3 Folha de rosto da carta ao M de Olinda onde se vecirc a citaccedilatildeo de Joacute 333
O Diaacuterio do Rio de Janeiro apesar de sustentar uma postura apoliacutetica exibia
cotidianamente (desde seus primeiros exemplares) em suas primeiras paacuteginas o
resumo das seccedilotildees da cacircmara dos deputados e do Senado
Dados Internacionais de Catalogaccedilatildeo-na-publicaccedilatildeo (CIP) (Biblioteca Central da Universidade Federal do Espiacuterito Santo ES Brasil)
Afonso Rogeacuterio Natal 1969- A257d A dimensatildeo poliacutetica do pensamento de Joseacute de Alencar
(1865-1868) Liberalismo e escravidatildeo nas cartas de Erasmo Rogeacuterio Natal Afonso ndash 2013
153 f il Orientadora Maacutercia Barros Ferreira Rodrigues Dissertaccedilatildeo (Mestrado em Histoacuteria) ndash Universidade Federal
do Espiacuterito Santo Centro de Ciecircncias Humanas e Naturais 1 Alencar Joseacute de 1829-1877 2 Escravidatildeo ndash Brasil 3
Brasil - Histoacuteria - Impeacuterio 1822-1889 I Rodrigues Maacutercia Barros Ferreira II Universidade Federal do Espiacuterito Santo Centro de Ciecircncias Humanas e Naturais III Tiacutetulo
CDU 9399
Rogeacuterio Natal Afonso
A dimensatildeo poliacutetica do pensamento de Joseacute de Alencar (1865-1868)
Liberalismo e escravidatildeo nas cartas de Erasmo
Dissertaccedilatildeo apresentada ao Mestrado em Histoacuteria Social das Relaccedilotildees Poliacuteticas na
Universidade Federal do Espiacuterito Santo como requisito parcial para Obtenccedilatildeo do
Grau de Mestre em Histoacuteria Social
COMISSAtildeO EXAMINADORA
___________________________________________________________________Profa Dra Maacutercia Barros Ferreira Rodrigues
Universidade Federal do Espiacuterito Santo (orientadora)
Profa Dra Maria Cristina Dadalto
Universidade Federal do Espiacuterito Santo (membro titular)
___________________________________________________________________
Prof Dr Thiago Lima Nicodemo
Universidade Federal do Espiacuterito Santo (membro titular)
Prof Dr Jorge Luiz do Nascimento
Universidade federal do espiacuterito Santo (membro externo)
Vitoacuteria______ de _______________ de 2013
Agradeccedilo a todos que me ajudaram na construccedilatildeo deste trabalho
A minha famiacutelia
Aos professores todos
A minha orientadora em particular
Aos amigos que me fizeram sugestotildees e criacuteticas
Agravequeles que dedicaram um pouco de seu tempo me ajudando
E a Deus
RESUMO
Partindo dos textos que compotildeem uma seacuterie de ldquocartas abertasrdquo de Joseacute de Alencar
endereccediladas ao Imperador D Pedro II e a alguns entes poliacuteticos da administraccedilatildeo
do Estado escritas entre 1865 e 1868 busca-se discutir a defesa paradoxal entre a
formaccedilatildeo de uma sociedade liberal dentro de um paiacutes de economia agroexportadora
sustentada pela matildeo de obra escrava
Tomaremos o texto de Alencar como um discurso poliacutetico ideoloacutegico das elites
presentes na corte imperial Entendemos a dimensatildeo ideoloacutegica do discurso poliacutetico
de Alencar no sentido marxista de corte gramsciano ou seja como uma concepccedilatildeo
de mundo que perpassa desde o discurso comum ateacute formas mais elaboradas de
discurso filosoacutefico A partir daiacute buscaremos compreender o modo de vida as
representaccedilotildees poliacuteticas e as formas de dominaccedilatildeo presentes no periacuteodo sob a oacutetica
do pensamento poliacutetico conservador de Joseacute de Alencar dando ecircnfase a anaacutelise de
sua defesa do liberalismo e da escravidatildeo
PALAVRAS CHAVE Poliacutetica discurso liberalismo escravidatildeo
ABSTRACT
Based on the texts that make up a series of open letters addressed to Joseacute de
Alencar to Emperor D Pedro II and some political entities of state administration and
written between 1865 and 1868 seek to discuss the defense of the paradox between
a liberal society within a country agro-export economy sustained by slave labor
We will take the text of a speech Alencar as ideological political elites present at the
imperial court We understand the ideological dimension of political discourse of Joseacute
de Alencar in the sense of cutting Gramscian Marxist as a world view that permeates
from the common speech even more elaborate forms of philosophical discourse
From there we will seek to understand the way of life political representations and
forms of domination present in the period from the perspective of political speech of
Joseacute de Alencar emphasizing the analysis of his defense of liberalism and slavery
KEYWORDS politics speech liberalism slavery
LISTA DE IMAGENS
FIGURA 1 ndash Fac-siacutemile da segunda ediccedilatildeo das cartas ao Imperador183
FIGURA 2 ndash Fac-siacutemile da primeira ediccedilatildeo das Cartas os povo184
FIGURA 3 ndash Folha de rosto da ediccedilatildeo das Cartas ao Marquecircs de Olinda185
FIGURA 4 ndash Paacutegina do Diaacuterio do Rio de Janeiro registrando a aboliccedilatildeo186
SUMAacuteRIO
INTRODUCcedilAtildeO10
1 A TRAJETOacuteRIA POLIacuteTICA DE ALENCAR22
11 PRIMEIROS ANOS24
12 VIDA NA CORTE27
13 MILITAcircNCIA POLIacuteTICA34
14 UacuteLTIMOS ANOS49
2 CONJUNTURA POLIacuteTICA DO II REINADO55
21 UMA VISAtildeO GERAL56
22 O ESTADO DA ARTE DA IMPRENSA NO OITOCENTOS 64
23 SOBRE AS ELITES NO PODER 70
24 INTELECTUAIS E OPINIAtildeO PUacuteBLICA77
3 LIBERALISMO E ESCRAVIDAtildeO NAS CARTAS DE ERASMO 82
31 LIBERALISMO E ESCRAVIDAtildeO82
32 LIBERALISMO E ESCRAVIDAtildeO O MODELO BRASILEIRO86
33 AS CARTAS DE ERASMO95
331 AO IMPERADOR103
332 AO POVO AO REDATOR DO DIAacuteRIO DO RIO DE JANEIRO121
333 AO MARQUEcircS DE OLINDA AO VISCONDE DE ITABORAHY133
334 NOVAS CARTAS AO IMPERADOR138
4 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS162
5 BIBLIOGRAFIA174
6 ANEXOS183
INTRODUCcedilAtildeO
O Brasil do seacuteculo XIX com a chegada da famiacutelia real nos primeiros anos ateacute e
particularmente o periacuteodo imperial eacute caracterizado por um desenvolvimento
econocircmico social e poliacutetico intenso e relativamente acelerado se comparado a
outras naccedilotildees da Ameacuterica Latina (COSTA 1999) Tal desenvolvimento se deve a
construccedilatildeo de um projeto poliacutetico para o paiacutes que deixando de ser uma colocircnia de
Portugal necessitava afirmar sua nova identidade - agora como uma naccedilatildeo
independente - tanto interna quanto externamente O processo tem iniacutecio com a
transferecircncia para a cidade do Rio de Janeiro do Priacutencipe Regente D Joatildeo VI a
famiacutelia real portuguesa e sua Corte em 1808 gerando um consideraacutevel aumento na
populaccedilatildeo residente e a consequente transformaccedilatildeo da cidade com a construccedilatildeo
de escolas museus teatros faculdades e dentre outras novidades a imprensa
A emancipaccedilatildeo poliacutetica em 1822 manteacutem o sistema monaacuterquico ndash ainda sob a casa
de Braganccedila com D Pedro I ndash agora pelo modelo constitucional tendo por base as
ideias liberais importadas da Europa iluminista A presumida liberdade que o paiacutes
vem a construir garantida na constituiccedilatildeo outorgada pelo governante jaacute encontra
um terreno poliacutetico e econocircmico bastante diverso daquele onde surgiu o liberalismo
europeu tendo por base a agricultura de produtos de exportaccedilatildeo assentada na
escravidatildeo - tanto a lavoura tradicional accedilucareira do nordeste como as novas e
proacutesperas plantaccedilotildees de cafeacute do Vale do Paraiacuteba dependiam do escravo O Brasil
logo depois da emancipaccedilatildeo politica em 1822 possui uma das maiores populaccedilotildees
escravas da Ameacuterica e tambeacutem a maior populaccedilatildeo de afrodescendentes livres no
continente (MATTOS H 2000) a quem natildeo eram concedidos os direitos poliacuteticos
de cidadatildeo E uma minoria tida como aristocraacutetica dominava assentados seus
privileacutegios nas relaccedilotildees que possuiacuteam com a coroa ndash uma administraccedilatildeo do Estado
de modelo conservador com D Pedro e a heranccedila do absolutismo portuguecircs
Liberalismo e conservadorismo convivem entatildeo na sociedade brasileira em
formaccedilatildeo como os dois lados de uma realidade complexa e contraditoacuteria Liberal no
sentido de que as lideranccedilas que surgem se mobilizaram nesse sentido para
justificar a separaccedilatildeo da metroacutepole e ao mesmo tempo conservador por precisar
manter a escravidatildeo e a dominaccedilatildeo do senhoriato (NOVAIS 1996)
Para a manutenccedilatildeo da organizaccedilatildeo do Estado a monarquia reforccedila os laccedilos jaacute
seculares do estamento portuguecircs presentes desde a colocircnia criando ndash tambeacutem
inspirado na tradiccedilatildeo portuguesa ndash o modelo brasileiro de nobreza de gentleman
este emerge como um segmento que se solidifica na figura do intelectual morador
da cidade bacharel em direito (tambeacutem alguns poucos meacutedicos raros engenheiros
e matemaacuteticos) filho do fazendeiro ou do comerciante enriquecido filho do
funcionaacuterio portuguecircs fixado no Brasil neto e bisneto dos donos da terra e
representante uacuteltimo das famiacutelias que viriam compor esta ldquoeliterdquo da terra garantindo
uma continuidade na estabilidade poliacutetica Observa-se assim com a absorccedilatildeo
destes elementos pelo Estado um crescimento de algumas cidades portuaacuterias e
principalmente no Rio de Janeiro onde se instala a Corte e o consequente
desenvolvimento de uma burocracia especializada necessaacuteria agrave administraccedilatildeo do
reino Um conjunto de instituiccedilotildees baseadas no modelo portuguecircs ndash quando natildeo
copiadas integralmente de seus pares em Lisboa ndash de funcionalismo puacuteblico para
uma monarquia de moldes absolutistas que recebe poucas adaptaccedilotildees no Brasil
(FAORO 2004)
Boris Fausto em sua Histoacuteria do Brasil (FAUSTO 2001) defende certa estabilidade
no periacuteodo sustentada pelo desenvolvimento das cidades e o aumento de pessoas
com niacutevel superior Costa (1999) afirma que os nuacutecleos urbanos mais importantes
em sua maioria estavam ao longo da costa brasileira coincidindo com os principais
portos exportadores e o desenvolvimento destes tem ndash por conta de sua localizaccedilatildeo
ndash caracteriacutesticas especiacuteficas das ideias trazidas da Europa pelos jornais e livros que
chegam pelos portos Nas demais aacutereas o crescimento urbano era limitado
prevalecendo a grande propriedade rural Mas com as faculdades de direito em Satildeo
Paulo e Recife sendo construiacutedas na primeira metade do oitocentos o processo de
composiccedilatildeo de uma intelectualidade local jaacute tem iniacutecio tendo como palco os nuacutecleos
urbanos Tal periacuteodo eacute marcado tambeacutem pelo desenvolvimento da imprensa onde
as ideias liberais satildeo proclamadas aos quatro ventos pelos diversos jornais e
pasquins que surgem e desaparecem todos os dias (BAHIA 1990) os homens que
se formam ndash de uma maneira integral eacute certo - naquele novo cotidiano iratildeo
inspirados em um periacuteodo recente de administraccedilatildeo ndash jaacute dissemos moldado no
estamento portuguecircs - desenvolver certa predileccedilatildeo pelo cargo puacuteblico e pelas
letras Segundo Faoro (2004) o funcionaacuterio puacuteblico que se forma eacute um dos
responsaacuteveis diretos ndash senatildeo o uacutenico tecnocrata ndash pela reorganizaccedilatildeo (reinvenccedilatildeo)
do antigo modelo no novo paiacutes Leitores dos jornais e ao mesmo tempo formadores
de opiniatildeo estes homens satildeo os comentadores e partiacutecipes do desenvolvimento
poliacutetico e econocircmico das cidades enquanto inspirados pelas ideias liberais que jaacute
tomam corpo por aqui Estes homens que tem acesso agrave informaccedilatildeo e fazem de sua
praacutexis um elemento transformador da sociedade (GRAMSCI 1976) alguns sendo
sustentados pelo abraccedilo do cargo puacuteblico outros escrevendo para os jornais onde
apresentam e defendem suas ideias (liberais ou natildeo) para os outros homens - que
vem a constituir uma opiniatildeo puacuteblica representada pelos agravevidos leitores desses
mesmos jornais
Isto posto destacamos que essa dissertaccedilatildeo que tem como tema o liberalismo no
Brasil e sua relaccedilatildeo com a escravidatildeo no periacuteodo do segundo reinado apresenta
como seu objetivo geral discutir as dificuldades de implantaccedilatildeo deste sistema
poliacutetico - o liberalismo - em uma sociedade dominada por uma elite assentada na
economia agroexportadora baseada na matildeo de obra do escravo percebendo como
paradoxal esta relaccedilatildeo entendendo ser o liberalismo uma doutrina poliacutetica que tem
por base a defesa da liberdade individual nos campos poliacutetico econocircmico religioso e
intelectual conquistada por meio de lutas da sociedade civil contra o absolutismo do
Estado caracteriacutestico do Antigo regime na Europa Acreditamos com Gramsci
(1989) que o discurso que sustenta tal relaccedilatildeo e tenta justifica-la eacute mediado entre as
elites e o povo por meio dos intelectuais Portanto cabem aqui mais algumas
questotildees qual era a visatildeo dos intelectuais sobre a relaccedilatildeo entre liberalismo e
escravidatildeo no Brasil Os intelectuais comungariam com tais ideias Elas estatildeo
presentes em seu discurso
Nossa duacutevida fundamental a qual a pesquisa busca explicar eacute seraacute que estes
intelectuais que se formam nas primeiras faculdades de direito do Brasil filhos de
fazendeiros comerciantes muitos dos quais ligados direta ou indiretamente agrave
economia agroexportadora baseada no trabalho escravo assumiram o discurso
liberal Estaria este discurso presente em suas representaccedilotildees e em seus textos
Para tanto nosso objetivo especiacutefico seraacute analisar o trabalho de um intelectual do
periacuteodo e uma parte de sua produccedilatildeo Joseacute de Alencar
Dessa forma partimos da seguinte hipoacutetese eacute por meio de um discurso poliacutetico
conservador vinculado as propostas ideoloacutegicas das elites escravocratas
disseminado pelos jornais e panfletos do periacuteodo que os intelectuais construiacuteram
uma imagem paradoxal do liberalismo para o Brasil no segundo reinado
Para construirmos nossa narrativa histoacuterica tomamos como fonte para analisarmos
nossa hipoacutetese as ldquocartas de Erasmordquo Um conjunto de cartas abertas publicadas
sob a forma de folhetins no periacuteodo de 1865 a 1868 dirigidas ao Imperador e a
vaacuterios outros entes poliacuteticos Nossa hipoacutetese eacute de que neste texto possamos
identificar a tentativa de Alencar sustentar uma visatildeo liberal para o desenvolvimento
poliacutetico e econocircmico da naccedilatildeo ao mesmo tempo em que faz uma defesa da
manutenccedilatildeo do sistema escravista no Brasil o que nos faz crer que exista uma
postura liberalconservadora como modelo ideoloacutegico a ser construiacutedo pelas elites
atraveacutes de alguns setores da imprensa Buscaremos nas cartas poliacuteticas de Alencar
indiacutecios da sustentaccedilatildeo de um discurso liberal que tambeacutem apresenta caracteriacutesticas
conservadoras e admite (e reafirma) a manutenccedilatildeo da escravidatildeo no Brasil Para
tanto nos propomos a uma anaacutelise de todo o texto das cartas em uma perspectiva
hermenecircutica baseada nos princiacutepios da anaacutelise do discurso Como sustenta
Intildeiguez (2005) a anaacutelise de discurso como aparentemente possa parecer natildeo eacute
uma aacuterea restrita da linguiacutestica e comporta contribuiccedilotildees de vaacuterias aacutereas de estudo
Ao mesmo tempo considerando que uma das caracteriacutesticas da histoacuteria poliacutetica
renovada segundo Remond (2003) eacute ser um ponto de convergecircncia de diversas
disciplinas como a sociologia a linguiacutestica o direito dentre vaacuterias outras o que lhe
possibilita um ganho analiacutetico consistente e consolida sua natureza interdisciplinar a
anaacutelise de discurso apresenta-se como um caminho consistente para a abordagem
de textos poliacuteticos do periacuteodo Neste caso nossa pesquisa busca entender a relaccedilatildeo
do modelo de liberalismo poliacutetico implantado no Brasil com a escravidatildeo e se a
justificaccedilatildeo para tal discurso estaacute presente nos textos de intelectuais do periacuteodo
tendo como fonte o texto das Cartas Poliacuteticas de Joseacute de Alencar
Nossa pesquisa se justifica pela necessidade de entender a dimensatildeo poliacutetica do
segundo reinado por meio de uma fonte impressa que teve grande circulaccedilatildeo no
periacuteodo de nosso recorte e que pode criar uma inter-relaccedilatildeo entre os pontos
descritos Na anaacutelise do texto de um dos mais importantes intelectuais do periacuteodo
Joseacute de Alencar - poliacutetico atuante jornalista romancista e dramaturgo -
conseguimos um elo entre intelectuais imprensa e elites e a confluecircncia desses
ldquopartidosrdquo no projeto ideoloacutegico de construccedilatildeo da naccedilatildeo (GRAMCI 1989) Tais
elementos satildeo comunmente tomados em separado Com Alencar nas cartas de
Erasmo temos um intelectual que usa do seu texto literaacuteriojornaliacutestico1 em uma
miacutedia alternativa no momento para se dirigir a segmentos da elite poliacutetica e
econocircmica na Corte no Rio de Janeiro Essa confluecircncia portanto eacute a proacutepria
ldquoaccedilatildeordquo do objeto enquanto veiacuteculo de comunicaccedilatildeo
A discussatildeo historiograacutefica sobre nosso tema apresenta estudos por vezes
coincidentes por vezes conflitantes Bosi (1988) afirma que o paradoxo entre
liberalismo e escravidatildeo natildeo existiu no Brasil ldquono periacuteodo que se segue agrave
Independecircncia e vai ateacute os anos centrais do Segundo Reinadordquo (BOSI 1998 p 05)
O autor tambeacutem afirma que para entender a articulaccedilatildeo do liberalismo pregado ndash e
assumido ndash no Brasil com o regime escravagista eacute necessaacuterio compreender o modo
de pensar das classes poliacuteticas dominantes no impeacuterio a partir da independecircncia
Neves (2001) sustenta que o liberalismo no Brasil se alavanca a partir da revoluccedilatildeo
ldquovintistardquo em Portugal que vem propondo reformas que pudessem garantir ao
indiviacuteduo direitos de cidadania e liberdade de expressatildeo e buscando o fim do
despotismo como uma soluccedilatildeo para o impeacuterio O movimento segundo a autora eacute
assimilado sem dificuldade pelos elementos das elites poliacutetica e intelectuais no
Brasil A proposta era buscar o novo mas sem abrir matildeo dos antigos privileacutegios
econocircmicos
Para Gorender (2002) os princiacutepios liberais levados adiante pelos comerciantes e
plantadores visava o direito de ter uma representaccedilatildeo no estado fora das limitaccedilotildees
impostas pela poliacutetica colonial que terminaria com o processo de independecircncia Tal
1 Antocircnio Cacircndido (1999) sustenta ser uma das caracteriacutesticas do periacuteodo (segundo reinado) a
influecircncia do texto literaacuterio nos jornais que temos vaacuterios exemplos em Machado de Assis Joseacute de
Alencar Joaquim Nabuco Capistrano de Abreu para citar alguns
processo segundo ele tem inicio com a abdicaccedilatildeo em 1831 Este autor afirma que
o liberalismo europeu defende o trabalho livre mas lembra tambeacutem que o proacuteprio
Adam Smith natildeo era contra a escravidatildeo nas colocircnias Ou seja o liberalismo
europeu segundo um de seus mais importantes representantes jaacute nasce sob esta
contradiccedilatildeo O autor lembra que mesmo com a Revoluccedilatildeo Francesa tendo
decretado a libertaccedilatildeo dos escravos em suas colocircnias francesas Napoleatildeo
restabelece a escravidatildeo oito anos depois Apesar da pregaccedilatildeo pela liberdade na
Europa nas colocircnias a poliacutetica praticada natildeo era a mesma O que nos leva a
entender melhor a relaccedilatildeo liberalismoescravidatildeo no Brasil
Entendemos entatildeo que no processo de formaccedilatildeo do Estado Imperial Brasileiro
havia diferentes leituras e objetivos para o uso do liberalismo ligadas a interesses
especiacuteficos Por um lado como enfatiza Mattos (1987) a accedilatildeo do grupo conservador
no impeacuterio seguia no sentido da construccedilatildeo de monopoacutelios uma continuidade do
praticado no periacuteodo colonial enfatizando as relaccedilotildees de dominaccedilatildeo sustentadas
pela coroa Costa (1999) identifica certa originalidade no movimento poliacutetico liberal
brasileiro do periacuteodo tentando interpreta-lo como uma figura hiacutebrida onde os
elementos conservadores permanecem e satildeo amalgamados com as praacuteticas liberais
aceitas estruturando as instituiccedilotildees e a visatildeo de mundo pelas elites dominantes
sustentados pelas classes intermediaacuterias que se desenvolvia nas cidades mas que
ao mesmo tempo viam no sistema agroexportador baseado na escravidatildeo uma
dificuldade para o desenvolvimento do capitalismo Por outro lado Carvalho (2007)
chega a subestimar o aspecto liberal sustentando haver um pensamento
conservador dominante sendo a conciliaccedilatildeo entre as correntes de pensamento e os
partidos a poliacutetica da coroa com o intuito de administrar interesses e evitar conflitos
Bosi (1988) sustenta ainda que o traacutefico se apoia por vezes nas proacuteprias
autoridades a quem cabia fazer cessar o traacutefico Satildeo homens ligados a
administraccedilatildeo e a poliacutetica que manteacutem o controle terras do cafeacute e dos escravos o
que faz com que uma defesa da escravidatildeo seja a proposta corrente Nesse
aspecto Prado (2001) concorda que com a produccedilatildeo organizada sob a exploraccedilatildeo
do trabalho escravo sendo muito lucrativa ateacute entatildeo dificilmente teria por parte da
elite qualquer movimento estimulando o seu teacutermino
O liberalismo poliacutetico proposto para o Brasil apresenta assim caracteriacutesticas
diversas conforme os interesses dos diversos grupos das elites poliacuteticas e
econocircmicas no poder Mattos (1987) enxerga no grupo conservador representado
pelos senhores traficantes de escravos e grandes comerciantes um pensamento
contraacuterio agraves ideias liberais e a favor da centralizaccedilatildeo poliacutetica A anaacutelise do sistema
econocircmico agroexportador brasileiro no periacuteodo Imperial tambeacutem nos revela as
muitas contradiccedilotildees da sociedade escravista do seacuteculo XIX o liberalismo econocircmico
e o aumento do fluxo de escravos para o Brasil a defesa da liberdade e o
incremento da escravidatildeo o desenvolvimento do consumo e a pobreza Tacircmis
Parron (2008) sustenta que durante o seacutec XIX toda a defesa do traacutefico e da proacutepria
escravidatildeo como uma instituiccedilatildeo se sustentaram em ideias liberais Agrave medida que
na Europa o sistema econocircmico pregava um livre mercado com o trabalho livre nas
Ameacutericas a escravidatildeo permanecia forte em paiacuteses como os Estados Unidos em
Cuba e no Brasil Emilia Viotti (1999) sustenta para o periacuteodo uma visatildeo hiacutebrida
onde os elementos conservadores presentes no Brasil servem como um equiliacutebrio a
praacuteticas e ideias liberais que poderiam tomar formas mais radicais se acaso
atingissem grupos da populaccedilatildeo estruturando dessa forma as instituiccedilotildees e a visatildeo
de mundo dos principais agentes poliacuteticos no poder no periacuteodo dando ao liberalismo
aqui sua caracteriacutestica ldquocor localrdquo Dessa feita entendemos que o liberalismo
representa distintos interesses da sociedade brasileira e caracteriza-se
diversamente nas diferentes regiotildees do paiacutes e um dos agentes mais importantes na
divulgaccedilatildeo de tais ideias e praticas eacute justamente a imprensa que muito se
desenvolve no periacuteodo como arena de debates de poliacuteticos e intelectuais
Concordando com Bosi (1988) que afirma que o paradoxo entre liberalismo e
escravidatildeo foi somente verbal que o liberalismo simplesmente natildeo existiu enquanto
uma ideologia dominante Segundo ele o que dominou em todo esse periacuteodo no
Brasil foi um ideaacuterio de fundo conservador Um conjunto de normas juriacutedico-poliacuteticas
capazes de garantir a propriedade fundiaacuteria e a escravidatildeo negra ateacute o seu limite E
em nosso entender essa ideologia era difundida por meio dos intelectuais nos
veiacuteculos de comunicaccedilatildeo do periacuteodo como os panfletos pasquins e jornais em
geral
Portanto nosso objetivo aqui para testar nossa hipoacutetese eacute estudar as formas do
discurso poliacutetico em meados do seacuteculo XIX analisando o texto jornaliacutesticoliteraacuterio
de Joseacute de Alencar nas Cartas de Erasmo Acreditamos que Alencar usava seu
texto como um meio para difundir fortalecer e consolidar a ideologia das elites
presentes na corte imperial suas representaccedilotildees e as formas de dominaccedilatildeo
presentes no periacuteodo Alencar toma do discurso liberal alguns princiacutepios para
sustentar a ideologia de grupos vinculados a uma proposta de conservadorismo
poliacutetico em que a manutenccedilatildeo dos privileacutegios desta ldquoaristocraciardquo bem como a
continuidade da escravidatildeo no Brasil satildeo seus pontos principais
A pesquisa se fundamenta tambeacutem na premissa de que a proposta de Alencar era
a de criar um modelo (segundo ele melhor) para a sociedade De tal maneira
podemos designaacute-lo ndash o texto as cartas de Erasmo - como um discurso ideoloacutegico
Um conceito formulado por Chauiacute (revendo Gramsci) nos ajuda de forma elucidativa
Fundamentalmente a ideologia eacute um corpo sistemaacutetico de representaccedilotildees e de normas que nos ensinam a conhecer e a agir A sistematicidade e a coerecircncia ideoloacutegicas nascem de uma determinaccedilatildeo muito precisa o discurso ideoloacutegico eacute aquele que pretende coincidir com as coisas anular a diferenccedila entre o pensar o dizer e o ser e destarte engendrar uma loacutegica da identificaccedilatildeo que unifique pensamento linguagem e realidade para atraveacutes dessa loacutegica obter a identificaccedilatildeo de todos os sujeitos sociais com uma imagem particular universalizada isto eacute a imagem da classe dominanterdquo (CHAUI 1997 p 03)
Dessa feita entendemos a dimensatildeo ideoloacutegica do discurso poliacutetico construiacutedo por
meio das cartas de Erasmo no sentido marxista de corte gramsciano ou seja como
uma concepccedilatildeo de mundo que perpassa desde o discurso comum ateacute formas mais
elaboradas de discurso filosoacutefico Nesse sentido as cartas de Erasmo seratildeo
tomadas como peccedila de anaacutelise enquanto uma dimensatildeo do discurso de Alencar
como ator poliacutetico de seu tempo para uma discussatildeo sobre a relaccedilatildeo entre
liberalismo e escravidatildeo no Brasil Gramsci (1989) nos mostra que os intelectuais se
formaram historicamente em associaccedilatildeo com as elites econocircmicas Seu papel
dentro dos diversos partidos2 eacute a de organizaccedilatildeo e disseminaccedilatildeo da ideologia
Alencar por meio de seu texto busca criticar a administraccedilatildeo vigente e sua relaccedilatildeo
2 Entendendo ldquopartidordquo no sentido mesmo que Gramsci o determinou GRAMSCI Antocircnio
Intelectuais e a Organizaccedilatildeo da Cultura Satildeo Paulo Civilizaccedilatildeo Brasileira 1989
com a coroa por meio de recriminaccedilotildees a poliacutetica econocircmica a administraccedilatildeo da
guerra do Paraguai ao descaso dos poliacuteticos e ndash em nosso caso ndash quanto agraves
propostas para o fim da escravidatildeo
Buscamos nos textos de Gramsci o referencial teoacuterico que ndash acreditamos ndash nos
apresenta uma melhor adequaccedilatildeo a proposta metodoloacutegica aplicada de uma
discussatildeo hipoteacutetico-dedutiva dos textos que se seguem Gramsci nos fornece um
material teoacuterico que - como ele mesmo comenta em sua organizaccedilatildeo inicial para a
escritura dos cadernos - satildeo apontamentos sem uma ligaccedilatildeo serial linear mas que
podem nos fornecer uma base teoacuterica rica conquanto estejam mesmo permitindo-se
uma interpretaccedilatildeo mais heterodoxa das fontes
Gramsci propotildee uma visatildeo ampliada do conceito de Estado em que a relaccedilatildeo entre
sociedade civil e sociedade poliacutetica eacute dialeacutetica A sociedade civil eacute o lugar da luta de
classes pela hegemonia e junto com a sociedade poliacutetica eacute um dos fatores que a
constituem O Estado eacute um elemento aglutinador e como tal formado pela
diversidade de instituiccedilotildees da sociedade civil Eacute uma combinaccedilatildeo de forccedila e
consenso fazendo parecer que os caminhos traccedilados pelo Estado sejam vistos
como consensuais pela maioria expressos pela opiniatildeo puacuteblica em seus diversos
oacutergatildeos (GRAMSCI 1999) Neste conceito ampliado de Estado a sociedade poliacutetica
eacute a definiccedilatildeo de uma esfera na qual se situam os mecanismos de coerccedilatildeo e
dominaccedilatildeo como o aparato policial-militar e a burocracia e a sociedade civil que eacute
formada pelas organizaccedilotildees responsaacuteveis pela elaboraccedilatildeo e difusatildeo das ideologias
como a escola a igreja os partidos poliacuteticos os sindicatos as organizaccedilotildees
profissionais e a miacutedia A cultura para Gramsci estaacute relacionada com a
transformaccedilatildeo da realidade atraveacutes de uma busca e consequente conquista de uma
consciecircncia superior onde cada indiviacuteduo precisa conseguir compreender o seu
valor na sociedade (GRAMSCI 1976) Eacute dessa forma que se daacute a passagem do
momento corporativo ao momento eacutetico-poliacutetico da estrutura agrave superestrutura Isto eacute
expresso por Gramsci atraveacutes do seu conceito ampliado de poliacutetica a catarse O
momento em que a esfera dos interesses corporativos e particulares eleva-se ao
niacutevel da consciecircncia universal e as classes conseguem elaborar um projeto para
toda a sociedade atraveacutes de uma accedilatildeo coletiva Assim sair da passividade para
Gramsci eacute deixar de aceitar a subordinaccedilatildeo que o sistema capitalista impotildee a
alguns estratos da populaccedilatildeo Nesse processo que eacute dialeacutetico podemos observar
um Alencar em sua posiccedilatildeo de aristocrata mas ao mesmo tempo como um
intelectual - um elo para a divulgaccedilatildeo das ideias da elite e a sociedade como um
todo ndash que opta pela reafirmaccedilatildeo de valores tradicionalmente aceitos reafirmando
um modelo adequado que deve perpetuar-se tanto para a famiacutelia como para a
administraccedilatildeo puacuteblica por meio da divulgaccedilatildeo de suas ideias em um veiacuteculo de
comunicaccedilatildeo em detrimento das transformaccedilotildees que acusa como degradadoras
dos valores temos aqui a proacutepria constituiccedilatildeo do bloco histoacuterico Eacute a partir destes
conceitos formulados por Gramsci que buscamos encontrar uma melhor
compreensatildeo do texto de Alencar
No primeiro capiacutetulo nosso trabalho apresenta uma sucinta biografia de Joseacute de
Alencar tentando situar em sua trajetoacuteria os interesses e as escolhas poliacuteticas nas
quais estava inserido e o contexto a que se referia e ndash de certa forma ndash pretendia
criar
No segundo capiacutetulo buscamos mostrar a conjuntura poliacutetica do segundo reinado
junto ao processo de formaccedilatildeo das elites e intelectuais bem como da imprensa no
Brasil A divisatildeo aparentemente estanque tem como elemento agregador a proacutepria
biografia de Alencar Ali se buscam esmiuccedilar os elementos formadores do
intelectual Alencar apresentados anteriormente e como ele se apresenta em seu
campo de batalha
A conjuntura poliacutetica do periacuteodo junto a alguns elementos relevantes que satildeo
tomados pela criacutetica feroz de Alencar
A imprensa - seus primeiros anos no Brasil - na qual Alencar milita como criacutetico e
jornalista sendo este o seu veiacuteculo principal de divulgaccedilatildeo de ideias
As elites que disputam o poder no periacuteodo e tem nos intelectuais seu ponto de
ligaccedilatildeo com as camadas populares
E os intelectuais em si que comeccedilam a se formar nesse periacuteodo no paiacutes
influenciados pelas ideias liberais vindas da Europa e mesmo em parte
compartilhada com os grupos no poder Alencar se apresenta como um intelectual
surgido em uma das primeiras escolas de direito do paiacutes no Largo de Satildeo
Francisco portanto compartilhando de uma relaccedilatildeo direta com os outros elementos
da elite local que estava se formando
Estes elementos apresentados a opiniatildeo puacuteblica a imprensa e as elites formam em
um conjunto o arcabouccedilo do que seria o campo de atuaccedilatildeo do intelectual Alencar e
a proposta de pontuar o ldquoestado da arterdquo em que se apresentam tais segmentos
pode nos auxiliar na construccedilatildeo de um retrato mais niacutetido da superestrutura
(GRAMSCI 1999) no recorte
No terceiro capiacutetulo analisaremos as Cartas de Erasmo dando ecircnfase agraves propostas
de Alencar sobre o problema da escravidatildeo no periacuteodo Natildeo eacute nosso objetivo
debater (ou defender) as questotildees do traacutefico do abolicionismo e das reaccedilotildees em
oposiccedilatildeo dos diversos grupos envolvidos nas questotildees mas a partir da
investigaccedilatildeo da fonte apresentar a questatildeo sob uma oacutetica especiacutefica a de Joseacute de
Alencar como um ator poliacutetico do periacuteodo e seu modelo de representaccedilatildeo poliacutetico e
ideoloacutegico para o Brasil se eacute ou natildeo influenciado pelos ideais do liberalismo
Para tanto apresentamos uma breve exposiccedilatildeo do pensamento de seus principais
representantes na Europa com o intuito de comparar uma possiacutevel similaridade com
o texto das cartas
No quarto e uacuteltimo capiacutetulo nos reservamos a um conjunto de consideraccedilotildees finais
com vistas a uma compreensatildeo do que foi apresentado
As fontes usadas na pesquisa satildeo As cartas de Erasmo publicadas semanalmente
no periacuteodo de 1865 a 1868 e vendidas pelas ruas da Corte do Rio de Janeiro A
publicaccedilatildeo3 com a qual trabalhamos foi organizada por Joseacute Murillo de Carvalho e
conteacutem as seguintes ediccedilotildees
Ao Imperador Cartas de Erasmo de 1865 no caso a segunda ediccedilatildeo de 1866
Uma carta Ao Redator do Diaacuterio (do Rio de Janeiro) de 1865
Ao Povo Cartas Poliacuteticas de Erasmo de 1866 acompanhadas das cartas ldquoAo
Marquecircs de Olindardquo 1866 e ldquoAo Visconde de Itaboraiacute Carta de Erasmo Sobre a
3 ALENCAR Joseacute de Cartas de Erasmo Joseacute de Alencar organizador Joseacute Murilo de Carvalho
ndash Rio de Janeiro ABL 2009
Crise Financeirardquo tambeacutem de 1866
Ao Imperador Novas Cartas Poliacuteticas de Erasmo de 1867-68
Tambeacutem foram de grande auxiacutelio agraves biografias4 pesquisadas e a bibliografia
composta de obras especializadas e baseadas em recentes pesquisas e em textos
de consolidado valor Uma das finalidades da histoacuteria eacute conhecer melhor os
sistemas de representaccedilatildeo das sociedades passando pela literatura e filosofia e
sempre atentando para a produccedilatildeo intelectual (REMOND 2003) Com as cartas de
Erasmo nos apropriamos de um texto criativo coerente e esteticamente belo o que
soacute vem facilitar o trabalho interpretativo Frente a isto aqui temos o Alencar no
comeccedilo da vida puacuteblica se consolidando tanto como artista como um poliacutetico
atuante na Corte - um intelectual Um Alencar que tem muito a nos dizer sobre o
periacuteodo
4 MENEZES Raimundo de Joseacute de Alencar literato e poliacutetico 2a Ed Rio de Janeiro livros teacutecnicos e
cientiacuteficos 1965 NETO Lira O inimigo do rei uma biografia de Joseacute de Alencar ou a mirabolante aventura de um romancista que colecionava desafetos azucrinava D Pedro II e acabou inventando o Brasil Satildeo Paulo Globo 2006 RODRIGUES Antocircnio Edmilson Martins Joseacute de Alencar O poeta armado do Seacuteculo XIX ndash Rio de Janeiro Editora FGV 2001
1 A TRAJETOacuteRIA POLIacuteTICA DE ALENCAR
Eacute um homem de valor poreacutem muito mal educado
D Pedro II referindo-se ao Alencar
Partindo para um esboccedilo sobre a vida de Alencar preferimos trabalhar com uma
biografia criacutetica buscando enfatizar o agente poliacutetico em detrimento do artista Mas
natildeo podemos deixar de ressaltar ser o poliacutetico Joseacute de Alencar tambeacutem um dos
maiores representantes das letras do Brasil no oitocentos Ele ao lado de Machado
de Assis Castro Alves Gonccedilalves Dias e alguns outros natildeo tatildeo notoacuterios tem seu
trabalho caracterizado pela construccedilatildeo de um projeto de modernizaccedilatildeo e a
constituiccedilatildeo de uma identidade para o Brasil O desenvolvimento tecnoloacutegico
cientiacutefico intelectual promovido na Europa era em seu entender um modelo para o
mundo civilizado e o Brasil natildeo poderia ficar fora de tatildeo significativo projeto
A proposta de nossa biografia se daacute na medida em que a pesquisa busca enfatizar
Joseacute de Alencar enquanto poliacutetico O escritor consagrado eacute deixado por um
momento de lado em detrimento dos rumos a que as questotildees relativas agrave histoacuteria
poliacutetica satildeo colocados No caso aqui a histoacuteria da literatura eacute somente um apecircndice
Tendo tambeacutem em mente as advertecircncias deixadas por Remond (2003) sobre o uso
da narrativa factual e subjetivista eminente na biografia de notaacuteveis que cruzavam
o perigoso caminho de avaliar um periacuteodo pelos olhos de um homem apenas ndash
caracteriacutestica da histoacuteria poliacutetica recriminada jaacute pela Escola dos ldquoAnnalesrdquo -
buscamos pelo caminho biograacutefico integrar o Alencar aos diversos agentes poliacuteticos
a fim de desenhar um retrato mais consistente do periacuteodo mas sempre nos
acautelando quanto a direccedilatildeo seguida Neto (2006) e Menezes (1965) sustentam tal
proposta afirmando que o temperamento reservado de Alencar eacute fator determinante
para a anaacutelise de seu texto que no caso das Cartas de Erasmo apresenta
caracteriacutesticas que transitam entre o romantismo literaacuterio e um jornalismo criacutetico
como poderemos ver mais adiante Pocock (2003) justificando uma proposta
biograacutefica comenta que ldquose [temos de ter] uma histoacuteria do pensamento poliacutetico
construiacuteda sobre princiacutepios autenticamente histoacutericos precisamos ter meios de
saber o que um autor ldquoestava fazendordquo quando escrevia ou publicava um texto
ldquo(POCOCK 2003 p28) Ainda na corrente citaccedilatildeo explica que ldquoem inglecircs coloquial
perguntar o que um autor ldquoestava fazendordquo eacute o mesmo que perguntar ldquoo que ele
pretendiardquo ou seja o que ldquoestava tramandordquo ou o que ldquopretendia obterrdquo Quais
seriam as intenccedilotildees de tal autor quando da escritura de seu texto Quais as suas
pretensotildees com tal trabalhordquo (POCOCK 2003 p28) Philippe Levilain (2003) indica
o fim da deacutecada de 1980 como o momento do florescer da biografia na Franccedila
havendo esta sendo reabilitada no meio universitaacuterio ainda na deacutecada de 1960 e jaacute
na deacutecada de 1980 ultrapassa as fronteiras do paiacutes Michael Winock (2003) nos
lembra da emergecircncia de pesquisas sobre os intelectuais e suas ideias no seacuteculo
XX bem como a sua importacircncia para a difusatildeo de modelos poliacuteticos que tem
atraiacutedo agrave atenccedilatildeo de inuacutemeros pesquisadores Com Joseacute de Alencar ampliamos o
horizonte da pesquisa dos intelectuais no Brasil ateacute meados soacute seacuteculo XIX onde
estaacute nosso recorte temporal
Jaacute existem biografias consistentes sobre o Alencar Destaco o trabalho beneditino de
Raimundo de Menezes (1965) ldquoJoseacute de Alencar literato e poliacuteticordquo que recolheu
desde documentos pessoais ateacute fotografias e caricaturas do periacuteodo mas que tenta
natildeo traccedilar uma criacutetica ao trabalho de Alencar sendo um texto predominantemente
factual Eacute para aonde me remeto como uma fonte baacutesica do estudo e que
determina a linha mestra da descriccedilatildeo mas me apoiando tambeacutem em alguns outros
textos5 Ressaltamos aqui que nosso recorte iraacute enfatizar tambeacutem o contexto das
relaccedilotildees sociais que satildeo (ou podem ser) determinadas pelo texto
5Outras biografias satildeo MAGALHAtildeES Raimundo Jr Joseacute de Alencar e sua eacutepoca Satildeo Paulo Ed
Lisa 1971 FILHO Luiz Viana A vida de Joseacute de Alencar Satildeo Paulo Ed UNESPSalvador Edufba 2008 e NETO Lira O inimigo do rei uma biografia de Joseacute de Alencar ou a mirabolante aventura de um romancista que colecionava desafetos azucrinava D Pedro II e acabou inventando o Brasil Satildeo Paulo Globo 2006
11 PRIMEIROS ANOS
No dia 1ordm de Maio de 1829 em uma pequena casa no siacutetio Alagadiccedilo Novo na vila
de Nossa Senhora da Conceiccedilatildeo de Messejana periferia de Fortaleza proviacutencia do
Cearaacute nasce Joseacute Martiniano de Alencar Filho Seu pai um padre que haacute pouco
deixara a batina para se envolver na poliacutetica6 junto com D Baacuterbara de Alencar sua
matildee o irmatildeo Tristatildeo de Alencar e o tio Leonel Pereira de Alencar foi figura de
destaque na revoluccedilatildeo pernambucana Um revolucionaacuterio liberal ldquoexaltadordquo proacute-
repuacuteblica que posteriormente foi eleito deputado constituinte para o congresso
lusitano7 Alencar mantinha relaccedilotildees proacuteximas com os liberais de Minas Gerais e de
Satildeo Paulo como o Padre Joseacute Bento e com Custoacutedio Dias
Os (chamados) rebeldes de Pernambuco eram militares de alta patente
comerciantes senhores de engenho e sobretudo padres (calcula-se em 45 o
nuacutemero de padres envolvidos) Apesar de ter em suas linhas elementos do povo e
escravos natildeo era uma revoluccedilatildeo que pudesse ser chamada de popular Antes
tentava afirmar a dominaccedilatildeo de alguns grupos de elite local Sobe forte influecircncia da
maccedilonaria que disseminava as ideias liberais entre seus grupos os rebeldes
proclamaram uma repuacuteblica independente que incluiacutea aleacutem de Pernambuco as
capitanias da Paraiacuteba e do Rio Grande do Norte chegando com Alencar ateacute o
Cearaacute O movimento chega a controlar o governo durante dois meses Alguns de
seus liacutederes inclusive padres foram fuzilados Alencar consegue o perdatildeo
(CARVALHO 2002)
Com a abdicaccedilatildeo havendo o Senador pelo Cearaacute Joatildeo Carlos Augusto de
Oeynhausen e Gravenburg marquecircs de Aracati acompanhado D Pedro I em sua
volta a Portugal declara o senado a vacacircncia de sua cadeira O nome de Joseacute
Martiniano o pai eacute indicado em lista triacuteplice entregue a apreciaccedilatildeo da Regecircncia-
6 Um padre longe da igreja Menezes (1965) cita em nota que natildeo foram encontrados os registros de
Alencar na arquidiocese de Fortaleza 7 O pai de Alencar poliacutetico ativo e um dos participantes do movimento republicano proclamado no
Cearaacute em 1817 jaacute forneceria uma sedutora monografia Preferimos aqui em funccedilatildeo da metodologia exigida e dos limites da pesquisa buscar uma anaacutelise coerente apesar de firmada em caminhos mais sinteacuteticos
trina Aprovado toma posse em 02 de Maio de 1832 A vida na corte do Rio de
Janeiro o esperava mas natildeo por muito tempo Em 23 de agosto de 1834 eacute nomeado
presidente da proviacutencia do Cearaacute e retorna agrave terra natal com a famiacutelia Passados
alguns anos de uma administraccedilatildeo exemplar com a renuacutencia do Regente Feijoacute ndash
com quem mantinha agora relaccedilotildees proacuteximas - foi exonerado do cargo Alencar e
Feijoacute desde o golpe de estado de 1832 em que se reuniam nas sessotildees do Partido
Moderado jaacute admitiam certa cumplicidade de ideias
A famiacutelia deixa o Cearaacute e ruma novamente agrave corte em meados de 1838 onde o
Alencar reassume sua cadeira no senado O pequeno Joseacute de Alencar entatildeo com
11 anos passa a frequentar o coleacutegio elementar
O pai de Joseacute de Alencar o senador Joseacute Martiniano de Alencar eacute figura chave no
processo de maioridade de D Pedro II Enquanto orador oficial do Senado faz um
discurso durante a coroaccedilatildeo e sagraccedilatildeo do imperador no Paccedilo da cidade clamando
ao povo e a divina providecircncia para que iluminem o futuro monarca (SCHWARCZ
1998) Com a posse de D Pedro II eacute nomeado logo a seguir presidente do Cearaacute
Toma a administraccedilatildeo da proviacutencia por alguns meses mas depois de enfrentar
algumas revoltas populares deixa o governo e retorna agrave Corte em 1841 Neste
ponto o senador Alencar - agora cooptado pelo Estado - provavelmente jaacute estava
bem distante das ideias que proclamava nos movimentos revolucionaacuterios
Joseacute de Alencar o filho tem no Cearaacute - donde passa a infacircncia nessas idas e
vindas - a vida tranquila do interior Ali encontra as imagens que o seguiram pela
vida inteira e ajudaratildeo a criar as representaccedilotildees para uma naccedilatildeo nova esplecircndida
como tudo o mais que havia a sua volta naquele momento
Alencar desembarca em Satildeo Paulo em maio de 1843 ldquoUm mirrado rapazola de
catorze anos Vem completar os exames preparatoacuteriosrdquo (MENEZES 1965 p49) A
falta de livrarias e gabinetes de leitura e a dificuldade de comunicaccedilotildees com a
Europa torna o acesso aos livros uma dificuldade jaacute naquela eacutepoca Os livreiros em
sua maioria se estabelecem no Rio de Janeiro e vendem majoritariamente tiacutetulos
em inglecircs ndash visto a quantidade de residentes ingleses - e francecircs e alguns romances
adaptados e traduzidos mas ainda pouco material (RENAULT 1976)
Alencar eacute uma figura que passaria despercebida em qualquer local Alto magro
moreno de oacuteculos De jeito acanhado ateacute mesmo silencioso Natildeo frequentava as
tabernas ou salotildees o que produzia certo estranhamento natildeo soacute dos colegas da
repuacuteblica mas nos estudantes em geral Durante o Impeacuterio como os cursos
regulares de medicina direito e engenharia ainda natildeo se proliferassem no periacuteodo
tais escolas natildeo se configuravam apenas como um centro de produccedilatildeo de uma
cultura intelectual no Brasil Eram antes espaccedilos para uma consolidaccedilatildeo do poder
nas matildeos de uma elite citadina que comeccedilava a se sobressair (COSTA 1999) A
frequentaccedilatildeo agraves escolas de Direito era a antessala necessaacuteria ao jovem que
buscava a ocupaccedilatildeo em algum cargo puacuteblico A criaccedilatildeo de cursos de niacutevel superior
tambeacutem busca a criaccedilatildeo de um funcionalismo que possa assumir os cargos da
burocracia do Estado Tambeacutem uma parte da formaccedilatildeo da Corte e uma carreira
possiacutevel dentro de um escasso mercado de trabalho
Durante o periacuteodo do curso os estudantes bagunccedilavam a cidade promovendo
reuniotildees serenatas e bebedeiras num tributo a Lord Byron8 em noitadas
ldquosatanistasrdquo Quando Alencar se transfere para Satildeo Paulo esse Byronismo estaacute na
moda (MENEZES 1977 p 50) os estudantes saem pelas ruas blasfemando contra
a vida e o amor de ldquocapa e cabeleirardquo 9 virando a vida de pernas para o ar Alencar
nunca foi dado a esses arroubos da juventude preferindo levar uma vida mais
absorta em seus pensamentos
Em 1846 Alencar se matricula na Academia Ali tem suas primeiras experiecircncias
jornaliacutestico-literaacuterias onde funda junto a alguns colegas primeiranistas a revista
semanal Ensaios Literaacuterios Em comeccedilos de 48 depois de tirar feacuterias em Fortaleza e
no siacutetio Messejana embarca para a cidade de Olinda onde se matricula no 3ordm ano
do curso Juriacutedico A companhia de Alencar ali satildeo os passeios pelas ruas solitaacuterias e
a biblioteca do mosteiro de Satildeo Bento onde funcionava o curso e aonde tem
acesso a exemplares dos cronistas coloniais Natildeo fica ali por muito tempo voltando
8 Poeta romacircntico inglecircs que veio a morrer na primeira metade do seacutec XIX 9 A expressatildeo recolhida por Menezes de um comentaacuterio de Brito Broca estaacute indefinida Parece
remeter aos juristas ingleses e americanos ndash modelos para esta juventude da elite da corte portanto ndash de usarem perucas como um siacutembolo de poder Renault (1976) indica ndash a partir de uma fonte de 1816 - que cada profissatildeo recorre a determinado tipo de cabeleira como forma de distinccedilatildeo
posteriormente para Satildeo Paulo Alencar comeccedila jaacute a sentir os primeiros sintomas da
doenccedila que o acompanharia ateacute o fim da vida e o clima do Nordeste possivelmente
seria um alivio para a tuberculose
Por fim consegue se formar em Direito em 1849 (na turma de 50) na Faculdade de
Direito do Largo de Satildeo Francisco Satildeo Paulo eacute uma ldquocidadezinha de terceira ordem
tristonha e brumosa natildeo possui cerca de 12 a 14 mil almas se tantordquo (MENEZES
1965 p 60) O espaccedilo eacute dividido entre os estudantes grupo entatildeo numerosiacutessimo
ldquoe o restordquo como diziam Meretrizes gente pobre nos corticcedilos alguns emigrantes
que vinham tentar a vida fora do campo e artistas mambembes que buscavam levar
alegria para ali Carvalho (2007) sustenta que a escolha por Satildeo Paulo e Olinda para
o estabelecimento dos cursos de Direito foi uma maneira de unificar os laccedilos entre
as elites dispersas pelas vaacuterias regiotildees para posteriormente associa-las a Corte
Alencar natildeo foge a regra e muda-se para o Rio de Janeiro cidade mais promissora
economicamente onde comeccedila a trabalhar como praticante no escritoacuterio de
advocacia do Dr Caetano Alberto Soares um dos mais procurados chegando a
representar em certas ocasiotildees a Casa Imperial Alencar trabalha ali por quatro
anos onde se inicia nos estudos mais aacuteridos do Direito mas natildeo esquece o
jornalismo
12 VIDA NA CORTE
Em 09 de agosto de 1853 Alencar comeccedila a trabalhar a convite de um amigo na
redaccedilatildeo do jornal Correio Mercantil - chamado ldquoo grande jornal das ideias liberaisrdquo -
com a obrigaccedilatildeo de promover mudanccedilas em sua estrutura que viessem a tornaacute-lo
um pouco mais popular Era tido como um abrigo dos letrados e o mais importante
dos diaacuterios da Corte a eacutepoca Ateacute 1852 o Correio Mercantil era um dos jornais
cariocas com eventual tiragem em francecircs (MENEZES 1965) Alencar passaraacute a
analisar os acontecimentos da semana no rodapeacute da primeira paacutegina da revista
hebdomadaacuteria ldquoPaacutegina Menorrdquo publicada sempre aos domingos No seacuteculo XIX tais
revistas - em formato de folhetins - jaacute satildeo comuns na imprensa nacional
O trabalho de Alencar era reunir diversos assuntos com uma escrita leve e que
chamasse a atenccedilatildeo do puacuteblico Agora mesmo avesso a festas e salotildees de baile -
como o do Cassino Fluminense famoso ponto de encontro onde fluiacuteam amizades e
intrigas liberais e conservadores conversavam serenamente com seu jeito sisudo o
jovem e acanhado jornalista comeccedila a frequentar a sociedade a procura de ideias e
tambeacutem de amigos
Alencar sabia como bom jornalista que por vezes seria preciso natildeo soacute relatar os
fatos mas tambeacutem criaacute-los eacute o caso do desfile de carnaval Desde 1854 a poliacutecia
proiacutebe a praacutetica do entrudo10 no carnaval Em 1855 um grupo de foliotildees animados
por jornalistas do Correio Mercantil em sua maioria resolve por na rua um carnaval
diferente com desfile de banda de muacutesica carros alegoacutericos e cavaleiros nos
moldes do carnaval de Veneza A moda de oacuteperas italianas pelos teatros da cidade
faz com que o estranhamento seja menor pela populaccedilatildeo jaacute familiarizada com os
tipos da comeacutedia italiana como arlequins e colombinas Alencar acompanhando o
entatildeo coronel Polidoro da Fonseca11 e Muniz Barreto proprietaacuterio do Correio
Mercantil vai ao Paccedilo da Quinta da Boa Vista convidar a famiacutelia imperial para o
desfile que viria a passar tambeacutem no Largo do Paccedilo Seria o primeiro destes
desfiles a se apresentar no Rio de Janeiro O imperador comparece e aprecia o
espetaacuteculo D Pedro II poucos anos mais velho que Alencar reconhece naquele
ldquofilho de padrerdquo um pouco da convicccedilatildeo e do ativismo do velho senador Alencar
Poreacutem o fato de Alencar assumir-se ldquoa favor do impeacuteriordquo natildeo quer dizer que morria
de amores por D Pedro II
Em 1855 devido a alguns desentendimentos com a direccedilatildeo do jornal abandona o
Correio Mercantil e sua coluna ldquoAo correr da penardquo que eacute um sucesso na eacutepoca
voltando a militar na advocacia por algum tempo Em outubro do mesmo ano
assume os cargos de gerente e redator-chefe do Diaacuterio do Rio de Janeiro com a
10 O entrudo era uma festa popular oriunda de Portugal Significa literalmente ldquointroduccedilatildeordquo e remonta antigas praacuteticas pagatildes Carnaval de rua que desde os tempos da colocircnia vem sendo proibido pelas autoridades constituiacutedas devido aos constantes excessos do povo Ver por exemplo DAMATTA Roberto Carnavais malandros e heroacuteis Para uma sociologia do dilema brasileiro Rio de Janeiro Rocco 1997 11 Os ldquoFonsecardquo eram uma famiacutelia aleacutem de influente vasta nos quadros do exeacutercito Podemos citar desde alguns heroacuteis da guerra do Paraguai ateacute o grupo que sustenta Deodoro na proclamaccedilatildeo da repuacuteblica Ver para um melhor esclarecimento nota em CARVALHO Joseacute Murilo de A formaccedilatildeo das almas o imaginaacuterio da repuacuteblica no Brasil Satildeo Paulo companhia das letras 1990 p 144
tarefa de reerguer o entatildeo decadente jornal (o primeiro jornal diaacuterio surgido no Rio
de Janeiro12) alavancando suas vendas Jaacute era naquele momento um jornalista com
certo renome e seus textos sugerem influecircncias de autores europeus O modelo
civilizacional francecircs - e isto de comum acordo com a grande maioria dos bachareacuteis
que frequentavam a corte - eram de seu agrado e como muitos outros redatores do
periacuteodo foi dele tambeacutem um divulgador Eacute o ldquoafrancesamentordquo da sociedade
carioca que se manifestava tambeacutem no uso da linguagem pelos jornais Alencar eacute
grande apreciador de Lamartine e leitor de Balzac e Voltaire desde os tempos da
academia em que passava as tardes junto ao dicionaacuterio de francecircs
Nos fins de 1854 vem ao Rio de Janeiro em feacuterias das funccedilotildees de cocircnsul geral na
regiatildeo da Sardenha na atual Itaacutelia o poeta Domingos Joseacute Gonccedilalves de
Magalhatildees - futuro visconde de Araguaia Traz consigo os originais do poema ldquoA
confederaccedilatildeo dos Tamoiosrdquo obra que dizia ele revolucionaria as letras nacionais
Grande amigo de D Pedro II este manda imprimir uma ediccedilatildeo do poema na
conhecida tipografia de Paula Brito13 em rica encadernaccedilatildeo o que jaacute era um motivo
para que o proclamado poema fosse lido O assunto gira em torna das lutas dos
Tamoios com portugueses em meados do seacuteculo XVI no litoral fluminense e paulista
exaltando o quanto podia as figuras histoacutericas do periacuteodo As criacuteticas foram
unacircnimes o poema era ndash segundo comentadores do periacuteodo como Alexandre
Herculano e Gonccedilalves Dias ndash uma grande decepccedilatildeo Alencar oculto pelo
pseudocircnimo Ig14 investe criticamente sobre o poema classificando-o de mediacuteocre
em uma seacuterie de oito cartas publicadas em sua coluna no Jornal Seria este o
primeiro debate substancioso sobre literatura travado no Brasil e de certa forma a
primeira querela envolvendo o artista e o imperador
12 Interessante lembrar que o Diaacuterio do Rio de Janeiro chega a ser apontado como subversivo por
Joseacute Bonifaacutecio que manda averiguar o teor do ldquoescritos incendiaacuteriosrdquo ali publicados em 1822(COSTA 1999 p71) No Diaacuterio seriam publicados artigos contraacuterios agrave monarquia constitucional Alencar era assumidamente um conservador 13 Paula Brito eacute editor e dono de tipografia um conhecido ponto de encontro de intelectuais e poliacuteticos do periacuteodo Mulato de origem pobre assim como Machado de Assis eacute mais um indicativo de que nas letras nacionais a poliacutetica de segmentaccedilatildeo racial era mais amena 14 Menezes comenta em uma nota que tendo o Imperador esquecido de convidar o Alencar para a leitura da ldquoConfederaccedilatildeo dos Tamoiosrdquo em seccedilatildeo no gabinete imperial este viria a se tornar um criacutetico ferrenho de Magalhatildees Nos parece um reducionismo a implicacircncia do Alencar natildeo chega a tanto e sua capacidade como escritor e poliacutetico mostra bem sua capacidade
A carta aberta eacute comum na imprensa do periacuteodo Um comentador coloca suas
opiniotildees de maneira direta e soacutebria com o intuito de publicitar um assunto Um
debate aberto por vezes uma provocaccedilatildeo E o direito de resposta era concedido
prontamente O assunto se tornado interessante era esperado pelos leitores
A maior parte das criacuteticas se refere agrave gramaacutetica e a metrificaccedilatildeo O poeta Arauacutejo
Porto-Alegre cognominado ldquoO amigo do poetardquo sai em defesa de Magalhatildees
Alencar rebate e a esta altura Ig natildeo seria mais um desconhecido Porto-Alegre
chega a transparecer que a peleja do Alencar natildeo seria contra o preterido poeta
mas um ataque indireto ao seu protetor D Pedro II Alguns outros aparecem pelas
paacuteginas do jornal apoiando tropegamente poema e poeta Alencar segue firme e o
imperador assume a pena sob o codinome de ldquoOutro amigo do poetardquo Escreve seis
artigos que Alencar responde com airosidade O imperador pede a opiniatildeo favoraacutevel
de alguns amigos sobre o poema mas nem as criacuteticas encaminhadas por Gonccedilalves
Dias e Alexandre Herculano conseguem convencer D Pedro II do contraacuterio que
Magalhatildees natildeo era tatildeo bom assim Torna-se entatildeo uma guerra puacuteblica de teimosos
Alencar no mesmo ano reuacutene em livro as cartas publicadas sobre A confederaccedilatildeo
dos tamoios No ano seguinte Magalhatildees publica uma segunda ediccedilatildeo do poema
que D Pedro II promove agora chegando a pagar a publicaccedilatildeo de duas traduccedilotildees
para o idioma italiano da obra O imperador incentiva a pesquisa e publicitaccedilatildeo de
trabalhos que enfatizam essa mitologia romacircntica do indigeniacutesmo mas natildeo significa
que esteja preocupado com a esteacutetica literaacuteria Suas razotildees estatildeo mais proacuteximas do
campo poliacutetico como tambeacutem o seria com sua relaccedilatildeo com o instituto histoacuterico e
geograacutefico ao qual era o maior patrocinador Era o momento de solidificar os
siacutembolos da nova naccedilatildeo e o indigeniacutesmo aleacutem de tudo se caracteriza por ser um
movimento antilusitano (ROMANCINI 2007)
Sobre o texto de Magalhatildees o puacuteblico aparentemente se cansa da peleja e Alencar
como redator do jornal precisa procurar mateacuteria mais interessante e a contenda se
dissipa no tempo Mas esta seria a primeira de uma seacuterie de desavenccedilas
envolvendo o Imperador e Alencar
Em dezembro de 1856 Alencar termina seu primeiro livro distribuiacutedo para os leitores
do Diaacuterio do Rio de Janeiro como um presente no Natal No ano seguinte publica o
primeiro folhetim15 de O guarani no Diaacuterio e depois em livro organizado em quatro
volumes e os primeiros capiacutetulos de A viuvinha em folhetim O sucesso de O
guarani eacute tamanho que vaacuterias portas satildeo abertas para o escritor Eacute neste ano que
Alencar ingressa no teatro com sua peccedila ldquoO Rio de Janeiro verso e reversordquo em
novembro estreia com ldquoO democircnio familiarrdquo e ainda em dezembro do mesmo ano a
comeacutedia ldquoO creacuteditordquo A sociedade apresentada nos palcos do Rio de Janeiro para
Alencar natildeo seria aquela que ele via nas ruas Seu modelo era a ldquosociedaderdquo
francesa Comenta assim em uma crocircnica
(hellip) a verdadeira comeacutedia a reproduccedilatildeo exata e natural dos costumes de uma eacutepoca a vida em accedilatildeo natildeo existe no teatro brasileiro Natildeo achando pois em nossa literatura um modelo fui buscaacute-lo no paiacutes mais adiantado em civilizaccedilatildeo e cujo espiacuterito tanto se harmoniza com a sociedade brasileira na Franccedila Fui feliz o puacuteblico ilustrado foi mais beneacutevolo do que eu esperava e merecia O Democircnio Familiar escrito conforme a escola de Dumas Filho sem lances cediccedilos sem gritos sem pretensatildeo teatral agradourdquo (MENEZES 1977 p 135)
No exposto entendemos que Alencar buscava um modelo ldquomelhorrdquo segundo ele
para a sociedade carioca O modelo francecircs de certa forma jaacute impregnado na
sociedade da Corte eacute agora validado pela arte e aplaudido pelo grupo Tal modelo
como afirma natildeo estava na literatura dramaacutetica nacional A vida em accedilatildeo natildeo existe
no teatro A questatildeo eacute qual seria essa vida que Alencar buscava A das ruas
imundas do Rio de Janeiro dos escravos que recolhiam os dejetos na cidade da
incipiente induacutestria nacional Certamente natildeo
A peccedila de maior aceitaccedilatildeo puacuteblica eacute ldquoO democircnio familiarrdquo e a mais divulgada de
suas comeacutedias Machado de Assis em um artigo qualifica a peccedila ldquoO democircnio
familiarrdquo como um retrato da famiacutelia brasileira no periacuteodo com sua caracteriacutestica ndash
segundo ele ndash paz domeacutestica O texto circula tambeacutem em versatildeo impressa com uma
dedicatoacuteria agrave imperatriz D Teresa Cristina o que chega a ser considerado uma gafe
de Alencar sendo a personagem principal o referido democircnio familiar um moleque
chamado Pedro assim como D Pedro II (e tambeacutem D Pedro I ) Na estreia do
espetaacuteculo no Teatro do Ginaacutesio comparecem D Teresa e D Pedro II que chega a
se irritar com os olhares maliciosos e risadas do puacuteblico a cada travessura do
15
Alencar estava - de certa forma - na vanguarda da miacutedia O folhetim foi uma invenccedilatildeo de Gustave
Planche no dececircnio de 1820 na Franccedila introduzindo uma forma diferenciada agrave narrativa do romance Era um modelo que agradou e ajudou a construir popularidade para Alencar Ver CAcircNDIDO Antocircnio Literatura e Sociedade 9ordf Ed Rio de Janeiro Ouro sobre Azul 2006 p 43
escravo no palco Segundo esse autor se origina daiacute e natildeo do episoacutedio da
Confederaccedilatildeo dos Tamoios as diferenccedilas entre o imperador e Alencar De qualquer
forma natildeo se pode deixar de ver Joseacute de Alencar como um implicante
Em 30 de maio de 1858 no teatro do Ginaacutesio Dramaacutetico estreia a comedia ldquoAs asas
de um anjordquo Depois da terceira apresentaccedilatildeo puacuteblica o texto eacute proibido pelo chefe
de poliacutecia Alencar vem a puacuteblico atraveacutes do Diaacuterio questionar a arbitrariedade e
apresentar sua defesa Questiona como um espetaacuteculo aprovado anteriormente pela
censura (apresenta-las anteriormente aos censores era o procedimento padratildeo)
poderia ser logo depois proibido Diz o autor ter se baseado em uma peccedila de
Alexandre Dumaacutes Filho sobre uma prostituta jaacute tendo sido o espetaacuteculo
apresentado no mesmo teatro semanas a fio sendo assim bem conhecida do
puacuteblico Apresenta ali seus argumentos e motivos repetindo que natildeo entende como
um texto que ele mesmo admite eacute adaptado de um romance europeu ndash a dama das
cameacutelias - que apresenta jaacute a eacutepoca relativo sucesso de puacuteblico no teatro pocircde ser
censurado Eacute ali que Alencar entende da pior maneira que a sociedade carioca de
entatildeo natildeo aceita ser confrontada com uma caracterizaccedilatildeo tatildeo realista de seus
costumes Havia assuntos ainda difiacuteceis de discutir Eacute interessante nos determos um
pouco aqui para analisar o confronto do autor com a censura Alencar se sente
intimamente ofendido com a proibiccedilatildeo e parte para sua defesa puacuteblica fazendo o
que sabe fazer mobilizar a opiniatildeo puacuteblica atraveacutes do jornal
Em 28 de junho de 1858 Alencar puacuteblica no Diaacuterio do Rio de Janeiro um artigo que
viria a ser uma espeacutecie de ldquodireito de defesardquo a censura do espetaacuteculo16 Eacute
interessante no sentido de que podemos ter uma visatildeo ampla da censura praticada
pelas instituiccedilotildees puacuteblicas no periacuteodo imperial Eacute ndash inicia a carta indicando ndash o seu
direito e dever como escritor Alencar se diz indiferente a ldquopuniccedilatildeordquo e explica que tal
somente serviraacute para ldquoexcitar a curiosidade puacuteblicardquo por isso vem a puacuteblico
defender-se apenas por que se diz um defensor da moral e natildeo quer manchar sua
imagem aceitando passivamente a (afirma) injusticcedila Natildeo pretende fugir a puniccedilatildeo e
afirma que ldquose quiser dar-lhe maior publicidade tenho ainda um meio a imprensa
16
Artigo transcrito na seccedilatildeo ldquoensaios literaacuteriosrdquo em ALENCAR Joseacute de Teatro completo Rio de
Janeiro Serviccedilo Nacional de Teatro 1977 As referecircncias entre aspas satildeo todas do artigo
que natildeo estaacute sujeita agrave censura policialrdquo A peccedila conta havia sido liberada por meio
de despacho especiacutefico pela poliacutecia em 25 de maio e pelo Conservatoacuterio Dramaacutetico
ainda em janeiro o que jaacute indica uma contradiccedilatildeo Dentre as causas estipuladas
pela lei para a proibiccedilatildeo de espetaacuteculo teatral estavam o ataque agraves autoridades
constituiacutedas o desrespeito agrave religiatildeo e a ofensa agrave moral puacuteblica que no entender do
jornalista seria o motivo da proibiccedilatildeo
Alencar afirma ter pensado bastante na reaccedilatildeo que o puacuteblico teria sobre o tema e
afianccedila ter se baseado em obras dramaacuteticas filhas da chamada ldquoescola realistardquo que
vem de Paris e que tecircm sido representadas em nossos teatros sende ele mesmo
um dos espectadores Mas sustenta ldquoesqueci-me que o veacuteu que para certas
pessoas encobre a chaga da sociedade estrangeira rompia-se quando se tratava de
esboccedilar a nossa proacutepria sociedaderdquo (ALENCAR 1977 p 227) Afirma que o puacuteblico
da Corte assistindo a ldquoA dama das Cameacuteliasrdquo ou agraves ldquoMulheres de Maacutermorerdquo cada
um toma Margarida Gauthier e Marce satildeo apenas duas moccedilas um pouco
estravagantes mas quando se transpotildee a questatildeo para o Brasil em As asas de um
anjo o espectador encontra a realidade diante de seus olhos e espanta-se sem
razatildeo de ver no teatro sobre a cena o que vecirc todos os dias na rua e nos passeios
Mas o que seria imoral O que motivaria tal ato da poliacutecia Alencar explica que eacute
imoralidade o ato que a moral reprova Alencar se defende dizendo que sua intenccedilatildeo
era a pretenccedilatildeo de mostrar uma liccedilatildeo para os pais de famiacutelia sobre a necessidade
de cuidarem da educaccedilatildeo moral de seus filhos de constituiacuterem-se enquanto famiacuteias
Sustenta que em sua tese natildeo haacute aiacute uma soacute personagem que natildeo represente uma
ideia social que natildeo tenha uma missatildeo moralizadora Natildeo eacute ele quem nos
apresenta diz eacute a proacutepria sociedade E as instituiccedilotildees puacuteblicas criam um
impedimento para que o grupo possa comfrontar sua realidade eacute mais uma barreira
constriacuteda como podemos observar entre o povo (rebelde inculto imoral) e a elite
que soacute observa isso de sua cadeira ou camarote estando distante de tudo
Alencar se desgosta com aquilo e abandona logo depois o Diaacuterio do Rio de Janeiro
e a dramaturgia (pelo menos por enquanto) voltando a se dedicar ao Direito e a seu
trabalho como advogado no escritoacuterio do Dr Caetano Alberto E agora com clientela
vasta Ao longo do periacuteodo imperial com a estabilidade da economia e um maior
(ainda pouco) desenvolvimentos das cidades aparecem outros caminhos para o
trabalho que natildeo somente a burocracia mas a grande maioria dos profissionais
liberais natildeo consegue manter-se Apesar do desenvolvimento da advocacia do
magisteacuterio da medicina do jornalismo muitos destes profissionais liberais ndash o caso
de Alencar ndash encampam duas profissotildees ao mesmo tempo como forma de
sobrevivecircncia ou de esperar ser alcanccedilado pelo braccedilo sedutor do emprego puacuteblico
Para Neto (2006) a produccedilatildeo literaacuteria de Alencar natildeo estaacute desvinculada de sua
personalidade um tanto depressiva e afastada da vida noturna da capital lugar
comum para poliacuteticos e jornalistas - vaacuterios deles conhecidos por Alencar que
preferia a tranquilidade de sua propriedade na periferia onde recebia alguns poucos
amigos Ali entre seus livros dedicava-se a leitura de cronistas e historiadores e a
pesquisa sobre a histoacuteria poliacutetica dos seacuteculos XVIII e XIX Tais leituras teriam levado
Alencar a um aprofundamento de sua reflexatildeo criacutetica sobre a realidade brasileira e
os padrotildees de comportamento da sociedade e das instituiccedilotildees que a constituem e
da famiacutelia burguesa em particular
13 MILITAcircNCIA POLIacuteTICA
Em dezembro de 1858 quando Nabuco de Arauacutejo assume o cargo de Ministro e
Secretaacuterio de Estado dos Negoacutecios da Justiccedila trata logo de promover uma reforma
interna neste e o nome de Alencar eacute lembrado para uma diretoria de Seccedilatildeo na
Secretaria de Estado dos Negoacutecios da Justiccedila Depois de alguns meses no cargo
solicita a um amigo do partido conservador o entatildeo conselheiro Euseacutebio de Queiroz
uma melhoria em seu cargo Em maio de 1859 seu pedido eacute aceito e agora como
consultor recebe o tiacutetulo de conselheiro com seus 30 anos Comeccedila o gosto pela
poliacutetica que estava desde sempre segundo Alencar em sua famiacutelia No mesmo ano
que entra para o ministeacuterio eacute nomeado professor de direito mercantil do Instituto
Mercantil no Rio de Janeiro Ao mesmo tempo publica vaacuterios trabalhos juriacutedicos de
reconhecido valor que alcanccedilam segundas e terceiras ediccedilotildees o que prova que o
texto de Alencar era procurado e lido que conseguiu sucesso como autor ainda em
sua juventude (algo dificilmente alcanccedilado mesmo hoje)
A poliacutetica assim dizia o Alencar era como uma religiatildeo em sua famiacutelia e o desejo
por uma cadeira na Assembleia jaacute eacute latente Mas em sua primeira candidatura em
1856 para uma cadeira de deputado geral pela proviacutencia do Cearaacute na primeira
eleiccedilatildeo por distritos natildeo eacute eleito na ocasiatildeo (ALENCAR 2009) Em 15 de marccedilo de
1860 tem outro desgosto falece o velho senador Alencar seu pai Talvez a uacuteltima
chance de associaccedilatildeo aos quadros do Partido liberal No mecircs seguinte comeccedila
uma correspondecircncia com amigos no Cearaacute jaacute no intuito de buscar uma candidatura
para deputado Em novembro e ainda trajando luto17 embarca para Fortaleza onde
busca amigos e correligionaacuterios para iniciar sua campanha pelo partido conservador
nas periferias da capital cearense Com a quantidade limitada de eleitores pela
legislaccedilatildeo vigente em poucos dias consegue-se conversar com um significativo
percentual de eleitores Apesar de seu pai ser um grande nome do partido liberal e
mesmo Alencar sendo o redator-chefe do Diaacuterio do Rio de Janeiro folha
declaradamente liberal o partido natildeo sugeriu uma filiaccedilatildeo ou a possibilidade de
concorrer a algum cargo puacuteblico fato que seraacute lembrado posteriormente com certa
amargura Talvez com os liberais Alencar pudesse exercitar melhor sua ojeriza por
D Pedro II que jaacute era manifesta a eacutepoca Talvez pelo mesmo motivo o partido natildeo
o desejasse em suas linhas A tatildeo falada homogeneidade de pensamento entre
liberais e conservadores se aplica aqui onde algueacutem que pudesse desagradar o
imperador seria um filho sem pai O que Alencar jaacute sabia era que se natildeo
conseguisse apoio de alguma lideranccedila poliacutetica ndash de um lado ou de outro -
provavelmente natildeo seria eleito Foi o que aconteceu no primeiro pleito Alencar
entatildeo se ldquoapadrinhardquo de Euseacutebio de Queiroz e com o apoio deste e do grupo
conservador eacute eleito para a Cacircmara em 1861
Os principais partidos do periacuteodo o liberal e o conservador apresentavam algumas
diferenccedilas importantes O professor Bonavides consegue uma caracterizaccedilatildeo
abrangente para o periacuteodo de nosso recorte
17 O traje de luto para meados do seacuteculo XIX era conservado por um tempo relativamente grande
quando se tratava de um familiar proacuteximo Poreacutem pode ter funcionado como uma ferramenta
importante na construccedilatildeo de um personagem para sua campanha poliacutetica Ele eacute praticamente um
desconhecido no Cearaacute Eacute preciso mostrar-se como cristatildeo bom filho etc
Os liberais do Impeacuterio exprimiam na sociedade do tempo os interesses urbanos da burguesia comercial o idealismo dos bachareacuteis o reformismo progressista das classes sem compromissos diretos com a escravidatildeo e o feudo
Os conservadores pelo contraacuterio formava o partido da ordem o nuacutecleo das elites satisfeitas e reacionaacuterias a fortaleza dos grupos econocircmicos mais poderosos da eacutepoca os da lavoura e pecuaacuteria compreendendo plantadores de cana-de-accediluacutecar cafeicultores e criadores de gado (BONAVIDES 2000 p491)
Tambeacutem Ilmar Mattos (1987) afirma que a diferenccedila entre ldquoLuzias e Saquaremasrdquo jaacute
estava demarcada desde as revoltas liberais do periacuteodo regencial Poreacutem como os
partidos poliacuteticos ainda natildeo havia desenvolvido suficiente forccedila enquanto instituiccedilatildeo
e ainda natildeo haviam desenvolvido sua configuraccedilatildeo atual geralmente os interesses
pessoais (e as ideias) determinavam as accedilotildees dos poliacuteticos Joseacute Murillo de
Carvalho (2007) sustenta a posiccedilatildeo dos magistrados tipicamente centrados no
partido conservador tanto quanto o clero no partido liberal tendo o grupo dos
militares preferido manter certa neutralidade e por fim um ldquogrupo ascendente de
profissionais liberais formando a ala ideoloacutegica do Partido Liberal e o nuacutecleo do
Partido Republicano do Rio de Janeirordquo (CARVALHO 2007 p 225) Nas cartas
Alencar sustenta que ldquoera do comeacutercio portuguecircs e aderecircncias que o partido
conservador tirava principalmente sua forccedila e os recursos com que sustentava a
lutardquo e mais adiante afirma que ldquoo partido conservador servia-se da induacutestria para
subir ()rdquo (ALENCAR 2011 p63) Em sua quase totalidade estes homens eram
representantes de uma sociedade patriarcal europeizada escravagista e machista
Tais homens partilhavam desse universo cultural que inclusive os caracterizava
independente do partido a que estavam filiados E quantas vezes tais interesses natildeo
se confundiam com a vontade do imperador - figura maior que muitos queriam
agradar e poucos tinham coragem de desagradar Bonavides (2000) citando Rui
Barbosa diz que os dois partidos na praacutetica se resumiriam em um soacute o partido do
poder Faoro (2004) tambeacutem sustenta que no segundo reinado a partir de 1836 a
histoacuteria poliacutetica brasileira se resumiria aos dois grandes partidos o liberal e o
conservador A conciliaccedilatildeo foi algo como uma orientaccedilatildeo um acordo intrapartidaacuterio
ou mesmo uma coligaccedilatildeo e natildeo outro partido A liga que eacute tida como a associaccedilatildeo
geradora do partido progressista foi uma organizaccedilatildeo primaacuteria dessa lideranccedila que
tem seu teacutermino com a deposiccedilatildeo de Zacarias de Goacuteis em 1868 tendo seus filiados
se rearranjado entre liberais e conservadores As discussotildees entre as diferenccedilas
ideoloacutegicas dentro dos partidos excedem a pretensatildeo deste trabalho O que
modestamente se sustenta aqui eacute que a filiaccedilatildeo partidaacuteria se dava a princiacutepio natildeo
como resultado de um aceite pelo ator poliacutetico da base ideoloacutegica do partido ndash se eacute
que houvesse uma O partido conservador por exemplo nunca chegou a escrever
um manifesto ou coisa que o valha ndash mas a suas necessidades pessoais suas
pretensotildees sociais e para seu favorecimento econocircmico Para efeito geral
acompanharemos a anaacutelise de Carvalho
A complexidade dos partidos se refletia naturalmente na ideologia e no comportamento poliacutetico de seus membros dando agraves vezes ao observador desatento a impressatildeo de ausecircncia de distinccedilatildeo entre eles Um exame embora sumaacuterio de alguns problemas cruciais enfrentados pelos poliacuteticos do Impeacuterio pode no entanto mostrar tanto as divergecircncias interpartidaacuterias como intrapartidaacuterias (CARVALHO 2007 p 219)
Em Janeiro ao se realizarem as eleiccedilotildees secundaacuterias Joseacute Martiniano de Alencar
Filho eacute eleito pelo 1ordm distrito (tendo segundo um comentaacuterio seu obtido tambeacutem 30
votos dos cerca de 220 eleitores liberais) no Cearaacute junto a outros seis candidatos de
seu partido Em 23 de maio inicia seus trabalhos na corte O cargo de deputado eacute
um importante comeccedilo para a vida puacuteblica
Apesar de eleitos por um periacuteodo de quatro anos frequentemente conseguiam ser reeleitos para vaacuterias legislaturas ou detinham importantes cargos administrativos Muitos encontraram na Cacircmara um caminho faacutecil para o Senado e o Conselho de Estado Assim como os conselheiros de Estado e os senadores os deputados pertenciam a uma rede poliacutetica de clientela e patronagem que utilizavam tanto em seu proacuteprio benefiacutecio quanto no de seus amigos e protegidos (COSTA 1999 p 141)
Ainda sobre o assunto uma interessante anotaccedilatildeo de Tavares Bastos em seu diaacuterio
pessoal nos ilustra bem a posiccedilatildeo de ldquoclientelardquo a que os deputados estavam
submetidos Referindo-se ao fim de setembro 1869 comenta sobre uma reuniatildeo dos
senadores liberais autorizando Zacarias de Goacuteis a prosseguir negociaccedilotildees sobre o
orccedilamento com Cotegipe ministro da Marinha Ao redigir a informaccedilatildeo refere-se
aos senadores que compotildee uma fraccedilatildeo do partido denominada progressista ndash critica
ou ceticamente - como ldquoos nossos chefesrdquo (ABREU 2007 p122) Disto podemos
deduzir e ainda segundo o depoimento de Costa que Alencar tambeacutem natildeo eacute
nenhum ldquoheroacuteirdquo do Brasil Quer o cargo puacuteblico como uma seguranccedila que garanta
uma rede de relacionamentos necessaacuteria a permanecircncia nesta periferia da elite
com vistas a uma posterior promoccedilatildeo
Quando do iniacutecio dos trabalhos todos os olhares estavam postos sobre Alencar
Romancista e dramaturgo jaacute famoso jornalista respeitado filho de importante
Senador que chegara a orador do Senado na coroaccedilatildeo do Imperador a casa estava
cheia de expectativa para a fala inicial No calor da hora a emoccedilatildeo lhe sobe a
cabeccedila O discurso proferido tatildeo aguardado foi um grande fiasco com momentos
de indecisatildeo e certa disfemia Eacute aos poucos que a palavra lhe vai acontecendo vai
achando seu lugar na tribuna durante o mandato Os argumentos a reacuteplica sempre
pronta o exerciacutecio parlamentar vai construindo o personagem poliacutetico Joseacute de
Alencar que chega a ser um dos mais respeitados oradores da cacircmara A
humilhaccedilatildeo nos primeiros dias arranha um pouco do orgulho e da habitual
arrogacircncia do escritor para depois se constituir em um aprendizado decisivo do
poliacutetico
Em 13 de maio de 1863 eacute dissolvida a Cacircmara Alencar sentindo a doenccedila faz
algumas viagens de repouso fora do Rio de Janeiro De volta agrave Corte passa a morar
na Tijuca e diminui o ritmo da produccedilatildeo literaacuteria atendendo a conselhos meacutedicos Ali
conhece aquele que viria a ser um grande amigo o meacutedico Dr Thomaz Cochrane18
de quem posteriormente toma a filha em casamento Georgiana Augusta Cochrane
Em 1865 nasce seu primeiro filho Augusto
De temperamento arredio dado mesmo a solidatildeo com a dedicaccedilatildeo ao trabalho
redobrada agora pela necessidade de sustentar uma casa natildeo sendo um associado
do Instituto Histoacuterico e Geograacutefico natildeo sendo frequentador assiacuteduo de salotildees ou da
livraria do Paula Brito como outros literatos vai desligar-se ainda das poucas
relaccedilotildees sociais que tem Fecha-se na famiacutelia e para si Eacute o ano em que publica as
primeiras cartas de Erasmo dirigidas ao Imperador
18
Que natildeo eacute o Almirante Cochrane militar contratado por D Pedro I para ldquomassacrarrdquo rebeldes
revolucionaacuterios pelo Brasil afora
Em novembro de 1865 comeccedilam a aparecer nas livrarias do Rio de janeiro uma
seacuterie de ldquocartas abertasrdquo publicadas sempre as terccedilas-feiras endereccediladas ao D
Pedro II e assinadas com o pseudocircnimo de Erasmo mas logo se soube que o autor
era o deputado Alencar A procura pelos folhetins era imensa Havia quem
esperasse a chegada de um vendedor pelas ruas para adquirir seu exemplar19 O
proacuteprio imperador natildeo deixava de estar atento a cada nova carta era como mais um
sucesso literaacuterio Publica tambeacutem em 1866 ldquoOs partidosrdquo em formato de livro mas
discutindo as mesmas questotildees e de forma menos informal
As cartas continham um conjunto de denuncias sobre as irregularidades na poliacutetica e
no procedimento eacutetico dos poliacuteticos Falam do poder moderador da situaccedilatildeo
financeira do paiacutes natildeo haacute assunto que escape ao jornalista Posteriormente
endereccedila outra carta esta ao Visconde de Itaboraiacute ex-Ministro dos Negoacutecios e da
Fazenda uma carta sobre a crise financeira em que tece vaacuterios elogios a este e
mais uma endereccedilada ao Marquecircs de Olinda De julho a agosto publica uma seacuterie
de cartas ao povo20 Alencar se coloca sempre e antes como um pensador da
poliacutetica Algueacutem que observa e indica um caminho para a naccedilatildeo e sua condiccedilatildeo de
jornalista eacute decisiva passa isso Deve-se ter em conta que um pensador poliacutetico eacute
algueacutem que observa contextos comportamentos e instituiccedilotildees e a partir de disputas
retoacutericas em torno de tais conceitos e que busca criticar o poder instituiacutedo e as
justificativas que este toma para continuar no poder
Alguns fatos satildeo modelares para mostrar o desinteresse de Alencar pela sua
valorizaccedilatildeo enquanto uma personagem social preferindo ser identificado enquanto
escritor Prefere as letras e a tranquilidade de seu recanto agrave vida social que poderia
ter na Corte Um exemplo disto eacute o episoacutedio da condecoraccedilatildeo Em 1867 o Alencar
por decreto imperial eacute agraciado com o oficialato da Ordem da Rosa pelos
relevantes serviccedilos prestados agraves letras no paiacutes Um agrado da parte de D Pedro II
feito sem que houvesse uma solicitaccedilatildeo ou concurso A poliacutetica de condecoraccedilotildees eacute
19 Eacute o depoimento de Barros Pimentel que demonstra como o o folhetim foi um meio importante de
divulgaccedilatildeo no periacuteodo
20 As cartas seratildeo analisadas em capiacutetulo a parte
basicamente a mesma dos tiacutetulos nobiliaacuterquicos brasileiros formas de cooptaccedilatildeo de
elementos da elite para o ldquopartidordquo do Imperador Nos anos finais do impeacuterio D
Pedro II agraciaria vaacuterios fazendeiros com a ordem da Rosa pela iniciativa destes
em libertar seus escravos (NOVAIS 1997) Alencar sem um motivo aparente
recusa a condecoraccedilatildeo publicamente solicitando ao redator do Jornal do Comeacutercio
que publicite sua decisatildeo Eacute mais uma alfinetada em D Pedro II que a princiacutepio
busca trazer Alencar para seu grupo mais proacuteximo A caminhada na carreira poliacutetica
vai se tornando ldquocomplicadardquo com tais atitudes de intransigecircncia pelo menos para
algueacutem dentro do partido conservador que almeja seguir adiante
Em 1868 estaacute agrave frente do governo o gabinete liberal presidido por Zacarias de Goacuteis e
Vasconcelos Por conta de alguns desentendimentos entre Zacarias e o marquecircs de
Caxias jaacute tomado como um heroacutei por sua atuaccedilatildeo na guerra do Paraguai D Pedro
II eacute impelido pela imprensa a tomar algum lado na rinha e cai o gabinete Sobem
entatildeo os conservadores sob a chefia do visconde de Itaboraiacute O nome de Alencar eacute
proposto para o Ministeacuterio da Justiccedila e sob o espanto de muitos aprovado pelo
imperador D Pedro estaria tentando amarrar uma ponta da corda que tinha agraves
matildeos no pescoccedilo do teimoso literato Alencar reluta num primeiro momento mas
depois de seu ego ter sido acariciado por algumas visitas de partidaacuterios como o
baratildeo de Muritiba e o Conselheiro Paulino de Souza - falando em nome do Futuro
presidente do Conselho - resolve por bem aceitar o cargo O ministeacuterio apelidado
ldquogabinete-bombardquo toma posse em 16 de julho Eacute composto por aleacutem da figura do
Presidente do Conselho e Ministro da Fazenda o Visconde de Itaboraiacute Joaquim
Rodrigues Torres Paulino Joseacute Soares de Souza como Ministro do Impeacuterio Joseacute de
Alencar Ministro da Justiccedila Joseacute Maria Paranhos o visconde do Rio Branco
Ministro dos Estrangeiros Joatildeo Mauriacutecio Mariani Wanderley o baratildeo de Cotegipe
Ministro da Marinha Manoel Vieira Tosta o visconde de Muritiba Ministro da Guerra
e Joaquim Antatildeo Fernandes Leatildeo Ministro da Agricultura Comeacutercio e Obras
Puacuteblicas A ascensatildeo dos conservadores eacute um fato consumado Alencar eacute aleacutem de
tudo o ministro mais jovem do gabinete mas aos olhos do Imperador natildeo era um
inexperiente D Pedro II parece natildeo se importar com a presenccedila do autor das
Cartas de Erasmo antes se comporta como um admirador da obra de Alencar
Mudanccedilas haacute mas nem tanto As figuras de Rodrigues Torres e Paulino que ndash
segundo Ilmar Mattos (1987) seriam o braccedilo forte da chamada ldquotrindade saquaremardquo
- por tanto tempo estiveram a frente do poder retornam agora com a
responsabilidade de reorganizar a casa Ao mesmo tempo e ateacute como uma forma
de equiliacutebrio de forccedilas D Pedro II tambeacutem tinha seu jeito de se resguardar das
pressotildees exercidas pelas elites no poder e da influecircncia de seus associados e
apadrinhados Em muitos momentos leva a lideranccedila do gabinete homens sem
propriedades lideres com ascendecircncia humilde portanto natildeo diretamente atrelados
aos interesses de grupos poderosos desatados dos laccedilos familiares ou
ldquopatronagemrdquo com fazendeiros e comerciantes ligados ao traacutefico e a exportaccedilatildeo
como Saraiva Zacarias o Visconde de Ouro Preto o marquecircs de Paranaacute entre
outros Eles que estariam mais proacuteximos ao imperador seriam tambeacutem uma ultima
barreira de contenccedilatildeo dos movimentos em prol da diminuiccedilatildeo dos poderes da
monarquia (COSTA 1999) O movimento republicano soacute toma corpo em 1873 e
adiante mas as rusgas que o poder moderador incita no parlamento jaacute se fazem
presentes Alencar no ministeacuterio trabalha com o afinco que sempre daacute a seus
afazeres Isso natildeo eacute uma novidade No ano de 1868 publica tambeacutem ldquoO systema
representativordquo obra em que discute o processo eleitoral como a base de um
governo representativo Nem seria tambeacutem uma novidade o ministro colecionar
desafetos no periacuteodo em que estaacute no cargo Deputados colegas ministros oficiais
natildeo estatildeo livres do temperamento singular de Alencar
As relaccedilotildees do imperador com seu ministro da justiccedila satildeo cordiais poreacutem
complicadas Alencar reclama que D Pedro II em tudo se intromete ndash mais tarde diraacute
que eacute um haacutebito deste e tambeacutem dos outros ministros ndash nos assuntos do Estado Agraves
vezes como um menino curioso que de tudo quer saber outras vezes como um pai
zeloso que se preocupa com seus filhos sendo ldquomaltratadosrdquo pelo ministro chegado
em alguns casos extremos a lembrar de que ele eacute o imperador e eacute quem manda na
casa (MENESES 1977) Um dos haacutebitos de D Pedro eacute o envio de bilhetes para o
ministro Satildeo comentaacuterios questotildees relevantes (ou natildeo) indiscriccedilotildees e
apontamentos que constantemente acompanham os despachos de Alencar
Algumas vezes se diz preocupado com a imprensa e os assuntos gerais em outras
solicita informaccedilotildees sobre processos de funcionaacuterios puacuteblicos e sobre o andamento
das eleiccedilotildees Alencar natildeo faz por menos redigindo tambeacutem os seus bilhetes em
tom cordial e respeitoso mas sempre como um embate de forccedilas tentando
demarcar seu campo de atuaccedilatildeo ou impor limites ao outro Natildeo eacute esta uma praacutetica
do restante do grupo que na acomodaccedilatildeo burocraacutetica a que o partido conservador
se acostuma acaba deixando reverter uma formula antiga para o imperador que
recostado na condiccedilatildeo que lhe permitia o poder moderador apesar de dizer que
ldquodeixa a maacutequina andarrdquo ainda reina governa e administra (FAORO 2004) A
tambeacutem o fato de que D Pedro II prefere morar no paccedilo de Satildeo Cristoacutevatildeo ao Paccedilo
da cidade e os ministros precisavam cavalgam ateacute laacute duas vezes na semana para
os despachos coisa que Alencar abomina - considera uma perda de tempo - aleacutem
de reclamar das ldquofutilidadesrdquo que satildeo obrigados a discutir no lugar de tomar o tempo
com alguma providecircncia importante para o paiacutes como os rumos da Guerra do
Paraguai
Certa feita o imperador encaminha preocupado um bilhete pedindo esclarecimentos
de notiacutecias vinculadas nos jornais sobre o recrutamento de (in)voluntaacuterios para a
guerra do Paraguai pelo paiacutes afora A prisatildeo para recrutamento era uma realidade e
por vezes usada como uma forma do partido da situaccedilatildeo ldquodesaparecerrdquo com
elementos da oposiccedilatildeo Com tal pretexto satildeo escolhidos no periacuteodo
propositalmente os indiviacuteduos simpatizantes do partido liberal Alencar dias depois
encaminha circular tentando normalizar as coisas e coibir abusos por parte dos
presidentes das proviacutencias e autoridades policiais que usavam de tal artifiacutecio para
uma ldquofaxinardquo poliacutetica no eleitorado As preocupaccedilotildees do imperador se
fundamentavam nestas accedilotildees correntes como bem sugeria em outro bilhete onde
dizia ldquo() eu sei infelizmente o que satildeo as eleiccedilotildees entre noacutesrdquo buscando sempre
providencias para que houvesse alguma melhora dentro do possiacutevel e tambeacutem
buscando ldquo(hellip) inteira liberdade de voto conforme nossos maus haacutebitos o permitem
por hora mas dando a autoridade o bom exemplordquo (MENEZES 1965 p133) Mas o
imperador natildeo desconhecia que as eleiccedilotildees pouco refletem a vontade do povo
oprimido do interior que ainda eacute refeacutem do poder poliacutetico local nas matildeos dos
senhores de terras no interior ndash em sua maioria apoiados pelo partido liberal
(CARVALHO 2007) A praacutetica do voto jaacute previamente indicado com a ceacutedula ldquochapa
de caixatildeordquo21 ainda garantia o patildeo para o sustento das famiacutelias (FAORO 2004)
Vaacuterias mudanccedilas satildeo tentadas no decorrer dos anos com pouco resultado mesmo
uma draacutestica mudanccedila nas regras eleitorais ndash como o foi o caso do gabinete da
conciliaccedilatildeo (1853-57) com o marquecircs de Paranaacute em que foram vetadas as
participaccedilotildees de vaacuterios elementos representantes da poliacutecia justiccedila e da
administraccedilatildeo puacuteblica ndash sempre entrevia um espaccedilo para burlar-se a lei o que jaacute
vinha se constituindo como parte da ldquoculturardquo poliacutetica nacional
Austero com os deputados distante dos outros ministros longe das recepccedilotildees
oficiais Alencar apesar de extremamente competente assegura seu lugar como o
homem ldquomais chatordquo da Corte Essa visatildeo era compartilhada ateacute entre alguns
colegas ministros como no caso de Cotegipe que natildeo admitia ldquoo artistardquo no meio
das altas relaccedilotildees poliacuteticas E isso debaixo de um ciuacuteme natildeo declarado pelo fato de
D Pedro II insistir em entregar ao ministro da Justiccedila a maior parte das atenccedilotildees
Atenccedilatildeo que o grupo buscava e que Alencar repelia com seu temperamento
complicado Houve ocasiotildees em que descumprindo os deveres dados pelo decoro
impotildee ao imperador a papelada de sua exoneraccedilatildeo em cerimocircnia puacuteblica
conquanto este natildeo assinasse os decretos que Alencar lhe propunha D Pedro II
em seus despachos tinha o haacutebito de natildeo deixar nada sem assinar poreacutem
postergava Dizia sobre o que natildeo lhe conviesse (ou natildeo quisesse) dar
encaminhamento que deixaria ldquopara a proacutexima semanardquo Os outros ministros
conhecendo tal procedimento tido ateacute como educado tratavam de arquivar a
papelada referente Alencar voltava semana apoacutes semana com os mesmos papeacuteis
natildeo se dando por vencido Esticava os braccedilos a exaustatildeo ateacute que o imperador
reconsiderasse seu ato Natildeo eacute de se estranhar que D Pedro torcesse o nariz para
uma candidatura de Joseacute de Alencar para o senado entatildeo um cargo vitaliacutecio
evitando assim ter de aguentar o homem perto de si por tanto tempo
Alencar sente pressotildees de vaacuterias formas por seu mau jeito como articulador poliacutetico
O ldquodedordquo de Cotegipe como ele mesmo chegou a dizer estava em grande parte
daquilo Joatildeo Mauriacutecio Mariani Wanderley o baratildeo de Cotegipe era um homem
21 A ceacutedula era marcada com uma cruz indicando o voto a ser dado Caso a ceacutedula natildeo aparecesse
na urna o candidato ou chefe poliacutetico poderia procurar o eleitor para ldquotomar providecircnciasrdquo
prestigiado que sabia emprestar seu prestiacutegio ao Ministeacuterio Encarregado da
Marinha este tinha a predileccedilatildeo pela Justiccedila o que o fazia criar situaccedilotildees de
constrangimento para Alencar Com a legislaccedilatildeo vigente o impeacuterio estaacute centralizado
na figura do ldquo() Ministro da Justiccedila generaliacutessimo da poliacutecia dando-lhe por
agentes um exeacutercito de funcionaacuterios hieraacuterquicos desde o presidente da proviacutencia e
o chefe de poliacutecia ateacute o inspetor do quarteiratildeordquo (FAORO 2004 p 369) e tambeacutem os
juiacutezes funcionaacuterios puacuteblicos de carreira todos ao alcance do longo braccedilo da
dominaccedilatildeo do Estado Qualquer deslize e Cotegipe fornecia o material aos jornais
sobre o Ministro (e o ministeacuterio) da Justiccedila nas reuniotildees com o imperador fazia valer
seus pontos de vistas sobre a pasta do adversaacuterio Zombava alfinetava enfim
politicava Alencar reclama com o presidente que tenta contornar as coisas e
apresenta um pedido de demissatildeo mas este natildeo eacute aceito Dias depois Fernandes
Leatildeo titular da pasta da agricultura por motivos pessoais tambeacutem pede demissatildeo
Na ocasiatildeo o Alencar reapresenta sua solicitaccedilatildeo Itaboraiacute tenta segurar o gabinete
como pode evitando que este tombe para caacute ou para laacute De olho nesta indecisatildeo a
alta cacircmara aumenta a vigilacircncia satildeo os olhos de Zacarias Saraiva Nabuco Ottoni
Silveira Lobo Monte Alegre Abrantes e Itanhaeacutem que os acompanham Os ataques
ao ministro-escritor continuam dia a dia cada um com o seu motivo cada qual com
o seu aparte e nem todos direcionados agrave boa ou maacute administraccedilatildeo da pasta da
Justiccedila mas ao proacuteprio jeito de ser do Ministro chegando ao ponto de Cotegipe criar
e difundir (a pior parte) um apelido para Alencar que para a infelicidade deste eacute
aceito pelo grupo no ato era ele o ldquopirracentordquo
Mas nem tudo estaacute relacionado com as brigas internas Ainda enquanto ministro da
Justiccedila Alencar visita a regiatildeo do Valongo22 no Rio de Janeiro conhecido como
antigo mercado dos ldquopretos novosrdquo e se aterroriza com a situaccedilatildeo ao mesmo tempo
aviltante e promiacutescua a qual aquelas pessoas estavam expostas Alencar natildeo era
um abolicionista acreditava que a escravidatildeo no Brasil deveria terminar por um
processo lento e que natildeo incorresse em ocircnus para os proprietaacuterios Tinha uma
posiccedilatildeo conservadora mas tambeacutem natildeo era um incentivador do comeacutercio de
escravos Em 15 de setembro de 1869 eacute publicado um decreto seu que proiacutebe a
22
O antigo Valongo (rua Camerino) era um depoacutesito e armazeacutem de escravos que funcionou de 1779 a 1831 No periacuteodo o comeacutercio se transfere para a rua Direita atual 1deg de Marccedilo Os escravos ficavam expostos na rua (RENAULT 1976)
exposiccedilatildeo puacuteblica de escravos no mercado e a sua venda sob a forma de pregatildeo e
eacute aplaudido por grande parte da populaccedilatildeo Por esse tempo (senatildeo mesmo antes) eacute
que comeccedila uma sondagem com seus correligionaacuterios com o intuito de concorrer a
uma vaga no senado Com a morte em 1865 do marquecircs de Abrantes e do
conselheiro Cacircndido Batista de Oliveira senadores pela proviacutencia do Cearaacute a
vacacircncia das cadeiras estimulam a cabeccedila de Alencar a trabalhar com tal
perspectiva Chega a fundar com seu irmatildeo uma folha a ldquoDezesseis de Julhordquo para
divulgar ndash segundo uma carta-circular enviada aos membros do Partido Conservador
- os ldquointeresses do nosso partido e defender a ideia conservadora no Brasilrdquo
(MENEZES 1975 p252) As eleiccedilotildees vatildeo sendo adiadas devido agraves brigas entre
partidos e as denuacutencias constantes de fraude eleitoral E haacute quem diga que a
demora eacute alimentada pelo ministro da Justiccedila jaacute cobiccedilando uma sua cadeira no
Senado
Em junho de 1869 Alencar escreve a Itaboraiacute comentando seu interesse em
concorrer a uma cadeira no senado Explica que jaacute havia submetido agrave questatildeo aos
colegas do gabinete e tinha o apoio destes O caso se daacute quando apresenta a
proposiccedilatildeo ao imperador chegando a solicitar a demissatildeo do cargo de ministro para
que se candidatasse sem nenhum impedimento ou favorecimento que seu cargo
como ministro pudesse criar D Pedro II sugere (pede) que Alencar reavalie a
decisatildeo pois acreditava que sua situaccedilatildeo pudesse influir nos rumos da eleiccedilatildeo
chegando a sugerir que a atitude natildeo seria eacutetica Alencar se rebela e escreve logo a
seguir a Paulino Nogueira no Cearaacute apresentando-se como candidato pela
proviacutencia e eacute aceito Esse incidente revela algo interessante visto que Paulino
Nogueira como todas as lideranccedilas partidaacuterias que Alencar podia alcanccedilar sabiam
dos motivos do desentendimento e da opiniatildeo do Imperador relatada pelo proacuteprio
missivista E Paulino aceita a candidatura Podemos deduzir que as lideranccedilas locais
ainda natildeo estavam dispostas a acatar podas as decisotildees do centralismo do Estado
mesmo que fossem vindas de uma vontade expressa do imperador As resistecircncias
locais ainda estavam vivas e prontas para reclamar seus direitos
A eleiccedilatildeo se realiza em 12 de dezembro e os liberais seguindo orientaccedilotildees do
partido na corte23 natildeo apresentam candidatos Alencar eacute o mais votado em uma lista
secircxtupla tendo no segundo lugar o nome de Domingos Joseacute Jaguaribe O resultado
vai entatildeo para D Pedro II que escolheria entre os mais votados qual deveria ser o
proacuteximo senador Ao saber do resultado tendo em matildeos a lista o Imperador se irrita
e permanece irredutiacutevel em sua opiniatildeo Manda chamar o Alencar para uma
entrevista e pergunta sobre o entendimento que tiveram sobre a eleiccedilatildeo o clima
entre os dois soacute piorava Haacute vaacuterias versotildees sobre o acontecido todas parecidas
mas o fato eacute que Alencar consegue o que quer sua exoneraccedilatildeo Eacute substituiacutedo pelo
presidente da Cacircmara dos Deputados conselheiro Joaquim Otaacutevio Neacutebias Retorna
o Alencar a Cacircmara e agrave redaccedilatildeo do Dezesseis de Julho
No fim de abril comeccedila o cochicho em Satildeo Cristoacutevatildeo sobre a escolha para as duas
vagas de senador pelo Cearaacute Ao fim a doutrina que os conservadores - inclusive o
Alencar - pregam nos jornais eacute seguida pelo imperador de que somente a este
pertence sem audiecircncia de nenhum ministro a escolha dos nomes para o Senado
Em uma passagem das cartas ao Imperador Alencar sugere que ldquoos atos do poder
moderador satildeo de exclusiva competecircncia vossa [do Imperador] para exercecirc-los natildeo
dependeis de agentes e atualmente nem de conselhordquo (ALENCAR 2011 p 81)
No dia 27 por carta imperial satildeo escolhidos os nomes de Domingos Joseacute
Jaguaribe e do conselheiro Joseacute de Melo Alencar nunca se recuperaria de tal golpe
Agora seu caminho na Cacircmara de deputados eacute o da oposiccedilatildeo ao governo
Em maio de 1871 jaacute tomada certa distacircncia a guerra do Paraguai o imperador
solicita a Cacircmara o necessaacuterio consentimento para uma viagem a Europa Alencar
se apressa nos protestos lembrando o dinheiro esbanjado pelo Estado com as
comemoraccedilotildees puacuteblicas pelo fim da guerra Chega a dizer que uma viagem pela
Europa naquele momento seria uma demonstraccedilatildeo de ldquoabsolutismordquo e ao mesmo
tempo uma tentativa de se afastar das discussotildees sobre a questatildeo da matildeo de obra
escrava e o abolicionismo que o fim da guerra do Paraguai tornou mais urgentes e
23 A influencia local na escolha de candidatos para as eleiccedilotildees soacute volta a crescer a partir de 1881
com a Lei Saraiva
que D Pedro II havia se comprometido em buscar uma soluccedilatildeo
Alencar eacute deputado combativo aguerrido mas natildeo logra muitas vitoacuterias Na
imprensa chega a ser acusado de incoerecircncia no confronto do conteuacutedo das cartas
de Erasmo e a sua atual situaccedilatildeo de rompimento com o imperador seus ataques
constantes ao trono e a administraccedilatildeo Da vida poliacutetica ateacute a literatura tudo eacute motivo
para denegrir a imagem do ex-ministro Eacute assim com Zacarias depois com Cotegipe
depois com Rio Branco depois com Silveira Martins As ideias de Alencar sempre
sustentadas por seu conhecimento do Direito (como vimos as proposiccedilotildees mais
carregadas de complexidade como as cartas geralmente vinham acompanhadas de
estudos publicados pelo Alencar) afligiam vaacuterios grupos Natildeo o grande coro dos
homens da assembleia que em muitos ldquovivasrdquo e ldquobravosrdquo sequer ouviam a pauta das
reuniotildees O partido que detinha a maioria dos deputados conseguia aprovar o que
propunha na maior das vezes tendo em suas relaccedilotildees de ldquoapadrinhamentordquo
construiacutedo vaacuterios laccedilos de dependecircncias entre deputados e senadores
(CARVALHO 2007) Mas eram geralmente as lideranccedilas que viam em Alencar um
problema (NETO 2006) Algueacutem que poderia ter forccedilas (e competecircncia) para propor
mudanccedilas dentro da estrutura Gramsci coloca essa questatildeo quando fala da
educaccedilatildeo dos ldquojovensrdquo Todas as geraccedilotildees educam seus jovens Pode haver ndash e
sempre haacute ndash atritos questotildees divergecircncias de opiniatildeo mas tudo isto faz parte do
processo educativo Mas alguns ldquojovensrdquo da classe dirigente podem se revelar e
buscar alternativas na classe progressista com o intuito de tomar o poder Eacute o
momento em que os ldquovelhosrdquo de outras camadas passam a direccedilatildeo para tais jovens
(GRAMSCI 1989) Eacute certo que para que a ideologia se constitua eficazmente o
discurso assumido por um grupo deve se manter o mesmo ignorando as mudanccedilas
histoacutericas que possam vir a acontecer (e efetivamente acontecem) garantindo a
continuidade das representaccedilotildees sociais e poliacuteticas preacute-determinadas pela classe
dominante (CHAUI 1997) O temor da ideologia eacute o discurso fundador de novas
ideias e natildeo os grupos que as deteacutem porque estes estatildeo associados agraves classes
dominantes no caso aqui a burguesia e pequena burguesia citadina da Corte com
seus intelectuais atuantes constituindo uma camada perifeacuterica a elite representada
natildeo apenas pelo partido conservador mas em vaacuterios casos tambeacutem pelos liberais
Numa citaccedilatildeo de Faoro agrave Bernardo de Vasconcellos o sistema representativo que
entatildeo os partidos ndash conservadores e liberais ndash desejavam construir com sua gama
de funcionaacuterios bachareacuteis e juiacutezes ldquonatildeo significava a vontade popular mas o
governo dos melhores dos mais esclarecidos dos mais virtuosos Entre o paiacutes real
e o paiacutes legal soacute o segundo estaria apto a destilar a elite o poder capaz de
modernizar civilizar e elevar o povordquo (FAORO 2004 p 371) o que garantiria uma
modernizaccedilatildeo dos quadros mas natildeo o fim das oligarquias O que vinha acontecendo
eacute a solidificaccedilatildeo de um processo de deslocamento do poder dos chefes locais do
interior para a burocracia estatal sediada na capital para a Corte e auxiliada pelo
recente processo de construccedilatildeo de uma elite intelectual local A concepccedilatildeo de um
paiacutes dividido em povo e plebe que distinguia os chamados ldquohomens bonsrdquo cidadatildeos
ativos detentores de plenos direitos poliacuteticos proprietaacuterios profissionais liberais
produtores enfim algueacutem que fosse possuidor de certa renda da massa pobre sem
alfabetizaccedilatildeo e dependente (BASILE 2006) As ideias migram se modificam um
pouco e se acomodam em lados diversos e as lideranccedilas partidaacuterias assinaladas (e
outras tantas) que conhecem tal fenocircmeno e nele se sustentam fariam de tudo para
evitar que aquele poliacutetico ldquofanadinhordquo e mal-educado se transformasse tambeacutem em
uma nova lideranccedila
Alencar nos anos que seguem ao trabalho no ministeacuterio sente a sauacutede lhe escapar
Eacute uma eacutepoca em que a doenccedila novamente o alcanccedila e o refuacutegio de sua casa na
Tijuca mais as caminhadas ateacute a vista chinesa junto com Machado de Assis se
tornam a melhor opccedilatildeo para recuperar-se A eacutepoca ele retoma um projeto deixado
de lado a pouco a Guerra dos Mascates Romance histoacuterico mas eacute denominado
pelo autor de ldquocomeacutedia histoacutericardquo em que satirizava seus companheiros de gabinete
ndash Alencar comenta em uma nota que natildeo faria tal coisa ndash os colegas deputados e
(natildeo poderia faltar em sua lista) D Pedro II Aproveitando-se de partes do episoacutedio
que eacute bastante documentado no periacuteodo cria uma caricatura da corte e suas ilustres
figuras um arremedo da poliacutetica contemporacircnea Algo como uma vinganccedila particular
a que ningueacutem poderia impetra-lhe culpa
Como uma forma de terapia embarca com a famiacutelia em junho de 1873 para uma
viagem ateacute o Cearaacute onde encontra amigos e um clima revigorante Fica ali por
alguns meses longe dos trabalhos na Corte mas sempre encontrando e
conversando com lideranccedilas poliacuteticas locais diversas sem que ldquoa cor partidaacuteriardquo
criasse algum empecilho Era para todos ali o conselheiro Alencar um filho da
terra Conhece durante esse tempo o jovem Capistrano de Abreu com quem
comeccedila uma grande amizade e aonde jaacute profetiza seu sucesso nas letras no Rio de
Janeiro Volta para casa em novembro e para o trabalho A doenccedila o acompanha
sempre
Alencar retorna a Cacircmara em julho para os debates da reforma eleitoral Apesar do
cansaccedilo e da constante fraqueza muscular eacute ainda um orador fervoroso Combate
veementemente a eleiccedilatildeo direta e sustenta que as reformas poliacuteticas e sociais
cabem a uma iniciativa do ministeacuterio sempre visando um centralismo administrativo
Alencar nunca deixa de guiar-se pelas metas do partido conservador e sabe do
crescimento dos liberais no interior onde a massa votante estaacute nas matildeos dos
proprietaacuterios de terra em sua maioria adeptos do liberalismo e da descentralizaccedilatildeo
do poder Alencar eacute um poliacutetico moderado algueacutem que confia em uma monarquia
constitucional que possa garantir a ordem dentro da heterogeneidade de um paiacutes de
enormes dimensotildees que eacute o Brasil desacreditando assim de qualquer forma
republicana que tendesse a uma descentralizaccedilatildeo de poder e fortalecesse os chefes
locais dispersos pelo territoacuterio do paiacutes
14 UacuteLTIMOS ANOS
No ano de 1875 Alencar sofre as primeiras hemoptises Planeja uma viagem para a
Europa na busca de uma cura para sua sauacutede jaacute bastante debilitada Eacute neste
mesmo ano que retorna agrave Corte vindo de Paris Joaquim Nabuco Jovem bem
educado filho do Senador Nabuco Sua primeira accedilatildeo poliacutetica eacute iniciar-se na
imprensa E assim como Alencar o fez em seu iniacutecio de carreira insurgir contra uma
personalidade consolidada no cenaacuterio literaacuterio e poliacutetico com paus e pedras na matildeo
ndash no caso o nosso biografado - em busca de algum reconhecimento Traz da
Europa um livro de poemas publicado em francecircs que consegue certa
consideraccedilatildeo Assume a redaccedilatildeo dos folhetins do jornal ldquoO Globordquo tecendo criacuteticas
mais centradas nos literatos que agrave literatura ldquodos brasileirosrdquo Joaquim Nabuco
tomava para si o lugar do novo da modernidade da esperanccedila e das ideias novas
O lugar que pertencera ao Alencar por algumas deacutecadas e que havia segundo
Nabuco ficado no passado
A polecircmica que se deu veio da necessidade de Nabuco se afirmar no cenaacuterio da
Corte a partir de um modelo intelectual e artiacutestico que se confrontaria com o
romantismo um realismo baseado nas ideias positivistas e evolucionistas Modelo
natildeo assumido somente por ele mas por toda uma geraccedilatildeo que estava se
estabelecendo Pesavento nos mostra o cenaacuterio
Imbuiacuteda das teorias europeias de Darwin Spencer Comte Taine Renan esta geraccedilatildeo buscava o universal de forma expliacutecita assumindo um cosmopolitismo declarado o Brasil deveria acertar o passo com a histoacuteria ingressando na modernidade de seu tempo A Europa fornecia o padratildeo de refinamento civilizatoacuterio e de patamar cultural Dela vinham as ideias a moda as novas teacutecnicas e o Brasil precisava acompanhar o trem da histoacuteria nem que fosse no uacuteltimo vagatildeo (PESAVENTO 1998 p 27)
Assumir um modelo europeu natildeo era uma novidade Mas como tal modelo se
renova as ideias satildeo ldquoassumidasrdquo pelas novas geraccedilotildees como a pouco nos
referimos sustentando uma continuidade do sistema sem que uma mudanccedila radical
seja conseguida (ou pretendida)
O tema central do debate era a ideia de Nabuco de que a literatura de Alencar
estava superada Comeccedila com o fracasso de puacuteblico da peccedila ldquoo jesuiacutetardquo
apresentada ainda naquele ano Alencar rebate e segue na peleja como era de seu
gosto Natildeo eacute nossa intenccedilatildeo aprofundar aqui uma discussatildeo sobre a literatura do
periacuteodo para noacutes importa a questatildeo qual modelo de sociedade era sustentado por
Alencar e qual era defendido por Nabuco e dos grupos que se instalavam ditos a
geraccedilatildeo de 1870 Foi um momento em que viacutenculos foram criados entre intelectuais
brasileiros e europeus Podemos apresentar uma caracterizaccedilatildeo do periacuteodo na
anaacutelise de Antocircnio Cacircndido mostrando que
()o movimento das novas ideias filosoacuteficas e literaacuterias que comeccedilou mais ou menos em 1870 e se estendeu ateacute o comeccedilo do seacuteculo XX tendo como
nuacutecleo inicial a cidade do Recife capital de Pernambuco e sua Faculdade de Direito Laacute e em outros centros como o Cearaacute e sobretudo o Rio de Janeiro desenvolveu-se um agudo espiacuterito criacutetico voltado para analisar de maneira moderna a sociedade a poliacutetica a cultura do Brasil com inspiraccedilatildeo primeiro no Positivismo de Augusto Comte em seguida nas diversas modalidades de Evolucionismo das quais teve aqui maior voga a filosofia de Herbert Spencer Acrescente-se a divulgaccedilatildeo das novas ciecircncias como Biologia Linguiacutestica Etnografia Antropologia Fiacutesica (CAcircNDIDO 1999 p 51)
Natildeo soacute Nabuco mas tambeacutem escritores como Franklin Taacutevora e Feliciano de
Castilho protagonizaram ataques ao Alencar e suas ideias em favor da escravidatildeo
estavam totalmente distantes do modelo sociais e cientiacuteficos apresentados Alencar
era a pedra da vez e seu estado de sauacutede debilitado provavelmente contribui pra
piorar o humor do genioso deputado A literatura precisava deixar o reino do
simboacutelico e chegar-se para a realidade representada pelo cientificismo Alencar
refuta as acusaccedilotildees porque acredita no que escreve natildeo eacute um cientista e nem
pretende ser O que tem em mente natildeo eacute tatildeo somente a anaacutelise do real mas uma
possibilidade de ldquomelhorarrdquo o real moralizando-o Influenciar a sociedade em busca
sempre de um caminho de purificaccedilatildeo do social
O debate aberto interessa aos dois Alencar um pouco desgastado pelos recentes
arranhotildees da poliacutetica e Nabuco buscando ainda o reconhecimento do puacuteblico
Precisam do jornal Precisam de um veiacuteculo que os fortaleccedila frente agrave opiniatildeo
puacuteblica construindo ali sua arena de luta Eacute no jornal que as ideias alcanccedilam um
puacuteblico variado e seleto visto que a alfabetizaccedilatildeo do povo natildeo era um fato mas
tambeacutem natildeo podemos cair no mito do analfabetismo ldquototalrdquo da populaccedilatildeo em que
ainda natildeo seja possiacutevel atingir um grupo tamanho que haacute de se considerar enquanto
uma opiniatildeo puacuteblica como prova disso temos a venda de livros ndash romances de
folhetim em sua maioria para o periacuteodo ndash e a presenccedila de salas de leitura e
bibliotecas onde jaacute se cativava um puacuteblico fiel entre mulheres e estudantes24 e o
proacuteprio Alencar admite ter na infacircncia lido para grupos Era comum em
estabelecimentos comerciais e mesmo em casa de famiacutelia uma leitura coletiva de
24 Eacute interessante uma consulta a o trabalho de Sandra G Vasconcelos sobre a formaccedilatildeo do
romance no Brasil e o levantamento sobre os romances ingleses em circulaccedilatildeo no Brasil no XIX
jornais informando as notiacutecias aos que natildeo satildeo alfabetizados o que possibilitava
que as informaccedilotildees e opiniotildees chegassem a grupos maiores (SCHWARCZ 1999)
A guerra que deixa de ser particular e toma agrave imprensa Nabuco representa a
proposta de um novo liberalismo que vai ganhando corpo a partir do final da deacutecada
de 1860 que se contrapotildee ao nacionalismo conservador concebido na obra de
Alencar Depois de dois meses o debate termina sem necessariamente abalar
quaisquer dos lados Nabuco se retira para tentar a poliacutetica e Alencar deixa-se estar
ateacute maio seguinte quando embarca com a famiacutelia para a Europa Sofrendo de
depressatildeo a viagem o angustia Paris Londres Portugal Alencar estaacute velho
consumido pela doenccedila pulmonar Soacute melhora um pouco com a volta ao Rio de
janeiro Agrave Tijuca
Alencar ainda combate na Cacircmara Eacute eleito para um quarto mandato como
Deputado Com a sauacutede jaacute muito debilitada natildeo comparece a todas as seccedilotildees e
diminui as saiacutedas de sua casa para os costumeiros passeios Uma descriccedilatildeo
construiacuteda por Lira Neto nos daacute uma clara visatildeo de Alencar nesse momento em que
a tuberculose jaacute chegara agrave situaccedilatildeo terminal
() era impressionante como o homem definhara nos uacuteltimos meses Virara uma garatuja
Os olhos miuacutedos haviam perdido o brilho caracteriacutestico e agora praticamente sumiam em meio as negras olheiras Na outrora vasta cabeleira uma entrada pronunciada alongava-lhe a testa e ajudava a conferir-lhe o ar de velhice precoce A barba tomava conta do rosto magro e descera abundante sobre o peito a ponto de os fios desgrenhados esconderem-lhe o noacute da gravata Tinha apenas 48 anos de idade Parecia ter no miacutenimo vinte a mais (NETO 2006 p13)
Jaacute natildeo eacute mais o mesmo poliacutetico agressivo mas ainda encontra focirclego para se
arranhar com Caxias ndash entatildeo chefe do executivo ndash e mais uma vez com Cotegipe
arrancando aplausos e risos do plenaacuterio sempre com suas criacuteticas bem vivas a
famiacutelia real Haacute de se admitir que houvesse um pouco de rancor pela sua natildeo
indicaccedilatildeo para o senado que lhe acompanharia ateacute os uacuteltimos dias de vida
aguccedilando sua ldquoimplicacircnciardquo e por vezes chegando a contradiccedilotildees como quando
ataca seu proacuteprio partido enquanto o Imperador passeava pelo mundo com parte da
famiacutelia A regente Isabel tambeacutem natildeo lhe enchia os olhos Se natildeo era alvo
constante de suas criacuteticas eacute porque pouca importacircncia lhe dava o deputado
Em abril de 1877 chega agrave capital notiacutecia da seca que castiga a proviacutencias do Cearaacute
e vizinhas como natildeo acontecia a deacutecadas Vai agrave tribuna o Alencar para pedir
esclarecimentos aos Ministros sobre a situaccedilatildeo real da regiatildeo e cobrar providecircncias
Os jornais de Fortaleza acusam o conselheiro de descaso ao mesmo tempo em que
este se propotildee a recolher junto a uma comissatildeo donativos para as viacutetimas
Tambeacutem algumas folhas do Rio de Janeiro que divulgam litografias sobre os
retirantes chamam a responsabilidade Vale lembrar que Joseacute do Patrociacutenio um
dos jornalistas responsaacuteveis pela divulgaccedilatildeo do problema da seca no Cearaacute eacute um
abolicionista ferrenho Eacute notoacuterio que Alencar piora dia a dia sentindo-se desprezado
ateacute por seus colegas do partido Natildeo se propotildee mais ao debate puacuteblico e deixa por
menos as provocaccedilotildees dirigidas a ele Sua preocupaccedilatildeo eacute com a famiacutelia com o
desamparo que pode vir a acorrer em funccedilatildeo de sua morte Vai definhando
lentamente abandona de vez a caminhada pelo passeio puacuteblico e tambeacutem se
distancia dos amigos eacute quando a doenccedila finalmente o alcanccedila Aos 12 dias de
dezembro de 1877 falece Joseacute de Alencar Agraves 10 horas da manhatilde do seguinte dia
seu corpo eacute levado em cortejo ateacute o cemiteacuterio de Satildeo Francisco Xavier aonde vem a
ser sepultado por um pequeno grupo de jornalistas e amigos proacuteximos O imperador
se dirigindo agrave Petroacutepolis na ocasiatildeo ndash como o fazia habitualmente - do falecimento
ao ser comunicado reage com uma expressatildeo ressentida ldquoHomem de valor
Poreacutem muito mal-educadordquo (MENEZES 1965)
O necroloacutegio eacute escrito por Capistrano de Abreu e estampado na primeira paacutegina da
ldquoGazeta de Notiacuteciasrdquo mas sem a assinatura do autor Eacute o primeiro trabalho
publicado por Capistrano de Abreu na imprensa carioca O novo jornalista viria a
fazer o sucesso que Alencar profetizara e ainda mais como escritor Poliacutetica eacute
assim Mesmo com sua morte o deputado elege um ldquofilhoterdquo25
25 Na giacuteria eleitoral do periacuteodo filhote era o candidato apadrinhado por algum liacuteder poliacutetico
2 CONJUNTURA POLIacuteTICA DO II REINADO
Os infelizes natildeo andam na rua do Ouvidor
De um Editorial da ldquoGazeta da tarderdquo
Depois de conhecermos por meio de sua biografia o Alencar eacute importante que
possamos nos deter nos campos de atuaccedilatildeo de Alencar enquanto poliacutetico e
enquanto um intelectual que pretende atingir a opiniatildeo puacuteblica com suas ideias
Lembramos aqui que nos baseando nos textos de Gramsci (1989) entendemos o
intelectual como a figura que faz a ligaccedilatildeo entre a da elite com o povo Na verdade
eacute o intelectual que iraacute construir uma relaccedilatildeo de confianccedila com os vaacuterios segmentos
sociais na sociedade para a divulgaccedilatildeo e manutenccedilatildeo da ideologia dos grupos que
formam essa elite no poder Para tanto cabe o exame de tais pontos as elites a
imprensa os intelectuais e a opiniatildeo puacuteblica em uma relaccedilatildeo dialeacutetica que
necessariamente apresenta um discurso em forma de tese e a partir de uma
antiacutetese observada recreia seu discurso na forma de siacutentese Os elementos acima
descritos existem de forma separada o que os agrega eacute tatildeo somente o trabalho de
Alencar Portanto funcionam como em uma pintura feita na forma de um poliacuteptico
onde os de os elementos que a compotildeem tem uma existecircncia individual isolada
mas quando unidas ou justapostas criam um novo conjunto de significaccedilotildees Eacute o
acircmbito da esfera puacuteblica Cabe lembrar que a esfera puacuteblica burguesa eacute uma
categoria tiacutepica de uma eacutepoca caracterizada como sociedade burguesa A esfera
puacuteblica deve ser entendida como categoria histoacuterica drsquoonde seu uso na sociedade
da corte no Rio de Janeiro no segundo reinado A burguesia eacute o fulcro deste puacuteblico
caracterizado fundamentalmente como o puacuteblico que tem condiccedilotildees de ler tem uma
educaccedilatildeo tem direitos e deveres na sociedade bem como consegue ser
reconhecido como um igual entre seus pares E eacute este reconhecimento que permite
com que haja alguma alteridade e suas vozes sejam reconhecidas Para Habermas
algueacutem soacute faz parte de uma esfera puacuteblica enquanto portador de uma ldquoopiniatildeo
puacuteblicardquo (HABERMAS 2003)
Para um entendimento mais consistente do periacuteodo de nosso recorte iniciaremos
aqui apresentando uma visatildeo geral sobre o segundo reinado e os acontecimentos
que formam o complexo cotidiano apresentado por Joseacute de Alencar em suas cartas
poliacuteticas
21 UMA VISAtildeO GERAL
O segundo reinado considerando o periacuteodo regencial se estende de 1831 ateacute 1889
D Pedro II eacute entronado com o golpe da maioridade promovido pelos liberais da qual
o senador Alencar ndash pai de Joseacute de Alencar - fez parte em julho de 1840 Uma
caracteriacutestica marcante que talvez ajude a compreender melhor esse periacuteodo eacute o
fato de o Imperador nunca ter aberto matildeo do poder moderador ndash um adendo incluiacutedo
por seu pai na constituiccedilatildeo liberal de 1824
A alternacircncia de partidos no poder foi uma constante Durante os cinquenta anos em
que governa D Pedro II se sucederam 36 gabinetes ministeriais Nas crises de
governabilidade entre interesses partidaacuterios e as determinaccedilotildees do imperador os
ministeacuterios eram alternados e o partido opositor tornava-se situaccedilatildeo Poreacutem eacute valido
ressaltar que as diferenccedilas entre liberais e conservadores natildeo representavam os
anseios da populaccedilatildeo mas os interesses de elites que disputavam o poder As
eleiccedilotildees para o legislativo eram manipuladas pelo grupo da situaccedilatildeo de acordo com
seus interesses particulares e em geral marcadas por fraudes (FAORO 2004)
O partido liberal fica poucos meses na administraccedilatildeo apoacutes o golpe e logo em 1841
temos a primeira vitoacuteria dos conservadores a restituiccedilatildeo do Conselho de Estado
Abolido pelo Ato Adicional de 1834 este retorna para ampliar mais ainda os poderes
do Executivo em detrimento da autonomia poliacutetica das proviacutencias Em retaliaccedilatildeo os
liberais organizam algumas revoltas contra o governo em Satildeo Paulo Rio de Janeiro
e em Minas Gerais
Em 1844 ordens imperiais afastam os Conservadores do poder e retornam os
Liberais a compor com Pedro II Em 1847 eacute criado o cargo de presidente do
Conselho de Ministros que teria a tarefa de nomear os demais ministros Eacute a
instituiccedilatildeo do parlamentarismo brasileiro Poreacutem o modelo parlamentar adotado no
Brasil era atiacutepico justamente pela accedilatildeo do imperador (o poder moderador) de
tambeacutem nomear ministros ndash ou desautoriza-los ndash a sua vontade D Pedro II escolhia
o presidente do conselho e este por sua vez escolhia os ministros Eacute o chamado
ldquoParlamentarismo agraves Avessasrdquo a consolidaccedilatildeo de uma nova fase de centralizaccedilatildeo
poliacutetica Mas natildeo deixa de ser um progresso na medida em que no periacuteodo anterior
o imperador simplesmente nomeava todos eles Com o ministeacuterio composto restava
a aprovaccedilatildeo dos parlamentares na Cacircmara dos Deputados Poreacutem detendo o
imperador a prerrogativa de dissolver os gabinetes ministeriais como condiccedilatildeo para
formaccedilatildeo de outro ministeacuterio dependendo da ocasiatildeo e da conjuntura poliacutetica e
como o fez D Pedro I ateacute de dissolver a cacircmara tudo era negociado com muita
cautela As reformas buscam agradar os diversos grupos existentes em um sistema
de troca de favores onde o imperador usava da distribuiccedilatildeo de cargos puacuteblicos e a
cooptaccedilatildeo de lideranccedilas da oposiccedilatildeo o que acaba por criar uma aparecircncia de
legalidade ao processo eleitoral e manter certa ordem evitando excessos como do
episoacutedio das ldquoeleiccedilotildees do caceterdquo logo no iniacutecio de sua administraccedilatildeo onde a
violecircncia toma forma de pressatildeo sobre o eleitorado (GRAHAM 1997) A proposta
era inserir o Paiacutes no conjunto das naccedilotildees civilizadas e adeptas da democracia
representativa mas natildeo eacute bem assim que acontecia O presidente da proviacutencia era
uma figura fundamental no processo eleitoral cabendo a ele garantir a vitoacuteria do
governo no pleito Alguns eram trocados estrategicamente pouco tempo antes das
eleiccedilotildees com o poder de afastar substituir e ateacute determinar a aposentadoria
antecipada de juiacutezes anular resultado das apuraccedilotildees e preencher atas eleitorais
com nomes de sua preferecircncia Era comum listarem-se eleitores falecidos ou natildeo
aparecerem eleitores do partido opositor Esse comportamento decorre das
perturbaccedilotildees experimentadas durante o Periacuteodo Regencial onde diversos conflitos
regionais se espalharam pelo paiacutes em oposiccedilatildeo agraves decisotildees tomadas pelo governo
central Enquanto isso a soluccedilatildeo era dissolver e reorganizar o gabinete dando uma
impressatildeo de que as coisas iriam ser ldquodiferentesrdquo Geralmente o conselho de
ministros natildeo chegava a ficar mais de dois anos no poder Ao longo de todo o
governo de D Pedro II os conservadores estiveram agrave frente do gabinete por vinte e
noves anos e os liberais por dezenove anos (CARVALHO 2007) garantindo uma
aparecircncia democraacutetica para um governo conservador Em 1853 Carneiro Leatildeo
estabelece o Ministeacuterio da Conciliaccedilatildeo com a finalidade de ampliar a interaccedilatildeo dos
dois partidos no governo brasileiro O ldquoconluiordquo durou ateacute 1858
Mas o paiacutes eacute pacificado Cessaram as rebeliotildees provinciais que tiveram iniacutecio na
regecircncia e ameaccedilavam a consolidaccedilatildeo do Estado brasileiro Duas dessas rebeliotildees
eclodiram ainda no periacuteodo regencial e tiveram seu termo com D Pedro II a
balaiada em 1841 e a farroupilha em 1845 A uacutenica grande revoluccedilatildeo posterior foi a
praieira em 1848 na proviacutencia de Pernambuco mas durou ateacute 1849 A paz
conseguida favoreceu a consolidaccedilatildeo dos interesses da classe dominante
representada pelos grandes proprietaacuterios rurais dos quais dependia o impeacuterio Tais
grupos defendiam a manutenccedilatildeo da escravidatildeo e a ausecircncia da participaccedilatildeo popular
nas decisotildees poliacuteticas Suas divergecircncias estavam centradas mais nos interesses
econocircmicos e poliacuteticos locais
Durante o Segundo Reinado o Brasil se envolveu em trecircs conflitos armados com
paiacuteses fronteiriccedilos da regiatildeo Platina Em 1851 teve iniacutecio a Guerra contra Oribe e
Rosas Esse conflito envolveu a Argentina e o Uruguai (paiacutes que pertenceu ao Brasil
ateacute 1828) Em 1851 Oribe liacuteder do Partido Blanco tomou o poder no Uruguai e
com o apoio de Rosas ditador argentino bloqueou o porto de Montevideacuteu
prejudicando o comeacutercio brasileiro na bacia Platina As tropas brasileiras
comandadas por Caxias aliaram-se ao exeacutercito liderado por poliacuteticos rivais a Oribe e
Rosas O Brasil sai por fim como vitorioso da Guerra o ano eacute o de 1852
Em 1864 desponta a Guerra contra Aguirre liacuteder do Partido Blanco e governante do
Uruguai Tem iniacutecio depois que os uruguaios promoveram vaacuterias invasotildees ao Rio
Grande do Sul roubando o gado dos fazendeiros gauacutechos O ministeacuterio organiza o
exeacutercito sob o comando de Tamandareacute e do marechal Mena Barreto Com o apoio
de tropas opositoras do governo de Aguirre o Brasil consegue a vitoacuteria e transfere o
governo para o liacuteder do Partido Colorado Venacircncio Flores O conflito armado mais
longo e violento do periacuteodo foi a Guerra do Paraguai indo de 1864 ateacute 1870 O
Paraguai era o paiacutes mais proacutespero da regiatildeo Contava ainda com uma moeda forte e
uma economia industrial como bases para um bem-sucedido desenvolvimento
nacional
Quando o ditador Solano Loacutepez chegou ao poder colocou em praacutetica uma poliacutetica
expansionista que pretendia ampliar o territoacuterio do Paraguai tomando terras do
Brasil Argentina e Uruguai Solano Loacutepez tinha como objetivo formar o Grande
Paraguai A guerra teve iniacutecio quando tropas paraguaias invadiram o territoacuterio
brasileiro e argentino Formou-se entatildeo a Triacuteplice Alianccedila que unia militarmente o
Brasil Argentina e Uruguai para lutar contra o Paraguai Para Fausto (2001) os
interesses ingleses tambeacutem estavam em pauta com a necessidade de garantirem-
se mais mercados e evitar o desenvolvimento de concorrentes a Inglaterra foi
grande incentivadora do conflito As lutas foram intensas terminando somente em
1870 com a invasatildeo de Assunccedilatildeo e a perseguiccedilatildeo e morte de Solano Loacutepez Para o
Paraguai as consequecircncias da guerra foram desastrosas devido agrave destruiccedilatildeo de sua
economia industrial e a morte de cerca de 80 da populaccedilatildeo (FAUSTO 2001)
Mesmo vitorioso o Brasil saiu com diversos problemas econocircmicos pois teve que
pedir grandes somas de dinheiro emprestadas para a Inglaterra o que aumentou
sua diacutevida externa Tambeacutem a poliacutetica de manutenccedilatildeo da escravidatildeo se viu em um
paradoxo como escravos podem ir para as fileiras lutar pela liberdade de uma
naccedilatildeo se eles individualmente natildeo possuem direito a liberdade Muitos escravos
foram alforriados para lutarem na guerra e tantos outros lutaram na esperanccedila de
receber uma posterior alforria ndash considerando que pela legislaccedilatildeo alguns cidadatildeos
alistados natildeo querendo fugir de suas obrigaccedilotildees para com o paiacutes - poderiam
mandar seus escravos para tomar ldquoseurdquo lugar na guerra (MATTOS 2000)
As dificuldades financeiras do Impeacuterio e a necessidade de apresentar uma soluccedilatildeo
para o problema da escravidatildeo apressaram a queda de D Pedro II visto que seu
uacuteltimo pilar de sustentaccedilatildeo estava no apoio dos fazendeiros que praticavam a
agricultura de exportaccedilatildeo baseada na matildeo-de-obra escrava
Um dos momentos de crise mais aguda na poliacutetica eacute sentido com a deposiccedilatildeo do
gabinete Zacarias de Goacuteis pelo Imperador - atribuiccedilatildeo garantida ao poder
moderador mas natildeo muito bem resolvida na ocasiatildeo D Pedro II vai ao conselho e
os votos depois de uma fala decisiva de Nabuco de Arauacutejo satildeo favoraacuteveis agrave
deposiccedilatildeo do gabinete26 A conciliaccedilatildeo agrupando os partidos em torno do trono
fortalecia o centro do poder em detrimento do poder local nas proviacutencias e logo
apoacutes a regecircncia ela vai desaparecendo em funccedilatildeo do personalismo descolado de
algum programa partidaacuterio Pode-se perceber que ldquoo desenvolvimento econocircmico e
as mudanccedilas sociais que ocorreram no paiacutes a partir dos anos 1850 trouxeram para a
arena poliacutetica novos grupos de interesse tornando impossiacutevel manter a alianccedila entre
os dois partidosrdquo (COSTA 1999 p162) A elite agraacuteria que dirigia os rumos do paiacutes
daacute lugar paulatinamente a uma elite de letrados urbanos uma nova geraccedilatildeo que se
forma lentamente no Brasil associada a uma classe meacutedia dissolvida nas camadas
de um estamento burocraacutetico que vem segundo Faoro (2004) transplantado quase
que integralmente para o Brasil e que lhe daacute o necessaacuterio suporte a existecircncia A
queda do ministeacuterio liberal em 1868 e sua substituiccedilatildeo por um gabinete conservador
gera uma crise que culmina em um manifesto em favor de vaacuterias mudanccedilas no
sistema poliacutetico como a exigecircncia da descentralizaccedilatildeo de eleiccedilotildees diretas contra a
vitaliciedade do senado a favor do sufraacutegio universal da liberdade religiosa e de
muitas outras mudanccedilas pretendidas Eacute a fase aacuteurea do impeacuterio que vecirc seu decliacutenio
iniciar-se depois da guerra do Paraguai
Observando a economia um dos fatores da estabilidade econocircmica e poliacutetica
do paiacutes no periacuteodo imperial foi o desenvolvimento do cafeacute dando um novo
impulso para a economia agroexportadora Durante o primeiro reinado a elite
agraacuteria estava ainda concentrada no nordeste accedilucareiro mas aos poucos a
produccedilatildeo em larga escala do cafeacute - que comeccedilou no Rio de Janeiro em 1930 em
Angra dos Reis e Mangaratiba ndash vem mudando as posiccedilotildees no jogo As plantaccedilotildees
avanccedilam para o vale do rio Paraiacuteba possibilitando pelo volume da produccedilatildeo que
aumentaria gradualmente nos anos seguintes partir para a exportaccedilatildeo Em meados
de 1850 a lavoura cafeeira se expande para o Oeste paulista favorecida pelas
condiccedilotildees do solo (FAUSTO 2001) mas o cultivo exigia a manutenccedilatildeo da matildeo de
obra escrava que ainda era considerada como muito lucrativa Sabe-se poreacutem que 26 A questatildeo colocada se refere (resumidamente) a um desentendimento de Caxias no comando
das tropas no Paraguai e Zacarias de Goacuteis entatildeo na chefia do gabinete Faoro (2004) argumenta
que apesar de D Pedro II ter consultado o conselho sobre o fato e ter seguido a diretriz
recomendada eacute acusado de usar arbitrariamente o Poder Moderador para a retirada dos liberais
com a proibiccedilatildeo do traacutefico negreiro - jaacute exigido pela Inglaterra ao governo brasileiro
ainda no primeiro reinado como uma das condiccedilotildees para aceitaccedilatildeo da
independecircncia - chegar-se-ia inevitavelmente ao fim o trabalho escravo no Brasil
mas a elite dominante adiou o quando pocircde a aboliccedilatildeo da escravidatildeo no paiacutes Para
tanto o impeacuterio relutava em cumprir os acordos leis e tratados firmados Como
forma de solucionar o problema da crescente escassez de matildeo de obra os
fazendeiros recorreram inicialmente ao traacutefico interno de escravos Quando do
agravamento do problema os fazendeiros paulistas comeccedilam uma poliacutetica de
incentivo agrave imigraccedilatildeo de colonos europeus (havia outras opccedilotildees como chineses
aos quais Joaquim Nabuco tinha verdadeira ojeriza) que passariam a trabalhar sob
o regime assalariado A troca foi gradual e lenta Diversas leis foram aprovadas ndash
sob pressatildeo ndash no decurso do tempo como a Lei de 7 de novembro de 1831 ndash Lei
Feijoacute a lei Euseacutebio de Queiroz a Lei do Ventre livre e adiante ateacute a aboliccedilatildeo total
em 1888 Mas o primeiro golpe seacuterio eacute sentido em 1851 como resultado da pressatildeo
inglesa Esta se sente de forma efetiva desde os acordos firmados com D Pedro I
para o reconhecimento da Naccedilatildeo ateacute o iniacutecio da vigilacircncia dos mares pela marinha
inglesa atraacutes de traficantes de escravos em navios de bandeira brasileira
No Rio de Janeiro e em Satildeo Paulo o escravo era utilizado nas plantaccedilotildees de cafeacute e
cana-de-accediluacutecar aqueles que possuiacuteam ou aprendiam uma profissatildeo bem como
tinham capacidade para desenvolver atividades comerciais eram utilizados nos
chamados ldquotrabalhos de ganhordquo e nos diversos trabalhos domeacutesticos nas cidades
Mas seu trabalho na lavoura no periacuteodo de nosso recorte ainda eacute imprescindiacutevel
para a expansatildeo da cafeicultura O cafeacute viria a tornar-se o principal produto de
exportaccedilatildeo brasileiro estimulando a industrializaccedilatildeo e a urbanizaccedilatildeo Fatores como
a expansatildeo do creacutedito atraveacutes de uma reforma bancaacuteria e ndash com o fim do traacutefico ndash a
aplicaccedilatildeo dos capitais desse comeacutercio em operaccedilotildees financeiras as mais diversas a
qual forneceu recursos para a formaccedilatildeo de novas aacutereas de plantaccedilatildeo e a ampliaccedilatildeo
das redes ferroviaacuterias em Satildeo Paulo que reduziram o custo de transporte para os
proprietaacuterios no interior paulista foram decisivos Para os interesses dessa classe
de ricos proprietaacuterios rurais paulistas que se forma a monarquia centralizadora -
sediada no Rio de Janeiro e apoiada pelos senhores de engenhos nordestinos e
cafeicultores do vale do Paraiacuteba - jaacute natildeo era uacutetil Com isso surgiram novos grupos e
classes sociais portadoras de novas demandas e interesses e de muito dinheiro
Na vida social Renault (1976) sustenta que a invasatildeo do luxo se consolida por volta
da deacutecada de 1850 Cabeleireiros alfaiates modistas perfumistas e floristas
construiacuteam uma realidade de consumo ateacute entatildeo desconhecida aqui O
endividamento tambeacutem toma conta da cidade como forma de se integrar a vida
social o que vem a causar desequiliacutebrios no orccedilamento domeacutesticos Um anuacutencio
assinado por certo ldquoMr Gadetrdquo e publicado ainda na deacutecada de 1840 no Jornal do
Comeacutercio prevenia os negociantes da Rua do Ouvidor que ele natildeo se
responsabilizaria pela vendas de objetos a creacutedito- possivelmente para sua esposa e
familiares - sem seu consentimento (RENAULT 1976)
A cidade se renovava e as pessoas viviam o luxo vindo direto da Europa para as
suas casas na maacutequina a vapor nas primeiras ferroviais na evoluccedilatildeo social com os
bondes e a integraccedilatildeo maior das periferias na iluminaccedilatildeo a gaacutes aleacutem da moda em
si que traz novos haacutebitos As viagens pela Europa para as famiacutelias mais abastadas
se torna algo possiacutevel e ateacute comum Mas o contraste eacute visiacutevel Em crocircnicas dos
jornais apresenta-se o melhor de Paris mas escrito em um ldquopeacutessimo francecircsrdquo pelos
jornalistas As salas de leitura e as livrarias recheadas de obras claacutessicas - algumas
de elevado niacutevel cultural e tiacutetulos em liacutengua estrangeira - esbarram no alto iacutendice de
analfabetismo satildeo 10 livrarias soacute no Rio de janeiro na deacutecada de 1850 (mas que
tambeacutem indica a quantidade de europeus ndash ingleses espanhoacuteis franceses e outros
ndash agora residindo no Brasil) e ao mesmo tempo as casas de famiacutelia ainda natildeo tem
um sistema de aacutegua encanada
Segmentos das elites nas deacutecadas de 60 e 70 passariam a contestar o regime
monaacuterquico atraveacutes dos movimentos republicano e abolicionista Mesmo alguns
fazendeiros que defenderam tenazmente a escravidatildeo progressivamente tornam-se
adeptos dos princiacutepios federalistas contidos nos ideais do movimento republicano
quando a situaccedilatildeo lhes era mais favoraacutevel economicamente Mesmo porque a
oposiccedilatildeo burguesia-aristocracia setores urbanos versus setores rurais caracteriacutestica
de outras sociedades natildeo se manifesta no Brasil com a mesma intensidade que em
paiacuteses europeus visto que o antagonismo que se registrou na Europa e gerou
alguns dos mais importantes movimentos revolucionaacuterios do periacuteodo entre burguesia
empresarial e aristocracia agraacuteria aqui era menos consistente Pela metade do
seacuteculo dezenove jaacute teriacuteamos fazendeiros com uma visatildeo mais progressista
apostando na matildeo de obra livre em melhorias no processo produtivo e ao mesmo
tempo uma parcela da burguesia que passa a comprar terras e participar
(associativamente ou mesmo por laccedilos familiares que viessem a ser criados) da
vida e do trabalho na propriedade rural Haacute uma tendecircncia maior entre as elites a
uma formaccedilatildeo de laccedilos de proteccedilatildeo muacutetuos (COSTA 1999)
Lembramos tambeacutem que o manifesto do Partido Liberal de 1868 previa a aboliccedilatildeo
apesar de natildeo haver um movimento organizado para isto Jaacute o Partido Conservador
silenciou sobre o assunto mas foi sob a administraccedilatildeo de gabinetes conservadores
que as leis abolicionistas vieram a acontecer (SKIDMORE 1989)
Golpe a golpe a monarquia vai perdendo sua legitimidade Aleacutem disso a partir da
deacutecada de 1870 o regime monaacuterquico entra em conflito com duas instituiccedilotildees
importantes que formavam outras duas bases de sustentaccedilatildeo do regime o Exeacutercito
e a Igreja Catoacutelica Entre os militares o positivismo pregava a liberdade e uma
postura moral que natildeo condizia com as antigas ideias escravocratas
O movimento proacute-repuacuteblica no Brasil que cresceu ao longo do periacuteodo tomava
proporccedilotildees irreversiacuteveis mas para que a alteraccedilatildeo na forma de governo se desse de
forma democraacutetica seria necessaacuterio uma Assembleia Geral majoritariamente
republicana o que natildeo deveria ocorrer posto que a populaccedilatildeo ainda apoiasse o
imperador e com a lei aacuteurea tinha-se medo do descontentamento dos escravos
com o possiacutevel fim da monarquia podendo acarretar uma revolta popular
(SCHWARCH 1999) Cientes desse problema os republicanos viram-se obrigados
a apelar para o ataque direto em associaccedilatildeo com militares de alta patente Em 15 de
novembro de 1889 D Pedro II foi deposto do trono e embarca para a Europa com a
famiacutelia no dia 17 de novembro sem alardes e sem despedidas puacuteblicas que
pudessem suscitar manifestaccedilotildees Eacute a partir desta alianccedila entre os proprietaacuterios
rurais do oeste paulista e os quadros da elite militar do Exeacutercito que chega no fim do
seacuteculo XIX a Repuacuteblica ao Brasil
22 O ESTADO DA ARTE DA IMPRENSA NO OITOCENTOS
Mas o oitocentos em meio a toda essa agitaccedilatildeo tambeacutem eacute um periacuteodo de
consolidaccedilatildeo da ldquopropostardquo de um paiacutes chamado Brasil um paiacutes novo natildeo mais
uma colocircnia detentor de um ideal proacuteprio que o substantiva em meio agraves outras
naccedilotildees como um ldquoigualrdquo entre elas D Pedro II em seus melhores anos vecirc e
estimula a extrema agitaccedilatildeo onde se busca em algumas ideias ou programas
poliacuteticos e culturais importados de outras naccedilotildees e (soacute algumas vezes) devidamente
adaptados para a ldquocor nacionalrdquo uma identidade para o Brasil Estamos mesmo
para usar uma expressatildeo de Antony Giddens (1991) na periferia
Apesar disso a identidade que se busca deve estar concernente com os elementos
os quais ela pretende representar que satildeo as elites que deteacutem o poder a partir de
1822 composta por comerciantes traficantes fazendeiros e elementos a estes
ligados interessados na grande propriedade agroexportadora e no traacutefico de
escravos e dos grupos de pressatildeo que com o tempo iram se aproximando e
afastando deste nuacutecleo inicial (COSTA 1999) buscando uma acomodaccedilatildeo
adequada durante todo o impeacuterio Schwarcz (1999) nos lembra de que na confecccedilatildeo
da primeira bandeira do Brasil imperial D Pedro I jaacute apostava nos ramos de cafeacute
ladeando o brasatildeo central como um siacutembolo nacional mesmo antes do cafeacute se
configurar como a riqueza que veio a ser
Os primeiros prelos chegam ao Brasil com D Joatildeo VI e natildeo havia uma imprensa no
Brasil no periacuteodo anterior Sodreacute (1999) registra uma pequena tipografia instalada no
Recife em 1706 sob autorizaccedilatildeo do governador da Proviacutencia Francisco de Castro
Morais mas jaacute em 08 de Junho do mesmo ano uma carta reacutegia potildee fim a empresa
Em 1746 novamente com autorizaccedilatildeo de um governador local ndash Gomes Freire ndash
transfere-se de Lisboa o impressor Antocircnio Isidoro da Fonseca para o Rio de Janeiro
e consegue por um breve tempo colocar em atividade pequena oficina tipograacutefica
que sob uma ordem reacutegia foi fechada e queimada Portugal natildeo queria uma
propagaccedilatildeo de ideias ldquoimproacutepriasrdquo dentro da colocircnia e tudo faria para evitar que isto
acontecesse Em Portugal as Ordenaccedilotildees Filipinas determinavam a proibiccedilatildeo da
impressatildeo de qualquer obra que natildeo passe pela censura dos desembargadores do
Paccedilo e dos oficiais do santo Ofiacutecio da Inquisiccedilatildeo (SODREacute 1999) A partir do
segundo quartel do seacuteculo XVII a igreja intensifica a fiscalizaccedilatildeo do conteuacutedo de
obras impressas ateacute que Pombal toma a frente e substitui a pratica pela instituiccedilatildeo
da ldquoReal Mesa Censoacuteriardquo que vigora de 1768 ateacute 1787 Os livros de conteuacutedo
classificado como proibido constituem bibliotecas particulares de alguns letrados e
geralmente satildeo impressas em outro paiacutes entrando em Portugal da mesma forma
que na colocircnia por meio de navios ingleses e franceses em forma de contrabando
Papeacuteis jornais e livros eram vendidos no cais por marinheiros a poliacutecia fiscalizava
livrarias e livreiros mas talvez toda essa pressatildeo acabasse por incentivar a criaccedilatildeo
de sociedades literaacuterias (e tambeacutem nas lojas maccedilocircnicas onde a natildeo se praticava um
pacircnico por autores franceses) onde era possiacutevel procurar e encontrar tiacutetulos
censurados Com a abertura dos portos em 1808 o comeacutercio ilegal se intensifica e a
situaccedilatildeo soacute melhora com a instalaccedilatildeo efetiva da Imprensa Reacutegia O Correio
Braziliense o primeiro jornal a discutir o cotidiano poliacutetico do Brasil e que tem seu
primeiro nuacutemero em junho de 1808 eacute produzido em Londres onde os olhos da
censura e da inquisiccedilatildeo natildeo alcanccedilam o redator tatildeo facilmente
As razotildees do atraso no desenvolvimento de uma imprensa no Brasil ultrapassam os
limites poliacuteticos descritos para esbarrar tambeacutem no problema tecnoloacutegico e de uma
cultura de censura preacutevia para os jornais Mesmo em Portugal nos conta Romancini
(2007) o jornalismo foi precedido pela publicaccedilatildeo sem periodicidade de folhas
impressas chamadas relaccedilotildees ou notiacutecias avulsas no final do seacuteculo XVI Apesar
das primeiras Gazetas de periodicidade mensal circularem desde a metade do
seacuteculo XVII dando iniacutecio assim a uma periodicidade para a publicaccedilatildeo de notiacutecias
impressas ateacute meados do seacuteculo seguinte ainda se conviveria com gazetas
manuscritas O primeiro jornal diaacuterio em Portugal seraacute o Diaacuterio Lisbonense de 1809
portanto posterior a vinda da famiacutelia real para o Brasil e a todo um conjunto de
mudanccedilas que isto viria a acarretar
Eacute sob a responsabilidade Antocircnio de Arauacutejo futuro Conde da Barca que chega ao
Brasil o material para uma oficina tipograacutefica ndash comprado na Inglaterra para a
Secretaria de Estrangeiros e da Guerra e que natildeo havia sido ainda instalado em
Portugal devido ao periacuteodo conturbado da transferecircncia da Corte para o Brasil D
Joatildeo ao saber do acontecido manda abrir a empresa para atender as necessidades
da coroa e possivelmente conseguir algum rendimento (a impressatildeo de cartas de
baralho para o divertimento das famiacutelias viria a trazer um bom lucro para a coroa)
Em ato real o priacutencipe determinava que uma junta apropriada examinasse os
materiais que solicitassem a impressatildeo e publicitaccedilatildeo para que nada se produzisse
de ofensivo contra a religiatildeo o governo ao aos bons costumes (SODREacute 1999) Em
10 de setembro de 1808 sai o primeiro nuacutemero da ldquoGazeta do Rio de Janeirordquo Um
jornal oficial que apesar de natildeo ter um conteuacutedo inovador marca o momento inicial
dos jornais impressos aqui
O ano de 1821 eacute relevante para a histoacuteria da imprensa brasileira Em 28 de agosto
DPedro entatildeo declarado priacutencipe-regente com o retorno de DJoatildeo VI a Portugal
decreta o fim da censura preacutevia a toda mateacuteria escrita tornando livre no Brasil a
palavra impressa Eacute um ato decorrente das deliberaccedilotildees das Cortes Constitucionais
de Lisboa em defesa das liberdades puacuteblicas e marca uma etapa de liberdade de
expressatildeo do pensamento
Com o passar dos anos tem-se a necessidade de formular uma logiacutestica para a
imprensa devido agraves vendas e ao crescimento das cidades Em 1844 o serviccedilo de
correios passa a entregar correspondecircncias nos domiciacutelios o que possibilitava um
sistema de assinaturas de impressos A partir de 1858 no Rio de Janeiro tem-se a
mobilizaccedilatildeo de negros forros e mulatos para o trabalho de entregadores mediante
pagamento para a venda avulsa regular nas ruas da cidade (BAHIA 1990) A partir
de entatildeo o sistema de distribuiccedilatildeo soacute melhora e o jornal como veiacuteculo de
comunicaccedilatildeo toma conta do Rio de Janeiro e de Satildeo Paulo
A busca por uma identidade para o Brasil tem na imprensa um lugar privilegiado
onde as opiniotildees e doutrinas vaacuterias buscavam conquistar a opiniatildeo puacuteblica como
forma de legitimaccedilatildeo de cada projeto individual (BASILE 2006) Satildeo as primeiras
deacutecadas de um veiacuteculo de comunicaccedilatildeo que viria a se tornar poderoso no seacuteculo
seguinte como um agente de informaccedilatildeo das massas Segundo Hall
As culturas nacionais satildeo compostas natildeo apenas de instituiccedilotildees culturais mas tambeacutem de siacutembolos e representaccedilotildees Uma cultura nacional eacute um discurso ndash um modo de construir sentidos que influencia e organiza tanto nossas accedilotildees quanto a concepccedilatildeo que temos de noacutes mesmos (HALL 1998 p 50)
A imprensa o jornal diaacuterio eacute o meio por excelecircncia da poliacutetica Lugar onde os
discursos acontecem os debates satildeo esperados as pelejas travadas e a construccedilatildeo
dos sentidos vecircm a acontecer Mais do que no salatildeo da Cacircmara de Deputados eacute
impresso no jornal que o discurso chega ateacute o leitor que formaraacute em seu conjunto
de propostas criacuteticas e reclames a opiniatildeo puacuteblica Eacute a imprensa que faz chegar
notiacutecias e informaccedilotildees a uma plateias bem mais ampla levantando questotildees do
cotidiano trazendo as informaccedilotildees que ateacute entatildeo estavam em domiacutenio privado para
a esfera puacuteblica Os folhetos e panfletos do periacuteodo tem um caraacuteter tambeacutem
didaacutetico divulgando ideias ndash natildeo soacute liberais eacute certo ndash por meio de uma linguagem
acessiacutevel Muitas vezes encadeando textos respondendo a outros jornais ou
publicitando debates Eacute esta literatura poliacutetica que consolida palavras ideias
expressotildees do liberalismo para a maior parte das pessoas (NEVES 2001)
Hobsbawn (2010) falando do periacuteodo compreendido entre 1848 e a deacutecada de 1860
na Europa comenta a importacircncia dos jornais na formaccedilatildeo de um nacionalismo que
se baseia na cultura partilhada pelo maior nuacutemero de cidadatildeos O autor afirma que a
ideia nacional eacute construiacuteda pelos veiacuteculos de comunicaccedilatildeo e os grupos a estes
vinculados
() o movimento nacional tendia a tornar-se poliacutetico apoacutes sua fase sentimental e folcloacuterica com a emergecircncia de grupos mais ou menos expressivos dedicados agrave ideia nacional publicando jornais e literatura nacionais organizando sociedades nacionais tentando estabelecer instituiccedilotildees educacionais e culturais e engajando-se em vaacuterias atividades francamente poliacuteticas Mas de forma geral neste ponto o movimento ainda era carente de um apoio decisivo por parte da massa da populaccedilatildeo Consistia basicamente de um extrato social intermediaacuterio entre as massas e a burguesia ou a aristocracia existentes (se tanto) especialmente os literatos professores camadas inferiores do clero alguns pequenos comerciantes e artesatildeos urbanos (HOBSBAWN 2010 p 105)
Segundo Romancini (2007) eacute a imprensa criacutetica observadora e natildeo comprometida
com os interesses do Estado que tem suas raiacutezes no Correio Brasiliense27 que iraacute
contribuir para a formaccedilatildeo de uma opiniatildeo puacuteblica no Brasil
27
Correio Brazilience ou Armazeacutem Literaacuterio Jornal mensal editado por Hipoacutelito Joseacute da Costa desde 1808 em Londres e importado para o Brasil para fugir da censura da cora portuguesa Apesar de Hipoacutelito daCosta manter relaccedilotildees com a Corte e com o priacutencipe D Joatildeo chegando mesmo a receber ajuda financeira deste para mantecirc-lo relativamente livre de sua redaccedilatildeo criacutetica o Correio foi um modelo para o jornalismo poliacutetico a ser desenvolvido no Brasil (ROMANCINI 2007)
O impeacuterio foi o periacuteodo da histoacuteria brasileira em que a imprensa teve maior liberdade
de expressatildeo (CARVALHO 2004) mas ela natildeo era um poder independente Em sua
maior parte os jornais e panfletos estavam vinculados a organizaccedilotildees que visavam
como os partidos poliacuteticos ao poder
Havia folhas independentes como o Jornal do Commercio e os jornais radicais Mas eram poucos e com raras exceccedilotildees natildeo duravam muito A grande maioria era vinculada a partidos ou a poliacuteticos O governo tinha sempre seus jornais o mesmo acontecendo com a posiccedilatildeo Os jornalistas lutavam na linha de frente das batalhas poliacuteticas e muitos deles eram tambeacutem poliacuteticos Muitos poliacuteticos por seu lado escreviam em jornais nos quais o anonimato lhes possibilitava dizer o que natildeo ousariam na tribuna da
Cacircmara ou do Senado (CARVALHO 2007 p78)
Liberais conservadores progressistas histoacutericos puritanos todos tem o seu ldquooacutergatildeordquo
de comunicaccedilatildeo Todos tem um jornal seu com o intuito de divulgar e defender seus
ideais propostas e tendecircncias
Rodrigues (2008) comenta que os jornais foram importantes para a divulgaccedilatildeo do
liberalismo moderado pelo Brasil e daacute ecircnfase ao ldquoAurora Fluminenserdquo e ao ldquoSete de
Abrilrdquo que tem a frente Bernardo Vasconcelos e Evaristo Ferreira da Veiga
respectivamente Seus editoriais eram reimpressos em outros jornais do interior do
Rio de Janeiro e de outras regiotildees do paiacutes o que serviu como uma rede de
divulgaccedilatildeo para as ideias liberais
Neves (2001) sustenta que bem como os jornais os panfletos e folhetos de caraacuteter
poliacutetico tiveram papel importante para a divulgaccedilatildeo natildeo somente de ideias mas de
um vocabulaacuterio especiacutefico efetivamente didaacutetico com uma linguagem acessiacutevel
para que uma parte maior da populaccedilatildeo pudesse entender o desenvolvimento do
liberalismo mesmo que este soacute tenha enfatizado um parte do arcabouccedilo de ideias
liberais Toda essa estrutura de ldquomiacutediardquo acabava por propiciar o surgimento de uma
opiniatildeo puacuteblica que assimilava ideias discutia propostas e tomava partido O ideaacuterio
que se pretendia construir era a criacutetica ao despotismo como siacutembolo de um passado
que jaacute estava enterrado e o liberalismo como o ideaacuterio poliacutetico para os novos
tempos (NEVES 2001)
A imprensa do seacuteculo XIX de maneira geral tem por caracteriacutestica ser constituiacuteda ndash
em sua maioria ndash por jornais de vida curta geralmente se ocupando de causas
tambeacutem momentacircneas e tem como proprietaacuterio um indiviacuteduo ou um grupo pequeno
de empresaacuterios (natildeo necessariamente jornalistas) e eacute por excelecircncia poliacutetico
(PINTO 2003) O jornal eacute a representaccedilatildeo de fato e dos fatos para a sociedade um
ente poliacutetico dos mais importantes no momento E junto a ele dentro das
possibilidades existentes no seacuteculo XIX folhetos cartazes livros e muitos outros
suportes foram usados com o intuito de difundir discursos de teor ideoloacutegico Isso jaacute
eacute uma percepccedilatildeo de que a participaccedilatildeo de camadas cada vez maiores da populaccedilatildeo
ndash e natildeo somente da burguesia ndash se apresentavam como elementos emergentes para
a poliacutetica Hobsbawn (2011) nesta passagem nos informa sobre a percepccedilatildeo das
elites europeias da necessidade de um jornal que disseminasse suas ideias para o
povo apoacutes a seacuterie de revoluccedilotildees de 1848
Os defensores da ordem social precisaram aprender a poliacutetica do povo Esta foi a maior inovaccedilatildeo trazida pelas revoluccedilotildees de 1848 Mesmo os mais arqui-reacionaacuterios dos junkers prussianos descobriram naquele ano que precisavam de um jornal que pudesse influenciar a opiniatildeo puacuteblica ndash conceito em si proacuteprio ligado ao liberalismo e incompatiacutevel com a hierarquia tradicional (HOBSBAWN 2011 p41)
Para a Corte no Brasil assim como na Europa jaacute na segunda metade do seacuteculo XIX
os jornais do periacuteodo passam a publicar obras literaacuterias em folhetins Autores como
Manoel Antocircnio de Almeida Machado de Assis e Alencar ficaram famosos por conta
desse tipo de veiculaccedilatildeo e tal associaccedilatildeo da imprensa com a literatura que vai se
revelando no jornal impresso - jaacute no periacuteodo de nosso recorte ndash determina
caracteriacutesticas proacuteprias de um veiacuteculo de comunicaccedilatildeo de massa (PINTO 2003)
Referir-nos-emos entatildeo a estes para uma melhor compreensatildeo da anaacutelise com o
vocaacutebulo ldquomiacutediardquo
Chartier (1991) nos alerta de que natildeo existe um texto fora do suporte que lhe
permita ser lido (ou ouvido) e que natildeo haacute compreensatildeo de um escrito qualquer que
seja que natildeo dependa das formas pelas quais ele atinge o leitor O princiacutepio do
discurso ideoloacutegico eacute o de ldquoalcancerdquo Quanto maior eacute o grupo atingido por uma
proposta maior eacute sua forccedila Eacute uma percepccedilatildeo de base estatiacutestica e natildeo filosoacutefica
Para que o discurso ideoloacutegico venha a surtir efeito eacute preciso que as ideias da classe
dominante se tornem as ideias de todos os membros da sociedade que todos (ou
sua maior parte) se identifiquem com elas E ainda para que a ideologia seja eficaz
o discurso deve se manter sempre o mesmo ignorando as mudanccedilas que possam
vir a acontecer (CHAUI 1997) Para tanto tambeacutem eacute necessaacuterio que a classe
dominante por meio de seus agentes e instrumentos eou instituiccedilotildees especiacuteficas
tratem de aleacutem de produzir suas ideias possam distribuiacute-las o que eacute feito por
exemplo atraveacutes da educaccedilatildeo da religiatildeo dos costumes dos meios de
comunicaccedilatildeo disponiacuteveis As ideias mudam de lugar conforme a interpretaccedilatildeo que
os homens lhe datildeo e no campo poliacutetico essas mudanccedilas nas ldquoorientaccedilotildeesrdquo dos
homens ocorrem com certa frequecircncia Eacute preciso confianccedila como tambeacutem partilhar
as ideias com o grupo e se possiacutevel com quem mais aparecer
23 SOBRE AS ELITES NO PODER
Apesar dos estudos sobre a burguesia e as elites natildeo serem uma novidade entre
noacutes uma pergunta metodoloacutegica insiste em aparecer ndash como nos lembra Flaacutevio
Heinz (2006) Onde comeccedilam e onde terminam as elites - Este mesmo autor
sugere que os limites tradicionais tendem a ficarem menos riacutegidos com o
aparecimento de pesquisas mais recentes e a inclusatildeo de novas categorias
profissionais e de diferentes recortes que modificam a visatildeo tradicional sobre o
assunto integrando outras fontes e apresentando possibilidades para a
interpretaccedilatildeo destas
Temos em mente que mesmo considerando tais limites para o segmento ldquoeliterdquo eacute
preciso lembrar como nos mostra Chauiacute que a elite descrita a que nos referimos
deve ser entendida como a ldquoclasse dominanterdquo e natildeo necessariamente os
ldquomelhoresrdquo homens e mulheres dentro de uma sociedade como o termo pode
sugerir (CHAUI 1997 p 48) Cabem aqui entatildeo algumas consideraccedilotildees agraves quais
tomamos por base a partir o modelo democraacutetico de Schumpeter (1984)
salientando que por se tratar de um modelo este nos permite uma gama maior de
possibilidades de interpretaccedilatildeo e uma flexibilidade em nossa anaacutelise tentando
abarcar um periacuteodo que apresenta contrastes acentuados Consideramos aqui que o
governo eacute exercido por elites poliacuteticas natildeo existe o chamado ldquobem comumrdquo como
uma meta de trabalho ou projeto de administraccedilatildeo do Estado que vaacute agradar ou
interessar a todos os segmentos da sociedade pelo simples fato de que para
indiviacuteduos grupos e classes diferentes este bem comum significa coisas diferentes
Neste caso consideramos a busca deste ldquobem comumrdquo como um fator de
subjetivaccedilatildeo que acaba por deslocar a ideologia partidaacuteria das metas do agente
poliacutetico o que termina dando a impressatildeo de que os partidos (seus integrantes no
caso) liberais ou conservadores democratas ou republicanos ou outros tantos satildeo
uma mesma coisa o objetivo primordial dos partidos poliacuteticos eacute conquistar e manter
o poder e a realizaccedilatildeo do ldquobem comumrdquo eacute um meio para atingir este objetivo
(SCHUMPETER 1984) a soberania popular embora natildeo seja nula eacute reduzida
visto que satildeo as elites poliacuteticas que propotildeem candidatos e alternativas para o eleitor
e no caso das eleiccedilotildees no impeacuterio isso eacute bem marcante E eacute preciso notar que um
importante aspecto da poliacutetica imperial eacute o de conseguir ter mantido a supremacia do
poder civil O exeacutercito e a marinha tiveram influencia reduzida nas decisotildees da
poliacutetica nacional e quando foi o caso seus representantes eram antes poliacuteticos
vinculados a algum dos partidos do que militares em cargos administrativos Um
caso singular eacute a figura de Caxias que mesmo na posiccedilatildeo de um heroacutei de guerra
com o comando geral das tropas no Paraguai teve de passar pelo crivo do conselho
de Estado para que fossem resolvidas seus desentendimentos com Zacarias de
Goacuteis
As decisotildees vimos partem de um grupo civil e eacute para estes civis que Alencar dirige
seu discurso A elite poliacutetica que chega ao poder depois da independecircncia e se
ldquoenraiacutezardquo com o fim do periacuteodo regencial apresentando caracteriacutesticas de unidade
ideoloacutegica de treinamento administrativo e de educaccedilatildeo A Corte no Rio de Janeiro
recebia representantes de todo o Brasil pois a Cacircmara dos deputados e o Senado
satildeo instituiccedilotildees sediadas naquela cidade Natildeo estamos considerando tatildeo somente a
sociedade carioca ou mesmo as oligarquias fluminenses do cafeacute que jaacute dava seus
frutos por ali mas as elites do Brasil na qualidade de seus representantes
Deputados senadores conselheiros altos funcionaacuterios da burocracia magistrados
fazendeiros traficantes de escravos banqueiros e outros mais transitando pelas
ruas estreitas do Rio de janeiro sem considerar os ricos comerciantes estrangeiros
(alguns enriqueceram ali mesmo) e alguns setores da monarquia espanhola que se
estabelecem no Brasil ainda no periacuteodo das revoluccedilotildees republicanas que se
espalharam pelo restante da Ameacuterica Latina encontrando no Rio de Janeiro o abrigo
de uma monarquia constitucionalista
Alfredo Bosi abre um capiacutetulo de sua Dialeacutetica da colonizaccedilatildeo onde se refere agrave
formaccedilatildeo do ldquonovo liberalismordquo com uma citaccedilatildeo de uma crocircnica de Machado de
Assis intitulada ldquoHistoacuteria de quinze diasrdquo na qual o romancista daacute lugar ao criacutetico
cruel do sistema social e poliacutetico do impeacuterio O recorte fala por si
As instituiccedilotildees existem Mas por e para 30 dos cidadatildeos Proponho uma reforma no estilo poliacutetico Natildeo se deve dizer ldquoconsultar a naccedilatildeo os representantes da naccedilatildeo os poderes da naccedilatildeordquo mas ldquoconsultar os 30 representantes dos 30 poderes dos 30rdquo A opiniatildeo puacuteblica eacute uma metaacutefora sem base haacute soacute a opiniatildeo dos 30 (ASSIS apud BOSI 2003 p222)
Cabe-nos demonstrar agora quantos e quais (estatisticamente no caso) seriam os
eleitores os que podiam participar ativamente do processo eleitoral em nosso
periacuteodo de recorte temporal notadamente aqueles a quem Alencar se dirigia em
suas cartas
As primeiras eleiccedilotildees para a composiccedilatildeo das cortes em 1821 adotaram
basicamente o voto universal masculino Jaacute nas eleiccedilotildees para a constituinte
brasileira foi exigida a idade miacutenima de 20 anos e a exclusatildeo de estrangeiros e
assalariados Com a constituiccedilatildeo outorgada por D Pedro I elevam-se as restriccedilotildees
com idade miacutenima de 25 anos exclusatildeo aos criados e adoccedilatildeo do criteacuterio de renda
miacutenima Em 1846 excluem-se os ldquopraccedilas-de-preacuterdquo aleacutem de alterar o caacutelculo de renda
miacutenima baseado na desvalorizaccedilatildeo da moeda em funccedilatildeo da inflaccedilatildeo O formato
determinava que em um primeiro momento designar-se-iam os votantes ndash com
renda superior a 100 mil-reacuteis anuais ndash que escolheriam os eleitores ndash com renda
superior a 200 mil-reacuteis anuais ndash que iriam escolher os deputados ndash com renda
superior a 400-mil reacuteis anuais Mas a limitaccedilatildeo de renda tinha pouca importacircncia a
maioria da populaccedilatildeo trabalhadora ganhava mais de 100 mil-reacuteis por ano Em 1876
o menor salaacuterio registrado no serviccedilo puacuteblico era de 600 mil-reacuteis (CARVALHO
2002) mas era preciso que houvesse alguma comprovaccedilatildeo
Em 1881 temos algumas mudanccedilas a eliminaccedilatildeo da eleiccedilatildeo em dois turnos e eacute
proibido o voto dos analfabetos aleacutem de tornar o voto em si voluntaacuterio Calcula-se
a partir de tais restriccedilotildees para o periacuteodo que estamos tratando um percentual de
13 da populaccedilatildeo total com possibilidades de participaccedilatildeo eleitoral que diminui
para quase 1 a partir da lei de 1881 (CARVALHO 2007) Todas estas medidas
foram tomadas com real intuito de diminuir a participaccedilatildeo popular na votaccedilatildeo
concentrando o sufraacutegio nas elites Hebbe Mattos (2000) nos informa que para ser
eleitor ndash e para conseguir algumas vantagens que a condiccedilatildeo lhe permitia ndash o
cidadatildeo natildeo poderia ter nascido ldquoingecircnuordquo (escravo) Mas analfabetos e ex-escravos
poderiam habilitar-se a eleitores de segundo grau e ateacute mesmo serem eleitos para a
vereanccedila (NOVAIS 1997)
Apesar de haverem algumas estrateacutegias para modificar esse quadro e conseguir
uma renovaccedilatildeo maior dos parlamentares com vistas a uma representaccedilatildeo popular
como a lei dos ciacuterculos e a adoccedilatildeo do voto distrital (que pouco tempo permaneceram
em vigor logo que comeccedilaram a proporcionar tais mudanccedilas) as eleiccedilotildees em sua
forma e dinacircmica estavam cada vez mais sob o controle das elites econocircmicas que
optavam por manter uma estabilidade no poder A forma que a eleiccedilatildeo se dava jaacute
era um complicador com a necessidade de que o eleitor votasse em tantos nomes
quantos houvesse cadeiras em sua assembleia Isto geralmente favorecia ao
candidato que pudesse ter uma representaccedilatildeo aleacutem dos limites locais o que era
conseguido atraveacutes das redes de relaccedilotildees que se compunham pelos demais
representantes ou pelos ldquopadrinhosrdquo poliacuteticos de cada candidato relaccedilatildeo que
geralmente era conseguida pelo partido mesmo que estas fossem descontinuadas
apoacutes a eleiccedilatildeo Para o pai de Alencar corria uma anedota no Cearaacute entre partidaacuterios
que anunciavam a falta de uma relaccedilatildeo com o senador depois de sua partida para a
Corte Quando se recebia uma notiacutecia da qual natildeo se tinha muito creacutedito uma
interjeiccedilatildeo de desconfianccedila prenunciava a frase - Tal coisa vai acontecer ()assim
que o Alencar me escrever ndash anunciavam aludindo a algum acontecimento
impossiacutevel por ali (MENEZES 1965) Com tudo isso acreditamos que Machado de
Assis em sua criacutetica estava sendo bastante otimista com os 30 anunciados
Sobre a formaccedilatildeo intelectual da elite local eacute importante lembrar que a constituiccedilatildeo
de 1824 entregando o ensino fundamental e meacutedio nas matildeos da igreja cria uma
educaccedilatildeo de caraacuteter religioso centrada mais na tradiccedilatildeo filosoacutefica e com certa
indiferenccedila pela pesquisa cientiacutefica mas impregnada pelo estudo das letras
determinada pela tradiccedilatildeo jesuiacuteta (SKIDMORE 1989) Portugal evitou criar em seus
domiacutenios ultramarinos faculdades ou universidades Os textos disponiacuteveis ficavam
restritos agraves bibliotecas dos conventos e agraves poucas escolas mantidas tambeacutem por
religiosos o que garantia certo controle sobre a divulgaccedilatildeo das ideias
ldquoprogressistasrdquo Natildeo havendo jornais em circulaccedilatildeo ou livros impressos visto que os
primeiros prelos chegam com a famiacutelia real em 1808 os leitores se contentavam
com a literatura produzida na Europa ndash traduzida ou natildeo o que jaacute limitava o nuacutemero
de leitores - e que atravessava o Atlacircntico em sua maior parte por via clandestina
Aqueles que tinham condiccedilatildeo econocircmica mandavam seus filhos para Portugal onde
faziam os estudos superiores na Universidade de Coimbra e adquiriam os valores
ditados pela metroacutepole Estes em sua maioria eram aproveitados para compor a
burocracia do impeacuterio em formaccedilatildeo Caiam quase sempre na poliacutetica
Em nuacutemeros temos o percentual de Senadores com educaccedilatildeo superior no periacuteodo
de 1853 a 1871 - portanto pertinente ao nosso recorte temporal - chegando a 80 e
o dos ministros dos diversos gabinetes a 96 do total Considerando que a
educaccedilatildeo militar ndash exeacutercito e marinha aos quais alguns poliacuteticos tambeacutem pertenciam
ndash recebida por um grupo desses parlamentares natildeo entra nesta base para o caacutelculo
final o nuacutemero de poliacuteticos que natildeo recebeu instruccedilatildeo eacute praticamente nulo Para os
conselheiros de Estado de 1840 a 1889 dos 72 homens que estiveram em seus
quadros apenas 02 natildeo possuiacuteam educaccedilatildeo superior O niacutevel educacional dos
deputados gerais se assemelha percentualmente ao dos senadores (CARVALHO
2007)
Depois da elite de Coimbra dominar os primeiros anos do impeacuterio vem o comeccedilo da
nacionalizaccedilatildeo com os cursos de Direito preferecircncia nacional para o ingresso na
elite poliacutetica via cargo puacuteblico Tais cursos satildeo criados no Brasil depois da
independecircncia em 1827 e comeccedilando efetivamente em 1828 Um em Satildeo Paulo e
outro em Olinda - transferindo-se o segundo posteriormente para a cidade do Recife
A presenccedila no poder de egressos da escola de medicina e engenharia tem o peso
relativo proporcional ao dos militares eacute o diferencial estava mesmo na formaccedilatildeo no
Direito O curso superior era o preacute-requisito para tentar um cargo no poder Sobre o
segundo e terceiro escalotildees da burocracia como bem nos mostra Joseacute Murilo satildeo
representados por diretores chefes de seccedilatildeo e uma gama de funcionaacuterios
especializados em sua maioria vinculada a algum ministeacuterio e que buscava nas
cidades principalmente o emprego puacuteblico como forma de sobrevivecircncia visto a
falta de postos de trabalho em outros setores A elite brasileira era em sua quase
totalidade letrada o que a afastava mais ainda da grande massa do povo sem
alfabetizaccedilatildeo
Carvalho (2007) sustenta que a homogeneidade ideoloacutegica eacute um dos importantes
fatores que iriam fornecer a possibilidade de constituir determinados modelos de
dominaccedilatildeo poliacutetica Uma elite homogecircnea tende a uma movimentaccedilatildeo em uma
mesma direccedilatildeo e garante ao menos a possibilidade de um projeto comum E eacute essa
homogeneidade que sugere que se possa conseguir certa estabilidade para
administrar conflitos dentro destes grupos O Brasil jaacute dispunha de tal elite quando
da independecircncia (que apesar de seguir os moldes portugueses jaacute apresentavam
caracteriacutesticas distintas mesmo por que seus grupos eram diversos procedentes de
muitas proviacutencias do Brasil) A composiccedilatildeo da elite vai se transformando lentamente
com o passar dos anos e com o crescimento do quantitativo de pessoas passiacuteveis
de acesso a esta na grande maioria composta de funcionaacuterios puacuteblicos Eacute uma
verdade a afirmaccedilatildeo de que os representantes da sociedade nesse periacuteodo satildeo
tambeacutem representantes do Estado Os estamentos como sustenta Bauman (2001)
lugares a que os indiviacuteduos pertenciam por hereditariedade aos poucos vatildeo dando
lugar as classes onde o pertencimento eacute fabricado pelo esforccedilo do indiviacuteduo por
sua vontade de pertencimento E ao mesmo tempo associadas as caracteriacutesticas
que a sociedade brasileira consegue ter neste momento de uma dinacircmica para a
consolidaccedilatildeo de um sistema liberal e ao mesmo tempo conservador de dominaccedilatildeo
Segundo Alencar o paiacutes tambeacutem eacute ldquoconduzidordquo pelo Estado Estaacute em suas matildeos
considerando que ldquoempresas industriais associaccedilotildees mercantis bancos obras
puacuteblicas operaccedilotildees financeiras privileacutegios fornecimentos todas essas fontes
abundantes de riquezas improvisadas emanam das alturas do poderrdquo (ALENCAR
2011 p99) A centralizaccedilatildeo da elite garantia ao mesmo tempo um Estado forte e
uma homeostase entre os grupos no poder em que os conflitos mais seacuterios e os
movimentos contestatoacuterios ficavam localizados nos municiacutepios onde era mais faacutecil
uma soluccedilatildeo (mesmo que em forma de accedilatildeo militar como no caso das revoltas no
periacuteodo regencial) Uma grande mudanccedila se efetua entre 1855 e 1868 quando o
partido liberal quase desaparece por completo depois de dominar o cenaacuterio poliacutetico
por aproximadamente 10 anos Eacute um periacuteodo de ascensatildeo de liberais histoacutericos e
conservadores dissidentes jovens lideranccedilas que aparecem no periacuteodo da
conciliaccedilatildeo De 1862 a 1868 haacute uma notoacuteria instabilidade no ministeacuterio durando em
meacutedia um ano cada gabinete Tudo isto em um momento de guerra externa que
produzia inflaccedilatildeo e consumia enorme quantidade de recursos puacuteblicos (CARVALHO
2007) Mas isto natildeo eacute sentido no cotidiano das elites econocircmicas que tem no Estado
sua fonte de renda quando natildeo de exploraccedilatildeo das rendas do proacuteprio Estado
Schwarcz (1999) nos daacute uma visatildeo interessante do interior de um sobrado citadino
em meados do seacuteculo XIX o padratildeo de moradia para a elite da corte onde temos
uma ideia de seu cotidiano luxuoso e requintado
() eacute na capital durante os anos de 1840 a 1860 que se cria uma febre de bailes concertos reuniotildees e festas A corte se opotildee agrave proviacutencia arrogando-se o papel de informar os melhores haacutebitos de civilidade tudo isso aliado agrave importaccedilatildeo dos bens culturais reificados nos produtos ingleses e franceses Nas casas os homens jogam voltarete gamatildeo xadrez e whist e os moccedilos o jogo da palhinha Jaacute as mulheres divertem-se com jogos de prenda de flores do bastatildeo do amigo ou amiga e do lenccedilo queimadordquo (SCHWARCZ 1999 p 156)
O teatro por exemplo estaacute entre as diversotildees mais apreciadas do periacuteodo Eacute o lugar
de encontros poliacuteticos flertes e namoros escondidos de encontros e desencontros
um lugar de diversatildeo Natildeo eacute a toa que a expressatildeo teatro poliacutetico tatildeo usado por
Nabuco Alencar e Machado tambeacutem se refira a possibilidade do puacuteblico participar
das seccedilotildees das casas legislativas como expectador Este vecirc se constrange ri
chora pode vaiar pode aplaudir Mas suas accedilotildees natildeo iratildeo modificar
substancialmente o andamento do espetaacuteculo poliacutetico Cabe lembrar que os teatros
(o espaccedilo fiacutesico) tambeacutem satildeo locais onde a propaganda poliacutetica tinha ldquoseu lugarrdquo
Usados como lugares para reuniatildeo geralmente pela localizaccedilatildeo e capacidade de
abrigar vaacuterias pessoas A tiacutetulo de exemplo registramos uma anotaccedilatildeo de Tavares
Bastos em seu diaacuterio sobre o uso do Teatro Phenix Dramaacutetica na Rua da Ajuda
para as ldquoconferecircncias radicais do Clube Radicalrdquo (ABREU 2007 p 129) Os
comiacutecios puacuteblicos soacute seratildeo uma realidade a proximidade do fim do seacuteculo com
homens como Lopes Trovatildeo que conseguiram levar a populaccedilatildeo agraves praccedilas puacuteblicas
em nome do partido republicado (COSTA 1999)
24 INTELECTUAIS E OPINIAtildeO PUacuteBLICA
Gramsci nos mostra que os intelectuais se formaram historicamente associados agraves
elites econocircmicas Sua funccedilatildeo dentro dos diversos ldquopartidosrdquo eacute o de organizaccedilatildeo e
disseminaccedilatildeo da ideologia Alencar eacute algueacutem que nasceu na tradiccedilatildeo da aristocracia
rural mas por sua atividade como jornalista advogado e poliacutetico e por seu ativismo
poliacutetico pode ser enquadrado na categoria de intelectual orgacircnico Aquele que
busca em sua praacutexis transformar ensinar e buscar soluccedilotildees para a sociedade Mas
Alencar estaacute longe de ser um elemento que surge do povo ou das ldquobases
popularesrdquo apesar de ter sido eleito deputado para vaacuterios mandatos Cabe lembrar
que as campanhas poliacuteticas no periacuteodo natildeo exigiam uma presenccedila constante do
candidato junto a sua base eleitoral Os eleitores ndash pouquiacutessimos decerto - satildeo
relativamente abastados (considerando natildeo haver um mercado de trabalho as
diferenccedilas entre os grupos satildeo grandes) configuram uma categoria da elite regional
que tendia a se identificar com um candidato mais pela rede de relaccedilotildees sociais a
que este representava ou estava associado do que propriamente agraves ideias de algum
dos partidos poliacuteticos em atuaccedilatildeo no periacuteodo
Eacute na literatura e no jornalismo aonde floresce a vocaccedilatildeo de Alencar como
intelectual eacute ali que se constitui a sua forma de estudar a realidade e de interagir
com ela Entendemos que para Gramsci (1976) a ideia de participaccedilatildeo na cultura
natildeo significa a simples aquisiccedilatildeo de conhecimentos ou uma atitude passiva do
sentimento humano mas sim posicionar-se frente agrave histoacuteria fazer a histoacuteria
acontecer mesmo que a poder das armas E a luta armada do intelectual vem na
forma de manifestos eacute a sua maneira de interagir com o puacuteblico (BOBBIO 1997)
buscando (incitando) a transformaccedilatildeo da realidade
A cultura estaacute relacionada com esta transformaccedilatildeo da realidade atraveacutes da busca e
da conquista de uma consciecircncia superior onde cada indiviacuteduo precisa conseguir
compreender o seu valor na sociedade (GRAMSCI 1976) Eacute a passagem do
momento corporativo ao momento eacutetico-poliacutetico da estrutura agrave superestrutura Isto eacute
expresso por Gramsci atraveacutes do seu conceito ampliado de poliacutetica a catarse O
momento em que a esfera dos interesses corporativos e particulares eleva-se ao
niacutevel da consciecircncia universal e as classes conseguem elaborar um projeto para
toda a sociedade atraveacutes de uma accedilatildeo coletiva Assim sair da passividade para
Gramsci eacute deixar de aceitar a subordinaccedilatildeo que o sistema capitalista impotildee a
alguns estratos da populaccedilatildeo
Alencar advogado brilhante e poliacutetico combativo eacute antes de tudo um homem das
letras Algueacutem que conhece a forccedila da palavra e como jornalista e editor o alcance
que um perioacutedico pode ter E ele usaraacute isso em seu favor Este intelectual buscaraacute
em suas leituras os conceitos claacutessicos do liberalismo com Adam Smith John Locke
Benjamim Constant e outros poucos livros que tinham em matildeos ndash vaacuterios ainda em
sua liacutengua original (RENALT 1976) - que lhes dariam o suporte para se sustentar
junto a tecnocracia administrativa que se formava situando-se em algum lugar
confortaacutevel entre o absolutismo e a democracia - em alguns casos entre o
constitucionalismo e o voto censitaacuterio entre o liberalismo e a igualdade
A tarefa a que se propotildee o Alencar que pode ser entendida tambeacutem como uma
espeacutecie de educaccedilatildeo ndash senatildeo das massas com os movimentos operaacuterios
principalmente no iniacutecio do seacuteculo XX e que natildeo se percebem ainda no periacuteodo mas
de grupos paulatinamente mais generalizados que se formam como resultado do
desenvolvimento das cidades ndash eacute praticado pelos intelectuais (sendo Alencar um
exemplo) como agentes de ligaccedilatildeo entre as elites e tais grupos visto que o projeto
educacional corresponde a uma necessidade de formaccedilatildeo intelectual e teacutecnica do
povo ateacute mesmo para uma maior qualificaccedilatildeo do trabalhador que pudesse gerar
com seu trabalho um desenvolvimento tecnoloacutegico dos meios de produccedilatildeo de
capital e tambeacutem para o periacuteodo um texto mais ldquoagradaacutevelrdquo e basicamente mais
acessiacutevel que seria um facilitador para que uma maior parte da populaccedilatildeo pudesse
conhecer as ideias liberais O sentido era didaacutetico e ideoloacutegico ao mesmo tempo de
forma que um grupo maior pudesse ser identificado com o movimento e dele
tomasse partido
Observe-se que em Gramsci a supremacia de um grupo social se manifesta de dois
modos como domiacutenio (coaccedilatildeo) e como direccedilatildeo intelectual e moral (consenso) Eacute no
consenso que o trabalho de Alencar busca organizar uma sociedade menos desigual
a partir da divulgaccedilatildeo de uma ideologia liberal (dentro dos limites do que se pode
entender como ldquoiguaisrdquo no liberalismo brasileiro estamos sempre no acircmbito de uma
aristocracia) de uma moral cristatilde que auxilia no projeto de dominaccedilatildeo do povo e da
defesa da propriedade privada esta extensiva ao projeto da escravidatildeo
Um grupo social pode e deve impor-se como dirigente (e seu modo de expressatildeo eacute
em geral o partido poliacutetico) e sua organizaccedilatildeo eacute o que lhe sustenta na busca de
uma posiccedilatildeo no poder Isto vale tanto para as elites como para os grupos de
trabalhadores Mas a maneira para que isto ser levado a cabo seria pela via da
informaccedilatildeo da educaccedilatildeo da politizaccedilatildeo enfim Algumas preocupaccedilotildees de Gramsci
satildeo tais como as de Alencar Como levar a discussatildeo poliacutetica para a maior parte da
populaccedilatildeo enquanto esta natildeo se preocupa com a realidade mas com os modismos
com as influencias externas Como politizar o povo (GRAMSCI 1976) O que se
nota eacute que tal discurso natildeo se dirige propriamente as massas ele jaacute existe ndash anterior
a Marx e Gramsci ndash e eacute usado como forma de dominaccedilatildeo para todos os grupos
sociais Segundo Gramsci (1999) os intelectuais que mesmo na Itaacutelia natildeo estavam
ligados agraves massas ldquodeveriamrdquo ligar-se como uma opccedilatildeo eacutetica e como uma opccedilatildeo
poliacutetica para a transformaccedilatildeo O que muda natildeo eacute necessariamente a forma do
discurso mas a direccedilatildeo e o puacuteblico a que se destina O poder natildeo eacute mantido apenas
atraveacutes da hegemonia de classe ou pela simples difusatildeo de ideias desta classe
que o assume eacute preciso accedilatildeo
Em Alencar natildeo observamos uma radicalizaccedilatildeo neste sentido apenas o uso cada
vez maior das formas de comunicaccedilatildeo disponiacuteveis ndash e de forma cada vez mais
diversa tentando alcanccedilar cada vez mais pessoas ndash no momento A sociedade civil
para Alencar aumentaria sua participaccedilatildeo poliacutetica quanto mais politizada estivesse e
quanto maior fosse desenvolvida sua capacidade criacutetica e o Estado natildeo seria assim
tatildeo somente a sociedade poliacutetica mas o resultado da accedilatildeo poliacutetica da sociedade civil
enquanto nuacutecleo formador da sociedade poliacutetica (GRAMSCI 1999) As ideias da
sociedade poliacutetica satildeo passadas como discurso ideoloacutegico para todo o grupo e em
Alencar percebemos a importacircncia senatildeo do formador mas principalmente do
divulgador de tais ideias algueacutem que por vezes pode efetivamente mudar a direccedilatildeo
do jogo dependendo da capacidade de inserccedilatildeo de propostas valores e ideias nos
diversos grupos Natildeo se trata aqui de buscar uma intencionalidade em Alencar
Este enquanto autor dos discursos existe em integraccedilatildeo com os outros ldquoeusrdquo o
leitor o intertexto A palavra e o enunciado ndash no caso ndash satildeo por natureza
ideoloacutegicos Natildeo haacute um significado que natildeo se refira (natildeo se remeta) ao social Todo
enunciado eacute um evento histoacuterico e ao mesmo tempo um ato social Eacute por meio de
enunciados que os agentes comeccedilam a compreender o mundo e depois agir sobre
ele Qualquer texto constitui uma forma de accedilatildeo verbal calculada para a leitura e
com o intuito de propiciar respostas internas e para uma possiacutevel reaccedilatildeo criacutetica ndash
positiva ou negativa - da sociedade Uma enunciaccedilatildeo eacute uma forma de poder Cada
enunciado eacute dirigido a algueacutem em uma situaccedilatildeo especiacutefica em um momento
especiacutefico do tempo As relaccedilotildees de poder imersas na linguagem determinam
tambeacutem as formas das relaccedilotildees sociais Os enunciados dialogam constantemente
com outros enunciados em sua constituiccedilatildeo O cotidiano natildeo existe em uma ordem
formal somos noacutes que tentamos organizaacute-lo mediante uma narrativa que se
pretende coerente e as relaccedilotildees entre os ldquofalantesrdquo que estatildeo sempre mudando
Tais mudanccedilas nas instituiccedilotildees se datildeo porque satildeo constituiacutedas nesse movimento
dinacircmico (STAN 1992) O texto se constitui como uma forma de accedilatildeo que visa
propiciar respostas internas e uma possiacutevel reaccedilatildeo criacutetica ndash positiva ou negativa - da
sociedade Alencar busca construir em seu texto uma resposta positiva empaacutetica
que pretende sugerir (quando menos) comportamentos determinados aos grupos
sociais a que se referem E quanto mais acessiacutevel eacute o discurso maior a sua
amplitude Eacute a relaccedilatildeo a que se chama dialogismo Os enunciados dialogam
constantemente com outros enunciados em sua constituiccedilatildeo e mesmo depois
quando assimilados por noacutes o que jaacute eacute uma das formas de assimilaccedilatildeo do discurso
dada pelo processo dialoacutegico (STAN 1992)
Essa hipoacutetese se sustenta na observaccedilatildeo de que os grupos poliacuteticos necessitam se
reproduzir e apesar do controle restrito do eleitorado (voto censitaacuterio) e dos
reconhecidos laccedilos de famiacutelia natildeo eacute soacute o nuacutecleo familiar o ldquoberccedilaacuteriordquo aonde poliacuteticos
iram encontrar e formar seus sucessores Os laccedilos de apadrinhamento satildeo comuns
e tambeacutem natildeo satildeo incomuns as escolhas de sucessores poliacuteticos pelo criteacuterio de
amizade tiacutepico do clientelismo em vigor no Brasil A escolha dependia de quem
estivesse disposto a assumir o discurso do poder Lembramos que Chauiacute (1997)
sustenta que a proliferaccedilatildeo dos discursos sobre a naccedilatildeo faz com que existam vaacuterias
ldquonaccedilotildeesrdquo dentro da naccedilatildeo cada uma determinado por um modo de pensar a
realidade a sociedade e a poliacutetica e apresentado a um grupo diferente Eacute no
bacharel um ldquoprotordquo poliacutetico elemento constituinte da opiniatildeo puacuteblica e objeto dos
jornais poliacuteticos que Alencar busca seu interlocutor O objeto de seu discurso que
visa ldquoconstruirrdquo uma opiniatildeo puacuteblica Hobsbawn (2010) afirma que a opiniatildeo puacuteblica
eacute um conceito em si proacuteprio ligado ao liberalismo A informaccedilatildeo eacute um agente
constituinte para a integraccedilatildeo dos novos grupos que passam a participar dos
movimentos poliacuteticos
Para a Europa o autor sustenta que as revoluccedilotildees europeias de 1848 mostraram
que a classe meacutedia o liberalismo a democracia poliacutetica e mesmo as classes
trabalhadoras seriam a partir de entatildeo presenccedilas permanentes no panorama
poliacutetico (HOBSBAWN 2010) E com relaccedilatildeo ao Brasil se ainda natildeo temos uma
classe operaacuteria com poder de luta Fora a classe privilegiada detentora de
educaccedilatildeo leitora de jornais detentora dos cargos poliacuteticos e do funcionalismo
puacuteblico compondo a burocracia a classe formadora de opiniatildeo a que nos referimos
ndash que podemos designar como opiniatildeo puacuteblica ndash muito pouco podemos observar da
interferecircncia popular nos processos poliacuteticos A direito ao voto por exemplo nos
conta Prado (2001) era conseguido (e exercido) pelos homens pobres possuidores
de poucas posses que constituiacuteam o grosso do eleitorado mas que em quase sua
totalidade estavam atrelados aos grandes proprietaacuterios de terras e de escravos
como no exemplo do ldquovoto de caixatildeordquo28 com Nabuco (FAORO 2004) o que
acabava por determinar certo conservadorismo nas eleiccedilotildees com os resultados
sempre tendendo ao continuiacutesmo e a solidariedade pelo chefe poliacutetico local mesmo
estas sendo constantemente vitimadas por fraudes e manipulaccedilotildees
Portanto a imprensa colaborou no processo de constituiccedilotildees e acesso de uma
opiniatildeo puacuteblica no Brasil A opiniatildeo puacuteblica pode ser entendida enfim como a
28
Conf Nota 21
participaccedilatildeo da populaccedilatildeo (ou de uma parte desta como vimos) na criacutetica aos
rumos de um determinado estado ou mesmo assunto relevante Apesar de alguns
comentadores negarem veementemente a possibilidade de uma opiniatildeo puacutebica
como no caso de Bourdier (1981) se baseando principalmente no fato de que
quando se coloca a mesma questatildeo para todo um grupo (por mais homogecircnio que
este possa vir a ser) estaacute impliacutecita assegura a hipoacutetese de que exista um consenso
sobre os problemas e que jaacute hajam acordos sobre as questotildees que merecem ser
colocadas e uma manipulaccedilatildeo nos caminhos a que tais propostas de opiniatildeo devam
revelar caracterizando o discurso da opiniatildeo puacuteblica como algo jaacute previamente
moldado preferimos nos basear em Becker (2003) que afirma que a opiniatildeo puacuteblica
se caracteriza exatamente pela diversidade o que lhe distingue como um estudo
mais aprofundado da sociedade que eacute capaz de indicar a atitude e o
comportamento dos homens enquanto em conjunto (enquanto massa) diante de sua
eacutepoca
3 LIBERALISMO E ESCRAVIDAtildeO NAS CARTAS DE ERASMO
31 LIBERALISMO E ESCRAVIDAtildeO
Pudemos observar no capiacutetulo anterior uma visatildeo geral do oitocentos no segundo
reinado e a intrincada relaccedilatildeo dos intelectuais e elites tendo suas ideias divulgadas
por meio da imprensa Mas quais seriam essas ideias Em nosso caso aqui
sustentamos que Alencar fez uma opccedilatildeo pelas ideias liberais que jaacute se
apresentavam por aqui desde antes do impeacuterio As ideias de liberdade chegam de
carona com a independecircncia americana em 1776 e a revoluccedilatildeo francesa em 1789 e
influenciam os movimentos abolicionistas pelo Brasil desde a inconfidecircncia mineira
e a conjuraccedilatildeo baiana29 ateacute os uacuteltimos movimentos revolucionaacuterios no periacuteodo
regencial
O termo liberalismo bem como liberdade tem sua raiz no termo ldquolivrerdquo Cunha
(1997) apresenta-nos as variaccedilotildees livre do latim libegraver liberal do latim libeacuteralis
liberdade do latim libertas ndashaacutetis que etimologicamente formaram o francecircs
libeacuteralisme Bobbio (1998) afirma que a definiccedilatildeo histoacuterica de liberalismo oferece
dificuldades especiacuteficas a menos que possamos admitir a existecircncia de diversos
liberalismos Em primeiro lugar porque o liberalismo se manifesta em diferentes
paiacuteses em tempos histoacutericos diversos e em funccedilatildeo disso o liberalismo se confronta
com problemas especiacuteficos que acabam por determinar sua fisionomia e conteuacutedos
Abbagnano (2007) explica que o liberalismo eacute uma doutrina que tem origens na
idade moderna no seacuteculo XVIII e se caracteriza por tomar para si a defesa da
liberdade no campo poliacutetico O liberalismo pode ser classificado em duas fases uma
primeira fase no seacuteculo XVIII caracterizado pelo individualismo e uma segunda
fase no seacuteculo XIX caracterizada pelo estatismo
A primeira fase eacute caracterizada pelas seguintes linhas doutrinaacuterias que constituem os instrumentos das primeiras afirmaccedilotildees poliacuteticas do Liberalismo a) jusnaturalismo que consiste em atribuir aos indiviacuteduos direitos originaacuterios e inalienaacuteveis b) contratualismo que consiste em considerar a sociedade humana e o Estado como fruto de convenccedilatildeo entre indiviacuteduos (ABBAGNANO 2007 p604)
Na economia o liberalismo combate a intervenccedilatildeo do Estado na sociedade
tentando fazer com que o mercado siga seu caminho Bem como negando o
absolutismo estatal definindo a accedilatildeo deste definindo seu papel em cada lugar
mediante a divisatildeo dos poderes
Jusnaturalistas e moralistas como Bentham acreditavam que bastava ao indiviacuteduo buscar inteligentemente sua proacutepria felicidade para estar buscando simultaneamente a felicidade dos demais A doutrina econocircmica de Adam Smith baseia-se no pressuposto anaacutelogo da coincidecircncia entre o interesse econocircmico do indiviacuteduo e o interesse econocircmico da sociedade (ABBAGNANO 2007 p604)
29
Haacute de se observar a diferenccedila entre as vertentes do pensamento liberal jaacute aqui A conjuraccedilatildeo baiana pregava o fim da escravidatildeo ao passo que entre os participantes da inconfidecircncia mineira a aboliccedilatildeo da escravidatildeo negra natildeo era uma meta
Essas ideias aparecem no campo poliacutetico com os filoacutesofos iluministas como John
Locke Thomas Hobbes e Rousseau que tentaram estabelecer os limites do poder
poliacutetico ao afirmar que existiam direitos individuais que nem os reis poderiam
ultrapassar Bastos (1999) afirma tambeacutem que a busca pelo modelo de Estado
Liberal eacute o coroamento de toda a luta do indiviacuteduo contra alguma tirania do Estado
ldquoSeu pressuposto fundamental eacute que o maacuteximo de bem-estar comum eacute atingido em
todos os campos com a menor presenccedila possiacutevel do Estadordquo (BASTOS 1999
p139) A construccedilatildeo desse Estado liberal em contraposiccedilatildeo ao Estado absoluto eacute
dada pelo jusnaturalismo que eacute
() a doutrina segundo a qual o homem todos os homens indiscriminadamente tem por natureza e portanto independente de sua proacutepria vontade e menos ainda da vontade de alguns poucos ou de apenas um certos direitos fundamentais como o direito a vida agrave liberdade agrave seguranccedila agrave felicidade ndash direitos estes que o Estado ou mais concretamente aqueles que num determinado momento histoacuterico detecircm o poder legiacutetimo de exercer a forccedila para obter a obediecircncia a seus comandos devem respeitar e portanto natildeo invadir e ao mesmo tempo proteger contra toda possiacutevel invasatildeo por parte de outros (BOBBIO 1998 p11)
A segunda fase comeccedila quando esse postulado entre em crise na medida em que o
liberalismo individualista parecia defender os interesses de uma classe determinada
de cidadatildeos a burguesia que se consolidava nas cidades Teoacutericos contratualistas
como Rousseau e Burke e mesmo Hegel posteriormente afirmam que a teoria da
infalibilidade da vontade geral resultante da alienaccedilatildeo total de cada associado com
todos os seus direitos em favor de toda a comunidade transforma aquilo que para o
individualismo eacute do interesse individual como interesse estatal e de certa forma
absorvendo-o Dessa feita ia-se afirmando a superioridade do Estado sobre o
indiviacuteduo contra o que o liberalismo tinha lutado em sua primeira fase
(ABBAGNANO 2007)
As ideias de liberdade poliacutetica combinaram com as propostas de liberdade
comercial algo que se entendia ser beneacutefico a todos sendo assim posteriormente
associadas a defesa e desenvolvimento do capitalismo (HOBSBAWM 2010) O
chamado liberalismo econocircmico prega o fim da intervenccedilatildeo do Estado na produccedilatildeo
de riquezas o fim dos monopoacutelios e outras medidas protecionistas e incentivava a
livre concorrecircncia no mercado No Brasil as ideias liberais tomam forccedila a partir do
iniacutecio do seacuteculo XIX notadamente a partir da independecircncia em 1822 sob influecircncia
tambeacutem da revoluccedilatildeo liberal do Porto de 1820 mas tomando aqui suas
caracteriacutesticas proacuteprias Costa (1999) sustenta que o liberalismo brasileiro deve ser
entendido com referecircncia a realidade brasileira Tendo entre seus adeptos homens
ligados a economia agroexportadora ao traacutefico de escravos e os grandes
proprietaacuterios de terras que buscavam maior espaccedilo para seus produtos fora do
controle de Portugal Para tanto a situaccedilatildeo de colocircnia natildeo poderia ser aceita de
forma alguma
O liberalismo eacute uma corrente de pensamento vastiacutessima e que abrange vaacuterios
campos do pensamento humano Natildeo pretendemos aqui esgotar sequer algumas de
suas possibilidades nem tampouco discutir os valores filosoacuteficos do liberalismo
Este nos eacute apresentado como um movimento que busca a realizaccedilatildeo da liberdade
as garantias da propriedade privada e da vida humana Poreacutem nem sempre a
organizaccedilatildeo do pensamento liberal estaacute associada da ideia democraacutetica A
discussatildeo das ideias liberais no Brasil por exemplo exerceu influecircncia na Carta de
1824 A questatildeo eacute quais seriam as ideias que Alencar buscava apresentar em seu
discurso Satildeo as ideias desse poliacutetico caracterizadas como ideias liberais Haacute uma
comunhatildeo entre o liberalismo e a escravidatildeo Para comeccedilar a responder a tais
questotildees os intelectuais brasileiros se detiveram nas propostas do liberalismo
claacutessico representado pelo pensamento de ndash entre outros ndash T Hobbes Locke
Adam Smith Rousseau Bentham e Mill tentando traccedilar entre eles um caminhos
que justifique a implantaccedilatildeo do liberalismo poliacutetico no Brasil Esse caminho tambeacutem
seraacute trilhado por Alencar Vejamos como foi a adequaccedilatildeo do liberalismo agrave realidade
brasileira
32 LIBERALISMO E ESCRAVIDAtildeO O MODELO BRASILEIRO
A tiacutetulo de complementaccedilatildeo depois desse esboccedilo que natildeo se pretende exaustivo
podemos observar tambeacutem como bem nos diz Schwartz (1991) citando um panfleto
antiescravagista do segundo reinado um dos princiacutepios da economia poliacutetica eacute o
trabalho livre E no Brasil temos portanto o fato ldquoimpoliacuteticordquo da escravidatildeo O autor
adverte que o que se configurava como uma ideologia para as classes em ascensatildeo
na Europa vem a converte-se no Brasil em ideologia que constituiacutea o pano de
fundo dos interesses de uma elite escravocrata Dessa feita o liberalismo perderia
seu caraacuteter universalista passando a defender prioritariamente interesses
particulares
Durante o impeacuterio temos a formaccedilatildeo de dois grupos poliacuteticos distintos que
caracterizariam o periacuteodo com suas lutas e conciliaccedilotildees inclusive com a ldquotroca de
ladordquo de figuras relevantes satildeo eles o partido conservador e o partido liberal Muitas
das ideias que poderiam ser tomadas como liberais foram implantadas no Brasil
pelos conservadores mas nenhuma delas deixava de buscar a realizaccedilatildeo de
interesses particulares de uma elite social e poliacutetica e a manutenccedilatildeo da exploraccedilatildeo
do trabalho
Apoacutes a Independecircncia em 1822 o formaccedilatildeo do Estado Brasileiro toma corpo com
os princiacutepios de um estado regulador baseado em um governo de tradiccedilatildeo
absolutista poreacutem nascido sob a aclamaccedilatildeo de alguns preceitos especiacuteficos do
liberalismo Os processos de independecircncia dos Estados Unidos em 1776 a
Revoluccedilatildeo Francesa (1789-1799) e os movimentos de independecircncia que ocorriam
nas colocircnias espanholas no periacuteodo satildeo influecircncias determinantes
Segundo Costa (1999) o liberalismo estaacute vinculado ao desenvolvimento do
capitalismo e a criacutetica ao ldquoantigo regimerdquo Surge do enfretamento entre a burguesia
e o abuso da autoridade real como a concessatildeo de privileacutegios ao clero e da nobreza
e a manutenccedilatildeo de monopoacutelios Os liberais defendiam os teoacutericos do contrato social
afirmavam a soberania do povo e a supremacia da lei Lutavam ainda pela
representatividade frente ao governo e o direito a propriedade e a liberdade de
comercio e de trabalho No Brasil as elites poliacuteticas se julgavam aptas a gerir este
novo modelo de soberania Tais elites viam na monarquia constitucional o caminho
para se conseguir manter o povo sob controle restringir o poder do imperador e
conseguir a unidade e a estabilidade poliacutetica (COSTA 1999) O ideal liberal
proposto tambeacutem pela revoluccedilatildeo do Porto em 1820 segundo Carvalho (2007) foi o
fomento necessaacuterio para o processo de independecircncia da colocircnia Ao mesmo
tempo a heranccedila do pensamento poliacutetico portuguecircs assimilado pela elite brasileira
fora a responsaacutevel pela homogeneizaccedilatildeo de seus princiacutepios o que muito contribuiu
para a feitura de um projeto comum de naccedilatildeo coesa aos interesses da elite
A assimilaccedilatildeo dos ideais liberais de por alguns atores poliacuteticos que participaram do
processo de independecircncia advecircm de sua formaccedilatildeo intelectual concluiacuteda nas
universidades europeias principalmente em Coimbra o que lhes possibilitou um
contado direto com os fundamentos do liberalismo europeu Esses homens tinham
seus interesses relacionados a economia agroexportadora eram em geral
proprietaacuterios de grande extensatildeo de terras e elevado nuacutemero de escravos Portanto
tencionavam manter as tradicionais estruturas de produccedilatildeo ao mesmo tempo em
que se libertariam de Portugal e das restriccedilotildees que a relaccedilatildeo de dominaccedilatildeo da
metroacutepole lhes impunha Significava enfim determinar a sobrevivecircncia de um
sistema de clientela e patronagem que representava os ideias que as revoltas
liberais europeias tentavam destruir Esse era o principal problema lidar com a
contradiccedilatildeo entre o liberalismo e a manutenccedilatildeo do trabalho escravo (COSTA 1999)
Podemos distinguir segundo Carvalho (2007) dois tipos de liberalismo no Brasil
Um deles ligado aos proprietaacuterios rurais ligados a economia de exportaccedilatildeo e trafico
de escravos e aquele dos profissionais urbanos que comeccedilas a aparecer a partir
das deacutecadas de 185060 com o maior desenvolvimento urbano e o aumento do
niacutevel de escolaridade nas cidades com a criaccedilatildeo das primeiras faculdades
Faoro (2004) tambeacutem argumenta que podemos identificar duas formas distintas de
liberalismo ao longo do seacuteculo XIX no Brasil O primeiro liberalismo vem de uma
ideologia de longa duraccedilatildeo e pode identificar seu marco fundamental em 1808 com
a abertura dos portos por D Joatildeo libertando das amarras de Portugal a produccedilatildeo
agriacutecola que agora busca ndash sem intermediaacuterios diretos - o comeacutercio internacional
poreacutem com acentuado favorecimento agrave Inglaterra As medidas satisfazem a uma
exigecircncia da Inglaterra e ao mesmo tempo aos produtores locais que se sentiam
limitados pelo pacto colonial Outro marco eacute a Independecircncia e a posterior outorga
da constituiccedilatildeo por D Pedro I que estabelece as normas para a representaccedilatildeo
poliacutetica o voto censitaacuterio e o funcionamento dos poderes legislativo e executivo
mediante uma combinaccedilatildeo de parlamentarismo e monarquia O segundo liberalismo
chega com as ideias de Joaquim Nabuco encabeccedilando um grupo reformista que
pretende as eleiccedilotildees diretas busca a limitaccedilatildeo dos poderes do Senado e do Poder
Moderador e em certa medida a defesa da aboliccedilatildeo da escravidatildeo para um futuro
proacuteximo (FAORO 2004)
a realidade socioeconocircmica no Brasil era muito diferente da europeia o que
acarretava em uma dificuldade na disseminaccedilatildeo dos ideais liberais para as camadas
populares visto que os niacuteveis de analfabetismo eram altos e os meios de
comunicaccedilatildeo poucos o que determinava uma marginalizaccedilatildeo do povo na vida
poliacutetica Tambeacutem o fato de que no Brasil o predomiacutenio de uma sociedade estamental
formada por donos de latifuacutendio que controlavam trabalhadores comuns e escravos
e a ausecircncia de uma burguesia dinacircmica que pudesse servir de suporte a esses
ideais Tudo isto fazia com que se esvaziasse o conteuacutedo dos manifestos em favor
das formas representativas de governo da soberania do povo da liberdade e
igualdade como direitos de todos os homens quando o que se via era a maior parte
da populaccedilatildeo alienada da vida poliacutetica e a manutenccedilatildeo da escravidatildeo (COSTA
1999 p29)
Em um dos periacuteodos mais conturbados da Histoacuteria do Brasil que eacute o periacuteodo da
regecircncia que vai de 1831 com a abdicaccedilatildeo de D Pedro I ateacute 1840 com o golpe da
maioridade podemos identificar uma seacuterie de movimentos poliacuteticos e trecircs facccedilotildees
que disputavam o poder os restauradores os liberais exaltados e os liberais
moderados
O grupo restaurador representava uma parte da classe dominante que apoiara D
Pedro I Com a abdicaccedilatildeo em favor de seu filho passaram a batalhar por seu
retorno ao trono brasileiro agitando os primeiros anos da Menoridade Acreditavam
que soacute uma monarquia com um regente de pulso forte e autoritaacuterio conseguiria
manter a uniatildeo do impeacuterio Seu braccedilo principal estava no senado e no Clube militar
Com a morte de D Pedro I em 1834 os caramurus ndash como eram chamados -
passaram a compor com os moderados o ldquoregresso conservadorrdquo
Os liberais moderados representavam a outra parcela da aristocracia Buscavam a
monarquia mas pelo vieacutes constitucionalista uma vez que a Constituiccedilatildeo de 1824
assegurava a sua continuidade no poder O liberalismo que rotulava essa facccedilatildeo era
apenas de fachada adequado agraves suas necessidades de classe dominante Este
grupo predominou durante os primeiros anos das Regecircncias tendo como um de
seus liacutederes principais Evaristo da Veiga Empenharam-se no combate aos
restauradores e exaltados federalistas na defesa da ordem e da centralizaccedilatildeo
fornecendo subsiacutedios para a orientaccedilatildeo governista
Os liberais exaltados que pretendiam-se uma esquerda liberal (um pouco mais a
esquerda do que os outros grupos) tambeacutem tinham viacutenculos com algumas parcelas
da aristocracia rural mas conseguiam alcanccedilar alguns outros grupos chegando
mesmo a arregimentar uma camada de homens livres destituiacutedos de propriedades
ou pequenos proprietaacuterios Variando de regiatildeo para regiatildeo desenvolviam atividades
nos centros urbanos ou nos campos oscilando numa relaccedilatildeo de dependecircncia entre
a classe dominante e a classe trabalhadora livre (FAUSTO 2001)
Enquanto os moderados defendiam a manutenccedilatildeo da ordem e das instituiccedilotildees
opondo-se a qualquer alteraccedilatildeo mais radical no contexto poliacutetico os liberais
exaltados eram reformistas Defendiam a liberdade ndash em alguns locais para
realmente todos os homens ndash e as reformas poliacuteticas chagando mesmo a defesa
do republicanismo Defendiam tambeacutem maior autonomia das proviacutencias em
contraproposta a tendecircncia centralista que se fortalecia (FAUSTO 2001)
Os membros do grupo moderado eram os regente e deputados Padre Diogo
Antocircnio Feijoacute Evaristo da Veiga Bernardo Pereira de Vasconcelos e o grande
proprietaacuterio de terras e escravos Honoacuterio Hermeto Carneiro Leatildeo
Jaacute o grupo de liberais exaltados (ou radicais) tinha como uma das principais
lideranccedilas Miguel de Frias (que ficou famoso por ter recebido a carta com a
abdicaccedilatildeo de D Pedro I) Eram favoraacuteveis agrave repuacuteblica desejavam a aplicaccedilatildeo das
ideias liberais mesmo que a custa de luta armada Agrave frente do grupo de
restauradores estavam os irmatildeos Andrada
Segundo Rodrigues (2008) a violecircncia social foi caracteriacutestica da regecircncia e com a
maioridade os uacuteltimos resquiacutecios de dissenccedilotildees foram resolvidos institucionalmente
com o fim das revoltas populares pelo interior do Brasil afastando assim os focos de
tendecircncias mais radicais Eacute a partir da ascensatildeo desse grupo moderado que se
solidifica a vertente conservadora que
() admitia a escravidatildeo a participaccedilatildeo poliacutetica restrita aos proprietaacuterios de terras e o modelo de organizaccedilatildeo juriacutedico-poliacutetico monaacuterquico Desse modo os liberais conservadores da regecircncia lutavam pela aboliccedilatildeo das instituiccedilotildees coloniais contra o despotismo o poder da aristocracia portuguesa contra a interferecircncia do Estado na vida econocircmica e pela defesa da propriedade incluindo os escravos (RODRIGUES 2008 p158)
A base de sustentaccedilatildeo do grupo moderado que se apresentava entatildeo como um
representante dos cafeicultores incluiacutea proprietaacuterios e comerciantes e tambeacutem o
grupo dos intelectuais urbanos ciando um ponto de aglutinaccedilatildeo para os outros
setores da classe proprietaacuteria
Bosi (1988) afirma que o paradoxo entre liberalismo e escravidatildeo foi somente verbal
O liberalismo ativo do trabalho ndash e do trabalhador ndash livre ldquosimplesmente natildeo existiu
enquanto ideologia dominante no periacuteodo que se segue agrave Independecircncia e vai ateacute
os anos centrais do Segundo Reinadordquo (BOSI 1998 p 05) O autor tambeacutem afirma
que para entender a articulaccedilatildeo liberal com o regime escravagista eacute necessaacuterio
compreender o modo de pensar das classes poliacuteticas dominantes no impeacuterio que se
impocircs a partir da independecircncia e se consolida entre 1831 e 1860
aproximadamente Segundo ele o que dominou em todo esse periacuteodo no Brasil foi
um ideaacuterio de fundo conservador Um conjunto de normas juriacutedico-poliacuteticas capazes
de garantir a propriedade fundiaacuteria e a escravidatildeo negra ateacute o seu limite Para que
possamos nos inteirar deste paradoxo eacute preciso entender a ascensatildeo dos grupos
que defendiam o trabalho escravo e seus liacutederes
Formado ao longo das crises da Regecircncia o nuacutecleo conservador definiu-se pela voz dos seus liacutederes Bernardo Pereira de Vasconcelos Arauacutejo Lima e Honorio Hermeto como o Partido da Ordem no ano criacutetico de 1837 e logo apoacutes a renuacutencia de Feijoacute A sua histoacuteria eacute a de uma alianccedila estrateacutegica flexiacutevel mas tenaz entre as oligarquias mais antigas do accediluacutecar nordestino e as mais novas do cafeacute no Vale do Paraiacuteba as firmas exportadoras os traficantes negreiros os parlamentares que lhes davam cobertura e o braccedilo militar chamado sucessivas vezes nos anos de1830 e 40 para debelar surtos de facccedilotildees que espocavam nas proviacutencias Ao radicalismo impotente desses grupos locais opocircs-se desde o comeccedilo o chamado liberalismo moderado que exerceu de fato o poder tanto na fase regencial quanto nos anos iniciais do Segundo Impeacuterio As divisotildees internas natildeo tocaram sua unidade profunda na hora da accedilatildeo (BOSI 1998p05)
Rodrigues (2008) tambeacutem sustenta que Bernardo de Vasconcelos e Evaristo
Ferreira da Veiga com mandatos de deputados durante a regecircncia ldquolideravam o
grupo dos liberais moderados que representava os interesses dos proprietaacuterio de
terras e dos cafeicultores Naquele momento o cafeacute era o principal produto na pauta
de exportaccedilatildeo do Brasil a partir de 1831rdquo (RODRIGUES 1988 p155) Nesse
contexto estes representantes dos cafeicultores dificilmente iriam contra a poliacutetica
da escravidatildeo visto a falta de braccedilos para a lavoura e os lucros advindos do
trabalho escravo O liberalismo praticado pelo grupo vai se tornando cada vez mais
conservador visto a necessidade de manter os interesses e o predomiacutenio do grupo
dominante Admite esta autora que ldquoo liberalismo poliacutetico posto em praacutetica pelo
grupo moderado teve como objetivo a defesa dos interesses dos proprietaacuterios e natildeo
a alteraccedilatildeo da ordem vigenterdquo (RODRIGUES 1988 P157) Com o advento da
Regecircncia os uacuteltimos focos de um liberalismo mais radical foram suprimidos com o
fim dos movimentos revoltosos pelo paiacutes o que abriu espaccedilo para a consolidaccedilatildeo
do modelo liberal conservador com alguns ajustes e concessotildees que o ajudaram a
aglutinar as dissidecircncias dos outros grupos
A importacircncia de Bernardo de Vasconcelos e Evaristo da Veiga como divulgadores
do liberalismo pode ser observada principalmente em seu trabalho como jornalistas
a frente dos jornais ldquoO Sete de Abrilrdquo e o ldquoAurora Fluminenserdquo respectivamente Tal
influencia natildeo se limita a Corte visto que outros perioacutedicos reeditavam seus
editoriais chegando o seu alcance desde o interior do Rio de Janeiro ateacute outras
proviacutencias particularmente agrave regiatildeo centro-sul do paiacutes Daiacute podemos ter uma ideia
do poder da imprensa como divulgadora de ideias ndash liberais ou natildeo ndash para os grupos
letrados Bernardo Vasconcelos chega a estabelecer uma diferenciaccedilatildeo entre os
dois liberalismos identificando os radicais como aqueles que norteavam-se pelas
ideias de Rousseau e acreditavam na luta armada e os liberais conservadores como
adeptos da conciliaccedilatildeo e a compatibilizaccedilatildeo dos novos com os antigos valores
(RODRIGUES 2008)
Neves (2001) sustenta que o liberalismo no Brasil se alavanca a partir da revoluccedilatildeo
vintista em Portugal erguida ldquoem nome da Constituiccedilatildeo da naccedilatildeo do rei e da
religiatildeo catoacutelicardquo (NEVES 2001 p76) propondo reformas que pudessem garantir ao
indiviacuteduo direitos de cidadania liberdade de expressatildeo de imprensa dentre outros
buscando o fim do despotismo como uma soluccedilatildeo para o impeacuterio O movimento tem
a adesatildeo do Paraacute e da Bahia seguidos posteriormente pelo Rio de Janeiro sendo
segundo a autora assimilada sem dificuldade pelos elementos das elites poliacutetica e
intelectuais no Brasil A proposta era buscar o novo mas sem abrir matildeo dos antigos
privileacutegios econocircmicos Esta autora sustenta que os jornais panfletos e pasquins
editados no periacuteodo auxiliaram a tomada de um vocabulaacuterio ldquoliberalrdquo pelo grande
puacuteblico que acompanhava as criacuteticas de intelectuais contra o regime divulgadas nas
diversas publicaccedilotildees criando uma rede de ideias que se multiplicava por vaacuterias
partes do paiacutes
Para Gorender (2002) os princiacutepios liberais levados adiante pelos comerciantes e
plantadores era o direito de ter uma representaccedilatildeo no estado fora das limitaccedilotildees
impostas pela poliacutetica colonial Esse processo segundo ele tem inicio apenas com a
abdicaccedilatildeo em 1831 visto que D Pedro I ainda era um representante de Portugal
aqui em nossas terras Gorender afirma que o liberalismo europeu defende o
trabalho livre a eliminaccedilatildeo das injunccedilotildees feudais do pagamento da corveia e de
todos os demais tributos que caracterizaram o sistema feudal Mas lembra tambeacutem
que o proacuteprio Adam Smith natildeo era contra a escravidatildeo nas colocircnias Ou seja o
liberalismo europeu segundo um de seus mais importantes representantes jaacute nasce
sob esta contradiccedilatildeo O autor tambeacutem sustenta que mesmo com a Revoluccedilatildeo
Francesa tendo decretado a libertaccedilatildeo dos escravos em suas colocircnias francesas
Napoleatildeo restabelece a escravidatildeo oito anos depois (GORONDER 2002) Apesar
da liberdade ser um valor importante na Europa aparentemente nas colocircnias a
poliacutetica praticada natildeo era a mesma O que nos leva a entender melhor a relaccedilatildeo
liberalismoescravidatildeo no Brasil Tambeacutem podemos lembrar aqui que mesmo as
instituiccedilotildees religiosas natildeo foram totalmente contraacuterias a escravidatildeo visto que as
ordens religiosas no Brasil mantinham escravos negros
Por tudo isso podemos entender que no processo de formaccedilatildeo do Estado Imperial
Brasileiro havia diferentes leituras e objetivos para o uso do liberalismo ligadas a
interesses especiacuteficos Por um lado como enfatiza Mattos (1987) a accedilatildeo do grupo
conservador no impeacuterio seguia no sentido da construccedilatildeo de monopoacutelios como uma
certa continuidade da poliacutetica que era praticada no periacuteodo colonial enfatizando as
relaccedilotildees de dominaccedilatildeo sustentadas pela coroa Costa (1999) identifica uma certa
originalidade no movimento poliacutetico brasileiro do periacuteodo tentando interpreta-lo
como uma figura hiacutebrida onde os elementos conservadores permanecem criando
uma amalgama com as praacuteticas liberais aceitas estruturando as instituiccedilotildees e a
visatildeo de mundo dos agentes poliacuteticos das elites dominantes sustentados pelas
classes intermediaacuterias que se desenvolvia nas cidades mas que ao mesmo tempo
viam no sistema agroexportador baseado na escravidatildeo uma dificuldade para o
desenvolvimento do capitalismo E haacute mesmo aqueles que como Carvalho (2007)
que chega a subestimar o aspecto liberal enfocando o periacuteodo na perspectiva de
que havia um pensamento conservador dominante prevalecendo no pensamento
poliacutetico local sendo a conciliaccedilatildeo entre as correntes de pensamento e os partidos a
poliacutetica da coroa com o intuito de administrar interesses e evitar conflitos e o
liberalismo sendo apenas uma face da mesma moeda Prado (2001) ainda enfatiza
que o pacto liberal era difiacutecil de ser compreendido no impeacuterio brasileiro que se
forma sob a tradiccedilatildeo ibeacuterica caracterizada pela valorizaccedilatildeo da tradiccedilatildeo e por uma
resistecircncia para as novas ideias que soacute eram experimentadas quando
extremamente necessaacuterias e sob a condiccedilatildeo de que natildeo desestruturassem a ordem
vigente Bosi (1988) sustenta ainda que o traacutefico esta apoiado por vezes pelas
proacuteprias autoridades a quem cabia fazer cessar o traacutefico Mantendo sob seu controle
terras o cafeacute e os escravos tais homens ligados a administraccedilatildeo e a poliacutetica como
o grupo ldquosaquaremardquo de Euzeacutebio Paranaacute Uruguai e Itaboraiacute apoiavam o ldquocomeacutercio
livre Primeira e principal bandeira dos colonos patriotas [ que ] natildeo significava
necessariamente e natildeo foi efetivamente sinocircnimo de trabalho livrerdquo (BOSI 1988 p
07) O que resulta segundo o autor que os moderados cedo ou tarde mostrariam
sua verdadeira face que eacute a conservadora
Os traficantes foram poupados e os projetos iluministas raros e esparsos de aboliccedilatildeo gradual foram reduzidos ao silecircncio Deu-se ao Exeacutercito o papel de zelar pela unidade nacional contra as tendecircncias centriacutefugas dos clatildes provinciais Vencidos os uacuteltimos Farrapos estava salva a sociedade no caso o Estado aglutinador de latifundiaacuterios seus representantes tumbeiros e burocracia A retoacuterica liberal trabalha seus discursos em torno de uma figura redutora por excelecircncia a sineacutedoque pela qual o todo eacute nomeado em lugar da parte impliacutecita (BOSI 1988 09)
Podemos entender com o que foi visto que o liberalismo acaba por adaptar suas
caracteriacutesticas gerais dependendo do local onde se estabelece Prado (2001) lembra
ainda que o impeacuterio no Brasil herdeiro da tradiccedilatildeo poliacutetica ibeacuterica era tambeacutem
avesso a novas ideias no campo poliacutetico que pudessem vir a desestruturar a ordem
estabelecida o que faz com que as ideias liberais assumidas sejam
preferencialmente as de cunho mais conservador Aleacutem do que Prado (2001)
concorda que com a produccedilatildeo organizada sob a exploraccedilatildeo do trabalho escravo
(altamente lucrativo no momento) era muito difiacutecil empreender qualquer movimento
em prol da igualdade e liberdade individuais
A partir da apresentaccedilatildeo deste conjunto de ideias acreditamos que seja possiacutevel
verificar se no texto de Alencar haacute ou natildeo alguma identidade com o liberalismo e a
defesa da escravidatildeo Concordando com o que diz Bosi (1988) acreditamos que
Alencar em seu texto busca uma defesa para o conservadorismo pregado pelos
latifundiaacuterios e traficantes de escravos em que a economia agroexportadora
baseada no braccedilo escravo deveria permanecer como a base econocircmica do Brasil
mantendo assim os privileacutegios dessas elites O liberalismo defendido por Alencar eacute ndash
como afirma Bosi(1988) ndash uma sineacutedoque em que a parte apresentada escolhida
determinada eacute tomada como um todo uniforme desvirtuando assim as ideias
originais do liberalismo e criando novo discurso ideoloacutegico para sustentar um grupo
que se apresenta no poder E eacute para esse discurso disseminado no texto de
Alencar que nos remetemos agora
33 AS CARTAS DE ERASMO
A carta aberta integra os gecircneros textuais caracterizados pelo caraacuteter
argumentativo Sua proposta eacute permitir que o missivista expusesse para o puacuteblico as
suas opiniotildees ou reivindicaccedilotildees acerca de um determinado assunto O gecircnero
difere-se da carta pessoal a qual trata em geral de assuntos que dizem respeito
apenas aos interlocutores nela envolvidos A carta aberta faz referecircncia a assuntos
de interesse coletivo ou que se queira coletivizar De tal modo a carta aberta pode
ser utilizada como forma de protesto contra esse problema como alerta e ateacute
mesmo como meio de conscientizaccedilatildeo da populaccedilatildeo ou de algueacutem com certa
influecircncia como por exemplo um representante de uma entidade ou do governo
acerca da problemaacutetica em questatildeo
As cartas em geral tem uma importacircncia grande como fontes para a historiografia
brasileira A epistolae era forma de comunicaccedilatildeo habitual entre os jesuiacutetas
registrando o cotidiano das primeiras deacutecadas da colocircnia Os jesuiacutetas escreviam-se
dos lugares mais distantes incentivando-se e sugerindo formas de abordagem para
os diferentes grupos aos quais tinham contato No Brasil as primeiras cartas de
Anchieta em sua maioria escritas em latim relatam detalhes da paisagem dos
costumes e das pessoas em Satildeo Paulo entatildeo Vila de Piratininga A primeira carta
do padre Joseacute Anchieta30 escrita em Setembro de 1554 e endereccedilada a Inaacutecio de
Loyola fundador da Companhia de Jesus fala da primeira missa realizada na regiatildeo
(PARIS 1997) As chamadas ldquoCartas Chilenasrdquo atribuiacutedas a Tomaacutes Antocircnio
Gonzaga e escritas em meados do seacuteculo XVIII compondo um longo e irreverente
poema satiacuterico satildeo um documento importante para auxiliar-nos na compreensatildeo da
Inconfidecircncia Mineira Famosas tambeacutem ficaram as cartas de D Pedro I a Condessa
Domitila de Castro nos mostram sete anos (1822 a 1829) de romantismo e do
cotidiano da Corte Na cultura cristatilde mais identificada conosco temos o conjunto de
cartas que Paulo escreve para as igrejas (eccleacutesia ecclesiam ἐκκλησίαν31) na Aacutesia
menor que segundo suas instruccedilotildees poderiam ser lidas para a comunidade
A carta aberta era um meio comum de participar o debate poliacutetico com o puacuteblico nas
primeiras deacutecadas da imprensa Sua publicaccedilatildeo nos jornais no caso dos deputados
como Alencar que moravam na Corte e representavam proviacutencias distantes servia
como uma prestaccedilatildeo de contas puacuteblica O jornal apesar do pouco tempo de vida no
Brasil alcanccedila no segundo reinado a qualidade de um importante agente de
agitaccedilatildeo poliacutetica Entendia-se ali que apesar da verborragia caracteriacutestica do
romantismo e presente em praticamente todos os textos natildeo oficiais o poliacutetico
estava efetivamente trabalhando por alguma coisa Oficializando para a sociedade
suas opiniotildees e posiccedilatildeo no palco poliacutetico da Corte Vaacuterias cartas abertas foram
redigidas no periacuteodo o trabalho de Alencar eacute apenas um exemplo entre muitos
outros E a liberdade de opiniatildeo e de imprensa jaacute eacute presente (e utilizada) desde o
reinado de D Pedro I garantida pela constituiccedilatildeo de 1824 Apesar de D Pedro I natildeo
ter se notabilizado por seu ldquoapoiordquo a imprensa O priacutencipe sempre foi alvo de duras
criacuteticas ateacute mesmo por sua conduta na vida privada
30 Uma ediccedilatildeo de ldquoCartas Avulsasrdquo de Jesuiacutetas - escritas no periacuteodo de 1550 a 1568 - pela Biblioteca da Cultura Nacional publicada jaacute em 1931 registra a importacircncia desse gecircnero 31
As comunidades religiosas do periacuteodo criadas sob a supervisatildeo de Paulo satildeo ainda estaacutegios
de formaccedilatildeo de uma ldquoigrejardquo cristatilde No latim claacutessico eccleacutesia apresenta uma grande variante graacutefica nos textos portugueses do seacutec XIII ao XVI Conforme CUNHA Antocircnio Geraldo da Dicionaacuterio etimoloacutegico da liacutengua portuguesa Rio de Janeiro Nova Fronteira 1982
Alencar publica as cartas e as endereccedila a vaacuterios entes poliacuteticos segundo o assunto
a que iraacute referir e dependendo do efeito e do ldquodestinataacuteriordquo que pretenda atingir Sua
posiccedilatildeo conservadora frente a escravidatildeo talvez tenha sido o tema que mais chama
a atenccedilatildeo Eacute onde centraremos o foco de nossa pesquisa na tentativa de analisar a
defesa de um projeto liberalconservador baseado na matildeo de obra escrava que vai
de encontro as pressotildees externas da Inglaterra de intelectuais franceses e mesmo
internas como a disposiccedilatildeo anunciada por D Pedro II na fala do trono de 1867 para
dar um fim a escravidatildeo no Brasil O pseudocircnimo escolhido foi Erasmo32 No periacuteodo
do recorte ainda natildeo havia um movimento abolicionista consistente vindo da opiniatildeo
puacuteblica Em publicaccedilatildeo recente33 Tacircmis Parron reedita a seacuterie das ldquoNovas Cartasrdquo
endereccediladas ao Imperador no periacuteodo de 196768 aonde procura detalhar este
ponto
Nosso objetivo com a leitura das cartas aleacutem de descobrir se houve uma defesa das
ideias liberais no Brasil ao mesmo tempo em que se tentava conciliar o ideal de
liberdade com a escravidatildeo eacute tambeacutem conseguir uma visatildeo geral do cotidiano
poliacutetico do II reinado na oacutetica de um importante intelectual do periacuteodo enquanto um
analista da dinacircmica das accedilotildees poliacuteticas e como um agente de justificaccedilatildeo do poder
da elite sobre a populaccedilatildeo como um elemento de ligaccedilatildeo das ideias (da ideologia)
desses grupos dominantes com suas vaacuterias camadas perifeacutericas Dado os limites da
pesquisa como observado anteriormente nos concentraremos na posiccedilatildeo de
Alencar frente a escravidatildeo
Apesar de ter jaacute experiecircncia como redator de jornais e manter relaccedilotildees com a
imprensa Alencar prefere publicar as cartas em forma de folhetins que eram
vendidos nas ruas e em livrarias e entregues em casa apenas por meio de 32 Uma referecircncia os filoacutesofo humanista Erasmo de Roterdatilde (1466-1536) As ideias de Erasmo teriam
sido precursoras da reforma protestante que inicia efetivamente com Lutero Dentre seus muitos
trabalhos destacamos o ldquoInstitutio Principis Christianirdquo escrito como uma seacuterie de conselhos
poliacuteticos e morais ao Rei Carlos da Espanha (mais tarde Carlos V do Sacro Impeacuterio Romano)
Acreditamos que o conhecimento de tal obra tenha sido o que sugeriu a Alencar assumir o
pseudocircnimo Erasmo
33 Ediccedilatildeo das ldquoNovas cartas poliacuteticas ao Imperadorrdquo em ALENCAR Joseacute de Cartas a favor da
escravidatildeo Org Tacircmis Parron Satildeo Paulo Heacutedra 2008
solicitaccedilatildeo anterior feita ao editor O que jaacute demonstra que Alencar natildeo pretendia
manter viacutenculos com a imprensa sobre suas opiniotildees poliacuteticas que acabariam
trazendo louros (ou problemas) para o jornal a que ele estivesse vinculado Apesar
do pseudocircnimo natildeo era difiacutecil descobrir o autor dos textos visto que o grupo de
agentes poliacuteticos era reduzido na Corte no periacuteodo imperial e o estilo literaacuterio de
Alencar jaacute fazia sucesso
Tomaremos aqui para a nossa anaacutelise a nova ediccedilatildeo das cartas publicada pela
Academia Brasileira de Letras em 2009 tendo a organizaccedilatildeo do professor e
historiador Joseacute Murilo de Carvalho que se baseou para esta publicaccedilatildeo nos
exemplares originais da biblioteca da Cacircmara dos Deputados em Brasiacutelia o que nos
proporciona uma visatildeo iacutentegra do texto Segundo R Chartier (2009) eacute preciso ter
cuidado com as possiacuteveis adaptaccedilotildees que editores realizam para que determinada
obra natildeo tenha sua leitura ldquofacilitadardquo para o grande puacuteblico podendo mesmo admitir
cortes Acreditamos que natildeo seja o caso aqui A publicaccedilatildeo com a qual
trabalharemos conteacutem as seguintes cartas
Ao Imperador Cartas de Erasmo de 1865 no caso a segunda ediccedilatildeo de 1866
Uma carta ldquoAo Redator do Diaacuteriordquo (do Rio de Janeiro)
Ao Povo Cartas Poliacuteticas de Erasmo de 1866 acompanhadas das cartas ldquoAo
Marquecircs de Olindardquo e ldquoAo Visconde de Itaboraiacute Carta de Erasmo Sobre a Crise
Financeirardquo
Ao Imperador Novas Cartas Poliacuteticas de Erasmo de 1867-68
Eacute preciso explicar uma diferenccedila baacutesica entre as cartas e os folhetins O chamado
ldquoromance de folhetimrdquo chega ao Brasil por volta do iniacutecio do seacuteculo XIX e assim
como na Inglaterra e na Franccedila cai no gosto popular e eacute responsaacutevel por uma parte
importante do desenvolvimento intelectual da populaccedilatildeo Visto que a educaccedilatildeo era
um bem muito caro os romances divulgavam ideias e uma moral
caracteristicamente burguesa para uma parte importante da populaccedilatildeo o que era
desejaacutevel e estimulavam o prazer da leitura A maioria dos tiacutetulos vem traduzida do
original inglecircs (ou francecircs) No Rio de Janeiro salas de leitura (gabinetes) foram
criadas as bibliotecas constituiacutedas (natildeo somente para brasileiros mas para muitos
ingleses que aqui tinha organizado sua vida) emprestavam livros a preccedilos moacutedicos
e pelo seu desenvolvimento cabe questionar o mito de que a maioria da populaccedilatildeo
natildeo tenha nenhum tipo de alfabetizaccedilatildeo O prazer das histoacuterias e a seduccedilatildeo que
estas apresentavam jaacute comenta o Alencar eram muito apreciadas Ele quando
ainda menino lia romances em voz alta para as pessoas em uma sala de estar
acalenta o coraccedilatildeo do povo que por tantos motivos foi privado da alfabetizaccedilatildeo
(NETO 2006)
Alencar se aproveita da praacutetica da publicaccedilatildeo de tais romances em colunas de
jornais regulares Ele mesmo teria oferecido nas paacuteginas da Gazeta do Rio de
Janeiro o romance O Guarani entatildeo um sucesso Os leitores confiantes na
periodicidade aguardavam os proacuteximos capiacutetulos dos romances em dias
determinados Sabendo disso Alencar cria tambeacutem uma ldquoperiodicidaderdquo para as
suas cartas anunciada desde a primeira e veiculada por meio de uma nota do
editor O missivista trata do tema como em uma novela usando sua retoacuterica
romacircntica para alcanccedilar os gostos mais diversos Vem daiacute a procura das cartas
pelos leitores nas terccedilas-feiras dia de sua circulaccedilatildeo A questatildeo da impressatildeo da
carta em folhetim eacute justificada por ser este um meio barato e de raacutepida finalizaccedilatildeo
As cartas satildeo pois impressas em folhetins este eacute o seu suporte Poreacutem natildeo
constituem um romance de folhetim gecircnero tambeacutem relativamente novo no periacuteodo
Folhetim aqui eacute formato do veiacuteculo um pequeno caderno com folhas encartadas
mais parecido com um jornal em tamanho modesto como eram comuns os jornais
na primeira metade do oitocentos Outro sentido dado ao termo (que ajuda na
confusatildeo) ldquofolhetimrdquo indica um texto publicado no rodapeacute da paacutegina do jornal com
comentaacuterios sobre os fatos correntes no meio caminho entre o texto informativo e a
crocircnica em que o jornalista geralmente emitia sua opiniatildeo sobre o assunto tratado
Alencar com sua coluna semanal ldquoao correr da penardquo se especializa nesse estilo de
escrita Por fim lembramos que com as cartas em tais suportes Alencar retoma de
certa forma a tradiccedilatildeo dos pasquins como um tipo de publicaccedilatildeo criacutetica escrita por
uma pessoa apenas e jaacute presente no Brasil mesmo antes da independecircncia em
forma satiacuterica e ateacute mesmo panfletaacuteria (BAHIA 1990)
Eacute mesmo possiacutevel que algueacutem um funccedilatildeo dessas caracteriacutesticas do suporte tenha
chegado a pensar nas cartas como uma ficccedilatildeo em que o imperador e o congresso
figurassem como personagens em mais um drama ou comeacutedia do autor mas isto eacute
soacute uma suposiccedilatildeo deixaremos essas questotildees para a vertente de romancista do
Alencar com suas anotaccedilotildees na pasta da gaveta Mesmo assim sendo esta uma
possibilidade entendemos que a releitura e emprego de fontes tradicionais podem
mesclar-se a partir do meacutetodo utilizado com a invenccedilatildeo de novas fontes que nos
possibilitem uma interpretaccedilatildeo do pensamento dos atores de determinado periacuteodo
(CHARTIER 1990) O jornalismo como instrumento de convencimento poliacutetico
caracteriza a imprensa brasileira na primeira metade do seacuteculo XIX e continua
assim mesmo que de forma mais branda no segundo reinado (ROMANCINI 2007)
Eacute desta forma que caracterizaremos inicialmente o texto das cartas de Erasmo
Joseacute Murilo de Carvalho (2007) sustenta que a despeito da tradiccedilatildeo familiar tendo
sido seu pai um importante poliacutetico representante do partido Liberal as ideias de
Alencar tendiam mais para a proposta conservadora Mas como jaacute comentamos
tais diferenccedilas ndash apesar de existirem ndash eram tatildeo somente maneiras de se posicionar
frente a um mesmo sistema de dominaccedilatildeo o que nos faz crer que exista uma
postura liberalconservadora como modelo para a manutenccedilatildeo do poder a ser
construiacutedo pelas elites e nesse momento tambeacutem atraveacutes de alguns setores da
imprensa Eacute o que buscaremos aqui atraveacutes de uma anaacutelise criacutetica do texto
tentando formular hipoacuteteses em seu curso e deduccedilotildees a partir dos dados obtidos
Cabe lembrar que as cartas de Erasmo satildeo publicadas no periacuteodo entre 17 de
novembro de 1865 e 15 de marccedilo de 1868 portanto antes de Alencar assumir o
ministeacuterio da Justiccedila Talvez a leitura das cartas tenha influenciado a opiniatildeo de
Itaboraiacute na ocasiatildeo do convite de Alencar para compor o ministeacuterio e mesmo na
decisatildeo de D Pedro II para o aceite do ministro Aqui surge uma questatildeo Sustenta-
se que uma das razotildees de D Pedro natildeo ter escolhido Alencar para ser ldquopremiadordquo
com uma cadeira no senado se daria em funccedilatildeo de seu temperamento impulsivo
Que o imperador natildeo podia ldquoconfiarrdquo no Alencar por natildeo saber que tipo de ideais
poderiam sair daquela cabeccedila em dias de arroubo - eacute o que consideram Schwarcz
(1999) e Menezes (1965) Acreditamos tendo por base a pesquisa que D Pedro II
jaacute teria reconhecido no Alencar uma possibilidade para a cooptaccedilatildeo do intelectual haacute
muito tempo E seu ideal conservador e monarquista eacute determinante O imperador
conhecia o Alencar estudou suas accedilotildees por meio das cartas conhecia seus
romances e assistiu aos espetaacuteculos de teatro que o artista criara A ideia de uma
sociedade liberal assentadas na base escravista vinha a calhar com o pensamento
necessaacuterio para a manutenccedilatildeo do Estado no periacuteodo Dom Pedro II era - de certa
forma segundo sustenta Menezes - um seu ldquofatilderdquo E quando do aceite de seu nome
para o ministeacuterio da justiccedila o imperador sabia muito bem onde pisava
As cartas nos mostram a situaccedilatildeo poliacutetica do paiacutes a escravidatildeo e a opiniatildeo de
Alencar sobre como deveria funcionar uma monarquia representativa Um ponto
importante a ser levado em conta eacute o diacronismo caracteriacutestico da seacuterie Sua
publicaccedilatildeo semanal com respeitaacutevel regularidade entre 1965 e 1968 permite a
Alencar uma visatildeo do cotidiano da Corte e suas transformaccedilotildees inclusive as
respostas (muitas vezes diretas de interlocutores que se apresentavam em outras
veiacuteculos ou mesmo na cacircmara) agraves suas criacuteticas o que conduzia a reavaliaccedilotildees eou
reafirmaccedilotildees de posiccedilatildeo do missivista sempre para um proacuteximo nuacutemero
Admitindo que uma sociedade da corte como lembra Chartier (1990) citando um
estudo de Norbert Elias eacute uma formaccedilatildeo social caracterizada por um estatuto de
dependecircncia das relaccedilotildees sociais existentes entre os sujeitos esta constitui
portanto uma forma particular de sociedade onde a Corte desempenha um papel
central que se caracteriza por um conjunto especiacutefico de relaccedilotildees de poder nesse
dado momento Natildeo somente a Corte brasileira no segundo reinado mas a
sociedade caracterizada (construiacuteda pode-se dizer) na e pela Corte como um
modelo para o restante do paiacutes criar um modelo (ou um conceito) na Corte seria
uma forma de agenciamento de tais modelos para os grupos perifeacutericos
Eacute preciso esclarecer por fim que o conteuacutedo das cartas natildeo eacute novo como natildeo eacute
nova sua apresentaccedilatildeo e estudo feitos por comentaristas de renome como por
exemplo os citados Raimundo Menezes e Joseacute Murilo de Carvalho O que se
propotildee aqui eacute buscar nas indicaccedilotildees nas proposiccedilotildees enfim nos iacutendices deixados
no texto uma visatildeo mais abrangente que as caracteriacutesticas de Joseacute de Alencar ndash
com seu estilo marcante ndash propotildeem na escritura - o que trataremos aqui como
documento Vale a ressalva de que as ldquocartas poliacuteticasrdquo natildeo a satildeo a primeira
experiecircncia de Alencar no gecircnero A polecircmica sobre a ldquoConfederaccedilatildeo dos Tamoiosrdquo
com Gonccedilalves de Magalhatildees (e com o grupo que o apoiava) lhe garante uma
experiecircncia soacutelida no debate aberto Cabe tambeacutem enquanto delimitaccedilatildeo do objeto
a caracterizaccedilatildeo dos leitores Alencar escreve para as elites (natildeo que soacute membros
da elite carioca tivessem acesso aos textos tambeacutem funcionaacuterios puacuteblicos diversos
pequenos comerciantes profissionais liberais mesmo um puacuteblico leigo que se
interessava pelo cotidiano poliacutetico do Rio de Janeiro ndash como o demonstramos em
toacutepico anterior - e que deveria ser consideraacutevel visto a quantidade de pequenos
jornais e folhetos impressos para a divulgaccedilatildeo de ideias de poliacuteticos e partidos Mas
estes natildeo eram entatildeo seu principal alvo) tendo a imprensa ndash a miacutedia impressa visto
que a impressatildeo do texto foi feita em folhetins ndash como veiacuteculo que o permitiria levar
suas ideias a um grupo maior detentor de uma opiniatildeo que pode ser mobilizadora
ou mobilizada aqui temos clara a afirmativa de Chartier (1990) que sustenta que a
proacutepria cultura da elite eacute constituiacuteda em grande parte por um trabalho operado em
material que lhe seja proacuteprio que por esta eacute reconhecido Sendo assim sobre tais
elites definimo-las com o apoio de Boacutebbio
() uma minoria que por vaacuterias formas eacute detentora do poder em contraposiccedilatildeo a uma maioria que dele estaacute privada () Em todas as sociedades a comeccedilar por aquelas mais mediocremente desenvolvidas e que satildeo apenas chegadas aos primoacuterdios da civilizaccedilatildeo ateacute as mais cultas e fortes existem duas classes de pessoas a dos governantes e a dos governados A primeira que eacute sempre a menos numerosa cumpre todas as funccedilotildees puacuteblicas monopoliza o poder e goza as vantagens que a ela estatildeo anexas enquanto que a segunda mais numerosa eacute dirigida e regulada pela primeira de modo mais ou menos legal ou de modo mais ou menos arbitraacuterio e violento fornecendo a ela ao menos aparentemente os meios materiais de subsistecircncia e os que satildeo necessaacuterios agrave vitalidade do organismo poliacutetico (BOBBIO1998 p385)
Alencar tinha conhecimento do alcance das cartas Mas o seu destinataacuterio o ldquoleitorrdquo
referencial eacute o imperador D Pedro II A figura do homem bom protetor dos
inocentes iacutentegro e saacutebio mecenas das artes amigo dos intelectuais e tudo o mais
que ficou caracterizado para a posteridade jaacute estava constituiacutedo no periacuteodo o
homem que por tudo se interessava mas natildeo se interessava pelo Brasil
(CARVALHO 2007) E a criacutetica a uma atitude passiva do imperador frente aos
problemas da poliacutetica da administraccedilatildeo puacuteblica ao seu papel constitucional de
mediador de contendas de apaziguador de disputas de fiel da balanccedila eacute o mote
para o conjunto de cartas a que se entrega mui respeitosamente o Alencar
331 AO IMPERADOR (ALENCAR 2009 p09-113)
Na primeira carta endereccedilada ao Imperador um tratamento respeitoso eacute justo e
necessaacuterio Alencar se dirige a D Pedro II como ldquoSenhorrdquo e anuncia-se logo na
primeira linha por um anunciador da verdade Escreve ldquoA verdade filha do ceacuteu
como a luz natildeo se apagardquo (ALENCAR 2009 p09) que natildeo eacute uma ldquofigura de estilordquo
que sugere a referecircncia inicial Alencar se apresenta como portador desta verdade
encarnada que passaraacute a analisar os problemas da sociedade Continua entatildeo
marcando seu territoacuterio entre os grandes quando diz que ldquoagraves vezes eacute um historiado
como Taacutecito ou um poeta como Juvenal outras eacute Demoacutestenes o orador ou
Secircneca o filoacutesofordquo (ALENCAR 2009 p09) E estre eles o nosso autor Alencar
apresenta-se como figura conhecedora do pensamento claacutessico colocando-se como
argumentador que se basearaacute nos princiacutepios do Direito e conhecedor dos princiacutepios
de ciecircncia poliacutetica para sua anaacutelise Apresenta-se como uma autoridade elevando o
debate natildeo a uma reclamaccedilatildeo pessoal sobre o governo mas a condiccedilatildeo de um
criacutetico consciente do sistema de governo que estaacute posto
A posiccedilatildeo de Alencar eacute de apoio agrave monarquia As primeiras cartas satildeo um apelo ao
imperador para que intervenha no executivo e no legislativo para tirar o paiacutes do
momento de crise poliacutetica social e econocircmica que o teriam levado o Partido Liberal
e a poliacutetica de conciliaccedilatildeo Segundo Alencar haacute uma distinccedilatildeo entre as tarefas do
Imperador como titular do Poder Moderador e como chefe do Executivo Cita
Montesquieu em O espiacuterito das Leis em uma passagem que fala da falta de
participaccedilatildeo popular na poliacutetica mas apenas para lembrar ao imperador a teoria da
separaccedilatildeo e independecircncia dos poderes Natildeo chega a citar os argumentos deste
autor contra a escravidatildeo
Defende Alencar que o poder moderador seria um mediador entre a constituiccedilatildeo e o
povo Eacute possiacutevel pensar na accedilatildeo do Poder Moderador como algo que permitia
conquanto suas interferecircncias uma modificaccedilatildeo nas formaccedilatildeo das facccedilotildees das
elites no poder permitindo uma alternacircncia de grupos e partidos (CARVALHO
2007) mas tambeacutem como Alencar aprovava e propotildee na carta o poder moderador
como um instrumento de ldquotomada do poderrdquo pelo monarca com o consentimento do
povo Cabe lembrar que fato parecido ocorre com D Pedro I com a destituiccedilatildeo da
Assembleia Constituinte em 1823 e a outorga de uma nova Constituiccedilatildeo Chega
mesmo a afirmar em um trecho a caracteriacutestica liberal da constituiccedilatildeo quando diz
que ldquoo primeiro reinado em oito anos legou-nos a constituiccedilatildeo belo padratildeo de
sabedoria e liberalismordquo (ALENCAR 2009 p19) esquecendo-se de citar o anterior
fechamento da Assembleia constituinte
Alencar escreve sobre o momento de singular impopularidade pelo qual passa D
Pedro II satirizado ldquopelos teatros e praccedilas a vozeria da gente leviana que entre
hinos e flores vos sauacuteda como o heroacutei da Uruguaiana34rdquo (ALENCAR 2009 p12)
devido agrave longevidade que alcanccedila a guerra e proclama-se um seu defensor frente
aos acontecimentos poliacuteticos que este segundo Alencar ldquodesconhecerdquo E iraacute tornar
puacuteblica ldquoa verdade inteira a respeito do paiacutes sobre os homens como sobre as
coisas ()rdquo (ALENCAR 2009 p14) A culpa na opiniatildeo de Erasmo natildeo seria de D
Pedro II mas da administraccedilatildeo Eacute certo que os gastos com a guerra atrapalham ou
impossibilitam uma seacuterie de investimentos necessaacuterios para o desenvolvimento do
Brasil As despesas provenientes do conflito foram enormes ldquo614 mil contos de
reacuteis onze vezes o orccedilamento governamental para o ano de 1864 criando um
deacuteficit que persistiu ateacute 1889rdquo (SCHWARCZ 1999 p459)
Alencar termina a primeira carta citando Salomatildeo ldquoMisericordia et veritas custodiunt
regem35rdquo (ALENCAR 2009 p15) Apelando para a honra e seguindo a citaccedilatildeo para
34 D Pedro II assistiu a rendiccedilatildeo dos paraguaios no chamado ldquocerco de Uruguaianardquo
35 A misericoacuterdia e a verdade protegem o rei
a sabedoria de D Pedro II justifica a intervenccedilatildeo que este deveria fazer e garante
que o povo lhe veria novamente como um restaurador (palavra cara ao Alencar) da
normalidade Para tanto desenha um ldquopanteatildeordquo poliacutetico ideal da restauraccedilatildeo
proclamando-os defensores da honestidade e da honra Satildeo citados ldquoos Feijoacutes
Vergueiros Andradas Paulas Souzas Limpos Torres e Paulinos36rdquo (ALENCAR
2009 p17) Jaacute na primeira carta podemos observar a predominacircncia da pregaccedilatildeo
de uma sociedade conservadora monarquista aristocraacutetica onde o imperador
ldquogoverna e administrardquo e precisa mostrar que tem tal poder concordando assim com
a tendecircncia do liberalismo moderado que defende que a sociedade soacute poderaacute viver
em paz com um poder forte e centralizado (BOSI 2013) Alencar chega a criticar a
liberdade de imprensa em sua narraccedilatildeo algo que chega a ser discutiacutevel na posiccedilatildeo
de algueacutem que edita um panfleto poliacutetico
A crise na governanccedila proclamada pelo panfletista pode ser entendida de modo
diverso O discurso de Alencar eacute ideoloacutegico no sentido de tentar fazer com que as
transformaccedilotildees histoacutericas sejam negadas e entendidas como uma crise no sistema
O momento (o surgimento digamos) da sociedade ideal eacute dado pela fixaccedilatildeo dos
ldquomaacutertiresrdquo a que Alencar se refere ndash indicando a clara presenccedila de uma aristocracia -
e qualquer mudanccedila neste modelo ideal eacute determinada como uma crise Numa
leitura da teoria de Gramsci por Chauiacute essa construccedilatildeo eacute tida como uma
representaccedilatildeo e uma ideologia ldquoA ideologia eacute um discurso que se desenvolve sob o
modo da afirmaccedilatildeo da determinaccedilatildeo da generalizaccedilatildeo () trazendo a garantia da
existecircncia de uma ordem atual ou virtualrdquo (CHAUI 1997 p33) Quando essa
ordem necessaacuteria ao discurso eacute contestada temos uma crise
A crise eacute imaginada entatildeo como um movimento de irracionalidade que invade a racionalidade gera desordem e caos e precisa ser conjurada para que a racionalidade anterior ou outra nova seja restaurada A noccedilatildeo de crise permite representar a sociedade como invadida por contradiccedilotildees e simultaneamente toma-las como um acidente um desarranjo pois a harmonia eacute pressuposta como sendo de direito reduzindo a crise a uma desordem fatual provocada por enganos voluntaacuterios ou involuntaacuterios dos agentes sociais ou por mau funcionamento de certas partes do todo A crise serve assim para opor uma ordem ideal a uma desordem real () (CHAUI
36 Diogo Antocircnio Feijoacute Nicolau Pereira de Campos Vergueiro Joseacute Bonifaacutecio de Andrada e Silva
Francisco de Paula Souza e Melo Antocircnio Paulino Limpo de Abreu Joaquim Joseacute Rodrigues
Torres e Paulino Joseacute Soares de Souza
1997 p37)
O discurso de Alencar sugere o momento ideal no qual os indiviacuteduos devem se
remeter para aceitar as instituiccedilotildees puacuteblicas a vida e as relaccedilotildees de poder que os
conduzem Um discurso que partindo do social se torna poliacutetico e degenerando-se
dominador
Tornando ao texto na segunda carta Alencar critica a relaccedilatildeo dos ministros com
seus representantes nas proviacutencias ndash delegados ndash os quais acusa de abuso de
poder Repete-se aqui nada mais que o sistema estamental de que nos fala
Raimundo Faoro em que o poder se apresenta na figura do funcionaacuterio do governo
como o governo Natildeo um representante do Rei mas se tornando um rei local em
miniatura (FAORO 2004) Alencar chama particular atenccedilatildeo para as financcedilas que
nomeia como ldquoforccedilas musculares da naccedilatildeordquo (ALENCAR 2009 p24) Alude aos
gastos com armamentos supeacuterfluos (no caso armamentos jaacute sem valor para uso)
destinados a uma raacutepida deterioraccedilatildeo e as dificuldades tambeacutem em consequecircncia
da guerra de conseguir alguma credibilidade financeira das naccedilotildees europeias o que
afetaria ndash e oneraria ndash as importaccedilotildees de maneira geral e tambeacutem as negociaccedilotildees
dos empreacutestimos contraiacutedos no exterior que datavam da eacutepoca de D Pedro I
referentes ao reconhecimento do Brasil como independente e a indenizaccedilatildeo de
Portugal Reconhece que a alta no preccedilo do algodatildeo e a receita gerada natildeo chegam
para sustentar tantas e tatildeo altas despesas visto que as boas safras natildeo satildeo
constantes e a paz conseguida nos Estados Unidos acabaria por determinar uma
queda de preccedilos Esclarece ainda sobre uma crise nas duas maiores fontes de
renda do Estado o comeacutercio ldquojungido a uma liquidaccedilatildeo forccedilada que principiou em
10 de setembro de 1864 e terminaraacute ningueacutem sabe quandordquo (ALENCAR 2009 p25)
e a agricultura ldquoameaccedilada pela questatildeo magna da emancipaccedilatildeo que avanccedila a
grandes passos e estremece ateacute o intimo a sociedaderdquo (ALENCAR 2009 p 25)
O missivista acha por bem terminar a segunda carta com um leve ldquosolavancordquo no
imperador conclamando-o agrave luta em dois paraacutegrafos exemplares
Quando um povo livre abdica o pleno exerciacutecio da soberania eacute dever imperioso do monarca seu primeiro representante assumir essa grande massa inerte de poder para evitar que ela seja dissipada por um grupo de ambiciosos vulgares
Ache ao menos a liberdade que desertou a alma sucumbida da paacutetria um abrigo agrave sombra do manto imperial para que natildeo morra conspurcada nos tripuacutedios da anarquia (ALENCAR 2009 p 26)
Faltava que D Pedro II tomasse as reacutedeas da situaccedilatildeo Alencar entende que essa
sociedade constitucionalista eacute responsabilizada pela maacute administraccedilatildeo visto que os
governantes tambeacutem fazem parte do contrato e devem dar conta de suas accedilotildees sob
pena de serem substituiacutedos Afirma novamente o Alencar que o povo apoiaria o
Imperador em sua accedilatildeo e esperava mesmo por isso Alencar alude mais uma vez
a uma velha foacutermula conservadora de que o imperador reina governa e administra
(Carvalho 2007)
O missivista eacute duro na criacutetica com o periacuteodo chamado conciliaccedilatildeo Uma ldquocorrupccedilatildeo
geral dos partidos () dissoluccedilatildeo dos princiacutepiosrdquo (ALENCAR 2009 p30) da proacutepria
existecircncia da democracia Classificando conciliaccedilatildeo como um termo honesto e
decente para qualificar ldquoa prostituiccedilatildeo poliacutetica de uma eacutepocardquo (ALENCAR 2009
p30) Alencar enxergava aleacutem de sua criacutetica uma dificuldade criada pela
conciliaccedilatildeo para a eleiccedilatildeo de novos quadros para a Cacircmara e consequentemente
os ldquoarranjosrdquo eleitorais para o Senado cargo a que ele pretenderia poucos anos
depois (sua situaccedilatildeo como bacharel lhe garantiu ateacute o momento um emprego como
jornalista e uma mesa em um escritoacuterio de advocacia)
Os partidos segundo ele seriam a miliacutecia da naccedilatildeo entende ele que o povo deve
participar e fiscalizar o legislativo satildeo eles que garantem a existecircncia e a preservam
instituiccedilotildees da monarquia e do povo Em outro momento ao se referir novamente
agraves coalizotildees que se seguem ano apoacutes ano no parlamento questiona com espanto
como pode ser que ldquocidadatildeos individualmente probos e cordatos se consolidam
assim com a escoacuteria em uma liga monstruosa que humilha a cada um no recesso
da consciecircnciardquo (ALENCAR 2009 p36) A criacutetica de Alencar mostra menos sua
preocupaccedilatildeo com a democracia sustentada pelas ideias de partidos diversos em
uma luta pelo poder princiacutepio baacutesico do liberalismo que a preocupaccedilatildeo com a
homogeneizaccedilatildeo das ideias que pode dar mais espaccedilo para grupos diversos
alcanccedilarem cargos na administraccedilatildeo puacuteblica
Segundo Carvalho (2007) a liga natildeo foi propriamente um partido mas uma
orientaccedilatildeo poliacutetica e Alencar a considerava como um ldquomomentordquo da conciliaccedilatildeo
Nada mudaria afinal As eleiccedilotildees continuariam a serem compradas com as
ldquoceacutedulas pagas agrave vista ou descontadas com promessas de pingues empregos e
depreciadas condecoraccedilotildeesrdquo (ALENCAR 2009 p37) O circo estava posto os
comiacutecios apresentados como espetaacuteculos nos teatros puacuteblicos a imprensa tatildeo
ldquobem desenhada nesta grande capital que mata as folhas poliacuteticas e soacute fomenta as
gazetas industriaisrdquo37 (ALENCAR 2009 p37)
Termina a carta de 03 de dezembro desiludido mas natildeo sem lanccedilar seu bilhete da
sorte
O povo inerte os partidos extintos o parlamento decaiacutedo Restam eacute verdade alguns cidadatildeos eminentes abrigados na tribuna vitaliacutecia como as reliacutequias do senado romano esperam tranquilos em suas curules o momento de morrer com a liberdade que amaram (ALENCAR 2009 p37)
O Senado eacute visto aqui como a instituiccedilatildeo merecedora de creacutedito dentro de tudo o
mais que foi criticado Mas seraacute que os olhos do missivista natildeo procuravam jaacute por
uma cadeira naquela casa
A carta datada de 09 de dezembro inicia derramando louros sobre a cabeccedila de D
Pedro II Alencar chega a chama-lo pelo epiacuteteto de Rei sol logo depois se corrigindo
(se eacute que isso seja possiacutevel) e tratando de conduzir a luz do imperador do Brasil
para longe da referecircncia de Luiz XIV ndash seria ele ldquoo foco brilhante que rege todo um
sistema e dardeja luz e calor para a naccedilatildeordquo (ALENCAR 2009 p39) O foco
realmente estaacute em criacuteticas puacuteblicas de que haja certa interferecircncia do imperador na
37 Alencar sabe que o leitor de poliacutetica busca os folhetos e pasquins comuns no periacuteodo O leitor de
jornais regulares busca outros atrativos Ele mesmo aumentou a venda da ldquoGazeta do Rio de
Janeirordquo enquanto seu soacutecio e editor com a publicaccedilatildeo de um romance de folhetim O Guarani
administraccedilatildeo (na maacute administraccedilatildeo) o que Alencar chama de modo de governo
pessoal responsabilizando o imperador pelos atos dos ministros apesar da
responsabilizaccedilatildeo expressa pela doutrina liberal de que o governante estaacute laacute para
exercer a soberania dada a ele pelo povo Cabe lembrar que pela constituiccedilatildeo do
Impeacuterio o Imperador natildeo poderia ser responsabilizado por suas accedilotildees A referecircncia
ao Rei Sol se daacute neste sentido pois a constituiccedilatildeo brasileira de 1824 no seu artigo
99 diz claramente que a pessoa do Imperador eacute sagrada e inviolaacutevel38 Ele natildeo estaacute
sujeito a responsabilidade alguma Eacute enquanto do exerciacutecio do Poder Moderador
que adviriam as responsabilidades Por vezes temos a impressatildeo de que Alencar
exagera sua veia romacircntica como uma forma pessoal de provocaccedilatildeo No momento
defende a postura de D Pedro
Minha convicccedilatildeo vai muito aleacutem Natildeo somente nenhuma influecircncia direta exerceis no governo mas vosso escruacutepulo chega ao ponto de frequentes vezes concentrar aquele reflexo que uma inteligecircncia satilde e robusta como a vossa deve derramar sobre a administraccedilatildeo (ALENCAR 2009 p 39)
Depois de alguns anos jaacute como Ministro Alencar se arrependeraacute dessas palavras
enquanto observa os muitos ldquobilhetinhosrdquo de D Pedro sobre sua mesa indagando e
bisbilhotando na pasta da Justiccedila Mas a verdade eacute que Alencar eacute um dos
defensores da responsabilizaccedilatildeo do monarca por seus atos recaindo esta (sendo
dividida) tambeacutem sobre o ministeacuterio O que determinaria o poder moderador como
limitado longe do despotismo de Luiz XIV Como um bom conservador Alencar eacute
dogmaacutetico e pessimista quanto as mudanccedilas que poderiam acontecer se o
Imperador natildeo se impusesse
Em um segundo momento compara D Pedro II a Jorge III da Inglaterra pela
inflexibilidade do caraacuteter e poder39 cita o episoacutedio em que depois de muitas
tentativas consegue sucesso com um ministeacuterio em que liberais e conservadores
trabalhassem juntos ldquona ceacutelebre coalizatildeo de North Fox Cavendish Keppel Burke e
outrosrdquo (ALENCAR 2009 p41) Mas laacute sustenta formaram-se ldquopartidos vigorosos
38
Conforme a CONSTITUICAtildeO POLIacuteTICA DO IMPERIO DO BRAZIL (DE 25 DE MARCcedilO DE 1824)
Disponiacutevel por exemplo em wwwplanaltogovbrccivil_03constituiccedilatildeo24htm 39 Jorge III foi cognominado ldquoo loucordquo por apresentar problemas de sanidade mental durante seu
reinado
que agrave inflexibilidade da coroa opunham a firmeza e rigidez de seus princiacutepiosrdquo No
Brasil ndash segundo Alencar - o parlamento estaacute entregue a homens preocupados com
seu poder e capacidade de enriquecimento esquecendo-se do povo e mesmo da
eacutetica que os deveria conduzir
Nesta carta volta a criticar as coalisotildees que se operam nas casas poliacuteticas inclusive
no conselho de Estado aonde chega a sugerir que estes (os conselheiros) estejam
em busca por ldquoapenas uma aliagem [sic] de individualidades na esperanccedila de
engrandecimento pessoalrdquo (ALENCAR 2009 p42) Critica tambeacutem a instituiccedilatildeo dos
Voluntaacuterios da Paacutetria acreditando ser uma forma de fragmentar a hierarquia dentro
do exeacutercito sugerindo algo feito a revelia de D Pedro II e a que este se aliaria
depois para agradar ao grupo
Apreciais devidamente o exeacutercito que ama com entusiasmo seu monarca e zeloso protetor Natildeo era possiacutevel que cogitaacutesseis um meio de desgostaacute-lo profundamente estabelecendo preferecircncias a favor de bisonhos soldados com pretericcedilatildeo de bravos veteranos cheios de serviccedilos e jaacute traquejadas pela vitoacuteria (ALENCAR 2009 p 43)
O imperador foi para Uruguaiana como o primeiro voluntaacuterio da paacutetria em um
exemplo de patriotismo e espiacuterito de lideranccedila e tentando tambeacutem criar um estado
de acircnimo geral no oficialato Aqui ainda natildeo estaacute o Alencar a se referir ao
recrutamento forccedilado de homens pelos presidentes das proviacutencias que viria mesmo
a criticar enquanto ministro como uma violaccedilatildeo da liberdade E por falar em
ministros a incompetecircncia destes ndash chamados por ele de ldquoefecircmerosrdquo - eacute ponto
paciacutefico Em sua criacutetica tambeacutem natildeo deixa de alfinetar o imperador garantindo que
os ministros fraacutegeis que satildeo ldquonatildeo ousariam tanto sem a certeza do apoio da coroardquo
(ALENCAR 2009 p42) Acusaccedilotildees de corrupccedilatildeo preenchem as vaacuterias paacuteginas das
cartas e indicam senatildeo cumplicidade ao menos consciecircncia do imperador sobre tal
situaccedilatildeo Alencar encena uma defesa mas ao mesmo tempo critica a praacutetica da
(podemos chamar) natildeo-interferecircncia no executivo por parte do Imperador Ao fim
qualquer atitude da coroa de accedilatildeo ou omissatildeo eacute objeto para o jogo de poder que se
daacute no parlamento
Em certo ponto da carta faz uma alusatildeo a Caxias chamado para o comando de
tropas no Rio da Prata A figura de Caxias - da parte que interessava ao Alencar -
era um poliacutetico respeitado vinculado ao partido conservador Surgindo como um
salvador da paacutetria exigia atenccedilatildeo do ministeacuterio e do Imperador No episoacutedio do
desentendimento com Zacarias de Goacuteis em 1868 entatildeo presidente do gabinete o
primeiro sairia vencedor mas sua vitoacuteria mudaria em muito os rumos da poliacutetica
nacional Mas por agora o ocircnus de um desenvolvimento deficiente das tropas na
guerra recaiacutea sobre o imperador Esta era a fala de Alencar e segundo ele ldquoesta eacute a
verdaderdquo (ALENCAR 2009 p47)
Na quita carta Alencar toma as figuras de Maquiavel e de Dacircmocles - uma
personagem da mitologia grega a quem se atribui uma faacutebula sobre a precariedade
do poder Nota-se ateacute aqui a facilidade com que Alencar se refere a mitologias
diversas indicando que o texto se dirige a um puacuteblico seleto No impeacuterio era uma
praacutetica a menccedilatildeo a mitologia greco-romana e a figuras biacuteblicas como forma de
demonstrar o domiacutenio de uma cultura letrada (o que eacute particularmente importante
para o Alencar que segundo Neto (2006) era visto com certo preconceito por ter se
formado em uma faculdade de Satildeo Paulo e natildeo na Europa como os membros mais
antigos do parlamento) A referecircncia a Maquiavel novamente serve para lembrar a
D Pedro II que o fim justifica meios e se omitir natildeo eacute a melhor atitude Ainda que
tratado em ldquocarta abertardquo a alusatildeo constante a capacidade intelectual do imperador
funciona como um indicativo (velado) da distacircncia cultural que o separa do povo
Natildeo soacute ele mas praticamente a totalidade da burocracia
A liberdade com que o texto constroacutei o periacuteodo criticando-o natildeo seria encontrada
(tampouco permitida) novamente tatildeo cedo Na repuacuteblica no Estado Novo e mesmo
em periacuteodos bem mais proacuteximos de noacutes a liberdade de imprensa natildeo seria algo
possiacutevel Um trecho da carta apresenta uma criacutetica agrave postura dos jornais sobre a
esquiva poliacutetica do imperador por ser tratado sem o devido respeito No Brasil do
segundo reinado o povo detinha a informaccedilatildeo ndash apresentada pelos veiacuteculos de
comunicaccedilatildeo - mas natildeo conseguia entende-la ou efetiva-la dada sua falta de
instruccedilatildeo O povo tambeacutem neste sentido vive agrave margem das discussotildees poliacuteticas
natildeo podendo entrar em suas aacuteguas tumultuadas Ou em suas margens natildeo se
preocupa com problemas abstratos mas com a realidade que observa no cotidiano
No trecho
Na parte natildeo editorial satildeo frequentes os artigos pagos com endereccedilo a vossa augusta pessoa Conteacutem eles queixas de indiviacuteduos de todas as classes sobre minudecircncias do expediente de empregados subalternos Apelam os suacuteditos para vossa autoridade agrave qual parecem ter devolvido
toda confianccedila e todo poder (ALENCAR 2009 p 53)
Nota-se aqui a preocupaccedilatildeo com o favor real O favorecimento individual O suacutedito e
D Pedro II deixava isto de certa forma impliacutecito poderia procurar o Imperador como
a um balcatildeo de queixas sobre as instituiccedilotildees puacuteblicas Alencar sabia que o povo
estava com D Pedro ldquoEste povo apaacutetico e indiferente agraves mais nobres funccedilotildees da
soberania ainda sente por vossa pessoa sinceros transportes () [sente no
imperador] o estandarte capaz de nestes tempos inertes levantar entusiasmos em
prol de uma causardquo (ALENCAR 2009 p50) quando da partida para Uruguaiana
alude a populaccedilatildeo que ldquo se aglomerou em vossa passagem agrave hora da despedida e
da voltardquo (ALENCAR 2009 p52) Mas o povo pouco importa para a elite Aqui o
povo ainda eacute visto como uma massa ignorante sendo mais uma questatildeo de poliacutecia
do que de poliacutetica Talvez este seja o sentido da frase em que se refere agraves elites
localizadas ldquonas camadas superiores da sociedade onde a luz penetra mais clarardquo
(ALENCAR 2009 p54) Se D Pedro II natildeo tiver uma atitude eneacutergica frente aos
acontecimentos e sobre a corrupccedilatildeo que assola o periacuteodo ndash utilizando-se do Poder
Moderador o que a constituiccedilatildeo permitia ndash seraacute responsabilizado no tempo Alencar
ainda profetiza ldquoA naccedilatildeo vos ama mas a histoacuteria vos julgaraacute com severidaderdquo
(ALENCAR 2009 p56) E continua em tom provocador aproveitando o momento
da guerra como mote para o discurso afirmando que ldquoo trono que a naccedilatildeo vos
confiou eacute um posto de honra Deveis a Deus e ao povo sua guarda severa Natildeo
podeis esquivar-vos a ela sob pena de deserccedilatildeordquo (ALENCAR 2009 p58)
Novamente Alencar afirma concordando com Hobbes a relaccedilatildeo da soberania que
eacute dada pelo povo ao soberano e dele espera um rumo para a sociedade
Para a sexta carta Alencar prefere iniciar em um tom mais ameno novamente
aludindo a ilustraccedilatildeo do imperador em contraposiccedilatildeo com a ldquoatoniardquo do povo O
problema continua no combate eacute ldquoa depravaccedilatildeo do organismo poliacutetico de que
resultou o amortecimento das crenccedilas a extinccedilatildeo dos partidos e a corrupccedilatildeo
espantosardquo (ALENCAR 2009 p59) que estaacute por toda a parte Qual seria questiona
agrave D Pedro II a causa do mal que assola o paiacutes A resposta que propotildee eacute a da falta
de educaccedilatildeo poliacutetica Nesse momento Alencar faz uma breve exposiccedilatildeo sobre a
monarquia parlamentar e o regime republicano e suas relaccedilotildees enquanto
representaccedilotildees do povo justificando que o povo brasileiro ldquoeste povo nobre e digno
das instituiccedilotildees que o regem este povo precoce para a liberdade pois ainda na
infacircncia colonial jaacute se eletrizava com ela natildeo foi educado como merecia para a
monarquia representativardquo (ALENCAR 2009 p61) Alencar tenta amalgamar as
propostas de educaccedilatildeo para o povo com o persistente discurso da tutela do povo
que caracteriza um traccedilo fortemente conservador Eacute o mesmo discurso que Alencar
propotildee para a manutenccedilatildeo da escravidatildeo de que o sistema escravagista teria a
funccedilatildeo de educar o escravo para o conviacutevio social Aqui preferimos acreditar que se
trata de uma estrateacutegia discursiva Este ldquopovordquo de quem fala parece ser o descrito no
paraacutegrafo seguinte
Em 1821 a independecircncia se fez no entusiasmo da liberdade O Brasil conquistou simultaneamente o governo dos brasileiros pelos brasileiros e o governo do povo pelo povo
Desde 1808 com a vinda do rei e a invasatildeo de Portugal a emigraccedilatildeo da metroacutepole para a colocircnia fora muito crescida havia pois ao lado da populaccedilatildeo nata uma populaccedilatildeo adventiacutecia mas jaacute ligada agrave outra por identidade de liacutengua laccedilos de sangue e relaccedilotildees domeacutesticas (ALENCAR 2009 p 62)
O povo eacute o modelo civilizacional trazido de Portugal (modelo europeu) e no caso da
independecircncia as elites que a sustentaram Percebemos que Alencar acreditava na
diferenccedila jaacute demonstrada anteriormente entre povo e plebe (BASILE 2006) A
imprensa segundo ele tenta trabalhar essa educaccedilatildeo poliacutetica para o povo
notadamente com ideias liberais Haacute de se considerar para o periacuteodo jaacute uma
geraccedilatildeo como o Alencar de poliacuteticos formados no Brasil com influecircncia de ideias
liberais A homogeneidade garantida pelo estudo em Coimbra havia sido deixada
nos tempos da colocircnia e os laccedilos entre os indiviacuteduos de proviacutencias diferentes que se
juntavam nas faculdades criadas no Brasil tendiam a aumentar o que deixava de
caracterizar um estamento e passava a transferecircncia das decisotildees para os grupos
socializados de forma diversa nos nuacutecleos brasileiros ndash principalmente o Direito para
a formaccedilatildeo das novas elites da burocracia Este foi o elemento de formaccedilatildeo poliacutetica
para a elite brasileira baseado na educaccedilatildeo Mas o povo soacute tinha acesso aos jornais
e outras poucas miacutedias impressas
Ao mesmo tempo mas tambeacutem sustentando o intelectual como parte da elite
poliacutetica Alencar traccedila um perfil da aristocracia brasileira Esta seria
Composta em geral de duas classes de pessoas os abastados de inteligecircncia e escassos de cabedais e os ricos de haveres mas pobres de ilustraccedilatildeo raros bem raros satildeo os que tecircm a forccedila de se conservar em sua oacuterbita Aqueles urgidos pela seduccedilatildeo do luxo e mesmo pela necessidade buscam nos altos empregos puacuteblicos e elevadas posiccedilotildees uma renda ou as facilidades de alianccedilas e estabelecimentos avantajados Estes pruridos pela vaidade se oferecem aos desejos dos primeiros em compensaccedilatildeo de graccedilas e consideraccedilatildeo (ALENCAR 2009 p6465)
Alencar confirma a necessidade de que (alguns elementos) sua geraccedilatildeo de
ldquobachareacuteisrdquo precisem vincular-se ao governo atraveacutes de cargos na burocracia como
uma questatildeo de sobrevivecircncia e associar-se a alguns grupos econocircmicos ldquoem
compensaccedilatildeo de graccedilas e consideraccedilatildeordquo (ALENCAR 2009 p65) Alencar tambeacutem
eacute um deles o que desmente seu discurso sobre os bens de o que chama de uma
ldquoempregocraciardquo (ou a fundamenta) Os grupos se modificam os poliacuteticos podem
mudar mas a situaccedilatildeo permanece uma aristocracia que manipula o povo inerte
Sobre a imprensa esta se tornou ldquoum luxo entre noacutes as leis fiscais a fizeram tal O
povo eacute pobre e natildeo pode pagaacute-la Alguns perioacutedicos aparecem com sacrifiacutecios
enormes que vegetam em estreito ciacuterculo e afinal acabam inanidosrdquo (ALENCAR
2009 p67) Eacute bem verdade que os pequenos natildeo conseguem sobreviver e
() as folhas diaacuterias de grande formato e circulaccedilatildeo essas constituem o feudalismo da publicidade Suas colunas abertas agrave concorrecircncia mal chegam para os abastados a emissatildeo das ideias ali importa uma despesa natildeo soacute de inteligecircncia e estudo mas do grosso cabedal (ALENCAR 2009 p68)
Esta imprensa ldquoque tem suas raiacutezes como suas ramificaccedilotildees na aristocracia
burguesardquo (ALENCAR 2009 p67) natildeo iraacute atacar a aristocracia Antes a ela se une
Entendemos aqui que a mesma imprensa que serviria a educaccedilatildeo do povo (segundo
Alencar) estaacute vinculada a aristocracia Reafirmamos que o povo que a tanto se
refere Alencar satildeo aqueles que possuem a cidadania confirmada certo grau de
educaccedilatildeo e renda Natildeo o grosso da populaccedilatildeo As ideias liberais pregadas natildeo satildeo
possiacuteveis para todos os homens Termina afirmando que ldquoo uacutenico meio eficaz de
salvar o paiacutes senhor eacute uniatildeo firme dos homens de bem de que sois o chefe
legiacutetimo contra a imoralidaderdquo (ALENCAR 2009 p67) Para onde deveremos ir se
Alencar deixou aqui poucas opccedilotildees para descobrir quem satildeo afinal os chamados
homens de bem Seriam estes os ldquohomens bonsrdquo do municiacutepio no periacuteodo colonial
(FAORO 2004) em uma roupagem mais nobre
Na seacutetima carta Alencar propotildee um estudo sobre a estagnaccedilatildeo em que se encontra
o paiacutes e sustenta que tal estudo deva abranger ldquoa importante questatildeo do sistema
segundo o qual deve funcionar a coroa na monarquia representativardquo (ALENCAR
2009 p69) Isto sem mexer na legislaccedilatildeo Seus fundamentos se assentariam sobre
a praacutetica e experiecircncia (uma experiecircncia que o teoacuterico Alencar ainda natildeo tem)
Busca uma justificaccedilatildeo baseando-se na ldquoliccedilatildeo fecunda do povo mestre em ciecircncia
governamental inventor do sistema representativo e seu modelordquo (ALENCAR 2009
p70) que sendo o imperador constitucionalmente o chefe do poder executivo
exerce sua qualificaccedilatildeo ldquohonoriacuteficardquo por meio dos ministros Investido de majestade
eacute chefe tambeacutem do judiciaacuterio o que se sustenta pelo simples fato de que em todos
os tribunais as sentenccedilas satildeo expedidas em nome do imperador No executivo os
ministros trabalham como um corpo uacutenico e ldquopodem levar para o conselho vaacuterios e
encontrados alvitres a respeito de uma questatildeo importante Na discussatildeo os
argumentos satildeo desenvolvidos e ponderadas as objeccedilotildees Afinal () constroem
uma opiniatildeo meacutedia que natildeo sendo de nenhum ministro individualmente seja a do
ministeacuteriordquo (ALENCAR 2009 p71) A solidariedade eacute o princiacutepio de coesatildeo do
grupo
Em todo momento propiacutecio Alencar toma a Inglaterra como o princiacutepio exemplar
Natildeo por ser a naccedilatildeo mais poderosa e comercialmente mais proacutexima do Brasil nem
mesmo pelo modelo civilizacional que a burguesia brasileira do periacuteodo toma da
Inglaterra mas pela reduzida forccedila que o monarca tem frente ao parlamento que eacute a
tocircnica de Locke Rousseau e Mill Apesar das palavras elogiosas e galanteadoras do
missivista seu intuito eacute o de fazer ver a D Pedro II sua ldquoobrigaccedilatildeordquo de interferir no
sistema quando este estivesse falindo e reorganiza-lo para novamente deixa-lo
seguir sozinho Possibilidade que Alencar natildeo encontra tatildeo facilmente na Inglaterra
O que Erasmo quer afinal eacute a mudanccedila do grupo dirigente porquanto alude aos
atos do Imperador indicando uma postura eacutetica deste quanto ao uso do poder
Moderador Alencar tenta construir a ideia de que natildeo eacute o Imperador quem demite
um ministeacuterio mas ao curso de algum problema maior ldquoa dignidade de homens e
sinceridade de poliacuteticos exigem que incontinente deem e natildeo peccedilam sua demissatildeo
respeitosardquo (ALENCAR 2009 p73) em vista de que o poder lhes eacute delegado e o
Estado deve ter uma accedilatildeo menor em tal processo Eacute a soberania constituiacuteda na
figura do Imperador a consciecircncia ilustrada do povo Eacute para que ldquoo poder moderador
acompanhe de perto a trilha da administraccedilatildeo e observe seus rumos que ele foi
instituiacutedo chefe titular do executivordquo (ALENCAR 2009 p73) Alencar entende que o
poder emana do povo e o Estado deve funcionar antes como um organizador do
desenvolvimento da naccedilatildeo mais uma proposta liberal para a administraccedilatildeo do paiacutes
Para Alencar os dois partidos se alternavam nos gabinetes mas nenhum deles
consegue tempo bastante para realizar seus projetos Alternavam-se e quando no
poder veem-se ldquoesterilizados pela resistecircncia demasiada que encontravam na
moderaccedilatildeo e prudecircncia da coroardquo (ALENCAR 2009 p77) para a realizaccedilatildeo de
necessaacuterias mudanccedilas que pudessem criar um dinamismo na administraccedilatildeo puacuteblica
Um dinamismo que oferecesse uma maior liberdade de investimentos para o
desenvolvimento da naccedilatildeo Mas isso tambeacutem eacute culpa segundo ele da
desorganizaccedilatildeo ideoloacutegica dos partidos e de sua situaccedilatildeo de distanciamento das
bases populares (se eacute que houvesse) O monarca representa o poder nacional
situado acima do sistema que ldquoplaina sobre os outros meros poderes poliacuteticosrdquo
(ALENCAR 2009 p79) O termo poder nacional explica Alencar eacute usado para
designar ldquoa quase comunidade em que se acha com a naccedilatildeo Nele reside uma parte
da soberania popular que se isolou em princiacutepio e se consolidou nessa grande
individualidade a fim de resistir aos desvarios da opiniatildeordquo (ALENCAR 2009 p79)
Alencar falando das instituiccedilotildees lembra os liberais de 1834 que extinguiram o
conselho de Estado eliminando assim o elemento aristocraacutetico que se agarrava a
coroa Alencar sugere que ldquoos atos do poder moderador satildeo de exclusiva
competecircncia vossa [do Imperador] para exercecirc-los natildeo dependeis de agentes e
atualmente nem de conselhordquo (ALENCAR 2009 p81) Mas se observarmos bem
como nos mostra Carvalho (2009) o conselho de Estado apesar de natildeo muito
solicitado e de a despeito de tudo tratar de assuntos em sua maioria sem uma
significacircncia maior era um oacutergatildeo consultivo importante que garantiria uma visatildeo
realista de problemas praacuteticos a que o Imperador provavelmente natildeo tinha acesso
como na deposiccedilatildeo do ministeacuterio Zacarias de Goacuteis Ali o conselho foi olvido e
opinou apesar da decisatildeo final ser de D Pedro II este seguiu o voto dos
conselheiros Mesmo sendo a escolha para o cargo de conselheiro uma
competecircncia exclusiva da coroa e provavelmente D Pedro II natildeo viria a escolher
algueacutem de quem natildeo quisesse ouvir a opiniatildeo tendendo assim a formaccedilatildeo do
conselho para um formato que estivesse mais proacuteximo do temperamento do
imperador e de suas pretensotildees o proacuteprio ato de consulta sugere uma anaacutelise mais
apurada das diversas situaccedilotildees e assuntos (CARVALHO 2007)
O poder moderador eacute uma das bandeiras de Alencar E segundo ele emana
tambeacutem do povo Escreve que ldquo() o poder moderador eacute a consciecircncia ilustrada do
povo [Esse povo] que aceitou a lei fundamental de 25 de marccedilo de 1824 tinha sem
contestaccedilatildeo o direito soberano de a revogar apenas se convencesse que natildeo era a
mais proacutepria para sua felicidaderdquo (ALENCAR 2009 p82) Novamente colocando o
ldquopovordquo enquanto seus representantes A defesa da monarquia constitucional
baseada na lei com os poderes cedidos pelo povo a um governante escolhido Mas
os senadores e mesmo os deputados com poder constituinte estavam muito
distantes do proclamado povo das cartas de Erasmo Em determinado ponto
Alencar chega a defender que ldquoa forccedila ativa do poder moderador eacute
sobreconstitucionalrdquo (ALENCAR 2009 p88) o que parece incoerente com uma
monarquia constitucional Admitindo que este possa dissolver o legislativo demitir
ministeacuterios afirma que ldquonenhum poder nem mesmo o povo tem no domiacutenio da
constituiccedilatildeo faculdade igualrdquo (ALENCAR 2009 p89) D Pedro I aprovaria tais
medidas
Todos os atos do soberano se entendidos como atos do povo soacute levariam o paiacutes
novamente para o absolutismo para a ideia gasta que o proacuteprio Alencar sugere na
carta anterior de que ndash o povo sou eu - o Estado sou eu E todo o resto quando
chama D Pedro II pelo epiacuteteto de rei sol Aqui temos a face do intelectual utilizando-
se de seu texto complexo como uma arma totalmente associado com as elites
dirigentes e servindo de instrumento para sua justificaccedilatildeo Em uma das romacircnticas
figuras que toma compara D Pedro II ao profeta biacuteblico Josueacute indicando que ldquoo
profeta recebia sua possanccedila de Deus o imperador a recebe da leirdquo (ALENCAR
2009 p92) Mas de qual lei se jaacute indica anteriormente ser o poder moderador
sobreconstitucional O que se vecirc eacute que a lei eacute mais um instrumento modificaacutevel pra
justificar a permanecircncia no poder mais uma caracteriacutestica de adequaccedilatildeo do
liberalismo as necessidades das elites locais no poder Alencar como advogado
bem sabe o que escreve
Ao iniciar a nona carta Alencar se apresenta como a voz da consciecircncia do
Imperador o seu pensamento em forma sensiacutevel uma intimidade que o desperta O
tom pressupotildee uma intimidade que jaacute teria sido conquistada com na sequencia das
cartas Faz uma apologia da aristocracia tomando-a como ldquoum elemento infaliacutevel e
salutar no governo e na sociedaderdquo (ALENCAR 2009 p95) Acredita que sem este
estiacutemulo a ldquoelevaccedilatildeo a humanidade ficaria eternamente jungida agrave sua animalidaderdquo
(ALENCAR 2009 p95) Mas eacute preciso conter o poder da aristocracia A monarquia
deve tirar ldquoa esse elemento o privileacutegio de casta que o torna odioso e absurdordquo
(ALENCAR 2009 p95) Defende aqui a aristocracia burocraacutetica com vistas agrave
defesa da monarquia constitucional visto que o monarca a serviccedilo das leis estaria
limitado por esta aristocracia que determina tais leis e essa aristocracia seriam os
elementos do povo fazendo parte do legislativo
Jaacute eacute passado o tempo de D Pedro I que entendia dever seguir a constituiccedilatildeo se
esta estivesse a sua altura (querendo dizer se estivesse conforme seu gosto
pessoal) Os tempos satildeo outros e o Imperador eacute uma peccedila do sistema poliacutetico
escolhido pelas elites para a naccedilatildeo que se forma a partir da independecircncia
(CARVALHO 2007) Eacute preciso dar elementos legais para que o paiacutes se desenvolva
e crie mais riqueza com uma intervenccedilatildeo menor do Estado e ao mesmo tempo natildeo
se modifiquem as condiccedilotildees estaacuteveis conquistadas pelas elites no poder Eacute o traccedilo
que caracteriza o periacuteodo uma postura liberal e ao mesmo tempo conservadora
como modelo ideoloacutegico a ser construiacutedo Um traccedilo caracteriacutestico eacute o sistema de
captaccedilatildeo de intelectuais para os quadros da burocracia que segundo Alencar eacute
uma necessidade Explica ele que
A nossa aristocracia eacute burocraacutetica natildeo que se componha somente de funcionaacuterios puacuteblicos mas essa classe forma a sua base agrave qual adere por alianccedila ou dependecircncia toda a camada superior da sociedade brasileira
Para o desenvolvimento espantoso que tem esse corpo oficial entre noacutes natildeo concorre como pensam o nuacutemero dos empregos mas sim a tendecircncia absorvente da administraccedilatildeo a par da falta de iniciativa particular (ALENCAR 2009 p96)
O Estado gera os empregos para absorver a oferta que cria com os cursos
superiores eacute preciso que se crie uma elite que vaacute administrar o paiacutes eacute certo mas
tudo depende da accedilatildeo do Estado Alencar em um feliz paraacutegrafo delineia suas
pretensotildees poliacuteticas com um pedido que elogiando anteriormente as geraccedilotildees mais
jovens e sua capacidade de adaptaccedilatildeo a adversidade sugere
Volvei os olhos em torno senhor e procurai um homem superior que se tenha elevado do seio do povo na robustez de suas crenccedilas na virgindade de sua inteligecircncia na amplitude enfim de sua personalidade
Natildeo o encontrareis eu vos garanto (ALENCAR 2007 p 97)
Quando sugere um novo nome a sugestatildeo jaacute estaacute feita Mesmo acrescentando no
paraacutegrafo seguinte que natildeo se conseguiria encontrar a construccedilatildeo coloca o criacutetico
como a escolha acertada para a resoluccedilatildeo do problema Eacute um efeito da carta aberta
todos tecircm direito a uma opiniatildeo A opiniatildeo ldquopuacuteblicardquo que tanta preocupaccedilatildeo leva ao
Imperador E mesmo esta pode ser manipulada (se natildeo o eacute) visto que segundo
sua criacutetica ldquoa burocracia fabrica a opiniatildeo puacuteblica no Brasil [considerando que] os
jornais como tudo neste impeacuterio vivem da benevolecircncia da administraccedilatildeordquo
(ALENCAR 2009 p96) com subvenccedilotildees que lhe indicam o caminho dos editoriais
A aristocracia tomada aqui por Alencar se refere ao que chama de melhores
indiviacuteduos escolhidos entre todos e o criteacuterio para a escolha seria o voto A elite
portanto eacute determinada pelo voto pela democracia representativa concordando
com as propostas do liberalismo com os tracircmites que a lei determina caccedilando e
permitindo o exerciacutecio do voto para um grupo determinado a quem eacute possiacutevel
exercer ldquofraccedilatildeo de soberania ativa reservada a cada individualidaderdquo (ALENCAR
2009 p98) a partir de uma seacuterie de regras estas tambeacutem determinadas por esta
aristocracia burocraacutetica
Alencar sugere que o gabinete estaacute dominado por esta burocracia Apesar das
escolhas dos ministros incidirem em uacuteltima instacircncia sobre o Imperador qualquer
que seja ela ldquoquaisquer que sejam os nomes por voacutes escolhidos senhor caracteres
iacutentegros vontades riacutegidas o corpo oficial logo os absorve e amalgama () [pois soacute]
vive pensa e governa no Brasil o espiacuterito burocraacuteticordquo (ALENCAR 2009 p99) O
parlamento impede que haja mudanccedilas que natildeo sejam de interesse das elites no
poder esta eacute a base da corrupccedilatildeo de que fala nosso missivista
Na uacuteltima carta desta seacuterie Alencar sugere que o cidadatildeo comum espera do
imperador atitude firma e severa frente ao estado de coisas que se apresenta Haacute
segundo ele uma necessidade de rdquorestauraccedilatildeo dos costumes e das leisrdquo
(ALENCAR 2009 p106) E eacute papel de D Pedro II comandar este movimento de
centralizaccedilatildeo ldquoA flor do paiacutes se reuniraacute ao redor do trono Esse haacute de ser vosso
partido o grande partido nacional da regeneraccedilatildeordquo (ALENCAR 2009 p107) eacute o
movimento a que aludimos da tradiccedilatildeo inventada outro lugar no tempo em que
sendo ldquoo Brasil () menor haacute vinte anos poreacutem estava entatildeo mais alto porque na
sumidade que domina o trono brilhavam os grandes nomes de nossa histoacuteriardquo
(ALENCAR 2009 p112) Eacute ali que o modelo de monarquia parlamentar
constitucional brasileiro cria um momento ilusoacuterio de estabilidade de cuja substacircncia
segundo o missivista devem sair os novos partidos poliacuteticos Eacute o periacuteodo
demarcado nos vinte anos nos conduz a 1845 onde o partido conservador volta
novamente a direccedilatildeo do Estado O apelo ao princiacutepio moral fundador de uma naccedilatildeo
que deve ser representado pela figura do imperador como seu protetor perpeacutetuo
define o modelo para os novos partidos que a partir daiacute seriam criados Partidos que
soacute poderatildeo refletir nesse caso as direccedilotildees dadas pelo trono Natildeo haacute no discurso
de Alencar a existecircncia de um lugar fora da ideologia
332 AO POVO AO REDATOR DO DIAacuteRIO DO RIO DE JANEIRO (ALENCAR
2009 p114-220)
Em junho de 1866 Alencar inicia outra seacuterie de cartas agora endereccediladas ao povo
Apesar de tratarmos do gecircnero ldquocarta abertardquo e sua funccedilatildeo primordial seja a
informaccedilatildeo do ldquopovordquo (no caso de um grupo relativamente grande) determinar
assim o destinataacuterio pressupotildee que a seacuterie de cartas anteriores endereccediladas ao
Imperador formam um todo com o novo conjunto em que Alencar se propotildee a ser o
elo entre o povo e o poder (GRANSCI 1989) Como Alencar havia sugerido no
conjunto anterior das cartas o poder moderador ndash nas matildeos do Imperador ndash seria o
instrumento de representaccedilatildeo do povo Em suas palavras ldquoO poder moderador eacute o
eu nacional a consciecircncia ilustrada do povordquo (ALENCAR 2011 p75) Entatildeo eacute das
obrigaccedilotildees e dos limites do poder moderador que tratamos
A estrateacutegia eacute a mesma Inicia seu discurso profetizando o fim da forccedila vital que
sustenta a naccedilatildeo afirmando que houve um tempo em que se poderia esperar do
trono soluccedilatildeo para segundo Alencar tamanha calamidade que vem afligindo o paiacutes
A guerra do Paraguai segue com quantidade enorme de baixas e percebe-se a
tristeza dos ldquochefes das famiacutelias brasileiras () como pais que geram a prole para a
desgraccedilardquo (ALENCAR 2009 p128) Os gastos com a guerra trazem ldquoa miseacuteriardquo para
esse paiacutes de tantos recursos ldquoRumores surdos assomos de impaciecircncia das
classes inferiores circulam a cidade () tais ecos anunciam profundos
ressentimentos do espiacuterito puacuteblicordquo (ALENCAR 2009 p128) Alencar acusa ao
gabinete de indiferenccedila frente agrave situaccedilatildeo contando com a conivecircncia (passiva) do
trono o que gera insatisfaccedilatildeo por parte da populaccedilatildeo pelos rumos da guerra O
apelo direto a famiacutelia aqui eacute muito representativo Carlo Buacutessula (1997) lembra que a
famiacutelia - e o indiviacuteduo pertencente a tal famiacutelia - existem antes do Estado E que a
autoridade deste lhe eacute outorgada pela famiacutelia e pelos indiviacuteduos que a compotildeem O
vocaacutebulo naccedilatildeo ainda segundo Buacutessula eacute derivaccedilatildeo do latim ldquonatiordquo que
entendemos por nascer Refere-se a um conjunto das famiacutelias ndash e suas lideranccedilas ndash
nascidas em determinada regiatildeo constituindo um grupo social de certa
homogeneidade e que partilha de uma cultura um domiciacutelio uma condiccedilatildeo de
pertencimento Podemos observar mesmo em textos mais antigos como em
Aristoacuteteles (1998) a afirmaccedilatildeo de que o Estado eacute uma reuniatildeo de famiacutelias Daiacute
podemos estender o pensamento e considerar as bases legais (neste periacuteodo) para
um ldquopaacutetrio poderrdquo O liacuteder de uma famiacutelia com sua extensatildeo a parentes agregados
e escravos tem sua autoridade como senhor depois a autoridade material que se
apresenta tambeacutem em relaccedilatildeo a sua mulher e a procriaccedilatildeo dos filhos e a
acumulaccedilatildeo de riqueza para o sustento do grupo ao qual eacute responsaacutevel Chegando
mais proacuteximo as relaccedilotildees entre Estado e Famiacutelia e seu pertencimento a terra ao
domiciacutelio e a busca pela liberdade podem ser relacionadas com as lutas dos barotildees
na Idade Meacutedia com o rei Joatildeo sem terra pelo reconhecimento de seus direitos da
liberdade e da aplicaccedilatildeo da justiccedila Aqui temos um contiacutenuo processo histoacuterico e
poliacutetico de superaccedilatildeo e no mesmo tempo conservaccedilatildeo dessa comunidade natural
que culmina no Estado nacional como um resultado da vontade desta comunidade
(CHAUIacute 1997)
Da mesma forma que Alencar se dirigiu ao Imperador comenta ele agora se dirige
ao povo para que este se levante de sua letargia e por fim ldquoacorde para defender o
patrimocircnio sagrado de suas liberdades e gloriosas tradiccedilotildeesrdquo (ALENCAR 2009
p131) No momento se define como um arauto que iraacute ldquofalar ao povo brasileiro e
proferir verdades que ele nunca ouviu nem de seus ditadores nem de seus
tribunosrdquo (ALENCAR 2009 p131) O interessante ndash devemos ressaltar - eacute que natildeo
haacute uma seacuterie de cartas endereccedilada ldquoao legislativordquo ou mesmo ldquoao senadordquo Tanto
Hobbes quanto Locke e Rousseau ndash cada qual a seu modo ndash defendiam a presenccedila
do parlamento O movimento em Alencar parece passar do povo diretamente ao
imperador deixando ao largo as instituiccedilotildees democraacuteticas40 como no absolutismo
em que o trono justifica todas as suas accedilotildees despoacuteticas justificada como para o
bem do povo a revelia de uma constituiccedilatildeo abonando sua intenccedilatildeo como a de
ldquorenovar a alianccedila da realeza com a democracia Quero restituir o monarca e o povo
um ao outrordquo (ALENCAR 2009 p131)
A primeira estrateacutegia de Alencar eacute delimitar o que acredita ser o povo ldquopor povo
entendo o corpo da naccedilatildeo sem distinccedilatildeo de classes excluiacutedos unicamente os
representantes e depositaacuterios do poderrdquo (ALENCAR 2009 p133) Apesar da
distacircncia que o vocabulaacuterio rebuscado constroacutei do povo a fala eacute justificada Os
depositaacuterios do poder deixam de ser uma categoria do povo por estar distante diste
econocircmica e culturalmente distante mas por que os representantes Nas cartas ao
imperador a camada de poliacuteticos (representantes) era a chaga que deveria ser
extinta ndash pelo menos alguns mas a atividade representativa natildeo deve distinguir o
poliacutetico do povo pelo menos eacute o que sustenta No paraacutegrafo seguinte toma o tom de
paraacutebola anunciando que mesmo os de menor capacidade no seio do povo
poderiam compreendecirc-lo
Aos grandes como aos pequenos falarei a linguagem que me deu a natureza compreendam-me os capazes pelo raciociacutenio os ignorantes pela intuiccedilatildeo misteriosa que em todos os tempos haacute inoculado a verdade no seio das massas
Carecia dizer-vos estas coisas (ALENCAR 2009 p 133)
Alencar se potildee acima das instituiccedilotildees para anunciar que o povo como no
movimento de 1834 ndash e provavelmente atraveacutes das verdades que este lhes diraacute nas
proacuteximas cartas ndash eacute o agente da mudanccedila do paiacutes corrompido Eacute bom lembrar o
conteuacutedo ideoloacutegico que tais afirmaccedilotildees carregam
As Ideologias surgem normalmente em periacuteodos de crise quando a visatildeo do mundo dominante natildeo consegue satisfazer novas e pressionantes necessidades sociais e pedem imperiosamente aos proacuteprios seguidores uma transformaccedilatildeo total da sociedade ou um afastamento dela (BOBBIO
40 Natildeo trata aqui das habituais ldquovisitasrdquo que o Imperador recebia de seus suacuteditos pedindo
empregos pedindo vetos a algum projeto ou perdatildeo de diacutevidas O discurso de Alencar eacute
intencional e bem planejado Indica realmente uma criacutetica agrave intromissatildeo de D Pedro em
determinados assuntos de responsabilidade do parlamento
1998 p 588)
Alencar conclama o povo para que este busque com sua forccedila pressionar as
instituiccedilotildees e mesmo a monarquia na figura de D Pedro II a fim de encontrar
soluccedilotildees para os problemas que apresenta nas cartas A associaccedilatildeo feita pelo
primeiro conjunto (cartas ao Imperador) indica que ldquoo povordquo eacute tambeacutem responsaacutevel
e o discurso lembra sua soberania frente a seus representantes Como afirmamos
anteriormente uma das caracteriacutesticas da prosaiacutestica utilizada eacute a afirmaccedilatildeo de que
tudo depende de uma ordem interna e Alencar constroacutei por via do discurso tal
ordem O impacto que isso tem eacute provavelmente grande O espiacuterito conciliador do
brasileiro (CARVALHO 2007) jaacute comeccedila a ser construiacutedo junto com a estabilidade
vinda depois do periacuteodo regencial e o controle (para)militar das revoltas tendo seu
uacuteltimo suspiro na Revolta da Praia Todos detidos alguns assimilados vaacuterios mortos
e esquecidos a centralizaccedilatildeo eacute uma meta e esta segue o caminho ditado pela
Corte no Rio de Janeiro
Alencar natildeo deixa sequer por um momento de fazer a associaccedilatildeo da coroa com o
povo sendo ele a justificaccedilatildeo para o poder moderador ldquodevo agrave majestade popular a
mesma franqueza que usei com a majestade imperialrdquo (ALENCAR 2009 p134)
Critica a condiccedilatildeo da populaccedilatildeo que natildeo recebe respeito por parte do Estado
afirmando que ldquoo cidadatildeo natildeo vale na medida de seus direitosrdquo (ALENCAR 2009
p135) o que eacute inaceitaacutevel para a teoria liberal claacutessica que vem da busca pela
liberdade Alencar afirma que soacute os que detecircm algum poder econocircmico possuem
direitos civis A liberdade do povo natildeo eacute respeitada Fala da guerra que
aparentemente deve continuar e da situaccedilatildeo moral e econocircmica que esta constitui
O governo toma da liberdade do povo tomando-lhe ldquoa substacircncia da vida ndash o
sangue o fruto do trabalho ndash o suorrdquo (ALENCAR 2009 p136) A poliacutetica do
recrutamento forccedilado da populaccedilatildeo eacute o tema inicial que leva o povo para ldquoeste
abismo para sorver milhares de vidas e os recursos de talvez um seacuteculo de
existecircnciardquo (ALENCAR 2009 p137) O povo aceitou ldquoa guerra com dignidade ()
mas no acircmago da consciecircncia nacional estaacute latente a indignaccedilatildeordquo (ALENCAR 2009
p137) Alencar nessa carta explora as ideias do liberalismo claacutessico quando fala da
relaccedilatildeo do povo com o Estado A busca da liberdade civil e poliacutetica os impostos
forccedilados para a manutenccedilatildeo da guerra o direito a vida e a felicidade tatildeo caros agrave
Bentham e Mill Como eacute possiacutevel um recrutamento forccedilado e como eacute possiacutevel que
algueacutem ndash praacutetica comum ndash possa mandar um escravo em seu lugar para sal a paacutetria
na qual o escravo natildeo tem direito a cidadania
O povo ldquocordato e brioso almejava eacute certo pela mudanccedila de nossa poliacutetica no Rio
da Pratardquo (ALENCAR 2009 p137) Alencar sustenta que
a poliacutetica de intervenccedilatildeo fora sobretudo filantroacutepica exprimia a caridade internacional de um povo por seus irmatildeos dilacerados () [que] o Brasil natildeo precisa do territoacuterio de seus vizinhos pois o tem de sobra e ubeacuterrimo tambeacutem natildeo eacute essencial para seu bem-estar a paz e equiliacutebrio das repuacuteblicas americanas (ALENCAR 2009 p138)
Eacute o momento da indignaccedilatildeo mas Alencar natildeo chega admitir que concorda com a
poliacutetica da coroa para a manutenccedilatildeo do territoacuterio tanto com guerras internas como
defendendo a fronteira sul do Brasil contra o inimigo externo Apresenta em favor
deste uacuteltimo argumento a ideia de que havia pendencias em aberto com as
Repuacuteblicas do Prata e que enfim a guerra poderia ser a soluccedilatildeo Mas tal guerra foi
incentivada pelo governo brasileiro sendo um de seus episoacutedios a missatildeo chefiada
por Joseacute Antocircnio Saraiva em maio de 1864 o executivo ldquosem ter obtido da
assembleia geral com os meios essenciais a aprovaccedilatildeo legislativardquo (ALENCAR
2009 p142) decide pela guerra e a populaccedilatildeo deve arcar com as consequecircncias
do ato apelando para a honra da naccedilatildeo sacrificada Alencar afirma que o legislativo
natildeo toma providecircncias (exigi-las do executivo) para tentar evitar a continuidade da
guerra ocupando-se de discursos vazios de sentido ldquoenquanto o paiacutes estorteja
deleitam-se na compostura de frases perluxas e nos guizos de suas ocas palavrasrdquo
(ALENCAR 2009 p145 A falta de accedilatildeo do Estado cria situaccedilotildees de
constrangimento para o paiacutes como os episoacutedios da questatildeo inglesa que jaacute
anunciavam a falta de tato poliacutetico da administraccedilatildeo puacuteblica De certo ldquoa eacutepoca
infeliz que vamos atravessando natildeo eacute realmente outra coisa senatildeo um grande e
longo desvario da razatildeo puacuteblicardquo (ALENCAR 2009 p146) a quem Alencar culpa
enfim a ascensatildeo da liga progressista entatildeo no governo
A guerra que sustentamos eacute desde sua origem um tecido de incongruecircncias
e desacertos Soacute haacute em toda ela de nobre digno e consolador a intrepidez de nossos marinheiros e soldados Virtude espontacircnea do homem e do povo produziu-se independente do governo e apesar dos esforccedilos adrede empregados para abafaacute-la (ALENCAR 2009 p 146)
A administraccedilatildeo da guerra para Alencar leva a inuacutemeros problemas Como a falta
de uma resposta de forccedila as humilhaccedilotildees sofridas pelo paiacutes as frentes de batalha
que enquanto lutam em uma fronteira
deixam o governo ao desamparo e franca aos paraguaios outra e importante fronteira abandonando assim criminosamente Mato Grosso agrave ruiacutena e assolaccedilatildeo () [Depois da] rendiccedilatildeo de Uruguaiana que fizemos ainda para desafronta da dignidade nacional agravada (ALENCAR 2009 p149)
A lenta marcha do exeacutercito agraves margens do Paranaacute daacute tempo agraves tropas inimigas de
abandonarem o local onde permanecem os aliados Aos jornais eram enviadas
notiacutecias de batalha para segundo Alencar acalentar a impaciecircncia puacuteblica sobre os
seus Quando enfim se alcanccedila o campo paraguaio
avanccedilamos apenas duas leacuteguas em territoacuterio inimigo e estacamos Invasor queda-se o grande exeacutercito agrave sombra da esquadra e natildeo avanccedila um passo Criou raiacutezes ali nos charcos pestiacuteferos que envenenam diariamente nossos bravos soldados (ALENCAR 2009 p152)
Falta comando agraves tropas de terra e mar o que acarreta maiores perdas humanas e
econocircmicas Alencar critica o tratado da triacuteplice alianccedila e o comando das tropas
brasileiras por militares argentinos sob as ordens do presidente Mitre e a falta de
empenho para a ldquopuniccedilatildeo dos desacatos feitos agrave nacionalidade brasileirardquo
(ALENCAR 2009 p155) chegando mesmo a acusar o estado de fechar os olhos
frente aos assassinatos perpetrados no acampamento contra os soldados
brasileiros e natildeo exigiam a pronta e severa puniccedilatildeo do crime com receio de
estremecer a alianccedila Eacute bom lembrar que um dos traccedilos do conservadorismo eacute o
nacionalismo Um nacionalismo que tem em certa medida ligaccedilatildeo com a
democracia
Falando da liberdade de pensamento
() eacute forccediloso que o Brasil mantenha seu nome de naccedilatildeo culta e de segunda grande potecircncia da Ameacuterica () [poreacutem] a poderosa liberdade do pensamento garantida pela constituiccedilatildeo brasileira a voz solene e vibrante do povo natildeo eacute de nosso paiacutes A imprensa e a tribuna existem entre noacutes por mera complacecircncia (ALENCAR 2009 p158)
A censura eacute constante em publicaccedilotildees desde a imprensa reacutegia uacutenica instalada no
paiacutes quando da vinda da Famiacutelia Real mas com D Pedro II isso se abreviou muito
a ponto do republicanismo ser discutido publicamente em clubes e jornais O
problema segundo ele eacute a incapacidade do povo em compreender os problemas
visto que ldquoa populaccedilatildeo jaz na indolecircncia ou estaacute ainda em geral submergida na
ignoracircncia o pensamento natildeo pode livremente circular Por maior forccedila que o
revista ele natildeo penetra jamais a flaacutecida superfiacutecie da indiferenccedilardquo (ALENCAR 2009
p159) o que faz com que natildeo seja possiacutevel uma transformaccedilatildeo das condiccedilotildees
sociais Alencar cumpre seu papel de intelectual como nos mostra Gramsci
enquanto busca incentivar o debate poliacutetico para elevar intelectual e moralmente
camadas cada vez mais amplas da populaccedilatildeo ou seja para dar personalidade a
massa Mas o que se tem quando da posiccedilatildeo completamente externa que Alencar
toma frente agrave populaccedilatildeo ele nega uma praacutexis transformadora desta e acaba por
atualizar a ideologia Quando critica o parlamento por exemplo em
Quanta influiccedilatildeo tem no paiacutes a aluviatildeo de palavras que diariamente se despenha da tribuna parlamentar ou se espraia na imprensa
Que peso exercem no espiacuterito puacuteblico as liccedilotildees da sabedoria e experiecircncia do conselho dos anciatildeos ou a palavra magistral e ungida pela sinceridade de um veneraacutevel Itaboraiacute ou de um provecto Pimenta Bueno (ALENCAR 2009 p 159)
A alusatildeo aos parlamentares que defendem os direitos do povo natildeo visa uma
transformaccedilatildeo mas apenas uma mudanccedila no grupo da elite que estaacute no poder
Visto que ndash no caso ndash tais direitos satildeo concessotildees Natildeo haacute uma discussatildeo com a
populaccedilatildeo sobre suas necessidades haacute - como pudemos notar - a resoluccedilatildeo de
problemas com vistas aos interesses das elites como por exemplo no caso do fim
do traacutefico de escravos e a aboliccedilatildeo que soacute vem a acontecer quando as elites
diretamente ligadas ao problema o permitem Ainda se vecirc traccedilos de preconceitos
herdados de uma aristocracia portuguesa no texto como uma natildeo valorizaccedilatildeo do
trabalho que natildeo seja intelectual como quando adverte ser necessaacuterio que o Brasil
mantenha-se frente aos problemas da guerra como um paiacutes civilizado ldquoou entatildeo se
reduza a uma terra de mercadoresrdquo (ALENCAR 2009 p152)
Alencar adverte ainda que ldquoo governo descansa pois tranquilo a este respeito [da
liberdade de pensamento] imprensa e tribuna satildeo inocentes folguedos para o nosso
povo menino Brincando esse jogo de liberdaderdquo (ALENCAR 2009 p160) que leva
somente a um vazio de accedilotildees Ilustra seu argumento dizendo que a Franccedila e ndash
querendo imita-la a Pruacutessia brevemente ndash concede aos suacuteditos o voto universal
Para o autor o voto universal ldquoeacute uma teteia poliacutetica semelhante agrave nossa imprensa
livrerdquo (ALENCAR 2009 p160) O autor defende o modelo de restriccedilotildees ndash censitaacuterio
no caso ndash para o sufraacutegio o que eacute mais um iacutendice de que o ldquopovordquo a quem Erasmo
dirige suas cartas eacute restrito e que a liberdade natildeo eacute para todos E ele mesmo
justifica afirmando que se for da vontade dos ldquodominadoresrdquo qualquer atitude ndash ou
projeto de revolta ndash que saia do povo poderia ser controlada mesmo ele
Um exemplo Estas cartas parecem a alguns dos nossos senhores inconvenientes a outros extravagantes Nenhum deles poreacutem afianccedilo ousaraacute contestaacute-las E para quecirc Basta-lhes soprar na doacutecil consciecircncia dos sateacutelites e em breve um sussurro se derrama pela cidade Esse sussurro natildeo diz mas infiltra de uma banda que estou fazendo a propaganda do absolutismo da outra que provoco o povo agrave revoluccedilatildeo (ALENCAR 2009 160)
E confirma a seguir em outro paraacutegrafo sua afirmaccedilatildeo mostrando que seu texto
natildeo tem tanta infiltraccedilatildeo como a ideologia reinante
A verdade poreacutem eacute que tais infiltraccedilotildees subterracircneas da aleivosia no espiacuterito pensante do paiacutes satildeo mais poderosas que a palavra eneacutergica do escritor atirada agraves turbas A chama desta se apaga caindo de arremesso no chatildeo a faiacutesca da outra vai se propagando sempre e surdamente O povo lecirc pouco mas escuta muito o que se diz em voz submissa (ALENCAR 2009 p161)
Em suma segundo Alencar eacute preciso ofertar uma educaccedilatildeo para o povo de forma
que este tenha maior consciecircncia de seu papel o que eacute um traccedilo liberal e ao
mesmo tempo sugere que no decorrer do processo o povo seja tutelado enquanto
natildeo alcanccedila uma maturidade intelectual e poliacutetica uma proposta decididamente
conservadora Alencar afirma que o povo teve sua histoacuteria recente marcada pela
revoluccedilatildeo e pela opiniatildeo Em todos os movimentos revolucionaacuterios teve de arcar
com consequecircncias que restringiriam sua liberdade Em 1824 a revolta de
Pernambuco foi logo contida Como consequecircncia D Pedro I com sua constituiccedilatildeo
liberal profana a liberdade prometida e cria as juntas militares Em 1831 com a
revoluccedilatildeo na Corte o povo triunfa sem um combate armado e aderia ao jovem
imperador Em 1837 o paiacutes sucumbe agrave anarquia que o partido liberal - entatildeo no
poder - natildeo consegue conter sendo salva a naccedilatildeo ndash segundo ele - pelo partido
conservador Em 1840 a revoluccedilatildeo imperial e o partido que a promove logo se vecirc
retirado do poder Levantando-se Minas e Satildeo Paulo em favor do partido Liberal
logo foram vencidos e ldquodas cinzas da revolta nasceram todas as leis homicidas da
liberdade que hoje nos parecem opressivas e naquele tempo foram salvadorasrdquo
(ALENCAR 2009 p163) Em 1842 a liberdade comeccedila a declinar vendo seu fim
proacuteximo em 1848 A liberdade eacute uma ilusatildeo ldquosagaz eacute a oligarquia que domina o
paiacutes [porque consegue] manter o povo na doce ilusatildeo de que eacute livrerdquo (ALENCAR
2009 p165) e assim sustentar uma poliacutetica de dominaccedilatildeo opressiva e constante
Ao povo falta a consciecircncia que gera a opiniatildeo
Alencar relata o episoacutedio das tropas inglesas na guerra da Crimeacuteia e a presenccedila de
um repoacuterter do jornal ldquoTimesrdquo no acampamento Sua presenccedila por um momento
censurada depois foi aceita como forma de ligaccedilatildeo entre a opiniatildeo puacuteblica e o
comando da guerra o que por fim salvaria a honra da Inglaterra na batalha com o
relato fiel do que via em seu cotidiano no campo de batalha Mas no Brasil a critica
natildeo eacute assim Aquele que ousa levantar ldquoa voz para arguir os erros deploraacuteveis
cometidos em uma guerra infauta eacute logo coberto com o baldatildeo e o insulto Seja
banido da paacutetria esse reacuteprobo poliacutetico ()rdquo (ALENCAR 2009 p170) desacreditada
sua accedilatildeo Para que natildeo sejam criados embaraccedilos ao governo sustenta ldquonatildeo se
deve preferir uma palavra ou balbuciar um receio [sobre a administraccedilatildeo da guerra]
() Esta heresia se escreveu na imprensa de um Estado livre ecoou em uma
tribuna que ainda chamam parlamentordquo (ALENCAR 2009 p171) funcionando como
uma poliacutetica de Estado que tenta manter a consciecircncia do povo distante dos
acontecimentos Eacute o tatildeo conhecido medo da revolta popular que assombra as elites
desde antes da independecircncia e tambeacutem para encobrir
o esbanjamento dos dinheiros puacuteblicos a dissipaccedilatildeo das forccedilas do Estado o atropelo erigido em atividade a ineacutercia com foros de prudecircncia [chegando a tanto descaso que] depois de um esbanjamento louco dos dinheiros puacuteblicos natildeo ter canhotildees para bombardear o inimigo e a ele () natildeo faltam armas aperfeiccediloadas de longo alcance (ALENCAR 2009 p177)
Eacute tal a quantidade de erros observados que causam extremo desacircnimo ao paiacutes O
atual gabinete41 eacute um dos responsaacuteveis ndash senatildeo o maior ndash devido ldquoa incoerecircncia
levada agrave infantilidade as contradiccedilotildees incessantes a negaccedilatildeo eterna de si mesmordquo
(ALENCAR 2009 p186) enquanto um grupo coeso causado por intrigas e
desafetos novos e antigos entre seus membros a falta de certo cuidado para tratar
com as possiacuteveis reaccedilotildees aos acontecimentos Natildeo deixa de criticar D Pedro II
novamente por natildeo tomar providecircncias para que tais conflitos internos e do gabinete
com a cacircmara dos deputados tenham um fim e o porquecirc disso tudo que ldquoeacute um
assunto digno da seacuteria meditaccedilatildeo do povordquo (ALENCAR 2009 p188) A
administraccedilatildeo da guerra foi deixada nas matildeos de seus agentes enquanto o
gabinete diz ter nestes a sua confianccedila tal o eacute que se permitem deixar-lhes livres
para desenvolver suas taacuteticas militares confirmam os ministros Estes uacuteltimos
estariam mais preocupados ndash segundo Alencar ndash em defender tais atitudes frente
aos parlamentares Sentindo-se esgotado desabafa em tom increacutedulo ldquoSoacute no
Brasilrdquo (a interjeiccedilatildeo faraacute histoacuteria)
Soacute no Brasil Escapou-me a palavra Soacute nesta eacutepoca desgraccedilada em que o Brasil desapareceu para deixar o lugar ao impeacuterio da alucinaccedilatildeo e desatino soacute durante esta siacutencope da razatildeo social torna-se possiacutevel a existecircncia de semelhantes desvarios e a jactacircncia de os haver praticado (ALENCAR 2009 p 194)
Desvarios permitidos senatildeo pela coroa e pela passividade do povo ldquoO governo natildeo
quer saber do que se passa nem faz a miacutenima exigecircncia Delegou sua razatildeo seu
dever seu pundonor no aacuterbitro supremo da Triacuteplice Alianccedilardquo (ALENCAR 2009
p196) a quem o tesouro brasileiro auxiliou ateacute na compra de armamentos
D Pedro II se guiaria pela opiniatildeo puacuteblica medida na publicitaccedilatildeo dos atos do
governo pelos jornais E os jornais da Corte nos garante Alencar jaacute estatildeo todos nas
41 Presidido pelo Marquecircs de Olinda Dura de 12051865 a 03081866
matildeos do ministeacuterio os partidos conservador e liberal a muito natildeo detecircm espaccedilos
nessas miacutedias Mas o imperador ldquoreconhece e sente mais no iacutentimo a crise perigosa
que oprime o paiacutesrdquo (ALENCAR 2009 p201) mas eacute tolerante com o executivo em
sua forma de administrar a coisa puacuteblica mesmo por que veria uma dificuldade de
montar outro gabinete no conturbado periacuteodo que se atravessa onde o partido
conservador se recolhe segundo ele ao silecircncio e ao repouso
Na nona carta Alencar anuncia por fim a dissoluccedilatildeo do gabinete de 12 de maio e a
subida de Zacarias de Goacuteis vinculado agrave liga progressista em 02 de agosto O que
resultaria em nenhuma mudanccedila significativa na conduccedilatildeo da poliacutetica do Estado e
confirmaria a ldquocompleta identificaccedilatildeo da coroa com a poliacutetica vigenterdquo (ALENCAR
2009 p210) Volta ao gabinete Acircngelo Muniz da Silva Ferraz que teve
desentendimentos anteriormente com Caxias sobre a conduccedilatildeo da guerra e que
aprovara - tambeacutem como ministro da guerra ndash o tratado da Triacuteplice Alianccedila e ldquoos
outros escolhidos entre os mais dedicados aderentes da poliacutetica progressista
presidente ou chefes da maioriardquo (ALENCAR 2009 p213) sob a forma de uma
grande conciliaccedilatildeo Zacarias entatildeo liderando o gabinete em 1864 que daacute o
ldquoultimatum de 4 de agostordquo (ALENCAR 2009 p218) iniciando - por assim dizer - os
trabalhos na guerra do Paraguai eacute justo estar ele ali para dar-se um fim a guerra
sugere Alencar conclui essa seacuterie de cartas a 06 de agosto afirmando que acredita
no fim da passividade do povo brasileiro e que se afastaraacute por algum tempo para
ver os resultados conseguidos pelo atual gabinete Mas natildeo muito tempo
Um aparte eacute necessaacuterio para o comentaacuterio a carta endereccedilada ldquoAo Redator do
Diaacuterio do Rio de Janeirordquo (ALENCAR 2009 p114-123) uacutenica datada de 12 de
janeiro de 1866 A resposta de Alencar a criacutetica sobre suas preferecircncias pelo
absolutismo Eacute uma carta breve na qual natildeo nos deteremos
Alencar ndash depois de um breve alento sempre educado ndash indica o teor da conversa
com seu sempre generoso adversaacuterio o redator do Diaacuteriordquo adversaacuterio pois no
momento se encontram em posiccedilotildees opostas e como os ponteiros de um reloacutegio
apontam suas ideias em direccedilotildees diferentes
Alencar escreve ao redator em resposta a uma criacutetica que recebe - enquanto
Erasmo - pelo conteuacutedo das cartas Acusado de fomentador do absolutismo vai a
puacuteblico em defesa proacutepria Indica com seu estilo caracteriacutestico ter sido viacutetima de
acusaccedilotildees como
Sou nada menos do que - ltlt o crocodilo feroz do despotismo disputando a admiraccedilatildeo dos poucos creacutedulos que ainda restam e os tecircnues almejos do magnacircnimo coraccedilatildeo do rei insonegtgt A reticecircncia natildeo eacute minha sim do indignado escritor que some-se por ela e logo apoacutes surge para mandar-me literalmente ao diabo sob a conduta de Erasmo (ALENCAR 2009 p 116)
Eacute a antiga histoacuteria do feiticcedilo contra o feiticeiro Alencar se expotildee publicamente mas
como jaacute pudemos perceber ateacute mesmo pela anaacutelise de sua curta biografia natildeo
admite criacuteticas a seu trabalho Manteacutem-se distante em uma posiccedilatildeo decididamente
superior aos outros (decidida por ele) mesmo em se tratando de seus iguais Tenta
ao longo da carta melhorar sua situaccedilatildeo admitindo que
Estes ecos da imprensa partidos de vaacuterios pontos e condensados aos surdos rumores que burburinham nos ciacuterculos da Corte satildeo indiacutecios de uma crise salutar Anunciam eles que a pena de Erasmo natildeo fez a autoacutepsia de um cadaacutever operou sobre corpo vivo e robusto onde satildeo prontas as reaccedilotildees (ALENCAR 2009 p116)
Admite que o absolutismo esteja presente mas vindo das elites no poder e em seus
mecanismos de comunicaccedilatildeo como a imprensa E talvez certa complacecircncia de D
Pedro II com a situaccedilatildeo quando afirma que
O absolutismo Quem natildeo o vecirc Natildeo convive ele conosco Onde a minoria subjuga a maioria aiacute estaacute a tirania seja de um seja de muitos Repimpado nas poltronas ministeriais espreguiccedilando-se nos sofaacutes da assembleia pedante nas reparticcedilotildees puacuteblicas risonho e sedutor na imprensa empertigado nos fardotildees mostra-se em toda a parte esse Proteu da nossa poliacutetica (ALENCAR 2009 p 118119)
Afirma que em resposta a acusaccedilatildeo releu o conteuacutedo de suas cartas e natildeo encontra
motivos ali para tal O que apenas admite eacute que
Quero a constituiccedilatildeo como foi escrita natildeo como a aleijaram Na constituiccedilatildeo aparecem bem distintos os trecircs princiacutepios cardeais da monarquia representativa a Coroa o povo e o elemento intermeacutedio ou misto que em falta de melhor termo chamo aristocraacutetico (ALENCAR 2009 p120)
Afirmando que de sua postura criacutetica visa os povos livres Infelizmente a criacutetica soacute
pocircde ser feita (ou admitida) de um dos lados De qualquer forma como jaacute viacutenhamos
demonstrando no decurso das cartas algumas similaridades do texto de Alencar
com as ideias de Hobbes podem fazer com que o Redator do Diaacuterio natildeo perca de
todo sua razatildeo Eacute visiacutevel mesmo para os contemporacircneos que Alencar toma o
partido de uma intervenccedilatildeo forte do Imperador em detrimento dos direitos e da
liberdade da maior parte da naccedilatildeo
333 AO MARQUEcircS DE OLINDA AO VISCONDE DE ITABORAHY (ALENCAR
2009 p223-254)
A carta endereccedilada ao Marquecircs de Olinda (ALENCAR 2009 p243-254) entatildeo
presidente do conselho e ministro dos negoacutecios do Impeacuterio inicia com a objetiva
epiacutegrafe ldquovou te interrogar e tu me instruiraacutesrdquo42 (ALENCAR 2009 p243) e se dirige
ao marquecircs com toda a reverecircncia que o romantismo da uacuteltima fase lhe permite
Olinda teve participaccedilatildeo no processo de independecircncia havia sido regente e
ministro Era uma figura respeitaacutevel no cenaacuterio poliacutetico brasileiro Formado em
Coimbra fazia parte de um grupo ao qual Alencar acreditava estar tempo demais no
42 Natildeo pudemos deixar de notar o erro indicado pelo revisor da epiacutegrafe Pois bem A epiacutegrafe
em latim refere ao livro de Joacute 33-3 como ldquoCinge como um valente os teus lombos vou te
interrogar e tu me instruiraacutesrdquo O revisor prontamente corrige a referecircncia que estaacute na verdade
em Joacute 38-3 Mas se entendermos a epiacutegrafe como mais uma das armadilhas de Alencar a
referecircncia dada por ele (incorreta no caso) mostra em Joacute 33-3 uma resposta ao versiacuteculo
anterior ou mesmo um indicativo para a continuidade da leitura da epiacutegrafe onde se vecirc ldquoAs
minhas razotildees sairatildeo da sinceridade do meu coraccedilatildeo e a pura ciecircncia dos meus laacutebiosrdquo Que eacute o
apregoado pelo missivista desde as primeiras cartas ao Imperador Ele como o arauto da
verdade Mas se quisermos acreditar no radicalismo e perversidade do Alencar seguiremos ateacute
Joacute 33-33 onde se lecirc ldquo escuta-me tu cala-te e ensinar-te-ei a sabedoriardquo Para Alencar filho de
um padre e extremamente conservador eacute possiacutevel entender o jogo de relaccedilotildees com os versiacuteculos
como um iacutendice para o iniacutecio de uma criacutetica ferrenha ao Marquecircs Eacute interessante lembrar sem
pretender se extender em tal ponto (que natildeo cabe aqui devido as limitaccedilotildees do trabalho) nas
observaccedilotildees de Chartier (1999) sobre o texto como forma literaacuteria e sua impressatildeo todo o
processo que acompanha o texto ateacute alcanccedilar o seu suporte as intervenccedilotildees de tipografia
graacutefica editores e mesmo erros que afetam o texto A recepccedilatildeo eacute sempre algo que deve ser
observado junto a uma criacutetica do texto e natildeo como um simples derivado deste
poder Compara seu trabalho com o de Vasconcelos Joseacute Clemente e Paranaacute
invoca Evaristo Feijoacute e Vergueiro tecendo uma trama de modelos ideais na qual
tentaraacute capturar Olinda Se apresenta ao Marquecircs afirmando que seu ldquoempenho
sincero tem sido reparar os estragos do tempordquo (ALENCAR 2009 p244) buscando
e indicando caminhos para a administraccedilatildeo puacuteblica como em uma espeacutecie de
jornalismo criacutetico e investigativo Compara o poliacutetico em sua astuacutecia a Luiz XVIII de
Franccedila novamente consolidando o modelo europeu como marco de uma civilizaccedilatildeo
ldquomais avanccediladardquo cultural e politicamente mas tambeacutem aludindo ao seu longo tempo
de permanecircncia nos grupos entatildeo no poder E esta permanecircncia Alencar sugere
que eacute devida a capacidade de adequaccedilatildeo que possui o Marquecircs acompanhando a
mareacute dos fatos e acomodando-os agraves suas necessidades - como em decisotildees
polecircmicas como na partida de D Pedro II para Uruguaiana ou sobre a deposiccedilatildeo do
gabinete O tato poliacutetico que teria o Marquecircs lhe permite sempre estar em
consonacircncia com a opiniatildeo puacuteblica pelo menos com a parte elogiosa da opiniatildeo
Com certo tom de gracejo Alencar brinca com a idade avanccedilada do Marquecircs e
sugere que ele escreva uma biografia Biografia que estaria rica de assuntos e
informaccedilotildees poliacuteticas jaacute que ndash falando com uma ponta de sarcasmo conservador
sobre a mobilidade partidaacuteria no periacuteodo ndash o Marquecircs ldquohavendo pertencido a todos
os partidos modernos e antigos a datar da constituinte vossa autobiografia deve ser
um tesouro inexauriacutevel de liccedilatildeo e conselhordquo (ALENCAR 2009 p247) E qualquer
poliacutetico continua encontraraacute ldquonesse novo evangelho poliacutetico um tema um exemplo
uma epiacutegrafe para adornar sua doutrinardquo (ALENCAR 2009 p248) Mas Olinda
apesar da idade continua firme no poder aparentemente natildeo querendo abrir matildeo
disto como muito bem nos sugere Alencar ldquopara voacutes poreacutem natildeo chegou ainda o
tempo das memoacuterias estais com as matildeos na obrardquo (ALENCAR 2009 p248) em
todas as obras em que consegue esgueirar suas matildeos era o que queria dizer
Mesmo quando os resultados natildeo lhe satildeo promissores como em 1851 com o
episoacutedio do Prata
Em 1857 alude o partido conservador comeccedila a perder forccedila apesar da presenccedila
de lideranccedilas importantes que poderiam seguir com uma administraccedilatildeo competente
Tendo homens como o dissera ldquode talhe para a empresa uns pela ilustraccedilatildeo
outros pela popularidade Itaboraiacute Uruguai Euseacutebio Caxias Pimenta Buenordquo
(ALENCAR 2009 p249) natildeo consegue encontrar um norte com algum destes e ao
clongo de alguns anos o partido perde sua forccedila de combate
Olinda foi presidente do conselho de ministros e ministro em diversas pastas e
diferentes gabinetes Seu nome nos conta enche o livro do Segundo reinado ldquorara
eacute a paacutegina em que natildeo figure ele no alto Estreastes regente era natural que
acabaacutesseis vice-rei43rdquo (ALENCAR 2009 p249) Mas o paiacutes sofre por demais neste
momento e o Marquecircs eacute o signo (senatildeo o culpado) dessa administraccedilatildeo
equivocada incompetente oriunda de uma oligarquia irresponsaacutevel que lanccedila o paiacutes
na ldquocorrupccedilatildeo infrene o descreacutedito puacuteblico a ruiacutena das financcedilas o aniquilamento da
induacutestria e finalmente a guerra ladeada a uma pela vergonha e pela miseacuteriardquo
(ALENCAR 2009 p250) A paacutetria exige um esclarecimento que Olinda ponha a
matildeo na consciecircncia e admita ndash na impossibilidade de corrigi-los ndash seus erros a
quem lhe creditou agrave administraccedilatildeo O paiacutes sofre e Olinda dorme ldquoagrave sesta e consente
que os convivas de teu banquete tripudiem sobre meu corpo exacircnimerdquo (ALENCAR
2009 p252) Natildeo a paacutetria exige sua salvaccedilatildeo E o instrumento para tanto eacute ldquoo
mesmo que serviu em 1837 aiacute jaz atirado ao poacute e desdenhado Eacute o grande Partido
Conservador numeroso ateacute na imobilidade forte ainda no abandonordquo (ALENCAR
2009 p252) Olinda deve indicar ao monarca um novo gabinete constituiacutedo pelo
partido conservador Alencar acena para a permanecircncia de grupos no poder mesmo
com a mudanccedila de gabinetes e vertentes poliacuteticas onde lideranccedilas transitam pelos
dois lados - conservador e liberal ndash e adaptam suas ideias as correntes de
pensamento vigentes em cada momento
Na sequencia das cartas (ALENCAR 2009 p223-239) outro destinataacuterio ilustre tem
a sua vez O Visconde de Itaborahy - carta de Erasmo sobre a crise financeira
Homem probo poliacutetica e civilmente ldquoum dos poucos contra quem natildeo se atreveu
ainda a maledicecircnciardquo (ALENCAR 2009 p223) Esse fiel monarquista esteve por
um breve periacuteodo distante da militacircncia na reorganizaccedilatildeo de partidos e gabinetes
quando do periacuteodo da liga para retornar logo em seguida fortalecido pelos
descaminhos da administraccedilatildeo em uma defesa da instituiccedilatildeo imperial e dos
43 O uacuteltimo vice-rei do Brasil foi o Conde dos Arcos em 1808 O tiacutetulo impotildee certo respeito mas eacute
evidente que Alencar o toma em um tom jocoso
destinos do paiacutes em discursos inflamados no Senado junto agrave outros conservadores
Itaborahy comeccedila a carreira poliacutetica no partido liberal e tambeacutem como jornalista
Assume o ministeacuterio da marinha e em 1837 se transfere para o partido conservador
Foi deputado geral e presidente do Banco do Brasil causa pela qual a segundo
Alencar assustadora perspectiva econocircmica do paiacutes leva o missivista - cheio de
elogios - agrave pessoa do Visconde pedir conselhos a este sobre os rumos que a
administraccedilatildeo puacuteblica deveria seguir admitindo natildeo ter a necessaacuteria ciecircncia para o
assunto nem sequer pretende ldquoao tiacutetulo de disciacutepulo da escola que vos reconhece
por mestrerdquo (ALENCAR 2009 p225) mas se propotildee a analisar o momento de crise
iniciando pelos problemas com o creacutedito As duas espeacutecies de creacutedito indicadas
pelo analista satildeo o mercantil e o predial Os dois estatildeo como que envolvidos um no
outro como uma sustentaccedilatildeo de garantia muacutetua a que os bancos se remetem no
sistema implantado no Brasil E as transaccedilotildees financeiras ldquose prendem por
filamentos mais ou menos longos e tortuosos agrave lavourardquo (ALENCAR 2009 p227)
base da economia no momento O investimento hipotecaacuterio afugenta os capitais
particulares visto que o comeacutercio e a induacutestria inspiram maior confianccedila
considerados seguros e lucrativos por uma maioria Com a deficiecircncia do credito
predial atrelado a lavoura o comeacutercio vai a seu auxiacutelio na tentativa de achar certo
equiliacutebrio que natildeo acontece devido as diferenccedilas proacuteprias de cada modalidade44
O problema de conseguir creacutedito para as lavouras comenta eacute comum em vaacuterios
paiacuteses do mundo e natildeo seria diferente no Brasil mas a soluccedilatildeo para nosso paiacutes
determinada pelo governo associado ao Banco do Brasil eacute a de extravasar os limites
da emissatildeo bancaacuteria o que acarreta financiamentos impossiacuteveis de serem tolerados
pela grande maioria dos que dele necessitam A recente implantaccedilatildeo do sistema de
creacutedito cede lugar a problemas de imperiacutecia financeira e junto a isso certos abusos
praticados por integrantes da associaccedilatildeo comercial constroem com a imobilizaccedilatildeo
de grande soma de capitais um caminho para a derrocada do sistema Ao mesmo
tempo a lavoura tambeacutem atravessa uma crise com a escassez de matildeo de obra e a
introduccedilatildeo de teacutecnicas dispendiosas acrescidas da carestia de gecircneros e das
44 Alencar usa de seu conhecimento como advogado especializado em direito administrativo e
comercial para equilibrar a narrativa com os argumentos da economia e administraccedilatildeo puacuteblicas
uacuteltimas maacutes colheitas Tambeacutem o fato de estarmos em periacuteodo de guerra acarretou
dois fenocircmenos preocupantes o ldquoescoamento dos depoacutesitos bancaacuterios para o
tesouro [e tambeacutem a ] monetizaccedilatildeo do papel bancaacuterio como um meio sub-reptiacutecio
de fornecer recursos ao governordquo (ALENCAR 2009 p230) criando o que chamou
de uma moeda simboacutelica natildeo tendo reservas que os garantam
Anunciado esse quadro desolador (aqui simplificado) Alencar questiona o Visconde
sobre qual seria o remeacutedio visto que a crise se alastrara por todo o sistema
financeiro Alencar responde afirmando ser necessaacuteria a separaccedilatildeo do creacutedito
agriacutecola do mercantil chegando a sugerir agrave fundaccedilatildeo de um banco agriacutecola
brasileiro que aliviaria o Banco do Brasil de garantir suporte a avultada diacutevida
agriacutecola a impontualidade do agricultor no pagamento de suas diacutevidas resultado da
imprevisibilidade do sistema de colheitas e a constante oscilaccedilatildeo no valor da
propriedade rural A proposta de Alencar indica a emissatildeo pelo governo de apoacutelices
para o banco agriacutecola transformando o agricultor ndash ou seu qualquer portador ndash em
acionista Algo como uma auto gerecircncia do sistema em que uma hipoteca de terras
garantiria o saldo devedor Proposta avanccedilada para a eacutepoca aqui mais uma vez
podemos observar a distorccedilatildeo que se deu no Brasil para as propostas de
implantaccedilatildeo de uma poliacutetica liberal tendo o Estado que se tornar distante das
soluccedilotildees econocircmicas mas ao mesmo tempo garantindo um lucro faacutecil para uma
aristocracia Eacute o que vecirc aqui onde a grande propriedade foi formada pelo sistema
de distribuiccedilatildeo de sesmarias e seus proprietaacuterios como os da antiga colocircnia soacute
querem explorar sem ter que arcar com quaisquer diacutevidas ou prejuiacutezos Mas Alencar
condena-os afirmando que ldquoa lavoura natildeo pode esquivar-se a garantir o Estado
quando este contrai grandes compromissos para auxiliaacute-lardquo (ALENCAR 2009
p235) Os tempos satildeo outros mas seraacute que satildeo de verdade O governo durante a
mudanccedila proposta tambeacutem deve arcar com o prejuiacutezo dos tiacutetulos sem valor que
emitiu sendo alguns de empreacutestimos que ele mesmo cedeu No fim o prejuiacutezo eacute
sempre grande Alencar sustenta uma regulaccedilatildeo do mercado provavelmente
influenciado pelas ideias de Adam Smith em que o mercado consegue trabalhar
melhor sem uma interferecircncia direta do Estado (KENNY 1998) Smith entatildeo muito
em voga nos meios acadecircmicos mas para Alencar manter a criacutetica lhe falta alguma
experiecircncia como financista para o tratamento de assuntos tatildeo especiacuteficos o que
pode ter sido interpretado como arrogacircncia de jornalista Da carta fica a opccedilatildeo por
uma estrutura administrativa baseada nas ideias liberais de fomento a livre
empresa creacutedito bancaacuterio em uma tentativa de diminuir a intervenccedilatildeo contiacutenua do
Estado na economia segunde ele ateacute entatildeo necessaacuteria O que fica para a histoacuteria
poliacutetica eacute a questatildeo com a pressatildeo para ao fim efetivo do traacutefico de escravos e a
implementaccedilatildeo da matildeo de obra assalariada ndash qualquer que fosse esta imigrante ou
natildeo europeia ou natildeo ndash em todo o paiacutes quem arcaraacute com o custo final disso tudo o
Estado ou as elites entatildeo no poder
334 NOVAS CARTAS AO IMPERADOR (ALENCAR 2009 p257-389)
A uacuteltima seacuterie de cartas datadas de junho de 1867 e endereccediladas novamente ao
Imperador tem uma intenccedilatildeo bem menos louvaacutevel ndash em um comentaacuterio de Tacircmis
Parron (2008) - que eacute a defesa da escravidatildeo negra no Brasil aleacutem de retomar
temas como a guerra e a poliacutetica no paiacutes O exame do texto nos auxiliaraacute nas
afirmaccedilotildees Eacute bem verdade que na fala do trono de 1867 (cerimocircnia que abre os
trabalhos no parlamento) D Pedro II teria mostrado disposiccedilatildeo em resolver o
problema do elemento servil problema que se arrasta na necessidade de uma
soluccedilatildeo jaacute com seu pai assegurando o fim do traacutefico como uma das condiccedilotildees para
o apoio da Inglaterra a independecircncia do Brasil O imperador tambeacutem se sentindo
pressionado por uma elite intelectual europeia que via na escravidatildeo (neste
momento depois da guerra de secessatildeo talvez natildeo antes) um insulto ao modelo
de civilidade que pretendia o Brasil como uma naccedilatildeo moderna alguns destes
intelectuais e artistas satildeo muito caros agrave D Pedro II como no caso de Victor Hugo A
proposta seria resolver gradativamente sem ferir os interesses daqueles que ainda
atrelados agraves culturas de exportaccedilatildeo necessitavam de braccedilos para o trabalho
atentos a condiccedilatildeo de que a imigraccedilatildeo europeia ainda natildeo era um fato substancial
Bosi comenta que
Algumas atitudes poliacuteticas de D Pedro II pareciam indicar que embora hesitantemente ele passou do polo nacional-conservador para o polo nacional-reformista guiado pelo religioso respeito que lhe inspiravam as culturas inglesa e francesa (BOSI 2003 p 239)
Resta saber em que ponto da estrada D Pedro II teria pegado o bonde reformista e
ateacute onde este poderia levar-lhe O decliacutenio da monarquia o que sugerem alguns
comentadores como Boris Fausto (2001) e Faoro (2004) jaacute estaacute batendo nos
portotildees de Satildeo Cristoacutevatildeo Alencar como bom conservador que eacute defende os
interesses ndash mesmo que natildeo textualmente ndash da oligarquia agriacutecola escravista que
sustentava o paiacutes (leia-se o impeacuterio) com sua produccedilatildeo para exportaccedilatildeo Alencar
antevecirc em seu texto as mudanccedilas sugeridas pelos novos tempos em que o ldquonovo
liberalismordquo ndash termo de Joaquim Nabuco com quem Alencar travaria discussotildees
inflamadas - vai tomando conta do parlamento e a proposta de renovaccedilatildeo da matildeo
de obra por colonos europeus jaacute estava em debate apesar de ainda natildeo termos as
campanhas abolicionistas Mas em sua opiniatildeo tais mudanccedilas ndash que aconteceriam
inevitavelmente - precisam ser combatidas no momento visto que uma mudanccedila
draacutestica poderia trazer prejuiacutezos para as colheitas devido agrave falta de trabalhadores Eacute
o ideal conservador que deve ser salvo A proposta das cartas enquanto veiacuteculo de
divulgaccedilatildeo ideoloacutegico eacute esta chegar o mais longe possiacutevel e alcanccedilar a quantos
pudessem com as ideias conservadoras
Eacute pontual que coloquemos ndash diga-se assim - uma questatildeo ante a defesa do trabalho
escravo por Alencar e tambeacutem uma resposta agrave interferecircncia direta da coroa no
assunto jaacute que estariacuteamos sob a vigecircncia de uma monarquia constitucional
parlamentarista A posiccedilatildeo de Alencar eacute criticada no periacuteodo como ideia jaacute superada
Tavares Bastos eacute um exemplo jaacute aludia agraves melhorias na produccedilatildeo advindas do
trabalho assalariado que tatildeo bem estava no periacuteodo se adaptando e trazendo
frutos principalmente no Nordeste com peculiar atenccedilatildeo ao Cearaacute a terra do
Deputado Alencar (BOSI 2003) Eacute um sinal de que o missivista estava mais
preocupado com a corte do que com suas bases ou desconhecia deliberadamente
esses dados
A escravidatildeo eacute um ponto complexo visto que a instituiccedilatildeo desde a colocircnia permeia
praticamente todas as outras instituiccedilotildees De maneira geral observamos que
(hellip) toda pessoa com algum recurso possuiacutea um ou mais escravos O Estado os funcionaacuterios puacuteblicos as ordens religiosas os padres todos eram proprietaacuterios de escravos Era tatildeo grande a forccedila da escravidatildeo que os proacuteprios libertos uma vez livres adquiriam escravos A escravidatildeo penetrava em todas as classes em todos os lugares em todos os desvatildeos
da sociedade a sociedade colonial era escravista de alto a baixo (CARVALHO 2002 p20)
Alencar tem uma posiccedilatildeo particular sobre a escravidatildeo Quer acabar com ela mas
de forma lenta e segura sem arroubos libertaacuterios que pudessem trazer prejuiacutezos ao
Brasil Parece em alguns momentos um produtor rural paulista preocupado com
seu lucro em outros um tecnocrata arrecadador de impostos Nas novas cartas
poliacuteticas Alencar jaacute natildeo se apresenta - podemos dizer assim - ao Imperador Ele de
certa forma jaacute teria conquistado o seu ouvinte e tomado sua atenccedilatildeo Sua opiniatildeo jaacute
consegue certo respeito dos leitores enxergando-o natildeo apenas como um artista um
escritor de romances (como fazia o Cotegipe) mas como um poliacutetico combativo com
capacidade de influenciar um grupo importante atraveacutes da imprensa Eacute aqui que
podemos observar de maneira mais integrada as propostas liberais sendo
mescladas ao conservadorismo na defesa da escravidatildeo
Alencar nesse novo conjunto de cartas pocircde usar em suas criacuteticas de uma
ldquolinguagem [que] seraacute minimamente severardquo (ALENCAR 2009 p259) e que ele
mesmo admite ser talvez improacutepria para um suacutedito que se dirige ao soberano
A primeira das cartas trata da ameaccedila de abdicaccedilatildeo de D Pedro II O episoacutedio se daacute
devido agrave proposta de uma negociaccedilatildeo de paz com Lopes considerada interessante
ateacute por Caxias dando fim a longa guerra O imperador discorda Uma crise que
abala ldquonatildeo jaacute a cidade mas o impeacuteriordquo O texto de Alencar eacute brilhante
Seraacute real que vossos laacutebios selados sempre pela reserva e prudecircncia se abriram para soltar a palavra fatal Eacute possiacutevel que suacutebita alucinaccedilatildeo desvaire a tal ponto um espiacuterito soacutelido e reto Natildeo creio natildeo posso natildeo devo crer Recebendo a nova incriacutevel a populaccedilatildeo ficou atocircnita (ALENCAR 2011 p257-258)
A expressatildeo ldquopalavra fatalrdquo natildeo determina se o missivista estaacute falando da proposta
da abdicaccedilatildeo ou de seu posicionamento contra uma negociaccedilatildeo de paz com Solano
Lopes E continua com ldquo() a populaccedilatildeo ficou atocircnita () O espanto lhe embarga a
falardquo (ALENCAR 2009 p258) Somente quando vem aludir posteriormente a D
Pedro I que cita a palavra abdicaccedilatildeo
Rara vez e soacute em circunstacircncias muito especiais pode a abdicaccedilatildeo tornar-se um ato de civismo admiraacutevel D Pedro I vosso augusto pai logrou um lance destes que o consagrou heroacutei da paz e da liberdade Sua missatildeo estava concluiacuteda havia fundado a monarquia brasileira e criado um povo (ALENCAR 2009 p258)
Apesar do elogio D Pedro I eacute portuguecircs e figura inaceitaacutevel com suas ideias
absolutistas na naccedilatildeo que surge E o povo que D Pedro I cria eacute uma aristocracia
local que tenta desvincular-se de Portugal
D Pedro I era ldquoum obstaacuteculo uma anomalia A mais veemente das paixotildees
populares o patriotismo sublevou-se contra o princiacutepio estrangeiro encarnado na
sua pessoa O Sr Pedro II eacute americano [sic] como seu povordquo (ALENCAR 2009
p259) e a abdicaccedilatildeo seria um crime de lesa naccedilatildeo Seriam os rumos incertos da
guerra pergunta o missivista motivo para uma abdicaccedilatildeo Alencar acusa
duramente o Imperador de ser o responsaacutevel pela ldquotemeridade com que nos
precipitamos sem refletir em uma situaccedilatildeo irremissiacutevel dilema cruel entre a ruiacutena e a
vergonhardquo (ALENCAR 2009 p260) A guerra tem nele seu responsaacutevel Tu ldquofostes
o princiacutepio e sois a alma da guerra Vosso pensamento a inspirou vossa convicccedilatildeo
a alimentardquo (ALENCAR 2009 p260) em busca de uma vitoacuteria que significaria
Humaitaacute arrasado Lopes deposto e o franqueamento da navegaccedilatildeo ribeirinha mas
apesar de compreensiacuteveis as razotildees e do patriotismo brasileiro que ndash segundo ele ndash
tende a apoiar a guerra ldquonenhum homem tem o direito de arrastar sua matildee paacutetria agrave
ruiacutena para vatilde satisfaccedilatildeo de seus brios revoltadosrdquo (ALENCAR 2009 p261)
Alencar argumenta (lembrando-o) que o imperador natildeo pode agir como uma pessoa
comum que ele natildeo tem o direito do simples cidadatildeo que eacute o de ter uma opiniatildeo
que natildeo considere a naccedilatildeo em primeiro lugar A soberania soacute existe porque eacute dada
ao Imperador e seus atos satildeo justificados pelo cidadatildeo E esse contrato impede
mesmo que haja qualquer ideia de renuncia pois os atos do imperador satildeo os atos
de todos os cidadatildeos A honra do Imperador segundo ele eacute a honra da naccedilatildeo e a
partir do modelo de monarquia constitucional entatildeo vigente enquanto defensor
perpeacutetuo da naccedilatildeo
quando o povo entenda que chegou o momento de acabar a guerra e exprima seu voto pelos meios constitucionais haveis de pensar do mesmo modo senatildeo como homem infalivelmente como soberano Em voacutes estaacute encarnado e vivo o grande eu nacional (ALENCAR 2009 p263)
Alencar repreende o Imperador severamente determinando que ldquoqualquer que seja
o desfecho da guerra [ele natildeo teria] o direito de separar vossa dignidade da causa
nacionalrdquo (ALENCAR 2009 p264) Vecirc-se nas palavras de Alencar a defesa natildeo do
imperador nem mesmo da monarquia mas do principio constitucionalista liberal Jaacute
aqui se percebe uma criacutetica ao que Alencar indicava como omissatildeo mas era de
certa forma um caminhar que D Pedro II mantinha nos tracircmites da legalidade que a
proacutepria constituiccedilatildeo lhe impunha sabia onde colocar seus peacutes E apesar das criacuteticas
Alencar sabia que os atos do imperador natildeo pedem contestaccedilatildeo visto que a
representaccedilatildeo deste eacute coletiva e todas as verdades se alinham em seu nome (em
nome da soberania) D Pedro II sabia o que poderia fazer e ateacute aonde confrontar a
burocracia que a casa de Braganccedila lhe tinha deixado por heranccedila Em outros
tempos mesmo sem buscar referecircncias anteriores a D Pedro I o texto de Alencar jaacute
estaria sujeito ao silecircncio
Uma das constantes reclamaccedilotildees de Alencar eacute a da falta de notiacutecias da guerra no
sentido de previsotildees reais sobre o andamento dos trabalhos sobre a movimentaccedilatildeo
das tropas sobre enfim quando iraacute terminar o supliacutecio Segundo ele haacute por parte
do governo um velamento da realidade no campo para o puacuteblico existe uma
censura ndash senatildeo oficializada mas efetiva ndash sobre os reais rumos da guerra dada em
funccedilatildeo da relaccedilatildeo que os jornais tecircm com o gabinete ministerial E a falta de atenccedilatildeo
para tais assuntos junto a posiccedilatildeo equivocada frente agrave guerra estatildeo aiacute por culpa
de D Pedro II
Termina essa carta anunciando o erro do Imperador na fala de ldquoabdicaccedilatildeo quando a
senha do dia para todos os brasileiros e para voacutes primeiro que todos eacute dedicaccedilatildeordquo
(ALENCAR 2009 p274) O sarcasmo de Alencar brinca com os brios de D Pedro
II com seu orgulho de intelectual ndash tiacutetulo o qual preferia algumas vezes ao de
Imperador (SCHWARCZ 1999) ndash indicando que a imprensa do mundo inteiro o
proclama ldquoum saacutebiordquo e cita o artigo publicado nos jornais em que ldquoo presidente dos
Estados Unidos aludindo agrave franquia do Amazonas vos considerou entre os
primeiros estadistas do mundordquo (ALENCAR 2009 p277) o que provavelmente natildeo
aconteceria se este tomasse medidas protecionistas no paiacutes o que jaacute funcionavam
como uma poliacutetica de Estado desde os fins da guerra de Secessatildeo nos Estados
Unidos mas era duramente criticado por este para toda a Ameacuterica Latina eacute possiacutevel
que seja isto que Alencar quer dizer quando escreve logo a seguir que terminado
estaacute ldquoo tempo em que os povos eram instrumento na matildeo dos reis que os
empregavam para obter a satisfaccedilatildeo de suas paixotildees e a conquista de um renome
vatildeordquo porque aqui ldquorasga-se o manto auriverde da nacionalidade brasileira para
cobrir com os retalhos a cobiccedila do estrangeiro [Natildeo existe] para voacutes senhor outra
fama liacutecita e pura senatildeo aquela poacutestuma que eacute a verdadeira gloacuteriardquo (ALENCAR
2009 p278) e que dispor das reservas econocircmicas tanto quanto das pessoas de
forma displicente e buscando uma valorizaccedilatildeo pessoal eacute sinal de um despotismo
que jaacute natildeo cabe mais aqui Eacute o Alencar liberal que fala
A partir daqui Alencar passa depois de construir a narrativa em um tom duro de pai
que repreende o filho teimoso a falar da questatildeo da emancipaccedilatildeo mais diretamente
D Pedro II coloca a discussatildeo na pauta pela fala do trono e os progressistas ndash
chamados vacircndalos no texto de Alencar ndash a aceitam como uma plataforma Alencar
toma a proposta de emancipaccedilatildeo do escravo pelo menos para o momento como
um erro do Imperador Segue a referecircncia
Libertando uma centena de escravos cujos serviccedilos a naccedilatildeo vos concedera distinguindo com um mimo especial o superior de uma ordem religiosa que emancipou o ventre estimulando as alforrias por meio de mercecircs honoriacuteficas respondendo agraves aspiraccedilotildees beneficentes de uma sociedade abolicionista de Europa e finalmente reclamando na fala do trono o concurso do poder legislativo para essa delicada reforma social sem duacutevida julgais ter adquirido os foros de um rei filantropo (ALENCAR 2009 p280)
Alencar acreditava que o momento com a economia debilitada por conta da guerra
e tambeacutem por conta desta a falta de braccedilos para a constituiccedilatildeo de um sistema de
matildeo de obra diferenciado e sem o apoio ainda da prometida imigraccedilatildeo (apesar das
muitas propostas tanto de europeus como de asiaacuteticos nenhum projeto de vulto
havia sido executado) o paiacutes essencialmente agraacuterio se precipitaria no caus Os
argumentos de Alencar apesar de bem trabalhados sugerem mais suas ligaccedilotildees (e
preocupaccedilotildees) com a aristocracia rural do que propriamente com o povo afirmando
seu ideal de manutenccedilatildeo dos privileacutegios das elites em detrimento de medidas mais
imediatas Alega que a escravidatildeo eacute um fato social tendo como exemplo ldquoo
despotismo e a aristocracia como jaacute foram a coempccedilatildeo da mulher a propriedade do
pai sobre os filhos e tantas outras instituiccedilotildees antigas45rdquo (ALENCAR 2009 p282)
Argumentos que Alencar potildee no passado mas que reconhece presentes quando
trata deles em suas obras Eacute o direito a escravidatildeo como uma instituiccedilatildeo legal que
segue em sua argumentaccedilatildeo lembra que satildeo as naccedilotildees em suas leis que justificam
a escravidatildeo Que sob a lei haacute a justificativa e que ningueacutem pode ser obrigado a
fazer ou deixar de fazer algo a menos que isso esteja expresso na lei
Alencar lembra que a ldquoescravidatildeo caduca mas ainda natildeo morreu ainda se prendem
a ela graves interesses de um povo Eacute quanto basta para merecer o respeitordquo
(ALENCAR 2009 p283) O respeito que se daacute sustenta enquanto instituiccedilatildeo E
satildeo os progressistas com o apoio formal do imperador que tratam de desqualificar
a instituiccedilatildeo lanccedilando ldquoo odioso sobre as instituiccedilotildees vigentes qualificando seus
defensores de espiacuteritos mesquinhos e retroacutegradosrdquo (ALENCAR 2009 p283) Isto
em mateacuteria de reforma natildeo tem propriamente um fim eleitoreiro ndash ainda natildeo seria o
caso - mas tentando fortalecer outros grupos aos quais as ideias abolicionistas
vinham a calhar como os financistas e banqueiros que esperavam por um
liberalismo mais econocircmico e burguecircs que poliacutetico e aristocraacutetico Alencar se
protege como bom advogado enquanto defende a escravidatildeo sobre o vieacutes da lei
Para ele ldquoa escravidatildeo se apresenta hoje ao nosso espiacuterito sob um aspecto
repugnante Esse fato do domiacutenio do homem sobre o homem revolta a dignidade da
criatura racional Sente-se ela rebaixada com a humilhaccedilatildeo de seu semelhanterdquo
(ALENCAR 2009 p284) mas sua opiniatildeo natildeo pode prevalecer O missivista busca
o que seria a melhor alternativa para a economia do paiacutes jaacute prontamente
argumentada na carta ao Visconde de Itaborahy A instituiccedilatildeo da escravidatildeo eacute legal
e justa ldquoquando realiza um melhoramento na sociedade e apresenta uma nova
situaccedilatildeo embora imperfeita da humanidade () Neste caso estaacute a escravidatildeo ()
45 Jaacute eacute um comentaacuterio de Aristoacuteteles na poliacutetica
um instrumento da civilizaccedilatildeo como foi a conquista o municiacutepio a glebardquo
(ALENCAR 2009 p284) Eacute uma das fazes do desenvolvimento pelo qual passaram
diversas naccedilotildees
Sempre apelando para a histoacuteria europeia Alencar apresenta a escravidatildeo como ldquoo
primeiro impulso do homem para a vida coletiva o elo primitivo da comunhatildeo entre
os povosrdquo (ALENCAR 2009 p285) Ao menos admite adiante que possam parecer
estranhas tais proposiccedilotildees mas sempre sustentado pelo estudo de textos
canocircnicos46 (cita o Gecircnesis de Moiseacutes quando da admissatildeo da escravidatildeo pela
Biacuteblia) segue o argumento admitindo que por exemplo a escravidatildeo pela guerra
com a conquista dos povos haveria um constante holocausto infligido as sociedades
derrotadas Na Ameacuterica resultaria no extermiacutenio das populaccedilotildees indiacutegenas Mas
isso que aconteceu de qualquer forma um argumento injustificado
Alencar eacute um dos defensores da ideia de que a ldquoraccedila negrardquo eacute a que melhor se
adapta ao trabalho agriacutecola (apesar de afirmar que o colono portuguecircs aguenta
firmemente o trabalho dos troacutepicos) Sendo esta mais disponiacutevel e apta e ndash segundo
ele ndash baacuterbara e necessitando de um processo civilizatoacuterio que o tirasse da
selvageria aproveitando sua energia vital ldquopara lutar com uma natureza giganterdquo
(ALENCAR 2009 p289) Natildeo fosse a escravidatildeo ndash toma isso como um acaso
valoroso - a Ameacuterica ldquoseria hoje um vasto desertordquo (ALENCAR 2009 p289)
Alencar nos lembra do fato de que a moderna escravidatildeo ressurgida na peniacutensula
ibeacuterica - com o haacutebito de presentear o Rei com escravos negros - natildeo se estabelece
na Europa mas mesmo os ingleses franceses e holandeses portanto natildeo soacute os
portugueses e espanhoacuteis servem-se dela na colocircnia Adam Smith admitia a
escravidatildeo nas colocircnias inglesas ((WEFFORT 2001) Como se explica pergunta
ele ldquoessa anomalia de povos repelindo na metroacutepole uma instituiccedilatildeo que adotam e
protegem no regime colonialrdquo (ALENCAR 2009 p290) Tal pressatildeo internacional
a que comeccedila a ceder o Imperador eacute comum nesse periacuteodo e seraacute assim ateacute hoje
Carvalho (2007) estudando as atas do conselho de Estado do Impeacuterio comenta que
46
A igreja possuiacutea escravos negros e ara um grupo que natildeo se pronunciava ateacute entatildeo a favor da aboliccedilatildeo
apesar do modelo poliacutetico para o Brasil - de Inglaterra e Franccedila ndash serem uma
unanimidade entre os conselheiros chegando estes a citar de memoacuteria frases e
anedotas dos poliacuteticos mais conhecidos como o faz tambeacutem o Alencar o bom senso
prevalecia sobre o modelo e as accedilotildees poliacuteticas tomadas (sugeridas e votadas) ali
tinham uma real preocupaccedilatildeo com a realidade do paiacutes Mas o que observamos na
criacutetica de Alencar eacute que a realidade do paiacutes passava pelos interesses desses
mesmos grupos representados pelo conselho
A questatildeo a que se chega eacute a escravidatildeo jaacute teria cumprido seu papel no Brasil
Segundo Alencar natildeo E ele o afirma ldquocom a consciecircncia do homem justo que
venera a liberdade com a caridade do cristatildeo que ama seu semelhante e sofre na
pessoa delerdquo (ALENCAR 2009 p293) Para o bem de todos afirma ele ateacute mesmo
dos escravizados ainda natildeo eacute o tempo para a aboliccedilatildeo Mas os ldquotodosrdquo aqui
assinalados tecircm uma clara linha que distingue o escravizado do escravizador
Alencar natildeo chega a defender nem mesmo uma proximidade entre eles Usando o
discurso da etnia afirma que ldquoningueacutem desconhece todavia quanto eacute lenta essa
coesatildeo ou amaacutelgama de raccedilas Demanda seacuteculos e seacuteculos semelhante operaccedilatildeo
etnograacutefica e traz graves abalos agrave sociedaderdquo (ALENCAR 2009 p295) Mas ao
mesmo tempo com uma imigraccedilatildeo europeia e a amalgama o problema tambeacutem se
resolveria pois
Em trecircs e meio seacuteculos o amaacutelgama das raccedilas se havia de operar em larga proporccedilatildeo fazendo preponderar a cor branca Trecircs ou quatro geraccedilotildees bastam agraves vezes no Brasil para uma transformaccedilatildeo completa (ALENCAR 2009 p292)
O contato que Alencar defende eacute tatildeo somente social como forma civilizatoacuteria ldquoA
raccedila africana tem apenas trecircs seacuteculos e meio de cativeiro Qual foi a raccedila europeia
que fez nesse prazo curto a sua educaccedilatildeordquo (ALENCAR 2009 p310) A raccedila
branca diz ele ldquoembora reduzisse o africano agrave condiccedilatildeo de uma mercadoria
nobilitou-o natildeo soacute pelo contato como pela transfusatildeo do homem civilizadordquo47
(ALENCAR 2009 p296) Embranquecer seria um destino e uma meta a ser
cumprida para chegar-se enfim a uma futura civilizaccedilatildeo da Aacutefrica A soluccedilatildeo 47 Mesmo velado preconceito racial sempre houve no Brasil Nota-se em textos natildeo soacute de Alencar
mas de intelectuais como Silvio Romero e o proacuteprio Joaquim Nabuco (SKIDMORE 1989)
proposta eacute resolver a escravidatildeo pela absorccedilatildeo de uma raccedila por outra mas
aparentemente por outras as raccedilas e categorias sociais como o indiacutegena e o
imigrante pobre que chegaria em alguns anos Pois cada ldquomovimento coesivo das
forccedilas contraacuterias eacute um passo [a] mais para o nivelamento das castasrdquo (ALENCAR
2009 p296) ateacute o amalgama quando da geraccedilatildeo anterior findasse com a morte
mas sempre enquanto castas Sempre com uma marca social (in) visiacutevel que as
distinguisse
Chegado o termo fatal produzido o amaacutelgama a escravidatildeo cai decreacutepita e exacircnime de si mesma sem arranco nem convulsatildeo como o anciatildeo consumido pela longevidade que se despede da existecircncia adormecendo Mas antes do seu prazo quem fere mortalmente uma lei derrama sangue como se apunhalara um homem (ALENCAR 2009 p296)
Alencar usa como argumento que o escravo seria um inimigo se emancipado Os
povos que emanciparam seus escravos estavam em superioridade numeacuterica quanto
a estes e natildeo era o caso do Brasil Nos Estados Unidos do periacuteodo da guerra de
secessatildeo o norte tinha uma superioridade muito grande de homens livres sobre a
quantidade de escravos ao contraacuterio do sul o que os levaram a apoiar a
emancipaccedilatildeo Foi tambeacutem o caso da Inglaterra com suas colocircnias Libertar uma
quantidade tatildeo grande de escravos como haacute no Brasil de uma soacute vez pode criar
uma situaccedilatildeo de descontrole social alerta Alencar Comentando ainda sobre os
movimentos abolicionistas que vem se sucedendo na Ameacuterica Latina desde as
primeiras deacutecadas do seacuteculo XIX ndash o que aparentemente viria a reforccedilar a instituiccedilatildeo
nos paiacuteses que natildeo aderiram ao processo de emancipaccedilatildeo aleacutem de considerar que
a populaccedilatildeo escrava no Brasil consegue se reproduzir muito mais que em outros
paiacuteses O mais certo seria que a escravidatildeo natildeo se extinguisse ldquopor ato do poder e
sim pela caduquice moral pela revoluccedilatildeo lenta e soturna das ideiasrdquo (ALENCAR
2009 p306) E aparentemente sem muita pressa Mesmo porque haacute tambeacutem o
movimento contraacuterio do senhor de escravos que quer manter sua propriedade
O processo de emancipaccedilatildeo segundo ele jaacute se iniciou no Brasil a ponto de afirmar
que jaacute natildeo temos mais ldquoa verdadeira escravidatildeo poreacutem um simples usufruto da
liberdade ou talvez uma locaccedilatildeo de serviccedilos contratados implicitamente entre o
senhor e o Estado como tutor do incapazrdquo (ALENCAR 2009 p309) Cabe lembrar
que natildeo temos no periacuteodo um movimento abolicionista encapado pelos partidos ou
mesmo pela opiniatildeo puacuteblica Alencar lembra que quantidade de escravos eacute grande
demais para arriscar uma emancipaccedilatildeo por decreto
Trecircs seacuteculos durante a Aacutefrica despejou sobre a Ameacuterica a exuberacircncia de sua populaccedilatildeo vigorosa Calcula-se em cerca de quarenta milhotildees o algarismo dessa vasta importaccedilatildeo Nesse mesmo periacuteodo a Europa concorria para a povoaccedilatildeo do Novo Mundo com um deacutecimo apenas da raccedila negra (ALENCAR 2009 p292)
Alencar sugere que natildeo foi o Brasil do seacuteculo XIX que inicia o processo de
escravizaccedilatildeo nessas terras mas o Europeu o portuguecircs aacutevido de lucros com a
exploraccedilatildeo da colocircnia Exigir que se corrigisse um erro de uma hora para a outra eacute
uma sandice mesmo por que este (o europeu) espera ainda os produtos tropicais
com preccedilos baixos o que uma brusca mudanccedila no processo de produccedilatildeo natildeo
conseguiria manter o que acarretaria perdas tanto para os produtores como para os
mercados consumidores O escravo natildeo entrou na conta A passagem eacute
esclarecedora nesse sentido
O filantropo europeu entre a fumaccedila do bom tabaco de Havana e da taccedila do excelente cafeacute do Brasil se enleva em suas utopias humanitaacuterias e arroja contra estes paiacuteses uma aluviatildeo de injuacuterias pelo ato de manterem o trabalho servil Mas por que natildeo repele o moralista com asco estes frutos do braccedilo africano Em sua teoria a bebida aromaacutetica a especiaria o accediluacutecar e o delicioso tabaco satildeo o sangue e a medula do escravo Natildeo obstante ele os saboreia (ALENCAR 2009 p307)
Alencar explica que um necessaacuterio crescimento da populaccedilatildeo livre deve ser
incrementado para que a partir desta (sugere como a melhor forma a imigraccedilatildeo)
poderaacute haver a substituiccedilatildeo do trabalho escravo Nos Estados Unidos nos conta foi
assim Eacute a imigraccedilatildeo que colocaraacute uma nova ldquocorrdquo no paiacutes e lhe daraacute novo vigor E
coloca a culpa na Europa novamente por natildeo facilitar o envio de imigrantes para
nosso paiacutes Estes viriam de bom grado considerando mesmo ndash e ateacute como
argumento comparativo ndash a qualidade de vida aqui eacute bem melhor que laacute Na
verdade como afirma Prado (2001) os princiacutepios liberais erigiam a liberdade com
base em direitos do homem e natildeo pelo ponto de vista religioso Contestar a
escravidatildeo era tambeacutem contestar todo o antigo regime
A amaacutelgama de raccedilas proposta por Alencar tem por base o fluxo intenso de
imigrantes lusitanos para a Corte do Brasil a partir de 1850 com o fim do traacutefico de
escravos Por conta disso a populaccedilatildeo eacutetnica se altera mas o contingente
populacional se manteacutem praticamente o mesmo entre 1850 e 1872 ldquoa populaccedilatildeo
escrava diminui e a populaccedilatildeo lusitana quase dobrardquo (NOVAIS 1997 p30) Ainda
acompanhando este autor temos a indicaccedilatildeo de que ao fim da deacutecada de 1860
metade da populaccedilatildeo masculina da Corte era estrangeira vinda principalmente de
Portugal Alencar ainda coloca em um comparativo um operaacuterio europeu
trabalhando 12 15 18 horas soacute almeja a liberdade para tentar um outro caminho
que a cidade natildeo lhe oferece A ldquocondiccedilatildeo do nosso escravo comparada com a do
operaacuterio europeu eacute esmagadora para a civilizaccedilatildeo do Velho Mundo [essa liberdade]
eacute o meio um direito o fim eacute a felicidade48 e desta o escravo brasileiro tem um
quinhatildeo que natildeo eacute dado sonhar ao proletaacuterio europeurdquo (ALENCAR 2009p324)
O que se viu dando um breve espaccedilo ao tempo eacute que as criacuteticas de Alencar a
forma como o governo processa o problema da emancipaccedilatildeo (ou seria tambeacutem a
emancipaccedilatildeo a soluccedilatildeo do problema em outro ponto de vista) acabam encontrando
um espaccedilo vazio onde podiam criar raiacutezes visto que as promessas de aboliccedilatildeo no
fim da guerra de forma progressiva e por meio da estimulaccedilatildeo da emigraccedilatildeo ainda
estatildeo na forma como promessas no periacuteodo e a dificuldade de se encontrar uma
soluccedilatildeo (ateacute a aboliccedilatildeo completa claro) abrem precedentes para que o pensamento
de Alencar ndash se natildeo o mais eacutetico ndash acabe se apresentando como o mais coerente A
libertaccedilatildeo como o quer o governo sem um projeto que forneccedila condiccedilotildees de
inserccedilatildeo no novo projeto socioeconocircmico para o receacutem-libertado acabaraacute por
coloca-lo em situaccedilatildeo de miseacuteria caindo na mendicacircncia ou criminalidade A ideia
central de Alencar eacute que mesmo que haja aboliccedilatildeo geral e irrestrita se consiga
garantir que o escravo ldquose for libertado permaneceraacute em companhia do senhor e se
tornaraacute em criadordquo (ALENCAR 2009 p329) De qualquer forma para o senhor de
escravos na economia monocultora exportadora com um mercado flutuante
48 Natildeo eacute difiacutecil encontrar referecircncias aos textos do Utilitarismo de Jeremy Bentham em uma leitura
de Alencar
qualquer justificativa era boa contanto que a escravidatildeo natildeo terminasse naquele
momento nem em um futuro proacuteximo Nesse sentindo o argumento que Ilmar Mattos
(1987) defende eacute de que a relaccedilatildeo do Estado com os interesses da classe
ldquosenhorialrdquo faz com que a coroa assuma o papel de Partido ( nos termos de Gramsci)
natildeo se reduzindo assim agrave figura do Imperador que mesmo acuado pela criacutetica de
Alencar sabe que ele (e mesmo o missivista) satildeo peccedilas de uma organizaccedilatildeo mais
complexa dentro da sociedade Mas a coroa deve resolver tambeacutem os problemas
internos como convergecircncias e divergecircncias garantindo sempre que esta se
atualize
Como parte de um jogo de relaccedilotildees entre poliacuteticos e opiniatildeo puacuteblica eram
aplaudidos ateacute mesmo argumentos romantizados ao estremo como quando Alencar
defende que
A uacutenica transiccedilatildeo possiacutevel entre a escravidatildeo e a liberdade eacute aquela que se opera nos costumes e na iacutendole da sociedade Esta produz efeitos salutares adoccedila o cativeiro vai lentamente transformando-o em mera servidatildeo ateacute que chega a uma espeacutecie de orfandade o domiacutenio do senhor se reduz senatildeo a uma tutela beneacutefica (ALENCAR 2009 p113)
As soluccedilotildees que se propotildeem satildeo muitas mas uma breve reflexatildeo faz cair por terra
todo o conteuacutedo ideoloacutegico que estas carregam Uma situaccedilatildeo se daacute quando da
publicaccedilatildeo em marccedilo de 1868 tambeacutem de uma carta aberta endereccedilada ao
presidente do Conselho e lida perante a cacircmara dos deputados em fins do ano
anterior o Imperador declara abrir matildeo da quarta parte de sua dotaccedilatildeo Conta-nos
Alencar que a imprensa noticiando o caso ldquoem nome da opiniatildeo puacuteblica vos
retribuiu com bonitos e merecidos elogiosrdquo (ALENCAR 2009 p331) o ato que
busca devido agrave deficitaacuteria condiccedilatildeo do Estado auxiliar na organizaccedilatildeo da economia
senatildeo economicamente ao menos simbolicamente Notiacutecia que o parlamento
recebe com aplausos Alencar encontra aiacute uma possibilidade de contestaccedilatildeo do ato
afirmando ainda que natildeo aceita enquanto suacutedito e contribuinte tal donativo visto
que a dotaccedilatildeo natildeo eacute um ordenado pago ao Imperador e a famiacutelia real Eacute o ldquodecoro
do trono e a dignidade da naccedilatildeo como diz-nos a lei fundamental (art 108) que
determina a dotaccedilatildeordquo (ALENCAR 2009 p332) coisas de que este eacute depositaacuterio
enquanto representante da naccedilatildeo e natildeo proprietaacuterio Mais uma vez Alencar estaacute
assumindo a participaccedilatildeo do soberano no contrato O missivista usa seu
conhecimento do direito constitucional para denunciar as accedilotildees da coroa visando agrave
manipulaccedilatildeo ideoloacutegica do povo visto que tais atitudes propriamente simboacutelicas
como o ato de abrir matildeo da dataccedilatildeo (visto que os valores pouco ou nada influenciam
no ressarcimento das perdas do eraacuterio puacuteblico resultantes das uacuteltimas maacutes gestotildees
e dos custos com a guerra chegando mesmo Alencar classifica-las como migalhas)
satildeo uma forma de tranquilizar por meio dos jornais a opiniatildeo puacuteblica quanto a
realidade econocircmica por que passa o paiacutes e refrear as ameaccedilas de contestaccedilatildeo a
ordem estabelecida Sugere que se D Pedro II realmente quiser ajudar a naccedilatildeo que
seja
pondo um termo a esse esbanjamento desordenado que tem exaurido todas as reservas do paiacutes e vai sorver os uacuteltimos recursos do futuro natildeo satildeo os Vossos duzentos contos de reacuteis que vatildeo suprir o vaacutecuo aberto no orccedilamento por uma administraccedilatildeo imprevidente e desasada (ALENCAR 2009 p333)
Natildeo poderatildeo resolver o problema do Rio da Prata que garantiratildeo o creacutedito puacuteblico
ou evitaratildeo uma possiacutevel bancarrota do impeacuterio brasileiro Alencar entatildeo aconselha
que o Imperador continue fazendo uso do dinheiro em suas obras de caridade pois
a recusa dos valores soacute seraacute ldquoum foco de imoralidade e corrupccedilatildeo Carniccedila atirada
ao tempo que a podridatildeo logo decompotildeerdquo (ALENCAR 2009 p334) visto que tal iraacute
fluir para poliacuteticos corruptos e suas necessidades pessoais Se quiser ajudar o paiacutes
evitai que a administraccedilatildeo continue com a guerra que arruinaraacute enfim o paiacutes e
termina solicitando a demissatildeo do ministeacuterio ndash uacutenica soluccedilatildeo ndash como uacutenica forma de
salvar o Brasil e com sua integridade Eacute importante lembrar que D Pedro II conhece
bem a constituiccedilatildeo e apesar dos ataques de Alencar nunca toma uma atitude
defensiva eacute preciso registrar sua permissividade e respeito agrave liberdade de imprensa
como um traccedilo liberal mas como bem anuncia Alencar a criacutetica feita pela imprensa
natildeo encontra respaldo junto a opiniatildeo puacuteblica e as mudanccedilas natildeo satildeo
implementadas impossibilitando mudanccedilas na base administrativa o que pode ser
visto como um traccedilo de totalitarismo
Segundo Carvalho (2007) no modelo parlamentar que se desenvolve no Brasil o
parlamentarismo francecircs eacute a base apesar das constantes referecircncias ao
parlamentarismo inglecircs O gabinete ministerial eacute o elo entre a cacircmara e o imperador
a referenda do poder moderador A carta magna eacute influenciada pelas Constituiccedilotildees
francesa de 1791 e espanhola de 1812 e uma das mais liberais da eacutepoca Nesse
modelo eacute o gabinete que deve explicar-se com a cacircmara sobre os atos da
administraccedilatildeo puacuteblica evitando que se perceba algum resquiacutecio de absolutismo
Sem o gabinete o poder moderador instituiria um ldquodespotismo legalrdquo nas palavras do
senador Vergueiro (CARVALHO 2007) Eacute uma vitoacuteria dos liberais que tentam
garantir que D Pedro II reine e natildeo governe mas natildeo eacute assim que sempre funciona
O senado vitaliacutecio eacute a sombra do imperador - natildeo importando se eacute
predominantemente conservador ou abriga um e outro liberal moderado - que
manda e desmanda com sua influencia dentro dos partidos para garantir apoio a um
ou outro deputado do interior Eacute o tempo que iraacute solidificar as estruturas e o poder e
isto a cacircmara dos Deputados natildeo tinha para si A essecircncia do mecanismo eacute povo
dominado pelos poliacuteticos e poliacuteticos tutelados pelo imperador dentro do quadro
burocraacutetico instituiacutedo (FAORO 2004)
Zacarias de Goacutees e Vasconcelos defendia que o rei absoluto deveria ser distinguido
do rei constitucional natildeo cabendo mais o primeiro no seacuteculo XIX A garantia de
constitucionalidade dos atos do poder moderador estava na referenda feita pelos
ministros que prestavam contas agrave cacircmara O ministeacuterio deve contar entatildeo com a
confianccedila do parlamento Eacute um dado interessante que a maioria dos ministros saiacutesse
do senado e natildeo da cacircmara dos deputados o que garantia que as propostas
administrativas dos gabinetes estivessem mais afinadas com o modelo de governo
esperado pelo imperador O senador escolhido em uma lista triacuteplice apresentada ao
imperador eacute referendado por ele Natildeo havia nesse modelo formas de burlar o
domiacutenio da oligarquia ldquo() calccedilada na vitaliciedade no Senado e no Conselho de
Estadordquo (FAORO 2004 p 354)
A sexta carta datada de 23 de setembro de 1867 portando logo em seguida agrave
publicaccedilatildeo da carta anterior (o que permite aceitar que os textos sejam de certa
forma complementares visto a dificuldades de comunicaccedilatildeo com as frentes de
batalha) que tem a data de 20 de setembro Intitulada estaacute como uma carta ldquosobre a
guerrardquo e visto que a guerra eacute assunto presente em todas as cartas eacute preciso deter-
se um pouco no assunto Alencar inicia seu argumento afirmando de forma
progressiva que ldquoa paz eacute uma grande vergonha () a paz eacute um ato de miseacuteria
() a paz eacute uma vilaniardquo (ALENCAR 2009 p343) mas que o momento torna a
guerra algo insustentaacutevel Culpa o ministeacuterio por natildeo conseguir mais alistar homens
para a batalha e com a consequente falta de braccedilos para a lavoura a economia se
retrai dia apoacutes dia pois o escravo negro cada dia mais eacute presente nas fileiras da
guerra O alistamento feito para a guerra a princiacutepio voluntaacuterio comeccedila a encontrar
resistecircncia O governo forccedila o alistamento e o alistado poderia mandar um escravo
em seu lugar Eacute um impasse complexo para o liberalismo no Brasil Como pode
algueacutem que natildeo dispotildee de sua liberdade ndash nem disporaacute ndash pode lutar pela liberdade
Aproveita ainda o Alencar para dar alfinetadas nos liberais por meio da figura de
Zacarias de Goacuteis afirmando que o temor da guerra (ou mesmo de se responsabilizar
por seus rumos que seria efetivamente o caso) afasta a possibilidade de outro
partido tomar as reacutedeas da politica nacional garantindo a permanecircncia do partido
liberal no poder Critica veementemente a situaccedilatildeo de alistamento de escravos ndash
alguns cedidos por seus senhores para que combatam por eles - no exeacutercito regular
A questatildeo eacute como algueacutem que natildeo goza da liberdade pode lutar pela liberdade
ldquoPor entusiasmo espontacircneo esposando a causa de seus senhoresrdquo (ALENCAR
2009 p350) afirma Sua sugestatildeo eacute que se decirc fim agrave guerra pelo menos por
enquanto para que se resolvam os maiores problemas que satildeo os da poliacutetica
interna comeccedilando pela reorganizaccedilatildeo (ou deposiccedilatildeo claro) do gabinete e o
problema da escravidatildeo e completa consagrando seu momento maacutegico no tempo
a afirmaccedilatildeo de que soacute assim ldquoo paiacutes haacute de recuperar as forccedilas inertes os brios
abatidos O impeacuterio seraacute outra vez o Brasil da independecircncia o Brasil de 1851rdquo
(ALENCAR 2009 p354) Pronto para dar uma soluccedilatildeo os problemas do paiacutes
afirma somente o partido conservador Este ldquonatildeo tem a cumplicidade desta guerra
natildeo o tolhem compromissos do passado Entraria no poder com a imparcialidade do
juiz [e com] bastante civismo para arrostar as dificuldades da guerrardquo (ALENCAR
2009 p355) Um pouco de partidarismo ao fim da carta faz bem o estilo de nosso
missivista
O intervalo entre a penuacuteltima carta publicada em 23 de setembro de 1867 e a Uacuteltima
Carta49 datada de 15 de marccedilo de 1868 eacute grande se comparado ao restante do
conjunto Uma nota ao final (indicada como post-scriptum) assinala que ldquomotivos
imperiosos retardaram a publicaccedilatildeo desta cartardquo (ALENCAR 2009 p389) O uso do
termo ldquoimperiososrdquo eacute um indicio que pode se referir agrave condecoraccedilatildeo oferecida ao
Alencar pelo Imperador no ano de 1867 o oficialato da Rosa pelos serviccedilos
prestados ao paiacutes por meio da literatura Com seu habitual jeito mal educado
Alencar recusa a comenda e D Pedro II consegue uma inteligente cartada de
manipulaccedilatildeo aceitando desta forma as criacuteticas e tirando o Alencar do centro do
universo O episoacutedio da comenda oferecida sem que haja qualquer pretensatildeo de
agradar (assim o diz) ao Alencar mostra publicamente que haacute na figura do
imperador um interlocutor para as cartas E que este sabe muito bem o que lecirc e
sabe tambeacutem responder quando necessaacuterio for
Inicia Alencar aludindo a seu recolhimento explicitando o motivo na ideia de que
tambeacutem a situaccedilatildeo parece ter tido uma pausa Eacute o periacuteodo de encerramento do
trabalho das cacircmaras em Janeiro Caxias assume o comando das tropas aliadas
Alguns rumores correm a cidade conta de que o ministeacuterio pretende mudanccedilas e
encontra certa resistecircncia de D Pedro II A verdade segundo ele eacute que a situaccedilatildeo
deve ter fim A corrupccedilatildeo toma conta do Estado e natildeo se consegue uma
intervenccedilatildeo estando todos preocupados com a guerra natildeo se enxerga a corrupccedilatildeo
na administraccedilatildeo do Paiacutes Alencar sugere que a devassidatildeo que se daacute soacute terminaraacute
quando a consciecircncia do povo mudar ou quando o paiacutes natildeo tiver mais o que ser
corrompido
O corretivo da desmoralizaccedilatildeo sairaacute de seu proacuteprio seio quando natildeo haja mais nada a corromper e a dissoluccedilatildeo tenha-se operado no paiacutes todo entraremos necessariamente no periacuteodo embrionaacuterio de uma nova existecircncia poliacutetica em uma era de reorganizaccedilatildeo (ALENCAR 2009 p358)
Essa visatildeo pessimista tem um pouco de rancor por conta da manobra da comenda
oferecida ao missivista pelo Imperador mas natildeo deixa de levar em conta a proposta
de que agora com as mudanccedilas na direccedilatildeo da Guerra do Paraguai esta encontre
49 Intitulada ldquoUltima cartardquo Alencar dava por fim seu projeto
seu termo e tenha um fim o deacuteficit puacuteblico (que soacute se ampliava e seguiria D Pedro II
ateacute sua deposiccedilatildeo em 1889) e que agora eacute o momento em que D Pedro II natildeo deve
intervir A escolha por Caxias sugerida ateacute mesmo por Alencar poderia mudar os
rumos ateacute aqui e jaacute havia os rumores de que finalmente o Imperador iria ceder aos
apelos do Conde Drsquoeu ndash marido ldquoestrangeirordquo de Isabel ndash para que o enviasse ao
Paraguai e virasse tambeacutem um heroacutei do Brasil (ou encontrasse alguma atividade
qualquer para sua real pessoa) O interesse na guerra chega a ser observado por
Isabel em carta recolhida por Schwarcz No recorte Isabel indica seus medos
Papai me disse que a paixatildeo eacute cega Que a sua paixatildeo pelos negoacutecios da guerra natildeo o tornem cego Aleacutem disso Papai quer matar o meu Gaston Feijoacute recomendou-lhe muito que natildeo apanhasse sol nem chuva nem sereno e como evitar-lhe isso quando se estaacute na guerra (SCHWARCZ 1999 p 485)
Alencar natildeo estava errado haja vista as opccedilotildees que tinha o Imperador em sua
famiacutelia Mas seu conselho eacute a cautela Resolve nesta uacuteltima carta fazer um
apanhado de suas criacuteticas citando o problema da especulaccedilatildeo financeira que
ldquoassalta a riqueza puacuteblica e particular que potildeem em siacutetio todos os interesses
legiacutetimos da sociedaderdquo (ALENCAR 2009 p368) O avanccedilo dos progressistas
dilapidando as bases do governo estruturadas em um modelo de democracia que se
baseia na disputa entre os dois partidos entatildeo majoritaacuterios o liberal e o conservador
a inexperiecircncia dos parlamentares e demais dirigentes chamados por ele crianccedilas
as quais ldquoquase que saiacuteram dos cueiros para as cadeiras da Cacircmara dos Deputados
e para as poltronas ministeriaisrdquo (ALENCAR 2009 p369) lembrando a situaccedilatildeo do
golpe da maioridade com que D Pedro II chega ao poder quando afirma que ldquovoacutes
sabeis senhor e ningueacutem melhor do que voacutes que moralmente eacute a verdaderdquo
(ALENCAR 2009 p369) Critica a gastanccedila e a dilapidaccedilatildeo do tesouro a
depravaccedilatildeo dos costumes e da ordem puacuteblica afirmando que o gabinete eacute corrupto
e que tal corrupccedilatildeo se espalha com o conhecimento e por vezes o apoio da casa
imperial quando permite ldquolanccedilar agraves enxurradas tiacutetulos e condecoraccedilotildees por todo o
paiacutes [onde] com dois contos de reacuteis um aventureiro se condecorava com a fita que
voacutes trazeis ao peito como gratildeo-mestre das ordens brasileirasrdquo (ALENCAR 2009
p370) tatildeo somente com o intuito de captaccedilatildeo de dinheiro Culpa novamente o
Partido Progressista como o verme que destroacutei o paiacutes se vende ao comeacutercio e ldquoo
comeacutercio satildeo alguns indiviacuteduos ou mais atilados ou mais decididos que dirigem o
pensamento dos outrosrdquo (ALENCAR 2009 p371) aprovando ideias projetos e
mudanccedilas na poliacutetica
A situaccedilatildeo do periacuteodo na opiniatildeo de Alencar natildeo eacute de tranquilidade e
desenvolvimento mas de corrupccedilatildeo e descontrole As figuras que aviltam o paiacutes e
estatildeo por toda a parte seguem na narrativa satildeo eles
o parlamentar sem escruacutepulos nem convicccedilotildees que se faz servo de todos os governos () o poliacutetico cheio de cobiccedila que errou sua natural vocaccedilatildeo de agiota () o ministro que para conservar-se no poder natildeo duvida associar-se a indignos instrumentos () o funcionaacuterio puacuteblico sem dignidade ()o negociante que em vez de desenvolver sua atividade no campo livre da induacutestria anda farejando pelas cercanias do poder algum pingue contrato de fornecimentordquo (ALENCAR 2009 p 373-374)
Todos estes constituem o conjunto de forccedilas que atuam dentro do sistema
correndo-o A soluccedilatildeo seria um processo de moralizaccedilatildeo do Estado Por outro lado
sendo atingida em seus preceitos a famiacutelia que ldquoassiste sem querer a essa
representaccedilatildeo da comeacutedia perigosardquo (ALENCAR 2009 p374) que seria o uacuteltimo
refuacutegio da moralidade e a base da sociedade se sente ameaccedilada Cabe lembrar
que essa recusa de Alencar em aceitar mudanccedilas na estrutura dos partidos natildeo
condiz com o pensamento liberal (KENNY 1998) Segundo Alencar
O domiacutenio progressista devido agrave vossa niacutemia complacecircncia natildeo atuou unicamente sobre a poliacutetica sua decidida influecircncia na sociedade na vida privada estaacute bem patente As maacuteximas de governo adotadas nestes uacuteltimos tempos foram insinuando na domesticidade do cidadatildeo ideias e tendecircncias ateacute agora desconhecidas (ALENCAR 2009 p 373)
A deturpaccedilatildeo dos valores morais do ser humano eacute reconhecida nos personagens da
famiacutelia No pai no marido no filho que assistem a tudo e ndash se natildeo se reconhecem ndash
se inspiram A instituiccedilatildeo forte ldquoque repelia com indignaccedilatildeo as mais brilhantes
seduccedilotildees do mal agora flaacutecida e lacircnguida recebe quanto lhe deitam amolda-se a
qualquer pressatildeordquo (ALENCAR 2009 p374) E este eacute o retrato que se ldquoobserva em
geral na vida domeacutestica deste paiacutes Eis o segredo de todas estas defecccedilotildees de
caracteres que diariamente registra a opiniatildeo puacuteblicardquo soacute se tem apreccedilo pelo
dinheiro a cobiccedila ao ldquolar brasileiro onde outrora pendiam com as alegrias da
famiacutelia os penates da religiatildeo e do amor [agora] soacute haacute presentemente um iacutedolo o
bezerro de ourordquo (ALENCAR 2009 p377) E que ouro Eacute ali que ldquotodos os dias se
formam almas progressistas que devem mais tarde substituir os corifeus da
atualidaderdquo (ALENCAR 2009 p377) A moral base da sociedade estaacute subvertida
Vale lembrar que o argumento eacute legal A moral catoacutelica pregada eacute a ordem presente
para todos e assumida na lei dentro do projeto conservador de Alencar Mesmo o
herdeiro do trono jaacute rezava a constituiccedilatildeo poliacutetica do impeacuterio do Brasil de 1824 no
juramento que prestaria perante o senado ao aniversaacuterio de quatorze anos como
indica o artigo 106 se comprometia a manter a religiatildeo Catoacutelica Apostoacutelica Romana
observar a Constituiccedilatildeo Politica da Naccedilatildeo Brasileira e ser obediente aacutes leis e ao
Imperador
Voltando ao texto a sugestatildeo de Alencar eacute a de civilizar o negro ndash influecircncia
perniciosa dentro da famiacutelia - pelo trabalho e em seu contato com o branco - a ldquoraccedila
cultardquo O escravo domeacutestico eacute aquele que estaacute mais proacuteximo dos patrotildees do contato
direto com o branco partilhando de seus segredos seus problemas e suas
deficiecircncias Conhece o cotidiano da casa e partilha de um espaccedilo de limitaccedilotildees
com mulheres e crianccedilas entes de menor valor na sociedade patriarcal do seacuteculo
XIX Natildeo eacute nunca um igual algueacutem que partilha dos mesmos direitos de seus
senhores Eacute sempre um ser inferior que nunca mereceria ser elevado a dignidade
de seus senhores Gorender (2002) nos conta que Thomas Jefferson que foi o
redator da declaraccedilatildeo da Independecircncia dos Estados Unidos segundo a qual todos
os homens satildeo iguais era um grande proprietaacuterio de escravos e natildeo via nenhuma
incoerecircncia nisto pois julgava que os negros pertenciam a uma raccedila de inteligecircncia
inferior Eacute como se Alencar abraccedilasse o princiacutepio juriacutedico baacutesico de diferenciaccedilatildeo
entre naccedilatildeo e populaccedilatildeo onde sua defesa do liberalismo se refere a naccedilatildeo
brasileira e como se a escravidatildeo referisse aos elementos da populaccedilatildeo ndash os
desvinculados a naccedilatildeo brasileira mas de nacionalidade africana transportados para
o Brasil por meio da escravidatildeo Todos dentro de um mesmo territoacuterio mas com
realidades diferentes determinadas pela lei
Tornando ao texto percebe-se aqui uma associaccedilatildeo da cultura negra cooptada
para ldquodentrordquo da famiacutelia e nas relaccedilotildees do patriarcado em oposiccedilatildeo ao elemento
externo tanto o europeu (inglecircs ou portuguecircs ou outro mais) que se estabelece e
passa a usufruir das condiccedilotildees propiacutecias que a coroa ainda permite como o
imigrante com seus valores e idiossincrasias um elemento externo agrave famiacutelia mas
totalmente associada ao contexto das relaccedilotildees econocircmicas do periacuteodo Alencar
sugere uma escolha entre a escravidatildeo e a imigraccedilatildeo os dois males presentes e ao
mesmo tempo as duas soluccedilotildees possiacuteveis para a manutenccedilatildeo tanto do trabalho
como das elites
Podemos admitir que o Rio de Janeiro do periacuteodo se caracteriza como uma
sociedade onde o maior distanciamento social se manifesta com a maior
proximidade social entre os pares senhorescravo (CHARTIER 1999) e eacute a proacutepria
concepccedilatildeo ndash ou usufruto ndash da liberdade que os diferencia Um caso particular eacute o do
escravo domeacutestico Um escravo domeacutestico natildeo eacute um trabalhador do campo um
escravo do eito ndash diretamente ligado agrave produccedilatildeo Pertence ao mundo urbano ao
ambiente da casa-grande e natildeo da senzala O tratamento modelar que propotildee
deriva da questatildeo para a adaptaccedilatildeo do modelo econocircmico escravo para o trabalho
livre a partir da demanda criada pela cidade com novos empregos devido ao
desenvolvimento do capitalismo O modelo que propotildee seria para um escravo da
cidade se adaptar as relaccedilotildees econocircmicas dali para a constituiccedilatildeo talvez de um
proletariado urbano enquanto a massa de matildeo-de-obra agriacutecola permaneceria da
mesma forma enquanto conviesse ao produtor rural ao Senhor de escravos E a
transformaccedilatildeo do modelo deve ser tambeacutem tutelada e monitorada pela Elite Alencar
defende veementemente a tutela posterior do escravo liberto pelo antigo senhor Em
Alencar mesmo que haja o fim do viacutenculo da escravidatildeo os laccedilos criados
permanecem com a tutela e a manutenccedilatildeo da matildeo de obra No fim nada muda
nem mesmo as condiccedilotildees de trabalho O elemento branco masculino europeu
cristatildeo se torna tambeacutem aqui no Brasil o modelo a ser seguido e obedecido
mesmo porque a percentagem de escravos na cidade natildeo era pequena Novais
(1997) informa que a Corte abriga em 1849 em nuacutemeros absolutos a maior
concentraccedilatildeo de escravos urbanos no mundo desde o impeacuterio romano Em 1850
de um total de 206 mil habitantes em aacuterea urbana 79 mil (portanto 36) eram
escravos Sabemos que os padrotildees de comportamento da sociedade acompanham
as mudanccedilas no cenaacuterio poliacutetico que vem a acontecer no Brasil desde o iniacutecio do
seacuteculo XIX isso foi sentido tambeacutem no modelo da famiacutelia Com o fortalecimento
econocircmico do Rio de Janeiro ndash capital do reino ndash a riqueza passa a fazer parte da
cidade e o comeacutercio se desenvolve grandemente A escravidatildeo ainda eacute uma questatildeo
mal resolvida dentro e fora de casa para o desenvolvimento de um liberalismo
poliacutetico e econocircmico Mas essa amalgama proposta por Alencar eacute seu projeto
liberalconservador com a moralizaccedilatildeo do Estado a diminuiccedilatildeo da intervenccedilatildeo
deste nos negoacutecios privados um desenvolvimento do capitalismo ainda ldquoperifeacutericordquo
onde haacute consumidores e natildeo existe produccedilatildeo e a manutenccedilatildeo da escravidatildeo como
base para a agricultura agroexportadora se faz necessaacuteria para a manutenccedilatildeo dos
privileacutegios da elite e garantia de uma induacutestria (agricultura) lucrativa Alencar
concorda com a pregaccedilatildeo dos liberais moderados em que os privileacutegios dos grupos
ligados a propriedade de terra deve ser mantido mesmo que a custo da manutenccedilatildeo
da escravidatildeo pois eacute o que garante o desenvolvimento da economia e da proacutepria
naccedilatildeo O argumento contra a mudanccedila eacute expresso por Evaristo da Veiga em uma
ediccedilatildeo do Aurora Fluminense em 1829 quando diz que os moderados satildeo contra
toda espeacutecie de ldquotiraniardquo contra todos os excessos que possa haver (PRADO
2001) Mas aqui ldquoexcessosrdquo para Evaristo quer dizer atitudes que possam mudar
as condiccedilotildees de produccedilatildeo de forma brusca Extremismos dos liberais radicais que
possam deturpar a ordem estabelecida
Alencar sugere que o clima percebido no paiacutes (na opiniatildeo puacuteblica) anuncia
mudanccedilas revolucionaacuterias talvez E natildeo estamos muito distantes aqui das uacuteltimas
revoluccedilotildees liberais do periacuteodo regencial Zacarias de Goacuteis entatildeo no gabinete eacute um
dos grandes defensores da proposta de que o Imperador reina mas natildeo governa
(chega a publicar um livro sobre o assunto) que D Pedro II natildeo deve interferir
diretamente na administraccedilatildeo ndash leia-se poder moderador Mas segundo Alencar o
gabinete do jeito que estaacute tambeacutem natildeo consegue levar o governo O que haacute de se
esperar Propotildee jaacute que somente com a pressatildeo popular conseguiraacute mudar tal
gabinete ldquodai reacutedeas ao ministeacuterio Quanto mais breve provoque ele o motim com
seus erros menos sofreremosrdquo (ALENCAR 2009 p382) A questatildeo em Alencar
contudo natildeo eacute a defesa do modelo de trabalho escravo A lei garante isto Sua
defesa visa a opiniatildeo puacuteblica e a manutenccedilatildeo dos valores em um quadro em que eacute
preciso ldquoadministrarrdquo o conteuacutedo liberal a ser mostrado sob um filtro conservador
Concordando entatildeo com o que diz Bosi (1988) afirmamos que o liberalismo
defendido por Alencar se apresenta como uma sineacutedoque em que um conteuacutedo
escolhido se torna representativo do todo desvirtuando assim as ideias originais do
liberalismo e criando discurso ideoloacutegico que visa sustentar uma elite no poder
representada pelos latifundiaacuterios ricos comerciantes e traficantes de escravos para
quem a economia agroexportadora baseada no braccedilo escravo trazia lucros e
portanto deveria permanecer como a base econocircmica do Brasil
No uacuteltimo capiacutetulo anuncia a despedida de Erasmo certo de que sua identidade eacute
conhecida Justifica o seu pseudocircnimo dizendo que para se dirigir a figura do
Imperador com um conjunto de criacuteticas poderoso ndash escolhe entatildeo o pseudocircnimo
baseando-se na figura do filoacutesofo e intelectual renascentista que natildeo casualmente
foi tambeacutem professor - como o fez ldquoera necessaacuterio ter um nome respeitado cheio de
prestiacutegio e autoridade Faltando [-me] esse tiacutetulo soacute me restava o da verdaderdquo
(ALENCAR 2009 p385) e eacute a verdade (sob sua oacutetica a de um intelectual do
periacuteodo claro) que foi descrita aqui A soluccedilatildeo para o cidadatildeo comum eacute rir disto
tudo da comeacutedia que se tornou o paiacutes O cidadatildeo cordado diz ou chora ou
gargalha E parece cada vez mais ser isolado de uma efetiva participaccedilatildeo poliacutetica
extremamente necessaacuteria nesse regime constitucional Anuncia que natildeo acredita ser
tudo isto culpa de D Pedro II mas das elites que dominam o povo Termina com
letras garrafais afirmando que ldquoa liberdade nos paiacuteses constitucionais natildeo depende
do rei e soacute do povo () Mas infelizmente do povo que natildeo sabe governar-serdquo
(ALENCAR 2009 p389)
A resposta de D Pedro II viria logo depois com a queda do gabinete Zacarias de
Goacuteis Para o novo ministeacuterio a pasta da justiccedila eacute entregue a Alencar por sugestatildeo
do presidente do gabinete Itaboraiacute no chamado gabinete-bomba sob a presidecircncia
de Itaboraiacute A soluccedilatildeo eacute bem simples para o Imperador e pode parecer como uma
pequena vinganccedila pessoal como Alencar parece conhecer tatildeo bem os problemas
do Brasil ele que os resolva
4 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
A histoacuteria das antigas religiotildees e escolas como a dos partidos e revoluccedilotildees modernas nos ensina que o preccedilo da sobrevivecircncia eacute o envolvimento praacutetico a transformaccedilatildeo de ideias em dominaccedilatildeo
Adorno e Horkheimer
Para o conjunto das cartas - aqui analisado de forma natildeo exaustiva - haacute muitos
outros aspectos relevantes que dada a dimensatildeo do trabalho natildeo pudemos
alcanccedilar Natildeo se pretende aqui um diagnoacutestico geral e futuro da sociedade brasileira
mas sobretudo a partir do texto a compreensatildeo da situaccedilatildeo poliacutetica econocircmica e
social do periacuteodo na visatildeo de um agente poliacutetico que se apresenta como um
intelectual orgacircnico Sua praacutexis transformadora eacute a criacutetica ao sistema em forma de
mobilizaccedilatildeo da opiniatildeo puacuteblica Esse eacute um exemplo do processo ao qual Gramsci
(1999) chama de catarse a elaboraccedilatildeo da estrutura em superestrutura quando da
tomada de consciecircncia destes leitores da capacidade de transformaccedilatildeo social que
lhes eacute possiacutevel conseguir e que soacute se efetiva a partir da participaccedilatildeo de cada
indiviacuteduo Alencar consegue mobilizar-se (e usar) em um veiacuteculo de comunicaccedilatildeo
com um novo formato e distribuiccedilatildeo com as cartas e alcanccedilar um puacuteblico leitor que
caracteriza a maior parte da opiniatildeo puacutebica do periacuteodo Dissemos anteriormente que
o alcance eacute dado importante na consolidaccedilatildeo da ideologia que eacute preciso partilhar
com o grupo o discurso Deixamos claro tambeacutem que discurso em favor da
manutenccedilatildeo da escravidatildeo natildeo era novo estaacute em debate jaacute com as ideias de Joseacute
Bonifaacutecio no primeiro reinado com os produtores de cana nordestinos e seus
representantes com Euzeacutebio de Queiroz com o grupo saquarema e vaacuterios outros
deputados e senadores que se apresentavam com seus proacutes e contras Alencar
poderia escrever livros e livros justificando a escravidatildeo mas tinha a clareza de que
seu argumento eacute injustificado ndash considerando-se algueacutem que se propotildee um liberal -
e que a aboliccedilatildeo era mais dia menos dia inevitaacutevel Diferindo da accedilatildeo de Gramsci
que pretendia reduzir desigualdades entre todos os homens o nuacutecleo transformador
de Alencar era mais segmentado (afinal ele nunca deixou de ser um representante
da aristocracia) como pudemos observar examinando dos dados sobre o niacutevel de
formaccedilatildeo intelectuais desses grupos mas eacute a disseminaccedilatildeo de suas ideias que as
tornaraacute comum a todos (era esta a sua proposta) determinando assim o curso
contiacutenuo da ideologia
Pudemos observar que o diferencial de Alencar foi identificar uma mudanccedila na
conjuntura poliacutetica com grupos de pressatildeo os mais diversos alimentando a ideia de
uma aboliccedilatildeo da escravidatildeo em um momento que a imprensa ndash entatildeo em
emergecircncia na Corte do Brasil ndash traz novas ideias baseadas no liberalismo poliacutetico e
econocircmico europeu para os grupos perifeacutericos da elite que se configuram como
uma opiniatildeo puacuteblica centrada em uma burguesia citadina que se desenvolve
grandemente no periacuteodo Com isso Alencar busca usar um veiacuteculo de comunicaccedilatildeo
de grande alcance para tentar mobilizar esta opiniatildeo puacuteblica em seu favor no caso
aqui tratado em favor das ideias de manutenccedilatildeo da escravidatildeo Dessa feita
observamos tambeacutem que as cartas poliacuteticas de Alencar objeto de nosso estudo satildeo
uma obra de teor criacutetico poliacutetico-social mas tambeacutem tem como objetivo divulgar o
pensamento de Alencar e consolida-lo como figura valorosa no cenaacuterio poliacutetico da
Corte Seu caminho jaacute foi escolhido eacute o do partido conservador ser-lhe-aacute fiel ateacute o
fim Mas como pudemos observar as diferenccedilas entre os dois partidos natildeo eram
tatildeo acentuadas e os dois acabavam por defender o sistema monaacuterquico O Rio de
Janeiro com a onda de independecircncia poliacutetica nos seacuteculos XVIII e XIX eacute o reduto
monarquista da Ameacuterica Latina eacute bom lembrar
O que tambeacutem pudemos observar no texto de Joseacute de Alencar eacute a tentativa a partir
de estrateacutegias discursivas muacuteltiplas de disseminar um conteuacutedo ideoloacutegico
sugerindo a manutenccedilatildeo de um conservadorismo de molde monarquista e baseado
no regime escravagista Tais estrateacutegias buscam um ldquolugarrdquo diferenciado para o
discurso longe das disputas partidaacuterias longe da possibilidade do debate direto
Isso eacute mostrado na opccedilatildeo para a publicaccedilatildeo das cartas em ldquofolhetinsrdquo textos
impressos tambeacutem em graacuteficas mas natildeo no ldquocorpordquo de um jornal (o que poderia ter
sido relativamente faacutecil para Alencar no momento visto sua posiccedilatildeo como editor de
um importante jornal na Corte) Deslocar o texto da miacutedia ldquojornalrdquo para um veiacuteculo
alternativo desloca tambeacutem o discurso e cria uma situaccedilatildeo confortaacutevel de
hegemonia podemos assim dizer ndash mesmo porque era ele o uacutenico a fazecirc-lo no
momento Um traccedilo do manifesto de Alencar no texto eacute acreditar que o intelectual
tem o dever de iluminar o caminho do desenvolvimento e o desenvolvimento poliacutetico
e econocircmico pregado nas ideias de Alencar tem base nas ideias liberais D Pedro II
se guiaria pela opiniatildeo puacuteblica que pode ndash segundo dados de Alencar ndash ser medida
na publicitaccedilatildeo dos atos do governo pelos jornais E os jornais da Corte nos garante
ele jaacute estatildeo todos nas matildeos do ministeacuterio e o Imperador prefere sempre o caminho
da conciliaccedilatildeo os partidos conservador e liberal natildeo detecircm espaccedilos na imprensa de
grande circulaccedilatildeo e seus pequenos jornais poliacuteticos natildeo satildeo de grande alcance o
que apresenta um campo aberto para o texto de Alencar Eacute dessa forma que
entendemos o que pode ser aqui descrito pelo conceito de bloco histoacuterico
(GRAMSCI 1999) que eacute a articulaccedilatildeo de um conjunto de praacuteticas e concepccedilotildees
para garantir a manutenccedilatildeo de uma situaccedilatildeo histoacuterica determinada
Cabe lembrar que para que a ideologia seja eficaz o discurso deve se manter o
mesmo ignorando as mudanccedilas que possam vir a acontecer (CHAUI 1997) Mesmo
com o fim da escravidatildeo que Alencar sugere eminente eacute preciso que ela se
mantenha por mais algum tempo (e enquanto for possiacutevel) A decorrente captaccedilatildeo
de Alencar para o ministeacuterio vem disso Sua capacidade de reflexatildeo e mobilizaccedilatildeo
foi reconhecida e este que jaacute foi deputado e pertence agraves fileiras do partido
conservador seria devidamente enquadrado nos quadros do governo onde sua
ldquoliacutenguardquo pudesse ser reduzida via cargo puacuteblico juntando-o agrave burocracia passando
assim a fazer parte do governo que criticara Natildeo eacute de todo correto o que os
bioacutegrafos pesquisados aqui como Menezes (1965) Neto (2006) e Aguiar (1984)
dizem sobre a relaccedilatildeo de desconfianccedila ideoloacutegica que D Pedro II teria por Alencar
quando natildeo escolhe em lista triacuteplice seu nome para uma cadeira no senado o
motivo natildeo eacute somente este Com as cartas o imperador vecirc que Alencar eacute mesmo
um elemento importante do conservadorismo e que poderia confiar em suas ideias
e em suas atitudes colocando-o sob os braccedilos do governo A captaccedilatildeo de Alencar
para o ministeacuterio apesar de ele revelar-se extremamente competente segue o
mesmo caminho das condecoraccedilotildees e concessotildees de tiacutetulos que eacute criar uma
aristocracia dependente dos favores da coroa tendo no caso da burocracia o
elemento controlador e deixando o ldquoperigordquo bem a vista do imperador Os motivos
tambeacutem parecem ser de ordem pessoal em um relacionamento que nunca teve
tanta cordialidade D Pedro II como mostramos sequer queria demitir o Alencar do
cargo de Ministro da Justiccedila atestando assim a competecircncia deste
Novamente com Gramsci entendemos que o discurso desenvolvido nas cartas de
Erasmo tem todas as caracteriacutesticas da ideologia partilhada pelas classes
dominantes Alencar tenta se localizar acima do lugar comum acima das outras
miacutedias como o jornal ou mesmo os folhetins que ajudou a popularizar acima ateacute dos
partidos reafirmamos que essa proposta conservadora ndash baseada em uma eacutetica
moral cristatilde ndash eacute parte de um conjunto ideoloacutegico partilhado pelas classes dominantes
(mesmo por segmentos liberais e conservadores) e que tem em vista ndash agora com
Alencar ndash a criaccedilatildeo de uma utopia
A partir de nossa anaacutelise sustentamos aqui que - segundo Chauiacute - a utopia nasce
como gecircnero na literatura constituindo a narrativa sobre uma sociedade perfeita e
feliz e ao mesmo tempo como discurso poliacutetico na exposiccedilatildeo sobre uma forma para
a cidade justa (CHAUIacute 2008) O termo topos em grego significa lugar e o prefixo ldquourdquo
indica um sentido negativo como um ldquonatildeo lugarrdquo ou lugar desconhecido ou ainda
no sentido da obra o diferente do que conhecemos e praticamos eacute a possibilidade
de interaccedilatildeo com a alteridade (CHAUIacute 2008) Eacute esta a proposta de Alencar a utopia
no sentido possiacutevel alcanccedilaacutevel por meio de um conjunto de ideias baseadas no
liberalismo claacutessico com traccedilos marcantes de conservadorismo Seu texto ndash natildeo
lugar ndash eacute lugar de passagem rumo a construccedilatildeo de um fim possiacutevel que ele
acredita indicar como uma postura para a sociedade que comeccedila a se desenvolver
no paiacutes Mas uma sociedade em que as classes satildeo bem definidas a elite o povo e
os outros50 Vale argumentar como jaacute comentado anteriormente no capiacutetulo que
refere a biografia de Alencar sua praacutetica de leitura para um grupo de pessoas Em
Chartier (1999) por exemplo observamos tal praacutetica (dentro da famiacutelia ateacute com
grupos proacuteximos ao nuacutecleo familiar) na Europa ainda nos seacuteculos XVII e XVIII com a
venda avulsa de livros sobre a vida dos santos contos de fadas e romances de
cavalaria ndash para citar os gecircneros com maior venda - por toda a parte para as
50
Um dado interessante eacute o de que Tomas Morus autor do claacutessico Utopia a que nos referimos aqui
natildeo chega a publicar seu livro sendo decapitado a mando de Henrique VIII em 1535 O livro seria publicado poucos anos depois na Basileacuteia (Suiacuteccedila) por Erasmo a quem este estava ligado por laccedilos de amizade
camadas populares natildeo soacute nas cidades mas tambeacutem em lugares os mais distantes
As ideias de Alencar poderiam chegar a mais e mais pessoas sem que o proacuteprio
autor tivesse condiccedilotildees de mensurar tal alcance Mas por outro lado natildeo podemos
ser ingecircnuos e acreditar que tais condiccedilotildees de leitura natildeo fossem - mesmo que
parcialmente - conhecidas por Alencar sendo este um jornalista e autor literaacuterio de
renome e um dos poucos que puderam dizer ainda em vida que vendiam suas
obras
Alencar estava ciente da forccedila de seu projeto e tinha consciecircncia da repercussatildeo
que conseguiu logo depois da publicaccedilatildeo da primeira carta Na segunda ediccedilatildeo das
cartas ao Imperador datada de 1866 e impressa na Typographia de Cacircndido
Augusto de Mello no Rio de Janeiro Alencar escreve na advertecircncia ao texto ndash
referindo-se a publicitaccedilatildeo da primeira ediccedilatildeo que ldquoa tentativa foi bem decidida O
favor puacuteblico a acompanhou e deu-lhe forccedilas e estiacutemulos para progredirrdquo
(ALENCAR 2009 p08) Natildeo haacute uma poetizaccedilatildeo da poliacutetica nem a utopia romacircntica
nesse momento apenas as estrateacutegias discursivas no texto com o objetivo
especiacutefico de disseminar um discurso ideoloacutegico para a construccedilatildeo da verdadeira
utopia O seu modelo de naccedilatildeo que como advogado segue o princiacutepio geral do
Direito e apresenta uma clara separaccedilatildeo entre povo e populaccedilatildeo
Alencar bem sabia o que estava a fazer com as cartas e sabia tambeacutem que estava
sendo acompanhado pelos leitores e tinha condiccedilatildeo de sugerir ldquoopiniotildeesrdquo para esse
puacuteblico enquanto reafirma constantemente sua opccedilatildeo pela aristocracia e a
monarquia ndash confirmando tambeacutem as ideias em defesa da escravidatildeo Em seu
modelo de transformaccedilatildeoconservaccedilatildeo opta pela afirmaccedilatildeo de valores
tradicionalmente aceitos pela burguesia pela moral cristatilde e a preservaccedilatildeo do
modelo da famiacutelia cristatilde do patriarcado e pelo liberalismo econocircmico Um modelo
que deve ndash segundo suas convicccedilotildees - perpetuar-se mesmo com as transformaccedilotildees
sociais que o desenvolvimento da cidade e da sociedade brasileira prenuncia
Cabe lembrar que pode ser observado que os grupos representativos das elites no
Rio de Janeiro jaacute demonstravam um misto de preconceito racial e econocircmico tanto
com a populaccedilatildeo livre e mesticcedila como a populaccedilatildeo de escravos e ex-escravos que
se multiplicava vendo nessas pessoas apenas instrumentos para o trabalho e
obtenccedilatildeo de lucros E sua ideia nos parece claro eacute que permanecessem assim
Cabe lembrar que quando da publicaccedilatildeo das ldquonovas cartas ao Imperadorrdquo entre
186869 a Inglaterra paiacutes que exercia forte influencia na sociedade brasileira tanto
poliacutetica quanto economicamente jaacute dava os primeiros sinais das mudanccedilas de
relaccedilotildees trabalhistas com a liberaccedilatildeo dos sindicatos trabalhistas e o direito de greve
e outros direitos que viriam a integrar o conjunto ateacute 1875 (HOBSBAWN 2011) e
com certa resistecircncia tambeacutem na Franccedila o que consequentemente poderia se
estender e chegar aqui junto com trabalhadores imigrantes europeus modificando
as relaccedilotildees entre patratildeo e empregado - que seriam inevitavelmente muito diferentes
da anterior relaccedilatildeo senhorescravo Acreditamos que nessa perspectiva o estudo
do trabalho de Alencar e suas ideias frente agrave escravidatildeo se torna pertinente visto
que as teorias que se podem classificar como ldquoracistasrdquo e de valorizaccedilatildeo da raccedila
branca soacute vem a se instalar no Brasil em uma eacutepoca senatildeo posterior ao menos
contemporacircnea ao nosso recorte Destacamos aqui baseado no que mostra
Skidmore (1989) o trabalho do historiador inglecircs Henry Thomas Buckle a ldquoHistoacuteria
da civilizaccedilatildeo na Inglaterrardquo publicada em vaacuterios volumes entre 1857 e 1861 que
defendia uma filosofia do determinismo climaacutetico onde as raccedilas oriundas de lugares
de climas mais quentes seriam mais bem adaptadas para o trabalho braccedilal Seu
contemporacircneo Arthur de Gobineau um francecircs que chega a trabalhar no Brasil
como diplomata em 1869 edita seu ldquoEssai sur lrsquoInegaliteacute des Races Humainesrdquo em
1853 aonde defende que a sociedade multirracial que se via aqui soacute servia para a
degeneraccedilatildeo tanto de negros como de europeus criando uma mesticcedilagem fraca e
esteacutereo Outras teoacutericos tiveram suas ideias divulgadas em um periacuteodo posterior e
alguns ficaram bastante conhecidos aqui como no caso do argentino Joseacute Inginieros
e do francecircs Louis Couty que publica um diaacuterio de sua viagem pelo Brasil em 1868
feita com o auxilio de sua esposa trecircs anos antes (SKIDMORE 1989) Cabe
lembrar tambeacutem que a questatildeo do preconceito eacute somente uma parte da histoacuteria
A defesa da instituiccedilatildeo familiar em seu modelo cristatildeo catoacutelico tambeacutem eacute uma
caracteriacutestica do pensamento do missivista Segundo Alencar faz-se necessaacuterio
dentro deste projeto submeter-se a instituiccedilatildeo a certos ajustes optando pela
reafirmaccedilatildeo de valores tradicionalmente aceitos reafirma todo seu modelo como o
adequado e defende que este deve perpetuar-se em detrimento das
transformaccedilotildees sociais que vem ocorrendo com o desenvolvimento da cidade e que
acusa como degradadoras dos valores morais Que eacute preciso acabar com a ineacutercia
do povo (talvez se referindo a necessidade de braccedilos para a lavoura natildeo a
revoluccedilotildees populares) com o egoiacutesmo dos estadistas e a distacircncia que o Estado ndash
na figura do Imperador ndash tem da administraccedilatildeo puacuteblica A constante criacutetica a ineacutercia
do povo configura a afirmaccedilatildeo de que no constitucionalismo todo participam do
processo decisoacuterio a partir do ldquocontrato socialrdquo Entatildeo todos devem se mobilizar
pois satildeo corresponsaacuteveis por tudo na sociedade
A tiacutetulo de organizaccedilatildeo das ideias podemos afirmar que Alencar um intelectual
militante no oitocentos busca na imprensa uma forma de educaccedilatildeo e ao mesmo
tempo de mobilizaccedilatildeo de determinadas camadas sociais que estatildeo na periferia da
elite e que vem estruturando-se como uma opiniatildeo puacuteblica na Corte com um
discurso ideoloacutegico e moralizante marcado pela valorizaccedilatildeo das tradiccedilotildees e pelo
pensamento liberal ndash devidamente adaptado para a realidade escravagista do Brasil
o que vem a se tornar um sistema com caracteriacutesticas ao mesmo tempo liberais e
conservadoras No caso Alencar serve como instrumento para uma multiplicaccedilatildeo da
ideologia da elite aristocraacutetica que se forma no Brasil depois da independecircncia
tendo na Corte do Rio de Janeiro e na defesa das instituiccedilotildees seu nuacutecleo de poder e
seu norte de dominaccedilatildeo Alencar se forma no curso de Direito em 1849 (na turma de
50) e jaacute no iniacutecio de sua militacircncia jornaliacutestica observa os reflexos da restauraccedilatildeo
da Europa depois das malsucedidas accedilotildees da primavera dos povos E segundo
Hobsbawn (2011) as economias se recompuseram e a partir daiacute paiacuteses como a
Alemanha Itaacutelia o impeacuterio dos Habsburgos (para citar alguns) tiveram um
desenvolvimento econocircmico acelerado Era esta a referecircncia direta observada pelo
Alencar para a defesa da monarquia e este deveria ser o modelo para o Brasil
Monarquia e constitucionalismo
Observa-se assim concordando com o que propotildee Foucault (2004) que o poder
natildeo se restringe ao Estado a uma pessoa determinada ou a um grupo de pessoas
este eacute muacuteltiplo e diversificado aparecendo de modo diferente em diferentes esferas
da sociedade O poder no sentido aqui descrito eacute algo que se manteacutem a partir do
aceite do grupo a que este se refere Norberto Bobbio apresenta um conceito de
poder que vai ao encontro do que procuramos Poder eacute ldquoa capacidade do homem
em determinar o comportamento do homemrdquo (BOBBIO 1998 p933) Mais adiante
o autor alarga seu conceito de poder explicitando
O conceito em que conveacutem basear este alargamento da noccedilatildeo de Poder eacute o conceito de interesse tomado em sentido subjetivo isto eacute como estado da mente de quem exerce o Poder Diremos entatildeo que o comportamento de A que exerce o Poder pode ser associado mais que agrave intenccedilatildeo de determinar o comportamento de B objeto do Poder ao interesse que A tem por tal comportamento As relaccedilotildees de imitaccedilatildeo por exemplo onde falta a intenccedilatildeo no imitado de se propor como modelo se incluem em Poder se a imitaccedilatildeo corresponde ao interesse do imitado (como em certas relaccedilotildees entre pai e filho) mas natildeo se incluem se agrave imitaccedilatildeo natildeo corresponde o interesse do imitado (BOBBIO 1998 p 934)
Entendemos que haacute sempre algueacutem predisposto a aceitar o poder Mas como se daacute
tal aceite Eacute justamente nas relaccedilotildees interpessoais as quais se constituem por meio
da internalizaccedilatildeo de discursos alheios No caso de um texto como o apresentado por
Alencar nas ldquoCartas de Erasmordquo eacute por meio de uma relaccedilatildeo de confianccedila que o
leitor passa a ter com o autor como algueacutem que compreende a realidade e a mostra
para este o que sustenta uma relaccedilatildeo de confianccedila entre as partes Entendemos
tambeacutem que essa construccedilatildeo subjetiva da realidade que passa a ser ldquosocialrdquo a partir
do compartilhamento de sua leitura eacute histoacuterica porquanto assume significaccedilatildeo para
os grupos a que se referem A obra eacute entendida como uma conceptualizaccedilatildeo do
mundo onde se constitui como conjuntos de enunciados e eacute o enunciado o portador
da significaccedilatildeo (MORSON 2008) Isso se daacute a partir da construccedilatildeo de uma
representaccedilatildeo social onde haacute sempre a perspectiva da alteridade em forma de
resposta imediata ao texto ou retomada posteriormente Eacute por meio desta leitura das
representaccedilotildees e do poder que entendemos - na concepccedilatildeo de Gramsci - a funccedilatildeo
do intelectual de disseminar ideias propostas e conceitos E mesmo de forma
indireta como um agente de mobilizaccedilatildeo Eacute preciso lembrar que os reflexos da
ldquoprimavera dos povosrdquo ainda estavam presentes na memoacuteria de uma elite que
desenvolvera laccedilos econocircmicos e sociais com naccedilotildees europeias e as elites tinham
a dimensatildeo do que poderia acontecer com a mobilizaccedilatildeo da massa Hobsbawm
(2010) nos mostra a importacircncia dos intelectuais na revoluccedilatildeo de 1848 enquanto
sujeitos de uma praacutexis poliacutetica que senatildeo imprescindiacutevel eacute relevante na
caracterizaccedilatildeo do que tais movimentos viriam a apresentar
Eles [os intelectuais] natildeo eram mais importantes nesta revoluccedilatildeo que em quaisquer das outras que ocorreram assim como nesta em paiacuteses
relativamente atrasados onde o melhor do estrato meacutedio consistia de pessoas caracterizadas por sua escolarizaccedilatildeo e comando da palavra escrita graduados de todos os tipos jornalistas professores funcionaacuterios Mas natildeo havia duacutevida de que os intelectuais eram proeminentes poetas tais como Petoumlfi na Hungria Herwegh e Freiligrath na Alemanha (que pertencia ao corpo editorial da Neue Rheinische Zei-tung) Victor Hugo e o consistente moderado Lamartine na Franccedila (os professores franceses ainda que suspeitos para os governos permaneceram quietos sob a monarquia de julho e supotildee-se terem feito frente com a ordem em 1848) acadecircmicos em grande nuacutemero na Alemanha (a maioria no lado moderado) meacutedicos como C G Jacoby (1804-51) na Pruacutessia Adolf Fischhof (1816-93) na Aacuteustria cientistas como F V Raspail (1794-1878) na Franccedila e uma vasta quantidade de jornalistas e publicistas dos quais Kossuth era entre todos o mais celebrado e Marx provava ser o mais formidaacutevel Como indiviacuteduos tais homens podiam exercer um papel decisivo como membros de um estado social especiacutefico ou como membros de uma pequena-burguesia radical natildeo o podiam
51 (HOBSBAWN 2010 p36)
Tornando ao texto de nossa anaacutelise pudemos perceber como Alencar se aproveita
dos veiacuteculos de comunicaccedilatildeo a que tem acesso para divulgar suas ideias e como
consegue adapta-las aos diferentes formatos que tais miacutedias exigem conseguindo
assim alcanccedilar natildeo somente uma maior quantidade de pessoas mas uma variedade
grande de camadas sociais e a propalada ldquoopiniatildeo puacuteblicardquo com maior intensidade
tentando fomentar a ampliaccedilatildeo da participaccedilatildeo poliacutetica ativa (ao menos enquanto
conscientizaccedilatildeo de um maior grupo tirando a exclusividade da atividade poliacutetica
apenas do recinto parlamentar) podendo ndash e por isso mesmo - ampliar as
possibilidades de alcance do conjunto da dominaccedilatildeo Essa mesma opiniatildeo puacuteblica
que temos alguma dificuldade de representar numericamente mas que eacute elemento
fundamental no periacuteodo E eacute tambeacutem com intenccedilatildeo de ldquoconstruirrdquo uma opiniatildeo natildeo
somente na elite mas em seus representantes mais diretos como o funcionaacuterio
puacuteblico representante de uma administraccedilatildeo centralizadora que fatalmente deveria
promover pelo paiacutes a ideologia do Estado No dizer de Uruguai o agente da
administraccedilatildeo puacuteblica eacute efetivamente um agente da centralizaccedilatildeo (MATTOS I
1987) D Pedro II chega a escrever agrave princesa Isabel em um dos momentos que
esta assume a regecircncia prevenindo-a contra uma possiacutevel maacute interpretaccedilatildeo das
notiacutecias e criacuteticas publicadas nos vaacuterios jornais da Corte considerando que o
ldquosistema poliacutetico do Brasil funda-se na opiniatildeo nacional que muitas vezes natildeo eacute
manifestada pela opiniatildeo que se apregoa como puacuteblicardquo (FAORO 2004 p 343)
Mas natildeo podemos esquecer que ateacute o momento (estamos no segundo reinado) natildeo
51
O grifo eacute meu
haacute como mensurar tal opiniatildeo puacuteblica ou a dimensatildeo das accedilotildees que esta possa
alcanccedilar A preocupaccedilatildeo imediata de D Pedro II seria com o que poderiacuteamos
chamar de os ldquoformadoresrdquo de uma opiniatildeo puacuteblica Com o texto dos agentes
poliacuteticos publicados em jornais ou outras miacutedias em um momento privilegiado de
liberdade de imprensa
Fica claro que a defesa da escravidatildeo eacute para Alencar necessaacuteria no momento -
tendo mesmo a certeza de a aboliccedilatildeo natildeo tardaria - funcionando como um discurso
que busca retardar a disseminaccedilatildeo de ideais progressistas e abolicionistas para o
conjunto da opiniatildeo puacuteblica conquanto esta passa a ser um elemento de pressatildeo
sobre as elites que controlavam o sistema econocircmico vigente e ele busca seus
argumentos nos teoacutericos liberais europeus O que se vecirc em Alencar natildeo eacute uma
discussatildeo sobre o direito de propriedade de um ser humano sobre o outro isto estaacute
posto pela legislaccedilatildeo a praacutetica do cativeiro eacute legitimada pelo Estado brasileiro O
que temos satildeo as criacuteticas de Alencar a forma como o governo trata o problema
inevitaacutevel da emancipaccedilatildeo com promessas de aboliccedilatildeo ao fim da guerra de forma
progressiva e por meio da estimulaccedilatildeo da emigraccedilatildeo Tais promessas natildeo se
efetivam o que abre um precedente para que o pensamento de Alencar ndash se natildeo o
mais eacutetico ndash acabe se apresentando como o melhor aceito pelas elites e sendo
reproduzo Outro ponto a ser lembrado eacute que com o fim do traacutefico a partir de 1850 e
a expansatildeo das lavouras cafeeiras no interior do Rio de Janeiro e Satildeo Paulo haacute
tambeacutem uma transferecircncia gradual de escravos urbanos para essas regiotildees Com o
aumento do valor do escravo no mercado interno vaacuterias famiacutelias venderam seus
cativos para as fazendas causando uma consequente diminuiccedilatildeo no percentual da
escravaria na corte e outros nuacutecleos urbanos (NOVAIS 1997) A pulverizaccedilatildeo da
posse de escravos na cidade regride o que em pouco tempo pode levar a uma
mudanccedila de consciecircncia da opiniatildeo puacuteblica centrada na Corte sobre a escravidatildeo
Em uma foacutermula simples Quando todos possuiacuteam escravos isto era visto como algo
comum Quando soacute os ricos cafeicultores passaram a possuiacute-los isto se tornava
errado e antiquado para um paiacutes em desenvolvimento Alencar vai contra isto e
confirma em seu texto os valores do conservadorismo assumindo uma postura que
podemos chamar de liberalconservadora Admitindo isto concordamos com o que
propocircs Bosi (1988) que o liberalismo defendido por Alencar pode ser resumido em
uma figura de linguagem uma sineacutedoque em que uma parte do conteuacutedo eacute tomada
como um todo uniforme desvirtuando assim as ideias originais do liberalismo e
criando novo discurso ideoloacutegico e conservador para sustentar um grupo que se
impotildee no poder Em Alencar se vecirc a escolha da ldquoparte pelo todordquo como em uma
sineacutedoque Alencar defende que se uma parte da populaccedilatildeo estaacute na direccedilatildeo do
Estado e da economia e tem privileacutegios eacute porque essa parte conseguiu consolidar
seu poder pessoal e pode organizar um projeto poliacutetico de desenvolvimento para
que o todo da naccedilatildeo se desenvolva entatildeo satildeo essas pessoas que tem o ldquodireitordquo de
representar a naccedilatildeo Eacute o que pudemos observar
Constatou-se tambeacutem que a situaccedilatildeo do Brasil no periacuteodo segundo Alencar natildeo eacute
de tranquilidade e desenvolvimento mas de corrupccedilatildeo e descontrole Com o
parlamento repleto de elementos sem escruacutepulos ou convicccedilotildees que tomam as
riquezas o paiacutes com sua cobiccedila Alencar defende um Estado de leis com pulso forte
e mesmo a interferecircncia do Imperador para garantir que isto natildeo mais acontecesse
Era apenas assim que se garantiria a ordem puacuteblica e as ldquonecessidades puacuteblicasrdquo
seriam supridas o que natildeo era apenas uma opiniatildeo de Alencar mas uma visatildeo do
Estado compartilhada por boa parte dos homens que passaram pela administraccedilatildeo
puacuteblica no segundo reinado (MATTOS I 1987) Os gabinetes que se seguem sem
estrutura ou conhecimento administrativo levam o paiacutes agrave bancarrota com seus erros
constantes devido a sua ineacutepcia com a coisa puacuteblica O conjunto de instituiccedilotildees que
atuam dentro do sistema estatildeo corroendo-o por conta da ganancia da elite com o
dinheiro do Estado Do outro lado sendo atingida em seus preceitos a famiacutelia que
ldquoassiste sem querer a essa representaccedilatildeo da comeacutedia perigosardquo O que seria o
uacuteltimo refuacutegio da moralidade e base da sociedade
Por fim entendemos que como o sugeriu Carvalho (2007) em uma reflexatildeo sobre o
impeacuterio os fatos mostrados aqui podem ateacute ser reconhecidos pelos estudiosos e jaacute
trilhados mas as explicaccedilotildees tendem a ser insatisfatoacuterias por isso a necessidade
constante de revisitar textos do periacuteodo e teorias Ao mesmo tempo lembrando
Norberto Bobbio (1997) em uma reflexatildeo sobre seus escritos ao enfrentar o tema da
relaccedilatildeo entre os intelectuais e a poliacutetica em frente ao oceano de textos sobre o
tema dizia sentir-se como a crianccedila que despejando um copinho drsquoagua no mar
acreditava estar aumentando o seu niacutevel Eacute como nos vemos aqui Poreacutem
acreditamos ter conseguido demonstrar a presenccedila de um discurso
liberalconservador nas cartas de Erasmo como estrateacutegia discursiva de
disseminaccedilatildeo ideoloacutegica Os dados obtidos nos permitem dizer que nossa hipoacutetese
de que por meio de um discurso poliacutetico conservador vinculado as propostas
ideoloacutegicas das elites escravocratas disseminado pelos jornais e panfletos do
periacuteodo os intelectuais construiacuteram uma imagem paradoxal do liberalismo para o
Brasil no segundo reinado pocircde ser confirmada
As confluecircncias entre tais extremos (liberalismo x conservadorismo) natildeo satildeo
ineacuteditas visto que Hobsbawn (2010) por exemplo pode demonstrar a mobilidade de
agentes poliacuteticos partiacutecipes de movimentos liberais moderados e ateacute mesmo
radicais para as linhas dos partidos conservadores quando os movimentos
revolucionaacuterios da ldquoprimavera dos povosrdquo em 1848 tendiam a modificar a ldquoordem
socialrdquo organizando liberais e conservadores em movimentos unificados ndash onde as
ideias de ambos os lados acabavam por se adaptar as necessidades de
sobrevivecircncia de tais grupos - para uma retomada do poder para as elites europeias
No Brasil a elite nem por um minuto descuidou de estar com as duas matildeos nas
reacutedeas do poder
Por fim esperamos tambeacutem que nosso trabalho tenha sido uacutetil para exemplificar
algumas das muitas relaccedilotildees de poder que existiram (e existem) na relaccedilatildeo Estado
ndash cidadatildeo mediadas pela ideologia atraveacutes de um de seus muitos colaboradores
os intelectuais e ajudar na compreensatildeo de tema tatildeo complexo como a relaccedilatildeo dos
intelectuais com a elite e o poder
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6 ANEXOS
Figura 1 Fac-siacutemile da segunda ediccedilatildeo das Cartas ao Imperador impressa na
Typographia de Candido A de Mello em 1866 Alencar era um autor reconhecido
ainda em vida conseguindo publicar ndash e vender ndash natildeo somente obras literaacuterias mas
tambeacutem estudos sobre poliacutetica e legislaccedilatildeo
Figura 2 Fac-siacutemile da ediccedilatildeo das Cartas ao Povo impressa na Typographia de
Pinheiro e Companhia em 1866 Logo abaixo texto da contra capa indicando pelo
editor o modo de distribuiccedilatildeo do material
Figura 3 Folha de rosto da carta ao M de Olinda onde se vecirc a citaccedilatildeo de Joacute 333
O Diaacuterio do Rio de Janeiro apesar de sustentar uma postura apoliacutetica exibia
cotidianamente (desde seus primeiros exemplares) em suas primeiras paacuteginas o
resumo das seccedilotildees da cacircmara dos deputados e do Senado
Rogeacuterio Natal Afonso
A dimensatildeo poliacutetica do pensamento de Joseacute de Alencar (1865-1868)
Liberalismo e escravidatildeo nas cartas de Erasmo
Dissertaccedilatildeo apresentada ao Mestrado em Histoacuteria Social das Relaccedilotildees Poliacuteticas na
Universidade Federal do Espiacuterito Santo como requisito parcial para Obtenccedilatildeo do
Grau de Mestre em Histoacuteria Social
COMISSAtildeO EXAMINADORA
___________________________________________________________________Profa Dra Maacutercia Barros Ferreira Rodrigues
Universidade Federal do Espiacuterito Santo (orientadora)
Profa Dra Maria Cristina Dadalto
Universidade Federal do Espiacuterito Santo (membro titular)
___________________________________________________________________
Prof Dr Thiago Lima Nicodemo
Universidade Federal do Espiacuterito Santo (membro titular)
Prof Dr Jorge Luiz do Nascimento
Universidade federal do espiacuterito Santo (membro externo)
Vitoacuteria______ de _______________ de 2013
Agradeccedilo a todos que me ajudaram na construccedilatildeo deste trabalho
A minha famiacutelia
Aos professores todos
A minha orientadora em particular
Aos amigos que me fizeram sugestotildees e criacuteticas
Agravequeles que dedicaram um pouco de seu tempo me ajudando
E a Deus
RESUMO
Partindo dos textos que compotildeem uma seacuterie de ldquocartas abertasrdquo de Joseacute de Alencar
endereccediladas ao Imperador D Pedro II e a alguns entes poliacuteticos da administraccedilatildeo
do Estado escritas entre 1865 e 1868 busca-se discutir a defesa paradoxal entre a
formaccedilatildeo de uma sociedade liberal dentro de um paiacutes de economia agroexportadora
sustentada pela matildeo de obra escrava
Tomaremos o texto de Alencar como um discurso poliacutetico ideoloacutegico das elites
presentes na corte imperial Entendemos a dimensatildeo ideoloacutegica do discurso poliacutetico
de Alencar no sentido marxista de corte gramsciano ou seja como uma concepccedilatildeo
de mundo que perpassa desde o discurso comum ateacute formas mais elaboradas de
discurso filosoacutefico A partir daiacute buscaremos compreender o modo de vida as
representaccedilotildees poliacuteticas e as formas de dominaccedilatildeo presentes no periacuteodo sob a oacutetica
do pensamento poliacutetico conservador de Joseacute de Alencar dando ecircnfase a anaacutelise de
sua defesa do liberalismo e da escravidatildeo
PALAVRAS CHAVE Poliacutetica discurso liberalismo escravidatildeo
ABSTRACT
Based on the texts that make up a series of open letters addressed to Joseacute de
Alencar to Emperor D Pedro II and some political entities of state administration and
written between 1865 and 1868 seek to discuss the defense of the paradox between
a liberal society within a country agro-export economy sustained by slave labor
We will take the text of a speech Alencar as ideological political elites present at the
imperial court We understand the ideological dimension of political discourse of Joseacute
de Alencar in the sense of cutting Gramscian Marxist as a world view that permeates
from the common speech even more elaborate forms of philosophical discourse
From there we will seek to understand the way of life political representations and
forms of domination present in the period from the perspective of political speech of
Joseacute de Alencar emphasizing the analysis of his defense of liberalism and slavery
KEYWORDS politics speech liberalism slavery
LISTA DE IMAGENS
FIGURA 1 ndash Fac-siacutemile da segunda ediccedilatildeo das cartas ao Imperador183
FIGURA 2 ndash Fac-siacutemile da primeira ediccedilatildeo das Cartas os povo184
FIGURA 3 ndash Folha de rosto da ediccedilatildeo das Cartas ao Marquecircs de Olinda185
FIGURA 4 ndash Paacutegina do Diaacuterio do Rio de Janeiro registrando a aboliccedilatildeo186
SUMAacuteRIO
INTRODUCcedilAtildeO10
1 A TRAJETOacuteRIA POLIacuteTICA DE ALENCAR22
11 PRIMEIROS ANOS24
12 VIDA NA CORTE27
13 MILITAcircNCIA POLIacuteTICA34
14 UacuteLTIMOS ANOS49
2 CONJUNTURA POLIacuteTICA DO II REINADO55
21 UMA VISAtildeO GERAL56
22 O ESTADO DA ARTE DA IMPRENSA NO OITOCENTOS 64
23 SOBRE AS ELITES NO PODER 70
24 INTELECTUAIS E OPINIAtildeO PUacuteBLICA77
3 LIBERALISMO E ESCRAVIDAtildeO NAS CARTAS DE ERASMO 82
31 LIBERALISMO E ESCRAVIDAtildeO82
32 LIBERALISMO E ESCRAVIDAtildeO O MODELO BRASILEIRO86
33 AS CARTAS DE ERASMO95
331 AO IMPERADOR103
332 AO POVO AO REDATOR DO DIAacuteRIO DO RIO DE JANEIRO121
333 AO MARQUEcircS DE OLINDA AO VISCONDE DE ITABORAHY133
334 NOVAS CARTAS AO IMPERADOR138
4 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS162
5 BIBLIOGRAFIA174
6 ANEXOS183
INTRODUCcedilAtildeO
O Brasil do seacuteculo XIX com a chegada da famiacutelia real nos primeiros anos ateacute e
particularmente o periacuteodo imperial eacute caracterizado por um desenvolvimento
econocircmico social e poliacutetico intenso e relativamente acelerado se comparado a
outras naccedilotildees da Ameacuterica Latina (COSTA 1999) Tal desenvolvimento se deve a
construccedilatildeo de um projeto poliacutetico para o paiacutes que deixando de ser uma colocircnia de
Portugal necessitava afirmar sua nova identidade - agora como uma naccedilatildeo
independente - tanto interna quanto externamente O processo tem iniacutecio com a
transferecircncia para a cidade do Rio de Janeiro do Priacutencipe Regente D Joatildeo VI a
famiacutelia real portuguesa e sua Corte em 1808 gerando um consideraacutevel aumento na
populaccedilatildeo residente e a consequente transformaccedilatildeo da cidade com a construccedilatildeo
de escolas museus teatros faculdades e dentre outras novidades a imprensa
A emancipaccedilatildeo poliacutetica em 1822 manteacutem o sistema monaacuterquico ndash ainda sob a casa
de Braganccedila com D Pedro I ndash agora pelo modelo constitucional tendo por base as
ideias liberais importadas da Europa iluminista A presumida liberdade que o paiacutes
vem a construir garantida na constituiccedilatildeo outorgada pelo governante jaacute encontra
um terreno poliacutetico e econocircmico bastante diverso daquele onde surgiu o liberalismo
europeu tendo por base a agricultura de produtos de exportaccedilatildeo assentada na
escravidatildeo - tanto a lavoura tradicional accedilucareira do nordeste como as novas e
proacutesperas plantaccedilotildees de cafeacute do Vale do Paraiacuteba dependiam do escravo O Brasil
logo depois da emancipaccedilatildeo politica em 1822 possui uma das maiores populaccedilotildees
escravas da Ameacuterica e tambeacutem a maior populaccedilatildeo de afrodescendentes livres no
continente (MATTOS H 2000) a quem natildeo eram concedidos os direitos poliacuteticos
de cidadatildeo E uma minoria tida como aristocraacutetica dominava assentados seus
privileacutegios nas relaccedilotildees que possuiacuteam com a coroa ndash uma administraccedilatildeo do Estado
de modelo conservador com D Pedro e a heranccedila do absolutismo portuguecircs
Liberalismo e conservadorismo convivem entatildeo na sociedade brasileira em
formaccedilatildeo como os dois lados de uma realidade complexa e contraditoacuteria Liberal no
sentido de que as lideranccedilas que surgem se mobilizaram nesse sentido para
justificar a separaccedilatildeo da metroacutepole e ao mesmo tempo conservador por precisar
manter a escravidatildeo e a dominaccedilatildeo do senhoriato (NOVAIS 1996)
Para a manutenccedilatildeo da organizaccedilatildeo do Estado a monarquia reforccedila os laccedilos jaacute
seculares do estamento portuguecircs presentes desde a colocircnia criando ndash tambeacutem
inspirado na tradiccedilatildeo portuguesa ndash o modelo brasileiro de nobreza de gentleman
este emerge como um segmento que se solidifica na figura do intelectual morador
da cidade bacharel em direito (tambeacutem alguns poucos meacutedicos raros engenheiros
e matemaacuteticos) filho do fazendeiro ou do comerciante enriquecido filho do
funcionaacuterio portuguecircs fixado no Brasil neto e bisneto dos donos da terra e
representante uacuteltimo das famiacutelias que viriam compor esta ldquoeliterdquo da terra garantindo
uma continuidade na estabilidade poliacutetica Observa-se assim com a absorccedilatildeo
destes elementos pelo Estado um crescimento de algumas cidades portuaacuterias e
principalmente no Rio de Janeiro onde se instala a Corte e o consequente
desenvolvimento de uma burocracia especializada necessaacuteria agrave administraccedilatildeo do
reino Um conjunto de instituiccedilotildees baseadas no modelo portuguecircs ndash quando natildeo
copiadas integralmente de seus pares em Lisboa ndash de funcionalismo puacuteblico para
uma monarquia de moldes absolutistas que recebe poucas adaptaccedilotildees no Brasil
(FAORO 2004)
Boris Fausto em sua Histoacuteria do Brasil (FAUSTO 2001) defende certa estabilidade
no periacuteodo sustentada pelo desenvolvimento das cidades e o aumento de pessoas
com niacutevel superior Costa (1999) afirma que os nuacutecleos urbanos mais importantes
em sua maioria estavam ao longo da costa brasileira coincidindo com os principais
portos exportadores e o desenvolvimento destes tem ndash por conta de sua localizaccedilatildeo
ndash caracteriacutesticas especiacuteficas das ideias trazidas da Europa pelos jornais e livros que
chegam pelos portos Nas demais aacutereas o crescimento urbano era limitado
prevalecendo a grande propriedade rural Mas com as faculdades de direito em Satildeo
Paulo e Recife sendo construiacutedas na primeira metade do oitocentos o processo de
composiccedilatildeo de uma intelectualidade local jaacute tem iniacutecio tendo como palco os nuacutecleos
urbanos Tal periacuteodo eacute marcado tambeacutem pelo desenvolvimento da imprensa onde
as ideias liberais satildeo proclamadas aos quatro ventos pelos diversos jornais e
pasquins que surgem e desaparecem todos os dias (BAHIA 1990) os homens que
se formam ndash de uma maneira integral eacute certo - naquele novo cotidiano iratildeo
inspirados em um periacuteodo recente de administraccedilatildeo ndash jaacute dissemos moldado no
estamento portuguecircs - desenvolver certa predileccedilatildeo pelo cargo puacuteblico e pelas
letras Segundo Faoro (2004) o funcionaacuterio puacuteblico que se forma eacute um dos
responsaacuteveis diretos ndash senatildeo o uacutenico tecnocrata ndash pela reorganizaccedilatildeo (reinvenccedilatildeo)
do antigo modelo no novo paiacutes Leitores dos jornais e ao mesmo tempo formadores
de opiniatildeo estes homens satildeo os comentadores e partiacutecipes do desenvolvimento
poliacutetico e econocircmico das cidades enquanto inspirados pelas ideias liberais que jaacute
tomam corpo por aqui Estes homens que tem acesso agrave informaccedilatildeo e fazem de sua
praacutexis um elemento transformador da sociedade (GRAMSCI 1976) alguns sendo
sustentados pelo abraccedilo do cargo puacuteblico outros escrevendo para os jornais onde
apresentam e defendem suas ideias (liberais ou natildeo) para os outros homens - que
vem a constituir uma opiniatildeo puacuteblica representada pelos agravevidos leitores desses
mesmos jornais
Isto posto destacamos que essa dissertaccedilatildeo que tem como tema o liberalismo no
Brasil e sua relaccedilatildeo com a escravidatildeo no periacuteodo do segundo reinado apresenta
como seu objetivo geral discutir as dificuldades de implantaccedilatildeo deste sistema
poliacutetico - o liberalismo - em uma sociedade dominada por uma elite assentada na
economia agroexportadora baseada na matildeo de obra do escravo percebendo como
paradoxal esta relaccedilatildeo entendendo ser o liberalismo uma doutrina poliacutetica que tem
por base a defesa da liberdade individual nos campos poliacutetico econocircmico religioso e
intelectual conquistada por meio de lutas da sociedade civil contra o absolutismo do
Estado caracteriacutestico do Antigo regime na Europa Acreditamos com Gramsci
(1989) que o discurso que sustenta tal relaccedilatildeo e tenta justifica-la eacute mediado entre as
elites e o povo por meio dos intelectuais Portanto cabem aqui mais algumas
questotildees qual era a visatildeo dos intelectuais sobre a relaccedilatildeo entre liberalismo e
escravidatildeo no Brasil Os intelectuais comungariam com tais ideias Elas estatildeo
presentes em seu discurso
Nossa duacutevida fundamental a qual a pesquisa busca explicar eacute seraacute que estes
intelectuais que se formam nas primeiras faculdades de direito do Brasil filhos de
fazendeiros comerciantes muitos dos quais ligados direta ou indiretamente agrave
economia agroexportadora baseada no trabalho escravo assumiram o discurso
liberal Estaria este discurso presente em suas representaccedilotildees e em seus textos
Para tanto nosso objetivo especiacutefico seraacute analisar o trabalho de um intelectual do
periacuteodo e uma parte de sua produccedilatildeo Joseacute de Alencar
Dessa forma partimos da seguinte hipoacutetese eacute por meio de um discurso poliacutetico
conservador vinculado as propostas ideoloacutegicas das elites escravocratas
disseminado pelos jornais e panfletos do periacuteodo que os intelectuais construiacuteram
uma imagem paradoxal do liberalismo para o Brasil no segundo reinado
Para construirmos nossa narrativa histoacuterica tomamos como fonte para analisarmos
nossa hipoacutetese as ldquocartas de Erasmordquo Um conjunto de cartas abertas publicadas
sob a forma de folhetins no periacuteodo de 1865 a 1868 dirigidas ao Imperador e a
vaacuterios outros entes poliacuteticos Nossa hipoacutetese eacute de que neste texto possamos
identificar a tentativa de Alencar sustentar uma visatildeo liberal para o desenvolvimento
poliacutetico e econocircmico da naccedilatildeo ao mesmo tempo em que faz uma defesa da
manutenccedilatildeo do sistema escravista no Brasil o que nos faz crer que exista uma
postura liberalconservadora como modelo ideoloacutegico a ser construiacutedo pelas elites
atraveacutes de alguns setores da imprensa Buscaremos nas cartas poliacuteticas de Alencar
indiacutecios da sustentaccedilatildeo de um discurso liberal que tambeacutem apresenta caracteriacutesticas
conservadoras e admite (e reafirma) a manutenccedilatildeo da escravidatildeo no Brasil Para
tanto nos propomos a uma anaacutelise de todo o texto das cartas em uma perspectiva
hermenecircutica baseada nos princiacutepios da anaacutelise do discurso Como sustenta
Intildeiguez (2005) a anaacutelise de discurso como aparentemente possa parecer natildeo eacute
uma aacuterea restrita da linguiacutestica e comporta contribuiccedilotildees de vaacuterias aacutereas de estudo
Ao mesmo tempo considerando que uma das caracteriacutesticas da histoacuteria poliacutetica
renovada segundo Remond (2003) eacute ser um ponto de convergecircncia de diversas
disciplinas como a sociologia a linguiacutestica o direito dentre vaacuterias outras o que lhe
possibilita um ganho analiacutetico consistente e consolida sua natureza interdisciplinar a
anaacutelise de discurso apresenta-se como um caminho consistente para a abordagem
de textos poliacuteticos do periacuteodo Neste caso nossa pesquisa busca entender a relaccedilatildeo
do modelo de liberalismo poliacutetico implantado no Brasil com a escravidatildeo e se a
justificaccedilatildeo para tal discurso estaacute presente nos textos de intelectuais do periacuteodo
tendo como fonte o texto das Cartas Poliacuteticas de Joseacute de Alencar
Nossa pesquisa se justifica pela necessidade de entender a dimensatildeo poliacutetica do
segundo reinado por meio de uma fonte impressa que teve grande circulaccedilatildeo no
periacuteodo de nosso recorte e que pode criar uma inter-relaccedilatildeo entre os pontos
descritos Na anaacutelise do texto de um dos mais importantes intelectuais do periacuteodo
Joseacute de Alencar - poliacutetico atuante jornalista romancista e dramaturgo -
conseguimos um elo entre intelectuais imprensa e elites e a confluecircncia desses
ldquopartidosrdquo no projeto ideoloacutegico de construccedilatildeo da naccedilatildeo (GRAMCI 1989) Tais
elementos satildeo comunmente tomados em separado Com Alencar nas cartas de
Erasmo temos um intelectual que usa do seu texto literaacuteriojornaliacutestico1 em uma
miacutedia alternativa no momento para se dirigir a segmentos da elite poliacutetica e
econocircmica na Corte no Rio de Janeiro Essa confluecircncia portanto eacute a proacutepria
ldquoaccedilatildeordquo do objeto enquanto veiacuteculo de comunicaccedilatildeo
A discussatildeo historiograacutefica sobre nosso tema apresenta estudos por vezes
coincidentes por vezes conflitantes Bosi (1988) afirma que o paradoxo entre
liberalismo e escravidatildeo natildeo existiu no Brasil ldquono periacuteodo que se segue agrave
Independecircncia e vai ateacute os anos centrais do Segundo Reinadordquo (BOSI 1998 p 05)
O autor tambeacutem afirma que para entender a articulaccedilatildeo do liberalismo pregado ndash e
assumido ndash no Brasil com o regime escravagista eacute necessaacuterio compreender o modo
de pensar das classes poliacuteticas dominantes no impeacuterio a partir da independecircncia
Neves (2001) sustenta que o liberalismo no Brasil se alavanca a partir da revoluccedilatildeo
ldquovintistardquo em Portugal que vem propondo reformas que pudessem garantir ao
indiviacuteduo direitos de cidadania e liberdade de expressatildeo e buscando o fim do
despotismo como uma soluccedilatildeo para o impeacuterio O movimento segundo a autora eacute
assimilado sem dificuldade pelos elementos das elites poliacutetica e intelectuais no
Brasil A proposta era buscar o novo mas sem abrir matildeo dos antigos privileacutegios
econocircmicos
Para Gorender (2002) os princiacutepios liberais levados adiante pelos comerciantes e
plantadores visava o direito de ter uma representaccedilatildeo no estado fora das limitaccedilotildees
impostas pela poliacutetica colonial que terminaria com o processo de independecircncia Tal
1 Antocircnio Cacircndido (1999) sustenta ser uma das caracteriacutesticas do periacuteodo (segundo reinado) a
influecircncia do texto literaacuterio nos jornais que temos vaacuterios exemplos em Machado de Assis Joseacute de
Alencar Joaquim Nabuco Capistrano de Abreu para citar alguns
processo segundo ele tem inicio com a abdicaccedilatildeo em 1831 Este autor afirma que
o liberalismo europeu defende o trabalho livre mas lembra tambeacutem que o proacuteprio
Adam Smith natildeo era contra a escravidatildeo nas colocircnias Ou seja o liberalismo
europeu segundo um de seus mais importantes representantes jaacute nasce sob esta
contradiccedilatildeo O autor lembra que mesmo com a Revoluccedilatildeo Francesa tendo
decretado a libertaccedilatildeo dos escravos em suas colocircnias francesas Napoleatildeo
restabelece a escravidatildeo oito anos depois Apesar da pregaccedilatildeo pela liberdade na
Europa nas colocircnias a poliacutetica praticada natildeo era a mesma O que nos leva a
entender melhor a relaccedilatildeo liberalismoescravidatildeo no Brasil
Entendemos entatildeo que no processo de formaccedilatildeo do Estado Imperial Brasileiro
havia diferentes leituras e objetivos para o uso do liberalismo ligadas a interesses
especiacuteficos Por um lado como enfatiza Mattos (1987) a accedilatildeo do grupo conservador
no impeacuterio seguia no sentido da construccedilatildeo de monopoacutelios uma continuidade do
praticado no periacuteodo colonial enfatizando as relaccedilotildees de dominaccedilatildeo sustentadas
pela coroa Costa (1999) identifica certa originalidade no movimento poliacutetico liberal
brasileiro do periacuteodo tentando interpreta-lo como uma figura hiacutebrida onde os
elementos conservadores permanecem e satildeo amalgamados com as praacuteticas liberais
aceitas estruturando as instituiccedilotildees e a visatildeo de mundo pelas elites dominantes
sustentados pelas classes intermediaacuterias que se desenvolvia nas cidades mas que
ao mesmo tempo viam no sistema agroexportador baseado na escravidatildeo uma
dificuldade para o desenvolvimento do capitalismo Por outro lado Carvalho (2007)
chega a subestimar o aspecto liberal sustentando haver um pensamento
conservador dominante sendo a conciliaccedilatildeo entre as correntes de pensamento e os
partidos a poliacutetica da coroa com o intuito de administrar interesses e evitar conflitos
Bosi (1988) sustenta ainda que o traacutefico se apoia por vezes nas proacuteprias
autoridades a quem cabia fazer cessar o traacutefico Satildeo homens ligados a
administraccedilatildeo e a poliacutetica que manteacutem o controle terras do cafeacute e dos escravos o
que faz com que uma defesa da escravidatildeo seja a proposta corrente Nesse
aspecto Prado (2001) concorda que com a produccedilatildeo organizada sob a exploraccedilatildeo
do trabalho escravo sendo muito lucrativa ateacute entatildeo dificilmente teria por parte da
elite qualquer movimento estimulando o seu teacutermino
O liberalismo poliacutetico proposto para o Brasil apresenta assim caracteriacutesticas
diversas conforme os interesses dos diversos grupos das elites poliacuteticas e
econocircmicas no poder Mattos (1987) enxerga no grupo conservador representado
pelos senhores traficantes de escravos e grandes comerciantes um pensamento
contraacuterio agraves ideias liberais e a favor da centralizaccedilatildeo poliacutetica A anaacutelise do sistema
econocircmico agroexportador brasileiro no periacuteodo Imperial tambeacutem nos revela as
muitas contradiccedilotildees da sociedade escravista do seacuteculo XIX o liberalismo econocircmico
e o aumento do fluxo de escravos para o Brasil a defesa da liberdade e o
incremento da escravidatildeo o desenvolvimento do consumo e a pobreza Tacircmis
Parron (2008) sustenta que durante o seacutec XIX toda a defesa do traacutefico e da proacutepria
escravidatildeo como uma instituiccedilatildeo se sustentaram em ideias liberais Agrave medida que
na Europa o sistema econocircmico pregava um livre mercado com o trabalho livre nas
Ameacutericas a escravidatildeo permanecia forte em paiacuteses como os Estados Unidos em
Cuba e no Brasil Emilia Viotti (1999) sustenta para o periacuteodo uma visatildeo hiacutebrida
onde os elementos conservadores presentes no Brasil servem como um equiliacutebrio a
praacuteticas e ideias liberais que poderiam tomar formas mais radicais se acaso
atingissem grupos da populaccedilatildeo estruturando dessa forma as instituiccedilotildees e a visatildeo
de mundo dos principais agentes poliacuteticos no poder no periacuteodo dando ao liberalismo
aqui sua caracteriacutestica ldquocor localrdquo Dessa feita entendemos que o liberalismo
representa distintos interesses da sociedade brasileira e caracteriza-se
diversamente nas diferentes regiotildees do paiacutes e um dos agentes mais importantes na
divulgaccedilatildeo de tais ideias e praticas eacute justamente a imprensa que muito se
desenvolve no periacuteodo como arena de debates de poliacuteticos e intelectuais
Concordando com Bosi (1988) que afirma que o paradoxo entre liberalismo e
escravidatildeo foi somente verbal que o liberalismo simplesmente natildeo existiu enquanto
uma ideologia dominante Segundo ele o que dominou em todo esse periacuteodo no
Brasil foi um ideaacuterio de fundo conservador Um conjunto de normas juriacutedico-poliacuteticas
capazes de garantir a propriedade fundiaacuteria e a escravidatildeo negra ateacute o seu limite E
em nosso entender essa ideologia era difundida por meio dos intelectuais nos
veiacuteculos de comunicaccedilatildeo do periacuteodo como os panfletos pasquins e jornais em
geral
Portanto nosso objetivo aqui para testar nossa hipoacutetese eacute estudar as formas do
discurso poliacutetico em meados do seacuteculo XIX analisando o texto jornaliacutesticoliteraacuterio
de Joseacute de Alencar nas Cartas de Erasmo Acreditamos que Alencar usava seu
texto como um meio para difundir fortalecer e consolidar a ideologia das elites
presentes na corte imperial suas representaccedilotildees e as formas de dominaccedilatildeo
presentes no periacuteodo Alencar toma do discurso liberal alguns princiacutepios para
sustentar a ideologia de grupos vinculados a uma proposta de conservadorismo
poliacutetico em que a manutenccedilatildeo dos privileacutegios desta ldquoaristocraciardquo bem como a
continuidade da escravidatildeo no Brasil satildeo seus pontos principais
A pesquisa se fundamenta tambeacutem na premissa de que a proposta de Alencar era
a de criar um modelo (segundo ele melhor) para a sociedade De tal maneira
podemos designaacute-lo ndash o texto as cartas de Erasmo - como um discurso ideoloacutegico
Um conceito formulado por Chauiacute (revendo Gramsci) nos ajuda de forma elucidativa
Fundamentalmente a ideologia eacute um corpo sistemaacutetico de representaccedilotildees e de normas que nos ensinam a conhecer e a agir A sistematicidade e a coerecircncia ideoloacutegicas nascem de uma determinaccedilatildeo muito precisa o discurso ideoloacutegico eacute aquele que pretende coincidir com as coisas anular a diferenccedila entre o pensar o dizer e o ser e destarte engendrar uma loacutegica da identificaccedilatildeo que unifique pensamento linguagem e realidade para atraveacutes dessa loacutegica obter a identificaccedilatildeo de todos os sujeitos sociais com uma imagem particular universalizada isto eacute a imagem da classe dominanterdquo (CHAUI 1997 p 03)
Dessa feita entendemos a dimensatildeo ideoloacutegica do discurso poliacutetico construiacutedo por
meio das cartas de Erasmo no sentido marxista de corte gramsciano ou seja como
uma concepccedilatildeo de mundo que perpassa desde o discurso comum ateacute formas mais
elaboradas de discurso filosoacutefico Nesse sentido as cartas de Erasmo seratildeo
tomadas como peccedila de anaacutelise enquanto uma dimensatildeo do discurso de Alencar
como ator poliacutetico de seu tempo para uma discussatildeo sobre a relaccedilatildeo entre
liberalismo e escravidatildeo no Brasil Gramsci (1989) nos mostra que os intelectuais se
formaram historicamente em associaccedilatildeo com as elites econocircmicas Seu papel
dentro dos diversos partidos2 eacute a de organizaccedilatildeo e disseminaccedilatildeo da ideologia
Alencar por meio de seu texto busca criticar a administraccedilatildeo vigente e sua relaccedilatildeo
2 Entendendo ldquopartidordquo no sentido mesmo que Gramsci o determinou GRAMSCI Antocircnio
Intelectuais e a Organizaccedilatildeo da Cultura Satildeo Paulo Civilizaccedilatildeo Brasileira 1989
com a coroa por meio de recriminaccedilotildees a poliacutetica econocircmica a administraccedilatildeo da
guerra do Paraguai ao descaso dos poliacuteticos e ndash em nosso caso ndash quanto agraves
propostas para o fim da escravidatildeo
Buscamos nos textos de Gramsci o referencial teoacuterico que ndash acreditamos ndash nos
apresenta uma melhor adequaccedilatildeo a proposta metodoloacutegica aplicada de uma
discussatildeo hipoteacutetico-dedutiva dos textos que se seguem Gramsci nos fornece um
material teoacuterico que - como ele mesmo comenta em sua organizaccedilatildeo inicial para a
escritura dos cadernos - satildeo apontamentos sem uma ligaccedilatildeo serial linear mas que
podem nos fornecer uma base teoacuterica rica conquanto estejam mesmo permitindo-se
uma interpretaccedilatildeo mais heterodoxa das fontes
Gramsci propotildee uma visatildeo ampliada do conceito de Estado em que a relaccedilatildeo entre
sociedade civil e sociedade poliacutetica eacute dialeacutetica A sociedade civil eacute o lugar da luta de
classes pela hegemonia e junto com a sociedade poliacutetica eacute um dos fatores que a
constituem O Estado eacute um elemento aglutinador e como tal formado pela
diversidade de instituiccedilotildees da sociedade civil Eacute uma combinaccedilatildeo de forccedila e
consenso fazendo parecer que os caminhos traccedilados pelo Estado sejam vistos
como consensuais pela maioria expressos pela opiniatildeo puacuteblica em seus diversos
oacutergatildeos (GRAMSCI 1999) Neste conceito ampliado de Estado a sociedade poliacutetica
eacute a definiccedilatildeo de uma esfera na qual se situam os mecanismos de coerccedilatildeo e
dominaccedilatildeo como o aparato policial-militar e a burocracia e a sociedade civil que eacute
formada pelas organizaccedilotildees responsaacuteveis pela elaboraccedilatildeo e difusatildeo das ideologias
como a escola a igreja os partidos poliacuteticos os sindicatos as organizaccedilotildees
profissionais e a miacutedia A cultura para Gramsci estaacute relacionada com a
transformaccedilatildeo da realidade atraveacutes de uma busca e consequente conquista de uma
consciecircncia superior onde cada indiviacuteduo precisa conseguir compreender o seu
valor na sociedade (GRAMSCI 1976) Eacute dessa forma que se daacute a passagem do
momento corporativo ao momento eacutetico-poliacutetico da estrutura agrave superestrutura Isto eacute
expresso por Gramsci atraveacutes do seu conceito ampliado de poliacutetica a catarse O
momento em que a esfera dos interesses corporativos e particulares eleva-se ao
niacutevel da consciecircncia universal e as classes conseguem elaborar um projeto para
toda a sociedade atraveacutes de uma accedilatildeo coletiva Assim sair da passividade para
Gramsci eacute deixar de aceitar a subordinaccedilatildeo que o sistema capitalista impotildee a
alguns estratos da populaccedilatildeo Nesse processo que eacute dialeacutetico podemos observar
um Alencar em sua posiccedilatildeo de aristocrata mas ao mesmo tempo como um
intelectual - um elo para a divulgaccedilatildeo das ideias da elite e a sociedade como um
todo ndash que opta pela reafirmaccedilatildeo de valores tradicionalmente aceitos reafirmando
um modelo adequado que deve perpetuar-se tanto para a famiacutelia como para a
administraccedilatildeo puacuteblica por meio da divulgaccedilatildeo de suas ideias em um veiacuteculo de
comunicaccedilatildeo em detrimento das transformaccedilotildees que acusa como degradadoras
dos valores temos aqui a proacutepria constituiccedilatildeo do bloco histoacuterico Eacute a partir destes
conceitos formulados por Gramsci que buscamos encontrar uma melhor
compreensatildeo do texto de Alencar
No primeiro capiacutetulo nosso trabalho apresenta uma sucinta biografia de Joseacute de
Alencar tentando situar em sua trajetoacuteria os interesses e as escolhas poliacuteticas nas
quais estava inserido e o contexto a que se referia e ndash de certa forma ndash pretendia
criar
No segundo capiacutetulo buscamos mostrar a conjuntura poliacutetica do segundo reinado
junto ao processo de formaccedilatildeo das elites e intelectuais bem como da imprensa no
Brasil A divisatildeo aparentemente estanque tem como elemento agregador a proacutepria
biografia de Alencar Ali se buscam esmiuccedilar os elementos formadores do
intelectual Alencar apresentados anteriormente e como ele se apresenta em seu
campo de batalha
A conjuntura poliacutetica do periacuteodo junto a alguns elementos relevantes que satildeo
tomados pela criacutetica feroz de Alencar
A imprensa - seus primeiros anos no Brasil - na qual Alencar milita como criacutetico e
jornalista sendo este o seu veiacuteculo principal de divulgaccedilatildeo de ideias
As elites que disputam o poder no periacuteodo e tem nos intelectuais seu ponto de
ligaccedilatildeo com as camadas populares
E os intelectuais em si que comeccedilam a se formar nesse periacuteodo no paiacutes
influenciados pelas ideias liberais vindas da Europa e mesmo em parte
compartilhada com os grupos no poder Alencar se apresenta como um intelectual
surgido em uma das primeiras escolas de direito do paiacutes no Largo de Satildeo
Francisco portanto compartilhando de uma relaccedilatildeo direta com os outros elementos
da elite local que estava se formando
Estes elementos apresentados a opiniatildeo puacuteblica a imprensa e as elites formam em
um conjunto o arcabouccedilo do que seria o campo de atuaccedilatildeo do intelectual Alencar e
a proposta de pontuar o ldquoestado da arterdquo em que se apresentam tais segmentos
pode nos auxiliar na construccedilatildeo de um retrato mais niacutetido da superestrutura
(GRAMSCI 1999) no recorte
No terceiro capiacutetulo analisaremos as Cartas de Erasmo dando ecircnfase agraves propostas
de Alencar sobre o problema da escravidatildeo no periacuteodo Natildeo eacute nosso objetivo
debater (ou defender) as questotildees do traacutefico do abolicionismo e das reaccedilotildees em
oposiccedilatildeo dos diversos grupos envolvidos nas questotildees mas a partir da
investigaccedilatildeo da fonte apresentar a questatildeo sob uma oacutetica especiacutefica a de Joseacute de
Alencar como um ator poliacutetico do periacuteodo e seu modelo de representaccedilatildeo poliacutetico e
ideoloacutegico para o Brasil se eacute ou natildeo influenciado pelos ideais do liberalismo
Para tanto apresentamos uma breve exposiccedilatildeo do pensamento de seus principais
representantes na Europa com o intuito de comparar uma possiacutevel similaridade com
o texto das cartas
No quarto e uacuteltimo capiacutetulo nos reservamos a um conjunto de consideraccedilotildees finais
com vistas a uma compreensatildeo do que foi apresentado
As fontes usadas na pesquisa satildeo As cartas de Erasmo publicadas semanalmente
no periacuteodo de 1865 a 1868 e vendidas pelas ruas da Corte do Rio de Janeiro A
publicaccedilatildeo3 com a qual trabalhamos foi organizada por Joseacute Murillo de Carvalho e
conteacutem as seguintes ediccedilotildees
Ao Imperador Cartas de Erasmo de 1865 no caso a segunda ediccedilatildeo de 1866
Uma carta Ao Redator do Diaacuterio (do Rio de Janeiro) de 1865
Ao Povo Cartas Poliacuteticas de Erasmo de 1866 acompanhadas das cartas ldquoAo
Marquecircs de Olindardquo 1866 e ldquoAo Visconde de Itaboraiacute Carta de Erasmo Sobre a
3 ALENCAR Joseacute de Cartas de Erasmo Joseacute de Alencar organizador Joseacute Murilo de Carvalho
ndash Rio de Janeiro ABL 2009
Crise Financeirardquo tambeacutem de 1866
Ao Imperador Novas Cartas Poliacuteticas de Erasmo de 1867-68
Tambeacutem foram de grande auxiacutelio agraves biografias4 pesquisadas e a bibliografia
composta de obras especializadas e baseadas em recentes pesquisas e em textos
de consolidado valor Uma das finalidades da histoacuteria eacute conhecer melhor os
sistemas de representaccedilatildeo das sociedades passando pela literatura e filosofia e
sempre atentando para a produccedilatildeo intelectual (REMOND 2003) Com as cartas de
Erasmo nos apropriamos de um texto criativo coerente e esteticamente belo o que
soacute vem facilitar o trabalho interpretativo Frente a isto aqui temos o Alencar no
comeccedilo da vida puacuteblica se consolidando tanto como artista como um poliacutetico
atuante na Corte - um intelectual Um Alencar que tem muito a nos dizer sobre o
periacuteodo
4 MENEZES Raimundo de Joseacute de Alencar literato e poliacutetico 2a Ed Rio de Janeiro livros teacutecnicos e
cientiacuteficos 1965 NETO Lira O inimigo do rei uma biografia de Joseacute de Alencar ou a mirabolante aventura de um romancista que colecionava desafetos azucrinava D Pedro II e acabou inventando o Brasil Satildeo Paulo Globo 2006 RODRIGUES Antocircnio Edmilson Martins Joseacute de Alencar O poeta armado do Seacuteculo XIX ndash Rio de Janeiro Editora FGV 2001
1 A TRAJETOacuteRIA POLIacuteTICA DE ALENCAR
Eacute um homem de valor poreacutem muito mal educado
D Pedro II referindo-se ao Alencar
Partindo para um esboccedilo sobre a vida de Alencar preferimos trabalhar com uma
biografia criacutetica buscando enfatizar o agente poliacutetico em detrimento do artista Mas
natildeo podemos deixar de ressaltar ser o poliacutetico Joseacute de Alencar tambeacutem um dos
maiores representantes das letras do Brasil no oitocentos Ele ao lado de Machado
de Assis Castro Alves Gonccedilalves Dias e alguns outros natildeo tatildeo notoacuterios tem seu
trabalho caracterizado pela construccedilatildeo de um projeto de modernizaccedilatildeo e a
constituiccedilatildeo de uma identidade para o Brasil O desenvolvimento tecnoloacutegico
cientiacutefico intelectual promovido na Europa era em seu entender um modelo para o
mundo civilizado e o Brasil natildeo poderia ficar fora de tatildeo significativo projeto
A proposta de nossa biografia se daacute na medida em que a pesquisa busca enfatizar
Joseacute de Alencar enquanto poliacutetico O escritor consagrado eacute deixado por um
momento de lado em detrimento dos rumos a que as questotildees relativas agrave histoacuteria
poliacutetica satildeo colocados No caso aqui a histoacuteria da literatura eacute somente um apecircndice
Tendo tambeacutem em mente as advertecircncias deixadas por Remond (2003) sobre o uso
da narrativa factual e subjetivista eminente na biografia de notaacuteveis que cruzavam
o perigoso caminho de avaliar um periacuteodo pelos olhos de um homem apenas ndash
caracteriacutestica da histoacuteria poliacutetica recriminada jaacute pela Escola dos ldquoAnnalesrdquo -
buscamos pelo caminho biograacutefico integrar o Alencar aos diversos agentes poliacuteticos
a fim de desenhar um retrato mais consistente do periacuteodo mas sempre nos
acautelando quanto a direccedilatildeo seguida Neto (2006) e Menezes (1965) sustentam tal
proposta afirmando que o temperamento reservado de Alencar eacute fator determinante
para a anaacutelise de seu texto que no caso das Cartas de Erasmo apresenta
caracteriacutesticas que transitam entre o romantismo literaacuterio e um jornalismo criacutetico
como poderemos ver mais adiante Pocock (2003) justificando uma proposta
biograacutefica comenta que ldquose [temos de ter] uma histoacuteria do pensamento poliacutetico
construiacuteda sobre princiacutepios autenticamente histoacutericos precisamos ter meios de
saber o que um autor ldquoestava fazendordquo quando escrevia ou publicava um texto
ldquo(POCOCK 2003 p28) Ainda na corrente citaccedilatildeo explica que ldquoem inglecircs coloquial
perguntar o que um autor ldquoestava fazendordquo eacute o mesmo que perguntar ldquoo que ele
pretendiardquo ou seja o que ldquoestava tramandordquo ou o que ldquopretendia obterrdquo Quais
seriam as intenccedilotildees de tal autor quando da escritura de seu texto Quais as suas
pretensotildees com tal trabalhordquo (POCOCK 2003 p28) Philippe Levilain (2003) indica
o fim da deacutecada de 1980 como o momento do florescer da biografia na Franccedila
havendo esta sendo reabilitada no meio universitaacuterio ainda na deacutecada de 1960 e jaacute
na deacutecada de 1980 ultrapassa as fronteiras do paiacutes Michael Winock (2003) nos
lembra da emergecircncia de pesquisas sobre os intelectuais e suas ideias no seacuteculo
XX bem como a sua importacircncia para a difusatildeo de modelos poliacuteticos que tem
atraiacutedo agrave atenccedilatildeo de inuacutemeros pesquisadores Com Joseacute de Alencar ampliamos o
horizonte da pesquisa dos intelectuais no Brasil ateacute meados soacute seacuteculo XIX onde
estaacute nosso recorte temporal
Jaacute existem biografias consistentes sobre o Alencar Destaco o trabalho beneditino de
Raimundo de Menezes (1965) ldquoJoseacute de Alencar literato e poliacuteticordquo que recolheu
desde documentos pessoais ateacute fotografias e caricaturas do periacuteodo mas que tenta
natildeo traccedilar uma criacutetica ao trabalho de Alencar sendo um texto predominantemente
factual Eacute para aonde me remeto como uma fonte baacutesica do estudo e que
determina a linha mestra da descriccedilatildeo mas me apoiando tambeacutem em alguns outros
textos5 Ressaltamos aqui que nosso recorte iraacute enfatizar tambeacutem o contexto das
relaccedilotildees sociais que satildeo (ou podem ser) determinadas pelo texto
5Outras biografias satildeo MAGALHAtildeES Raimundo Jr Joseacute de Alencar e sua eacutepoca Satildeo Paulo Ed
Lisa 1971 FILHO Luiz Viana A vida de Joseacute de Alencar Satildeo Paulo Ed UNESPSalvador Edufba 2008 e NETO Lira O inimigo do rei uma biografia de Joseacute de Alencar ou a mirabolante aventura de um romancista que colecionava desafetos azucrinava D Pedro II e acabou inventando o Brasil Satildeo Paulo Globo 2006
11 PRIMEIROS ANOS
No dia 1ordm de Maio de 1829 em uma pequena casa no siacutetio Alagadiccedilo Novo na vila
de Nossa Senhora da Conceiccedilatildeo de Messejana periferia de Fortaleza proviacutencia do
Cearaacute nasce Joseacute Martiniano de Alencar Filho Seu pai um padre que haacute pouco
deixara a batina para se envolver na poliacutetica6 junto com D Baacuterbara de Alencar sua
matildee o irmatildeo Tristatildeo de Alencar e o tio Leonel Pereira de Alencar foi figura de
destaque na revoluccedilatildeo pernambucana Um revolucionaacuterio liberal ldquoexaltadordquo proacute-
repuacuteblica que posteriormente foi eleito deputado constituinte para o congresso
lusitano7 Alencar mantinha relaccedilotildees proacuteximas com os liberais de Minas Gerais e de
Satildeo Paulo como o Padre Joseacute Bento e com Custoacutedio Dias
Os (chamados) rebeldes de Pernambuco eram militares de alta patente
comerciantes senhores de engenho e sobretudo padres (calcula-se em 45 o
nuacutemero de padres envolvidos) Apesar de ter em suas linhas elementos do povo e
escravos natildeo era uma revoluccedilatildeo que pudesse ser chamada de popular Antes
tentava afirmar a dominaccedilatildeo de alguns grupos de elite local Sobe forte influecircncia da
maccedilonaria que disseminava as ideias liberais entre seus grupos os rebeldes
proclamaram uma repuacuteblica independente que incluiacutea aleacutem de Pernambuco as
capitanias da Paraiacuteba e do Rio Grande do Norte chegando com Alencar ateacute o
Cearaacute O movimento chega a controlar o governo durante dois meses Alguns de
seus liacutederes inclusive padres foram fuzilados Alencar consegue o perdatildeo
(CARVALHO 2002)
Com a abdicaccedilatildeo havendo o Senador pelo Cearaacute Joatildeo Carlos Augusto de
Oeynhausen e Gravenburg marquecircs de Aracati acompanhado D Pedro I em sua
volta a Portugal declara o senado a vacacircncia de sua cadeira O nome de Joseacute
Martiniano o pai eacute indicado em lista triacuteplice entregue a apreciaccedilatildeo da Regecircncia-
6 Um padre longe da igreja Menezes (1965) cita em nota que natildeo foram encontrados os registros de
Alencar na arquidiocese de Fortaleza 7 O pai de Alencar poliacutetico ativo e um dos participantes do movimento republicano proclamado no
Cearaacute em 1817 jaacute forneceria uma sedutora monografia Preferimos aqui em funccedilatildeo da metodologia exigida e dos limites da pesquisa buscar uma anaacutelise coerente apesar de firmada em caminhos mais sinteacuteticos
trina Aprovado toma posse em 02 de Maio de 1832 A vida na corte do Rio de
Janeiro o esperava mas natildeo por muito tempo Em 23 de agosto de 1834 eacute nomeado
presidente da proviacutencia do Cearaacute e retorna agrave terra natal com a famiacutelia Passados
alguns anos de uma administraccedilatildeo exemplar com a renuacutencia do Regente Feijoacute ndash
com quem mantinha agora relaccedilotildees proacuteximas - foi exonerado do cargo Alencar e
Feijoacute desde o golpe de estado de 1832 em que se reuniam nas sessotildees do Partido
Moderado jaacute admitiam certa cumplicidade de ideias
A famiacutelia deixa o Cearaacute e ruma novamente agrave corte em meados de 1838 onde o
Alencar reassume sua cadeira no senado O pequeno Joseacute de Alencar entatildeo com
11 anos passa a frequentar o coleacutegio elementar
O pai de Joseacute de Alencar o senador Joseacute Martiniano de Alencar eacute figura chave no
processo de maioridade de D Pedro II Enquanto orador oficial do Senado faz um
discurso durante a coroaccedilatildeo e sagraccedilatildeo do imperador no Paccedilo da cidade clamando
ao povo e a divina providecircncia para que iluminem o futuro monarca (SCHWARCZ
1998) Com a posse de D Pedro II eacute nomeado logo a seguir presidente do Cearaacute
Toma a administraccedilatildeo da proviacutencia por alguns meses mas depois de enfrentar
algumas revoltas populares deixa o governo e retorna agrave Corte em 1841 Neste
ponto o senador Alencar - agora cooptado pelo Estado - provavelmente jaacute estava
bem distante das ideias que proclamava nos movimentos revolucionaacuterios
Joseacute de Alencar o filho tem no Cearaacute - donde passa a infacircncia nessas idas e
vindas - a vida tranquila do interior Ali encontra as imagens que o seguiram pela
vida inteira e ajudaratildeo a criar as representaccedilotildees para uma naccedilatildeo nova esplecircndida
como tudo o mais que havia a sua volta naquele momento
Alencar desembarca em Satildeo Paulo em maio de 1843 ldquoUm mirrado rapazola de
catorze anos Vem completar os exames preparatoacuteriosrdquo (MENEZES 1965 p49) A
falta de livrarias e gabinetes de leitura e a dificuldade de comunicaccedilotildees com a
Europa torna o acesso aos livros uma dificuldade jaacute naquela eacutepoca Os livreiros em
sua maioria se estabelecem no Rio de Janeiro e vendem majoritariamente tiacutetulos
em inglecircs ndash visto a quantidade de residentes ingleses - e francecircs e alguns romances
adaptados e traduzidos mas ainda pouco material (RENAULT 1976)
Alencar eacute uma figura que passaria despercebida em qualquer local Alto magro
moreno de oacuteculos De jeito acanhado ateacute mesmo silencioso Natildeo frequentava as
tabernas ou salotildees o que produzia certo estranhamento natildeo soacute dos colegas da
repuacuteblica mas nos estudantes em geral Durante o Impeacuterio como os cursos
regulares de medicina direito e engenharia ainda natildeo se proliferassem no periacuteodo
tais escolas natildeo se configuravam apenas como um centro de produccedilatildeo de uma
cultura intelectual no Brasil Eram antes espaccedilos para uma consolidaccedilatildeo do poder
nas matildeos de uma elite citadina que comeccedilava a se sobressair (COSTA 1999) A
frequentaccedilatildeo agraves escolas de Direito era a antessala necessaacuteria ao jovem que
buscava a ocupaccedilatildeo em algum cargo puacuteblico A criaccedilatildeo de cursos de niacutevel superior
tambeacutem busca a criaccedilatildeo de um funcionalismo que possa assumir os cargos da
burocracia do Estado Tambeacutem uma parte da formaccedilatildeo da Corte e uma carreira
possiacutevel dentro de um escasso mercado de trabalho
Durante o periacuteodo do curso os estudantes bagunccedilavam a cidade promovendo
reuniotildees serenatas e bebedeiras num tributo a Lord Byron8 em noitadas
ldquosatanistasrdquo Quando Alencar se transfere para Satildeo Paulo esse Byronismo estaacute na
moda (MENEZES 1977 p 50) os estudantes saem pelas ruas blasfemando contra
a vida e o amor de ldquocapa e cabeleirardquo 9 virando a vida de pernas para o ar Alencar
nunca foi dado a esses arroubos da juventude preferindo levar uma vida mais
absorta em seus pensamentos
Em 1846 Alencar se matricula na Academia Ali tem suas primeiras experiecircncias
jornaliacutestico-literaacuterias onde funda junto a alguns colegas primeiranistas a revista
semanal Ensaios Literaacuterios Em comeccedilos de 48 depois de tirar feacuterias em Fortaleza e
no siacutetio Messejana embarca para a cidade de Olinda onde se matricula no 3ordm ano
do curso Juriacutedico A companhia de Alencar ali satildeo os passeios pelas ruas solitaacuterias e
a biblioteca do mosteiro de Satildeo Bento onde funcionava o curso e aonde tem
acesso a exemplares dos cronistas coloniais Natildeo fica ali por muito tempo voltando
8 Poeta romacircntico inglecircs que veio a morrer na primeira metade do seacutec XIX 9 A expressatildeo recolhida por Menezes de um comentaacuterio de Brito Broca estaacute indefinida Parece
remeter aos juristas ingleses e americanos ndash modelos para esta juventude da elite da corte portanto ndash de usarem perucas como um siacutembolo de poder Renault (1976) indica ndash a partir de uma fonte de 1816 - que cada profissatildeo recorre a determinado tipo de cabeleira como forma de distinccedilatildeo
posteriormente para Satildeo Paulo Alencar comeccedila jaacute a sentir os primeiros sintomas da
doenccedila que o acompanharia ateacute o fim da vida e o clima do Nordeste possivelmente
seria um alivio para a tuberculose
Por fim consegue se formar em Direito em 1849 (na turma de 50) na Faculdade de
Direito do Largo de Satildeo Francisco Satildeo Paulo eacute uma ldquocidadezinha de terceira ordem
tristonha e brumosa natildeo possui cerca de 12 a 14 mil almas se tantordquo (MENEZES
1965 p 60) O espaccedilo eacute dividido entre os estudantes grupo entatildeo numerosiacutessimo
ldquoe o restordquo como diziam Meretrizes gente pobre nos corticcedilos alguns emigrantes
que vinham tentar a vida fora do campo e artistas mambembes que buscavam levar
alegria para ali Carvalho (2007) sustenta que a escolha por Satildeo Paulo e Olinda para
o estabelecimento dos cursos de Direito foi uma maneira de unificar os laccedilos entre
as elites dispersas pelas vaacuterias regiotildees para posteriormente associa-las a Corte
Alencar natildeo foge a regra e muda-se para o Rio de Janeiro cidade mais promissora
economicamente onde comeccedila a trabalhar como praticante no escritoacuterio de
advocacia do Dr Caetano Alberto Soares um dos mais procurados chegando a
representar em certas ocasiotildees a Casa Imperial Alencar trabalha ali por quatro
anos onde se inicia nos estudos mais aacuteridos do Direito mas natildeo esquece o
jornalismo
12 VIDA NA CORTE
Em 09 de agosto de 1853 Alencar comeccedila a trabalhar a convite de um amigo na
redaccedilatildeo do jornal Correio Mercantil - chamado ldquoo grande jornal das ideias liberaisrdquo -
com a obrigaccedilatildeo de promover mudanccedilas em sua estrutura que viessem a tornaacute-lo
um pouco mais popular Era tido como um abrigo dos letrados e o mais importante
dos diaacuterios da Corte a eacutepoca Ateacute 1852 o Correio Mercantil era um dos jornais
cariocas com eventual tiragem em francecircs (MENEZES 1965) Alencar passaraacute a
analisar os acontecimentos da semana no rodapeacute da primeira paacutegina da revista
hebdomadaacuteria ldquoPaacutegina Menorrdquo publicada sempre aos domingos No seacuteculo XIX tais
revistas - em formato de folhetins - jaacute satildeo comuns na imprensa nacional
O trabalho de Alencar era reunir diversos assuntos com uma escrita leve e que
chamasse a atenccedilatildeo do puacuteblico Agora mesmo avesso a festas e salotildees de baile -
como o do Cassino Fluminense famoso ponto de encontro onde fluiacuteam amizades e
intrigas liberais e conservadores conversavam serenamente com seu jeito sisudo o
jovem e acanhado jornalista comeccedila a frequentar a sociedade a procura de ideias e
tambeacutem de amigos
Alencar sabia como bom jornalista que por vezes seria preciso natildeo soacute relatar os
fatos mas tambeacutem criaacute-los eacute o caso do desfile de carnaval Desde 1854 a poliacutecia
proiacutebe a praacutetica do entrudo10 no carnaval Em 1855 um grupo de foliotildees animados
por jornalistas do Correio Mercantil em sua maioria resolve por na rua um carnaval
diferente com desfile de banda de muacutesica carros alegoacutericos e cavaleiros nos
moldes do carnaval de Veneza A moda de oacuteperas italianas pelos teatros da cidade
faz com que o estranhamento seja menor pela populaccedilatildeo jaacute familiarizada com os
tipos da comeacutedia italiana como arlequins e colombinas Alencar acompanhando o
entatildeo coronel Polidoro da Fonseca11 e Muniz Barreto proprietaacuterio do Correio
Mercantil vai ao Paccedilo da Quinta da Boa Vista convidar a famiacutelia imperial para o
desfile que viria a passar tambeacutem no Largo do Paccedilo Seria o primeiro destes
desfiles a se apresentar no Rio de Janeiro O imperador comparece e aprecia o
espetaacuteculo D Pedro II poucos anos mais velho que Alencar reconhece naquele
ldquofilho de padrerdquo um pouco da convicccedilatildeo e do ativismo do velho senador Alencar
Poreacutem o fato de Alencar assumir-se ldquoa favor do impeacuteriordquo natildeo quer dizer que morria
de amores por D Pedro II
Em 1855 devido a alguns desentendimentos com a direccedilatildeo do jornal abandona o
Correio Mercantil e sua coluna ldquoAo correr da penardquo que eacute um sucesso na eacutepoca
voltando a militar na advocacia por algum tempo Em outubro do mesmo ano
assume os cargos de gerente e redator-chefe do Diaacuterio do Rio de Janeiro com a
10 O entrudo era uma festa popular oriunda de Portugal Significa literalmente ldquointroduccedilatildeordquo e remonta antigas praacuteticas pagatildes Carnaval de rua que desde os tempos da colocircnia vem sendo proibido pelas autoridades constituiacutedas devido aos constantes excessos do povo Ver por exemplo DAMATTA Roberto Carnavais malandros e heroacuteis Para uma sociologia do dilema brasileiro Rio de Janeiro Rocco 1997 11 Os ldquoFonsecardquo eram uma famiacutelia aleacutem de influente vasta nos quadros do exeacutercito Podemos citar desde alguns heroacuteis da guerra do Paraguai ateacute o grupo que sustenta Deodoro na proclamaccedilatildeo da repuacuteblica Ver para um melhor esclarecimento nota em CARVALHO Joseacute Murilo de A formaccedilatildeo das almas o imaginaacuterio da repuacuteblica no Brasil Satildeo Paulo companhia das letras 1990 p 144
tarefa de reerguer o entatildeo decadente jornal (o primeiro jornal diaacuterio surgido no Rio
de Janeiro12) alavancando suas vendas Jaacute era naquele momento um jornalista com
certo renome e seus textos sugerem influecircncias de autores europeus O modelo
civilizacional francecircs - e isto de comum acordo com a grande maioria dos bachareacuteis
que frequentavam a corte - eram de seu agrado e como muitos outros redatores do
periacuteodo foi dele tambeacutem um divulgador Eacute o ldquoafrancesamentordquo da sociedade
carioca que se manifestava tambeacutem no uso da linguagem pelos jornais Alencar eacute
grande apreciador de Lamartine e leitor de Balzac e Voltaire desde os tempos da
academia em que passava as tardes junto ao dicionaacuterio de francecircs
Nos fins de 1854 vem ao Rio de Janeiro em feacuterias das funccedilotildees de cocircnsul geral na
regiatildeo da Sardenha na atual Itaacutelia o poeta Domingos Joseacute Gonccedilalves de
Magalhatildees - futuro visconde de Araguaia Traz consigo os originais do poema ldquoA
confederaccedilatildeo dos Tamoiosrdquo obra que dizia ele revolucionaria as letras nacionais
Grande amigo de D Pedro II este manda imprimir uma ediccedilatildeo do poema na
conhecida tipografia de Paula Brito13 em rica encadernaccedilatildeo o que jaacute era um motivo
para que o proclamado poema fosse lido O assunto gira em torna das lutas dos
Tamoios com portugueses em meados do seacuteculo XVI no litoral fluminense e paulista
exaltando o quanto podia as figuras histoacutericas do periacuteodo As criacuteticas foram
unacircnimes o poema era ndash segundo comentadores do periacuteodo como Alexandre
Herculano e Gonccedilalves Dias ndash uma grande decepccedilatildeo Alencar oculto pelo
pseudocircnimo Ig14 investe criticamente sobre o poema classificando-o de mediacuteocre
em uma seacuterie de oito cartas publicadas em sua coluna no Jornal Seria este o
primeiro debate substancioso sobre literatura travado no Brasil e de certa forma a
primeira querela envolvendo o artista e o imperador
12 Interessante lembrar que o Diaacuterio do Rio de Janeiro chega a ser apontado como subversivo por
Joseacute Bonifaacutecio que manda averiguar o teor do ldquoescritos incendiaacuteriosrdquo ali publicados em 1822(COSTA 1999 p71) No Diaacuterio seriam publicados artigos contraacuterios agrave monarquia constitucional Alencar era assumidamente um conservador 13 Paula Brito eacute editor e dono de tipografia um conhecido ponto de encontro de intelectuais e poliacuteticos do periacuteodo Mulato de origem pobre assim como Machado de Assis eacute mais um indicativo de que nas letras nacionais a poliacutetica de segmentaccedilatildeo racial era mais amena 14 Menezes comenta em uma nota que tendo o Imperador esquecido de convidar o Alencar para a leitura da ldquoConfederaccedilatildeo dos Tamoiosrdquo em seccedilatildeo no gabinete imperial este viria a se tornar um criacutetico ferrenho de Magalhatildees Nos parece um reducionismo a implicacircncia do Alencar natildeo chega a tanto e sua capacidade como escritor e poliacutetico mostra bem sua capacidade
A carta aberta eacute comum na imprensa do periacuteodo Um comentador coloca suas
opiniotildees de maneira direta e soacutebria com o intuito de publicitar um assunto Um
debate aberto por vezes uma provocaccedilatildeo E o direito de resposta era concedido
prontamente O assunto se tornado interessante era esperado pelos leitores
A maior parte das criacuteticas se refere agrave gramaacutetica e a metrificaccedilatildeo O poeta Arauacutejo
Porto-Alegre cognominado ldquoO amigo do poetardquo sai em defesa de Magalhatildees
Alencar rebate e a esta altura Ig natildeo seria mais um desconhecido Porto-Alegre
chega a transparecer que a peleja do Alencar natildeo seria contra o preterido poeta
mas um ataque indireto ao seu protetor D Pedro II Alguns outros aparecem pelas
paacuteginas do jornal apoiando tropegamente poema e poeta Alencar segue firme e o
imperador assume a pena sob o codinome de ldquoOutro amigo do poetardquo Escreve seis
artigos que Alencar responde com airosidade O imperador pede a opiniatildeo favoraacutevel
de alguns amigos sobre o poema mas nem as criacuteticas encaminhadas por Gonccedilalves
Dias e Alexandre Herculano conseguem convencer D Pedro II do contraacuterio que
Magalhatildees natildeo era tatildeo bom assim Torna-se entatildeo uma guerra puacuteblica de teimosos
Alencar no mesmo ano reuacutene em livro as cartas publicadas sobre A confederaccedilatildeo
dos tamoios No ano seguinte Magalhatildees publica uma segunda ediccedilatildeo do poema
que D Pedro II promove agora chegando a pagar a publicaccedilatildeo de duas traduccedilotildees
para o idioma italiano da obra O imperador incentiva a pesquisa e publicitaccedilatildeo de
trabalhos que enfatizam essa mitologia romacircntica do indigeniacutesmo mas natildeo significa
que esteja preocupado com a esteacutetica literaacuteria Suas razotildees estatildeo mais proacuteximas do
campo poliacutetico como tambeacutem o seria com sua relaccedilatildeo com o instituto histoacuterico e
geograacutefico ao qual era o maior patrocinador Era o momento de solidificar os
siacutembolos da nova naccedilatildeo e o indigeniacutesmo aleacutem de tudo se caracteriza por ser um
movimento antilusitano (ROMANCINI 2007)
Sobre o texto de Magalhatildees o puacuteblico aparentemente se cansa da peleja e Alencar
como redator do jornal precisa procurar mateacuteria mais interessante e a contenda se
dissipa no tempo Mas esta seria a primeira de uma seacuterie de desavenccedilas
envolvendo o Imperador e Alencar
Em dezembro de 1856 Alencar termina seu primeiro livro distribuiacutedo para os leitores
do Diaacuterio do Rio de Janeiro como um presente no Natal No ano seguinte publica o
primeiro folhetim15 de O guarani no Diaacuterio e depois em livro organizado em quatro
volumes e os primeiros capiacutetulos de A viuvinha em folhetim O sucesso de O
guarani eacute tamanho que vaacuterias portas satildeo abertas para o escritor Eacute neste ano que
Alencar ingressa no teatro com sua peccedila ldquoO Rio de Janeiro verso e reversordquo em
novembro estreia com ldquoO democircnio familiarrdquo e ainda em dezembro do mesmo ano a
comeacutedia ldquoO creacuteditordquo A sociedade apresentada nos palcos do Rio de Janeiro para
Alencar natildeo seria aquela que ele via nas ruas Seu modelo era a ldquosociedaderdquo
francesa Comenta assim em uma crocircnica
(hellip) a verdadeira comeacutedia a reproduccedilatildeo exata e natural dos costumes de uma eacutepoca a vida em accedilatildeo natildeo existe no teatro brasileiro Natildeo achando pois em nossa literatura um modelo fui buscaacute-lo no paiacutes mais adiantado em civilizaccedilatildeo e cujo espiacuterito tanto se harmoniza com a sociedade brasileira na Franccedila Fui feliz o puacuteblico ilustrado foi mais beneacutevolo do que eu esperava e merecia O Democircnio Familiar escrito conforme a escola de Dumas Filho sem lances cediccedilos sem gritos sem pretensatildeo teatral agradourdquo (MENEZES 1977 p 135)
No exposto entendemos que Alencar buscava um modelo ldquomelhorrdquo segundo ele
para a sociedade carioca O modelo francecircs de certa forma jaacute impregnado na
sociedade da Corte eacute agora validado pela arte e aplaudido pelo grupo Tal modelo
como afirma natildeo estava na literatura dramaacutetica nacional A vida em accedilatildeo natildeo existe
no teatro A questatildeo eacute qual seria essa vida que Alencar buscava A das ruas
imundas do Rio de Janeiro dos escravos que recolhiam os dejetos na cidade da
incipiente induacutestria nacional Certamente natildeo
A peccedila de maior aceitaccedilatildeo puacuteblica eacute ldquoO democircnio familiarrdquo e a mais divulgada de
suas comeacutedias Machado de Assis em um artigo qualifica a peccedila ldquoO democircnio
familiarrdquo como um retrato da famiacutelia brasileira no periacuteodo com sua caracteriacutestica ndash
segundo ele ndash paz domeacutestica O texto circula tambeacutem em versatildeo impressa com uma
dedicatoacuteria agrave imperatriz D Teresa Cristina o que chega a ser considerado uma gafe
de Alencar sendo a personagem principal o referido democircnio familiar um moleque
chamado Pedro assim como D Pedro II (e tambeacutem D Pedro I ) Na estreia do
espetaacuteculo no Teatro do Ginaacutesio comparecem D Teresa e D Pedro II que chega a
se irritar com os olhares maliciosos e risadas do puacuteblico a cada travessura do
15
Alencar estava - de certa forma - na vanguarda da miacutedia O folhetim foi uma invenccedilatildeo de Gustave
Planche no dececircnio de 1820 na Franccedila introduzindo uma forma diferenciada agrave narrativa do romance Era um modelo que agradou e ajudou a construir popularidade para Alencar Ver CAcircNDIDO Antocircnio Literatura e Sociedade 9ordf Ed Rio de Janeiro Ouro sobre Azul 2006 p 43
escravo no palco Segundo esse autor se origina daiacute e natildeo do episoacutedio da
Confederaccedilatildeo dos Tamoios as diferenccedilas entre o imperador e Alencar De qualquer
forma natildeo se pode deixar de ver Joseacute de Alencar como um implicante
Em 30 de maio de 1858 no teatro do Ginaacutesio Dramaacutetico estreia a comedia ldquoAs asas
de um anjordquo Depois da terceira apresentaccedilatildeo puacuteblica o texto eacute proibido pelo chefe
de poliacutecia Alencar vem a puacuteblico atraveacutes do Diaacuterio questionar a arbitrariedade e
apresentar sua defesa Questiona como um espetaacuteculo aprovado anteriormente pela
censura (apresenta-las anteriormente aos censores era o procedimento padratildeo)
poderia ser logo depois proibido Diz o autor ter se baseado em uma peccedila de
Alexandre Dumaacutes Filho sobre uma prostituta jaacute tendo sido o espetaacuteculo
apresentado no mesmo teatro semanas a fio sendo assim bem conhecida do
puacuteblico Apresenta ali seus argumentos e motivos repetindo que natildeo entende como
um texto que ele mesmo admite eacute adaptado de um romance europeu ndash a dama das
cameacutelias - que apresenta jaacute a eacutepoca relativo sucesso de puacuteblico no teatro pocircde ser
censurado Eacute ali que Alencar entende da pior maneira que a sociedade carioca de
entatildeo natildeo aceita ser confrontada com uma caracterizaccedilatildeo tatildeo realista de seus
costumes Havia assuntos ainda difiacuteceis de discutir Eacute interessante nos determos um
pouco aqui para analisar o confronto do autor com a censura Alencar se sente
intimamente ofendido com a proibiccedilatildeo e parte para sua defesa puacuteblica fazendo o
que sabe fazer mobilizar a opiniatildeo puacuteblica atraveacutes do jornal
Em 28 de junho de 1858 Alencar puacuteblica no Diaacuterio do Rio de Janeiro um artigo que
viria a ser uma espeacutecie de ldquodireito de defesardquo a censura do espetaacuteculo16 Eacute
interessante no sentido de que podemos ter uma visatildeo ampla da censura praticada
pelas instituiccedilotildees puacuteblicas no periacuteodo imperial Eacute ndash inicia a carta indicando ndash o seu
direito e dever como escritor Alencar se diz indiferente a ldquopuniccedilatildeordquo e explica que tal
somente serviraacute para ldquoexcitar a curiosidade puacuteblicardquo por isso vem a puacuteblico
defender-se apenas por que se diz um defensor da moral e natildeo quer manchar sua
imagem aceitando passivamente a (afirma) injusticcedila Natildeo pretende fugir a puniccedilatildeo e
afirma que ldquose quiser dar-lhe maior publicidade tenho ainda um meio a imprensa
16
Artigo transcrito na seccedilatildeo ldquoensaios literaacuteriosrdquo em ALENCAR Joseacute de Teatro completo Rio de
Janeiro Serviccedilo Nacional de Teatro 1977 As referecircncias entre aspas satildeo todas do artigo
que natildeo estaacute sujeita agrave censura policialrdquo A peccedila conta havia sido liberada por meio
de despacho especiacutefico pela poliacutecia em 25 de maio e pelo Conservatoacuterio Dramaacutetico
ainda em janeiro o que jaacute indica uma contradiccedilatildeo Dentre as causas estipuladas
pela lei para a proibiccedilatildeo de espetaacuteculo teatral estavam o ataque agraves autoridades
constituiacutedas o desrespeito agrave religiatildeo e a ofensa agrave moral puacuteblica que no entender do
jornalista seria o motivo da proibiccedilatildeo
Alencar afirma ter pensado bastante na reaccedilatildeo que o puacuteblico teria sobre o tema e
afianccedila ter se baseado em obras dramaacuteticas filhas da chamada ldquoescola realistardquo que
vem de Paris e que tecircm sido representadas em nossos teatros sende ele mesmo
um dos espectadores Mas sustenta ldquoesqueci-me que o veacuteu que para certas
pessoas encobre a chaga da sociedade estrangeira rompia-se quando se tratava de
esboccedilar a nossa proacutepria sociedaderdquo (ALENCAR 1977 p 227) Afirma que o puacuteblico
da Corte assistindo a ldquoA dama das Cameacuteliasrdquo ou agraves ldquoMulheres de Maacutermorerdquo cada
um toma Margarida Gauthier e Marce satildeo apenas duas moccedilas um pouco
estravagantes mas quando se transpotildee a questatildeo para o Brasil em As asas de um
anjo o espectador encontra a realidade diante de seus olhos e espanta-se sem
razatildeo de ver no teatro sobre a cena o que vecirc todos os dias na rua e nos passeios
Mas o que seria imoral O que motivaria tal ato da poliacutecia Alencar explica que eacute
imoralidade o ato que a moral reprova Alencar se defende dizendo que sua intenccedilatildeo
era a pretenccedilatildeo de mostrar uma liccedilatildeo para os pais de famiacutelia sobre a necessidade
de cuidarem da educaccedilatildeo moral de seus filhos de constituiacuterem-se enquanto famiacuteias
Sustenta que em sua tese natildeo haacute aiacute uma soacute personagem que natildeo represente uma
ideia social que natildeo tenha uma missatildeo moralizadora Natildeo eacute ele quem nos
apresenta diz eacute a proacutepria sociedade E as instituiccedilotildees puacuteblicas criam um
impedimento para que o grupo possa comfrontar sua realidade eacute mais uma barreira
constriacuteda como podemos observar entre o povo (rebelde inculto imoral) e a elite
que soacute observa isso de sua cadeira ou camarote estando distante de tudo
Alencar se desgosta com aquilo e abandona logo depois o Diaacuterio do Rio de Janeiro
e a dramaturgia (pelo menos por enquanto) voltando a se dedicar ao Direito e a seu
trabalho como advogado no escritoacuterio do Dr Caetano Alberto E agora com clientela
vasta Ao longo do periacuteodo imperial com a estabilidade da economia e um maior
(ainda pouco) desenvolvimentos das cidades aparecem outros caminhos para o
trabalho que natildeo somente a burocracia mas a grande maioria dos profissionais
liberais natildeo consegue manter-se Apesar do desenvolvimento da advocacia do
magisteacuterio da medicina do jornalismo muitos destes profissionais liberais ndash o caso
de Alencar ndash encampam duas profissotildees ao mesmo tempo como forma de
sobrevivecircncia ou de esperar ser alcanccedilado pelo braccedilo sedutor do emprego puacuteblico
Para Neto (2006) a produccedilatildeo literaacuteria de Alencar natildeo estaacute desvinculada de sua
personalidade um tanto depressiva e afastada da vida noturna da capital lugar
comum para poliacuteticos e jornalistas - vaacuterios deles conhecidos por Alencar que
preferia a tranquilidade de sua propriedade na periferia onde recebia alguns poucos
amigos Ali entre seus livros dedicava-se a leitura de cronistas e historiadores e a
pesquisa sobre a histoacuteria poliacutetica dos seacuteculos XVIII e XIX Tais leituras teriam levado
Alencar a um aprofundamento de sua reflexatildeo criacutetica sobre a realidade brasileira e
os padrotildees de comportamento da sociedade e das instituiccedilotildees que a constituem e
da famiacutelia burguesa em particular
13 MILITAcircNCIA POLIacuteTICA
Em dezembro de 1858 quando Nabuco de Arauacutejo assume o cargo de Ministro e
Secretaacuterio de Estado dos Negoacutecios da Justiccedila trata logo de promover uma reforma
interna neste e o nome de Alencar eacute lembrado para uma diretoria de Seccedilatildeo na
Secretaria de Estado dos Negoacutecios da Justiccedila Depois de alguns meses no cargo
solicita a um amigo do partido conservador o entatildeo conselheiro Euseacutebio de Queiroz
uma melhoria em seu cargo Em maio de 1859 seu pedido eacute aceito e agora como
consultor recebe o tiacutetulo de conselheiro com seus 30 anos Comeccedila o gosto pela
poliacutetica que estava desde sempre segundo Alencar em sua famiacutelia No mesmo ano
que entra para o ministeacuterio eacute nomeado professor de direito mercantil do Instituto
Mercantil no Rio de Janeiro Ao mesmo tempo publica vaacuterios trabalhos juriacutedicos de
reconhecido valor que alcanccedilam segundas e terceiras ediccedilotildees o que prova que o
texto de Alencar era procurado e lido que conseguiu sucesso como autor ainda em
sua juventude (algo dificilmente alcanccedilado mesmo hoje)
A poliacutetica assim dizia o Alencar era como uma religiatildeo em sua famiacutelia e o desejo
por uma cadeira na Assembleia jaacute eacute latente Mas em sua primeira candidatura em
1856 para uma cadeira de deputado geral pela proviacutencia do Cearaacute na primeira
eleiccedilatildeo por distritos natildeo eacute eleito na ocasiatildeo (ALENCAR 2009) Em 15 de marccedilo de
1860 tem outro desgosto falece o velho senador Alencar seu pai Talvez a uacuteltima
chance de associaccedilatildeo aos quadros do Partido liberal No mecircs seguinte comeccedila
uma correspondecircncia com amigos no Cearaacute jaacute no intuito de buscar uma candidatura
para deputado Em novembro e ainda trajando luto17 embarca para Fortaleza onde
busca amigos e correligionaacuterios para iniciar sua campanha pelo partido conservador
nas periferias da capital cearense Com a quantidade limitada de eleitores pela
legislaccedilatildeo vigente em poucos dias consegue-se conversar com um significativo
percentual de eleitores Apesar de seu pai ser um grande nome do partido liberal e
mesmo Alencar sendo o redator-chefe do Diaacuterio do Rio de Janeiro folha
declaradamente liberal o partido natildeo sugeriu uma filiaccedilatildeo ou a possibilidade de
concorrer a algum cargo puacuteblico fato que seraacute lembrado posteriormente com certa
amargura Talvez com os liberais Alencar pudesse exercitar melhor sua ojeriza por
D Pedro II que jaacute era manifesta a eacutepoca Talvez pelo mesmo motivo o partido natildeo
o desejasse em suas linhas A tatildeo falada homogeneidade de pensamento entre
liberais e conservadores se aplica aqui onde algueacutem que pudesse desagradar o
imperador seria um filho sem pai O que Alencar jaacute sabia era que se natildeo
conseguisse apoio de alguma lideranccedila poliacutetica ndash de um lado ou de outro -
provavelmente natildeo seria eleito Foi o que aconteceu no primeiro pleito Alencar
entatildeo se ldquoapadrinhardquo de Euseacutebio de Queiroz e com o apoio deste e do grupo
conservador eacute eleito para a Cacircmara em 1861
Os principais partidos do periacuteodo o liberal e o conservador apresentavam algumas
diferenccedilas importantes O professor Bonavides consegue uma caracterizaccedilatildeo
abrangente para o periacuteodo de nosso recorte
17 O traje de luto para meados do seacuteculo XIX era conservado por um tempo relativamente grande
quando se tratava de um familiar proacuteximo Poreacutem pode ter funcionado como uma ferramenta
importante na construccedilatildeo de um personagem para sua campanha poliacutetica Ele eacute praticamente um
desconhecido no Cearaacute Eacute preciso mostrar-se como cristatildeo bom filho etc
Os liberais do Impeacuterio exprimiam na sociedade do tempo os interesses urbanos da burguesia comercial o idealismo dos bachareacuteis o reformismo progressista das classes sem compromissos diretos com a escravidatildeo e o feudo
Os conservadores pelo contraacuterio formava o partido da ordem o nuacutecleo das elites satisfeitas e reacionaacuterias a fortaleza dos grupos econocircmicos mais poderosos da eacutepoca os da lavoura e pecuaacuteria compreendendo plantadores de cana-de-accediluacutecar cafeicultores e criadores de gado (BONAVIDES 2000 p491)
Tambeacutem Ilmar Mattos (1987) afirma que a diferenccedila entre ldquoLuzias e Saquaremasrdquo jaacute
estava demarcada desde as revoltas liberais do periacuteodo regencial Poreacutem como os
partidos poliacuteticos ainda natildeo havia desenvolvido suficiente forccedila enquanto instituiccedilatildeo
e ainda natildeo haviam desenvolvido sua configuraccedilatildeo atual geralmente os interesses
pessoais (e as ideias) determinavam as accedilotildees dos poliacuteticos Joseacute Murillo de
Carvalho (2007) sustenta a posiccedilatildeo dos magistrados tipicamente centrados no
partido conservador tanto quanto o clero no partido liberal tendo o grupo dos
militares preferido manter certa neutralidade e por fim um ldquogrupo ascendente de
profissionais liberais formando a ala ideoloacutegica do Partido Liberal e o nuacutecleo do
Partido Republicano do Rio de Janeirordquo (CARVALHO 2007 p 225) Nas cartas
Alencar sustenta que ldquoera do comeacutercio portuguecircs e aderecircncias que o partido
conservador tirava principalmente sua forccedila e os recursos com que sustentava a
lutardquo e mais adiante afirma que ldquoo partido conservador servia-se da induacutestria para
subir ()rdquo (ALENCAR 2011 p63) Em sua quase totalidade estes homens eram
representantes de uma sociedade patriarcal europeizada escravagista e machista
Tais homens partilhavam desse universo cultural que inclusive os caracterizava
independente do partido a que estavam filiados E quantas vezes tais interesses natildeo
se confundiam com a vontade do imperador - figura maior que muitos queriam
agradar e poucos tinham coragem de desagradar Bonavides (2000) citando Rui
Barbosa diz que os dois partidos na praacutetica se resumiriam em um soacute o partido do
poder Faoro (2004) tambeacutem sustenta que no segundo reinado a partir de 1836 a
histoacuteria poliacutetica brasileira se resumiria aos dois grandes partidos o liberal e o
conservador A conciliaccedilatildeo foi algo como uma orientaccedilatildeo um acordo intrapartidaacuterio
ou mesmo uma coligaccedilatildeo e natildeo outro partido A liga que eacute tida como a associaccedilatildeo
geradora do partido progressista foi uma organizaccedilatildeo primaacuteria dessa lideranccedila que
tem seu teacutermino com a deposiccedilatildeo de Zacarias de Goacuteis em 1868 tendo seus filiados
se rearranjado entre liberais e conservadores As discussotildees entre as diferenccedilas
ideoloacutegicas dentro dos partidos excedem a pretensatildeo deste trabalho O que
modestamente se sustenta aqui eacute que a filiaccedilatildeo partidaacuteria se dava a princiacutepio natildeo
como resultado de um aceite pelo ator poliacutetico da base ideoloacutegica do partido ndash se eacute
que houvesse uma O partido conservador por exemplo nunca chegou a escrever
um manifesto ou coisa que o valha ndash mas a suas necessidades pessoais suas
pretensotildees sociais e para seu favorecimento econocircmico Para efeito geral
acompanharemos a anaacutelise de Carvalho
A complexidade dos partidos se refletia naturalmente na ideologia e no comportamento poliacutetico de seus membros dando agraves vezes ao observador desatento a impressatildeo de ausecircncia de distinccedilatildeo entre eles Um exame embora sumaacuterio de alguns problemas cruciais enfrentados pelos poliacuteticos do Impeacuterio pode no entanto mostrar tanto as divergecircncias interpartidaacuterias como intrapartidaacuterias (CARVALHO 2007 p 219)
Em Janeiro ao se realizarem as eleiccedilotildees secundaacuterias Joseacute Martiniano de Alencar
Filho eacute eleito pelo 1ordm distrito (tendo segundo um comentaacuterio seu obtido tambeacutem 30
votos dos cerca de 220 eleitores liberais) no Cearaacute junto a outros seis candidatos de
seu partido Em 23 de maio inicia seus trabalhos na corte O cargo de deputado eacute
um importante comeccedilo para a vida puacuteblica
Apesar de eleitos por um periacuteodo de quatro anos frequentemente conseguiam ser reeleitos para vaacuterias legislaturas ou detinham importantes cargos administrativos Muitos encontraram na Cacircmara um caminho faacutecil para o Senado e o Conselho de Estado Assim como os conselheiros de Estado e os senadores os deputados pertenciam a uma rede poliacutetica de clientela e patronagem que utilizavam tanto em seu proacuteprio benefiacutecio quanto no de seus amigos e protegidos (COSTA 1999 p 141)
Ainda sobre o assunto uma interessante anotaccedilatildeo de Tavares Bastos em seu diaacuterio
pessoal nos ilustra bem a posiccedilatildeo de ldquoclientelardquo a que os deputados estavam
submetidos Referindo-se ao fim de setembro 1869 comenta sobre uma reuniatildeo dos
senadores liberais autorizando Zacarias de Goacuteis a prosseguir negociaccedilotildees sobre o
orccedilamento com Cotegipe ministro da Marinha Ao redigir a informaccedilatildeo refere-se
aos senadores que compotildee uma fraccedilatildeo do partido denominada progressista ndash critica
ou ceticamente - como ldquoos nossos chefesrdquo (ABREU 2007 p122) Disto podemos
deduzir e ainda segundo o depoimento de Costa que Alencar tambeacutem natildeo eacute
nenhum ldquoheroacuteirdquo do Brasil Quer o cargo puacuteblico como uma seguranccedila que garanta
uma rede de relacionamentos necessaacuteria a permanecircncia nesta periferia da elite
com vistas a uma posterior promoccedilatildeo
Quando do iniacutecio dos trabalhos todos os olhares estavam postos sobre Alencar
Romancista e dramaturgo jaacute famoso jornalista respeitado filho de importante
Senador que chegara a orador do Senado na coroaccedilatildeo do Imperador a casa estava
cheia de expectativa para a fala inicial No calor da hora a emoccedilatildeo lhe sobe a
cabeccedila O discurso proferido tatildeo aguardado foi um grande fiasco com momentos
de indecisatildeo e certa disfemia Eacute aos poucos que a palavra lhe vai acontecendo vai
achando seu lugar na tribuna durante o mandato Os argumentos a reacuteplica sempre
pronta o exerciacutecio parlamentar vai construindo o personagem poliacutetico Joseacute de
Alencar que chega a ser um dos mais respeitados oradores da cacircmara A
humilhaccedilatildeo nos primeiros dias arranha um pouco do orgulho e da habitual
arrogacircncia do escritor para depois se constituir em um aprendizado decisivo do
poliacutetico
Em 13 de maio de 1863 eacute dissolvida a Cacircmara Alencar sentindo a doenccedila faz
algumas viagens de repouso fora do Rio de Janeiro De volta agrave Corte passa a morar
na Tijuca e diminui o ritmo da produccedilatildeo literaacuteria atendendo a conselhos meacutedicos Ali
conhece aquele que viria a ser um grande amigo o meacutedico Dr Thomaz Cochrane18
de quem posteriormente toma a filha em casamento Georgiana Augusta Cochrane
Em 1865 nasce seu primeiro filho Augusto
De temperamento arredio dado mesmo a solidatildeo com a dedicaccedilatildeo ao trabalho
redobrada agora pela necessidade de sustentar uma casa natildeo sendo um associado
do Instituto Histoacuterico e Geograacutefico natildeo sendo frequentador assiacuteduo de salotildees ou da
livraria do Paula Brito como outros literatos vai desligar-se ainda das poucas
relaccedilotildees sociais que tem Fecha-se na famiacutelia e para si Eacute o ano em que publica as
primeiras cartas de Erasmo dirigidas ao Imperador
18
Que natildeo eacute o Almirante Cochrane militar contratado por D Pedro I para ldquomassacrarrdquo rebeldes
revolucionaacuterios pelo Brasil afora
Em novembro de 1865 comeccedilam a aparecer nas livrarias do Rio de janeiro uma
seacuterie de ldquocartas abertasrdquo publicadas sempre as terccedilas-feiras endereccediladas ao D
Pedro II e assinadas com o pseudocircnimo de Erasmo mas logo se soube que o autor
era o deputado Alencar A procura pelos folhetins era imensa Havia quem
esperasse a chegada de um vendedor pelas ruas para adquirir seu exemplar19 O
proacuteprio imperador natildeo deixava de estar atento a cada nova carta era como mais um
sucesso literaacuterio Publica tambeacutem em 1866 ldquoOs partidosrdquo em formato de livro mas
discutindo as mesmas questotildees e de forma menos informal
As cartas continham um conjunto de denuncias sobre as irregularidades na poliacutetica e
no procedimento eacutetico dos poliacuteticos Falam do poder moderador da situaccedilatildeo
financeira do paiacutes natildeo haacute assunto que escape ao jornalista Posteriormente
endereccedila outra carta esta ao Visconde de Itaboraiacute ex-Ministro dos Negoacutecios e da
Fazenda uma carta sobre a crise financeira em que tece vaacuterios elogios a este e
mais uma endereccedilada ao Marquecircs de Olinda De julho a agosto publica uma seacuterie
de cartas ao povo20 Alencar se coloca sempre e antes como um pensador da
poliacutetica Algueacutem que observa e indica um caminho para a naccedilatildeo e sua condiccedilatildeo de
jornalista eacute decisiva passa isso Deve-se ter em conta que um pensador poliacutetico eacute
algueacutem que observa contextos comportamentos e instituiccedilotildees e a partir de disputas
retoacutericas em torno de tais conceitos e que busca criticar o poder instituiacutedo e as
justificativas que este toma para continuar no poder
Alguns fatos satildeo modelares para mostrar o desinteresse de Alencar pela sua
valorizaccedilatildeo enquanto uma personagem social preferindo ser identificado enquanto
escritor Prefere as letras e a tranquilidade de seu recanto agrave vida social que poderia
ter na Corte Um exemplo disto eacute o episoacutedio da condecoraccedilatildeo Em 1867 o Alencar
por decreto imperial eacute agraciado com o oficialato da Ordem da Rosa pelos
relevantes serviccedilos prestados agraves letras no paiacutes Um agrado da parte de D Pedro II
feito sem que houvesse uma solicitaccedilatildeo ou concurso A poliacutetica de condecoraccedilotildees eacute
19 Eacute o depoimento de Barros Pimentel que demonstra como o o folhetim foi um meio importante de
divulgaccedilatildeo no periacuteodo
20 As cartas seratildeo analisadas em capiacutetulo a parte
basicamente a mesma dos tiacutetulos nobiliaacuterquicos brasileiros formas de cooptaccedilatildeo de
elementos da elite para o ldquopartidordquo do Imperador Nos anos finais do impeacuterio D
Pedro II agraciaria vaacuterios fazendeiros com a ordem da Rosa pela iniciativa destes
em libertar seus escravos (NOVAIS 1997) Alencar sem um motivo aparente
recusa a condecoraccedilatildeo publicamente solicitando ao redator do Jornal do Comeacutercio
que publicite sua decisatildeo Eacute mais uma alfinetada em D Pedro II que a princiacutepio
busca trazer Alencar para seu grupo mais proacuteximo A caminhada na carreira poliacutetica
vai se tornando ldquocomplicadardquo com tais atitudes de intransigecircncia pelo menos para
algueacutem dentro do partido conservador que almeja seguir adiante
Em 1868 estaacute agrave frente do governo o gabinete liberal presidido por Zacarias de Goacuteis e
Vasconcelos Por conta de alguns desentendimentos entre Zacarias e o marquecircs de
Caxias jaacute tomado como um heroacutei por sua atuaccedilatildeo na guerra do Paraguai D Pedro
II eacute impelido pela imprensa a tomar algum lado na rinha e cai o gabinete Sobem
entatildeo os conservadores sob a chefia do visconde de Itaboraiacute O nome de Alencar eacute
proposto para o Ministeacuterio da Justiccedila e sob o espanto de muitos aprovado pelo
imperador D Pedro estaria tentando amarrar uma ponta da corda que tinha agraves
matildeos no pescoccedilo do teimoso literato Alencar reluta num primeiro momento mas
depois de seu ego ter sido acariciado por algumas visitas de partidaacuterios como o
baratildeo de Muritiba e o Conselheiro Paulino de Souza - falando em nome do Futuro
presidente do Conselho - resolve por bem aceitar o cargo O ministeacuterio apelidado
ldquogabinete-bombardquo toma posse em 16 de julho Eacute composto por aleacutem da figura do
Presidente do Conselho e Ministro da Fazenda o Visconde de Itaboraiacute Joaquim
Rodrigues Torres Paulino Joseacute Soares de Souza como Ministro do Impeacuterio Joseacute de
Alencar Ministro da Justiccedila Joseacute Maria Paranhos o visconde do Rio Branco
Ministro dos Estrangeiros Joatildeo Mauriacutecio Mariani Wanderley o baratildeo de Cotegipe
Ministro da Marinha Manoel Vieira Tosta o visconde de Muritiba Ministro da Guerra
e Joaquim Antatildeo Fernandes Leatildeo Ministro da Agricultura Comeacutercio e Obras
Puacuteblicas A ascensatildeo dos conservadores eacute um fato consumado Alencar eacute aleacutem de
tudo o ministro mais jovem do gabinete mas aos olhos do Imperador natildeo era um
inexperiente D Pedro II parece natildeo se importar com a presenccedila do autor das
Cartas de Erasmo antes se comporta como um admirador da obra de Alencar
Mudanccedilas haacute mas nem tanto As figuras de Rodrigues Torres e Paulino que ndash
segundo Ilmar Mattos (1987) seriam o braccedilo forte da chamada ldquotrindade saquaremardquo
- por tanto tempo estiveram a frente do poder retornam agora com a
responsabilidade de reorganizar a casa Ao mesmo tempo e ateacute como uma forma
de equiliacutebrio de forccedilas D Pedro II tambeacutem tinha seu jeito de se resguardar das
pressotildees exercidas pelas elites no poder e da influecircncia de seus associados e
apadrinhados Em muitos momentos leva a lideranccedila do gabinete homens sem
propriedades lideres com ascendecircncia humilde portanto natildeo diretamente atrelados
aos interesses de grupos poderosos desatados dos laccedilos familiares ou
ldquopatronagemrdquo com fazendeiros e comerciantes ligados ao traacutefico e a exportaccedilatildeo
como Saraiva Zacarias o Visconde de Ouro Preto o marquecircs de Paranaacute entre
outros Eles que estariam mais proacuteximos ao imperador seriam tambeacutem uma ultima
barreira de contenccedilatildeo dos movimentos em prol da diminuiccedilatildeo dos poderes da
monarquia (COSTA 1999) O movimento republicano soacute toma corpo em 1873 e
adiante mas as rusgas que o poder moderador incita no parlamento jaacute se fazem
presentes Alencar no ministeacuterio trabalha com o afinco que sempre daacute a seus
afazeres Isso natildeo eacute uma novidade No ano de 1868 publica tambeacutem ldquoO systema
representativordquo obra em que discute o processo eleitoral como a base de um
governo representativo Nem seria tambeacutem uma novidade o ministro colecionar
desafetos no periacuteodo em que estaacute no cargo Deputados colegas ministros oficiais
natildeo estatildeo livres do temperamento singular de Alencar
As relaccedilotildees do imperador com seu ministro da justiccedila satildeo cordiais poreacutem
complicadas Alencar reclama que D Pedro II em tudo se intromete ndash mais tarde diraacute
que eacute um haacutebito deste e tambeacutem dos outros ministros ndash nos assuntos do Estado Agraves
vezes como um menino curioso que de tudo quer saber outras vezes como um pai
zeloso que se preocupa com seus filhos sendo ldquomaltratadosrdquo pelo ministro chegado
em alguns casos extremos a lembrar de que ele eacute o imperador e eacute quem manda na
casa (MENESES 1977) Um dos haacutebitos de D Pedro eacute o envio de bilhetes para o
ministro Satildeo comentaacuterios questotildees relevantes (ou natildeo) indiscriccedilotildees e
apontamentos que constantemente acompanham os despachos de Alencar
Algumas vezes se diz preocupado com a imprensa e os assuntos gerais em outras
solicita informaccedilotildees sobre processos de funcionaacuterios puacuteblicos e sobre o andamento
das eleiccedilotildees Alencar natildeo faz por menos redigindo tambeacutem os seus bilhetes em
tom cordial e respeitoso mas sempre como um embate de forccedilas tentando
demarcar seu campo de atuaccedilatildeo ou impor limites ao outro Natildeo eacute esta uma praacutetica
do restante do grupo que na acomodaccedilatildeo burocraacutetica a que o partido conservador
se acostuma acaba deixando reverter uma formula antiga para o imperador que
recostado na condiccedilatildeo que lhe permitia o poder moderador apesar de dizer que
ldquodeixa a maacutequina andarrdquo ainda reina governa e administra (FAORO 2004) A
tambeacutem o fato de que D Pedro II prefere morar no paccedilo de Satildeo Cristoacutevatildeo ao Paccedilo
da cidade e os ministros precisavam cavalgam ateacute laacute duas vezes na semana para
os despachos coisa que Alencar abomina - considera uma perda de tempo - aleacutem
de reclamar das ldquofutilidadesrdquo que satildeo obrigados a discutir no lugar de tomar o tempo
com alguma providecircncia importante para o paiacutes como os rumos da Guerra do
Paraguai
Certa feita o imperador encaminha preocupado um bilhete pedindo esclarecimentos
de notiacutecias vinculadas nos jornais sobre o recrutamento de (in)voluntaacuterios para a
guerra do Paraguai pelo paiacutes afora A prisatildeo para recrutamento era uma realidade e
por vezes usada como uma forma do partido da situaccedilatildeo ldquodesaparecerrdquo com
elementos da oposiccedilatildeo Com tal pretexto satildeo escolhidos no periacuteodo
propositalmente os indiviacuteduos simpatizantes do partido liberal Alencar dias depois
encaminha circular tentando normalizar as coisas e coibir abusos por parte dos
presidentes das proviacutencias e autoridades policiais que usavam de tal artifiacutecio para
uma ldquofaxinardquo poliacutetica no eleitorado As preocupaccedilotildees do imperador se
fundamentavam nestas accedilotildees correntes como bem sugeria em outro bilhete onde
dizia ldquo() eu sei infelizmente o que satildeo as eleiccedilotildees entre noacutesrdquo buscando sempre
providencias para que houvesse alguma melhora dentro do possiacutevel e tambeacutem
buscando ldquo(hellip) inteira liberdade de voto conforme nossos maus haacutebitos o permitem
por hora mas dando a autoridade o bom exemplordquo (MENEZES 1965 p133) Mas o
imperador natildeo desconhecia que as eleiccedilotildees pouco refletem a vontade do povo
oprimido do interior que ainda eacute refeacutem do poder poliacutetico local nas matildeos dos
senhores de terras no interior ndash em sua maioria apoiados pelo partido liberal
(CARVALHO 2007) A praacutetica do voto jaacute previamente indicado com a ceacutedula ldquochapa
de caixatildeordquo21 ainda garantia o patildeo para o sustento das famiacutelias (FAORO 2004)
Vaacuterias mudanccedilas satildeo tentadas no decorrer dos anos com pouco resultado mesmo
uma draacutestica mudanccedila nas regras eleitorais ndash como o foi o caso do gabinete da
conciliaccedilatildeo (1853-57) com o marquecircs de Paranaacute em que foram vetadas as
participaccedilotildees de vaacuterios elementos representantes da poliacutecia justiccedila e da
administraccedilatildeo puacuteblica ndash sempre entrevia um espaccedilo para burlar-se a lei o que jaacute
vinha se constituindo como parte da ldquoculturardquo poliacutetica nacional
Austero com os deputados distante dos outros ministros longe das recepccedilotildees
oficiais Alencar apesar de extremamente competente assegura seu lugar como o
homem ldquomais chatordquo da Corte Essa visatildeo era compartilhada ateacute entre alguns
colegas ministros como no caso de Cotegipe que natildeo admitia ldquoo artistardquo no meio
das altas relaccedilotildees poliacuteticas E isso debaixo de um ciuacuteme natildeo declarado pelo fato de
D Pedro II insistir em entregar ao ministro da Justiccedila a maior parte das atenccedilotildees
Atenccedilatildeo que o grupo buscava e que Alencar repelia com seu temperamento
complicado Houve ocasiotildees em que descumprindo os deveres dados pelo decoro
impotildee ao imperador a papelada de sua exoneraccedilatildeo em cerimocircnia puacuteblica
conquanto este natildeo assinasse os decretos que Alencar lhe propunha D Pedro II
em seus despachos tinha o haacutebito de natildeo deixar nada sem assinar poreacutem
postergava Dizia sobre o que natildeo lhe conviesse (ou natildeo quisesse) dar
encaminhamento que deixaria ldquopara a proacutexima semanardquo Os outros ministros
conhecendo tal procedimento tido ateacute como educado tratavam de arquivar a
papelada referente Alencar voltava semana apoacutes semana com os mesmos papeacuteis
natildeo se dando por vencido Esticava os braccedilos a exaustatildeo ateacute que o imperador
reconsiderasse seu ato Natildeo eacute de se estranhar que D Pedro torcesse o nariz para
uma candidatura de Joseacute de Alencar para o senado entatildeo um cargo vitaliacutecio
evitando assim ter de aguentar o homem perto de si por tanto tempo
Alencar sente pressotildees de vaacuterias formas por seu mau jeito como articulador poliacutetico
O ldquodedordquo de Cotegipe como ele mesmo chegou a dizer estava em grande parte
daquilo Joatildeo Mauriacutecio Mariani Wanderley o baratildeo de Cotegipe era um homem
21 A ceacutedula era marcada com uma cruz indicando o voto a ser dado Caso a ceacutedula natildeo aparecesse
na urna o candidato ou chefe poliacutetico poderia procurar o eleitor para ldquotomar providecircnciasrdquo
prestigiado que sabia emprestar seu prestiacutegio ao Ministeacuterio Encarregado da
Marinha este tinha a predileccedilatildeo pela Justiccedila o que o fazia criar situaccedilotildees de
constrangimento para Alencar Com a legislaccedilatildeo vigente o impeacuterio estaacute centralizado
na figura do ldquo() Ministro da Justiccedila generaliacutessimo da poliacutecia dando-lhe por
agentes um exeacutercito de funcionaacuterios hieraacuterquicos desde o presidente da proviacutencia e
o chefe de poliacutecia ateacute o inspetor do quarteiratildeordquo (FAORO 2004 p 369) e tambeacutem os
juiacutezes funcionaacuterios puacuteblicos de carreira todos ao alcance do longo braccedilo da
dominaccedilatildeo do Estado Qualquer deslize e Cotegipe fornecia o material aos jornais
sobre o Ministro (e o ministeacuterio) da Justiccedila nas reuniotildees com o imperador fazia valer
seus pontos de vistas sobre a pasta do adversaacuterio Zombava alfinetava enfim
politicava Alencar reclama com o presidente que tenta contornar as coisas e
apresenta um pedido de demissatildeo mas este natildeo eacute aceito Dias depois Fernandes
Leatildeo titular da pasta da agricultura por motivos pessoais tambeacutem pede demissatildeo
Na ocasiatildeo o Alencar reapresenta sua solicitaccedilatildeo Itaboraiacute tenta segurar o gabinete
como pode evitando que este tombe para caacute ou para laacute De olho nesta indecisatildeo a
alta cacircmara aumenta a vigilacircncia satildeo os olhos de Zacarias Saraiva Nabuco Ottoni
Silveira Lobo Monte Alegre Abrantes e Itanhaeacutem que os acompanham Os ataques
ao ministro-escritor continuam dia a dia cada um com o seu motivo cada qual com
o seu aparte e nem todos direcionados agrave boa ou maacute administraccedilatildeo da pasta da
Justiccedila mas ao proacuteprio jeito de ser do Ministro chegando ao ponto de Cotegipe criar
e difundir (a pior parte) um apelido para Alencar que para a infelicidade deste eacute
aceito pelo grupo no ato era ele o ldquopirracentordquo
Mas nem tudo estaacute relacionado com as brigas internas Ainda enquanto ministro da
Justiccedila Alencar visita a regiatildeo do Valongo22 no Rio de Janeiro conhecido como
antigo mercado dos ldquopretos novosrdquo e se aterroriza com a situaccedilatildeo ao mesmo tempo
aviltante e promiacutescua a qual aquelas pessoas estavam expostas Alencar natildeo era
um abolicionista acreditava que a escravidatildeo no Brasil deveria terminar por um
processo lento e que natildeo incorresse em ocircnus para os proprietaacuterios Tinha uma
posiccedilatildeo conservadora mas tambeacutem natildeo era um incentivador do comeacutercio de
escravos Em 15 de setembro de 1869 eacute publicado um decreto seu que proiacutebe a
22
O antigo Valongo (rua Camerino) era um depoacutesito e armazeacutem de escravos que funcionou de 1779 a 1831 No periacuteodo o comeacutercio se transfere para a rua Direita atual 1deg de Marccedilo Os escravos ficavam expostos na rua (RENAULT 1976)
exposiccedilatildeo puacuteblica de escravos no mercado e a sua venda sob a forma de pregatildeo e
eacute aplaudido por grande parte da populaccedilatildeo Por esse tempo (senatildeo mesmo antes) eacute
que comeccedila uma sondagem com seus correligionaacuterios com o intuito de concorrer a
uma vaga no senado Com a morte em 1865 do marquecircs de Abrantes e do
conselheiro Cacircndido Batista de Oliveira senadores pela proviacutencia do Cearaacute a
vacacircncia das cadeiras estimulam a cabeccedila de Alencar a trabalhar com tal
perspectiva Chega a fundar com seu irmatildeo uma folha a ldquoDezesseis de Julhordquo para
divulgar ndash segundo uma carta-circular enviada aos membros do Partido Conservador
- os ldquointeresses do nosso partido e defender a ideia conservadora no Brasilrdquo
(MENEZES 1975 p252) As eleiccedilotildees vatildeo sendo adiadas devido agraves brigas entre
partidos e as denuacutencias constantes de fraude eleitoral E haacute quem diga que a
demora eacute alimentada pelo ministro da Justiccedila jaacute cobiccedilando uma sua cadeira no
Senado
Em junho de 1869 Alencar escreve a Itaboraiacute comentando seu interesse em
concorrer a uma cadeira no senado Explica que jaacute havia submetido agrave questatildeo aos
colegas do gabinete e tinha o apoio destes O caso se daacute quando apresenta a
proposiccedilatildeo ao imperador chegando a solicitar a demissatildeo do cargo de ministro para
que se candidatasse sem nenhum impedimento ou favorecimento que seu cargo
como ministro pudesse criar D Pedro II sugere (pede) que Alencar reavalie a
decisatildeo pois acreditava que sua situaccedilatildeo pudesse influir nos rumos da eleiccedilatildeo
chegando a sugerir que a atitude natildeo seria eacutetica Alencar se rebela e escreve logo a
seguir a Paulino Nogueira no Cearaacute apresentando-se como candidato pela
proviacutencia e eacute aceito Esse incidente revela algo interessante visto que Paulino
Nogueira como todas as lideranccedilas partidaacuterias que Alencar podia alcanccedilar sabiam
dos motivos do desentendimento e da opiniatildeo do Imperador relatada pelo proacuteprio
missivista E Paulino aceita a candidatura Podemos deduzir que as lideranccedilas locais
ainda natildeo estavam dispostas a acatar podas as decisotildees do centralismo do Estado
mesmo que fossem vindas de uma vontade expressa do imperador As resistecircncias
locais ainda estavam vivas e prontas para reclamar seus direitos
A eleiccedilatildeo se realiza em 12 de dezembro e os liberais seguindo orientaccedilotildees do
partido na corte23 natildeo apresentam candidatos Alencar eacute o mais votado em uma lista
secircxtupla tendo no segundo lugar o nome de Domingos Joseacute Jaguaribe O resultado
vai entatildeo para D Pedro II que escolheria entre os mais votados qual deveria ser o
proacuteximo senador Ao saber do resultado tendo em matildeos a lista o Imperador se irrita
e permanece irredutiacutevel em sua opiniatildeo Manda chamar o Alencar para uma
entrevista e pergunta sobre o entendimento que tiveram sobre a eleiccedilatildeo o clima
entre os dois soacute piorava Haacute vaacuterias versotildees sobre o acontecido todas parecidas
mas o fato eacute que Alencar consegue o que quer sua exoneraccedilatildeo Eacute substituiacutedo pelo
presidente da Cacircmara dos Deputados conselheiro Joaquim Otaacutevio Neacutebias Retorna
o Alencar a Cacircmara e agrave redaccedilatildeo do Dezesseis de Julho
No fim de abril comeccedila o cochicho em Satildeo Cristoacutevatildeo sobre a escolha para as duas
vagas de senador pelo Cearaacute Ao fim a doutrina que os conservadores - inclusive o
Alencar - pregam nos jornais eacute seguida pelo imperador de que somente a este
pertence sem audiecircncia de nenhum ministro a escolha dos nomes para o Senado
Em uma passagem das cartas ao Imperador Alencar sugere que ldquoos atos do poder
moderador satildeo de exclusiva competecircncia vossa [do Imperador] para exercecirc-los natildeo
dependeis de agentes e atualmente nem de conselhordquo (ALENCAR 2011 p 81)
No dia 27 por carta imperial satildeo escolhidos os nomes de Domingos Joseacute
Jaguaribe e do conselheiro Joseacute de Melo Alencar nunca se recuperaria de tal golpe
Agora seu caminho na Cacircmara de deputados eacute o da oposiccedilatildeo ao governo
Em maio de 1871 jaacute tomada certa distacircncia a guerra do Paraguai o imperador
solicita a Cacircmara o necessaacuterio consentimento para uma viagem a Europa Alencar
se apressa nos protestos lembrando o dinheiro esbanjado pelo Estado com as
comemoraccedilotildees puacuteblicas pelo fim da guerra Chega a dizer que uma viagem pela
Europa naquele momento seria uma demonstraccedilatildeo de ldquoabsolutismordquo e ao mesmo
tempo uma tentativa de se afastar das discussotildees sobre a questatildeo da matildeo de obra
escrava e o abolicionismo que o fim da guerra do Paraguai tornou mais urgentes e
23 A influencia local na escolha de candidatos para as eleiccedilotildees soacute volta a crescer a partir de 1881
com a Lei Saraiva
que D Pedro II havia se comprometido em buscar uma soluccedilatildeo
Alencar eacute deputado combativo aguerrido mas natildeo logra muitas vitoacuterias Na
imprensa chega a ser acusado de incoerecircncia no confronto do conteuacutedo das cartas
de Erasmo e a sua atual situaccedilatildeo de rompimento com o imperador seus ataques
constantes ao trono e a administraccedilatildeo Da vida poliacutetica ateacute a literatura tudo eacute motivo
para denegrir a imagem do ex-ministro Eacute assim com Zacarias depois com Cotegipe
depois com Rio Branco depois com Silveira Martins As ideias de Alencar sempre
sustentadas por seu conhecimento do Direito (como vimos as proposiccedilotildees mais
carregadas de complexidade como as cartas geralmente vinham acompanhadas de
estudos publicados pelo Alencar) afligiam vaacuterios grupos Natildeo o grande coro dos
homens da assembleia que em muitos ldquovivasrdquo e ldquobravosrdquo sequer ouviam a pauta das
reuniotildees O partido que detinha a maioria dos deputados conseguia aprovar o que
propunha na maior das vezes tendo em suas relaccedilotildees de ldquoapadrinhamentordquo
construiacutedo vaacuterios laccedilos de dependecircncias entre deputados e senadores
(CARVALHO 2007) Mas eram geralmente as lideranccedilas que viam em Alencar um
problema (NETO 2006) Algueacutem que poderia ter forccedilas (e competecircncia) para propor
mudanccedilas dentro da estrutura Gramsci coloca essa questatildeo quando fala da
educaccedilatildeo dos ldquojovensrdquo Todas as geraccedilotildees educam seus jovens Pode haver ndash e
sempre haacute ndash atritos questotildees divergecircncias de opiniatildeo mas tudo isto faz parte do
processo educativo Mas alguns ldquojovensrdquo da classe dirigente podem se revelar e
buscar alternativas na classe progressista com o intuito de tomar o poder Eacute o
momento em que os ldquovelhosrdquo de outras camadas passam a direccedilatildeo para tais jovens
(GRAMSCI 1989) Eacute certo que para que a ideologia se constitua eficazmente o
discurso assumido por um grupo deve se manter o mesmo ignorando as mudanccedilas
histoacutericas que possam vir a acontecer (e efetivamente acontecem) garantindo a
continuidade das representaccedilotildees sociais e poliacuteticas preacute-determinadas pela classe
dominante (CHAUI 1997) O temor da ideologia eacute o discurso fundador de novas
ideias e natildeo os grupos que as deteacutem porque estes estatildeo associados agraves classes
dominantes no caso aqui a burguesia e pequena burguesia citadina da Corte com
seus intelectuais atuantes constituindo uma camada perifeacuterica a elite representada
natildeo apenas pelo partido conservador mas em vaacuterios casos tambeacutem pelos liberais
Numa citaccedilatildeo de Faoro agrave Bernardo de Vasconcellos o sistema representativo que
entatildeo os partidos ndash conservadores e liberais ndash desejavam construir com sua gama
de funcionaacuterios bachareacuteis e juiacutezes ldquonatildeo significava a vontade popular mas o
governo dos melhores dos mais esclarecidos dos mais virtuosos Entre o paiacutes real
e o paiacutes legal soacute o segundo estaria apto a destilar a elite o poder capaz de
modernizar civilizar e elevar o povordquo (FAORO 2004 p 371) o que garantiria uma
modernizaccedilatildeo dos quadros mas natildeo o fim das oligarquias O que vinha acontecendo
eacute a solidificaccedilatildeo de um processo de deslocamento do poder dos chefes locais do
interior para a burocracia estatal sediada na capital para a Corte e auxiliada pelo
recente processo de construccedilatildeo de uma elite intelectual local A concepccedilatildeo de um
paiacutes dividido em povo e plebe que distinguia os chamados ldquohomens bonsrdquo cidadatildeos
ativos detentores de plenos direitos poliacuteticos proprietaacuterios profissionais liberais
produtores enfim algueacutem que fosse possuidor de certa renda da massa pobre sem
alfabetizaccedilatildeo e dependente (BASILE 2006) As ideias migram se modificam um
pouco e se acomodam em lados diversos e as lideranccedilas partidaacuterias assinaladas (e
outras tantas) que conhecem tal fenocircmeno e nele se sustentam fariam de tudo para
evitar que aquele poliacutetico ldquofanadinhordquo e mal-educado se transformasse tambeacutem em
uma nova lideranccedila
Alencar nos anos que seguem ao trabalho no ministeacuterio sente a sauacutede lhe escapar
Eacute uma eacutepoca em que a doenccedila novamente o alcanccedila e o refuacutegio de sua casa na
Tijuca mais as caminhadas ateacute a vista chinesa junto com Machado de Assis se
tornam a melhor opccedilatildeo para recuperar-se A eacutepoca ele retoma um projeto deixado
de lado a pouco a Guerra dos Mascates Romance histoacuterico mas eacute denominado
pelo autor de ldquocomeacutedia histoacutericardquo em que satirizava seus companheiros de gabinete
ndash Alencar comenta em uma nota que natildeo faria tal coisa ndash os colegas deputados e
(natildeo poderia faltar em sua lista) D Pedro II Aproveitando-se de partes do episoacutedio
que eacute bastante documentado no periacuteodo cria uma caricatura da corte e suas ilustres
figuras um arremedo da poliacutetica contemporacircnea Algo como uma vinganccedila particular
a que ningueacutem poderia impetra-lhe culpa
Como uma forma de terapia embarca com a famiacutelia em junho de 1873 para uma
viagem ateacute o Cearaacute onde encontra amigos e um clima revigorante Fica ali por
alguns meses longe dos trabalhos na Corte mas sempre encontrando e
conversando com lideranccedilas poliacuteticas locais diversas sem que ldquoa cor partidaacuteriardquo
criasse algum empecilho Era para todos ali o conselheiro Alencar um filho da
terra Conhece durante esse tempo o jovem Capistrano de Abreu com quem
comeccedila uma grande amizade e aonde jaacute profetiza seu sucesso nas letras no Rio de
Janeiro Volta para casa em novembro e para o trabalho A doenccedila o acompanha
sempre
Alencar retorna a Cacircmara em julho para os debates da reforma eleitoral Apesar do
cansaccedilo e da constante fraqueza muscular eacute ainda um orador fervoroso Combate
veementemente a eleiccedilatildeo direta e sustenta que as reformas poliacuteticas e sociais
cabem a uma iniciativa do ministeacuterio sempre visando um centralismo administrativo
Alencar nunca deixa de guiar-se pelas metas do partido conservador e sabe do
crescimento dos liberais no interior onde a massa votante estaacute nas matildeos dos
proprietaacuterios de terra em sua maioria adeptos do liberalismo e da descentralizaccedilatildeo
do poder Alencar eacute um poliacutetico moderado algueacutem que confia em uma monarquia
constitucional que possa garantir a ordem dentro da heterogeneidade de um paiacutes de
enormes dimensotildees que eacute o Brasil desacreditando assim de qualquer forma
republicana que tendesse a uma descentralizaccedilatildeo de poder e fortalecesse os chefes
locais dispersos pelo territoacuterio do paiacutes
14 UacuteLTIMOS ANOS
No ano de 1875 Alencar sofre as primeiras hemoptises Planeja uma viagem para a
Europa na busca de uma cura para sua sauacutede jaacute bastante debilitada Eacute neste
mesmo ano que retorna agrave Corte vindo de Paris Joaquim Nabuco Jovem bem
educado filho do Senador Nabuco Sua primeira accedilatildeo poliacutetica eacute iniciar-se na
imprensa E assim como Alencar o fez em seu iniacutecio de carreira insurgir contra uma
personalidade consolidada no cenaacuterio literaacuterio e poliacutetico com paus e pedras na matildeo
ndash no caso o nosso biografado - em busca de algum reconhecimento Traz da
Europa um livro de poemas publicado em francecircs que consegue certa
consideraccedilatildeo Assume a redaccedilatildeo dos folhetins do jornal ldquoO Globordquo tecendo criacuteticas
mais centradas nos literatos que agrave literatura ldquodos brasileirosrdquo Joaquim Nabuco
tomava para si o lugar do novo da modernidade da esperanccedila e das ideias novas
O lugar que pertencera ao Alencar por algumas deacutecadas e que havia segundo
Nabuco ficado no passado
A polecircmica que se deu veio da necessidade de Nabuco se afirmar no cenaacuterio da
Corte a partir de um modelo intelectual e artiacutestico que se confrontaria com o
romantismo um realismo baseado nas ideias positivistas e evolucionistas Modelo
natildeo assumido somente por ele mas por toda uma geraccedilatildeo que estava se
estabelecendo Pesavento nos mostra o cenaacuterio
Imbuiacuteda das teorias europeias de Darwin Spencer Comte Taine Renan esta geraccedilatildeo buscava o universal de forma expliacutecita assumindo um cosmopolitismo declarado o Brasil deveria acertar o passo com a histoacuteria ingressando na modernidade de seu tempo A Europa fornecia o padratildeo de refinamento civilizatoacuterio e de patamar cultural Dela vinham as ideias a moda as novas teacutecnicas e o Brasil precisava acompanhar o trem da histoacuteria nem que fosse no uacuteltimo vagatildeo (PESAVENTO 1998 p 27)
Assumir um modelo europeu natildeo era uma novidade Mas como tal modelo se
renova as ideias satildeo ldquoassumidasrdquo pelas novas geraccedilotildees como a pouco nos
referimos sustentando uma continuidade do sistema sem que uma mudanccedila radical
seja conseguida (ou pretendida)
O tema central do debate era a ideia de Nabuco de que a literatura de Alencar
estava superada Comeccedila com o fracasso de puacuteblico da peccedila ldquoo jesuiacutetardquo
apresentada ainda naquele ano Alencar rebate e segue na peleja como era de seu
gosto Natildeo eacute nossa intenccedilatildeo aprofundar aqui uma discussatildeo sobre a literatura do
periacuteodo para noacutes importa a questatildeo qual modelo de sociedade era sustentado por
Alencar e qual era defendido por Nabuco e dos grupos que se instalavam ditos a
geraccedilatildeo de 1870 Foi um momento em que viacutenculos foram criados entre intelectuais
brasileiros e europeus Podemos apresentar uma caracterizaccedilatildeo do periacuteodo na
anaacutelise de Antocircnio Cacircndido mostrando que
()o movimento das novas ideias filosoacuteficas e literaacuterias que comeccedilou mais ou menos em 1870 e se estendeu ateacute o comeccedilo do seacuteculo XX tendo como
nuacutecleo inicial a cidade do Recife capital de Pernambuco e sua Faculdade de Direito Laacute e em outros centros como o Cearaacute e sobretudo o Rio de Janeiro desenvolveu-se um agudo espiacuterito criacutetico voltado para analisar de maneira moderna a sociedade a poliacutetica a cultura do Brasil com inspiraccedilatildeo primeiro no Positivismo de Augusto Comte em seguida nas diversas modalidades de Evolucionismo das quais teve aqui maior voga a filosofia de Herbert Spencer Acrescente-se a divulgaccedilatildeo das novas ciecircncias como Biologia Linguiacutestica Etnografia Antropologia Fiacutesica (CAcircNDIDO 1999 p 51)
Natildeo soacute Nabuco mas tambeacutem escritores como Franklin Taacutevora e Feliciano de
Castilho protagonizaram ataques ao Alencar e suas ideias em favor da escravidatildeo
estavam totalmente distantes do modelo sociais e cientiacuteficos apresentados Alencar
era a pedra da vez e seu estado de sauacutede debilitado provavelmente contribui pra
piorar o humor do genioso deputado A literatura precisava deixar o reino do
simboacutelico e chegar-se para a realidade representada pelo cientificismo Alencar
refuta as acusaccedilotildees porque acredita no que escreve natildeo eacute um cientista e nem
pretende ser O que tem em mente natildeo eacute tatildeo somente a anaacutelise do real mas uma
possibilidade de ldquomelhorarrdquo o real moralizando-o Influenciar a sociedade em busca
sempre de um caminho de purificaccedilatildeo do social
O debate aberto interessa aos dois Alencar um pouco desgastado pelos recentes
arranhotildees da poliacutetica e Nabuco buscando ainda o reconhecimento do puacuteblico
Precisam do jornal Precisam de um veiacuteculo que os fortaleccedila frente agrave opiniatildeo
puacuteblica construindo ali sua arena de luta Eacute no jornal que as ideias alcanccedilam um
puacuteblico variado e seleto visto que a alfabetizaccedilatildeo do povo natildeo era um fato mas
tambeacutem natildeo podemos cair no mito do analfabetismo ldquototalrdquo da populaccedilatildeo em que
ainda natildeo seja possiacutevel atingir um grupo tamanho que haacute de se considerar enquanto
uma opiniatildeo puacuteblica como prova disso temos a venda de livros ndash romances de
folhetim em sua maioria para o periacuteodo ndash e a presenccedila de salas de leitura e
bibliotecas onde jaacute se cativava um puacuteblico fiel entre mulheres e estudantes24 e o
proacuteprio Alencar admite ter na infacircncia lido para grupos Era comum em
estabelecimentos comerciais e mesmo em casa de famiacutelia uma leitura coletiva de
24 Eacute interessante uma consulta a o trabalho de Sandra G Vasconcelos sobre a formaccedilatildeo do
romance no Brasil e o levantamento sobre os romances ingleses em circulaccedilatildeo no Brasil no XIX
jornais informando as notiacutecias aos que natildeo satildeo alfabetizados o que possibilitava
que as informaccedilotildees e opiniotildees chegassem a grupos maiores (SCHWARCZ 1999)
A guerra que deixa de ser particular e toma agrave imprensa Nabuco representa a
proposta de um novo liberalismo que vai ganhando corpo a partir do final da deacutecada
de 1860 que se contrapotildee ao nacionalismo conservador concebido na obra de
Alencar Depois de dois meses o debate termina sem necessariamente abalar
quaisquer dos lados Nabuco se retira para tentar a poliacutetica e Alencar deixa-se estar
ateacute maio seguinte quando embarca com a famiacutelia para a Europa Sofrendo de
depressatildeo a viagem o angustia Paris Londres Portugal Alencar estaacute velho
consumido pela doenccedila pulmonar Soacute melhora um pouco com a volta ao Rio de
janeiro Agrave Tijuca
Alencar ainda combate na Cacircmara Eacute eleito para um quarto mandato como
Deputado Com a sauacutede jaacute muito debilitada natildeo comparece a todas as seccedilotildees e
diminui as saiacutedas de sua casa para os costumeiros passeios Uma descriccedilatildeo
construiacuteda por Lira Neto nos daacute uma clara visatildeo de Alencar nesse momento em que
a tuberculose jaacute chegara agrave situaccedilatildeo terminal
() era impressionante como o homem definhara nos uacuteltimos meses Virara uma garatuja
Os olhos miuacutedos haviam perdido o brilho caracteriacutestico e agora praticamente sumiam em meio as negras olheiras Na outrora vasta cabeleira uma entrada pronunciada alongava-lhe a testa e ajudava a conferir-lhe o ar de velhice precoce A barba tomava conta do rosto magro e descera abundante sobre o peito a ponto de os fios desgrenhados esconderem-lhe o noacute da gravata Tinha apenas 48 anos de idade Parecia ter no miacutenimo vinte a mais (NETO 2006 p13)
Jaacute natildeo eacute mais o mesmo poliacutetico agressivo mas ainda encontra focirclego para se
arranhar com Caxias ndash entatildeo chefe do executivo ndash e mais uma vez com Cotegipe
arrancando aplausos e risos do plenaacuterio sempre com suas criacuteticas bem vivas a
famiacutelia real Haacute de se admitir que houvesse um pouco de rancor pela sua natildeo
indicaccedilatildeo para o senado que lhe acompanharia ateacute os uacuteltimos dias de vida
aguccedilando sua ldquoimplicacircnciardquo e por vezes chegando a contradiccedilotildees como quando
ataca seu proacuteprio partido enquanto o Imperador passeava pelo mundo com parte da
famiacutelia A regente Isabel tambeacutem natildeo lhe enchia os olhos Se natildeo era alvo
constante de suas criacuteticas eacute porque pouca importacircncia lhe dava o deputado
Em abril de 1877 chega agrave capital notiacutecia da seca que castiga a proviacutencias do Cearaacute
e vizinhas como natildeo acontecia a deacutecadas Vai agrave tribuna o Alencar para pedir
esclarecimentos aos Ministros sobre a situaccedilatildeo real da regiatildeo e cobrar providecircncias
Os jornais de Fortaleza acusam o conselheiro de descaso ao mesmo tempo em que
este se propotildee a recolher junto a uma comissatildeo donativos para as viacutetimas
Tambeacutem algumas folhas do Rio de Janeiro que divulgam litografias sobre os
retirantes chamam a responsabilidade Vale lembrar que Joseacute do Patrociacutenio um
dos jornalistas responsaacuteveis pela divulgaccedilatildeo do problema da seca no Cearaacute eacute um
abolicionista ferrenho Eacute notoacuterio que Alencar piora dia a dia sentindo-se desprezado
ateacute por seus colegas do partido Natildeo se propotildee mais ao debate puacuteblico e deixa por
menos as provocaccedilotildees dirigidas a ele Sua preocupaccedilatildeo eacute com a famiacutelia com o
desamparo que pode vir a acorrer em funccedilatildeo de sua morte Vai definhando
lentamente abandona de vez a caminhada pelo passeio puacuteblico e tambeacutem se
distancia dos amigos eacute quando a doenccedila finalmente o alcanccedila Aos 12 dias de
dezembro de 1877 falece Joseacute de Alencar Agraves 10 horas da manhatilde do seguinte dia
seu corpo eacute levado em cortejo ateacute o cemiteacuterio de Satildeo Francisco Xavier aonde vem a
ser sepultado por um pequeno grupo de jornalistas e amigos proacuteximos O imperador
se dirigindo agrave Petroacutepolis na ocasiatildeo ndash como o fazia habitualmente - do falecimento
ao ser comunicado reage com uma expressatildeo ressentida ldquoHomem de valor
Poreacutem muito mal-educadordquo (MENEZES 1965)
O necroloacutegio eacute escrito por Capistrano de Abreu e estampado na primeira paacutegina da
ldquoGazeta de Notiacuteciasrdquo mas sem a assinatura do autor Eacute o primeiro trabalho
publicado por Capistrano de Abreu na imprensa carioca O novo jornalista viria a
fazer o sucesso que Alencar profetizara e ainda mais como escritor Poliacutetica eacute
assim Mesmo com sua morte o deputado elege um ldquofilhoterdquo25
25 Na giacuteria eleitoral do periacuteodo filhote era o candidato apadrinhado por algum liacuteder poliacutetico
2 CONJUNTURA POLIacuteTICA DO II REINADO
Os infelizes natildeo andam na rua do Ouvidor
De um Editorial da ldquoGazeta da tarderdquo
Depois de conhecermos por meio de sua biografia o Alencar eacute importante que
possamos nos deter nos campos de atuaccedilatildeo de Alencar enquanto poliacutetico e
enquanto um intelectual que pretende atingir a opiniatildeo puacuteblica com suas ideias
Lembramos aqui que nos baseando nos textos de Gramsci (1989) entendemos o
intelectual como a figura que faz a ligaccedilatildeo entre a da elite com o povo Na verdade
eacute o intelectual que iraacute construir uma relaccedilatildeo de confianccedila com os vaacuterios segmentos
sociais na sociedade para a divulgaccedilatildeo e manutenccedilatildeo da ideologia dos grupos que
formam essa elite no poder Para tanto cabe o exame de tais pontos as elites a
imprensa os intelectuais e a opiniatildeo puacuteblica em uma relaccedilatildeo dialeacutetica que
necessariamente apresenta um discurso em forma de tese e a partir de uma
antiacutetese observada recreia seu discurso na forma de siacutentese Os elementos acima
descritos existem de forma separada o que os agrega eacute tatildeo somente o trabalho de
Alencar Portanto funcionam como em uma pintura feita na forma de um poliacuteptico
onde os de os elementos que a compotildeem tem uma existecircncia individual isolada
mas quando unidas ou justapostas criam um novo conjunto de significaccedilotildees Eacute o
acircmbito da esfera puacuteblica Cabe lembrar que a esfera puacuteblica burguesa eacute uma
categoria tiacutepica de uma eacutepoca caracterizada como sociedade burguesa A esfera
puacuteblica deve ser entendida como categoria histoacuterica drsquoonde seu uso na sociedade
da corte no Rio de Janeiro no segundo reinado A burguesia eacute o fulcro deste puacuteblico
caracterizado fundamentalmente como o puacuteblico que tem condiccedilotildees de ler tem uma
educaccedilatildeo tem direitos e deveres na sociedade bem como consegue ser
reconhecido como um igual entre seus pares E eacute este reconhecimento que permite
com que haja alguma alteridade e suas vozes sejam reconhecidas Para Habermas
algueacutem soacute faz parte de uma esfera puacuteblica enquanto portador de uma ldquoopiniatildeo
puacuteblicardquo (HABERMAS 2003)
Para um entendimento mais consistente do periacuteodo de nosso recorte iniciaremos
aqui apresentando uma visatildeo geral sobre o segundo reinado e os acontecimentos
que formam o complexo cotidiano apresentado por Joseacute de Alencar em suas cartas
poliacuteticas
21 UMA VISAtildeO GERAL
O segundo reinado considerando o periacuteodo regencial se estende de 1831 ateacute 1889
D Pedro II eacute entronado com o golpe da maioridade promovido pelos liberais da qual
o senador Alencar ndash pai de Joseacute de Alencar - fez parte em julho de 1840 Uma
caracteriacutestica marcante que talvez ajude a compreender melhor esse periacuteodo eacute o
fato de o Imperador nunca ter aberto matildeo do poder moderador ndash um adendo incluiacutedo
por seu pai na constituiccedilatildeo liberal de 1824
A alternacircncia de partidos no poder foi uma constante Durante os cinquenta anos em
que governa D Pedro II se sucederam 36 gabinetes ministeriais Nas crises de
governabilidade entre interesses partidaacuterios e as determinaccedilotildees do imperador os
ministeacuterios eram alternados e o partido opositor tornava-se situaccedilatildeo Poreacutem eacute valido
ressaltar que as diferenccedilas entre liberais e conservadores natildeo representavam os
anseios da populaccedilatildeo mas os interesses de elites que disputavam o poder As
eleiccedilotildees para o legislativo eram manipuladas pelo grupo da situaccedilatildeo de acordo com
seus interesses particulares e em geral marcadas por fraudes (FAORO 2004)
O partido liberal fica poucos meses na administraccedilatildeo apoacutes o golpe e logo em 1841
temos a primeira vitoacuteria dos conservadores a restituiccedilatildeo do Conselho de Estado
Abolido pelo Ato Adicional de 1834 este retorna para ampliar mais ainda os poderes
do Executivo em detrimento da autonomia poliacutetica das proviacutencias Em retaliaccedilatildeo os
liberais organizam algumas revoltas contra o governo em Satildeo Paulo Rio de Janeiro
e em Minas Gerais
Em 1844 ordens imperiais afastam os Conservadores do poder e retornam os
Liberais a compor com Pedro II Em 1847 eacute criado o cargo de presidente do
Conselho de Ministros que teria a tarefa de nomear os demais ministros Eacute a
instituiccedilatildeo do parlamentarismo brasileiro Poreacutem o modelo parlamentar adotado no
Brasil era atiacutepico justamente pela accedilatildeo do imperador (o poder moderador) de
tambeacutem nomear ministros ndash ou desautoriza-los ndash a sua vontade D Pedro II escolhia
o presidente do conselho e este por sua vez escolhia os ministros Eacute o chamado
ldquoParlamentarismo agraves Avessasrdquo a consolidaccedilatildeo de uma nova fase de centralizaccedilatildeo
poliacutetica Mas natildeo deixa de ser um progresso na medida em que no periacuteodo anterior
o imperador simplesmente nomeava todos eles Com o ministeacuterio composto restava
a aprovaccedilatildeo dos parlamentares na Cacircmara dos Deputados Poreacutem detendo o
imperador a prerrogativa de dissolver os gabinetes ministeriais como condiccedilatildeo para
formaccedilatildeo de outro ministeacuterio dependendo da ocasiatildeo e da conjuntura poliacutetica e
como o fez D Pedro I ateacute de dissolver a cacircmara tudo era negociado com muita
cautela As reformas buscam agradar os diversos grupos existentes em um sistema
de troca de favores onde o imperador usava da distribuiccedilatildeo de cargos puacuteblicos e a
cooptaccedilatildeo de lideranccedilas da oposiccedilatildeo o que acaba por criar uma aparecircncia de
legalidade ao processo eleitoral e manter certa ordem evitando excessos como do
episoacutedio das ldquoeleiccedilotildees do caceterdquo logo no iniacutecio de sua administraccedilatildeo onde a
violecircncia toma forma de pressatildeo sobre o eleitorado (GRAHAM 1997) A proposta
era inserir o Paiacutes no conjunto das naccedilotildees civilizadas e adeptas da democracia
representativa mas natildeo eacute bem assim que acontecia O presidente da proviacutencia era
uma figura fundamental no processo eleitoral cabendo a ele garantir a vitoacuteria do
governo no pleito Alguns eram trocados estrategicamente pouco tempo antes das
eleiccedilotildees com o poder de afastar substituir e ateacute determinar a aposentadoria
antecipada de juiacutezes anular resultado das apuraccedilotildees e preencher atas eleitorais
com nomes de sua preferecircncia Era comum listarem-se eleitores falecidos ou natildeo
aparecerem eleitores do partido opositor Esse comportamento decorre das
perturbaccedilotildees experimentadas durante o Periacuteodo Regencial onde diversos conflitos
regionais se espalharam pelo paiacutes em oposiccedilatildeo agraves decisotildees tomadas pelo governo
central Enquanto isso a soluccedilatildeo era dissolver e reorganizar o gabinete dando uma
impressatildeo de que as coisas iriam ser ldquodiferentesrdquo Geralmente o conselho de
ministros natildeo chegava a ficar mais de dois anos no poder Ao longo de todo o
governo de D Pedro II os conservadores estiveram agrave frente do gabinete por vinte e
noves anos e os liberais por dezenove anos (CARVALHO 2007) garantindo uma
aparecircncia democraacutetica para um governo conservador Em 1853 Carneiro Leatildeo
estabelece o Ministeacuterio da Conciliaccedilatildeo com a finalidade de ampliar a interaccedilatildeo dos
dois partidos no governo brasileiro O ldquoconluiordquo durou ateacute 1858
Mas o paiacutes eacute pacificado Cessaram as rebeliotildees provinciais que tiveram iniacutecio na
regecircncia e ameaccedilavam a consolidaccedilatildeo do Estado brasileiro Duas dessas rebeliotildees
eclodiram ainda no periacuteodo regencial e tiveram seu termo com D Pedro II a
balaiada em 1841 e a farroupilha em 1845 A uacutenica grande revoluccedilatildeo posterior foi a
praieira em 1848 na proviacutencia de Pernambuco mas durou ateacute 1849 A paz
conseguida favoreceu a consolidaccedilatildeo dos interesses da classe dominante
representada pelos grandes proprietaacuterios rurais dos quais dependia o impeacuterio Tais
grupos defendiam a manutenccedilatildeo da escravidatildeo e a ausecircncia da participaccedilatildeo popular
nas decisotildees poliacuteticas Suas divergecircncias estavam centradas mais nos interesses
econocircmicos e poliacuteticos locais
Durante o Segundo Reinado o Brasil se envolveu em trecircs conflitos armados com
paiacuteses fronteiriccedilos da regiatildeo Platina Em 1851 teve iniacutecio a Guerra contra Oribe e
Rosas Esse conflito envolveu a Argentina e o Uruguai (paiacutes que pertenceu ao Brasil
ateacute 1828) Em 1851 Oribe liacuteder do Partido Blanco tomou o poder no Uruguai e
com o apoio de Rosas ditador argentino bloqueou o porto de Montevideacuteu
prejudicando o comeacutercio brasileiro na bacia Platina As tropas brasileiras
comandadas por Caxias aliaram-se ao exeacutercito liderado por poliacuteticos rivais a Oribe e
Rosas O Brasil sai por fim como vitorioso da Guerra o ano eacute o de 1852
Em 1864 desponta a Guerra contra Aguirre liacuteder do Partido Blanco e governante do
Uruguai Tem iniacutecio depois que os uruguaios promoveram vaacuterias invasotildees ao Rio
Grande do Sul roubando o gado dos fazendeiros gauacutechos O ministeacuterio organiza o
exeacutercito sob o comando de Tamandareacute e do marechal Mena Barreto Com o apoio
de tropas opositoras do governo de Aguirre o Brasil consegue a vitoacuteria e transfere o
governo para o liacuteder do Partido Colorado Venacircncio Flores O conflito armado mais
longo e violento do periacuteodo foi a Guerra do Paraguai indo de 1864 ateacute 1870 O
Paraguai era o paiacutes mais proacutespero da regiatildeo Contava ainda com uma moeda forte e
uma economia industrial como bases para um bem-sucedido desenvolvimento
nacional
Quando o ditador Solano Loacutepez chegou ao poder colocou em praacutetica uma poliacutetica
expansionista que pretendia ampliar o territoacuterio do Paraguai tomando terras do
Brasil Argentina e Uruguai Solano Loacutepez tinha como objetivo formar o Grande
Paraguai A guerra teve iniacutecio quando tropas paraguaias invadiram o territoacuterio
brasileiro e argentino Formou-se entatildeo a Triacuteplice Alianccedila que unia militarmente o
Brasil Argentina e Uruguai para lutar contra o Paraguai Para Fausto (2001) os
interesses ingleses tambeacutem estavam em pauta com a necessidade de garantirem-
se mais mercados e evitar o desenvolvimento de concorrentes a Inglaterra foi
grande incentivadora do conflito As lutas foram intensas terminando somente em
1870 com a invasatildeo de Assunccedilatildeo e a perseguiccedilatildeo e morte de Solano Loacutepez Para o
Paraguai as consequecircncias da guerra foram desastrosas devido agrave destruiccedilatildeo de sua
economia industrial e a morte de cerca de 80 da populaccedilatildeo (FAUSTO 2001)
Mesmo vitorioso o Brasil saiu com diversos problemas econocircmicos pois teve que
pedir grandes somas de dinheiro emprestadas para a Inglaterra o que aumentou
sua diacutevida externa Tambeacutem a poliacutetica de manutenccedilatildeo da escravidatildeo se viu em um
paradoxo como escravos podem ir para as fileiras lutar pela liberdade de uma
naccedilatildeo se eles individualmente natildeo possuem direito a liberdade Muitos escravos
foram alforriados para lutarem na guerra e tantos outros lutaram na esperanccedila de
receber uma posterior alforria ndash considerando que pela legislaccedilatildeo alguns cidadatildeos
alistados natildeo querendo fugir de suas obrigaccedilotildees para com o paiacutes - poderiam
mandar seus escravos para tomar ldquoseurdquo lugar na guerra (MATTOS 2000)
As dificuldades financeiras do Impeacuterio e a necessidade de apresentar uma soluccedilatildeo
para o problema da escravidatildeo apressaram a queda de D Pedro II visto que seu
uacuteltimo pilar de sustentaccedilatildeo estava no apoio dos fazendeiros que praticavam a
agricultura de exportaccedilatildeo baseada na matildeo-de-obra escrava
Um dos momentos de crise mais aguda na poliacutetica eacute sentido com a deposiccedilatildeo do
gabinete Zacarias de Goacuteis pelo Imperador - atribuiccedilatildeo garantida ao poder
moderador mas natildeo muito bem resolvida na ocasiatildeo D Pedro II vai ao conselho e
os votos depois de uma fala decisiva de Nabuco de Arauacutejo satildeo favoraacuteveis agrave
deposiccedilatildeo do gabinete26 A conciliaccedilatildeo agrupando os partidos em torno do trono
fortalecia o centro do poder em detrimento do poder local nas proviacutencias e logo
apoacutes a regecircncia ela vai desaparecendo em funccedilatildeo do personalismo descolado de
algum programa partidaacuterio Pode-se perceber que ldquoo desenvolvimento econocircmico e
as mudanccedilas sociais que ocorreram no paiacutes a partir dos anos 1850 trouxeram para a
arena poliacutetica novos grupos de interesse tornando impossiacutevel manter a alianccedila entre
os dois partidosrdquo (COSTA 1999 p162) A elite agraacuteria que dirigia os rumos do paiacutes
daacute lugar paulatinamente a uma elite de letrados urbanos uma nova geraccedilatildeo que se
forma lentamente no Brasil associada a uma classe meacutedia dissolvida nas camadas
de um estamento burocraacutetico que vem segundo Faoro (2004) transplantado quase
que integralmente para o Brasil e que lhe daacute o necessaacuterio suporte a existecircncia A
queda do ministeacuterio liberal em 1868 e sua substituiccedilatildeo por um gabinete conservador
gera uma crise que culmina em um manifesto em favor de vaacuterias mudanccedilas no
sistema poliacutetico como a exigecircncia da descentralizaccedilatildeo de eleiccedilotildees diretas contra a
vitaliciedade do senado a favor do sufraacutegio universal da liberdade religiosa e de
muitas outras mudanccedilas pretendidas Eacute a fase aacuteurea do impeacuterio que vecirc seu decliacutenio
iniciar-se depois da guerra do Paraguai
Observando a economia um dos fatores da estabilidade econocircmica e poliacutetica
do paiacutes no periacuteodo imperial foi o desenvolvimento do cafeacute dando um novo
impulso para a economia agroexportadora Durante o primeiro reinado a elite
agraacuteria estava ainda concentrada no nordeste accedilucareiro mas aos poucos a
produccedilatildeo em larga escala do cafeacute - que comeccedilou no Rio de Janeiro em 1930 em
Angra dos Reis e Mangaratiba ndash vem mudando as posiccedilotildees no jogo As plantaccedilotildees
avanccedilam para o vale do rio Paraiacuteba possibilitando pelo volume da produccedilatildeo que
aumentaria gradualmente nos anos seguintes partir para a exportaccedilatildeo Em meados
de 1850 a lavoura cafeeira se expande para o Oeste paulista favorecida pelas
condiccedilotildees do solo (FAUSTO 2001) mas o cultivo exigia a manutenccedilatildeo da matildeo de
obra escrava que ainda era considerada como muito lucrativa Sabe-se poreacutem que 26 A questatildeo colocada se refere (resumidamente) a um desentendimento de Caxias no comando
das tropas no Paraguai e Zacarias de Goacuteis entatildeo na chefia do gabinete Faoro (2004) argumenta
que apesar de D Pedro II ter consultado o conselho sobre o fato e ter seguido a diretriz
recomendada eacute acusado de usar arbitrariamente o Poder Moderador para a retirada dos liberais
com a proibiccedilatildeo do traacutefico negreiro - jaacute exigido pela Inglaterra ao governo brasileiro
ainda no primeiro reinado como uma das condiccedilotildees para aceitaccedilatildeo da
independecircncia - chegar-se-ia inevitavelmente ao fim o trabalho escravo no Brasil
mas a elite dominante adiou o quando pocircde a aboliccedilatildeo da escravidatildeo no paiacutes Para
tanto o impeacuterio relutava em cumprir os acordos leis e tratados firmados Como
forma de solucionar o problema da crescente escassez de matildeo de obra os
fazendeiros recorreram inicialmente ao traacutefico interno de escravos Quando do
agravamento do problema os fazendeiros paulistas comeccedilam uma poliacutetica de
incentivo agrave imigraccedilatildeo de colonos europeus (havia outras opccedilotildees como chineses
aos quais Joaquim Nabuco tinha verdadeira ojeriza) que passariam a trabalhar sob
o regime assalariado A troca foi gradual e lenta Diversas leis foram aprovadas ndash
sob pressatildeo ndash no decurso do tempo como a Lei de 7 de novembro de 1831 ndash Lei
Feijoacute a lei Euseacutebio de Queiroz a Lei do Ventre livre e adiante ateacute a aboliccedilatildeo total
em 1888 Mas o primeiro golpe seacuterio eacute sentido em 1851 como resultado da pressatildeo
inglesa Esta se sente de forma efetiva desde os acordos firmados com D Pedro I
para o reconhecimento da Naccedilatildeo ateacute o iniacutecio da vigilacircncia dos mares pela marinha
inglesa atraacutes de traficantes de escravos em navios de bandeira brasileira
No Rio de Janeiro e em Satildeo Paulo o escravo era utilizado nas plantaccedilotildees de cafeacute e
cana-de-accediluacutecar aqueles que possuiacuteam ou aprendiam uma profissatildeo bem como
tinham capacidade para desenvolver atividades comerciais eram utilizados nos
chamados ldquotrabalhos de ganhordquo e nos diversos trabalhos domeacutesticos nas cidades
Mas seu trabalho na lavoura no periacuteodo de nosso recorte ainda eacute imprescindiacutevel
para a expansatildeo da cafeicultura O cafeacute viria a tornar-se o principal produto de
exportaccedilatildeo brasileiro estimulando a industrializaccedilatildeo e a urbanizaccedilatildeo Fatores como
a expansatildeo do creacutedito atraveacutes de uma reforma bancaacuteria e ndash com o fim do traacutefico ndash a
aplicaccedilatildeo dos capitais desse comeacutercio em operaccedilotildees financeiras as mais diversas a
qual forneceu recursos para a formaccedilatildeo de novas aacutereas de plantaccedilatildeo e a ampliaccedilatildeo
das redes ferroviaacuterias em Satildeo Paulo que reduziram o custo de transporte para os
proprietaacuterios no interior paulista foram decisivos Para os interesses dessa classe
de ricos proprietaacuterios rurais paulistas que se forma a monarquia centralizadora -
sediada no Rio de Janeiro e apoiada pelos senhores de engenhos nordestinos e
cafeicultores do vale do Paraiacuteba - jaacute natildeo era uacutetil Com isso surgiram novos grupos e
classes sociais portadoras de novas demandas e interesses e de muito dinheiro
Na vida social Renault (1976) sustenta que a invasatildeo do luxo se consolida por volta
da deacutecada de 1850 Cabeleireiros alfaiates modistas perfumistas e floristas
construiacuteam uma realidade de consumo ateacute entatildeo desconhecida aqui O
endividamento tambeacutem toma conta da cidade como forma de se integrar a vida
social o que vem a causar desequiliacutebrios no orccedilamento domeacutesticos Um anuacutencio
assinado por certo ldquoMr Gadetrdquo e publicado ainda na deacutecada de 1840 no Jornal do
Comeacutercio prevenia os negociantes da Rua do Ouvidor que ele natildeo se
responsabilizaria pela vendas de objetos a creacutedito- possivelmente para sua esposa e
familiares - sem seu consentimento (RENAULT 1976)
A cidade se renovava e as pessoas viviam o luxo vindo direto da Europa para as
suas casas na maacutequina a vapor nas primeiras ferroviais na evoluccedilatildeo social com os
bondes e a integraccedilatildeo maior das periferias na iluminaccedilatildeo a gaacutes aleacutem da moda em
si que traz novos haacutebitos As viagens pela Europa para as famiacutelias mais abastadas
se torna algo possiacutevel e ateacute comum Mas o contraste eacute visiacutevel Em crocircnicas dos
jornais apresenta-se o melhor de Paris mas escrito em um ldquopeacutessimo francecircsrdquo pelos
jornalistas As salas de leitura e as livrarias recheadas de obras claacutessicas - algumas
de elevado niacutevel cultural e tiacutetulos em liacutengua estrangeira - esbarram no alto iacutendice de
analfabetismo satildeo 10 livrarias soacute no Rio de janeiro na deacutecada de 1850 (mas que
tambeacutem indica a quantidade de europeus ndash ingleses espanhoacuteis franceses e outros
ndash agora residindo no Brasil) e ao mesmo tempo as casas de famiacutelia ainda natildeo tem
um sistema de aacutegua encanada
Segmentos das elites nas deacutecadas de 60 e 70 passariam a contestar o regime
monaacuterquico atraveacutes dos movimentos republicano e abolicionista Mesmo alguns
fazendeiros que defenderam tenazmente a escravidatildeo progressivamente tornam-se
adeptos dos princiacutepios federalistas contidos nos ideais do movimento republicano
quando a situaccedilatildeo lhes era mais favoraacutevel economicamente Mesmo porque a
oposiccedilatildeo burguesia-aristocracia setores urbanos versus setores rurais caracteriacutestica
de outras sociedades natildeo se manifesta no Brasil com a mesma intensidade que em
paiacuteses europeus visto que o antagonismo que se registrou na Europa e gerou
alguns dos mais importantes movimentos revolucionaacuterios do periacuteodo entre burguesia
empresarial e aristocracia agraacuteria aqui era menos consistente Pela metade do
seacuteculo dezenove jaacute teriacuteamos fazendeiros com uma visatildeo mais progressista
apostando na matildeo de obra livre em melhorias no processo produtivo e ao mesmo
tempo uma parcela da burguesia que passa a comprar terras e participar
(associativamente ou mesmo por laccedilos familiares que viessem a ser criados) da
vida e do trabalho na propriedade rural Haacute uma tendecircncia maior entre as elites a
uma formaccedilatildeo de laccedilos de proteccedilatildeo muacutetuos (COSTA 1999)
Lembramos tambeacutem que o manifesto do Partido Liberal de 1868 previa a aboliccedilatildeo
apesar de natildeo haver um movimento organizado para isto Jaacute o Partido Conservador
silenciou sobre o assunto mas foi sob a administraccedilatildeo de gabinetes conservadores
que as leis abolicionistas vieram a acontecer (SKIDMORE 1989)
Golpe a golpe a monarquia vai perdendo sua legitimidade Aleacutem disso a partir da
deacutecada de 1870 o regime monaacuterquico entra em conflito com duas instituiccedilotildees
importantes que formavam outras duas bases de sustentaccedilatildeo do regime o Exeacutercito
e a Igreja Catoacutelica Entre os militares o positivismo pregava a liberdade e uma
postura moral que natildeo condizia com as antigas ideias escravocratas
O movimento proacute-repuacuteblica no Brasil que cresceu ao longo do periacuteodo tomava
proporccedilotildees irreversiacuteveis mas para que a alteraccedilatildeo na forma de governo se desse de
forma democraacutetica seria necessaacuterio uma Assembleia Geral majoritariamente
republicana o que natildeo deveria ocorrer posto que a populaccedilatildeo ainda apoiasse o
imperador e com a lei aacuteurea tinha-se medo do descontentamento dos escravos
com o possiacutevel fim da monarquia podendo acarretar uma revolta popular
(SCHWARCH 1999) Cientes desse problema os republicanos viram-se obrigados
a apelar para o ataque direto em associaccedilatildeo com militares de alta patente Em 15 de
novembro de 1889 D Pedro II foi deposto do trono e embarca para a Europa com a
famiacutelia no dia 17 de novembro sem alardes e sem despedidas puacuteblicas que
pudessem suscitar manifestaccedilotildees Eacute a partir desta alianccedila entre os proprietaacuterios
rurais do oeste paulista e os quadros da elite militar do Exeacutercito que chega no fim do
seacuteculo XIX a Repuacuteblica ao Brasil
22 O ESTADO DA ARTE DA IMPRENSA NO OITOCENTOS
Mas o oitocentos em meio a toda essa agitaccedilatildeo tambeacutem eacute um periacuteodo de
consolidaccedilatildeo da ldquopropostardquo de um paiacutes chamado Brasil um paiacutes novo natildeo mais
uma colocircnia detentor de um ideal proacuteprio que o substantiva em meio agraves outras
naccedilotildees como um ldquoigualrdquo entre elas D Pedro II em seus melhores anos vecirc e
estimula a extrema agitaccedilatildeo onde se busca em algumas ideias ou programas
poliacuteticos e culturais importados de outras naccedilotildees e (soacute algumas vezes) devidamente
adaptados para a ldquocor nacionalrdquo uma identidade para o Brasil Estamos mesmo
para usar uma expressatildeo de Antony Giddens (1991) na periferia
Apesar disso a identidade que se busca deve estar concernente com os elementos
os quais ela pretende representar que satildeo as elites que deteacutem o poder a partir de
1822 composta por comerciantes traficantes fazendeiros e elementos a estes
ligados interessados na grande propriedade agroexportadora e no traacutefico de
escravos e dos grupos de pressatildeo que com o tempo iram se aproximando e
afastando deste nuacutecleo inicial (COSTA 1999) buscando uma acomodaccedilatildeo
adequada durante todo o impeacuterio Schwarcz (1999) nos lembra de que na confecccedilatildeo
da primeira bandeira do Brasil imperial D Pedro I jaacute apostava nos ramos de cafeacute
ladeando o brasatildeo central como um siacutembolo nacional mesmo antes do cafeacute se
configurar como a riqueza que veio a ser
Os primeiros prelos chegam ao Brasil com D Joatildeo VI e natildeo havia uma imprensa no
Brasil no periacuteodo anterior Sodreacute (1999) registra uma pequena tipografia instalada no
Recife em 1706 sob autorizaccedilatildeo do governador da Proviacutencia Francisco de Castro
Morais mas jaacute em 08 de Junho do mesmo ano uma carta reacutegia potildee fim a empresa
Em 1746 novamente com autorizaccedilatildeo de um governador local ndash Gomes Freire ndash
transfere-se de Lisboa o impressor Antocircnio Isidoro da Fonseca para o Rio de Janeiro
e consegue por um breve tempo colocar em atividade pequena oficina tipograacutefica
que sob uma ordem reacutegia foi fechada e queimada Portugal natildeo queria uma
propagaccedilatildeo de ideias ldquoimproacutepriasrdquo dentro da colocircnia e tudo faria para evitar que isto
acontecesse Em Portugal as Ordenaccedilotildees Filipinas determinavam a proibiccedilatildeo da
impressatildeo de qualquer obra que natildeo passe pela censura dos desembargadores do
Paccedilo e dos oficiais do santo Ofiacutecio da Inquisiccedilatildeo (SODREacute 1999) A partir do
segundo quartel do seacuteculo XVII a igreja intensifica a fiscalizaccedilatildeo do conteuacutedo de
obras impressas ateacute que Pombal toma a frente e substitui a pratica pela instituiccedilatildeo
da ldquoReal Mesa Censoacuteriardquo que vigora de 1768 ateacute 1787 Os livros de conteuacutedo
classificado como proibido constituem bibliotecas particulares de alguns letrados e
geralmente satildeo impressas em outro paiacutes entrando em Portugal da mesma forma
que na colocircnia por meio de navios ingleses e franceses em forma de contrabando
Papeacuteis jornais e livros eram vendidos no cais por marinheiros a poliacutecia fiscalizava
livrarias e livreiros mas talvez toda essa pressatildeo acabasse por incentivar a criaccedilatildeo
de sociedades literaacuterias (e tambeacutem nas lojas maccedilocircnicas onde a natildeo se praticava um
pacircnico por autores franceses) onde era possiacutevel procurar e encontrar tiacutetulos
censurados Com a abertura dos portos em 1808 o comeacutercio ilegal se intensifica e a
situaccedilatildeo soacute melhora com a instalaccedilatildeo efetiva da Imprensa Reacutegia O Correio
Braziliense o primeiro jornal a discutir o cotidiano poliacutetico do Brasil e que tem seu
primeiro nuacutemero em junho de 1808 eacute produzido em Londres onde os olhos da
censura e da inquisiccedilatildeo natildeo alcanccedilam o redator tatildeo facilmente
As razotildees do atraso no desenvolvimento de uma imprensa no Brasil ultrapassam os
limites poliacuteticos descritos para esbarrar tambeacutem no problema tecnoloacutegico e de uma
cultura de censura preacutevia para os jornais Mesmo em Portugal nos conta Romancini
(2007) o jornalismo foi precedido pela publicaccedilatildeo sem periodicidade de folhas
impressas chamadas relaccedilotildees ou notiacutecias avulsas no final do seacuteculo XVI Apesar
das primeiras Gazetas de periodicidade mensal circularem desde a metade do
seacuteculo XVII dando iniacutecio assim a uma periodicidade para a publicaccedilatildeo de notiacutecias
impressas ateacute meados do seacuteculo seguinte ainda se conviveria com gazetas
manuscritas O primeiro jornal diaacuterio em Portugal seraacute o Diaacuterio Lisbonense de 1809
portanto posterior a vinda da famiacutelia real para o Brasil e a todo um conjunto de
mudanccedilas que isto viria a acarretar
Eacute sob a responsabilidade Antocircnio de Arauacutejo futuro Conde da Barca que chega ao
Brasil o material para uma oficina tipograacutefica ndash comprado na Inglaterra para a
Secretaria de Estrangeiros e da Guerra e que natildeo havia sido ainda instalado em
Portugal devido ao periacuteodo conturbado da transferecircncia da Corte para o Brasil D
Joatildeo ao saber do acontecido manda abrir a empresa para atender as necessidades
da coroa e possivelmente conseguir algum rendimento (a impressatildeo de cartas de
baralho para o divertimento das famiacutelias viria a trazer um bom lucro para a coroa)
Em ato real o priacutencipe determinava que uma junta apropriada examinasse os
materiais que solicitassem a impressatildeo e publicitaccedilatildeo para que nada se produzisse
de ofensivo contra a religiatildeo o governo ao aos bons costumes (SODREacute 1999) Em
10 de setembro de 1808 sai o primeiro nuacutemero da ldquoGazeta do Rio de Janeirordquo Um
jornal oficial que apesar de natildeo ter um conteuacutedo inovador marca o momento inicial
dos jornais impressos aqui
O ano de 1821 eacute relevante para a histoacuteria da imprensa brasileira Em 28 de agosto
DPedro entatildeo declarado priacutencipe-regente com o retorno de DJoatildeo VI a Portugal
decreta o fim da censura preacutevia a toda mateacuteria escrita tornando livre no Brasil a
palavra impressa Eacute um ato decorrente das deliberaccedilotildees das Cortes Constitucionais
de Lisboa em defesa das liberdades puacuteblicas e marca uma etapa de liberdade de
expressatildeo do pensamento
Com o passar dos anos tem-se a necessidade de formular uma logiacutestica para a
imprensa devido agraves vendas e ao crescimento das cidades Em 1844 o serviccedilo de
correios passa a entregar correspondecircncias nos domiciacutelios o que possibilitava um
sistema de assinaturas de impressos A partir de 1858 no Rio de Janeiro tem-se a
mobilizaccedilatildeo de negros forros e mulatos para o trabalho de entregadores mediante
pagamento para a venda avulsa regular nas ruas da cidade (BAHIA 1990) A partir
de entatildeo o sistema de distribuiccedilatildeo soacute melhora e o jornal como veiacuteculo de
comunicaccedilatildeo toma conta do Rio de Janeiro e de Satildeo Paulo
A busca por uma identidade para o Brasil tem na imprensa um lugar privilegiado
onde as opiniotildees e doutrinas vaacuterias buscavam conquistar a opiniatildeo puacuteblica como
forma de legitimaccedilatildeo de cada projeto individual (BASILE 2006) Satildeo as primeiras
deacutecadas de um veiacuteculo de comunicaccedilatildeo que viria a se tornar poderoso no seacuteculo
seguinte como um agente de informaccedilatildeo das massas Segundo Hall
As culturas nacionais satildeo compostas natildeo apenas de instituiccedilotildees culturais mas tambeacutem de siacutembolos e representaccedilotildees Uma cultura nacional eacute um discurso ndash um modo de construir sentidos que influencia e organiza tanto nossas accedilotildees quanto a concepccedilatildeo que temos de noacutes mesmos (HALL 1998 p 50)
A imprensa o jornal diaacuterio eacute o meio por excelecircncia da poliacutetica Lugar onde os
discursos acontecem os debates satildeo esperados as pelejas travadas e a construccedilatildeo
dos sentidos vecircm a acontecer Mais do que no salatildeo da Cacircmara de Deputados eacute
impresso no jornal que o discurso chega ateacute o leitor que formaraacute em seu conjunto
de propostas criacuteticas e reclames a opiniatildeo puacuteblica Eacute a imprensa que faz chegar
notiacutecias e informaccedilotildees a uma plateias bem mais ampla levantando questotildees do
cotidiano trazendo as informaccedilotildees que ateacute entatildeo estavam em domiacutenio privado para
a esfera puacuteblica Os folhetos e panfletos do periacuteodo tem um caraacuteter tambeacutem
didaacutetico divulgando ideias ndash natildeo soacute liberais eacute certo ndash por meio de uma linguagem
acessiacutevel Muitas vezes encadeando textos respondendo a outros jornais ou
publicitando debates Eacute esta literatura poliacutetica que consolida palavras ideias
expressotildees do liberalismo para a maior parte das pessoas (NEVES 2001)
Hobsbawn (2010) falando do periacuteodo compreendido entre 1848 e a deacutecada de 1860
na Europa comenta a importacircncia dos jornais na formaccedilatildeo de um nacionalismo que
se baseia na cultura partilhada pelo maior nuacutemero de cidadatildeos O autor afirma que a
ideia nacional eacute construiacuteda pelos veiacuteculos de comunicaccedilatildeo e os grupos a estes
vinculados
() o movimento nacional tendia a tornar-se poliacutetico apoacutes sua fase sentimental e folcloacuterica com a emergecircncia de grupos mais ou menos expressivos dedicados agrave ideia nacional publicando jornais e literatura nacionais organizando sociedades nacionais tentando estabelecer instituiccedilotildees educacionais e culturais e engajando-se em vaacuterias atividades francamente poliacuteticas Mas de forma geral neste ponto o movimento ainda era carente de um apoio decisivo por parte da massa da populaccedilatildeo Consistia basicamente de um extrato social intermediaacuterio entre as massas e a burguesia ou a aristocracia existentes (se tanto) especialmente os literatos professores camadas inferiores do clero alguns pequenos comerciantes e artesatildeos urbanos (HOBSBAWN 2010 p 105)
Segundo Romancini (2007) eacute a imprensa criacutetica observadora e natildeo comprometida
com os interesses do Estado que tem suas raiacutezes no Correio Brasiliense27 que iraacute
contribuir para a formaccedilatildeo de uma opiniatildeo puacuteblica no Brasil
27
Correio Brazilience ou Armazeacutem Literaacuterio Jornal mensal editado por Hipoacutelito Joseacute da Costa desde 1808 em Londres e importado para o Brasil para fugir da censura da cora portuguesa Apesar de Hipoacutelito daCosta manter relaccedilotildees com a Corte e com o priacutencipe D Joatildeo chegando mesmo a receber ajuda financeira deste para mantecirc-lo relativamente livre de sua redaccedilatildeo criacutetica o Correio foi um modelo para o jornalismo poliacutetico a ser desenvolvido no Brasil (ROMANCINI 2007)
O impeacuterio foi o periacuteodo da histoacuteria brasileira em que a imprensa teve maior liberdade
de expressatildeo (CARVALHO 2004) mas ela natildeo era um poder independente Em sua
maior parte os jornais e panfletos estavam vinculados a organizaccedilotildees que visavam
como os partidos poliacuteticos ao poder
Havia folhas independentes como o Jornal do Commercio e os jornais radicais Mas eram poucos e com raras exceccedilotildees natildeo duravam muito A grande maioria era vinculada a partidos ou a poliacuteticos O governo tinha sempre seus jornais o mesmo acontecendo com a posiccedilatildeo Os jornalistas lutavam na linha de frente das batalhas poliacuteticas e muitos deles eram tambeacutem poliacuteticos Muitos poliacuteticos por seu lado escreviam em jornais nos quais o anonimato lhes possibilitava dizer o que natildeo ousariam na tribuna da
Cacircmara ou do Senado (CARVALHO 2007 p78)
Liberais conservadores progressistas histoacutericos puritanos todos tem o seu ldquooacutergatildeordquo
de comunicaccedilatildeo Todos tem um jornal seu com o intuito de divulgar e defender seus
ideais propostas e tendecircncias
Rodrigues (2008) comenta que os jornais foram importantes para a divulgaccedilatildeo do
liberalismo moderado pelo Brasil e daacute ecircnfase ao ldquoAurora Fluminenserdquo e ao ldquoSete de
Abrilrdquo que tem a frente Bernardo Vasconcelos e Evaristo Ferreira da Veiga
respectivamente Seus editoriais eram reimpressos em outros jornais do interior do
Rio de Janeiro e de outras regiotildees do paiacutes o que serviu como uma rede de
divulgaccedilatildeo para as ideias liberais
Neves (2001) sustenta que bem como os jornais os panfletos e folhetos de caraacuteter
poliacutetico tiveram papel importante para a divulgaccedilatildeo natildeo somente de ideias mas de
um vocabulaacuterio especiacutefico efetivamente didaacutetico com uma linguagem acessiacutevel
para que uma parte maior da populaccedilatildeo pudesse entender o desenvolvimento do
liberalismo mesmo que este soacute tenha enfatizado um parte do arcabouccedilo de ideias
liberais Toda essa estrutura de ldquomiacutediardquo acabava por propiciar o surgimento de uma
opiniatildeo puacuteblica que assimilava ideias discutia propostas e tomava partido O ideaacuterio
que se pretendia construir era a criacutetica ao despotismo como siacutembolo de um passado
que jaacute estava enterrado e o liberalismo como o ideaacuterio poliacutetico para os novos
tempos (NEVES 2001)
A imprensa do seacuteculo XIX de maneira geral tem por caracteriacutestica ser constituiacuteda ndash
em sua maioria ndash por jornais de vida curta geralmente se ocupando de causas
tambeacutem momentacircneas e tem como proprietaacuterio um indiviacuteduo ou um grupo pequeno
de empresaacuterios (natildeo necessariamente jornalistas) e eacute por excelecircncia poliacutetico
(PINTO 2003) O jornal eacute a representaccedilatildeo de fato e dos fatos para a sociedade um
ente poliacutetico dos mais importantes no momento E junto a ele dentro das
possibilidades existentes no seacuteculo XIX folhetos cartazes livros e muitos outros
suportes foram usados com o intuito de difundir discursos de teor ideoloacutegico Isso jaacute
eacute uma percepccedilatildeo de que a participaccedilatildeo de camadas cada vez maiores da populaccedilatildeo
ndash e natildeo somente da burguesia ndash se apresentavam como elementos emergentes para
a poliacutetica Hobsbawn (2011) nesta passagem nos informa sobre a percepccedilatildeo das
elites europeias da necessidade de um jornal que disseminasse suas ideias para o
povo apoacutes a seacuterie de revoluccedilotildees de 1848
Os defensores da ordem social precisaram aprender a poliacutetica do povo Esta foi a maior inovaccedilatildeo trazida pelas revoluccedilotildees de 1848 Mesmo os mais arqui-reacionaacuterios dos junkers prussianos descobriram naquele ano que precisavam de um jornal que pudesse influenciar a opiniatildeo puacuteblica ndash conceito em si proacuteprio ligado ao liberalismo e incompatiacutevel com a hierarquia tradicional (HOBSBAWN 2011 p41)
Para a Corte no Brasil assim como na Europa jaacute na segunda metade do seacuteculo XIX
os jornais do periacuteodo passam a publicar obras literaacuterias em folhetins Autores como
Manoel Antocircnio de Almeida Machado de Assis e Alencar ficaram famosos por conta
desse tipo de veiculaccedilatildeo e tal associaccedilatildeo da imprensa com a literatura que vai se
revelando no jornal impresso - jaacute no periacuteodo de nosso recorte ndash determina
caracteriacutesticas proacuteprias de um veiacuteculo de comunicaccedilatildeo de massa (PINTO 2003)
Referir-nos-emos entatildeo a estes para uma melhor compreensatildeo da anaacutelise com o
vocaacutebulo ldquomiacutediardquo
Chartier (1991) nos alerta de que natildeo existe um texto fora do suporte que lhe
permita ser lido (ou ouvido) e que natildeo haacute compreensatildeo de um escrito qualquer que
seja que natildeo dependa das formas pelas quais ele atinge o leitor O princiacutepio do
discurso ideoloacutegico eacute o de ldquoalcancerdquo Quanto maior eacute o grupo atingido por uma
proposta maior eacute sua forccedila Eacute uma percepccedilatildeo de base estatiacutestica e natildeo filosoacutefica
Para que o discurso ideoloacutegico venha a surtir efeito eacute preciso que as ideias da classe
dominante se tornem as ideias de todos os membros da sociedade que todos (ou
sua maior parte) se identifiquem com elas E ainda para que a ideologia seja eficaz
o discurso deve se manter sempre o mesmo ignorando as mudanccedilas que possam
vir a acontecer (CHAUI 1997) Para tanto tambeacutem eacute necessaacuterio que a classe
dominante por meio de seus agentes e instrumentos eou instituiccedilotildees especiacuteficas
tratem de aleacutem de produzir suas ideias possam distribuiacute-las o que eacute feito por
exemplo atraveacutes da educaccedilatildeo da religiatildeo dos costumes dos meios de
comunicaccedilatildeo disponiacuteveis As ideias mudam de lugar conforme a interpretaccedilatildeo que
os homens lhe datildeo e no campo poliacutetico essas mudanccedilas nas ldquoorientaccedilotildeesrdquo dos
homens ocorrem com certa frequecircncia Eacute preciso confianccedila como tambeacutem partilhar
as ideias com o grupo e se possiacutevel com quem mais aparecer
23 SOBRE AS ELITES NO PODER
Apesar dos estudos sobre a burguesia e as elites natildeo serem uma novidade entre
noacutes uma pergunta metodoloacutegica insiste em aparecer ndash como nos lembra Flaacutevio
Heinz (2006) Onde comeccedilam e onde terminam as elites - Este mesmo autor
sugere que os limites tradicionais tendem a ficarem menos riacutegidos com o
aparecimento de pesquisas mais recentes e a inclusatildeo de novas categorias
profissionais e de diferentes recortes que modificam a visatildeo tradicional sobre o
assunto integrando outras fontes e apresentando possibilidades para a
interpretaccedilatildeo destas
Temos em mente que mesmo considerando tais limites para o segmento ldquoeliterdquo eacute
preciso lembrar como nos mostra Chauiacute que a elite descrita a que nos referimos
deve ser entendida como a ldquoclasse dominanterdquo e natildeo necessariamente os
ldquomelhoresrdquo homens e mulheres dentro de uma sociedade como o termo pode
sugerir (CHAUI 1997 p 48) Cabem aqui entatildeo algumas consideraccedilotildees agraves quais
tomamos por base a partir o modelo democraacutetico de Schumpeter (1984)
salientando que por se tratar de um modelo este nos permite uma gama maior de
possibilidades de interpretaccedilatildeo e uma flexibilidade em nossa anaacutelise tentando
abarcar um periacuteodo que apresenta contrastes acentuados Consideramos aqui que o
governo eacute exercido por elites poliacuteticas natildeo existe o chamado ldquobem comumrdquo como
uma meta de trabalho ou projeto de administraccedilatildeo do Estado que vaacute agradar ou
interessar a todos os segmentos da sociedade pelo simples fato de que para
indiviacuteduos grupos e classes diferentes este bem comum significa coisas diferentes
Neste caso consideramos a busca deste ldquobem comumrdquo como um fator de
subjetivaccedilatildeo que acaba por deslocar a ideologia partidaacuteria das metas do agente
poliacutetico o que termina dando a impressatildeo de que os partidos (seus integrantes no
caso) liberais ou conservadores democratas ou republicanos ou outros tantos satildeo
uma mesma coisa o objetivo primordial dos partidos poliacuteticos eacute conquistar e manter
o poder e a realizaccedilatildeo do ldquobem comumrdquo eacute um meio para atingir este objetivo
(SCHUMPETER 1984) a soberania popular embora natildeo seja nula eacute reduzida
visto que satildeo as elites poliacuteticas que propotildeem candidatos e alternativas para o eleitor
e no caso das eleiccedilotildees no impeacuterio isso eacute bem marcante E eacute preciso notar que um
importante aspecto da poliacutetica imperial eacute o de conseguir ter mantido a supremacia do
poder civil O exeacutercito e a marinha tiveram influencia reduzida nas decisotildees da
poliacutetica nacional e quando foi o caso seus representantes eram antes poliacuteticos
vinculados a algum dos partidos do que militares em cargos administrativos Um
caso singular eacute a figura de Caxias que mesmo na posiccedilatildeo de um heroacutei de guerra
com o comando geral das tropas no Paraguai teve de passar pelo crivo do conselho
de Estado para que fossem resolvidas seus desentendimentos com Zacarias de
Goacuteis
As decisotildees vimos partem de um grupo civil e eacute para estes civis que Alencar dirige
seu discurso A elite poliacutetica que chega ao poder depois da independecircncia e se
ldquoenraiacutezardquo com o fim do periacuteodo regencial apresentando caracteriacutesticas de unidade
ideoloacutegica de treinamento administrativo e de educaccedilatildeo A Corte no Rio de Janeiro
recebia representantes de todo o Brasil pois a Cacircmara dos deputados e o Senado
satildeo instituiccedilotildees sediadas naquela cidade Natildeo estamos considerando tatildeo somente a
sociedade carioca ou mesmo as oligarquias fluminenses do cafeacute que jaacute dava seus
frutos por ali mas as elites do Brasil na qualidade de seus representantes
Deputados senadores conselheiros altos funcionaacuterios da burocracia magistrados
fazendeiros traficantes de escravos banqueiros e outros mais transitando pelas
ruas estreitas do Rio de janeiro sem considerar os ricos comerciantes estrangeiros
(alguns enriqueceram ali mesmo) e alguns setores da monarquia espanhola que se
estabelecem no Brasil ainda no periacuteodo das revoluccedilotildees republicanas que se
espalharam pelo restante da Ameacuterica Latina encontrando no Rio de Janeiro o abrigo
de uma monarquia constitucionalista
Alfredo Bosi abre um capiacutetulo de sua Dialeacutetica da colonizaccedilatildeo onde se refere agrave
formaccedilatildeo do ldquonovo liberalismordquo com uma citaccedilatildeo de uma crocircnica de Machado de
Assis intitulada ldquoHistoacuteria de quinze diasrdquo na qual o romancista daacute lugar ao criacutetico
cruel do sistema social e poliacutetico do impeacuterio O recorte fala por si
As instituiccedilotildees existem Mas por e para 30 dos cidadatildeos Proponho uma reforma no estilo poliacutetico Natildeo se deve dizer ldquoconsultar a naccedilatildeo os representantes da naccedilatildeo os poderes da naccedilatildeordquo mas ldquoconsultar os 30 representantes dos 30 poderes dos 30rdquo A opiniatildeo puacuteblica eacute uma metaacutefora sem base haacute soacute a opiniatildeo dos 30 (ASSIS apud BOSI 2003 p222)
Cabe-nos demonstrar agora quantos e quais (estatisticamente no caso) seriam os
eleitores os que podiam participar ativamente do processo eleitoral em nosso
periacuteodo de recorte temporal notadamente aqueles a quem Alencar se dirigia em
suas cartas
As primeiras eleiccedilotildees para a composiccedilatildeo das cortes em 1821 adotaram
basicamente o voto universal masculino Jaacute nas eleiccedilotildees para a constituinte
brasileira foi exigida a idade miacutenima de 20 anos e a exclusatildeo de estrangeiros e
assalariados Com a constituiccedilatildeo outorgada por D Pedro I elevam-se as restriccedilotildees
com idade miacutenima de 25 anos exclusatildeo aos criados e adoccedilatildeo do criteacuterio de renda
miacutenima Em 1846 excluem-se os ldquopraccedilas-de-preacuterdquo aleacutem de alterar o caacutelculo de renda
miacutenima baseado na desvalorizaccedilatildeo da moeda em funccedilatildeo da inflaccedilatildeo O formato
determinava que em um primeiro momento designar-se-iam os votantes ndash com
renda superior a 100 mil-reacuteis anuais ndash que escolheriam os eleitores ndash com renda
superior a 200 mil-reacuteis anuais ndash que iriam escolher os deputados ndash com renda
superior a 400-mil reacuteis anuais Mas a limitaccedilatildeo de renda tinha pouca importacircncia a
maioria da populaccedilatildeo trabalhadora ganhava mais de 100 mil-reacuteis por ano Em 1876
o menor salaacuterio registrado no serviccedilo puacuteblico era de 600 mil-reacuteis (CARVALHO
2002) mas era preciso que houvesse alguma comprovaccedilatildeo
Em 1881 temos algumas mudanccedilas a eliminaccedilatildeo da eleiccedilatildeo em dois turnos e eacute
proibido o voto dos analfabetos aleacutem de tornar o voto em si voluntaacuterio Calcula-se
a partir de tais restriccedilotildees para o periacuteodo que estamos tratando um percentual de
13 da populaccedilatildeo total com possibilidades de participaccedilatildeo eleitoral que diminui
para quase 1 a partir da lei de 1881 (CARVALHO 2007) Todas estas medidas
foram tomadas com real intuito de diminuir a participaccedilatildeo popular na votaccedilatildeo
concentrando o sufraacutegio nas elites Hebbe Mattos (2000) nos informa que para ser
eleitor ndash e para conseguir algumas vantagens que a condiccedilatildeo lhe permitia ndash o
cidadatildeo natildeo poderia ter nascido ldquoingecircnuordquo (escravo) Mas analfabetos e ex-escravos
poderiam habilitar-se a eleitores de segundo grau e ateacute mesmo serem eleitos para a
vereanccedila (NOVAIS 1997)
Apesar de haverem algumas estrateacutegias para modificar esse quadro e conseguir
uma renovaccedilatildeo maior dos parlamentares com vistas a uma representaccedilatildeo popular
como a lei dos ciacuterculos e a adoccedilatildeo do voto distrital (que pouco tempo permaneceram
em vigor logo que comeccedilaram a proporcionar tais mudanccedilas) as eleiccedilotildees em sua
forma e dinacircmica estavam cada vez mais sob o controle das elites econocircmicas que
optavam por manter uma estabilidade no poder A forma que a eleiccedilatildeo se dava jaacute
era um complicador com a necessidade de que o eleitor votasse em tantos nomes
quantos houvesse cadeiras em sua assembleia Isto geralmente favorecia ao
candidato que pudesse ter uma representaccedilatildeo aleacutem dos limites locais o que era
conseguido atraveacutes das redes de relaccedilotildees que se compunham pelos demais
representantes ou pelos ldquopadrinhosrdquo poliacuteticos de cada candidato relaccedilatildeo que
geralmente era conseguida pelo partido mesmo que estas fossem descontinuadas
apoacutes a eleiccedilatildeo Para o pai de Alencar corria uma anedota no Cearaacute entre partidaacuterios
que anunciavam a falta de uma relaccedilatildeo com o senador depois de sua partida para a
Corte Quando se recebia uma notiacutecia da qual natildeo se tinha muito creacutedito uma
interjeiccedilatildeo de desconfianccedila prenunciava a frase - Tal coisa vai acontecer ()assim
que o Alencar me escrever ndash anunciavam aludindo a algum acontecimento
impossiacutevel por ali (MENEZES 1965) Com tudo isso acreditamos que Machado de
Assis em sua criacutetica estava sendo bastante otimista com os 30 anunciados
Sobre a formaccedilatildeo intelectual da elite local eacute importante lembrar que a constituiccedilatildeo
de 1824 entregando o ensino fundamental e meacutedio nas matildeos da igreja cria uma
educaccedilatildeo de caraacuteter religioso centrada mais na tradiccedilatildeo filosoacutefica e com certa
indiferenccedila pela pesquisa cientiacutefica mas impregnada pelo estudo das letras
determinada pela tradiccedilatildeo jesuiacuteta (SKIDMORE 1989) Portugal evitou criar em seus
domiacutenios ultramarinos faculdades ou universidades Os textos disponiacuteveis ficavam
restritos agraves bibliotecas dos conventos e agraves poucas escolas mantidas tambeacutem por
religiosos o que garantia certo controle sobre a divulgaccedilatildeo das ideias
ldquoprogressistasrdquo Natildeo havendo jornais em circulaccedilatildeo ou livros impressos visto que os
primeiros prelos chegam com a famiacutelia real em 1808 os leitores se contentavam
com a literatura produzida na Europa ndash traduzida ou natildeo o que jaacute limitava o nuacutemero
de leitores - e que atravessava o Atlacircntico em sua maior parte por via clandestina
Aqueles que tinham condiccedilatildeo econocircmica mandavam seus filhos para Portugal onde
faziam os estudos superiores na Universidade de Coimbra e adquiriam os valores
ditados pela metroacutepole Estes em sua maioria eram aproveitados para compor a
burocracia do impeacuterio em formaccedilatildeo Caiam quase sempre na poliacutetica
Em nuacutemeros temos o percentual de Senadores com educaccedilatildeo superior no periacuteodo
de 1853 a 1871 - portanto pertinente ao nosso recorte temporal - chegando a 80 e
o dos ministros dos diversos gabinetes a 96 do total Considerando que a
educaccedilatildeo militar ndash exeacutercito e marinha aos quais alguns poliacuteticos tambeacutem pertenciam
ndash recebida por um grupo desses parlamentares natildeo entra nesta base para o caacutelculo
final o nuacutemero de poliacuteticos que natildeo recebeu instruccedilatildeo eacute praticamente nulo Para os
conselheiros de Estado de 1840 a 1889 dos 72 homens que estiveram em seus
quadros apenas 02 natildeo possuiacuteam educaccedilatildeo superior O niacutevel educacional dos
deputados gerais se assemelha percentualmente ao dos senadores (CARVALHO
2007)
Depois da elite de Coimbra dominar os primeiros anos do impeacuterio vem o comeccedilo da
nacionalizaccedilatildeo com os cursos de Direito preferecircncia nacional para o ingresso na
elite poliacutetica via cargo puacuteblico Tais cursos satildeo criados no Brasil depois da
independecircncia em 1827 e comeccedilando efetivamente em 1828 Um em Satildeo Paulo e
outro em Olinda - transferindo-se o segundo posteriormente para a cidade do Recife
A presenccedila no poder de egressos da escola de medicina e engenharia tem o peso
relativo proporcional ao dos militares eacute o diferencial estava mesmo na formaccedilatildeo no
Direito O curso superior era o preacute-requisito para tentar um cargo no poder Sobre o
segundo e terceiro escalotildees da burocracia como bem nos mostra Joseacute Murilo satildeo
representados por diretores chefes de seccedilatildeo e uma gama de funcionaacuterios
especializados em sua maioria vinculada a algum ministeacuterio e que buscava nas
cidades principalmente o emprego puacuteblico como forma de sobrevivecircncia visto a
falta de postos de trabalho em outros setores A elite brasileira era em sua quase
totalidade letrada o que a afastava mais ainda da grande massa do povo sem
alfabetizaccedilatildeo
Carvalho (2007) sustenta que a homogeneidade ideoloacutegica eacute um dos importantes
fatores que iriam fornecer a possibilidade de constituir determinados modelos de
dominaccedilatildeo poliacutetica Uma elite homogecircnea tende a uma movimentaccedilatildeo em uma
mesma direccedilatildeo e garante ao menos a possibilidade de um projeto comum E eacute essa
homogeneidade que sugere que se possa conseguir certa estabilidade para
administrar conflitos dentro destes grupos O Brasil jaacute dispunha de tal elite quando
da independecircncia (que apesar de seguir os moldes portugueses jaacute apresentavam
caracteriacutesticas distintas mesmo por que seus grupos eram diversos procedentes de
muitas proviacutencias do Brasil) A composiccedilatildeo da elite vai se transformando lentamente
com o passar dos anos e com o crescimento do quantitativo de pessoas passiacuteveis
de acesso a esta na grande maioria composta de funcionaacuterios puacuteblicos Eacute uma
verdade a afirmaccedilatildeo de que os representantes da sociedade nesse periacuteodo satildeo
tambeacutem representantes do Estado Os estamentos como sustenta Bauman (2001)
lugares a que os indiviacuteduos pertenciam por hereditariedade aos poucos vatildeo dando
lugar as classes onde o pertencimento eacute fabricado pelo esforccedilo do indiviacuteduo por
sua vontade de pertencimento E ao mesmo tempo associadas as caracteriacutesticas
que a sociedade brasileira consegue ter neste momento de uma dinacircmica para a
consolidaccedilatildeo de um sistema liberal e ao mesmo tempo conservador de dominaccedilatildeo
Segundo Alencar o paiacutes tambeacutem eacute ldquoconduzidordquo pelo Estado Estaacute em suas matildeos
considerando que ldquoempresas industriais associaccedilotildees mercantis bancos obras
puacuteblicas operaccedilotildees financeiras privileacutegios fornecimentos todas essas fontes
abundantes de riquezas improvisadas emanam das alturas do poderrdquo (ALENCAR
2011 p99) A centralizaccedilatildeo da elite garantia ao mesmo tempo um Estado forte e
uma homeostase entre os grupos no poder em que os conflitos mais seacuterios e os
movimentos contestatoacuterios ficavam localizados nos municiacutepios onde era mais faacutecil
uma soluccedilatildeo (mesmo que em forma de accedilatildeo militar como no caso das revoltas no
periacuteodo regencial) Uma grande mudanccedila se efetua entre 1855 e 1868 quando o
partido liberal quase desaparece por completo depois de dominar o cenaacuterio poliacutetico
por aproximadamente 10 anos Eacute um periacuteodo de ascensatildeo de liberais histoacutericos e
conservadores dissidentes jovens lideranccedilas que aparecem no periacuteodo da
conciliaccedilatildeo De 1862 a 1868 haacute uma notoacuteria instabilidade no ministeacuterio durando em
meacutedia um ano cada gabinete Tudo isto em um momento de guerra externa que
produzia inflaccedilatildeo e consumia enorme quantidade de recursos puacuteblicos (CARVALHO
2007) Mas isto natildeo eacute sentido no cotidiano das elites econocircmicas que tem no Estado
sua fonte de renda quando natildeo de exploraccedilatildeo das rendas do proacuteprio Estado
Schwarcz (1999) nos daacute uma visatildeo interessante do interior de um sobrado citadino
em meados do seacuteculo XIX o padratildeo de moradia para a elite da corte onde temos
uma ideia de seu cotidiano luxuoso e requintado
() eacute na capital durante os anos de 1840 a 1860 que se cria uma febre de bailes concertos reuniotildees e festas A corte se opotildee agrave proviacutencia arrogando-se o papel de informar os melhores haacutebitos de civilidade tudo isso aliado agrave importaccedilatildeo dos bens culturais reificados nos produtos ingleses e franceses Nas casas os homens jogam voltarete gamatildeo xadrez e whist e os moccedilos o jogo da palhinha Jaacute as mulheres divertem-se com jogos de prenda de flores do bastatildeo do amigo ou amiga e do lenccedilo queimadordquo (SCHWARCZ 1999 p 156)
O teatro por exemplo estaacute entre as diversotildees mais apreciadas do periacuteodo Eacute o lugar
de encontros poliacuteticos flertes e namoros escondidos de encontros e desencontros
um lugar de diversatildeo Natildeo eacute a toa que a expressatildeo teatro poliacutetico tatildeo usado por
Nabuco Alencar e Machado tambeacutem se refira a possibilidade do puacuteblico participar
das seccedilotildees das casas legislativas como expectador Este vecirc se constrange ri
chora pode vaiar pode aplaudir Mas suas accedilotildees natildeo iratildeo modificar
substancialmente o andamento do espetaacuteculo poliacutetico Cabe lembrar que os teatros
(o espaccedilo fiacutesico) tambeacutem satildeo locais onde a propaganda poliacutetica tinha ldquoseu lugarrdquo
Usados como lugares para reuniatildeo geralmente pela localizaccedilatildeo e capacidade de
abrigar vaacuterias pessoas A tiacutetulo de exemplo registramos uma anotaccedilatildeo de Tavares
Bastos em seu diaacuterio sobre o uso do Teatro Phenix Dramaacutetica na Rua da Ajuda
para as ldquoconferecircncias radicais do Clube Radicalrdquo (ABREU 2007 p 129) Os
comiacutecios puacuteblicos soacute seratildeo uma realidade a proximidade do fim do seacuteculo com
homens como Lopes Trovatildeo que conseguiram levar a populaccedilatildeo agraves praccedilas puacuteblicas
em nome do partido republicado (COSTA 1999)
24 INTELECTUAIS E OPINIAtildeO PUacuteBLICA
Gramsci nos mostra que os intelectuais se formaram historicamente associados agraves
elites econocircmicas Sua funccedilatildeo dentro dos diversos ldquopartidosrdquo eacute o de organizaccedilatildeo e
disseminaccedilatildeo da ideologia Alencar eacute algueacutem que nasceu na tradiccedilatildeo da aristocracia
rural mas por sua atividade como jornalista advogado e poliacutetico e por seu ativismo
poliacutetico pode ser enquadrado na categoria de intelectual orgacircnico Aquele que
busca em sua praacutexis transformar ensinar e buscar soluccedilotildees para a sociedade Mas
Alencar estaacute longe de ser um elemento que surge do povo ou das ldquobases
popularesrdquo apesar de ter sido eleito deputado para vaacuterios mandatos Cabe lembrar
que as campanhas poliacuteticas no periacuteodo natildeo exigiam uma presenccedila constante do
candidato junto a sua base eleitoral Os eleitores ndash pouquiacutessimos decerto - satildeo
relativamente abastados (considerando natildeo haver um mercado de trabalho as
diferenccedilas entre os grupos satildeo grandes) configuram uma categoria da elite regional
que tendia a se identificar com um candidato mais pela rede de relaccedilotildees sociais a
que este representava ou estava associado do que propriamente agraves ideias de algum
dos partidos poliacuteticos em atuaccedilatildeo no periacuteodo
Eacute na literatura e no jornalismo aonde floresce a vocaccedilatildeo de Alencar como
intelectual eacute ali que se constitui a sua forma de estudar a realidade e de interagir
com ela Entendemos que para Gramsci (1976) a ideia de participaccedilatildeo na cultura
natildeo significa a simples aquisiccedilatildeo de conhecimentos ou uma atitude passiva do
sentimento humano mas sim posicionar-se frente agrave histoacuteria fazer a histoacuteria
acontecer mesmo que a poder das armas E a luta armada do intelectual vem na
forma de manifestos eacute a sua maneira de interagir com o puacuteblico (BOBBIO 1997)
buscando (incitando) a transformaccedilatildeo da realidade
A cultura estaacute relacionada com esta transformaccedilatildeo da realidade atraveacutes da busca e
da conquista de uma consciecircncia superior onde cada indiviacuteduo precisa conseguir
compreender o seu valor na sociedade (GRAMSCI 1976) Eacute a passagem do
momento corporativo ao momento eacutetico-poliacutetico da estrutura agrave superestrutura Isto eacute
expresso por Gramsci atraveacutes do seu conceito ampliado de poliacutetica a catarse O
momento em que a esfera dos interesses corporativos e particulares eleva-se ao
niacutevel da consciecircncia universal e as classes conseguem elaborar um projeto para
toda a sociedade atraveacutes de uma accedilatildeo coletiva Assim sair da passividade para
Gramsci eacute deixar de aceitar a subordinaccedilatildeo que o sistema capitalista impotildee a
alguns estratos da populaccedilatildeo
Alencar advogado brilhante e poliacutetico combativo eacute antes de tudo um homem das
letras Algueacutem que conhece a forccedila da palavra e como jornalista e editor o alcance
que um perioacutedico pode ter E ele usaraacute isso em seu favor Este intelectual buscaraacute
em suas leituras os conceitos claacutessicos do liberalismo com Adam Smith John Locke
Benjamim Constant e outros poucos livros que tinham em matildeos ndash vaacuterios ainda em
sua liacutengua original (RENALT 1976) - que lhes dariam o suporte para se sustentar
junto a tecnocracia administrativa que se formava situando-se em algum lugar
confortaacutevel entre o absolutismo e a democracia - em alguns casos entre o
constitucionalismo e o voto censitaacuterio entre o liberalismo e a igualdade
A tarefa a que se propotildee o Alencar que pode ser entendida tambeacutem como uma
espeacutecie de educaccedilatildeo ndash senatildeo das massas com os movimentos operaacuterios
principalmente no iniacutecio do seacuteculo XX e que natildeo se percebem ainda no periacuteodo mas
de grupos paulatinamente mais generalizados que se formam como resultado do
desenvolvimento das cidades ndash eacute praticado pelos intelectuais (sendo Alencar um
exemplo) como agentes de ligaccedilatildeo entre as elites e tais grupos visto que o projeto
educacional corresponde a uma necessidade de formaccedilatildeo intelectual e teacutecnica do
povo ateacute mesmo para uma maior qualificaccedilatildeo do trabalhador que pudesse gerar
com seu trabalho um desenvolvimento tecnoloacutegico dos meios de produccedilatildeo de
capital e tambeacutem para o periacuteodo um texto mais ldquoagradaacutevelrdquo e basicamente mais
acessiacutevel que seria um facilitador para que uma maior parte da populaccedilatildeo pudesse
conhecer as ideias liberais O sentido era didaacutetico e ideoloacutegico ao mesmo tempo de
forma que um grupo maior pudesse ser identificado com o movimento e dele
tomasse partido
Observe-se que em Gramsci a supremacia de um grupo social se manifesta de dois
modos como domiacutenio (coaccedilatildeo) e como direccedilatildeo intelectual e moral (consenso) Eacute no
consenso que o trabalho de Alencar busca organizar uma sociedade menos desigual
a partir da divulgaccedilatildeo de uma ideologia liberal (dentro dos limites do que se pode
entender como ldquoiguaisrdquo no liberalismo brasileiro estamos sempre no acircmbito de uma
aristocracia) de uma moral cristatilde que auxilia no projeto de dominaccedilatildeo do povo e da
defesa da propriedade privada esta extensiva ao projeto da escravidatildeo
Um grupo social pode e deve impor-se como dirigente (e seu modo de expressatildeo eacute
em geral o partido poliacutetico) e sua organizaccedilatildeo eacute o que lhe sustenta na busca de
uma posiccedilatildeo no poder Isto vale tanto para as elites como para os grupos de
trabalhadores Mas a maneira para que isto ser levado a cabo seria pela via da
informaccedilatildeo da educaccedilatildeo da politizaccedilatildeo enfim Algumas preocupaccedilotildees de Gramsci
satildeo tais como as de Alencar Como levar a discussatildeo poliacutetica para a maior parte da
populaccedilatildeo enquanto esta natildeo se preocupa com a realidade mas com os modismos
com as influencias externas Como politizar o povo (GRAMSCI 1976) O que se
nota eacute que tal discurso natildeo se dirige propriamente as massas ele jaacute existe ndash anterior
a Marx e Gramsci ndash e eacute usado como forma de dominaccedilatildeo para todos os grupos
sociais Segundo Gramsci (1999) os intelectuais que mesmo na Itaacutelia natildeo estavam
ligados agraves massas ldquodeveriamrdquo ligar-se como uma opccedilatildeo eacutetica e como uma opccedilatildeo
poliacutetica para a transformaccedilatildeo O que muda natildeo eacute necessariamente a forma do
discurso mas a direccedilatildeo e o puacuteblico a que se destina O poder natildeo eacute mantido apenas
atraveacutes da hegemonia de classe ou pela simples difusatildeo de ideias desta classe
que o assume eacute preciso accedilatildeo
Em Alencar natildeo observamos uma radicalizaccedilatildeo neste sentido apenas o uso cada
vez maior das formas de comunicaccedilatildeo disponiacuteveis ndash e de forma cada vez mais
diversa tentando alcanccedilar cada vez mais pessoas ndash no momento A sociedade civil
para Alencar aumentaria sua participaccedilatildeo poliacutetica quanto mais politizada estivesse e
quanto maior fosse desenvolvida sua capacidade criacutetica e o Estado natildeo seria assim
tatildeo somente a sociedade poliacutetica mas o resultado da accedilatildeo poliacutetica da sociedade civil
enquanto nuacutecleo formador da sociedade poliacutetica (GRAMSCI 1999) As ideias da
sociedade poliacutetica satildeo passadas como discurso ideoloacutegico para todo o grupo e em
Alencar percebemos a importacircncia senatildeo do formador mas principalmente do
divulgador de tais ideias algueacutem que por vezes pode efetivamente mudar a direccedilatildeo
do jogo dependendo da capacidade de inserccedilatildeo de propostas valores e ideias nos
diversos grupos Natildeo se trata aqui de buscar uma intencionalidade em Alencar
Este enquanto autor dos discursos existe em integraccedilatildeo com os outros ldquoeusrdquo o
leitor o intertexto A palavra e o enunciado ndash no caso ndash satildeo por natureza
ideoloacutegicos Natildeo haacute um significado que natildeo se refira (natildeo se remeta) ao social Todo
enunciado eacute um evento histoacuterico e ao mesmo tempo um ato social Eacute por meio de
enunciados que os agentes comeccedilam a compreender o mundo e depois agir sobre
ele Qualquer texto constitui uma forma de accedilatildeo verbal calculada para a leitura e
com o intuito de propiciar respostas internas e para uma possiacutevel reaccedilatildeo criacutetica ndash
positiva ou negativa - da sociedade Uma enunciaccedilatildeo eacute uma forma de poder Cada
enunciado eacute dirigido a algueacutem em uma situaccedilatildeo especiacutefica em um momento
especiacutefico do tempo As relaccedilotildees de poder imersas na linguagem determinam
tambeacutem as formas das relaccedilotildees sociais Os enunciados dialogam constantemente
com outros enunciados em sua constituiccedilatildeo O cotidiano natildeo existe em uma ordem
formal somos noacutes que tentamos organizaacute-lo mediante uma narrativa que se
pretende coerente e as relaccedilotildees entre os ldquofalantesrdquo que estatildeo sempre mudando
Tais mudanccedilas nas instituiccedilotildees se datildeo porque satildeo constituiacutedas nesse movimento
dinacircmico (STAN 1992) O texto se constitui como uma forma de accedilatildeo que visa
propiciar respostas internas e uma possiacutevel reaccedilatildeo criacutetica ndash positiva ou negativa - da
sociedade Alencar busca construir em seu texto uma resposta positiva empaacutetica
que pretende sugerir (quando menos) comportamentos determinados aos grupos
sociais a que se referem E quanto mais acessiacutevel eacute o discurso maior a sua
amplitude Eacute a relaccedilatildeo a que se chama dialogismo Os enunciados dialogam
constantemente com outros enunciados em sua constituiccedilatildeo e mesmo depois
quando assimilados por noacutes o que jaacute eacute uma das formas de assimilaccedilatildeo do discurso
dada pelo processo dialoacutegico (STAN 1992)
Essa hipoacutetese se sustenta na observaccedilatildeo de que os grupos poliacuteticos necessitam se
reproduzir e apesar do controle restrito do eleitorado (voto censitaacuterio) e dos
reconhecidos laccedilos de famiacutelia natildeo eacute soacute o nuacutecleo familiar o ldquoberccedilaacuteriordquo aonde poliacuteticos
iram encontrar e formar seus sucessores Os laccedilos de apadrinhamento satildeo comuns
e tambeacutem natildeo satildeo incomuns as escolhas de sucessores poliacuteticos pelo criteacuterio de
amizade tiacutepico do clientelismo em vigor no Brasil A escolha dependia de quem
estivesse disposto a assumir o discurso do poder Lembramos que Chauiacute (1997)
sustenta que a proliferaccedilatildeo dos discursos sobre a naccedilatildeo faz com que existam vaacuterias
ldquonaccedilotildeesrdquo dentro da naccedilatildeo cada uma determinado por um modo de pensar a
realidade a sociedade e a poliacutetica e apresentado a um grupo diferente Eacute no
bacharel um ldquoprotordquo poliacutetico elemento constituinte da opiniatildeo puacuteblica e objeto dos
jornais poliacuteticos que Alencar busca seu interlocutor O objeto de seu discurso que
visa ldquoconstruirrdquo uma opiniatildeo puacuteblica Hobsbawn (2010) afirma que a opiniatildeo puacuteblica
eacute um conceito em si proacuteprio ligado ao liberalismo A informaccedilatildeo eacute um agente
constituinte para a integraccedilatildeo dos novos grupos que passam a participar dos
movimentos poliacuteticos
Para a Europa o autor sustenta que as revoluccedilotildees europeias de 1848 mostraram
que a classe meacutedia o liberalismo a democracia poliacutetica e mesmo as classes
trabalhadoras seriam a partir de entatildeo presenccedilas permanentes no panorama
poliacutetico (HOBSBAWN 2010) E com relaccedilatildeo ao Brasil se ainda natildeo temos uma
classe operaacuteria com poder de luta Fora a classe privilegiada detentora de
educaccedilatildeo leitora de jornais detentora dos cargos poliacuteticos e do funcionalismo
puacuteblico compondo a burocracia a classe formadora de opiniatildeo a que nos referimos
ndash que podemos designar como opiniatildeo puacuteblica ndash muito pouco podemos observar da
interferecircncia popular nos processos poliacuteticos A direito ao voto por exemplo nos
conta Prado (2001) era conseguido (e exercido) pelos homens pobres possuidores
de poucas posses que constituiacuteam o grosso do eleitorado mas que em quase sua
totalidade estavam atrelados aos grandes proprietaacuterios de terras e de escravos
como no exemplo do ldquovoto de caixatildeordquo28 com Nabuco (FAORO 2004) o que
acabava por determinar certo conservadorismo nas eleiccedilotildees com os resultados
sempre tendendo ao continuiacutesmo e a solidariedade pelo chefe poliacutetico local mesmo
estas sendo constantemente vitimadas por fraudes e manipulaccedilotildees
Portanto a imprensa colaborou no processo de constituiccedilotildees e acesso de uma
opiniatildeo puacuteblica no Brasil A opiniatildeo puacuteblica pode ser entendida enfim como a
28
Conf Nota 21
participaccedilatildeo da populaccedilatildeo (ou de uma parte desta como vimos) na criacutetica aos
rumos de um determinado estado ou mesmo assunto relevante Apesar de alguns
comentadores negarem veementemente a possibilidade de uma opiniatildeo puacutebica
como no caso de Bourdier (1981) se baseando principalmente no fato de que
quando se coloca a mesma questatildeo para todo um grupo (por mais homogecircnio que
este possa vir a ser) estaacute impliacutecita assegura a hipoacutetese de que exista um consenso
sobre os problemas e que jaacute hajam acordos sobre as questotildees que merecem ser
colocadas e uma manipulaccedilatildeo nos caminhos a que tais propostas de opiniatildeo devam
revelar caracterizando o discurso da opiniatildeo puacuteblica como algo jaacute previamente
moldado preferimos nos basear em Becker (2003) que afirma que a opiniatildeo puacuteblica
se caracteriza exatamente pela diversidade o que lhe distingue como um estudo
mais aprofundado da sociedade que eacute capaz de indicar a atitude e o
comportamento dos homens enquanto em conjunto (enquanto massa) diante de sua
eacutepoca
3 LIBERALISMO E ESCRAVIDAtildeO NAS CARTAS DE ERASMO
31 LIBERALISMO E ESCRAVIDAtildeO
Pudemos observar no capiacutetulo anterior uma visatildeo geral do oitocentos no segundo
reinado e a intrincada relaccedilatildeo dos intelectuais e elites tendo suas ideias divulgadas
por meio da imprensa Mas quais seriam essas ideias Em nosso caso aqui
sustentamos que Alencar fez uma opccedilatildeo pelas ideias liberais que jaacute se
apresentavam por aqui desde antes do impeacuterio As ideias de liberdade chegam de
carona com a independecircncia americana em 1776 e a revoluccedilatildeo francesa em 1789 e
influenciam os movimentos abolicionistas pelo Brasil desde a inconfidecircncia mineira
e a conjuraccedilatildeo baiana29 ateacute os uacuteltimos movimentos revolucionaacuterios no periacuteodo
regencial
O termo liberalismo bem como liberdade tem sua raiz no termo ldquolivrerdquo Cunha
(1997) apresenta-nos as variaccedilotildees livre do latim libegraver liberal do latim libeacuteralis
liberdade do latim libertas ndashaacutetis que etimologicamente formaram o francecircs
libeacuteralisme Bobbio (1998) afirma que a definiccedilatildeo histoacuterica de liberalismo oferece
dificuldades especiacuteficas a menos que possamos admitir a existecircncia de diversos
liberalismos Em primeiro lugar porque o liberalismo se manifesta em diferentes
paiacuteses em tempos histoacutericos diversos e em funccedilatildeo disso o liberalismo se confronta
com problemas especiacuteficos que acabam por determinar sua fisionomia e conteuacutedos
Abbagnano (2007) explica que o liberalismo eacute uma doutrina que tem origens na
idade moderna no seacuteculo XVIII e se caracteriza por tomar para si a defesa da
liberdade no campo poliacutetico O liberalismo pode ser classificado em duas fases uma
primeira fase no seacuteculo XVIII caracterizado pelo individualismo e uma segunda
fase no seacuteculo XIX caracterizada pelo estatismo
A primeira fase eacute caracterizada pelas seguintes linhas doutrinaacuterias que constituem os instrumentos das primeiras afirmaccedilotildees poliacuteticas do Liberalismo a) jusnaturalismo que consiste em atribuir aos indiviacuteduos direitos originaacuterios e inalienaacuteveis b) contratualismo que consiste em considerar a sociedade humana e o Estado como fruto de convenccedilatildeo entre indiviacuteduos (ABBAGNANO 2007 p604)
Na economia o liberalismo combate a intervenccedilatildeo do Estado na sociedade
tentando fazer com que o mercado siga seu caminho Bem como negando o
absolutismo estatal definindo a accedilatildeo deste definindo seu papel em cada lugar
mediante a divisatildeo dos poderes
Jusnaturalistas e moralistas como Bentham acreditavam que bastava ao indiviacuteduo buscar inteligentemente sua proacutepria felicidade para estar buscando simultaneamente a felicidade dos demais A doutrina econocircmica de Adam Smith baseia-se no pressuposto anaacutelogo da coincidecircncia entre o interesse econocircmico do indiviacuteduo e o interesse econocircmico da sociedade (ABBAGNANO 2007 p604)
29
Haacute de se observar a diferenccedila entre as vertentes do pensamento liberal jaacute aqui A conjuraccedilatildeo baiana pregava o fim da escravidatildeo ao passo que entre os participantes da inconfidecircncia mineira a aboliccedilatildeo da escravidatildeo negra natildeo era uma meta
Essas ideias aparecem no campo poliacutetico com os filoacutesofos iluministas como John
Locke Thomas Hobbes e Rousseau que tentaram estabelecer os limites do poder
poliacutetico ao afirmar que existiam direitos individuais que nem os reis poderiam
ultrapassar Bastos (1999) afirma tambeacutem que a busca pelo modelo de Estado
Liberal eacute o coroamento de toda a luta do indiviacuteduo contra alguma tirania do Estado
ldquoSeu pressuposto fundamental eacute que o maacuteximo de bem-estar comum eacute atingido em
todos os campos com a menor presenccedila possiacutevel do Estadordquo (BASTOS 1999
p139) A construccedilatildeo desse Estado liberal em contraposiccedilatildeo ao Estado absoluto eacute
dada pelo jusnaturalismo que eacute
() a doutrina segundo a qual o homem todos os homens indiscriminadamente tem por natureza e portanto independente de sua proacutepria vontade e menos ainda da vontade de alguns poucos ou de apenas um certos direitos fundamentais como o direito a vida agrave liberdade agrave seguranccedila agrave felicidade ndash direitos estes que o Estado ou mais concretamente aqueles que num determinado momento histoacuterico detecircm o poder legiacutetimo de exercer a forccedila para obter a obediecircncia a seus comandos devem respeitar e portanto natildeo invadir e ao mesmo tempo proteger contra toda possiacutevel invasatildeo por parte de outros (BOBBIO 1998 p11)
A segunda fase comeccedila quando esse postulado entre em crise na medida em que o
liberalismo individualista parecia defender os interesses de uma classe determinada
de cidadatildeos a burguesia que se consolidava nas cidades Teoacutericos contratualistas
como Rousseau e Burke e mesmo Hegel posteriormente afirmam que a teoria da
infalibilidade da vontade geral resultante da alienaccedilatildeo total de cada associado com
todos os seus direitos em favor de toda a comunidade transforma aquilo que para o
individualismo eacute do interesse individual como interesse estatal e de certa forma
absorvendo-o Dessa feita ia-se afirmando a superioridade do Estado sobre o
indiviacuteduo contra o que o liberalismo tinha lutado em sua primeira fase
(ABBAGNANO 2007)
As ideias de liberdade poliacutetica combinaram com as propostas de liberdade
comercial algo que se entendia ser beneacutefico a todos sendo assim posteriormente
associadas a defesa e desenvolvimento do capitalismo (HOBSBAWM 2010) O
chamado liberalismo econocircmico prega o fim da intervenccedilatildeo do Estado na produccedilatildeo
de riquezas o fim dos monopoacutelios e outras medidas protecionistas e incentivava a
livre concorrecircncia no mercado No Brasil as ideias liberais tomam forccedila a partir do
iniacutecio do seacuteculo XIX notadamente a partir da independecircncia em 1822 sob influecircncia
tambeacutem da revoluccedilatildeo liberal do Porto de 1820 mas tomando aqui suas
caracteriacutesticas proacuteprias Costa (1999) sustenta que o liberalismo brasileiro deve ser
entendido com referecircncia a realidade brasileira Tendo entre seus adeptos homens
ligados a economia agroexportadora ao traacutefico de escravos e os grandes
proprietaacuterios de terras que buscavam maior espaccedilo para seus produtos fora do
controle de Portugal Para tanto a situaccedilatildeo de colocircnia natildeo poderia ser aceita de
forma alguma
O liberalismo eacute uma corrente de pensamento vastiacutessima e que abrange vaacuterios
campos do pensamento humano Natildeo pretendemos aqui esgotar sequer algumas de
suas possibilidades nem tampouco discutir os valores filosoacuteficos do liberalismo
Este nos eacute apresentado como um movimento que busca a realizaccedilatildeo da liberdade
as garantias da propriedade privada e da vida humana Poreacutem nem sempre a
organizaccedilatildeo do pensamento liberal estaacute associada da ideia democraacutetica A
discussatildeo das ideias liberais no Brasil por exemplo exerceu influecircncia na Carta de
1824 A questatildeo eacute quais seriam as ideias que Alencar buscava apresentar em seu
discurso Satildeo as ideias desse poliacutetico caracterizadas como ideias liberais Haacute uma
comunhatildeo entre o liberalismo e a escravidatildeo Para comeccedilar a responder a tais
questotildees os intelectuais brasileiros se detiveram nas propostas do liberalismo
claacutessico representado pelo pensamento de ndash entre outros ndash T Hobbes Locke
Adam Smith Rousseau Bentham e Mill tentando traccedilar entre eles um caminhos
que justifique a implantaccedilatildeo do liberalismo poliacutetico no Brasil Esse caminho tambeacutem
seraacute trilhado por Alencar Vejamos como foi a adequaccedilatildeo do liberalismo agrave realidade
brasileira
32 LIBERALISMO E ESCRAVIDAtildeO O MODELO BRASILEIRO
A tiacutetulo de complementaccedilatildeo depois desse esboccedilo que natildeo se pretende exaustivo
podemos observar tambeacutem como bem nos diz Schwartz (1991) citando um panfleto
antiescravagista do segundo reinado um dos princiacutepios da economia poliacutetica eacute o
trabalho livre E no Brasil temos portanto o fato ldquoimpoliacuteticordquo da escravidatildeo O autor
adverte que o que se configurava como uma ideologia para as classes em ascensatildeo
na Europa vem a converte-se no Brasil em ideologia que constituiacutea o pano de
fundo dos interesses de uma elite escravocrata Dessa feita o liberalismo perderia
seu caraacuteter universalista passando a defender prioritariamente interesses
particulares
Durante o impeacuterio temos a formaccedilatildeo de dois grupos poliacuteticos distintos que
caracterizariam o periacuteodo com suas lutas e conciliaccedilotildees inclusive com a ldquotroca de
ladordquo de figuras relevantes satildeo eles o partido conservador e o partido liberal Muitas
das ideias que poderiam ser tomadas como liberais foram implantadas no Brasil
pelos conservadores mas nenhuma delas deixava de buscar a realizaccedilatildeo de
interesses particulares de uma elite social e poliacutetica e a manutenccedilatildeo da exploraccedilatildeo
do trabalho
Apoacutes a Independecircncia em 1822 o formaccedilatildeo do Estado Brasileiro toma corpo com
os princiacutepios de um estado regulador baseado em um governo de tradiccedilatildeo
absolutista poreacutem nascido sob a aclamaccedilatildeo de alguns preceitos especiacuteficos do
liberalismo Os processos de independecircncia dos Estados Unidos em 1776 a
Revoluccedilatildeo Francesa (1789-1799) e os movimentos de independecircncia que ocorriam
nas colocircnias espanholas no periacuteodo satildeo influecircncias determinantes
Segundo Costa (1999) o liberalismo estaacute vinculado ao desenvolvimento do
capitalismo e a criacutetica ao ldquoantigo regimerdquo Surge do enfretamento entre a burguesia
e o abuso da autoridade real como a concessatildeo de privileacutegios ao clero e da nobreza
e a manutenccedilatildeo de monopoacutelios Os liberais defendiam os teoacutericos do contrato social
afirmavam a soberania do povo e a supremacia da lei Lutavam ainda pela
representatividade frente ao governo e o direito a propriedade e a liberdade de
comercio e de trabalho No Brasil as elites poliacuteticas se julgavam aptas a gerir este
novo modelo de soberania Tais elites viam na monarquia constitucional o caminho
para se conseguir manter o povo sob controle restringir o poder do imperador e
conseguir a unidade e a estabilidade poliacutetica (COSTA 1999) O ideal liberal
proposto tambeacutem pela revoluccedilatildeo do Porto em 1820 segundo Carvalho (2007) foi o
fomento necessaacuterio para o processo de independecircncia da colocircnia Ao mesmo
tempo a heranccedila do pensamento poliacutetico portuguecircs assimilado pela elite brasileira
fora a responsaacutevel pela homogeneizaccedilatildeo de seus princiacutepios o que muito contribuiu
para a feitura de um projeto comum de naccedilatildeo coesa aos interesses da elite
A assimilaccedilatildeo dos ideais liberais de por alguns atores poliacuteticos que participaram do
processo de independecircncia advecircm de sua formaccedilatildeo intelectual concluiacuteda nas
universidades europeias principalmente em Coimbra o que lhes possibilitou um
contado direto com os fundamentos do liberalismo europeu Esses homens tinham
seus interesses relacionados a economia agroexportadora eram em geral
proprietaacuterios de grande extensatildeo de terras e elevado nuacutemero de escravos Portanto
tencionavam manter as tradicionais estruturas de produccedilatildeo ao mesmo tempo em
que se libertariam de Portugal e das restriccedilotildees que a relaccedilatildeo de dominaccedilatildeo da
metroacutepole lhes impunha Significava enfim determinar a sobrevivecircncia de um
sistema de clientela e patronagem que representava os ideias que as revoltas
liberais europeias tentavam destruir Esse era o principal problema lidar com a
contradiccedilatildeo entre o liberalismo e a manutenccedilatildeo do trabalho escravo (COSTA 1999)
Podemos distinguir segundo Carvalho (2007) dois tipos de liberalismo no Brasil
Um deles ligado aos proprietaacuterios rurais ligados a economia de exportaccedilatildeo e trafico
de escravos e aquele dos profissionais urbanos que comeccedilas a aparecer a partir
das deacutecadas de 185060 com o maior desenvolvimento urbano e o aumento do
niacutevel de escolaridade nas cidades com a criaccedilatildeo das primeiras faculdades
Faoro (2004) tambeacutem argumenta que podemos identificar duas formas distintas de
liberalismo ao longo do seacuteculo XIX no Brasil O primeiro liberalismo vem de uma
ideologia de longa duraccedilatildeo e pode identificar seu marco fundamental em 1808 com
a abertura dos portos por D Joatildeo libertando das amarras de Portugal a produccedilatildeo
agriacutecola que agora busca ndash sem intermediaacuterios diretos - o comeacutercio internacional
poreacutem com acentuado favorecimento agrave Inglaterra As medidas satisfazem a uma
exigecircncia da Inglaterra e ao mesmo tempo aos produtores locais que se sentiam
limitados pelo pacto colonial Outro marco eacute a Independecircncia e a posterior outorga
da constituiccedilatildeo por D Pedro I que estabelece as normas para a representaccedilatildeo
poliacutetica o voto censitaacuterio e o funcionamento dos poderes legislativo e executivo
mediante uma combinaccedilatildeo de parlamentarismo e monarquia O segundo liberalismo
chega com as ideias de Joaquim Nabuco encabeccedilando um grupo reformista que
pretende as eleiccedilotildees diretas busca a limitaccedilatildeo dos poderes do Senado e do Poder
Moderador e em certa medida a defesa da aboliccedilatildeo da escravidatildeo para um futuro
proacuteximo (FAORO 2004)
a realidade socioeconocircmica no Brasil era muito diferente da europeia o que
acarretava em uma dificuldade na disseminaccedilatildeo dos ideais liberais para as camadas
populares visto que os niacuteveis de analfabetismo eram altos e os meios de
comunicaccedilatildeo poucos o que determinava uma marginalizaccedilatildeo do povo na vida
poliacutetica Tambeacutem o fato de que no Brasil o predomiacutenio de uma sociedade estamental
formada por donos de latifuacutendio que controlavam trabalhadores comuns e escravos
e a ausecircncia de uma burguesia dinacircmica que pudesse servir de suporte a esses
ideais Tudo isto fazia com que se esvaziasse o conteuacutedo dos manifestos em favor
das formas representativas de governo da soberania do povo da liberdade e
igualdade como direitos de todos os homens quando o que se via era a maior parte
da populaccedilatildeo alienada da vida poliacutetica e a manutenccedilatildeo da escravidatildeo (COSTA
1999 p29)
Em um dos periacuteodos mais conturbados da Histoacuteria do Brasil que eacute o periacuteodo da
regecircncia que vai de 1831 com a abdicaccedilatildeo de D Pedro I ateacute 1840 com o golpe da
maioridade podemos identificar uma seacuterie de movimentos poliacuteticos e trecircs facccedilotildees
que disputavam o poder os restauradores os liberais exaltados e os liberais
moderados
O grupo restaurador representava uma parte da classe dominante que apoiara D
Pedro I Com a abdicaccedilatildeo em favor de seu filho passaram a batalhar por seu
retorno ao trono brasileiro agitando os primeiros anos da Menoridade Acreditavam
que soacute uma monarquia com um regente de pulso forte e autoritaacuterio conseguiria
manter a uniatildeo do impeacuterio Seu braccedilo principal estava no senado e no Clube militar
Com a morte de D Pedro I em 1834 os caramurus ndash como eram chamados -
passaram a compor com os moderados o ldquoregresso conservadorrdquo
Os liberais moderados representavam a outra parcela da aristocracia Buscavam a
monarquia mas pelo vieacutes constitucionalista uma vez que a Constituiccedilatildeo de 1824
assegurava a sua continuidade no poder O liberalismo que rotulava essa facccedilatildeo era
apenas de fachada adequado agraves suas necessidades de classe dominante Este
grupo predominou durante os primeiros anos das Regecircncias tendo como um de
seus liacutederes principais Evaristo da Veiga Empenharam-se no combate aos
restauradores e exaltados federalistas na defesa da ordem e da centralizaccedilatildeo
fornecendo subsiacutedios para a orientaccedilatildeo governista
Os liberais exaltados que pretendiam-se uma esquerda liberal (um pouco mais a
esquerda do que os outros grupos) tambeacutem tinham viacutenculos com algumas parcelas
da aristocracia rural mas conseguiam alcanccedilar alguns outros grupos chegando
mesmo a arregimentar uma camada de homens livres destituiacutedos de propriedades
ou pequenos proprietaacuterios Variando de regiatildeo para regiatildeo desenvolviam atividades
nos centros urbanos ou nos campos oscilando numa relaccedilatildeo de dependecircncia entre
a classe dominante e a classe trabalhadora livre (FAUSTO 2001)
Enquanto os moderados defendiam a manutenccedilatildeo da ordem e das instituiccedilotildees
opondo-se a qualquer alteraccedilatildeo mais radical no contexto poliacutetico os liberais
exaltados eram reformistas Defendiam a liberdade ndash em alguns locais para
realmente todos os homens ndash e as reformas poliacuteticas chagando mesmo a defesa
do republicanismo Defendiam tambeacutem maior autonomia das proviacutencias em
contraproposta a tendecircncia centralista que se fortalecia (FAUSTO 2001)
Os membros do grupo moderado eram os regente e deputados Padre Diogo
Antocircnio Feijoacute Evaristo da Veiga Bernardo Pereira de Vasconcelos e o grande
proprietaacuterio de terras e escravos Honoacuterio Hermeto Carneiro Leatildeo
Jaacute o grupo de liberais exaltados (ou radicais) tinha como uma das principais
lideranccedilas Miguel de Frias (que ficou famoso por ter recebido a carta com a
abdicaccedilatildeo de D Pedro I) Eram favoraacuteveis agrave repuacuteblica desejavam a aplicaccedilatildeo das
ideias liberais mesmo que a custa de luta armada Agrave frente do grupo de
restauradores estavam os irmatildeos Andrada
Segundo Rodrigues (2008) a violecircncia social foi caracteriacutestica da regecircncia e com a
maioridade os uacuteltimos resquiacutecios de dissenccedilotildees foram resolvidos institucionalmente
com o fim das revoltas populares pelo interior do Brasil afastando assim os focos de
tendecircncias mais radicais Eacute a partir da ascensatildeo desse grupo moderado que se
solidifica a vertente conservadora que
() admitia a escravidatildeo a participaccedilatildeo poliacutetica restrita aos proprietaacuterios de terras e o modelo de organizaccedilatildeo juriacutedico-poliacutetico monaacuterquico Desse modo os liberais conservadores da regecircncia lutavam pela aboliccedilatildeo das instituiccedilotildees coloniais contra o despotismo o poder da aristocracia portuguesa contra a interferecircncia do Estado na vida econocircmica e pela defesa da propriedade incluindo os escravos (RODRIGUES 2008 p158)
A base de sustentaccedilatildeo do grupo moderado que se apresentava entatildeo como um
representante dos cafeicultores incluiacutea proprietaacuterios e comerciantes e tambeacutem o
grupo dos intelectuais urbanos ciando um ponto de aglutinaccedilatildeo para os outros
setores da classe proprietaacuteria
Bosi (1988) afirma que o paradoxo entre liberalismo e escravidatildeo foi somente verbal
O liberalismo ativo do trabalho ndash e do trabalhador ndash livre ldquosimplesmente natildeo existiu
enquanto ideologia dominante no periacuteodo que se segue agrave Independecircncia e vai ateacute
os anos centrais do Segundo Reinadordquo (BOSI 1998 p 05) O autor tambeacutem afirma
que para entender a articulaccedilatildeo liberal com o regime escravagista eacute necessaacuterio
compreender o modo de pensar das classes poliacuteticas dominantes no impeacuterio que se
impocircs a partir da independecircncia e se consolida entre 1831 e 1860
aproximadamente Segundo ele o que dominou em todo esse periacuteodo no Brasil foi
um ideaacuterio de fundo conservador Um conjunto de normas juriacutedico-poliacuteticas capazes
de garantir a propriedade fundiaacuteria e a escravidatildeo negra ateacute o seu limite Para que
possamos nos inteirar deste paradoxo eacute preciso entender a ascensatildeo dos grupos
que defendiam o trabalho escravo e seus liacutederes
Formado ao longo das crises da Regecircncia o nuacutecleo conservador definiu-se pela voz dos seus liacutederes Bernardo Pereira de Vasconcelos Arauacutejo Lima e Honorio Hermeto como o Partido da Ordem no ano criacutetico de 1837 e logo apoacutes a renuacutencia de Feijoacute A sua histoacuteria eacute a de uma alianccedila estrateacutegica flexiacutevel mas tenaz entre as oligarquias mais antigas do accediluacutecar nordestino e as mais novas do cafeacute no Vale do Paraiacuteba as firmas exportadoras os traficantes negreiros os parlamentares que lhes davam cobertura e o braccedilo militar chamado sucessivas vezes nos anos de1830 e 40 para debelar surtos de facccedilotildees que espocavam nas proviacutencias Ao radicalismo impotente desses grupos locais opocircs-se desde o comeccedilo o chamado liberalismo moderado que exerceu de fato o poder tanto na fase regencial quanto nos anos iniciais do Segundo Impeacuterio As divisotildees internas natildeo tocaram sua unidade profunda na hora da accedilatildeo (BOSI 1998p05)
Rodrigues (2008) tambeacutem sustenta que Bernardo de Vasconcelos e Evaristo
Ferreira da Veiga com mandatos de deputados durante a regecircncia ldquolideravam o
grupo dos liberais moderados que representava os interesses dos proprietaacuterio de
terras e dos cafeicultores Naquele momento o cafeacute era o principal produto na pauta
de exportaccedilatildeo do Brasil a partir de 1831rdquo (RODRIGUES 1988 p155) Nesse
contexto estes representantes dos cafeicultores dificilmente iriam contra a poliacutetica
da escravidatildeo visto a falta de braccedilos para a lavoura e os lucros advindos do
trabalho escravo O liberalismo praticado pelo grupo vai se tornando cada vez mais
conservador visto a necessidade de manter os interesses e o predomiacutenio do grupo
dominante Admite esta autora que ldquoo liberalismo poliacutetico posto em praacutetica pelo
grupo moderado teve como objetivo a defesa dos interesses dos proprietaacuterios e natildeo
a alteraccedilatildeo da ordem vigenterdquo (RODRIGUES 1988 P157) Com o advento da
Regecircncia os uacuteltimos focos de um liberalismo mais radical foram suprimidos com o
fim dos movimentos revoltosos pelo paiacutes o que abriu espaccedilo para a consolidaccedilatildeo
do modelo liberal conservador com alguns ajustes e concessotildees que o ajudaram a
aglutinar as dissidecircncias dos outros grupos
A importacircncia de Bernardo de Vasconcelos e Evaristo da Veiga como divulgadores
do liberalismo pode ser observada principalmente em seu trabalho como jornalistas
a frente dos jornais ldquoO Sete de Abrilrdquo e o ldquoAurora Fluminenserdquo respectivamente Tal
influencia natildeo se limita a Corte visto que outros perioacutedicos reeditavam seus
editoriais chegando o seu alcance desde o interior do Rio de Janeiro ateacute outras
proviacutencias particularmente agrave regiatildeo centro-sul do paiacutes Daiacute podemos ter uma ideia
do poder da imprensa como divulgadora de ideias ndash liberais ou natildeo ndash para os grupos
letrados Bernardo Vasconcelos chega a estabelecer uma diferenciaccedilatildeo entre os
dois liberalismos identificando os radicais como aqueles que norteavam-se pelas
ideias de Rousseau e acreditavam na luta armada e os liberais conservadores como
adeptos da conciliaccedilatildeo e a compatibilizaccedilatildeo dos novos com os antigos valores
(RODRIGUES 2008)
Neves (2001) sustenta que o liberalismo no Brasil se alavanca a partir da revoluccedilatildeo
vintista em Portugal erguida ldquoem nome da Constituiccedilatildeo da naccedilatildeo do rei e da
religiatildeo catoacutelicardquo (NEVES 2001 p76) propondo reformas que pudessem garantir ao
indiviacuteduo direitos de cidadania liberdade de expressatildeo de imprensa dentre outros
buscando o fim do despotismo como uma soluccedilatildeo para o impeacuterio O movimento tem
a adesatildeo do Paraacute e da Bahia seguidos posteriormente pelo Rio de Janeiro sendo
segundo a autora assimilada sem dificuldade pelos elementos das elites poliacutetica e
intelectuais no Brasil A proposta era buscar o novo mas sem abrir matildeo dos antigos
privileacutegios econocircmicos Esta autora sustenta que os jornais panfletos e pasquins
editados no periacuteodo auxiliaram a tomada de um vocabulaacuterio ldquoliberalrdquo pelo grande
puacuteblico que acompanhava as criacuteticas de intelectuais contra o regime divulgadas nas
diversas publicaccedilotildees criando uma rede de ideias que se multiplicava por vaacuterias
partes do paiacutes
Para Gorender (2002) os princiacutepios liberais levados adiante pelos comerciantes e
plantadores era o direito de ter uma representaccedilatildeo no estado fora das limitaccedilotildees
impostas pela poliacutetica colonial Esse processo segundo ele tem inicio apenas com a
abdicaccedilatildeo em 1831 visto que D Pedro I ainda era um representante de Portugal
aqui em nossas terras Gorender afirma que o liberalismo europeu defende o
trabalho livre a eliminaccedilatildeo das injunccedilotildees feudais do pagamento da corveia e de
todos os demais tributos que caracterizaram o sistema feudal Mas lembra tambeacutem
que o proacuteprio Adam Smith natildeo era contra a escravidatildeo nas colocircnias Ou seja o
liberalismo europeu segundo um de seus mais importantes representantes jaacute nasce
sob esta contradiccedilatildeo O autor tambeacutem sustenta que mesmo com a Revoluccedilatildeo
Francesa tendo decretado a libertaccedilatildeo dos escravos em suas colocircnias francesas
Napoleatildeo restabelece a escravidatildeo oito anos depois (GORONDER 2002) Apesar
da liberdade ser um valor importante na Europa aparentemente nas colocircnias a
poliacutetica praticada natildeo era a mesma O que nos leva a entender melhor a relaccedilatildeo
liberalismoescravidatildeo no Brasil Tambeacutem podemos lembrar aqui que mesmo as
instituiccedilotildees religiosas natildeo foram totalmente contraacuterias a escravidatildeo visto que as
ordens religiosas no Brasil mantinham escravos negros
Por tudo isso podemos entender que no processo de formaccedilatildeo do Estado Imperial
Brasileiro havia diferentes leituras e objetivos para o uso do liberalismo ligadas a
interesses especiacuteficos Por um lado como enfatiza Mattos (1987) a accedilatildeo do grupo
conservador no impeacuterio seguia no sentido da construccedilatildeo de monopoacutelios como uma
certa continuidade da poliacutetica que era praticada no periacuteodo colonial enfatizando as
relaccedilotildees de dominaccedilatildeo sustentadas pela coroa Costa (1999) identifica uma certa
originalidade no movimento poliacutetico brasileiro do periacuteodo tentando interpreta-lo
como uma figura hiacutebrida onde os elementos conservadores permanecem criando
uma amalgama com as praacuteticas liberais aceitas estruturando as instituiccedilotildees e a
visatildeo de mundo dos agentes poliacuteticos das elites dominantes sustentados pelas
classes intermediaacuterias que se desenvolvia nas cidades mas que ao mesmo tempo
viam no sistema agroexportador baseado na escravidatildeo uma dificuldade para o
desenvolvimento do capitalismo E haacute mesmo aqueles que como Carvalho (2007)
que chega a subestimar o aspecto liberal enfocando o periacuteodo na perspectiva de
que havia um pensamento conservador dominante prevalecendo no pensamento
poliacutetico local sendo a conciliaccedilatildeo entre as correntes de pensamento e os partidos a
poliacutetica da coroa com o intuito de administrar interesses e evitar conflitos e o
liberalismo sendo apenas uma face da mesma moeda Prado (2001) ainda enfatiza
que o pacto liberal era difiacutecil de ser compreendido no impeacuterio brasileiro que se
forma sob a tradiccedilatildeo ibeacuterica caracterizada pela valorizaccedilatildeo da tradiccedilatildeo e por uma
resistecircncia para as novas ideias que soacute eram experimentadas quando
extremamente necessaacuterias e sob a condiccedilatildeo de que natildeo desestruturassem a ordem
vigente Bosi (1988) sustenta ainda que o traacutefico esta apoiado por vezes pelas
proacuteprias autoridades a quem cabia fazer cessar o traacutefico Mantendo sob seu controle
terras o cafeacute e os escravos tais homens ligados a administraccedilatildeo e a poliacutetica como
o grupo ldquosaquaremardquo de Euzeacutebio Paranaacute Uruguai e Itaboraiacute apoiavam o ldquocomeacutercio
livre Primeira e principal bandeira dos colonos patriotas [ que ] natildeo significava
necessariamente e natildeo foi efetivamente sinocircnimo de trabalho livrerdquo (BOSI 1988 p
07) O que resulta segundo o autor que os moderados cedo ou tarde mostrariam
sua verdadeira face que eacute a conservadora
Os traficantes foram poupados e os projetos iluministas raros e esparsos de aboliccedilatildeo gradual foram reduzidos ao silecircncio Deu-se ao Exeacutercito o papel de zelar pela unidade nacional contra as tendecircncias centriacutefugas dos clatildes provinciais Vencidos os uacuteltimos Farrapos estava salva a sociedade no caso o Estado aglutinador de latifundiaacuterios seus representantes tumbeiros e burocracia A retoacuterica liberal trabalha seus discursos em torno de uma figura redutora por excelecircncia a sineacutedoque pela qual o todo eacute nomeado em lugar da parte impliacutecita (BOSI 1988 09)
Podemos entender com o que foi visto que o liberalismo acaba por adaptar suas
caracteriacutesticas gerais dependendo do local onde se estabelece Prado (2001) lembra
ainda que o impeacuterio no Brasil herdeiro da tradiccedilatildeo poliacutetica ibeacuterica era tambeacutem
avesso a novas ideias no campo poliacutetico que pudessem vir a desestruturar a ordem
estabelecida o que faz com que as ideias liberais assumidas sejam
preferencialmente as de cunho mais conservador Aleacutem do que Prado (2001)
concorda que com a produccedilatildeo organizada sob a exploraccedilatildeo do trabalho escravo
(altamente lucrativo no momento) era muito difiacutecil empreender qualquer movimento
em prol da igualdade e liberdade individuais
A partir da apresentaccedilatildeo deste conjunto de ideias acreditamos que seja possiacutevel
verificar se no texto de Alencar haacute ou natildeo alguma identidade com o liberalismo e a
defesa da escravidatildeo Concordando com o que diz Bosi (1988) acreditamos que
Alencar em seu texto busca uma defesa para o conservadorismo pregado pelos
latifundiaacuterios e traficantes de escravos em que a economia agroexportadora
baseada no braccedilo escravo deveria permanecer como a base econocircmica do Brasil
mantendo assim os privileacutegios dessas elites O liberalismo defendido por Alencar eacute ndash
como afirma Bosi(1988) ndash uma sineacutedoque em que a parte apresentada escolhida
determinada eacute tomada como um todo uniforme desvirtuando assim as ideias
originais do liberalismo e criando novo discurso ideoloacutegico para sustentar um grupo
que se apresenta no poder E eacute para esse discurso disseminado no texto de
Alencar que nos remetemos agora
33 AS CARTAS DE ERASMO
A carta aberta integra os gecircneros textuais caracterizados pelo caraacuteter
argumentativo Sua proposta eacute permitir que o missivista expusesse para o puacuteblico as
suas opiniotildees ou reivindicaccedilotildees acerca de um determinado assunto O gecircnero
difere-se da carta pessoal a qual trata em geral de assuntos que dizem respeito
apenas aos interlocutores nela envolvidos A carta aberta faz referecircncia a assuntos
de interesse coletivo ou que se queira coletivizar De tal modo a carta aberta pode
ser utilizada como forma de protesto contra esse problema como alerta e ateacute
mesmo como meio de conscientizaccedilatildeo da populaccedilatildeo ou de algueacutem com certa
influecircncia como por exemplo um representante de uma entidade ou do governo
acerca da problemaacutetica em questatildeo
As cartas em geral tem uma importacircncia grande como fontes para a historiografia
brasileira A epistolae era forma de comunicaccedilatildeo habitual entre os jesuiacutetas
registrando o cotidiano das primeiras deacutecadas da colocircnia Os jesuiacutetas escreviam-se
dos lugares mais distantes incentivando-se e sugerindo formas de abordagem para
os diferentes grupos aos quais tinham contato No Brasil as primeiras cartas de
Anchieta em sua maioria escritas em latim relatam detalhes da paisagem dos
costumes e das pessoas em Satildeo Paulo entatildeo Vila de Piratininga A primeira carta
do padre Joseacute Anchieta30 escrita em Setembro de 1554 e endereccedilada a Inaacutecio de
Loyola fundador da Companhia de Jesus fala da primeira missa realizada na regiatildeo
(PARIS 1997) As chamadas ldquoCartas Chilenasrdquo atribuiacutedas a Tomaacutes Antocircnio
Gonzaga e escritas em meados do seacuteculo XVIII compondo um longo e irreverente
poema satiacuterico satildeo um documento importante para auxiliar-nos na compreensatildeo da
Inconfidecircncia Mineira Famosas tambeacutem ficaram as cartas de D Pedro I a Condessa
Domitila de Castro nos mostram sete anos (1822 a 1829) de romantismo e do
cotidiano da Corte Na cultura cristatilde mais identificada conosco temos o conjunto de
cartas que Paulo escreve para as igrejas (eccleacutesia ecclesiam ἐκκλησίαν31) na Aacutesia
menor que segundo suas instruccedilotildees poderiam ser lidas para a comunidade
A carta aberta era um meio comum de participar o debate poliacutetico com o puacuteblico nas
primeiras deacutecadas da imprensa Sua publicaccedilatildeo nos jornais no caso dos deputados
como Alencar que moravam na Corte e representavam proviacutencias distantes servia
como uma prestaccedilatildeo de contas puacuteblica O jornal apesar do pouco tempo de vida no
Brasil alcanccedila no segundo reinado a qualidade de um importante agente de
agitaccedilatildeo poliacutetica Entendia-se ali que apesar da verborragia caracteriacutestica do
romantismo e presente em praticamente todos os textos natildeo oficiais o poliacutetico
estava efetivamente trabalhando por alguma coisa Oficializando para a sociedade
suas opiniotildees e posiccedilatildeo no palco poliacutetico da Corte Vaacuterias cartas abertas foram
redigidas no periacuteodo o trabalho de Alencar eacute apenas um exemplo entre muitos
outros E a liberdade de opiniatildeo e de imprensa jaacute eacute presente (e utilizada) desde o
reinado de D Pedro I garantida pela constituiccedilatildeo de 1824 Apesar de D Pedro I natildeo
ter se notabilizado por seu ldquoapoiordquo a imprensa O priacutencipe sempre foi alvo de duras
criacuteticas ateacute mesmo por sua conduta na vida privada
30 Uma ediccedilatildeo de ldquoCartas Avulsasrdquo de Jesuiacutetas - escritas no periacuteodo de 1550 a 1568 - pela Biblioteca da Cultura Nacional publicada jaacute em 1931 registra a importacircncia desse gecircnero 31
As comunidades religiosas do periacuteodo criadas sob a supervisatildeo de Paulo satildeo ainda estaacutegios
de formaccedilatildeo de uma ldquoigrejardquo cristatilde No latim claacutessico eccleacutesia apresenta uma grande variante graacutefica nos textos portugueses do seacutec XIII ao XVI Conforme CUNHA Antocircnio Geraldo da Dicionaacuterio etimoloacutegico da liacutengua portuguesa Rio de Janeiro Nova Fronteira 1982
Alencar publica as cartas e as endereccedila a vaacuterios entes poliacuteticos segundo o assunto
a que iraacute referir e dependendo do efeito e do ldquodestinataacuteriordquo que pretenda atingir Sua
posiccedilatildeo conservadora frente a escravidatildeo talvez tenha sido o tema que mais chama
a atenccedilatildeo Eacute onde centraremos o foco de nossa pesquisa na tentativa de analisar a
defesa de um projeto liberalconservador baseado na matildeo de obra escrava que vai
de encontro as pressotildees externas da Inglaterra de intelectuais franceses e mesmo
internas como a disposiccedilatildeo anunciada por D Pedro II na fala do trono de 1867 para
dar um fim a escravidatildeo no Brasil O pseudocircnimo escolhido foi Erasmo32 No periacuteodo
do recorte ainda natildeo havia um movimento abolicionista consistente vindo da opiniatildeo
puacuteblica Em publicaccedilatildeo recente33 Tacircmis Parron reedita a seacuterie das ldquoNovas Cartasrdquo
endereccediladas ao Imperador no periacuteodo de 196768 aonde procura detalhar este
ponto
Nosso objetivo com a leitura das cartas aleacutem de descobrir se houve uma defesa das
ideias liberais no Brasil ao mesmo tempo em que se tentava conciliar o ideal de
liberdade com a escravidatildeo eacute tambeacutem conseguir uma visatildeo geral do cotidiano
poliacutetico do II reinado na oacutetica de um importante intelectual do periacuteodo enquanto um
analista da dinacircmica das accedilotildees poliacuteticas e como um agente de justificaccedilatildeo do poder
da elite sobre a populaccedilatildeo como um elemento de ligaccedilatildeo das ideias (da ideologia)
desses grupos dominantes com suas vaacuterias camadas perifeacutericas Dado os limites da
pesquisa como observado anteriormente nos concentraremos na posiccedilatildeo de
Alencar frente a escravidatildeo
Apesar de ter jaacute experiecircncia como redator de jornais e manter relaccedilotildees com a
imprensa Alencar prefere publicar as cartas em forma de folhetins que eram
vendidos nas ruas e em livrarias e entregues em casa apenas por meio de 32 Uma referecircncia os filoacutesofo humanista Erasmo de Roterdatilde (1466-1536) As ideias de Erasmo teriam
sido precursoras da reforma protestante que inicia efetivamente com Lutero Dentre seus muitos
trabalhos destacamos o ldquoInstitutio Principis Christianirdquo escrito como uma seacuterie de conselhos
poliacuteticos e morais ao Rei Carlos da Espanha (mais tarde Carlos V do Sacro Impeacuterio Romano)
Acreditamos que o conhecimento de tal obra tenha sido o que sugeriu a Alencar assumir o
pseudocircnimo Erasmo
33 Ediccedilatildeo das ldquoNovas cartas poliacuteticas ao Imperadorrdquo em ALENCAR Joseacute de Cartas a favor da
escravidatildeo Org Tacircmis Parron Satildeo Paulo Heacutedra 2008
solicitaccedilatildeo anterior feita ao editor O que jaacute demonstra que Alencar natildeo pretendia
manter viacutenculos com a imprensa sobre suas opiniotildees poliacuteticas que acabariam
trazendo louros (ou problemas) para o jornal a que ele estivesse vinculado Apesar
do pseudocircnimo natildeo era difiacutecil descobrir o autor dos textos visto que o grupo de
agentes poliacuteticos era reduzido na Corte no periacuteodo imperial e o estilo literaacuterio de
Alencar jaacute fazia sucesso
Tomaremos aqui para a nossa anaacutelise a nova ediccedilatildeo das cartas publicada pela
Academia Brasileira de Letras em 2009 tendo a organizaccedilatildeo do professor e
historiador Joseacute Murilo de Carvalho que se baseou para esta publicaccedilatildeo nos
exemplares originais da biblioteca da Cacircmara dos Deputados em Brasiacutelia o que nos
proporciona uma visatildeo iacutentegra do texto Segundo R Chartier (2009) eacute preciso ter
cuidado com as possiacuteveis adaptaccedilotildees que editores realizam para que determinada
obra natildeo tenha sua leitura ldquofacilitadardquo para o grande puacuteblico podendo mesmo admitir
cortes Acreditamos que natildeo seja o caso aqui A publicaccedilatildeo com a qual
trabalharemos conteacutem as seguintes cartas
Ao Imperador Cartas de Erasmo de 1865 no caso a segunda ediccedilatildeo de 1866
Uma carta ldquoAo Redator do Diaacuteriordquo (do Rio de Janeiro)
Ao Povo Cartas Poliacuteticas de Erasmo de 1866 acompanhadas das cartas ldquoAo
Marquecircs de Olindardquo e ldquoAo Visconde de Itaboraiacute Carta de Erasmo Sobre a Crise
Financeirardquo
Ao Imperador Novas Cartas Poliacuteticas de Erasmo de 1867-68
Eacute preciso explicar uma diferenccedila baacutesica entre as cartas e os folhetins O chamado
ldquoromance de folhetimrdquo chega ao Brasil por volta do iniacutecio do seacuteculo XIX e assim
como na Inglaterra e na Franccedila cai no gosto popular e eacute responsaacutevel por uma parte
importante do desenvolvimento intelectual da populaccedilatildeo Visto que a educaccedilatildeo era
um bem muito caro os romances divulgavam ideias e uma moral
caracteristicamente burguesa para uma parte importante da populaccedilatildeo o que era
desejaacutevel e estimulavam o prazer da leitura A maioria dos tiacutetulos vem traduzida do
original inglecircs (ou francecircs) No Rio de Janeiro salas de leitura (gabinetes) foram
criadas as bibliotecas constituiacutedas (natildeo somente para brasileiros mas para muitos
ingleses que aqui tinha organizado sua vida) emprestavam livros a preccedilos moacutedicos
e pelo seu desenvolvimento cabe questionar o mito de que a maioria da populaccedilatildeo
natildeo tenha nenhum tipo de alfabetizaccedilatildeo O prazer das histoacuterias e a seduccedilatildeo que
estas apresentavam jaacute comenta o Alencar eram muito apreciadas Ele quando
ainda menino lia romances em voz alta para as pessoas em uma sala de estar
acalenta o coraccedilatildeo do povo que por tantos motivos foi privado da alfabetizaccedilatildeo
(NETO 2006)
Alencar se aproveita da praacutetica da publicaccedilatildeo de tais romances em colunas de
jornais regulares Ele mesmo teria oferecido nas paacuteginas da Gazeta do Rio de
Janeiro o romance O Guarani entatildeo um sucesso Os leitores confiantes na
periodicidade aguardavam os proacuteximos capiacutetulos dos romances em dias
determinados Sabendo disso Alencar cria tambeacutem uma ldquoperiodicidaderdquo para as
suas cartas anunciada desde a primeira e veiculada por meio de uma nota do
editor O missivista trata do tema como em uma novela usando sua retoacuterica
romacircntica para alcanccedilar os gostos mais diversos Vem daiacute a procura das cartas
pelos leitores nas terccedilas-feiras dia de sua circulaccedilatildeo A questatildeo da impressatildeo da
carta em folhetim eacute justificada por ser este um meio barato e de raacutepida finalizaccedilatildeo
As cartas satildeo pois impressas em folhetins este eacute o seu suporte Poreacutem natildeo
constituem um romance de folhetim gecircnero tambeacutem relativamente novo no periacuteodo
Folhetim aqui eacute formato do veiacuteculo um pequeno caderno com folhas encartadas
mais parecido com um jornal em tamanho modesto como eram comuns os jornais
na primeira metade do oitocentos Outro sentido dado ao termo (que ajuda na
confusatildeo) ldquofolhetimrdquo indica um texto publicado no rodapeacute da paacutegina do jornal com
comentaacuterios sobre os fatos correntes no meio caminho entre o texto informativo e a
crocircnica em que o jornalista geralmente emitia sua opiniatildeo sobre o assunto tratado
Alencar com sua coluna semanal ldquoao correr da penardquo se especializa nesse estilo de
escrita Por fim lembramos que com as cartas em tais suportes Alencar retoma de
certa forma a tradiccedilatildeo dos pasquins como um tipo de publicaccedilatildeo criacutetica escrita por
uma pessoa apenas e jaacute presente no Brasil mesmo antes da independecircncia em
forma satiacuterica e ateacute mesmo panfletaacuteria (BAHIA 1990)
Eacute mesmo possiacutevel que algueacutem um funccedilatildeo dessas caracteriacutesticas do suporte tenha
chegado a pensar nas cartas como uma ficccedilatildeo em que o imperador e o congresso
figurassem como personagens em mais um drama ou comeacutedia do autor mas isto eacute
soacute uma suposiccedilatildeo deixaremos essas questotildees para a vertente de romancista do
Alencar com suas anotaccedilotildees na pasta da gaveta Mesmo assim sendo esta uma
possibilidade entendemos que a releitura e emprego de fontes tradicionais podem
mesclar-se a partir do meacutetodo utilizado com a invenccedilatildeo de novas fontes que nos
possibilitem uma interpretaccedilatildeo do pensamento dos atores de determinado periacuteodo
(CHARTIER 1990) O jornalismo como instrumento de convencimento poliacutetico
caracteriza a imprensa brasileira na primeira metade do seacuteculo XIX e continua
assim mesmo que de forma mais branda no segundo reinado (ROMANCINI 2007)
Eacute desta forma que caracterizaremos inicialmente o texto das cartas de Erasmo
Joseacute Murilo de Carvalho (2007) sustenta que a despeito da tradiccedilatildeo familiar tendo
sido seu pai um importante poliacutetico representante do partido Liberal as ideias de
Alencar tendiam mais para a proposta conservadora Mas como jaacute comentamos
tais diferenccedilas ndash apesar de existirem ndash eram tatildeo somente maneiras de se posicionar
frente a um mesmo sistema de dominaccedilatildeo o que nos faz crer que exista uma
postura liberalconservadora como modelo para a manutenccedilatildeo do poder a ser
construiacutedo pelas elites e nesse momento tambeacutem atraveacutes de alguns setores da
imprensa Eacute o que buscaremos aqui atraveacutes de uma anaacutelise criacutetica do texto
tentando formular hipoacuteteses em seu curso e deduccedilotildees a partir dos dados obtidos
Cabe lembrar que as cartas de Erasmo satildeo publicadas no periacuteodo entre 17 de
novembro de 1865 e 15 de marccedilo de 1868 portanto antes de Alencar assumir o
ministeacuterio da Justiccedila Talvez a leitura das cartas tenha influenciado a opiniatildeo de
Itaboraiacute na ocasiatildeo do convite de Alencar para compor o ministeacuterio e mesmo na
decisatildeo de D Pedro II para o aceite do ministro Aqui surge uma questatildeo Sustenta-
se que uma das razotildees de D Pedro natildeo ter escolhido Alencar para ser ldquopremiadordquo
com uma cadeira no senado se daria em funccedilatildeo de seu temperamento impulsivo
Que o imperador natildeo podia ldquoconfiarrdquo no Alencar por natildeo saber que tipo de ideais
poderiam sair daquela cabeccedila em dias de arroubo - eacute o que consideram Schwarcz
(1999) e Menezes (1965) Acreditamos tendo por base a pesquisa que D Pedro II
jaacute teria reconhecido no Alencar uma possibilidade para a cooptaccedilatildeo do intelectual haacute
muito tempo E seu ideal conservador e monarquista eacute determinante O imperador
conhecia o Alencar estudou suas accedilotildees por meio das cartas conhecia seus
romances e assistiu aos espetaacuteculos de teatro que o artista criara A ideia de uma
sociedade liberal assentadas na base escravista vinha a calhar com o pensamento
necessaacuterio para a manutenccedilatildeo do Estado no periacuteodo Dom Pedro II era - de certa
forma segundo sustenta Menezes - um seu ldquofatilderdquo E quando do aceite de seu nome
para o ministeacuterio da justiccedila o imperador sabia muito bem onde pisava
As cartas nos mostram a situaccedilatildeo poliacutetica do paiacutes a escravidatildeo e a opiniatildeo de
Alencar sobre como deveria funcionar uma monarquia representativa Um ponto
importante a ser levado em conta eacute o diacronismo caracteriacutestico da seacuterie Sua
publicaccedilatildeo semanal com respeitaacutevel regularidade entre 1965 e 1968 permite a
Alencar uma visatildeo do cotidiano da Corte e suas transformaccedilotildees inclusive as
respostas (muitas vezes diretas de interlocutores que se apresentavam em outras
veiacuteculos ou mesmo na cacircmara) agraves suas criacuteticas o que conduzia a reavaliaccedilotildees eou
reafirmaccedilotildees de posiccedilatildeo do missivista sempre para um proacuteximo nuacutemero
Admitindo que uma sociedade da corte como lembra Chartier (1990) citando um
estudo de Norbert Elias eacute uma formaccedilatildeo social caracterizada por um estatuto de
dependecircncia das relaccedilotildees sociais existentes entre os sujeitos esta constitui
portanto uma forma particular de sociedade onde a Corte desempenha um papel
central que se caracteriza por um conjunto especiacutefico de relaccedilotildees de poder nesse
dado momento Natildeo somente a Corte brasileira no segundo reinado mas a
sociedade caracterizada (construiacuteda pode-se dizer) na e pela Corte como um
modelo para o restante do paiacutes criar um modelo (ou um conceito) na Corte seria
uma forma de agenciamento de tais modelos para os grupos perifeacutericos
Eacute preciso esclarecer por fim que o conteuacutedo das cartas natildeo eacute novo como natildeo eacute
nova sua apresentaccedilatildeo e estudo feitos por comentaristas de renome como por
exemplo os citados Raimundo Menezes e Joseacute Murilo de Carvalho O que se
propotildee aqui eacute buscar nas indicaccedilotildees nas proposiccedilotildees enfim nos iacutendices deixados
no texto uma visatildeo mais abrangente que as caracteriacutesticas de Joseacute de Alencar ndash
com seu estilo marcante ndash propotildeem na escritura - o que trataremos aqui como
documento Vale a ressalva de que as ldquocartas poliacuteticasrdquo natildeo a satildeo a primeira
experiecircncia de Alencar no gecircnero A polecircmica sobre a ldquoConfederaccedilatildeo dos Tamoiosrdquo
com Gonccedilalves de Magalhatildees (e com o grupo que o apoiava) lhe garante uma
experiecircncia soacutelida no debate aberto Cabe tambeacutem enquanto delimitaccedilatildeo do objeto
a caracterizaccedilatildeo dos leitores Alencar escreve para as elites (natildeo que soacute membros
da elite carioca tivessem acesso aos textos tambeacutem funcionaacuterios puacuteblicos diversos
pequenos comerciantes profissionais liberais mesmo um puacuteblico leigo que se
interessava pelo cotidiano poliacutetico do Rio de Janeiro ndash como o demonstramos em
toacutepico anterior - e que deveria ser consideraacutevel visto a quantidade de pequenos
jornais e folhetos impressos para a divulgaccedilatildeo de ideias de poliacuteticos e partidos Mas
estes natildeo eram entatildeo seu principal alvo) tendo a imprensa ndash a miacutedia impressa visto
que a impressatildeo do texto foi feita em folhetins ndash como veiacuteculo que o permitiria levar
suas ideias a um grupo maior detentor de uma opiniatildeo que pode ser mobilizadora
ou mobilizada aqui temos clara a afirmativa de Chartier (1990) que sustenta que a
proacutepria cultura da elite eacute constituiacuteda em grande parte por um trabalho operado em
material que lhe seja proacuteprio que por esta eacute reconhecido Sendo assim sobre tais
elites definimo-las com o apoio de Boacutebbio
() uma minoria que por vaacuterias formas eacute detentora do poder em contraposiccedilatildeo a uma maioria que dele estaacute privada () Em todas as sociedades a comeccedilar por aquelas mais mediocremente desenvolvidas e que satildeo apenas chegadas aos primoacuterdios da civilizaccedilatildeo ateacute as mais cultas e fortes existem duas classes de pessoas a dos governantes e a dos governados A primeira que eacute sempre a menos numerosa cumpre todas as funccedilotildees puacuteblicas monopoliza o poder e goza as vantagens que a ela estatildeo anexas enquanto que a segunda mais numerosa eacute dirigida e regulada pela primeira de modo mais ou menos legal ou de modo mais ou menos arbitraacuterio e violento fornecendo a ela ao menos aparentemente os meios materiais de subsistecircncia e os que satildeo necessaacuterios agrave vitalidade do organismo poliacutetico (BOBBIO1998 p385)
Alencar tinha conhecimento do alcance das cartas Mas o seu destinataacuterio o ldquoleitorrdquo
referencial eacute o imperador D Pedro II A figura do homem bom protetor dos
inocentes iacutentegro e saacutebio mecenas das artes amigo dos intelectuais e tudo o mais
que ficou caracterizado para a posteridade jaacute estava constituiacutedo no periacuteodo o
homem que por tudo se interessava mas natildeo se interessava pelo Brasil
(CARVALHO 2007) E a criacutetica a uma atitude passiva do imperador frente aos
problemas da poliacutetica da administraccedilatildeo puacuteblica ao seu papel constitucional de
mediador de contendas de apaziguador de disputas de fiel da balanccedila eacute o mote
para o conjunto de cartas a que se entrega mui respeitosamente o Alencar
331 AO IMPERADOR (ALENCAR 2009 p09-113)
Na primeira carta endereccedilada ao Imperador um tratamento respeitoso eacute justo e
necessaacuterio Alencar se dirige a D Pedro II como ldquoSenhorrdquo e anuncia-se logo na
primeira linha por um anunciador da verdade Escreve ldquoA verdade filha do ceacuteu
como a luz natildeo se apagardquo (ALENCAR 2009 p09) que natildeo eacute uma ldquofigura de estilordquo
que sugere a referecircncia inicial Alencar se apresenta como portador desta verdade
encarnada que passaraacute a analisar os problemas da sociedade Continua entatildeo
marcando seu territoacuterio entre os grandes quando diz que ldquoagraves vezes eacute um historiado
como Taacutecito ou um poeta como Juvenal outras eacute Demoacutestenes o orador ou
Secircneca o filoacutesofordquo (ALENCAR 2009 p09) E estre eles o nosso autor Alencar
apresenta-se como figura conhecedora do pensamento claacutessico colocando-se como
argumentador que se basearaacute nos princiacutepios do Direito e conhecedor dos princiacutepios
de ciecircncia poliacutetica para sua anaacutelise Apresenta-se como uma autoridade elevando o
debate natildeo a uma reclamaccedilatildeo pessoal sobre o governo mas a condiccedilatildeo de um
criacutetico consciente do sistema de governo que estaacute posto
A posiccedilatildeo de Alencar eacute de apoio agrave monarquia As primeiras cartas satildeo um apelo ao
imperador para que intervenha no executivo e no legislativo para tirar o paiacutes do
momento de crise poliacutetica social e econocircmica que o teriam levado o Partido Liberal
e a poliacutetica de conciliaccedilatildeo Segundo Alencar haacute uma distinccedilatildeo entre as tarefas do
Imperador como titular do Poder Moderador e como chefe do Executivo Cita
Montesquieu em O espiacuterito das Leis em uma passagem que fala da falta de
participaccedilatildeo popular na poliacutetica mas apenas para lembrar ao imperador a teoria da
separaccedilatildeo e independecircncia dos poderes Natildeo chega a citar os argumentos deste
autor contra a escravidatildeo
Defende Alencar que o poder moderador seria um mediador entre a constituiccedilatildeo e o
povo Eacute possiacutevel pensar na accedilatildeo do Poder Moderador como algo que permitia
conquanto suas interferecircncias uma modificaccedilatildeo nas formaccedilatildeo das facccedilotildees das
elites no poder permitindo uma alternacircncia de grupos e partidos (CARVALHO
2007) mas tambeacutem como Alencar aprovava e propotildee na carta o poder moderador
como um instrumento de ldquotomada do poderrdquo pelo monarca com o consentimento do
povo Cabe lembrar que fato parecido ocorre com D Pedro I com a destituiccedilatildeo da
Assembleia Constituinte em 1823 e a outorga de uma nova Constituiccedilatildeo Chega
mesmo a afirmar em um trecho a caracteriacutestica liberal da constituiccedilatildeo quando diz
que ldquoo primeiro reinado em oito anos legou-nos a constituiccedilatildeo belo padratildeo de
sabedoria e liberalismordquo (ALENCAR 2009 p19) esquecendo-se de citar o anterior
fechamento da Assembleia constituinte
Alencar escreve sobre o momento de singular impopularidade pelo qual passa D
Pedro II satirizado ldquopelos teatros e praccedilas a vozeria da gente leviana que entre
hinos e flores vos sauacuteda como o heroacutei da Uruguaiana34rdquo (ALENCAR 2009 p12)
devido agrave longevidade que alcanccedila a guerra e proclama-se um seu defensor frente
aos acontecimentos poliacuteticos que este segundo Alencar ldquodesconhecerdquo E iraacute tornar
puacuteblica ldquoa verdade inteira a respeito do paiacutes sobre os homens como sobre as
coisas ()rdquo (ALENCAR 2009 p14) A culpa na opiniatildeo de Erasmo natildeo seria de D
Pedro II mas da administraccedilatildeo Eacute certo que os gastos com a guerra atrapalham ou
impossibilitam uma seacuterie de investimentos necessaacuterios para o desenvolvimento do
Brasil As despesas provenientes do conflito foram enormes ldquo614 mil contos de
reacuteis onze vezes o orccedilamento governamental para o ano de 1864 criando um
deacuteficit que persistiu ateacute 1889rdquo (SCHWARCZ 1999 p459)
Alencar termina a primeira carta citando Salomatildeo ldquoMisericordia et veritas custodiunt
regem35rdquo (ALENCAR 2009 p15) Apelando para a honra e seguindo a citaccedilatildeo para
34 D Pedro II assistiu a rendiccedilatildeo dos paraguaios no chamado ldquocerco de Uruguaianardquo
35 A misericoacuterdia e a verdade protegem o rei
a sabedoria de D Pedro II justifica a intervenccedilatildeo que este deveria fazer e garante
que o povo lhe veria novamente como um restaurador (palavra cara ao Alencar) da
normalidade Para tanto desenha um ldquopanteatildeordquo poliacutetico ideal da restauraccedilatildeo
proclamando-os defensores da honestidade e da honra Satildeo citados ldquoos Feijoacutes
Vergueiros Andradas Paulas Souzas Limpos Torres e Paulinos36rdquo (ALENCAR
2009 p17) Jaacute na primeira carta podemos observar a predominacircncia da pregaccedilatildeo
de uma sociedade conservadora monarquista aristocraacutetica onde o imperador
ldquogoverna e administrardquo e precisa mostrar que tem tal poder concordando assim com
a tendecircncia do liberalismo moderado que defende que a sociedade soacute poderaacute viver
em paz com um poder forte e centralizado (BOSI 2013) Alencar chega a criticar a
liberdade de imprensa em sua narraccedilatildeo algo que chega a ser discutiacutevel na posiccedilatildeo
de algueacutem que edita um panfleto poliacutetico
A crise na governanccedila proclamada pelo panfletista pode ser entendida de modo
diverso O discurso de Alencar eacute ideoloacutegico no sentido de tentar fazer com que as
transformaccedilotildees histoacutericas sejam negadas e entendidas como uma crise no sistema
O momento (o surgimento digamos) da sociedade ideal eacute dado pela fixaccedilatildeo dos
ldquomaacutertiresrdquo a que Alencar se refere ndash indicando a clara presenccedila de uma aristocracia -
e qualquer mudanccedila neste modelo ideal eacute determinada como uma crise Numa
leitura da teoria de Gramsci por Chauiacute essa construccedilatildeo eacute tida como uma
representaccedilatildeo e uma ideologia ldquoA ideologia eacute um discurso que se desenvolve sob o
modo da afirmaccedilatildeo da determinaccedilatildeo da generalizaccedilatildeo () trazendo a garantia da
existecircncia de uma ordem atual ou virtualrdquo (CHAUI 1997 p33) Quando essa
ordem necessaacuteria ao discurso eacute contestada temos uma crise
A crise eacute imaginada entatildeo como um movimento de irracionalidade que invade a racionalidade gera desordem e caos e precisa ser conjurada para que a racionalidade anterior ou outra nova seja restaurada A noccedilatildeo de crise permite representar a sociedade como invadida por contradiccedilotildees e simultaneamente toma-las como um acidente um desarranjo pois a harmonia eacute pressuposta como sendo de direito reduzindo a crise a uma desordem fatual provocada por enganos voluntaacuterios ou involuntaacuterios dos agentes sociais ou por mau funcionamento de certas partes do todo A crise serve assim para opor uma ordem ideal a uma desordem real () (CHAUI
36 Diogo Antocircnio Feijoacute Nicolau Pereira de Campos Vergueiro Joseacute Bonifaacutecio de Andrada e Silva
Francisco de Paula Souza e Melo Antocircnio Paulino Limpo de Abreu Joaquim Joseacute Rodrigues
Torres e Paulino Joseacute Soares de Souza
1997 p37)
O discurso de Alencar sugere o momento ideal no qual os indiviacuteduos devem se
remeter para aceitar as instituiccedilotildees puacuteblicas a vida e as relaccedilotildees de poder que os
conduzem Um discurso que partindo do social se torna poliacutetico e degenerando-se
dominador
Tornando ao texto na segunda carta Alencar critica a relaccedilatildeo dos ministros com
seus representantes nas proviacutencias ndash delegados ndash os quais acusa de abuso de
poder Repete-se aqui nada mais que o sistema estamental de que nos fala
Raimundo Faoro em que o poder se apresenta na figura do funcionaacuterio do governo
como o governo Natildeo um representante do Rei mas se tornando um rei local em
miniatura (FAORO 2004) Alencar chama particular atenccedilatildeo para as financcedilas que
nomeia como ldquoforccedilas musculares da naccedilatildeordquo (ALENCAR 2009 p24) Alude aos
gastos com armamentos supeacuterfluos (no caso armamentos jaacute sem valor para uso)
destinados a uma raacutepida deterioraccedilatildeo e as dificuldades tambeacutem em consequecircncia
da guerra de conseguir alguma credibilidade financeira das naccedilotildees europeias o que
afetaria ndash e oneraria ndash as importaccedilotildees de maneira geral e tambeacutem as negociaccedilotildees
dos empreacutestimos contraiacutedos no exterior que datavam da eacutepoca de D Pedro I
referentes ao reconhecimento do Brasil como independente e a indenizaccedilatildeo de
Portugal Reconhece que a alta no preccedilo do algodatildeo e a receita gerada natildeo chegam
para sustentar tantas e tatildeo altas despesas visto que as boas safras natildeo satildeo
constantes e a paz conseguida nos Estados Unidos acabaria por determinar uma
queda de preccedilos Esclarece ainda sobre uma crise nas duas maiores fontes de
renda do Estado o comeacutercio ldquojungido a uma liquidaccedilatildeo forccedilada que principiou em
10 de setembro de 1864 e terminaraacute ningueacutem sabe quandordquo (ALENCAR 2009 p25)
e a agricultura ldquoameaccedilada pela questatildeo magna da emancipaccedilatildeo que avanccedila a
grandes passos e estremece ateacute o intimo a sociedaderdquo (ALENCAR 2009 p 25)
O missivista acha por bem terminar a segunda carta com um leve ldquosolavancordquo no
imperador conclamando-o agrave luta em dois paraacutegrafos exemplares
Quando um povo livre abdica o pleno exerciacutecio da soberania eacute dever imperioso do monarca seu primeiro representante assumir essa grande massa inerte de poder para evitar que ela seja dissipada por um grupo de ambiciosos vulgares
Ache ao menos a liberdade que desertou a alma sucumbida da paacutetria um abrigo agrave sombra do manto imperial para que natildeo morra conspurcada nos tripuacutedios da anarquia (ALENCAR 2009 p 26)
Faltava que D Pedro II tomasse as reacutedeas da situaccedilatildeo Alencar entende que essa
sociedade constitucionalista eacute responsabilizada pela maacute administraccedilatildeo visto que os
governantes tambeacutem fazem parte do contrato e devem dar conta de suas accedilotildees sob
pena de serem substituiacutedos Afirma novamente o Alencar que o povo apoiaria o
Imperador em sua accedilatildeo e esperava mesmo por isso Alencar alude mais uma vez
a uma velha foacutermula conservadora de que o imperador reina governa e administra
(Carvalho 2007)
O missivista eacute duro na criacutetica com o periacuteodo chamado conciliaccedilatildeo Uma ldquocorrupccedilatildeo
geral dos partidos () dissoluccedilatildeo dos princiacutepiosrdquo (ALENCAR 2009 p30) da proacutepria
existecircncia da democracia Classificando conciliaccedilatildeo como um termo honesto e
decente para qualificar ldquoa prostituiccedilatildeo poliacutetica de uma eacutepocardquo (ALENCAR 2009
p30) Alencar enxergava aleacutem de sua criacutetica uma dificuldade criada pela
conciliaccedilatildeo para a eleiccedilatildeo de novos quadros para a Cacircmara e consequentemente
os ldquoarranjosrdquo eleitorais para o Senado cargo a que ele pretenderia poucos anos
depois (sua situaccedilatildeo como bacharel lhe garantiu ateacute o momento um emprego como
jornalista e uma mesa em um escritoacuterio de advocacia)
Os partidos segundo ele seriam a miliacutecia da naccedilatildeo entende ele que o povo deve
participar e fiscalizar o legislativo satildeo eles que garantem a existecircncia e a preservam
instituiccedilotildees da monarquia e do povo Em outro momento ao se referir novamente
agraves coalizotildees que se seguem ano apoacutes ano no parlamento questiona com espanto
como pode ser que ldquocidadatildeos individualmente probos e cordatos se consolidam
assim com a escoacuteria em uma liga monstruosa que humilha a cada um no recesso
da consciecircnciardquo (ALENCAR 2009 p36) A criacutetica de Alencar mostra menos sua
preocupaccedilatildeo com a democracia sustentada pelas ideias de partidos diversos em
uma luta pelo poder princiacutepio baacutesico do liberalismo que a preocupaccedilatildeo com a
homogeneizaccedilatildeo das ideias que pode dar mais espaccedilo para grupos diversos
alcanccedilarem cargos na administraccedilatildeo puacuteblica
Segundo Carvalho (2007) a liga natildeo foi propriamente um partido mas uma
orientaccedilatildeo poliacutetica e Alencar a considerava como um ldquomomentordquo da conciliaccedilatildeo
Nada mudaria afinal As eleiccedilotildees continuariam a serem compradas com as
ldquoceacutedulas pagas agrave vista ou descontadas com promessas de pingues empregos e
depreciadas condecoraccedilotildeesrdquo (ALENCAR 2009 p37) O circo estava posto os
comiacutecios apresentados como espetaacuteculos nos teatros puacuteblicos a imprensa tatildeo
ldquobem desenhada nesta grande capital que mata as folhas poliacuteticas e soacute fomenta as
gazetas industriaisrdquo37 (ALENCAR 2009 p37)
Termina a carta de 03 de dezembro desiludido mas natildeo sem lanccedilar seu bilhete da
sorte
O povo inerte os partidos extintos o parlamento decaiacutedo Restam eacute verdade alguns cidadatildeos eminentes abrigados na tribuna vitaliacutecia como as reliacutequias do senado romano esperam tranquilos em suas curules o momento de morrer com a liberdade que amaram (ALENCAR 2009 p37)
O Senado eacute visto aqui como a instituiccedilatildeo merecedora de creacutedito dentro de tudo o
mais que foi criticado Mas seraacute que os olhos do missivista natildeo procuravam jaacute por
uma cadeira naquela casa
A carta datada de 09 de dezembro inicia derramando louros sobre a cabeccedila de D
Pedro II Alencar chega a chama-lo pelo epiacuteteto de Rei sol logo depois se corrigindo
(se eacute que isso seja possiacutevel) e tratando de conduzir a luz do imperador do Brasil
para longe da referecircncia de Luiz XIV ndash seria ele ldquoo foco brilhante que rege todo um
sistema e dardeja luz e calor para a naccedilatildeordquo (ALENCAR 2009 p39) O foco
realmente estaacute em criacuteticas puacuteblicas de que haja certa interferecircncia do imperador na
37 Alencar sabe que o leitor de poliacutetica busca os folhetos e pasquins comuns no periacuteodo O leitor de
jornais regulares busca outros atrativos Ele mesmo aumentou a venda da ldquoGazeta do Rio de
Janeirordquo enquanto seu soacutecio e editor com a publicaccedilatildeo de um romance de folhetim O Guarani
administraccedilatildeo (na maacute administraccedilatildeo) o que Alencar chama de modo de governo
pessoal responsabilizando o imperador pelos atos dos ministros apesar da
responsabilizaccedilatildeo expressa pela doutrina liberal de que o governante estaacute laacute para
exercer a soberania dada a ele pelo povo Cabe lembrar que pela constituiccedilatildeo do
Impeacuterio o Imperador natildeo poderia ser responsabilizado por suas accedilotildees A referecircncia
ao Rei Sol se daacute neste sentido pois a constituiccedilatildeo brasileira de 1824 no seu artigo
99 diz claramente que a pessoa do Imperador eacute sagrada e inviolaacutevel38 Ele natildeo estaacute
sujeito a responsabilidade alguma Eacute enquanto do exerciacutecio do Poder Moderador
que adviriam as responsabilidades Por vezes temos a impressatildeo de que Alencar
exagera sua veia romacircntica como uma forma pessoal de provocaccedilatildeo No momento
defende a postura de D Pedro
Minha convicccedilatildeo vai muito aleacutem Natildeo somente nenhuma influecircncia direta exerceis no governo mas vosso escruacutepulo chega ao ponto de frequentes vezes concentrar aquele reflexo que uma inteligecircncia satilde e robusta como a vossa deve derramar sobre a administraccedilatildeo (ALENCAR 2009 p 39)
Depois de alguns anos jaacute como Ministro Alencar se arrependeraacute dessas palavras
enquanto observa os muitos ldquobilhetinhosrdquo de D Pedro sobre sua mesa indagando e
bisbilhotando na pasta da Justiccedila Mas a verdade eacute que Alencar eacute um dos
defensores da responsabilizaccedilatildeo do monarca por seus atos recaindo esta (sendo
dividida) tambeacutem sobre o ministeacuterio O que determinaria o poder moderador como
limitado longe do despotismo de Luiz XIV Como um bom conservador Alencar eacute
dogmaacutetico e pessimista quanto as mudanccedilas que poderiam acontecer se o
Imperador natildeo se impusesse
Em um segundo momento compara D Pedro II a Jorge III da Inglaterra pela
inflexibilidade do caraacuteter e poder39 cita o episoacutedio em que depois de muitas
tentativas consegue sucesso com um ministeacuterio em que liberais e conservadores
trabalhassem juntos ldquona ceacutelebre coalizatildeo de North Fox Cavendish Keppel Burke e
outrosrdquo (ALENCAR 2009 p41) Mas laacute sustenta formaram-se ldquopartidos vigorosos
38
Conforme a CONSTITUICAtildeO POLIacuteTICA DO IMPERIO DO BRAZIL (DE 25 DE MARCcedilO DE 1824)
Disponiacutevel por exemplo em wwwplanaltogovbrccivil_03constituiccedilatildeo24htm 39 Jorge III foi cognominado ldquoo loucordquo por apresentar problemas de sanidade mental durante seu
reinado
que agrave inflexibilidade da coroa opunham a firmeza e rigidez de seus princiacutepiosrdquo No
Brasil ndash segundo Alencar - o parlamento estaacute entregue a homens preocupados com
seu poder e capacidade de enriquecimento esquecendo-se do povo e mesmo da
eacutetica que os deveria conduzir
Nesta carta volta a criticar as coalisotildees que se operam nas casas poliacuteticas inclusive
no conselho de Estado aonde chega a sugerir que estes (os conselheiros) estejam
em busca por ldquoapenas uma aliagem [sic] de individualidades na esperanccedila de
engrandecimento pessoalrdquo (ALENCAR 2009 p42) Critica tambeacutem a instituiccedilatildeo dos
Voluntaacuterios da Paacutetria acreditando ser uma forma de fragmentar a hierarquia dentro
do exeacutercito sugerindo algo feito a revelia de D Pedro II e a que este se aliaria
depois para agradar ao grupo
Apreciais devidamente o exeacutercito que ama com entusiasmo seu monarca e zeloso protetor Natildeo era possiacutevel que cogitaacutesseis um meio de desgostaacute-lo profundamente estabelecendo preferecircncias a favor de bisonhos soldados com pretericcedilatildeo de bravos veteranos cheios de serviccedilos e jaacute traquejadas pela vitoacuteria (ALENCAR 2009 p 43)
O imperador foi para Uruguaiana como o primeiro voluntaacuterio da paacutetria em um
exemplo de patriotismo e espiacuterito de lideranccedila e tentando tambeacutem criar um estado
de acircnimo geral no oficialato Aqui ainda natildeo estaacute o Alencar a se referir ao
recrutamento forccedilado de homens pelos presidentes das proviacutencias que viria mesmo
a criticar enquanto ministro como uma violaccedilatildeo da liberdade E por falar em
ministros a incompetecircncia destes ndash chamados por ele de ldquoefecircmerosrdquo - eacute ponto
paciacutefico Em sua criacutetica tambeacutem natildeo deixa de alfinetar o imperador garantindo que
os ministros fraacutegeis que satildeo ldquonatildeo ousariam tanto sem a certeza do apoio da coroardquo
(ALENCAR 2009 p42) Acusaccedilotildees de corrupccedilatildeo preenchem as vaacuterias paacuteginas das
cartas e indicam senatildeo cumplicidade ao menos consciecircncia do imperador sobre tal
situaccedilatildeo Alencar encena uma defesa mas ao mesmo tempo critica a praacutetica da
(podemos chamar) natildeo-interferecircncia no executivo por parte do Imperador Ao fim
qualquer atitude da coroa de accedilatildeo ou omissatildeo eacute objeto para o jogo de poder que se
daacute no parlamento
Em certo ponto da carta faz uma alusatildeo a Caxias chamado para o comando de
tropas no Rio da Prata A figura de Caxias - da parte que interessava ao Alencar -
era um poliacutetico respeitado vinculado ao partido conservador Surgindo como um
salvador da paacutetria exigia atenccedilatildeo do ministeacuterio e do Imperador No episoacutedio do
desentendimento com Zacarias de Goacuteis em 1868 entatildeo presidente do gabinete o
primeiro sairia vencedor mas sua vitoacuteria mudaria em muito os rumos da poliacutetica
nacional Mas por agora o ocircnus de um desenvolvimento deficiente das tropas na
guerra recaiacutea sobre o imperador Esta era a fala de Alencar e segundo ele ldquoesta eacute a
verdaderdquo (ALENCAR 2009 p47)
Na quita carta Alencar toma as figuras de Maquiavel e de Dacircmocles - uma
personagem da mitologia grega a quem se atribui uma faacutebula sobre a precariedade
do poder Nota-se ateacute aqui a facilidade com que Alencar se refere a mitologias
diversas indicando que o texto se dirige a um puacuteblico seleto No impeacuterio era uma
praacutetica a menccedilatildeo a mitologia greco-romana e a figuras biacuteblicas como forma de
demonstrar o domiacutenio de uma cultura letrada (o que eacute particularmente importante
para o Alencar que segundo Neto (2006) era visto com certo preconceito por ter se
formado em uma faculdade de Satildeo Paulo e natildeo na Europa como os membros mais
antigos do parlamento) A referecircncia a Maquiavel novamente serve para lembrar a
D Pedro II que o fim justifica meios e se omitir natildeo eacute a melhor atitude Ainda que
tratado em ldquocarta abertardquo a alusatildeo constante a capacidade intelectual do imperador
funciona como um indicativo (velado) da distacircncia cultural que o separa do povo
Natildeo soacute ele mas praticamente a totalidade da burocracia
A liberdade com que o texto constroacutei o periacuteodo criticando-o natildeo seria encontrada
(tampouco permitida) novamente tatildeo cedo Na repuacuteblica no Estado Novo e mesmo
em periacuteodos bem mais proacuteximos de noacutes a liberdade de imprensa natildeo seria algo
possiacutevel Um trecho da carta apresenta uma criacutetica agrave postura dos jornais sobre a
esquiva poliacutetica do imperador por ser tratado sem o devido respeito No Brasil do
segundo reinado o povo detinha a informaccedilatildeo ndash apresentada pelos veiacuteculos de
comunicaccedilatildeo - mas natildeo conseguia entende-la ou efetiva-la dada sua falta de
instruccedilatildeo O povo tambeacutem neste sentido vive agrave margem das discussotildees poliacuteticas
natildeo podendo entrar em suas aacuteguas tumultuadas Ou em suas margens natildeo se
preocupa com problemas abstratos mas com a realidade que observa no cotidiano
No trecho
Na parte natildeo editorial satildeo frequentes os artigos pagos com endereccedilo a vossa augusta pessoa Conteacutem eles queixas de indiviacuteduos de todas as classes sobre minudecircncias do expediente de empregados subalternos Apelam os suacuteditos para vossa autoridade agrave qual parecem ter devolvido
toda confianccedila e todo poder (ALENCAR 2009 p 53)
Nota-se aqui a preocupaccedilatildeo com o favor real O favorecimento individual O suacutedito e
D Pedro II deixava isto de certa forma impliacutecito poderia procurar o Imperador como
a um balcatildeo de queixas sobre as instituiccedilotildees puacuteblicas Alencar sabia que o povo
estava com D Pedro ldquoEste povo apaacutetico e indiferente agraves mais nobres funccedilotildees da
soberania ainda sente por vossa pessoa sinceros transportes () [sente no
imperador] o estandarte capaz de nestes tempos inertes levantar entusiasmos em
prol de uma causardquo (ALENCAR 2009 p50) quando da partida para Uruguaiana
alude a populaccedilatildeo que ldquo se aglomerou em vossa passagem agrave hora da despedida e
da voltardquo (ALENCAR 2009 p52) Mas o povo pouco importa para a elite Aqui o
povo ainda eacute visto como uma massa ignorante sendo mais uma questatildeo de poliacutecia
do que de poliacutetica Talvez este seja o sentido da frase em que se refere agraves elites
localizadas ldquonas camadas superiores da sociedade onde a luz penetra mais clarardquo
(ALENCAR 2009 p54) Se D Pedro II natildeo tiver uma atitude eneacutergica frente aos
acontecimentos e sobre a corrupccedilatildeo que assola o periacuteodo ndash utilizando-se do Poder
Moderador o que a constituiccedilatildeo permitia ndash seraacute responsabilizado no tempo Alencar
ainda profetiza ldquoA naccedilatildeo vos ama mas a histoacuteria vos julgaraacute com severidaderdquo
(ALENCAR 2009 p56) E continua em tom provocador aproveitando o momento
da guerra como mote para o discurso afirmando que ldquoo trono que a naccedilatildeo vos
confiou eacute um posto de honra Deveis a Deus e ao povo sua guarda severa Natildeo
podeis esquivar-vos a ela sob pena de deserccedilatildeordquo (ALENCAR 2009 p58)
Novamente Alencar afirma concordando com Hobbes a relaccedilatildeo da soberania que
eacute dada pelo povo ao soberano e dele espera um rumo para a sociedade
Para a sexta carta Alencar prefere iniciar em um tom mais ameno novamente
aludindo a ilustraccedilatildeo do imperador em contraposiccedilatildeo com a ldquoatoniardquo do povo O
problema continua no combate eacute ldquoa depravaccedilatildeo do organismo poliacutetico de que
resultou o amortecimento das crenccedilas a extinccedilatildeo dos partidos e a corrupccedilatildeo
espantosardquo (ALENCAR 2009 p59) que estaacute por toda a parte Qual seria questiona
agrave D Pedro II a causa do mal que assola o paiacutes A resposta que propotildee eacute a da falta
de educaccedilatildeo poliacutetica Nesse momento Alencar faz uma breve exposiccedilatildeo sobre a
monarquia parlamentar e o regime republicano e suas relaccedilotildees enquanto
representaccedilotildees do povo justificando que o povo brasileiro ldquoeste povo nobre e digno
das instituiccedilotildees que o regem este povo precoce para a liberdade pois ainda na
infacircncia colonial jaacute se eletrizava com ela natildeo foi educado como merecia para a
monarquia representativardquo (ALENCAR 2009 p61) Alencar tenta amalgamar as
propostas de educaccedilatildeo para o povo com o persistente discurso da tutela do povo
que caracteriza um traccedilo fortemente conservador Eacute o mesmo discurso que Alencar
propotildee para a manutenccedilatildeo da escravidatildeo de que o sistema escravagista teria a
funccedilatildeo de educar o escravo para o conviacutevio social Aqui preferimos acreditar que se
trata de uma estrateacutegia discursiva Este ldquopovordquo de quem fala parece ser o descrito no
paraacutegrafo seguinte
Em 1821 a independecircncia se fez no entusiasmo da liberdade O Brasil conquistou simultaneamente o governo dos brasileiros pelos brasileiros e o governo do povo pelo povo
Desde 1808 com a vinda do rei e a invasatildeo de Portugal a emigraccedilatildeo da metroacutepole para a colocircnia fora muito crescida havia pois ao lado da populaccedilatildeo nata uma populaccedilatildeo adventiacutecia mas jaacute ligada agrave outra por identidade de liacutengua laccedilos de sangue e relaccedilotildees domeacutesticas (ALENCAR 2009 p 62)
O povo eacute o modelo civilizacional trazido de Portugal (modelo europeu) e no caso da
independecircncia as elites que a sustentaram Percebemos que Alencar acreditava na
diferenccedila jaacute demonstrada anteriormente entre povo e plebe (BASILE 2006) A
imprensa segundo ele tenta trabalhar essa educaccedilatildeo poliacutetica para o povo
notadamente com ideias liberais Haacute de se considerar para o periacuteodo jaacute uma
geraccedilatildeo como o Alencar de poliacuteticos formados no Brasil com influecircncia de ideias
liberais A homogeneidade garantida pelo estudo em Coimbra havia sido deixada
nos tempos da colocircnia e os laccedilos entre os indiviacuteduos de proviacutencias diferentes que se
juntavam nas faculdades criadas no Brasil tendiam a aumentar o que deixava de
caracterizar um estamento e passava a transferecircncia das decisotildees para os grupos
socializados de forma diversa nos nuacutecleos brasileiros ndash principalmente o Direito para
a formaccedilatildeo das novas elites da burocracia Este foi o elemento de formaccedilatildeo poliacutetica
para a elite brasileira baseado na educaccedilatildeo Mas o povo soacute tinha acesso aos jornais
e outras poucas miacutedias impressas
Ao mesmo tempo mas tambeacutem sustentando o intelectual como parte da elite
poliacutetica Alencar traccedila um perfil da aristocracia brasileira Esta seria
Composta em geral de duas classes de pessoas os abastados de inteligecircncia e escassos de cabedais e os ricos de haveres mas pobres de ilustraccedilatildeo raros bem raros satildeo os que tecircm a forccedila de se conservar em sua oacuterbita Aqueles urgidos pela seduccedilatildeo do luxo e mesmo pela necessidade buscam nos altos empregos puacuteblicos e elevadas posiccedilotildees uma renda ou as facilidades de alianccedilas e estabelecimentos avantajados Estes pruridos pela vaidade se oferecem aos desejos dos primeiros em compensaccedilatildeo de graccedilas e consideraccedilatildeo (ALENCAR 2009 p6465)
Alencar confirma a necessidade de que (alguns elementos) sua geraccedilatildeo de
ldquobachareacuteisrdquo precisem vincular-se ao governo atraveacutes de cargos na burocracia como
uma questatildeo de sobrevivecircncia e associar-se a alguns grupos econocircmicos ldquoem
compensaccedilatildeo de graccedilas e consideraccedilatildeordquo (ALENCAR 2009 p65) Alencar tambeacutem
eacute um deles o que desmente seu discurso sobre os bens de o que chama de uma
ldquoempregocraciardquo (ou a fundamenta) Os grupos se modificam os poliacuteticos podem
mudar mas a situaccedilatildeo permanece uma aristocracia que manipula o povo inerte
Sobre a imprensa esta se tornou ldquoum luxo entre noacutes as leis fiscais a fizeram tal O
povo eacute pobre e natildeo pode pagaacute-la Alguns perioacutedicos aparecem com sacrifiacutecios
enormes que vegetam em estreito ciacuterculo e afinal acabam inanidosrdquo (ALENCAR
2009 p67) Eacute bem verdade que os pequenos natildeo conseguem sobreviver e
() as folhas diaacuterias de grande formato e circulaccedilatildeo essas constituem o feudalismo da publicidade Suas colunas abertas agrave concorrecircncia mal chegam para os abastados a emissatildeo das ideias ali importa uma despesa natildeo soacute de inteligecircncia e estudo mas do grosso cabedal (ALENCAR 2009 p68)
Esta imprensa ldquoque tem suas raiacutezes como suas ramificaccedilotildees na aristocracia
burguesardquo (ALENCAR 2009 p67) natildeo iraacute atacar a aristocracia Antes a ela se une
Entendemos aqui que a mesma imprensa que serviria a educaccedilatildeo do povo (segundo
Alencar) estaacute vinculada a aristocracia Reafirmamos que o povo que a tanto se
refere Alencar satildeo aqueles que possuem a cidadania confirmada certo grau de
educaccedilatildeo e renda Natildeo o grosso da populaccedilatildeo As ideias liberais pregadas natildeo satildeo
possiacuteveis para todos os homens Termina afirmando que ldquoo uacutenico meio eficaz de
salvar o paiacutes senhor eacute uniatildeo firme dos homens de bem de que sois o chefe
legiacutetimo contra a imoralidaderdquo (ALENCAR 2009 p67) Para onde deveremos ir se
Alencar deixou aqui poucas opccedilotildees para descobrir quem satildeo afinal os chamados
homens de bem Seriam estes os ldquohomens bonsrdquo do municiacutepio no periacuteodo colonial
(FAORO 2004) em uma roupagem mais nobre
Na seacutetima carta Alencar propotildee um estudo sobre a estagnaccedilatildeo em que se encontra
o paiacutes e sustenta que tal estudo deva abranger ldquoa importante questatildeo do sistema
segundo o qual deve funcionar a coroa na monarquia representativardquo (ALENCAR
2009 p69) Isto sem mexer na legislaccedilatildeo Seus fundamentos se assentariam sobre
a praacutetica e experiecircncia (uma experiecircncia que o teoacuterico Alencar ainda natildeo tem)
Busca uma justificaccedilatildeo baseando-se na ldquoliccedilatildeo fecunda do povo mestre em ciecircncia
governamental inventor do sistema representativo e seu modelordquo (ALENCAR 2009
p70) que sendo o imperador constitucionalmente o chefe do poder executivo
exerce sua qualificaccedilatildeo ldquohonoriacuteficardquo por meio dos ministros Investido de majestade
eacute chefe tambeacutem do judiciaacuterio o que se sustenta pelo simples fato de que em todos
os tribunais as sentenccedilas satildeo expedidas em nome do imperador No executivo os
ministros trabalham como um corpo uacutenico e ldquopodem levar para o conselho vaacuterios e
encontrados alvitres a respeito de uma questatildeo importante Na discussatildeo os
argumentos satildeo desenvolvidos e ponderadas as objeccedilotildees Afinal () constroem
uma opiniatildeo meacutedia que natildeo sendo de nenhum ministro individualmente seja a do
ministeacuteriordquo (ALENCAR 2009 p71) A solidariedade eacute o princiacutepio de coesatildeo do
grupo
Em todo momento propiacutecio Alencar toma a Inglaterra como o princiacutepio exemplar
Natildeo por ser a naccedilatildeo mais poderosa e comercialmente mais proacutexima do Brasil nem
mesmo pelo modelo civilizacional que a burguesia brasileira do periacuteodo toma da
Inglaterra mas pela reduzida forccedila que o monarca tem frente ao parlamento que eacute a
tocircnica de Locke Rousseau e Mill Apesar das palavras elogiosas e galanteadoras do
missivista seu intuito eacute o de fazer ver a D Pedro II sua ldquoobrigaccedilatildeordquo de interferir no
sistema quando este estivesse falindo e reorganiza-lo para novamente deixa-lo
seguir sozinho Possibilidade que Alencar natildeo encontra tatildeo facilmente na Inglaterra
O que Erasmo quer afinal eacute a mudanccedila do grupo dirigente porquanto alude aos
atos do Imperador indicando uma postura eacutetica deste quanto ao uso do poder
Moderador Alencar tenta construir a ideia de que natildeo eacute o Imperador quem demite
um ministeacuterio mas ao curso de algum problema maior ldquoa dignidade de homens e
sinceridade de poliacuteticos exigem que incontinente deem e natildeo peccedilam sua demissatildeo
respeitosardquo (ALENCAR 2009 p73) em vista de que o poder lhes eacute delegado e o
Estado deve ter uma accedilatildeo menor em tal processo Eacute a soberania constituiacuteda na
figura do Imperador a consciecircncia ilustrada do povo Eacute para que ldquoo poder moderador
acompanhe de perto a trilha da administraccedilatildeo e observe seus rumos que ele foi
instituiacutedo chefe titular do executivordquo (ALENCAR 2009 p73) Alencar entende que o
poder emana do povo e o Estado deve funcionar antes como um organizador do
desenvolvimento da naccedilatildeo mais uma proposta liberal para a administraccedilatildeo do paiacutes
Para Alencar os dois partidos se alternavam nos gabinetes mas nenhum deles
consegue tempo bastante para realizar seus projetos Alternavam-se e quando no
poder veem-se ldquoesterilizados pela resistecircncia demasiada que encontravam na
moderaccedilatildeo e prudecircncia da coroardquo (ALENCAR 2009 p77) para a realizaccedilatildeo de
necessaacuterias mudanccedilas que pudessem criar um dinamismo na administraccedilatildeo puacuteblica
Um dinamismo que oferecesse uma maior liberdade de investimentos para o
desenvolvimento da naccedilatildeo Mas isso tambeacutem eacute culpa segundo ele da
desorganizaccedilatildeo ideoloacutegica dos partidos e de sua situaccedilatildeo de distanciamento das
bases populares (se eacute que houvesse) O monarca representa o poder nacional
situado acima do sistema que ldquoplaina sobre os outros meros poderes poliacuteticosrdquo
(ALENCAR 2009 p79) O termo poder nacional explica Alencar eacute usado para
designar ldquoa quase comunidade em que se acha com a naccedilatildeo Nele reside uma parte
da soberania popular que se isolou em princiacutepio e se consolidou nessa grande
individualidade a fim de resistir aos desvarios da opiniatildeordquo (ALENCAR 2009 p79)
Alencar falando das instituiccedilotildees lembra os liberais de 1834 que extinguiram o
conselho de Estado eliminando assim o elemento aristocraacutetico que se agarrava a
coroa Alencar sugere que ldquoos atos do poder moderador satildeo de exclusiva
competecircncia vossa [do Imperador] para exercecirc-los natildeo dependeis de agentes e
atualmente nem de conselhordquo (ALENCAR 2009 p81) Mas se observarmos bem
como nos mostra Carvalho (2009) o conselho de Estado apesar de natildeo muito
solicitado e de a despeito de tudo tratar de assuntos em sua maioria sem uma
significacircncia maior era um oacutergatildeo consultivo importante que garantiria uma visatildeo
realista de problemas praacuteticos a que o Imperador provavelmente natildeo tinha acesso
como na deposiccedilatildeo do ministeacuterio Zacarias de Goacuteis Ali o conselho foi olvido e
opinou apesar da decisatildeo final ser de D Pedro II este seguiu o voto dos
conselheiros Mesmo sendo a escolha para o cargo de conselheiro uma
competecircncia exclusiva da coroa e provavelmente D Pedro II natildeo viria a escolher
algueacutem de quem natildeo quisesse ouvir a opiniatildeo tendendo assim a formaccedilatildeo do
conselho para um formato que estivesse mais proacuteximo do temperamento do
imperador e de suas pretensotildees o proacuteprio ato de consulta sugere uma anaacutelise mais
apurada das diversas situaccedilotildees e assuntos (CARVALHO 2007)
O poder moderador eacute uma das bandeiras de Alencar E segundo ele emana
tambeacutem do povo Escreve que ldquo() o poder moderador eacute a consciecircncia ilustrada do
povo [Esse povo] que aceitou a lei fundamental de 25 de marccedilo de 1824 tinha sem
contestaccedilatildeo o direito soberano de a revogar apenas se convencesse que natildeo era a
mais proacutepria para sua felicidaderdquo (ALENCAR 2009 p82) Novamente colocando o
ldquopovordquo enquanto seus representantes A defesa da monarquia constitucional
baseada na lei com os poderes cedidos pelo povo a um governante escolhido Mas
os senadores e mesmo os deputados com poder constituinte estavam muito
distantes do proclamado povo das cartas de Erasmo Em determinado ponto
Alencar chega a defender que ldquoa forccedila ativa do poder moderador eacute
sobreconstitucionalrdquo (ALENCAR 2009 p88) o que parece incoerente com uma
monarquia constitucional Admitindo que este possa dissolver o legislativo demitir
ministeacuterios afirma que ldquonenhum poder nem mesmo o povo tem no domiacutenio da
constituiccedilatildeo faculdade igualrdquo (ALENCAR 2009 p89) D Pedro I aprovaria tais
medidas
Todos os atos do soberano se entendidos como atos do povo soacute levariam o paiacutes
novamente para o absolutismo para a ideia gasta que o proacuteprio Alencar sugere na
carta anterior de que ndash o povo sou eu - o Estado sou eu E todo o resto quando
chama D Pedro II pelo epiacuteteto de rei sol Aqui temos a face do intelectual utilizando-
se de seu texto complexo como uma arma totalmente associado com as elites
dirigentes e servindo de instrumento para sua justificaccedilatildeo Em uma das romacircnticas
figuras que toma compara D Pedro II ao profeta biacuteblico Josueacute indicando que ldquoo
profeta recebia sua possanccedila de Deus o imperador a recebe da leirdquo (ALENCAR
2009 p92) Mas de qual lei se jaacute indica anteriormente ser o poder moderador
sobreconstitucional O que se vecirc eacute que a lei eacute mais um instrumento modificaacutevel pra
justificar a permanecircncia no poder mais uma caracteriacutestica de adequaccedilatildeo do
liberalismo as necessidades das elites locais no poder Alencar como advogado
bem sabe o que escreve
Ao iniciar a nona carta Alencar se apresenta como a voz da consciecircncia do
Imperador o seu pensamento em forma sensiacutevel uma intimidade que o desperta O
tom pressupotildee uma intimidade que jaacute teria sido conquistada com na sequencia das
cartas Faz uma apologia da aristocracia tomando-a como ldquoum elemento infaliacutevel e
salutar no governo e na sociedaderdquo (ALENCAR 2009 p95) Acredita que sem este
estiacutemulo a ldquoelevaccedilatildeo a humanidade ficaria eternamente jungida agrave sua animalidaderdquo
(ALENCAR 2009 p95) Mas eacute preciso conter o poder da aristocracia A monarquia
deve tirar ldquoa esse elemento o privileacutegio de casta que o torna odioso e absurdordquo
(ALENCAR 2009 p95) Defende aqui a aristocracia burocraacutetica com vistas agrave
defesa da monarquia constitucional visto que o monarca a serviccedilo das leis estaria
limitado por esta aristocracia que determina tais leis e essa aristocracia seriam os
elementos do povo fazendo parte do legislativo
Jaacute eacute passado o tempo de D Pedro I que entendia dever seguir a constituiccedilatildeo se
esta estivesse a sua altura (querendo dizer se estivesse conforme seu gosto
pessoal) Os tempos satildeo outros e o Imperador eacute uma peccedila do sistema poliacutetico
escolhido pelas elites para a naccedilatildeo que se forma a partir da independecircncia
(CARVALHO 2007) Eacute preciso dar elementos legais para que o paiacutes se desenvolva
e crie mais riqueza com uma intervenccedilatildeo menor do Estado e ao mesmo tempo natildeo
se modifiquem as condiccedilotildees estaacuteveis conquistadas pelas elites no poder Eacute o traccedilo
que caracteriza o periacuteodo uma postura liberal e ao mesmo tempo conservadora
como modelo ideoloacutegico a ser construiacutedo Um traccedilo caracteriacutestico eacute o sistema de
captaccedilatildeo de intelectuais para os quadros da burocracia que segundo Alencar eacute
uma necessidade Explica ele que
A nossa aristocracia eacute burocraacutetica natildeo que se componha somente de funcionaacuterios puacuteblicos mas essa classe forma a sua base agrave qual adere por alianccedila ou dependecircncia toda a camada superior da sociedade brasileira
Para o desenvolvimento espantoso que tem esse corpo oficial entre noacutes natildeo concorre como pensam o nuacutemero dos empregos mas sim a tendecircncia absorvente da administraccedilatildeo a par da falta de iniciativa particular (ALENCAR 2009 p96)
O Estado gera os empregos para absorver a oferta que cria com os cursos
superiores eacute preciso que se crie uma elite que vaacute administrar o paiacutes eacute certo mas
tudo depende da accedilatildeo do Estado Alencar em um feliz paraacutegrafo delineia suas
pretensotildees poliacuteticas com um pedido que elogiando anteriormente as geraccedilotildees mais
jovens e sua capacidade de adaptaccedilatildeo a adversidade sugere
Volvei os olhos em torno senhor e procurai um homem superior que se tenha elevado do seio do povo na robustez de suas crenccedilas na virgindade de sua inteligecircncia na amplitude enfim de sua personalidade
Natildeo o encontrareis eu vos garanto (ALENCAR 2007 p 97)
Quando sugere um novo nome a sugestatildeo jaacute estaacute feita Mesmo acrescentando no
paraacutegrafo seguinte que natildeo se conseguiria encontrar a construccedilatildeo coloca o criacutetico
como a escolha acertada para a resoluccedilatildeo do problema Eacute um efeito da carta aberta
todos tecircm direito a uma opiniatildeo A opiniatildeo ldquopuacuteblicardquo que tanta preocupaccedilatildeo leva ao
Imperador E mesmo esta pode ser manipulada (se natildeo o eacute) visto que segundo
sua criacutetica ldquoa burocracia fabrica a opiniatildeo puacuteblica no Brasil [considerando que] os
jornais como tudo neste impeacuterio vivem da benevolecircncia da administraccedilatildeordquo
(ALENCAR 2009 p96) com subvenccedilotildees que lhe indicam o caminho dos editoriais
A aristocracia tomada aqui por Alencar se refere ao que chama de melhores
indiviacuteduos escolhidos entre todos e o criteacuterio para a escolha seria o voto A elite
portanto eacute determinada pelo voto pela democracia representativa concordando
com as propostas do liberalismo com os tracircmites que a lei determina caccedilando e
permitindo o exerciacutecio do voto para um grupo determinado a quem eacute possiacutevel
exercer ldquofraccedilatildeo de soberania ativa reservada a cada individualidaderdquo (ALENCAR
2009 p98) a partir de uma seacuterie de regras estas tambeacutem determinadas por esta
aristocracia burocraacutetica
Alencar sugere que o gabinete estaacute dominado por esta burocracia Apesar das
escolhas dos ministros incidirem em uacuteltima instacircncia sobre o Imperador qualquer
que seja ela ldquoquaisquer que sejam os nomes por voacutes escolhidos senhor caracteres
iacutentegros vontades riacutegidas o corpo oficial logo os absorve e amalgama () [pois soacute]
vive pensa e governa no Brasil o espiacuterito burocraacuteticordquo (ALENCAR 2009 p99) O
parlamento impede que haja mudanccedilas que natildeo sejam de interesse das elites no
poder esta eacute a base da corrupccedilatildeo de que fala nosso missivista
Na uacuteltima carta desta seacuterie Alencar sugere que o cidadatildeo comum espera do
imperador atitude firma e severa frente ao estado de coisas que se apresenta Haacute
segundo ele uma necessidade de rdquorestauraccedilatildeo dos costumes e das leisrdquo
(ALENCAR 2009 p106) E eacute papel de D Pedro II comandar este movimento de
centralizaccedilatildeo ldquoA flor do paiacutes se reuniraacute ao redor do trono Esse haacute de ser vosso
partido o grande partido nacional da regeneraccedilatildeordquo (ALENCAR 2009 p107) eacute o
movimento a que aludimos da tradiccedilatildeo inventada outro lugar no tempo em que
sendo ldquoo Brasil () menor haacute vinte anos poreacutem estava entatildeo mais alto porque na
sumidade que domina o trono brilhavam os grandes nomes de nossa histoacuteriardquo
(ALENCAR 2009 p112) Eacute ali que o modelo de monarquia parlamentar
constitucional brasileiro cria um momento ilusoacuterio de estabilidade de cuja substacircncia
segundo o missivista devem sair os novos partidos poliacuteticos Eacute o periacuteodo
demarcado nos vinte anos nos conduz a 1845 onde o partido conservador volta
novamente a direccedilatildeo do Estado O apelo ao princiacutepio moral fundador de uma naccedilatildeo
que deve ser representado pela figura do imperador como seu protetor perpeacutetuo
define o modelo para os novos partidos que a partir daiacute seriam criados Partidos que
soacute poderatildeo refletir nesse caso as direccedilotildees dadas pelo trono Natildeo haacute no discurso
de Alencar a existecircncia de um lugar fora da ideologia
332 AO POVO AO REDATOR DO DIAacuteRIO DO RIO DE JANEIRO (ALENCAR
2009 p114-220)
Em junho de 1866 Alencar inicia outra seacuterie de cartas agora endereccediladas ao povo
Apesar de tratarmos do gecircnero ldquocarta abertardquo e sua funccedilatildeo primordial seja a
informaccedilatildeo do ldquopovordquo (no caso de um grupo relativamente grande) determinar
assim o destinataacuterio pressupotildee que a seacuterie de cartas anteriores endereccediladas ao
Imperador formam um todo com o novo conjunto em que Alencar se propotildee a ser o
elo entre o povo e o poder (GRANSCI 1989) Como Alencar havia sugerido no
conjunto anterior das cartas o poder moderador ndash nas matildeos do Imperador ndash seria o
instrumento de representaccedilatildeo do povo Em suas palavras ldquoO poder moderador eacute o
eu nacional a consciecircncia ilustrada do povordquo (ALENCAR 2011 p75) Entatildeo eacute das
obrigaccedilotildees e dos limites do poder moderador que tratamos
A estrateacutegia eacute a mesma Inicia seu discurso profetizando o fim da forccedila vital que
sustenta a naccedilatildeo afirmando que houve um tempo em que se poderia esperar do
trono soluccedilatildeo para segundo Alencar tamanha calamidade que vem afligindo o paiacutes
A guerra do Paraguai segue com quantidade enorme de baixas e percebe-se a
tristeza dos ldquochefes das famiacutelias brasileiras () como pais que geram a prole para a
desgraccedilardquo (ALENCAR 2009 p128) Os gastos com a guerra trazem ldquoa miseacuteriardquo para
esse paiacutes de tantos recursos ldquoRumores surdos assomos de impaciecircncia das
classes inferiores circulam a cidade () tais ecos anunciam profundos
ressentimentos do espiacuterito puacuteblicordquo (ALENCAR 2009 p128) Alencar acusa ao
gabinete de indiferenccedila frente agrave situaccedilatildeo contando com a conivecircncia (passiva) do
trono o que gera insatisfaccedilatildeo por parte da populaccedilatildeo pelos rumos da guerra O
apelo direto a famiacutelia aqui eacute muito representativo Carlo Buacutessula (1997) lembra que a
famiacutelia - e o indiviacuteduo pertencente a tal famiacutelia - existem antes do Estado E que a
autoridade deste lhe eacute outorgada pela famiacutelia e pelos indiviacuteduos que a compotildeem O
vocaacutebulo naccedilatildeo ainda segundo Buacutessula eacute derivaccedilatildeo do latim ldquonatiordquo que
entendemos por nascer Refere-se a um conjunto das famiacutelias ndash e suas lideranccedilas ndash
nascidas em determinada regiatildeo constituindo um grupo social de certa
homogeneidade e que partilha de uma cultura um domiciacutelio uma condiccedilatildeo de
pertencimento Podemos observar mesmo em textos mais antigos como em
Aristoacuteteles (1998) a afirmaccedilatildeo de que o Estado eacute uma reuniatildeo de famiacutelias Daiacute
podemos estender o pensamento e considerar as bases legais (neste periacuteodo) para
um ldquopaacutetrio poderrdquo O liacuteder de uma famiacutelia com sua extensatildeo a parentes agregados
e escravos tem sua autoridade como senhor depois a autoridade material que se
apresenta tambeacutem em relaccedilatildeo a sua mulher e a procriaccedilatildeo dos filhos e a
acumulaccedilatildeo de riqueza para o sustento do grupo ao qual eacute responsaacutevel Chegando
mais proacuteximo as relaccedilotildees entre Estado e Famiacutelia e seu pertencimento a terra ao
domiciacutelio e a busca pela liberdade podem ser relacionadas com as lutas dos barotildees
na Idade Meacutedia com o rei Joatildeo sem terra pelo reconhecimento de seus direitos da
liberdade e da aplicaccedilatildeo da justiccedila Aqui temos um contiacutenuo processo histoacuterico e
poliacutetico de superaccedilatildeo e no mesmo tempo conservaccedilatildeo dessa comunidade natural
que culmina no Estado nacional como um resultado da vontade desta comunidade
(CHAUIacute 1997)
Da mesma forma que Alencar se dirigiu ao Imperador comenta ele agora se dirige
ao povo para que este se levante de sua letargia e por fim ldquoacorde para defender o
patrimocircnio sagrado de suas liberdades e gloriosas tradiccedilotildeesrdquo (ALENCAR 2009
p131) No momento se define como um arauto que iraacute ldquofalar ao povo brasileiro e
proferir verdades que ele nunca ouviu nem de seus ditadores nem de seus
tribunosrdquo (ALENCAR 2009 p131) O interessante ndash devemos ressaltar - eacute que natildeo
haacute uma seacuterie de cartas endereccedilada ldquoao legislativordquo ou mesmo ldquoao senadordquo Tanto
Hobbes quanto Locke e Rousseau ndash cada qual a seu modo ndash defendiam a presenccedila
do parlamento O movimento em Alencar parece passar do povo diretamente ao
imperador deixando ao largo as instituiccedilotildees democraacuteticas40 como no absolutismo
em que o trono justifica todas as suas accedilotildees despoacuteticas justificada como para o
bem do povo a revelia de uma constituiccedilatildeo abonando sua intenccedilatildeo como a de
ldquorenovar a alianccedila da realeza com a democracia Quero restituir o monarca e o povo
um ao outrordquo (ALENCAR 2009 p131)
A primeira estrateacutegia de Alencar eacute delimitar o que acredita ser o povo ldquopor povo
entendo o corpo da naccedilatildeo sem distinccedilatildeo de classes excluiacutedos unicamente os
representantes e depositaacuterios do poderrdquo (ALENCAR 2009 p133) Apesar da
distacircncia que o vocabulaacuterio rebuscado constroacutei do povo a fala eacute justificada Os
depositaacuterios do poder deixam de ser uma categoria do povo por estar distante diste
econocircmica e culturalmente distante mas por que os representantes Nas cartas ao
imperador a camada de poliacuteticos (representantes) era a chaga que deveria ser
extinta ndash pelo menos alguns mas a atividade representativa natildeo deve distinguir o
poliacutetico do povo pelo menos eacute o que sustenta No paraacutegrafo seguinte toma o tom de
paraacutebola anunciando que mesmo os de menor capacidade no seio do povo
poderiam compreendecirc-lo
Aos grandes como aos pequenos falarei a linguagem que me deu a natureza compreendam-me os capazes pelo raciociacutenio os ignorantes pela intuiccedilatildeo misteriosa que em todos os tempos haacute inoculado a verdade no seio das massas
Carecia dizer-vos estas coisas (ALENCAR 2009 p 133)
Alencar se potildee acima das instituiccedilotildees para anunciar que o povo como no
movimento de 1834 ndash e provavelmente atraveacutes das verdades que este lhes diraacute nas
proacuteximas cartas ndash eacute o agente da mudanccedila do paiacutes corrompido Eacute bom lembrar o
conteuacutedo ideoloacutegico que tais afirmaccedilotildees carregam
As Ideologias surgem normalmente em periacuteodos de crise quando a visatildeo do mundo dominante natildeo consegue satisfazer novas e pressionantes necessidades sociais e pedem imperiosamente aos proacuteprios seguidores uma transformaccedilatildeo total da sociedade ou um afastamento dela (BOBBIO
40 Natildeo trata aqui das habituais ldquovisitasrdquo que o Imperador recebia de seus suacuteditos pedindo
empregos pedindo vetos a algum projeto ou perdatildeo de diacutevidas O discurso de Alencar eacute
intencional e bem planejado Indica realmente uma criacutetica agrave intromissatildeo de D Pedro em
determinados assuntos de responsabilidade do parlamento
1998 p 588)
Alencar conclama o povo para que este busque com sua forccedila pressionar as
instituiccedilotildees e mesmo a monarquia na figura de D Pedro II a fim de encontrar
soluccedilotildees para os problemas que apresenta nas cartas A associaccedilatildeo feita pelo
primeiro conjunto (cartas ao Imperador) indica que ldquoo povordquo eacute tambeacutem responsaacutevel
e o discurso lembra sua soberania frente a seus representantes Como afirmamos
anteriormente uma das caracteriacutesticas da prosaiacutestica utilizada eacute a afirmaccedilatildeo de que
tudo depende de uma ordem interna e Alencar constroacutei por via do discurso tal
ordem O impacto que isso tem eacute provavelmente grande O espiacuterito conciliador do
brasileiro (CARVALHO 2007) jaacute comeccedila a ser construiacutedo junto com a estabilidade
vinda depois do periacuteodo regencial e o controle (para)militar das revoltas tendo seu
uacuteltimo suspiro na Revolta da Praia Todos detidos alguns assimilados vaacuterios mortos
e esquecidos a centralizaccedilatildeo eacute uma meta e esta segue o caminho ditado pela
Corte no Rio de Janeiro
Alencar natildeo deixa sequer por um momento de fazer a associaccedilatildeo da coroa com o
povo sendo ele a justificaccedilatildeo para o poder moderador ldquodevo agrave majestade popular a
mesma franqueza que usei com a majestade imperialrdquo (ALENCAR 2009 p134)
Critica a condiccedilatildeo da populaccedilatildeo que natildeo recebe respeito por parte do Estado
afirmando que ldquoo cidadatildeo natildeo vale na medida de seus direitosrdquo (ALENCAR 2009
p135) o que eacute inaceitaacutevel para a teoria liberal claacutessica que vem da busca pela
liberdade Alencar afirma que soacute os que detecircm algum poder econocircmico possuem
direitos civis A liberdade do povo natildeo eacute respeitada Fala da guerra que
aparentemente deve continuar e da situaccedilatildeo moral e econocircmica que esta constitui
O governo toma da liberdade do povo tomando-lhe ldquoa substacircncia da vida ndash o
sangue o fruto do trabalho ndash o suorrdquo (ALENCAR 2009 p136) A poliacutetica do
recrutamento forccedilado da populaccedilatildeo eacute o tema inicial que leva o povo para ldquoeste
abismo para sorver milhares de vidas e os recursos de talvez um seacuteculo de
existecircnciardquo (ALENCAR 2009 p137) O povo aceitou ldquoa guerra com dignidade ()
mas no acircmago da consciecircncia nacional estaacute latente a indignaccedilatildeordquo (ALENCAR 2009
p137) Alencar nessa carta explora as ideias do liberalismo claacutessico quando fala da
relaccedilatildeo do povo com o Estado A busca da liberdade civil e poliacutetica os impostos
forccedilados para a manutenccedilatildeo da guerra o direito a vida e a felicidade tatildeo caros agrave
Bentham e Mill Como eacute possiacutevel um recrutamento forccedilado e como eacute possiacutevel que
algueacutem ndash praacutetica comum ndash possa mandar um escravo em seu lugar para sal a paacutetria
na qual o escravo natildeo tem direito a cidadania
O povo ldquocordato e brioso almejava eacute certo pela mudanccedila de nossa poliacutetica no Rio
da Pratardquo (ALENCAR 2009 p137) Alencar sustenta que
a poliacutetica de intervenccedilatildeo fora sobretudo filantroacutepica exprimia a caridade internacional de um povo por seus irmatildeos dilacerados () [que] o Brasil natildeo precisa do territoacuterio de seus vizinhos pois o tem de sobra e ubeacuterrimo tambeacutem natildeo eacute essencial para seu bem-estar a paz e equiliacutebrio das repuacuteblicas americanas (ALENCAR 2009 p138)
Eacute o momento da indignaccedilatildeo mas Alencar natildeo chega admitir que concorda com a
poliacutetica da coroa para a manutenccedilatildeo do territoacuterio tanto com guerras internas como
defendendo a fronteira sul do Brasil contra o inimigo externo Apresenta em favor
deste uacuteltimo argumento a ideia de que havia pendencias em aberto com as
Repuacuteblicas do Prata e que enfim a guerra poderia ser a soluccedilatildeo Mas tal guerra foi
incentivada pelo governo brasileiro sendo um de seus episoacutedios a missatildeo chefiada
por Joseacute Antocircnio Saraiva em maio de 1864 o executivo ldquosem ter obtido da
assembleia geral com os meios essenciais a aprovaccedilatildeo legislativardquo (ALENCAR
2009 p142) decide pela guerra e a populaccedilatildeo deve arcar com as consequecircncias
do ato apelando para a honra da naccedilatildeo sacrificada Alencar afirma que o legislativo
natildeo toma providecircncias (exigi-las do executivo) para tentar evitar a continuidade da
guerra ocupando-se de discursos vazios de sentido ldquoenquanto o paiacutes estorteja
deleitam-se na compostura de frases perluxas e nos guizos de suas ocas palavrasrdquo
(ALENCAR 2009 p145 A falta de accedilatildeo do Estado cria situaccedilotildees de
constrangimento para o paiacutes como os episoacutedios da questatildeo inglesa que jaacute
anunciavam a falta de tato poliacutetico da administraccedilatildeo puacuteblica De certo ldquoa eacutepoca
infeliz que vamos atravessando natildeo eacute realmente outra coisa senatildeo um grande e
longo desvario da razatildeo puacuteblicardquo (ALENCAR 2009 p146) a quem Alencar culpa
enfim a ascensatildeo da liga progressista entatildeo no governo
A guerra que sustentamos eacute desde sua origem um tecido de incongruecircncias
e desacertos Soacute haacute em toda ela de nobre digno e consolador a intrepidez de nossos marinheiros e soldados Virtude espontacircnea do homem e do povo produziu-se independente do governo e apesar dos esforccedilos adrede empregados para abafaacute-la (ALENCAR 2009 p 146)
A administraccedilatildeo da guerra para Alencar leva a inuacutemeros problemas Como a falta
de uma resposta de forccedila as humilhaccedilotildees sofridas pelo paiacutes as frentes de batalha
que enquanto lutam em uma fronteira
deixam o governo ao desamparo e franca aos paraguaios outra e importante fronteira abandonando assim criminosamente Mato Grosso agrave ruiacutena e assolaccedilatildeo () [Depois da] rendiccedilatildeo de Uruguaiana que fizemos ainda para desafronta da dignidade nacional agravada (ALENCAR 2009 p149)
A lenta marcha do exeacutercito agraves margens do Paranaacute daacute tempo agraves tropas inimigas de
abandonarem o local onde permanecem os aliados Aos jornais eram enviadas
notiacutecias de batalha para segundo Alencar acalentar a impaciecircncia puacuteblica sobre os
seus Quando enfim se alcanccedila o campo paraguaio
avanccedilamos apenas duas leacuteguas em territoacuterio inimigo e estacamos Invasor queda-se o grande exeacutercito agrave sombra da esquadra e natildeo avanccedila um passo Criou raiacutezes ali nos charcos pestiacuteferos que envenenam diariamente nossos bravos soldados (ALENCAR 2009 p152)
Falta comando agraves tropas de terra e mar o que acarreta maiores perdas humanas e
econocircmicas Alencar critica o tratado da triacuteplice alianccedila e o comando das tropas
brasileiras por militares argentinos sob as ordens do presidente Mitre e a falta de
empenho para a ldquopuniccedilatildeo dos desacatos feitos agrave nacionalidade brasileirardquo
(ALENCAR 2009 p155) chegando mesmo a acusar o estado de fechar os olhos
frente aos assassinatos perpetrados no acampamento contra os soldados
brasileiros e natildeo exigiam a pronta e severa puniccedilatildeo do crime com receio de
estremecer a alianccedila Eacute bom lembrar que um dos traccedilos do conservadorismo eacute o
nacionalismo Um nacionalismo que tem em certa medida ligaccedilatildeo com a
democracia
Falando da liberdade de pensamento
() eacute forccediloso que o Brasil mantenha seu nome de naccedilatildeo culta e de segunda grande potecircncia da Ameacuterica () [poreacutem] a poderosa liberdade do pensamento garantida pela constituiccedilatildeo brasileira a voz solene e vibrante do povo natildeo eacute de nosso paiacutes A imprensa e a tribuna existem entre noacutes por mera complacecircncia (ALENCAR 2009 p158)
A censura eacute constante em publicaccedilotildees desde a imprensa reacutegia uacutenica instalada no
paiacutes quando da vinda da Famiacutelia Real mas com D Pedro II isso se abreviou muito
a ponto do republicanismo ser discutido publicamente em clubes e jornais O
problema segundo ele eacute a incapacidade do povo em compreender os problemas
visto que ldquoa populaccedilatildeo jaz na indolecircncia ou estaacute ainda em geral submergida na
ignoracircncia o pensamento natildeo pode livremente circular Por maior forccedila que o
revista ele natildeo penetra jamais a flaacutecida superfiacutecie da indiferenccedilardquo (ALENCAR 2009
p159) o que faz com que natildeo seja possiacutevel uma transformaccedilatildeo das condiccedilotildees
sociais Alencar cumpre seu papel de intelectual como nos mostra Gramsci
enquanto busca incentivar o debate poliacutetico para elevar intelectual e moralmente
camadas cada vez mais amplas da populaccedilatildeo ou seja para dar personalidade a
massa Mas o que se tem quando da posiccedilatildeo completamente externa que Alencar
toma frente agrave populaccedilatildeo ele nega uma praacutexis transformadora desta e acaba por
atualizar a ideologia Quando critica o parlamento por exemplo em
Quanta influiccedilatildeo tem no paiacutes a aluviatildeo de palavras que diariamente se despenha da tribuna parlamentar ou se espraia na imprensa
Que peso exercem no espiacuterito puacuteblico as liccedilotildees da sabedoria e experiecircncia do conselho dos anciatildeos ou a palavra magistral e ungida pela sinceridade de um veneraacutevel Itaboraiacute ou de um provecto Pimenta Bueno (ALENCAR 2009 p 159)
A alusatildeo aos parlamentares que defendem os direitos do povo natildeo visa uma
transformaccedilatildeo mas apenas uma mudanccedila no grupo da elite que estaacute no poder
Visto que ndash no caso ndash tais direitos satildeo concessotildees Natildeo haacute uma discussatildeo com a
populaccedilatildeo sobre suas necessidades haacute - como pudemos notar - a resoluccedilatildeo de
problemas com vistas aos interesses das elites como por exemplo no caso do fim
do traacutefico de escravos e a aboliccedilatildeo que soacute vem a acontecer quando as elites
diretamente ligadas ao problema o permitem Ainda se vecirc traccedilos de preconceitos
herdados de uma aristocracia portuguesa no texto como uma natildeo valorizaccedilatildeo do
trabalho que natildeo seja intelectual como quando adverte ser necessaacuterio que o Brasil
mantenha-se frente aos problemas da guerra como um paiacutes civilizado ldquoou entatildeo se
reduza a uma terra de mercadoresrdquo (ALENCAR 2009 p152)
Alencar adverte ainda que ldquoo governo descansa pois tranquilo a este respeito [da
liberdade de pensamento] imprensa e tribuna satildeo inocentes folguedos para o nosso
povo menino Brincando esse jogo de liberdaderdquo (ALENCAR 2009 p160) que leva
somente a um vazio de accedilotildees Ilustra seu argumento dizendo que a Franccedila e ndash
querendo imita-la a Pruacutessia brevemente ndash concede aos suacuteditos o voto universal
Para o autor o voto universal ldquoeacute uma teteia poliacutetica semelhante agrave nossa imprensa
livrerdquo (ALENCAR 2009 p160) O autor defende o modelo de restriccedilotildees ndash censitaacuterio
no caso ndash para o sufraacutegio o que eacute mais um iacutendice de que o ldquopovordquo a quem Erasmo
dirige suas cartas eacute restrito e que a liberdade natildeo eacute para todos E ele mesmo
justifica afirmando que se for da vontade dos ldquodominadoresrdquo qualquer atitude ndash ou
projeto de revolta ndash que saia do povo poderia ser controlada mesmo ele
Um exemplo Estas cartas parecem a alguns dos nossos senhores inconvenientes a outros extravagantes Nenhum deles poreacutem afianccedilo ousaraacute contestaacute-las E para quecirc Basta-lhes soprar na doacutecil consciecircncia dos sateacutelites e em breve um sussurro se derrama pela cidade Esse sussurro natildeo diz mas infiltra de uma banda que estou fazendo a propaganda do absolutismo da outra que provoco o povo agrave revoluccedilatildeo (ALENCAR 2009 160)
E confirma a seguir em outro paraacutegrafo sua afirmaccedilatildeo mostrando que seu texto
natildeo tem tanta infiltraccedilatildeo como a ideologia reinante
A verdade poreacutem eacute que tais infiltraccedilotildees subterracircneas da aleivosia no espiacuterito pensante do paiacutes satildeo mais poderosas que a palavra eneacutergica do escritor atirada agraves turbas A chama desta se apaga caindo de arremesso no chatildeo a faiacutesca da outra vai se propagando sempre e surdamente O povo lecirc pouco mas escuta muito o que se diz em voz submissa (ALENCAR 2009 p161)
Em suma segundo Alencar eacute preciso ofertar uma educaccedilatildeo para o povo de forma
que este tenha maior consciecircncia de seu papel o que eacute um traccedilo liberal e ao
mesmo tempo sugere que no decorrer do processo o povo seja tutelado enquanto
natildeo alcanccedila uma maturidade intelectual e poliacutetica uma proposta decididamente
conservadora Alencar afirma que o povo teve sua histoacuteria recente marcada pela
revoluccedilatildeo e pela opiniatildeo Em todos os movimentos revolucionaacuterios teve de arcar
com consequecircncias que restringiriam sua liberdade Em 1824 a revolta de
Pernambuco foi logo contida Como consequecircncia D Pedro I com sua constituiccedilatildeo
liberal profana a liberdade prometida e cria as juntas militares Em 1831 com a
revoluccedilatildeo na Corte o povo triunfa sem um combate armado e aderia ao jovem
imperador Em 1837 o paiacutes sucumbe agrave anarquia que o partido liberal - entatildeo no
poder - natildeo consegue conter sendo salva a naccedilatildeo ndash segundo ele - pelo partido
conservador Em 1840 a revoluccedilatildeo imperial e o partido que a promove logo se vecirc
retirado do poder Levantando-se Minas e Satildeo Paulo em favor do partido Liberal
logo foram vencidos e ldquodas cinzas da revolta nasceram todas as leis homicidas da
liberdade que hoje nos parecem opressivas e naquele tempo foram salvadorasrdquo
(ALENCAR 2009 p163) Em 1842 a liberdade comeccedila a declinar vendo seu fim
proacuteximo em 1848 A liberdade eacute uma ilusatildeo ldquosagaz eacute a oligarquia que domina o
paiacutes [porque consegue] manter o povo na doce ilusatildeo de que eacute livrerdquo (ALENCAR
2009 p165) e assim sustentar uma poliacutetica de dominaccedilatildeo opressiva e constante
Ao povo falta a consciecircncia que gera a opiniatildeo
Alencar relata o episoacutedio das tropas inglesas na guerra da Crimeacuteia e a presenccedila de
um repoacuterter do jornal ldquoTimesrdquo no acampamento Sua presenccedila por um momento
censurada depois foi aceita como forma de ligaccedilatildeo entre a opiniatildeo puacuteblica e o
comando da guerra o que por fim salvaria a honra da Inglaterra na batalha com o
relato fiel do que via em seu cotidiano no campo de batalha Mas no Brasil a critica
natildeo eacute assim Aquele que ousa levantar ldquoa voz para arguir os erros deploraacuteveis
cometidos em uma guerra infauta eacute logo coberto com o baldatildeo e o insulto Seja
banido da paacutetria esse reacuteprobo poliacutetico ()rdquo (ALENCAR 2009 p170) desacreditada
sua accedilatildeo Para que natildeo sejam criados embaraccedilos ao governo sustenta ldquonatildeo se
deve preferir uma palavra ou balbuciar um receio [sobre a administraccedilatildeo da guerra]
() Esta heresia se escreveu na imprensa de um Estado livre ecoou em uma
tribuna que ainda chamam parlamentordquo (ALENCAR 2009 p171) funcionando como
uma poliacutetica de Estado que tenta manter a consciecircncia do povo distante dos
acontecimentos Eacute o tatildeo conhecido medo da revolta popular que assombra as elites
desde antes da independecircncia e tambeacutem para encobrir
o esbanjamento dos dinheiros puacuteblicos a dissipaccedilatildeo das forccedilas do Estado o atropelo erigido em atividade a ineacutercia com foros de prudecircncia [chegando a tanto descaso que] depois de um esbanjamento louco dos dinheiros puacuteblicos natildeo ter canhotildees para bombardear o inimigo e a ele () natildeo faltam armas aperfeiccediloadas de longo alcance (ALENCAR 2009 p177)
Eacute tal a quantidade de erros observados que causam extremo desacircnimo ao paiacutes O
atual gabinete41 eacute um dos responsaacuteveis ndash senatildeo o maior ndash devido ldquoa incoerecircncia
levada agrave infantilidade as contradiccedilotildees incessantes a negaccedilatildeo eterna de si mesmordquo
(ALENCAR 2009 p186) enquanto um grupo coeso causado por intrigas e
desafetos novos e antigos entre seus membros a falta de certo cuidado para tratar
com as possiacuteveis reaccedilotildees aos acontecimentos Natildeo deixa de criticar D Pedro II
novamente por natildeo tomar providecircncias para que tais conflitos internos e do gabinete
com a cacircmara dos deputados tenham um fim e o porquecirc disso tudo que ldquoeacute um
assunto digno da seacuteria meditaccedilatildeo do povordquo (ALENCAR 2009 p188) A
administraccedilatildeo da guerra foi deixada nas matildeos de seus agentes enquanto o
gabinete diz ter nestes a sua confianccedila tal o eacute que se permitem deixar-lhes livres
para desenvolver suas taacuteticas militares confirmam os ministros Estes uacuteltimos
estariam mais preocupados ndash segundo Alencar ndash em defender tais atitudes frente
aos parlamentares Sentindo-se esgotado desabafa em tom increacutedulo ldquoSoacute no
Brasilrdquo (a interjeiccedilatildeo faraacute histoacuteria)
Soacute no Brasil Escapou-me a palavra Soacute nesta eacutepoca desgraccedilada em que o Brasil desapareceu para deixar o lugar ao impeacuterio da alucinaccedilatildeo e desatino soacute durante esta siacutencope da razatildeo social torna-se possiacutevel a existecircncia de semelhantes desvarios e a jactacircncia de os haver praticado (ALENCAR 2009 p 194)
Desvarios permitidos senatildeo pela coroa e pela passividade do povo ldquoO governo natildeo
quer saber do que se passa nem faz a miacutenima exigecircncia Delegou sua razatildeo seu
dever seu pundonor no aacuterbitro supremo da Triacuteplice Alianccedilardquo (ALENCAR 2009
p196) a quem o tesouro brasileiro auxiliou ateacute na compra de armamentos
D Pedro II se guiaria pela opiniatildeo puacuteblica medida na publicitaccedilatildeo dos atos do
governo pelos jornais E os jornais da Corte nos garante Alencar jaacute estatildeo todos nas
41 Presidido pelo Marquecircs de Olinda Dura de 12051865 a 03081866
matildeos do ministeacuterio os partidos conservador e liberal a muito natildeo detecircm espaccedilos
nessas miacutedias Mas o imperador ldquoreconhece e sente mais no iacutentimo a crise perigosa
que oprime o paiacutesrdquo (ALENCAR 2009 p201) mas eacute tolerante com o executivo em
sua forma de administrar a coisa puacuteblica mesmo por que veria uma dificuldade de
montar outro gabinete no conturbado periacuteodo que se atravessa onde o partido
conservador se recolhe segundo ele ao silecircncio e ao repouso
Na nona carta Alencar anuncia por fim a dissoluccedilatildeo do gabinete de 12 de maio e a
subida de Zacarias de Goacuteis vinculado agrave liga progressista em 02 de agosto O que
resultaria em nenhuma mudanccedila significativa na conduccedilatildeo da poliacutetica do Estado e
confirmaria a ldquocompleta identificaccedilatildeo da coroa com a poliacutetica vigenterdquo (ALENCAR
2009 p210) Volta ao gabinete Acircngelo Muniz da Silva Ferraz que teve
desentendimentos anteriormente com Caxias sobre a conduccedilatildeo da guerra e que
aprovara - tambeacutem como ministro da guerra ndash o tratado da Triacuteplice Alianccedila e ldquoos
outros escolhidos entre os mais dedicados aderentes da poliacutetica progressista
presidente ou chefes da maioriardquo (ALENCAR 2009 p213) sob a forma de uma
grande conciliaccedilatildeo Zacarias entatildeo liderando o gabinete em 1864 que daacute o
ldquoultimatum de 4 de agostordquo (ALENCAR 2009 p218) iniciando - por assim dizer - os
trabalhos na guerra do Paraguai eacute justo estar ele ali para dar-se um fim a guerra
sugere Alencar conclui essa seacuterie de cartas a 06 de agosto afirmando que acredita
no fim da passividade do povo brasileiro e que se afastaraacute por algum tempo para
ver os resultados conseguidos pelo atual gabinete Mas natildeo muito tempo
Um aparte eacute necessaacuterio para o comentaacuterio a carta endereccedilada ldquoAo Redator do
Diaacuterio do Rio de Janeirordquo (ALENCAR 2009 p114-123) uacutenica datada de 12 de
janeiro de 1866 A resposta de Alencar a criacutetica sobre suas preferecircncias pelo
absolutismo Eacute uma carta breve na qual natildeo nos deteremos
Alencar ndash depois de um breve alento sempre educado ndash indica o teor da conversa
com seu sempre generoso adversaacuterio o redator do Diaacuteriordquo adversaacuterio pois no
momento se encontram em posiccedilotildees opostas e como os ponteiros de um reloacutegio
apontam suas ideias em direccedilotildees diferentes
Alencar escreve ao redator em resposta a uma criacutetica que recebe - enquanto
Erasmo - pelo conteuacutedo das cartas Acusado de fomentador do absolutismo vai a
puacuteblico em defesa proacutepria Indica com seu estilo caracteriacutestico ter sido viacutetima de
acusaccedilotildees como
Sou nada menos do que - ltlt o crocodilo feroz do despotismo disputando a admiraccedilatildeo dos poucos creacutedulos que ainda restam e os tecircnues almejos do magnacircnimo coraccedilatildeo do rei insonegtgt A reticecircncia natildeo eacute minha sim do indignado escritor que some-se por ela e logo apoacutes surge para mandar-me literalmente ao diabo sob a conduta de Erasmo (ALENCAR 2009 p 116)
Eacute a antiga histoacuteria do feiticcedilo contra o feiticeiro Alencar se expotildee publicamente mas
como jaacute pudemos perceber ateacute mesmo pela anaacutelise de sua curta biografia natildeo
admite criacuteticas a seu trabalho Manteacutem-se distante em uma posiccedilatildeo decididamente
superior aos outros (decidida por ele) mesmo em se tratando de seus iguais Tenta
ao longo da carta melhorar sua situaccedilatildeo admitindo que
Estes ecos da imprensa partidos de vaacuterios pontos e condensados aos surdos rumores que burburinham nos ciacuterculos da Corte satildeo indiacutecios de uma crise salutar Anunciam eles que a pena de Erasmo natildeo fez a autoacutepsia de um cadaacutever operou sobre corpo vivo e robusto onde satildeo prontas as reaccedilotildees (ALENCAR 2009 p116)
Admite que o absolutismo esteja presente mas vindo das elites no poder e em seus
mecanismos de comunicaccedilatildeo como a imprensa E talvez certa complacecircncia de D
Pedro II com a situaccedilatildeo quando afirma que
O absolutismo Quem natildeo o vecirc Natildeo convive ele conosco Onde a minoria subjuga a maioria aiacute estaacute a tirania seja de um seja de muitos Repimpado nas poltronas ministeriais espreguiccedilando-se nos sofaacutes da assembleia pedante nas reparticcedilotildees puacuteblicas risonho e sedutor na imprensa empertigado nos fardotildees mostra-se em toda a parte esse Proteu da nossa poliacutetica (ALENCAR 2009 p 118119)
Afirma que em resposta a acusaccedilatildeo releu o conteuacutedo de suas cartas e natildeo encontra
motivos ali para tal O que apenas admite eacute que
Quero a constituiccedilatildeo como foi escrita natildeo como a aleijaram Na constituiccedilatildeo aparecem bem distintos os trecircs princiacutepios cardeais da monarquia representativa a Coroa o povo e o elemento intermeacutedio ou misto que em falta de melhor termo chamo aristocraacutetico (ALENCAR 2009 p120)
Afirmando que de sua postura criacutetica visa os povos livres Infelizmente a criacutetica soacute
pocircde ser feita (ou admitida) de um dos lados De qualquer forma como jaacute viacutenhamos
demonstrando no decurso das cartas algumas similaridades do texto de Alencar
com as ideias de Hobbes podem fazer com que o Redator do Diaacuterio natildeo perca de
todo sua razatildeo Eacute visiacutevel mesmo para os contemporacircneos que Alencar toma o
partido de uma intervenccedilatildeo forte do Imperador em detrimento dos direitos e da
liberdade da maior parte da naccedilatildeo
333 AO MARQUEcircS DE OLINDA AO VISCONDE DE ITABORAHY (ALENCAR
2009 p223-254)
A carta endereccedilada ao Marquecircs de Olinda (ALENCAR 2009 p243-254) entatildeo
presidente do conselho e ministro dos negoacutecios do Impeacuterio inicia com a objetiva
epiacutegrafe ldquovou te interrogar e tu me instruiraacutesrdquo42 (ALENCAR 2009 p243) e se dirige
ao marquecircs com toda a reverecircncia que o romantismo da uacuteltima fase lhe permite
Olinda teve participaccedilatildeo no processo de independecircncia havia sido regente e
ministro Era uma figura respeitaacutevel no cenaacuterio poliacutetico brasileiro Formado em
Coimbra fazia parte de um grupo ao qual Alencar acreditava estar tempo demais no
42 Natildeo pudemos deixar de notar o erro indicado pelo revisor da epiacutegrafe Pois bem A epiacutegrafe
em latim refere ao livro de Joacute 33-3 como ldquoCinge como um valente os teus lombos vou te
interrogar e tu me instruiraacutesrdquo O revisor prontamente corrige a referecircncia que estaacute na verdade
em Joacute 38-3 Mas se entendermos a epiacutegrafe como mais uma das armadilhas de Alencar a
referecircncia dada por ele (incorreta no caso) mostra em Joacute 33-3 uma resposta ao versiacuteculo
anterior ou mesmo um indicativo para a continuidade da leitura da epiacutegrafe onde se vecirc ldquoAs
minhas razotildees sairatildeo da sinceridade do meu coraccedilatildeo e a pura ciecircncia dos meus laacutebiosrdquo Que eacute o
apregoado pelo missivista desde as primeiras cartas ao Imperador Ele como o arauto da
verdade Mas se quisermos acreditar no radicalismo e perversidade do Alencar seguiremos ateacute
Joacute 33-33 onde se lecirc ldquo escuta-me tu cala-te e ensinar-te-ei a sabedoriardquo Para Alencar filho de
um padre e extremamente conservador eacute possiacutevel entender o jogo de relaccedilotildees com os versiacuteculos
como um iacutendice para o iniacutecio de uma criacutetica ferrenha ao Marquecircs Eacute interessante lembrar sem
pretender se extender em tal ponto (que natildeo cabe aqui devido as limitaccedilotildees do trabalho) nas
observaccedilotildees de Chartier (1999) sobre o texto como forma literaacuteria e sua impressatildeo todo o
processo que acompanha o texto ateacute alcanccedilar o seu suporte as intervenccedilotildees de tipografia
graacutefica editores e mesmo erros que afetam o texto A recepccedilatildeo eacute sempre algo que deve ser
observado junto a uma criacutetica do texto e natildeo como um simples derivado deste
poder Compara seu trabalho com o de Vasconcelos Joseacute Clemente e Paranaacute
invoca Evaristo Feijoacute e Vergueiro tecendo uma trama de modelos ideais na qual
tentaraacute capturar Olinda Se apresenta ao Marquecircs afirmando que seu ldquoempenho
sincero tem sido reparar os estragos do tempordquo (ALENCAR 2009 p244) buscando
e indicando caminhos para a administraccedilatildeo puacuteblica como em uma espeacutecie de
jornalismo criacutetico e investigativo Compara o poliacutetico em sua astuacutecia a Luiz XVIII de
Franccedila novamente consolidando o modelo europeu como marco de uma civilizaccedilatildeo
ldquomais avanccediladardquo cultural e politicamente mas tambeacutem aludindo ao seu longo tempo
de permanecircncia nos grupos entatildeo no poder E esta permanecircncia Alencar sugere
que eacute devida a capacidade de adequaccedilatildeo que possui o Marquecircs acompanhando a
mareacute dos fatos e acomodando-os agraves suas necessidades - como em decisotildees
polecircmicas como na partida de D Pedro II para Uruguaiana ou sobre a deposiccedilatildeo do
gabinete O tato poliacutetico que teria o Marquecircs lhe permite sempre estar em
consonacircncia com a opiniatildeo puacuteblica pelo menos com a parte elogiosa da opiniatildeo
Com certo tom de gracejo Alencar brinca com a idade avanccedilada do Marquecircs e
sugere que ele escreva uma biografia Biografia que estaria rica de assuntos e
informaccedilotildees poliacuteticas jaacute que ndash falando com uma ponta de sarcasmo conservador
sobre a mobilidade partidaacuteria no periacuteodo ndash o Marquecircs ldquohavendo pertencido a todos
os partidos modernos e antigos a datar da constituinte vossa autobiografia deve ser
um tesouro inexauriacutevel de liccedilatildeo e conselhordquo (ALENCAR 2009 p247) E qualquer
poliacutetico continua encontraraacute ldquonesse novo evangelho poliacutetico um tema um exemplo
uma epiacutegrafe para adornar sua doutrinardquo (ALENCAR 2009 p248) Mas Olinda
apesar da idade continua firme no poder aparentemente natildeo querendo abrir matildeo
disto como muito bem nos sugere Alencar ldquopara voacutes poreacutem natildeo chegou ainda o
tempo das memoacuterias estais com as matildeos na obrardquo (ALENCAR 2009 p248) em
todas as obras em que consegue esgueirar suas matildeos era o que queria dizer
Mesmo quando os resultados natildeo lhe satildeo promissores como em 1851 com o
episoacutedio do Prata
Em 1857 alude o partido conservador comeccedila a perder forccedila apesar da presenccedila
de lideranccedilas importantes que poderiam seguir com uma administraccedilatildeo competente
Tendo homens como o dissera ldquode talhe para a empresa uns pela ilustraccedilatildeo
outros pela popularidade Itaboraiacute Uruguai Euseacutebio Caxias Pimenta Buenordquo
(ALENCAR 2009 p249) natildeo consegue encontrar um norte com algum destes e ao
clongo de alguns anos o partido perde sua forccedila de combate
Olinda foi presidente do conselho de ministros e ministro em diversas pastas e
diferentes gabinetes Seu nome nos conta enche o livro do Segundo reinado ldquorara
eacute a paacutegina em que natildeo figure ele no alto Estreastes regente era natural que
acabaacutesseis vice-rei43rdquo (ALENCAR 2009 p249) Mas o paiacutes sofre por demais neste
momento e o Marquecircs eacute o signo (senatildeo o culpado) dessa administraccedilatildeo
equivocada incompetente oriunda de uma oligarquia irresponsaacutevel que lanccedila o paiacutes
na ldquocorrupccedilatildeo infrene o descreacutedito puacuteblico a ruiacutena das financcedilas o aniquilamento da
induacutestria e finalmente a guerra ladeada a uma pela vergonha e pela miseacuteriardquo
(ALENCAR 2009 p250) A paacutetria exige um esclarecimento que Olinda ponha a
matildeo na consciecircncia e admita ndash na impossibilidade de corrigi-los ndash seus erros a
quem lhe creditou agrave administraccedilatildeo O paiacutes sofre e Olinda dorme ldquoagrave sesta e consente
que os convivas de teu banquete tripudiem sobre meu corpo exacircnimerdquo (ALENCAR
2009 p252) Natildeo a paacutetria exige sua salvaccedilatildeo E o instrumento para tanto eacute ldquoo
mesmo que serviu em 1837 aiacute jaz atirado ao poacute e desdenhado Eacute o grande Partido
Conservador numeroso ateacute na imobilidade forte ainda no abandonordquo (ALENCAR
2009 p252) Olinda deve indicar ao monarca um novo gabinete constituiacutedo pelo
partido conservador Alencar acena para a permanecircncia de grupos no poder mesmo
com a mudanccedila de gabinetes e vertentes poliacuteticas onde lideranccedilas transitam pelos
dois lados - conservador e liberal ndash e adaptam suas ideias as correntes de
pensamento vigentes em cada momento
Na sequencia das cartas (ALENCAR 2009 p223-239) outro destinataacuterio ilustre tem
a sua vez O Visconde de Itaborahy - carta de Erasmo sobre a crise financeira
Homem probo poliacutetica e civilmente ldquoum dos poucos contra quem natildeo se atreveu
ainda a maledicecircnciardquo (ALENCAR 2009 p223) Esse fiel monarquista esteve por
um breve periacuteodo distante da militacircncia na reorganizaccedilatildeo de partidos e gabinetes
quando do periacuteodo da liga para retornar logo em seguida fortalecido pelos
descaminhos da administraccedilatildeo em uma defesa da instituiccedilatildeo imperial e dos
43 O uacuteltimo vice-rei do Brasil foi o Conde dos Arcos em 1808 O tiacutetulo impotildee certo respeito mas eacute
evidente que Alencar o toma em um tom jocoso
destinos do paiacutes em discursos inflamados no Senado junto agrave outros conservadores
Itaborahy comeccedila a carreira poliacutetica no partido liberal e tambeacutem como jornalista
Assume o ministeacuterio da marinha e em 1837 se transfere para o partido conservador
Foi deputado geral e presidente do Banco do Brasil causa pela qual a segundo
Alencar assustadora perspectiva econocircmica do paiacutes leva o missivista - cheio de
elogios - agrave pessoa do Visconde pedir conselhos a este sobre os rumos que a
administraccedilatildeo puacuteblica deveria seguir admitindo natildeo ter a necessaacuteria ciecircncia para o
assunto nem sequer pretende ldquoao tiacutetulo de disciacutepulo da escola que vos reconhece
por mestrerdquo (ALENCAR 2009 p225) mas se propotildee a analisar o momento de crise
iniciando pelos problemas com o creacutedito As duas espeacutecies de creacutedito indicadas
pelo analista satildeo o mercantil e o predial Os dois estatildeo como que envolvidos um no
outro como uma sustentaccedilatildeo de garantia muacutetua a que os bancos se remetem no
sistema implantado no Brasil E as transaccedilotildees financeiras ldquose prendem por
filamentos mais ou menos longos e tortuosos agrave lavourardquo (ALENCAR 2009 p227)
base da economia no momento O investimento hipotecaacuterio afugenta os capitais
particulares visto que o comeacutercio e a induacutestria inspiram maior confianccedila
considerados seguros e lucrativos por uma maioria Com a deficiecircncia do credito
predial atrelado a lavoura o comeacutercio vai a seu auxiacutelio na tentativa de achar certo
equiliacutebrio que natildeo acontece devido as diferenccedilas proacuteprias de cada modalidade44
O problema de conseguir creacutedito para as lavouras comenta eacute comum em vaacuterios
paiacuteses do mundo e natildeo seria diferente no Brasil mas a soluccedilatildeo para nosso paiacutes
determinada pelo governo associado ao Banco do Brasil eacute a de extravasar os limites
da emissatildeo bancaacuteria o que acarreta financiamentos impossiacuteveis de serem tolerados
pela grande maioria dos que dele necessitam A recente implantaccedilatildeo do sistema de
creacutedito cede lugar a problemas de imperiacutecia financeira e junto a isso certos abusos
praticados por integrantes da associaccedilatildeo comercial constroem com a imobilizaccedilatildeo
de grande soma de capitais um caminho para a derrocada do sistema Ao mesmo
tempo a lavoura tambeacutem atravessa uma crise com a escassez de matildeo de obra e a
introduccedilatildeo de teacutecnicas dispendiosas acrescidas da carestia de gecircneros e das
44 Alencar usa de seu conhecimento como advogado especializado em direito administrativo e
comercial para equilibrar a narrativa com os argumentos da economia e administraccedilatildeo puacuteblicas
uacuteltimas maacutes colheitas Tambeacutem o fato de estarmos em periacuteodo de guerra acarretou
dois fenocircmenos preocupantes o ldquoescoamento dos depoacutesitos bancaacuterios para o
tesouro [e tambeacutem a ] monetizaccedilatildeo do papel bancaacuterio como um meio sub-reptiacutecio
de fornecer recursos ao governordquo (ALENCAR 2009 p230) criando o que chamou
de uma moeda simboacutelica natildeo tendo reservas que os garantam
Anunciado esse quadro desolador (aqui simplificado) Alencar questiona o Visconde
sobre qual seria o remeacutedio visto que a crise se alastrara por todo o sistema
financeiro Alencar responde afirmando ser necessaacuteria a separaccedilatildeo do creacutedito
agriacutecola do mercantil chegando a sugerir agrave fundaccedilatildeo de um banco agriacutecola
brasileiro que aliviaria o Banco do Brasil de garantir suporte a avultada diacutevida
agriacutecola a impontualidade do agricultor no pagamento de suas diacutevidas resultado da
imprevisibilidade do sistema de colheitas e a constante oscilaccedilatildeo no valor da
propriedade rural A proposta de Alencar indica a emissatildeo pelo governo de apoacutelices
para o banco agriacutecola transformando o agricultor ndash ou seu qualquer portador ndash em
acionista Algo como uma auto gerecircncia do sistema em que uma hipoteca de terras
garantiria o saldo devedor Proposta avanccedilada para a eacutepoca aqui mais uma vez
podemos observar a distorccedilatildeo que se deu no Brasil para as propostas de
implantaccedilatildeo de uma poliacutetica liberal tendo o Estado que se tornar distante das
soluccedilotildees econocircmicas mas ao mesmo tempo garantindo um lucro faacutecil para uma
aristocracia Eacute o que vecirc aqui onde a grande propriedade foi formada pelo sistema
de distribuiccedilatildeo de sesmarias e seus proprietaacuterios como os da antiga colocircnia soacute
querem explorar sem ter que arcar com quaisquer diacutevidas ou prejuiacutezos Mas Alencar
condena-os afirmando que ldquoa lavoura natildeo pode esquivar-se a garantir o Estado
quando este contrai grandes compromissos para auxiliaacute-lardquo (ALENCAR 2009
p235) Os tempos satildeo outros mas seraacute que satildeo de verdade O governo durante a
mudanccedila proposta tambeacutem deve arcar com o prejuiacutezo dos tiacutetulos sem valor que
emitiu sendo alguns de empreacutestimos que ele mesmo cedeu No fim o prejuiacutezo eacute
sempre grande Alencar sustenta uma regulaccedilatildeo do mercado provavelmente
influenciado pelas ideias de Adam Smith em que o mercado consegue trabalhar
melhor sem uma interferecircncia direta do Estado (KENNY 1998) Smith entatildeo muito
em voga nos meios acadecircmicos mas para Alencar manter a criacutetica lhe falta alguma
experiecircncia como financista para o tratamento de assuntos tatildeo especiacuteficos o que
pode ter sido interpretado como arrogacircncia de jornalista Da carta fica a opccedilatildeo por
uma estrutura administrativa baseada nas ideias liberais de fomento a livre
empresa creacutedito bancaacuterio em uma tentativa de diminuir a intervenccedilatildeo contiacutenua do
Estado na economia segunde ele ateacute entatildeo necessaacuteria O que fica para a histoacuteria
poliacutetica eacute a questatildeo com a pressatildeo para ao fim efetivo do traacutefico de escravos e a
implementaccedilatildeo da matildeo de obra assalariada ndash qualquer que fosse esta imigrante ou
natildeo europeia ou natildeo ndash em todo o paiacutes quem arcaraacute com o custo final disso tudo o
Estado ou as elites entatildeo no poder
334 NOVAS CARTAS AO IMPERADOR (ALENCAR 2009 p257-389)
A uacuteltima seacuterie de cartas datadas de junho de 1867 e endereccediladas novamente ao
Imperador tem uma intenccedilatildeo bem menos louvaacutevel ndash em um comentaacuterio de Tacircmis
Parron (2008) - que eacute a defesa da escravidatildeo negra no Brasil aleacutem de retomar
temas como a guerra e a poliacutetica no paiacutes O exame do texto nos auxiliaraacute nas
afirmaccedilotildees Eacute bem verdade que na fala do trono de 1867 (cerimocircnia que abre os
trabalhos no parlamento) D Pedro II teria mostrado disposiccedilatildeo em resolver o
problema do elemento servil problema que se arrasta na necessidade de uma
soluccedilatildeo jaacute com seu pai assegurando o fim do traacutefico como uma das condiccedilotildees para
o apoio da Inglaterra a independecircncia do Brasil O imperador tambeacutem se sentindo
pressionado por uma elite intelectual europeia que via na escravidatildeo (neste
momento depois da guerra de secessatildeo talvez natildeo antes) um insulto ao modelo
de civilidade que pretendia o Brasil como uma naccedilatildeo moderna alguns destes
intelectuais e artistas satildeo muito caros agrave D Pedro II como no caso de Victor Hugo A
proposta seria resolver gradativamente sem ferir os interesses daqueles que ainda
atrelados agraves culturas de exportaccedilatildeo necessitavam de braccedilos para o trabalho
atentos a condiccedilatildeo de que a imigraccedilatildeo europeia ainda natildeo era um fato substancial
Bosi comenta que
Algumas atitudes poliacuteticas de D Pedro II pareciam indicar que embora hesitantemente ele passou do polo nacional-conservador para o polo nacional-reformista guiado pelo religioso respeito que lhe inspiravam as culturas inglesa e francesa (BOSI 2003 p 239)
Resta saber em que ponto da estrada D Pedro II teria pegado o bonde reformista e
ateacute onde este poderia levar-lhe O decliacutenio da monarquia o que sugerem alguns
comentadores como Boris Fausto (2001) e Faoro (2004) jaacute estaacute batendo nos
portotildees de Satildeo Cristoacutevatildeo Alencar como bom conservador que eacute defende os
interesses ndash mesmo que natildeo textualmente ndash da oligarquia agriacutecola escravista que
sustentava o paiacutes (leia-se o impeacuterio) com sua produccedilatildeo para exportaccedilatildeo Alencar
antevecirc em seu texto as mudanccedilas sugeridas pelos novos tempos em que o ldquonovo
liberalismordquo ndash termo de Joaquim Nabuco com quem Alencar travaria discussotildees
inflamadas - vai tomando conta do parlamento e a proposta de renovaccedilatildeo da matildeo
de obra por colonos europeus jaacute estava em debate apesar de ainda natildeo termos as
campanhas abolicionistas Mas em sua opiniatildeo tais mudanccedilas ndash que aconteceriam
inevitavelmente - precisam ser combatidas no momento visto que uma mudanccedila
draacutestica poderia trazer prejuiacutezos para as colheitas devido agrave falta de trabalhadores Eacute
o ideal conservador que deve ser salvo A proposta das cartas enquanto veiacuteculo de
divulgaccedilatildeo ideoloacutegico eacute esta chegar o mais longe possiacutevel e alcanccedilar a quantos
pudessem com as ideias conservadoras
Eacute pontual que coloquemos ndash diga-se assim - uma questatildeo ante a defesa do trabalho
escravo por Alencar e tambeacutem uma resposta agrave interferecircncia direta da coroa no
assunto jaacute que estariacuteamos sob a vigecircncia de uma monarquia constitucional
parlamentarista A posiccedilatildeo de Alencar eacute criticada no periacuteodo como ideia jaacute superada
Tavares Bastos eacute um exemplo jaacute aludia agraves melhorias na produccedilatildeo advindas do
trabalho assalariado que tatildeo bem estava no periacuteodo se adaptando e trazendo
frutos principalmente no Nordeste com peculiar atenccedilatildeo ao Cearaacute a terra do
Deputado Alencar (BOSI 2003) Eacute um sinal de que o missivista estava mais
preocupado com a corte do que com suas bases ou desconhecia deliberadamente
esses dados
A escravidatildeo eacute um ponto complexo visto que a instituiccedilatildeo desde a colocircnia permeia
praticamente todas as outras instituiccedilotildees De maneira geral observamos que
(hellip) toda pessoa com algum recurso possuiacutea um ou mais escravos O Estado os funcionaacuterios puacuteblicos as ordens religiosas os padres todos eram proprietaacuterios de escravos Era tatildeo grande a forccedila da escravidatildeo que os proacuteprios libertos uma vez livres adquiriam escravos A escravidatildeo penetrava em todas as classes em todos os lugares em todos os desvatildeos
da sociedade a sociedade colonial era escravista de alto a baixo (CARVALHO 2002 p20)
Alencar tem uma posiccedilatildeo particular sobre a escravidatildeo Quer acabar com ela mas
de forma lenta e segura sem arroubos libertaacuterios que pudessem trazer prejuiacutezos ao
Brasil Parece em alguns momentos um produtor rural paulista preocupado com
seu lucro em outros um tecnocrata arrecadador de impostos Nas novas cartas
poliacuteticas Alencar jaacute natildeo se apresenta - podemos dizer assim - ao Imperador Ele de
certa forma jaacute teria conquistado o seu ouvinte e tomado sua atenccedilatildeo Sua opiniatildeo jaacute
consegue certo respeito dos leitores enxergando-o natildeo apenas como um artista um
escritor de romances (como fazia o Cotegipe) mas como um poliacutetico combativo com
capacidade de influenciar um grupo importante atraveacutes da imprensa Eacute aqui que
podemos observar de maneira mais integrada as propostas liberais sendo
mescladas ao conservadorismo na defesa da escravidatildeo
Alencar nesse novo conjunto de cartas pocircde usar em suas criacuteticas de uma
ldquolinguagem [que] seraacute minimamente severardquo (ALENCAR 2009 p259) e que ele
mesmo admite ser talvez improacutepria para um suacutedito que se dirige ao soberano
A primeira das cartas trata da ameaccedila de abdicaccedilatildeo de D Pedro II O episoacutedio se daacute
devido agrave proposta de uma negociaccedilatildeo de paz com Lopes considerada interessante
ateacute por Caxias dando fim a longa guerra O imperador discorda Uma crise que
abala ldquonatildeo jaacute a cidade mas o impeacuteriordquo O texto de Alencar eacute brilhante
Seraacute real que vossos laacutebios selados sempre pela reserva e prudecircncia se abriram para soltar a palavra fatal Eacute possiacutevel que suacutebita alucinaccedilatildeo desvaire a tal ponto um espiacuterito soacutelido e reto Natildeo creio natildeo posso natildeo devo crer Recebendo a nova incriacutevel a populaccedilatildeo ficou atocircnita (ALENCAR 2011 p257-258)
A expressatildeo ldquopalavra fatalrdquo natildeo determina se o missivista estaacute falando da proposta
da abdicaccedilatildeo ou de seu posicionamento contra uma negociaccedilatildeo de paz com Solano
Lopes E continua com ldquo() a populaccedilatildeo ficou atocircnita () O espanto lhe embarga a
falardquo (ALENCAR 2009 p258) Somente quando vem aludir posteriormente a D
Pedro I que cita a palavra abdicaccedilatildeo
Rara vez e soacute em circunstacircncias muito especiais pode a abdicaccedilatildeo tornar-se um ato de civismo admiraacutevel D Pedro I vosso augusto pai logrou um lance destes que o consagrou heroacutei da paz e da liberdade Sua missatildeo estava concluiacuteda havia fundado a monarquia brasileira e criado um povo (ALENCAR 2009 p258)
Apesar do elogio D Pedro I eacute portuguecircs e figura inaceitaacutevel com suas ideias
absolutistas na naccedilatildeo que surge E o povo que D Pedro I cria eacute uma aristocracia
local que tenta desvincular-se de Portugal
D Pedro I era ldquoum obstaacuteculo uma anomalia A mais veemente das paixotildees
populares o patriotismo sublevou-se contra o princiacutepio estrangeiro encarnado na
sua pessoa O Sr Pedro II eacute americano [sic] como seu povordquo (ALENCAR 2009
p259) e a abdicaccedilatildeo seria um crime de lesa naccedilatildeo Seriam os rumos incertos da
guerra pergunta o missivista motivo para uma abdicaccedilatildeo Alencar acusa
duramente o Imperador de ser o responsaacutevel pela ldquotemeridade com que nos
precipitamos sem refletir em uma situaccedilatildeo irremissiacutevel dilema cruel entre a ruiacutena e a
vergonhardquo (ALENCAR 2009 p260) A guerra tem nele seu responsaacutevel Tu ldquofostes
o princiacutepio e sois a alma da guerra Vosso pensamento a inspirou vossa convicccedilatildeo
a alimentardquo (ALENCAR 2009 p260) em busca de uma vitoacuteria que significaria
Humaitaacute arrasado Lopes deposto e o franqueamento da navegaccedilatildeo ribeirinha mas
apesar de compreensiacuteveis as razotildees e do patriotismo brasileiro que ndash segundo ele ndash
tende a apoiar a guerra ldquonenhum homem tem o direito de arrastar sua matildee paacutetria agrave
ruiacutena para vatilde satisfaccedilatildeo de seus brios revoltadosrdquo (ALENCAR 2009 p261)
Alencar argumenta (lembrando-o) que o imperador natildeo pode agir como uma pessoa
comum que ele natildeo tem o direito do simples cidadatildeo que eacute o de ter uma opiniatildeo
que natildeo considere a naccedilatildeo em primeiro lugar A soberania soacute existe porque eacute dada
ao Imperador e seus atos satildeo justificados pelo cidadatildeo E esse contrato impede
mesmo que haja qualquer ideia de renuncia pois os atos do imperador satildeo os atos
de todos os cidadatildeos A honra do Imperador segundo ele eacute a honra da naccedilatildeo e a
partir do modelo de monarquia constitucional entatildeo vigente enquanto defensor
perpeacutetuo da naccedilatildeo
quando o povo entenda que chegou o momento de acabar a guerra e exprima seu voto pelos meios constitucionais haveis de pensar do mesmo modo senatildeo como homem infalivelmente como soberano Em voacutes estaacute encarnado e vivo o grande eu nacional (ALENCAR 2009 p263)
Alencar repreende o Imperador severamente determinando que ldquoqualquer que seja
o desfecho da guerra [ele natildeo teria] o direito de separar vossa dignidade da causa
nacionalrdquo (ALENCAR 2009 p264) Vecirc-se nas palavras de Alencar a defesa natildeo do
imperador nem mesmo da monarquia mas do principio constitucionalista liberal Jaacute
aqui se percebe uma criacutetica ao que Alencar indicava como omissatildeo mas era de
certa forma um caminhar que D Pedro II mantinha nos tracircmites da legalidade que a
proacutepria constituiccedilatildeo lhe impunha sabia onde colocar seus peacutes E apesar das criacuteticas
Alencar sabia que os atos do imperador natildeo pedem contestaccedilatildeo visto que a
representaccedilatildeo deste eacute coletiva e todas as verdades se alinham em seu nome (em
nome da soberania) D Pedro II sabia o que poderia fazer e ateacute aonde confrontar a
burocracia que a casa de Braganccedila lhe tinha deixado por heranccedila Em outros
tempos mesmo sem buscar referecircncias anteriores a D Pedro I o texto de Alencar jaacute
estaria sujeito ao silecircncio
Uma das constantes reclamaccedilotildees de Alencar eacute a da falta de notiacutecias da guerra no
sentido de previsotildees reais sobre o andamento dos trabalhos sobre a movimentaccedilatildeo
das tropas sobre enfim quando iraacute terminar o supliacutecio Segundo ele haacute por parte
do governo um velamento da realidade no campo para o puacuteblico existe uma
censura ndash senatildeo oficializada mas efetiva ndash sobre os reais rumos da guerra dada em
funccedilatildeo da relaccedilatildeo que os jornais tecircm com o gabinete ministerial E a falta de atenccedilatildeo
para tais assuntos junto a posiccedilatildeo equivocada frente agrave guerra estatildeo aiacute por culpa
de D Pedro II
Termina essa carta anunciando o erro do Imperador na fala de ldquoabdicaccedilatildeo quando a
senha do dia para todos os brasileiros e para voacutes primeiro que todos eacute dedicaccedilatildeordquo
(ALENCAR 2009 p274) O sarcasmo de Alencar brinca com os brios de D Pedro
II com seu orgulho de intelectual ndash tiacutetulo o qual preferia algumas vezes ao de
Imperador (SCHWARCZ 1999) ndash indicando que a imprensa do mundo inteiro o
proclama ldquoum saacutebiordquo e cita o artigo publicado nos jornais em que ldquoo presidente dos
Estados Unidos aludindo agrave franquia do Amazonas vos considerou entre os
primeiros estadistas do mundordquo (ALENCAR 2009 p277) o que provavelmente natildeo
aconteceria se este tomasse medidas protecionistas no paiacutes o que jaacute funcionavam
como uma poliacutetica de Estado desde os fins da guerra de Secessatildeo nos Estados
Unidos mas era duramente criticado por este para toda a Ameacuterica Latina eacute possiacutevel
que seja isto que Alencar quer dizer quando escreve logo a seguir que terminado
estaacute ldquoo tempo em que os povos eram instrumento na matildeo dos reis que os
empregavam para obter a satisfaccedilatildeo de suas paixotildees e a conquista de um renome
vatildeordquo porque aqui ldquorasga-se o manto auriverde da nacionalidade brasileira para
cobrir com os retalhos a cobiccedila do estrangeiro [Natildeo existe] para voacutes senhor outra
fama liacutecita e pura senatildeo aquela poacutestuma que eacute a verdadeira gloacuteriardquo (ALENCAR
2009 p278) e que dispor das reservas econocircmicas tanto quanto das pessoas de
forma displicente e buscando uma valorizaccedilatildeo pessoal eacute sinal de um despotismo
que jaacute natildeo cabe mais aqui Eacute o Alencar liberal que fala
A partir daqui Alencar passa depois de construir a narrativa em um tom duro de pai
que repreende o filho teimoso a falar da questatildeo da emancipaccedilatildeo mais diretamente
D Pedro II coloca a discussatildeo na pauta pela fala do trono e os progressistas ndash
chamados vacircndalos no texto de Alencar ndash a aceitam como uma plataforma Alencar
toma a proposta de emancipaccedilatildeo do escravo pelo menos para o momento como
um erro do Imperador Segue a referecircncia
Libertando uma centena de escravos cujos serviccedilos a naccedilatildeo vos concedera distinguindo com um mimo especial o superior de uma ordem religiosa que emancipou o ventre estimulando as alforrias por meio de mercecircs honoriacuteficas respondendo agraves aspiraccedilotildees beneficentes de uma sociedade abolicionista de Europa e finalmente reclamando na fala do trono o concurso do poder legislativo para essa delicada reforma social sem duacutevida julgais ter adquirido os foros de um rei filantropo (ALENCAR 2009 p280)
Alencar acreditava que o momento com a economia debilitada por conta da guerra
e tambeacutem por conta desta a falta de braccedilos para a constituiccedilatildeo de um sistema de
matildeo de obra diferenciado e sem o apoio ainda da prometida imigraccedilatildeo (apesar das
muitas propostas tanto de europeus como de asiaacuteticos nenhum projeto de vulto
havia sido executado) o paiacutes essencialmente agraacuterio se precipitaria no caus Os
argumentos de Alencar apesar de bem trabalhados sugerem mais suas ligaccedilotildees (e
preocupaccedilotildees) com a aristocracia rural do que propriamente com o povo afirmando
seu ideal de manutenccedilatildeo dos privileacutegios das elites em detrimento de medidas mais
imediatas Alega que a escravidatildeo eacute um fato social tendo como exemplo ldquoo
despotismo e a aristocracia como jaacute foram a coempccedilatildeo da mulher a propriedade do
pai sobre os filhos e tantas outras instituiccedilotildees antigas45rdquo (ALENCAR 2009 p282)
Argumentos que Alencar potildee no passado mas que reconhece presentes quando
trata deles em suas obras Eacute o direito a escravidatildeo como uma instituiccedilatildeo legal que
segue em sua argumentaccedilatildeo lembra que satildeo as naccedilotildees em suas leis que justificam
a escravidatildeo Que sob a lei haacute a justificativa e que ningueacutem pode ser obrigado a
fazer ou deixar de fazer algo a menos que isso esteja expresso na lei
Alencar lembra que a ldquoescravidatildeo caduca mas ainda natildeo morreu ainda se prendem
a ela graves interesses de um povo Eacute quanto basta para merecer o respeitordquo
(ALENCAR 2009 p283) O respeito que se daacute sustenta enquanto instituiccedilatildeo E
satildeo os progressistas com o apoio formal do imperador que tratam de desqualificar
a instituiccedilatildeo lanccedilando ldquoo odioso sobre as instituiccedilotildees vigentes qualificando seus
defensores de espiacuteritos mesquinhos e retroacutegradosrdquo (ALENCAR 2009 p283) Isto
em mateacuteria de reforma natildeo tem propriamente um fim eleitoreiro ndash ainda natildeo seria o
caso - mas tentando fortalecer outros grupos aos quais as ideias abolicionistas
vinham a calhar como os financistas e banqueiros que esperavam por um
liberalismo mais econocircmico e burguecircs que poliacutetico e aristocraacutetico Alencar se
protege como bom advogado enquanto defende a escravidatildeo sobre o vieacutes da lei
Para ele ldquoa escravidatildeo se apresenta hoje ao nosso espiacuterito sob um aspecto
repugnante Esse fato do domiacutenio do homem sobre o homem revolta a dignidade da
criatura racional Sente-se ela rebaixada com a humilhaccedilatildeo de seu semelhanterdquo
(ALENCAR 2009 p284) mas sua opiniatildeo natildeo pode prevalecer O missivista busca
o que seria a melhor alternativa para a economia do paiacutes jaacute prontamente
argumentada na carta ao Visconde de Itaborahy A instituiccedilatildeo da escravidatildeo eacute legal
e justa ldquoquando realiza um melhoramento na sociedade e apresenta uma nova
situaccedilatildeo embora imperfeita da humanidade () Neste caso estaacute a escravidatildeo ()
45 Jaacute eacute um comentaacuterio de Aristoacuteteles na poliacutetica
um instrumento da civilizaccedilatildeo como foi a conquista o municiacutepio a glebardquo
(ALENCAR 2009 p284) Eacute uma das fazes do desenvolvimento pelo qual passaram
diversas naccedilotildees
Sempre apelando para a histoacuteria europeia Alencar apresenta a escravidatildeo como ldquoo
primeiro impulso do homem para a vida coletiva o elo primitivo da comunhatildeo entre
os povosrdquo (ALENCAR 2009 p285) Ao menos admite adiante que possam parecer
estranhas tais proposiccedilotildees mas sempre sustentado pelo estudo de textos
canocircnicos46 (cita o Gecircnesis de Moiseacutes quando da admissatildeo da escravidatildeo pela
Biacuteblia) segue o argumento admitindo que por exemplo a escravidatildeo pela guerra
com a conquista dos povos haveria um constante holocausto infligido as sociedades
derrotadas Na Ameacuterica resultaria no extermiacutenio das populaccedilotildees indiacutegenas Mas
isso que aconteceu de qualquer forma um argumento injustificado
Alencar eacute um dos defensores da ideia de que a ldquoraccedila negrardquo eacute a que melhor se
adapta ao trabalho agriacutecola (apesar de afirmar que o colono portuguecircs aguenta
firmemente o trabalho dos troacutepicos) Sendo esta mais disponiacutevel e apta e ndash segundo
ele ndash baacuterbara e necessitando de um processo civilizatoacuterio que o tirasse da
selvageria aproveitando sua energia vital ldquopara lutar com uma natureza giganterdquo
(ALENCAR 2009 p289) Natildeo fosse a escravidatildeo ndash toma isso como um acaso
valoroso - a Ameacuterica ldquoseria hoje um vasto desertordquo (ALENCAR 2009 p289)
Alencar nos lembra do fato de que a moderna escravidatildeo ressurgida na peniacutensula
ibeacuterica - com o haacutebito de presentear o Rei com escravos negros - natildeo se estabelece
na Europa mas mesmo os ingleses franceses e holandeses portanto natildeo soacute os
portugueses e espanhoacuteis servem-se dela na colocircnia Adam Smith admitia a
escravidatildeo nas colocircnias inglesas ((WEFFORT 2001) Como se explica pergunta
ele ldquoessa anomalia de povos repelindo na metroacutepole uma instituiccedilatildeo que adotam e
protegem no regime colonialrdquo (ALENCAR 2009 p290) Tal pressatildeo internacional
a que comeccedila a ceder o Imperador eacute comum nesse periacuteodo e seraacute assim ateacute hoje
Carvalho (2007) estudando as atas do conselho de Estado do Impeacuterio comenta que
46
A igreja possuiacutea escravos negros e ara um grupo que natildeo se pronunciava ateacute entatildeo a favor da aboliccedilatildeo
apesar do modelo poliacutetico para o Brasil - de Inglaterra e Franccedila ndash serem uma
unanimidade entre os conselheiros chegando estes a citar de memoacuteria frases e
anedotas dos poliacuteticos mais conhecidos como o faz tambeacutem o Alencar o bom senso
prevalecia sobre o modelo e as accedilotildees poliacuteticas tomadas (sugeridas e votadas) ali
tinham uma real preocupaccedilatildeo com a realidade do paiacutes Mas o que observamos na
criacutetica de Alencar eacute que a realidade do paiacutes passava pelos interesses desses
mesmos grupos representados pelo conselho
A questatildeo a que se chega eacute a escravidatildeo jaacute teria cumprido seu papel no Brasil
Segundo Alencar natildeo E ele o afirma ldquocom a consciecircncia do homem justo que
venera a liberdade com a caridade do cristatildeo que ama seu semelhante e sofre na
pessoa delerdquo (ALENCAR 2009 p293) Para o bem de todos afirma ele ateacute mesmo
dos escravizados ainda natildeo eacute o tempo para a aboliccedilatildeo Mas os ldquotodosrdquo aqui
assinalados tecircm uma clara linha que distingue o escravizado do escravizador
Alencar natildeo chega a defender nem mesmo uma proximidade entre eles Usando o
discurso da etnia afirma que ldquoningueacutem desconhece todavia quanto eacute lenta essa
coesatildeo ou amaacutelgama de raccedilas Demanda seacuteculos e seacuteculos semelhante operaccedilatildeo
etnograacutefica e traz graves abalos agrave sociedaderdquo (ALENCAR 2009 p295) Mas ao
mesmo tempo com uma imigraccedilatildeo europeia e a amalgama o problema tambeacutem se
resolveria pois
Em trecircs e meio seacuteculos o amaacutelgama das raccedilas se havia de operar em larga proporccedilatildeo fazendo preponderar a cor branca Trecircs ou quatro geraccedilotildees bastam agraves vezes no Brasil para uma transformaccedilatildeo completa (ALENCAR 2009 p292)
O contato que Alencar defende eacute tatildeo somente social como forma civilizatoacuteria ldquoA
raccedila africana tem apenas trecircs seacuteculos e meio de cativeiro Qual foi a raccedila europeia
que fez nesse prazo curto a sua educaccedilatildeordquo (ALENCAR 2009 p310) A raccedila
branca diz ele ldquoembora reduzisse o africano agrave condiccedilatildeo de uma mercadoria
nobilitou-o natildeo soacute pelo contato como pela transfusatildeo do homem civilizadordquo47
(ALENCAR 2009 p296) Embranquecer seria um destino e uma meta a ser
cumprida para chegar-se enfim a uma futura civilizaccedilatildeo da Aacutefrica A soluccedilatildeo 47 Mesmo velado preconceito racial sempre houve no Brasil Nota-se em textos natildeo soacute de Alencar
mas de intelectuais como Silvio Romero e o proacuteprio Joaquim Nabuco (SKIDMORE 1989)
proposta eacute resolver a escravidatildeo pela absorccedilatildeo de uma raccedila por outra mas
aparentemente por outras as raccedilas e categorias sociais como o indiacutegena e o
imigrante pobre que chegaria em alguns anos Pois cada ldquomovimento coesivo das
forccedilas contraacuterias eacute um passo [a] mais para o nivelamento das castasrdquo (ALENCAR
2009 p296) ateacute o amalgama quando da geraccedilatildeo anterior findasse com a morte
mas sempre enquanto castas Sempre com uma marca social (in) visiacutevel que as
distinguisse
Chegado o termo fatal produzido o amaacutelgama a escravidatildeo cai decreacutepita e exacircnime de si mesma sem arranco nem convulsatildeo como o anciatildeo consumido pela longevidade que se despede da existecircncia adormecendo Mas antes do seu prazo quem fere mortalmente uma lei derrama sangue como se apunhalara um homem (ALENCAR 2009 p296)
Alencar usa como argumento que o escravo seria um inimigo se emancipado Os
povos que emanciparam seus escravos estavam em superioridade numeacuterica quanto
a estes e natildeo era o caso do Brasil Nos Estados Unidos do periacuteodo da guerra de
secessatildeo o norte tinha uma superioridade muito grande de homens livres sobre a
quantidade de escravos ao contraacuterio do sul o que os levaram a apoiar a
emancipaccedilatildeo Foi tambeacutem o caso da Inglaterra com suas colocircnias Libertar uma
quantidade tatildeo grande de escravos como haacute no Brasil de uma soacute vez pode criar
uma situaccedilatildeo de descontrole social alerta Alencar Comentando ainda sobre os
movimentos abolicionistas que vem se sucedendo na Ameacuterica Latina desde as
primeiras deacutecadas do seacuteculo XIX ndash o que aparentemente viria a reforccedilar a instituiccedilatildeo
nos paiacuteses que natildeo aderiram ao processo de emancipaccedilatildeo aleacutem de considerar que
a populaccedilatildeo escrava no Brasil consegue se reproduzir muito mais que em outros
paiacuteses O mais certo seria que a escravidatildeo natildeo se extinguisse ldquopor ato do poder e
sim pela caduquice moral pela revoluccedilatildeo lenta e soturna das ideiasrdquo (ALENCAR
2009 p306) E aparentemente sem muita pressa Mesmo porque haacute tambeacutem o
movimento contraacuterio do senhor de escravos que quer manter sua propriedade
O processo de emancipaccedilatildeo segundo ele jaacute se iniciou no Brasil a ponto de afirmar
que jaacute natildeo temos mais ldquoa verdadeira escravidatildeo poreacutem um simples usufruto da
liberdade ou talvez uma locaccedilatildeo de serviccedilos contratados implicitamente entre o
senhor e o Estado como tutor do incapazrdquo (ALENCAR 2009 p309) Cabe lembrar
que natildeo temos no periacuteodo um movimento abolicionista encapado pelos partidos ou
mesmo pela opiniatildeo puacuteblica Alencar lembra que quantidade de escravos eacute grande
demais para arriscar uma emancipaccedilatildeo por decreto
Trecircs seacuteculos durante a Aacutefrica despejou sobre a Ameacuterica a exuberacircncia de sua populaccedilatildeo vigorosa Calcula-se em cerca de quarenta milhotildees o algarismo dessa vasta importaccedilatildeo Nesse mesmo periacuteodo a Europa concorria para a povoaccedilatildeo do Novo Mundo com um deacutecimo apenas da raccedila negra (ALENCAR 2009 p292)
Alencar sugere que natildeo foi o Brasil do seacuteculo XIX que inicia o processo de
escravizaccedilatildeo nessas terras mas o Europeu o portuguecircs aacutevido de lucros com a
exploraccedilatildeo da colocircnia Exigir que se corrigisse um erro de uma hora para a outra eacute
uma sandice mesmo por que este (o europeu) espera ainda os produtos tropicais
com preccedilos baixos o que uma brusca mudanccedila no processo de produccedilatildeo natildeo
conseguiria manter o que acarretaria perdas tanto para os produtores como para os
mercados consumidores O escravo natildeo entrou na conta A passagem eacute
esclarecedora nesse sentido
O filantropo europeu entre a fumaccedila do bom tabaco de Havana e da taccedila do excelente cafeacute do Brasil se enleva em suas utopias humanitaacuterias e arroja contra estes paiacuteses uma aluviatildeo de injuacuterias pelo ato de manterem o trabalho servil Mas por que natildeo repele o moralista com asco estes frutos do braccedilo africano Em sua teoria a bebida aromaacutetica a especiaria o accediluacutecar e o delicioso tabaco satildeo o sangue e a medula do escravo Natildeo obstante ele os saboreia (ALENCAR 2009 p307)
Alencar explica que um necessaacuterio crescimento da populaccedilatildeo livre deve ser
incrementado para que a partir desta (sugere como a melhor forma a imigraccedilatildeo)
poderaacute haver a substituiccedilatildeo do trabalho escravo Nos Estados Unidos nos conta foi
assim Eacute a imigraccedilatildeo que colocaraacute uma nova ldquocorrdquo no paiacutes e lhe daraacute novo vigor E
coloca a culpa na Europa novamente por natildeo facilitar o envio de imigrantes para
nosso paiacutes Estes viriam de bom grado considerando mesmo ndash e ateacute como
argumento comparativo ndash a qualidade de vida aqui eacute bem melhor que laacute Na
verdade como afirma Prado (2001) os princiacutepios liberais erigiam a liberdade com
base em direitos do homem e natildeo pelo ponto de vista religioso Contestar a
escravidatildeo era tambeacutem contestar todo o antigo regime
A amaacutelgama de raccedilas proposta por Alencar tem por base o fluxo intenso de
imigrantes lusitanos para a Corte do Brasil a partir de 1850 com o fim do traacutefico de
escravos Por conta disso a populaccedilatildeo eacutetnica se altera mas o contingente
populacional se manteacutem praticamente o mesmo entre 1850 e 1872 ldquoa populaccedilatildeo
escrava diminui e a populaccedilatildeo lusitana quase dobrardquo (NOVAIS 1997 p30) Ainda
acompanhando este autor temos a indicaccedilatildeo de que ao fim da deacutecada de 1860
metade da populaccedilatildeo masculina da Corte era estrangeira vinda principalmente de
Portugal Alencar ainda coloca em um comparativo um operaacuterio europeu
trabalhando 12 15 18 horas soacute almeja a liberdade para tentar um outro caminho
que a cidade natildeo lhe oferece A ldquocondiccedilatildeo do nosso escravo comparada com a do
operaacuterio europeu eacute esmagadora para a civilizaccedilatildeo do Velho Mundo [essa liberdade]
eacute o meio um direito o fim eacute a felicidade48 e desta o escravo brasileiro tem um
quinhatildeo que natildeo eacute dado sonhar ao proletaacuterio europeurdquo (ALENCAR 2009p324)
O que se viu dando um breve espaccedilo ao tempo eacute que as criacuteticas de Alencar a
forma como o governo processa o problema da emancipaccedilatildeo (ou seria tambeacutem a
emancipaccedilatildeo a soluccedilatildeo do problema em outro ponto de vista) acabam encontrando
um espaccedilo vazio onde podiam criar raiacutezes visto que as promessas de aboliccedilatildeo no
fim da guerra de forma progressiva e por meio da estimulaccedilatildeo da emigraccedilatildeo ainda
estatildeo na forma como promessas no periacuteodo e a dificuldade de se encontrar uma
soluccedilatildeo (ateacute a aboliccedilatildeo completa claro) abrem precedentes para que o pensamento
de Alencar ndash se natildeo o mais eacutetico ndash acabe se apresentando como o mais coerente A
libertaccedilatildeo como o quer o governo sem um projeto que forneccedila condiccedilotildees de
inserccedilatildeo no novo projeto socioeconocircmico para o receacutem-libertado acabaraacute por
coloca-lo em situaccedilatildeo de miseacuteria caindo na mendicacircncia ou criminalidade A ideia
central de Alencar eacute que mesmo que haja aboliccedilatildeo geral e irrestrita se consiga
garantir que o escravo ldquose for libertado permaneceraacute em companhia do senhor e se
tornaraacute em criadordquo (ALENCAR 2009 p329) De qualquer forma para o senhor de
escravos na economia monocultora exportadora com um mercado flutuante
48 Natildeo eacute difiacutecil encontrar referecircncias aos textos do Utilitarismo de Jeremy Bentham em uma leitura
de Alencar
qualquer justificativa era boa contanto que a escravidatildeo natildeo terminasse naquele
momento nem em um futuro proacuteximo Nesse sentindo o argumento que Ilmar Mattos
(1987) defende eacute de que a relaccedilatildeo do Estado com os interesses da classe
ldquosenhorialrdquo faz com que a coroa assuma o papel de Partido ( nos termos de Gramsci)
natildeo se reduzindo assim agrave figura do Imperador que mesmo acuado pela criacutetica de
Alencar sabe que ele (e mesmo o missivista) satildeo peccedilas de uma organizaccedilatildeo mais
complexa dentro da sociedade Mas a coroa deve resolver tambeacutem os problemas
internos como convergecircncias e divergecircncias garantindo sempre que esta se
atualize
Como parte de um jogo de relaccedilotildees entre poliacuteticos e opiniatildeo puacuteblica eram
aplaudidos ateacute mesmo argumentos romantizados ao estremo como quando Alencar
defende que
A uacutenica transiccedilatildeo possiacutevel entre a escravidatildeo e a liberdade eacute aquela que se opera nos costumes e na iacutendole da sociedade Esta produz efeitos salutares adoccedila o cativeiro vai lentamente transformando-o em mera servidatildeo ateacute que chega a uma espeacutecie de orfandade o domiacutenio do senhor se reduz senatildeo a uma tutela beneacutefica (ALENCAR 2009 p113)
As soluccedilotildees que se propotildeem satildeo muitas mas uma breve reflexatildeo faz cair por terra
todo o conteuacutedo ideoloacutegico que estas carregam Uma situaccedilatildeo se daacute quando da
publicaccedilatildeo em marccedilo de 1868 tambeacutem de uma carta aberta endereccedilada ao
presidente do Conselho e lida perante a cacircmara dos deputados em fins do ano
anterior o Imperador declara abrir matildeo da quarta parte de sua dotaccedilatildeo Conta-nos
Alencar que a imprensa noticiando o caso ldquoem nome da opiniatildeo puacuteblica vos
retribuiu com bonitos e merecidos elogiosrdquo (ALENCAR 2009 p331) o ato que
busca devido agrave deficitaacuteria condiccedilatildeo do Estado auxiliar na organizaccedilatildeo da economia
senatildeo economicamente ao menos simbolicamente Notiacutecia que o parlamento
recebe com aplausos Alencar encontra aiacute uma possibilidade de contestaccedilatildeo do ato
afirmando ainda que natildeo aceita enquanto suacutedito e contribuinte tal donativo visto
que a dotaccedilatildeo natildeo eacute um ordenado pago ao Imperador e a famiacutelia real Eacute o ldquodecoro
do trono e a dignidade da naccedilatildeo como diz-nos a lei fundamental (art 108) que
determina a dotaccedilatildeordquo (ALENCAR 2009 p332) coisas de que este eacute depositaacuterio
enquanto representante da naccedilatildeo e natildeo proprietaacuterio Mais uma vez Alencar estaacute
assumindo a participaccedilatildeo do soberano no contrato O missivista usa seu
conhecimento do direito constitucional para denunciar as accedilotildees da coroa visando agrave
manipulaccedilatildeo ideoloacutegica do povo visto que tais atitudes propriamente simboacutelicas
como o ato de abrir matildeo da dataccedilatildeo (visto que os valores pouco ou nada influenciam
no ressarcimento das perdas do eraacuterio puacuteblico resultantes das uacuteltimas maacutes gestotildees
e dos custos com a guerra chegando mesmo Alencar classifica-las como migalhas)
satildeo uma forma de tranquilizar por meio dos jornais a opiniatildeo puacuteblica quanto a
realidade econocircmica por que passa o paiacutes e refrear as ameaccedilas de contestaccedilatildeo a
ordem estabelecida Sugere que se D Pedro II realmente quiser ajudar a naccedilatildeo que
seja
pondo um termo a esse esbanjamento desordenado que tem exaurido todas as reservas do paiacutes e vai sorver os uacuteltimos recursos do futuro natildeo satildeo os Vossos duzentos contos de reacuteis que vatildeo suprir o vaacutecuo aberto no orccedilamento por uma administraccedilatildeo imprevidente e desasada (ALENCAR 2009 p333)
Natildeo poderatildeo resolver o problema do Rio da Prata que garantiratildeo o creacutedito puacuteblico
ou evitaratildeo uma possiacutevel bancarrota do impeacuterio brasileiro Alencar entatildeo aconselha
que o Imperador continue fazendo uso do dinheiro em suas obras de caridade pois
a recusa dos valores soacute seraacute ldquoum foco de imoralidade e corrupccedilatildeo Carniccedila atirada
ao tempo que a podridatildeo logo decompotildeerdquo (ALENCAR 2009 p334) visto que tal iraacute
fluir para poliacuteticos corruptos e suas necessidades pessoais Se quiser ajudar o paiacutes
evitai que a administraccedilatildeo continue com a guerra que arruinaraacute enfim o paiacutes e
termina solicitando a demissatildeo do ministeacuterio ndash uacutenica soluccedilatildeo ndash como uacutenica forma de
salvar o Brasil e com sua integridade Eacute importante lembrar que D Pedro II conhece
bem a constituiccedilatildeo e apesar dos ataques de Alencar nunca toma uma atitude
defensiva eacute preciso registrar sua permissividade e respeito agrave liberdade de imprensa
como um traccedilo liberal mas como bem anuncia Alencar a criacutetica feita pela imprensa
natildeo encontra respaldo junto a opiniatildeo puacuteblica e as mudanccedilas natildeo satildeo
implementadas impossibilitando mudanccedilas na base administrativa o que pode ser
visto como um traccedilo de totalitarismo
Segundo Carvalho (2007) no modelo parlamentar que se desenvolve no Brasil o
parlamentarismo francecircs eacute a base apesar das constantes referecircncias ao
parlamentarismo inglecircs O gabinete ministerial eacute o elo entre a cacircmara e o imperador
a referenda do poder moderador A carta magna eacute influenciada pelas Constituiccedilotildees
francesa de 1791 e espanhola de 1812 e uma das mais liberais da eacutepoca Nesse
modelo eacute o gabinete que deve explicar-se com a cacircmara sobre os atos da
administraccedilatildeo puacuteblica evitando que se perceba algum resquiacutecio de absolutismo
Sem o gabinete o poder moderador instituiria um ldquodespotismo legalrdquo nas palavras do
senador Vergueiro (CARVALHO 2007) Eacute uma vitoacuteria dos liberais que tentam
garantir que D Pedro II reine e natildeo governe mas natildeo eacute assim que sempre funciona
O senado vitaliacutecio eacute a sombra do imperador - natildeo importando se eacute
predominantemente conservador ou abriga um e outro liberal moderado - que
manda e desmanda com sua influencia dentro dos partidos para garantir apoio a um
ou outro deputado do interior Eacute o tempo que iraacute solidificar as estruturas e o poder e
isto a cacircmara dos Deputados natildeo tinha para si A essecircncia do mecanismo eacute povo
dominado pelos poliacuteticos e poliacuteticos tutelados pelo imperador dentro do quadro
burocraacutetico instituiacutedo (FAORO 2004)
Zacarias de Goacutees e Vasconcelos defendia que o rei absoluto deveria ser distinguido
do rei constitucional natildeo cabendo mais o primeiro no seacuteculo XIX A garantia de
constitucionalidade dos atos do poder moderador estava na referenda feita pelos
ministros que prestavam contas agrave cacircmara O ministeacuterio deve contar entatildeo com a
confianccedila do parlamento Eacute um dado interessante que a maioria dos ministros saiacutesse
do senado e natildeo da cacircmara dos deputados o que garantia que as propostas
administrativas dos gabinetes estivessem mais afinadas com o modelo de governo
esperado pelo imperador O senador escolhido em uma lista triacuteplice apresentada ao
imperador eacute referendado por ele Natildeo havia nesse modelo formas de burlar o
domiacutenio da oligarquia ldquo() calccedilada na vitaliciedade no Senado e no Conselho de
Estadordquo (FAORO 2004 p 354)
A sexta carta datada de 23 de setembro de 1867 portando logo em seguida agrave
publicaccedilatildeo da carta anterior (o que permite aceitar que os textos sejam de certa
forma complementares visto a dificuldades de comunicaccedilatildeo com as frentes de
batalha) que tem a data de 20 de setembro Intitulada estaacute como uma carta ldquosobre a
guerrardquo e visto que a guerra eacute assunto presente em todas as cartas eacute preciso deter-
se um pouco no assunto Alencar inicia seu argumento afirmando de forma
progressiva que ldquoa paz eacute uma grande vergonha () a paz eacute um ato de miseacuteria
() a paz eacute uma vilaniardquo (ALENCAR 2009 p343) mas que o momento torna a
guerra algo insustentaacutevel Culpa o ministeacuterio por natildeo conseguir mais alistar homens
para a batalha e com a consequente falta de braccedilos para a lavoura a economia se
retrai dia apoacutes dia pois o escravo negro cada dia mais eacute presente nas fileiras da
guerra O alistamento feito para a guerra a princiacutepio voluntaacuterio comeccedila a encontrar
resistecircncia O governo forccedila o alistamento e o alistado poderia mandar um escravo
em seu lugar Eacute um impasse complexo para o liberalismo no Brasil Como pode
algueacutem que natildeo dispotildee de sua liberdade ndash nem disporaacute ndash pode lutar pela liberdade
Aproveita ainda o Alencar para dar alfinetadas nos liberais por meio da figura de
Zacarias de Goacuteis afirmando que o temor da guerra (ou mesmo de se responsabilizar
por seus rumos que seria efetivamente o caso) afasta a possibilidade de outro
partido tomar as reacutedeas da politica nacional garantindo a permanecircncia do partido
liberal no poder Critica veementemente a situaccedilatildeo de alistamento de escravos ndash
alguns cedidos por seus senhores para que combatam por eles - no exeacutercito regular
A questatildeo eacute como algueacutem que natildeo goza da liberdade pode lutar pela liberdade
ldquoPor entusiasmo espontacircneo esposando a causa de seus senhoresrdquo (ALENCAR
2009 p350) afirma Sua sugestatildeo eacute que se decirc fim agrave guerra pelo menos por
enquanto para que se resolvam os maiores problemas que satildeo os da poliacutetica
interna comeccedilando pela reorganizaccedilatildeo (ou deposiccedilatildeo claro) do gabinete e o
problema da escravidatildeo e completa consagrando seu momento maacutegico no tempo
a afirmaccedilatildeo de que soacute assim ldquoo paiacutes haacute de recuperar as forccedilas inertes os brios
abatidos O impeacuterio seraacute outra vez o Brasil da independecircncia o Brasil de 1851rdquo
(ALENCAR 2009 p354) Pronto para dar uma soluccedilatildeo os problemas do paiacutes
afirma somente o partido conservador Este ldquonatildeo tem a cumplicidade desta guerra
natildeo o tolhem compromissos do passado Entraria no poder com a imparcialidade do
juiz [e com] bastante civismo para arrostar as dificuldades da guerrardquo (ALENCAR
2009 p355) Um pouco de partidarismo ao fim da carta faz bem o estilo de nosso
missivista
O intervalo entre a penuacuteltima carta publicada em 23 de setembro de 1867 e a Uacuteltima
Carta49 datada de 15 de marccedilo de 1868 eacute grande se comparado ao restante do
conjunto Uma nota ao final (indicada como post-scriptum) assinala que ldquomotivos
imperiosos retardaram a publicaccedilatildeo desta cartardquo (ALENCAR 2009 p389) O uso do
termo ldquoimperiososrdquo eacute um indicio que pode se referir agrave condecoraccedilatildeo oferecida ao
Alencar pelo Imperador no ano de 1867 o oficialato da Rosa pelos serviccedilos
prestados ao paiacutes por meio da literatura Com seu habitual jeito mal educado
Alencar recusa a comenda e D Pedro II consegue uma inteligente cartada de
manipulaccedilatildeo aceitando desta forma as criacuteticas e tirando o Alencar do centro do
universo O episoacutedio da comenda oferecida sem que haja qualquer pretensatildeo de
agradar (assim o diz) ao Alencar mostra publicamente que haacute na figura do
imperador um interlocutor para as cartas E que este sabe muito bem o que lecirc e
sabe tambeacutem responder quando necessaacuterio for
Inicia Alencar aludindo a seu recolhimento explicitando o motivo na ideia de que
tambeacutem a situaccedilatildeo parece ter tido uma pausa Eacute o periacuteodo de encerramento do
trabalho das cacircmaras em Janeiro Caxias assume o comando das tropas aliadas
Alguns rumores correm a cidade conta de que o ministeacuterio pretende mudanccedilas e
encontra certa resistecircncia de D Pedro II A verdade segundo ele eacute que a situaccedilatildeo
deve ter fim A corrupccedilatildeo toma conta do Estado e natildeo se consegue uma
intervenccedilatildeo estando todos preocupados com a guerra natildeo se enxerga a corrupccedilatildeo
na administraccedilatildeo do Paiacutes Alencar sugere que a devassidatildeo que se daacute soacute terminaraacute
quando a consciecircncia do povo mudar ou quando o paiacutes natildeo tiver mais o que ser
corrompido
O corretivo da desmoralizaccedilatildeo sairaacute de seu proacuteprio seio quando natildeo haja mais nada a corromper e a dissoluccedilatildeo tenha-se operado no paiacutes todo entraremos necessariamente no periacuteodo embrionaacuterio de uma nova existecircncia poliacutetica em uma era de reorganizaccedilatildeo (ALENCAR 2009 p358)
Essa visatildeo pessimista tem um pouco de rancor por conta da manobra da comenda
oferecida ao missivista pelo Imperador mas natildeo deixa de levar em conta a proposta
de que agora com as mudanccedilas na direccedilatildeo da Guerra do Paraguai esta encontre
49 Intitulada ldquoUltima cartardquo Alencar dava por fim seu projeto
seu termo e tenha um fim o deacuteficit puacuteblico (que soacute se ampliava e seguiria D Pedro II
ateacute sua deposiccedilatildeo em 1889) e que agora eacute o momento em que D Pedro II natildeo deve
intervir A escolha por Caxias sugerida ateacute mesmo por Alencar poderia mudar os
rumos ateacute aqui e jaacute havia os rumores de que finalmente o Imperador iria ceder aos
apelos do Conde Drsquoeu ndash marido ldquoestrangeirordquo de Isabel ndash para que o enviasse ao
Paraguai e virasse tambeacutem um heroacutei do Brasil (ou encontrasse alguma atividade
qualquer para sua real pessoa) O interesse na guerra chega a ser observado por
Isabel em carta recolhida por Schwarcz No recorte Isabel indica seus medos
Papai me disse que a paixatildeo eacute cega Que a sua paixatildeo pelos negoacutecios da guerra natildeo o tornem cego Aleacutem disso Papai quer matar o meu Gaston Feijoacute recomendou-lhe muito que natildeo apanhasse sol nem chuva nem sereno e como evitar-lhe isso quando se estaacute na guerra (SCHWARCZ 1999 p 485)
Alencar natildeo estava errado haja vista as opccedilotildees que tinha o Imperador em sua
famiacutelia Mas seu conselho eacute a cautela Resolve nesta uacuteltima carta fazer um
apanhado de suas criacuteticas citando o problema da especulaccedilatildeo financeira que
ldquoassalta a riqueza puacuteblica e particular que potildeem em siacutetio todos os interesses
legiacutetimos da sociedaderdquo (ALENCAR 2009 p368) O avanccedilo dos progressistas
dilapidando as bases do governo estruturadas em um modelo de democracia que se
baseia na disputa entre os dois partidos entatildeo majoritaacuterios o liberal e o conservador
a inexperiecircncia dos parlamentares e demais dirigentes chamados por ele crianccedilas
as quais ldquoquase que saiacuteram dos cueiros para as cadeiras da Cacircmara dos Deputados
e para as poltronas ministeriaisrdquo (ALENCAR 2009 p369) lembrando a situaccedilatildeo do
golpe da maioridade com que D Pedro II chega ao poder quando afirma que ldquovoacutes
sabeis senhor e ningueacutem melhor do que voacutes que moralmente eacute a verdaderdquo
(ALENCAR 2009 p369) Critica a gastanccedila e a dilapidaccedilatildeo do tesouro a
depravaccedilatildeo dos costumes e da ordem puacuteblica afirmando que o gabinete eacute corrupto
e que tal corrupccedilatildeo se espalha com o conhecimento e por vezes o apoio da casa
imperial quando permite ldquolanccedilar agraves enxurradas tiacutetulos e condecoraccedilotildees por todo o
paiacutes [onde] com dois contos de reacuteis um aventureiro se condecorava com a fita que
voacutes trazeis ao peito como gratildeo-mestre das ordens brasileirasrdquo (ALENCAR 2009
p370) tatildeo somente com o intuito de captaccedilatildeo de dinheiro Culpa novamente o
Partido Progressista como o verme que destroacutei o paiacutes se vende ao comeacutercio e ldquoo
comeacutercio satildeo alguns indiviacuteduos ou mais atilados ou mais decididos que dirigem o
pensamento dos outrosrdquo (ALENCAR 2009 p371) aprovando ideias projetos e
mudanccedilas na poliacutetica
A situaccedilatildeo do periacuteodo na opiniatildeo de Alencar natildeo eacute de tranquilidade e
desenvolvimento mas de corrupccedilatildeo e descontrole As figuras que aviltam o paiacutes e
estatildeo por toda a parte seguem na narrativa satildeo eles
o parlamentar sem escruacutepulos nem convicccedilotildees que se faz servo de todos os governos () o poliacutetico cheio de cobiccedila que errou sua natural vocaccedilatildeo de agiota () o ministro que para conservar-se no poder natildeo duvida associar-se a indignos instrumentos () o funcionaacuterio puacuteblico sem dignidade ()o negociante que em vez de desenvolver sua atividade no campo livre da induacutestria anda farejando pelas cercanias do poder algum pingue contrato de fornecimentordquo (ALENCAR 2009 p 373-374)
Todos estes constituem o conjunto de forccedilas que atuam dentro do sistema
correndo-o A soluccedilatildeo seria um processo de moralizaccedilatildeo do Estado Por outro lado
sendo atingida em seus preceitos a famiacutelia que ldquoassiste sem querer a essa
representaccedilatildeo da comeacutedia perigosardquo (ALENCAR 2009 p374) que seria o uacuteltimo
refuacutegio da moralidade e a base da sociedade se sente ameaccedilada Cabe lembrar
que essa recusa de Alencar em aceitar mudanccedilas na estrutura dos partidos natildeo
condiz com o pensamento liberal (KENNY 1998) Segundo Alencar
O domiacutenio progressista devido agrave vossa niacutemia complacecircncia natildeo atuou unicamente sobre a poliacutetica sua decidida influecircncia na sociedade na vida privada estaacute bem patente As maacuteximas de governo adotadas nestes uacuteltimos tempos foram insinuando na domesticidade do cidadatildeo ideias e tendecircncias ateacute agora desconhecidas (ALENCAR 2009 p 373)
A deturpaccedilatildeo dos valores morais do ser humano eacute reconhecida nos personagens da
famiacutelia No pai no marido no filho que assistem a tudo e ndash se natildeo se reconhecem ndash
se inspiram A instituiccedilatildeo forte ldquoque repelia com indignaccedilatildeo as mais brilhantes
seduccedilotildees do mal agora flaacutecida e lacircnguida recebe quanto lhe deitam amolda-se a
qualquer pressatildeordquo (ALENCAR 2009 p374) E este eacute o retrato que se ldquoobserva em
geral na vida domeacutestica deste paiacutes Eis o segredo de todas estas defecccedilotildees de
caracteres que diariamente registra a opiniatildeo puacuteblicardquo soacute se tem apreccedilo pelo
dinheiro a cobiccedila ao ldquolar brasileiro onde outrora pendiam com as alegrias da
famiacutelia os penates da religiatildeo e do amor [agora] soacute haacute presentemente um iacutedolo o
bezerro de ourordquo (ALENCAR 2009 p377) E que ouro Eacute ali que ldquotodos os dias se
formam almas progressistas que devem mais tarde substituir os corifeus da
atualidaderdquo (ALENCAR 2009 p377) A moral base da sociedade estaacute subvertida
Vale lembrar que o argumento eacute legal A moral catoacutelica pregada eacute a ordem presente
para todos e assumida na lei dentro do projeto conservador de Alencar Mesmo o
herdeiro do trono jaacute rezava a constituiccedilatildeo poliacutetica do impeacuterio do Brasil de 1824 no
juramento que prestaria perante o senado ao aniversaacuterio de quatorze anos como
indica o artigo 106 se comprometia a manter a religiatildeo Catoacutelica Apostoacutelica Romana
observar a Constituiccedilatildeo Politica da Naccedilatildeo Brasileira e ser obediente aacutes leis e ao
Imperador
Voltando ao texto a sugestatildeo de Alencar eacute a de civilizar o negro ndash influecircncia
perniciosa dentro da famiacutelia - pelo trabalho e em seu contato com o branco - a ldquoraccedila
cultardquo O escravo domeacutestico eacute aquele que estaacute mais proacuteximo dos patrotildees do contato
direto com o branco partilhando de seus segredos seus problemas e suas
deficiecircncias Conhece o cotidiano da casa e partilha de um espaccedilo de limitaccedilotildees
com mulheres e crianccedilas entes de menor valor na sociedade patriarcal do seacuteculo
XIX Natildeo eacute nunca um igual algueacutem que partilha dos mesmos direitos de seus
senhores Eacute sempre um ser inferior que nunca mereceria ser elevado a dignidade
de seus senhores Gorender (2002) nos conta que Thomas Jefferson que foi o
redator da declaraccedilatildeo da Independecircncia dos Estados Unidos segundo a qual todos
os homens satildeo iguais era um grande proprietaacuterio de escravos e natildeo via nenhuma
incoerecircncia nisto pois julgava que os negros pertenciam a uma raccedila de inteligecircncia
inferior Eacute como se Alencar abraccedilasse o princiacutepio juriacutedico baacutesico de diferenciaccedilatildeo
entre naccedilatildeo e populaccedilatildeo onde sua defesa do liberalismo se refere a naccedilatildeo
brasileira e como se a escravidatildeo referisse aos elementos da populaccedilatildeo ndash os
desvinculados a naccedilatildeo brasileira mas de nacionalidade africana transportados para
o Brasil por meio da escravidatildeo Todos dentro de um mesmo territoacuterio mas com
realidades diferentes determinadas pela lei
Tornando ao texto percebe-se aqui uma associaccedilatildeo da cultura negra cooptada
para ldquodentrordquo da famiacutelia e nas relaccedilotildees do patriarcado em oposiccedilatildeo ao elemento
externo tanto o europeu (inglecircs ou portuguecircs ou outro mais) que se estabelece e
passa a usufruir das condiccedilotildees propiacutecias que a coroa ainda permite como o
imigrante com seus valores e idiossincrasias um elemento externo agrave famiacutelia mas
totalmente associada ao contexto das relaccedilotildees econocircmicas do periacuteodo Alencar
sugere uma escolha entre a escravidatildeo e a imigraccedilatildeo os dois males presentes e ao
mesmo tempo as duas soluccedilotildees possiacuteveis para a manutenccedilatildeo tanto do trabalho
como das elites
Podemos admitir que o Rio de Janeiro do periacuteodo se caracteriza como uma
sociedade onde o maior distanciamento social se manifesta com a maior
proximidade social entre os pares senhorescravo (CHARTIER 1999) e eacute a proacutepria
concepccedilatildeo ndash ou usufruto ndash da liberdade que os diferencia Um caso particular eacute o do
escravo domeacutestico Um escravo domeacutestico natildeo eacute um trabalhador do campo um
escravo do eito ndash diretamente ligado agrave produccedilatildeo Pertence ao mundo urbano ao
ambiente da casa-grande e natildeo da senzala O tratamento modelar que propotildee
deriva da questatildeo para a adaptaccedilatildeo do modelo econocircmico escravo para o trabalho
livre a partir da demanda criada pela cidade com novos empregos devido ao
desenvolvimento do capitalismo O modelo que propotildee seria para um escravo da
cidade se adaptar as relaccedilotildees econocircmicas dali para a constituiccedilatildeo talvez de um
proletariado urbano enquanto a massa de matildeo-de-obra agriacutecola permaneceria da
mesma forma enquanto conviesse ao produtor rural ao Senhor de escravos E a
transformaccedilatildeo do modelo deve ser tambeacutem tutelada e monitorada pela Elite Alencar
defende veementemente a tutela posterior do escravo liberto pelo antigo senhor Em
Alencar mesmo que haja o fim do viacutenculo da escravidatildeo os laccedilos criados
permanecem com a tutela e a manutenccedilatildeo da matildeo de obra No fim nada muda
nem mesmo as condiccedilotildees de trabalho O elemento branco masculino europeu
cristatildeo se torna tambeacutem aqui no Brasil o modelo a ser seguido e obedecido
mesmo porque a percentagem de escravos na cidade natildeo era pequena Novais
(1997) informa que a Corte abriga em 1849 em nuacutemeros absolutos a maior
concentraccedilatildeo de escravos urbanos no mundo desde o impeacuterio romano Em 1850
de um total de 206 mil habitantes em aacuterea urbana 79 mil (portanto 36) eram
escravos Sabemos que os padrotildees de comportamento da sociedade acompanham
as mudanccedilas no cenaacuterio poliacutetico que vem a acontecer no Brasil desde o iniacutecio do
seacuteculo XIX isso foi sentido tambeacutem no modelo da famiacutelia Com o fortalecimento
econocircmico do Rio de Janeiro ndash capital do reino ndash a riqueza passa a fazer parte da
cidade e o comeacutercio se desenvolve grandemente A escravidatildeo ainda eacute uma questatildeo
mal resolvida dentro e fora de casa para o desenvolvimento de um liberalismo
poliacutetico e econocircmico Mas essa amalgama proposta por Alencar eacute seu projeto
liberalconservador com a moralizaccedilatildeo do Estado a diminuiccedilatildeo da intervenccedilatildeo
deste nos negoacutecios privados um desenvolvimento do capitalismo ainda ldquoperifeacutericordquo
onde haacute consumidores e natildeo existe produccedilatildeo e a manutenccedilatildeo da escravidatildeo como
base para a agricultura agroexportadora se faz necessaacuteria para a manutenccedilatildeo dos
privileacutegios da elite e garantia de uma induacutestria (agricultura) lucrativa Alencar
concorda com a pregaccedilatildeo dos liberais moderados em que os privileacutegios dos grupos
ligados a propriedade de terra deve ser mantido mesmo que a custo da manutenccedilatildeo
da escravidatildeo pois eacute o que garante o desenvolvimento da economia e da proacutepria
naccedilatildeo O argumento contra a mudanccedila eacute expresso por Evaristo da Veiga em uma
ediccedilatildeo do Aurora Fluminense em 1829 quando diz que os moderados satildeo contra
toda espeacutecie de ldquotiraniardquo contra todos os excessos que possa haver (PRADO
2001) Mas aqui ldquoexcessosrdquo para Evaristo quer dizer atitudes que possam mudar
as condiccedilotildees de produccedilatildeo de forma brusca Extremismos dos liberais radicais que
possam deturpar a ordem estabelecida
Alencar sugere que o clima percebido no paiacutes (na opiniatildeo puacuteblica) anuncia
mudanccedilas revolucionaacuterias talvez E natildeo estamos muito distantes aqui das uacuteltimas
revoluccedilotildees liberais do periacuteodo regencial Zacarias de Goacuteis entatildeo no gabinete eacute um
dos grandes defensores da proposta de que o Imperador reina mas natildeo governa
(chega a publicar um livro sobre o assunto) que D Pedro II natildeo deve interferir
diretamente na administraccedilatildeo ndash leia-se poder moderador Mas segundo Alencar o
gabinete do jeito que estaacute tambeacutem natildeo consegue levar o governo O que haacute de se
esperar Propotildee jaacute que somente com a pressatildeo popular conseguiraacute mudar tal
gabinete ldquodai reacutedeas ao ministeacuterio Quanto mais breve provoque ele o motim com
seus erros menos sofreremosrdquo (ALENCAR 2009 p382) A questatildeo em Alencar
contudo natildeo eacute a defesa do modelo de trabalho escravo A lei garante isto Sua
defesa visa a opiniatildeo puacuteblica e a manutenccedilatildeo dos valores em um quadro em que eacute
preciso ldquoadministrarrdquo o conteuacutedo liberal a ser mostrado sob um filtro conservador
Concordando entatildeo com o que diz Bosi (1988) afirmamos que o liberalismo
defendido por Alencar se apresenta como uma sineacutedoque em que um conteuacutedo
escolhido se torna representativo do todo desvirtuando assim as ideias originais do
liberalismo e criando discurso ideoloacutegico que visa sustentar uma elite no poder
representada pelos latifundiaacuterios ricos comerciantes e traficantes de escravos para
quem a economia agroexportadora baseada no braccedilo escravo trazia lucros e
portanto deveria permanecer como a base econocircmica do Brasil
No uacuteltimo capiacutetulo anuncia a despedida de Erasmo certo de que sua identidade eacute
conhecida Justifica o seu pseudocircnimo dizendo que para se dirigir a figura do
Imperador com um conjunto de criacuteticas poderoso ndash escolhe entatildeo o pseudocircnimo
baseando-se na figura do filoacutesofo e intelectual renascentista que natildeo casualmente
foi tambeacutem professor - como o fez ldquoera necessaacuterio ter um nome respeitado cheio de
prestiacutegio e autoridade Faltando [-me] esse tiacutetulo soacute me restava o da verdaderdquo
(ALENCAR 2009 p385) e eacute a verdade (sob sua oacutetica a de um intelectual do
periacuteodo claro) que foi descrita aqui A soluccedilatildeo para o cidadatildeo comum eacute rir disto
tudo da comeacutedia que se tornou o paiacutes O cidadatildeo cordado diz ou chora ou
gargalha E parece cada vez mais ser isolado de uma efetiva participaccedilatildeo poliacutetica
extremamente necessaacuteria nesse regime constitucional Anuncia que natildeo acredita ser
tudo isto culpa de D Pedro II mas das elites que dominam o povo Termina com
letras garrafais afirmando que ldquoa liberdade nos paiacuteses constitucionais natildeo depende
do rei e soacute do povo () Mas infelizmente do povo que natildeo sabe governar-serdquo
(ALENCAR 2009 p389)
A resposta de D Pedro II viria logo depois com a queda do gabinete Zacarias de
Goacuteis Para o novo ministeacuterio a pasta da justiccedila eacute entregue a Alencar por sugestatildeo
do presidente do gabinete Itaboraiacute no chamado gabinete-bomba sob a presidecircncia
de Itaboraiacute A soluccedilatildeo eacute bem simples para o Imperador e pode parecer como uma
pequena vinganccedila pessoal como Alencar parece conhecer tatildeo bem os problemas
do Brasil ele que os resolva
4 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
A histoacuteria das antigas religiotildees e escolas como a dos partidos e revoluccedilotildees modernas nos ensina que o preccedilo da sobrevivecircncia eacute o envolvimento praacutetico a transformaccedilatildeo de ideias em dominaccedilatildeo
Adorno e Horkheimer
Para o conjunto das cartas - aqui analisado de forma natildeo exaustiva - haacute muitos
outros aspectos relevantes que dada a dimensatildeo do trabalho natildeo pudemos
alcanccedilar Natildeo se pretende aqui um diagnoacutestico geral e futuro da sociedade brasileira
mas sobretudo a partir do texto a compreensatildeo da situaccedilatildeo poliacutetica econocircmica e
social do periacuteodo na visatildeo de um agente poliacutetico que se apresenta como um
intelectual orgacircnico Sua praacutexis transformadora eacute a criacutetica ao sistema em forma de
mobilizaccedilatildeo da opiniatildeo puacuteblica Esse eacute um exemplo do processo ao qual Gramsci
(1999) chama de catarse a elaboraccedilatildeo da estrutura em superestrutura quando da
tomada de consciecircncia destes leitores da capacidade de transformaccedilatildeo social que
lhes eacute possiacutevel conseguir e que soacute se efetiva a partir da participaccedilatildeo de cada
indiviacuteduo Alencar consegue mobilizar-se (e usar) em um veiacuteculo de comunicaccedilatildeo
com um novo formato e distribuiccedilatildeo com as cartas e alcanccedilar um puacuteblico leitor que
caracteriza a maior parte da opiniatildeo puacutebica do periacuteodo Dissemos anteriormente que
o alcance eacute dado importante na consolidaccedilatildeo da ideologia que eacute preciso partilhar
com o grupo o discurso Deixamos claro tambeacutem que discurso em favor da
manutenccedilatildeo da escravidatildeo natildeo era novo estaacute em debate jaacute com as ideias de Joseacute
Bonifaacutecio no primeiro reinado com os produtores de cana nordestinos e seus
representantes com Euzeacutebio de Queiroz com o grupo saquarema e vaacuterios outros
deputados e senadores que se apresentavam com seus proacutes e contras Alencar
poderia escrever livros e livros justificando a escravidatildeo mas tinha a clareza de que
seu argumento eacute injustificado ndash considerando-se algueacutem que se propotildee um liberal -
e que a aboliccedilatildeo era mais dia menos dia inevitaacutevel Diferindo da accedilatildeo de Gramsci
que pretendia reduzir desigualdades entre todos os homens o nuacutecleo transformador
de Alencar era mais segmentado (afinal ele nunca deixou de ser um representante
da aristocracia) como pudemos observar examinando dos dados sobre o niacutevel de
formaccedilatildeo intelectuais desses grupos mas eacute a disseminaccedilatildeo de suas ideias que as
tornaraacute comum a todos (era esta a sua proposta) determinando assim o curso
contiacutenuo da ideologia
Pudemos observar que o diferencial de Alencar foi identificar uma mudanccedila na
conjuntura poliacutetica com grupos de pressatildeo os mais diversos alimentando a ideia de
uma aboliccedilatildeo da escravidatildeo em um momento que a imprensa ndash entatildeo em
emergecircncia na Corte do Brasil ndash traz novas ideias baseadas no liberalismo poliacutetico e
econocircmico europeu para os grupos perifeacutericos da elite que se configuram como
uma opiniatildeo puacuteblica centrada em uma burguesia citadina que se desenvolve
grandemente no periacuteodo Com isso Alencar busca usar um veiacuteculo de comunicaccedilatildeo
de grande alcance para tentar mobilizar esta opiniatildeo puacuteblica em seu favor no caso
aqui tratado em favor das ideias de manutenccedilatildeo da escravidatildeo Dessa feita
observamos tambeacutem que as cartas poliacuteticas de Alencar objeto de nosso estudo satildeo
uma obra de teor criacutetico poliacutetico-social mas tambeacutem tem como objetivo divulgar o
pensamento de Alencar e consolida-lo como figura valorosa no cenaacuterio poliacutetico da
Corte Seu caminho jaacute foi escolhido eacute o do partido conservador ser-lhe-aacute fiel ateacute o
fim Mas como pudemos observar as diferenccedilas entre os dois partidos natildeo eram
tatildeo acentuadas e os dois acabavam por defender o sistema monaacuterquico O Rio de
Janeiro com a onda de independecircncia poliacutetica nos seacuteculos XVIII e XIX eacute o reduto
monarquista da Ameacuterica Latina eacute bom lembrar
O que tambeacutem pudemos observar no texto de Joseacute de Alencar eacute a tentativa a partir
de estrateacutegias discursivas muacuteltiplas de disseminar um conteuacutedo ideoloacutegico
sugerindo a manutenccedilatildeo de um conservadorismo de molde monarquista e baseado
no regime escravagista Tais estrateacutegias buscam um ldquolugarrdquo diferenciado para o
discurso longe das disputas partidaacuterias longe da possibilidade do debate direto
Isso eacute mostrado na opccedilatildeo para a publicaccedilatildeo das cartas em ldquofolhetinsrdquo textos
impressos tambeacutem em graacuteficas mas natildeo no ldquocorpordquo de um jornal (o que poderia ter
sido relativamente faacutecil para Alencar no momento visto sua posiccedilatildeo como editor de
um importante jornal na Corte) Deslocar o texto da miacutedia ldquojornalrdquo para um veiacuteculo
alternativo desloca tambeacutem o discurso e cria uma situaccedilatildeo confortaacutevel de
hegemonia podemos assim dizer ndash mesmo porque era ele o uacutenico a fazecirc-lo no
momento Um traccedilo do manifesto de Alencar no texto eacute acreditar que o intelectual
tem o dever de iluminar o caminho do desenvolvimento e o desenvolvimento poliacutetico
e econocircmico pregado nas ideias de Alencar tem base nas ideias liberais D Pedro II
se guiaria pela opiniatildeo puacuteblica que pode ndash segundo dados de Alencar ndash ser medida
na publicitaccedilatildeo dos atos do governo pelos jornais E os jornais da Corte nos garante
ele jaacute estatildeo todos nas matildeos do ministeacuterio e o Imperador prefere sempre o caminho
da conciliaccedilatildeo os partidos conservador e liberal natildeo detecircm espaccedilos na imprensa de
grande circulaccedilatildeo e seus pequenos jornais poliacuteticos natildeo satildeo de grande alcance o
que apresenta um campo aberto para o texto de Alencar Eacute dessa forma que
entendemos o que pode ser aqui descrito pelo conceito de bloco histoacuterico
(GRAMSCI 1999) que eacute a articulaccedilatildeo de um conjunto de praacuteticas e concepccedilotildees
para garantir a manutenccedilatildeo de uma situaccedilatildeo histoacuterica determinada
Cabe lembrar que para que a ideologia seja eficaz o discurso deve se manter o
mesmo ignorando as mudanccedilas que possam vir a acontecer (CHAUI 1997) Mesmo
com o fim da escravidatildeo que Alencar sugere eminente eacute preciso que ela se
mantenha por mais algum tempo (e enquanto for possiacutevel) A decorrente captaccedilatildeo
de Alencar para o ministeacuterio vem disso Sua capacidade de reflexatildeo e mobilizaccedilatildeo
foi reconhecida e este que jaacute foi deputado e pertence agraves fileiras do partido
conservador seria devidamente enquadrado nos quadros do governo onde sua
ldquoliacutenguardquo pudesse ser reduzida via cargo puacuteblico juntando-o agrave burocracia passando
assim a fazer parte do governo que criticara Natildeo eacute de todo correto o que os
bioacutegrafos pesquisados aqui como Menezes (1965) Neto (2006) e Aguiar (1984)
dizem sobre a relaccedilatildeo de desconfianccedila ideoloacutegica que D Pedro II teria por Alencar
quando natildeo escolhe em lista triacuteplice seu nome para uma cadeira no senado o
motivo natildeo eacute somente este Com as cartas o imperador vecirc que Alencar eacute mesmo
um elemento importante do conservadorismo e que poderia confiar em suas ideias
e em suas atitudes colocando-o sob os braccedilos do governo A captaccedilatildeo de Alencar
para o ministeacuterio apesar de ele revelar-se extremamente competente segue o
mesmo caminho das condecoraccedilotildees e concessotildees de tiacutetulos que eacute criar uma
aristocracia dependente dos favores da coroa tendo no caso da burocracia o
elemento controlador e deixando o ldquoperigordquo bem a vista do imperador Os motivos
tambeacutem parecem ser de ordem pessoal em um relacionamento que nunca teve
tanta cordialidade D Pedro II como mostramos sequer queria demitir o Alencar do
cargo de Ministro da Justiccedila atestando assim a competecircncia deste
Novamente com Gramsci entendemos que o discurso desenvolvido nas cartas de
Erasmo tem todas as caracteriacutesticas da ideologia partilhada pelas classes
dominantes Alencar tenta se localizar acima do lugar comum acima das outras
miacutedias como o jornal ou mesmo os folhetins que ajudou a popularizar acima ateacute dos
partidos reafirmamos que essa proposta conservadora ndash baseada em uma eacutetica
moral cristatilde ndash eacute parte de um conjunto ideoloacutegico partilhado pelas classes dominantes
(mesmo por segmentos liberais e conservadores) e que tem em vista ndash agora com
Alencar ndash a criaccedilatildeo de uma utopia
A partir de nossa anaacutelise sustentamos aqui que - segundo Chauiacute - a utopia nasce
como gecircnero na literatura constituindo a narrativa sobre uma sociedade perfeita e
feliz e ao mesmo tempo como discurso poliacutetico na exposiccedilatildeo sobre uma forma para
a cidade justa (CHAUIacute 2008) O termo topos em grego significa lugar e o prefixo ldquourdquo
indica um sentido negativo como um ldquonatildeo lugarrdquo ou lugar desconhecido ou ainda
no sentido da obra o diferente do que conhecemos e praticamos eacute a possibilidade
de interaccedilatildeo com a alteridade (CHAUIacute 2008) Eacute esta a proposta de Alencar a utopia
no sentido possiacutevel alcanccedilaacutevel por meio de um conjunto de ideias baseadas no
liberalismo claacutessico com traccedilos marcantes de conservadorismo Seu texto ndash natildeo
lugar ndash eacute lugar de passagem rumo a construccedilatildeo de um fim possiacutevel que ele
acredita indicar como uma postura para a sociedade que comeccedila a se desenvolver
no paiacutes Mas uma sociedade em que as classes satildeo bem definidas a elite o povo e
os outros50 Vale argumentar como jaacute comentado anteriormente no capiacutetulo que
refere a biografia de Alencar sua praacutetica de leitura para um grupo de pessoas Em
Chartier (1999) por exemplo observamos tal praacutetica (dentro da famiacutelia ateacute com
grupos proacuteximos ao nuacutecleo familiar) na Europa ainda nos seacuteculos XVII e XVIII com a
venda avulsa de livros sobre a vida dos santos contos de fadas e romances de
cavalaria ndash para citar os gecircneros com maior venda - por toda a parte para as
50
Um dado interessante eacute o de que Tomas Morus autor do claacutessico Utopia a que nos referimos aqui
natildeo chega a publicar seu livro sendo decapitado a mando de Henrique VIII em 1535 O livro seria publicado poucos anos depois na Basileacuteia (Suiacuteccedila) por Erasmo a quem este estava ligado por laccedilos de amizade
camadas populares natildeo soacute nas cidades mas tambeacutem em lugares os mais distantes
As ideias de Alencar poderiam chegar a mais e mais pessoas sem que o proacuteprio
autor tivesse condiccedilotildees de mensurar tal alcance Mas por outro lado natildeo podemos
ser ingecircnuos e acreditar que tais condiccedilotildees de leitura natildeo fossem - mesmo que
parcialmente - conhecidas por Alencar sendo este um jornalista e autor literaacuterio de
renome e um dos poucos que puderam dizer ainda em vida que vendiam suas
obras
Alencar estava ciente da forccedila de seu projeto e tinha consciecircncia da repercussatildeo
que conseguiu logo depois da publicaccedilatildeo da primeira carta Na segunda ediccedilatildeo das
cartas ao Imperador datada de 1866 e impressa na Typographia de Cacircndido
Augusto de Mello no Rio de Janeiro Alencar escreve na advertecircncia ao texto ndash
referindo-se a publicitaccedilatildeo da primeira ediccedilatildeo que ldquoa tentativa foi bem decidida O
favor puacuteblico a acompanhou e deu-lhe forccedilas e estiacutemulos para progredirrdquo
(ALENCAR 2009 p08) Natildeo haacute uma poetizaccedilatildeo da poliacutetica nem a utopia romacircntica
nesse momento apenas as estrateacutegias discursivas no texto com o objetivo
especiacutefico de disseminar um discurso ideoloacutegico para a construccedilatildeo da verdadeira
utopia O seu modelo de naccedilatildeo que como advogado segue o princiacutepio geral do
Direito e apresenta uma clara separaccedilatildeo entre povo e populaccedilatildeo
Alencar bem sabia o que estava a fazer com as cartas e sabia tambeacutem que estava
sendo acompanhado pelos leitores e tinha condiccedilatildeo de sugerir ldquoopiniotildeesrdquo para esse
puacuteblico enquanto reafirma constantemente sua opccedilatildeo pela aristocracia e a
monarquia ndash confirmando tambeacutem as ideias em defesa da escravidatildeo Em seu
modelo de transformaccedilatildeoconservaccedilatildeo opta pela afirmaccedilatildeo de valores
tradicionalmente aceitos pela burguesia pela moral cristatilde e a preservaccedilatildeo do
modelo da famiacutelia cristatilde do patriarcado e pelo liberalismo econocircmico Um modelo
que deve ndash segundo suas convicccedilotildees - perpetuar-se mesmo com as transformaccedilotildees
sociais que o desenvolvimento da cidade e da sociedade brasileira prenuncia
Cabe lembrar que pode ser observado que os grupos representativos das elites no
Rio de Janeiro jaacute demonstravam um misto de preconceito racial e econocircmico tanto
com a populaccedilatildeo livre e mesticcedila como a populaccedilatildeo de escravos e ex-escravos que
se multiplicava vendo nessas pessoas apenas instrumentos para o trabalho e
obtenccedilatildeo de lucros E sua ideia nos parece claro eacute que permanecessem assim
Cabe lembrar que quando da publicaccedilatildeo das ldquonovas cartas ao Imperadorrdquo entre
186869 a Inglaterra paiacutes que exercia forte influencia na sociedade brasileira tanto
poliacutetica quanto economicamente jaacute dava os primeiros sinais das mudanccedilas de
relaccedilotildees trabalhistas com a liberaccedilatildeo dos sindicatos trabalhistas e o direito de greve
e outros direitos que viriam a integrar o conjunto ateacute 1875 (HOBSBAWN 2011) e
com certa resistecircncia tambeacutem na Franccedila o que consequentemente poderia se
estender e chegar aqui junto com trabalhadores imigrantes europeus modificando
as relaccedilotildees entre patratildeo e empregado - que seriam inevitavelmente muito diferentes
da anterior relaccedilatildeo senhorescravo Acreditamos que nessa perspectiva o estudo
do trabalho de Alencar e suas ideias frente agrave escravidatildeo se torna pertinente visto
que as teorias que se podem classificar como ldquoracistasrdquo e de valorizaccedilatildeo da raccedila
branca soacute vem a se instalar no Brasil em uma eacutepoca senatildeo posterior ao menos
contemporacircnea ao nosso recorte Destacamos aqui baseado no que mostra
Skidmore (1989) o trabalho do historiador inglecircs Henry Thomas Buckle a ldquoHistoacuteria
da civilizaccedilatildeo na Inglaterrardquo publicada em vaacuterios volumes entre 1857 e 1861 que
defendia uma filosofia do determinismo climaacutetico onde as raccedilas oriundas de lugares
de climas mais quentes seriam mais bem adaptadas para o trabalho braccedilal Seu
contemporacircneo Arthur de Gobineau um francecircs que chega a trabalhar no Brasil
como diplomata em 1869 edita seu ldquoEssai sur lrsquoInegaliteacute des Races Humainesrdquo em
1853 aonde defende que a sociedade multirracial que se via aqui soacute servia para a
degeneraccedilatildeo tanto de negros como de europeus criando uma mesticcedilagem fraca e
esteacutereo Outras teoacutericos tiveram suas ideias divulgadas em um periacuteodo posterior e
alguns ficaram bastante conhecidos aqui como no caso do argentino Joseacute Inginieros
e do francecircs Louis Couty que publica um diaacuterio de sua viagem pelo Brasil em 1868
feita com o auxilio de sua esposa trecircs anos antes (SKIDMORE 1989) Cabe
lembrar tambeacutem que a questatildeo do preconceito eacute somente uma parte da histoacuteria
A defesa da instituiccedilatildeo familiar em seu modelo cristatildeo catoacutelico tambeacutem eacute uma
caracteriacutestica do pensamento do missivista Segundo Alencar faz-se necessaacuterio
dentro deste projeto submeter-se a instituiccedilatildeo a certos ajustes optando pela
reafirmaccedilatildeo de valores tradicionalmente aceitos reafirma todo seu modelo como o
adequado e defende que este deve perpetuar-se em detrimento das
transformaccedilotildees sociais que vem ocorrendo com o desenvolvimento da cidade e que
acusa como degradadoras dos valores morais Que eacute preciso acabar com a ineacutercia
do povo (talvez se referindo a necessidade de braccedilos para a lavoura natildeo a
revoluccedilotildees populares) com o egoiacutesmo dos estadistas e a distacircncia que o Estado ndash
na figura do Imperador ndash tem da administraccedilatildeo puacuteblica A constante criacutetica a ineacutercia
do povo configura a afirmaccedilatildeo de que no constitucionalismo todo participam do
processo decisoacuterio a partir do ldquocontrato socialrdquo Entatildeo todos devem se mobilizar
pois satildeo corresponsaacuteveis por tudo na sociedade
A tiacutetulo de organizaccedilatildeo das ideias podemos afirmar que Alencar um intelectual
militante no oitocentos busca na imprensa uma forma de educaccedilatildeo e ao mesmo
tempo de mobilizaccedilatildeo de determinadas camadas sociais que estatildeo na periferia da
elite e que vem estruturando-se como uma opiniatildeo puacuteblica na Corte com um
discurso ideoloacutegico e moralizante marcado pela valorizaccedilatildeo das tradiccedilotildees e pelo
pensamento liberal ndash devidamente adaptado para a realidade escravagista do Brasil
o que vem a se tornar um sistema com caracteriacutesticas ao mesmo tempo liberais e
conservadoras No caso Alencar serve como instrumento para uma multiplicaccedilatildeo da
ideologia da elite aristocraacutetica que se forma no Brasil depois da independecircncia
tendo na Corte do Rio de Janeiro e na defesa das instituiccedilotildees seu nuacutecleo de poder e
seu norte de dominaccedilatildeo Alencar se forma no curso de Direito em 1849 (na turma de
50) e jaacute no iniacutecio de sua militacircncia jornaliacutestica observa os reflexos da restauraccedilatildeo
da Europa depois das malsucedidas accedilotildees da primavera dos povos E segundo
Hobsbawn (2011) as economias se recompuseram e a partir daiacute paiacuteses como a
Alemanha Itaacutelia o impeacuterio dos Habsburgos (para citar alguns) tiveram um
desenvolvimento econocircmico acelerado Era esta a referecircncia direta observada pelo
Alencar para a defesa da monarquia e este deveria ser o modelo para o Brasil
Monarquia e constitucionalismo
Observa-se assim concordando com o que propotildee Foucault (2004) que o poder
natildeo se restringe ao Estado a uma pessoa determinada ou a um grupo de pessoas
este eacute muacuteltiplo e diversificado aparecendo de modo diferente em diferentes esferas
da sociedade O poder no sentido aqui descrito eacute algo que se manteacutem a partir do
aceite do grupo a que este se refere Norberto Bobbio apresenta um conceito de
poder que vai ao encontro do que procuramos Poder eacute ldquoa capacidade do homem
em determinar o comportamento do homemrdquo (BOBBIO 1998 p933) Mais adiante
o autor alarga seu conceito de poder explicitando
O conceito em que conveacutem basear este alargamento da noccedilatildeo de Poder eacute o conceito de interesse tomado em sentido subjetivo isto eacute como estado da mente de quem exerce o Poder Diremos entatildeo que o comportamento de A que exerce o Poder pode ser associado mais que agrave intenccedilatildeo de determinar o comportamento de B objeto do Poder ao interesse que A tem por tal comportamento As relaccedilotildees de imitaccedilatildeo por exemplo onde falta a intenccedilatildeo no imitado de se propor como modelo se incluem em Poder se a imitaccedilatildeo corresponde ao interesse do imitado (como em certas relaccedilotildees entre pai e filho) mas natildeo se incluem se agrave imitaccedilatildeo natildeo corresponde o interesse do imitado (BOBBIO 1998 p 934)
Entendemos que haacute sempre algueacutem predisposto a aceitar o poder Mas como se daacute
tal aceite Eacute justamente nas relaccedilotildees interpessoais as quais se constituem por meio
da internalizaccedilatildeo de discursos alheios No caso de um texto como o apresentado por
Alencar nas ldquoCartas de Erasmordquo eacute por meio de uma relaccedilatildeo de confianccedila que o
leitor passa a ter com o autor como algueacutem que compreende a realidade e a mostra
para este o que sustenta uma relaccedilatildeo de confianccedila entre as partes Entendemos
tambeacutem que essa construccedilatildeo subjetiva da realidade que passa a ser ldquosocialrdquo a partir
do compartilhamento de sua leitura eacute histoacuterica porquanto assume significaccedilatildeo para
os grupos a que se referem A obra eacute entendida como uma conceptualizaccedilatildeo do
mundo onde se constitui como conjuntos de enunciados e eacute o enunciado o portador
da significaccedilatildeo (MORSON 2008) Isso se daacute a partir da construccedilatildeo de uma
representaccedilatildeo social onde haacute sempre a perspectiva da alteridade em forma de
resposta imediata ao texto ou retomada posteriormente Eacute por meio desta leitura das
representaccedilotildees e do poder que entendemos - na concepccedilatildeo de Gramsci - a funccedilatildeo
do intelectual de disseminar ideias propostas e conceitos E mesmo de forma
indireta como um agente de mobilizaccedilatildeo Eacute preciso lembrar que os reflexos da
ldquoprimavera dos povosrdquo ainda estavam presentes na memoacuteria de uma elite que
desenvolvera laccedilos econocircmicos e sociais com naccedilotildees europeias e as elites tinham
a dimensatildeo do que poderia acontecer com a mobilizaccedilatildeo da massa Hobsbawm
(2010) nos mostra a importacircncia dos intelectuais na revoluccedilatildeo de 1848 enquanto
sujeitos de uma praacutexis poliacutetica que senatildeo imprescindiacutevel eacute relevante na
caracterizaccedilatildeo do que tais movimentos viriam a apresentar
Eles [os intelectuais] natildeo eram mais importantes nesta revoluccedilatildeo que em quaisquer das outras que ocorreram assim como nesta em paiacuteses
relativamente atrasados onde o melhor do estrato meacutedio consistia de pessoas caracterizadas por sua escolarizaccedilatildeo e comando da palavra escrita graduados de todos os tipos jornalistas professores funcionaacuterios Mas natildeo havia duacutevida de que os intelectuais eram proeminentes poetas tais como Petoumlfi na Hungria Herwegh e Freiligrath na Alemanha (que pertencia ao corpo editorial da Neue Rheinische Zei-tung) Victor Hugo e o consistente moderado Lamartine na Franccedila (os professores franceses ainda que suspeitos para os governos permaneceram quietos sob a monarquia de julho e supotildee-se terem feito frente com a ordem em 1848) acadecircmicos em grande nuacutemero na Alemanha (a maioria no lado moderado) meacutedicos como C G Jacoby (1804-51) na Pruacutessia Adolf Fischhof (1816-93) na Aacuteustria cientistas como F V Raspail (1794-1878) na Franccedila e uma vasta quantidade de jornalistas e publicistas dos quais Kossuth era entre todos o mais celebrado e Marx provava ser o mais formidaacutevel Como indiviacuteduos tais homens podiam exercer um papel decisivo como membros de um estado social especiacutefico ou como membros de uma pequena-burguesia radical natildeo o podiam
51 (HOBSBAWN 2010 p36)
Tornando ao texto de nossa anaacutelise pudemos perceber como Alencar se aproveita
dos veiacuteculos de comunicaccedilatildeo a que tem acesso para divulgar suas ideias e como
consegue adapta-las aos diferentes formatos que tais miacutedias exigem conseguindo
assim alcanccedilar natildeo somente uma maior quantidade de pessoas mas uma variedade
grande de camadas sociais e a propalada ldquoopiniatildeo puacuteblicardquo com maior intensidade
tentando fomentar a ampliaccedilatildeo da participaccedilatildeo poliacutetica ativa (ao menos enquanto
conscientizaccedilatildeo de um maior grupo tirando a exclusividade da atividade poliacutetica
apenas do recinto parlamentar) podendo ndash e por isso mesmo - ampliar as
possibilidades de alcance do conjunto da dominaccedilatildeo Essa mesma opiniatildeo puacuteblica
que temos alguma dificuldade de representar numericamente mas que eacute elemento
fundamental no periacuteodo E eacute tambeacutem com intenccedilatildeo de ldquoconstruirrdquo uma opiniatildeo natildeo
somente na elite mas em seus representantes mais diretos como o funcionaacuterio
puacuteblico representante de uma administraccedilatildeo centralizadora que fatalmente deveria
promover pelo paiacutes a ideologia do Estado No dizer de Uruguai o agente da
administraccedilatildeo puacuteblica eacute efetivamente um agente da centralizaccedilatildeo (MATTOS I
1987) D Pedro II chega a escrever agrave princesa Isabel em um dos momentos que
esta assume a regecircncia prevenindo-a contra uma possiacutevel maacute interpretaccedilatildeo das
notiacutecias e criacuteticas publicadas nos vaacuterios jornais da Corte considerando que o
ldquosistema poliacutetico do Brasil funda-se na opiniatildeo nacional que muitas vezes natildeo eacute
manifestada pela opiniatildeo que se apregoa como puacuteblicardquo (FAORO 2004 p 343)
Mas natildeo podemos esquecer que ateacute o momento (estamos no segundo reinado) natildeo
51
O grifo eacute meu
haacute como mensurar tal opiniatildeo puacuteblica ou a dimensatildeo das accedilotildees que esta possa
alcanccedilar A preocupaccedilatildeo imediata de D Pedro II seria com o que poderiacuteamos
chamar de os ldquoformadoresrdquo de uma opiniatildeo puacuteblica Com o texto dos agentes
poliacuteticos publicados em jornais ou outras miacutedias em um momento privilegiado de
liberdade de imprensa
Fica claro que a defesa da escravidatildeo eacute para Alencar necessaacuteria no momento -
tendo mesmo a certeza de a aboliccedilatildeo natildeo tardaria - funcionando como um discurso
que busca retardar a disseminaccedilatildeo de ideais progressistas e abolicionistas para o
conjunto da opiniatildeo puacuteblica conquanto esta passa a ser um elemento de pressatildeo
sobre as elites que controlavam o sistema econocircmico vigente e ele busca seus
argumentos nos teoacutericos liberais europeus O que se vecirc em Alencar natildeo eacute uma
discussatildeo sobre o direito de propriedade de um ser humano sobre o outro isto estaacute
posto pela legislaccedilatildeo a praacutetica do cativeiro eacute legitimada pelo Estado brasileiro O
que temos satildeo as criacuteticas de Alencar a forma como o governo trata o problema
inevitaacutevel da emancipaccedilatildeo com promessas de aboliccedilatildeo ao fim da guerra de forma
progressiva e por meio da estimulaccedilatildeo da emigraccedilatildeo Tais promessas natildeo se
efetivam o que abre um precedente para que o pensamento de Alencar ndash se natildeo o
mais eacutetico ndash acabe se apresentando como o melhor aceito pelas elites e sendo
reproduzo Outro ponto a ser lembrado eacute que com o fim do traacutefico a partir de 1850 e
a expansatildeo das lavouras cafeeiras no interior do Rio de Janeiro e Satildeo Paulo haacute
tambeacutem uma transferecircncia gradual de escravos urbanos para essas regiotildees Com o
aumento do valor do escravo no mercado interno vaacuterias famiacutelias venderam seus
cativos para as fazendas causando uma consequente diminuiccedilatildeo no percentual da
escravaria na corte e outros nuacutecleos urbanos (NOVAIS 1997) A pulverizaccedilatildeo da
posse de escravos na cidade regride o que em pouco tempo pode levar a uma
mudanccedila de consciecircncia da opiniatildeo puacuteblica centrada na Corte sobre a escravidatildeo
Em uma foacutermula simples Quando todos possuiacuteam escravos isto era visto como algo
comum Quando soacute os ricos cafeicultores passaram a possuiacute-los isto se tornava
errado e antiquado para um paiacutes em desenvolvimento Alencar vai contra isto e
confirma em seu texto os valores do conservadorismo assumindo uma postura que
podemos chamar de liberalconservadora Admitindo isto concordamos com o que
propocircs Bosi (1988) que o liberalismo defendido por Alencar pode ser resumido em
uma figura de linguagem uma sineacutedoque em que uma parte do conteuacutedo eacute tomada
como um todo uniforme desvirtuando assim as ideias originais do liberalismo e
criando novo discurso ideoloacutegico e conservador para sustentar um grupo que se
impotildee no poder Em Alencar se vecirc a escolha da ldquoparte pelo todordquo como em uma
sineacutedoque Alencar defende que se uma parte da populaccedilatildeo estaacute na direccedilatildeo do
Estado e da economia e tem privileacutegios eacute porque essa parte conseguiu consolidar
seu poder pessoal e pode organizar um projeto poliacutetico de desenvolvimento para
que o todo da naccedilatildeo se desenvolva entatildeo satildeo essas pessoas que tem o ldquodireitordquo de
representar a naccedilatildeo Eacute o que pudemos observar
Constatou-se tambeacutem que a situaccedilatildeo do Brasil no periacuteodo segundo Alencar natildeo eacute
de tranquilidade e desenvolvimento mas de corrupccedilatildeo e descontrole Com o
parlamento repleto de elementos sem escruacutepulos ou convicccedilotildees que tomam as
riquezas o paiacutes com sua cobiccedila Alencar defende um Estado de leis com pulso forte
e mesmo a interferecircncia do Imperador para garantir que isto natildeo mais acontecesse
Era apenas assim que se garantiria a ordem puacuteblica e as ldquonecessidades puacuteblicasrdquo
seriam supridas o que natildeo era apenas uma opiniatildeo de Alencar mas uma visatildeo do
Estado compartilhada por boa parte dos homens que passaram pela administraccedilatildeo
puacuteblica no segundo reinado (MATTOS I 1987) Os gabinetes que se seguem sem
estrutura ou conhecimento administrativo levam o paiacutes agrave bancarrota com seus erros
constantes devido a sua ineacutepcia com a coisa puacuteblica O conjunto de instituiccedilotildees que
atuam dentro do sistema estatildeo corroendo-o por conta da ganancia da elite com o
dinheiro do Estado Do outro lado sendo atingida em seus preceitos a famiacutelia que
ldquoassiste sem querer a essa representaccedilatildeo da comeacutedia perigosardquo O que seria o
uacuteltimo refuacutegio da moralidade e base da sociedade
Por fim entendemos que como o sugeriu Carvalho (2007) em uma reflexatildeo sobre o
impeacuterio os fatos mostrados aqui podem ateacute ser reconhecidos pelos estudiosos e jaacute
trilhados mas as explicaccedilotildees tendem a ser insatisfatoacuterias por isso a necessidade
constante de revisitar textos do periacuteodo e teorias Ao mesmo tempo lembrando
Norberto Bobbio (1997) em uma reflexatildeo sobre seus escritos ao enfrentar o tema da
relaccedilatildeo entre os intelectuais e a poliacutetica em frente ao oceano de textos sobre o
tema dizia sentir-se como a crianccedila que despejando um copinho drsquoagua no mar
acreditava estar aumentando o seu niacutevel Eacute como nos vemos aqui Poreacutem
acreditamos ter conseguido demonstrar a presenccedila de um discurso
liberalconservador nas cartas de Erasmo como estrateacutegia discursiva de
disseminaccedilatildeo ideoloacutegica Os dados obtidos nos permitem dizer que nossa hipoacutetese
de que por meio de um discurso poliacutetico conservador vinculado as propostas
ideoloacutegicas das elites escravocratas disseminado pelos jornais e panfletos do
periacuteodo os intelectuais construiacuteram uma imagem paradoxal do liberalismo para o
Brasil no segundo reinado pocircde ser confirmada
As confluecircncias entre tais extremos (liberalismo x conservadorismo) natildeo satildeo
ineacuteditas visto que Hobsbawn (2010) por exemplo pode demonstrar a mobilidade de
agentes poliacuteticos partiacutecipes de movimentos liberais moderados e ateacute mesmo
radicais para as linhas dos partidos conservadores quando os movimentos
revolucionaacuterios da ldquoprimavera dos povosrdquo em 1848 tendiam a modificar a ldquoordem
socialrdquo organizando liberais e conservadores em movimentos unificados ndash onde as
ideias de ambos os lados acabavam por se adaptar as necessidades de
sobrevivecircncia de tais grupos - para uma retomada do poder para as elites europeias
No Brasil a elite nem por um minuto descuidou de estar com as duas matildeos nas
reacutedeas do poder
Por fim esperamos tambeacutem que nosso trabalho tenha sido uacutetil para exemplificar
algumas das muitas relaccedilotildees de poder que existiram (e existem) na relaccedilatildeo Estado
ndash cidadatildeo mediadas pela ideologia atraveacutes de um de seus muitos colaboradores
os intelectuais e ajudar na compreensatildeo de tema tatildeo complexo como a relaccedilatildeo dos
intelectuais com a elite e o poder
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Murilo de Carvalho ndash Rio de Janeiro ABL 2009
__________________Cartas a favor da escravidatildeo (organizaccedilatildeo Tacircmis Parron) ndash
Satildeo Paulo Hedra 2008
__________________Teatro completo Rio de Janeiro Serviccedilo Nacional de Teatro
1977
MENEZES Raimundo de Cartas e documentos de Joseacute de Alencar 2a Ed Satildeo
Paulo HUCITEC Brasiacutelia INL 1977
6 ANEXOS
Figura 1 Fac-siacutemile da segunda ediccedilatildeo das Cartas ao Imperador impressa na
Typographia de Candido A de Mello em 1866 Alencar era um autor reconhecido
ainda em vida conseguindo publicar ndash e vender ndash natildeo somente obras literaacuterias mas
tambeacutem estudos sobre poliacutetica e legislaccedilatildeo
Figura 2 Fac-siacutemile da ediccedilatildeo das Cartas ao Povo impressa na Typographia de
Pinheiro e Companhia em 1866 Logo abaixo texto da contra capa indicando pelo
editor o modo de distribuiccedilatildeo do material
Figura 3 Folha de rosto da carta ao M de Olinda onde se vecirc a citaccedilatildeo de Joacute 333
O Diaacuterio do Rio de Janeiro apesar de sustentar uma postura apoliacutetica exibia
cotidianamente (desde seus primeiros exemplares) em suas primeiras paacuteginas o
resumo das seccedilotildees da cacircmara dos deputados e do Senado
Agradeccedilo a todos que me ajudaram na construccedilatildeo deste trabalho
A minha famiacutelia
Aos professores todos
A minha orientadora em particular
Aos amigos que me fizeram sugestotildees e criacuteticas
Agravequeles que dedicaram um pouco de seu tempo me ajudando
E a Deus
RESUMO
Partindo dos textos que compotildeem uma seacuterie de ldquocartas abertasrdquo de Joseacute de Alencar
endereccediladas ao Imperador D Pedro II e a alguns entes poliacuteticos da administraccedilatildeo
do Estado escritas entre 1865 e 1868 busca-se discutir a defesa paradoxal entre a
formaccedilatildeo de uma sociedade liberal dentro de um paiacutes de economia agroexportadora
sustentada pela matildeo de obra escrava
Tomaremos o texto de Alencar como um discurso poliacutetico ideoloacutegico das elites
presentes na corte imperial Entendemos a dimensatildeo ideoloacutegica do discurso poliacutetico
de Alencar no sentido marxista de corte gramsciano ou seja como uma concepccedilatildeo
de mundo que perpassa desde o discurso comum ateacute formas mais elaboradas de
discurso filosoacutefico A partir daiacute buscaremos compreender o modo de vida as
representaccedilotildees poliacuteticas e as formas de dominaccedilatildeo presentes no periacuteodo sob a oacutetica
do pensamento poliacutetico conservador de Joseacute de Alencar dando ecircnfase a anaacutelise de
sua defesa do liberalismo e da escravidatildeo
PALAVRAS CHAVE Poliacutetica discurso liberalismo escravidatildeo
ABSTRACT
Based on the texts that make up a series of open letters addressed to Joseacute de
Alencar to Emperor D Pedro II and some political entities of state administration and
written between 1865 and 1868 seek to discuss the defense of the paradox between
a liberal society within a country agro-export economy sustained by slave labor
We will take the text of a speech Alencar as ideological political elites present at the
imperial court We understand the ideological dimension of political discourse of Joseacute
de Alencar in the sense of cutting Gramscian Marxist as a world view that permeates
from the common speech even more elaborate forms of philosophical discourse
From there we will seek to understand the way of life political representations and
forms of domination present in the period from the perspective of political speech of
Joseacute de Alencar emphasizing the analysis of his defense of liberalism and slavery
KEYWORDS politics speech liberalism slavery
LISTA DE IMAGENS
FIGURA 1 ndash Fac-siacutemile da segunda ediccedilatildeo das cartas ao Imperador183
FIGURA 2 ndash Fac-siacutemile da primeira ediccedilatildeo das Cartas os povo184
FIGURA 3 ndash Folha de rosto da ediccedilatildeo das Cartas ao Marquecircs de Olinda185
FIGURA 4 ndash Paacutegina do Diaacuterio do Rio de Janeiro registrando a aboliccedilatildeo186
SUMAacuteRIO
INTRODUCcedilAtildeO10
1 A TRAJETOacuteRIA POLIacuteTICA DE ALENCAR22
11 PRIMEIROS ANOS24
12 VIDA NA CORTE27
13 MILITAcircNCIA POLIacuteTICA34
14 UacuteLTIMOS ANOS49
2 CONJUNTURA POLIacuteTICA DO II REINADO55
21 UMA VISAtildeO GERAL56
22 O ESTADO DA ARTE DA IMPRENSA NO OITOCENTOS 64
23 SOBRE AS ELITES NO PODER 70
24 INTELECTUAIS E OPINIAtildeO PUacuteBLICA77
3 LIBERALISMO E ESCRAVIDAtildeO NAS CARTAS DE ERASMO 82
31 LIBERALISMO E ESCRAVIDAtildeO82
32 LIBERALISMO E ESCRAVIDAtildeO O MODELO BRASILEIRO86
33 AS CARTAS DE ERASMO95
331 AO IMPERADOR103
332 AO POVO AO REDATOR DO DIAacuteRIO DO RIO DE JANEIRO121
333 AO MARQUEcircS DE OLINDA AO VISCONDE DE ITABORAHY133
334 NOVAS CARTAS AO IMPERADOR138
4 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS162
5 BIBLIOGRAFIA174
6 ANEXOS183
INTRODUCcedilAtildeO
O Brasil do seacuteculo XIX com a chegada da famiacutelia real nos primeiros anos ateacute e
particularmente o periacuteodo imperial eacute caracterizado por um desenvolvimento
econocircmico social e poliacutetico intenso e relativamente acelerado se comparado a
outras naccedilotildees da Ameacuterica Latina (COSTA 1999) Tal desenvolvimento se deve a
construccedilatildeo de um projeto poliacutetico para o paiacutes que deixando de ser uma colocircnia de
Portugal necessitava afirmar sua nova identidade - agora como uma naccedilatildeo
independente - tanto interna quanto externamente O processo tem iniacutecio com a
transferecircncia para a cidade do Rio de Janeiro do Priacutencipe Regente D Joatildeo VI a
famiacutelia real portuguesa e sua Corte em 1808 gerando um consideraacutevel aumento na
populaccedilatildeo residente e a consequente transformaccedilatildeo da cidade com a construccedilatildeo
de escolas museus teatros faculdades e dentre outras novidades a imprensa
A emancipaccedilatildeo poliacutetica em 1822 manteacutem o sistema monaacuterquico ndash ainda sob a casa
de Braganccedila com D Pedro I ndash agora pelo modelo constitucional tendo por base as
ideias liberais importadas da Europa iluminista A presumida liberdade que o paiacutes
vem a construir garantida na constituiccedilatildeo outorgada pelo governante jaacute encontra
um terreno poliacutetico e econocircmico bastante diverso daquele onde surgiu o liberalismo
europeu tendo por base a agricultura de produtos de exportaccedilatildeo assentada na
escravidatildeo - tanto a lavoura tradicional accedilucareira do nordeste como as novas e
proacutesperas plantaccedilotildees de cafeacute do Vale do Paraiacuteba dependiam do escravo O Brasil
logo depois da emancipaccedilatildeo politica em 1822 possui uma das maiores populaccedilotildees
escravas da Ameacuterica e tambeacutem a maior populaccedilatildeo de afrodescendentes livres no
continente (MATTOS H 2000) a quem natildeo eram concedidos os direitos poliacuteticos
de cidadatildeo E uma minoria tida como aristocraacutetica dominava assentados seus
privileacutegios nas relaccedilotildees que possuiacuteam com a coroa ndash uma administraccedilatildeo do Estado
de modelo conservador com D Pedro e a heranccedila do absolutismo portuguecircs
Liberalismo e conservadorismo convivem entatildeo na sociedade brasileira em
formaccedilatildeo como os dois lados de uma realidade complexa e contraditoacuteria Liberal no
sentido de que as lideranccedilas que surgem se mobilizaram nesse sentido para
justificar a separaccedilatildeo da metroacutepole e ao mesmo tempo conservador por precisar
manter a escravidatildeo e a dominaccedilatildeo do senhoriato (NOVAIS 1996)
Para a manutenccedilatildeo da organizaccedilatildeo do Estado a monarquia reforccedila os laccedilos jaacute
seculares do estamento portuguecircs presentes desde a colocircnia criando ndash tambeacutem
inspirado na tradiccedilatildeo portuguesa ndash o modelo brasileiro de nobreza de gentleman
este emerge como um segmento que se solidifica na figura do intelectual morador
da cidade bacharel em direito (tambeacutem alguns poucos meacutedicos raros engenheiros
e matemaacuteticos) filho do fazendeiro ou do comerciante enriquecido filho do
funcionaacuterio portuguecircs fixado no Brasil neto e bisneto dos donos da terra e
representante uacuteltimo das famiacutelias que viriam compor esta ldquoeliterdquo da terra garantindo
uma continuidade na estabilidade poliacutetica Observa-se assim com a absorccedilatildeo
destes elementos pelo Estado um crescimento de algumas cidades portuaacuterias e
principalmente no Rio de Janeiro onde se instala a Corte e o consequente
desenvolvimento de uma burocracia especializada necessaacuteria agrave administraccedilatildeo do
reino Um conjunto de instituiccedilotildees baseadas no modelo portuguecircs ndash quando natildeo
copiadas integralmente de seus pares em Lisboa ndash de funcionalismo puacuteblico para
uma monarquia de moldes absolutistas que recebe poucas adaptaccedilotildees no Brasil
(FAORO 2004)
Boris Fausto em sua Histoacuteria do Brasil (FAUSTO 2001) defende certa estabilidade
no periacuteodo sustentada pelo desenvolvimento das cidades e o aumento de pessoas
com niacutevel superior Costa (1999) afirma que os nuacutecleos urbanos mais importantes
em sua maioria estavam ao longo da costa brasileira coincidindo com os principais
portos exportadores e o desenvolvimento destes tem ndash por conta de sua localizaccedilatildeo
ndash caracteriacutesticas especiacuteficas das ideias trazidas da Europa pelos jornais e livros que
chegam pelos portos Nas demais aacutereas o crescimento urbano era limitado
prevalecendo a grande propriedade rural Mas com as faculdades de direito em Satildeo
Paulo e Recife sendo construiacutedas na primeira metade do oitocentos o processo de
composiccedilatildeo de uma intelectualidade local jaacute tem iniacutecio tendo como palco os nuacutecleos
urbanos Tal periacuteodo eacute marcado tambeacutem pelo desenvolvimento da imprensa onde
as ideias liberais satildeo proclamadas aos quatro ventos pelos diversos jornais e
pasquins que surgem e desaparecem todos os dias (BAHIA 1990) os homens que
se formam ndash de uma maneira integral eacute certo - naquele novo cotidiano iratildeo
inspirados em um periacuteodo recente de administraccedilatildeo ndash jaacute dissemos moldado no
estamento portuguecircs - desenvolver certa predileccedilatildeo pelo cargo puacuteblico e pelas
letras Segundo Faoro (2004) o funcionaacuterio puacuteblico que se forma eacute um dos
responsaacuteveis diretos ndash senatildeo o uacutenico tecnocrata ndash pela reorganizaccedilatildeo (reinvenccedilatildeo)
do antigo modelo no novo paiacutes Leitores dos jornais e ao mesmo tempo formadores
de opiniatildeo estes homens satildeo os comentadores e partiacutecipes do desenvolvimento
poliacutetico e econocircmico das cidades enquanto inspirados pelas ideias liberais que jaacute
tomam corpo por aqui Estes homens que tem acesso agrave informaccedilatildeo e fazem de sua
praacutexis um elemento transformador da sociedade (GRAMSCI 1976) alguns sendo
sustentados pelo abraccedilo do cargo puacuteblico outros escrevendo para os jornais onde
apresentam e defendem suas ideias (liberais ou natildeo) para os outros homens - que
vem a constituir uma opiniatildeo puacuteblica representada pelos agravevidos leitores desses
mesmos jornais
Isto posto destacamos que essa dissertaccedilatildeo que tem como tema o liberalismo no
Brasil e sua relaccedilatildeo com a escravidatildeo no periacuteodo do segundo reinado apresenta
como seu objetivo geral discutir as dificuldades de implantaccedilatildeo deste sistema
poliacutetico - o liberalismo - em uma sociedade dominada por uma elite assentada na
economia agroexportadora baseada na matildeo de obra do escravo percebendo como
paradoxal esta relaccedilatildeo entendendo ser o liberalismo uma doutrina poliacutetica que tem
por base a defesa da liberdade individual nos campos poliacutetico econocircmico religioso e
intelectual conquistada por meio de lutas da sociedade civil contra o absolutismo do
Estado caracteriacutestico do Antigo regime na Europa Acreditamos com Gramsci
(1989) que o discurso que sustenta tal relaccedilatildeo e tenta justifica-la eacute mediado entre as
elites e o povo por meio dos intelectuais Portanto cabem aqui mais algumas
questotildees qual era a visatildeo dos intelectuais sobre a relaccedilatildeo entre liberalismo e
escravidatildeo no Brasil Os intelectuais comungariam com tais ideias Elas estatildeo
presentes em seu discurso
Nossa duacutevida fundamental a qual a pesquisa busca explicar eacute seraacute que estes
intelectuais que se formam nas primeiras faculdades de direito do Brasil filhos de
fazendeiros comerciantes muitos dos quais ligados direta ou indiretamente agrave
economia agroexportadora baseada no trabalho escravo assumiram o discurso
liberal Estaria este discurso presente em suas representaccedilotildees e em seus textos
Para tanto nosso objetivo especiacutefico seraacute analisar o trabalho de um intelectual do
periacuteodo e uma parte de sua produccedilatildeo Joseacute de Alencar
Dessa forma partimos da seguinte hipoacutetese eacute por meio de um discurso poliacutetico
conservador vinculado as propostas ideoloacutegicas das elites escravocratas
disseminado pelos jornais e panfletos do periacuteodo que os intelectuais construiacuteram
uma imagem paradoxal do liberalismo para o Brasil no segundo reinado
Para construirmos nossa narrativa histoacuterica tomamos como fonte para analisarmos
nossa hipoacutetese as ldquocartas de Erasmordquo Um conjunto de cartas abertas publicadas
sob a forma de folhetins no periacuteodo de 1865 a 1868 dirigidas ao Imperador e a
vaacuterios outros entes poliacuteticos Nossa hipoacutetese eacute de que neste texto possamos
identificar a tentativa de Alencar sustentar uma visatildeo liberal para o desenvolvimento
poliacutetico e econocircmico da naccedilatildeo ao mesmo tempo em que faz uma defesa da
manutenccedilatildeo do sistema escravista no Brasil o que nos faz crer que exista uma
postura liberalconservadora como modelo ideoloacutegico a ser construiacutedo pelas elites
atraveacutes de alguns setores da imprensa Buscaremos nas cartas poliacuteticas de Alencar
indiacutecios da sustentaccedilatildeo de um discurso liberal que tambeacutem apresenta caracteriacutesticas
conservadoras e admite (e reafirma) a manutenccedilatildeo da escravidatildeo no Brasil Para
tanto nos propomos a uma anaacutelise de todo o texto das cartas em uma perspectiva
hermenecircutica baseada nos princiacutepios da anaacutelise do discurso Como sustenta
Intildeiguez (2005) a anaacutelise de discurso como aparentemente possa parecer natildeo eacute
uma aacuterea restrita da linguiacutestica e comporta contribuiccedilotildees de vaacuterias aacutereas de estudo
Ao mesmo tempo considerando que uma das caracteriacutesticas da histoacuteria poliacutetica
renovada segundo Remond (2003) eacute ser um ponto de convergecircncia de diversas
disciplinas como a sociologia a linguiacutestica o direito dentre vaacuterias outras o que lhe
possibilita um ganho analiacutetico consistente e consolida sua natureza interdisciplinar a
anaacutelise de discurso apresenta-se como um caminho consistente para a abordagem
de textos poliacuteticos do periacuteodo Neste caso nossa pesquisa busca entender a relaccedilatildeo
do modelo de liberalismo poliacutetico implantado no Brasil com a escravidatildeo e se a
justificaccedilatildeo para tal discurso estaacute presente nos textos de intelectuais do periacuteodo
tendo como fonte o texto das Cartas Poliacuteticas de Joseacute de Alencar
Nossa pesquisa se justifica pela necessidade de entender a dimensatildeo poliacutetica do
segundo reinado por meio de uma fonte impressa que teve grande circulaccedilatildeo no
periacuteodo de nosso recorte e que pode criar uma inter-relaccedilatildeo entre os pontos
descritos Na anaacutelise do texto de um dos mais importantes intelectuais do periacuteodo
Joseacute de Alencar - poliacutetico atuante jornalista romancista e dramaturgo -
conseguimos um elo entre intelectuais imprensa e elites e a confluecircncia desses
ldquopartidosrdquo no projeto ideoloacutegico de construccedilatildeo da naccedilatildeo (GRAMCI 1989) Tais
elementos satildeo comunmente tomados em separado Com Alencar nas cartas de
Erasmo temos um intelectual que usa do seu texto literaacuteriojornaliacutestico1 em uma
miacutedia alternativa no momento para se dirigir a segmentos da elite poliacutetica e
econocircmica na Corte no Rio de Janeiro Essa confluecircncia portanto eacute a proacutepria
ldquoaccedilatildeordquo do objeto enquanto veiacuteculo de comunicaccedilatildeo
A discussatildeo historiograacutefica sobre nosso tema apresenta estudos por vezes
coincidentes por vezes conflitantes Bosi (1988) afirma que o paradoxo entre
liberalismo e escravidatildeo natildeo existiu no Brasil ldquono periacuteodo que se segue agrave
Independecircncia e vai ateacute os anos centrais do Segundo Reinadordquo (BOSI 1998 p 05)
O autor tambeacutem afirma que para entender a articulaccedilatildeo do liberalismo pregado ndash e
assumido ndash no Brasil com o regime escravagista eacute necessaacuterio compreender o modo
de pensar das classes poliacuteticas dominantes no impeacuterio a partir da independecircncia
Neves (2001) sustenta que o liberalismo no Brasil se alavanca a partir da revoluccedilatildeo
ldquovintistardquo em Portugal que vem propondo reformas que pudessem garantir ao
indiviacuteduo direitos de cidadania e liberdade de expressatildeo e buscando o fim do
despotismo como uma soluccedilatildeo para o impeacuterio O movimento segundo a autora eacute
assimilado sem dificuldade pelos elementos das elites poliacutetica e intelectuais no
Brasil A proposta era buscar o novo mas sem abrir matildeo dos antigos privileacutegios
econocircmicos
Para Gorender (2002) os princiacutepios liberais levados adiante pelos comerciantes e
plantadores visava o direito de ter uma representaccedilatildeo no estado fora das limitaccedilotildees
impostas pela poliacutetica colonial que terminaria com o processo de independecircncia Tal
1 Antocircnio Cacircndido (1999) sustenta ser uma das caracteriacutesticas do periacuteodo (segundo reinado) a
influecircncia do texto literaacuterio nos jornais que temos vaacuterios exemplos em Machado de Assis Joseacute de
Alencar Joaquim Nabuco Capistrano de Abreu para citar alguns
processo segundo ele tem inicio com a abdicaccedilatildeo em 1831 Este autor afirma que
o liberalismo europeu defende o trabalho livre mas lembra tambeacutem que o proacuteprio
Adam Smith natildeo era contra a escravidatildeo nas colocircnias Ou seja o liberalismo
europeu segundo um de seus mais importantes representantes jaacute nasce sob esta
contradiccedilatildeo O autor lembra que mesmo com a Revoluccedilatildeo Francesa tendo
decretado a libertaccedilatildeo dos escravos em suas colocircnias francesas Napoleatildeo
restabelece a escravidatildeo oito anos depois Apesar da pregaccedilatildeo pela liberdade na
Europa nas colocircnias a poliacutetica praticada natildeo era a mesma O que nos leva a
entender melhor a relaccedilatildeo liberalismoescravidatildeo no Brasil
Entendemos entatildeo que no processo de formaccedilatildeo do Estado Imperial Brasileiro
havia diferentes leituras e objetivos para o uso do liberalismo ligadas a interesses
especiacuteficos Por um lado como enfatiza Mattos (1987) a accedilatildeo do grupo conservador
no impeacuterio seguia no sentido da construccedilatildeo de monopoacutelios uma continuidade do
praticado no periacuteodo colonial enfatizando as relaccedilotildees de dominaccedilatildeo sustentadas
pela coroa Costa (1999) identifica certa originalidade no movimento poliacutetico liberal
brasileiro do periacuteodo tentando interpreta-lo como uma figura hiacutebrida onde os
elementos conservadores permanecem e satildeo amalgamados com as praacuteticas liberais
aceitas estruturando as instituiccedilotildees e a visatildeo de mundo pelas elites dominantes
sustentados pelas classes intermediaacuterias que se desenvolvia nas cidades mas que
ao mesmo tempo viam no sistema agroexportador baseado na escravidatildeo uma
dificuldade para o desenvolvimento do capitalismo Por outro lado Carvalho (2007)
chega a subestimar o aspecto liberal sustentando haver um pensamento
conservador dominante sendo a conciliaccedilatildeo entre as correntes de pensamento e os
partidos a poliacutetica da coroa com o intuito de administrar interesses e evitar conflitos
Bosi (1988) sustenta ainda que o traacutefico se apoia por vezes nas proacuteprias
autoridades a quem cabia fazer cessar o traacutefico Satildeo homens ligados a
administraccedilatildeo e a poliacutetica que manteacutem o controle terras do cafeacute e dos escravos o
que faz com que uma defesa da escravidatildeo seja a proposta corrente Nesse
aspecto Prado (2001) concorda que com a produccedilatildeo organizada sob a exploraccedilatildeo
do trabalho escravo sendo muito lucrativa ateacute entatildeo dificilmente teria por parte da
elite qualquer movimento estimulando o seu teacutermino
O liberalismo poliacutetico proposto para o Brasil apresenta assim caracteriacutesticas
diversas conforme os interesses dos diversos grupos das elites poliacuteticas e
econocircmicas no poder Mattos (1987) enxerga no grupo conservador representado
pelos senhores traficantes de escravos e grandes comerciantes um pensamento
contraacuterio agraves ideias liberais e a favor da centralizaccedilatildeo poliacutetica A anaacutelise do sistema
econocircmico agroexportador brasileiro no periacuteodo Imperial tambeacutem nos revela as
muitas contradiccedilotildees da sociedade escravista do seacuteculo XIX o liberalismo econocircmico
e o aumento do fluxo de escravos para o Brasil a defesa da liberdade e o
incremento da escravidatildeo o desenvolvimento do consumo e a pobreza Tacircmis
Parron (2008) sustenta que durante o seacutec XIX toda a defesa do traacutefico e da proacutepria
escravidatildeo como uma instituiccedilatildeo se sustentaram em ideias liberais Agrave medida que
na Europa o sistema econocircmico pregava um livre mercado com o trabalho livre nas
Ameacutericas a escravidatildeo permanecia forte em paiacuteses como os Estados Unidos em
Cuba e no Brasil Emilia Viotti (1999) sustenta para o periacuteodo uma visatildeo hiacutebrida
onde os elementos conservadores presentes no Brasil servem como um equiliacutebrio a
praacuteticas e ideias liberais que poderiam tomar formas mais radicais se acaso
atingissem grupos da populaccedilatildeo estruturando dessa forma as instituiccedilotildees e a visatildeo
de mundo dos principais agentes poliacuteticos no poder no periacuteodo dando ao liberalismo
aqui sua caracteriacutestica ldquocor localrdquo Dessa feita entendemos que o liberalismo
representa distintos interesses da sociedade brasileira e caracteriza-se
diversamente nas diferentes regiotildees do paiacutes e um dos agentes mais importantes na
divulgaccedilatildeo de tais ideias e praticas eacute justamente a imprensa que muito se
desenvolve no periacuteodo como arena de debates de poliacuteticos e intelectuais
Concordando com Bosi (1988) que afirma que o paradoxo entre liberalismo e
escravidatildeo foi somente verbal que o liberalismo simplesmente natildeo existiu enquanto
uma ideologia dominante Segundo ele o que dominou em todo esse periacuteodo no
Brasil foi um ideaacuterio de fundo conservador Um conjunto de normas juriacutedico-poliacuteticas
capazes de garantir a propriedade fundiaacuteria e a escravidatildeo negra ateacute o seu limite E
em nosso entender essa ideologia era difundida por meio dos intelectuais nos
veiacuteculos de comunicaccedilatildeo do periacuteodo como os panfletos pasquins e jornais em
geral
Portanto nosso objetivo aqui para testar nossa hipoacutetese eacute estudar as formas do
discurso poliacutetico em meados do seacuteculo XIX analisando o texto jornaliacutesticoliteraacuterio
de Joseacute de Alencar nas Cartas de Erasmo Acreditamos que Alencar usava seu
texto como um meio para difundir fortalecer e consolidar a ideologia das elites
presentes na corte imperial suas representaccedilotildees e as formas de dominaccedilatildeo
presentes no periacuteodo Alencar toma do discurso liberal alguns princiacutepios para
sustentar a ideologia de grupos vinculados a uma proposta de conservadorismo
poliacutetico em que a manutenccedilatildeo dos privileacutegios desta ldquoaristocraciardquo bem como a
continuidade da escravidatildeo no Brasil satildeo seus pontos principais
A pesquisa se fundamenta tambeacutem na premissa de que a proposta de Alencar era
a de criar um modelo (segundo ele melhor) para a sociedade De tal maneira
podemos designaacute-lo ndash o texto as cartas de Erasmo - como um discurso ideoloacutegico
Um conceito formulado por Chauiacute (revendo Gramsci) nos ajuda de forma elucidativa
Fundamentalmente a ideologia eacute um corpo sistemaacutetico de representaccedilotildees e de normas que nos ensinam a conhecer e a agir A sistematicidade e a coerecircncia ideoloacutegicas nascem de uma determinaccedilatildeo muito precisa o discurso ideoloacutegico eacute aquele que pretende coincidir com as coisas anular a diferenccedila entre o pensar o dizer e o ser e destarte engendrar uma loacutegica da identificaccedilatildeo que unifique pensamento linguagem e realidade para atraveacutes dessa loacutegica obter a identificaccedilatildeo de todos os sujeitos sociais com uma imagem particular universalizada isto eacute a imagem da classe dominanterdquo (CHAUI 1997 p 03)
Dessa feita entendemos a dimensatildeo ideoloacutegica do discurso poliacutetico construiacutedo por
meio das cartas de Erasmo no sentido marxista de corte gramsciano ou seja como
uma concepccedilatildeo de mundo que perpassa desde o discurso comum ateacute formas mais
elaboradas de discurso filosoacutefico Nesse sentido as cartas de Erasmo seratildeo
tomadas como peccedila de anaacutelise enquanto uma dimensatildeo do discurso de Alencar
como ator poliacutetico de seu tempo para uma discussatildeo sobre a relaccedilatildeo entre
liberalismo e escravidatildeo no Brasil Gramsci (1989) nos mostra que os intelectuais se
formaram historicamente em associaccedilatildeo com as elites econocircmicas Seu papel
dentro dos diversos partidos2 eacute a de organizaccedilatildeo e disseminaccedilatildeo da ideologia
Alencar por meio de seu texto busca criticar a administraccedilatildeo vigente e sua relaccedilatildeo
2 Entendendo ldquopartidordquo no sentido mesmo que Gramsci o determinou GRAMSCI Antocircnio
Intelectuais e a Organizaccedilatildeo da Cultura Satildeo Paulo Civilizaccedilatildeo Brasileira 1989
com a coroa por meio de recriminaccedilotildees a poliacutetica econocircmica a administraccedilatildeo da
guerra do Paraguai ao descaso dos poliacuteticos e ndash em nosso caso ndash quanto agraves
propostas para o fim da escravidatildeo
Buscamos nos textos de Gramsci o referencial teoacuterico que ndash acreditamos ndash nos
apresenta uma melhor adequaccedilatildeo a proposta metodoloacutegica aplicada de uma
discussatildeo hipoteacutetico-dedutiva dos textos que se seguem Gramsci nos fornece um
material teoacuterico que - como ele mesmo comenta em sua organizaccedilatildeo inicial para a
escritura dos cadernos - satildeo apontamentos sem uma ligaccedilatildeo serial linear mas que
podem nos fornecer uma base teoacuterica rica conquanto estejam mesmo permitindo-se
uma interpretaccedilatildeo mais heterodoxa das fontes
Gramsci propotildee uma visatildeo ampliada do conceito de Estado em que a relaccedilatildeo entre
sociedade civil e sociedade poliacutetica eacute dialeacutetica A sociedade civil eacute o lugar da luta de
classes pela hegemonia e junto com a sociedade poliacutetica eacute um dos fatores que a
constituem O Estado eacute um elemento aglutinador e como tal formado pela
diversidade de instituiccedilotildees da sociedade civil Eacute uma combinaccedilatildeo de forccedila e
consenso fazendo parecer que os caminhos traccedilados pelo Estado sejam vistos
como consensuais pela maioria expressos pela opiniatildeo puacuteblica em seus diversos
oacutergatildeos (GRAMSCI 1999) Neste conceito ampliado de Estado a sociedade poliacutetica
eacute a definiccedilatildeo de uma esfera na qual se situam os mecanismos de coerccedilatildeo e
dominaccedilatildeo como o aparato policial-militar e a burocracia e a sociedade civil que eacute
formada pelas organizaccedilotildees responsaacuteveis pela elaboraccedilatildeo e difusatildeo das ideologias
como a escola a igreja os partidos poliacuteticos os sindicatos as organizaccedilotildees
profissionais e a miacutedia A cultura para Gramsci estaacute relacionada com a
transformaccedilatildeo da realidade atraveacutes de uma busca e consequente conquista de uma
consciecircncia superior onde cada indiviacuteduo precisa conseguir compreender o seu
valor na sociedade (GRAMSCI 1976) Eacute dessa forma que se daacute a passagem do
momento corporativo ao momento eacutetico-poliacutetico da estrutura agrave superestrutura Isto eacute
expresso por Gramsci atraveacutes do seu conceito ampliado de poliacutetica a catarse O
momento em que a esfera dos interesses corporativos e particulares eleva-se ao
niacutevel da consciecircncia universal e as classes conseguem elaborar um projeto para
toda a sociedade atraveacutes de uma accedilatildeo coletiva Assim sair da passividade para
Gramsci eacute deixar de aceitar a subordinaccedilatildeo que o sistema capitalista impotildee a
alguns estratos da populaccedilatildeo Nesse processo que eacute dialeacutetico podemos observar
um Alencar em sua posiccedilatildeo de aristocrata mas ao mesmo tempo como um
intelectual - um elo para a divulgaccedilatildeo das ideias da elite e a sociedade como um
todo ndash que opta pela reafirmaccedilatildeo de valores tradicionalmente aceitos reafirmando
um modelo adequado que deve perpetuar-se tanto para a famiacutelia como para a
administraccedilatildeo puacuteblica por meio da divulgaccedilatildeo de suas ideias em um veiacuteculo de
comunicaccedilatildeo em detrimento das transformaccedilotildees que acusa como degradadoras
dos valores temos aqui a proacutepria constituiccedilatildeo do bloco histoacuterico Eacute a partir destes
conceitos formulados por Gramsci que buscamos encontrar uma melhor
compreensatildeo do texto de Alencar
No primeiro capiacutetulo nosso trabalho apresenta uma sucinta biografia de Joseacute de
Alencar tentando situar em sua trajetoacuteria os interesses e as escolhas poliacuteticas nas
quais estava inserido e o contexto a que se referia e ndash de certa forma ndash pretendia
criar
No segundo capiacutetulo buscamos mostrar a conjuntura poliacutetica do segundo reinado
junto ao processo de formaccedilatildeo das elites e intelectuais bem como da imprensa no
Brasil A divisatildeo aparentemente estanque tem como elemento agregador a proacutepria
biografia de Alencar Ali se buscam esmiuccedilar os elementos formadores do
intelectual Alencar apresentados anteriormente e como ele se apresenta em seu
campo de batalha
A conjuntura poliacutetica do periacuteodo junto a alguns elementos relevantes que satildeo
tomados pela criacutetica feroz de Alencar
A imprensa - seus primeiros anos no Brasil - na qual Alencar milita como criacutetico e
jornalista sendo este o seu veiacuteculo principal de divulgaccedilatildeo de ideias
As elites que disputam o poder no periacuteodo e tem nos intelectuais seu ponto de
ligaccedilatildeo com as camadas populares
E os intelectuais em si que comeccedilam a se formar nesse periacuteodo no paiacutes
influenciados pelas ideias liberais vindas da Europa e mesmo em parte
compartilhada com os grupos no poder Alencar se apresenta como um intelectual
surgido em uma das primeiras escolas de direito do paiacutes no Largo de Satildeo
Francisco portanto compartilhando de uma relaccedilatildeo direta com os outros elementos
da elite local que estava se formando
Estes elementos apresentados a opiniatildeo puacuteblica a imprensa e as elites formam em
um conjunto o arcabouccedilo do que seria o campo de atuaccedilatildeo do intelectual Alencar e
a proposta de pontuar o ldquoestado da arterdquo em que se apresentam tais segmentos
pode nos auxiliar na construccedilatildeo de um retrato mais niacutetido da superestrutura
(GRAMSCI 1999) no recorte
No terceiro capiacutetulo analisaremos as Cartas de Erasmo dando ecircnfase agraves propostas
de Alencar sobre o problema da escravidatildeo no periacuteodo Natildeo eacute nosso objetivo
debater (ou defender) as questotildees do traacutefico do abolicionismo e das reaccedilotildees em
oposiccedilatildeo dos diversos grupos envolvidos nas questotildees mas a partir da
investigaccedilatildeo da fonte apresentar a questatildeo sob uma oacutetica especiacutefica a de Joseacute de
Alencar como um ator poliacutetico do periacuteodo e seu modelo de representaccedilatildeo poliacutetico e
ideoloacutegico para o Brasil se eacute ou natildeo influenciado pelos ideais do liberalismo
Para tanto apresentamos uma breve exposiccedilatildeo do pensamento de seus principais
representantes na Europa com o intuito de comparar uma possiacutevel similaridade com
o texto das cartas
No quarto e uacuteltimo capiacutetulo nos reservamos a um conjunto de consideraccedilotildees finais
com vistas a uma compreensatildeo do que foi apresentado
As fontes usadas na pesquisa satildeo As cartas de Erasmo publicadas semanalmente
no periacuteodo de 1865 a 1868 e vendidas pelas ruas da Corte do Rio de Janeiro A
publicaccedilatildeo3 com a qual trabalhamos foi organizada por Joseacute Murillo de Carvalho e
conteacutem as seguintes ediccedilotildees
Ao Imperador Cartas de Erasmo de 1865 no caso a segunda ediccedilatildeo de 1866
Uma carta Ao Redator do Diaacuterio (do Rio de Janeiro) de 1865
Ao Povo Cartas Poliacuteticas de Erasmo de 1866 acompanhadas das cartas ldquoAo
Marquecircs de Olindardquo 1866 e ldquoAo Visconde de Itaboraiacute Carta de Erasmo Sobre a
3 ALENCAR Joseacute de Cartas de Erasmo Joseacute de Alencar organizador Joseacute Murilo de Carvalho
ndash Rio de Janeiro ABL 2009
Crise Financeirardquo tambeacutem de 1866
Ao Imperador Novas Cartas Poliacuteticas de Erasmo de 1867-68
Tambeacutem foram de grande auxiacutelio agraves biografias4 pesquisadas e a bibliografia
composta de obras especializadas e baseadas em recentes pesquisas e em textos
de consolidado valor Uma das finalidades da histoacuteria eacute conhecer melhor os
sistemas de representaccedilatildeo das sociedades passando pela literatura e filosofia e
sempre atentando para a produccedilatildeo intelectual (REMOND 2003) Com as cartas de
Erasmo nos apropriamos de um texto criativo coerente e esteticamente belo o que
soacute vem facilitar o trabalho interpretativo Frente a isto aqui temos o Alencar no
comeccedilo da vida puacuteblica se consolidando tanto como artista como um poliacutetico
atuante na Corte - um intelectual Um Alencar que tem muito a nos dizer sobre o
periacuteodo
4 MENEZES Raimundo de Joseacute de Alencar literato e poliacutetico 2a Ed Rio de Janeiro livros teacutecnicos e
cientiacuteficos 1965 NETO Lira O inimigo do rei uma biografia de Joseacute de Alencar ou a mirabolante aventura de um romancista que colecionava desafetos azucrinava D Pedro II e acabou inventando o Brasil Satildeo Paulo Globo 2006 RODRIGUES Antocircnio Edmilson Martins Joseacute de Alencar O poeta armado do Seacuteculo XIX ndash Rio de Janeiro Editora FGV 2001
1 A TRAJETOacuteRIA POLIacuteTICA DE ALENCAR
Eacute um homem de valor poreacutem muito mal educado
D Pedro II referindo-se ao Alencar
Partindo para um esboccedilo sobre a vida de Alencar preferimos trabalhar com uma
biografia criacutetica buscando enfatizar o agente poliacutetico em detrimento do artista Mas
natildeo podemos deixar de ressaltar ser o poliacutetico Joseacute de Alencar tambeacutem um dos
maiores representantes das letras do Brasil no oitocentos Ele ao lado de Machado
de Assis Castro Alves Gonccedilalves Dias e alguns outros natildeo tatildeo notoacuterios tem seu
trabalho caracterizado pela construccedilatildeo de um projeto de modernizaccedilatildeo e a
constituiccedilatildeo de uma identidade para o Brasil O desenvolvimento tecnoloacutegico
cientiacutefico intelectual promovido na Europa era em seu entender um modelo para o
mundo civilizado e o Brasil natildeo poderia ficar fora de tatildeo significativo projeto
A proposta de nossa biografia se daacute na medida em que a pesquisa busca enfatizar
Joseacute de Alencar enquanto poliacutetico O escritor consagrado eacute deixado por um
momento de lado em detrimento dos rumos a que as questotildees relativas agrave histoacuteria
poliacutetica satildeo colocados No caso aqui a histoacuteria da literatura eacute somente um apecircndice
Tendo tambeacutem em mente as advertecircncias deixadas por Remond (2003) sobre o uso
da narrativa factual e subjetivista eminente na biografia de notaacuteveis que cruzavam
o perigoso caminho de avaliar um periacuteodo pelos olhos de um homem apenas ndash
caracteriacutestica da histoacuteria poliacutetica recriminada jaacute pela Escola dos ldquoAnnalesrdquo -
buscamos pelo caminho biograacutefico integrar o Alencar aos diversos agentes poliacuteticos
a fim de desenhar um retrato mais consistente do periacuteodo mas sempre nos
acautelando quanto a direccedilatildeo seguida Neto (2006) e Menezes (1965) sustentam tal
proposta afirmando que o temperamento reservado de Alencar eacute fator determinante
para a anaacutelise de seu texto que no caso das Cartas de Erasmo apresenta
caracteriacutesticas que transitam entre o romantismo literaacuterio e um jornalismo criacutetico
como poderemos ver mais adiante Pocock (2003) justificando uma proposta
biograacutefica comenta que ldquose [temos de ter] uma histoacuteria do pensamento poliacutetico
construiacuteda sobre princiacutepios autenticamente histoacutericos precisamos ter meios de
saber o que um autor ldquoestava fazendordquo quando escrevia ou publicava um texto
ldquo(POCOCK 2003 p28) Ainda na corrente citaccedilatildeo explica que ldquoem inglecircs coloquial
perguntar o que um autor ldquoestava fazendordquo eacute o mesmo que perguntar ldquoo que ele
pretendiardquo ou seja o que ldquoestava tramandordquo ou o que ldquopretendia obterrdquo Quais
seriam as intenccedilotildees de tal autor quando da escritura de seu texto Quais as suas
pretensotildees com tal trabalhordquo (POCOCK 2003 p28) Philippe Levilain (2003) indica
o fim da deacutecada de 1980 como o momento do florescer da biografia na Franccedila
havendo esta sendo reabilitada no meio universitaacuterio ainda na deacutecada de 1960 e jaacute
na deacutecada de 1980 ultrapassa as fronteiras do paiacutes Michael Winock (2003) nos
lembra da emergecircncia de pesquisas sobre os intelectuais e suas ideias no seacuteculo
XX bem como a sua importacircncia para a difusatildeo de modelos poliacuteticos que tem
atraiacutedo agrave atenccedilatildeo de inuacutemeros pesquisadores Com Joseacute de Alencar ampliamos o
horizonte da pesquisa dos intelectuais no Brasil ateacute meados soacute seacuteculo XIX onde
estaacute nosso recorte temporal
Jaacute existem biografias consistentes sobre o Alencar Destaco o trabalho beneditino de
Raimundo de Menezes (1965) ldquoJoseacute de Alencar literato e poliacuteticordquo que recolheu
desde documentos pessoais ateacute fotografias e caricaturas do periacuteodo mas que tenta
natildeo traccedilar uma criacutetica ao trabalho de Alencar sendo um texto predominantemente
factual Eacute para aonde me remeto como uma fonte baacutesica do estudo e que
determina a linha mestra da descriccedilatildeo mas me apoiando tambeacutem em alguns outros
textos5 Ressaltamos aqui que nosso recorte iraacute enfatizar tambeacutem o contexto das
relaccedilotildees sociais que satildeo (ou podem ser) determinadas pelo texto
5Outras biografias satildeo MAGALHAtildeES Raimundo Jr Joseacute de Alencar e sua eacutepoca Satildeo Paulo Ed
Lisa 1971 FILHO Luiz Viana A vida de Joseacute de Alencar Satildeo Paulo Ed UNESPSalvador Edufba 2008 e NETO Lira O inimigo do rei uma biografia de Joseacute de Alencar ou a mirabolante aventura de um romancista que colecionava desafetos azucrinava D Pedro II e acabou inventando o Brasil Satildeo Paulo Globo 2006
11 PRIMEIROS ANOS
No dia 1ordm de Maio de 1829 em uma pequena casa no siacutetio Alagadiccedilo Novo na vila
de Nossa Senhora da Conceiccedilatildeo de Messejana periferia de Fortaleza proviacutencia do
Cearaacute nasce Joseacute Martiniano de Alencar Filho Seu pai um padre que haacute pouco
deixara a batina para se envolver na poliacutetica6 junto com D Baacuterbara de Alencar sua
matildee o irmatildeo Tristatildeo de Alencar e o tio Leonel Pereira de Alencar foi figura de
destaque na revoluccedilatildeo pernambucana Um revolucionaacuterio liberal ldquoexaltadordquo proacute-
repuacuteblica que posteriormente foi eleito deputado constituinte para o congresso
lusitano7 Alencar mantinha relaccedilotildees proacuteximas com os liberais de Minas Gerais e de
Satildeo Paulo como o Padre Joseacute Bento e com Custoacutedio Dias
Os (chamados) rebeldes de Pernambuco eram militares de alta patente
comerciantes senhores de engenho e sobretudo padres (calcula-se em 45 o
nuacutemero de padres envolvidos) Apesar de ter em suas linhas elementos do povo e
escravos natildeo era uma revoluccedilatildeo que pudesse ser chamada de popular Antes
tentava afirmar a dominaccedilatildeo de alguns grupos de elite local Sobe forte influecircncia da
maccedilonaria que disseminava as ideias liberais entre seus grupos os rebeldes
proclamaram uma repuacuteblica independente que incluiacutea aleacutem de Pernambuco as
capitanias da Paraiacuteba e do Rio Grande do Norte chegando com Alencar ateacute o
Cearaacute O movimento chega a controlar o governo durante dois meses Alguns de
seus liacutederes inclusive padres foram fuzilados Alencar consegue o perdatildeo
(CARVALHO 2002)
Com a abdicaccedilatildeo havendo o Senador pelo Cearaacute Joatildeo Carlos Augusto de
Oeynhausen e Gravenburg marquecircs de Aracati acompanhado D Pedro I em sua
volta a Portugal declara o senado a vacacircncia de sua cadeira O nome de Joseacute
Martiniano o pai eacute indicado em lista triacuteplice entregue a apreciaccedilatildeo da Regecircncia-
6 Um padre longe da igreja Menezes (1965) cita em nota que natildeo foram encontrados os registros de
Alencar na arquidiocese de Fortaleza 7 O pai de Alencar poliacutetico ativo e um dos participantes do movimento republicano proclamado no
Cearaacute em 1817 jaacute forneceria uma sedutora monografia Preferimos aqui em funccedilatildeo da metodologia exigida e dos limites da pesquisa buscar uma anaacutelise coerente apesar de firmada em caminhos mais sinteacuteticos
trina Aprovado toma posse em 02 de Maio de 1832 A vida na corte do Rio de
Janeiro o esperava mas natildeo por muito tempo Em 23 de agosto de 1834 eacute nomeado
presidente da proviacutencia do Cearaacute e retorna agrave terra natal com a famiacutelia Passados
alguns anos de uma administraccedilatildeo exemplar com a renuacutencia do Regente Feijoacute ndash
com quem mantinha agora relaccedilotildees proacuteximas - foi exonerado do cargo Alencar e
Feijoacute desde o golpe de estado de 1832 em que se reuniam nas sessotildees do Partido
Moderado jaacute admitiam certa cumplicidade de ideias
A famiacutelia deixa o Cearaacute e ruma novamente agrave corte em meados de 1838 onde o
Alencar reassume sua cadeira no senado O pequeno Joseacute de Alencar entatildeo com
11 anos passa a frequentar o coleacutegio elementar
O pai de Joseacute de Alencar o senador Joseacute Martiniano de Alencar eacute figura chave no
processo de maioridade de D Pedro II Enquanto orador oficial do Senado faz um
discurso durante a coroaccedilatildeo e sagraccedilatildeo do imperador no Paccedilo da cidade clamando
ao povo e a divina providecircncia para que iluminem o futuro monarca (SCHWARCZ
1998) Com a posse de D Pedro II eacute nomeado logo a seguir presidente do Cearaacute
Toma a administraccedilatildeo da proviacutencia por alguns meses mas depois de enfrentar
algumas revoltas populares deixa o governo e retorna agrave Corte em 1841 Neste
ponto o senador Alencar - agora cooptado pelo Estado - provavelmente jaacute estava
bem distante das ideias que proclamava nos movimentos revolucionaacuterios
Joseacute de Alencar o filho tem no Cearaacute - donde passa a infacircncia nessas idas e
vindas - a vida tranquila do interior Ali encontra as imagens que o seguiram pela
vida inteira e ajudaratildeo a criar as representaccedilotildees para uma naccedilatildeo nova esplecircndida
como tudo o mais que havia a sua volta naquele momento
Alencar desembarca em Satildeo Paulo em maio de 1843 ldquoUm mirrado rapazola de
catorze anos Vem completar os exames preparatoacuteriosrdquo (MENEZES 1965 p49) A
falta de livrarias e gabinetes de leitura e a dificuldade de comunicaccedilotildees com a
Europa torna o acesso aos livros uma dificuldade jaacute naquela eacutepoca Os livreiros em
sua maioria se estabelecem no Rio de Janeiro e vendem majoritariamente tiacutetulos
em inglecircs ndash visto a quantidade de residentes ingleses - e francecircs e alguns romances
adaptados e traduzidos mas ainda pouco material (RENAULT 1976)
Alencar eacute uma figura que passaria despercebida em qualquer local Alto magro
moreno de oacuteculos De jeito acanhado ateacute mesmo silencioso Natildeo frequentava as
tabernas ou salotildees o que produzia certo estranhamento natildeo soacute dos colegas da
repuacuteblica mas nos estudantes em geral Durante o Impeacuterio como os cursos
regulares de medicina direito e engenharia ainda natildeo se proliferassem no periacuteodo
tais escolas natildeo se configuravam apenas como um centro de produccedilatildeo de uma
cultura intelectual no Brasil Eram antes espaccedilos para uma consolidaccedilatildeo do poder
nas matildeos de uma elite citadina que comeccedilava a se sobressair (COSTA 1999) A
frequentaccedilatildeo agraves escolas de Direito era a antessala necessaacuteria ao jovem que
buscava a ocupaccedilatildeo em algum cargo puacuteblico A criaccedilatildeo de cursos de niacutevel superior
tambeacutem busca a criaccedilatildeo de um funcionalismo que possa assumir os cargos da
burocracia do Estado Tambeacutem uma parte da formaccedilatildeo da Corte e uma carreira
possiacutevel dentro de um escasso mercado de trabalho
Durante o periacuteodo do curso os estudantes bagunccedilavam a cidade promovendo
reuniotildees serenatas e bebedeiras num tributo a Lord Byron8 em noitadas
ldquosatanistasrdquo Quando Alencar se transfere para Satildeo Paulo esse Byronismo estaacute na
moda (MENEZES 1977 p 50) os estudantes saem pelas ruas blasfemando contra
a vida e o amor de ldquocapa e cabeleirardquo 9 virando a vida de pernas para o ar Alencar
nunca foi dado a esses arroubos da juventude preferindo levar uma vida mais
absorta em seus pensamentos
Em 1846 Alencar se matricula na Academia Ali tem suas primeiras experiecircncias
jornaliacutestico-literaacuterias onde funda junto a alguns colegas primeiranistas a revista
semanal Ensaios Literaacuterios Em comeccedilos de 48 depois de tirar feacuterias em Fortaleza e
no siacutetio Messejana embarca para a cidade de Olinda onde se matricula no 3ordm ano
do curso Juriacutedico A companhia de Alencar ali satildeo os passeios pelas ruas solitaacuterias e
a biblioteca do mosteiro de Satildeo Bento onde funcionava o curso e aonde tem
acesso a exemplares dos cronistas coloniais Natildeo fica ali por muito tempo voltando
8 Poeta romacircntico inglecircs que veio a morrer na primeira metade do seacutec XIX 9 A expressatildeo recolhida por Menezes de um comentaacuterio de Brito Broca estaacute indefinida Parece
remeter aos juristas ingleses e americanos ndash modelos para esta juventude da elite da corte portanto ndash de usarem perucas como um siacutembolo de poder Renault (1976) indica ndash a partir de uma fonte de 1816 - que cada profissatildeo recorre a determinado tipo de cabeleira como forma de distinccedilatildeo
posteriormente para Satildeo Paulo Alencar comeccedila jaacute a sentir os primeiros sintomas da
doenccedila que o acompanharia ateacute o fim da vida e o clima do Nordeste possivelmente
seria um alivio para a tuberculose
Por fim consegue se formar em Direito em 1849 (na turma de 50) na Faculdade de
Direito do Largo de Satildeo Francisco Satildeo Paulo eacute uma ldquocidadezinha de terceira ordem
tristonha e brumosa natildeo possui cerca de 12 a 14 mil almas se tantordquo (MENEZES
1965 p 60) O espaccedilo eacute dividido entre os estudantes grupo entatildeo numerosiacutessimo
ldquoe o restordquo como diziam Meretrizes gente pobre nos corticcedilos alguns emigrantes
que vinham tentar a vida fora do campo e artistas mambembes que buscavam levar
alegria para ali Carvalho (2007) sustenta que a escolha por Satildeo Paulo e Olinda para
o estabelecimento dos cursos de Direito foi uma maneira de unificar os laccedilos entre
as elites dispersas pelas vaacuterias regiotildees para posteriormente associa-las a Corte
Alencar natildeo foge a regra e muda-se para o Rio de Janeiro cidade mais promissora
economicamente onde comeccedila a trabalhar como praticante no escritoacuterio de
advocacia do Dr Caetano Alberto Soares um dos mais procurados chegando a
representar em certas ocasiotildees a Casa Imperial Alencar trabalha ali por quatro
anos onde se inicia nos estudos mais aacuteridos do Direito mas natildeo esquece o
jornalismo
12 VIDA NA CORTE
Em 09 de agosto de 1853 Alencar comeccedila a trabalhar a convite de um amigo na
redaccedilatildeo do jornal Correio Mercantil - chamado ldquoo grande jornal das ideias liberaisrdquo -
com a obrigaccedilatildeo de promover mudanccedilas em sua estrutura que viessem a tornaacute-lo
um pouco mais popular Era tido como um abrigo dos letrados e o mais importante
dos diaacuterios da Corte a eacutepoca Ateacute 1852 o Correio Mercantil era um dos jornais
cariocas com eventual tiragem em francecircs (MENEZES 1965) Alencar passaraacute a
analisar os acontecimentos da semana no rodapeacute da primeira paacutegina da revista
hebdomadaacuteria ldquoPaacutegina Menorrdquo publicada sempre aos domingos No seacuteculo XIX tais
revistas - em formato de folhetins - jaacute satildeo comuns na imprensa nacional
O trabalho de Alencar era reunir diversos assuntos com uma escrita leve e que
chamasse a atenccedilatildeo do puacuteblico Agora mesmo avesso a festas e salotildees de baile -
como o do Cassino Fluminense famoso ponto de encontro onde fluiacuteam amizades e
intrigas liberais e conservadores conversavam serenamente com seu jeito sisudo o
jovem e acanhado jornalista comeccedila a frequentar a sociedade a procura de ideias e
tambeacutem de amigos
Alencar sabia como bom jornalista que por vezes seria preciso natildeo soacute relatar os
fatos mas tambeacutem criaacute-los eacute o caso do desfile de carnaval Desde 1854 a poliacutecia
proiacutebe a praacutetica do entrudo10 no carnaval Em 1855 um grupo de foliotildees animados
por jornalistas do Correio Mercantil em sua maioria resolve por na rua um carnaval
diferente com desfile de banda de muacutesica carros alegoacutericos e cavaleiros nos
moldes do carnaval de Veneza A moda de oacuteperas italianas pelos teatros da cidade
faz com que o estranhamento seja menor pela populaccedilatildeo jaacute familiarizada com os
tipos da comeacutedia italiana como arlequins e colombinas Alencar acompanhando o
entatildeo coronel Polidoro da Fonseca11 e Muniz Barreto proprietaacuterio do Correio
Mercantil vai ao Paccedilo da Quinta da Boa Vista convidar a famiacutelia imperial para o
desfile que viria a passar tambeacutem no Largo do Paccedilo Seria o primeiro destes
desfiles a se apresentar no Rio de Janeiro O imperador comparece e aprecia o
espetaacuteculo D Pedro II poucos anos mais velho que Alencar reconhece naquele
ldquofilho de padrerdquo um pouco da convicccedilatildeo e do ativismo do velho senador Alencar
Poreacutem o fato de Alencar assumir-se ldquoa favor do impeacuteriordquo natildeo quer dizer que morria
de amores por D Pedro II
Em 1855 devido a alguns desentendimentos com a direccedilatildeo do jornal abandona o
Correio Mercantil e sua coluna ldquoAo correr da penardquo que eacute um sucesso na eacutepoca
voltando a militar na advocacia por algum tempo Em outubro do mesmo ano
assume os cargos de gerente e redator-chefe do Diaacuterio do Rio de Janeiro com a
10 O entrudo era uma festa popular oriunda de Portugal Significa literalmente ldquointroduccedilatildeordquo e remonta antigas praacuteticas pagatildes Carnaval de rua que desde os tempos da colocircnia vem sendo proibido pelas autoridades constituiacutedas devido aos constantes excessos do povo Ver por exemplo DAMATTA Roberto Carnavais malandros e heroacuteis Para uma sociologia do dilema brasileiro Rio de Janeiro Rocco 1997 11 Os ldquoFonsecardquo eram uma famiacutelia aleacutem de influente vasta nos quadros do exeacutercito Podemos citar desde alguns heroacuteis da guerra do Paraguai ateacute o grupo que sustenta Deodoro na proclamaccedilatildeo da repuacuteblica Ver para um melhor esclarecimento nota em CARVALHO Joseacute Murilo de A formaccedilatildeo das almas o imaginaacuterio da repuacuteblica no Brasil Satildeo Paulo companhia das letras 1990 p 144
tarefa de reerguer o entatildeo decadente jornal (o primeiro jornal diaacuterio surgido no Rio
de Janeiro12) alavancando suas vendas Jaacute era naquele momento um jornalista com
certo renome e seus textos sugerem influecircncias de autores europeus O modelo
civilizacional francecircs - e isto de comum acordo com a grande maioria dos bachareacuteis
que frequentavam a corte - eram de seu agrado e como muitos outros redatores do
periacuteodo foi dele tambeacutem um divulgador Eacute o ldquoafrancesamentordquo da sociedade
carioca que se manifestava tambeacutem no uso da linguagem pelos jornais Alencar eacute
grande apreciador de Lamartine e leitor de Balzac e Voltaire desde os tempos da
academia em que passava as tardes junto ao dicionaacuterio de francecircs
Nos fins de 1854 vem ao Rio de Janeiro em feacuterias das funccedilotildees de cocircnsul geral na
regiatildeo da Sardenha na atual Itaacutelia o poeta Domingos Joseacute Gonccedilalves de
Magalhatildees - futuro visconde de Araguaia Traz consigo os originais do poema ldquoA
confederaccedilatildeo dos Tamoiosrdquo obra que dizia ele revolucionaria as letras nacionais
Grande amigo de D Pedro II este manda imprimir uma ediccedilatildeo do poema na
conhecida tipografia de Paula Brito13 em rica encadernaccedilatildeo o que jaacute era um motivo
para que o proclamado poema fosse lido O assunto gira em torna das lutas dos
Tamoios com portugueses em meados do seacuteculo XVI no litoral fluminense e paulista
exaltando o quanto podia as figuras histoacutericas do periacuteodo As criacuteticas foram
unacircnimes o poema era ndash segundo comentadores do periacuteodo como Alexandre
Herculano e Gonccedilalves Dias ndash uma grande decepccedilatildeo Alencar oculto pelo
pseudocircnimo Ig14 investe criticamente sobre o poema classificando-o de mediacuteocre
em uma seacuterie de oito cartas publicadas em sua coluna no Jornal Seria este o
primeiro debate substancioso sobre literatura travado no Brasil e de certa forma a
primeira querela envolvendo o artista e o imperador
12 Interessante lembrar que o Diaacuterio do Rio de Janeiro chega a ser apontado como subversivo por
Joseacute Bonifaacutecio que manda averiguar o teor do ldquoescritos incendiaacuteriosrdquo ali publicados em 1822(COSTA 1999 p71) No Diaacuterio seriam publicados artigos contraacuterios agrave monarquia constitucional Alencar era assumidamente um conservador 13 Paula Brito eacute editor e dono de tipografia um conhecido ponto de encontro de intelectuais e poliacuteticos do periacuteodo Mulato de origem pobre assim como Machado de Assis eacute mais um indicativo de que nas letras nacionais a poliacutetica de segmentaccedilatildeo racial era mais amena 14 Menezes comenta em uma nota que tendo o Imperador esquecido de convidar o Alencar para a leitura da ldquoConfederaccedilatildeo dos Tamoiosrdquo em seccedilatildeo no gabinete imperial este viria a se tornar um criacutetico ferrenho de Magalhatildees Nos parece um reducionismo a implicacircncia do Alencar natildeo chega a tanto e sua capacidade como escritor e poliacutetico mostra bem sua capacidade
A carta aberta eacute comum na imprensa do periacuteodo Um comentador coloca suas
opiniotildees de maneira direta e soacutebria com o intuito de publicitar um assunto Um
debate aberto por vezes uma provocaccedilatildeo E o direito de resposta era concedido
prontamente O assunto se tornado interessante era esperado pelos leitores
A maior parte das criacuteticas se refere agrave gramaacutetica e a metrificaccedilatildeo O poeta Arauacutejo
Porto-Alegre cognominado ldquoO amigo do poetardquo sai em defesa de Magalhatildees
Alencar rebate e a esta altura Ig natildeo seria mais um desconhecido Porto-Alegre
chega a transparecer que a peleja do Alencar natildeo seria contra o preterido poeta
mas um ataque indireto ao seu protetor D Pedro II Alguns outros aparecem pelas
paacuteginas do jornal apoiando tropegamente poema e poeta Alencar segue firme e o
imperador assume a pena sob o codinome de ldquoOutro amigo do poetardquo Escreve seis
artigos que Alencar responde com airosidade O imperador pede a opiniatildeo favoraacutevel
de alguns amigos sobre o poema mas nem as criacuteticas encaminhadas por Gonccedilalves
Dias e Alexandre Herculano conseguem convencer D Pedro II do contraacuterio que
Magalhatildees natildeo era tatildeo bom assim Torna-se entatildeo uma guerra puacuteblica de teimosos
Alencar no mesmo ano reuacutene em livro as cartas publicadas sobre A confederaccedilatildeo
dos tamoios No ano seguinte Magalhatildees publica uma segunda ediccedilatildeo do poema
que D Pedro II promove agora chegando a pagar a publicaccedilatildeo de duas traduccedilotildees
para o idioma italiano da obra O imperador incentiva a pesquisa e publicitaccedilatildeo de
trabalhos que enfatizam essa mitologia romacircntica do indigeniacutesmo mas natildeo significa
que esteja preocupado com a esteacutetica literaacuteria Suas razotildees estatildeo mais proacuteximas do
campo poliacutetico como tambeacutem o seria com sua relaccedilatildeo com o instituto histoacuterico e
geograacutefico ao qual era o maior patrocinador Era o momento de solidificar os
siacutembolos da nova naccedilatildeo e o indigeniacutesmo aleacutem de tudo se caracteriza por ser um
movimento antilusitano (ROMANCINI 2007)
Sobre o texto de Magalhatildees o puacuteblico aparentemente se cansa da peleja e Alencar
como redator do jornal precisa procurar mateacuteria mais interessante e a contenda se
dissipa no tempo Mas esta seria a primeira de uma seacuterie de desavenccedilas
envolvendo o Imperador e Alencar
Em dezembro de 1856 Alencar termina seu primeiro livro distribuiacutedo para os leitores
do Diaacuterio do Rio de Janeiro como um presente no Natal No ano seguinte publica o
primeiro folhetim15 de O guarani no Diaacuterio e depois em livro organizado em quatro
volumes e os primeiros capiacutetulos de A viuvinha em folhetim O sucesso de O
guarani eacute tamanho que vaacuterias portas satildeo abertas para o escritor Eacute neste ano que
Alencar ingressa no teatro com sua peccedila ldquoO Rio de Janeiro verso e reversordquo em
novembro estreia com ldquoO democircnio familiarrdquo e ainda em dezembro do mesmo ano a
comeacutedia ldquoO creacuteditordquo A sociedade apresentada nos palcos do Rio de Janeiro para
Alencar natildeo seria aquela que ele via nas ruas Seu modelo era a ldquosociedaderdquo
francesa Comenta assim em uma crocircnica
(hellip) a verdadeira comeacutedia a reproduccedilatildeo exata e natural dos costumes de uma eacutepoca a vida em accedilatildeo natildeo existe no teatro brasileiro Natildeo achando pois em nossa literatura um modelo fui buscaacute-lo no paiacutes mais adiantado em civilizaccedilatildeo e cujo espiacuterito tanto se harmoniza com a sociedade brasileira na Franccedila Fui feliz o puacuteblico ilustrado foi mais beneacutevolo do que eu esperava e merecia O Democircnio Familiar escrito conforme a escola de Dumas Filho sem lances cediccedilos sem gritos sem pretensatildeo teatral agradourdquo (MENEZES 1977 p 135)
No exposto entendemos que Alencar buscava um modelo ldquomelhorrdquo segundo ele
para a sociedade carioca O modelo francecircs de certa forma jaacute impregnado na
sociedade da Corte eacute agora validado pela arte e aplaudido pelo grupo Tal modelo
como afirma natildeo estava na literatura dramaacutetica nacional A vida em accedilatildeo natildeo existe
no teatro A questatildeo eacute qual seria essa vida que Alencar buscava A das ruas
imundas do Rio de Janeiro dos escravos que recolhiam os dejetos na cidade da
incipiente induacutestria nacional Certamente natildeo
A peccedila de maior aceitaccedilatildeo puacuteblica eacute ldquoO democircnio familiarrdquo e a mais divulgada de
suas comeacutedias Machado de Assis em um artigo qualifica a peccedila ldquoO democircnio
familiarrdquo como um retrato da famiacutelia brasileira no periacuteodo com sua caracteriacutestica ndash
segundo ele ndash paz domeacutestica O texto circula tambeacutem em versatildeo impressa com uma
dedicatoacuteria agrave imperatriz D Teresa Cristina o que chega a ser considerado uma gafe
de Alencar sendo a personagem principal o referido democircnio familiar um moleque
chamado Pedro assim como D Pedro II (e tambeacutem D Pedro I ) Na estreia do
espetaacuteculo no Teatro do Ginaacutesio comparecem D Teresa e D Pedro II que chega a
se irritar com os olhares maliciosos e risadas do puacuteblico a cada travessura do
15
Alencar estava - de certa forma - na vanguarda da miacutedia O folhetim foi uma invenccedilatildeo de Gustave
Planche no dececircnio de 1820 na Franccedila introduzindo uma forma diferenciada agrave narrativa do romance Era um modelo que agradou e ajudou a construir popularidade para Alencar Ver CAcircNDIDO Antocircnio Literatura e Sociedade 9ordf Ed Rio de Janeiro Ouro sobre Azul 2006 p 43
escravo no palco Segundo esse autor se origina daiacute e natildeo do episoacutedio da
Confederaccedilatildeo dos Tamoios as diferenccedilas entre o imperador e Alencar De qualquer
forma natildeo se pode deixar de ver Joseacute de Alencar como um implicante
Em 30 de maio de 1858 no teatro do Ginaacutesio Dramaacutetico estreia a comedia ldquoAs asas
de um anjordquo Depois da terceira apresentaccedilatildeo puacuteblica o texto eacute proibido pelo chefe
de poliacutecia Alencar vem a puacuteblico atraveacutes do Diaacuterio questionar a arbitrariedade e
apresentar sua defesa Questiona como um espetaacuteculo aprovado anteriormente pela
censura (apresenta-las anteriormente aos censores era o procedimento padratildeo)
poderia ser logo depois proibido Diz o autor ter se baseado em uma peccedila de
Alexandre Dumaacutes Filho sobre uma prostituta jaacute tendo sido o espetaacuteculo
apresentado no mesmo teatro semanas a fio sendo assim bem conhecida do
puacuteblico Apresenta ali seus argumentos e motivos repetindo que natildeo entende como
um texto que ele mesmo admite eacute adaptado de um romance europeu ndash a dama das
cameacutelias - que apresenta jaacute a eacutepoca relativo sucesso de puacuteblico no teatro pocircde ser
censurado Eacute ali que Alencar entende da pior maneira que a sociedade carioca de
entatildeo natildeo aceita ser confrontada com uma caracterizaccedilatildeo tatildeo realista de seus
costumes Havia assuntos ainda difiacuteceis de discutir Eacute interessante nos determos um
pouco aqui para analisar o confronto do autor com a censura Alencar se sente
intimamente ofendido com a proibiccedilatildeo e parte para sua defesa puacuteblica fazendo o
que sabe fazer mobilizar a opiniatildeo puacuteblica atraveacutes do jornal
Em 28 de junho de 1858 Alencar puacuteblica no Diaacuterio do Rio de Janeiro um artigo que
viria a ser uma espeacutecie de ldquodireito de defesardquo a censura do espetaacuteculo16 Eacute
interessante no sentido de que podemos ter uma visatildeo ampla da censura praticada
pelas instituiccedilotildees puacuteblicas no periacuteodo imperial Eacute ndash inicia a carta indicando ndash o seu
direito e dever como escritor Alencar se diz indiferente a ldquopuniccedilatildeordquo e explica que tal
somente serviraacute para ldquoexcitar a curiosidade puacuteblicardquo por isso vem a puacuteblico
defender-se apenas por que se diz um defensor da moral e natildeo quer manchar sua
imagem aceitando passivamente a (afirma) injusticcedila Natildeo pretende fugir a puniccedilatildeo e
afirma que ldquose quiser dar-lhe maior publicidade tenho ainda um meio a imprensa
16
Artigo transcrito na seccedilatildeo ldquoensaios literaacuteriosrdquo em ALENCAR Joseacute de Teatro completo Rio de
Janeiro Serviccedilo Nacional de Teatro 1977 As referecircncias entre aspas satildeo todas do artigo
que natildeo estaacute sujeita agrave censura policialrdquo A peccedila conta havia sido liberada por meio
de despacho especiacutefico pela poliacutecia em 25 de maio e pelo Conservatoacuterio Dramaacutetico
ainda em janeiro o que jaacute indica uma contradiccedilatildeo Dentre as causas estipuladas
pela lei para a proibiccedilatildeo de espetaacuteculo teatral estavam o ataque agraves autoridades
constituiacutedas o desrespeito agrave religiatildeo e a ofensa agrave moral puacuteblica que no entender do
jornalista seria o motivo da proibiccedilatildeo
Alencar afirma ter pensado bastante na reaccedilatildeo que o puacuteblico teria sobre o tema e
afianccedila ter se baseado em obras dramaacuteticas filhas da chamada ldquoescola realistardquo que
vem de Paris e que tecircm sido representadas em nossos teatros sende ele mesmo
um dos espectadores Mas sustenta ldquoesqueci-me que o veacuteu que para certas
pessoas encobre a chaga da sociedade estrangeira rompia-se quando se tratava de
esboccedilar a nossa proacutepria sociedaderdquo (ALENCAR 1977 p 227) Afirma que o puacuteblico
da Corte assistindo a ldquoA dama das Cameacuteliasrdquo ou agraves ldquoMulheres de Maacutermorerdquo cada
um toma Margarida Gauthier e Marce satildeo apenas duas moccedilas um pouco
estravagantes mas quando se transpotildee a questatildeo para o Brasil em As asas de um
anjo o espectador encontra a realidade diante de seus olhos e espanta-se sem
razatildeo de ver no teatro sobre a cena o que vecirc todos os dias na rua e nos passeios
Mas o que seria imoral O que motivaria tal ato da poliacutecia Alencar explica que eacute
imoralidade o ato que a moral reprova Alencar se defende dizendo que sua intenccedilatildeo
era a pretenccedilatildeo de mostrar uma liccedilatildeo para os pais de famiacutelia sobre a necessidade
de cuidarem da educaccedilatildeo moral de seus filhos de constituiacuterem-se enquanto famiacuteias
Sustenta que em sua tese natildeo haacute aiacute uma soacute personagem que natildeo represente uma
ideia social que natildeo tenha uma missatildeo moralizadora Natildeo eacute ele quem nos
apresenta diz eacute a proacutepria sociedade E as instituiccedilotildees puacuteblicas criam um
impedimento para que o grupo possa comfrontar sua realidade eacute mais uma barreira
constriacuteda como podemos observar entre o povo (rebelde inculto imoral) e a elite
que soacute observa isso de sua cadeira ou camarote estando distante de tudo
Alencar se desgosta com aquilo e abandona logo depois o Diaacuterio do Rio de Janeiro
e a dramaturgia (pelo menos por enquanto) voltando a se dedicar ao Direito e a seu
trabalho como advogado no escritoacuterio do Dr Caetano Alberto E agora com clientela
vasta Ao longo do periacuteodo imperial com a estabilidade da economia e um maior
(ainda pouco) desenvolvimentos das cidades aparecem outros caminhos para o
trabalho que natildeo somente a burocracia mas a grande maioria dos profissionais
liberais natildeo consegue manter-se Apesar do desenvolvimento da advocacia do
magisteacuterio da medicina do jornalismo muitos destes profissionais liberais ndash o caso
de Alencar ndash encampam duas profissotildees ao mesmo tempo como forma de
sobrevivecircncia ou de esperar ser alcanccedilado pelo braccedilo sedutor do emprego puacuteblico
Para Neto (2006) a produccedilatildeo literaacuteria de Alencar natildeo estaacute desvinculada de sua
personalidade um tanto depressiva e afastada da vida noturna da capital lugar
comum para poliacuteticos e jornalistas - vaacuterios deles conhecidos por Alencar que
preferia a tranquilidade de sua propriedade na periferia onde recebia alguns poucos
amigos Ali entre seus livros dedicava-se a leitura de cronistas e historiadores e a
pesquisa sobre a histoacuteria poliacutetica dos seacuteculos XVIII e XIX Tais leituras teriam levado
Alencar a um aprofundamento de sua reflexatildeo criacutetica sobre a realidade brasileira e
os padrotildees de comportamento da sociedade e das instituiccedilotildees que a constituem e
da famiacutelia burguesa em particular
13 MILITAcircNCIA POLIacuteTICA
Em dezembro de 1858 quando Nabuco de Arauacutejo assume o cargo de Ministro e
Secretaacuterio de Estado dos Negoacutecios da Justiccedila trata logo de promover uma reforma
interna neste e o nome de Alencar eacute lembrado para uma diretoria de Seccedilatildeo na
Secretaria de Estado dos Negoacutecios da Justiccedila Depois de alguns meses no cargo
solicita a um amigo do partido conservador o entatildeo conselheiro Euseacutebio de Queiroz
uma melhoria em seu cargo Em maio de 1859 seu pedido eacute aceito e agora como
consultor recebe o tiacutetulo de conselheiro com seus 30 anos Comeccedila o gosto pela
poliacutetica que estava desde sempre segundo Alencar em sua famiacutelia No mesmo ano
que entra para o ministeacuterio eacute nomeado professor de direito mercantil do Instituto
Mercantil no Rio de Janeiro Ao mesmo tempo publica vaacuterios trabalhos juriacutedicos de
reconhecido valor que alcanccedilam segundas e terceiras ediccedilotildees o que prova que o
texto de Alencar era procurado e lido que conseguiu sucesso como autor ainda em
sua juventude (algo dificilmente alcanccedilado mesmo hoje)
A poliacutetica assim dizia o Alencar era como uma religiatildeo em sua famiacutelia e o desejo
por uma cadeira na Assembleia jaacute eacute latente Mas em sua primeira candidatura em
1856 para uma cadeira de deputado geral pela proviacutencia do Cearaacute na primeira
eleiccedilatildeo por distritos natildeo eacute eleito na ocasiatildeo (ALENCAR 2009) Em 15 de marccedilo de
1860 tem outro desgosto falece o velho senador Alencar seu pai Talvez a uacuteltima
chance de associaccedilatildeo aos quadros do Partido liberal No mecircs seguinte comeccedila
uma correspondecircncia com amigos no Cearaacute jaacute no intuito de buscar uma candidatura
para deputado Em novembro e ainda trajando luto17 embarca para Fortaleza onde
busca amigos e correligionaacuterios para iniciar sua campanha pelo partido conservador
nas periferias da capital cearense Com a quantidade limitada de eleitores pela
legislaccedilatildeo vigente em poucos dias consegue-se conversar com um significativo
percentual de eleitores Apesar de seu pai ser um grande nome do partido liberal e
mesmo Alencar sendo o redator-chefe do Diaacuterio do Rio de Janeiro folha
declaradamente liberal o partido natildeo sugeriu uma filiaccedilatildeo ou a possibilidade de
concorrer a algum cargo puacuteblico fato que seraacute lembrado posteriormente com certa
amargura Talvez com os liberais Alencar pudesse exercitar melhor sua ojeriza por
D Pedro II que jaacute era manifesta a eacutepoca Talvez pelo mesmo motivo o partido natildeo
o desejasse em suas linhas A tatildeo falada homogeneidade de pensamento entre
liberais e conservadores se aplica aqui onde algueacutem que pudesse desagradar o
imperador seria um filho sem pai O que Alencar jaacute sabia era que se natildeo
conseguisse apoio de alguma lideranccedila poliacutetica ndash de um lado ou de outro -
provavelmente natildeo seria eleito Foi o que aconteceu no primeiro pleito Alencar
entatildeo se ldquoapadrinhardquo de Euseacutebio de Queiroz e com o apoio deste e do grupo
conservador eacute eleito para a Cacircmara em 1861
Os principais partidos do periacuteodo o liberal e o conservador apresentavam algumas
diferenccedilas importantes O professor Bonavides consegue uma caracterizaccedilatildeo
abrangente para o periacuteodo de nosso recorte
17 O traje de luto para meados do seacuteculo XIX era conservado por um tempo relativamente grande
quando se tratava de um familiar proacuteximo Poreacutem pode ter funcionado como uma ferramenta
importante na construccedilatildeo de um personagem para sua campanha poliacutetica Ele eacute praticamente um
desconhecido no Cearaacute Eacute preciso mostrar-se como cristatildeo bom filho etc
Os liberais do Impeacuterio exprimiam na sociedade do tempo os interesses urbanos da burguesia comercial o idealismo dos bachareacuteis o reformismo progressista das classes sem compromissos diretos com a escravidatildeo e o feudo
Os conservadores pelo contraacuterio formava o partido da ordem o nuacutecleo das elites satisfeitas e reacionaacuterias a fortaleza dos grupos econocircmicos mais poderosos da eacutepoca os da lavoura e pecuaacuteria compreendendo plantadores de cana-de-accediluacutecar cafeicultores e criadores de gado (BONAVIDES 2000 p491)
Tambeacutem Ilmar Mattos (1987) afirma que a diferenccedila entre ldquoLuzias e Saquaremasrdquo jaacute
estava demarcada desde as revoltas liberais do periacuteodo regencial Poreacutem como os
partidos poliacuteticos ainda natildeo havia desenvolvido suficiente forccedila enquanto instituiccedilatildeo
e ainda natildeo haviam desenvolvido sua configuraccedilatildeo atual geralmente os interesses
pessoais (e as ideias) determinavam as accedilotildees dos poliacuteticos Joseacute Murillo de
Carvalho (2007) sustenta a posiccedilatildeo dos magistrados tipicamente centrados no
partido conservador tanto quanto o clero no partido liberal tendo o grupo dos
militares preferido manter certa neutralidade e por fim um ldquogrupo ascendente de
profissionais liberais formando a ala ideoloacutegica do Partido Liberal e o nuacutecleo do
Partido Republicano do Rio de Janeirordquo (CARVALHO 2007 p 225) Nas cartas
Alencar sustenta que ldquoera do comeacutercio portuguecircs e aderecircncias que o partido
conservador tirava principalmente sua forccedila e os recursos com que sustentava a
lutardquo e mais adiante afirma que ldquoo partido conservador servia-se da induacutestria para
subir ()rdquo (ALENCAR 2011 p63) Em sua quase totalidade estes homens eram
representantes de uma sociedade patriarcal europeizada escravagista e machista
Tais homens partilhavam desse universo cultural que inclusive os caracterizava
independente do partido a que estavam filiados E quantas vezes tais interesses natildeo
se confundiam com a vontade do imperador - figura maior que muitos queriam
agradar e poucos tinham coragem de desagradar Bonavides (2000) citando Rui
Barbosa diz que os dois partidos na praacutetica se resumiriam em um soacute o partido do
poder Faoro (2004) tambeacutem sustenta que no segundo reinado a partir de 1836 a
histoacuteria poliacutetica brasileira se resumiria aos dois grandes partidos o liberal e o
conservador A conciliaccedilatildeo foi algo como uma orientaccedilatildeo um acordo intrapartidaacuterio
ou mesmo uma coligaccedilatildeo e natildeo outro partido A liga que eacute tida como a associaccedilatildeo
geradora do partido progressista foi uma organizaccedilatildeo primaacuteria dessa lideranccedila que
tem seu teacutermino com a deposiccedilatildeo de Zacarias de Goacuteis em 1868 tendo seus filiados
se rearranjado entre liberais e conservadores As discussotildees entre as diferenccedilas
ideoloacutegicas dentro dos partidos excedem a pretensatildeo deste trabalho O que
modestamente se sustenta aqui eacute que a filiaccedilatildeo partidaacuteria se dava a princiacutepio natildeo
como resultado de um aceite pelo ator poliacutetico da base ideoloacutegica do partido ndash se eacute
que houvesse uma O partido conservador por exemplo nunca chegou a escrever
um manifesto ou coisa que o valha ndash mas a suas necessidades pessoais suas
pretensotildees sociais e para seu favorecimento econocircmico Para efeito geral
acompanharemos a anaacutelise de Carvalho
A complexidade dos partidos se refletia naturalmente na ideologia e no comportamento poliacutetico de seus membros dando agraves vezes ao observador desatento a impressatildeo de ausecircncia de distinccedilatildeo entre eles Um exame embora sumaacuterio de alguns problemas cruciais enfrentados pelos poliacuteticos do Impeacuterio pode no entanto mostrar tanto as divergecircncias interpartidaacuterias como intrapartidaacuterias (CARVALHO 2007 p 219)
Em Janeiro ao se realizarem as eleiccedilotildees secundaacuterias Joseacute Martiniano de Alencar
Filho eacute eleito pelo 1ordm distrito (tendo segundo um comentaacuterio seu obtido tambeacutem 30
votos dos cerca de 220 eleitores liberais) no Cearaacute junto a outros seis candidatos de
seu partido Em 23 de maio inicia seus trabalhos na corte O cargo de deputado eacute
um importante comeccedilo para a vida puacuteblica
Apesar de eleitos por um periacuteodo de quatro anos frequentemente conseguiam ser reeleitos para vaacuterias legislaturas ou detinham importantes cargos administrativos Muitos encontraram na Cacircmara um caminho faacutecil para o Senado e o Conselho de Estado Assim como os conselheiros de Estado e os senadores os deputados pertenciam a uma rede poliacutetica de clientela e patronagem que utilizavam tanto em seu proacuteprio benefiacutecio quanto no de seus amigos e protegidos (COSTA 1999 p 141)
Ainda sobre o assunto uma interessante anotaccedilatildeo de Tavares Bastos em seu diaacuterio
pessoal nos ilustra bem a posiccedilatildeo de ldquoclientelardquo a que os deputados estavam
submetidos Referindo-se ao fim de setembro 1869 comenta sobre uma reuniatildeo dos
senadores liberais autorizando Zacarias de Goacuteis a prosseguir negociaccedilotildees sobre o
orccedilamento com Cotegipe ministro da Marinha Ao redigir a informaccedilatildeo refere-se
aos senadores que compotildee uma fraccedilatildeo do partido denominada progressista ndash critica
ou ceticamente - como ldquoos nossos chefesrdquo (ABREU 2007 p122) Disto podemos
deduzir e ainda segundo o depoimento de Costa que Alencar tambeacutem natildeo eacute
nenhum ldquoheroacuteirdquo do Brasil Quer o cargo puacuteblico como uma seguranccedila que garanta
uma rede de relacionamentos necessaacuteria a permanecircncia nesta periferia da elite
com vistas a uma posterior promoccedilatildeo
Quando do iniacutecio dos trabalhos todos os olhares estavam postos sobre Alencar
Romancista e dramaturgo jaacute famoso jornalista respeitado filho de importante
Senador que chegara a orador do Senado na coroaccedilatildeo do Imperador a casa estava
cheia de expectativa para a fala inicial No calor da hora a emoccedilatildeo lhe sobe a
cabeccedila O discurso proferido tatildeo aguardado foi um grande fiasco com momentos
de indecisatildeo e certa disfemia Eacute aos poucos que a palavra lhe vai acontecendo vai
achando seu lugar na tribuna durante o mandato Os argumentos a reacuteplica sempre
pronta o exerciacutecio parlamentar vai construindo o personagem poliacutetico Joseacute de
Alencar que chega a ser um dos mais respeitados oradores da cacircmara A
humilhaccedilatildeo nos primeiros dias arranha um pouco do orgulho e da habitual
arrogacircncia do escritor para depois se constituir em um aprendizado decisivo do
poliacutetico
Em 13 de maio de 1863 eacute dissolvida a Cacircmara Alencar sentindo a doenccedila faz
algumas viagens de repouso fora do Rio de Janeiro De volta agrave Corte passa a morar
na Tijuca e diminui o ritmo da produccedilatildeo literaacuteria atendendo a conselhos meacutedicos Ali
conhece aquele que viria a ser um grande amigo o meacutedico Dr Thomaz Cochrane18
de quem posteriormente toma a filha em casamento Georgiana Augusta Cochrane
Em 1865 nasce seu primeiro filho Augusto
De temperamento arredio dado mesmo a solidatildeo com a dedicaccedilatildeo ao trabalho
redobrada agora pela necessidade de sustentar uma casa natildeo sendo um associado
do Instituto Histoacuterico e Geograacutefico natildeo sendo frequentador assiacuteduo de salotildees ou da
livraria do Paula Brito como outros literatos vai desligar-se ainda das poucas
relaccedilotildees sociais que tem Fecha-se na famiacutelia e para si Eacute o ano em que publica as
primeiras cartas de Erasmo dirigidas ao Imperador
18
Que natildeo eacute o Almirante Cochrane militar contratado por D Pedro I para ldquomassacrarrdquo rebeldes
revolucionaacuterios pelo Brasil afora
Em novembro de 1865 comeccedilam a aparecer nas livrarias do Rio de janeiro uma
seacuterie de ldquocartas abertasrdquo publicadas sempre as terccedilas-feiras endereccediladas ao D
Pedro II e assinadas com o pseudocircnimo de Erasmo mas logo se soube que o autor
era o deputado Alencar A procura pelos folhetins era imensa Havia quem
esperasse a chegada de um vendedor pelas ruas para adquirir seu exemplar19 O
proacuteprio imperador natildeo deixava de estar atento a cada nova carta era como mais um
sucesso literaacuterio Publica tambeacutem em 1866 ldquoOs partidosrdquo em formato de livro mas
discutindo as mesmas questotildees e de forma menos informal
As cartas continham um conjunto de denuncias sobre as irregularidades na poliacutetica e
no procedimento eacutetico dos poliacuteticos Falam do poder moderador da situaccedilatildeo
financeira do paiacutes natildeo haacute assunto que escape ao jornalista Posteriormente
endereccedila outra carta esta ao Visconde de Itaboraiacute ex-Ministro dos Negoacutecios e da
Fazenda uma carta sobre a crise financeira em que tece vaacuterios elogios a este e
mais uma endereccedilada ao Marquecircs de Olinda De julho a agosto publica uma seacuterie
de cartas ao povo20 Alencar se coloca sempre e antes como um pensador da
poliacutetica Algueacutem que observa e indica um caminho para a naccedilatildeo e sua condiccedilatildeo de
jornalista eacute decisiva passa isso Deve-se ter em conta que um pensador poliacutetico eacute
algueacutem que observa contextos comportamentos e instituiccedilotildees e a partir de disputas
retoacutericas em torno de tais conceitos e que busca criticar o poder instituiacutedo e as
justificativas que este toma para continuar no poder
Alguns fatos satildeo modelares para mostrar o desinteresse de Alencar pela sua
valorizaccedilatildeo enquanto uma personagem social preferindo ser identificado enquanto
escritor Prefere as letras e a tranquilidade de seu recanto agrave vida social que poderia
ter na Corte Um exemplo disto eacute o episoacutedio da condecoraccedilatildeo Em 1867 o Alencar
por decreto imperial eacute agraciado com o oficialato da Ordem da Rosa pelos
relevantes serviccedilos prestados agraves letras no paiacutes Um agrado da parte de D Pedro II
feito sem que houvesse uma solicitaccedilatildeo ou concurso A poliacutetica de condecoraccedilotildees eacute
19 Eacute o depoimento de Barros Pimentel que demonstra como o o folhetim foi um meio importante de
divulgaccedilatildeo no periacuteodo
20 As cartas seratildeo analisadas em capiacutetulo a parte
basicamente a mesma dos tiacutetulos nobiliaacuterquicos brasileiros formas de cooptaccedilatildeo de
elementos da elite para o ldquopartidordquo do Imperador Nos anos finais do impeacuterio D
Pedro II agraciaria vaacuterios fazendeiros com a ordem da Rosa pela iniciativa destes
em libertar seus escravos (NOVAIS 1997) Alencar sem um motivo aparente
recusa a condecoraccedilatildeo publicamente solicitando ao redator do Jornal do Comeacutercio
que publicite sua decisatildeo Eacute mais uma alfinetada em D Pedro II que a princiacutepio
busca trazer Alencar para seu grupo mais proacuteximo A caminhada na carreira poliacutetica
vai se tornando ldquocomplicadardquo com tais atitudes de intransigecircncia pelo menos para
algueacutem dentro do partido conservador que almeja seguir adiante
Em 1868 estaacute agrave frente do governo o gabinete liberal presidido por Zacarias de Goacuteis e
Vasconcelos Por conta de alguns desentendimentos entre Zacarias e o marquecircs de
Caxias jaacute tomado como um heroacutei por sua atuaccedilatildeo na guerra do Paraguai D Pedro
II eacute impelido pela imprensa a tomar algum lado na rinha e cai o gabinete Sobem
entatildeo os conservadores sob a chefia do visconde de Itaboraiacute O nome de Alencar eacute
proposto para o Ministeacuterio da Justiccedila e sob o espanto de muitos aprovado pelo
imperador D Pedro estaria tentando amarrar uma ponta da corda que tinha agraves
matildeos no pescoccedilo do teimoso literato Alencar reluta num primeiro momento mas
depois de seu ego ter sido acariciado por algumas visitas de partidaacuterios como o
baratildeo de Muritiba e o Conselheiro Paulino de Souza - falando em nome do Futuro
presidente do Conselho - resolve por bem aceitar o cargo O ministeacuterio apelidado
ldquogabinete-bombardquo toma posse em 16 de julho Eacute composto por aleacutem da figura do
Presidente do Conselho e Ministro da Fazenda o Visconde de Itaboraiacute Joaquim
Rodrigues Torres Paulino Joseacute Soares de Souza como Ministro do Impeacuterio Joseacute de
Alencar Ministro da Justiccedila Joseacute Maria Paranhos o visconde do Rio Branco
Ministro dos Estrangeiros Joatildeo Mauriacutecio Mariani Wanderley o baratildeo de Cotegipe
Ministro da Marinha Manoel Vieira Tosta o visconde de Muritiba Ministro da Guerra
e Joaquim Antatildeo Fernandes Leatildeo Ministro da Agricultura Comeacutercio e Obras
Puacuteblicas A ascensatildeo dos conservadores eacute um fato consumado Alencar eacute aleacutem de
tudo o ministro mais jovem do gabinete mas aos olhos do Imperador natildeo era um
inexperiente D Pedro II parece natildeo se importar com a presenccedila do autor das
Cartas de Erasmo antes se comporta como um admirador da obra de Alencar
Mudanccedilas haacute mas nem tanto As figuras de Rodrigues Torres e Paulino que ndash
segundo Ilmar Mattos (1987) seriam o braccedilo forte da chamada ldquotrindade saquaremardquo
- por tanto tempo estiveram a frente do poder retornam agora com a
responsabilidade de reorganizar a casa Ao mesmo tempo e ateacute como uma forma
de equiliacutebrio de forccedilas D Pedro II tambeacutem tinha seu jeito de se resguardar das
pressotildees exercidas pelas elites no poder e da influecircncia de seus associados e
apadrinhados Em muitos momentos leva a lideranccedila do gabinete homens sem
propriedades lideres com ascendecircncia humilde portanto natildeo diretamente atrelados
aos interesses de grupos poderosos desatados dos laccedilos familiares ou
ldquopatronagemrdquo com fazendeiros e comerciantes ligados ao traacutefico e a exportaccedilatildeo
como Saraiva Zacarias o Visconde de Ouro Preto o marquecircs de Paranaacute entre
outros Eles que estariam mais proacuteximos ao imperador seriam tambeacutem uma ultima
barreira de contenccedilatildeo dos movimentos em prol da diminuiccedilatildeo dos poderes da
monarquia (COSTA 1999) O movimento republicano soacute toma corpo em 1873 e
adiante mas as rusgas que o poder moderador incita no parlamento jaacute se fazem
presentes Alencar no ministeacuterio trabalha com o afinco que sempre daacute a seus
afazeres Isso natildeo eacute uma novidade No ano de 1868 publica tambeacutem ldquoO systema
representativordquo obra em que discute o processo eleitoral como a base de um
governo representativo Nem seria tambeacutem uma novidade o ministro colecionar
desafetos no periacuteodo em que estaacute no cargo Deputados colegas ministros oficiais
natildeo estatildeo livres do temperamento singular de Alencar
As relaccedilotildees do imperador com seu ministro da justiccedila satildeo cordiais poreacutem
complicadas Alencar reclama que D Pedro II em tudo se intromete ndash mais tarde diraacute
que eacute um haacutebito deste e tambeacutem dos outros ministros ndash nos assuntos do Estado Agraves
vezes como um menino curioso que de tudo quer saber outras vezes como um pai
zeloso que se preocupa com seus filhos sendo ldquomaltratadosrdquo pelo ministro chegado
em alguns casos extremos a lembrar de que ele eacute o imperador e eacute quem manda na
casa (MENESES 1977) Um dos haacutebitos de D Pedro eacute o envio de bilhetes para o
ministro Satildeo comentaacuterios questotildees relevantes (ou natildeo) indiscriccedilotildees e
apontamentos que constantemente acompanham os despachos de Alencar
Algumas vezes se diz preocupado com a imprensa e os assuntos gerais em outras
solicita informaccedilotildees sobre processos de funcionaacuterios puacuteblicos e sobre o andamento
das eleiccedilotildees Alencar natildeo faz por menos redigindo tambeacutem os seus bilhetes em
tom cordial e respeitoso mas sempre como um embate de forccedilas tentando
demarcar seu campo de atuaccedilatildeo ou impor limites ao outro Natildeo eacute esta uma praacutetica
do restante do grupo que na acomodaccedilatildeo burocraacutetica a que o partido conservador
se acostuma acaba deixando reverter uma formula antiga para o imperador que
recostado na condiccedilatildeo que lhe permitia o poder moderador apesar de dizer que
ldquodeixa a maacutequina andarrdquo ainda reina governa e administra (FAORO 2004) A
tambeacutem o fato de que D Pedro II prefere morar no paccedilo de Satildeo Cristoacutevatildeo ao Paccedilo
da cidade e os ministros precisavam cavalgam ateacute laacute duas vezes na semana para
os despachos coisa que Alencar abomina - considera uma perda de tempo - aleacutem
de reclamar das ldquofutilidadesrdquo que satildeo obrigados a discutir no lugar de tomar o tempo
com alguma providecircncia importante para o paiacutes como os rumos da Guerra do
Paraguai
Certa feita o imperador encaminha preocupado um bilhete pedindo esclarecimentos
de notiacutecias vinculadas nos jornais sobre o recrutamento de (in)voluntaacuterios para a
guerra do Paraguai pelo paiacutes afora A prisatildeo para recrutamento era uma realidade e
por vezes usada como uma forma do partido da situaccedilatildeo ldquodesaparecerrdquo com
elementos da oposiccedilatildeo Com tal pretexto satildeo escolhidos no periacuteodo
propositalmente os indiviacuteduos simpatizantes do partido liberal Alencar dias depois
encaminha circular tentando normalizar as coisas e coibir abusos por parte dos
presidentes das proviacutencias e autoridades policiais que usavam de tal artifiacutecio para
uma ldquofaxinardquo poliacutetica no eleitorado As preocupaccedilotildees do imperador se
fundamentavam nestas accedilotildees correntes como bem sugeria em outro bilhete onde
dizia ldquo() eu sei infelizmente o que satildeo as eleiccedilotildees entre noacutesrdquo buscando sempre
providencias para que houvesse alguma melhora dentro do possiacutevel e tambeacutem
buscando ldquo(hellip) inteira liberdade de voto conforme nossos maus haacutebitos o permitem
por hora mas dando a autoridade o bom exemplordquo (MENEZES 1965 p133) Mas o
imperador natildeo desconhecia que as eleiccedilotildees pouco refletem a vontade do povo
oprimido do interior que ainda eacute refeacutem do poder poliacutetico local nas matildeos dos
senhores de terras no interior ndash em sua maioria apoiados pelo partido liberal
(CARVALHO 2007) A praacutetica do voto jaacute previamente indicado com a ceacutedula ldquochapa
de caixatildeordquo21 ainda garantia o patildeo para o sustento das famiacutelias (FAORO 2004)
Vaacuterias mudanccedilas satildeo tentadas no decorrer dos anos com pouco resultado mesmo
uma draacutestica mudanccedila nas regras eleitorais ndash como o foi o caso do gabinete da
conciliaccedilatildeo (1853-57) com o marquecircs de Paranaacute em que foram vetadas as
participaccedilotildees de vaacuterios elementos representantes da poliacutecia justiccedila e da
administraccedilatildeo puacuteblica ndash sempre entrevia um espaccedilo para burlar-se a lei o que jaacute
vinha se constituindo como parte da ldquoculturardquo poliacutetica nacional
Austero com os deputados distante dos outros ministros longe das recepccedilotildees
oficiais Alencar apesar de extremamente competente assegura seu lugar como o
homem ldquomais chatordquo da Corte Essa visatildeo era compartilhada ateacute entre alguns
colegas ministros como no caso de Cotegipe que natildeo admitia ldquoo artistardquo no meio
das altas relaccedilotildees poliacuteticas E isso debaixo de um ciuacuteme natildeo declarado pelo fato de
D Pedro II insistir em entregar ao ministro da Justiccedila a maior parte das atenccedilotildees
Atenccedilatildeo que o grupo buscava e que Alencar repelia com seu temperamento
complicado Houve ocasiotildees em que descumprindo os deveres dados pelo decoro
impotildee ao imperador a papelada de sua exoneraccedilatildeo em cerimocircnia puacuteblica
conquanto este natildeo assinasse os decretos que Alencar lhe propunha D Pedro II
em seus despachos tinha o haacutebito de natildeo deixar nada sem assinar poreacutem
postergava Dizia sobre o que natildeo lhe conviesse (ou natildeo quisesse) dar
encaminhamento que deixaria ldquopara a proacutexima semanardquo Os outros ministros
conhecendo tal procedimento tido ateacute como educado tratavam de arquivar a
papelada referente Alencar voltava semana apoacutes semana com os mesmos papeacuteis
natildeo se dando por vencido Esticava os braccedilos a exaustatildeo ateacute que o imperador
reconsiderasse seu ato Natildeo eacute de se estranhar que D Pedro torcesse o nariz para
uma candidatura de Joseacute de Alencar para o senado entatildeo um cargo vitaliacutecio
evitando assim ter de aguentar o homem perto de si por tanto tempo
Alencar sente pressotildees de vaacuterias formas por seu mau jeito como articulador poliacutetico
O ldquodedordquo de Cotegipe como ele mesmo chegou a dizer estava em grande parte
daquilo Joatildeo Mauriacutecio Mariani Wanderley o baratildeo de Cotegipe era um homem
21 A ceacutedula era marcada com uma cruz indicando o voto a ser dado Caso a ceacutedula natildeo aparecesse
na urna o candidato ou chefe poliacutetico poderia procurar o eleitor para ldquotomar providecircnciasrdquo
prestigiado que sabia emprestar seu prestiacutegio ao Ministeacuterio Encarregado da
Marinha este tinha a predileccedilatildeo pela Justiccedila o que o fazia criar situaccedilotildees de
constrangimento para Alencar Com a legislaccedilatildeo vigente o impeacuterio estaacute centralizado
na figura do ldquo() Ministro da Justiccedila generaliacutessimo da poliacutecia dando-lhe por
agentes um exeacutercito de funcionaacuterios hieraacuterquicos desde o presidente da proviacutencia e
o chefe de poliacutecia ateacute o inspetor do quarteiratildeordquo (FAORO 2004 p 369) e tambeacutem os
juiacutezes funcionaacuterios puacuteblicos de carreira todos ao alcance do longo braccedilo da
dominaccedilatildeo do Estado Qualquer deslize e Cotegipe fornecia o material aos jornais
sobre o Ministro (e o ministeacuterio) da Justiccedila nas reuniotildees com o imperador fazia valer
seus pontos de vistas sobre a pasta do adversaacuterio Zombava alfinetava enfim
politicava Alencar reclama com o presidente que tenta contornar as coisas e
apresenta um pedido de demissatildeo mas este natildeo eacute aceito Dias depois Fernandes
Leatildeo titular da pasta da agricultura por motivos pessoais tambeacutem pede demissatildeo
Na ocasiatildeo o Alencar reapresenta sua solicitaccedilatildeo Itaboraiacute tenta segurar o gabinete
como pode evitando que este tombe para caacute ou para laacute De olho nesta indecisatildeo a
alta cacircmara aumenta a vigilacircncia satildeo os olhos de Zacarias Saraiva Nabuco Ottoni
Silveira Lobo Monte Alegre Abrantes e Itanhaeacutem que os acompanham Os ataques
ao ministro-escritor continuam dia a dia cada um com o seu motivo cada qual com
o seu aparte e nem todos direcionados agrave boa ou maacute administraccedilatildeo da pasta da
Justiccedila mas ao proacuteprio jeito de ser do Ministro chegando ao ponto de Cotegipe criar
e difundir (a pior parte) um apelido para Alencar que para a infelicidade deste eacute
aceito pelo grupo no ato era ele o ldquopirracentordquo
Mas nem tudo estaacute relacionado com as brigas internas Ainda enquanto ministro da
Justiccedila Alencar visita a regiatildeo do Valongo22 no Rio de Janeiro conhecido como
antigo mercado dos ldquopretos novosrdquo e se aterroriza com a situaccedilatildeo ao mesmo tempo
aviltante e promiacutescua a qual aquelas pessoas estavam expostas Alencar natildeo era
um abolicionista acreditava que a escravidatildeo no Brasil deveria terminar por um
processo lento e que natildeo incorresse em ocircnus para os proprietaacuterios Tinha uma
posiccedilatildeo conservadora mas tambeacutem natildeo era um incentivador do comeacutercio de
escravos Em 15 de setembro de 1869 eacute publicado um decreto seu que proiacutebe a
22
O antigo Valongo (rua Camerino) era um depoacutesito e armazeacutem de escravos que funcionou de 1779 a 1831 No periacuteodo o comeacutercio se transfere para a rua Direita atual 1deg de Marccedilo Os escravos ficavam expostos na rua (RENAULT 1976)
exposiccedilatildeo puacuteblica de escravos no mercado e a sua venda sob a forma de pregatildeo e
eacute aplaudido por grande parte da populaccedilatildeo Por esse tempo (senatildeo mesmo antes) eacute
que comeccedila uma sondagem com seus correligionaacuterios com o intuito de concorrer a
uma vaga no senado Com a morte em 1865 do marquecircs de Abrantes e do
conselheiro Cacircndido Batista de Oliveira senadores pela proviacutencia do Cearaacute a
vacacircncia das cadeiras estimulam a cabeccedila de Alencar a trabalhar com tal
perspectiva Chega a fundar com seu irmatildeo uma folha a ldquoDezesseis de Julhordquo para
divulgar ndash segundo uma carta-circular enviada aos membros do Partido Conservador
- os ldquointeresses do nosso partido e defender a ideia conservadora no Brasilrdquo
(MENEZES 1975 p252) As eleiccedilotildees vatildeo sendo adiadas devido agraves brigas entre
partidos e as denuacutencias constantes de fraude eleitoral E haacute quem diga que a
demora eacute alimentada pelo ministro da Justiccedila jaacute cobiccedilando uma sua cadeira no
Senado
Em junho de 1869 Alencar escreve a Itaboraiacute comentando seu interesse em
concorrer a uma cadeira no senado Explica que jaacute havia submetido agrave questatildeo aos
colegas do gabinete e tinha o apoio destes O caso se daacute quando apresenta a
proposiccedilatildeo ao imperador chegando a solicitar a demissatildeo do cargo de ministro para
que se candidatasse sem nenhum impedimento ou favorecimento que seu cargo
como ministro pudesse criar D Pedro II sugere (pede) que Alencar reavalie a
decisatildeo pois acreditava que sua situaccedilatildeo pudesse influir nos rumos da eleiccedilatildeo
chegando a sugerir que a atitude natildeo seria eacutetica Alencar se rebela e escreve logo a
seguir a Paulino Nogueira no Cearaacute apresentando-se como candidato pela
proviacutencia e eacute aceito Esse incidente revela algo interessante visto que Paulino
Nogueira como todas as lideranccedilas partidaacuterias que Alencar podia alcanccedilar sabiam
dos motivos do desentendimento e da opiniatildeo do Imperador relatada pelo proacuteprio
missivista E Paulino aceita a candidatura Podemos deduzir que as lideranccedilas locais
ainda natildeo estavam dispostas a acatar podas as decisotildees do centralismo do Estado
mesmo que fossem vindas de uma vontade expressa do imperador As resistecircncias
locais ainda estavam vivas e prontas para reclamar seus direitos
A eleiccedilatildeo se realiza em 12 de dezembro e os liberais seguindo orientaccedilotildees do
partido na corte23 natildeo apresentam candidatos Alencar eacute o mais votado em uma lista
secircxtupla tendo no segundo lugar o nome de Domingos Joseacute Jaguaribe O resultado
vai entatildeo para D Pedro II que escolheria entre os mais votados qual deveria ser o
proacuteximo senador Ao saber do resultado tendo em matildeos a lista o Imperador se irrita
e permanece irredutiacutevel em sua opiniatildeo Manda chamar o Alencar para uma
entrevista e pergunta sobre o entendimento que tiveram sobre a eleiccedilatildeo o clima
entre os dois soacute piorava Haacute vaacuterias versotildees sobre o acontecido todas parecidas
mas o fato eacute que Alencar consegue o que quer sua exoneraccedilatildeo Eacute substituiacutedo pelo
presidente da Cacircmara dos Deputados conselheiro Joaquim Otaacutevio Neacutebias Retorna
o Alencar a Cacircmara e agrave redaccedilatildeo do Dezesseis de Julho
No fim de abril comeccedila o cochicho em Satildeo Cristoacutevatildeo sobre a escolha para as duas
vagas de senador pelo Cearaacute Ao fim a doutrina que os conservadores - inclusive o
Alencar - pregam nos jornais eacute seguida pelo imperador de que somente a este
pertence sem audiecircncia de nenhum ministro a escolha dos nomes para o Senado
Em uma passagem das cartas ao Imperador Alencar sugere que ldquoos atos do poder
moderador satildeo de exclusiva competecircncia vossa [do Imperador] para exercecirc-los natildeo
dependeis de agentes e atualmente nem de conselhordquo (ALENCAR 2011 p 81)
No dia 27 por carta imperial satildeo escolhidos os nomes de Domingos Joseacute
Jaguaribe e do conselheiro Joseacute de Melo Alencar nunca se recuperaria de tal golpe
Agora seu caminho na Cacircmara de deputados eacute o da oposiccedilatildeo ao governo
Em maio de 1871 jaacute tomada certa distacircncia a guerra do Paraguai o imperador
solicita a Cacircmara o necessaacuterio consentimento para uma viagem a Europa Alencar
se apressa nos protestos lembrando o dinheiro esbanjado pelo Estado com as
comemoraccedilotildees puacuteblicas pelo fim da guerra Chega a dizer que uma viagem pela
Europa naquele momento seria uma demonstraccedilatildeo de ldquoabsolutismordquo e ao mesmo
tempo uma tentativa de se afastar das discussotildees sobre a questatildeo da matildeo de obra
escrava e o abolicionismo que o fim da guerra do Paraguai tornou mais urgentes e
23 A influencia local na escolha de candidatos para as eleiccedilotildees soacute volta a crescer a partir de 1881
com a Lei Saraiva
que D Pedro II havia se comprometido em buscar uma soluccedilatildeo
Alencar eacute deputado combativo aguerrido mas natildeo logra muitas vitoacuterias Na
imprensa chega a ser acusado de incoerecircncia no confronto do conteuacutedo das cartas
de Erasmo e a sua atual situaccedilatildeo de rompimento com o imperador seus ataques
constantes ao trono e a administraccedilatildeo Da vida poliacutetica ateacute a literatura tudo eacute motivo
para denegrir a imagem do ex-ministro Eacute assim com Zacarias depois com Cotegipe
depois com Rio Branco depois com Silveira Martins As ideias de Alencar sempre
sustentadas por seu conhecimento do Direito (como vimos as proposiccedilotildees mais
carregadas de complexidade como as cartas geralmente vinham acompanhadas de
estudos publicados pelo Alencar) afligiam vaacuterios grupos Natildeo o grande coro dos
homens da assembleia que em muitos ldquovivasrdquo e ldquobravosrdquo sequer ouviam a pauta das
reuniotildees O partido que detinha a maioria dos deputados conseguia aprovar o que
propunha na maior das vezes tendo em suas relaccedilotildees de ldquoapadrinhamentordquo
construiacutedo vaacuterios laccedilos de dependecircncias entre deputados e senadores
(CARVALHO 2007) Mas eram geralmente as lideranccedilas que viam em Alencar um
problema (NETO 2006) Algueacutem que poderia ter forccedilas (e competecircncia) para propor
mudanccedilas dentro da estrutura Gramsci coloca essa questatildeo quando fala da
educaccedilatildeo dos ldquojovensrdquo Todas as geraccedilotildees educam seus jovens Pode haver ndash e
sempre haacute ndash atritos questotildees divergecircncias de opiniatildeo mas tudo isto faz parte do
processo educativo Mas alguns ldquojovensrdquo da classe dirigente podem se revelar e
buscar alternativas na classe progressista com o intuito de tomar o poder Eacute o
momento em que os ldquovelhosrdquo de outras camadas passam a direccedilatildeo para tais jovens
(GRAMSCI 1989) Eacute certo que para que a ideologia se constitua eficazmente o
discurso assumido por um grupo deve se manter o mesmo ignorando as mudanccedilas
histoacutericas que possam vir a acontecer (e efetivamente acontecem) garantindo a
continuidade das representaccedilotildees sociais e poliacuteticas preacute-determinadas pela classe
dominante (CHAUI 1997) O temor da ideologia eacute o discurso fundador de novas
ideias e natildeo os grupos que as deteacutem porque estes estatildeo associados agraves classes
dominantes no caso aqui a burguesia e pequena burguesia citadina da Corte com
seus intelectuais atuantes constituindo uma camada perifeacuterica a elite representada
natildeo apenas pelo partido conservador mas em vaacuterios casos tambeacutem pelos liberais
Numa citaccedilatildeo de Faoro agrave Bernardo de Vasconcellos o sistema representativo que
entatildeo os partidos ndash conservadores e liberais ndash desejavam construir com sua gama
de funcionaacuterios bachareacuteis e juiacutezes ldquonatildeo significava a vontade popular mas o
governo dos melhores dos mais esclarecidos dos mais virtuosos Entre o paiacutes real
e o paiacutes legal soacute o segundo estaria apto a destilar a elite o poder capaz de
modernizar civilizar e elevar o povordquo (FAORO 2004 p 371) o que garantiria uma
modernizaccedilatildeo dos quadros mas natildeo o fim das oligarquias O que vinha acontecendo
eacute a solidificaccedilatildeo de um processo de deslocamento do poder dos chefes locais do
interior para a burocracia estatal sediada na capital para a Corte e auxiliada pelo
recente processo de construccedilatildeo de uma elite intelectual local A concepccedilatildeo de um
paiacutes dividido em povo e plebe que distinguia os chamados ldquohomens bonsrdquo cidadatildeos
ativos detentores de plenos direitos poliacuteticos proprietaacuterios profissionais liberais
produtores enfim algueacutem que fosse possuidor de certa renda da massa pobre sem
alfabetizaccedilatildeo e dependente (BASILE 2006) As ideias migram se modificam um
pouco e se acomodam em lados diversos e as lideranccedilas partidaacuterias assinaladas (e
outras tantas) que conhecem tal fenocircmeno e nele se sustentam fariam de tudo para
evitar que aquele poliacutetico ldquofanadinhordquo e mal-educado se transformasse tambeacutem em
uma nova lideranccedila
Alencar nos anos que seguem ao trabalho no ministeacuterio sente a sauacutede lhe escapar
Eacute uma eacutepoca em que a doenccedila novamente o alcanccedila e o refuacutegio de sua casa na
Tijuca mais as caminhadas ateacute a vista chinesa junto com Machado de Assis se
tornam a melhor opccedilatildeo para recuperar-se A eacutepoca ele retoma um projeto deixado
de lado a pouco a Guerra dos Mascates Romance histoacuterico mas eacute denominado
pelo autor de ldquocomeacutedia histoacutericardquo em que satirizava seus companheiros de gabinete
ndash Alencar comenta em uma nota que natildeo faria tal coisa ndash os colegas deputados e
(natildeo poderia faltar em sua lista) D Pedro II Aproveitando-se de partes do episoacutedio
que eacute bastante documentado no periacuteodo cria uma caricatura da corte e suas ilustres
figuras um arremedo da poliacutetica contemporacircnea Algo como uma vinganccedila particular
a que ningueacutem poderia impetra-lhe culpa
Como uma forma de terapia embarca com a famiacutelia em junho de 1873 para uma
viagem ateacute o Cearaacute onde encontra amigos e um clima revigorante Fica ali por
alguns meses longe dos trabalhos na Corte mas sempre encontrando e
conversando com lideranccedilas poliacuteticas locais diversas sem que ldquoa cor partidaacuteriardquo
criasse algum empecilho Era para todos ali o conselheiro Alencar um filho da
terra Conhece durante esse tempo o jovem Capistrano de Abreu com quem
comeccedila uma grande amizade e aonde jaacute profetiza seu sucesso nas letras no Rio de
Janeiro Volta para casa em novembro e para o trabalho A doenccedila o acompanha
sempre
Alencar retorna a Cacircmara em julho para os debates da reforma eleitoral Apesar do
cansaccedilo e da constante fraqueza muscular eacute ainda um orador fervoroso Combate
veementemente a eleiccedilatildeo direta e sustenta que as reformas poliacuteticas e sociais
cabem a uma iniciativa do ministeacuterio sempre visando um centralismo administrativo
Alencar nunca deixa de guiar-se pelas metas do partido conservador e sabe do
crescimento dos liberais no interior onde a massa votante estaacute nas matildeos dos
proprietaacuterios de terra em sua maioria adeptos do liberalismo e da descentralizaccedilatildeo
do poder Alencar eacute um poliacutetico moderado algueacutem que confia em uma monarquia
constitucional que possa garantir a ordem dentro da heterogeneidade de um paiacutes de
enormes dimensotildees que eacute o Brasil desacreditando assim de qualquer forma
republicana que tendesse a uma descentralizaccedilatildeo de poder e fortalecesse os chefes
locais dispersos pelo territoacuterio do paiacutes
14 UacuteLTIMOS ANOS
No ano de 1875 Alencar sofre as primeiras hemoptises Planeja uma viagem para a
Europa na busca de uma cura para sua sauacutede jaacute bastante debilitada Eacute neste
mesmo ano que retorna agrave Corte vindo de Paris Joaquim Nabuco Jovem bem
educado filho do Senador Nabuco Sua primeira accedilatildeo poliacutetica eacute iniciar-se na
imprensa E assim como Alencar o fez em seu iniacutecio de carreira insurgir contra uma
personalidade consolidada no cenaacuterio literaacuterio e poliacutetico com paus e pedras na matildeo
ndash no caso o nosso biografado - em busca de algum reconhecimento Traz da
Europa um livro de poemas publicado em francecircs que consegue certa
consideraccedilatildeo Assume a redaccedilatildeo dos folhetins do jornal ldquoO Globordquo tecendo criacuteticas
mais centradas nos literatos que agrave literatura ldquodos brasileirosrdquo Joaquim Nabuco
tomava para si o lugar do novo da modernidade da esperanccedila e das ideias novas
O lugar que pertencera ao Alencar por algumas deacutecadas e que havia segundo
Nabuco ficado no passado
A polecircmica que se deu veio da necessidade de Nabuco se afirmar no cenaacuterio da
Corte a partir de um modelo intelectual e artiacutestico que se confrontaria com o
romantismo um realismo baseado nas ideias positivistas e evolucionistas Modelo
natildeo assumido somente por ele mas por toda uma geraccedilatildeo que estava se
estabelecendo Pesavento nos mostra o cenaacuterio
Imbuiacuteda das teorias europeias de Darwin Spencer Comte Taine Renan esta geraccedilatildeo buscava o universal de forma expliacutecita assumindo um cosmopolitismo declarado o Brasil deveria acertar o passo com a histoacuteria ingressando na modernidade de seu tempo A Europa fornecia o padratildeo de refinamento civilizatoacuterio e de patamar cultural Dela vinham as ideias a moda as novas teacutecnicas e o Brasil precisava acompanhar o trem da histoacuteria nem que fosse no uacuteltimo vagatildeo (PESAVENTO 1998 p 27)
Assumir um modelo europeu natildeo era uma novidade Mas como tal modelo se
renova as ideias satildeo ldquoassumidasrdquo pelas novas geraccedilotildees como a pouco nos
referimos sustentando uma continuidade do sistema sem que uma mudanccedila radical
seja conseguida (ou pretendida)
O tema central do debate era a ideia de Nabuco de que a literatura de Alencar
estava superada Comeccedila com o fracasso de puacuteblico da peccedila ldquoo jesuiacutetardquo
apresentada ainda naquele ano Alencar rebate e segue na peleja como era de seu
gosto Natildeo eacute nossa intenccedilatildeo aprofundar aqui uma discussatildeo sobre a literatura do
periacuteodo para noacutes importa a questatildeo qual modelo de sociedade era sustentado por
Alencar e qual era defendido por Nabuco e dos grupos que se instalavam ditos a
geraccedilatildeo de 1870 Foi um momento em que viacutenculos foram criados entre intelectuais
brasileiros e europeus Podemos apresentar uma caracterizaccedilatildeo do periacuteodo na
anaacutelise de Antocircnio Cacircndido mostrando que
()o movimento das novas ideias filosoacuteficas e literaacuterias que comeccedilou mais ou menos em 1870 e se estendeu ateacute o comeccedilo do seacuteculo XX tendo como
nuacutecleo inicial a cidade do Recife capital de Pernambuco e sua Faculdade de Direito Laacute e em outros centros como o Cearaacute e sobretudo o Rio de Janeiro desenvolveu-se um agudo espiacuterito criacutetico voltado para analisar de maneira moderna a sociedade a poliacutetica a cultura do Brasil com inspiraccedilatildeo primeiro no Positivismo de Augusto Comte em seguida nas diversas modalidades de Evolucionismo das quais teve aqui maior voga a filosofia de Herbert Spencer Acrescente-se a divulgaccedilatildeo das novas ciecircncias como Biologia Linguiacutestica Etnografia Antropologia Fiacutesica (CAcircNDIDO 1999 p 51)
Natildeo soacute Nabuco mas tambeacutem escritores como Franklin Taacutevora e Feliciano de
Castilho protagonizaram ataques ao Alencar e suas ideias em favor da escravidatildeo
estavam totalmente distantes do modelo sociais e cientiacuteficos apresentados Alencar
era a pedra da vez e seu estado de sauacutede debilitado provavelmente contribui pra
piorar o humor do genioso deputado A literatura precisava deixar o reino do
simboacutelico e chegar-se para a realidade representada pelo cientificismo Alencar
refuta as acusaccedilotildees porque acredita no que escreve natildeo eacute um cientista e nem
pretende ser O que tem em mente natildeo eacute tatildeo somente a anaacutelise do real mas uma
possibilidade de ldquomelhorarrdquo o real moralizando-o Influenciar a sociedade em busca
sempre de um caminho de purificaccedilatildeo do social
O debate aberto interessa aos dois Alencar um pouco desgastado pelos recentes
arranhotildees da poliacutetica e Nabuco buscando ainda o reconhecimento do puacuteblico
Precisam do jornal Precisam de um veiacuteculo que os fortaleccedila frente agrave opiniatildeo
puacuteblica construindo ali sua arena de luta Eacute no jornal que as ideias alcanccedilam um
puacuteblico variado e seleto visto que a alfabetizaccedilatildeo do povo natildeo era um fato mas
tambeacutem natildeo podemos cair no mito do analfabetismo ldquototalrdquo da populaccedilatildeo em que
ainda natildeo seja possiacutevel atingir um grupo tamanho que haacute de se considerar enquanto
uma opiniatildeo puacuteblica como prova disso temos a venda de livros ndash romances de
folhetim em sua maioria para o periacuteodo ndash e a presenccedila de salas de leitura e
bibliotecas onde jaacute se cativava um puacuteblico fiel entre mulheres e estudantes24 e o
proacuteprio Alencar admite ter na infacircncia lido para grupos Era comum em
estabelecimentos comerciais e mesmo em casa de famiacutelia uma leitura coletiva de
24 Eacute interessante uma consulta a o trabalho de Sandra G Vasconcelos sobre a formaccedilatildeo do
romance no Brasil e o levantamento sobre os romances ingleses em circulaccedilatildeo no Brasil no XIX
jornais informando as notiacutecias aos que natildeo satildeo alfabetizados o que possibilitava
que as informaccedilotildees e opiniotildees chegassem a grupos maiores (SCHWARCZ 1999)
A guerra que deixa de ser particular e toma agrave imprensa Nabuco representa a
proposta de um novo liberalismo que vai ganhando corpo a partir do final da deacutecada
de 1860 que se contrapotildee ao nacionalismo conservador concebido na obra de
Alencar Depois de dois meses o debate termina sem necessariamente abalar
quaisquer dos lados Nabuco se retira para tentar a poliacutetica e Alencar deixa-se estar
ateacute maio seguinte quando embarca com a famiacutelia para a Europa Sofrendo de
depressatildeo a viagem o angustia Paris Londres Portugal Alencar estaacute velho
consumido pela doenccedila pulmonar Soacute melhora um pouco com a volta ao Rio de
janeiro Agrave Tijuca
Alencar ainda combate na Cacircmara Eacute eleito para um quarto mandato como
Deputado Com a sauacutede jaacute muito debilitada natildeo comparece a todas as seccedilotildees e
diminui as saiacutedas de sua casa para os costumeiros passeios Uma descriccedilatildeo
construiacuteda por Lira Neto nos daacute uma clara visatildeo de Alencar nesse momento em que
a tuberculose jaacute chegara agrave situaccedilatildeo terminal
() era impressionante como o homem definhara nos uacuteltimos meses Virara uma garatuja
Os olhos miuacutedos haviam perdido o brilho caracteriacutestico e agora praticamente sumiam em meio as negras olheiras Na outrora vasta cabeleira uma entrada pronunciada alongava-lhe a testa e ajudava a conferir-lhe o ar de velhice precoce A barba tomava conta do rosto magro e descera abundante sobre o peito a ponto de os fios desgrenhados esconderem-lhe o noacute da gravata Tinha apenas 48 anos de idade Parecia ter no miacutenimo vinte a mais (NETO 2006 p13)
Jaacute natildeo eacute mais o mesmo poliacutetico agressivo mas ainda encontra focirclego para se
arranhar com Caxias ndash entatildeo chefe do executivo ndash e mais uma vez com Cotegipe
arrancando aplausos e risos do plenaacuterio sempre com suas criacuteticas bem vivas a
famiacutelia real Haacute de se admitir que houvesse um pouco de rancor pela sua natildeo
indicaccedilatildeo para o senado que lhe acompanharia ateacute os uacuteltimos dias de vida
aguccedilando sua ldquoimplicacircnciardquo e por vezes chegando a contradiccedilotildees como quando
ataca seu proacuteprio partido enquanto o Imperador passeava pelo mundo com parte da
famiacutelia A regente Isabel tambeacutem natildeo lhe enchia os olhos Se natildeo era alvo
constante de suas criacuteticas eacute porque pouca importacircncia lhe dava o deputado
Em abril de 1877 chega agrave capital notiacutecia da seca que castiga a proviacutencias do Cearaacute
e vizinhas como natildeo acontecia a deacutecadas Vai agrave tribuna o Alencar para pedir
esclarecimentos aos Ministros sobre a situaccedilatildeo real da regiatildeo e cobrar providecircncias
Os jornais de Fortaleza acusam o conselheiro de descaso ao mesmo tempo em que
este se propotildee a recolher junto a uma comissatildeo donativos para as viacutetimas
Tambeacutem algumas folhas do Rio de Janeiro que divulgam litografias sobre os
retirantes chamam a responsabilidade Vale lembrar que Joseacute do Patrociacutenio um
dos jornalistas responsaacuteveis pela divulgaccedilatildeo do problema da seca no Cearaacute eacute um
abolicionista ferrenho Eacute notoacuterio que Alencar piora dia a dia sentindo-se desprezado
ateacute por seus colegas do partido Natildeo se propotildee mais ao debate puacuteblico e deixa por
menos as provocaccedilotildees dirigidas a ele Sua preocupaccedilatildeo eacute com a famiacutelia com o
desamparo que pode vir a acorrer em funccedilatildeo de sua morte Vai definhando
lentamente abandona de vez a caminhada pelo passeio puacuteblico e tambeacutem se
distancia dos amigos eacute quando a doenccedila finalmente o alcanccedila Aos 12 dias de
dezembro de 1877 falece Joseacute de Alencar Agraves 10 horas da manhatilde do seguinte dia
seu corpo eacute levado em cortejo ateacute o cemiteacuterio de Satildeo Francisco Xavier aonde vem a
ser sepultado por um pequeno grupo de jornalistas e amigos proacuteximos O imperador
se dirigindo agrave Petroacutepolis na ocasiatildeo ndash como o fazia habitualmente - do falecimento
ao ser comunicado reage com uma expressatildeo ressentida ldquoHomem de valor
Poreacutem muito mal-educadordquo (MENEZES 1965)
O necroloacutegio eacute escrito por Capistrano de Abreu e estampado na primeira paacutegina da
ldquoGazeta de Notiacuteciasrdquo mas sem a assinatura do autor Eacute o primeiro trabalho
publicado por Capistrano de Abreu na imprensa carioca O novo jornalista viria a
fazer o sucesso que Alencar profetizara e ainda mais como escritor Poliacutetica eacute
assim Mesmo com sua morte o deputado elege um ldquofilhoterdquo25
25 Na giacuteria eleitoral do periacuteodo filhote era o candidato apadrinhado por algum liacuteder poliacutetico
2 CONJUNTURA POLIacuteTICA DO II REINADO
Os infelizes natildeo andam na rua do Ouvidor
De um Editorial da ldquoGazeta da tarderdquo
Depois de conhecermos por meio de sua biografia o Alencar eacute importante que
possamos nos deter nos campos de atuaccedilatildeo de Alencar enquanto poliacutetico e
enquanto um intelectual que pretende atingir a opiniatildeo puacuteblica com suas ideias
Lembramos aqui que nos baseando nos textos de Gramsci (1989) entendemos o
intelectual como a figura que faz a ligaccedilatildeo entre a da elite com o povo Na verdade
eacute o intelectual que iraacute construir uma relaccedilatildeo de confianccedila com os vaacuterios segmentos
sociais na sociedade para a divulgaccedilatildeo e manutenccedilatildeo da ideologia dos grupos que
formam essa elite no poder Para tanto cabe o exame de tais pontos as elites a
imprensa os intelectuais e a opiniatildeo puacuteblica em uma relaccedilatildeo dialeacutetica que
necessariamente apresenta um discurso em forma de tese e a partir de uma
antiacutetese observada recreia seu discurso na forma de siacutentese Os elementos acima
descritos existem de forma separada o que os agrega eacute tatildeo somente o trabalho de
Alencar Portanto funcionam como em uma pintura feita na forma de um poliacuteptico
onde os de os elementos que a compotildeem tem uma existecircncia individual isolada
mas quando unidas ou justapostas criam um novo conjunto de significaccedilotildees Eacute o
acircmbito da esfera puacuteblica Cabe lembrar que a esfera puacuteblica burguesa eacute uma
categoria tiacutepica de uma eacutepoca caracterizada como sociedade burguesa A esfera
puacuteblica deve ser entendida como categoria histoacuterica drsquoonde seu uso na sociedade
da corte no Rio de Janeiro no segundo reinado A burguesia eacute o fulcro deste puacuteblico
caracterizado fundamentalmente como o puacuteblico que tem condiccedilotildees de ler tem uma
educaccedilatildeo tem direitos e deveres na sociedade bem como consegue ser
reconhecido como um igual entre seus pares E eacute este reconhecimento que permite
com que haja alguma alteridade e suas vozes sejam reconhecidas Para Habermas
algueacutem soacute faz parte de uma esfera puacuteblica enquanto portador de uma ldquoopiniatildeo
puacuteblicardquo (HABERMAS 2003)
Para um entendimento mais consistente do periacuteodo de nosso recorte iniciaremos
aqui apresentando uma visatildeo geral sobre o segundo reinado e os acontecimentos
que formam o complexo cotidiano apresentado por Joseacute de Alencar em suas cartas
poliacuteticas
21 UMA VISAtildeO GERAL
O segundo reinado considerando o periacuteodo regencial se estende de 1831 ateacute 1889
D Pedro II eacute entronado com o golpe da maioridade promovido pelos liberais da qual
o senador Alencar ndash pai de Joseacute de Alencar - fez parte em julho de 1840 Uma
caracteriacutestica marcante que talvez ajude a compreender melhor esse periacuteodo eacute o
fato de o Imperador nunca ter aberto matildeo do poder moderador ndash um adendo incluiacutedo
por seu pai na constituiccedilatildeo liberal de 1824
A alternacircncia de partidos no poder foi uma constante Durante os cinquenta anos em
que governa D Pedro II se sucederam 36 gabinetes ministeriais Nas crises de
governabilidade entre interesses partidaacuterios e as determinaccedilotildees do imperador os
ministeacuterios eram alternados e o partido opositor tornava-se situaccedilatildeo Poreacutem eacute valido
ressaltar que as diferenccedilas entre liberais e conservadores natildeo representavam os
anseios da populaccedilatildeo mas os interesses de elites que disputavam o poder As
eleiccedilotildees para o legislativo eram manipuladas pelo grupo da situaccedilatildeo de acordo com
seus interesses particulares e em geral marcadas por fraudes (FAORO 2004)
O partido liberal fica poucos meses na administraccedilatildeo apoacutes o golpe e logo em 1841
temos a primeira vitoacuteria dos conservadores a restituiccedilatildeo do Conselho de Estado
Abolido pelo Ato Adicional de 1834 este retorna para ampliar mais ainda os poderes
do Executivo em detrimento da autonomia poliacutetica das proviacutencias Em retaliaccedilatildeo os
liberais organizam algumas revoltas contra o governo em Satildeo Paulo Rio de Janeiro
e em Minas Gerais
Em 1844 ordens imperiais afastam os Conservadores do poder e retornam os
Liberais a compor com Pedro II Em 1847 eacute criado o cargo de presidente do
Conselho de Ministros que teria a tarefa de nomear os demais ministros Eacute a
instituiccedilatildeo do parlamentarismo brasileiro Poreacutem o modelo parlamentar adotado no
Brasil era atiacutepico justamente pela accedilatildeo do imperador (o poder moderador) de
tambeacutem nomear ministros ndash ou desautoriza-los ndash a sua vontade D Pedro II escolhia
o presidente do conselho e este por sua vez escolhia os ministros Eacute o chamado
ldquoParlamentarismo agraves Avessasrdquo a consolidaccedilatildeo de uma nova fase de centralizaccedilatildeo
poliacutetica Mas natildeo deixa de ser um progresso na medida em que no periacuteodo anterior
o imperador simplesmente nomeava todos eles Com o ministeacuterio composto restava
a aprovaccedilatildeo dos parlamentares na Cacircmara dos Deputados Poreacutem detendo o
imperador a prerrogativa de dissolver os gabinetes ministeriais como condiccedilatildeo para
formaccedilatildeo de outro ministeacuterio dependendo da ocasiatildeo e da conjuntura poliacutetica e
como o fez D Pedro I ateacute de dissolver a cacircmara tudo era negociado com muita
cautela As reformas buscam agradar os diversos grupos existentes em um sistema
de troca de favores onde o imperador usava da distribuiccedilatildeo de cargos puacuteblicos e a
cooptaccedilatildeo de lideranccedilas da oposiccedilatildeo o que acaba por criar uma aparecircncia de
legalidade ao processo eleitoral e manter certa ordem evitando excessos como do
episoacutedio das ldquoeleiccedilotildees do caceterdquo logo no iniacutecio de sua administraccedilatildeo onde a
violecircncia toma forma de pressatildeo sobre o eleitorado (GRAHAM 1997) A proposta
era inserir o Paiacutes no conjunto das naccedilotildees civilizadas e adeptas da democracia
representativa mas natildeo eacute bem assim que acontecia O presidente da proviacutencia era
uma figura fundamental no processo eleitoral cabendo a ele garantir a vitoacuteria do
governo no pleito Alguns eram trocados estrategicamente pouco tempo antes das
eleiccedilotildees com o poder de afastar substituir e ateacute determinar a aposentadoria
antecipada de juiacutezes anular resultado das apuraccedilotildees e preencher atas eleitorais
com nomes de sua preferecircncia Era comum listarem-se eleitores falecidos ou natildeo
aparecerem eleitores do partido opositor Esse comportamento decorre das
perturbaccedilotildees experimentadas durante o Periacuteodo Regencial onde diversos conflitos
regionais se espalharam pelo paiacutes em oposiccedilatildeo agraves decisotildees tomadas pelo governo
central Enquanto isso a soluccedilatildeo era dissolver e reorganizar o gabinete dando uma
impressatildeo de que as coisas iriam ser ldquodiferentesrdquo Geralmente o conselho de
ministros natildeo chegava a ficar mais de dois anos no poder Ao longo de todo o
governo de D Pedro II os conservadores estiveram agrave frente do gabinete por vinte e
noves anos e os liberais por dezenove anos (CARVALHO 2007) garantindo uma
aparecircncia democraacutetica para um governo conservador Em 1853 Carneiro Leatildeo
estabelece o Ministeacuterio da Conciliaccedilatildeo com a finalidade de ampliar a interaccedilatildeo dos
dois partidos no governo brasileiro O ldquoconluiordquo durou ateacute 1858
Mas o paiacutes eacute pacificado Cessaram as rebeliotildees provinciais que tiveram iniacutecio na
regecircncia e ameaccedilavam a consolidaccedilatildeo do Estado brasileiro Duas dessas rebeliotildees
eclodiram ainda no periacuteodo regencial e tiveram seu termo com D Pedro II a
balaiada em 1841 e a farroupilha em 1845 A uacutenica grande revoluccedilatildeo posterior foi a
praieira em 1848 na proviacutencia de Pernambuco mas durou ateacute 1849 A paz
conseguida favoreceu a consolidaccedilatildeo dos interesses da classe dominante
representada pelos grandes proprietaacuterios rurais dos quais dependia o impeacuterio Tais
grupos defendiam a manutenccedilatildeo da escravidatildeo e a ausecircncia da participaccedilatildeo popular
nas decisotildees poliacuteticas Suas divergecircncias estavam centradas mais nos interesses
econocircmicos e poliacuteticos locais
Durante o Segundo Reinado o Brasil se envolveu em trecircs conflitos armados com
paiacuteses fronteiriccedilos da regiatildeo Platina Em 1851 teve iniacutecio a Guerra contra Oribe e
Rosas Esse conflito envolveu a Argentina e o Uruguai (paiacutes que pertenceu ao Brasil
ateacute 1828) Em 1851 Oribe liacuteder do Partido Blanco tomou o poder no Uruguai e
com o apoio de Rosas ditador argentino bloqueou o porto de Montevideacuteu
prejudicando o comeacutercio brasileiro na bacia Platina As tropas brasileiras
comandadas por Caxias aliaram-se ao exeacutercito liderado por poliacuteticos rivais a Oribe e
Rosas O Brasil sai por fim como vitorioso da Guerra o ano eacute o de 1852
Em 1864 desponta a Guerra contra Aguirre liacuteder do Partido Blanco e governante do
Uruguai Tem iniacutecio depois que os uruguaios promoveram vaacuterias invasotildees ao Rio
Grande do Sul roubando o gado dos fazendeiros gauacutechos O ministeacuterio organiza o
exeacutercito sob o comando de Tamandareacute e do marechal Mena Barreto Com o apoio
de tropas opositoras do governo de Aguirre o Brasil consegue a vitoacuteria e transfere o
governo para o liacuteder do Partido Colorado Venacircncio Flores O conflito armado mais
longo e violento do periacuteodo foi a Guerra do Paraguai indo de 1864 ateacute 1870 O
Paraguai era o paiacutes mais proacutespero da regiatildeo Contava ainda com uma moeda forte e
uma economia industrial como bases para um bem-sucedido desenvolvimento
nacional
Quando o ditador Solano Loacutepez chegou ao poder colocou em praacutetica uma poliacutetica
expansionista que pretendia ampliar o territoacuterio do Paraguai tomando terras do
Brasil Argentina e Uruguai Solano Loacutepez tinha como objetivo formar o Grande
Paraguai A guerra teve iniacutecio quando tropas paraguaias invadiram o territoacuterio
brasileiro e argentino Formou-se entatildeo a Triacuteplice Alianccedila que unia militarmente o
Brasil Argentina e Uruguai para lutar contra o Paraguai Para Fausto (2001) os
interesses ingleses tambeacutem estavam em pauta com a necessidade de garantirem-
se mais mercados e evitar o desenvolvimento de concorrentes a Inglaterra foi
grande incentivadora do conflito As lutas foram intensas terminando somente em
1870 com a invasatildeo de Assunccedilatildeo e a perseguiccedilatildeo e morte de Solano Loacutepez Para o
Paraguai as consequecircncias da guerra foram desastrosas devido agrave destruiccedilatildeo de sua
economia industrial e a morte de cerca de 80 da populaccedilatildeo (FAUSTO 2001)
Mesmo vitorioso o Brasil saiu com diversos problemas econocircmicos pois teve que
pedir grandes somas de dinheiro emprestadas para a Inglaterra o que aumentou
sua diacutevida externa Tambeacutem a poliacutetica de manutenccedilatildeo da escravidatildeo se viu em um
paradoxo como escravos podem ir para as fileiras lutar pela liberdade de uma
naccedilatildeo se eles individualmente natildeo possuem direito a liberdade Muitos escravos
foram alforriados para lutarem na guerra e tantos outros lutaram na esperanccedila de
receber uma posterior alforria ndash considerando que pela legislaccedilatildeo alguns cidadatildeos
alistados natildeo querendo fugir de suas obrigaccedilotildees para com o paiacutes - poderiam
mandar seus escravos para tomar ldquoseurdquo lugar na guerra (MATTOS 2000)
As dificuldades financeiras do Impeacuterio e a necessidade de apresentar uma soluccedilatildeo
para o problema da escravidatildeo apressaram a queda de D Pedro II visto que seu
uacuteltimo pilar de sustentaccedilatildeo estava no apoio dos fazendeiros que praticavam a
agricultura de exportaccedilatildeo baseada na matildeo-de-obra escrava
Um dos momentos de crise mais aguda na poliacutetica eacute sentido com a deposiccedilatildeo do
gabinete Zacarias de Goacuteis pelo Imperador - atribuiccedilatildeo garantida ao poder
moderador mas natildeo muito bem resolvida na ocasiatildeo D Pedro II vai ao conselho e
os votos depois de uma fala decisiva de Nabuco de Arauacutejo satildeo favoraacuteveis agrave
deposiccedilatildeo do gabinete26 A conciliaccedilatildeo agrupando os partidos em torno do trono
fortalecia o centro do poder em detrimento do poder local nas proviacutencias e logo
apoacutes a regecircncia ela vai desaparecendo em funccedilatildeo do personalismo descolado de
algum programa partidaacuterio Pode-se perceber que ldquoo desenvolvimento econocircmico e
as mudanccedilas sociais que ocorreram no paiacutes a partir dos anos 1850 trouxeram para a
arena poliacutetica novos grupos de interesse tornando impossiacutevel manter a alianccedila entre
os dois partidosrdquo (COSTA 1999 p162) A elite agraacuteria que dirigia os rumos do paiacutes
daacute lugar paulatinamente a uma elite de letrados urbanos uma nova geraccedilatildeo que se
forma lentamente no Brasil associada a uma classe meacutedia dissolvida nas camadas
de um estamento burocraacutetico que vem segundo Faoro (2004) transplantado quase
que integralmente para o Brasil e que lhe daacute o necessaacuterio suporte a existecircncia A
queda do ministeacuterio liberal em 1868 e sua substituiccedilatildeo por um gabinete conservador
gera uma crise que culmina em um manifesto em favor de vaacuterias mudanccedilas no
sistema poliacutetico como a exigecircncia da descentralizaccedilatildeo de eleiccedilotildees diretas contra a
vitaliciedade do senado a favor do sufraacutegio universal da liberdade religiosa e de
muitas outras mudanccedilas pretendidas Eacute a fase aacuteurea do impeacuterio que vecirc seu decliacutenio
iniciar-se depois da guerra do Paraguai
Observando a economia um dos fatores da estabilidade econocircmica e poliacutetica
do paiacutes no periacuteodo imperial foi o desenvolvimento do cafeacute dando um novo
impulso para a economia agroexportadora Durante o primeiro reinado a elite
agraacuteria estava ainda concentrada no nordeste accedilucareiro mas aos poucos a
produccedilatildeo em larga escala do cafeacute - que comeccedilou no Rio de Janeiro em 1930 em
Angra dos Reis e Mangaratiba ndash vem mudando as posiccedilotildees no jogo As plantaccedilotildees
avanccedilam para o vale do rio Paraiacuteba possibilitando pelo volume da produccedilatildeo que
aumentaria gradualmente nos anos seguintes partir para a exportaccedilatildeo Em meados
de 1850 a lavoura cafeeira se expande para o Oeste paulista favorecida pelas
condiccedilotildees do solo (FAUSTO 2001) mas o cultivo exigia a manutenccedilatildeo da matildeo de
obra escrava que ainda era considerada como muito lucrativa Sabe-se poreacutem que 26 A questatildeo colocada se refere (resumidamente) a um desentendimento de Caxias no comando
das tropas no Paraguai e Zacarias de Goacuteis entatildeo na chefia do gabinete Faoro (2004) argumenta
que apesar de D Pedro II ter consultado o conselho sobre o fato e ter seguido a diretriz
recomendada eacute acusado de usar arbitrariamente o Poder Moderador para a retirada dos liberais
com a proibiccedilatildeo do traacutefico negreiro - jaacute exigido pela Inglaterra ao governo brasileiro
ainda no primeiro reinado como uma das condiccedilotildees para aceitaccedilatildeo da
independecircncia - chegar-se-ia inevitavelmente ao fim o trabalho escravo no Brasil
mas a elite dominante adiou o quando pocircde a aboliccedilatildeo da escravidatildeo no paiacutes Para
tanto o impeacuterio relutava em cumprir os acordos leis e tratados firmados Como
forma de solucionar o problema da crescente escassez de matildeo de obra os
fazendeiros recorreram inicialmente ao traacutefico interno de escravos Quando do
agravamento do problema os fazendeiros paulistas comeccedilam uma poliacutetica de
incentivo agrave imigraccedilatildeo de colonos europeus (havia outras opccedilotildees como chineses
aos quais Joaquim Nabuco tinha verdadeira ojeriza) que passariam a trabalhar sob
o regime assalariado A troca foi gradual e lenta Diversas leis foram aprovadas ndash
sob pressatildeo ndash no decurso do tempo como a Lei de 7 de novembro de 1831 ndash Lei
Feijoacute a lei Euseacutebio de Queiroz a Lei do Ventre livre e adiante ateacute a aboliccedilatildeo total
em 1888 Mas o primeiro golpe seacuterio eacute sentido em 1851 como resultado da pressatildeo
inglesa Esta se sente de forma efetiva desde os acordos firmados com D Pedro I
para o reconhecimento da Naccedilatildeo ateacute o iniacutecio da vigilacircncia dos mares pela marinha
inglesa atraacutes de traficantes de escravos em navios de bandeira brasileira
No Rio de Janeiro e em Satildeo Paulo o escravo era utilizado nas plantaccedilotildees de cafeacute e
cana-de-accediluacutecar aqueles que possuiacuteam ou aprendiam uma profissatildeo bem como
tinham capacidade para desenvolver atividades comerciais eram utilizados nos
chamados ldquotrabalhos de ganhordquo e nos diversos trabalhos domeacutesticos nas cidades
Mas seu trabalho na lavoura no periacuteodo de nosso recorte ainda eacute imprescindiacutevel
para a expansatildeo da cafeicultura O cafeacute viria a tornar-se o principal produto de
exportaccedilatildeo brasileiro estimulando a industrializaccedilatildeo e a urbanizaccedilatildeo Fatores como
a expansatildeo do creacutedito atraveacutes de uma reforma bancaacuteria e ndash com o fim do traacutefico ndash a
aplicaccedilatildeo dos capitais desse comeacutercio em operaccedilotildees financeiras as mais diversas a
qual forneceu recursos para a formaccedilatildeo de novas aacutereas de plantaccedilatildeo e a ampliaccedilatildeo
das redes ferroviaacuterias em Satildeo Paulo que reduziram o custo de transporte para os
proprietaacuterios no interior paulista foram decisivos Para os interesses dessa classe
de ricos proprietaacuterios rurais paulistas que se forma a monarquia centralizadora -
sediada no Rio de Janeiro e apoiada pelos senhores de engenhos nordestinos e
cafeicultores do vale do Paraiacuteba - jaacute natildeo era uacutetil Com isso surgiram novos grupos e
classes sociais portadoras de novas demandas e interesses e de muito dinheiro
Na vida social Renault (1976) sustenta que a invasatildeo do luxo se consolida por volta
da deacutecada de 1850 Cabeleireiros alfaiates modistas perfumistas e floristas
construiacuteam uma realidade de consumo ateacute entatildeo desconhecida aqui O
endividamento tambeacutem toma conta da cidade como forma de se integrar a vida
social o que vem a causar desequiliacutebrios no orccedilamento domeacutesticos Um anuacutencio
assinado por certo ldquoMr Gadetrdquo e publicado ainda na deacutecada de 1840 no Jornal do
Comeacutercio prevenia os negociantes da Rua do Ouvidor que ele natildeo se
responsabilizaria pela vendas de objetos a creacutedito- possivelmente para sua esposa e
familiares - sem seu consentimento (RENAULT 1976)
A cidade se renovava e as pessoas viviam o luxo vindo direto da Europa para as
suas casas na maacutequina a vapor nas primeiras ferroviais na evoluccedilatildeo social com os
bondes e a integraccedilatildeo maior das periferias na iluminaccedilatildeo a gaacutes aleacutem da moda em
si que traz novos haacutebitos As viagens pela Europa para as famiacutelias mais abastadas
se torna algo possiacutevel e ateacute comum Mas o contraste eacute visiacutevel Em crocircnicas dos
jornais apresenta-se o melhor de Paris mas escrito em um ldquopeacutessimo francecircsrdquo pelos
jornalistas As salas de leitura e as livrarias recheadas de obras claacutessicas - algumas
de elevado niacutevel cultural e tiacutetulos em liacutengua estrangeira - esbarram no alto iacutendice de
analfabetismo satildeo 10 livrarias soacute no Rio de janeiro na deacutecada de 1850 (mas que
tambeacutem indica a quantidade de europeus ndash ingleses espanhoacuteis franceses e outros
ndash agora residindo no Brasil) e ao mesmo tempo as casas de famiacutelia ainda natildeo tem
um sistema de aacutegua encanada
Segmentos das elites nas deacutecadas de 60 e 70 passariam a contestar o regime
monaacuterquico atraveacutes dos movimentos republicano e abolicionista Mesmo alguns
fazendeiros que defenderam tenazmente a escravidatildeo progressivamente tornam-se
adeptos dos princiacutepios federalistas contidos nos ideais do movimento republicano
quando a situaccedilatildeo lhes era mais favoraacutevel economicamente Mesmo porque a
oposiccedilatildeo burguesia-aristocracia setores urbanos versus setores rurais caracteriacutestica
de outras sociedades natildeo se manifesta no Brasil com a mesma intensidade que em
paiacuteses europeus visto que o antagonismo que se registrou na Europa e gerou
alguns dos mais importantes movimentos revolucionaacuterios do periacuteodo entre burguesia
empresarial e aristocracia agraacuteria aqui era menos consistente Pela metade do
seacuteculo dezenove jaacute teriacuteamos fazendeiros com uma visatildeo mais progressista
apostando na matildeo de obra livre em melhorias no processo produtivo e ao mesmo
tempo uma parcela da burguesia que passa a comprar terras e participar
(associativamente ou mesmo por laccedilos familiares que viessem a ser criados) da
vida e do trabalho na propriedade rural Haacute uma tendecircncia maior entre as elites a
uma formaccedilatildeo de laccedilos de proteccedilatildeo muacutetuos (COSTA 1999)
Lembramos tambeacutem que o manifesto do Partido Liberal de 1868 previa a aboliccedilatildeo
apesar de natildeo haver um movimento organizado para isto Jaacute o Partido Conservador
silenciou sobre o assunto mas foi sob a administraccedilatildeo de gabinetes conservadores
que as leis abolicionistas vieram a acontecer (SKIDMORE 1989)
Golpe a golpe a monarquia vai perdendo sua legitimidade Aleacutem disso a partir da
deacutecada de 1870 o regime monaacuterquico entra em conflito com duas instituiccedilotildees
importantes que formavam outras duas bases de sustentaccedilatildeo do regime o Exeacutercito
e a Igreja Catoacutelica Entre os militares o positivismo pregava a liberdade e uma
postura moral que natildeo condizia com as antigas ideias escravocratas
O movimento proacute-repuacuteblica no Brasil que cresceu ao longo do periacuteodo tomava
proporccedilotildees irreversiacuteveis mas para que a alteraccedilatildeo na forma de governo se desse de
forma democraacutetica seria necessaacuterio uma Assembleia Geral majoritariamente
republicana o que natildeo deveria ocorrer posto que a populaccedilatildeo ainda apoiasse o
imperador e com a lei aacuteurea tinha-se medo do descontentamento dos escravos
com o possiacutevel fim da monarquia podendo acarretar uma revolta popular
(SCHWARCH 1999) Cientes desse problema os republicanos viram-se obrigados
a apelar para o ataque direto em associaccedilatildeo com militares de alta patente Em 15 de
novembro de 1889 D Pedro II foi deposto do trono e embarca para a Europa com a
famiacutelia no dia 17 de novembro sem alardes e sem despedidas puacuteblicas que
pudessem suscitar manifestaccedilotildees Eacute a partir desta alianccedila entre os proprietaacuterios
rurais do oeste paulista e os quadros da elite militar do Exeacutercito que chega no fim do
seacuteculo XIX a Repuacuteblica ao Brasil
22 O ESTADO DA ARTE DA IMPRENSA NO OITOCENTOS
Mas o oitocentos em meio a toda essa agitaccedilatildeo tambeacutem eacute um periacuteodo de
consolidaccedilatildeo da ldquopropostardquo de um paiacutes chamado Brasil um paiacutes novo natildeo mais
uma colocircnia detentor de um ideal proacuteprio que o substantiva em meio agraves outras
naccedilotildees como um ldquoigualrdquo entre elas D Pedro II em seus melhores anos vecirc e
estimula a extrema agitaccedilatildeo onde se busca em algumas ideias ou programas
poliacuteticos e culturais importados de outras naccedilotildees e (soacute algumas vezes) devidamente
adaptados para a ldquocor nacionalrdquo uma identidade para o Brasil Estamos mesmo
para usar uma expressatildeo de Antony Giddens (1991) na periferia
Apesar disso a identidade que se busca deve estar concernente com os elementos
os quais ela pretende representar que satildeo as elites que deteacutem o poder a partir de
1822 composta por comerciantes traficantes fazendeiros e elementos a estes
ligados interessados na grande propriedade agroexportadora e no traacutefico de
escravos e dos grupos de pressatildeo que com o tempo iram se aproximando e
afastando deste nuacutecleo inicial (COSTA 1999) buscando uma acomodaccedilatildeo
adequada durante todo o impeacuterio Schwarcz (1999) nos lembra de que na confecccedilatildeo
da primeira bandeira do Brasil imperial D Pedro I jaacute apostava nos ramos de cafeacute
ladeando o brasatildeo central como um siacutembolo nacional mesmo antes do cafeacute se
configurar como a riqueza que veio a ser
Os primeiros prelos chegam ao Brasil com D Joatildeo VI e natildeo havia uma imprensa no
Brasil no periacuteodo anterior Sodreacute (1999) registra uma pequena tipografia instalada no
Recife em 1706 sob autorizaccedilatildeo do governador da Proviacutencia Francisco de Castro
Morais mas jaacute em 08 de Junho do mesmo ano uma carta reacutegia potildee fim a empresa
Em 1746 novamente com autorizaccedilatildeo de um governador local ndash Gomes Freire ndash
transfere-se de Lisboa o impressor Antocircnio Isidoro da Fonseca para o Rio de Janeiro
e consegue por um breve tempo colocar em atividade pequena oficina tipograacutefica
que sob uma ordem reacutegia foi fechada e queimada Portugal natildeo queria uma
propagaccedilatildeo de ideias ldquoimproacutepriasrdquo dentro da colocircnia e tudo faria para evitar que isto
acontecesse Em Portugal as Ordenaccedilotildees Filipinas determinavam a proibiccedilatildeo da
impressatildeo de qualquer obra que natildeo passe pela censura dos desembargadores do
Paccedilo e dos oficiais do santo Ofiacutecio da Inquisiccedilatildeo (SODREacute 1999) A partir do
segundo quartel do seacuteculo XVII a igreja intensifica a fiscalizaccedilatildeo do conteuacutedo de
obras impressas ateacute que Pombal toma a frente e substitui a pratica pela instituiccedilatildeo
da ldquoReal Mesa Censoacuteriardquo que vigora de 1768 ateacute 1787 Os livros de conteuacutedo
classificado como proibido constituem bibliotecas particulares de alguns letrados e
geralmente satildeo impressas em outro paiacutes entrando em Portugal da mesma forma
que na colocircnia por meio de navios ingleses e franceses em forma de contrabando
Papeacuteis jornais e livros eram vendidos no cais por marinheiros a poliacutecia fiscalizava
livrarias e livreiros mas talvez toda essa pressatildeo acabasse por incentivar a criaccedilatildeo
de sociedades literaacuterias (e tambeacutem nas lojas maccedilocircnicas onde a natildeo se praticava um
pacircnico por autores franceses) onde era possiacutevel procurar e encontrar tiacutetulos
censurados Com a abertura dos portos em 1808 o comeacutercio ilegal se intensifica e a
situaccedilatildeo soacute melhora com a instalaccedilatildeo efetiva da Imprensa Reacutegia O Correio
Braziliense o primeiro jornal a discutir o cotidiano poliacutetico do Brasil e que tem seu
primeiro nuacutemero em junho de 1808 eacute produzido em Londres onde os olhos da
censura e da inquisiccedilatildeo natildeo alcanccedilam o redator tatildeo facilmente
As razotildees do atraso no desenvolvimento de uma imprensa no Brasil ultrapassam os
limites poliacuteticos descritos para esbarrar tambeacutem no problema tecnoloacutegico e de uma
cultura de censura preacutevia para os jornais Mesmo em Portugal nos conta Romancini
(2007) o jornalismo foi precedido pela publicaccedilatildeo sem periodicidade de folhas
impressas chamadas relaccedilotildees ou notiacutecias avulsas no final do seacuteculo XVI Apesar
das primeiras Gazetas de periodicidade mensal circularem desde a metade do
seacuteculo XVII dando iniacutecio assim a uma periodicidade para a publicaccedilatildeo de notiacutecias
impressas ateacute meados do seacuteculo seguinte ainda se conviveria com gazetas
manuscritas O primeiro jornal diaacuterio em Portugal seraacute o Diaacuterio Lisbonense de 1809
portanto posterior a vinda da famiacutelia real para o Brasil e a todo um conjunto de
mudanccedilas que isto viria a acarretar
Eacute sob a responsabilidade Antocircnio de Arauacutejo futuro Conde da Barca que chega ao
Brasil o material para uma oficina tipograacutefica ndash comprado na Inglaterra para a
Secretaria de Estrangeiros e da Guerra e que natildeo havia sido ainda instalado em
Portugal devido ao periacuteodo conturbado da transferecircncia da Corte para o Brasil D
Joatildeo ao saber do acontecido manda abrir a empresa para atender as necessidades
da coroa e possivelmente conseguir algum rendimento (a impressatildeo de cartas de
baralho para o divertimento das famiacutelias viria a trazer um bom lucro para a coroa)
Em ato real o priacutencipe determinava que uma junta apropriada examinasse os
materiais que solicitassem a impressatildeo e publicitaccedilatildeo para que nada se produzisse
de ofensivo contra a religiatildeo o governo ao aos bons costumes (SODREacute 1999) Em
10 de setembro de 1808 sai o primeiro nuacutemero da ldquoGazeta do Rio de Janeirordquo Um
jornal oficial que apesar de natildeo ter um conteuacutedo inovador marca o momento inicial
dos jornais impressos aqui
O ano de 1821 eacute relevante para a histoacuteria da imprensa brasileira Em 28 de agosto
DPedro entatildeo declarado priacutencipe-regente com o retorno de DJoatildeo VI a Portugal
decreta o fim da censura preacutevia a toda mateacuteria escrita tornando livre no Brasil a
palavra impressa Eacute um ato decorrente das deliberaccedilotildees das Cortes Constitucionais
de Lisboa em defesa das liberdades puacuteblicas e marca uma etapa de liberdade de
expressatildeo do pensamento
Com o passar dos anos tem-se a necessidade de formular uma logiacutestica para a
imprensa devido agraves vendas e ao crescimento das cidades Em 1844 o serviccedilo de
correios passa a entregar correspondecircncias nos domiciacutelios o que possibilitava um
sistema de assinaturas de impressos A partir de 1858 no Rio de Janeiro tem-se a
mobilizaccedilatildeo de negros forros e mulatos para o trabalho de entregadores mediante
pagamento para a venda avulsa regular nas ruas da cidade (BAHIA 1990) A partir
de entatildeo o sistema de distribuiccedilatildeo soacute melhora e o jornal como veiacuteculo de
comunicaccedilatildeo toma conta do Rio de Janeiro e de Satildeo Paulo
A busca por uma identidade para o Brasil tem na imprensa um lugar privilegiado
onde as opiniotildees e doutrinas vaacuterias buscavam conquistar a opiniatildeo puacuteblica como
forma de legitimaccedilatildeo de cada projeto individual (BASILE 2006) Satildeo as primeiras
deacutecadas de um veiacuteculo de comunicaccedilatildeo que viria a se tornar poderoso no seacuteculo
seguinte como um agente de informaccedilatildeo das massas Segundo Hall
As culturas nacionais satildeo compostas natildeo apenas de instituiccedilotildees culturais mas tambeacutem de siacutembolos e representaccedilotildees Uma cultura nacional eacute um discurso ndash um modo de construir sentidos que influencia e organiza tanto nossas accedilotildees quanto a concepccedilatildeo que temos de noacutes mesmos (HALL 1998 p 50)
A imprensa o jornal diaacuterio eacute o meio por excelecircncia da poliacutetica Lugar onde os
discursos acontecem os debates satildeo esperados as pelejas travadas e a construccedilatildeo
dos sentidos vecircm a acontecer Mais do que no salatildeo da Cacircmara de Deputados eacute
impresso no jornal que o discurso chega ateacute o leitor que formaraacute em seu conjunto
de propostas criacuteticas e reclames a opiniatildeo puacuteblica Eacute a imprensa que faz chegar
notiacutecias e informaccedilotildees a uma plateias bem mais ampla levantando questotildees do
cotidiano trazendo as informaccedilotildees que ateacute entatildeo estavam em domiacutenio privado para
a esfera puacuteblica Os folhetos e panfletos do periacuteodo tem um caraacuteter tambeacutem
didaacutetico divulgando ideias ndash natildeo soacute liberais eacute certo ndash por meio de uma linguagem
acessiacutevel Muitas vezes encadeando textos respondendo a outros jornais ou
publicitando debates Eacute esta literatura poliacutetica que consolida palavras ideias
expressotildees do liberalismo para a maior parte das pessoas (NEVES 2001)
Hobsbawn (2010) falando do periacuteodo compreendido entre 1848 e a deacutecada de 1860
na Europa comenta a importacircncia dos jornais na formaccedilatildeo de um nacionalismo que
se baseia na cultura partilhada pelo maior nuacutemero de cidadatildeos O autor afirma que a
ideia nacional eacute construiacuteda pelos veiacuteculos de comunicaccedilatildeo e os grupos a estes
vinculados
() o movimento nacional tendia a tornar-se poliacutetico apoacutes sua fase sentimental e folcloacuterica com a emergecircncia de grupos mais ou menos expressivos dedicados agrave ideia nacional publicando jornais e literatura nacionais organizando sociedades nacionais tentando estabelecer instituiccedilotildees educacionais e culturais e engajando-se em vaacuterias atividades francamente poliacuteticas Mas de forma geral neste ponto o movimento ainda era carente de um apoio decisivo por parte da massa da populaccedilatildeo Consistia basicamente de um extrato social intermediaacuterio entre as massas e a burguesia ou a aristocracia existentes (se tanto) especialmente os literatos professores camadas inferiores do clero alguns pequenos comerciantes e artesatildeos urbanos (HOBSBAWN 2010 p 105)
Segundo Romancini (2007) eacute a imprensa criacutetica observadora e natildeo comprometida
com os interesses do Estado que tem suas raiacutezes no Correio Brasiliense27 que iraacute
contribuir para a formaccedilatildeo de uma opiniatildeo puacuteblica no Brasil
27
Correio Brazilience ou Armazeacutem Literaacuterio Jornal mensal editado por Hipoacutelito Joseacute da Costa desde 1808 em Londres e importado para o Brasil para fugir da censura da cora portuguesa Apesar de Hipoacutelito daCosta manter relaccedilotildees com a Corte e com o priacutencipe D Joatildeo chegando mesmo a receber ajuda financeira deste para mantecirc-lo relativamente livre de sua redaccedilatildeo criacutetica o Correio foi um modelo para o jornalismo poliacutetico a ser desenvolvido no Brasil (ROMANCINI 2007)
O impeacuterio foi o periacuteodo da histoacuteria brasileira em que a imprensa teve maior liberdade
de expressatildeo (CARVALHO 2004) mas ela natildeo era um poder independente Em sua
maior parte os jornais e panfletos estavam vinculados a organizaccedilotildees que visavam
como os partidos poliacuteticos ao poder
Havia folhas independentes como o Jornal do Commercio e os jornais radicais Mas eram poucos e com raras exceccedilotildees natildeo duravam muito A grande maioria era vinculada a partidos ou a poliacuteticos O governo tinha sempre seus jornais o mesmo acontecendo com a posiccedilatildeo Os jornalistas lutavam na linha de frente das batalhas poliacuteticas e muitos deles eram tambeacutem poliacuteticos Muitos poliacuteticos por seu lado escreviam em jornais nos quais o anonimato lhes possibilitava dizer o que natildeo ousariam na tribuna da
Cacircmara ou do Senado (CARVALHO 2007 p78)
Liberais conservadores progressistas histoacutericos puritanos todos tem o seu ldquooacutergatildeordquo
de comunicaccedilatildeo Todos tem um jornal seu com o intuito de divulgar e defender seus
ideais propostas e tendecircncias
Rodrigues (2008) comenta que os jornais foram importantes para a divulgaccedilatildeo do
liberalismo moderado pelo Brasil e daacute ecircnfase ao ldquoAurora Fluminenserdquo e ao ldquoSete de
Abrilrdquo que tem a frente Bernardo Vasconcelos e Evaristo Ferreira da Veiga
respectivamente Seus editoriais eram reimpressos em outros jornais do interior do
Rio de Janeiro e de outras regiotildees do paiacutes o que serviu como uma rede de
divulgaccedilatildeo para as ideias liberais
Neves (2001) sustenta que bem como os jornais os panfletos e folhetos de caraacuteter
poliacutetico tiveram papel importante para a divulgaccedilatildeo natildeo somente de ideias mas de
um vocabulaacuterio especiacutefico efetivamente didaacutetico com uma linguagem acessiacutevel
para que uma parte maior da populaccedilatildeo pudesse entender o desenvolvimento do
liberalismo mesmo que este soacute tenha enfatizado um parte do arcabouccedilo de ideias
liberais Toda essa estrutura de ldquomiacutediardquo acabava por propiciar o surgimento de uma
opiniatildeo puacuteblica que assimilava ideias discutia propostas e tomava partido O ideaacuterio
que se pretendia construir era a criacutetica ao despotismo como siacutembolo de um passado
que jaacute estava enterrado e o liberalismo como o ideaacuterio poliacutetico para os novos
tempos (NEVES 2001)
A imprensa do seacuteculo XIX de maneira geral tem por caracteriacutestica ser constituiacuteda ndash
em sua maioria ndash por jornais de vida curta geralmente se ocupando de causas
tambeacutem momentacircneas e tem como proprietaacuterio um indiviacuteduo ou um grupo pequeno
de empresaacuterios (natildeo necessariamente jornalistas) e eacute por excelecircncia poliacutetico
(PINTO 2003) O jornal eacute a representaccedilatildeo de fato e dos fatos para a sociedade um
ente poliacutetico dos mais importantes no momento E junto a ele dentro das
possibilidades existentes no seacuteculo XIX folhetos cartazes livros e muitos outros
suportes foram usados com o intuito de difundir discursos de teor ideoloacutegico Isso jaacute
eacute uma percepccedilatildeo de que a participaccedilatildeo de camadas cada vez maiores da populaccedilatildeo
ndash e natildeo somente da burguesia ndash se apresentavam como elementos emergentes para
a poliacutetica Hobsbawn (2011) nesta passagem nos informa sobre a percepccedilatildeo das
elites europeias da necessidade de um jornal que disseminasse suas ideias para o
povo apoacutes a seacuterie de revoluccedilotildees de 1848
Os defensores da ordem social precisaram aprender a poliacutetica do povo Esta foi a maior inovaccedilatildeo trazida pelas revoluccedilotildees de 1848 Mesmo os mais arqui-reacionaacuterios dos junkers prussianos descobriram naquele ano que precisavam de um jornal que pudesse influenciar a opiniatildeo puacuteblica ndash conceito em si proacuteprio ligado ao liberalismo e incompatiacutevel com a hierarquia tradicional (HOBSBAWN 2011 p41)
Para a Corte no Brasil assim como na Europa jaacute na segunda metade do seacuteculo XIX
os jornais do periacuteodo passam a publicar obras literaacuterias em folhetins Autores como
Manoel Antocircnio de Almeida Machado de Assis e Alencar ficaram famosos por conta
desse tipo de veiculaccedilatildeo e tal associaccedilatildeo da imprensa com a literatura que vai se
revelando no jornal impresso - jaacute no periacuteodo de nosso recorte ndash determina
caracteriacutesticas proacuteprias de um veiacuteculo de comunicaccedilatildeo de massa (PINTO 2003)
Referir-nos-emos entatildeo a estes para uma melhor compreensatildeo da anaacutelise com o
vocaacutebulo ldquomiacutediardquo
Chartier (1991) nos alerta de que natildeo existe um texto fora do suporte que lhe
permita ser lido (ou ouvido) e que natildeo haacute compreensatildeo de um escrito qualquer que
seja que natildeo dependa das formas pelas quais ele atinge o leitor O princiacutepio do
discurso ideoloacutegico eacute o de ldquoalcancerdquo Quanto maior eacute o grupo atingido por uma
proposta maior eacute sua forccedila Eacute uma percepccedilatildeo de base estatiacutestica e natildeo filosoacutefica
Para que o discurso ideoloacutegico venha a surtir efeito eacute preciso que as ideias da classe
dominante se tornem as ideias de todos os membros da sociedade que todos (ou
sua maior parte) se identifiquem com elas E ainda para que a ideologia seja eficaz
o discurso deve se manter sempre o mesmo ignorando as mudanccedilas que possam
vir a acontecer (CHAUI 1997) Para tanto tambeacutem eacute necessaacuterio que a classe
dominante por meio de seus agentes e instrumentos eou instituiccedilotildees especiacuteficas
tratem de aleacutem de produzir suas ideias possam distribuiacute-las o que eacute feito por
exemplo atraveacutes da educaccedilatildeo da religiatildeo dos costumes dos meios de
comunicaccedilatildeo disponiacuteveis As ideias mudam de lugar conforme a interpretaccedilatildeo que
os homens lhe datildeo e no campo poliacutetico essas mudanccedilas nas ldquoorientaccedilotildeesrdquo dos
homens ocorrem com certa frequecircncia Eacute preciso confianccedila como tambeacutem partilhar
as ideias com o grupo e se possiacutevel com quem mais aparecer
23 SOBRE AS ELITES NO PODER
Apesar dos estudos sobre a burguesia e as elites natildeo serem uma novidade entre
noacutes uma pergunta metodoloacutegica insiste em aparecer ndash como nos lembra Flaacutevio
Heinz (2006) Onde comeccedilam e onde terminam as elites - Este mesmo autor
sugere que os limites tradicionais tendem a ficarem menos riacutegidos com o
aparecimento de pesquisas mais recentes e a inclusatildeo de novas categorias
profissionais e de diferentes recortes que modificam a visatildeo tradicional sobre o
assunto integrando outras fontes e apresentando possibilidades para a
interpretaccedilatildeo destas
Temos em mente que mesmo considerando tais limites para o segmento ldquoeliterdquo eacute
preciso lembrar como nos mostra Chauiacute que a elite descrita a que nos referimos
deve ser entendida como a ldquoclasse dominanterdquo e natildeo necessariamente os
ldquomelhoresrdquo homens e mulheres dentro de uma sociedade como o termo pode
sugerir (CHAUI 1997 p 48) Cabem aqui entatildeo algumas consideraccedilotildees agraves quais
tomamos por base a partir o modelo democraacutetico de Schumpeter (1984)
salientando que por se tratar de um modelo este nos permite uma gama maior de
possibilidades de interpretaccedilatildeo e uma flexibilidade em nossa anaacutelise tentando
abarcar um periacuteodo que apresenta contrastes acentuados Consideramos aqui que o
governo eacute exercido por elites poliacuteticas natildeo existe o chamado ldquobem comumrdquo como
uma meta de trabalho ou projeto de administraccedilatildeo do Estado que vaacute agradar ou
interessar a todos os segmentos da sociedade pelo simples fato de que para
indiviacuteduos grupos e classes diferentes este bem comum significa coisas diferentes
Neste caso consideramos a busca deste ldquobem comumrdquo como um fator de
subjetivaccedilatildeo que acaba por deslocar a ideologia partidaacuteria das metas do agente
poliacutetico o que termina dando a impressatildeo de que os partidos (seus integrantes no
caso) liberais ou conservadores democratas ou republicanos ou outros tantos satildeo
uma mesma coisa o objetivo primordial dos partidos poliacuteticos eacute conquistar e manter
o poder e a realizaccedilatildeo do ldquobem comumrdquo eacute um meio para atingir este objetivo
(SCHUMPETER 1984) a soberania popular embora natildeo seja nula eacute reduzida
visto que satildeo as elites poliacuteticas que propotildeem candidatos e alternativas para o eleitor
e no caso das eleiccedilotildees no impeacuterio isso eacute bem marcante E eacute preciso notar que um
importante aspecto da poliacutetica imperial eacute o de conseguir ter mantido a supremacia do
poder civil O exeacutercito e a marinha tiveram influencia reduzida nas decisotildees da
poliacutetica nacional e quando foi o caso seus representantes eram antes poliacuteticos
vinculados a algum dos partidos do que militares em cargos administrativos Um
caso singular eacute a figura de Caxias que mesmo na posiccedilatildeo de um heroacutei de guerra
com o comando geral das tropas no Paraguai teve de passar pelo crivo do conselho
de Estado para que fossem resolvidas seus desentendimentos com Zacarias de
Goacuteis
As decisotildees vimos partem de um grupo civil e eacute para estes civis que Alencar dirige
seu discurso A elite poliacutetica que chega ao poder depois da independecircncia e se
ldquoenraiacutezardquo com o fim do periacuteodo regencial apresentando caracteriacutesticas de unidade
ideoloacutegica de treinamento administrativo e de educaccedilatildeo A Corte no Rio de Janeiro
recebia representantes de todo o Brasil pois a Cacircmara dos deputados e o Senado
satildeo instituiccedilotildees sediadas naquela cidade Natildeo estamos considerando tatildeo somente a
sociedade carioca ou mesmo as oligarquias fluminenses do cafeacute que jaacute dava seus
frutos por ali mas as elites do Brasil na qualidade de seus representantes
Deputados senadores conselheiros altos funcionaacuterios da burocracia magistrados
fazendeiros traficantes de escravos banqueiros e outros mais transitando pelas
ruas estreitas do Rio de janeiro sem considerar os ricos comerciantes estrangeiros
(alguns enriqueceram ali mesmo) e alguns setores da monarquia espanhola que se
estabelecem no Brasil ainda no periacuteodo das revoluccedilotildees republicanas que se
espalharam pelo restante da Ameacuterica Latina encontrando no Rio de Janeiro o abrigo
de uma monarquia constitucionalista
Alfredo Bosi abre um capiacutetulo de sua Dialeacutetica da colonizaccedilatildeo onde se refere agrave
formaccedilatildeo do ldquonovo liberalismordquo com uma citaccedilatildeo de uma crocircnica de Machado de
Assis intitulada ldquoHistoacuteria de quinze diasrdquo na qual o romancista daacute lugar ao criacutetico
cruel do sistema social e poliacutetico do impeacuterio O recorte fala por si
As instituiccedilotildees existem Mas por e para 30 dos cidadatildeos Proponho uma reforma no estilo poliacutetico Natildeo se deve dizer ldquoconsultar a naccedilatildeo os representantes da naccedilatildeo os poderes da naccedilatildeordquo mas ldquoconsultar os 30 representantes dos 30 poderes dos 30rdquo A opiniatildeo puacuteblica eacute uma metaacutefora sem base haacute soacute a opiniatildeo dos 30 (ASSIS apud BOSI 2003 p222)
Cabe-nos demonstrar agora quantos e quais (estatisticamente no caso) seriam os
eleitores os que podiam participar ativamente do processo eleitoral em nosso
periacuteodo de recorte temporal notadamente aqueles a quem Alencar se dirigia em
suas cartas
As primeiras eleiccedilotildees para a composiccedilatildeo das cortes em 1821 adotaram
basicamente o voto universal masculino Jaacute nas eleiccedilotildees para a constituinte
brasileira foi exigida a idade miacutenima de 20 anos e a exclusatildeo de estrangeiros e
assalariados Com a constituiccedilatildeo outorgada por D Pedro I elevam-se as restriccedilotildees
com idade miacutenima de 25 anos exclusatildeo aos criados e adoccedilatildeo do criteacuterio de renda
miacutenima Em 1846 excluem-se os ldquopraccedilas-de-preacuterdquo aleacutem de alterar o caacutelculo de renda
miacutenima baseado na desvalorizaccedilatildeo da moeda em funccedilatildeo da inflaccedilatildeo O formato
determinava que em um primeiro momento designar-se-iam os votantes ndash com
renda superior a 100 mil-reacuteis anuais ndash que escolheriam os eleitores ndash com renda
superior a 200 mil-reacuteis anuais ndash que iriam escolher os deputados ndash com renda
superior a 400-mil reacuteis anuais Mas a limitaccedilatildeo de renda tinha pouca importacircncia a
maioria da populaccedilatildeo trabalhadora ganhava mais de 100 mil-reacuteis por ano Em 1876
o menor salaacuterio registrado no serviccedilo puacuteblico era de 600 mil-reacuteis (CARVALHO
2002) mas era preciso que houvesse alguma comprovaccedilatildeo
Em 1881 temos algumas mudanccedilas a eliminaccedilatildeo da eleiccedilatildeo em dois turnos e eacute
proibido o voto dos analfabetos aleacutem de tornar o voto em si voluntaacuterio Calcula-se
a partir de tais restriccedilotildees para o periacuteodo que estamos tratando um percentual de
13 da populaccedilatildeo total com possibilidades de participaccedilatildeo eleitoral que diminui
para quase 1 a partir da lei de 1881 (CARVALHO 2007) Todas estas medidas
foram tomadas com real intuito de diminuir a participaccedilatildeo popular na votaccedilatildeo
concentrando o sufraacutegio nas elites Hebbe Mattos (2000) nos informa que para ser
eleitor ndash e para conseguir algumas vantagens que a condiccedilatildeo lhe permitia ndash o
cidadatildeo natildeo poderia ter nascido ldquoingecircnuordquo (escravo) Mas analfabetos e ex-escravos
poderiam habilitar-se a eleitores de segundo grau e ateacute mesmo serem eleitos para a
vereanccedila (NOVAIS 1997)
Apesar de haverem algumas estrateacutegias para modificar esse quadro e conseguir
uma renovaccedilatildeo maior dos parlamentares com vistas a uma representaccedilatildeo popular
como a lei dos ciacuterculos e a adoccedilatildeo do voto distrital (que pouco tempo permaneceram
em vigor logo que comeccedilaram a proporcionar tais mudanccedilas) as eleiccedilotildees em sua
forma e dinacircmica estavam cada vez mais sob o controle das elites econocircmicas que
optavam por manter uma estabilidade no poder A forma que a eleiccedilatildeo se dava jaacute
era um complicador com a necessidade de que o eleitor votasse em tantos nomes
quantos houvesse cadeiras em sua assembleia Isto geralmente favorecia ao
candidato que pudesse ter uma representaccedilatildeo aleacutem dos limites locais o que era
conseguido atraveacutes das redes de relaccedilotildees que se compunham pelos demais
representantes ou pelos ldquopadrinhosrdquo poliacuteticos de cada candidato relaccedilatildeo que
geralmente era conseguida pelo partido mesmo que estas fossem descontinuadas
apoacutes a eleiccedilatildeo Para o pai de Alencar corria uma anedota no Cearaacute entre partidaacuterios
que anunciavam a falta de uma relaccedilatildeo com o senador depois de sua partida para a
Corte Quando se recebia uma notiacutecia da qual natildeo se tinha muito creacutedito uma
interjeiccedilatildeo de desconfianccedila prenunciava a frase - Tal coisa vai acontecer ()assim
que o Alencar me escrever ndash anunciavam aludindo a algum acontecimento
impossiacutevel por ali (MENEZES 1965) Com tudo isso acreditamos que Machado de
Assis em sua criacutetica estava sendo bastante otimista com os 30 anunciados
Sobre a formaccedilatildeo intelectual da elite local eacute importante lembrar que a constituiccedilatildeo
de 1824 entregando o ensino fundamental e meacutedio nas matildeos da igreja cria uma
educaccedilatildeo de caraacuteter religioso centrada mais na tradiccedilatildeo filosoacutefica e com certa
indiferenccedila pela pesquisa cientiacutefica mas impregnada pelo estudo das letras
determinada pela tradiccedilatildeo jesuiacuteta (SKIDMORE 1989) Portugal evitou criar em seus
domiacutenios ultramarinos faculdades ou universidades Os textos disponiacuteveis ficavam
restritos agraves bibliotecas dos conventos e agraves poucas escolas mantidas tambeacutem por
religiosos o que garantia certo controle sobre a divulgaccedilatildeo das ideias
ldquoprogressistasrdquo Natildeo havendo jornais em circulaccedilatildeo ou livros impressos visto que os
primeiros prelos chegam com a famiacutelia real em 1808 os leitores se contentavam
com a literatura produzida na Europa ndash traduzida ou natildeo o que jaacute limitava o nuacutemero
de leitores - e que atravessava o Atlacircntico em sua maior parte por via clandestina
Aqueles que tinham condiccedilatildeo econocircmica mandavam seus filhos para Portugal onde
faziam os estudos superiores na Universidade de Coimbra e adquiriam os valores
ditados pela metroacutepole Estes em sua maioria eram aproveitados para compor a
burocracia do impeacuterio em formaccedilatildeo Caiam quase sempre na poliacutetica
Em nuacutemeros temos o percentual de Senadores com educaccedilatildeo superior no periacuteodo
de 1853 a 1871 - portanto pertinente ao nosso recorte temporal - chegando a 80 e
o dos ministros dos diversos gabinetes a 96 do total Considerando que a
educaccedilatildeo militar ndash exeacutercito e marinha aos quais alguns poliacuteticos tambeacutem pertenciam
ndash recebida por um grupo desses parlamentares natildeo entra nesta base para o caacutelculo
final o nuacutemero de poliacuteticos que natildeo recebeu instruccedilatildeo eacute praticamente nulo Para os
conselheiros de Estado de 1840 a 1889 dos 72 homens que estiveram em seus
quadros apenas 02 natildeo possuiacuteam educaccedilatildeo superior O niacutevel educacional dos
deputados gerais se assemelha percentualmente ao dos senadores (CARVALHO
2007)
Depois da elite de Coimbra dominar os primeiros anos do impeacuterio vem o comeccedilo da
nacionalizaccedilatildeo com os cursos de Direito preferecircncia nacional para o ingresso na
elite poliacutetica via cargo puacuteblico Tais cursos satildeo criados no Brasil depois da
independecircncia em 1827 e comeccedilando efetivamente em 1828 Um em Satildeo Paulo e
outro em Olinda - transferindo-se o segundo posteriormente para a cidade do Recife
A presenccedila no poder de egressos da escola de medicina e engenharia tem o peso
relativo proporcional ao dos militares eacute o diferencial estava mesmo na formaccedilatildeo no
Direito O curso superior era o preacute-requisito para tentar um cargo no poder Sobre o
segundo e terceiro escalotildees da burocracia como bem nos mostra Joseacute Murilo satildeo
representados por diretores chefes de seccedilatildeo e uma gama de funcionaacuterios
especializados em sua maioria vinculada a algum ministeacuterio e que buscava nas
cidades principalmente o emprego puacuteblico como forma de sobrevivecircncia visto a
falta de postos de trabalho em outros setores A elite brasileira era em sua quase
totalidade letrada o que a afastava mais ainda da grande massa do povo sem
alfabetizaccedilatildeo
Carvalho (2007) sustenta que a homogeneidade ideoloacutegica eacute um dos importantes
fatores que iriam fornecer a possibilidade de constituir determinados modelos de
dominaccedilatildeo poliacutetica Uma elite homogecircnea tende a uma movimentaccedilatildeo em uma
mesma direccedilatildeo e garante ao menos a possibilidade de um projeto comum E eacute essa
homogeneidade que sugere que se possa conseguir certa estabilidade para
administrar conflitos dentro destes grupos O Brasil jaacute dispunha de tal elite quando
da independecircncia (que apesar de seguir os moldes portugueses jaacute apresentavam
caracteriacutesticas distintas mesmo por que seus grupos eram diversos procedentes de
muitas proviacutencias do Brasil) A composiccedilatildeo da elite vai se transformando lentamente
com o passar dos anos e com o crescimento do quantitativo de pessoas passiacuteveis
de acesso a esta na grande maioria composta de funcionaacuterios puacuteblicos Eacute uma
verdade a afirmaccedilatildeo de que os representantes da sociedade nesse periacuteodo satildeo
tambeacutem representantes do Estado Os estamentos como sustenta Bauman (2001)
lugares a que os indiviacuteduos pertenciam por hereditariedade aos poucos vatildeo dando
lugar as classes onde o pertencimento eacute fabricado pelo esforccedilo do indiviacuteduo por
sua vontade de pertencimento E ao mesmo tempo associadas as caracteriacutesticas
que a sociedade brasileira consegue ter neste momento de uma dinacircmica para a
consolidaccedilatildeo de um sistema liberal e ao mesmo tempo conservador de dominaccedilatildeo
Segundo Alencar o paiacutes tambeacutem eacute ldquoconduzidordquo pelo Estado Estaacute em suas matildeos
considerando que ldquoempresas industriais associaccedilotildees mercantis bancos obras
puacuteblicas operaccedilotildees financeiras privileacutegios fornecimentos todas essas fontes
abundantes de riquezas improvisadas emanam das alturas do poderrdquo (ALENCAR
2011 p99) A centralizaccedilatildeo da elite garantia ao mesmo tempo um Estado forte e
uma homeostase entre os grupos no poder em que os conflitos mais seacuterios e os
movimentos contestatoacuterios ficavam localizados nos municiacutepios onde era mais faacutecil
uma soluccedilatildeo (mesmo que em forma de accedilatildeo militar como no caso das revoltas no
periacuteodo regencial) Uma grande mudanccedila se efetua entre 1855 e 1868 quando o
partido liberal quase desaparece por completo depois de dominar o cenaacuterio poliacutetico
por aproximadamente 10 anos Eacute um periacuteodo de ascensatildeo de liberais histoacutericos e
conservadores dissidentes jovens lideranccedilas que aparecem no periacuteodo da
conciliaccedilatildeo De 1862 a 1868 haacute uma notoacuteria instabilidade no ministeacuterio durando em
meacutedia um ano cada gabinete Tudo isto em um momento de guerra externa que
produzia inflaccedilatildeo e consumia enorme quantidade de recursos puacuteblicos (CARVALHO
2007) Mas isto natildeo eacute sentido no cotidiano das elites econocircmicas que tem no Estado
sua fonte de renda quando natildeo de exploraccedilatildeo das rendas do proacuteprio Estado
Schwarcz (1999) nos daacute uma visatildeo interessante do interior de um sobrado citadino
em meados do seacuteculo XIX o padratildeo de moradia para a elite da corte onde temos
uma ideia de seu cotidiano luxuoso e requintado
() eacute na capital durante os anos de 1840 a 1860 que se cria uma febre de bailes concertos reuniotildees e festas A corte se opotildee agrave proviacutencia arrogando-se o papel de informar os melhores haacutebitos de civilidade tudo isso aliado agrave importaccedilatildeo dos bens culturais reificados nos produtos ingleses e franceses Nas casas os homens jogam voltarete gamatildeo xadrez e whist e os moccedilos o jogo da palhinha Jaacute as mulheres divertem-se com jogos de prenda de flores do bastatildeo do amigo ou amiga e do lenccedilo queimadordquo (SCHWARCZ 1999 p 156)
O teatro por exemplo estaacute entre as diversotildees mais apreciadas do periacuteodo Eacute o lugar
de encontros poliacuteticos flertes e namoros escondidos de encontros e desencontros
um lugar de diversatildeo Natildeo eacute a toa que a expressatildeo teatro poliacutetico tatildeo usado por
Nabuco Alencar e Machado tambeacutem se refira a possibilidade do puacuteblico participar
das seccedilotildees das casas legislativas como expectador Este vecirc se constrange ri
chora pode vaiar pode aplaudir Mas suas accedilotildees natildeo iratildeo modificar
substancialmente o andamento do espetaacuteculo poliacutetico Cabe lembrar que os teatros
(o espaccedilo fiacutesico) tambeacutem satildeo locais onde a propaganda poliacutetica tinha ldquoseu lugarrdquo
Usados como lugares para reuniatildeo geralmente pela localizaccedilatildeo e capacidade de
abrigar vaacuterias pessoas A tiacutetulo de exemplo registramos uma anotaccedilatildeo de Tavares
Bastos em seu diaacuterio sobre o uso do Teatro Phenix Dramaacutetica na Rua da Ajuda
para as ldquoconferecircncias radicais do Clube Radicalrdquo (ABREU 2007 p 129) Os
comiacutecios puacuteblicos soacute seratildeo uma realidade a proximidade do fim do seacuteculo com
homens como Lopes Trovatildeo que conseguiram levar a populaccedilatildeo agraves praccedilas puacuteblicas
em nome do partido republicado (COSTA 1999)
24 INTELECTUAIS E OPINIAtildeO PUacuteBLICA
Gramsci nos mostra que os intelectuais se formaram historicamente associados agraves
elites econocircmicas Sua funccedilatildeo dentro dos diversos ldquopartidosrdquo eacute o de organizaccedilatildeo e
disseminaccedilatildeo da ideologia Alencar eacute algueacutem que nasceu na tradiccedilatildeo da aristocracia
rural mas por sua atividade como jornalista advogado e poliacutetico e por seu ativismo
poliacutetico pode ser enquadrado na categoria de intelectual orgacircnico Aquele que
busca em sua praacutexis transformar ensinar e buscar soluccedilotildees para a sociedade Mas
Alencar estaacute longe de ser um elemento que surge do povo ou das ldquobases
popularesrdquo apesar de ter sido eleito deputado para vaacuterios mandatos Cabe lembrar
que as campanhas poliacuteticas no periacuteodo natildeo exigiam uma presenccedila constante do
candidato junto a sua base eleitoral Os eleitores ndash pouquiacutessimos decerto - satildeo
relativamente abastados (considerando natildeo haver um mercado de trabalho as
diferenccedilas entre os grupos satildeo grandes) configuram uma categoria da elite regional
que tendia a se identificar com um candidato mais pela rede de relaccedilotildees sociais a
que este representava ou estava associado do que propriamente agraves ideias de algum
dos partidos poliacuteticos em atuaccedilatildeo no periacuteodo
Eacute na literatura e no jornalismo aonde floresce a vocaccedilatildeo de Alencar como
intelectual eacute ali que se constitui a sua forma de estudar a realidade e de interagir
com ela Entendemos que para Gramsci (1976) a ideia de participaccedilatildeo na cultura
natildeo significa a simples aquisiccedilatildeo de conhecimentos ou uma atitude passiva do
sentimento humano mas sim posicionar-se frente agrave histoacuteria fazer a histoacuteria
acontecer mesmo que a poder das armas E a luta armada do intelectual vem na
forma de manifestos eacute a sua maneira de interagir com o puacuteblico (BOBBIO 1997)
buscando (incitando) a transformaccedilatildeo da realidade
A cultura estaacute relacionada com esta transformaccedilatildeo da realidade atraveacutes da busca e
da conquista de uma consciecircncia superior onde cada indiviacuteduo precisa conseguir
compreender o seu valor na sociedade (GRAMSCI 1976) Eacute a passagem do
momento corporativo ao momento eacutetico-poliacutetico da estrutura agrave superestrutura Isto eacute
expresso por Gramsci atraveacutes do seu conceito ampliado de poliacutetica a catarse O
momento em que a esfera dos interesses corporativos e particulares eleva-se ao
niacutevel da consciecircncia universal e as classes conseguem elaborar um projeto para
toda a sociedade atraveacutes de uma accedilatildeo coletiva Assim sair da passividade para
Gramsci eacute deixar de aceitar a subordinaccedilatildeo que o sistema capitalista impotildee a
alguns estratos da populaccedilatildeo
Alencar advogado brilhante e poliacutetico combativo eacute antes de tudo um homem das
letras Algueacutem que conhece a forccedila da palavra e como jornalista e editor o alcance
que um perioacutedico pode ter E ele usaraacute isso em seu favor Este intelectual buscaraacute
em suas leituras os conceitos claacutessicos do liberalismo com Adam Smith John Locke
Benjamim Constant e outros poucos livros que tinham em matildeos ndash vaacuterios ainda em
sua liacutengua original (RENALT 1976) - que lhes dariam o suporte para se sustentar
junto a tecnocracia administrativa que se formava situando-se em algum lugar
confortaacutevel entre o absolutismo e a democracia - em alguns casos entre o
constitucionalismo e o voto censitaacuterio entre o liberalismo e a igualdade
A tarefa a que se propotildee o Alencar que pode ser entendida tambeacutem como uma
espeacutecie de educaccedilatildeo ndash senatildeo das massas com os movimentos operaacuterios
principalmente no iniacutecio do seacuteculo XX e que natildeo se percebem ainda no periacuteodo mas
de grupos paulatinamente mais generalizados que se formam como resultado do
desenvolvimento das cidades ndash eacute praticado pelos intelectuais (sendo Alencar um
exemplo) como agentes de ligaccedilatildeo entre as elites e tais grupos visto que o projeto
educacional corresponde a uma necessidade de formaccedilatildeo intelectual e teacutecnica do
povo ateacute mesmo para uma maior qualificaccedilatildeo do trabalhador que pudesse gerar
com seu trabalho um desenvolvimento tecnoloacutegico dos meios de produccedilatildeo de
capital e tambeacutem para o periacuteodo um texto mais ldquoagradaacutevelrdquo e basicamente mais
acessiacutevel que seria um facilitador para que uma maior parte da populaccedilatildeo pudesse
conhecer as ideias liberais O sentido era didaacutetico e ideoloacutegico ao mesmo tempo de
forma que um grupo maior pudesse ser identificado com o movimento e dele
tomasse partido
Observe-se que em Gramsci a supremacia de um grupo social se manifesta de dois
modos como domiacutenio (coaccedilatildeo) e como direccedilatildeo intelectual e moral (consenso) Eacute no
consenso que o trabalho de Alencar busca organizar uma sociedade menos desigual
a partir da divulgaccedilatildeo de uma ideologia liberal (dentro dos limites do que se pode
entender como ldquoiguaisrdquo no liberalismo brasileiro estamos sempre no acircmbito de uma
aristocracia) de uma moral cristatilde que auxilia no projeto de dominaccedilatildeo do povo e da
defesa da propriedade privada esta extensiva ao projeto da escravidatildeo
Um grupo social pode e deve impor-se como dirigente (e seu modo de expressatildeo eacute
em geral o partido poliacutetico) e sua organizaccedilatildeo eacute o que lhe sustenta na busca de
uma posiccedilatildeo no poder Isto vale tanto para as elites como para os grupos de
trabalhadores Mas a maneira para que isto ser levado a cabo seria pela via da
informaccedilatildeo da educaccedilatildeo da politizaccedilatildeo enfim Algumas preocupaccedilotildees de Gramsci
satildeo tais como as de Alencar Como levar a discussatildeo poliacutetica para a maior parte da
populaccedilatildeo enquanto esta natildeo se preocupa com a realidade mas com os modismos
com as influencias externas Como politizar o povo (GRAMSCI 1976) O que se
nota eacute que tal discurso natildeo se dirige propriamente as massas ele jaacute existe ndash anterior
a Marx e Gramsci ndash e eacute usado como forma de dominaccedilatildeo para todos os grupos
sociais Segundo Gramsci (1999) os intelectuais que mesmo na Itaacutelia natildeo estavam
ligados agraves massas ldquodeveriamrdquo ligar-se como uma opccedilatildeo eacutetica e como uma opccedilatildeo
poliacutetica para a transformaccedilatildeo O que muda natildeo eacute necessariamente a forma do
discurso mas a direccedilatildeo e o puacuteblico a que se destina O poder natildeo eacute mantido apenas
atraveacutes da hegemonia de classe ou pela simples difusatildeo de ideias desta classe
que o assume eacute preciso accedilatildeo
Em Alencar natildeo observamos uma radicalizaccedilatildeo neste sentido apenas o uso cada
vez maior das formas de comunicaccedilatildeo disponiacuteveis ndash e de forma cada vez mais
diversa tentando alcanccedilar cada vez mais pessoas ndash no momento A sociedade civil
para Alencar aumentaria sua participaccedilatildeo poliacutetica quanto mais politizada estivesse e
quanto maior fosse desenvolvida sua capacidade criacutetica e o Estado natildeo seria assim
tatildeo somente a sociedade poliacutetica mas o resultado da accedilatildeo poliacutetica da sociedade civil
enquanto nuacutecleo formador da sociedade poliacutetica (GRAMSCI 1999) As ideias da
sociedade poliacutetica satildeo passadas como discurso ideoloacutegico para todo o grupo e em
Alencar percebemos a importacircncia senatildeo do formador mas principalmente do
divulgador de tais ideias algueacutem que por vezes pode efetivamente mudar a direccedilatildeo
do jogo dependendo da capacidade de inserccedilatildeo de propostas valores e ideias nos
diversos grupos Natildeo se trata aqui de buscar uma intencionalidade em Alencar
Este enquanto autor dos discursos existe em integraccedilatildeo com os outros ldquoeusrdquo o
leitor o intertexto A palavra e o enunciado ndash no caso ndash satildeo por natureza
ideoloacutegicos Natildeo haacute um significado que natildeo se refira (natildeo se remeta) ao social Todo
enunciado eacute um evento histoacuterico e ao mesmo tempo um ato social Eacute por meio de
enunciados que os agentes comeccedilam a compreender o mundo e depois agir sobre
ele Qualquer texto constitui uma forma de accedilatildeo verbal calculada para a leitura e
com o intuito de propiciar respostas internas e para uma possiacutevel reaccedilatildeo criacutetica ndash
positiva ou negativa - da sociedade Uma enunciaccedilatildeo eacute uma forma de poder Cada
enunciado eacute dirigido a algueacutem em uma situaccedilatildeo especiacutefica em um momento
especiacutefico do tempo As relaccedilotildees de poder imersas na linguagem determinam
tambeacutem as formas das relaccedilotildees sociais Os enunciados dialogam constantemente
com outros enunciados em sua constituiccedilatildeo O cotidiano natildeo existe em uma ordem
formal somos noacutes que tentamos organizaacute-lo mediante uma narrativa que se
pretende coerente e as relaccedilotildees entre os ldquofalantesrdquo que estatildeo sempre mudando
Tais mudanccedilas nas instituiccedilotildees se datildeo porque satildeo constituiacutedas nesse movimento
dinacircmico (STAN 1992) O texto se constitui como uma forma de accedilatildeo que visa
propiciar respostas internas e uma possiacutevel reaccedilatildeo criacutetica ndash positiva ou negativa - da
sociedade Alencar busca construir em seu texto uma resposta positiva empaacutetica
que pretende sugerir (quando menos) comportamentos determinados aos grupos
sociais a que se referem E quanto mais acessiacutevel eacute o discurso maior a sua
amplitude Eacute a relaccedilatildeo a que se chama dialogismo Os enunciados dialogam
constantemente com outros enunciados em sua constituiccedilatildeo e mesmo depois
quando assimilados por noacutes o que jaacute eacute uma das formas de assimilaccedilatildeo do discurso
dada pelo processo dialoacutegico (STAN 1992)
Essa hipoacutetese se sustenta na observaccedilatildeo de que os grupos poliacuteticos necessitam se
reproduzir e apesar do controle restrito do eleitorado (voto censitaacuterio) e dos
reconhecidos laccedilos de famiacutelia natildeo eacute soacute o nuacutecleo familiar o ldquoberccedilaacuteriordquo aonde poliacuteticos
iram encontrar e formar seus sucessores Os laccedilos de apadrinhamento satildeo comuns
e tambeacutem natildeo satildeo incomuns as escolhas de sucessores poliacuteticos pelo criteacuterio de
amizade tiacutepico do clientelismo em vigor no Brasil A escolha dependia de quem
estivesse disposto a assumir o discurso do poder Lembramos que Chauiacute (1997)
sustenta que a proliferaccedilatildeo dos discursos sobre a naccedilatildeo faz com que existam vaacuterias
ldquonaccedilotildeesrdquo dentro da naccedilatildeo cada uma determinado por um modo de pensar a
realidade a sociedade e a poliacutetica e apresentado a um grupo diferente Eacute no
bacharel um ldquoprotordquo poliacutetico elemento constituinte da opiniatildeo puacuteblica e objeto dos
jornais poliacuteticos que Alencar busca seu interlocutor O objeto de seu discurso que
visa ldquoconstruirrdquo uma opiniatildeo puacuteblica Hobsbawn (2010) afirma que a opiniatildeo puacuteblica
eacute um conceito em si proacuteprio ligado ao liberalismo A informaccedilatildeo eacute um agente
constituinte para a integraccedilatildeo dos novos grupos que passam a participar dos
movimentos poliacuteticos
Para a Europa o autor sustenta que as revoluccedilotildees europeias de 1848 mostraram
que a classe meacutedia o liberalismo a democracia poliacutetica e mesmo as classes
trabalhadoras seriam a partir de entatildeo presenccedilas permanentes no panorama
poliacutetico (HOBSBAWN 2010) E com relaccedilatildeo ao Brasil se ainda natildeo temos uma
classe operaacuteria com poder de luta Fora a classe privilegiada detentora de
educaccedilatildeo leitora de jornais detentora dos cargos poliacuteticos e do funcionalismo
puacuteblico compondo a burocracia a classe formadora de opiniatildeo a que nos referimos
ndash que podemos designar como opiniatildeo puacuteblica ndash muito pouco podemos observar da
interferecircncia popular nos processos poliacuteticos A direito ao voto por exemplo nos
conta Prado (2001) era conseguido (e exercido) pelos homens pobres possuidores
de poucas posses que constituiacuteam o grosso do eleitorado mas que em quase sua
totalidade estavam atrelados aos grandes proprietaacuterios de terras e de escravos
como no exemplo do ldquovoto de caixatildeordquo28 com Nabuco (FAORO 2004) o que
acabava por determinar certo conservadorismo nas eleiccedilotildees com os resultados
sempre tendendo ao continuiacutesmo e a solidariedade pelo chefe poliacutetico local mesmo
estas sendo constantemente vitimadas por fraudes e manipulaccedilotildees
Portanto a imprensa colaborou no processo de constituiccedilotildees e acesso de uma
opiniatildeo puacuteblica no Brasil A opiniatildeo puacuteblica pode ser entendida enfim como a
28
Conf Nota 21
participaccedilatildeo da populaccedilatildeo (ou de uma parte desta como vimos) na criacutetica aos
rumos de um determinado estado ou mesmo assunto relevante Apesar de alguns
comentadores negarem veementemente a possibilidade de uma opiniatildeo puacutebica
como no caso de Bourdier (1981) se baseando principalmente no fato de que
quando se coloca a mesma questatildeo para todo um grupo (por mais homogecircnio que
este possa vir a ser) estaacute impliacutecita assegura a hipoacutetese de que exista um consenso
sobre os problemas e que jaacute hajam acordos sobre as questotildees que merecem ser
colocadas e uma manipulaccedilatildeo nos caminhos a que tais propostas de opiniatildeo devam
revelar caracterizando o discurso da opiniatildeo puacuteblica como algo jaacute previamente
moldado preferimos nos basear em Becker (2003) que afirma que a opiniatildeo puacuteblica
se caracteriza exatamente pela diversidade o que lhe distingue como um estudo
mais aprofundado da sociedade que eacute capaz de indicar a atitude e o
comportamento dos homens enquanto em conjunto (enquanto massa) diante de sua
eacutepoca
3 LIBERALISMO E ESCRAVIDAtildeO NAS CARTAS DE ERASMO
31 LIBERALISMO E ESCRAVIDAtildeO
Pudemos observar no capiacutetulo anterior uma visatildeo geral do oitocentos no segundo
reinado e a intrincada relaccedilatildeo dos intelectuais e elites tendo suas ideias divulgadas
por meio da imprensa Mas quais seriam essas ideias Em nosso caso aqui
sustentamos que Alencar fez uma opccedilatildeo pelas ideias liberais que jaacute se
apresentavam por aqui desde antes do impeacuterio As ideias de liberdade chegam de
carona com a independecircncia americana em 1776 e a revoluccedilatildeo francesa em 1789 e
influenciam os movimentos abolicionistas pelo Brasil desde a inconfidecircncia mineira
e a conjuraccedilatildeo baiana29 ateacute os uacuteltimos movimentos revolucionaacuterios no periacuteodo
regencial
O termo liberalismo bem como liberdade tem sua raiz no termo ldquolivrerdquo Cunha
(1997) apresenta-nos as variaccedilotildees livre do latim libegraver liberal do latim libeacuteralis
liberdade do latim libertas ndashaacutetis que etimologicamente formaram o francecircs
libeacuteralisme Bobbio (1998) afirma que a definiccedilatildeo histoacuterica de liberalismo oferece
dificuldades especiacuteficas a menos que possamos admitir a existecircncia de diversos
liberalismos Em primeiro lugar porque o liberalismo se manifesta em diferentes
paiacuteses em tempos histoacutericos diversos e em funccedilatildeo disso o liberalismo se confronta
com problemas especiacuteficos que acabam por determinar sua fisionomia e conteuacutedos
Abbagnano (2007) explica que o liberalismo eacute uma doutrina que tem origens na
idade moderna no seacuteculo XVIII e se caracteriza por tomar para si a defesa da
liberdade no campo poliacutetico O liberalismo pode ser classificado em duas fases uma
primeira fase no seacuteculo XVIII caracterizado pelo individualismo e uma segunda
fase no seacuteculo XIX caracterizada pelo estatismo
A primeira fase eacute caracterizada pelas seguintes linhas doutrinaacuterias que constituem os instrumentos das primeiras afirmaccedilotildees poliacuteticas do Liberalismo a) jusnaturalismo que consiste em atribuir aos indiviacuteduos direitos originaacuterios e inalienaacuteveis b) contratualismo que consiste em considerar a sociedade humana e o Estado como fruto de convenccedilatildeo entre indiviacuteduos (ABBAGNANO 2007 p604)
Na economia o liberalismo combate a intervenccedilatildeo do Estado na sociedade
tentando fazer com que o mercado siga seu caminho Bem como negando o
absolutismo estatal definindo a accedilatildeo deste definindo seu papel em cada lugar
mediante a divisatildeo dos poderes
Jusnaturalistas e moralistas como Bentham acreditavam que bastava ao indiviacuteduo buscar inteligentemente sua proacutepria felicidade para estar buscando simultaneamente a felicidade dos demais A doutrina econocircmica de Adam Smith baseia-se no pressuposto anaacutelogo da coincidecircncia entre o interesse econocircmico do indiviacuteduo e o interesse econocircmico da sociedade (ABBAGNANO 2007 p604)
29
Haacute de se observar a diferenccedila entre as vertentes do pensamento liberal jaacute aqui A conjuraccedilatildeo baiana pregava o fim da escravidatildeo ao passo que entre os participantes da inconfidecircncia mineira a aboliccedilatildeo da escravidatildeo negra natildeo era uma meta
Essas ideias aparecem no campo poliacutetico com os filoacutesofos iluministas como John
Locke Thomas Hobbes e Rousseau que tentaram estabelecer os limites do poder
poliacutetico ao afirmar que existiam direitos individuais que nem os reis poderiam
ultrapassar Bastos (1999) afirma tambeacutem que a busca pelo modelo de Estado
Liberal eacute o coroamento de toda a luta do indiviacuteduo contra alguma tirania do Estado
ldquoSeu pressuposto fundamental eacute que o maacuteximo de bem-estar comum eacute atingido em
todos os campos com a menor presenccedila possiacutevel do Estadordquo (BASTOS 1999
p139) A construccedilatildeo desse Estado liberal em contraposiccedilatildeo ao Estado absoluto eacute
dada pelo jusnaturalismo que eacute
() a doutrina segundo a qual o homem todos os homens indiscriminadamente tem por natureza e portanto independente de sua proacutepria vontade e menos ainda da vontade de alguns poucos ou de apenas um certos direitos fundamentais como o direito a vida agrave liberdade agrave seguranccedila agrave felicidade ndash direitos estes que o Estado ou mais concretamente aqueles que num determinado momento histoacuterico detecircm o poder legiacutetimo de exercer a forccedila para obter a obediecircncia a seus comandos devem respeitar e portanto natildeo invadir e ao mesmo tempo proteger contra toda possiacutevel invasatildeo por parte de outros (BOBBIO 1998 p11)
A segunda fase comeccedila quando esse postulado entre em crise na medida em que o
liberalismo individualista parecia defender os interesses de uma classe determinada
de cidadatildeos a burguesia que se consolidava nas cidades Teoacutericos contratualistas
como Rousseau e Burke e mesmo Hegel posteriormente afirmam que a teoria da
infalibilidade da vontade geral resultante da alienaccedilatildeo total de cada associado com
todos os seus direitos em favor de toda a comunidade transforma aquilo que para o
individualismo eacute do interesse individual como interesse estatal e de certa forma
absorvendo-o Dessa feita ia-se afirmando a superioridade do Estado sobre o
indiviacuteduo contra o que o liberalismo tinha lutado em sua primeira fase
(ABBAGNANO 2007)
As ideias de liberdade poliacutetica combinaram com as propostas de liberdade
comercial algo que se entendia ser beneacutefico a todos sendo assim posteriormente
associadas a defesa e desenvolvimento do capitalismo (HOBSBAWM 2010) O
chamado liberalismo econocircmico prega o fim da intervenccedilatildeo do Estado na produccedilatildeo
de riquezas o fim dos monopoacutelios e outras medidas protecionistas e incentivava a
livre concorrecircncia no mercado No Brasil as ideias liberais tomam forccedila a partir do
iniacutecio do seacuteculo XIX notadamente a partir da independecircncia em 1822 sob influecircncia
tambeacutem da revoluccedilatildeo liberal do Porto de 1820 mas tomando aqui suas
caracteriacutesticas proacuteprias Costa (1999) sustenta que o liberalismo brasileiro deve ser
entendido com referecircncia a realidade brasileira Tendo entre seus adeptos homens
ligados a economia agroexportadora ao traacutefico de escravos e os grandes
proprietaacuterios de terras que buscavam maior espaccedilo para seus produtos fora do
controle de Portugal Para tanto a situaccedilatildeo de colocircnia natildeo poderia ser aceita de
forma alguma
O liberalismo eacute uma corrente de pensamento vastiacutessima e que abrange vaacuterios
campos do pensamento humano Natildeo pretendemos aqui esgotar sequer algumas de
suas possibilidades nem tampouco discutir os valores filosoacuteficos do liberalismo
Este nos eacute apresentado como um movimento que busca a realizaccedilatildeo da liberdade
as garantias da propriedade privada e da vida humana Poreacutem nem sempre a
organizaccedilatildeo do pensamento liberal estaacute associada da ideia democraacutetica A
discussatildeo das ideias liberais no Brasil por exemplo exerceu influecircncia na Carta de
1824 A questatildeo eacute quais seriam as ideias que Alencar buscava apresentar em seu
discurso Satildeo as ideias desse poliacutetico caracterizadas como ideias liberais Haacute uma
comunhatildeo entre o liberalismo e a escravidatildeo Para comeccedilar a responder a tais
questotildees os intelectuais brasileiros se detiveram nas propostas do liberalismo
claacutessico representado pelo pensamento de ndash entre outros ndash T Hobbes Locke
Adam Smith Rousseau Bentham e Mill tentando traccedilar entre eles um caminhos
que justifique a implantaccedilatildeo do liberalismo poliacutetico no Brasil Esse caminho tambeacutem
seraacute trilhado por Alencar Vejamos como foi a adequaccedilatildeo do liberalismo agrave realidade
brasileira
32 LIBERALISMO E ESCRAVIDAtildeO O MODELO BRASILEIRO
A tiacutetulo de complementaccedilatildeo depois desse esboccedilo que natildeo se pretende exaustivo
podemos observar tambeacutem como bem nos diz Schwartz (1991) citando um panfleto
antiescravagista do segundo reinado um dos princiacutepios da economia poliacutetica eacute o
trabalho livre E no Brasil temos portanto o fato ldquoimpoliacuteticordquo da escravidatildeo O autor
adverte que o que se configurava como uma ideologia para as classes em ascensatildeo
na Europa vem a converte-se no Brasil em ideologia que constituiacutea o pano de
fundo dos interesses de uma elite escravocrata Dessa feita o liberalismo perderia
seu caraacuteter universalista passando a defender prioritariamente interesses
particulares
Durante o impeacuterio temos a formaccedilatildeo de dois grupos poliacuteticos distintos que
caracterizariam o periacuteodo com suas lutas e conciliaccedilotildees inclusive com a ldquotroca de
ladordquo de figuras relevantes satildeo eles o partido conservador e o partido liberal Muitas
das ideias que poderiam ser tomadas como liberais foram implantadas no Brasil
pelos conservadores mas nenhuma delas deixava de buscar a realizaccedilatildeo de
interesses particulares de uma elite social e poliacutetica e a manutenccedilatildeo da exploraccedilatildeo
do trabalho
Apoacutes a Independecircncia em 1822 o formaccedilatildeo do Estado Brasileiro toma corpo com
os princiacutepios de um estado regulador baseado em um governo de tradiccedilatildeo
absolutista poreacutem nascido sob a aclamaccedilatildeo de alguns preceitos especiacuteficos do
liberalismo Os processos de independecircncia dos Estados Unidos em 1776 a
Revoluccedilatildeo Francesa (1789-1799) e os movimentos de independecircncia que ocorriam
nas colocircnias espanholas no periacuteodo satildeo influecircncias determinantes
Segundo Costa (1999) o liberalismo estaacute vinculado ao desenvolvimento do
capitalismo e a criacutetica ao ldquoantigo regimerdquo Surge do enfretamento entre a burguesia
e o abuso da autoridade real como a concessatildeo de privileacutegios ao clero e da nobreza
e a manutenccedilatildeo de monopoacutelios Os liberais defendiam os teoacutericos do contrato social
afirmavam a soberania do povo e a supremacia da lei Lutavam ainda pela
representatividade frente ao governo e o direito a propriedade e a liberdade de
comercio e de trabalho No Brasil as elites poliacuteticas se julgavam aptas a gerir este
novo modelo de soberania Tais elites viam na monarquia constitucional o caminho
para se conseguir manter o povo sob controle restringir o poder do imperador e
conseguir a unidade e a estabilidade poliacutetica (COSTA 1999) O ideal liberal
proposto tambeacutem pela revoluccedilatildeo do Porto em 1820 segundo Carvalho (2007) foi o
fomento necessaacuterio para o processo de independecircncia da colocircnia Ao mesmo
tempo a heranccedila do pensamento poliacutetico portuguecircs assimilado pela elite brasileira
fora a responsaacutevel pela homogeneizaccedilatildeo de seus princiacutepios o que muito contribuiu
para a feitura de um projeto comum de naccedilatildeo coesa aos interesses da elite
A assimilaccedilatildeo dos ideais liberais de por alguns atores poliacuteticos que participaram do
processo de independecircncia advecircm de sua formaccedilatildeo intelectual concluiacuteda nas
universidades europeias principalmente em Coimbra o que lhes possibilitou um
contado direto com os fundamentos do liberalismo europeu Esses homens tinham
seus interesses relacionados a economia agroexportadora eram em geral
proprietaacuterios de grande extensatildeo de terras e elevado nuacutemero de escravos Portanto
tencionavam manter as tradicionais estruturas de produccedilatildeo ao mesmo tempo em
que se libertariam de Portugal e das restriccedilotildees que a relaccedilatildeo de dominaccedilatildeo da
metroacutepole lhes impunha Significava enfim determinar a sobrevivecircncia de um
sistema de clientela e patronagem que representava os ideias que as revoltas
liberais europeias tentavam destruir Esse era o principal problema lidar com a
contradiccedilatildeo entre o liberalismo e a manutenccedilatildeo do trabalho escravo (COSTA 1999)
Podemos distinguir segundo Carvalho (2007) dois tipos de liberalismo no Brasil
Um deles ligado aos proprietaacuterios rurais ligados a economia de exportaccedilatildeo e trafico
de escravos e aquele dos profissionais urbanos que comeccedilas a aparecer a partir
das deacutecadas de 185060 com o maior desenvolvimento urbano e o aumento do
niacutevel de escolaridade nas cidades com a criaccedilatildeo das primeiras faculdades
Faoro (2004) tambeacutem argumenta que podemos identificar duas formas distintas de
liberalismo ao longo do seacuteculo XIX no Brasil O primeiro liberalismo vem de uma
ideologia de longa duraccedilatildeo e pode identificar seu marco fundamental em 1808 com
a abertura dos portos por D Joatildeo libertando das amarras de Portugal a produccedilatildeo
agriacutecola que agora busca ndash sem intermediaacuterios diretos - o comeacutercio internacional
poreacutem com acentuado favorecimento agrave Inglaterra As medidas satisfazem a uma
exigecircncia da Inglaterra e ao mesmo tempo aos produtores locais que se sentiam
limitados pelo pacto colonial Outro marco eacute a Independecircncia e a posterior outorga
da constituiccedilatildeo por D Pedro I que estabelece as normas para a representaccedilatildeo
poliacutetica o voto censitaacuterio e o funcionamento dos poderes legislativo e executivo
mediante uma combinaccedilatildeo de parlamentarismo e monarquia O segundo liberalismo
chega com as ideias de Joaquim Nabuco encabeccedilando um grupo reformista que
pretende as eleiccedilotildees diretas busca a limitaccedilatildeo dos poderes do Senado e do Poder
Moderador e em certa medida a defesa da aboliccedilatildeo da escravidatildeo para um futuro
proacuteximo (FAORO 2004)
a realidade socioeconocircmica no Brasil era muito diferente da europeia o que
acarretava em uma dificuldade na disseminaccedilatildeo dos ideais liberais para as camadas
populares visto que os niacuteveis de analfabetismo eram altos e os meios de
comunicaccedilatildeo poucos o que determinava uma marginalizaccedilatildeo do povo na vida
poliacutetica Tambeacutem o fato de que no Brasil o predomiacutenio de uma sociedade estamental
formada por donos de latifuacutendio que controlavam trabalhadores comuns e escravos
e a ausecircncia de uma burguesia dinacircmica que pudesse servir de suporte a esses
ideais Tudo isto fazia com que se esvaziasse o conteuacutedo dos manifestos em favor
das formas representativas de governo da soberania do povo da liberdade e
igualdade como direitos de todos os homens quando o que se via era a maior parte
da populaccedilatildeo alienada da vida poliacutetica e a manutenccedilatildeo da escravidatildeo (COSTA
1999 p29)
Em um dos periacuteodos mais conturbados da Histoacuteria do Brasil que eacute o periacuteodo da
regecircncia que vai de 1831 com a abdicaccedilatildeo de D Pedro I ateacute 1840 com o golpe da
maioridade podemos identificar uma seacuterie de movimentos poliacuteticos e trecircs facccedilotildees
que disputavam o poder os restauradores os liberais exaltados e os liberais
moderados
O grupo restaurador representava uma parte da classe dominante que apoiara D
Pedro I Com a abdicaccedilatildeo em favor de seu filho passaram a batalhar por seu
retorno ao trono brasileiro agitando os primeiros anos da Menoridade Acreditavam
que soacute uma monarquia com um regente de pulso forte e autoritaacuterio conseguiria
manter a uniatildeo do impeacuterio Seu braccedilo principal estava no senado e no Clube militar
Com a morte de D Pedro I em 1834 os caramurus ndash como eram chamados -
passaram a compor com os moderados o ldquoregresso conservadorrdquo
Os liberais moderados representavam a outra parcela da aristocracia Buscavam a
monarquia mas pelo vieacutes constitucionalista uma vez que a Constituiccedilatildeo de 1824
assegurava a sua continuidade no poder O liberalismo que rotulava essa facccedilatildeo era
apenas de fachada adequado agraves suas necessidades de classe dominante Este
grupo predominou durante os primeiros anos das Regecircncias tendo como um de
seus liacutederes principais Evaristo da Veiga Empenharam-se no combate aos
restauradores e exaltados federalistas na defesa da ordem e da centralizaccedilatildeo
fornecendo subsiacutedios para a orientaccedilatildeo governista
Os liberais exaltados que pretendiam-se uma esquerda liberal (um pouco mais a
esquerda do que os outros grupos) tambeacutem tinham viacutenculos com algumas parcelas
da aristocracia rural mas conseguiam alcanccedilar alguns outros grupos chegando
mesmo a arregimentar uma camada de homens livres destituiacutedos de propriedades
ou pequenos proprietaacuterios Variando de regiatildeo para regiatildeo desenvolviam atividades
nos centros urbanos ou nos campos oscilando numa relaccedilatildeo de dependecircncia entre
a classe dominante e a classe trabalhadora livre (FAUSTO 2001)
Enquanto os moderados defendiam a manutenccedilatildeo da ordem e das instituiccedilotildees
opondo-se a qualquer alteraccedilatildeo mais radical no contexto poliacutetico os liberais
exaltados eram reformistas Defendiam a liberdade ndash em alguns locais para
realmente todos os homens ndash e as reformas poliacuteticas chagando mesmo a defesa
do republicanismo Defendiam tambeacutem maior autonomia das proviacutencias em
contraproposta a tendecircncia centralista que se fortalecia (FAUSTO 2001)
Os membros do grupo moderado eram os regente e deputados Padre Diogo
Antocircnio Feijoacute Evaristo da Veiga Bernardo Pereira de Vasconcelos e o grande
proprietaacuterio de terras e escravos Honoacuterio Hermeto Carneiro Leatildeo
Jaacute o grupo de liberais exaltados (ou radicais) tinha como uma das principais
lideranccedilas Miguel de Frias (que ficou famoso por ter recebido a carta com a
abdicaccedilatildeo de D Pedro I) Eram favoraacuteveis agrave repuacuteblica desejavam a aplicaccedilatildeo das
ideias liberais mesmo que a custa de luta armada Agrave frente do grupo de
restauradores estavam os irmatildeos Andrada
Segundo Rodrigues (2008) a violecircncia social foi caracteriacutestica da regecircncia e com a
maioridade os uacuteltimos resquiacutecios de dissenccedilotildees foram resolvidos institucionalmente
com o fim das revoltas populares pelo interior do Brasil afastando assim os focos de
tendecircncias mais radicais Eacute a partir da ascensatildeo desse grupo moderado que se
solidifica a vertente conservadora que
() admitia a escravidatildeo a participaccedilatildeo poliacutetica restrita aos proprietaacuterios de terras e o modelo de organizaccedilatildeo juriacutedico-poliacutetico monaacuterquico Desse modo os liberais conservadores da regecircncia lutavam pela aboliccedilatildeo das instituiccedilotildees coloniais contra o despotismo o poder da aristocracia portuguesa contra a interferecircncia do Estado na vida econocircmica e pela defesa da propriedade incluindo os escravos (RODRIGUES 2008 p158)
A base de sustentaccedilatildeo do grupo moderado que se apresentava entatildeo como um
representante dos cafeicultores incluiacutea proprietaacuterios e comerciantes e tambeacutem o
grupo dos intelectuais urbanos ciando um ponto de aglutinaccedilatildeo para os outros
setores da classe proprietaacuteria
Bosi (1988) afirma que o paradoxo entre liberalismo e escravidatildeo foi somente verbal
O liberalismo ativo do trabalho ndash e do trabalhador ndash livre ldquosimplesmente natildeo existiu
enquanto ideologia dominante no periacuteodo que se segue agrave Independecircncia e vai ateacute
os anos centrais do Segundo Reinadordquo (BOSI 1998 p 05) O autor tambeacutem afirma
que para entender a articulaccedilatildeo liberal com o regime escravagista eacute necessaacuterio
compreender o modo de pensar das classes poliacuteticas dominantes no impeacuterio que se
impocircs a partir da independecircncia e se consolida entre 1831 e 1860
aproximadamente Segundo ele o que dominou em todo esse periacuteodo no Brasil foi
um ideaacuterio de fundo conservador Um conjunto de normas juriacutedico-poliacuteticas capazes
de garantir a propriedade fundiaacuteria e a escravidatildeo negra ateacute o seu limite Para que
possamos nos inteirar deste paradoxo eacute preciso entender a ascensatildeo dos grupos
que defendiam o trabalho escravo e seus liacutederes
Formado ao longo das crises da Regecircncia o nuacutecleo conservador definiu-se pela voz dos seus liacutederes Bernardo Pereira de Vasconcelos Arauacutejo Lima e Honorio Hermeto como o Partido da Ordem no ano criacutetico de 1837 e logo apoacutes a renuacutencia de Feijoacute A sua histoacuteria eacute a de uma alianccedila estrateacutegica flexiacutevel mas tenaz entre as oligarquias mais antigas do accediluacutecar nordestino e as mais novas do cafeacute no Vale do Paraiacuteba as firmas exportadoras os traficantes negreiros os parlamentares que lhes davam cobertura e o braccedilo militar chamado sucessivas vezes nos anos de1830 e 40 para debelar surtos de facccedilotildees que espocavam nas proviacutencias Ao radicalismo impotente desses grupos locais opocircs-se desde o comeccedilo o chamado liberalismo moderado que exerceu de fato o poder tanto na fase regencial quanto nos anos iniciais do Segundo Impeacuterio As divisotildees internas natildeo tocaram sua unidade profunda na hora da accedilatildeo (BOSI 1998p05)
Rodrigues (2008) tambeacutem sustenta que Bernardo de Vasconcelos e Evaristo
Ferreira da Veiga com mandatos de deputados durante a regecircncia ldquolideravam o
grupo dos liberais moderados que representava os interesses dos proprietaacuterio de
terras e dos cafeicultores Naquele momento o cafeacute era o principal produto na pauta
de exportaccedilatildeo do Brasil a partir de 1831rdquo (RODRIGUES 1988 p155) Nesse
contexto estes representantes dos cafeicultores dificilmente iriam contra a poliacutetica
da escravidatildeo visto a falta de braccedilos para a lavoura e os lucros advindos do
trabalho escravo O liberalismo praticado pelo grupo vai se tornando cada vez mais
conservador visto a necessidade de manter os interesses e o predomiacutenio do grupo
dominante Admite esta autora que ldquoo liberalismo poliacutetico posto em praacutetica pelo
grupo moderado teve como objetivo a defesa dos interesses dos proprietaacuterios e natildeo
a alteraccedilatildeo da ordem vigenterdquo (RODRIGUES 1988 P157) Com o advento da
Regecircncia os uacuteltimos focos de um liberalismo mais radical foram suprimidos com o
fim dos movimentos revoltosos pelo paiacutes o que abriu espaccedilo para a consolidaccedilatildeo
do modelo liberal conservador com alguns ajustes e concessotildees que o ajudaram a
aglutinar as dissidecircncias dos outros grupos
A importacircncia de Bernardo de Vasconcelos e Evaristo da Veiga como divulgadores
do liberalismo pode ser observada principalmente em seu trabalho como jornalistas
a frente dos jornais ldquoO Sete de Abrilrdquo e o ldquoAurora Fluminenserdquo respectivamente Tal
influencia natildeo se limita a Corte visto que outros perioacutedicos reeditavam seus
editoriais chegando o seu alcance desde o interior do Rio de Janeiro ateacute outras
proviacutencias particularmente agrave regiatildeo centro-sul do paiacutes Daiacute podemos ter uma ideia
do poder da imprensa como divulgadora de ideias ndash liberais ou natildeo ndash para os grupos
letrados Bernardo Vasconcelos chega a estabelecer uma diferenciaccedilatildeo entre os
dois liberalismos identificando os radicais como aqueles que norteavam-se pelas
ideias de Rousseau e acreditavam na luta armada e os liberais conservadores como
adeptos da conciliaccedilatildeo e a compatibilizaccedilatildeo dos novos com os antigos valores
(RODRIGUES 2008)
Neves (2001) sustenta que o liberalismo no Brasil se alavanca a partir da revoluccedilatildeo
vintista em Portugal erguida ldquoem nome da Constituiccedilatildeo da naccedilatildeo do rei e da
religiatildeo catoacutelicardquo (NEVES 2001 p76) propondo reformas que pudessem garantir ao
indiviacuteduo direitos de cidadania liberdade de expressatildeo de imprensa dentre outros
buscando o fim do despotismo como uma soluccedilatildeo para o impeacuterio O movimento tem
a adesatildeo do Paraacute e da Bahia seguidos posteriormente pelo Rio de Janeiro sendo
segundo a autora assimilada sem dificuldade pelos elementos das elites poliacutetica e
intelectuais no Brasil A proposta era buscar o novo mas sem abrir matildeo dos antigos
privileacutegios econocircmicos Esta autora sustenta que os jornais panfletos e pasquins
editados no periacuteodo auxiliaram a tomada de um vocabulaacuterio ldquoliberalrdquo pelo grande
puacuteblico que acompanhava as criacuteticas de intelectuais contra o regime divulgadas nas
diversas publicaccedilotildees criando uma rede de ideias que se multiplicava por vaacuterias
partes do paiacutes
Para Gorender (2002) os princiacutepios liberais levados adiante pelos comerciantes e
plantadores era o direito de ter uma representaccedilatildeo no estado fora das limitaccedilotildees
impostas pela poliacutetica colonial Esse processo segundo ele tem inicio apenas com a
abdicaccedilatildeo em 1831 visto que D Pedro I ainda era um representante de Portugal
aqui em nossas terras Gorender afirma que o liberalismo europeu defende o
trabalho livre a eliminaccedilatildeo das injunccedilotildees feudais do pagamento da corveia e de
todos os demais tributos que caracterizaram o sistema feudal Mas lembra tambeacutem
que o proacuteprio Adam Smith natildeo era contra a escravidatildeo nas colocircnias Ou seja o
liberalismo europeu segundo um de seus mais importantes representantes jaacute nasce
sob esta contradiccedilatildeo O autor tambeacutem sustenta que mesmo com a Revoluccedilatildeo
Francesa tendo decretado a libertaccedilatildeo dos escravos em suas colocircnias francesas
Napoleatildeo restabelece a escravidatildeo oito anos depois (GORONDER 2002) Apesar
da liberdade ser um valor importante na Europa aparentemente nas colocircnias a
poliacutetica praticada natildeo era a mesma O que nos leva a entender melhor a relaccedilatildeo
liberalismoescravidatildeo no Brasil Tambeacutem podemos lembrar aqui que mesmo as
instituiccedilotildees religiosas natildeo foram totalmente contraacuterias a escravidatildeo visto que as
ordens religiosas no Brasil mantinham escravos negros
Por tudo isso podemos entender que no processo de formaccedilatildeo do Estado Imperial
Brasileiro havia diferentes leituras e objetivos para o uso do liberalismo ligadas a
interesses especiacuteficos Por um lado como enfatiza Mattos (1987) a accedilatildeo do grupo
conservador no impeacuterio seguia no sentido da construccedilatildeo de monopoacutelios como uma
certa continuidade da poliacutetica que era praticada no periacuteodo colonial enfatizando as
relaccedilotildees de dominaccedilatildeo sustentadas pela coroa Costa (1999) identifica uma certa
originalidade no movimento poliacutetico brasileiro do periacuteodo tentando interpreta-lo
como uma figura hiacutebrida onde os elementos conservadores permanecem criando
uma amalgama com as praacuteticas liberais aceitas estruturando as instituiccedilotildees e a
visatildeo de mundo dos agentes poliacuteticos das elites dominantes sustentados pelas
classes intermediaacuterias que se desenvolvia nas cidades mas que ao mesmo tempo
viam no sistema agroexportador baseado na escravidatildeo uma dificuldade para o
desenvolvimento do capitalismo E haacute mesmo aqueles que como Carvalho (2007)
que chega a subestimar o aspecto liberal enfocando o periacuteodo na perspectiva de
que havia um pensamento conservador dominante prevalecendo no pensamento
poliacutetico local sendo a conciliaccedilatildeo entre as correntes de pensamento e os partidos a
poliacutetica da coroa com o intuito de administrar interesses e evitar conflitos e o
liberalismo sendo apenas uma face da mesma moeda Prado (2001) ainda enfatiza
que o pacto liberal era difiacutecil de ser compreendido no impeacuterio brasileiro que se
forma sob a tradiccedilatildeo ibeacuterica caracterizada pela valorizaccedilatildeo da tradiccedilatildeo e por uma
resistecircncia para as novas ideias que soacute eram experimentadas quando
extremamente necessaacuterias e sob a condiccedilatildeo de que natildeo desestruturassem a ordem
vigente Bosi (1988) sustenta ainda que o traacutefico esta apoiado por vezes pelas
proacuteprias autoridades a quem cabia fazer cessar o traacutefico Mantendo sob seu controle
terras o cafeacute e os escravos tais homens ligados a administraccedilatildeo e a poliacutetica como
o grupo ldquosaquaremardquo de Euzeacutebio Paranaacute Uruguai e Itaboraiacute apoiavam o ldquocomeacutercio
livre Primeira e principal bandeira dos colonos patriotas [ que ] natildeo significava
necessariamente e natildeo foi efetivamente sinocircnimo de trabalho livrerdquo (BOSI 1988 p
07) O que resulta segundo o autor que os moderados cedo ou tarde mostrariam
sua verdadeira face que eacute a conservadora
Os traficantes foram poupados e os projetos iluministas raros e esparsos de aboliccedilatildeo gradual foram reduzidos ao silecircncio Deu-se ao Exeacutercito o papel de zelar pela unidade nacional contra as tendecircncias centriacutefugas dos clatildes provinciais Vencidos os uacuteltimos Farrapos estava salva a sociedade no caso o Estado aglutinador de latifundiaacuterios seus representantes tumbeiros e burocracia A retoacuterica liberal trabalha seus discursos em torno de uma figura redutora por excelecircncia a sineacutedoque pela qual o todo eacute nomeado em lugar da parte impliacutecita (BOSI 1988 09)
Podemos entender com o que foi visto que o liberalismo acaba por adaptar suas
caracteriacutesticas gerais dependendo do local onde se estabelece Prado (2001) lembra
ainda que o impeacuterio no Brasil herdeiro da tradiccedilatildeo poliacutetica ibeacuterica era tambeacutem
avesso a novas ideias no campo poliacutetico que pudessem vir a desestruturar a ordem
estabelecida o que faz com que as ideias liberais assumidas sejam
preferencialmente as de cunho mais conservador Aleacutem do que Prado (2001)
concorda que com a produccedilatildeo organizada sob a exploraccedilatildeo do trabalho escravo
(altamente lucrativo no momento) era muito difiacutecil empreender qualquer movimento
em prol da igualdade e liberdade individuais
A partir da apresentaccedilatildeo deste conjunto de ideias acreditamos que seja possiacutevel
verificar se no texto de Alencar haacute ou natildeo alguma identidade com o liberalismo e a
defesa da escravidatildeo Concordando com o que diz Bosi (1988) acreditamos que
Alencar em seu texto busca uma defesa para o conservadorismo pregado pelos
latifundiaacuterios e traficantes de escravos em que a economia agroexportadora
baseada no braccedilo escravo deveria permanecer como a base econocircmica do Brasil
mantendo assim os privileacutegios dessas elites O liberalismo defendido por Alencar eacute ndash
como afirma Bosi(1988) ndash uma sineacutedoque em que a parte apresentada escolhida
determinada eacute tomada como um todo uniforme desvirtuando assim as ideias
originais do liberalismo e criando novo discurso ideoloacutegico para sustentar um grupo
que se apresenta no poder E eacute para esse discurso disseminado no texto de
Alencar que nos remetemos agora
33 AS CARTAS DE ERASMO
A carta aberta integra os gecircneros textuais caracterizados pelo caraacuteter
argumentativo Sua proposta eacute permitir que o missivista expusesse para o puacuteblico as
suas opiniotildees ou reivindicaccedilotildees acerca de um determinado assunto O gecircnero
difere-se da carta pessoal a qual trata em geral de assuntos que dizem respeito
apenas aos interlocutores nela envolvidos A carta aberta faz referecircncia a assuntos
de interesse coletivo ou que se queira coletivizar De tal modo a carta aberta pode
ser utilizada como forma de protesto contra esse problema como alerta e ateacute
mesmo como meio de conscientizaccedilatildeo da populaccedilatildeo ou de algueacutem com certa
influecircncia como por exemplo um representante de uma entidade ou do governo
acerca da problemaacutetica em questatildeo
As cartas em geral tem uma importacircncia grande como fontes para a historiografia
brasileira A epistolae era forma de comunicaccedilatildeo habitual entre os jesuiacutetas
registrando o cotidiano das primeiras deacutecadas da colocircnia Os jesuiacutetas escreviam-se
dos lugares mais distantes incentivando-se e sugerindo formas de abordagem para
os diferentes grupos aos quais tinham contato No Brasil as primeiras cartas de
Anchieta em sua maioria escritas em latim relatam detalhes da paisagem dos
costumes e das pessoas em Satildeo Paulo entatildeo Vila de Piratininga A primeira carta
do padre Joseacute Anchieta30 escrita em Setembro de 1554 e endereccedilada a Inaacutecio de
Loyola fundador da Companhia de Jesus fala da primeira missa realizada na regiatildeo
(PARIS 1997) As chamadas ldquoCartas Chilenasrdquo atribuiacutedas a Tomaacutes Antocircnio
Gonzaga e escritas em meados do seacuteculo XVIII compondo um longo e irreverente
poema satiacuterico satildeo um documento importante para auxiliar-nos na compreensatildeo da
Inconfidecircncia Mineira Famosas tambeacutem ficaram as cartas de D Pedro I a Condessa
Domitila de Castro nos mostram sete anos (1822 a 1829) de romantismo e do
cotidiano da Corte Na cultura cristatilde mais identificada conosco temos o conjunto de
cartas que Paulo escreve para as igrejas (eccleacutesia ecclesiam ἐκκλησίαν31) na Aacutesia
menor que segundo suas instruccedilotildees poderiam ser lidas para a comunidade
A carta aberta era um meio comum de participar o debate poliacutetico com o puacuteblico nas
primeiras deacutecadas da imprensa Sua publicaccedilatildeo nos jornais no caso dos deputados
como Alencar que moravam na Corte e representavam proviacutencias distantes servia
como uma prestaccedilatildeo de contas puacuteblica O jornal apesar do pouco tempo de vida no
Brasil alcanccedila no segundo reinado a qualidade de um importante agente de
agitaccedilatildeo poliacutetica Entendia-se ali que apesar da verborragia caracteriacutestica do
romantismo e presente em praticamente todos os textos natildeo oficiais o poliacutetico
estava efetivamente trabalhando por alguma coisa Oficializando para a sociedade
suas opiniotildees e posiccedilatildeo no palco poliacutetico da Corte Vaacuterias cartas abertas foram
redigidas no periacuteodo o trabalho de Alencar eacute apenas um exemplo entre muitos
outros E a liberdade de opiniatildeo e de imprensa jaacute eacute presente (e utilizada) desde o
reinado de D Pedro I garantida pela constituiccedilatildeo de 1824 Apesar de D Pedro I natildeo
ter se notabilizado por seu ldquoapoiordquo a imprensa O priacutencipe sempre foi alvo de duras
criacuteticas ateacute mesmo por sua conduta na vida privada
30 Uma ediccedilatildeo de ldquoCartas Avulsasrdquo de Jesuiacutetas - escritas no periacuteodo de 1550 a 1568 - pela Biblioteca da Cultura Nacional publicada jaacute em 1931 registra a importacircncia desse gecircnero 31
As comunidades religiosas do periacuteodo criadas sob a supervisatildeo de Paulo satildeo ainda estaacutegios
de formaccedilatildeo de uma ldquoigrejardquo cristatilde No latim claacutessico eccleacutesia apresenta uma grande variante graacutefica nos textos portugueses do seacutec XIII ao XVI Conforme CUNHA Antocircnio Geraldo da Dicionaacuterio etimoloacutegico da liacutengua portuguesa Rio de Janeiro Nova Fronteira 1982
Alencar publica as cartas e as endereccedila a vaacuterios entes poliacuteticos segundo o assunto
a que iraacute referir e dependendo do efeito e do ldquodestinataacuteriordquo que pretenda atingir Sua
posiccedilatildeo conservadora frente a escravidatildeo talvez tenha sido o tema que mais chama
a atenccedilatildeo Eacute onde centraremos o foco de nossa pesquisa na tentativa de analisar a
defesa de um projeto liberalconservador baseado na matildeo de obra escrava que vai
de encontro as pressotildees externas da Inglaterra de intelectuais franceses e mesmo
internas como a disposiccedilatildeo anunciada por D Pedro II na fala do trono de 1867 para
dar um fim a escravidatildeo no Brasil O pseudocircnimo escolhido foi Erasmo32 No periacuteodo
do recorte ainda natildeo havia um movimento abolicionista consistente vindo da opiniatildeo
puacuteblica Em publicaccedilatildeo recente33 Tacircmis Parron reedita a seacuterie das ldquoNovas Cartasrdquo
endereccediladas ao Imperador no periacuteodo de 196768 aonde procura detalhar este
ponto
Nosso objetivo com a leitura das cartas aleacutem de descobrir se houve uma defesa das
ideias liberais no Brasil ao mesmo tempo em que se tentava conciliar o ideal de
liberdade com a escravidatildeo eacute tambeacutem conseguir uma visatildeo geral do cotidiano
poliacutetico do II reinado na oacutetica de um importante intelectual do periacuteodo enquanto um
analista da dinacircmica das accedilotildees poliacuteticas e como um agente de justificaccedilatildeo do poder
da elite sobre a populaccedilatildeo como um elemento de ligaccedilatildeo das ideias (da ideologia)
desses grupos dominantes com suas vaacuterias camadas perifeacutericas Dado os limites da
pesquisa como observado anteriormente nos concentraremos na posiccedilatildeo de
Alencar frente a escravidatildeo
Apesar de ter jaacute experiecircncia como redator de jornais e manter relaccedilotildees com a
imprensa Alencar prefere publicar as cartas em forma de folhetins que eram
vendidos nas ruas e em livrarias e entregues em casa apenas por meio de 32 Uma referecircncia os filoacutesofo humanista Erasmo de Roterdatilde (1466-1536) As ideias de Erasmo teriam
sido precursoras da reforma protestante que inicia efetivamente com Lutero Dentre seus muitos
trabalhos destacamos o ldquoInstitutio Principis Christianirdquo escrito como uma seacuterie de conselhos
poliacuteticos e morais ao Rei Carlos da Espanha (mais tarde Carlos V do Sacro Impeacuterio Romano)
Acreditamos que o conhecimento de tal obra tenha sido o que sugeriu a Alencar assumir o
pseudocircnimo Erasmo
33 Ediccedilatildeo das ldquoNovas cartas poliacuteticas ao Imperadorrdquo em ALENCAR Joseacute de Cartas a favor da
escravidatildeo Org Tacircmis Parron Satildeo Paulo Heacutedra 2008
solicitaccedilatildeo anterior feita ao editor O que jaacute demonstra que Alencar natildeo pretendia
manter viacutenculos com a imprensa sobre suas opiniotildees poliacuteticas que acabariam
trazendo louros (ou problemas) para o jornal a que ele estivesse vinculado Apesar
do pseudocircnimo natildeo era difiacutecil descobrir o autor dos textos visto que o grupo de
agentes poliacuteticos era reduzido na Corte no periacuteodo imperial e o estilo literaacuterio de
Alencar jaacute fazia sucesso
Tomaremos aqui para a nossa anaacutelise a nova ediccedilatildeo das cartas publicada pela
Academia Brasileira de Letras em 2009 tendo a organizaccedilatildeo do professor e
historiador Joseacute Murilo de Carvalho que se baseou para esta publicaccedilatildeo nos
exemplares originais da biblioteca da Cacircmara dos Deputados em Brasiacutelia o que nos
proporciona uma visatildeo iacutentegra do texto Segundo R Chartier (2009) eacute preciso ter
cuidado com as possiacuteveis adaptaccedilotildees que editores realizam para que determinada
obra natildeo tenha sua leitura ldquofacilitadardquo para o grande puacuteblico podendo mesmo admitir
cortes Acreditamos que natildeo seja o caso aqui A publicaccedilatildeo com a qual
trabalharemos conteacutem as seguintes cartas
Ao Imperador Cartas de Erasmo de 1865 no caso a segunda ediccedilatildeo de 1866
Uma carta ldquoAo Redator do Diaacuteriordquo (do Rio de Janeiro)
Ao Povo Cartas Poliacuteticas de Erasmo de 1866 acompanhadas das cartas ldquoAo
Marquecircs de Olindardquo e ldquoAo Visconde de Itaboraiacute Carta de Erasmo Sobre a Crise
Financeirardquo
Ao Imperador Novas Cartas Poliacuteticas de Erasmo de 1867-68
Eacute preciso explicar uma diferenccedila baacutesica entre as cartas e os folhetins O chamado
ldquoromance de folhetimrdquo chega ao Brasil por volta do iniacutecio do seacuteculo XIX e assim
como na Inglaterra e na Franccedila cai no gosto popular e eacute responsaacutevel por uma parte
importante do desenvolvimento intelectual da populaccedilatildeo Visto que a educaccedilatildeo era
um bem muito caro os romances divulgavam ideias e uma moral
caracteristicamente burguesa para uma parte importante da populaccedilatildeo o que era
desejaacutevel e estimulavam o prazer da leitura A maioria dos tiacutetulos vem traduzida do
original inglecircs (ou francecircs) No Rio de Janeiro salas de leitura (gabinetes) foram
criadas as bibliotecas constituiacutedas (natildeo somente para brasileiros mas para muitos
ingleses que aqui tinha organizado sua vida) emprestavam livros a preccedilos moacutedicos
e pelo seu desenvolvimento cabe questionar o mito de que a maioria da populaccedilatildeo
natildeo tenha nenhum tipo de alfabetizaccedilatildeo O prazer das histoacuterias e a seduccedilatildeo que
estas apresentavam jaacute comenta o Alencar eram muito apreciadas Ele quando
ainda menino lia romances em voz alta para as pessoas em uma sala de estar
acalenta o coraccedilatildeo do povo que por tantos motivos foi privado da alfabetizaccedilatildeo
(NETO 2006)
Alencar se aproveita da praacutetica da publicaccedilatildeo de tais romances em colunas de
jornais regulares Ele mesmo teria oferecido nas paacuteginas da Gazeta do Rio de
Janeiro o romance O Guarani entatildeo um sucesso Os leitores confiantes na
periodicidade aguardavam os proacuteximos capiacutetulos dos romances em dias
determinados Sabendo disso Alencar cria tambeacutem uma ldquoperiodicidaderdquo para as
suas cartas anunciada desde a primeira e veiculada por meio de uma nota do
editor O missivista trata do tema como em uma novela usando sua retoacuterica
romacircntica para alcanccedilar os gostos mais diversos Vem daiacute a procura das cartas
pelos leitores nas terccedilas-feiras dia de sua circulaccedilatildeo A questatildeo da impressatildeo da
carta em folhetim eacute justificada por ser este um meio barato e de raacutepida finalizaccedilatildeo
As cartas satildeo pois impressas em folhetins este eacute o seu suporte Poreacutem natildeo
constituem um romance de folhetim gecircnero tambeacutem relativamente novo no periacuteodo
Folhetim aqui eacute formato do veiacuteculo um pequeno caderno com folhas encartadas
mais parecido com um jornal em tamanho modesto como eram comuns os jornais
na primeira metade do oitocentos Outro sentido dado ao termo (que ajuda na
confusatildeo) ldquofolhetimrdquo indica um texto publicado no rodapeacute da paacutegina do jornal com
comentaacuterios sobre os fatos correntes no meio caminho entre o texto informativo e a
crocircnica em que o jornalista geralmente emitia sua opiniatildeo sobre o assunto tratado
Alencar com sua coluna semanal ldquoao correr da penardquo se especializa nesse estilo de
escrita Por fim lembramos que com as cartas em tais suportes Alencar retoma de
certa forma a tradiccedilatildeo dos pasquins como um tipo de publicaccedilatildeo criacutetica escrita por
uma pessoa apenas e jaacute presente no Brasil mesmo antes da independecircncia em
forma satiacuterica e ateacute mesmo panfletaacuteria (BAHIA 1990)
Eacute mesmo possiacutevel que algueacutem um funccedilatildeo dessas caracteriacutesticas do suporte tenha
chegado a pensar nas cartas como uma ficccedilatildeo em que o imperador e o congresso
figurassem como personagens em mais um drama ou comeacutedia do autor mas isto eacute
soacute uma suposiccedilatildeo deixaremos essas questotildees para a vertente de romancista do
Alencar com suas anotaccedilotildees na pasta da gaveta Mesmo assim sendo esta uma
possibilidade entendemos que a releitura e emprego de fontes tradicionais podem
mesclar-se a partir do meacutetodo utilizado com a invenccedilatildeo de novas fontes que nos
possibilitem uma interpretaccedilatildeo do pensamento dos atores de determinado periacuteodo
(CHARTIER 1990) O jornalismo como instrumento de convencimento poliacutetico
caracteriza a imprensa brasileira na primeira metade do seacuteculo XIX e continua
assim mesmo que de forma mais branda no segundo reinado (ROMANCINI 2007)
Eacute desta forma que caracterizaremos inicialmente o texto das cartas de Erasmo
Joseacute Murilo de Carvalho (2007) sustenta que a despeito da tradiccedilatildeo familiar tendo
sido seu pai um importante poliacutetico representante do partido Liberal as ideias de
Alencar tendiam mais para a proposta conservadora Mas como jaacute comentamos
tais diferenccedilas ndash apesar de existirem ndash eram tatildeo somente maneiras de se posicionar
frente a um mesmo sistema de dominaccedilatildeo o que nos faz crer que exista uma
postura liberalconservadora como modelo para a manutenccedilatildeo do poder a ser
construiacutedo pelas elites e nesse momento tambeacutem atraveacutes de alguns setores da
imprensa Eacute o que buscaremos aqui atraveacutes de uma anaacutelise criacutetica do texto
tentando formular hipoacuteteses em seu curso e deduccedilotildees a partir dos dados obtidos
Cabe lembrar que as cartas de Erasmo satildeo publicadas no periacuteodo entre 17 de
novembro de 1865 e 15 de marccedilo de 1868 portanto antes de Alencar assumir o
ministeacuterio da Justiccedila Talvez a leitura das cartas tenha influenciado a opiniatildeo de
Itaboraiacute na ocasiatildeo do convite de Alencar para compor o ministeacuterio e mesmo na
decisatildeo de D Pedro II para o aceite do ministro Aqui surge uma questatildeo Sustenta-
se que uma das razotildees de D Pedro natildeo ter escolhido Alencar para ser ldquopremiadordquo
com uma cadeira no senado se daria em funccedilatildeo de seu temperamento impulsivo
Que o imperador natildeo podia ldquoconfiarrdquo no Alencar por natildeo saber que tipo de ideais
poderiam sair daquela cabeccedila em dias de arroubo - eacute o que consideram Schwarcz
(1999) e Menezes (1965) Acreditamos tendo por base a pesquisa que D Pedro II
jaacute teria reconhecido no Alencar uma possibilidade para a cooptaccedilatildeo do intelectual haacute
muito tempo E seu ideal conservador e monarquista eacute determinante O imperador
conhecia o Alencar estudou suas accedilotildees por meio das cartas conhecia seus
romances e assistiu aos espetaacuteculos de teatro que o artista criara A ideia de uma
sociedade liberal assentadas na base escravista vinha a calhar com o pensamento
necessaacuterio para a manutenccedilatildeo do Estado no periacuteodo Dom Pedro II era - de certa
forma segundo sustenta Menezes - um seu ldquofatilderdquo E quando do aceite de seu nome
para o ministeacuterio da justiccedila o imperador sabia muito bem onde pisava
As cartas nos mostram a situaccedilatildeo poliacutetica do paiacutes a escravidatildeo e a opiniatildeo de
Alencar sobre como deveria funcionar uma monarquia representativa Um ponto
importante a ser levado em conta eacute o diacronismo caracteriacutestico da seacuterie Sua
publicaccedilatildeo semanal com respeitaacutevel regularidade entre 1965 e 1968 permite a
Alencar uma visatildeo do cotidiano da Corte e suas transformaccedilotildees inclusive as
respostas (muitas vezes diretas de interlocutores que se apresentavam em outras
veiacuteculos ou mesmo na cacircmara) agraves suas criacuteticas o que conduzia a reavaliaccedilotildees eou
reafirmaccedilotildees de posiccedilatildeo do missivista sempre para um proacuteximo nuacutemero
Admitindo que uma sociedade da corte como lembra Chartier (1990) citando um
estudo de Norbert Elias eacute uma formaccedilatildeo social caracterizada por um estatuto de
dependecircncia das relaccedilotildees sociais existentes entre os sujeitos esta constitui
portanto uma forma particular de sociedade onde a Corte desempenha um papel
central que se caracteriza por um conjunto especiacutefico de relaccedilotildees de poder nesse
dado momento Natildeo somente a Corte brasileira no segundo reinado mas a
sociedade caracterizada (construiacuteda pode-se dizer) na e pela Corte como um
modelo para o restante do paiacutes criar um modelo (ou um conceito) na Corte seria
uma forma de agenciamento de tais modelos para os grupos perifeacutericos
Eacute preciso esclarecer por fim que o conteuacutedo das cartas natildeo eacute novo como natildeo eacute
nova sua apresentaccedilatildeo e estudo feitos por comentaristas de renome como por
exemplo os citados Raimundo Menezes e Joseacute Murilo de Carvalho O que se
propotildee aqui eacute buscar nas indicaccedilotildees nas proposiccedilotildees enfim nos iacutendices deixados
no texto uma visatildeo mais abrangente que as caracteriacutesticas de Joseacute de Alencar ndash
com seu estilo marcante ndash propotildeem na escritura - o que trataremos aqui como
documento Vale a ressalva de que as ldquocartas poliacuteticasrdquo natildeo a satildeo a primeira
experiecircncia de Alencar no gecircnero A polecircmica sobre a ldquoConfederaccedilatildeo dos Tamoiosrdquo
com Gonccedilalves de Magalhatildees (e com o grupo que o apoiava) lhe garante uma
experiecircncia soacutelida no debate aberto Cabe tambeacutem enquanto delimitaccedilatildeo do objeto
a caracterizaccedilatildeo dos leitores Alencar escreve para as elites (natildeo que soacute membros
da elite carioca tivessem acesso aos textos tambeacutem funcionaacuterios puacuteblicos diversos
pequenos comerciantes profissionais liberais mesmo um puacuteblico leigo que se
interessava pelo cotidiano poliacutetico do Rio de Janeiro ndash como o demonstramos em
toacutepico anterior - e que deveria ser consideraacutevel visto a quantidade de pequenos
jornais e folhetos impressos para a divulgaccedilatildeo de ideias de poliacuteticos e partidos Mas
estes natildeo eram entatildeo seu principal alvo) tendo a imprensa ndash a miacutedia impressa visto
que a impressatildeo do texto foi feita em folhetins ndash como veiacuteculo que o permitiria levar
suas ideias a um grupo maior detentor de uma opiniatildeo que pode ser mobilizadora
ou mobilizada aqui temos clara a afirmativa de Chartier (1990) que sustenta que a
proacutepria cultura da elite eacute constituiacuteda em grande parte por um trabalho operado em
material que lhe seja proacuteprio que por esta eacute reconhecido Sendo assim sobre tais
elites definimo-las com o apoio de Boacutebbio
() uma minoria que por vaacuterias formas eacute detentora do poder em contraposiccedilatildeo a uma maioria que dele estaacute privada () Em todas as sociedades a comeccedilar por aquelas mais mediocremente desenvolvidas e que satildeo apenas chegadas aos primoacuterdios da civilizaccedilatildeo ateacute as mais cultas e fortes existem duas classes de pessoas a dos governantes e a dos governados A primeira que eacute sempre a menos numerosa cumpre todas as funccedilotildees puacuteblicas monopoliza o poder e goza as vantagens que a ela estatildeo anexas enquanto que a segunda mais numerosa eacute dirigida e regulada pela primeira de modo mais ou menos legal ou de modo mais ou menos arbitraacuterio e violento fornecendo a ela ao menos aparentemente os meios materiais de subsistecircncia e os que satildeo necessaacuterios agrave vitalidade do organismo poliacutetico (BOBBIO1998 p385)
Alencar tinha conhecimento do alcance das cartas Mas o seu destinataacuterio o ldquoleitorrdquo
referencial eacute o imperador D Pedro II A figura do homem bom protetor dos
inocentes iacutentegro e saacutebio mecenas das artes amigo dos intelectuais e tudo o mais
que ficou caracterizado para a posteridade jaacute estava constituiacutedo no periacuteodo o
homem que por tudo se interessava mas natildeo se interessava pelo Brasil
(CARVALHO 2007) E a criacutetica a uma atitude passiva do imperador frente aos
problemas da poliacutetica da administraccedilatildeo puacuteblica ao seu papel constitucional de
mediador de contendas de apaziguador de disputas de fiel da balanccedila eacute o mote
para o conjunto de cartas a que se entrega mui respeitosamente o Alencar
331 AO IMPERADOR (ALENCAR 2009 p09-113)
Na primeira carta endereccedilada ao Imperador um tratamento respeitoso eacute justo e
necessaacuterio Alencar se dirige a D Pedro II como ldquoSenhorrdquo e anuncia-se logo na
primeira linha por um anunciador da verdade Escreve ldquoA verdade filha do ceacuteu
como a luz natildeo se apagardquo (ALENCAR 2009 p09) que natildeo eacute uma ldquofigura de estilordquo
que sugere a referecircncia inicial Alencar se apresenta como portador desta verdade
encarnada que passaraacute a analisar os problemas da sociedade Continua entatildeo
marcando seu territoacuterio entre os grandes quando diz que ldquoagraves vezes eacute um historiado
como Taacutecito ou um poeta como Juvenal outras eacute Demoacutestenes o orador ou
Secircneca o filoacutesofordquo (ALENCAR 2009 p09) E estre eles o nosso autor Alencar
apresenta-se como figura conhecedora do pensamento claacutessico colocando-se como
argumentador que se basearaacute nos princiacutepios do Direito e conhecedor dos princiacutepios
de ciecircncia poliacutetica para sua anaacutelise Apresenta-se como uma autoridade elevando o
debate natildeo a uma reclamaccedilatildeo pessoal sobre o governo mas a condiccedilatildeo de um
criacutetico consciente do sistema de governo que estaacute posto
A posiccedilatildeo de Alencar eacute de apoio agrave monarquia As primeiras cartas satildeo um apelo ao
imperador para que intervenha no executivo e no legislativo para tirar o paiacutes do
momento de crise poliacutetica social e econocircmica que o teriam levado o Partido Liberal
e a poliacutetica de conciliaccedilatildeo Segundo Alencar haacute uma distinccedilatildeo entre as tarefas do
Imperador como titular do Poder Moderador e como chefe do Executivo Cita
Montesquieu em O espiacuterito das Leis em uma passagem que fala da falta de
participaccedilatildeo popular na poliacutetica mas apenas para lembrar ao imperador a teoria da
separaccedilatildeo e independecircncia dos poderes Natildeo chega a citar os argumentos deste
autor contra a escravidatildeo
Defende Alencar que o poder moderador seria um mediador entre a constituiccedilatildeo e o
povo Eacute possiacutevel pensar na accedilatildeo do Poder Moderador como algo que permitia
conquanto suas interferecircncias uma modificaccedilatildeo nas formaccedilatildeo das facccedilotildees das
elites no poder permitindo uma alternacircncia de grupos e partidos (CARVALHO
2007) mas tambeacutem como Alencar aprovava e propotildee na carta o poder moderador
como um instrumento de ldquotomada do poderrdquo pelo monarca com o consentimento do
povo Cabe lembrar que fato parecido ocorre com D Pedro I com a destituiccedilatildeo da
Assembleia Constituinte em 1823 e a outorga de uma nova Constituiccedilatildeo Chega
mesmo a afirmar em um trecho a caracteriacutestica liberal da constituiccedilatildeo quando diz
que ldquoo primeiro reinado em oito anos legou-nos a constituiccedilatildeo belo padratildeo de
sabedoria e liberalismordquo (ALENCAR 2009 p19) esquecendo-se de citar o anterior
fechamento da Assembleia constituinte
Alencar escreve sobre o momento de singular impopularidade pelo qual passa D
Pedro II satirizado ldquopelos teatros e praccedilas a vozeria da gente leviana que entre
hinos e flores vos sauacuteda como o heroacutei da Uruguaiana34rdquo (ALENCAR 2009 p12)
devido agrave longevidade que alcanccedila a guerra e proclama-se um seu defensor frente
aos acontecimentos poliacuteticos que este segundo Alencar ldquodesconhecerdquo E iraacute tornar
puacuteblica ldquoa verdade inteira a respeito do paiacutes sobre os homens como sobre as
coisas ()rdquo (ALENCAR 2009 p14) A culpa na opiniatildeo de Erasmo natildeo seria de D
Pedro II mas da administraccedilatildeo Eacute certo que os gastos com a guerra atrapalham ou
impossibilitam uma seacuterie de investimentos necessaacuterios para o desenvolvimento do
Brasil As despesas provenientes do conflito foram enormes ldquo614 mil contos de
reacuteis onze vezes o orccedilamento governamental para o ano de 1864 criando um
deacuteficit que persistiu ateacute 1889rdquo (SCHWARCZ 1999 p459)
Alencar termina a primeira carta citando Salomatildeo ldquoMisericordia et veritas custodiunt
regem35rdquo (ALENCAR 2009 p15) Apelando para a honra e seguindo a citaccedilatildeo para
34 D Pedro II assistiu a rendiccedilatildeo dos paraguaios no chamado ldquocerco de Uruguaianardquo
35 A misericoacuterdia e a verdade protegem o rei
a sabedoria de D Pedro II justifica a intervenccedilatildeo que este deveria fazer e garante
que o povo lhe veria novamente como um restaurador (palavra cara ao Alencar) da
normalidade Para tanto desenha um ldquopanteatildeordquo poliacutetico ideal da restauraccedilatildeo
proclamando-os defensores da honestidade e da honra Satildeo citados ldquoos Feijoacutes
Vergueiros Andradas Paulas Souzas Limpos Torres e Paulinos36rdquo (ALENCAR
2009 p17) Jaacute na primeira carta podemos observar a predominacircncia da pregaccedilatildeo
de uma sociedade conservadora monarquista aristocraacutetica onde o imperador
ldquogoverna e administrardquo e precisa mostrar que tem tal poder concordando assim com
a tendecircncia do liberalismo moderado que defende que a sociedade soacute poderaacute viver
em paz com um poder forte e centralizado (BOSI 2013) Alencar chega a criticar a
liberdade de imprensa em sua narraccedilatildeo algo que chega a ser discutiacutevel na posiccedilatildeo
de algueacutem que edita um panfleto poliacutetico
A crise na governanccedila proclamada pelo panfletista pode ser entendida de modo
diverso O discurso de Alencar eacute ideoloacutegico no sentido de tentar fazer com que as
transformaccedilotildees histoacutericas sejam negadas e entendidas como uma crise no sistema
O momento (o surgimento digamos) da sociedade ideal eacute dado pela fixaccedilatildeo dos
ldquomaacutertiresrdquo a que Alencar se refere ndash indicando a clara presenccedila de uma aristocracia -
e qualquer mudanccedila neste modelo ideal eacute determinada como uma crise Numa
leitura da teoria de Gramsci por Chauiacute essa construccedilatildeo eacute tida como uma
representaccedilatildeo e uma ideologia ldquoA ideologia eacute um discurso que se desenvolve sob o
modo da afirmaccedilatildeo da determinaccedilatildeo da generalizaccedilatildeo () trazendo a garantia da
existecircncia de uma ordem atual ou virtualrdquo (CHAUI 1997 p33) Quando essa
ordem necessaacuteria ao discurso eacute contestada temos uma crise
A crise eacute imaginada entatildeo como um movimento de irracionalidade que invade a racionalidade gera desordem e caos e precisa ser conjurada para que a racionalidade anterior ou outra nova seja restaurada A noccedilatildeo de crise permite representar a sociedade como invadida por contradiccedilotildees e simultaneamente toma-las como um acidente um desarranjo pois a harmonia eacute pressuposta como sendo de direito reduzindo a crise a uma desordem fatual provocada por enganos voluntaacuterios ou involuntaacuterios dos agentes sociais ou por mau funcionamento de certas partes do todo A crise serve assim para opor uma ordem ideal a uma desordem real () (CHAUI
36 Diogo Antocircnio Feijoacute Nicolau Pereira de Campos Vergueiro Joseacute Bonifaacutecio de Andrada e Silva
Francisco de Paula Souza e Melo Antocircnio Paulino Limpo de Abreu Joaquim Joseacute Rodrigues
Torres e Paulino Joseacute Soares de Souza
1997 p37)
O discurso de Alencar sugere o momento ideal no qual os indiviacuteduos devem se
remeter para aceitar as instituiccedilotildees puacuteblicas a vida e as relaccedilotildees de poder que os
conduzem Um discurso que partindo do social se torna poliacutetico e degenerando-se
dominador
Tornando ao texto na segunda carta Alencar critica a relaccedilatildeo dos ministros com
seus representantes nas proviacutencias ndash delegados ndash os quais acusa de abuso de
poder Repete-se aqui nada mais que o sistema estamental de que nos fala
Raimundo Faoro em que o poder se apresenta na figura do funcionaacuterio do governo
como o governo Natildeo um representante do Rei mas se tornando um rei local em
miniatura (FAORO 2004) Alencar chama particular atenccedilatildeo para as financcedilas que
nomeia como ldquoforccedilas musculares da naccedilatildeordquo (ALENCAR 2009 p24) Alude aos
gastos com armamentos supeacuterfluos (no caso armamentos jaacute sem valor para uso)
destinados a uma raacutepida deterioraccedilatildeo e as dificuldades tambeacutem em consequecircncia
da guerra de conseguir alguma credibilidade financeira das naccedilotildees europeias o que
afetaria ndash e oneraria ndash as importaccedilotildees de maneira geral e tambeacutem as negociaccedilotildees
dos empreacutestimos contraiacutedos no exterior que datavam da eacutepoca de D Pedro I
referentes ao reconhecimento do Brasil como independente e a indenizaccedilatildeo de
Portugal Reconhece que a alta no preccedilo do algodatildeo e a receita gerada natildeo chegam
para sustentar tantas e tatildeo altas despesas visto que as boas safras natildeo satildeo
constantes e a paz conseguida nos Estados Unidos acabaria por determinar uma
queda de preccedilos Esclarece ainda sobre uma crise nas duas maiores fontes de
renda do Estado o comeacutercio ldquojungido a uma liquidaccedilatildeo forccedilada que principiou em
10 de setembro de 1864 e terminaraacute ningueacutem sabe quandordquo (ALENCAR 2009 p25)
e a agricultura ldquoameaccedilada pela questatildeo magna da emancipaccedilatildeo que avanccedila a
grandes passos e estremece ateacute o intimo a sociedaderdquo (ALENCAR 2009 p 25)
O missivista acha por bem terminar a segunda carta com um leve ldquosolavancordquo no
imperador conclamando-o agrave luta em dois paraacutegrafos exemplares
Quando um povo livre abdica o pleno exerciacutecio da soberania eacute dever imperioso do monarca seu primeiro representante assumir essa grande massa inerte de poder para evitar que ela seja dissipada por um grupo de ambiciosos vulgares
Ache ao menos a liberdade que desertou a alma sucumbida da paacutetria um abrigo agrave sombra do manto imperial para que natildeo morra conspurcada nos tripuacutedios da anarquia (ALENCAR 2009 p 26)
Faltava que D Pedro II tomasse as reacutedeas da situaccedilatildeo Alencar entende que essa
sociedade constitucionalista eacute responsabilizada pela maacute administraccedilatildeo visto que os
governantes tambeacutem fazem parte do contrato e devem dar conta de suas accedilotildees sob
pena de serem substituiacutedos Afirma novamente o Alencar que o povo apoiaria o
Imperador em sua accedilatildeo e esperava mesmo por isso Alencar alude mais uma vez
a uma velha foacutermula conservadora de que o imperador reina governa e administra
(Carvalho 2007)
O missivista eacute duro na criacutetica com o periacuteodo chamado conciliaccedilatildeo Uma ldquocorrupccedilatildeo
geral dos partidos () dissoluccedilatildeo dos princiacutepiosrdquo (ALENCAR 2009 p30) da proacutepria
existecircncia da democracia Classificando conciliaccedilatildeo como um termo honesto e
decente para qualificar ldquoa prostituiccedilatildeo poliacutetica de uma eacutepocardquo (ALENCAR 2009
p30) Alencar enxergava aleacutem de sua criacutetica uma dificuldade criada pela
conciliaccedilatildeo para a eleiccedilatildeo de novos quadros para a Cacircmara e consequentemente
os ldquoarranjosrdquo eleitorais para o Senado cargo a que ele pretenderia poucos anos
depois (sua situaccedilatildeo como bacharel lhe garantiu ateacute o momento um emprego como
jornalista e uma mesa em um escritoacuterio de advocacia)
Os partidos segundo ele seriam a miliacutecia da naccedilatildeo entende ele que o povo deve
participar e fiscalizar o legislativo satildeo eles que garantem a existecircncia e a preservam
instituiccedilotildees da monarquia e do povo Em outro momento ao se referir novamente
agraves coalizotildees que se seguem ano apoacutes ano no parlamento questiona com espanto
como pode ser que ldquocidadatildeos individualmente probos e cordatos se consolidam
assim com a escoacuteria em uma liga monstruosa que humilha a cada um no recesso
da consciecircnciardquo (ALENCAR 2009 p36) A criacutetica de Alencar mostra menos sua
preocupaccedilatildeo com a democracia sustentada pelas ideias de partidos diversos em
uma luta pelo poder princiacutepio baacutesico do liberalismo que a preocupaccedilatildeo com a
homogeneizaccedilatildeo das ideias que pode dar mais espaccedilo para grupos diversos
alcanccedilarem cargos na administraccedilatildeo puacuteblica
Segundo Carvalho (2007) a liga natildeo foi propriamente um partido mas uma
orientaccedilatildeo poliacutetica e Alencar a considerava como um ldquomomentordquo da conciliaccedilatildeo
Nada mudaria afinal As eleiccedilotildees continuariam a serem compradas com as
ldquoceacutedulas pagas agrave vista ou descontadas com promessas de pingues empregos e
depreciadas condecoraccedilotildeesrdquo (ALENCAR 2009 p37) O circo estava posto os
comiacutecios apresentados como espetaacuteculos nos teatros puacuteblicos a imprensa tatildeo
ldquobem desenhada nesta grande capital que mata as folhas poliacuteticas e soacute fomenta as
gazetas industriaisrdquo37 (ALENCAR 2009 p37)
Termina a carta de 03 de dezembro desiludido mas natildeo sem lanccedilar seu bilhete da
sorte
O povo inerte os partidos extintos o parlamento decaiacutedo Restam eacute verdade alguns cidadatildeos eminentes abrigados na tribuna vitaliacutecia como as reliacutequias do senado romano esperam tranquilos em suas curules o momento de morrer com a liberdade que amaram (ALENCAR 2009 p37)
O Senado eacute visto aqui como a instituiccedilatildeo merecedora de creacutedito dentro de tudo o
mais que foi criticado Mas seraacute que os olhos do missivista natildeo procuravam jaacute por
uma cadeira naquela casa
A carta datada de 09 de dezembro inicia derramando louros sobre a cabeccedila de D
Pedro II Alencar chega a chama-lo pelo epiacuteteto de Rei sol logo depois se corrigindo
(se eacute que isso seja possiacutevel) e tratando de conduzir a luz do imperador do Brasil
para longe da referecircncia de Luiz XIV ndash seria ele ldquoo foco brilhante que rege todo um
sistema e dardeja luz e calor para a naccedilatildeordquo (ALENCAR 2009 p39) O foco
realmente estaacute em criacuteticas puacuteblicas de que haja certa interferecircncia do imperador na
37 Alencar sabe que o leitor de poliacutetica busca os folhetos e pasquins comuns no periacuteodo O leitor de
jornais regulares busca outros atrativos Ele mesmo aumentou a venda da ldquoGazeta do Rio de
Janeirordquo enquanto seu soacutecio e editor com a publicaccedilatildeo de um romance de folhetim O Guarani
administraccedilatildeo (na maacute administraccedilatildeo) o que Alencar chama de modo de governo
pessoal responsabilizando o imperador pelos atos dos ministros apesar da
responsabilizaccedilatildeo expressa pela doutrina liberal de que o governante estaacute laacute para
exercer a soberania dada a ele pelo povo Cabe lembrar que pela constituiccedilatildeo do
Impeacuterio o Imperador natildeo poderia ser responsabilizado por suas accedilotildees A referecircncia
ao Rei Sol se daacute neste sentido pois a constituiccedilatildeo brasileira de 1824 no seu artigo
99 diz claramente que a pessoa do Imperador eacute sagrada e inviolaacutevel38 Ele natildeo estaacute
sujeito a responsabilidade alguma Eacute enquanto do exerciacutecio do Poder Moderador
que adviriam as responsabilidades Por vezes temos a impressatildeo de que Alencar
exagera sua veia romacircntica como uma forma pessoal de provocaccedilatildeo No momento
defende a postura de D Pedro
Minha convicccedilatildeo vai muito aleacutem Natildeo somente nenhuma influecircncia direta exerceis no governo mas vosso escruacutepulo chega ao ponto de frequentes vezes concentrar aquele reflexo que uma inteligecircncia satilde e robusta como a vossa deve derramar sobre a administraccedilatildeo (ALENCAR 2009 p 39)
Depois de alguns anos jaacute como Ministro Alencar se arrependeraacute dessas palavras
enquanto observa os muitos ldquobilhetinhosrdquo de D Pedro sobre sua mesa indagando e
bisbilhotando na pasta da Justiccedila Mas a verdade eacute que Alencar eacute um dos
defensores da responsabilizaccedilatildeo do monarca por seus atos recaindo esta (sendo
dividida) tambeacutem sobre o ministeacuterio O que determinaria o poder moderador como
limitado longe do despotismo de Luiz XIV Como um bom conservador Alencar eacute
dogmaacutetico e pessimista quanto as mudanccedilas que poderiam acontecer se o
Imperador natildeo se impusesse
Em um segundo momento compara D Pedro II a Jorge III da Inglaterra pela
inflexibilidade do caraacuteter e poder39 cita o episoacutedio em que depois de muitas
tentativas consegue sucesso com um ministeacuterio em que liberais e conservadores
trabalhassem juntos ldquona ceacutelebre coalizatildeo de North Fox Cavendish Keppel Burke e
outrosrdquo (ALENCAR 2009 p41) Mas laacute sustenta formaram-se ldquopartidos vigorosos
38
Conforme a CONSTITUICAtildeO POLIacuteTICA DO IMPERIO DO BRAZIL (DE 25 DE MARCcedilO DE 1824)
Disponiacutevel por exemplo em wwwplanaltogovbrccivil_03constituiccedilatildeo24htm 39 Jorge III foi cognominado ldquoo loucordquo por apresentar problemas de sanidade mental durante seu
reinado
que agrave inflexibilidade da coroa opunham a firmeza e rigidez de seus princiacutepiosrdquo No
Brasil ndash segundo Alencar - o parlamento estaacute entregue a homens preocupados com
seu poder e capacidade de enriquecimento esquecendo-se do povo e mesmo da
eacutetica que os deveria conduzir
Nesta carta volta a criticar as coalisotildees que se operam nas casas poliacuteticas inclusive
no conselho de Estado aonde chega a sugerir que estes (os conselheiros) estejam
em busca por ldquoapenas uma aliagem [sic] de individualidades na esperanccedila de
engrandecimento pessoalrdquo (ALENCAR 2009 p42) Critica tambeacutem a instituiccedilatildeo dos
Voluntaacuterios da Paacutetria acreditando ser uma forma de fragmentar a hierarquia dentro
do exeacutercito sugerindo algo feito a revelia de D Pedro II e a que este se aliaria
depois para agradar ao grupo
Apreciais devidamente o exeacutercito que ama com entusiasmo seu monarca e zeloso protetor Natildeo era possiacutevel que cogitaacutesseis um meio de desgostaacute-lo profundamente estabelecendo preferecircncias a favor de bisonhos soldados com pretericcedilatildeo de bravos veteranos cheios de serviccedilos e jaacute traquejadas pela vitoacuteria (ALENCAR 2009 p 43)
O imperador foi para Uruguaiana como o primeiro voluntaacuterio da paacutetria em um
exemplo de patriotismo e espiacuterito de lideranccedila e tentando tambeacutem criar um estado
de acircnimo geral no oficialato Aqui ainda natildeo estaacute o Alencar a se referir ao
recrutamento forccedilado de homens pelos presidentes das proviacutencias que viria mesmo
a criticar enquanto ministro como uma violaccedilatildeo da liberdade E por falar em
ministros a incompetecircncia destes ndash chamados por ele de ldquoefecircmerosrdquo - eacute ponto
paciacutefico Em sua criacutetica tambeacutem natildeo deixa de alfinetar o imperador garantindo que
os ministros fraacutegeis que satildeo ldquonatildeo ousariam tanto sem a certeza do apoio da coroardquo
(ALENCAR 2009 p42) Acusaccedilotildees de corrupccedilatildeo preenchem as vaacuterias paacuteginas das
cartas e indicam senatildeo cumplicidade ao menos consciecircncia do imperador sobre tal
situaccedilatildeo Alencar encena uma defesa mas ao mesmo tempo critica a praacutetica da
(podemos chamar) natildeo-interferecircncia no executivo por parte do Imperador Ao fim
qualquer atitude da coroa de accedilatildeo ou omissatildeo eacute objeto para o jogo de poder que se
daacute no parlamento
Em certo ponto da carta faz uma alusatildeo a Caxias chamado para o comando de
tropas no Rio da Prata A figura de Caxias - da parte que interessava ao Alencar -
era um poliacutetico respeitado vinculado ao partido conservador Surgindo como um
salvador da paacutetria exigia atenccedilatildeo do ministeacuterio e do Imperador No episoacutedio do
desentendimento com Zacarias de Goacuteis em 1868 entatildeo presidente do gabinete o
primeiro sairia vencedor mas sua vitoacuteria mudaria em muito os rumos da poliacutetica
nacional Mas por agora o ocircnus de um desenvolvimento deficiente das tropas na
guerra recaiacutea sobre o imperador Esta era a fala de Alencar e segundo ele ldquoesta eacute a
verdaderdquo (ALENCAR 2009 p47)
Na quita carta Alencar toma as figuras de Maquiavel e de Dacircmocles - uma
personagem da mitologia grega a quem se atribui uma faacutebula sobre a precariedade
do poder Nota-se ateacute aqui a facilidade com que Alencar se refere a mitologias
diversas indicando que o texto se dirige a um puacuteblico seleto No impeacuterio era uma
praacutetica a menccedilatildeo a mitologia greco-romana e a figuras biacuteblicas como forma de
demonstrar o domiacutenio de uma cultura letrada (o que eacute particularmente importante
para o Alencar que segundo Neto (2006) era visto com certo preconceito por ter se
formado em uma faculdade de Satildeo Paulo e natildeo na Europa como os membros mais
antigos do parlamento) A referecircncia a Maquiavel novamente serve para lembrar a
D Pedro II que o fim justifica meios e se omitir natildeo eacute a melhor atitude Ainda que
tratado em ldquocarta abertardquo a alusatildeo constante a capacidade intelectual do imperador
funciona como um indicativo (velado) da distacircncia cultural que o separa do povo
Natildeo soacute ele mas praticamente a totalidade da burocracia
A liberdade com que o texto constroacutei o periacuteodo criticando-o natildeo seria encontrada
(tampouco permitida) novamente tatildeo cedo Na repuacuteblica no Estado Novo e mesmo
em periacuteodos bem mais proacuteximos de noacutes a liberdade de imprensa natildeo seria algo
possiacutevel Um trecho da carta apresenta uma criacutetica agrave postura dos jornais sobre a
esquiva poliacutetica do imperador por ser tratado sem o devido respeito No Brasil do
segundo reinado o povo detinha a informaccedilatildeo ndash apresentada pelos veiacuteculos de
comunicaccedilatildeo - mas natildeo conseguia entende-la ou efetiva-la dada sua falta de
instruccedilatildeo O povo tambeacutem neste sentido vive agrave margem das discussotildees poliacuteticas
natildeo podendo entrar em suas aacuteguas tumultuadas Ou em suas margens natildeo se
preocupa com problemas abstratos mas com a realidade que observa no cotidiano
No trecho
Na parte natildeo editorial satildeo frequentes os artigos pagos com endereccedilo a vossa augusta pessoa Conteacutem eles queixas de indiviacuteduos de todas as classes sobre minudecircncias do expediente de empregados subalternos Apelam os suacuteditos para vossa autoridade agrave qual parecem ter devolvido
toda confianccedila e todo poder (ALENCAR 2009 p 53)
Nota-se aqui a preocupaccedilatildeo com o favor real O favorecimento individual O suacutedito e
D Pedro II deixava isto de certa forma impliacutecito poderia procurar o Imperador como
a um balcatildeo de queixas sobre as instituiccedilotildees puacuteblicas Alencar sabia que o povo
estava com D Pedro ldquoEste povo apaacutetico e indiferente agraves mais nobres funccedilotildees da
soberania ainda sente por vossa pessoa sinceros transportes () [sente no
imperador] o estandarte capaz de nestes tempos inertes levantar entusiasmos em
prol de uma causardquo (ALENCAR 2009 p50) quando da partida para Uruguaiana
alude a populaccedilatildeo que ldquo se aglomerou em vossa passagem agrave hora da despedida e
da voltardquo (ALENCAR 2009 p52) Mas o povo pouco importa para a elite Aqui o
povo ainda eacute visto como uma massa ignorante sendo mais uma questatildeo de poliacutecia
do que de poliacutetica Talvez este seja o sentido da frase em que se refere agraves elites
localizadas ldquonas camadas superiores da sociedade onde a luz penetra mais clarardquo
(ALENCAR 2009 p54) Se D Pedro II natildeo tiver uma atitude eneacutergica frente aos
acontecimentos e sobre a corrupccedilatildeo que assola o periacuteodo ndash utilizando-se do Poder
Moderador o que a constituiccedilatildeo permitia ndash seraacute responsabilizado no tempo Alencar
ainda profetiza ldquoA naccedilatildeo vos ama mas a histoacuteria vos julgaraacute com severidaderdquo
(ALENCAR 2009 p56) E continua em tom provocador aproveitando o momento
da guerra como mote para o discurso afirmando que ldquoo trono que a naccedilatildeo vos
confiou eacute um posto de honra Deveis a Deus e ao povo sua guarda severa Natildeo
podeis esquivar-vos a ela sob pena de deserccedilatildeordquo (ALENCAR 2009 p58)
Novamente Alencar afirma concordando com Hobbes a relaccedilatildeo da soberania que
eacute dada pelo povo ao soberano e dele espera um rumo para a sociedade
Para a sexta carta Alencar prefere iniciar em um tom mais ameno novamente
aludindo a ilustraccedilatildeo do imperador em contraposiccedilatildeo com a ldquoatoniardquo do povo O
problema continua no combate eacute ldquoa depravaccedilatildeo do organismo poliacutetico de que
resultou o amortecimento das crenccedilas a extinccedilatildeo dos partidos e a corrupccedilatildeo
espantosardquo (ALENCAR 2009 p59) que estaacute por toda a parte Qual seria questiona
agrave D Pedro II a causa do mal que assola o paiacutes A resposta que propotildee eacute a da falta
de educaccedilatildeo poliacutetica Nesse momento Alencar faz uma breve exposiccedilatildeo sobre a
monarquia parlamentar e o regime republicano e suas relaccedilotildees enquanto
representaccedilotildees do povo justificando que o povo brasileiro ldquoeste povo nobre e digno
das instituiccedilotildees que o regem este povo precoce para a liberdade pois ainda na
infacircncia colonial jaacute se eletrizava com ela natildeo foi educado como merecia para a
monarquia representativardquo (ALENCAR 2009 p61) Alencar tenta amalgamar as
propostas de educaccedilatildeo para o povo com o persistente discurso da tutela do povo
que caracteriza um traccedilo fortemente conservador Eacute o mesmo discurso que Alencar
propotildee para a manutenccedilatildeo da escravidatildeo de que o sistema escravagista teria a
funccedilatildeo de educar o escravo para o conviacutevio social Aqui preferimos acreditar que se
trata de uma estrateacutegia discursiva Este ldquopovordquo de quem fala parece ser o descrito no
paraacutegrafo seguinte
Em 1821 a independecircncia se fez no entusiasmo da liberdade O Brasil conquistou simultaneamente o governo dos brasileiros pelos brasileiros e o governo do povo pelo povo
Desde 1808 com a vinda do rei e a invasatildeo de Portugal a emigraccedilatildeo da metroacutepole para a colocircnia fora muito crescida havia pois ao lado da populaccedilatildeo nata uma populaccedilatildeo adventiacutecia mas jaacute ligada agrave outra por identidade de liacutengua laccedilos de sangue e relaccedilotildees domeacutesticas (ALENCAR 2009 p 62)
O povo eacute o modelo civilizacional trazido de Portugal (modelo europeu) e no caso da
independecircncia as elites que a sustentaram Percebemos que Alencar acreditava na
diferenccedila jaacute demonstrada anteriormente entre povo e plebe (BASILE 2006) A
imprensa segundo ele tenta trabalhar essa educaccedilatildeo poliacutetica para o povo
notadamente com ideias liberais Haacute de se considerar para o periacuteodo jaacute uma
geraccedilatildeo como o Alencar de poliacuteticos formados no Brasil com influecircncia de ideias
liberais A homogeneidade garantida pelo estudo em Coimbra havia sido deixada
nos tempos da colocircnia e os laccedilos entre os indiviacuteduos de proviacutencias diferentes que se
juntavam nas faculdades criadas no Brasil tendiam a aumentar o que deixava de
caracterizar um estamento e passava a transferecircncia das decisotildees para os grupos
socializados de forma diversa nos nuacutecleos brasileiros ndash principalmente o Direito para
a formaccedilatildeo das novas elites da burocracia Este foi o elemento de formaccedilatildeo poliacutetica
para a elite brasileira baseado na educaccedilatildeo Mas o povo soacute tinha acesso aos jornais
e outras poucas miacutedias impressas
Ao mesmo tempo mas tambeacutem sustentando o intelectual como parte da elite
poliacutetica Alencar traccedila um perfil da aristocracia brasileira Esta seria
Composta em geral de duas classes de pessoas os abastados de inteligecircncia e escassos de cabedais e os ricos de haveres mas pobres de ilustraccedilatildeo raros bem raros satildeo os que tecircm a forccedila de se conservar em sua oacuterbita Aqueles urgidos pela seduccedilatildeo do luxo e mesmo pela necessidade buscam nos altos empregos puacuteblicos e elevadas posiccedilotildees uma renda ou as facilidades de alianccedilas e estabelecimentos avantajados Estes pruridos pela vaidade se oferecem aos desejos dos primeiros em compensaccedilatildeo de graccedilas e consideraccedilatildeo (ALENCAR 2009 p6465)
Alencar confirma a necessidade de que (alguns elementos) sua geraccedilatildeo de
ldquobachareacuteisrdquo precisem vincular-se ao governo atraveacutes de cargos na burocracia como
uma questatildeo de sobrevivecircncia e associar-se a alguns grupos econocircmicos ldquoem
compensaccedilatildeo de graccedilas e consideraccedilatildeordquo (ALENCAR 2009 p65) Alencar tambeacutem
eacute um deles o que desmente seu discurso sobre os bens de o que chama de uma
ldquoempregocraciardquo (ou a fundamenta) Os grupos se modificam os poliacuteticos podem
mudar mas a situaccedilatildeo permanece uma aristocracia que manipula o povo inerte
Sobre a imprensa esta se tornou ldquoum luxo entre noacutes as leis fiscais a fizeram tal O
povo eacute pobre e natildeo pode pagaacute-la Alguns perioacutedicos aparecem com sacrifiacutecios
enormes que vegetam em estreito ciacuterculo e afinal acabam inanidosrdquo (ALENCAR
2009 p67) Eacute bem verdade que os pequenos natildeo conseguem sobreviver e
() as folhas diaacuterias de grande formato e circulaccedilatildeo essas constituem o feudalismo da publicidade Suas colunas abertas agrave concorrecircncia mal chegam para os abastados a emissatildeo das ideias ali importa uma despesa natildeo soacute de inteligecircncia e estudo mas do grosso cabedal (ALENCAR 2009 p68)
Esta imprensa ldquoque tem suas raiacutezes como suas ramificaccedilotildees na aristocracia
burguesardquo (ALENCAR 2009 p67) natildeo iraacute atacar a aristocracia Antes a ela se une
Entendemos aqui que a mesma imprensa que serviria a educaccedilatildeo do povo (segundo
Alencar) estaacute vinculada a aristocracia Reafirmamos que o povo que a tanto se
refere Alencar satildeo aqueles que possuem a cidadania confirmada certo grau de
educaccedilatildeo e renda Natildeo o grosso da populaccedilatildeo As ideias liberais pregadas natildeo satildeo
possiacuteveis para todos os homens Termina afirmando que ldquoo uacutenico meio eficaz de
salvar o paiacutes senhor eacute uniatildeo firme dos homens de bem de que sois o chefe
legiacutetimo contra a imoralidaderdquo (ALENCAR 2009 p67) Para onde deveremos ir se
Alencar deixou aqui poucas opccedilotildees para descobrir quem satildeo afinal os chamados
homens de bem Seriam estes os ldquohomens bonsrdquo do municiacutepio no periacuteodo colonial
(FAORO 2004) em uma roupagem mais nobre
Na seacutetima carta Alencar propotildee um estudo sobre a estagnaccedilatildeo em que se encontra
o paiacutes e sustenta que tal estudo deva abranger ldquoa importante questatildeo do sistema
segundo o qual deve funcionar a coroa na monarquia representativardquo (ALENCAR
2009 p69) Isto sem mexer na legislaccedilatildeo Seus fundamentos se assentariam sobre
a praacutetica e experiecircncia (uma experiecircncia que o teoacuterico Alencar ainda natildeo tem)
Busca uma justificaccedilatildeo baseando-se na ldquoliccedilatildeo fecunda do povo mestre em ciecircncia
governamental inventor do sistema representativo e seu modelordquo (ALENCAR 2009
p70) que sendo o imperador constitucionalmente o chefe do poder executivo
exerce sua qualificaccedilatildeo ldquohonoriacuteficardquo por meio dos ministros Investido de majestade
eacute chefe tambeacutem do judiciaacuterio o que se sustenta pelo simples fato de que em todos
os tribunais as sentenccedilas satildeo expedidas em nome do imperador No executivo os
ministros trabalham como um corpo uacutenico e ldquopodem levar para o conselho vaacuterios e
encontrados alvitres a respeito de uma questatildeo importante Na discussatildeo os
argumentos satildeo desenvolvidos e ponderadas as objeccedilotildees Afinal () constroem
uma opiniatildeo meacutedia que natildeo sendo de nenhum ministro individualmente seja a do
ministeacuteriordquo (ALENCAR 2009 p71) A solidariedade eacute o princiacutepio de coesatildeo do
grupo
Em todo momento propiacutecio Alencar toma a Inglaterra como o princiacutepio exemplar
Natildeo por ser a naccedilatildeo mais poderosa e comercialmente mais proacutexima do Brasil nem
mesmo pelo modelo civilizacional que a burguesia brasileira do periacuteodo toma da
Inglaterra mas pela reduzida forccedila que o monarca tem frente ao parlamento que eacute a
tocircnica de Locke Rousseau e Mill Apesar das palavras elogiosas e galanteadoras do
missivista seu intuito eacute o de fazer ver a D Pedro II sua ldquoobrigaccedilatildeordquo de interferir no
sistema quando este estivesse falindo e reorganiza-lo para novamente deixa-lo
seguir sozinho Possibilidade que Alencar natildeo encontra tatildeo facilmente na Inglaterra
O que Erasmo quer afinal eacute a mudanccedila do grupo dirigente porquanto alude aos
atos do Imperador indicando uma postura eacutetica deste quanto ao uso do poder
Moderador Alencar tenta construir a ideia de que natildeo eacute o Imperador quem demite
um ministeacuterio mas ao curso de algum problema maior ldquoa dignidade de homens e
sinceridade de poliacuteticos exigem que incontinente deem e natildeo peccedilam sua demissatildeo
respeitosardquo (ALENCAR 2009 p73) em vista de que o poder lhes eacute delegado e o
Estado deve ter uma accedilatildeo menor em tal processo Eacute a soberania constituiacuteda na
figura do Imperador a consciecircncia ilustrada do povo Eacute para que ldquoo poder moderador
acompanhe de perto a trilha da administraccedilatildeo e observe seus rumos que ele foi
instituiacutedo chefe titular do executivordquo (ALENCAR 2009 p73) Alencar entende que o
poder emana do povo e o Estado deve funcionar antes como um organizador do
desenvolvimento da naccedilatildeo mais uma proposta liberal para a administraccedilatildeo do paiacutes
Para Alencar os dois partidos se alternavam nos gabinetes mas nenhum deles
consegue tempo bastante para realizar seus projetos Alternavam-se e quando no
poder veem-se ldquoesterilizados pela resistecircncia demasiada que encontravam na
moderaccedilatildeo e prudecircncia da coroardquo (ALENCAR 2009 p77) para a realizaccedilatildeo de
necessaacuterias mudanccedilas que pudessem criar um dinamismo na administraccedilatildeo puacuteblica
Um dinamismo que oferecesse uma maior liberdade de investimentos para o
desenvolvimento da naccedilatildeo Mas isso tambeacutem eacute culpa segundo ele da
desorganizaccedilatildeo ideoloacutegica dos partidos e de sua situaccedilatildeo de distanciamento das
bases populares (se eacute que houvesse) O monarca representa o poder nacional
situado acima do sistema que ldquoplaina sobre os outros meros poderes poliacuteticosrdquo
(ALENCAR 2009 p79) O termo poder nacional explica Alencar eacute usado para
designar ldquoa quase comunidade em que se acha com a naccedilatildeo Nele reside uma parte
da soberania popular que se isolou em princiacutepio e se consolidou nessa grande
individualidade a fim de resistir aos desvarios da opiniatildeordquo (ALENCAR 2009 p79)
Alencar falando das instituiccedilotildees lembra os liberais de 1834 que extinguiram o
conselho de Estado eliminando assim o elemento aristocraacutetico que se agarrava a
coroa Alencar sugere que ldquoos atos do poder moderador satildeo de exclusiva
competecircncia vossa [do Imperador] para exercecirc-los natildeo dependeis de agentes e
atualmente nem de conselhordquo (ALENCAR 2009 p81) Mas se observarmos bem
como nos mostra Carvalho (2009) o conselho de Estado apesar de natildeo muito
solicitado e de a despeito de tudo tratar de assuntos em sua maioria sem uma
significacircncia maior era um oacutergatildeo consultivo importante que garantiria uma visatildeo
realista de problemas praacuteticos a que o Imperador provavelmente natildeo tinha acesso
como na deposiccedilatildeo do ministeacuterio Zacarias de Goacuteis Ali o conselho foi olvido e
opinou apesar da decisatildeo final ser de D Pedro II este seguiu o voto dos
conselheiros Mesmo sendo a escolha para o cargo de conselheiro uma
competecircncia exclusiva da coroa e provavelmente D Pedro II natildeo viria a escolher
algueacutem de quem natildeo quisesse ouvir a opiniatildeo tendendo assim a formaccedilatildeo do
conselho para um formato que estivesse mais proacuteximo do temperamento do
imperador e de suas pretensotildees o proacuteprio ato de consulta sugere uma anaacutelise mais
apurada das diversas situaccedilotildees e assuntos (CARVALHO 2007)
O poder moderador eacute uma das bandeiras de Alencar E segundo ele emana
tambeacutem do povo Escreve que ldquo() o poder moderador eacute a consciecircncia ilustrada do
povo [Esse povo] que aceitou a lei fundamental de 25 de marccedilo de 1824 tinha sem
contestaccedilatildeo o direito soberano de a revogar apenas se convencesse que natildeo era a
mais proacutepria para sua felicidaderdquo (ALENCAR 2009 p82) Novamente colocando o
ldquopovordquo enquanto seus representantes A defesa da monarquia constitucional
baseada na lei com os poderes cedidos pelo povo a um governante escolhido Mas
os senadores e mesmo os deputados com poder constituinte estavam muito
distantes do proclamado povo das cartas de Erasmo Em determinado ponto
Alencar chega a defender que ldquoa forccedila ativa do poder moderador eacute
sobreconstitucionalrdquo (ALENCAR 2009 p88) o que parece incoerente com uma
monarquia constitucional Admitindo que este possa dissolver o legislativo demitir
ministeacuterios afirma que ldquonenhum poder nem mesmo o povo tem no domiacutenio da
constituiccedilatildeo faculdade igualrdquo (ALENCAR 2009 p89) D Pedro I aprovaria tais
medidas
Todos os atos do soberano se entendidos como atos do povo soacute levariam o paiacutes
novamente para o absolutismo para a ideia gasta que o proacuteprio Alencar sugere na
carta anterior de que ndash o povo sou eu - o Estado sou eu E todo o resto quando
chama D Pedro II pelo epiacuteteto de rei sol Aqui temos a face do intelectual utilizando-
se de seu texto complexo como uma arma totalmente associado com as elites
dirigentes e servindo de instrumento para sua justificaccedilatildeo Em uma das romacircnticas
figuras que toma compara D Pedro II ao profeta biacuteblico Josueacute indicando que ldquoo
profeta recebia sua possanccedila de Deus o imperador a recebe da leirdquo (ALENCAR
2009 p92) Mas de qual lei se jaacute indica anteriormente ser o poder moderador
sobreconstitucional O que se vecirc eacute que a lei eacute mais um instrumento modificaacutevel pra
justificar a permanecircncia no poder mais uma caracteriacutestica de adequaccedilatildeo do
liberalismo as necessidades das elites locais no poder Alencar como advogado
bem sabe o que escreve
Ao iniciar a nona carta Alencar se apresenta como a voz da consciecircncia do
Imperador o seu pensamento em forma sensiacutevel uma intimidade que o desperta O
tom pressupotildee uma intimidade que jaacute teria sido conquistada com na sequencia das
cartas Faz uma apologia da aristocracia tomando-a como ldquoum elemento infaliacutevel e
salutar no governo e na sociedaderdquo (ALENCAR 2009 p95) Acredita que sem este
estiacutemulo a ldquoelevaccedilatildeo a humanidade ficaria eternamente jungida agrave sua animalidaderdquo
(ALENCAR 2009 p95) Mas eacute preciso conter o poder da aristocracia A monarquia
deve tirar ldquoa esse elemento o privileacutegio de casta que o torna odioso e absurdordquo
(ALENCAR 2009 p95) Defende aqui a aristocracia burocraacutetica com vistas agrave
defesa da monarquia constitucional visto que o monarca a serviccedilo das leis estaria
limitado por esta aristocracia que determina tais leis e essa aristocracia seriam os
elementos do povo fazendo parte do legislativo
Jaacute eacute passado o tempo de D Pedro I que entendia dever seguir a constituiccedilatildeo se
esta estivesse a sua altura (querendo dizer se estivesse conforme seu gosto
pessoal) Os tempos satildeo outros e o Imperador eacute uma peccedila do sistema poliacutetico
escolhido pelas elites para a naccedilatildeo que se forma a partir da independecircncia
(CARVALHO 2007) Eacute preciso dar elementos legais para que o paiacutes se desenvolva
e crie mais riqueza com uma intervenccedilatildeo menor do Estado e ao mesmo tempo natildeo
se modifiquem as condiccedilotildees estaacuteveis conquistadas pelas elites no poder Eacute o traccedilo
que caracteriza o periacuteodo uma postura liberal e ao mesmo tempo conservadora
como modelo ideoloacutegico a ser construiacutedo Um traccedilo caracteriacutestico eacute o sistema de
captaccedilatildeo de intelectuais para os quadros da burocracia que segundo Alencar eacute
uma necessidade Explica ele que
A nossa aristocracia eacute burocraacutetica natildeo que se componha somente de funcionaacuterios puacuteblicos mas essa classe forma a sua base agrave qual adere por alianccedila ou dependecircncia toda a camada superior da sociedade brasileira
Para o desenvolvimento espantoso que tem esse corpo oficial entre noacutes natildeo concorre como pensam o nuacutemero dos empregos mas sim a tendecircncia absorvente da administraccedilatildeo a par da falta de iniciativa particular (ALENCAR 2009 p96)
O Estado gera os empregos para absorver a oferta que cria com os cursos
superiores eacute preciso que se crie uma elite que vaacute administrar o paiacutes eacute certo mas
tudo depende da accedilatildeo do Estado Alencar em um feliz paraacutegrafo delineia suas
pretensotildees poliacuteticas com um pedido que elogiando anteriormente as geraccedilotildees mais
jovens e sua capacidade de adaptaccedilatildeo a adversidade sugere
Volvei os olhos em torno senhor e procurai um homem superior que se tenha elevado do seio do povo na robustez de suas crenccedilas na virgindade de sua inteligecircncia na amplitude enfim de sua personalidade
Natildeo o encontrareis eu vos garanto (ALENCAR 2007 p 97)
Quando sugere um novo nome a sugestatildeo jaacute estaacute feita Mesmo acrescentando no
paraacutegrafo seguinte que natildeo se conseguiria encontrar a construccedilatildeo coloca o criacutetico
como a escolha acertada para a resoluccedilatildeo do problema Eacute um efeito da carta aberta
todos tecircm direito a uma opiniatildeo A opiniatildeo ldquopuacuteblicardquo que tanta preocupaccedilatildeo leva ao
Imperador E mesmo esta pode ser manipulada (se natildeo o eacute) visto que segundo
sua criacutetica ldquoa burocracia fabrica a opiniatildeo puacuteblica no Brasil [considerando que] os
jornais como tudo neste impeacuterio vivem da benevolecircncia da administraccedilatildeordquo
(ALENCAR 2009 p96) com subvenccedilotildees que lhe indicam o caminho dos editoriais
A aristocracia tomada aqui por Alencar se refere ao que chama de melhores
indiviacuteduos escolhidos entre todos e o criteacuterio para a escolha seria o voto A elite
portanto eacute determinada pelo voto pela democracia representativa concordando
com as propostas do liberalismo com os tracircmites que a lei determina caccedilando e
permitindo o exerciacutecio do voto para um grupo determinado a quem eacute possiacutevel
exercer ldquofraccedilatildeo de soberania ativa reservada a cada individualidaderdquo (ALENCAR
2009 p98) a partir de uma seacuterie de regras estas tambeacutem determinadas por esta
aristocracia burocraacutetica
Alencar sugere que o gabinete estaacute dominado por esta burocracia Apesar das
escolhas dos ministros incidirem em uacuteltima instacircncia sobre o Imperador qualquer
que seja ela ldquoquaisquer que sejam os nomes por voacutes escolhidos senhor caracteres
iacutentegros vontades riacutegidas o corpo oficial logo os absorve e amalgama () [pois soacute]
vive pensa e governa no Brasil o espiacuterito burocraacuteticordquo (ALENCAR 2009 p99) O
parlamento impede que haja mudanccedilas que natildeo sejam de interesse das elites no
poder esta eacute a base da corrupccedilatildeo de que fala nosso missivista
Na uacuteltima carta desta seacuterie Alencar sugere que o cidadatildeo comum espera do
imperador atitude firma e severa frente ao estado de coisas que se apresenta Haacute
segundo ele uma necessidade de rdquorestauraccedilatildeo dos costumes e das leisrdquo
(ALENCAR 2009 p106) E eacute papel de D Pedro II comandar este movimento de
centralizaccedilatildeo ldquoA flor do paiacutes se reuniraacute ao redor do trono Esse haacute de ser vosso
partido o grande partido nacional da regeneraccedilatildeordquo (ALENCAR 2009 p107) eacute o
movimento a que aludimos da tradiccedilatildeo inventada outro lugar no tempo em que
sendo ldquoo Brasil () menor haacute vinte anos poreacutem estava entatildeo mais alto porque na
sumidade que domina o trono brilhavam os grandes nomes de nossa histoacuteriardquo
(ALENCAR 2009 p112) Eacute ali que o modelo de monarquia parlamentar
constitucional brasileiro cria um momento ilusoacuterio de estabilidade de cuja substacircncia
segundo o missivista devem sair os novos partidos poliacuteticos Eacute o periacuteodo
demarcado nos vinte anos nos conduz a 1845 onde o partido conservador volta
novamente a direccedilatildeo do Estado O apelo ao princiacutepio moral fundador de uma naccedilatildeo
que deve ser representado pela figura do imperador como seu protetor perpeacutetuo
define o modelo para os novos partidos que a partir daiacute seriam criados Partidos que
soacute poderatildeo refletir nesse caso as direccedilotildees dadas pelo trono Natildeo haacute no discurso
de Alencar a existecircncia de um lugar fora da ideologia
332 AO POVO AO REDATOR DO DIAacuteRIO DO RIO DE JANEIRO (ALENCAR
2009 p114-220)
Em junho de 1866 Alencar inicia outra seacuterie de cartas agora endereccediladas ao povo
Apesar de tratarmos do gecircnero ldquocarta abertardquo e sua funccedilatildeo primordial seja a
informaccedilatildeo do ldquopovordquo (no caso de um grupo relativamente grande) determinar
assim o destinataacuterio pressupotildee que a seacuterie de cartas anteriores endereccediladas ao
Imperador formam um todo com o novo conjunto em que Alencar se propotildee a ser o
elo entre o povo e o poder (GRANSCI 1989) Como Alencar havia sugerido no
conjunto anterior das cartas o poder moderador ndash nas matildeos do Imperador ndash seria o
instrumento de representaccedilatildeo do povo Em suas palavras ldquoO poder moderador eacute o
eu nacional a consciecircncia ilustrada do povordquo (ALENCAR 2011 p75) Entatildeo eacute das
obrigaccedilotildees e dos limites do poder moderador que tratamos
A estrateacutegia eacute a mesma Inicia seu discurso profetizando o fim da forccedila vital que
sustenta a naccedilatildeo afirmando que houve um tempo em que se poderia esperar do
trono soluccedilatildeo para segundo Alencar tamanha calamidade que vem afligindo o paiacutes
A guerra do Paraguai segue com quantidade enorme de baixas e percebe-se a
tristeza dos ldquochefes das famiacutelias brasileiras () como pais que geram a prole para a
desgraccedilardquo (ALENCAR 2009 p128) Os gastos com a guerra trazem ldquoa miseacuteriardquo para
esse paiacutes de tantos recursos ldquoRumores surdos assomos de impaciecircncia das
classes inferiores circulam a cidade () tais ecos anunciam profundos
ressentimentos do espiacuterito puacuteblicordquo (ALENCAR 2009 p128) Alencar acusa ao
gabinete de indiferenccedila frente agrave situaccedilatildeo contando com a conivecircncia (passiva) do
trono o que gera insatisfaccedilatildeo por parte da populaccedilatildeo pelos rumos da guerra O
apelo direto a famiacutelia aqui eacute muito representativo Carlo Buacutessula (1997) lembra que a
famiacutelia - e o indiviacuteduo pertencente a tal famiacutelia - existem antes do Estado E que a
autoridade deste lhe eacute outorgada pela famiacutelia e pelos indiviacuteduos que a compotildeem O
vocaacutebulo naccedilatildeo ainda segundo Buacutessula eacute derivaccedilatildeo do latim ldquonatiordquo que
entendemos por nascer Refere-se a um conjunto das famiacutelias ndash e suas lideranccedilas ndash
nascidas em determinada regiatildeo constituindo um grupo social de certa
homogeneidade e que partilha de uma cultura um domiciacutelio uma condiccedilatildeo de
pertencimento Podemos observar mesmo em textos mais antigos como em
Aristoacuteteles (1998) a afirmaccedilatildeo de que o Estado eacute uma reuniatildeo de famiacutelias Daiacute
podemos estender o pensamento e considerar as bases legais (neste periacuteodo) para
um ldquopaacutetrio poderrdquo O liacuteder de uma famiacutelia com sua extensatildeo a parentes agregados
e escravos tem sua autoridade como senhor depois a autoridade material que se
apresenta tambeacutem em relaccedilatildeo a sua mulher e a procriaccedilatildeo dos filhos e a
acumulaccedilatildeo de riqueza para o sustento do grupo ao qual eacute responsaacutevel Chegando
mais proacuteximo as relaccedilotildees entre Estado e Famiacutelia e seu pertencimento a terra ao
domiciacutelio e a busca pela liberdade podem ser relacionadas com as lutas dos barotildees
na Idade Meacutedia com o rei Joatildeo sem terra pelo reconhecimento de seus direitos da
liberdade e da aplicaccedilatildeo da justiccedila Aqui temos um contiacutenuo processo histoacuterico e
poliacutetico de superaccedilatildeo e no mesmo tempo conservaccedilatildeo dessa comunidade natural
que culmina no Estado nacional como um resultado da vontade desta comunidade
(CHAUIacute 1997)
Da mesma forma que Alencar se dirigiu ao Imperador comenta ele agora se dirige
ao povo para que este se levante de sua letargia e por fim ldquoacorde para defender o
patrimocircnio sagrado de suas liberdades e gloriosas tradiccedilotildeesrdquo (ALENCAR 2009
p131) No momento se define como um arauto que iraacute ldquofalar ao povo brasileiro e
proferir verdades que ele nunca ouviu nem de seus ditadores nem de seus
tribunosrdquo (ALENCAR 2009 p131) O interessante ndash devemos ressaltar - eacute que natildeo
haacute uma seacuterie de cartas endereccedilada ldquoao legislativordquo ou mesmo ldquoao senadordquo Tanto
Hobbes quanto Locke e Rousseau ndash cada qual a seu modo ndash defendiam a presenccedila
do parlamento O movimento em Alencar parece passar do povo diretamente ao
imperador deixando ao largo as instituiccedilotildees democraacuteticas40 como no absolutismo
em que o trono justifica todas as suas accedilotildees despoacuteticas justificada como para o
bem do povo a revelia de uma constituiccedilatildeo abonando sua intenccedilatildeo como a de
ldquorenovar a alianccedila da realeza com a democracia Quero restituir o monarca e o povo
um ao outrordquo (ALENCAR 2009 p131)
A primeira estrateacutegia de Alencar eacute delimitar o que acredita ser o povo ldquopor povo
entendo o corpo da naccedilatildeo sem distinccedilatildeo de classes excluiacutedos unicamente os
representantes e depositaacuterios do poderrdquo (ALENCAR 2009 p133) Apesar da
distacircncia que o vocabulaacuterio rebuscado constroacutei do povo a fala eacute justificada Os
depositaacuterios do poder deixam de ser uma categoria do povo por estar distante diste
econocircmica e culturalmente distante mas por que os representantes Nas cartas ao
imperador a camada de poliacuteticos (representantes) era a chaga que deveria ser
extinta ndash pelo menos alguns mas a atividade representativa natildeo deve distinguir o
poliacutetico do povo pelo menos eacute o que sustenta No paraacutegrafo seguinte toma o tom de
paraacutebola anunciando que mesmo os de menor capacidade no seio do povo
poderiam compreendecirc-lo
Aos grandes como aos pequenos falarei a linguagem que me deu a natureza compreendam-me os capazes pelo raciociacutenio os ignorantes pela intuiccedilatildeo misteriosa que em todos os tempos haacute inoculado a verdade no seio das massas
Carecia dizer-vos estas coisas (ALENCAR 2009 p 133)
Alencar se potildee acima das instituiccedilotildees para anunciar que o povo como no
movimento de 1834 ndash e provavelmente atraveacutes das verdades que este lhes diraacute nas
proacuteximas cartas ndash eacute o agente da mudanccedila do paiacutes corrompido Eacute bom lembrar o
conteuacutedo ideoloacutegico que tais afirmaccedilotildees carregam
As Ideologias surgem normalmente em periacuteodos de crise quando a visatildeo do mundo dominante natildeo consegue satisfazer novas e pressionantes necessidades sociais e pedem imperiosamente aos proacuteprios seguidores uma transformaccedilatildeo total da sociedade ou um afastamento dela (BOBBIO
40 Natildeo trata aqui das habituais ldquovisitasrdquo que o Imperador recebia de seus suacuteditos pedindo
empregos pedindo vetos a algum projeto ou perdatildeo de diacutevidas O discurso de Alencar eacute
intencional e bem planejado Indica realmente uma criacutetica agrave intromissatildeo de D Pedro em
determinados assuntos de responsabilidade do parlamento
1998 p 588)
Alencar conclama o povo para que este busque com sua forccedila pressionar as
instituiccedilotildees e mesmo a monarquia na figura de D Pedro II a fim de encontrar
soluccedilotildees para os problemas que apresenta nas cartas A associaccedilatildeo feita pelo
primeiro conjunto (cartas ao Imperador) indica que ldquoo povordquo eacute tambeacutem responsaacutevel
e o discurso lembra sua soberania frente a seus representantes Como afirmamos
anteriormente uma das caracteriacutesticas da prosaiacutestica utilizada eacute a afirmaccedilatildeo de que
tudo depende de uma ordem interna e Alencar constroacutei por via do discurso tal
ordem O impacto que isso tem eacute provavelmente grande O espiacuterito conciliador do
brasileiro (CARVALHO 2007) jaacute comeccedila a ser construiacutedo junto com a estabilidade
vinda depois do periacuteodo regencial e o controle (para)militar das revoltas tendo seu
uacuteltimo suspiro na Revolta da Praia Todos detidos alguns assimilados vaacuterios mortos
e esquecidos a centralizaccedilatildeo eacute uma meta e esta segue o caminho ditado pela
Corte no Rio de Janeiro
Alencar natildeo deixa sequer por um momento de fazer a associaccedilatildeo da coroa com o
povo sendo ele a justificaccedilatildeo para o poder moderador ldquodevo agrave majestade popular a
mesma franqueza que usei com a majestade imperialrdquo (ALENCAR 2009 p134)
Critica a condiccedilatildeo da populaccedilatildeo que natildeo recebe respeito por parte do Estado
afirmando que ldquoo cidadatildeo natildeo vale na medida de seus direitosrdquo (ALENCAR 2009
p135) o que eacute inaceitaacutevel para a teoria liberal claacutessica que vem da busca pela
liberdade Alencar afirma que soacute os que detecircm algum poder econocircmico possuem
direitos civis A liberdade do povo natildeo eacute respeitada Fala da guerra que
aparentemente deve continuar e da situaccedilatildeo moral e econocircmica que esta constitui
O governo toma da liberdade do povo tomando-lhe ldquoa substacircncia da vida ndash o
sangue o fruto do trabalho ndash o suorrdquo (ALENCAR 2009 p136) A poliacutetica do
recrutamento forccedilado da populaccedilatildeo eacute o tema inicial que leva o povo para ldquoeste
abismo para sorver milhares de vidas e os recursos de talvez um seacuteculo de
existecircnciardquo (ALENCAR 2009 p137) O povo aceitou ldquoa guerra com dignidade ()
mas no acircmago da consciecircncia nacional estaacute latente a indignaccedilatildeordquo (ALENCAR 2009
p137) Alencar nessa carta explora as ideias do liberalismo claacutessico quando fala da
relaccedilatildeo do povo com o Estado A busca da liberdade civil e poliacutetica os impostos
forccedilados para a manutenccedilatildeo da guerra o direito a vida e a felicidade tatildeo caros agrave
Bentham e Mill Como eacute possiacutevel um recrutamento forccedilado e como eacute possiacutevel que
algueacutem ndash praacutetica comum ndash possa mandar um escravo em seu lugar para sal a paacutetria
na qual o escravo natildeo tem direito a cidadania
O povo ldquocordato e brioso almejava eacute certo pela mudanccedila de nossa poliacutetica no Rio
da Pratardquo (ALENCAR 2009 p137) Alencar sustenta que
a poliacutetica de intervenccedilatildeo fora sobretudo filantroacutepica exprimia a caridade internacional de um povo por seus irmatildeos dilacerados () [que] o Brasil natildeo precisa do territoacuterio de seus vizinhos pois o tem de sobra e ubeacuterrimo tambeacutem natildeo eacute essencial para seu bem-estar a paz e equiliacutebrio das repuacuteblicas americanas (ALENCAR 2009 p138)
Eacute o momento da indignaccedilatildeo mas Alencar natildeo chega admitir que concorda com a
poliacutetica da coroa para a manutenccedilatildeo do territoacuterio tanto com guerras internas como
defendendo a fronteira sul do Brasil contra o inimigo externo Apresenta em favor
deste uacuteltimo argumento a ideia de que havia pendencias em aberto com as
Repuacuteblicas do Prata e que enfim a guerra poderia ser a soluccedilatildeo Mas tal guerra foi
incentivada pelo governo brasileiro sendo um de seus episoacutedios a missatildeo chefiada
por Joseacute Antocircnio Saraiva em maio de 1864 o executivo ldquosem ter obtido da
assembleia geral com os meios essenciais a aprovaccedilatildeo legislativardquo (ALENCAR
2009 p142) decide pela guerra e a populaccedilatildeo deve arcar com as consequecircncias
do ato apelando para a honra da naccedilatildeo sacrificada Alencar afirma que o legislativo
natildeo toma providecircncias (exigi-las do executivo) para tentar evitar a continuidade da
guerra ocupando-se de discursos vazios de sentido ldquoenquanto o paiacutes estorteja
deleitam-se na compostura de frases perluxas e nos guizos de suas ocas palavrasrdquo
(ALENCAR 2009 p145 A falta de accedilatildeo do Estado cria situaccedilotildees de
constrangimento para o paiacutes como os episoacutedios da questatildeo inglesa que jaacute
anunciavam a falta de tato poliacutetico da administraccedilatildeo puacuteblica De certo ldquoa eacutepoca
infeliz que vamos atravessando natildeo eacute realmente outra coisa senatildeo um grande e
longo desvario da razatildeo puacuteblicardquo (ALENCAR 2009 p146) a quem Alencar culpa
enfim a ascensatildeo da liga progressista entatildeo no governo
A guerra que sustentamos eacute desde sua origem um tecido de incongruecircncias
e desacertos Soacute haacute em toda ela de nobre digno e consolador a intrepidez de nossos marinheiros e soldados Virtude espontacircnea do homem e do povo produziu-se independente do governo e apesar dos esforccedilos adrede empregados para abafaacute-la (ALENCAR 2009 p 146)
A administraccedilatildeo da guerra para Alencar leva a inuacutemeros problemas Como a falta
de uma resposta de forccedila as humilhaccedilotildees sofridas pelo paiacutes as frentes de batalha
que enquanto lutam em uma fronteira
deixam o governo ao desamparo e franca aos paraguaios outra e importante fronteira abandonando assim criminosamente Mato Grosso agrave ruiacutena e assolaccedilatildeo () [Depois da] rendiccedilatildeo de Uruguaiana que fizemos ainda para desafronta da dignidade nacional agravada (ALENCAR 2009 p149)
A lenta marcha do exeacutercito agraves margens do Paranaacute daacute tempo agraves tropas inimigas de
abandonarem o local onde permanecem os aliados Aos jornais eram enviadas
notiacutecias de batalha para segundo Alencar acalentar a impaciecircncia puacuteblica sobre os
seus Quando enfim se alcanccedila o campo paraguaio
avanccedilamos apenas duas leacuteguas em territoacuterio inimigo e estacamos Invasor queda-se o grande exeacutercito agrave sombra da esquadra e natildeo avanccedila um passo Criou raiacutezes ali nos charcos pestiacuteferos que envenenam diariamente nossos bravos soldados (ALENCAR 2009 p152)
Falta comando agraves tropas de terra e mar o que acarreta maiores perdas humanas e
econocircmicas Alencar critica o tratado da triacuteplice alianccedila e o comando das tropas
brasileiras por militares argentinos sob as ordens do presidente Mitre e a falta de
empenho para a ldquopuniccedilatildeo dos desacatos feitos agrave nacionalidade brasileirardquo
(ALENCAR 2009 p155) chegando mesmo a acusar o estado de fechar os olhos
frente aos assassinatos perpetrados no acampamento contra os soldados
brasileiros e natildeo exigiam a pronta e severa puniccedilatildeo do crime com receio de
estremecer a alianccedila Eacute bom lembrar que um dos traccedilos do conservadorismo eacute o
nacionalismo Um nacionalismo que tem em certa medida ligaccedilatildeo com a
democracia
Falando da liberdade de pensamento
() eacute forccediloso que o Brasil mantenha seu nome de naccedilatildeo culta e de segunda grande potecircncia da Ameacuterica () [poreacutem] a poderosa liberdade do pensamento garantida pela constituiccedilatildeo brasileira a voz solene e vibrante do povo natildeo eacute de nosso paiacutes A imprensa e a tribuna existem entre noacutes por mera complacecircncia (ALENCAR 2009 p158)
A censura eacute constante em publicaccedilotildees desde a imprensa reacutegia uacutenica instalada no
paiacutes quando da vinda da Famiacutelia Real mas com D Pedro II isso se abreviou muito
a ponto do republicanismo ser discutido publicamente em clubes e jornais O
problema segundo ele eacute a incapacidade do povo em compreender os problemas
visto que ldquoa populaccedilatildeo jaz na indolecircncia ou estaacute ainda em geral submergida na
ignoracircncia o pensamento natildeo pode livremente circular Por maior forccedila que o
revista ele natildeo penetra jamais a flaacutecida superfiacutecie da indiferenccedilardquo (ALENCAR 2009
p159) o que faz com que natildeo seja possiacutevel uma transformaccedilatildeo das condiccedilotildees
sociais Alencar cumpre seu papel de intelectual como nos mostra Gramsci
enquanto busca incentivar o debate poliacutetico para elevar intelectual e moralmente
camadas cada vez mais amplas da populaccedilatildeo ou seja para dar personalidade a
massa Mas o que se tem quando da posiccedilatildeo completamente externa que Alencar
toma frente agrave populaccedilatildeo ele nega uma praacutexis transformadora desta e acaba por
atualizar a ideologia Quando critica o parlamento por exemplo em
Quanta influiccedilatildeo tem no paiacutes a aluviatildeo de palavras que diariamente se despenha da tribuna parlamentar ou se espraia na imprensa
Que peso exercem no espiacuterito puacuteblico as liccedilotildees da sabedoria e experiecircncia do conselho dos anciatildeos ou a palavra magistral e ungida pela sinceridade de um veneraacutevel Itaboraiacute ou de um provecto Pimenta Bueno (ALENCAR 2009 p 159)
A alusatildeo aos parlamentares que defendem os direitos do povo natildeo visa uma
transformaccedilatildeo mas apenas uma mudanccedila no grupo da elite que estaacute no poder
Visto que ndash no caso ndash tais direitos satildeo concessotildees Natildeo haacute uma discussatildeo com a
populaccedilatildeo sobre suas necessidades haacute - como pudemos notar - a resoluccedilatildeo de
problemas com vistas aos interesses das elites como por exemplo no caso do fim
do traacutefico de escravos e a aboliccedilatildeo que soacute vem a acontecer quando as elites
diretamente ligadas ao problema o permitem Ainda se vecirc traccedilos de preconceitos
herdados de uma aristocracia portuguesa no texto como uma natildeo valorizaccedilatildeo do
trabalho que natildeo seja intelectual como quando adverte ser necessaacuterio que o Brasil
mantenha-se frente aos problemas da guerra como um paiacutes civilizado ldquoou entatildeo se
reduza a uma terra de mercadoresrdquo (ALENCAR 2009 p152)
Alencar adverte ainda que ldquoo governo descansa pois tranquilo a este respeito [da
liberdade de pensamento] imprensa e tribuna satildeo inocentes folguedos para o nosso
povo menino Brincando esse jogo de liberdaderdquo (ALENCAR 2009 p160) que leva
somente a um vazio de accedilotildees Ilustra seu argumento dizendo que a Franccedila e ndash
querendo imita-la a Pruacutessia brevemente ndash concede aos suacuteditos o voto universal
Para o autor o voto universal ldquoeacute uma teteia poliacutetica semelhante agrave nossa imprensa
livrerdquo (ALENCAR 2009 p160) O autor defende o modelo de restriccedilotildees ndash censitaacuterio
no caso ndash para o sufraacutegio o que eacute mais um iacutendice de que o ldquopovordquo a quem Erasmo
dirige suas cartas eacute restrito e que a liberdade natildeo eacute para todos E ele mesmo
justifica afirmando que se for da vontade dos ldquodominadoresrdquo qualquer atitude ndash ou
projeto de revolta ndash que saia do povo poderia ser controlada mesmo ele
Um exemplo Estas cartas parecem a alguns dos nossos senhores inconvenientes a outros extravagantes Nenhum deles poreacutem afianccedilo ousaraacute contestaacute-las E para quecirc Basta-lhes soprar na doacutecil consciecircncia dos sateacutelites e em breve um sussurro se derrama pela cidade Esse sussurro natildeo diz mas infiltra de uma banda que estou fazendo a propaganda do absolutismo da outra que provoco o povo agrave revoluccedilatildeo (ALENCAR 2009 160)
E confirma a seguir em outro paraacutegrafo sua afirmaccedilatildeo mostrando que seu texto
natildeo tem tanta infiltraccedilatildeo como a ideologia reinante
A verdade poreacutem eacute que tais infiltraccedilotildees subterracircneas da aleivosia no espiacuterito pensante do paiacutes satildeo mais poderosas que a palavra eneacutergica do escritor atirada agraves turbas A chama desta se apaga caindo de arremesso no chatildeo a faiacutesca da outra vai se propagando sempre e surdamente O povo lecirc pouco mas escuta muito o que se diz em voz submissa (ALENCAR 2009 p161)
Em suma segundo Alencar eacute preciso ofertar uma educaccedilatildeo para o povo de forma
que este tenha maior consciecircncia de seu papel o que eacute um traccedilo liberal e ao
mesmo tempo sugere que no decorrer do processo o povo seja tutelado enquanto
natildeo alcanccedila uma maturidade intelectual e poliacutetica uma proposta decididamente
conservadora Alencar afirma que o povo teve sua histoacuteria recente marcada pela
revoluccedilatildeo e pela opiniatildeo Em todos os movimentos revolucionaacuterios teve de arcar
com consequecircncias que restringiriam sua liberdade Em 1824 a revolta de
Pernambuco foi logo contida Como consequecircncia D Pedro I com sua constituiccedilatildeo
liberal profana a liberdade prometida e cria as juntas militares Em 1831 com a
revoluccedilatildeo na Corte o povo triunfa sem um combate armado e aderia ao jovem
imperador Em 1837 o paiacutes sucumbe agrave anarquia que o partido liberal - entatildeo no
poder - natildeo consegue conter sendo salva a naccedilatildeo ndash segundo ele - pelo partido
conservador Em 1840 a revoluccedilatildeo imperial e o partido que a promove logo se vecirc
retirado do poder Levantando-se Minas e Satildeo Paulo em favor do partido Liberal
logo foram vencidos e ldquodas cinzas da revolta nasceram todas as leis homicidas da
liberdade que hoje nos parecem opressivas e naquele tempo foram salvadorasrdquo
(ALENCAR 2009 p163) Em 1842 a liberdade comeccedila a declinar vendo seu fim
proacuteximo em 1848 A liberdade eacute uma ilusatildeo ldquosagaz eacute a oligarquia que domina o
paiacutes [porque consegue] manter o povo na doce ilusatildeo de que eacute livrerdquo (ALENCAR
2009 p165) e assim sustentar uma poliacutetica de dominaccedilatildeo opressiva e constante
Ao povo falta a consciecircncia que gera a opiniatildeo
Alencar relata o episoacutedio das tropas inglesas na guerra da Crimeacuteia e a presenccedila de
um repoacuterter do jornal ldquoTimesrdquo no acampamento Sua presenccedila por um momento
censurada depois foi aceita como forma de ligaccedilatildeo entre a opiniatildeo puacuteblica e o
comando da guerra o que por fim salvaria a honra da Inglaterra na batalha com o
relato fiel do que via em seu cotidiano no campo de batalha Mas no Brasil a critica
natildeo eacute assim Aquele que ousa levantar ldquoa voz para arguir os erros deploraacuteveis
cometidos em uma guerra infauta eacute logo coberto com o baldatildeo e o insulto Seja
banido da paacutetria esse reacuteprobo poliacutetico ()rdquo (ALENCAR 2009 p170) desacreditada
sua accedilatildeo Para que natildeo sejam criados embaraccedilos ao governo sustenta ldquonatildeo se
deve preferir uma palavra ou balbuciar um receio [sobre a administraccedilatildeo da guerra]
() Esta heresia se escreveu na imprensa de um Estado livre ecoou em uma
tribuna que ainda chamam parlamentordquo (ALENCAR 2009 p171) funcionando como
uma poliacutetica de Estado que tenta manter a consciecircncia do povo distante dos
acontecimentos Eacute o tatildeo conhecido medo da revolta popular que assombra as elites
desde antes da independecircncia e tambeacutem para encobrir
o esbanjamento dos dinheiros puacuteblicos a dissipaccedilatildeo das forccedilas do Estado o atropelo erigido em atividade a ineacutercia com foros de prudecircncia [chegando a tanto descaso que] depois de um esbanjamento louco dos dinheiros puacuteblicos natildeo ter canhotildees para bombardear o inimigo e a ele () natildeo faltam armas aperfeiccediloadas de longo alcance (ALENCAR 2009 p177)
Eacute tal a quantidade de erros observados que causam extremo desacircnimo ao paiacutes O
atual gabinete41 eacute um dos responsaacuteveis ndash senatildeo o maior ndash devido ldquoa incoerecircncia
levada agrave infantilidade as contradiccedilotildees incessantes a negaccedilatildeo eterna de si mesmordquo
(ALENCAR 2009 p186) enquanto um grupo coeso causado por intrigas e
desafetos novos e antigos entre seus membros a falta de certo cuidado para tratar
com as possiacuteveis reaccedilotildees aos acontecimentos Natildeo deixa de criticar D Pedro II
novamente por natildeo tomar providecircncias para que tais conflitos internos e do gabinete
com a cacircmara dos deputados tenham um fim e o porquecirc disso tudo que ldquoeacute um
assunto digno da seacuteria meditaccedilatildeo do povordquo (ALENCAR 2009 p188) A
administraccedilatildeo da guerra foi deixada nas matildeos de seus agentes enquanto o
gabinete diz ter nestes a sua confianccedila tal o eacute que se permitem deixar-lhes livres
para desenvolver suas taacuteticas militares confirmam os ministros Estes uacuteltimos
estariam mais preocupados ndash segundo Alencar ndash em defender tais atitudes frente
aos parlamentares Sentindo-se esgotado desabafa em tom increacutedulo ldquoSoacute no
Brasilrdquo (a interjeiccedilatildeo faraacute histoacuteria)
Soacute no Brasil Escapou-me a palavra Soacute nesta eacutepoca desgraccedilada em que o Brasil desapareceu para deixar o lugar ao impeacuterio da alucinaccedilatildeo e desatino soacute durante esta siacutencope da razatildeo social torna-se possiacutevel a existecircncia de semelhantes desvarios e a jactacircncia de os haver praticado (ALENCAR 2009 p 194)
Desvarios permitidos senatildeo pela coroa e pela passividade do povo ldquoO governo natildeo
quer saber do que se passa nem faz a miacutenima exigecircncia Delegou sua razatildeo seu
dever seu pundonor no aacuterbitro supremo da Triacuteplice Alianccedilardquo (ALENCAR 2009
p196) a quem o tesouro brasileiro auxiliou ateacute na compra de armamentos
D Pedro II se guiaria pela opiniatildeo puacuteblica medida na publicitaccedilatildeo dos atos do
governo pelos jornais E os jornais da Corte nos garante Alencar jaacute estatildeo todos nas
41 Presidido pelo Marquecircs de Olinda Dura de 12051865 a 03081866
matildeos do ministeacuterio os partidos conservador e liberal a muito natildeo detecircm espaccedilos
nessas miacutedias Mas o imperador ldquoreconhece e sente mais no iacutentimo a crise perigosa
que oprime o paiacutesrdquo (ALENCAR 2009 p201) mas eacute tolerante com o executivo em
sua forma de administrar a coisa puacuteblica mesmo por que veria uma dificuldade de
montar outro gabinete no conturbado periacuteodo que se atravessa onde o partido
conservador se recolhe segundo ele ao silecircncio e ao repouso
Na nona carta Alencar anuncia por fim a dissoluccedilatildeo do gabinete de 12 de maio e a
subida de Zacarias de Goacuteis vinculado agrave liga progressista em 02 de agosto O que
resultaria em nenhuma mudanccedila significativa na conduccedilatildeo da poliacutetica do Estado e
confirmaria a ldquocompleta identificaccedilatildeo da coroa com a poliacutetica vigenterdquo (ALENCAR
2009 p210) Volta ao gabinete Acircngelo Muniz da Silva Ferraz que teve
desentendimentos anteriormente com Caxias sobre a conduccedilatildeo da guerra e que
aprovara - tambeacutem como ministro da guerra ndash o tratado da Triacuteplice Alianccedila e ldquoos
outros escolhidos entre os mais dedicados aderentes da poliacutetica progressista
presidente ou chefes da maioriardquo (ALENCAR 2009 p213) sob a forma de uma
grande conciliaccedilatildeo Zacarias entatildeo liderando o gabinete em 1864 que daacute o
ldquoultimatum de 4 de agostordquo (ALENCAR 2009 p218) iniciando - por assim dizer - os
trabalhos na guerra do Paraguai eacute justo estar ele ali para dar-se um fim a guerra
sugere Alencar conclui essa seacuterie de cartas a 06 de agosto afirmando que acredita
no fim da passividade do povo brasileiro e que se afastaraacute por algum tempo para
ver os resultados conseguidos pelo atual gabinete Mas natildeo muito tempo
Um aparte eacute necessaacuterio para o comentaacuterio a carta endereccedilada ldquoAo Redator do
Diaacuterio do Rio de Janeirordquo (ALENCAR 2009 p114-123) uacutenica datada de 12 de
janeiro de 1866 A resposta de Alencar a criacutetica sobre suas preferecircncias pelo
absolutismo Eacute uma carta breve na qual natildeo nos deteremos
Alencar ndash depois de um breve alento sempre educado ndash indica o teor da conversa
com seu sempre generoso adversaacuterio o redator do Diaacuteriordquo adversaacuterio pois no
momento se encontram em posiccedilotildees opostas e como os ponteiros de um reloacutegio
apontam suas ideias em direccedilotildees diferentes
Alencar escreve ao redator em resposta a uma criacutetica que recebe - enquanto
Erasmo - pelo conteuacutedo das cartas Acusado de fomentador do absolutismo vai a
puacuteblico em defesa proacutepria Indica com seu estilo caracteriacutestico ter sido viacutetima de
acusaccedilotildees como
Sou nada menos do que - ltlt o crocodilo feroz do despotismo disputando a admiraccedilatildeo dos poucos creacutedulos que ainda restam e os tecircnues almejos do magnacircnimo coraccedilatildeo do rei insonegtgt A reticecircncia natildeo eacute minha sim do indignado escritor que some-se por ela e logo apoacutes surge para mandar-me literalmente ao diabo sob a conduta de Erasmo (ALENCAR 2009 p 116)
Eacute a antiga histoacuteria do feiticcedilo contra o feiticeiro Alencar se expotildee publicamente mas
como jaacute pudemos perceber ateacute mesmo pela anaacutelise de sua curta biografia natildeo
admite criacuteticas a seu trabalho Manteacutem-se distante em uma posiccedilatildeo decididamente
superior aos outros (decidida por ele) mesmo em se tratando de seus iguais Tenta
ao longo da carta melhorar sua situaccedilatildeo admitindo que
Estes ecos da imprensa partidos de vaacuterios pontos e condensados aos surdos rumores que burburinham nos ciacuterculos da Corte satildeo indiacutecios de uma crise salutar Anunciam eles que a pena de Erasmo natildeo fez a autoacutepsia de um cadaacutever operou sobre corpo vivo e robusto onde satildeo prontas as reaccedilotildees (ALENCAR 2009 p116)
Admite que o absolutismo esteja presente mas vindo das elites no poder e em seus
mecanismos de comunicaccedilatildeo como a imprensa E talvez certa complacecircncia de D
Pedro II com a situaccedilatildeo quando afirma que
O absolutismo Quem natildeo o vecirc Natildeo convive ele conosco Onde a minoria subjuga a maioria aiacute estaacute a tirania seja de um seja de muitos Repimpado nas poltronas ministeriais espreguiccedilando-se nos sofaacutes da assembleia pedante nas reparticcedilotildees puacuteblicas risonho e sedutor na imprensa empertigado nos fardotildees mostra-se em toda a parte esse Proteu da nossa poliacutetica (ALENCAR 2009 p 118119)
Afirma que em resposta a acusaccedilatildeo releu o conteuacutedo de suas cartas e natildeo encontra
motivos ali para tal O que apenas admite eacute que
Quero a constituiccedilatildeo como foi escrita natildeo como a aleijaram Na constituiccedilatildeo aparecem bem distintos os trecircs princiacutepios cardeais da monarquia representativa a Coroa o povo e o elemento intermeacutedio ou misto que em falta de melhor termo chamo aristocraacutetico (ALENCAR 2009 p120)
Afirmando que de sua postura criacutetica visa os povos livres Infelizmente a criacutetica soacute
pocircde ser feita (ou admitida) de um dos lados De qualquer forma como jaacute viacutenhamos
demonstrando no decurso das cartas algumas similaridades do texto de Alencar
com as ideias de Hobbes podem fazer com que o Redator do Diaacuterio natildeo perca de
todo sua razatildeo Eacute visiacutevel mesmo para os contemporacircneos que Alencar toma o
partido de uma intervenccedilatildeo forte do Imperador em detrimento dos direitos e da
liberdade da maior parte da naccedilatildeo
333 AO MARQUEcircS DE OLINDA AO VISCONDE DE ITABORAHY (ALENCAR
2009 p223-254)
A carta endereccedilada ao Marquecircs de Olinda (ALENCAR 2009 p243-254) entatildeo
presidente do conselho e ministro dos negoacutecios do Impeacuterio inicia com a objetiva
epiacutegrafe ldquovou te interrogar e tu me instruiraacutesrdquo42 (ALENCAR 2009 p243) e se dirige
ao marquecircs com toda a reverecircncia que o romantismo da uacuteltima fase lhe permite
Olinda teve participaccedilatildeo no processo de independecircncia havia sido regente e
ministro Era uma figura respeitaacutevel no cenaacuterio poliacutetico brasileiro Formado em
Coimbra fazia parte de um grupo ao qual Alencar acreditava estar tempo demais no
42 Natildeo pudemos deixar de notar o erro indicado pelo revisor da epiacutegrafe Pois bem A epiacutegrafe
em latim refere ao livro de Joacute 33-3 como ldquoCinge como um valente os teus lombos vou te
interrogar e tu me instruiraacutesrdquo O revisor prontamente corrige a referecircncia que estaacute na verdade
em Joacute 38-3 Mas se entendermos a epiacutegrafe como mais uma das armadilhas de Alencar a
referecircncia dada por ele (incorreta no caso) mostra em Joacute 33-3 uma resposta ao versiacuteculo
anterior ou mesmo um indicativo para a continuidade da leitura da epiacutegrafe onde se vecirc ldquoAs
minhas razotildees sairatildeo da sinceridade do meu coraccedilatildeo e a pura ciecircncia dos meus laacutebiosrdquo Que eacute o
apregoado pelo missivista desde as primeiras cartas ao Imperador Ele como o arauto da
verdade Mas se quisermos acreditar no radicalismo e perversidade do Alencar seguiremos ateacute
Joacute 33-33 onde se lecirc ldquo escuta-me tu cala-te e ensinar-te-ei a sabedoriardquo Para Alencar filho de
um padre e extremamente conservador eacute possiacutevel entender o jogo de relaccedilotildees com os versiacuteculos
como um iacutendice para o iniacutecio de uma criacutetica ferrenha ao Marquecircs Eacute interessante lembrar sem
pretender se extender em tal ponto (que natildeo cabe aqui devido as limitaccedilotildees do trabalho) nas
observaccedilotildees de Chartier (1999) sobre o texto como forma literaacuteria e sua impressatildeo todo o
processo que acompanha o texto ateacute alcanccedilar o seu suporte as intervenccedilotildees de tipografia
graacutefica editores e mesmo erros que afetam o texto A recepccedilatildeo eacute sempre algo que deve ser
observado junto a uma criacutetica do texto e natildeo como um simples derivado deste
poder Compara seu trabalho com o de Vasconcelos Joseacute Clemente e Paranaacute
invoca Evaristo Feijoacute e Vergueiro tecendo uma trama de modelos ideais na qual
tentaraacute capturar Olinda Se apresenta ao Marquecircs afirmando que seu ldquoempenho
sincero tem sido reparar os estragos do tempordquo (ALENCAR 2009 p244) buscando
e indicando caminhos para a administraccedilatildeo puacuteblica como em uma espeacutecie de
jornalismo criacutetico e investigativo Compara o poliacutetico em sua astuacutecia a Luiz XVIII de
Franccedila novamente consolidando o modelo europeu como marco de uma civilizaccedilatildeo
ldquomais avanccediladardquo cultural e politicamente mas tambeacutem aludindo ao seu longo tempo
de permanecircncia nos grupos entatildeo no poder E esta permanecircncia Alencar sugere
que eacute devida a capacidade de adequaccedilatildeo que possui o Marquecircs acompanhando a
mareacute dos fatos e acomodando-os agraves suas necessidades - como em decisotildees
polecircmicas como na partida de D Pedro II para Uruguaiana ou sobre a deposiccedilatildeo do
gabinete O tato poliacutetico que teria o Marquecircs lhe permite sempre estar em
consonacircncia com a opiniatildeo puacuteblica pelo menos com a parte elogiosa da opiniatildeo
Com certo tom de gracejo Alencar brinca com a idade avanccedilada do Marquecircs e
sugere que ele escreva uma biografia Biografia que estaria rica de assuntos e
informaccedilotildees poliacuteticas jaacute que ndash falando com uma ponta de sarcasmo conservador
sobre a mobilidade partidaacuteria no periacuteodo ndash o Marquecircs ldquohavendo pertencido a todos
os partidos modernos e antigos a datar da constituinte vossa autobiografia deve ser
um tesouro inexauriacutevel de liccedilatildeo e conselhordquo (ALENCAR 2009 p247) E qualquer
poliacutetico continua encontraraacute ldquonesse novo evangelho poliacutetico um tema um exemplo
uma epiacutegrafe para adornar sua doutrinardquo (ALENCAR 2009 p248) Mas Olinda
apesar da idade continua firme no poder aparentemente natildeo querendo abrir matildeo
disto como muito bem nos sugere Alencar ldquopara voacutes poreacutem natildeo chegou ainda o
tempo das memoacuterias estais com as matildeos na obrardquo (ALENCAR 2009 p248) em
todas as obras em que consegue esgueirar suas matildeos era o que queria dizer
Mesmo quando os resultados natildeo lhe satildeo promissores como em 1851 com o
episoacutedio do Prata
Em 1857 alude o partido conservador comeccedila a perder forccedila apesar da presenccedila
de lideranccedilas importantes que poderiam seguir com uma administraccedilatildeo competente
Tendo homens como o dissera ldquode talhe para a empresa uns pela ilustraccedilatildeo
outros pela popularidade Itaboraiacute Uruguai Euseacutebio Caxias Pimenta Buenordquo
(ALENCAR 2009 p249) natildeo consegue encontrar um norte com algum destes e ao
clongo de alguns anos o partido perde sua forccedila de combate
Olinda foi presidente do conselho de ministros e ministro em diversas pastas e
diferentes gabinetes Seu nome nos conta enche o livro do Segundo reinado ldquorara
eacute a paacutegina em que natildeo figure ele no alto Estreastes regente era natural que
acabaacutesseis vice-rei43rdquo (ALENCAR 2009 p249) Mas o paiacutes sofre por demais neste
momento e o Marquecircs eacute o signo (senatildeo o culpado) dessa administraccedilatildeo
equivocada incompetente oriunda de uma oligarquia irresponsaacutevel que lanccedila o paiacutes
na ldquocorrupccedilatildeo infrene o descreacutedito puacuteblico a ruiacutena das financcedilas o aniquilamento da
induacutestria e finalmente a guerra ladeada a uma pela vergonha e pela miseacuteriardquo
(ALENCAR 2009 p250) A paacutetria exige um esclarecimento que Olinda ponha a
matildeo na consciecircncia e admita ndash na impossibilidade de corrigi-los ndash seus erros a
quem lhe creditou agrave administraccedilatildeo O paiacutes sofre e Olinda dorme ldquoagrave sesta e consente
que os convivas de teu banquete tripudiem sobre meu corpo exacircnimerdquo (ALENCAR
2009 p252) Natildeo a paacutetria exige sua salvaccedilatildeo E o instrumento para tanto eacute ldquoo
mesmo que serviu em 1837 aiacute jaz atirado ao poacute e desdenhado Eacute o grande Partido
Conservador numeroso ateacute na imobilidade forte ainda no abandonordquo (ALENCAR
2009 p252) Olinda deve indicar ao monarca um novo gabinete constituiacutedo pelo
partido conservador Alencar acena para a permanecircncia de grupos no poder mesmo
com a mudanccedila de gabinetes e vertentes poliacuteticas onde lideranccedilas transitam pelos
dois lados - conservador e liberal ndash e adaptam suas ideias as correntes de
pensamento vigentes em cada momento
Na sequencia das cartas (ALENCAR 2009 p223-239) outro destinataacuterio ilustre tem
a sua vez O Visconde de Itaborahy - carta de Erasmo sobre a crise financeira
Homem probo poliacutetica e civilmente ldquoum dos poucos contra quem natildeo se atreveu
ainda a maledicecircnciardquo (ALENCAR 2009 p223) Esse fiel monarquista esteve por
um breve periacuteodo distante da militacircncia na reorganizaccedilatildeo de partidos e gabinetes
quando do periacuteodo da liga para retornar logo em seguida fortalecido pelos
descaminhos da administraccedilatildeo em uma defesa da instituiccedilatildeo imperial e dos
43 O uacuteltimo vice-rei do Brasil foi o Conde dos Arcos em 1808 O tiacutetulo impotildee certo respeito mas eacute
evidente que Alencar o toma em um tom jocoso
destinos do paiacutes em discursos inflamados no Senado junto agrave outros conservadores
Itaborahy comeccedila a carreira poliacutetica no partido liberal e tambeacutem como jornalista
Assume o ministeacuterio da marinha e em 1837 se transfere para o partido conservador
Foi deputado geral e presidente do Banco do Brasil causa pela qual a segundo
Alencar assustadora perspectiva econocircmica do paiacutes leva o missivista - cheio de
elogios - agrave pessoa do Visconde pedir conselhos a este sobre os rumos que a
administraccedilatildeo puacuteblica deveria seguir admitindo natildeo ter a necessaacuteria ciecircncia para o
assunto nem sequer pretende ldquoao tiacutetulo de disciacutepulo da escola que vos reconhece
por mestrerdquo (ALENCAR 2009 p225) mas se propotildee a analisar o momento de crise
iniciando pelos problemas com o creacutedito As duas espeacutecies de creacutedito indicadas
pelo analista satildeo o mercantil e o predial Os dois estatildeo como que envolvidos um no
outro como uma sustentaccedilatildeo de garantia muacutetua a que os bancos se remetem no
sistema implantado no Brasil E as transaccedilotildees financeiras ldquose prendem por
filamentos mais ou menos longos e tortuosos agrave lavourardquo (ALENCAR 2009 p227)
base da economia no momento O investimento hipotecaacuterio afugenta os capitais
particulares visto que o comeacutercio e a induacutestria inspiram maior confianccedila
considerados seguros e lucrativos por uma maioria Com a deficiecircncia do credito
predial atrelado a lavoura o comeacutercio vai a seu auxiacutelio na tentativa de achar certo
equiliacutebrio que natildeo acontece devido as diferenccedilas proacuteprias de cada modalidade44
O problema de conseguir creacutedito para as lavouras comenta eacute comum em vaacuterios
paiacuteses do mundo e natildeo seria diferente no Brasil mas a soluccedilatildeo para nosso paiacutes
determinada pelo governo associado ao Banco do Brasil eacute a de extravasar os limites
da emissatildeo bancaacuteria o que acarreta financiamentos impossiacuteveis de serem tolerados
pela grande maioria dos que dele necessitam A recente implantaccedilatildeo do sistema de
creacutedito cede lugar a problemas de imperiacutecia financeira e junto a isso certos abusos
praticados por integrantes da associaccedilatildeo comercial constroem com a imobilizaccedilatildeo
de grande soma de capitais um caminho para a derrocada do sistema Ao mesmo
tempo a lavoura tambeacutem atravessa uma crise com a escassez de matildeo de obra e a
introduccedilatildeo de teacutecnicas dispendiosas acrescidas da carestia de gecircneros e das
44 Alencar usa de seu conhecimento como advogado especializado em direito administrativo e
comercial para equilibrar a narrativa com os argumentos da economia e administraccedilatildeo puacuteblicas
uacuteltimas maacutes colheitas Tambeacutem o fato de estarmos em periacuteodo de guerra acarretou
dois fenocircmenos preocupantes o ldquoescoamento dos depoacutesitos bancaacuterios para o
tesouro [e tambeacutem a ] monetizaccedilatildeo do papel bancaacuterio como um meio sub-reptiacutecio
de fornecer recursos ao governordquo (ALENCAR 2009 p230) criando o que chamou
de uma moeda simboacutelica natildeo tendo reservas que os garantam
Anunciado esse quadro desolador (aqui simplificado) Alencar questiona o Visconde
sobre qual seria o remeacutedio visto que a crise se alastrara por todo o sistema
financeiro Alencar responde afirmando ser necessaacuteria a separaccedilatildeo do creacutedito
agriacutecola do mercantil chegando a sugerir agrave fundaccedilatildeo de um banco agriacutecola
brasileiro que aliviaria o Banco do Brasil de garantir suporte a avultada diacutevida
agriacutecola a impontualidade do agricultor no pagamento de suas diacutevidas resultado da
imprevisibilidade do sistema de colheitas e a constante oscilaccedilatildeo no valor da
propriedade rural A proposta de Alencar indica a emissatildeo pelo governo de apoacutelices
para o banco agriacutecola transformando o agricultor ndash ou seu qualquer portador ndash em
acionista Algo como uma auto gerecircncia do sistema em que uma hipoteca de terras
garantiria o saldo devedor Proposta avanccedilada para a eacutepoca aqui mais uma vez
podemos observar a distorccedilatildeo que se deu no Brasil para as propostas de
implantaccedilatildeo de uma poliacutetica liberal tendo o Estado que se tornar distante das
soluccedilotildees econocircmicas mas ao mesmo tempo garantindo um lucro faacutecil para uma
aristocracia Eacute o que vecirc aqui onde a grande propriedade foi formada pelo sistema
de distribuiccedilatildeo de sesmarias e seus proprietaacuterios como os da antiga colocircnia soacute
querem explorar sem ter que arcar com quaisquer diacutevidas ou prejuiacutezos Mas Alencar
condena-os afirmando que ldquoa lavoura natildeo pode esquivar-se a garantir o Estado
quando este contrai grandes compromissos para auxiliaacute-lardquo (ALENCAR 2009
p235) Os tempos satildeo outros mas seraacute que satildeo de verdade O governo durante a
mudanccedila proposta tambeacutem deve arcar com o prejuiacutezo dos tiacutetulos sem valor que
emitiu sendo alguns de empreacutestimos que ele mesmo cedeu No fim o prejuiacutezo eacute
sempre grande Alencar sustenta uma regulaccedilatildeo do mercado provavelmente
influenciado pelas ideias de Adam Smith em que o mercado consegue trabalhar
melhor sem uma interferecircncia direta do Estado (KENNY 1998) Smith entatildeo muito
em voga nos meios acadecircmicos mas para Alencar manter a criacutetica lhe falta alguma
experiecircncia como financista para o tratamento de assuntos tatildeo especiacuteficos o que
pode ter sido interpretado como arrogacircncia de jornalista Da carta fica a opccedilatildeo por
uma estrutura administrativa baseada nas ideias liberais de fomento a livre
empresa creacutedito bancaacuterio em uma tentativa de diminuir a intervenccedilatildeo contiacutenua do
Estado na economia segunde ele ateacute entatildeo necessaacuteria O que fica para a histoacuteria
poliacutetica eacute a questatildeo com a pressatildeo para ao fim efetivo do traacutefico de escravos e a
implementaccedilatildeo da matildeo de obra assalariada ndash qualquer que fosse esta imigrante ou
natildeo europeia ou natildeo ndash em todo o paiacutes quem arcaraacute com o custo final disso tudo o
Estado ou as elites entatildeo no poder
334 NOVAS CARTAS AO IMPERADOR (ALENCAR 2009 p257-389)
A uacuteltima seacuterie de cartas datadas de junho de 1867 e endereccediladas novamente ao
Imperador tem uma intenccedilatildeo bem menos louvaacutevel ndash em um comentaacuterio de Tacircmis
Parron (2008) - que eacute a defesa da escravidatildeo negra no Brasil aleacutem de retomar
temas como a guerra e a poliacutetica no paiacutes O exame do texto nos auxiliaraacute nas
afirmaccedilotildees Eacute bem verdade que na fala do trono de 1867 (cerimocircnia que abre os
trabalhos no parlamento) D Pedro II teria mostrado disposiccedilatildeo em resolver o
problema do elemento servil problema que se arrasta na necessidade de uma
soluccedilatildeo jaacute com seu pai assegurando o fim do traacutefico como uma das condiccedilotildees para
o apoio da Inglaterra a independecircncia do Brasil O imperador tambeacutem se sentindo
pressionado por uma elite intelectual europeia que via na escravidatildeo (neste
momento depois da guerra de secessatildeo talvez natildeo antes) um insulto ao modelo
de civilidade que pretendia o Brasil como uma naccedilatildeo moderna alguns destes
intelectuais e artistas satildeo muito caros agrave D Pedro II como no caso de Victor Hugo A
proposta seria resolver gradativamente sem ferir os interesses daqueles que ainda
atrelados agraves culturas de exportaccedilatildeo necessitavam de braccedilos para o trabalho
atentos a condiccedilatildeo de que a imigraccedilatildeo europeia ainda natildeo era um fato substancial
Bosi comenta que
Algumas atitudes poliacuteticas de D Pedro II pareciam indicar que embora hesitantemente ele passou do polo nacional-conservador para o polo nacional-reformista guiado pelo religioso respeito que lhe inspiravam as culturas inglesa e francesa (BOSI 2003 p 239)
Resta saber em que ponto da estrada D Pedro II teria pegado o bonde reformista e
ateacute onde este poderia levar-lhe O decliacutenio da monarquia o que sugerem alguns
comentadores como Boris Fausto (2001) e Faoro (2004) jaacute estaacute batendo nos
portotildees de Satildeo Cristoacutevatildeo Alencar como bom conservador que eacute defende os
interesses ndash mesmo que natildeo textualmente ndash da oligarquia agriacutecola escravista que
sustentava o paiacutes (leia-se o impeacuterio) com sua produccedilatildeo para exportaccedilatildeo Alencar
antevecirc em seu texto as mudanccedilas sugeridas pelos novos tempos em que o ldquonovo
liberalismordquo ndash termo de Joaquim Nabuco com quem Alencar travaria discussotildees
inflamadas - vai tomando conta do parlamento e a proposta de renovaccedilatildeo da matildeo
de obra por colonos europeus jaacute estava em debate apesar de ainda natildeo termos as
campanhas abolicionistas Mas em sua opiniatildeo tais mudanccedilas ndash que aconteceriam
inevitavelmente - precisam ser combatidas no momento visto que uma mudanccedila
draacutestica poderia trazer prejuiacutezos para as colheitas devido agrave falta de trabalhadores Eacute
o ideal conservador que deve ser salvo A proposta das cartas enquanto veiacuteculo de
divulgaccedilatildeo ideoloacutegico eacute esta chegar o mais longe possiacutevel e alcanccedilar a quantos
pudessem com as ideias conservadoras
Eacute pontual que coloquemos ndash diga-se assim - uma questatildeo ante a defesa do trabalho
escravo por Alencar e tambeacutem uma resposta agrave interferecircncia direta da coroa no
assunto jaacute que estariacuteamos sob a vigecircncia de uma monarquia constitucional
parlamentarista A posiccedilatildeo de Alencar eacute criticada no periacuteodo como ideia jaacute superada
Tavares Bastos eacute um exemplo jaacute aludia agraves melhorias na produccedilatildeo advindas do
trabalho assalariado que tatildeo bem estava no periacuteodo se adaptando e trazendo
frutos principalmente no Nordeste com peculiar atenccedilatildeo ao Cearaacute a terra do
Deputado Alencar (BOSI 2003) Eacute um sinal de que o missivista estava mais
preocupado com a corte do que com suas bases ou desconhecia deliberadamente
esses dados
A escravidatildeo eacute um ponto complexo visto que a instituiccedilatildeo desde a colocircnia permeia
praticamente todas as outras instituiccedilotildees De maneira geral observamos que
(hellip) toda pessoa com algum recurso possuiacutea um ou mais escravos O Estado os funcionaacuterios puacuteblicos as ordens religiosas os padres todos eram proprietaacuterios de escravos Era tatildeo grande a forccedila da escravidatildeo que os proacuteprios libertos uma vez livres adquiriam escravos A escravidatildeo penetrava em todas as classes em todos os lugares em todos os desvatildeos
da sociedade a sociedade colonial era escravista de alto a baixo (CARVALHO 2002 p20)
Alencar tem uma posiccedilatildeo particular sobre a escravidatildeo Quer acabar com ela mas
de forma lenta e segura sem arroubos libertaacuterios que pudessem trazer prejuiacutezos ao
Brasil Parece em alguns momentos um produtor rural paulista preocupado com
seu lucro em outros um tecnocrata arrecadador de impostos Nas novas cartas
poliacuteticas Alencar jaacute natildeo se apresenta - podemos dizer assim - ao Imperador Ele de
certa forma jaacute teria conquistado o seu ouvinte e tomado sua atenccedilatildeo Sua opiniatildeo jaacute
consegue certo respeito dos leitores enxergando-o natildeo apenas como um artista um
escritor de romances (como fazia o Cotegipe) mas como um poliacutetico combativo com
capacidade de influenciar um grupo importante atraveacutes da imprensa Eacute aqui que
podemos observar de maneira mais integrada as propostas liberais sendo
mescladas ao conservadorismo na defesa da escravidatildeo
Alencar nesse novo conjunto de cartas pocircde usar em suas criacuteticas de uma
ldquolinguagem [que] seraacute minimamente severardquo (ALENCAR 2009 p259) e que ele
mesmo admite ser talvez improacutepria para um suacutedito que se dirige ao soberano
A primeira das cartas trata da ameaccedila de abdicaccedilatildeo de D Pedro II O episoacutedio se daacute
devido agrave proposta de uma negociaccedilatildeo de paz com Lopes considerada interessante
ateacute por Caxias dando fim a longa guerra O imperador discorda Uma crise que
abala ldquonatildeo jaacute a cidade mas o impeacuteriordquo O texto de Alencar eacute brilhante
Seraacute real que vossos laacutebios selados sempre pela reserva e prudecircncia se abriram para soltar a palavra fatal Eacute possiacutevel que suacutebita alucinaccedilatildeo desvaire a tal ponto um espiacuterito soacutelido e reto Natildeo creio natildeo posso natildeo devo crer Recebendo a nova incriacutevel a populaccedilatildeo ficou atocircnita (ALENCAR 2011 p257-258)
A expressatildeo ldquopalavra fatalrdquo natildeo determina se o missivista estaacute falando da proposta
da abdicaccedilatildeo ou de seu posicionamento contra uma negociaccedilatildeo de paz com Solano
Lopes E continua com ldquo() a populaccedilatildeo ficou atocircnita () O espanto lhe embarga a
falardquo (ALENCAR 2009 p258) Somente quando vem aludir posteriormente a D
Pedro I que cita a palavra abdicaccedilatildeo
Rara vez e soacute em circunstacircncias muito especiais pode a abdicaccedilatildeo tornar-se um ato de civismo admiraacutevel D Pedro I vosso augusto pai logrou um lance destes que o consagrou heroacutei da paz e da liberdade Sua missatildeo estava concluiacuteda havia fundado a monarquia brasileira e criado um povo (ALENCAR 2009 p258)
Apesar do elogio D Pedro I eacute portuguecircs e figura inaceitaacutevel com suas ideias
absolutistas na naccedilatildeo que surge E o povo que D Pedro I cria eacute uma aristocracia
local que tenta desvincular-se de Portugal
D Pedro I era ldquoum obstaacuteculo uma anomalia A mais veemente das paixotildees
populares o patriotismo sublevou-se contra o princiacutepio estrangeiro encarnado na
sua pessoa O Sr Pedro II eacute americano [sic] como seu povordquo (ALENCAR 2009
p259) e a abdicaccedilatildeo seria um crime de lesa naccedilatildeo Seriam os rumos incertos da
guerra pergunta o missivista motivo para uma abdicaccedilatildeo Alencar acusa
duramente o Imperador de ser o responsaacutevel pela ldquotemeridade com que nos
precipitamos sem refletir em uma situaccedilatildeo irremissiacutevel dilema cruel entre a ruiacutena e a
vergonhardquo (ALENCAR 2009 p260) A guerra tem nele seu responsaacutevel Tu ldquofostes
o princiacutepio e sois a alma da guerra Vosso pensamento a inspirou vossa convicccedilatildeo
a alimentardquo (ALENCAR 2009 p260) em busca de uma vitoacuteria que significaria
Humaitaacute arrasado Lopes deposto e o franqueamento da navegaccedilatildeo ribeirinha mas
apesar de compreensiacuteveis as razotildees e do patriotismo brasileiro que ndash segundo ele ndash
tende a apoiar a guerra ldquonenhum homem tem o direito de arrastar sua matildee paacutetria agrave
ruiacutena para vatilde satisfaccedilatildeo de seus brios revoltadosrdquo (ALENCAR 2009 p261)
Alencar argumenta (lembrando-o) que o imperador natildeo pode agir como uma pessoa
comum que ele natildeo tem o direito do simples cidadatildeo que eacute o de ter uma opiniatildeo
que natildeo considere a naccedilatildeo em primeiro lugar A soberania soacute existe porque eacute dada
ao Imperador e seus atos satildeo justificados pelo cidadatildeo E esse contrato impede
mesmo que haja qualquer ideia de renuncia pois os atos do imperador satildeo os atos
de todos os cidadatildeos A honra do Imperador segundo ele eacute a honra da naccedilatildeo e a
partir do modelo de monarquia constitucional entatildeo vigente enquanto defensor
perpeacutetuo da naccedilatildeo
quando o povo entenda que chegou o momento de acabar a guerra e exprima seu voto pelos meios constitucionais haveis de pensar do mesmo modo senatildeo como homem infalivelmente como soberano Em voacutes estaacute encarnado e vivo o grande eu nacional (ALENCAR 2009 p263)
Alencar repreende o Imperador severamente determinando que ldquoqualquer que seja
o desfecho da guerra [ele natildeo teria] o direito de separar vossa dignidade da causa
nacionalrdquo (ALENCAR 2009 p264) Vecirc-se nas palavras de Alencar a defesa natildeo do
imperador nem mesmo da monarquia mas do principio constitucionalista liberal Jaacute
aqui se percebe uma criacutetica ao que Alencar indicava como omissatildeo mas era de
certa forma um caminhar que D Pedro II mantinha nos tracircmites da legalidade que a
proacutepria constituiccedilatildeo lhe impunha sabia onde colocar seus peacutes E apesar das criacuteticas
Alencar sabia que os atos do imperador natildeo pedem contestaccedilatildeo visto que a
representaccedilatildeo deste eacute coletiva e todas as verdades se alinham em seu nome (em
nome da soberania) D Pedro II sabia o que poderia fazer e ateacute aonde confrontar a
burocracia que a casa de Braganccedila lhe tinha deixado por heranccedila Em outros
tempos mesmo sem buscar referecircncias anteriores a D Pedro I o texto de Alencar jaacute
estaria sujeito ao silecircncio
Uma das constantes reclamaccedilotildees de Alencar eacute a da falta de notiacutecias da guerra no
sentido de previsotildees reais sobre o andamento dos trabalhos sobre a movimentaccedilatildeo
das tropas sobre enfim quando iraacute terminar o supliacutecio Segundo ele haacute por parte
do governo um velamento da realidade no campo para o puacuteblico existe uma
censura ndash senatildeo oficializada mas efetiva ndash sobre os reais rumos da guerra dada em
funccedilatildeo da relaccedilatildeo que os jornais tecircm com o gabinete ministerial E a falta de atenccedilatildeo
para tais assuntos junto a posiccedilatildeo equivocada frente agrave guerra estatildeo aiacute por culpa
de D Pedro II
Termina essa carta anunciando o erro do Imperador na fala de ldquoabdicaccedilatildeo quando a
senha do dia para todos os brasileiros e para voacutes primeiro que todos eacute dedicaccedilatildeordquo
(ALENCAR 2009 p274) O sarcasmo de Alencar brinca com os brios de D Pedro
II com seu orgulho de intelectual ndash tiacutetulo o qual preferia algumas vezes ao de
Imperador (SCHWARCZ 1999) ndash indicando que a imprensa do mundo inteiro o
proclama ldquoum saacutebiordquo e cita o artigo publicado nos jornais em que ldquoo presidente dos
Estados Unidos aludindo agrave franquia do Amazonas vos considerou entre os
primeiros estadistas do mundordquo (ALENCAR 2009 p277) o que provavelmente natildeo
aconteceria se este tomasse medidas protecionistas no paiacutes o que jaacute funcionavam
como uma poliacutetica de Estado desde os fins da guerra de Secessatildeo nos Estados
Unidos mas era duramente criticado por este para toda a Ameacuterica Latina eacute possiacutevel
que seja isto que Alencar quer dizer quando escreve logo a seguir que terminado
estaacute ldquoo tempo em que os povos eram instrumento na matildeo dos reis que os
empregavam para obter a satisfaccedilatildeo de suas paixotildees e a conquista de um renome
vatildeordquo porque aqui ldquorasga-se o manto auriverde da nacionalidade brasileira para
cobrir com os retalhos a cobiccedila do estrangeiro [Natildeo existe] para voacutes senhor outra
fama liacutecita e pura senatildeo aquela poacutestuma que eacute a verdadeira gloacuteriardquo (ALENCAR
2009 p278) e que dispor das reservas econocircmicas tanto quanto das pessoas de
forma displicente e buscando uma valorizaccedilatildeo pessoal eacute sinal de um despotismo
que jaacute natildeo cabe mais aqui Eacute o Alencar liberal que fala
A partir daqui Alencar passa depois de construir a narrativa em um tom duro de pai
que repreende o filho teimoso a falar da questatildeo da emancipaccedilatildeo mais diretamente
D Pedro II coloca a discussatildeo na pauta pela fala do trono e os progressistas ndash
chamados vacircndalos no texto de Alencar ndash a aceitam como uma plataforma Alencar
toma a proposta de emancipaccedilatildeo do escravo pelo menos para o momento como
um erro do Imperador Segue a referecircncia
Libertando uma centena de escravos cujos serviccedilos a naccedilatildeo vos concedera distinguindo com um mimo especial o superior de uma ordem religiosa que emancipou o ventre estimulando as alforrias por meio de mercecircs honoriacuteficas respondendo agraves aspiraccedilotildees beneficentes de uma sociedade abolicionista de Europa e finalmente reclamando na fala do trono o concurso do poder legislativo para essa delicada reforma social sem duacutevida julgais ter adquirido os foros de um rei filantropo (ALENCAR 2009 p280)
Alencar acreditava que o momento com a economia debilitada por conta da guerra
e tambeacutem por conta desta a falta de braccedilos para a constituiccedilatildeo de um sistema de
matildeo de obra diferenciado e sem o apoio ainda da prometida imigraccedilatildeo (apesar das
muitas propostas tanto de europeus como de asiaacuteticos nenhum projeto de vulto
havia sido executado) o paiacutes essencialmente agraacuterio se precipitaria no caus Os
argumentos de Alencar apesar de bem trabalhados sugerem mais suas ligaccedilotildees (e
preocupaccedilotildees) com a aristocracia rural do que propriamente com o povo afirmando
seu ideal de manutenccedilatildeo dos privileacutegios das elites em detrimento de medidas mais
imediatas Alega que a escravidatildeo eacute um fato social tendo como exemplo ldquoo
despotismo e a aristocracia como jaacute foram a coempccedilatildeo da mulher a propriedade do
pai sobre os filhos e tantas outras instituiccedilotildees antigas45rdquo (ALENCAR 2009 p282)
Argumentos que Alencar potildee no passado mas que reconhece presentes quando
trata deles em suas obras Eacute o direito a escravidatildeo como uma instituiccedilatildeo legal que
segue em sua argumentaccedilatildeo lembra que satildeo as naccedilotildees em suas leis que justificam
a escravidatildeo Que sob a lei haacute a justificativa e que ningueacutem pode ser obrigado a
fazer ou deixar de fazer algo a menos que isso esteja expresso na lei
Alencar lembra que a ldquoescravidatildeo caduca mas ainda natildeo morreu ainda se prendem
a ela graves interesses de um povo Eacute quanto basta para merecer o respeitordquo
(ALENCAR 2009 p283) O respeito que se daacute sustenta enquanto instituiccedilatildeo E
satildeo os progressistas com o apoio formal do imperador que tratam de desqualificar
a instituiccedilatildeo lanccedilando ldquoo odioso sobre as instituiccedilotildees vigentes qualificando seus
defensores de espiacuteritos mesquinhos e retroacutegradosrdquo (ALENCAR 2009 p283) Isto
em mateacuteria de reforma natildeo tem propriamente um fim eleitoreiro ndash ainda natildeo seria o
caso - mas tentando fortalecer outros grupos aos quais as ideias abolicionistas
vinham a calhar como os financistas e banqueiros que esperavam por um
liberalismo mais econocircmico e burguecircs que poliacutetico e aristocraacutetico Alencar se
protege como bom advogado enquanto defende a escravidatildeo sobre o vieacutes da lei
Para ele ldquoa escravidatildeo se apresenta hoje ao nosso espiacuterito sob um aspecto
repugnante Esse fato do domiacutenio do homem sobre o homem revolta a dignidade da
criatura racional Sente-se ela rebaixada com a humilhaccedilatildeo de seu semelhanterdquo
(ALENCAR 2009 p284) mas sua opiniatildeo natildeo pode prevalecer O missivista busca
o que seria a melhor alternativa para a economia do paiacutes jaacute prontamente
argumentada na carta ao Visconde de Itaborahy A instituiccedilatildeo da escravidatildeo eacute legal
e justa ldquoquando realiza um melhoramento na sociedade e apresenta uma nova
situaccedilatildeo embora imperfeita da humanidade () Neste caso estaacute a escravidatildeo ()
45 Jaacute eacute um comentaacuterio de Aristoacuteteles na poliacutetica
um instrumento da civilizaccedilatildeo como foi a conquista o municiacutepio a glebardquo
(ALENCAR 2009 p284) Eacute uma das fazes do desenvolvimento pelo qual passaram
diversas naccedilotildees
Sempre apelando para a histoacuteria europeia Alencar apresenta a escravidatildeo como ldquoo
primeiro impulso do homem para a vida coletiva o elo primitivo da comunhatildeo entre
os povosrdquo (ALENCAR 2009 p285) Ao menos admite adiante que possam parecer
estranhas tais proposiccedilotildees mas sempre sustentado pelo estudo de textos
canocircnicos46 (cita o Gecircnesis de Moiseacutes quando da admissatildeo da escravidatildeo pela
Biacuteblia) segue o argumento admitindo que por exemplo a escravidatildeo pela guerra
com a conquista dos povos haveria um constante holocausto infligido as sociedades
derrotadas Na Ameacuterica resultaria no extermiacutenio das populaccedilotildees indiacutegenas Mas
isso que aconteceu de qualquer forma um argumento injustificado
Alencar eacute um dos defensores da ideia de que a ldquoraccedila negrardquo eacute a que melhor se
adapta ao trabalho agriacutecola (apesar de afirmar que o colono portuguecircs aguenta
firmemente o trabalho dos troacutepicos) Sendo esta mais disponiacutevel e apta e ndash segundo
ele ndash baacuterbara e necessitando de um processo civilizatoacuterio que o tirasse da
selvageria aproveitando sua energia vital ldquopara lutar com uma natureza giganterdquo
(ALENCAR 2009 p289) Natildeo fosse a escravidatildeo ndash toma isso como um acaso
valoroso - a Ameacuterica ldquoseria hoje um vasto desertordquo (ALENCAR 2009 p289)
Alencar nos lembra do fato de que a moderna escravidatildeo ressurgida na peniacutensula
ibeacuterica - com o haacutebito de presentear o Rei com escravos negros - natildeo se estabelece
na Europa mas mesmo os ingleses franceses e holandeses portanto natildeo soacute os
portugueses e espanhoacuteis servem-se dela na colocircnia Adam Smith admitia a
escravidatildeo nas colocircnias inglesas ((WEFFORT 2001) Como se explica pergunta
ele ldquoessa anomalia de povos repelindo na metroacutepole uma instituiccedilatildeo que adotam e
protegem no regime colonialrdquo (ALENCAR 2009 p290) Tal pressatildeo internacional
a que comeccedila a ceder o Imperador eacute comum nesse periacuteodo e seraacute assim ateacute hoje
Carvalho (2007) estudando as atas do conselho de Estado do Impeacuterio comenta que
46
A igreja possuiacutea escravos negros e ara um grupo que natildeo se pronunciava ateacute entatildeo a favor da aboliccedilatildeo
apesar do modelo poliacutetico para o Brasil - de Inglaterra e Franccedila ndash serem uma
unanimidade entre os conselheiros chegando estes a citar de memoacuteria frases e
anedotas dos poliacuteticos mais conhecidos como o faz tambeacutem o Alencar o bom senso
prevalecia sobre o modelo e as accedilotildees poliacuteticas tomadas (sugeridas e votadas) ali
tinham uma real preocupaccedilatildeo com a realidade do paiacutes Mas o que observamos na
criacutetica de Alencar eacute que a realidade do paiacutes passava pelos interesses desses
mesmos grupos representados pelo conselho
A questatildeo a que se chega eacute a escravidatildeo jaacute teria cumprido seu papel no Brasil
Segundo Alencar natildeo E ele o afirma ldquocom a consciecircncia do homem justo que
venera a liberdade com a caridade do cristatildeo que ama seu semelhante e sofre na
pessoa delerdquo (ALENCAR 2009 p293) Para o bem de todos afirma ele ateacute mesmo
dos escravizados ainda natildeo eacute o tempo para a aboliccedilatildeo Mas os ldquotodosrdquo aqui
assinalados tecircm uma clara linha que distingue o escravizado do escravizador
Alencar natildeo chega a defender nem mesmo uma proximidade entre eles Usando o
discurso da etnia afirma que ldquoningueacutem desconhece todavia quanto eacute lenta essa
coesatildeo ou amaacutelgama de raccedilas Demanda seacuteculos e seacuteculos semelhante operaccedilatildeo
etnograacutefica e traz graves abalos agrave sociedaderdquo (ALENCAR 2009 p295) Mas ao
mesmo tempo com uma imigraccedilatildeo europeia e a amalgama o problema tambeacutem se
resolveria pois
Em trecircs e meio seacuteculos o amaacutelgama das raccedilas se havia de operar em larga proporccedilatildeo fazendo preponderar a cor branca Trecircs ou quatro geraccedilotildees bastam agraves vezes no Brasil para uma transformaccedilatildeo completa (ALENCAR 2009 p292)
O contato que Alencar defende eacute tatildeo somente social como forma civilizatoacuteria ldquoA
raccedila africana tem apenas trecircs seacuteculos e meio de cativeiro Qual foi a raccedila europeia
que fez nesse prazo curto a sua educaccedilatildeordquo (ALENCAR 2009 p310) A raccedila
branca diz ele ldquoembora reduzisse o africano agrave condiccedilatildeo de uma mercadoria
nobilitou-o natildeo soacute pelo contato como pela transfusatildeo do homem civilizadordquo47
(ALENCAR 2009 p296) Embranquecer seria um destino e uma meta a ser
cumprida para chegar-se enfim a uma futura civilizaccedilatildeo da Aacutefrica A soluccedilatildeo 47 Mesmo velado preconceito racial sempre houve no Brasil Nota-se em textos natildeo soacute de Alencar
mas de intelectuais como Silvio Romero e o proacuteprio Joaquim Nabuco (SKIDMORE 1989)
proposta eacute resolver a escravidatildeo pela absorccedilatildeo de uma raccedila por outra mas
aparentemente por outras as raccedilas e categorias sociais como o indiacutegena e o
imigrante pobre que chegaria em alguns anos Pois cada ldquomovimento coesivo das
forccedilas contraacuterias eacute um passo [a] mais para o nivelamento das castasrdquo (ALENCAR
2009 p296) ateacute o amalgama quando da geraccedilatildeo anterior findasse com a morte
mas sempre enquanto castas Sempre com uma marca social (in) visiacutevel que as
distinguisse
Chegado o termo fatal produzido o amaacutelgama a escravidatildeo cai decreacutepita e exacircnime de si mesma sem arranco nem convulsatildeo como o anciatildeo consumido pela longevidade que se despede da existecircncia adormecendo Mas antes do seu prazo quem fere mortalmente uma lei derrama sangue como se apunhalara um homem (ALENCAR 2009 p296)
Alencar usa como argumento que o escravo seria um inimigo se emancipado Os
povos que emanciparam seus escravos estavam em superioridade numeacuterica quanto
a estes e natildeo era o caso do Brasil Nos Estados Unidos do periacuteodo da guerra de
secessatildeo o norte tinha uma superioridade muito grande de homens livres sobre a
quantidade de escravos ao contraacuterio do sul o que os levaram a apoiar a
emancipaccedilatildeo Foi tambeacutem o caso da Inglaterra com suas colocircnias Libertar uma
quantidade tatildeo grande de escravos como haacute no Brasil de uma soacute vez pode criar
uma situaccedilatildeo de descontrole social alerta Alencar Comentando ainda sobre os
movimentos abolicionistas que vem se sucedendo na Ameacuterica Latina desde as
primeiras deacutecadas do seacuteculo XIX ndash o que aparentemente viria a reforccedilar a instituiccedilatildeo
nos paiacuteses que natildeo aderiram ao processo de emancipaccedilatildeo aleacutem de considerar que
a populaccedilatildeo escrava no Brasil consegue se reproduzir muito mais que em outros
paiacuteses O mais certo seria que a escravidatildeo natildeo se extinguisse ldquopor ato do poder e
sim pela caduquice moral pela revoluccedilatildeo lenta e soturna das ideiasrdquo (ALENCAR
2009 p306) E aparentemente sem muita pressa Mesmo porque haacute tambeacutem o
movimento contraacuterio do senhor de escravos que quer manter sua propriedade
O processo de emancipaccedilatildeo segundo ele jaacute se iniciou no Brasil a ponto de afirmar
que jaacute natildeo temos mais ldquoa verdadeira escravidatildeo poreacutem um simples usufruto da
liberdade ou talvez uma locaccedilatildeo de serviccedilos contratados implicitamente entre o
senhor e o Estado como tutor do incapazrdquo (ALENCAR 2009 p309) Cabe lembrar
que natildeo temos no periacuteodo um movimento abolicionista encapado pelos partidos ou
mesmo pela opiniatildeo puacuteblica Alencar lembra que quantidade de escravos eacute grande
demais para arriscar uma emancipaccedilatildeo por decreto
Trecircs seacuteculos durante a Aacutefrica despejou sobre a Ameacuterica a exuberacircncia de sua populaccedilatildeo vigorosa Calcula-se em cerca de quarenta milhotildees o algarismo dessa vasta importaccedilatildeo Nesse mesmo periacuteodo a Europa concorria para a povoaccedilatildeo do Novo Mundo com um deacutecimo apenas da raccedila negra (ALENCAR 2009 p292)
Alencar sugere que natildeo foi o Brasil do seacuteculo XIX que inicia o processo de
escravizaccedilatildeo nessas terras mas o Europeu o portuguecircs aacutevido de lucros com a
exploraccedilatildeo da colocircnia Exigir que se corrigisse um erro de uma hora para a outra eacute
uma sandice mesmo por que este (o europeu) espera ainda os produtos tropicais
com preccedilos baixos o que uma brusca mudanccedila no processo de produccedilatildeo natildeo
conseguiria manter o que acarretaria perdas tanto para os produtores como para os
mercados consumidores O escravo natildeo entrou na conta A passagem eacute
esclarecedora nesse sentido
O filantropo europeu entre a fumaccedila do bom tabaco de Havana e da taccedila do excelente cafeacute do Brasil se enleva em suas utopias humanitaacuterias e arroja contra estes paiacuteses uma aluviatildeo de injuacuterias pelo ato de manterem o trabalho servil Mas por que natildeo repele o moralista com asco estes frutos do braccedilo africano Em sua teoria a bebida aromaacutetica a especiaria o accediluacutecar e o delicioso tabaco satildeo o sangue e a medula do escravo Natildeo obstante ele os saboreia (ALENCAR 2009 p307)
Alencar explica que um necessaacuterio crescimento da populaccedilatildeo livre deve ser
incrementado para que a partir desta (sugere como a melhor forma a imigraccedilatildeo)
poderaacute haver a substituiccedilatildeo do trabalho escravo Nos Estados Unidos nos conta foi
assim Eacute a imigraccedilatildeo que colocaraacute uma nova ldquocorrdquo no paiacutes e lhe daraacute novo vigor E
coloca a culpa na Europa novamente por natildeo facilitar o envio de imigrantes para
nosso paiacutes Estes viriam de bom grado considerando mesmo ndash e ateacute como
argumento comparativo ndash a qualidade de vida aqui eacute bem melhor que laacute Na
verdade como afirma Prado (2001) os princiacutepios liberais erigiam a liberdade com
base em direitos do homem e natildeo pelo ponto de vista religioso Contestar a
escravidatildeo era tambeacutem contestar todo o antigo regime
A amaacutelgama de raccedilas proposta por Alencar tem por base o fluxo intenso de
imigrantes lusitanos para a Corte do Brasil a partir de 1850 com o fim do traacutefico de
escravos Por conta disso a populaccedilatildeo eacutetnica se altera mas o contingente
populacional se manteacutem praticamente o mesmo entre 1850 e 1872 ldquoa populaccedilatildeo
escrava diminui e a populaccedilatildeo lusitana quase dobrardquo (NOVAIS 1997 p30) Ainda
acompanhando este autor temos a indicaccedilatildeo de que ao fim da deacutecada de 1860
metade da populaccedilatildeo masculina da Corte era estrangeira vinda principalmente de
Portugal Alencar ainda coloca em um comparativo um operaacuterio europeu
trabalhando 12 15 18 horas soacute almeja a liberdade para tentar um outro caminho
que a cidade natildeo lhe oferece A ldquocondiccedilatildeo do nosso escravo comparada com a do
operaacuterio europeu eacute esmagadora para a civilizaccedilatildeo do Velho Mundo [essa liberdade]
eacute o meio um direito o fim eacute a felicidade48 e desta o escravo brasileiro tem um
quinhatildeo que natildeo eacute dado sonhar ao proletaacuterio europeurdquo (ALENCAR 2009p324)
O que se viu dando um breve espaccedilo ao tempo eacute que as criacuteticas de Alencar a
forma como o governo processa o problema da emancipaccedilatildeo (ou seria tambeacutem a
emancipaccedilatildeo a soluccedilatildeo do problema em outro ponto de vista) acabam encontrando
um espaccedilo vazio onde podiam criar raiacutezes visto que as promessas de aboliccedilatildeo no
fim da guerra de forma progressiva e por meio da estimulaccedilatildeo da emigraccedilatildeo ainda
estatildeo na forma como promessas no periacuteodo e a dificuldade de se encontrar uma
soluccedilatildeo (ateacute a aboliccedilatildeo completa claro) abrem precedentes para que o pensamento
de Alencar ndash se natildeo o mais eacutetico ndash acabe se apresentando como o mais coerente A
libertaccedilatildeo como o quer o governo sem um projeto que forneccedila condiccedilotildees de
inserccedilatildeo no novo projeto socioeconocircmico para o receacutem-libertado acabaraacute por
coloca-lo em situaccedilatildeo de miseacuteria caindo na mendicacircncia ou criminalidade A ideia
central de Alencar eacute que mesmo que haja aboliccedilatildeo geral e irrestrita se consiga
garantir que o escravo ldquose for libertado permaneceraacute em companhia do senhor e se
tornaraacute em criadordquo (ALENCAR 2009 p329) De qualquer forma para o senhor de
escravos na economia monocultora exportadora com um mercado flutuante
48 Natildeo eacute difiacutecil encontrar referecircncias aos textos do Utilitarismo de Jeremy Bentham em uma leitura
de Alencar
qualquer justificativa era boa contanto que a escravidatildeo natildeo terminasse naquele
momento nem em um futuro proacuteximo Nesse sentindo o argumento que Ilmar Mattos
(1987) defende eacute de que a relaccedilatildeo do Estado com os interesses da classe
ldquosenhorialrdquo faz com que a coroa assuma o papel de Partido ( nos termos de Gramsci)
natildeo se reduzindo assim agrave figura do Imperador que mesmo acuado pela criacutetica de
Alencar sabe que ele (e mesmo o missivista) satildeo peccedilas de uma organizaccedilatildeo mais
complexa dentro da sociedade Mas a coroa deve resolver tambeacutem os problemas
internos como convergecircncias e divergecircncias garantindo sempre que esta se
atualize
Como parte de um jogo de relaccedilotildees entre poliacuteticos e opiniatildeo puacuteblica eram
aplaudidos ateacute mesmo argumentos romantizados ao estremo como quando Alencar
defende que
A uacutenica transiccedilatildeo possiacutevel entre a escravidatildeo e a liberdade eacute aquela que se opera nos costumes e na iacutendole da sociedade Esta produz efeitos salutares adoccedila o cativeiro vai lentamente transformando-o em mera servidatildeo ateacute que chega a uma espeacutecie de orfandade o domiacutenio do senhor se reduz senatildeo a uma tutela beneacutefica (ALENCAR 2009 p113)
As soluccedilotildees que se propotildeem satildeo muitas mas uma breve reflexatildeo faz cair por terra
todo o conteuacutedo ideoloacutegico que estas carregam Uma situaccedilatildeo se daacute quando da
publicaccedilatildeo em marccedilo de 1868 tambeacutem de uma carta aberta endereccedilada ao
presidente do Conselho e lida perante a cacircmara dos deputados em fins do ano
anterior o Imperador declara abrir matildeo da quarta parte de sua dotaccedilatildeo Conta-nos
Alencar que a imprensa noticiando o caso ldquoem nome da opiniatildeo puacuteblica vos
retribuiu com bonitos e merecidos elogiosrdquo (ALENCAR 2009 p331) o ato que
busca devido agrave deficitaacuteria condiccedilatildeo do Estado auxiliar na organizaccedilatildeo da economia
senatildeo economicamente ao menos simbolicamente Notiacutecia que o parlamento
recebe com aplausos Alencar encontra aiacute uma possibilidade de contestaccedilatildeo do ato
afirmando ainda que natildeo aceita enquanto suacutedito e contribuinte tal donativo visto
que a dotaccedilatildeo natildeo eacute um ordenado pago ao Imperador e a famiacutelia real Eacute o ldquodecoro
do trono e a dignidade da naccedilatildeo como diz-nos a lei fundamental (art 108) que
determina a dotaccedilatildeordquo (ALENCAR 2009 p332) coisas de que este eacute depositaacuterio
enquanto representante da naccedilatildeo e natildeo proprietaacuterio Mais uma vez Alencar estaacute
assumindo a participaccedilatildeo do soberano no contrato O missivista usa seu
conhecimento do direito constitucional para denunciar as accedilotildees da coroa visando agrave
manipulaccedilatildeo ideoloacutegica do povo visto que tais atitudes propriamente simboacutelicas
como o ato de abrir matildeo da dataccedilatildeo (visto que os valores pouco ou nada influenciam
no ressarcimento das perdas do eraacuterio puacuteblico resultantes das uacuteltimas maacutes gestotildees
e dos custos com a guerra chegando mesmo Alencar classifica-las como migalhas)
satildeo uma forma de tranquilizar por meio dos jornais a opiniatildeo puacuteblica quanto a
realidade econocircmica por que passa o paiacutes e refrear as ameaccedilas de contestaccedilatildeo a
ordem estabelecida Sugere que se D Pedro II realmente quiser ajudar a naccedilatildeo que
seja
pondo um termo a esse esbanjamento desordenado que tem exaurido todas as reservas do paiacutes e vai sorver os uacuteltimos recursos do futuro natildeo satildeo os Vossos duzentos contos de reacuteis que vatildeo suprir o vaacutecuo aberto no orccedilamento por uma administraccedilatildeo imprevidente e desasada (ALENCAR 2009 p333)
Natildeo poderatildeo resolver o problema do Rio da Prata que garantiratildeo o creacutedito puacuteblico
ou evitaratildeo uma possiacutevel bancarrota do impeacuterio brasileiro Alencar entatildeo aconselha
que o Imperador continue fazendo uso do dinheiro em suas obras de caridade pois
a recusa dos valores soacute seraacute ldquoum foco de imoralidade e corrupccedilatildeo Carniccedila atirada
ao tempo que a podridatildeo logo decompotildeerdquo (ALENCAR 2009 p334) visto que tal iraacute
fluir para poliacuteticos corruptos e suas necessidades pessoais Se quiser ajudar o paiacutes
evitai que a administraccedilatildeo continue com a guerra que arruinaraacute enfim o paiacutes e
termina solicitando a demissatildeo do ministeacuterio ndash uacutenica soluccedilatildeo ndash como uacutenica forma de
salvar o Brasil e com sua integridade Eacute importante lembrar que D Pedro II conhece
bem a constituiccedilatildeo e apesar dos ataques de Alencar nunca toma uma atitude
defensiva eacute preciso registrar sua permissividade e respeito agrave liberdade de imprensa
como um traccedilo liberal mas como bem anuncia Alencar a criacutetica feita pela imprensa
natildeo encontra respaldo junto a opiniatildeo puacuteblica e as mudanccedilas natildeo satildeo
implementadas impossibilitando mudanccedilas na base administrativa o que pode ser
visto como um traccedilo de totalitarismo
Segundo Carvalho (2007) no modelo parlamentar que se desenvolve no Brasil o
parlamentarismo francecircs eacute a base apesar das constantes referecircncias ao
parlamentarismo inglecircs O gabinete ministerial eacute o elo entre a cacircmara e o imperador
a referenda do poder moderador A carta magna eacute influenciada pelas Constituiccedilotildees
francesa de 1791 e espanhola de 1812 e uma das mais liberais da eacutepoca Nesse
modelo eacute o gabinete que deve explicar-se com a cacircmara sobre os atos da
administraccedilatildeo puacuteblica evitando que se perceba algum resquiacutecio de absolutismo
Sem o gabinete o poder moderador instituiria um ldquodespotismo legalrdquo nas palavras do
senador Vergueiro (CARVALHO 2007) Eacute uma vitoacuteria dos liberais que tentam
garantir que D Pedro II reine e natildeo governe mas natildeo eacute assim que sempre funciona
O senado vitaliacutecio eacute a sombra do imperador - natildeo importando se eacute
predominantemente conservador ou abriga um e outro liberal moderado - que
manda e desmanda com sua influencia dentro dos partidos para garantir apoio a um
ou outro deputado do interior Eacute o tempo que iraacute solidificar as estruturas e o poder e
isto a cacircmara dos Deputados natildeo tinha para si A essecircncia do mecanismo eacute povo
dominado pelos poliacuteticos e poliacuteticos tutelados pelo imperador dentro do quadro
burocraacutetico instituiacutedo (FAORO 2004)
Zacarias de Goacutees e Vasconcelos defendia que o rei absoluto deveria ser distinguido
do rei constitucional natildeo cabendo mais o primeiro no seacuteculo XIX A garantia de
constitucionalidade dos atos do poder moderador estava na referenda feita pelos
ministros que prestavam contas agrave cacircmara O ministeacuterio deve contar entatildeo com a
confianccedila do parlamento Eacute um dado interessante que a maioria dos ministros saiacutesse
do senado e natildeo da cacircmara dos deputados o que garantia que as propostas
administrativas dos gabinetes estivessem mais afinadas com o modelo de governo
esperado pelo imperador O senador escolhido em uma lista triacuteplice apresentada ao
imperador eacute referendado por ele Natildeo havia nesse modelo formas de burlar o
domiacutenio da oligarquia ldquo() calccedilada na vitaliciedade no Senado e no Conselho de
Estadordquo (FAORO 2004 p 354)
A sexta carta datada de 23 de setembro de 1867 portando logo em seguida agrave
publicaccedilatildeo da carta anterior (o que permite aceitar que os textos sejam de certa
forma complementares visto a dificuldades de comunicaccedilatildeo com as frentes de
batalha) que tem a data de 20 de setembro Intitulada estaacute como uma carta ldquosobre a
guerrardquo e visto que a guerra eacute assunto presente em todas as cartas eacute preciso deter-
se um pouco no assunto Alencar inicia seu argumento afirmando de forma
progressiva que ldquoa paz eacute uma grande vergonha () a paz eacute um ato de miseacuteria
() a paz eacute uma vilaniardquo (ALENCAR 2009 p343) mas que o momento torna a
guerra algo insustentaacutevel Culpa o ministeacuterio por natildeo conseguir mais alistar homens
para a batalha e com a consequente falta de braccedilos para a lavoura a economia se
retrai dia apoacutes dia pois o escravo negro cada dia mais eacute presente nas fileiras da
guerra O alistamento feito para a guerra a princiacutepio voluntaacuterio comeccedila a encontrar
resistecircncia O governo forccedila o alistamento e o alistado poderia mandar um escravo
em seu lugar Eacute um impasse complexo para o liberalismo no Brasil Como pode
algueacutem que natildeo dispotildee de sua liberdade ndash nem disporaacute ndash pode lutar pela liberdade
Aproveita ainda o Alencar para dar alfinetadas nos liberais por meio da figura de
Zacarias de Goacuteis afirmando que o temor da guerra (ou mesmo de se responsabilizar
por seus rumos que seria efetivamente o caso) afasta a possibilidade de outro
partido tomar as reacutedeas da politica nacional garantindo a permanecircncia do partido
liberal no poder Critica veementemente a situaccedilatildeo de alistamento de escravos ndash
alguns cedidos por seus senhores para que combatam por eles - no exeacutercito regular
A questatildeo eacute como algueacutem que natildeo goza da liberdade pode lutar pela liberdade
ldquoPor entusiasmo espontacircneo esposando a causa de seus senhoresrdquo (ALENCAR
2009 p350) afirma Sua sugestatildeo eacute que se decirc fim agrave guerra pelo menos por
enquanto para que se resolvam os maiores problemas que satildeo os da poliacutetica
interna comeccedilando pela reorganizaccedilatildeo (ou deposiccedilatildeo claro) do gabinete e o
problema da escravidatildeo e completa consagrando seu momento maacutegico no tempo
a afirmaccedilatildeo de que soacute assim ldquoo paiacutes haacute de recuperar as forccedilas inertes os brios
abatidos O impeacuterio seraacute outra vez o Brasil da independecircncia o Brasil de 1851rdquo
(ALENCAR 2009 p354) Pronto para dar uma soluccedilatildeo os problemas do paiacutes
afirma somente o partido conservador Este ldquonatildeo tem a cumplicidade desta guerra
natildeo o tolhem compromissos do passado Entraria no poder com a imparcialidade do
juiz [e com] bastante civismo para arrostar as dificuldades da guerrardquo (ALENCAR
2009 p355) Um pouco de partidarismo ao fim da carta faz bem o estilo de nosso
missivista
O intervalo entre a penuacuteltima carta publicada em 23 de setembro de 1867 e a Uacuteltima
Carta49 datada de 15 de marccedilo de 1868 eacute grande se comparado ao restante do
conjunto Uma nota ao final (indicada como post-scriptum) assinala que ldquomotivos
imperiosos retardaram a publicaccedilatildeo desta cartardquo (ALENCAR 2009 p389) O uso do
termo ldquoimperiososrdquo eacute um indicio que pode se referir agrave condecoraccedilatildeo oferecida ao
Alencar pelo Imperador no ano de 1867 o oficialato da Rosa pelos serviccedilos
prestados ao paiacutes por meio da literatura Com seu habitual jeito mal educado
Alencar recusa a comenda e D Pedro II consegue uma inteligente cartada de
manipulaccedilatildeo aceitando desta forma as criacuteticas e tirando o Alencar do centro do
universo O episoacutedio da comenda oferecida sem que haja qualquer pretensatildeo de
agradar (assim o diz) ao Alencar mostra publicamente que haacute na figura do
imperador um interlocutor para as cartas E que este sabe muito bem o que lecirc e
sabe tambeacutem responder quando necessaacuterio for
Inicia Alencar aludindo a seu recolhimento explicitando o motivo na ideia de que
tambeacutem a situaccedilatildeo parece ter tido uma pausa Eacute o periacuteodo de encerramento do
trabalho das cacircmaras em Janeiro Caxias assume o comando das tropas aliadas
Alguns rumores correm a cidade conta de que o ministeacuterio pretende mudanccedilas e
encontra certa resistecircncia de D Pedro II A verdade segundo ele eacute que a situaccedilatildeo
deve ter fim A corrupccedilatildeo toma conta do Estado e natildeo se consegue uma
intervenccedilatildeo estando todos preocupados com a guerra natildeo se enxerga a corrupccedilatildeo
na administraccedilatildeo do Paiacutes Alencar sugere que a devassidatildeo que se daacute soacute terminaraacute
quando a consciecircncia do povo mudar ou quando o paiacutes natildeo tiver mais o que ser
corrompido
O corretivo da desmoralizaccedilatildeo sairaacute de seu proacuteprio seio quando natildeo haja mais nada a corromper e a dissoluccedilatildeo tenha-se operado no paiacutes todo entraremos necessariamente no periacuteodo embrionaacuterio de uma nova existecircncia poliacutetica em uma era de reorganizaccedilatildeo (ALENCAR 2009 p358)
Essa visatildeo pessimista tem um pouco de rancor por conta da manobra da comenda
oferecida ao missivista pelo Imperador mas natildeo deixa de levar em conta a proposta
de que agora com as mudanccedilas na direccedilatildeo da Guerra do Paraguai esta encontre
49 Intitulada ldquoUltima cartardquo Alencar dava por fim seu projeto
seu termo e tenha um fim o deacuteficit puacuteblico (que soacute se ampliava e seguiria D Pedro II
ateacute sua deposiccedilatildeo em 1889) e que agora eacute o momento em que D Pedro II natildeo deve
intervir A escolha por Caxias sugerida ateacute mesmo por Alencar poderia mudar os
rumos ateacute aqui e jaacute havia os rumores de que finalmente o Imperador iria ceder aos
apelos do Conde Drsquoeu ndash marido ldquoestrangeirordquo de Isabel ndash para que o enviasse ao
Paraguai e virasse tambeacutem um heroacutei do Brasil (ou encontrasse alguma atividade
qualquer para sua real pessoa) O interesse na guerra chega a ser observado por
Isabel em carta recolhida por Schwarcz No recorte Isabel indica seus medos
Papai me disse que a paixatildeo eacute cega Que a sua paixatildeo pelos negoacutecios da guerra natildeo o tornem cego Aleacutem disso Papai quer matar o meu Gaston Feijoacute recomendou-lhe muito que natildeo apanhasse sol nem chuva nem sereno e como evitar-lhe isso quando se estaacute na guerra (SCHWARCZ 1999 p 485)
Alencar natildeo estava errado haja vista as opccedilotildees que tinha o Imperador em sua
famiacutelia Mas seu conselho eacute a cautela Resolve nesta uacuteltima carta fazer um
apanhado de suas criacuteticas citando o problema da especulaccedilatildeo financeira que
ldquoassalta a riqueza puacuteblica e particular que potildeem em siacutetio todos os interesses
legiacutetimos da sociedaderdquo (ALENCAR 2009 p368) O avanccedilo dos progressistas
dilapidando as bases do governo estruturadas em um modelo de democracia que se
baseia na disputa entre os dois partidos entatildeo majoritaacuterios o liberal e o conservador
a inexperiecircncia dos parlamentares e demais dirigentes chamados por ele crianccedilas
as quais ldquoquase que saiacuteram dos cueiros para as cadeiras da Cacircmara dos Deputados
e para as poltronas ministeriaisrdquo (ALENCAR 2009 p369) lembrando a situaccedilatildeo do
golpe da maioridade com que D Pedro II chega ao poder quando afirma que ldquovoacutes
sabeis senhor e ningueacutem melhor do que voacutes que moralmente eacute a verdaderdquo
(ALENCAR 2009 p369) Critica a gastanccedila e a dilapidaccedilatildeo do tesouro a
depravaccedilatildeo dos costumes e da ordem puacuteblica afirmando que o gabinete eacute corrupto
e que tal corrupccedilatildeo se espalha com o conhecimento e por vezes o apoio da casa
imperial quando permite ldquolanccedilar agraves enxurradas tiacutetulos e condecoraccedilotildees por todo o
paiacutes [onde] com dois contos de reacuteis um aventureiro se condecorava com a fita que
voacutes trazeis ao peito como gratildeo-mestre das ordens brasileirasrdquo (ALENCAR 2009
p370) tatildeo somente com o intuito de captaccedilatildeo de dinheiro Culpa novamente o
Partido Progressista como o verme que destroacutei o paiacutes se vende ao comeacutercio e ldquoo
comeacutercio satildeo alguns indiviacuteduos ou mais atilados ou mais decididos que dirigem o
pensamento dos outrosrdquo (ALENCAR 2009 p371) aprovando ideias projetos e
mudanccedilas na poliacutetica
A situaccedilatildeo do periacuteodo na opiniatildeo de Alencar natildeo eacute de tranquilidade e
desenvolvimento mas de corrupccedilatildeo e descontrole As figuras que aviltam o paiacutes e
estatildeo por toda a parte seguem na narrativa satildeo eles
o parlamentar sem escruacutepulos nem convicccedilotildees que se faz servo de todos os governos () o poliacutetico cheio de cobiccedila que errou sua natural vocaccedilatildeo de agiota () o ministro que para conservar-se no poder natildeo duvida associar-se a indignos instrumentos () o funcionaacuterio puacuteblico sem dignidade ()o negociante que em vez de desenvolver sua atividade no campo livre da induacutestria anda farejando pelas cercanias do poder algum pingue contrato de fornecimentordquo (ALENCAR 2009 p 373-374)
Todos estes constituem o conjunto de forccedilas que atuam dentro do sistema
correndo-o A soluccedilatildeo seria um processo de moralizaccedilatildeo do Estado Por outro lado
sendo atingida em seus preceitos a famiacutelia que ldquoassiste sem querer a essa
representaccedilatildeo da comeacutedia perigosardquo (ALENCAR 2009 p374) que seria o uacuteltimo
refuacutegio da moralidade e a base da sociedade se sente ameaccedilada Cabe lembrar
que essa recusa de Alencar em aceitar mudanccedilas na estrutura dos partidos natildeo
condiz com o pensamento liberal (KENNY 1998) Segundo Alencar
O domiacutenio progressista devido agrave vossa niacutemia complacecircncia natildeo atuou unicamente sobre a poliacutetica sua decidida influecircncia na sociedade na vida privada estaacute bem patente As maacuteximas de governo adotadas nestes uacuteltimos tempos foram insinuando na domesticidade do cidadatildeo ideias e tendecircncias ateacute agora desconhecidas (ALENCAR 2009 p 373)
A deturpaccedilatildeo dos valores morais do ser humano eacute reconhecida nos personagens da
famiacutelia No pai no marido no filho que assistem a tudo e ndash se natildeo se reconhecem ndash
se inspiram A instituiccedilatildeo forte ldquoque repelia com indignaccedilatildeo as mais brilhantes
seduccedilotildees do mal agora flaacutecida e lacircnguida recebe quanto lhe deitam amolda-se a
qualquer pressatildeordquo (ALENCAR 2009 p374) E este eacute o retrato que se ldquoobserva em
geral na vida domeacutestica deste paiacutes Eis o segredo de todas estas defecccedilotildees de
caracteres que diariamente registra a opiniatildeo puacuteblicardquo soacute se tem apreccedilo pelo
dinheiro a cobiccedila ao ldquolar brasileiro onde outrora pendiam com as alegrias da
famiacutelia os penates da religiatildeo e do amor [agora] soacute haacute presentemente um iacutedolo o
bezerro de ourordquo (ALENCAR 2009 p377) E que ouro Eacute ali que ldquotodos os dias se
formam almas progressistas que devem mais tarde substituir os corifeus da
atualidaderdquo (ALENCAR 2009 p377) A moral base da sociedade estaacute subvertida
Vale lembrar que o argumento eacute legal A moral catoacutelica pregada eacute a ordem presente
para todos e assumida na lei dentro do projeto conservador de Alencar Mesmo o
herdeiro do trono jaacute rezava a constituiccedilatildeo poliacutetica do impeacuterio do Brasil de 1824 no
juramento que prestaria perante o senado ao aniversaacuterio de quatorze anos como
indica o artigo 106 se comprometia a manter a religiatildeo Catoacutelica Apostoacutelica Romana
observar a Constituiccedilatildeo Politica da Naccedilatildeo Brasileira e ser obediente aacutes leis e ao
Imperador
Voltando ao texto a sugestatildeo de Alencar eacute a de civilizar o negro ndash influecircncia
perniciosa dentro da famiacutelia - pelo trabalho e em seu contato com o branco - a ldquoraccedila
cultardquo O escravo domeacutestico eacute aquele que estaacute mais proacuteximo dos patrotildees do contato
direto com o branco partilhando de seus segredos seus problemas e suas
deficiecircncias Conhece o cotidiano da casa e partilha de um espaccedilo de limitaccedilotildees
com mulheres e crianccedilas entes de menor valor na sociedade patriarcal do seacuteculo
XIX Natildeo eacute nunca um igual algueacutem que partilha dos mesmos direitos de seus
senhores Eacute sempre um ser inferior que nunca mereceria ser elevado a dignidade
de seus senhores Gorender (2002) nos conta que Thomas Jefferson que foi o
redator da declaraccedilatildeo da Independecircncia dos Estados Unidos segundo a qual todos
os homens satildeo iguais era um grande proprietaacuterio de escravos e natildeo via nenhuma
incoerecircncia nisto pois julgava que os negros pertenciam a uma raccedila de inteligecircncia
inferior Eacute como se Alencar abraccedilasse o princiacutepio juriacutedico baacutesico de diferenciaccedilatildeo
entre naccedilatildeo e populaccedilatildeo onde sua defesa do liberalismo se refere a naccedilatildeo
brasileira e como se a escravidatildeo referisse aos elementos da populaccedilatildeo ndash os
desvinculados a naccedilatildeo brasileira mas de nacionalidade africana transportados para
o Brasil por meio da escravidatildeo Todos dentro de um mesmo territoacuterio mas com
realidades diferentes determinadas pela lei
Tornando ao texto percebe-se aqui uma associaccedilatildeo da cultura negra cooptada
para ldquodentrordquo da famiacutelia e nas relaccedilotildees do patriarcado em oposiccedilatildeo ao elemento
externo tanto o europeu (inglecircs ou portuguecircs ou outro mais) que se estabelece e
passa a usufruir das condiccedilotildees propiacutecias que a coroa ainda permite como o
imigrante com seus valores e idiossincrasias um elemento externo agrave famiacutelia mas
totalmente associada ao contexto das relaccedilotildees econocircmicas do periacuteodo Alencar
sugere uma escolha entre a escravidatildeo e a imigraccedilatildeo os dois males presentes e ao
mesmo tempo as duas soluccedilotildees possiacuteveis para a manutenccedilatildeo tanto do trabalho
como das elites
Podemos admitir que o Rio de Janeiro do periacuteodo se caracteriza como uma
sociedade onde o maior distanciamento social se manifesta com a maior
proximidade social entre os pares senhorescravo (CHARTIER 1999) e eacute a proacutepria
concepccedilatildeo ndash ou usufruto ndash da liberdade que os diferencia Um caso particular eacute o do
escravo domeacutestico Um escravo domeacutestico natildeo eacute um trabalhador do campo um
escravo do eito ndash diretamente ligado agrave produccedilatildeo Pertence ao mundo urbano ao
ambiente da casa-grande e natildeo da senzala O tratamento modelar que propotildee
deriva da questatildeo para a adaptaccedilatildeo do modelo econocircmico escravo para o trabalho
livre a partir da demanda criada pela cidade com novos empregos devido ao
desenvolvimento do capitalismo O modelo que propotildee seria para um escravo da
cidade se adaptar as relaccedilotildees econocircmicas dali para a constituiccedilatildeo talvez de um
proletariado urbano enquanto a massa de matildeo-de-obra agriacutecola permaneceria da
mesma forma enquanto conviesse ao produtor rural ao Senhor de escravos E a
transformaccedilatildeo do modelo deve ser tambeacutem tutelada e monitorada pela Elite Alencar
defende veementemente a tutela posterior do escravo liberto pelo antigo senhor Em
Alencar mesmo que haja o fim do viacutenculo da escravidatildeo os laccedilos criados
permanecem com a tutela e a manutenccedilatildeo da matildeo de obra No fim nada muda
nem mesmo as condiccedilotildees de trabalho O elemento branco masculino europeu
cristatildeo se torna tambeacutem aqui no Brasil o modelo a ser seguido e obedecido
mesmo porque a percentagem de escravos na cidade natildeo era pequena Novais
(1997) informa que a Corte abriga em 1849 em nuacutemeros absolutos a maior
concentraccedilatildeo de escravos urbanos no mundo desde o impeacuterio romano Em 1850
de um total de 206 mil habitantes em aacuterea urbana 79 mil (portanto 36) eram
escravos Sabemos que os padrotildees de comportamento da sociedade acompanham
as mudanccedilas no cenaacuterio poliacutetico que vem a acontecer no Brasil desde o iniacutecio do
seacuteculo XIX isso foi sentido tambeacutem no modelo da famiacutelia Com o fortalecimento
econocircmico do Rio de Janeiro ndash capital do reino ndash a riqueza passa a fazer parte da
cidade e o comeacutercio se desenvolve grandemente A escravidatildeo ainda eacute uma questatildeo
mal resolvida dentro e fora de casa para o desenvolvimento de um liberalismo
poliacutetico e econocircmico Mas essa amalgama proposta por Alencar eacute seu projeto
liberalconservador com a moralizaccedilatildeo do Estado a diminuiccedilatildeo da intervenccedilatildeo
deste nos negoacutecios privados um desenvolvimento do capitalismo ainda ldquoperifeacutericordquo
onde haacute consumidores e natildeo existe produccedilatildeo e a manutenccedilatildeo da escravidatildeo como
base para a agricultura agroexportadora se faz necessaacuteria para a manutenccedilatildeo dos
privileacutegios da elite e garantia de uma induacutestria (agricultura) lucrativa Alencar
concorda com a pregaccedilatildeo dos liberais moderados em que os privileacutegios dos grupos
ligados a propriedade de terra deve ser mantido mesmo que a custo da manutenccedilatildeo
da escravidatildeo pois eacute o que garante o desenvolvimento da economia e da proacutepria
naccedilatildeo O argumento contra a mudanccedila eacute expresso por Evaristo da Veiga em uma
ediccedilatildeo do Aurora Fluminense em 1829 quando diz que os moderados satildeo contra
toda espeacutecie de ldquotiraniardquo contra todos os excessos que possa haver (PRADO
2001) Mas aqui ldquoexcessosrdquo para Evaristo quer dizer atitudes que possam mudar
as condiccedilotildees de produccedilatildeo de forma brusca Extremismos dos liberais radicais que
possam deturpar a ordem estabelecida
Alencar sugere que o clima percebido no paiacutes (na opiniatildeo puacuteblica) anuncia
mudanccedilas revolucionaacuterias talvez E natildeo estamos muito distantes aqui das uacuteltimas
revoluccedilotildees liberais do periacuteodo regencial Zacarias de Goacuteis entatildeo no gabinete eacute um
dos grandes defensores da proposta de que o Imperador reina mas natildeo governa
(chega a publicar um livro sobre o assunto) que D Pedro II natildeo deve interferir
diretamente na administraccedilatildeo ndash leia-se poder moderador Mas segundo Alencar o
gabinete do jeito que estaacute tambeacutem natildeo consegue levar o governo O que haacute de se
esperar Propotildee jaacute que somente com a pressatildeo popular conseguiraacute mudar tal
gabinete ldquodai reacutedeas ao ministeacuterio Quanto mais breve provoque ele o motim com
seus erros menos sofreremosrdquo (ALENCAR 2009 p382) A questatildeo em Alencar
contudo natildeo eacute a defesa do modelo de trabalho escravo A lei garante isto Sua
defesa visa a opiniatildeo puacuteblica e a manutenccedilatildeo dos valores em um quadro em que eacute
preciso ldquoadministrarrdquo o conteuacutedo liberal a ser mostrado sob um filtro conservador
Concordando entatildeo com o que diz Bosi (1988) afirmamos que o liberalismo
defendido por Alencar se apresenta como uma sineacutedoque em que um conteuacutedo
escolhido se torna representativo do todo desvirtuando assim as ideias originais do
liberalismo e criando discurso ideoloacutegico que visa sustentar uma elite no poder
representada pelos latifundiaacuterios ricos comerciantes e traficantes de escravos para
quem a economia agroexportadora baseada no braccedilo escravo trazia lucros e
portanto deveria permanecer como a base econocircmica do Brasil
No uacuteltimo capiacutetulo anuncia a despedida de Erasmo certo de que sua identidade eacute
conhecida Justifica o seu pseudocircnimo dizendo que para se dirigir a figura do
Imperador com um conjunto de criacuteticas poderoso ndash escolhe entatildeo o pseudocircnimo
baseando-se na figura do filoacutesofo e intelectual renascentista que natildeo casualmente
foi tambeacutem professor - como o fez ldquoera necessaacuterio ter um nome respeitado cheio de
prestiacutegio e autoridade Faltando [-me] esse tiacutetulo soacute me restava o da verdaderdquo
(ALENCAR 2009 p385) e eacute a verdade (sob sua oacutetica a de um intelectual do
periacuteodo claro) que foi descrita aqui A soluccedilatildeo para o cidadatildeo comum eacute rir disto
tudo da comeacutedia que se tornou o paiacutes O cidadatildeo cordado diz ou chora ou
gargalha E parece cada vez mais ser isolado de uma efetiva participaccedilatildeo poliacutetica
extremamente necessaacuteria nesse regime constitucional Anuncia que natildeo acredita ser
tudo isto culpa de D Pedro II mas das elites que dominam o povo Termina com
letras garrafais afirmando que ldquoa liberdade nos paiacuteses constitucionais natildeo depende
do rei e soacute do povo () Mas infelizmente do povo que natildeo sabe governar-serdquo
(ALENCAR 2009 p389)
A resposta de D Pedro II viria logo depois com a queda do gabinete Zacarias de
Goacuteis Para o novo ministeacuterio a pasta da justiccedila eacute entregue a Alencar por sugestatildeo
do presidente do gabinete Itaboraiacute no chamado gabinete-bomba sob a presidecircncia
de Itaboraiacute A soluccedilatildeo eacute bem simples para o Imperador e pode parecer como uma
pequena vinganccedila pessoal como Alencar parece conhecer tatildeo bem os problemas
do Brasil ele que os resolva
4 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
A histoacuteria das antigas religiotildees e escolas como a dos partidos e revoluccedilotildees modernas nos ensina que o preccedilo da sobrevivecircncia eacute o envolvimento praacutetico a transformaccedilatildeo de ideias em dominaccedilatildeo
Adorno e Horkheimer
Para o conjunto das cartas - aqui analisado de forma natildeo exaustiva - haacute muitos
outros aspectos relevantes que dada a dimensatildeo do trabalho natildeo pudemos
alcanccedilar Natildeo se pretende aqui um diagnoacutestico geral e futuro da sociedade brasileira
mas sobretudo a partir do texto a compreensatildeo da situaccedilatildeo poliacutetica econocircmica e
social do periacuteodo na visatildeo de um agente poliacutetico que se apresenta como um
intelectual orgacircnico Sua praacutexis transformadora eacute a criacutetica ao sistema em forma de
mobilizaccedilatildeo da opiniatildeo puacuteblica Esse eacute um exemplo do processo ao qual Gramsci
(1999) chama de catarse a elaboraccedilatildeo da estrutura em superestrutura quando da
tomada de consciecircncia destes leitores da capacidade de transformaccedilatildeo social que
lhes eacute possiacutevel conseguir e que soacute se efetiva a partir da participaccedilatildeo de cada
indiviacuteduo Alencar consegue mobilizar-se (e usar) em um veiacuteculo de comunicaccedilatildeo
com um novo formato e distribuiccedilatildeo com as cartas e alcanccedilar um puacuteblico leitor que
caracteriza a maior parte da opiniatildeo puacutebica do periacuteodo Dissemos anteriormente que
o alcance eacute dado importante na consolidaccedilatildeo da ideologia que eacute preciso partilhar
com o grupo o discurso Deixamos claro tambeacutem que discurso em favor da
manutenccedilatildeo da escravidatildeo natildeo era novo estaacute em debate jaacute com as ideias de Joseacute
Bonifaacutecio no primeiro reinado com os produtores de cana nordestinos e seus
representantes com Euzeacutebio de Queiroz com o grupo saquarema e vaacuterios outros
deputados e senadores que se apresentavam com seus proacutes e contras Alencar
poderia escrever livros e livros justificando a escravidatildeo mas tinha a clareza de que
seu argumento eacute injustificado ndash considerando-se algueacutem que se propotildee um liberal -
e que a aboliccedilatildeo era mais dia menos dia inevitaacutevel Diferindo da accedilatildeo de Gramsci
que pretendia reduzir desigualdades entre todos os homens o nuacutecleo transformador
de Alencar era mais segmentado (afinal ele nunca deixou de ser um representante
da aristocracia) como pudemos observar examinando dos dados sobre o niacutevel de
formaccedilatildeo intelectuais desses grupos mas eacute a disseminaccedilatildeo de suas ideias que as
tornaraacute comum a todos (era esta a sua proposta) determinando assim o curso
contiacutenuo da ideologia
Pudemos observar que o diferencial de Alencar foi identificar uma mudanccedila na
conjuntura poliacutetica com grupos de pressatildeo os mais diversos alimentando a ideia de
uma aboliccedilatildeo da escravidatildeo em um momento que a imprensa ndash entatildeo em
emergecircncia na Corte do Brasil ndash traz novas ideias baseadas no liberalismo poliacutetico e
econocircmico europeu para os grupos perifeacutericos da elite que se configuram como
uma opiniatildeo puacuteblica centrada em uma burguesia citadina que se desenvolve
grandemente no periacuteodo Com isso Alencar busca usar um veiacuteculo de comunicaccedilatildeo
de grande alcance para tentar mobilizar esta opiniatildeo puacuteblica em seu favor no caso
aqui tratado em favor das ideias de manutenccedilatildeo da escravidatildeo Dessa feita
observamos tambeacutem que as cartas poliacuteticas de Alencar objeto de nosso estudo satildeo
uma obra de teor criacutetico poliacutetico-social mas tambeacutem tem como objetivo divulgar o
pensamento de Alencar e consolida-lo como figura valorosa no cenaacuterio poliacutetico da
Corte Seu caminho jaacute foi escolhido eacute o do partido conservador ser-lhe-aacute fiel ateacute o
fim Mas como pudemos observar as diferenccedilas entre os dois partidos natildeo eram
tatildeo acentuadas e os dois acabavam por defender o sistema monaacuterquico O Rio de
Janeiro com a onda de independecircncia poliacutetica nos seacuteculos XVIII e XIX eacute o reduto
monarquista da Ameacuterica Latina eacute bom lembrar
O que tambeacutem pudemos observar no texto de Joseacute de Alencar eacute a tentativa a partir
de estrateacutegias discursivas muacuteltiplas de disseminar um conteuacutedo ideoloacutegico
sugerindo a manutenccedilatildeo de um conservadorismo de molde monarquista e baseado
no regime escravagista Tais estrateacutegias buscam um ldquolugarrdquo diferenciado para o
discurso longe das disputas partidaacuterias longe da possibilidade do debate direto
Isso eacute mostrado na opccedilatildeo para a publicaccedilatildeo das cartas em ldquofolhetinsrdquo textos
impressos tambeacutem em graacuteficas mas natildeo no ldquocorpordquo de um jornal (o que poderia ter
sido relativamente faacutecil para Alencar no momento visto sua posiccedilatildeo como editor de
um importante jornal na Corte) Deslocar o texto da miacutedia ldquojornalrdquo para um veiacuteculo
alternativo desloca tambeacutem o discurso e cria uma situaccedilatildeo confortaacutevel de
hegemonia podemos assim dizer ndash mesmo porque era ele o uacutenico a fazecirc-lo no
momento Um traccedilo do manifesto de Alencar no texto eacute acreditar que o intelectual
tem o dever de iluminar o caminho do desenvolvimento e o desenvolvimento poliacutetico
e econocircmico pregado nas ideias de Alencar tem base nas ideias liberais D Pedro II
se guiaria pela opiniatildeo puacuteblica que pode ndash segundo dados de Alencar ndash ser medida
na publicitaccedilatildeo dos atos do governo pelos jornais E os jornais da Corte nos garante
ele jaacute estatildeo todos nas matildeos do ministeacuterio e o Imperador prefere sempre o caminho
da conciliaccedilatildeo os partidos conservador e liberal natildeo detecircm espaccedilos na imprensa de
grande circulaccedilatildeo e seus pequenos jornais poliacuteticos natildeo satildeo de grande alcance o
que apresenta um campo aberto para o texto de Alencar Eacute dessa forma que
entendemos o que pode ser aqui descrito pelo conceito de bloco histoacuterico
(GRAMSCI 1999) que eacute a articulaccedilatildeo de um conjunto de praacuteticas e concepccedilotildees
para garantir a manutenccedilatildeo de uma situaccedilatildeo histoacuterica determinada
Cabe lembrar que para que a ideologia seja eficaz o discurso deve se manter o
mesmo ignorando as mudanccedilas que possam vir a acontecer (CHAUI 1997) Mesmo
com o fim da escravidatildeo que Alencar sugere eminente eacute preciso que ela se
mantenha por mais algum tempo (e enquanto for possiacutevel) A decorrente captaccedilatildeo
de Alencar para o ministeacuterio vem disso Sua capacidade de reflexatildeo e mobilizaccedilatildeo
foi reconhecida e este que jaacute foi deputado e pertence agraves fileiras do partido
conservador seria devidamente enquadrado nos quadros do governo onde sua
ldquoliacutenguardquo pudesse ser reduzida via cargo puacuteblico juntando-o agrave burocracia passando
assim a fazer parte do governo que criticara Natildeo eacute de todo correto o que os
bioacutegrafos pesquisados aqui como Menezes (1965) Neto (2006) e Aguiar (1984)
dizem sobre a relaccedilatildeo de desconfianccedila ideoloacutegica que D Pedro II teria por Alencar
quando natildeo escolhe em lista triacuteplice seu nome para uma cadeira no senado o
motivo natildeo eacute somente este Com as cartas o imperador vecirc que Alencar eacute mesmo
um elemento importante do conservadorismo e que poderia confiar em suas ideias
e em suas atitudes colocando-o sob os braccedilos do governo A captaccedilatildeo de Alencar
para o ministeacuterio apesar de ele revelar-se extremamente competente segue o
mesmo caminho das condecoraccedilotildees e concessotildees de tiacutetulos que eacute criar uma
aristocracia dependente dos favores da coroa tendo no caso da burocracia o
elemento controlador e deixando o ldquoperigordquo bem a vista do imperador Os motivos
tambeacutem parecem ser de ordem pessoal em um relacionamento que nunca teve
tanta cordialidade D Pedro II como mostramos sequer queria demitir o Alencar do
cargo de Ministro da Justiccedila atestando assim a competecircncia deste
Novamente com Gramsci entendemos que o discurso desenvolvido nas cartas de
Erasmo tem todas as caracteriacutesticas da ideologia partilhada pelas classes
dominantes Alencar tenta se localizar acima do lugar comum acima das outras
miacutedias como o jornal ou mesmo os folhetins que ajudou a popularizar acima ateacute dos
partidos reafirmamos que essa proposta conservadora ndash baseada em uma eacutetica
moral cristatilde ndash eacute parte de um conjunto ideoloacutegico partilhado pelas classes dominantes
(mesmo por segmentos liberais e conservadores) e que tem em vista ndash agora com
Alencar ndash a criaccedilatildeo de uma utopia
A partir de nossa anaacutelise sustentamos aqui que - segundo Chauiacute - a utopia nasce
como gecircnero na literatura constituindo a narrativa sobre uma sociedade perfeita e
feliz e ao mesmo tempo como discurso poliacutetico na exposiccedilatildeo sobre uma forma para
a cidade justa (CHAUIacute 2008) O termo topos em grego significa lugar e o prefixo ldquourdquo
indica um sentido negativo como um ldquonatildeo lugarrdquo ou lugar desconhecido ou ainda
no sentido da obra o diferente do que conhecemos e praticamos eacute a possibilidade
de interaccedilatildeo com a alteridade (CHAUIacute 2008) Eacute esta a proposta de Alencar a utopia
no sentido possiacutevel alcanccedilaacutevel por meio de um conjunto de ideias baseadas no
liberalismo claacutessico com traccedilos marcantes de conservadorismo Seu texto ndash natildeo
lugar ndash eacute lugar de passagem rumo a construccedilatildeo de um fim possiacutevel que ele
acredita indicar como uma postura para a sociedade que comeccedila a se desenvolver
no paiacutes Mas uma sociedade em que as classes satildeo bem definidas a elite o povo e
os outros50 Vale argumentar como jaacute comentado anteriormente no capiacutetulo que
refere a biografia de Alencar sua praacutetica de leitura para um grupo de pessoas Em
Chartier (1999) por exemplo observamos tal praacutetica (dentro da famiacutelia ateacute com
grupos proacuteximos ao nuacutecleo familiar) na Europa ainda nos seacuteculos XVII e XVIII com a
venda avulsa de livros sobre a vida dos santos contos de fadas e romances de
cavalaria ndash para citar os gecircneros com maior venda - por toda a parte para as
50
Um dado interessante eacute o de que Tomas Morus autor do claacutessico Utopia a que nos referimos aqui
natildeo chega a publicar seu livro sendo decapitado a mando de Henrique VIII em 1535 O livro seria publicado poucos anos depois na Basileacuteia (Suiacuteccedila) por Erasmo a quem este estava ligado por laccedilos de amizade
camadas populares natildeo soacute nas cidades mas tambeacutem em lugares os mais distantes
As ideias de Alencar poderiam chegar a mais e mais pessoas sem que o proacuteprio
autor tivesse condiccedilotildees de mensurar tal alcance Mas por outro lado natildeo podemos
ser ingecircnuos e acreditar que tais condiccedilotildees de leitura natildeo fossem - mesmo que
parcialmente - conhecidas por Alencar sendo este um jornalista e autor literaacuterio de
renome e um dos poucos que puderam dizer ainda em vida que vendiam suas
obras
Alencar estava ciente da forccedila de seu projeto e tinha consciecircncia da repercussatildeo
que conseguiu logo depois da publicaccedilatildeo da primeira carta Na segunda ediccedilatildeo das
cartas ao Imperador datada de 1866 e impressa na Typographia de Cacircndido
Augusto de Mello no Rio de Janeiro Alencar escreve na advertecircncia ao texto ndash
referindo-se a publicitaccedilatildeo da primeira ediccedilatildeo que ldquoa tentativa foi bem decidida O
favor puacuteblico a acompanhou e deu-lhe forccedilas e estiacutemulos para progredirrdquo
(ALENCAR 2009 p08) Natildeo haacute uma poetizaccedilatildeo da poliacutetica nem a utopia romacircntica
nesse momento apenas as estrateacutegias discursivas no texto com o objetivo
especiacutefico de disseminar um discurso ideoloacutegico para a construccedilatildeo da verdadeira
utopia O seu modelo de naccedilatildeo que como advogado segue o princiacutepio geral do
Direito e apresenta uma clara separaccedilatildeo entre povo e populaccedilatildeo
Alencar bem sabia o que estava a fazer com as cartas e sabia tambeacutem que estava
sendo acompanhado pelos leitores e tinha condiccedilatildeo de sugerir ldquoopiniotildeesrdquo para esse
puacuteblico enquanto reafirma constantemente sua opccedilatildeo pela aristocracia e a
monarquia ndash confirmando tambeacutem as ideias em defesa da escravidatildeo Em seu
modelo de transformaccedilatildeoconservaccedilatildeo opta pela afirmaccedilatildeo de valores
tradicionalmente aceitos pela burguesia pela moral cristatilde e a preservaccedilatildeo do
modelo da famiacutelia cristatilde do patriarcado e pelo liberalismo econocircmico Um modelo
que deve ndash segundo suas convicccedilotildees - perpetuar-se mesmo com as transformaccedilotildees
sociais que o desenvolvimento da cidade e da sociedade brasileira prenuncia
Cabe lembrar que pode ser observado que os grupos representativos das elites no
Rio de Janeiro jaacute demonstravam um misto de preconceito racial e econocircmico tanto
com a populaccedilatildeo livre e mesticcedila como a populaccedilatildeo de escravos e ex-escravos que
se multiplicava vendo nessas pessoas apenas instrumentos para o trabalho e
obtenccedilatildeo de lucros E sua ideia nos parece claro eacute que permanecessem assim
Cabe lembrar que quando da publicaccedilatildeo das ldquonovas cartas ao Imperadorrdquo entre
186869 a Inglaterra paiacutes que exercia forte influencia na sociedade brasileira tanto
poliacutetica quanto economicamente jaacute dava os primeiros sinais das mudanccedilas de
relaccedilotildees trabalhistas com a liberaccedilatildeo dos sindicatos trabalhistas e o direito de greve
e outros direitos que viriam a integrar o conjunto ateacute 1875 (HOBSBAWN 2011) e
com certa resistecircncia tambeacutem na Franccedila o que consequentemente poderia se
estender e chegar aqui junto com trabalhadores imigrantes europeus modificando
as relaccedilotildees entre patratildeo e empregado - que seriam inevitavelmente muito diferentes
da anterior relaccedilatildeo senhorescravo Acreditamos que nessa perspectiva o estudo
do trabalho de Alencar e suas ideias frente agrave escravidatildeo se torna pertinente visto
que as teorias que se podem classificar como ldquoracistasrdquo e de valorizaccedilatildeo da raccedila
branca soacute vem a se instalar no Brasil em uma eacutepoca senatildeo posterior ao menos
contemporacircnea ao nosso recorte Destacamos aqui baseado no que mostra
Skidmore (1989) o trabalho do historiador inglecircs Henry Thomas Buckle a ldquoHistoacuteria
da civilizaccedilatildeo na Inglaterrardquo publicada em vaacuterios volumes entre 1857 e 1861 que
defendia uma filosofia do determinismo climaacutetico onde as raccedilas oriundas de lugares
de climas mais quentes seriam mais bem adaptadas para o trabalho braccedilal Seu
contemporacircneo Arthur de Gobineau um francecircs que chega a trabalhar no Brasil
como diplomata em 1869 edita seu ldquoEssai sur lrsquoInegaliteacute des Races Humainesrdquo em
1853 aonde defende que a sociedade multirracial que se via aqui soacute servia para a
degeneraccedilatildeo tanto de negros como de europeus criando uma mesticcedilagem fraca e
esteacutereo Outras teoacutericos tiveram suas ideias divulgadas em um periacuteodo posterior e
alguns ficaram bastante conhecidos aqui como no caso do argentino Joseacute Inginieros
e do francecircs Louis Couty que publica um diaacuterio de sua viagem pelo Brasil em 1868
feita com o auxilio de sua esposa trecircs anos antes (SKIDMORE 1989) Cabe
lembrar tambeacutem que a questatildeo do preconceito eacute somente uma parte da histoacuteria
A defesa da instituiccedilatildeo familiar em seu modelo cristatildeo catoacutelico tambeacutem eacute uma
caracteriacutestica do pensamento do missivista Segundo Alencar faz-se necessaacuterio
dentro deste projeto submeter-se a instituiccedilatildeo a certos ajustes optando pela
reafirmaccedilatildeo de valores tradicionalmente aceitos reafirma todo seu modelo como o
adequado e defende que este deve perpetuar-se em detrimento das
transformaccedilotildees sociais que vem ocorrendo com o desenvolvimento da cidade e que
acusa como degradadoras dos valores morais Que eacute preciso acabar com a ineacutercia
do povo (talvez se referindo a necessidade de braccedilos para a lavoura natildeo a
revoluccedilotildees populares) com o egoiacutesmo dos estadistas e a distacircncia que o Estado ndash
na figura do Imperador ndash tem da administraccedilatildeo puacuteblica A constante criacutetica a ineacutercia
do povo configura a afirmaccedilatildeo de que no constitucionalismo todo participam do
processo decisoacuterio a partir do ldquocontrato socialrdquo Entatildeo todos devem se mobilizar
pois satildeo corresponsaacuteveis por tudo na sociedade
A tiacutetulo de organizaccedilatildeo das ideias podemos afirmar que Alencar um intelectual
militante no oitocentos busca na imprensa uma forma de educaccedilatildeo e ao mesmo
tempo de mobilizaccedilatildeo de determinadas camadas sociais que estatildeo na periferia da
elite e que vem estruturando-se como uma opiniatildeo puacuteblica na Corte com um
discurso ideoloacutegico e moralizante marcado pela valorizaccedilatildeo das tradiccedilotildees e pelo
pensamento liberal ndash devidamente adaptado para a realidade escravagista do Brasil
o que vem a se tornar um sistema com caracteriacutesticas ao mesmo tempo liberais e
conservadoras No caso Alencar serve como instrumento para uma multiplicaccedilatildeo da
ideologia da elite aristocraacutetica que se forma no Brasil depois da independecircncia
tendo na Corte do Rio de Janeiro e na defesa das instituiccedilotildees seu nuacutecleo de poder e
seu norte de dominaccedilatildeo Alencar se forma no curso de Direito em 1849 (na turma de
50) e jaacute no iniacutecio de sua militacircncia jornaliacutestica observa os reflexos da restauraccedilatildeo
da Europa depois das malsucedidas accedilotildees da primavera dos povos E segundo
Hobsbawn (2011) as economias se recompuseram e a partir daiacute paiacuteses como a
Alemanha Itaacutelia o impeacuterio dos Habsburgos (para citar alguns) tiveram um
desenvolvimento econocircmico acelerado Era esta a referecircncia direta observada pelo
Alencar para a defesa da monarquia e este deveria ser o modelo para o Brasil
Monarquia e constitucionalismo
Observa-se assim concordando com o que propotildee Foucault (2004) que o poder
natildeo se restringe ao Estado a uma pessoa determinada ou a um grupo de pessoas
este eacute muacuteltiplo e diversificado aparecendo de modo diferente em diferentes esferas
da sociedade O poder no sentido aqui descrito eacute algo que se manteacutem a partir do
aceite do grupo a que este se refere Norberto Bobbio apresenta um conceito de
poder que vai ao encontro do que procuramos Poder eacute ldquoa capacidade do homem
em determinar o comportamento do homemrdquo (BOBBIO 1998 p933) Mais adiante
o autor alarga seu conceito de poder explicitando
O conceito em que conveacutem basear este alargamento da noccedilatildeo de Poder eacute o conceito de interesse tomado em sentido subjetivo isto eacute como estado da mente de quem exerce o Poder Diremos entatildeo que o comportamento de A que exerce o Poder pode ser associado mais que agrave intenccedilatildeo de determinar o comportamento de B objeto do Poder ao interesse que A tem por tal comportamento As relaccedilotildees de imitaccedilatildeo por exemplo onde falta a intenccedilatildeo no imitado de se propor como modelo se incluem em Poder se a imitaccedilatildeo corresponde ao interesse do imitado (como em certas relaccedilotildees entre pai e filho) mas natildeo se incluem se agrave imitaccedilatildeo natildeo corresponde o interesse do imitado (BOBBIO 1998 p 934)
Entendemos que haacute sempre algueacutem predisposto a aceitar o poder Mas como se daacute
tal aceite Eacute justamente nas relaccedilotildees interpessoais as quais se constituem por meio
da internalizaccedilatildeo de discursos alheios No caso de um texto como o apresentado por
Alencar nas ldquoCartas de Erasmordquo eacute por meio de uma relaccedilatildeo de confianccedila que o
leitor passa a ter com o autor como algueacutem que compreende a realidade e a mostra
para este o que sustenta uma relaccedilatildeo de confianccedila entre as partes Entendemos
tambeacutem que essa construccedilatildeo subjetiva da realidade que passa a ser ldquosocialrdquo a partir
do compartilhamento de sua leitura eacute histoacuterica porquanto assume significaccedilatildeo para
os grupos a que se referem A obra eacute entendida como uma conceptualizaccedilatildeo do
mundo onde se constitui como conjuntos de enunciados e eacute o enunciado o portador
da significaccedilatildeo (MORSON 2008) Isso se daacute a partir da construccedilatildeo de uma
representaccedilatildeo social onde haacute sempre a perspectiva da alteridade em forma de
resposta imediata ao texto ou retomada posteriormente Eacute por meio desta leitura das
representaccedilotildees e do poder que entendemos - na concepccedilatildeo de Gramsci - a funccedilatildeo
do intelectual de disseminar ideias propostas e conceitos E mesmo de forma
indireta como um agente de mobilizaccedilatildeo Eacute preciso lembrar que os reflexos da
ldquoprimavera dos povosrdquo ainda estavam presentes na memoacuteria de uma elite que
desenvolvera laccedilos econocircmicos e sociais com naccedilotildees europeias e as elites tinham
a dimensatildeo do que poderia acontecer com a mobilizaccedilatildeo da massa Hobsbawm
(2010) nos mostra a importacircncia dos intelectuais na revoluccedilatildeo de 1848 enquanto
sujeitos de uma praacutexis poliacutetica que senatildeo imprescindiacutevel eacute relevante na
caracterizaccedilatildeo do que tais movimentos viriam a apresentar
Eles [os intelectuais] natildeo eram mais importantes nesta revoluccedilatildeo que em quaisquer das outras que ocorreram assim como nesta em paiacuteses
relativamente atrasados onde o melhor do estrato meacutedio consistia de pessoas caracterizadas por sua escolarizaccedilatildeo e comando da palavra escrita graduados de todos os tipos jornalistas professores funcionaacuterios Mas natildeo havia duacutevida de que os intelectuais eram proeminentes poetas tais como Petoumlfi na Hungria Herwegh e Freiligrath na Alemanha (que pertencia ao corpo editorial da Neue Rheinische Zei-tung) Victor Hugo e o consistente moderado Lamartine na Franccedila (os professores franceses ainda que suspeitos para os governos permaneceram quietos sob a monarquia de julho e supotildee-se terem feito frente com a ordem em 1848) acadecircmicos em grande nuacutemero na Alemanha (a maioria no lado moderado) meacutedicos como C G Jacoby (1804-51) na Pruacutessia Adolf Fischhof (1816-93) na Aacuteustria cientistas como F V Raspail (1794-1878) na Franccedila e uma vasta quantidade de jornalistas e publicistas dos quais Kossuth era entre todos o mais celebrado e Marx provava ser o mais formidaacutevel Como indiviacuteduos tais homens podiam exercer um papel decisivo como membros de um estado social especiacutefico ou como membros de uma pequena-burguesia radical natildeo o podiam
51 (HOBSBAWN 2010 p36)
Tornando ao texto de nossa anaacutelise pudemos perceber como Alencar se aproveita
dos veiacuteculos de comunicaccedilatildeo a que tem acesso para divulgar suas ideias e como
consegue adapta-las aos diferentes formatos que tais miacutedias exigem conseguindo
assim alcanccedilar natildeo somente uma maior quantidade de pessoas mas uma variedade
grande de camadas sociais e a propalada ldquoopiniatildeo puacuteblicardquo com maior intensidade
tentando fomentar a ampliaccedilatildeo da participaccedilatildeo poliacutetica ativa (ao menos enquanto
conscientizaccedilatildeo de um maior grupo tirando a exclusividade da atividade poliacutetica
apenas do recinto parlamentar) podendo ndash e por isso mesmo - ampliar as
possibilidades de alcance do conjunto da dominaccedilatildeo Essa mesma opiniatildeo puacuteblica
que temos alguma dificuldade de representar numericamente mas que eacute elemento
fundamental no periacuteodo E eacute tambeacutem com intenccedilatildeo de ldquoconstruirrdquo uma opiniatildeo natildeo
somente na elite mas em seus representantes mais diretos como o funcionaacuterio
puacuteblico representante de uma administraccedilatildeo centralizadora que fatalmente deveria
promover pelo paiacutes a ideologia do Estado No dizer de Uruguai o agente da
administraccedilatildeo puacuteblica eacute efetivamente um agente da centralizaccedilatildeo (MATTOS I
1987) D Pedro II chega a escrever agrave princesa Isabel em um dos momentos que
esta assume a regecircncia prevenindo-a contra uma possiacutevel maacute interpretaccedilatildeo das
notiacutecias e criacuteticas publicadas nos vaacuterios jornais da Corte considerando que o
ldquosistema poliacutetico do Brasil funda-se na opiniatildeo nacional que muitas vezes natildeo eacute
manifestada pela opiniatildeo que se apregoa como puacuteblicardquo (FAORO 2004 p 343)
Mas natildeo podemos esquecer que ateacute o momento (estamos no segundo reinado) natildeo
51
O grifo eacute meu
haacute como mensurar tal opiniatildeo puacuteblica ou a dimensatildeo das accedilotildees que esta possa
alcanccedilar A preocupaccedilatildeo imediata de D Pedro II seria com o que poderiacuteamos
chamar de os ldquoformadoresrdquo de uma opiniatildeo puacuteblica Com o texto dos agentes
poliacuteticos publicados em jornais ou outras miacutedias em um momento privilegiado de
liberdade de imprensa
Fica claro que a defesa da escravidatildeo eacute para Alencar necessaacuteria no momento -
tendo mesmo a certeza de a aboliccedilatildeo natildeo tardaria - funcionando como um discurso
que busca retardar a disseminaccedilatildeo de ideais progressistas e abolicionistas para o
conjunto da opiniatildeo puacuteblica conquanto esta passa a ser um elemento de pressatildeo
sobre as elites que controlavam o sistema econocircmico vigente e ele busca seus
argumentos nos teoacutericos liberais europeus O que se vecirc em Alencar natildeo eacute uma
discussatildeo sobre o direito de propriedade de um ser humano sobre o outro isto estaacute
posto pela legislaccedilatildeo a praacutetica do cativeiro eacute legitimada pelo Estado brasileiro O
que temos satildeo as criacuteticas de Alencar a forma como o governo trata o problema
inevitaacutevel da emancipaccedilatildeo com promessas de aboliccedilatildeo ao fim da guerra de forma
progressiva e por meio da estimulaccedilatildeo da emigraccedilatildeo Tais promessas natildeo se
efetivam o que abre um precedente para que o pensamento de Alencar ndash se natildeo o
mais eacutetico ndash acabe se apresentando como o melhor aceito pelas elites e sendo
reproduzo Outro ponto a ser lembrado eacute que com o fim do traacutefico a partir de 1850 e
a expansatildeo das lavouras cafeeiras no interior do Rio de Janeiro e Satildeo Paulo haacute
tambeacutem uma transferecircncia gradual de escravos urbanos para essas regiotildees Com o
aumento do valor do escravo no mercado interno vaacuterias famiacutelias venderam seus
cativos para as fazendas causando uma consequente diminuiccedilatildeo no percentual da
escravaria na corte e outros nuacutecleos urbanos (NOVAIS 1997) A pulverizaccedilatildeo da
posse de escravos na cidade regride o que em pouco tempo pode levar a uma
mudanccedila de consciecircncia da opiniatildeo puacuteblica centrada na Corte sobre a escravidatildeo
Em uma foacutermula simples Quando todos possuiacuteam escravos isto era visto como algo
comum Quando soacute os ricos cafeicultores passaram a possuiacute-los isto se tornava
errado e antiquado para um paiacutes em desenvolvimento Alencar vai contra isto e
confirma em seu texto os valores do conservadorismo assumindo uma postura que
podemos chamar de liberalconservadora Admitindo isto concordamos com o que
propocircs Bosi (1988) que o liberalismo defendido por Alencar pode ser resumido em
uma figura de linguagem uma sineacutedoque em que uma parte do conteuacutedo eacute tomada
como um todo uniforme desvirtuando assim as ideias originais do liberalismo e
criando novo discurso ideoloacutegico e conservador para sustentar um grupo que se
impotildee no poder Em Alencar se vecirc a escolha da ldquoparte pelo todordquo como em uma
sineacutedoque Alencar defende que se uma parte da populaccedilatildeo estaacute na direccedilatildeo do
Estado e da economia e tem privileacutegios eacute porque essa parte conseguiu consolidar
seu poder pessoal e pode organizar um projeto poliacutetico de desenvolvimento para
que o todo da naccedilatildeo se desenvolva entatildeo satildeo essas pessoas que tem o ldquodireitordquo de
representar a naccedilatildeo Eacute o que pudemos observar
Constatou-se tambeacutem que a situaccedilatildeo do Brasil no periacuteodo segundo Alencar natildeo eacute
de tranquilidade e desenvolvimento mas de corrupccedilatildeo e descontrole Com o
parlamento repleto de elementos sem escruacutepulos ou convicccedilotildees que tomam as
riquezas o paiacutes com sua cobiccedila Alencar defende um Estado de leis com pulso forte
e mesmo a interferecircncia do Imperador para garantir que isto natildeo mais acontecesse
Era apenas assim que se garantiria a ordem puacuteblica e as ldquonecessidades puacuteblicasrdquo
seriam supridas o que natildeo era apenas uma opiniatildeo de Alencar mas uma visatildeo do
Estado compartilhada por boa parte dos homens que passaram pela administraccedilatildeo
puacuteblica no segundo reinado (MATTOS I 1987) Os gabinetes que se seguem sem
estrutura ou conhecimento administrativo levam o paiacutes agrave bancarrota com seus erros
constantes devido a sua ineacutepcia com a coisa puacuteblica O conjunto de instituiccedilotildees que
atuam dentro do sistema estatildeo corroendo-o por conta da ganancia da elite com o
dinheiro do Estado Do outro lado sendo atingida em seus preceitos a famiacutelia que
ldquoassiste sem querer a essa representaccedilatildeo da comeacutedia perigosardquo O que seria o
uacuteltimo refuacutegio da moralidade e base da sociedade
Por fim entendemos que como o sugeriu Carvalho (2007) em uma reflexatildeo sobre o
impeacuterio os fatos mostrados aqui podem ateacute ser reconhecidos pelos estudiosos e jaacute
trilhados mas as explicaccedilotildees tendem a ser insatisfatoacuterias por isso a necessidade
constante de revisitar textos do periacuteodo e teorias Ao mesmo tempo lembrando
Norberto Bobbio (1997) em uma reflexatildeo sobre seus escritos ao enfrentar o tema da
relaccedilatildeo entre os intelectuais e a poliacutetica em frente ao oceano de textos sobre o
tema dizia sentir-se como a crianccedila que despejando um copinho drsquoagua no mar
acreditava estar aumentando o seu niacutevel Eacute como nos vemos aqui Poreacutem
acreditamos ter conseguido demonstrar a presenccedila de um discurso
liberalconservador nas cartas de Erasmo como estrateacutegia discursiva de
disseminaccedilatildeo ideoloacutegica Os dados obtidos nos permitem dizer que nossa hipoacutetese
de que por meio de um discurso poliacutetico conservador vinculado as propostas
ideoloacutegicas das elites escravocratas disseminado pelos jornais e panfletos do
periacuteodo os intelectuais construiacuteram uma imagem paradoxal do liberalismo para o
Brasil no segundo reinado pocircde ser confirmada
As confluecircncias entre tais extremos (liberalismo x conservadorismo) natildeo satildeo
ineacuteditas visto que Hobsbawn (2010) por exemplo pode demonstrar a mobilidade de
agentes poliacuteticos partiacutecipes de movimentos liberais moderados e ateacute mesmo
radicais para as linhas dos partidos conservadores quando os movimentos
revolucionaacuterios da ldquoprimavera dos povosrdquo em 1848 tendiam a modificar a ldquoordem
socialrdquo organizando liberais e conservadores em movimentos unificados ndash onde as
ideias de ambos os lados acabavam por se adaptar as necessidades de
sobrevivecircncia de tais grupos - para uma retomada do poder para as elites europeias
No Brasil a elite nem por um minuto descuidou de estar com as duas matildeos nas
reacutedeas do poder
Por fim esperamos tambeacutem que nosso trabalho tenha sido uacutetil para exemplificar
algumas das muitas relaccedilotildees de poder que existiram (e existem) na relaccedilatildeo Estado
ndash cidadatildeo mediadas pela ideologia atraveacutes de um de seus muitos colaboradores
os intelectuais e ajudar na compreensatildeo de tema tatildeo complexo como a relaccedilatildeo dos
intelectuais com a elite e o poder
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6 ANEXOS
Figura 1 Fac-siacutemile da segunda ediccedilatildeo das Cartas ao Imperador impressa na
Typographia de Candido A de Mello em 1866 Alencar era um autor reconhecido
ainda em vida conseguindo publicar ndash e vender ndash natildeo somente obras literaacuterias mas
tambeacutem estudos sobre poliacutetica e legislaccedilatildeo
Figura 2 Fac-siacutemile da ediccedilatildeo das Cartas ao Povo impressa na Typographia de
Pinheiro e Companhia em 1866 Logo abaixo texto da contra capa indicando pelo
editor o modo de distribuiccedilatildeo do material
Figura 3 Folha de rosto da carta ao M de Olinda onde se vecirc a citaccedilatildeo de Joacute 333
O Diaacuterio do Rio de Janeiro apesar de sustentar uma postura apoliacutetica exibia
cotidianamente (desde seus primeiros exemplares) em suas primeiras paacuteginas o
resumo das seccedilotildees da cacircmara dos deputados e do Senado
RESUMO
Partindo dos textos que compotildeem uma seacuterie de ldquocartas abertasrdquo de Joseacute de Alencar
endereccediladas ao Imperador D Pedro II e a alguns entes poliacuteticos da administraccedilatildeo
do Estado escritas entre 1865 e 1868 busca-se discutir a defesa paradoxal entre a
formaccedilatildeo de uma sociedade liberal dentro de um paiacutes de economia agroexportadora
sustentada pela matildeo de obra escrava
Tomaremos o texto de Alencar como um discurso poliacutetico ideoloacutegico das elites
presentes na corte imperial Entendemos a dimensatildeo ideoloacutegica do discurso poliacutetico
de Alencar no sentido marxista de corte gramsciano ou seja como uma concepccedilatildeo
de mundo que perpassa desde o discurso comum ateacute formas mais elaboradas de
discurso filosoacutefico A partir daiacute buscaremos compreender o modo de vida as
representaccedilotildees poliacuteticas e as formas de dominaccedilatildeo presentes no periacuteodo sob a oacutetica
do pensamento poliacutetico conservador de Joseacute de Alencar dando ecircnfase a anaacutelise de
sua defesa do liberalismo e da escravidatildeo
PALAVRAS CHAVE Poliacutetica discurso liberalismo escravidatildeo
ABSTRACT
Based on the texts that make up a series of open letters addressed to Joseacute de
Alencar to Emperor D Pedro II and some political entities of state administration and
written between 1865 and 1868 seek to discuss the defense of the paradox between
a liberal society within a country agro-export economy sustained by slave labor
We will take the text of a speech Alencar as ideological political elites present at the
imperial court We understand the ideological dimension of political discourse of Joseacute
de Alencar in the sense of cutting Gramscian Marxist as a world view that permeates
from the common speech even more elaborate forms of philosophical discourse
From there we will seek to understand the way of life political representations and
forms of domination present in the period from the perspective of political speech of
Joseacute de Alencar emphasizing the analysis of his defense of liberalism and slavery
KEYWORDS politics speech liberalism slavery
LISTA DE IMAGENS
FIGURA 1 ndash Fac-siacutemile da segunda ediccedilatildeo das cartas ao Imperador183
FIGURA 2 ndash Fac-siacutemile da primeira ediccedilatildeo das Cartas os povo184
FIGURA 3 ndash Folha de rosto da ediccedilatildeo das Cartas ao Marquecircs de Olinda185
FIGURA 4 ndash Paacutegina do Diaacuterio do Rio de Janeiro registrando a aboliccedilatildeo186
SUMAacuteRIO
INTRODUCcedilAtildeO10
1 A TRAJETOacuteRIA POLIacuteTICA DE ALENCAR22
11 PRIMEIROS ANOS24
12 VIDA NA CORTE27
13 MILITAcircNCIA POLIacuteTICA34
14 UacuteLTIMOS ANOS49
2 CONJUNTURA POLIacuteTICA DO II REINADO55
21 UMA VISAtildeO GERAL56
22 O ESTADO DA ARTE DA IMPRENSA NO OITOCENTOS 64
23 SOBRE AS ELITES NO PODER 70
24 INTELECTUAIS E OPINIAtildeO PUacuteBLICA77
3 LIBERALISMO E ESCRAVIDAtildeO NAS CARTAS DE ERASMO 82
31 LIBERALISMO E ESCRAVIDAtildeO82
32 LIBERALISMO E ESCRAVIDAtildeO O MODELO BRASILEIRO86
33 AS CARTAS DE ERASMO95
331 AO IMPERADOR103
332 AO POVO AO REDATOR DO DIAacuteRIO DO RIO DE JANEIRO121
333 AO MARQUEcircS DE OLINDA AO VISCONDE DE ITABORAHY133
334 NOVAS CARTAS AO IMPERADOR138
4 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS162
5 BIBLIOGRAFIA174
6 ANEXOS183
INTRODUCcedilAtildeO
O Brasil do seacuteculo XIX com a chegada da famiacutelia real nos primeiros anos ateacute e
particularmente o periacuteodo imperial eacute caracterizado por um desenvolvimento
econocircmico social e poliacutetico intenso e relativamente acelerado se comparado a
outras naccedilotildees da Ameacuterica Latina (COSTA 1999) Tal desenvolvimento se deve a
construccedilatildeo de um projeto poliacutetico para o paiacutes que deixando de ser uma colocircnia de
Portugal necessitava afirmar sua nova identidade - agora como uma naccedilatildeo
independente - tanto interna quanto externamente O processo tem iniacutecio com a
transferecircncia para a cidade do Rio de Janeiro do Priacutencipe Regente D Joatildeo VI a
famiacutelia real portuguesa e sua Corte em 1808 gerando um consideraacutevel aumento na
populaccedilatildeo residente e a consequente transformaccedilatildeo da cidade com a construccedilatildeo
de escolas museus teatros faculdades e dentre outras novidades a imprensa
A emancipaccedilatildeo poliacutetica em 1822 manteacutem o sistema monaacuterquico ndash ainda sob a casa
de Braganccedila com D Pedro I ndash agora pelo modelo constitucional tendo por base as
ideias liberais importadas da Europa iluminista A presumida liberdade que o paiacutes
vem a construir garantida na constituiccedilatildeo outorgada pelo governante jaacute encontra
um terreno poliacutetico e econocircmico bastante diverso daquele onde surgiu o liberalismo
europeu tendo por base a agricultura de produtos de exportaccedilatildeo assentada na
escravidatildeo - tanto a lavoura tradicional accedilucareira do nordeste como as novas e
proacutesperas plantaccedilotildees de cafeacute do Vale do Paraiacuteba dependiam do escravo O Brasil
logo depois da emancipaccedilatildeo politica em 1822 possui uma das maiores populaccedilotildees
escravas da Ameacuterica e tambeacutem a maior populaccedilatildeo de afrodescendentes livres no
continente (MATTOS H 2000) a quem natildeo eram concedidos os direitos poliacuteticos
de cidadatildeo E uma minoria tida como aristocraacutetica dominava assentados seus
privileacutegios nas relaccedilotildees que possuiacuteam com a coroa ndash uma administraccedilatildeo do Estado
de modelo conservador com D Pedro e a heranccedila do absolutismo portuguecircs
Liberalismo e conservadorismo convivem entatildeo na sociedade brasileira em
formaccedilatildeo como os dois lados de uma realidade complexa e contraditoacuteria Liberal no
sentido de que as lideranccedilas que surgem se mobilizaram nesse sentido para
justificar a separaccedilatildeo da metroacutepole e ao mesmo tempo conservador por precisar
manter a escravidatildeo e a dominaccedilatildeo do senhoriato (NOVAIS 1996)
Para a manutenccedilatildeo da organizaccedilatildeo do Estado a monarquia reforccedila os laccedilos jaacute
seculares do estamento portuguecircs presentes desde a colocircnia criando ndash tambeacutem
inspirado na tradiccedilatildeo portuguesa ndash o modelo brasileiro de nobreza de gentleman
este emerge como um segmento que se solidifica na figura do intelectual morador
da cidade bacharel em direito (tambeacutem alguns poucos meacutedicos raros engenheiros
e matemaacuteticos) filho do fazendeiro ou do comerciante enriquecido filho do
funcionaacuterio portuguecircs fixado no Brasil neto e bisneto dos donos da terra e
representante uacuteltimo das famiacutelias que viriam compor esta ldquoeliterdquo da terra garantindo
uma continuidade na estabilidade poliacutetica Observa-se assim com a absorccedilatildeo
destes elementos pelo Estado um crescimento de algumas cidades portuaacuterias e
principalmente no Rio de Janeiro onde se instala a Corte e o consequente
desenvolvimento de uma burocracia especializada necessaacuteria agrave administraccedilatildeo do
reino Um conjunto de instituiccedilotildees baseadas no modelo portuguecircs ndash quando natildeo
copiadas integralmente de seus pares em Lisboa ndash de funcionalismo puacuteblico para
uma monarquia de moldes absolutistas que recebe poucas adaptaccedilotildees no Brasil
(FAORO 2004)
Boris Fausto em sua Histoacuteria do Brasil (FAUSTO 2001) defende certa estabilidade
no periacuteodo sustentada pelo desenvolvimento das cidades e o aumento de pessoas
com niacutevel superior Costa (1999) afirma que os nuacutecleos urbanos mais importantes
em sua maioria estavam ao longo da costa brasileira coincidindo com os principais
portos exportadores e o desenvolvimento destes tem ndash por conta de sua localizaccedilatildeo
ndash caracteriacutesticas especiacuteficas das ideias trazidas da Europa pelos jornais e livros que
chegam pelos portos Nas demais aacutereas o crescimento urbano era limitado
prevalecendo a grande propriedade rural Mas com as faculdades de direito em Satildeo
Paulo e Recife sendo construiacutedas na primeira metade do oitocentos o processo de
composiccedilatildeo de uma intelectualidade local jaacute tem iniacutecio tendo como palco os nuacutecleos
urbanos Tal periacuteodo eacute marcado tambeacutem pelo desenvolvimento da imprensa onde
as ideias liberais satildeo proclamadas aos quatro ventos pelos diversos jornais e
pasquins que surgem e desaparecem todos os dias (BAHIA 1990) os homens que
se formam ndash de uma maneira integral eacute certo - naquele novo cotidiano iratildeo
inspirados em um periacuteodo recente de administraccedilatildeo ndash jaacute dissemos moldado no
estamento portuguecircs - desenvolver certa predileccedilatildeo pelo cargo puacuteblico e pelas
letras Segundo Faoro (2004) o funcionaacuterio puacuteblico que se forma eacute um dos
responsaacuteveis diretos ndash senatildeo o uacutenico tecnocrata ndash pela reorganizaccedilatildeo (reinvenccedilatildeo)
do antigo modelo no novo paiacutes Leitores dos jornais e ao mesmo tempo formadores
de opiniatildeo estes homens satildeo os comentadores e partiacutecipes do desenvolvimento
poliacutetico e econocircmico das cidades enquanto inspirados pelas ideias liberais que jaacute
tomam corpo por aqui Estes homens que tem acesso agrave informaccedilatildeo e fazem de sua
praacutexis um elemento transformador da sociedade (GRAMSCI 1976) alguns sendo
sustentados pelo abraccedilo do cargo puacuteblico outros escrevendo para os jornais onde
apresentam e defendem suas ideias (liberais ou natildeo) para os outros homens - que
vem a constituir uma opiniatildeo puacuteblica representada pelos agravevidos leitores desses
mesmos jornais
Isto posto destacamos que essa dissertaccedilatildeo que tem como tema o liberalismo no
Brasil e sua relaccedilatildeo com a escravidatildeo no periacuteodo do segundo reinado apresenta
como seu objetivo geral discutir as dificuldades de implantaccedilatildeo deste sistema
poliacutetico - o liberalismo - em uma sociedade dominada por uma elite assentada na
economia agroexportadora baseada na matildeo de obra do escravo percebendo como
paradoxal esta relaccedilatildeo entendendo ser o liberalismo uma doutrina poliacutetica que tem
por base a defesa da liberdade individual nos campos poliacutetico econocircmico religioso e
intelectual conquistada por meio de lutas da sociedade civil contra o absolutismo do
Estado caracteriacutestico do Antigo regime na Europa Acreditamos com Gramsci
(1989) que o discurso que sustenta tal relaccedilatildeo e tenta justifica-la eacute mediado entre as
elites e o povo por meio dos intelectuais Portanto cabem aqui mais algumas
questotildees qual era a visatildeo dos intelectuais sobre a relaccedilatildeo entre liberalismo e
escravidatildeo no Brasil Os intelectuais comungariam com tais ideias Elas estatildeo
presentes em seu discurso
Nossa duacutevida fundamental a qual a pesquisa busca explicar eacute seraacute que estes
intelectuais que se formam nas primeiras faculdades de direito do Brasil filhos de
fazendeiros comerciantes muitos dos quais ligados direta ou indiretamente agrave
economia agroexportadora baseada no trabalho escravo assumiram o discurso
liberal Estaria este discurso presente em suas representaccedilotildees e em seus textos
Para tanto nosso objetivo especiacutefico seraacute analisar o trabalho de um intelectual do
periacuteodo e uma parte de sua produccedilatildeo Joseacute de Alencar
Dessa forma partimos da seguinte hipoacutetese eacute por meio de um discurso poliacutetico
conservador vinculado as propostas ideoloacutegicas das elites escravocratas
disseminado pelos jornais e panfletos do periacuteodo que os intelectuais construiacuteram
uma imagem paradoxal do liberalismo para o Brasil no segundo reinado
Para construirmos nossa narrativa histoacuterica tomamos como fonte para analisarmos
nossa hipoacutetese as ldquocartas de Erasmordquo Um conjunto de cartas abertas publicadas
sob a forma de folhetins no periacuteodo de 1865 a 1868 dirigidas ao Imperador e a
vaacuterios outros entes poliacuteticos Nossa hipoacutetese eacute de que neste texto possamos
identificar a tentativa de Alencar sustentar uma visatildeo liberal para o desenvolvimento
poliacutetico e econocircmico da naccedilatildeo ao mesmo tempo em que faz uma defesa da
manutenccedilatildeo do sistema escravista no Brasil o que nos faz crer que exista uma
postura liberalconservadora como modelo ideoloacutegico a ser construiacutedo pelas elites
atraveacutes de alguns setores da imprensa Buscaremos nas cartas poliacuteticas de Alencar
indiacutecios da sustentaccedilatildeo de um discurso liberal que tambeacutem apresenta caracteriacutesticas
conservadoras e admite (e reafirma) a manutenccedilatildeo da escravidatildeo no Brasil Para
tanto nos propomos a uma anaacutelise de todo o texto das cartas em uma perspectiva
hermenecircutica baseada nos princiacutepios da anaacutelise do discurso Como sustenta
Intildeiguez (2005) a anaacutelise de discurso como aparentemente possa parecer natildeo eacute
uma aacuterea restrita da linguiacutestica e comporta contribuiccedilotildees de vaacuterias aacutereas de estudo
Ao mesmo tempo considerando que uma das caracteriacutesticas da histoacuteria poliacutetica
renovada segundo Remond (2003) eacute ser um ponto de convergecircncia de diversas
disciplinas como a sociologia a linguiacutestica o direito dentre vaacuterias outras o que lhe
possibilita um ganho analiacutetico consistente e consolida sua natureza interdisciplinar a
anaacutelise de discurso apresenta-se como um caminho consistente para a abordagem
de textos poliacuteticos do periacuteodo Neste caso nossa pesquisa busca entender a relaccedilatildeo
do modelo de liberalismo poliacutetico implantado no Brasil com a escravidatildeo e se a
justificaccedilatildeo para tal discurso estaacute presente nos textos de intelectuais do periacuteodo
tendo como fonte o texto das Cartas Poliacuteticas de Joseacute de Alencar
Nossa pesquisa se justifica pela necessidade de entender a dimensatildeo poliacutetica do
segundo reinado por meio de uma fonte impressa que teve grande circulaccedilatildeo no
periacuteodo de nosso recorte e que pode criar uma inter-relaccedilatildeo entre os pontos
descritos Na anaacutelise do texto de um dos mais importantes intelectuais do periacuteodo
Joseacute de Alencar - poliacutetico atuante jornalista romancista e dramaturgo -
conseguimos um elo entre intelectuais imprensa e elites e a confluecircncia desses
ldquopartidosrdquo no projeto ideoloacutegico de construccedilatildeo da naccedilatildeo (GRAMCI 1989) Tais
elementos satildeo comunmente tomados em separado Com Alencar nas cartas de
Erasmo temos um intelectual que usa do seu texto literaacuteriojornaliacutestico1 em uma
miacutedia alternativa no momento para se dirigir a segmentos da elite poliacutetica e
econocircmica na Corte no Rio de Janeiro Essa confluecircncia portanto eacute a proacutepria
ldquoaccedilatildeordquo do objeto enquanto veiacuteculo de comunicaccedilatildeo
A discussatildeo historiograacutefica sobre nosso tema apresenta estudos por vezes
coincidentes por vezes conflitantes Bosi (1988) afirma que o paradoxo entre
liberalismo e escravidatildeo natildeo existiu no Brasil ldquono periacuteodo que se segue agrave
Independecircncia e vai ateacute os anos centrais do Segundo Reinadordquo (BOSI 1998 p 05)
O autor tambeacutem afirma que para entender a articulaccedilatildeo do liberalismo pregado ndash e
assumido ndash no Brasil com o regime escravagista eacute necessaacuterio compreender o modo
de pensar das classes poliacuteticas dominantes no impeacuterio a partir da independecircncia
Neves (2001) sustenta que o liberalismo no Brasil se alavanca a partir da revoluccedilatildeo
ldquovintistardquo em Portugal que vem propondo reformas que pudessem garantir ao
indiviacuteduo direitos de cidadania e liberdade de expressatildeo e buscando o fim do
despotismo como uma soluccedilatildeo para o impeacuterio O movimento segundo a autora eacute
assimilado sem dificuldade pelos elementos das elites poliacutetica e intelectuais no
Brasil A proposta era buscar o novo mas sem abrir matildeo dos antigos privileacutegios
econocircmicos
Para Gorender (2002) os princiacutepios liberais levados adiante pelos comerciantes e
plantadores visava o direito de ter uma representaccedilatildeo no estado fora das limitaccedilotildees
impostas pela poliacutetica colonial que terminaria com o processo de independecircncia Tal
1 Antocircnio Cacircndido (1999) sustenta ser uma das caracteriacutesticas do periacuteodo (segundo reinado) a
influecircncia do texto literaacuterio nos jornais que temos vaacuterios exemplos em Machado de Assis Joseacute de
Alencar Joaquim Nabuco Capistrano de Abreu para citar alguns
processo segundo ele tem inicio com a abdicaccedilatildeo em 1831 Este autor afirma que
o liberalismo europeu defende o trabalho livre mas lembra tambeacutem que o proacuteprio
Adam Smith natildeo era contra a escravidatildeo nas colocircnias Ou seja o liberalismo
europeu segundo um de seus mais importantes representantes jaacute nasce sob esta
contradiccedilatildeo O autor lembra que mesmo com a Revoluccedilatildeo Francesa tendo
decretado a libertaccedilatildeo dos escravos em suas colocircnias francesas Napoleatildeo
restabelece a escravidatildeo oito anos depois Apesar da pregaccedilatildeo pela liberdade na
Europa nas colocircnias a poliacutetica praticada natildeo era a mesma O que nos leva a
entender melhor a relaccedilatildeo liberalismoescravidatildeo no Brasil
Entendemos entatildeo que no processo de formaccedilatildeo do Estado Imperial Brasileiro
havia diferentes leituras e objetivos para o uso do liberalismo ligadas a interesses
especiacuteficos Por um lado como enfatiza Mattos (1987) a accedilatildeo do grupo conservador
no impeacuterio seguia no sentido da construccedilatildeo de monopoacutelios uma continuidade do
praticado no periacuteodo colonial enfatizando as relaccedilotildees de dominaccedilatildeo sustentadas
pela coroa Costa (1999) identifica certa originalidade no movimento poliacutetico liberal
brasileiro do periacuteodo tentando interpreta-lo como uma figura hiacutebrida onde os
elementos conservadores permanecem e satildeo amalgamados com as praacuteticas liberais
aceitas estruturando as instituiccedilotildees e a visatildeo de mundo pelas elites dominantes
sustentados pelas classes intermediaacuterias que se desenvolvia nas cidades mas que
ao mesmo tempo viam no sistema agroexportador baseado na escravidatildeo uma
dificuldade para o desenvolvimento do capitalismo Por outro lado Carvalho (2007)
chega a subestimar o aspecto liberal sustentando haver um pensamento
conservador dominante sendo a conciliaccedilatildeo entre as correntes de pensamento e os
partidos a poliacutetica da coroa com o intuito de administrar interesses e evitar conflitos
Bosi (1988) sustenta ainda que o traacutefico se apoia por vezes nas proacuteprias
autoridades a quem cabia fazer cessar o traacutefico Satildeo homens ligados a
administraccedilatildeo e a poliacutetica que manteacutem o controle terras do cafeacute e dos escravos o
que faz com que uma defesa da escravidatildeo seja a proposta corrente Nesse
aspecto Prado (2001) concorda que com a produccedilatildeo organizada sob a exploraccedilatildeo
do trabalho escravo sendo muito lucrativa ateacute entatildeo dificilmente teria por parte da
elite qualquer movimento estimulando o seu teacutermino
O liberalismo poliacutetico proposto para o Brasil apresenta assim caracteriacutesticas
diversas conforme os interesses dos diversos grupos das elites poliacuteticas e
econocircmicas no poder Mattos (1987) enxerga no grupo conservador representado
pelos senhores traficantes de escravos e grandes comerciantes um pensamento
contraacuterio agraves ideias liberais e a favor da centralizaccedilatildeo poliacutetica A anaacutelise do sistema
econocircmico agroexportador brasileiro no periacuteodo Imperial tambeacutem nos revela as
muitas contradiccedilotildees da sociedade escravista do seacuteculo XIX o liberalismo econocircmico
e o aumento do fluxo de escravos para o Brasil a defesa da liberdade e o
incremento da escravidatildeo o desenvolvimento do consumo e a pobreza Tacircmis
Parron (2008) sustenta que durante o seacutec XIX toda a defesa do traacutefico e da proacutepria
escravidatildeo como uma instituiccedilatildeo se sustentaram em ideias liberais Agrave medida que
na Europa o sistema econocircmico pregava um livre mercado com o trabalho livre nas
Ameacutericas a escravidatildeo permanecia forte em paiacuteses como os Estados Unidos em
Cuba e no Brasil Emilia Viotti (1999) sustenta para o periacuteodo uma visatildeo hiacutebrida
onde os elementos conservadores presentes no Brasil servem como um equiliacutebrio a
praacuteticas e ideias liberais que poderiam tomar formas mais radicais se acaso
atingissem grupos da populaccedilatildeo estruturando dessa forma as instituiccedilotildees e a visatildeo
de mundo dos principais agentes poliacuteticos no poder no periacuteodo dando ao liberalismo
aqui sua caracteriacutestica ldquocor localrdquo Dessa feita entendemos que o liberalismo
representa distintos interesses da sociedade brasileira e caracteriza-se
diversamente nas diferentes regiotildees do paiacutes e um dos agentes mais importantes na
divulgaccedilatildeo de tais ideias e praticas eacute justamente a imprensa que muito se
desenvolve no periacuteodo como arena de debates de poliacuteticos e intelectuais
Concordando com Bosi (1988) que afirma que o paradoxo entre liberalismo e
escravidatildeo foi somente verbal que o liberalismo simplesmente natildeo existiu enquanto
uma ideologia dominante Segundo ele o que dominou em todo esse periacuteodo no
Brasil foi um ideaacuterio de fundo conservador Um conjunto de normas juriacutedico-poliacuteticas
capazes de garantir a propriedade fundiaacuteria e a escravidatildeo negra ateacute o seu limite E
em nosso entender essa ideologia era difundida por meio dos intelectuais nos
veiacuteculos de comunicaccedilatildeo do periacuteodo como os panfletos pasquins e jornais em
geral
Portanto nosso objetivo aqui para testar nossa hipoacutetese eacute estudar as formas do
discurso poliacutetico em meados do seacuteculo XIX analisando o texto jornaliacutesticoliteraacuterio
de Joseacute de Alencar nas Cartas de Erasmo Acreditamos que Alencar usava seu
texto como um meio para difundir fortalecer e consolidar a ideologia das elites
presentes na corte imperial suas representaccedilotildees e as formas de dominaccedilatildeo
presentes no periacuteodo Alencar toma do discurso liberal alguns princiacutepios para
sustentar a ideologia de grupos vinculados a uma proposta de conservadorismo
poliacutetico em que a manutenccedilatildeo dos privileacutegios desta ldquoaristocraciardquo bem como a
continuidade da escravidatildeo no Brasil satildeo seus pontos principais
A pesquisa se fundamenta tambeacutem na premissa de que a proposta de Alencar era
a de criar um modelo (segundo ele melhor) para a sociedade De tal maneira
podemos designaacute-lo ndash o texto as cartas de Erasmo - como um discurso ideoloacutegico
Um conceito formulado por Chauiacute (revendo Gramsci) nos ajuda de forma elucidativa
Fundamentalmente a ideologia eacute um corpo sistemaacutetico de representaccedilotildees e de normas que nos ensinam a conhecer e a agir A sistematicidade e a coerecircncia ideoloacutegicas nascem de uma determinaccedilatildeo muito precisa o discurso ideoloacutegico eacute aquele que pretende coincidir com as coisas anular a diferenccedila entre o pensar o dizer e o ser e destarte engendrar uma loacutegica da identificaccedilatildeo que unifique pensamento linguagem e realidade para atraveacutes dessa loacutegica obter a identificaccedilatildeo de todos os sujeitos sociais com uma imagem particular universalizada isto eacute a imagem da classe dominanterdquo (CHAUI 1997 p 03)
Dessa feita entendemos a dimensatildeo ideoloacutegica do discurso poliacutetico construiacutedo por
meio das cartas de Erasmo no sentido marxista de corte gramsciano ou seja como
uma concepccedilatildeo de mundo que perpassa desde o discurso comum ateacute formas mais
elaboradas de discurso filosoacutefico Nesse sentido as cartas de Erasmo seratildeo
tomadas como peccedila de anaacutelise enquanto uma dimensatildeo do discurso de Alencar
como ator poliacutetico de seu tempo para uma discussatildeo sobre a relaccedilatildeo entre
liberalismo e escravidatildeo no Brasil Gramsci (1989) nos mostra que os intelectuais se
formaram historicamente em associaccedilatildeo com as elites econocircmicas Seu papel
dentro dos diversos partidos2 eacute a de organizaccedilatildeo e disseminaccedilatildeo da ideologia
Alencar por meio de seu texto busca criticar a administraccedilatildeo vigente e sua relaccedilatildeo
2 Entendendo ldquopartidordquo no sentido mesmo que Gramsci o determinou GRAMSCI Antocircnio
Intelectuais e a Organizaccedilatildeo da Cultura Satildeo Paulo Civilizaccedilatildeo Brasileira 1989
com a coroa por meio de recriminaccedilotildees a poliacutetica econocircmica a administraccedilatildeo da
guerra do Paraguai ao descaso dos poliacuteticos e ndash em nosso caso ndash quanto agraves
propostas para o fim da escravidatildeo
Buscamos nos textos de Gramsci o referencial teoacuterico que ndash acreditamos ndash nos
apresenta uma melhor adequaccedilatildeo a proposta metodoloacutegica aplicada de uma
discussatildeo hipoteacutetico-dedutiva dos textos que se seguem Gramsci nos fornece um
material teoacuterico que - como ele mesmo comenta em sua organizaccedilatildeo inicial para a
escritura dos cadernos - satildeo apontamentos sem uma ligaccedilatildeo serial linear mas que
podem nos fornecer uma base teoacuterica rica conquanto estejam mesmo permitindo-se
uma interpretaccedilatildeo mais heterodoxa das fontes
Gramsci propotildee uma visatildeo ampliada do conceito de Estado em que a relaccedilatildeo entre
sociedade civil e sociedade poliacutetica eacute dialeacutetica A sociedade civil eacute o lugar da luta de
classes pela hegemonia e junto com a sociedade poliacutetica eacute um dos fatores que a
constituem O Estado eacute um elemento aglutinador e como tal formado pela
diversidade de instituiccedilotildees da sociedade civil Eacute uma combinaccedilatildeo de forccedila e
consenso fazendo parecer que os caminhos traccedilados pelo Estado sejam vistos
como consensuais pela maioria expressos pela opiniatildeo puacuteblica em seus diversos
oacutergatildeos (GRAMSCI 1999) Neste conceito ampliado de Estado a sociedade poliacutetica
eacute a definiccedilatildeo de uma esfera na qual se situam os mecanismos de coerccedilatildeo e
dominaccedilatildeo como o aparato policial-militar e a burocracia e a sociedade civil que eacute
formada pelas organizaccedilotildees responsaacuteveis pela elaboraccedilatildeo e difusatildeo das ideologias
como a escola a igreja os partidos poliacuteticos os sindicatos as organizaccedilotildees
profissionais e a miacutedia A cultura para Gramsci estaacute relacionada com a
transformaccedilatildeo da realidade atraveacutes de uma busca e consequente conquista de uma
consciecircncia superior onde cada indiviacuteduo precisa conseguir compreender o seu
valor na sociedade (GRAMSCI 1976) Eacute dessa forma que se daacute a passagem do
momento corporativo ao momento eacutetico-poliacutetico da estrutura agrave superestrutura Isto eacute
expresso por Gramsci atraveacutes do seu conceito ampliado de poliacutetica a catarse O
momento em que a esfera dos interesses corporativos e particulares eleva-se ao
niacutevel da consciecircncia universal e as classes conseguem elaborar um projeto para
toda a sociedade atraveacutes de uma accedilatildeo coletiva Assim sair da passividade para
Gramsci eacute deixar de aceitar a subordinaccedilatildeo que o sistema capitalista impotildee a
alguns estratos da populaccedilatildeo Nesse processo que eacute dialeacutetico podemos observar
um Alencar em sua posiccedilatildeo de aristocrata mas ao mesmo tempo como um
intelectual - um elo para a divulgaccedilatildeo das ideias da elite e a sociedade como um
todo ndash que opta pela reafirmaccedilatildeo de valores tradicionalmente aceitos reafirmando
um modelo adequado que deve perpetuar-se tanto para a famiacutelia como para a
administraccedilatildeo puacuteblica por meio da divulgaccedilatildeo de suas ideias em um veiacuteculo de
comunicaccedilatildeo em detrimento das transformaccedilotildees que acusa como degradadoras
dos valores temos aqui a proacutepria constituiccedilatildeo do bloco histoacuterico Eacute a partir destes
conceitos formulados por Gramsci que buscamos encontrar uma melhor
compreensatildeo do texto de Alencar
No primeiro capiacutetulo nosso trabalho apresenta uma sucinta biografia de Joseacute de
Alencar tentando situar em sua trajetoacuteria os interesses e as escolhas poliacuteticas nas
quais estava inserido e o contexto a que se referia e ndash de certa forma ndash pretendia
criar
No segundo capiacutetulo buscamos mostrar a conjuntura poliacutetica do segundo reinado
junto ao processo de formaccedilatildeo das elites e intelectuais bem como da imprensa no
Brasil A divisatildeo aparentemente estanque tem como elemento agregador a proacutepria
biografia de Alencar Ali se buscam esmiuccedilar os elementos formadores do
intelectual Alencar apresentados anteriormente e como ele se apresenta em seu
campo de batalha
A conjuntura poliacutetica do periacuteodo junto a alguns elementos relevantes que satildeo
tomados pela criacutetica feroz de Alencar
A imprensa - seus primeiros anos no Brasil - na qual Alencar milita como criacutetico e
jornalista sendo este o seu veiacuteculo principal de divulgaccedilatildeo de ideias
As elites que disputam o poder no periacuteodo e tem nos intelectuais seu ponto de
ligaccedilatildeo com as camadas populares
E os intelectuais em si que comeccedilam a se formar nesse periacuteodo no paiacutes
influenciados pelas ideias liberais vindas da Europa e mesmo em parte
compartilhada com os grupos no poder Alencar se apresenta como um intelectual
surgido em uma das primeiras escolas de direito do paiacutes no Largo de Satildeo
Francisco portanto compartilhando de uma relaccedilatildeo direta com os outros elementos
da elite local que estava se formando
Estes elementos apresentados a opiniatildeo puacuteblica a imprensa e as elites formam em
um conjunto o arcabouccedilo do que seria o campo de atuaccedilatildeo do intelectual Alencar e
a proposta de pontuar o ldquoestado da arterdquo em que se apresentam tais segmentos
pode nos auxiliar na construccedilatildeo de um retrato mais niacutetido da superestrutura
(GRAMSCI 1999) no recorte
No terceiro capiacutetulo analisaremos as Cartas de Erasmo dando ecircnfase agraves propostas
de Alencar sobre o problema da escravidatildeo no periacuteodo Natildeo eacute nosso objetivo
debater (ou defender) as questotildees do traacutefico do abolicionismo e das reaccedilotildees em
oposiccedilatildeo dos diversos grupos envolvidos nas questotildees mas a partir da
investigaccedilatildeo da fonte apresentar a questatildeo sob uma oacutetica especiacutefica a de Joseacute de
Alencar como um ator poliacutetico do periacuteodo e seu modelo de representaccedilatildeo poliacutetico e
ideoloacutegico para o Brasil se eacute ou natildeo influenciado pelos ideais do liberalismo
Para tanto apresentamos uma breve exposiccedilatildeo do pensamento de seus principais
representantes na Europa com o intuito de comparar uma possiacutevel similaridade com
o texto das cartas
No quarto e uacuteltimo capiacutetulo nos reservamos a um conjunto de consideraccedilotildees finais
com vistas a uma compreensatildeo do que foi apresentado
As fontes usadas na pesquisa satildeo As cartas de Erasmo publicadas semanalmente
no periacuteodo de 1865 a 1868 e vendidas pelas ruas da Corte do Rio de Janeiro A
publicaccedilatildeo3 com a qual trabalhamos foi organizada por Joseacute Murillo de Carvalho e
conteacutem as seguintes ediccedilotildees
Ao Imperador Cartas de Erasmo de 1865 no caso a segunda ediccedilatildeo de 1866
Uma carta Ao Redator do Diaacuterio (do Rio de Janeiro) de 1865
Ao Povo Cartas Poliacuteticas de Erasmo de 1866 acompanhadas das cartas ldquoAo
Marquecircs de Olindardquo 1866 e ldquoAo Visconde de Itaboraiacute Carta de Erasmo Sobre a
3 ALENCAR Joseacute de Cartas de Erasmo Joseacute de Alencar organizador Joseacute Murilo de Carvalho
ndash Rio de Janeiro ABL 2009
Crise Financeirardquo tambeacutem de 1866
Ao Imperador Novas Cartas Poliacuteticas de Erasmo de 1867-68
Tambeacutem foram de grande auxiacutelio agraves biografias4 pesquisadas e a bibliografia
composta de obras especializadas e baseadas em recentes pesquisas e em textos
de consolidado valor Uma das finalidades da histoacuteria eacute conhecer melhor os
sistemas de representaccedilatildeo das sociedades passando pela literatura e filosofia e
sempre atentando para a produccedilatildeo intelectual (REMOND 2003) Com as cartas de
Erasmo nos apropriamos de um texto criativo coerente e esteticamente belo o que
soacute vem facilitar o trabalho interpretativo Frente a isto aqui temos o Alencar no
comeccedilo da vida puacuteblica se consolidando tanto como artista como um poliacutetico
atuante na Corte - um intelectual Um Alencar que tem muito a nos dizer sobre o
periacuteodo
4 MENEZES Raimundo de Joseacute de Alencar literato e poliacutetico 2a Ed Rio de Janeiro livros teacutecnicos e
cientiacuteficos 1965 NETO Lira O inimigo do rei uma biografia de Joseacute de Alencar ou a mirabolante aventura de um romancista que colecionava desafetos azucrinava D Pedro II e acabou inventando o Brasil Satildeo Paulo Globo 2006 RODRIGUES Antocircnio Edmilson Martins Joseacute de Alencar O poeta armado do Seacuteculo XIX ndash Rio de Janeiro Editora FGV 2001
1 A TRAJETOacuteRIA POLIacuteTICA DE ALENCAR
Eacute um homem de valor poreacutem muito mal educado
D Pedro II referindo-se ao Alencar
Partindo para um esboccedilo sobre a vida de Alencar preferimos trabalhar com uma
biografia criacutetica buscando enfatizar o agente poliacutetico em detrimento do artista Mas
natildeo podemos deixar de ressaltar ser o poliacutetico Joseacute de Alencar tambeacutem um dos
maiores representantes das letras do Brasil no oitocentos Ele ao lado de Machado
de Assis Castro Alves Gonccedilalves Dias e alguns outros natildeo tatildeo notoacuterios tem seu
trabalho caracterizado pela construccedilatildeo de um projeto de modernizaccedilatildeo e a
constituiccedilatildeo de uma identidade para o Brasil O desenvolvimento tecnoloacutegico
cientiacutefico intelectual promovido na Europa era em seu entender um modelo para o
mundo civilizado e o Brasil natildeo poderia ficar fora de tatildeo significativo projeto
A proposta de nossa biografia se daacute na medida em que a pesquisa busca enfatizar
Joseacute de Alencar enquanto poliacutetico O escritor consagrado eacute deixado por um
momento de lado em detrimento dos rumos a que as questotildees relativas agrave histoacuteria
poliacutetica satildeo colocados No caso aqui a histoacuteria da literatura eacute somente um apecircndice
Tendo tambeacutem em mente as advertecircncias deixadas por Remond (2003) sobre o uso
da narrativa factual e subjetivista eminente na biografia de notaacuteveis que cruzavam
o perigoso caminho de avaliar um periacuteodo pelos olhos de um homem apenas ndash
caracteriacutestica da histoacuteria poliacutetica recriminada jaacute pela Escola dos ldquoAnnalesrdquo -
buscamos pelo caminho biograacutefico integrar o Alencar aos diversos agentes poliacuteticos
a fim de desenhar um retrato mais consistente do periacuteodo mas sempre nos
acautelando quanto a direccedilatildeo seguida Neto (2006) e Menezes (1965) sustentam tal
proposta afirmando que o temperamento reservado de Alencar eacute fator determinante
para a anaacutelise de seu texto que no caso das Cartas de Erasmo apresenta
caracteriacutesticas que transitam entre o romantismo literaacuterio e um jornalismo criacutetico
como poderemos ver mais adiante Pocock (2003) justificando uma proposta
biograacutefica comenta que ldquose [temos de ter] uma histoacuteria do pensamento poliacutetico
construiacuteda sobre princiacutepios autenticamente histoacutericos precisamos ter meios de
saber o que um autor ldquoestava fazendordquo quando escrevia ou publicava um texto
ldquo(POCOCK 2003 p28) Ainda na corrente citaccedilatildeo explica que ldquoem inglecircs coloquial
perguntar o que um autor ldquoestava fazendordquo eacute o mesmo que perguntar ldquoo que ele
pretendiardquo ou seja o que ldquoestava tramandordquo ou o que ldquopretendia obterrdquo Quais
seriam as intenccedilotildees de tal autor quando da escritura de seu texto Quais as suas
pretensotildees com tal trabalhordquo (POCOCK 2003 p28) Philippe Levilain (2003) indica
o fim da deacutecada de 1980 como o momento do florescer da biografia na Franccedila
havendo esta sendo reabilitada no meio universitaacuterio ainda na deacutecada de 1960 e jaacute
na deacutecada de 1980 ultrapassa as fronteiras do paiacutes Michael Winock (2003) nos
lembra da emergecircncia de pesquisas sobre os intelectuais e suas ideias no seacuteculo
XX bem como a sua importacircncia para a difusatildeo de modelos poliacuteticos que tem
atraiacutedo agrave atenccedilatildeo de inuacutemeros pesquisadores Com Joseacute de Alencar ampliamos o
horizonte da pesquisa dos intelectuais no Brasil ateacute meados soacute seacuteculo XIX onde
estaacute nosso recorte temporal
Jaacute existem biografias consistentes sobre o Alencar Destaco o trabalho beneditino de
Raimundo de Menezes (1965) ldquoJoseacute de Alencar literato e poliacuteticordquo que recolheu
desde documentos pessoais ateacute fotografias e caricaturas do periacuteodo mas que tenta
natildeo traccedilar uma criacutetica ao trabalho de Alencar sendo um texto predominantemente
factual Eacute para aonde me remeto como uma fonte baacutesica do estudo e que
determina a linha mestra da descriccedilatildeo mas me apoiando tambeacutem em alguns outros
textos5 Ressaltamos aqui que nosso recorte iraacute enfatizar tambeacutem o contexto das
relaccedilotildees sociais que satildeo (ou podem ser) determinadas pelo texto
5Outras biografias satildeo MAGALHAtildeES Raimundo Jr Joseacute de Alencar e sua eacutepoca Satildeo Paulo Ed
Lisa 1971 FILHO Luiz Viana A vida de Joseacute de Alencar Satildeo Paulo Ed UNESPSalvador Edufba 2008 e NETO Lira O inimigo do rei uma biografia de Joseacute de Alencar ou a mirabolante aventura de um romancista que colecionava desafetos azucrinava D Pedro II e acabou inventando o Brasil Satildeo Paulo Globo 2006
11 PRIMEIROS ANOS
No dia 1ordm de Maio de 1829 em uma pequena casa no siacutetio Alagadiccedilo Novo na vila
de Nossa Senhora da Conceiccedilatildeo de Messejana periferia de Fortaleza proviacutencia do
Cearaacute nasce Joseacute Martiniano de Alencar Filho Seu pai um padre que haacute pouco
deixara a batina para se envolver na poliacutetica6 junto com D Baacuterbara de Alencar sua
matildee o irmatildeo Tristatildeo de Alencar e o tio Leonel Pereira de Alencar foi figura de
destaque na revoluccedilatildeo pernambucana Um revolucionaacuterio liberal ldquoexaltadordquo proacute-
repuacuteblica que posteriormente foi eleito deputado constituinte para o congresso
lusitano7 Alencar mantinha relaccedilotildees proacuteximas com os liberais de Minas Gerais e de
Satildeo Paulo como o Padre Joseacute Bento e com Custoacutedio Dias
Os (chamados) rebeldes de Pernambuco eram militares de alta patente
comerciantes senhores de engenho e sobretudo padres (calcula-se em 45 o
nuacutemero de padres envolvidos) Apesar de ter em suas linhas elementos do povo e
escravos natildeo era uma revoluccedilatildeo que pudesse ser chamada de popular Antes
tentava afirmar a dominaccedilatildeo de alguns grupos de elite local Sobe forte influecircncia da
maccedilonaria que disseminava as ideias liberais entre seus grupos os rebeldes
proclamaram uma repuacuteblica independente que incluiacutea aleacutem de Pernambuco as
capitanias da Paraiacuteba e do Rio Grande do Norte chegando com Alencar ateacute o
Cearaacute O movimento chega a controlar o governo durante dois meses Alguns de
seus liacutederes inclusive padres foram fuzilados Alencar consegue o perdatildeo
(CARVALHO 2002)
Com a abdicaccedilatildeo havendo o Senador pelo Cearaacute Joatildeo Carlos Augusto de
Oeynhausen e Gravenburg marquecircs de Aracati acompanhado D Pedro I em sua
volta a Portugal declara o senado a vacacircncia de sua cadeira O nome de Joseacute
Martiniano o pai eacute indicado em lista triacuteplice entregue a apreciaccedilatildeo da Regecircncia-
6 Um padre longe da igreja Menezes (1965) cita em nota que natildeo foram encontrados os registros de
Alencar na arquidiocese de Fortaleza 7 O pai de Alencar poliacutetico ativo e um dos participantes do movimento republicano proclamado no
Cearaacute em 1817 jaacute forneceria uma sedutora monografia Preferimos aqui em funccedilatildeo da metodologia exigida e dos limites da pesquisa buscar uma anaacutelise coerente apesar de firmada em caminhos mais sinteacuteticos
trina Aprovado toma posse em 02 de Maio de 1832 A vida na corte do Rio de
Janeiro o esperava mas natildeo por muito tempo Em 23 de agosto de 1834 eacute nomeado
presidente da proviacutencia do Cearaacute e retorna agrave terra natal com a famiacutelia Passados
alguns anos de uma administraccedilatildeo exemplar com a renuacutencia do Regente Feijoacute ndash
com quem mantinha agora relaccedilotildees proacuteximas - foi exonerado do cargo Alencar e
Feijoacute desde o golpe de estado de 1832 em que se reuniam nas sessotildees do Partido
Moderado jaacute admitiam certa cumplicidade de ideias
A famiacutelia deixa o Cearaacute e ruma novamente agrave corte em meados de 1838 onde o
Alencar reassume sua cadeira no senado O pequeno Joseacute de Alencar entatildeo com
11 anos passa a frequentar o coleacutegio elementar
O pai de Joseacute de Alencar o senador Joseacute Martiniano de Alencar eacute figura chave no
processo de maioridade de D Pedro II Enquanto orador oficial do Senado faz um
discurso durante a coroaccedilatildeo e sagraccedilatildeo do imperador no Paccedilo da cidade clamando
ao povo e a divina providecircncia para que iluminem o futuro monarca (SCHWARCZ
1998) Com a posse de D Pedro II eacute nomeado logo a seguir presidente do Cearaacute
Toma a administraccedilatildeo da proviacutencia por alguns meses mas depois de enfrentar
algumas revoltas populares deixa o governo e retorna agrave Corte em 1841 Neste
ponto o senador Alencar - agora cooptado pelo Estado - provavelmente jaacute estava
bem distante das ideias que proclamava nos movimentos revolucionaacuterios
Joseacute de Alencar o filho tem no Cearaacute - donde passa a infacircncia nessas idas e
vindas - a vida tranquila do interior Ali encontra as imagens que o seguiram pela
vida inteira e ajudaratildeo a criar as representaccedilotildees para uma naccedilatildeo nova esplecircndida
como tudo o mais que havia a sua volta naquele momento
Alencar desembarca em Satildeo Paulo em maio de 1843 ldquoUm mirrado rapazola de
catorze anos Vem completar os exames preparatoacuteriosrdquo (MENEZES 1965 p49) A
falta de livrarias e gabinetes de leitura e a dificuldade de comunicaccedilotildees com a
Europa torna o acesso aos livros uma dificuldade jaacute naquela eacutepoca Os livreiros em
sua maioria se estabelecem no Rio de Janeiro e vendem majoritariamente tiacutetulos
em inglecircs ndash visto a quantidade de residentes ingleses - e francecircs e alguns romances
adaptados e traduzidos mas ainda pouco material (RENAULT 1976)
Alencar eacute uma figura que passaria despercebida em qualquer local Alto magro
moreno de oacuteculos De jeito acanhado ateacute mesmo silencioso Natildeo frequentava as
tabernas ou salotildees o que produzia certo estranhamento natildeo soacute dos colegas da
repuacuteblica mas nos estudantes em geral Durante o Impeacuterio como os cursos
regulares de medicina direito e engenharia ainda natildeo se proliferassem no periacuteodo
tais escolas natildeo se configuravam apenas como um centro de produccedilatildeo de uma
cultura intelectual no Brasil Eram antes espaccedilos para uma consolidaccedilatildeo do poder
nas matildeos de uma elite citadina que comeccedilava a se sobressair (COSTA 1999) A
frequentaccedilatildeo agraves escolas de Direito era a antessala necessaacuteria ao jovem que
buscava a ocupaccedilatildeo em algum cargo puacuteblico A criaccedilatildeo de cursos de niacutevel superior
tambeacutem busca a criaccedilatildeo de um funcionalismo que possa assumir os cargos da
burocracia do Estado Tambeacutem uma parte da formaccedilatildeo da Corte e uma carreira
possiacutevel dentro de um escasso mercado de trabalho
Durante o periacuteodo do curso os estudantes bagunccedilavam a cidade promovendo
reuniotildees serenatas e bebedeiras num tributo a Lord Byron8 em noitadas
ldquosatanistasrdquo Quando Alencar se transfere para Satildeo Paulo esse Byronismo estaacute na
moda (MENEZES 1977 p 50) os estudantes saem pelas ruas blasfemando contra
a vida e o amor de ldquocapa e cabeleirardquo 9 virando a vida de pernas para o ar Alencar
nunca foi dado a esses arroubos da juventude preferindo levar uma vida mais
absorta em seus pensamentos
Em 1846 Alencar se matricula na Academia Ali tem suas primeiras experiecircncias
jornaliacutestico-literaacuterias onde funda junto a alguns colegas primeiranistas a revista
semanal Ensaios Literaacuterios Em comeccedilos de 48 depois de tirar feacuterias em Fortaleza e
no siacutetio Messejana embarca para a cidade de Olinda onde se matricula no 3ordm ano
do curso Juriacutedico A companhia de Alencar ali satildeo os passeios pelas ruas solitaacuterias e
a biblioteca do mosteiro de Satildeo Bento onde funcionava o curso e aonde tem
acesso a exemplares dos cronistas coloniais Natildeo fica ali por muito tempo voltando
8 Poeta romacircntico inglecircs que veio a morrer na primeira metade do seacutec XIX 9 A expressatildeo recolhida por Menezes de um comentaacuterio de Brito Broca estaacute indefinida Parece
remeter aos juristas ingleses e americanos ndash modelos para esta juventude da elite da corte portanto ndash de usarem perucas como um siacutembolo de poder Renault (1976) indica ndash a partir de uma fonte de 1816 - que cada profissatildeo recorre a determinado tipo de cabeleira como forma de distinccedilatildeo
posteriormente para Satildeo Paulo Alencar comeccedila jaacute a sentir os primeiros sintomas da
doenccedila que o acompanharia ateacute o fim da vida e o clima do Nordeste possivelmente
seria um alivio para a tuberculose
Por fim consegue se formar em Direito em 1849 (na turma de 50) na Faculdade de
Direito do Largo de Satildeo Francisco Satildeo Paulo eacute uma ldquocidadezinha de terceira ordem
tristonha e brumosa natildeo possui cerca de 12 a 14 mil almas se tantordquo (MENEZES
1965 p 60) O espaccedilo eacute dividido entre os estudantes grupo entatildeo numerosiacutessimo
ldquoe o restordquo como diziam Meretrizes gente pobre nos corticcedilos alguns emigrantes
que vinham tentar a vida fora do campo e artistas mambembes que buscavam levar
alegria para ali Carvalho (2007) sustenta que a escolha por Satildeo Paulo e Olinda para
o estabelecimento dos cursos de Direito foi uma maneira de unificar os laccedilos entre
as elites dispersas pelas vaacuterias regiotildees para posteriormente associa-las a Corte
Alencar natildeo foge a regra e muda-se para o Rio de Janeiro cidade mais promissora
economicamente onde comeccedila a trabalhar como praticante no escritoacuterio de
advocacia do Dr Caetano Alberto Soares um dos mais procurados chegando a
representar em certas ocasiotildees a Casa Imperial Alencar trabalha ali por quatro
anos onde se inicia nos estudos mais aacuteridos do Direito mas natildeo esquece o
jornalismo
12 VIDA NA CORTE
Em 09 de agosto de 1853 Alencar comeccedila a trabalhar a convite de um amigo na
redaccedilatildeo do jornal Correio Mercantil - chamado ldquoo grande jornal das ideias liberaisrdquo -
com a obrigaccedilatildeo de promover mudanccedilas em sua estrutura que viessem a tornaacute-lo
um pouco mais popular Era tido como um abrigo dos letrados e o mais importante
dos diaacuterios da Corte a eacutepoca Ateacute 1852 o Correio Mercantil era um dos jornais
cariocas com eventual tiragem em francecircs (MENEZES 1965) Alencar passaraacute a
analisar os acontecimentos da semana no rodapeacute da primeira paacutegina da revista
hebdomadaacuteria ldquoPaacutegina Menorrdquo publicada sempre aos domingos No seacuteculo XIX tais
revistas - em formato de folhetins - jaacute satildeo comuns na imprensa nacional
O trabalho de Alencar era reunir diversos assuntos com uma escrita leve e que
chamasse a atenccedilatildeo do puacuteblico Agora mesmo avesso a festas e salotildees de baile -
como o do Cassino Fluminense famoso ponto de encontro onde fluiacuteam amizades e
intrigas liberais e conservadores conversavam serenamente com seu jeito sisudo o
jovem e acanhado jornalista comeccedila a frequentar a sociedade a procura de ideias e
tambeacutem de amigos
Alencar sabia como bom jornalista que por vezes seria preciso natildeo soacute relatar os
fatos mas tambeacutem criaacute-los eacute o caso do desfile de carnaval Desde 1854 a poliacutecia
proiacutebe a praacutetica do entrudo10 no carnaval Em 1855 um grupo de foliotildees animados
por jornalistas do Correio Mercantil em sua maioria resolve por na rua um carnaval
diferente com desfile de banda de muacutesica carros alegoacutericos e cavaleiros nos
moldes do carnaval de Veneza A moda de oacuteperas italianas pelos teatros da cidade
faz com que o estranhamento seja menor pela populaccedilatildeo jaacute familiarizada com os
tipos da comeacutedia italiana como arlequins e colombinas Alencar acompanhando o
entatildeo coronel Polidoro da Fonseca11 e Muniz Barreto proprietaacuterio do Correio
Mercantil vai ao Paccedilo da Quinta da Boa Vista convidar a famiacutelia imperial para o
desfile que viria a passar tambeacutem no Largo do Paccedilo Seria o primeiro destes
desfiles a se apresentar no Rio de Janeiro O imperador comparece e aprecia o
espetaacuteculo D Pedro II poucos anos mais velho que Alencar reconhece naquele
ldquofilho de padrerdquo um pouco da convicccedilatildeo e do ativismo do velho senador Alencar
Poreacutem o fato de Alencar assumir-se ldquoa favor do impeacuteriordquo natildeo quer dizer que morria
de amores por D Pedro II
Em 1855 devido a alguns desentendimentos com a direccedilatildeo do jornal abandona o
Correio Mercantil e sua coluna ldquoAo correr da penardquo que eacute um sucesso na eacutepoca
voltando a militar na advocacia por algum tempo Em outubro do mesmo ano
assume os cargos de gerente e redator-chefe do Diaacuterio do Rio de Janeiro com a
10 O entrudo era uma festa popular oriunda de Portugal Significa literalmente ldquointroduccedilatildeordquo e remonta antigas praacuteticas pagatildes Carnaval de rua que desde os tempos da colocircnia vem sendo proibido pelas autoridades constituiacutedas devido aos constantes excessos do povo Ver por exemplo DAMATTA Roberto Carnavais malandros e heroacuteis Para uma sociologia do dilema brasileiro Rio de Janeiro Rocco 1997 11 Os ldquoFonsecardquo eram uma famiacutelia aleacutem de influente vasta nos quadros do exeacutercito Podemos citar desde alguns heroacuteis da guerra do Paraguai ateacute o grupo que sustenta Deodoro na proclamaccedilatildeo da repuacuteblica Ver para um melhor esclarecimento nota em CARVALHO Joseacute Murilo de A formaccedilatildeo das almas o imaginaacuterio da repuacuteblica no Brasil Satildeo Paulo companhia das letras 1990 p 144
tarefa de reerguer o entatildeo decadente jornal (o primeiro jornal diaacuterio surgido no Rio
de Janeiro12) alavancando suas vendas Jaacute era naquele momento um jornalista com
certo renome e seus textos sugerem influecircncias de autores europeus O modelo
civilizacional francecircs - e isto de comum acordo com a grande maioria dos bachareacuteis
que frequentavam a corte - eram de seu agrado e como muitos outros redatores do
periacuteodo foi dele tambeacutem um divulgador Eacute o ldquoafrancesamentordquo da sociedade
carioca que se manifestava tambeacutem no uso da linguagem pelos jornais Alencar eacute
grande apreciador de Lamartine e leitor de Balzac e Voltaire desde os tempos da
academia em que passava as tardes junto ao dicionaacuterio de francecircs
Nos fins de 1854 vem ao Rio de Janeiro em feacuterias das funccedilotildees de cocircnsul geral na
regiatildeo da Sardenha na atual Itaacutelia o poeta Domingos Joseacute Gonccedilalves de
Magalhatildees - futuro visconde de Araguaia Traz consigo os originais do poema ldquoA
confederaccedilatildeo dos Tamoiosrdquo obra que dizia ele revolucionaria as letras nacionais
Grande amigo de D Pedro II este manda imprimir uma ediccedilatildeo do poema na
conhecida tipografia de Paula Brito13 em rica encadernaccedilatildeo o que jaacute era um motivo
para que o proclamado poema fosse lido O assunto gira em torna das lutas dos
Tamoios com portugueses em meados do seacuteculo XVI no litoral fluminense e paulista
exaltando o quanto podia as figuras histoacutericas do periacuteodo As criacuteticas foram
unacircnimes o poema era ndash segundo comentadores do periacuteodo como Alexandre
Herculano e Gonccedilalves Dias ndash uma grande decepccedilatildeo Alencar oculto pelo
pseudocircnimo Ig14 investe criticamente sobre o poema classificando-o de mediacuteocre
em uma seacuterie de oito cartas publicadas em sua coluna no Jornal Seria este o
primeiro debate substancioso sobre literatura travado no Brasil e de certa forma a
primeira querela envolvendo o artista e o imperador
12 Interessante lembrar que o Diaacuterio do Rio de Janeiro chega a ser apontado como subversivo por
Joseacute Bonifaacutecio que manda averiguar o teor do ldquoescritos incendiaacuteriosrdquo ali publicados em 1822(COSTA 1999 p71) No Diaacuterio seriam publicados artigos contraacuterios agrave monarquia constitucional Alencar era assumidamente um conservador 13 Paula Brito eacute editor e dono de tipografia um conhecido ponto de encontro de intelectuais e poliacuteticos do periacuteodo Mulato de origem pobre assim como Machado de Assis eacute mais um indicativo de que nas letras nacionais a poliacutetica de segmentaccedilatildeo racial era mais amena 14 Menezes comenta em uma nota que tendo o Imperador esquecido de convidar o Alencar para a leitura da ldquoConfederaccedilatildeo dos Tamoiosrdquo em seccedilatildeo no gabinete imperial este viria a se tornar um criacutetico ferrenho de Magalhatildees Nos parece um reducionismo a implicacircncia do Alencar natildeo chega a tanto e sua capacidade como escritor e poliacutetico mostra bem sua capacidade
A carta aberta eacute comum na imprensa do periacuteodo Um comentador coloca suas
opiniotildees de maneira direta e soacutebria com o intuito de publicitar um assunto Um
debate aberto por vezes uma provocaccedilatildeo E o direito de resposta era concedido
prontamente O assunto se tornado interessante era esperado pelos leitores
A maior parte das criacuteticas se refere agrave gramaacutetica e a metrificaccedilatildeo O poeta Arauacutejo
Porto-Alegre cognominado ldquoO amigo do poetardquo sai em defesa de Magalhatildees
Alencar rebate e a esta altura Ig natildeo seria mais um desconhecido Porto-Alegre
chega a transparecer que a peleja do Alencar natildeo seria contra o preterido poeta
mas um ataque indireto ao seu protetor D Pedro II Alguns outros aparecem pelas
paacuteginas do jornal apoiando tropegamente poema e poeta Alencar segue firme e o
imperador assume a pena sob o codinome de ldquoOutro amigo do poetardquo Escreve seis
artigos que Alencar responde com airosidade O imperador pede a opiniatildeo favoraacutevel
de alguns amigos sobre o poema mas nem as criacuteticas encaminhadas por Gonccedilalves
Dias e Alexandre Herculano conseguem convencer D Pedro II do contraacuterio que
Magalhatildees natildeo era tatildeo bom assim Torna-se entatildeo uma guerra puacuteblica de teimosos
Alencar no mesmo ano reuacutene em livro as cartas publicadas sobre A confederaccedilatildeo
dos tamoios No ano seguinte Magalhatildees publica uma segunda ediccedilatildeo do poema
que D Pedro II promove agora chegando a pagar a publicaccedilatildeo de duas traduccedilotildees
para o idioma italiano da obra O imperador incentiva a pesquisa e publicitaccedilatildeo de
trabalhos que enfatizam essa mitologia romacircntica do indigeniacutesmo mas natildeo significa
que esteja preocupado com a esteacutetica literaacuteria Suas razotildees estatildeo mais proacuteximas do
campo poliacutetico como tambeacutem o seria com sua relaccedilatildeo com o instituto histoacuterico e
geograacutefico ao qual era o maior patrocinador Era o momento de solidificar os
siacutembolos da nova naccedilatildeo e o indigeniacutesmo aleacutem de tudo se caracteriza por ser um
movimento antilusitano (ROMANCINI 2007)
Sobre o texto de Magalhatildees o puacuteblico aparentemente se cansa da peleja e Alencar
como redator do jornal precisa procurar mateacuteria mais interessante e a contenda se
dissipa no tempo Mas esta seria a primeira de uma seacuterie de desavenccedilas
envolvendo o Imperador e Alencar
Em dezembro de 1856 Alencar termina seu primeiro livro distribuiacutedo para os leitores
do Diaacuterio do Rio de Janeiro como um presente no Natal No ano seguinte publica o
primeiro folhetim15 de O guarani no Diaacuterio e depois em livro organizado em quatro
volumes e os primeiros capiacutetulos de A viuvinha em folhetim O sucesso de O
guarani eacute tamanho que vaacuterias portas satildeo abertas para o escritor Eacute neste ano que
Alencar ingressa no teatro com sua peccedila ldquoO Rio de Janeiro verso e reversordquo em
novembro estreia com ldquoO democircnio familiarrdquo e ainda em dezembro do mesmo ano a
comeacutedia ldquoO creacuteditordquo A sociedade apresentada nos palcos do Rio de Janeiro para
Alencar natildeo seria aquela que ele via nas ruas Seu modelo era a ldquosociedaderdquo
francesa Comenta assim em uma crocircnica
(hellip) a verdadeira comeacutedia a reproduccedilatildeo exata e natural dos costumes de uma eacutepoca a vida em accedilatildeo natildeo existe no teatro brasileiro Natildeo achando pois em nossa literatura um modelo fui buscaacute-lo no paiacutes mais adiantado em civilizaccedilatildeo e cujo espiacuterito tanto se harmoniza com a sociedade brasileira na Franccedila Fui feliz o puacuteblico ilustrado foi mais beneacutevolo do que eu esperava e merecia O Democircnio Familiar escrito conforme a escola de Dumas Filho sem lances cediccedilos sem gritos sem pretensatildeo teatral agradourdquo (MENEZES 1977 p 135)
No exposto entendemos que Alencar buscava um modelo ldquomelhorrdquo segundo ele
para a sociedade carioca O modelo francecircs de certa forma jaacute impregnado na
sociedade da Corte eacute agora validado pela arte e aplaudido pelo grupo Tal modelo
como afirma natildeo estava na literatura dramaacutetica nacional A vida em accedilatildeo natildeo existe
no teatro A questatildeo eacute qual seria essa vida que Alencar buscava A das ruas
imundas do Rio de Janeiro dos escravos que recolhiam os dejetos na cidade da
incipiente induacutestria nacional Certamente natildeo
A peccedila de maior aceitaccedilatildeo puacuteblica eacute ldquoO democircnio familiarrdquo e a mais divulgada de
suas comeacutedias Machado de Assis em um artigo qualifica a peccedila ldquoO democircnio
familiarrdquo como um retrato da famiacutelia brasileira no periacuteodo com sua caracteriacutestica ndash
segundo ele ndash paz domeacutestica O texto circula tambeacutem em versatildeo impressa com uma
dedicatoacuteria agrave imperatriz D Teresa Cristina o que chega a ser considerado uma gafe
de Alencar sendo a personagem principal o referido democircnio familiar um moleque
chamado Pedro assim como D Pedro II (e tambeacutem D Pedro I ) Na estreia do
espetaacuteculo no Teatro do Ginaacutesio comparecem D Teresa e D Pedro II que chega a
se irritar com os olhares maliciosos e risadas do puacuteblico a cada travessura do
15
Alencar estava - de certa forma - na vanguarda da miacutedia O folhetim foi uma invenccedilatildeo de Gustave
Planche no dececircnio de 1820 na Franccedila introduzindo uma forma diferenciada agrave narrativa do romance Era um modelo que agradou e ajudou a construir popularidade para Alencar Ver CAcircNDIDO Antocircnio Literatura e Sociedade 9ordf Ed Rio de Janeiro Ouro sobre Azul 2006 p 43
escravo no palco Segundo esse autor se origina daiacute e natildeo do episoacutedio da
Confederaccedilatildeo dos Tamoios as diferenccedilas entre o imperador e Alencar De qualquer
forma natildeo se pode deixar de ver Joseacute de Alencar como um implicante
Em 30 de maio de 1858 no teatro do Ginaacutesio Dramaacutetico estreia a comedia ldquoAs asas
de um anjordquo Depois da terceira apresentaccedilatildeo puacuteblica o texto eacute proibido pelo chefe
de poliacutecia Alencar vem a puacuteblico atraveacutes do Diaacuterio questionar a arbitrariedade e
apresentar sua defesa Questiona como um espetaacuteculo aprovado anteriormente pela
censura (apresenta-las anteriormente aos censores era o procedimento padratildeo)
poderia ser logo depois proibido Diz o autor ter se baseado em uma peccedila de
Alexandre Dumaacutes Filho sobre uma prostituta jaacute tendo sido o espetaacuteculo
apresentado no mesmo teatro semanas a fio sendo assim bem conhecida do
puacuteblico Apresenta ali seus argumentos e motivos repetindo que natildeo entende como
um texto que ele mesmo admite eacute adaptado de um romance europeu ndash a dama das
cameacutelias - que apresenta jaacute a eacutepoca relativo sucesso de puacuteblico no teatro pocircde ser
censurado Eacute ali que Alencar entende da pior maneira que a sociedade carioca de
entatildeo natildeo aceita ser confrontada com uma caracterizaccedilatildeo tatildeo realista de seus
costumes Havia assuntos ainda difiacuteceis de discutir Eacute interessante nos determos um
pouco aqui para analisar o confronto do autor com a censura Alencar se sente
intimamente ofendido com a proibiccedilatildeo e parte para sua defesa puacuteblica fazendo o
que sabe fazer mobilizar a opiniatildeo puacuteblica atraveacutes do jornal
Em 28 de junho de 1858 Alencar puacuteblica no Diaacuterio do Rio de Janeiro um artigo que
viria a ser uma espeacutecie de ldquodireito de defesardquo a censura do espetaacuteculo16 Eacute
interessante no sentido de que podemos ter uma visatildeo ampla da censura praticada
pelas instituiccedilotildees puacuteblicas no periacuteodo imperial Eacute ndash inicia a carta indicando ndash o seu
direito e dever como escritor Alencar se diz indiferente a ldquopuniccedilatildeordquo e explica que tal
somente serviraacute para ldquoexcitar a curiosidade puacuteblicardquo por isso vem a puacuteblico
defender-se apenas por que se diz um defensor da moral e natildeo quer manchar sua
imagem aceitando passivamente a (afirma) injusticcedila Natildeo pretende fugir a puniccedilatildeo e
afirma que ldquose quiser dar-lhe maior publicidade tenho ainda um meio a imprensa
16
Artigo transcrito na seccedilatildeo ldquoensaios literaacuteriosrdquo em ALENCAR Joseacute de Teatro completo Rio de
Janeiro Serviccedilo Nacional de Teatro 1977 As referecircncias entre aspas satildeo todas do artigo
que natildeo estaacute sujeita agrave censura policialrdquo A peccedila conta havia sido liberada por meio
de despacho especiacutefico pela poliacutecia em 25 de maio e pelo Conservatoacuterio Dramaacutetico
ainda em janeiro o que jaacute indica uma contradiccedilatildeo Dentre as causas estipuladas
pela lei para a proibiccedilatildeo de espetaacuteculo teatral estavam o ataque agraves autoridades
constituiacutedas o desrespeito agrave religiatildeo e a ofensa agrave moral puacuteblica que no entender do
jornalista seria o motivo da proibiccedilatildeo
Alencar afirma ter pensado bastante na reaccedilatildeo que o puacuteblico teria sobre o tema e
afianccedila ter se baseado em obras dramaacuteticas filhas da chamada ldquoescola realistardquo que
vem de Paris e que tecircm sido representadas em nossos teatros sende ele mesmo
um dos espectadores Mas sustenta ldquoesqueci-me que o veacuteu que para certas
pessoas encobre a chaga da sociedade estrangeira rompia-se quando se tratava de
esboccedilar a nossa proacutepria sociedaderdquo (ALENCAR 1977 p 227) Afirma que o puacuteblico
da Corte assistindo a ldquoA dama das Cameacuteliasrdquo ou agraves ldquoMulheres de Maacutermorerdquo cada
um toma Margarida Gauthier e Marce satildeo apenas duas moccedilas um pouco
estravagantes mas quando se transpotildee a questatildeo para o Brasil em As asas de um
anjo o espectador encontra a realidade diante de seus olhos e espanta-se sem
razatildeo de ver no teatro sobre a cena o que vecirc todos os dias na rua e nos passeios
Mas o que seria imoral O que motivaria tal ato da poliacutecia Alencar explica que eacute
imoralidade o ato que a moral reprova Alencar se defende dizendo que sua intenccedilatildeo
era a pretenccedilatildeo de mostrar uma liccedilatildeo para os pais de famiacutelia sobre a necessidade
de cuidarem da educaccedilatildeo moral de seus filhos de constituiacuterem-se enquanto famiacuteias
Sustenta que em sua tese natildeo haacute aiacute uma soacute personagem que natildeo represente uma
ideia social que natildeo tenha uma missatildeo moralizadora Natildeo eacute ele quem nos
apresenta diz eacute a proacutepria sociedade E as instituiccedilotildees puacuteblicas criam um
impedimento para que o grupo possa comfrontar sua realidade eacute mais uma barreira
constriacuteda como podemos observar entre o povo (rebelde inculto imoral) e a elite
que soacute observa isso de sua cadeira ou camarote estando distante de tudo
Alencar se desgosta com aquilo e abandona logo depois o Diaacuterio do Rio de Janeiro
e a dramaturgia (pelo menos por enquanto) voltando a se dedicar ao Direito e a seu
trabalho como advogado no escritoacuterio do Dr Caetano Alberto E agora com clientela
vasta Ao longo do periacuteodo imperial com a estabilidade da economia e um maior
(ainda pouco) desenvolvimentos das cidades aparecem outros caminhos para o
trabalho que natildeo somente a burocracia mas a grande maioria dos profissionais
liberais natildeo consegue manter-se Apesar do desenvolvimento da advocacia do
magisteacuterio da medicina do jornalismo muitos destes profissionais liberais ndash o caso
de Alencar ndash encampam duas profissotildees ao mesmo tempo como forma de
sobrevivecircncia ou de esperar ser alcanccedilado pelo braccedilo sedutor do emprego puacuteblico
Para Neto (2006) a produccedilatildeo literaacuteria de Alencar natildeo estaacute desvinculada de sua
personalidade um tanto depressiva e afastada da vida noturna da capital lugar
comum para poliacuteticos e jornalistas - vaacuterios deles conhecidos por Alencar que
preferia a tranquilidade de sua propriedade na periferia onde recebia alguns poucos
amigos Ali entre seus livros dedicava-se a leitura de cronistas e historiadores e a
pesquisa sobre a histoacuteria poliacutetica dos seacuteculos XVIII e XIX Tais leituras teriam levado
Alencar a um aprofundamento de sua reflexatildeo criacutetica sobre a realidade brasileira e
os padrotildees de comportamento da sociedade e das instituiccedilotildees que a constituem e
da famiacutelia burguesa em particular
13 MILITAcircNCIA POLIacuteTICA
Em dezembro de 1858 quando Nabuco de Arauacutejo assume o cargo de Ministro e
Secretaacuterio de Estado dos Negoacutecios da Justiccedila trata logo de promover uma reforma
interna neste e o nome de Alencar eacute lembrado para uma diretoria de Seccedilatildeo na
Secretaria de Estado dos Negoacutecios da Justiccedila Depois de alguns meses no cargo
solicita a um amigo do partido conservador o entatildeo conselheiro Euseacutebio de Queiroz
uma melhoria em seu cargo Em maio de 1859 seu pedido eacute aceito e agora como
consultor recebe o tiacutetulo de conselheiro com seus 30 anos Comeccedila o gosto pela
poliacutetica que estava desde sempre segundo Alencar em sua famiacutelia No mesmo ano
que entra para o ministeacuterio eacute nomeado professor de direito mercantil do Instituto
Mercantil no Rio de Janeiro Ao mesmo tempo publica vaacuterios trabalhos juriacutedicos de
reconhecido valor que alcanccedilam segundas e terceiras ediccedilotildees o que prova que o
texto de Alencar era procurado e lido que conseguiu sucesso como autor ainda em
sua juventude (algo dificilmente alcanccedilado mesmo hoje)
A poliacutetica assim dizia o Alencar era como uma religiatildeo em sua famiacutelia e o desejo
por uma cadeira na Assembleia jaacute eacute latente Mas em sua primeira candidatura em
1856 para uma cadeira de deputado geral pela proviacutencia do Cearaacute na primeira
eleiccedilatildeo por distritos natildeo eacute eleito na ocasiatildeo (ALENCAR 2009) Em 15 de marccedilo de
1860 tem outro desgosto falece o velho senador Alencar seu pai Talvez a uacuteltima
chance de associaccedilatildeo aos quadros do Partido liberal No mecircs seguinte comeccedila
uma correspondecircncia com amigos no Cearaacute jaacute no intuito de buscar uma candidatura
para deputado Em novembro e ainda trajando luto17 embarca para Fortaleza onde
busca amigos e correligionaacuterios para iniciar sua campanha pelo partido conservador
nas periferias da capital cearense Com a quantidade limitada de eleitores pela
legislaccedilatildeo vigente em poucos dias consegue-se conversar com um significativo
percentual de eleitores Apesar de seu pai ser um grande nome do partido liberal e
mesmo Alencar sendo o redator-chefe do Diaacuterio do Rio de Janeiro folha
declaradamente liberal o partido natildeo sugeriu uma filiaccedilatildeo ou a possibilidade de
concorrer a algum cargo puacuteblico fato que seraacute lembrado posteriormente com certa
amargura Talvez com os liberais Alencar pudesse exercitar melhor sua ojeriza por
D Pedro II que jaacute era manifesta a eacutepoca Talvez pelo mesmo motivo o partido natildeo
o desejasse em suas linhas A tatildeo falada homogeneidade de pensamento entre
liberais e conservadores se aplica aqui onde algueacutem que pudesse desagradar o
imperador seria um filho sem pai O que Alencar jaacute sabia era que se natildeo
conseguisse apoio de alguma lideranccedila poliacutetica ndash de um lado ou de outro -
provavelmente natildeo seria eleito Foi o que aconteceu no primeiro pleito Alencar
entatildeo se ldquoapadrinhardquo de Euseacutebio de Queiroz e com o apoio deste e do grupo
conservador eacute eleito para a Cacircmara em 1861
Os principais partidos do periacuteodo o liberal e o conservador apresentavam algumas
diferenccedilas importantes O professor Bonavides consegue uma caracterizaccedilatildeo
abrangente para o periacuteodo de nosso recorte
17 O traje de luto para meados do seacuteculo XIX era conservado por um tempo relativamente grande
quando se tratava de um familiar proacuteximo Poreacutem pode ter funcionado como uma ferramenta
importante na construccedilatildeo de um personagem para sua campanha poliacutetica Ele eacute praticamente um
desconhecido no Cearaacute Eacute preciso mostrar-se como cristatildeo bom filho etc
Os liberais do Impeacuterio exprimiam na sociedade do tempo os interesses urbanos da burguesia comercial o idealismo dos bachareacuteis o reformismo progressista das classes sem compromissos diretos com a escravidatildeo e o feudo
Os conservadores pelo contraacuterio formava o partido da ordem o nuacutecleo das elites satisfeitas e reacionaacuterias a fortaleza dos grupos econocircmicos mais poderosos da eacutepoca os da lavoura e pecuaacuteria compreendendo plantadores de cana-de-accediluacutecar cafeicultores e criadores de gado (BONAVIDES 2000 p491)
Tambeacutem Ilmar Mattos (1987) afirma que a diferenccedila entre ldquoLuzias e Saquaremasrdquo jaacute
estava demarcada desde as revoltas liberais do periacuteodo regencial Poreacutem como os
partidos poliacuteticos ainda natildeo havia desenvolvido suficiente forccedila enquanto instituiccedilatildeo
e ainda natildeo haviam desenvolvido sua configuraccedilatildeo atual geralmente os interesses
pessoais (e as ideias) determinavam as accedilotildees dos poliacuteticos Joseacute Murillo de
Carvalho (2007) sustenta a posiccedilatildeo dos magistrados tipicamente centrados no
partido conservador tanto quanto o clero no partido liberal tendo o grupo dos
militares preferido manter certa neutralidade e por fim um ldquogrupo ascendente de
profissionais liberais formando a ala ideoloacutegica do Partido Liberal e o nuacutecleo do
Partido Republicano do Rio de Janeirordquo (CARVALHO 2007 p 225) Nas cartas
Alencar sustenta que ldquoera do comeacutercio portuguecircs e aderecircncias que o partido
conservador tirava principalmente sua forccedila e os recursos com que sustentava a
lutardquo e mais adiante afirma que ldquoo partido conservador servia-se da induacutestria para
subir ()rdquo (ALENCAR 2011 p63) Em sua quase totalidade estes homens eram
representantes de uma sociedade patriarcal europeizada escravagista e machista
Tais homens partilhavam desse universo cultural que inclusive os caracterizava
independente do partido a que estavam filiados E quantas vezes tais interesses natildeo
se confundiam com a vontade do imperador - figura maior que muitos queriam
agradar e poucos tinham coragem de desagradar Bonavides (2000) citando Rui
Barbosa diz que os dois partidos na praacutetica se resumiriam em um soacute o partido do
poder Faoro (2004) tambeacutem sustenta que no segundo reinado a partir de 1836 a
histoacuteria poliacutetica brasileira se resumiria aos dois grandes partidos o liberal e o
conservador A conciliaccedilatildeo foi algo como uma orientaccedilatildeo um acordo intrapartidaacuterio
ou mesmo uma coligaccedilatildeo e natildeo outro partido A liga que eacute tida como a associaccedilatildeo
geradora do partido progressista foi uma organizaccedilatildeo primaacuteria dessa lideranccedila que
tem seu teacutermino com a deposiccedilatildeo de Zacarias de Goacuteis em 1868 tendo seus filiados
se rearranjado entre liberais e conservadores As discussotildees entre as diferenccedilas
ideoloacutegicas dentro dos partidos excedem a pretensatildeo deste trabalho O que
modestamente se sustenta aqui eacute que a filiaccedilatildeo partidaacuteria se dava a princiacutepio natildeo
como resultado de um aceite pelo ator poliacutetico da base ideoloacutegica do partido ndash se eacute
que houvesse uma O partido conservador por exemplo nunca chegou a escrever
um manifesto ou coisa que o valha ndash mas a suas necessidades pessoais suas
pretensotildees sociais e para seu favorecimento econocircmico Para efeito geral
acompanharemos a anaacutelise de Carvalho
A complexidade dos partidos se refletia naturalmente na ideologia e no comportamento poliacutetico de seus membros dando agraves vezes ao observador desatento a impressatildeo de ausecircncia de distinccedilatildeo entre eles Um exame embora sumaacuterio de alguns problemas cruciais enfrentados pelos poliacuteticos do Impeacuterio pode no entanto mostrar tanto as divergecircncias interpartidaacuterias como intrapartidaacuterias (CARVALHO 2007 p 219)
Em Janeiro ao se realizarem as eleiccedilotildees secundaacuterias Joseacute Martiniano de Alencar
Filho eacute eleito pelo 1ordm distrito (tendo segundo um comentaacuterio seu obtido tambeacutem 30
votos dos cerca de 220 eleitores liberais) no Cearaacute junto a outros seis candidatos de
seu partido Em 23 de maio inicia seus trabalhos na corte O cargo de deputado eacute
um importante comeccedilo para a vida puacuteblica
Apesar de eleitos por um periacuteodo de quatro anos frequentemente conseguiam ser reeleitos para vaacuterias legislaturas ou detinham importantes cargos administrativos Muitos encontraram na Cacircmara um caminho faacutecil para o Senado e o Conselho de Estado Assim como os conselheiros de Estado e os senadores os deputados pertenciam a uma rede poliacutetica de clientela e patronagem que utilizavam tanto em seu proacuteprio benefiacutecio quanto no de seus amigos e protegidos (COSTA 1999 p 141)
Ainda sobre o assunto uma interessante anotaccedilatildeo de Tavares Bastos em seu diaacuterio
pessoal nos ilustra bem a posiccedilatildeo de ldquoclientelardquo a que os deputados estavam
submetidos Referindo-se ao fim de setembro 1869 comenta sobre uma reuniatildeo dos
senadores liberais autorizando Zacarias de Goacuteis a prosseguir negociaccedilotildees sobre o
orccedilamento com Cotegipe ministro da Marinha Ao redigir a informaccedilatildeo refere-se
aos senadores que compotildee uma fraccedilatildeo do partido denominada progressista ndash critica
ou ceticamente - como ldquoos nossos chefesrdquo (ABREU 2007 p122) Disto podemos
deduzir e ainda segundo o depoimento de Costa que Alencar tambeacutem natildeo eacute
nenhum ldquoheroacuteirdquo do Brasil Quer o cargo puacuteblico como uma seguranccedila que garanta
uma rede de relacionamentos necessaacuteria a permanecircncia nesta periferia da elite
com vistas a uma posterior promoccedilatildeo
Quando do iniacutecio dos trabalhos todos os olhares estavam postos sobre Alencar
Romancista e dramaturgo jaacute famoso jornalista respeitado filho de importante
Senador que chegara a orador do Senado na coroaccedilatildeo do Imperador a casa estava
cheia de expectativa para a fala inicial No calor da hora a emoccedilatildeo lhe sobe a
cabeccedila O discurso proferido tatildeo aguardado foi um grande fiasco com momentos
de indecisatildeo e certa disfemia Eacute aos poucos que a palavra lhe vai acontecendo vai
achando seu lugar na tribuna durante o mandato Os argumentos a reacuteplica sempre
pronta o exerciacutecio parlamentar vai construindo o personagem poliacutetico Joseacute de
Alencar que chega a ser um dos mais respeitados oradores da cacircmara A
humilhaccedilatildeo nos primeiros dias arranha um pouco do orgulho e da habitual
arrogacircncia do escritor para depois se constituir em um aprendizado decisivo do
poliacutetico
Em 13 de maio de 1863 eacute dissolvida a Cacircmara Alencar sentindo a doenccedila faz
algumas viagens de repouso fora do Rio de Janeiro De volta agrave Corte passa a morar
na Tijuca e diminui o ritmo da produccedilatildeo literaacuteria atendendo a conselhos meacutedicos Ali
conhece aquele que viria a ser um grande amigo o meacutedico Dr Thomaz Cochrane18
de quem posteriormente toma a filha em casamento Georgiana Augusta Cochrane
Em 1865 nasce seu primeiro filho Augusto
De temperamento arredio dado mesmo a solidatildeo com a dedicaccedilatildeo ao trabalho
redobrada agora pela necessidade de sustentar uma casa natildeo sendo um associado
do Instituto Histoacuterico e Geograacutefico natildeo sendo frequentador assiacuteduo de salotildees ou da
livraria do Paula Brito como outros literatos vai desligar-se ainda das poucas
relaccedilotildees sociais que tem Fecha-se na famiacutelia e para si Eacute o ano em que publica as
primeiras cartas de Erasmo dirigidas ao Imperador
18
Que natildeo eacute o Almirante Cochrane militar contratado por D Pedro I para ldquomassacrarrdquo rebeldes
revolucionaacuterios pelo Brasil afora
Em novembro de 1865 comeccedilam a aparecer nas livrarias do Rio de janeiro uma
seacuterie de ldquocartas abertasrdquo publicadas sempre as terccedilas-feiras endereccediladas ao D
Pedro II e assinadas com o pseudocircnimo de Erasmo mas logo se soube que o autor
era o deputado Alencar A procura pelos folhetins era imensa Havia quem
esperasse a chegada de um vendedor pelas ruas para adquirir seu exemplar19 O
proacuteprio imperador natildeo deixava de estar atento a cada nova carta era como mais um
sucesso literaacuterio Publica tambeacutem em 1866 ldquoOs partidosrdquo em formato de livro mas
discutindo as mesmas questotildees e de forma menos informal
As cartas continham um conjunto de denuncias sobre as irregularidades na poliacutetica e
no procedimento eacutetico dos poliacuteticos Falam do poder moderador da situaccedilatildeo
financeira do paiacutes natildeo haacute assunto que escape ao jornalista Posteriormente
endereccedila outra carta esta ao Visconde de Itaboraiacute ex-Ministro dos Negoacutecios e da
Fazenda uma carta sobre a crise financeira em que tece vaacuterios elogios a este e
mais uma endereccedilada ao Marquecircs de Olinda De julho a agosto publica uma seacuterie
de cartas ao povo20 Alencar se coloca sempre e antes como um pensador da
poliacutetica Algueacutem que observa e indica um caminho para a naccedilatildeo e sua condiccedilatildeo de
jornalista eacute decisiva passa isso Deve-se ter em conta que um pensador poliacutetico eacute
algueacutem que observa contextos comportamentos e instituiccedilotildees e a partir de disputas
retoacutericas em torno de tais conceitos e que busca criticar o poder instituiacutedo e as
justificativas que este toma para continuar no poder
Alguns fatos satildeo modelares para mostrar o desinteresse de Alencar pela sua
valorizaccedilatildeo enquanto uma personagem social preferindo ser identificado enquanto
escritor Prefere as letras e a tranquilidade de seu recanto agrave vida social que poderia
ter na Corte Um exemplo disto eacute o episoacutedio da condecoraccedilatildeo Em 1867 o Alencar
por decreto imperial eacute agraciado com o oficialato da Ordem da Rosa pelos
relevantes serviccedilos prestados agraves letras no paiacutes Um agrado da parte de D Pedro II
feito sem que houvesse uma solicitaccedilatildeo ou concurso A poliacutetica de condecoraccedilotildees eacute
19 Eacute o depoimento de Barros Pimentel que demonstra como o o folhetim foi um meio importante de
divulgaccedilatildeo no periacuteodo
20 As cartas seratildeo analisadas em capiacutetulo a parte
basicamente a mesma dos tiacutetulos nobiliaacuterquicos brasileiros formas de cooptaccedilatildeo de
elementos da elite para o ldquopartidordquo do Imperador Nos anos finais do impeacuterio D
Pedro II agraciaria vaacuterios fazendeiros com a ordem da Rosa pela iniciativa destes
em libertar seus escravos (NOVAIS 1997) Alencar sem um motivo aparente
recusa a condecoraccedilatildeo publicamente solicitando ao redator do Jornal do Comeacutercio
que publicite sua decisatildeo Eacute mais uma alfinetada em D Pedro II que a princiacutepio
busca trazer Alencar para seu grupo mais proacuteximo A caminhada na carreira poliacutetica
vai se tornando ldquocomplicadardquo com tais atitudes de intransigecircncia pelo menos para
algueacutem dentro do partido conservador que almeja seguir adiante
Em 1868 estaacute agrave frente do governo o gabinete liberal presidido por Zacarias de Goacuteis e
Vasconcelos Por conta de alguns desentendimentos entre Zacarias e o marquecircs de
Caxias jaacute tomado como um heroacutei por sua atuaccedilatildeo na guerra do Paraguai D Pedro
II eacute impelido pela imprensa a tomar algum lado na rinha e cai o gabinete Sobem
entatildeo os conservadores sob a chefia do visconde de Itaboraiacute O nome de Alencar eacute
proposto para o Ministeacuterio da Justiccedila e sob o espanto de muitos aprovado pelo
imperador D Pedro estaria tentando amarrar uma ponta da corda que tinha agraves
matildeos no pescoccedilo do teimoso literato Alencar reluta num primeiro momento mas
depois de seu ego ter sido acariciado por algumas visitas de partidaacuterios como o
baratildeo de Muritiba e o Conselheiro Paulino de Souza - falando em nome do Futuro
presidente do Conselho - resolve por bem aceitar o cargo O ministeacuterio apelidado
ldquogabinete-bombardquo toma posse em 16 de julho Eacute composto por aleacutem da figura do
Presidente do Conselho e Ministro da Fazenda o Visconde de Itaboraiacute Joaquim
Rodrigues Torres Paulino Joseacute Soares de Souza como Ministro do Impeacuterio Joseacute de
Alencar Ministro da Justiccedila Joseacute Maria Paranhos o visconde do Rio Branco
Ministro dos Estrangeiros Joatildeo Mauriacutecio Mariani Wanderley o baratildeo de Cotegipe
Ministro da Marinha Manoel Vieira Tosta o visconde de Muritiba Ministro da Guerra
e Joaquim Antatildeo Fernandes Leatildeo Ministro da Agricultura Comeacutercio e Obras
Puacuteblicas A ascensatildeo dos conservadores eacute um fato consumado Alencar eacute aleacutem de
tudo o ministro mais jovem do gabinete mas aos olhos do Imperador natildeo era um
inexperiente D Pedro II parece natildeo se importar com a presenccedila do autor das
Cartas de Erasmo antes se comporta como um admirador da obra de Alencar
Mudanccedilas haacute mas nem tanto As figuras de Rodrigues Torres e Paulino que ndash
segundo Ilmar Mattos (1987) seriam o braccedilo forte da chamada ldquotrindade saquaremardquo
- por tanto tempo estiveram a frente do poder retornam agora com a
responsabilidade de reorganizar a casa Ao mesmo tempo e ateacute como uma forma
de equiliacutebrio de forccedilas D Pedro II tambeacutem tinha seu jeito de se resguardar das
pressotildees exercidas pelas elites no poder e da influecircncia de seus associados e
apadrinhados Em muitos momentos leva a lideranccedila do gabinete homens sem
propriedades lideres com ascendecircncia humilde portanto natildeo diretamente atrelados
aos interesses de grupos poderosos desatados dos laccedilos familiares ou
ldquopatronagemrdquo com fazendeiros e comerciantes ligados ao traacutefico e a exportaccedilatildeo
como Saraiva Zacarias o Visconde de Ouro Preto o marquecircs de Paranaacute entre
outros Eles que estariam mais proacuteximos ao imperador seriam tambeacutem uma ultima
barreira de contenccedilatildeo dos movimentos em prol da diminuiccedilatildeo dos poderes da
monarquia (COSTA 1999) O movimento republicano soacute toma corpo em 1873 e
adiante mas as rusgas que o poder moderador incita no parlamento jaacute se fazem
presentes Alencar no ministeacuterio trabalha com o afinco que sempre daacute a seus
afazeres Isso natildeo eacute uma novidade No ano de 1868 publica tambeacutem ldquoO systema
representativordquo obra em que discute o processo eleitoral como a base de um
governo representativo Nem seria tambeacutem uma novidade o ministro colecionar
desafetos no periacuteodo em que estaacute no cargo Deputados colegas ministros oficiais
natildeo estatildeo livres do temperamento singular de Alencar
As relaccedilotildees do imperador com seu ministro da justiccedila satildeo cordiais poreacutem
complicadas Alencar reclama que D Pedro II em tudo se intromete ndash mais tarde diraacute
que eacute um haacutebito deste e tambeacutem dos outros ministros ndash nos assuntos do Estado Agraves
vezes como um menino curioso que de tudo quer saber outras vezes como um pai
zeloso que se preocupa com seus filhos sendo ldquomaltratadosrdquo pelo ministro chegado
em alguns casos extremos a lembrar de que ele eacute o imperador e eacute quem manda na
casa (MENESES 1977) Um dos haacutebitos de D Pedro eacute o envio de bilhetes para o
ministro Satildeo comentaacuterios questotildees relevantes (ou natildeo) indiscriccedilotildees e
apontamentos que constantemente acompanham os despachos de Alencar
Algumas vezes se diz preocupado com a imprensa e os assuntos gerais em outras
solicita informaccedilotildees sobre processos de funcionaacuterios puacuteblicos e sobre o andamento
das eleiccedilotildees Alencar natildeo faz por menos redigindo tambeacutem os seus bilhetes em
tom cordial e respeitoso mas sempre como um embate de forccedilas tentando
demarcar seu campo de atuaccedilatildeo ou impor limites ao outro Natildeo eacute esta uma praacutetica
do restante do grupo que na acomodaccedilatildeo burocraacutetica a que o partido conservador
se acostuma acaba deixando reverter uma formula antiga para o imperador que
recostado na condiccedilatildeo que lhe permitia o poder moderador apesar de dizer que
ldquodeixa a maacutequina andarrdquo ainda reina governa e administra (FAORO 2004) A
tambeacutem o fato de que D Pedro II prefere morar no paccedilo de Satildeo Cristoacutevatildeo ao Paccedilo
da cidade e os ministros precisavam cavalgam ateacute laacute duas vezes na semana para
os despachos coisa que Alencar abomina - considera uma perda de tempo - aleacutem
de reclamar das ldquofutilidadesrdquo que satildeo obrigados a discutir no lugar de tomar o tempo
com alguma providecircncia importante para o paiacutes como os rumos da Guerra do
Paraguai
Certa feita o imperador encaminha preocupado um bilhete pedindo esclarecimentos
de notiacutecias vinculadas nos jornais sobre o recrutamento de (in)voluntaacuterios para a
guerra do Paraguai pelo paiacutes afora A prisatildeo para recrutamento era uma realidade e
por vezes usada como uma forma do partido da situaccedilatildeo ldquodesaparecerrdquo com
elementos da oposiccedilatildeo Com tal pretexto satildeo escolhidos no periacuteodo
propositalmente os indiviacuteduos simpatizantes do partido liberal Alencar dias depois
encaminha circular tentando normalizar as coisas e coibir abusos por parte dos
presidentes das proviacutencias e autoridades policiais que usavam de tal artifiacutecio para
uma ldquofaxinardquo poliacutetica no eleitorado As preocupaccedilotildees do imperador se
fundamentavam nestas accedilotildees correntes como bem sugeria em outro bilhete onde
dizia ldquo() eu sei infelizmente o que satildeo as eleiccedilotildees entre noacutesrdquo buscando sempre
providencias para que houvesse alguma melhora dentro do possiacutevel e tambeacutem
buscando ldquo(hellip) inteira liberdade de voto conforme nossos maus haacutebitos o permitem
por hora mas dando a autoridade o bom exemplordquo (MENEZES 1965 p133) Mas o
imperador natildeo desconhecia que as eleiccedilotildees pouco refletem a vontade do povo
oprimido do interior que ainda eacute refeacutem do poder poliacutetico local nas matildeos dos
senhores de terras no interior ndash em sua maioria apoiados pelo partido liberal
(CARVALHO 2007) A praacutetica do voto jaacute previamente indicado com a ceacutedula ldquochapa
de caixatildeordquo21 ainda garantia o patildeo para o sustento das famiacutelias (FAORO 2004)
Vaacuterias mudanccedilas satildeo tentadas no decorrer dos anos com pouco resultado mesmo
uma draacutestica mudanccedila nas regras eleitorais ndash como o foi o caso do gabinete da
conciliaccedilatildeo (1853-57) com o marquecircs de Paranaacute em que foram vetadas as
participaccedilotildees de vaacuterios elementos representantes da poliacutecia justiccedila e da
administraccedilatildeo puacuteblica ndash sempre entrevia um espaccedilo para burlar-se a lei o que jaacute
vinha se constituindo como parte da ldquoculturardquo poliacutetica nacional
Austero com os deputados distante dos outros ministros longe das recepccedilotildees
oficiais Alencar apesar de extremamente competente assegura seu lugar como o
homem ldquomais chatordquo da Corte Essa visatildeo era compartilhada ateacute entre alguns
colegas ministros como no caso de Cotegipe que natildeo admitia ldquoo artistardquo no meio
das altas relaccedilotildees poliacuteticas E isso debaixo de um ciuacuteme natildeo declarado pelo fato de
D Pedro II insistir em entregar ao ministro da Justiccedila a maior parte das atenccedilotildees
Atenccedilatildeo que o grupo buscava e que Alencar repelia com seu temperamento
complicado Houve ocasiotildees em que descumprindo os deveres dados pelo decoro
impotildee ao imperador a papelada de sua exoneraccedilatildeo em cerimocircnia puacuteblica
conquanto este natildeo assinasse os decretos que Alencar lhe propunha D Pedro II
em seus despachos tinha o haacutebito de natildeo deixar nada sem assinar poreacutem
postergava Dizia sobre o que natildeo lhe conviesse (ou natildeo quisesse) dar
encaminhamento que deixaria ldquopara a proacutexima semanardquo Os outros ministros
conhecendo tal procedimento tido ateacute como educado tratavam de arquivar a
papelada referente Alencar voltava semana apoacutes semana com os mesmos papeacuteis
natildeo se dando por vencido Esticava os braccedilos a exaustatildeo ateacute que o imperador
reconsiderasse seu ato Natildeo eacute de se estranhar que D Pedro torcesse o nariz para
uma candidatura de Joseacute de Alencar para o senado entatildeo um cargo vitaliacutecio
evitando assim ter de aguentar o homem perto de si por tanto tempo
Alencar sente pressotildees de vaacuterias formas por seu mau jeito como articulador poliacutetico
O ldquodedordquo de Cotegipe como ele mesmo chegou a dizer estava em grande parte
daquilo Joatildeo Mauriacutecio Mariani Wanderley o baratildeo de Cotegipe era um homem
21 A ceacutedula era marcada com uma cruz indicando o voto a ser dado Caso a ceacutedula natildeo aparecesse
na urna o candidato ou chefe poliacutetico poderia procurar o eleitor para ldquotomar providecircnciasrdquo
prestigiado que sabia emprestar seu prestiacutegio ao Ministeacuterio Encarregado da
Marinha este tinha a predileccedilatildeo pela Justiccedila o que o fazia criar situaccedilotildees de
constrangimento para Alencar Com a legislaccedilatildeo vigente o impeacuterio estaacute centralizado
na figura do ldquo() Ministro da Justiccedila generaliacutessimo da poliacutecia dando-lhe por
agentes um exeacutercito de funcionaacuterios hieraacuterquicos desde o presidente da proviacutencia e
o chefe de poliacutecia ateacute o inspetor do quarteiratildeordquo (FAORO 2004 p 369) e tambeacutem os
juiacutezes funcionaacuterios puacuteblicos de carreira todos ao alcance do longo braccedilo da
dominaccedilatildeo do Estado Qualquer deslize e Cotegipe fornecia o material aos jornais
sobre o Ministro (e o ministeacuterio) da Justiccedila nas reuniotildees com o imperador fazia valer
seus pontos de vistas sobre a pasta do adversaacuterio Zombava alfinetava enfim
politicava Alencar reclama com o presidente que tenta contornar as coisas e
apresenta um pedido de demissatildeo mas este natildeo eacute aceito Dias depois Fernandes
Leatildeo titular da pasta da agricultura por motivos pessoais tambeacutem pede demissatildeo
Na ocasiatildeo o Alencar reapresenta sua solicitaccedilatildeo Itaboraiacute tenta segurar o gabinete
como pode evitando que este tombe para caacute ou para laacute De olho nesta indecisatildeo a
alta cacircmara aumenta a vigilacircncia satildeo os olhos de Zacarias Saraiva Nabuco Ottoni
Silveira Lobo Monte Alegre Abrantes e Itanhaeacutem que os acompanham Os ataques
ao ministro-escritor continuam dia a dia cada um com o seu motivo cada qual com
o seu aparte e nem todos direcionados agrave boa ou maacute administraccedilatildeo da pasta da
Justiccedila mas ao proacuteprio jeito de ser do Ministro chegando ao ponto de Cotegipe criar
e difundir (a pior parte) um apelido para Alencar que para a infelicidade deste eacute
aceito pelo grupo no ato era ele o ldquopirracentordquo
Mas nem tudo estaacute relacionado com as brigas internas Ainda enquanto ministro da
Justiccedila Alencar visita a regiatildeo do Valongo22 no Rio de Janeiro conhecido como
antigo mercado dos ldquopretos novosrdquo e se aterroriza com a situaccedilatildeo ao mesmo tempo
aviltante e promiacutescua a qual aquelas pessoas estavam expostas Alencar natildeo era
um abolicionista acreditava que a escravidatildeo no Brasil deveria terminar por um
processo lento e que natildeo incorresse em ocircnus para os proprietaacuterios Tinha uma
posiccedilatildeo conservadora mas tambeacutem natildeo era um incentivador do comeacutercio de
escravos Em 15 de setembro de 1869 eacute publicado um decreto seu que proiacutebe a
22
O antigo Valongo (rua Camerino) era um depoacutesito e armazeacutem de escravos que funcionou de 1779 a 1831 No periacuteodo o comeacutercio se transfere para a rua Direita atual 1deg de Marccedilo Os escravos ficavam expostos na rua (RENAULT 1976)
exposiccedilatildeo puacuteblica de escravos no mercado e a sua venda sob a forma de pregatildeo e
eacute aplaudido por grande parte da populaccedilatildeo Por esse tempo (senatildeo mesmo antes) eacute
que comeccedila uma sondagem com seus correligionaacuterios com o intuito de concorrer a
uma vaga no senado Com a morte em 1865 do marquecircs de Abrantes e do
conselheiro Cacircndido Batista de Oliveira senadores pela proviacutencia do Cearaacute a
vacacircncia das cadeiras estimulam a cabeccedila de Alencar a trabalhar com tal
perspectiva Chega a fundar com seu irmatildeo uma folha a ldquoDezesseis de Julhordquo para
divulgar ndash segundo uma carta-circular enviada aos membros do Partido Conservador
- os ldquointeresses do nosso partido e defender a ideia conservadora no Brasilrdquo
(MENEZES 1975 p252) As eleiccedilotildees vatildeo sendo adiadas devido agraves brigas entre
partidos e as denuacutencias constantes de fraude eleitoral E haacute quem diga que a
demora eacute alimentada pelo ministro da Justiccedila jaacute cobiccedilando uma sua cadeira no
Senado
Em junho de 1869 Alencar escreve a Itaboraiacute comentando seu interesse em
concorrer a uma cadeira no senado Explica que jaacute havia submetido agrave questatildeo aos
colegas do gabinete e tinha o apoio destes O caso se daacute quando apresenta a
proposiccedilatildeo ao imperador chegando a solicitar a demissatildeo do cargo de ministro para
que se candidatasse sem nenhum impedimento ou favorecimento que seu cargo
como ministro pudesse criar D Pedro II sugere (pede) que Alencar reavalie a
decisatildeo pois acreditava que sua situaccedilatildeo pudesse influir nos rumos da eleiccedilatildeo
chegando a sugerir que a atitude natildeo seria eacutetica Alencar se rebela e escreve logo a
seguir a Paulino Nogueira no Cearaacute apresentando-se como candidato pela
proviacutencia e eacute aceito Esse incidente revela algo interessante visto que Paulino
Nogueira como todas as lideranccedilas partidaacuterias que Alencar podia alcanccedilar sabiam
dos motivos do desentendimento e da opiniatildeo do Imperador relatada pelo proacuteprio
missivista E Paulino aceita a candidatura Podemos deduzir que as lideranccedilas locais
ainda natildeo estavam dispostas a acatar podas as decisotildees do centralismo do Estado
mesmo que fossem vindas de uma vontade expressa do imperador As resistecircncias
locais ainda estavam vivas e prontas para reclamar seus direitos
A eleiccedilatildeo se realiza em 12 de dezembro e os liberais seguindo orientaccedilotildees do
partido na corte23 natildeo apresentam candidatos Alencar eacute o mais votado em uma lista
secircxtupla tendo no segundo lugar o nome de Domingos Joseacute Jaguaribe O resultado
vai entatildeo para D Pedro II que escolheria entre os mais votados qual deveria ser o
proacuteximo senador Ao saber do resultado tendo em matildeos a lista o Imperador se irrita
e permanece irredutiacutevel em sua opiniatildeo Manda chamar o Alencar para uma
entrevista e pergunta sobre o entendimento que tiveram sobre a eleiccedilatildeo o clima
entre os dois soacute piorava Haacute vaacuterias versotildees sobre o acontecido todas parecidas
mas o fato eacute que Alencar consegue o que quer sua exoneraccedilatildeo Eacute substituiacutedo pelo
presidente da Cacircmara dos Deputados conselheiro Joaquim Otaacutevio Neacutebias Retorna
o Alencar a Cacircmara e agrave redaccedilatildeo do Dezesseis de Julho
No fim de abril comeccedila o cochicho em Satildeo Cristoacutevatildeo sobre a escolha para as duas
vagas de senador pelo Cearaacute Ao fim a doutrina que os conservadores - inclusive o
Alencar - pregam nos jornais eacute seguida pelo imperador de que somente a este
pertence sem audiecircncia de nenhum ministro a escolha dos nomes para o Senado
Em uma passagem das cartas ao Imperador Alencar sugere que ldquoos atos do poder
moderador satildeo de exclusiva competecircncia vossa [do Imperador] para exercecirc-los natildeo
dependeis de agentes e atualmente nem de conselhordquo (ALENCAR 2011 p 81)
No dia 27 por carta imperial satildeo escolhidos os nomes de Domingos Joseacute
Jaguaribe e do conselheiro Joseacute de Melo Alencar nunca se recuperaria de tal golpe
Agora seu caminho na Cacircmara de deputados eacute o da oposiccedilatildeo ao governo
Em maio de 1871 jaacute tomada certa distacircncia a guerra do Paraguai o imperador
solicita a Cacircmara o necessaacuterio consentimento para uma viagem a Europa Alencar
se apressa nos protestos lembrando o dinheiro esbanjado pelo Estado com as
comemoraccedilotildees puacuteblicas pelo fim da guerra Chega a dizer que uma viagem pela
Europa naquele momento seria uma demonstraccedilatildeo de ldquoabsolutismordquo e ao mesmo
tempo uma tentativa de se afastar das discussotildees sobre a questatildeo da matildeo de obra
escrava e o abolicionismo que o fim da guerra do Paraguai tornou mais urgentes e
23 A influencia local na escolha de candidatos para as eleiccedilotildees soacute volta a crescer a partir de 1881
com a Lei Saraiva
que D Pedro II havia se comprometido em buscar uma soluccedilatildeo
Alencar eacute deputado combativo aguerrido mas natildeo logra muitas vitoacuterias Na
imprensa chega a ser acusado de incoerecircncia no confronto do conteuacutedo das cartas
de Erasmo e a sua atual situaccedilatildeo de rompimento com o imperador seus ataques
constantes ao trono e a administraccedilatildeo Da vida poliacutetica ateacute a literatura tudo eacute motivo
para denegrir a imagem do ex-ministro Eacute assim com Zacarias depois com Cotegipe
depois com Rio Branco depois com Silveira Martins As ideias de Alencar sempre
sustentadas por seu conhecimento do Direito (como vimos as proposiccedilotildees mais
carregadas de complexidade como as cartas geralmente vinham acompanhadas de
estudos publicados pelo Alencar) afligiam vaacuterios grupos Natildeo o grande coro dos
homens da assembleia que em muitos ldquovivasrdquo e ldquobravosrdquo sequer ouviam a pauta das
reuniotildees O partido que detinha a maioria dos deputados conseguia aprovar o que
propunha na maior das vezes tendo em suas relaccedilotildees de ldquoapadrinhamentordquo
construiacutedo vaacuterios laccedilos de dependecircncias entre deputados e senadores
(CARVALHO 2007) Mas eram geralmente as lideranccedilas que viam em Alencar um
problema (NETO 2006) Algueacutem que poderia ter forccedilas (e competecircncia) para propor
mudanccedilas dentro da estrutura Gramsci coloca essa questatildeo quando fala da
educaccedilatildeo dos ldquojovensrdquo Todas as geraccedilotildees educam seus jovens Pode haver ndash e
sempre haacute ndash atritos questotildees divergecircncias de opiniatildeo mas tudo isto faz parte do
processo educativo Mas alguns ldquojovensrdquo da classe dirigente podem se revelar e
buscar alternativas na classe progressista com o intuito de tomar o poder Eacute o
momento em que os ldquovelhosrdquo de outras camadas passam a direccedilatildeo para tais jovens
(GRAMSCI 1989) Eacute certo que para que a ideologia se constitua eficazmente o
discurso assumido por um grupo deve se manter o mesmo ignorando as mudanccedilas
histoacutericas que possam vir a acontecer (e efetivamente acontecem) garantindo a
continuidade das representaccedilotildees sociais e poliacuteticas preacute-determinadas pela classe
dominante (CHAUI 1997) O temor da ideologia eacute o discurso fundador de novas
ideias e natildeo os grupos que as deteacutem porque estes estatildeo associados agraves classes
dominantes no caso aqui a burguesia e pequena burguesia citadina da Corte com
seus intelectuais atuantes constituindo uma camada perifeacuterica a elite representada
natildeo apenas pelo partido conservador mas em vaacuterios casos tambeacutem pelos liberais
Numa citaccedilatildeo de Faoro agrave Bernardo de Vasconcellos o sistema representativo que
entatildeo os partidos ndash conservadores e liberais ndash desejavam construir com sua gama
de funcionaacuterios bachareacuteis e juiacutezes ldquonatildeo significava a vontade popular mas o
governo dos melhores dos mais esclarecidos dos mais virtuosos Entre o paiacutes real
e o paiacutes legal soacute o segundo estaria apto a destilar a elite o poder capaz de
modernizar civilizar e elevar o povordquo (FAORO 2004 p 371) o que garantiria uma
modernizaccedilatildeo dos quadros mas natildeo o fim das oligarquias O que vinha acontecendo
eacute a solidificaccedilatildeo de um processo de deslocamento do poder dos chefes locais do
interior para a burocracia estatal sediada na capital para a Corte e auxiliada pelo
recente processo de construccedilatildeo de uma elite intelectual local A concepccedilatildeo de um
paiacutes dividido em povo e plebe que distinguia os chamados ldquohomens bonsrdquo cidadatildeos
ativos detentores de plenos direitos poliacuteticos proprietaacuterios profissionais liberais
produtores enfim algueacutem que fosse possuidor de certa renda da massa pobre sem
alfabetizaccedilatildeo e dependente (BASILE 2006) As ideias migram se modificam um
pouco e se acomodam em lados diversos e as lideranccedilas partidaacuterias assinaladas (e
outras tantas) que conhecem tal fenocircmeno e nele se sustentam fariam de tudo para
evitar que aquele poliacutetico ldquofanadinhordquo e mal-educado se transformasse tambeacutem em
uma nova lideranccedila
Alencar nos anos que seguem ao trabalho no ministeacuterio sente a sauacutede lhe escapar
Eacute uma eacutepoca em que a doenccedila novamente o alcanccedila e o refuacutegio de sua casa na
Tijuca mais as caminhadas ateacute a vista chinesa junto com Machado de Assis se
tornam a melhor opccedilatildeo para recuperar-se A eacutepoca ele retoma um projeto deixado
de lado a pouco a Guerra dos Mascates Romance histoacuterico mas eacute denominado
pelo autor de ldquocomeacutedia histoacutericardquo em que satirizava seus companheiros de gabinete
ndash Alencar comenta em uma nota que natildeo faria tal coisa ndash os colegas deputados e
(natildeo poderia faltar em sua lista) D Pedro II Aproveitando-se de partes do episoacutedio
que eacute bastante documentado no periacuteodo cria uma caricatura da corte e suas ilustres
figuras um arremedo da poliacutetica contemporacircnea Algo como uma vinganccedila particular
a que ningueacutem poderia impetra-lhe culpa
Como uma forma de terapia embarca com a famiacutelia em junho de 1873 para uma
viagem ateacute o Cearaacute onde encontra amigos e um clima revigorante Fica ali por
alguns meses longe dos trabalhos na Corte mas sempre encontrando e
conversando com lideranccedilas poliacuteticas locais diversas sem que ldquoa cor partidaacuteriardquo
criasse algum empecilho Era para todos ali o conselheiro Alencar um filho da
terra Conhece durante esse tempo o jovem Capistrano de Abreu com quem
comeccedila uma grande amizade e aonde jaacute profetiza seu sucesso nas letras no Rio de
Janeiro Volta para casa em novembro e para o trabalho A doenccedila o acompanha
sempre
Alencar retorna a Cacircmara em julho para os debates da reforma eleitoral Apesar do
cansaccedilo e da constante fraqueza muscular eacute ainda um orador fervoroso Combate
veementemente a eleiccedilatildeo direta e sustenta que as reformas poliacuteticas e sociais
cabem a uma iniciativa do ministeacuterio sempre visando um centralismo administrativo
Alencar nunca deixa de guiar-se pelas metas do partido conservador e sabe do
crescimento dos liberais no interior onde a massa votante estaacute nas matildeos dos
proprietaacuterios de terra em sua maioria adeptos do liberalismo e da descentralizaccedilatildeo
do poder Alencar eacute um poliacutetico moderado algueacutem que confia em uma monarquia
constitucional que possa garantir a ordem dentro da heterogeneidade de um paiacutes de
enormes dimensotildees que eacute o Brasil desacreditando assim de qualquer forma
republicana que tendesse a uma descentralizaccedilatildeo de poder e fortalecesse os chefes
locais dispersos pelo territoacuterio do paiacutes
14 UacuteLTIMOS ANOS
No ano de 1875 Alencar sofre as primeiras hemoptises Planeja uma viagem para a
Europa na busca de uma cura para sua sauacutede jaacute bastante debilitada Eacute neste
mesmo ano que retorna agrave Corte vindo de Paris Joaquim Nabuco Jovem bem
educado filho do Senador Nabuco Sua primeira accedilatildeo poliacutetica eacute iniciar-se na
imprensa E assim como Alencar o fez em seu iniacutecio de carreira insurgir contra uma
personalidade consolidada no cenaacuterio literaacuterio e poliacutetico com paus e pedras na matildeo
ndash no caso o nosso biografado - em busca de algum reconhecimento Traz da
Europa um livro de poemas publicado em francecircs que consegue certa
consideraccedilatildeo Assume a redaccedilatildeo dos folhetins do jornal ldquoO Globordquo tecendo criacuteticas
mais centradas nos literatos que agrave literatura ldquodos brasileirosrdquo Joaquim Nabuco
tomava para si o lugar do novo da modernidade da esperanccedila e das ideias novas
O lugar que pertencera ao Alencar por algumas deacutecadas e que havia segundo
Nabuco ficado no passado
A polecircmica que se deu veio da necessidade de Nabuco se afirmar no cenaacuterio da
Corte a partir de um modelo intelectual e artiacutestico que se confrontaria com o
romantismo um realismo baseado nas ideias positivistas e evolucionistas Modelo
natildeo assumido somente por ele mas por toda uma geraccedilatildeo que estava se
estabelecendo Pesavento nos mostra o cenaacuterio
Imbuiacuteda das teorias europeias de Darwin Spencer Comte Taine Renan esta geraccedilatildeo buscava o universal de forma expliacutecita assumindo um cosmopolitismo declarado o Brasil deveria acertar o passo com a histoacuteria ingressando na modernidade de seu tempo A Europa fornecia o padratildeo de refinamento civilizatoacuterio e de patamar cultural Dela vinham as ideias a moda as novas teacutecnicas e o Brasil precisava acompanhar o trem da histoacuteria nem que fosse no uacuteltimo vagatildeo (PESAVENTO 1998 p 27)
Assumir um modelo europeu natildeo era uma novidade Mas como tal modelo se
renova as ideias satildeo ldquoassumidasrdquo pelas novas geraccedilotildees como a pouco nos
referimos sustentando uma continuidade do sistema sem que uma mudanccedila radical
seja conseguida (ou pretendida)
O tema central do debate era a ideia de Nabuco de que a literatura de Alencar
estava superada Comeccedila com o fracasso de puacuteblico da peccedila ldquoo jesuiacutetardquo
apresentada ainda naquele ano Alencar rebate e segue na peleja como era de seu
gosto Natildeo eacute nossa intenccedilatildeo aprofundar aqui uma discussatildeo sobre a literatura do
periacuteodo para noacutes importa a questatildeo qual modelo de sociedade era sustentado por
Alencar e qual era defendido por Nabuco e dos grupos que se instalavam ditos a
geraccedilatildeo de 1870 Foi um momento em que viacutenculos foram criados entre intelectuais
brasileiros e europeus Podemos apresentar uma caracterizaccedilatildeo do periacuteodo na
anaacutelise de Antocircnio Cacircndido mostrando que
()o movimento das novas ideias filosoacuteficas e literaacuterias que comeccedilou mais ou menos em 1870 e se estendeu ateacute o comeccedilo do seacuteculo XX tendo como
nuacutecleo inicial a cidade do Recife capital de Pernambuco e sua Faculdade de Direito Laacute e em outros centros como o Cearaacute e sobretudo o Rio de Janeiro desenvolveu-se um agudo espiacuterito criacutetico voltado para analisar de maneira moderna a sociedade a poliacutetica a cultura do Brasil com inspiraccedilatildeo primeiro no Positivismo de Augusto Comte em seguida nas diversas modalidades de Evolucionismo das quais teve aqui maior voga a filosofia de Herbert Spencer Acrescente-se a divulgaccedilatildeo das novas ciecircncias como Biologia Linguiacutestica Etnografia Antropologia Fiacutesica (CAcircNDIDO 1999 p 51)
Natildeo soacute Nabuco mas tambeacutem escritores como Franklin Taacutevora e Feliciano de
Castilho protagonizaram ataques ao Alencar e suas ideias em favor da escravidatildeo
estavam totalmente distantes do modelo sociais e cientiacuteficos apresentados Alencar
era a pedra da vez e seu estado de sauacutede debilitado provavelmente contribui pra
piorar o humor do genioso deputado A literatura precisava deixar o reino do
simboacutelico e chegar-se para a realidade representada pelo cientificismo Alencar
refuta as acusaccedilotildees porque acredita no que escreve natildeo eacute um cientista e nem
pretende ser O que tem em mente natildeo eacute tatildeo somente a anaacutelise do real mas uma
possibilidade de ldquomelhorarrdquo o real moralizando-o Influenciar a sociedade em busca
sempre de um caminho de purificaccedilatildeo do social
O debate aberto interessa aos dois Alencar um pouco desgastado pelos recentes
arranhotildees da poliacutetica e Nabuco buscando ainda o reconhecimento do puacuteblico
Precisam do jornal Precisam de um veiacuteculo que os fortaleccedila frente agrave opiniatildeo
puacuteblica construindo ali sua arena de luta Eacute no jornal que as ideias alcanccedilam um
puacuteblico variado e seleto visto que a alfabetizaccedilatildeo do povo natildeo era um fato mas
tambeacutem natildeo podemos cair no mito do analfabetismo ldquototalrdquo da populaccedilatildeo em que
ainda natildeo seja possiacutevel atingir um grupo tamanho que haacute de se considerar enquanto
uma opiniatildeo puacuteblica como prova disso temos a venda de livros ndash romances de
folhetim em sua maioria para o periacuteodo ndash e a presenccedila de salas de leitura e
bibliotecas onde jaacute se cativava um puacuteblico fiel entre mulheres e estudantes24 e o
proacuteprio Alencar admite ter na infacircncia lido para grupos Era comum em
estabelecimentos comerciais e mesmo em casa de famiacutelia uma leitura coletiva de
24 Eacute interessante uma consulta a o trabalho de Sandra G Vasconcelos sobre a formaccedilatildeo do
romance no Brasil e o levantamento sobre os romances ingleses em circulaccedilatildeo no Brasil no XIX
jornais informando as notiacutecias aos que natildeo satildeo alfabetizados o que possibilitava
que as informaccedilotildees e opiniotildees chegassem a grupos maiores (SCHWARCZ 1999)
A guerra que deixa de ser particular e toma agrave imprensa Nabuco representa a
proposta de um novo liberalismo que vai ganhando corpo a partir do final da deacutecada
de 1860 que se contrapotildee ao nacionalismo conservador concebido na obra de
Alencar Depois de dois meses o debate termina sem necessariamente abalar
quaisquer dos lados Nabuco se retira para tentar a poliacutetica e Alencar deixa-se estar
ateacute maio seguinte quando embarca com a famiacutelia para a Europa Sofrendo de
depressatildeo a viagem o angustia Paris Londres Portugal Alencar estaacute velho
consumido pela doenccedila pulmonar Soacute melhora um pouco com a volta ao Rio de
janeiro Agrave Tijuca
Alencar ainda combate na Cacircmara Eacute eleito para um quarto mandato como
Deputado Com a sauacutede jaacute muito debilitada natildeo comparece a todas as seccedilotildees e
diminui as saiacutedas de sua casa para os costumeiros passeios Uma descriccedilatildeo
construiacuteda por Lira Neto nos daacute uma clara visatildeo de Alencar nesse momento em que
a tuberculose jaacute chegara agrave situaccedilatildeo terminal
() era impressionante como o homem definhara nos uacuteltimos meses Virara uma garatuja
Os olhos miuacutedos haviam perdido o brilho caracteriacutestico e agora praticamente sumiam em meio as negras olheiras Na outrora vasta cabeleira uma entrada pronunciada alongava-lhe a testa e ajudava a conferir-lhe o ar de velhice precoce A barba tomava conta do rosto magro e descera abundante sobre o peito a ponto de os fios desgrenhados esconderem-lhe o noacute da gravata Tinha apenas 48 anos de idade Parecia ter no miacutenimo vinte a mais (NETO 2006 p13)
Jaacute natildeo eacute mais o mesmo poliacutetico agressivo mas ainda encontra focirclego para se
arranhar com Caxias ndash entatildeo chefe do executivo ndash e mais uma vez com Cotegipe
arrancando aplausos e risos do plenaacuterio sempre com suas criacuteticas bem vivas a
famiacutelia real Haacute de se admitir que houvesse um pouco de rancor pela sua natildeo
indicaccedilatildeo para o senado que lhe acompanharia ateacute os uacuteltimos dias de vida
aguccedilando sua ldquoimplicacircnciardquo e por vezes chegando a contradiccedilotildees como quando
ataca seu proacuteprio partido enquanto o Imperador passeava pelo mundo com parte da
famiacutelia A regente Isabel tambeacutem natildeo lhe enchia os olhos Se natildeo era alvo
constante de suas criacuteticas eacute porque pouca importacircncia lhe dava o deputado
Em abril de 1877 chega agrave capital notiacutecia da seca que castiga a proviacutencias do Cearaacute
e vizinhas como natildeo acontecia a deacutecadas Vai agrave tribuna o Alencar para pedir
esclarecimentos aos Ministros sobre a situaccedilatildeo real da regiatildeo e cobrar providecircncias
Os jornais de Fortaleza acusam o conselheiro de descaso ao mesmo tempo em que
este se propotildee a recolher junto a uma comissatildeo donativos para as viacutetimas
Tambeacutem algumas folhas do Rio de Janeiro que divulgam litografias sobre os
retirantes chamam a responsabilidade Vale lembrar que Joseacute do Patrociacutenio um
dos jornalistas responsaacuteveis pela divulgaccedilatildeo do problema da seca no Cearaacute eacute um
abolicionista ferrenho Eacute notoacuterio que Alencar piora dia a dia sentindo-se desprezado
ateacute por seus colegas do partido Natildeo se propotildee mais ao debate puacuteblico e deixa por
menos as provocaccedilotildees dirigidas a ele Sua preocupaccedilatildeo eacute com a famiacutelia com o
desamparo que pode vir a acorrer em funccedilatildeo de sua morte Vai definhando
lentamente abandona de vez a caminhada pelo passeio puacuteblico e tambeacutem se
distancia dos amigos eacute quando a doenccedila finalmente o alcanccedila Aos 12 dias de
dezembro de 1877 falece Joseacute de Alencar Agraves 10 horas da manhatilde do seguinte dia
seu corpo eacute levado em cortejo ateacute o cemiteacuterio de Satildeo Francisco Xavier aonde vem a
ser sepultado por um pequeno grupo de jornalistas e amigos proacuteximos O imperador
se dirigindo agrave Petroacutepolis na ocasiatildeo ndash como o fazia habitualmente - do falecimento
ao ser comunicado reage com uma expressatildeo ressentida ldquoHomem de valor
Poreacutem muito mal-educadordquo (MENEZES 1965)
O necroloacutegio eacute escrito por Capistrano de Abreu e estampado na primeira paacutegina da
ldquoGazeta de Notiacuteciasrdquo mas sem a assinatura do autor Eacute o primeiro trabalho
publicado por Capistrano de Abreu na imprensa carioca O novo jornalista viria a
fazer o sucesso que Alencar profetizara e ainda mais como escritor Poliacutetica eacute
assim Mesmo com sua morte o deputado elege um ldquofilhoterdquo25
25 Na giacuteria eleitoral do periacuteodo filhote era o candidato apadrinhado por algum liacuteder poliacutetico
2 CONJUNTURA POLIacuteTICA DO II REINADO
Os infelizes natildeo andam na rua do Ouvidor
De um Editorial da ldquoGazeta da tarderdquo
Depois de conhecermos por meio de sua biografia o Alencar eacute importante que
possamos nos deter nos campos de atuaccedilatildeo de Alencar enquanto poliacutetico e
enquanto um intelectual que pretende atingir a opiniatildeo puacuteblica com suas ideias
Lembramos aqui que nos baseando nos textos de Gramsci (1989) entendemos o
intelectual como a figura que faz a ligaccedilatildeo entre a da elite com o povo Na verdade
eacute o intelectual que iraacute construir uma relaccedilatildeo de confianccedila com os vaacuterios segmentos
sociais na sociedade para a divulgaccedilatildeo e manutenccedilatildeo da ideologia dos grupos que
formam essa elite no poder Para tanto cabe o exame de tais pontos as elites a
imprensa os intelectuais e a opiniatildeo puacuteblica em uma relaccedilatildeo dialeacutetica que
necessariamente apresenta um discurso em forma de tese e a partir de uma
antiacutetese observada recreia seu discurso na forma de siacutentese Os elementos acima
descritos existem de forma separada o que os agrega eacute tatildeo somente o trabalho de
Alencar Portanto funcionam como em uma pintura feita na forma de um poliacuteptico
onde os de os elementos que a compotildeem tem uma existecircncia individual isolada
mas quando unidas ou justapostas criam um novo conjunto de significaccedilotildees Eacute o
acircmbito da esfera puacuteblica Cabe lembrar que a esfera puacuteblica burguesa eacute uma
categoria tiacutepica de uma eacutepoca caracterizada como sociedade burguesa A esfera
puacuteblica deve ser entendida como categoria histoacuterica drsquoonde seu uso na sociedade
da corte no Rio de Janeiro no segundo reinado A burguesia eacute o fulcro deste puacuteblico
caracterizado fundamentalmente como o puacuteblico que tem condiccedilotildees de ler tem uma
educaccedilatildeo tem direitos e deveres na sociedade bem como consegue ser
reconhecido como um igual entre seus pares E eacute este reconhecimento que permite
com que haja alguma alteridade e suas vozes sejam reconhecidas Para Habermas
algueacutem soacute faz parte de uma esfera puacuteblica enquanto portador de uma ldquoopiniatildeo
puacuteblicardquo (HABERMAS 2003)
Para um entendimento mais consistente do periacuteodo de nosso recorte iniciaremos
aqui apresentando uma visatildeo geral sobre o segundo reinado e os acontecimentos
que formam o complexo cotidiano apresentado por Joseacute de Alencar em suas cartas
poliacuteticas
21 UMA VISAtildeO GERAL
O segundo reinado considerando o periacuteodo regencial se estende de 1831 ateacute 1889
D Pedro II eacute entronado com o golpe da maioridade promovido pelos liberais da qual
o senador Alencar ndash pai de Joseacute de Alencar - fez parte em julho de 1840 Uma
caracteriacutestica marcante que talvez ajude a compreender melhor esse periacuteodo eacute o
fato de o Imperador nunca ter aberto matildeo do poder moderador ndash um adendo incluiacutedo
por seu pai na constituiccedilatildeo liberal de 1824
A alternacircncia de partidos no poder foi uma constante Durante os cinquenta anos em
que governa D Pedro II se sucederam 36 gabinetes ministeriais Nas crises de
governabilidade entre interesses partidaacuterios e as determinaccedilotildees do imperador os
ministeacuterios eram alternados e o partido opositor tornava-se situaccedilatildeo Poreacutem eacute valido
ressaltar que as diferenccedilas entre liberais e conservadores natildeo representavam os
anseios da populaccedilatildeo mas os interesses de elites que disputavam o poder As
eleiccedilotildees para o legislativo eram manipuladas pelo grupo da situaccedilatildeo de acordo com
seus interesses particulares e em geral marcadas por fraudes (FAORO 2004)
O partido liberal fica poucos meses na administraccedilatildeo apoacutes o golpe e logo em 1841
temos a primeira vitoacuteria dos conservadores a restituiccedilatildeo do Conselho de Estado
Abolido pelo Ato Adicional de 1834 este retorna para ampliar mais ainda os poderes
do Executivo em detrimento da autonomia poliacutetica das proviacutencias Em retaliaccedilatildeo os
liberais organizam algumas revoltas contra o governo em Satildeo Paulo Rio de Janeiro
e em Minas Gerais
Em 1844 ordens imperiais afastam os Conservadores do poder e retornam os
Liberais a compor com Pedro II Em 1847 eacute criado o cargo de presidente do
Conselho de Ministros que teria a tarefa de nomear os demais ministros Eacute a
instituiccedilatildeo do parlamentarismo brasileiro Poreacutem o modelo parlamentar adotado no
Brasil era atiacutepico justamente pela accedilatildeo do imperador (o poder moderador) de
tambeacutem nomear ministros ndash ou desautoriza-los ndash a sua vontade D Pedro II escolhia
o presidente do conselho e este por sua vez escolhia os ministros Eacute o chamado
ldquoParlamentarismo agraves Avessasrdquo a consolidaccedilatildeo de uma nova fase de centralizaccedilatildeo
poliacutetica Mas natildeo deixa de ser um progresso na medida em que no periacuteodo anterior
o imperador simplesmente nomeava todos eles Com o ministeacuterio composto restava
a aprovaccedilatildeo dos parlamentares na Cacircmara dos Deputados Poreacutem detendo o
imperador a prerrogativa de dissolver os gabinetes ministeriais como condiccedilatildeo para
formaccedilatildeo de outro ministeacuterio dependendo da ocasiatildeo e da conjuntura poliacutetica e
como o fez D Pedro I ateacute de dissolver a cacircmara tudo era negociado com muita
cautela As reformas buscam agradar os diversos grupos existentes em um sistema
de troca de favores onde o imperador usava da distribuiccedilatildeo de cargos puacuteblicos e a
cooptaccedilatildeo de lideranccedilas da oposiccedilatildeo o que acaba por criar uma aparecircncia de
legalidade ao processo eleitoral e manter certa ordem evitando excessos como do
episoacutedio das ldquoeleiccedilotildees do caceterdquo logo no iniacutecio de sua administraccedilatildeo onde a
violecircncia toma forma de pressatildeo sobre o eleitorado (GRAHAM 1997) A proposta
era inserir o Paiacutes no conjunto das naccedilotildees civilizadas e adeptas da democracia
representativa mas natildeo eacute bem assim que acontecia O presidente da proviacutencia era
uma figura fundamental no processo eleitoral cabendo a ele garantir a vitoacuteria do
governo no pleito Alguns eram trocados estrategicamente pouco tempo antes das
eleiccedilotildees com o poder de afastar substituir e ateacute determinar a aposentadoria
antecipada de juiacutezes anular resultado das apuraccedilotildees e preencher atas eleitorais
com nomes de sua preferecircncia Era comum listarem-se eleitores falecidos ou natildeo
aparecerem eleitores do partido opositor Esse comportamento decorre das
perturbaccedilotildees experimentadas durante o Periacuteodo Regencial onde diversos conflitos
regionais se espalharam pelo paiacutes em oposiccedilatildeo agraves decisotildees tomadas pelo governo
central Enquanto isso a soluccedilatildeo era dissolver e reorganizar o gabinete dando uma
impressatildeo de que as coisas iriam ser ldquodiferentesrdquo Geralmente o conselho de
ministros natildeo chegava a ficar mais de dois anos no poder Ao longo de todo o
governo de D Pedro II os conservadores estiveram agrave frente do gabinete por vinte e
noves anos e os liberais por dezenove anos (CARVALHO 2007) garantindo uma
aparecircncia democraacutetica para um governo conservador Em 1853 Carneiro Leatildeo
estabelece o Ministeacuterio da Conciliaccedilatildeo com a finalidade de ampliar a interaccedilatildeo dos
dois partidos no governo brasileiro O ldquoconluiordquo durou ateacute 1858
Mas o paiacutes eacute pacificado Cessaram as rebeliotildees provinciais que tiveram iniacutecio na
regecircncia e ameaccedilavam a consolidaccedilatildeo do Estado brasileiro Duas dessas rebeliotildees
eclodiram ainda no periacuteodo regencial e tiveram seu termo com D Pedro II a
balaiada em 1841 e a farroupilha em 1845 A uacutenica grande revoluccedilatildeo posterior foi a
praieira em 1848 na proviacutencia de Pernambuco mas durou ateacute 1849 A paz
conseguida favoreceu a consolidaccedilatildeo dos interesses da classe dominante
representada pelos grandes proprietaacuterios rurais dos quais dependia o impeacuterio Tais
grupos defendiam a manutenccedilatildeo da escravidatildeo e a ausecircncia da participaccedilatildeo popular
nas decisotildees poliacuteticas Suas divergecircncias estavam centradas mais nos interesses
econocircmicos e poliacuteticos locais
Durante o Segundo Reinado o Brasil se envolveu em trecircs conflitos armados com
paiacuteses fronteiriccedilos da regiatildeo Platina Em 1851 teve iniacutecio a Guerra contra Oribe e
Rosas Esse conflito envolveu a Argentina e o Uruguai (paiacutes que pertenceu ao Brasil
ateacute 1828) Em 1851 Oribe liacuteder do Partido Blanco tomou o poder no Uruguai e
com o apoio de Rosas ditador argentino bloqueou o porto de Montevideacuteu
prejudicando o comeacutercio brasileiro na bacia Platina As tropas brasileiras
comandadas por Caxias aliaram-se ao exeacutercito liderado por poliacuteticos rivais a Oribe e
Rosas O Brasil sai por fim como vitorioso da Guerra o ano eacute o de 1852
Em 1864 desponta a Guerra contra Aguirre liacuteder do Partido Blanco e governante do
Uruguai Tem iniacutecio depois que os uruguaios promoveram vaacuterias invasotildees ao Rio
Grande do Sul roubando o gado dos fazendeiros gauacutechos O ministeacuterio organiza o
exeacutercito sob o comando de Tamandareacute e do marechal Mena Barreto Com o apoio
de tropas opositoras do governo de Aguirre o Brasil consegue a vitoacuteria e transfere o
governo para o liacuteder do Partido Colorado Venacircncio Flores O conflito armado mais
longo e violento do periacuteodo foi a Guerra do Paraguai indo de 1864 ateacute 1870 O
Paraguai era o paiacutes mais proacutespero da regiatildeo Contava ainda com uma moeda forte e
uma economia industrial como bases para um bem-sucedido desenvolvimento
nacional
Quando o ditador Solano Loacutepez chegou ao poder colocou em praacutetica uma poliacutetica
expansionista que pretendia ampliar o territoacuterio do Paraguai tomando terras do
Brasil Argentina e Uruguai Solano Loacutepez tinha como objetivo formar o Grande
Paraguai A guerra teve iniacutecio quando tropas paraguaias invadiram o territoacuterio
brasileiro e argentino Formou-se entatildeo a Triacuteplice Alianccedila que unia militarmente o
Brasil Argentina e Uruguai para lutar contra o Paraguai Para Fausto (2001) os
interesses ingleses tambeacutem estavam em pauta com a necessidade de garantirem-
se mais mercados e evitar o desenvolvimento de concorrentes a Inglaterra foi
grande incentivadora do conflito As lutas foram intensas terminando somente em
1870 com a invasatildeo de Assunccedilatildeo e a perseguiccedilatildeo e morte de Solano Loacutepez Para o
Paraguai as consequecircncias da guerra foram desastrosas devido agrave destruiccedilatildeo de sua
economia industrial e a morte de cerca de 80 da populaccedilatildeo (FAUSTO 2001)
Mesmo vitorioso o Brasil saiu com diversos problemas econocircmicos pois teve que
pedir grandes somas de dinheiro emprestadas para a Inglaterra o que aumentou
sua diacutevida externa Tambeacutem a poliacutetica de manutenccedilatildeo da escravidatildeo se viu em um
paradoxo como escravos podem ir para as fileiras lutar pela liberdade de uma
naccedilatildeo se eles individualmente natildeo possuem direito a liberdade Muitos escravos
foram alforriados para lutarem na guerra e tantos outros lutaram na esperanccedila de
receber uma posterior alforria ndash considerando que pela legislaccedilatildeo alguns cidadatildeos
alistados natildeo querendo fugir de suas obrigaccedilotildees para com o paiacutes - poderiam
mandar seus escravos para tomar ldquoseurdquo lugar na guerra (MATTOS 2000)
As dificuldades financeiras do Impeacuterio e a necessidade de apresentar uma soluccedilatildeo
para o problema da escravidatildeo apressaram a queda de D Pedro II visto que seu
uacuteltimo pilar de sustentaccedilatildeo estava no apoio dos fazendeiros que praticavam a
agricultura de exportaccedilatildeo baseada na matildeo-de-obra escrava
Um dos momentos de crise mais aguda na poliacutetica eacute sentido com a deposiccedilatildeo do
gabinete Zacarias de Goacuteis pelo Imperador - atribuiccedilatildeo garantida ao poder
moderador mas natildeo muito bem resolvida na ocasiatildeo D Pedro II vai ao conselho e
os votos depois de uma fala decisiva de Nabuco de Arauacutejo satildeo favoraacuteveis agrave
deposiccedilatildeo do gabinete26 A conciliaccedilatildeo agrupando os partidos em torno do trono
fortalecia o centro do poder em detrimento do poder local nas proviacutencias e logo
apoacutes a regecircncia ela vai desaparecendo em funccedilatildeo do personalismo descolado de
algum programa partidaacuterio Pode-se perceber que ldquoo desenvolvimento econocircmico e
as mudanccedilas sociais que ocorreram no paiacutes a partir dos anos 1850 trouxeram para a
arena poliacutetica novos grupos de interesse tornando impossiacutevel manter a alianccedila entre
os dois partidosrdquo (COSTA 1999 p162) A elite agraacuteria que dirigia os rumos do paiacutes
daacute lugar paulatinamente a uma elite de letrados urbanos uma nova geraccedilatildeo que se
forma lentamente no Brasil associada a uma classe meacutedia dissolvida nas camadas
de um estamento burocraacutetico que vem segundo Faoro (2004) transplantado quase
que integralmente para o Brasil e que lhe daacute o necessaacuterio suporte a existecircncia A
queda do ministeacuterio liberal em 1868 e sua substituiccedilatildeo por um gabinete conservador
gera uma crise que culmina em um manifesto em favor de vaacuterias mudanccedilas no
sistema poliacutetico como a exigecircncia da descentralizaccedilatildeo de eleiccedilotildees diretas contra a
vitaliciedade do senado a favor do sufraacutegio universal da liberdade religiosa e de
muitas outras mudanccedilas pretendidas Eacute a fase aacuteurea do impeacuterio que vecirc seu decliacutenio
iniciar-se depois da guerra do Paraguai
Observando a economia um dos fatores da estabilidade econocircmica e poliacutetica
do paiacutes no periacuteodo imperial foi o desenvolvimento do cafeacute dando um novo
impulso para a economia agroexportadora Durante o primeiro reinado a elite
agraacuteria estava ainda concentrada no nordeste accedilucareiro mas aos poucos a
produccedilatildeo em larga escala do cafeacute - que comeccedilou no Rio de Janeiro em 1930 em
Angra dos Reis e Mangaratiba ndash vem mudando as posiccedilotildees no jogo As plantaccedilotildees
avanccedilam para o vale do rio Paraiacuteba possibilitando pelo volume da produccedilatildeo que
aumentaria gradualmente nos anos seguintes partir para a exportaccedilatildeo Em meados
de 1850 a lavoura cafeeira se expande para o Oeste paulista favorecida pelas
condiccedilotildees do solo (FAUSTO 2001) mas o cultivo exigia a manutenccedilatildeo da matildeo de
obra escrava que ainda era considerada como muito lucrativa Sabe-se poreacutem que 26 A questatildeo colocada se refere (resumidamente) a um desentendimento de Caxias no comando
das tropas no Paraguai e Zacarias de Goacuteis entatildeo na chefia do gabinete Faoro (2004) argumenta
que apesar de D Pedro II ter consultado o conselho sobre o fato e ter seguido a diretriz
recomendada eacute acusado de usar arbitrariamente o Poder Moderador para a retirada dos liberais
com a proibiccedilatildeo do traacutefico negreiro - jaacute exigido pela Inglaterra ao governo brasileiro
ainda no primeiro reinado como uma das condiccedilotildees para aceitaccedilatildeo da
independecircncia - chegar-se-ia inevitavelmente ao fim o trabalho escravo no Brasil
mas a elite dominante adiou o quando pocircde a aboliccedilatildeo da escravidatildeo no paiacutes Para
tanto o impeacuterio relutava em cumprir os acordos leis e tratados firmados Como
forma de solucionar o problema da crescente escassez de matildeo de obra os
fazendeiros recorreram inicialmente ao traacutefico interno de escravos Quando do
agravamento do problema os fazendeiros paulistas comeccedilam uma poliacutetica de
incentivo agrave imigraccedilatildeo de colonos europeus (havia outras opccedilotildees como chineses
aos quais Joaquim Nabuco tinha verdadeira ojeriza) que passariam a trabalhar sob
o regime assalariado A troca foi gradual e lenta Diversas leis foram aprovadas ndash
sob pressatildeo ndash no decurso do tempo como a Lei de 7 de novembro de 1831 ndash Lei
Feijoacute a lei Euseacutebio de Queiroz a Lei do Ventre livre e adiante ateacute a aboliccedilatildeo total
em 1888 Mas o primeiro golpe seacuterio eacute sentido em 1851 como resultado da pressatildeo
inglesa Esta se sente de forma efetiva desde os acordos firmados com D Pedro I
para o reconhecimento da Naccedilatildeo ateacute o iniacutecio da vigilacircncia dos mares pela marinha
inglesa atraacutes de traficantes de escravos em navios de bandeira brasileira
No Rio de Janeiro e em Satildeo Paulo o escravo era utilizado nas plantaccedilotildees de cafeacute e
cana-de-accediluacutecar aqueles que possuiacuteam ou aprendiam uma profissatildeo bem como
tinham capacidade para desenvolver atividades comerciais eram utilizados nos
chamados ldquotrabalhos de ganhordquo e nos diversos trabalhos domeacutesticos nas cidades
Mas seu trabalho na lavoura no periacuteodo de nosso recorte ainda eacute imprescindiacutevel
para a expansatildeo da cafeicultura O cafeacute viria a tornar-se o principal produto de
exportaccedilatildeo brasileiro estimulando a industrializaccedilatildeo e a urbanizaccedilatildeo Fatores como
a expansatildeo do creacutedito atraveacutes de uma reforma bancaacuteria e ndash com o fim do traacutefico ndash a
aplicaccedilatildeo dos capitais desse comeacutercio em operaccedilotildees financeiras as mais diversas a
qual forneceu recursos para a formaccedilatildeo de novas aacutereas de plantaccedilatildeo e a ampliaccedilatildeo
das redes ferroviaacuterias em Satildeo Paulo que reduziram o custo de transporte para os
proprietaacuterios no interior paulista foram decisivos Para os interesses dessa classe
de ricos proprietaacuterios rurais paulistas que se forma a monarquia centralizadora -
sediada no Rio de Janeiro e apoiada pelos senhores de engenhos nordestinos e
cafeicultores do vale do Paraiacuteba - jaacute natildeo era uacutetil Com isso surgiram novos grupos e
classes sociais portadoras de novas demandas e interesses e de muito dinheiro
Na vida social Renault (1976) sustenta que a invasatildeo do luxo se consolida por volta
da deacutecada de 1850 Cabeleireiros alfaiates modistas perfumistas e floristas
construiacuteam uma realidade de consumo ateacute entatildeo desconhecida aqui O
endividamento tambeacutem toma conta da cidade como forma de se integrar a vida
social o que vem a causar desequiliacutebrios no orccedilamento domeacutesticos Um anuacutencio
assinado por certo ldquoMr Gadetrdquo e publicado ainda na deacutecada de 1840 no Jornal do
Comeacutercio prevenia os negociantes da Rua do Ouvidor que ele natildeo se
responsabilizaria pela vendas de objetos a creacutedito- possivelmente para sua esposa e
familiares - sem seu consentimento (RENAULT 1976)
A cidade se renovava e as pessoas viviam o luxo vindo direto da Europa para as
suas casas na maacutequina a vapor nas primeiras ferroviais na evoluccedilatildeo social com os
bondes e a integraccedilatildeo maior das periferias na iluminaccedilatildeo a gaacutes aleacutem da moda em
si que traz novos haacutebitos As viagens pela Europa para as famiacutelias mais abastadas
se torna algo possiacutevel e ateacute comum Mas o contraste eacute visiacutevel Em crocircnicas dos
jornais apresenta-se o melhor de Paris mas escrito em um ldquopeacutessimo francecircsrdquo pelos
jornalistas As salas de leitura e as livrarias recheadas de obras claacutessicas - algumas
de elevado niacutevel cultural e tiacutetulos em liacutengua estrangeira - esbarram no alto iacutendice de
analfabetismo satildeo 10 livrarias soacute no Rio de janeiro na deacutecada de 1850 (mas que
tambeacutem indica a quantidade de europeus ndash ingleses espanhoacuteis franceses e outros
ndash agora residindo no Brasil) e ao mesmo tempo as casas de famiacutelia ainda natildeo tem
um sistema de aacutegua encanada
Segmentos das elites nas deacutecadas de 60 e 70 passariam a contestar o regime
monaacuterquico atraveacutes dos movimentos republicano e abolicionista Mesmo alguns
fazendeiros que defenderam tenazmente a escravidatildeo progressivamente tornam-se
adeptos dos princiacutepios federalistas contidos nos ideais do movimento republicano
quando a situaccedilatildeo lhes era mais favoraacutevel economicamente Mesmo porque a
oposiccedilatildeo burguesia-aristocracia setores urbanos versus setores rurais caracteriacutestica
de outras sociedades natildeo se manifesta no Brasil com a mesma intensidade que em
paiacuteses europeus visto que o antagonismo que se registrou na Europa e gerou
alguns dos mais importantes movimentos revolucionaacuterios do periacuteodo entre burguesia
empresarial e aristocracia agraacuteria aqui era menos consistente Pela metade do
seacuteculo dezenove jaacute teriacuteamos fazendeiros com uma visatildeo mais progressista
apostando na matildeo de obra livre em melhorias no processo produtivo e ao mesmo
tempo uma parcela da burguesia que passa a comprar terras e participar
(associativamente ou mesmo por laccedilos familiares que viessem a ser criados) da
vida e do trabalho na propriedade rural Haacute uma tendecircncia maior entre as elites a
uma formaccedilatildeo de laccedilos de proteccedilatildeo muacutetuos (COSTA 1999)
Lembramos tambeacutem que o manifesto do Partido Liberal de 1868 previa a aboliccedilatildeo
apesar de natildeo haver um movimento organizado para isto Jaacute o Partido Conservador
silenciou sobre o assunto mas foi sob a administraccedilatildeo de gabinetes conservadores
que as leis abolicionistas vieram a acontecer (SKIDMORE 1989)
Golpe a golpe a monarquia vai perdendo sua legitimidade Aleacutem disso a partir da
deacutecada de 1870 o regime monaacuterquico entra em conflito com duas instituiccedilotildees
importantes que formavam outras duas bases de sustentaccedilatildeo do regime o Exeacutercito
e a Igreja Catoacutelica Entre os militares o positivismo pregava a liberdade e uma
postura moral que natildeo condizia com as antigas ideias escravocratas
O movimento proacute-repuacuteblica no Brasil que cresceu ao longo do periacuteodo tomava
proporccedilotildees irreversiacuteveis mas para que a alteraccedilatildeo na forma de governo se desse de
forma democraacutetica seria necessaacuterio uma Assembleia Geral majoritariamente
republicana o que natildeo deveria ocorrer posto que a populaccedilatildeo ainda apoiasse o
imperador e com a lei aacuteurea tinha-se medo do descontentamento dos escravos
com o possiacutevel fim da monarquia podendo acarretar uma revolta popular
(SCHWARCH 1999) Cientes desse problema os republicanos viram-se obrigados
a apelar para o ataque direto em associaccedilatildeo com militares de alta patente Em 15 de
novembro de 1889 D Pedro II foi deposto do trono e embarca para a Europa com a
famiacutelia no dia 17 de novembro sem alardes e sem despedidas puacuteblicas que
pudessem suscitar manifestaccedilotildees Eacute a partir desta alianccedila entre os proprietaacuterios
rurais do oeste paulista e os quadros da elite militar do Exeacutercito que chega no fim do
seacuteculo XIX a Repuacuteblica ao Brasil
22 O ESTADO DA ARTE DA IMPRENSA NO OITOCENTOS
Mas o oitocentos em meio a toda essa agitaccedilatildeo tambeacutem eacute um periacuteodo de
consolidaccedilatildeo da ldquopropostardquo de um paiacutes chamado Brasil um paiacutes novo natildeo mais
uma colocircnia detentor de um ideal proacuteprio que o substantiva em meio agraves outras
naccedilotildees como um ldquoigualrdquo entre elas D Pedro II em seus melhores anos vecirc e
estimula a extrema agitaccedilatildeo onde se busca em algumas ideias ou programas
poliacuteticos e culturais importados de outras naccedilotildees e (soacute algumas vezes) devidamente
adaptados para a ldquocor nacionalrdquo uma identidade para o Brasil Estamos mesmo
para usar uma expressatildeo de Antony Giddens (1991) na periferia
Apesar disso a identidade que se busca deve estar concernente com os elementos
os quais ela pretende representar que satildeo as elites que deteacutem o poder a partir de
1822 composta por comerciantes traficantes fazendeiros e elementos a estes
ligados interessados na grande propriedade agroexportadora e no traacutefico de
escravos e dos grupos de pressatildeo que com o tempo iram se aproximando e
afastando deste nuacutecleo inicial (COSTA 1999) buscando uma acomodaccedilatildeo
adequada durante todo o impeacuterio Schwarcz (1999) nos lembra de que na confecccedilatildeo
da primeira bandeira do Brasil imperial D Pedro I jaacute apostava nos ramos de cafeacute
ladeando o brasatildeo central como um siacutembolo nacional mesmo antes do cafeacute se
configurar como a riqueza que veio a ser
Os primeiros prelos chegam ao Brasil com D Joatildeo VI e natildeo havia uma imprensa no
Brasil no periacuteodo anterior Sodreacute (1999) registra uma pequena tipografia instalada no
Recife em 1706 sob autorizaccedilatildeo do governador da Proviacutencia Francisco de Castro
Morais mas jaacute em 08 de Junho do mesmo ano uma carta reacutegia potildee fim a empresa
Em 1746 novamente com autorizaccedilatildeo de um governador local ndash Gomes Freire ndash
transfere-se de Lisboa o impressor Antocircnio Isidoro da Fonseca para o Rio de Janeiro
e consegue por um breve tempo colocar em atividade pequena oficina tipograacutefica
que sob uma ordem reacutegia foi fechada e queimada Portugal natildeo queria uma
propagaccedilatildeo de ideias ldquoimproacutepriasrdquo dentro da colocircnia e tudo faria para evitar que isto
acontecesse Em Portugal as Ordenaccedilotildees Filipinas determinavam a proibiccedilatildeo da
impressatildeo de qualquer obra que natildeo passe pela censura dos desembargadores do
Paccedilo e dos oficiais do santo Ofiacutecio da Inquisiccedilatildeo (SODREacute 1999) A partir do
segundo quartel do seacuteculo XVII a igreja intensifica a fiscalizaccedilatildeo do conteuacutedo de
obras impressas ateacute que Pombal toma a frente e substitui a pratica pela instituiccedilatildeo
da ldquoReal Mesa Censoacuteriardquo que vigora de 1768 ateacute 1787 Os livros de conteuacutedo
classificado como proibido constituem bibliotecas particulares de alguns letrados e
geralmente satildeo impressas em outro paiacutes entrando em Portugal da mesma forma
que na colocircnia por meio de navios ingleses e franceses em forma de contrabando
Papeacuteis jornais e livros eram vendidos no cais por marinheiros a poliacutecia fiscalizava
livrarias e livreiros mas talvez toda essa pressatildeo acabasse por incentivar a criaccedilatildeo
de sociedades literaacuterias (e tambeacutem nas lojas maccedilocircnicas onde a natildeo se praticava um
pacircnico por autores franceses) onde era possiacutevel procurar e encontrar tiacutetulos
censurados Com a abertura dos portos em 1808 o comeacutercio ilegal se intensifica e a
situaccedilatildeo soacute melhora com a instalaccedilatildeo efetiva da Imprensa Reacutegia O Correio
Braziliense o primeiro jornal a discutir o cotidiano poliacutetico do Brasil e que tem seu
primeiro nuacutemero em junho de 1808 eacute produzido em Londres onde os olhos da
censura e da inquisiccedilatildeo natildeo alcanccedilam o redator tatildeo facilmente
As razotildees do atraso no desenvolvimento de uma imprensa no Brasil ultrapassam os
limites poliacuteticos descritos para esbarrar tambeacutem no problema tecnoloacutegico e de uma
cultura de censura preacutevia para os jornais Mesmo em Portugal nos conta Romancini
(2007) o jornalismo foi precedido pela publicaccedilatildeo sem periodicidade de folhas
impressas chamadas relaccedilotildees ou notiacutecias avulsas no final do seacuteculo XVI Apesar
das primeiras Gazetas de periodicidade mensal circularem desde a metade do
seacuteculo XVII dando iniacutecio assim a uma periodicidade para a publicaccedilatildeo de notiacutecias
impressas ateacute meados do seacuteculo seguinte ainda se conviveria com gazetas
manuscritas O primeiro jornal diaacuterio em Portugal seraacute o Diaacuterio Lisbonense de 1809
portanto posterior a vinda da famiacutelia real para o Brasil e a todo um conjunto de
mudanccedilas que isto viria a acarretar
Eacute sob a responsabilidade Antocircnio de Arauacutejo futuro Conde da Barca que chega ao
Brasil o material para uma oficina tipograacutefica ndash comprado na Inglaterra para a
Secretaria de Estrangeiros e da Guerra e que natildeo havia sido ainda instalado em
Portugal devido ao periacuteodo conturbado da transferecircncia da Corte para o Brasil D
Joatildeo ao saber do acontecido manda abrir a empresa para atender as necessidades
da coroa e possivelmente conseguir algum rendimento (a impressatildeo de cartas de
baralho para o divertimento das famiacutelias viria a trazer um bom lucro para a coroa)
Em ato real o priacutencipe determinava que uma junta apropriada examinasse os
materiais que solicitassem a impressatildeo e publicitaccedilatildeo para que nada se produzisse
de ofensivo contra a religiatildeo o governo ao aos bons costumes (SODREacute 1999) Em
10 de setembro de 1808 sai o primeiro nuacutemero da ldquoGazeta do Rio de Janeirordquo Um
jornal oficial que apesar de natildeo ter um conteuacutedo inovador marca o momento inicial
dos jornais impressos aqui
O ano de 1821 eacute relevante para a histoacuteria da imprensa brasileira Em 28 de agosto
DPedro entatildeo declarado priacutencipe-regente com o retorno de DJoatildeo VI a Portugal
decreta o fim da censura preacutevia a toda mateacuteria escrita tornando livre no Brasil a
palavra impressa Eacute um ato decorrente das deliberaccedilotildees das Cortes Constitucionais
de Lisboa em defesa das liberdades puacuteblicas e marca uma etapa de liberdade de
expressatildeo do pensamento
Com o passar dos anos tem-se a necessidade de formular uma logiacutestica para a
imprensa devido agraves vendas e ao crescimento das cidades Em 1844 o serviccedilo de
correios passa a entregar correspondecircncias nos domiciacutelios o que possibilitava um
sistema de assinaturas de impressos A partir de 1858 no Rio de Janeiro tem-se a
mobilizaccedilatildeo de negros forros e mulatos para o trabalho de entregadores mediante
pagamento para a venda avulsa regular nas ruas da cidade (BAHIA 1990) A partir
de entatildeo o sistema de distribuiccedilatildeo soacute melhora e o jornal como veiacuteculo de
comunicaccedilatildeo toma conta do Rio de Janeiro e de Satildeo Paulo
A busca por uma identidade para o Brasil tem na imprensa um lugar privilegiado
onde as opiniotildees e doutrinas vaacuterias buscavam conquistar a opiniatildeo puacuteblica como
forma de legitimaccedilatildeo de cada projeto individual (BASILE 2006) Satildeo as primeiras
deacutecadas de um veiacuteculo de comunicaccedilatildeo que viria a se tornar poderoso no seacuteculo
seguinte como um agente de informaccedilatildeo das massas Segundo Hall
As culturas nacionais satildeo compostas natildeo apenas de instituiccedilotildees culturais mas tambeacutem de siacutembolos e representaccedilotildees Uma cultura nacional eacute um discurso ndash um modo de construir sentidos que influencia e organiza tanto nossas accedilotildees quanto a concepccedilatildeo que temos de noacutes mesmos (HALL 1998 p 50)
A imprensa o jornal diaacuterio eacute o meio por excelecircncia da poliacutetica Lugar onde os
discursos acontecem os debates satildeo esperados as pelejas travadas e a construccedilatildeo
dos sentidos vecircm a acontecer Mais do que no salatildeo da Cacircmara de Deputados eacute
impresso no jornal que o discurso chega ateacute o leitor que formaraacute em seu conjunto
de propostas criacuteticas e reclames a opiniatildeo puacuteblica Eacute a imprensa que faz chegar
notiacutecias e informaccedilotildees a uma plateias bem mais ampla levantando questotildees do
cotidiano trazendo as informaccedilotildees que ateacute entatildeo estavam em domiacutenio privado para
a esfera puacuteblica Os folhetos e panfletos do periacuteodo tem um caraacuteter tambeacutem
didaacutetico divulgando ideias ndash natildeo soacute liberais eacute certo ndash por meio de uma linguagem
acessiacutevel Muitas vezes encadeando textos respondendo a outros jornais ou
publicitando debates Eacute esta literatura poliacutetica que consolida palavras ideias
expressotildees do liberalismo para a maior parte das pessoas (NEVES 2001)
Hobsbawn (2010) falando do periacuteodo compreendido entre 1848 e a deacutecada de 1860
na Europa comenta a importacircncia dos jornais na formaccedilatildeo de um nacionalismo que
se baseia na cultura partilhada pelo maior nuacutemero de cidadatildeos O autor afirma que a
ideia nacional eacute construiacuteda pelos veiacuteculos de comunicaccedilatildeo e os grupos a estes
vinculados
() o movimento nacional tendia a tornar-se poliacutetico apoacutes sua fase sentimental e folcloacuterica com a emergecircncia de grupos mais ou menos expressivos dedicados agrave ideia nacional publicando jornais e literatura nacionais organizando sociedades nacionais tentando estabelecer instituiccedilotildees educacionais e culturais e engajando-se em vaacuterias atividades francamente poliacuteticas Mas de forma geral neste ponto o movimento ainda era carente de um apoio decisivo por parte da massa da populaccedilatildeo Consistia basicamente de um extrato social intermediaacuterio entre as massas e a burguesia ou a aristocracia existentes (se tanto) especialmente os literatos professores camadas inferiores do clero alguns pequenos comerciantes e artesatildeos urbanos (HOBSBAWN 2010 p 105)
Segundo Romancini (2007) eacute a imprensa criacutetica observadora e natildeo comprometida
com os interesses do Estado que tem suas raiacutezes no Correio Brasiliense27 que iraacute
contribuir para a formaccedilatildeo de uma opiniatildeo puacuteblica no Brasil
27
Correio Brazilience ou Armazeacutem Literaacuterio Jornal mensal editado por Hipoacutelito Joseacute da Costa desde 1808 em Londres e importado para o Brasil para fugir da censura da cora portuguesa Apesar de Hipoacutelito daCosta manter relaccedilotildees com a Corte e com o priacutencipe D Joatildeo chegando mesmo a receber ajuda financeira deste para mantecirc-lo relativamente livre de sua redaccedilatildeo criacutetica o Correio foi um modelo para o jornalismo poliacutetico a ser desenvolvido no Brasil (ROMANCINI 2007)
O impeacuterio foi o periacuteodo da histoacuteria brasileira em que a imprensa teve maior liberdade
de expressatildeo (CARVALHO 2004) mas ela natildeo era um poder independente Em sua
maior parte os jornais e panfletos estavam vinculados a organizaccedilotildees que visavam
como os partidos poliacuteticos ao poder
Havia folhas independentes como o Jornal do Commercio e os jornais radicais Mas eram poucos e com raras exceccedilotildees natildeo duravam muito A grande maioria era vinculada a partidos ou a poliacuteticos O governo tinha sempre seus jornais o mesmo acontecendo com a posiccedilatildeo Os jornalistas lutavam na linha de frente das batalhas poliacuteticas e muitos deles eram tambeacutem poliacuteticos Muitos poliacuteticos por seu lado escreviam em jornais nos quais o anonimato lhes possibilitava dizer o que natildeo ousariam na tribuna da
Cacircmara ou do Senado (CARVALHO 2007 p78)
Liberais conservadores progressistas histoacutericos puritanos todos tem o seu ldquooacutergatildeordquo
de comunicaccedilatildeo Todos tem um jornal seu com o intuito de divulgar e defender seus
ideais propostas e tendecircncias
Rodrigues (2008) comenta que os jornais foram importantes para a divulgaccedilatildeo do
liberalismo moderado pelo Brasil e daacute ecircnfase ao ldquoAurora Fluminenserdquo e ao ldquoSete de
Abrilrdquo que tem a frente Bernardo Vasconcelos e Evaristo Ferreira da Veiga
respectivamente Seus editoriais eram reimpressos em outros jornais do interior do
Rio de Janeiro e de outras regiotildees do paiacutes o que serviu como uma rede de
divulgaccedilatildeo para as ideias liberais
Neves (2001) sustenta que bem como os jornais os panfletos e folhetos de caraacuteter
poliacutetico tiveram papel importante para a divulgaccedilatildeo natildeo somente de ideias mas de
um vocabulaacuterio especiacutefico efetivamente didaacutetico com uma linguagem acessiacutevel
para que uma parte maior da populaccedilatildeo pudesse entender o desenvolvimento do
liberalismo mesmo que este soacute tenha enfatizado um parte do arcabouccedilo de ideias
liberais Toda essa estrutura de ldquomiacutediardquo acabava por propiciar o surgimento de uma
opiniatildeo puacuteblica que assimilava ideias discutia propostas e tomava partido O ideaacuterio
que se pretendia construir era a criacutetica ao despotismo como siacutembolo de um passado
que jaacute estava enterrado e o liberalismo como o ideaacuterio poliacutetico para os novos
tempos (NEVES 2001)
A imprensa do seacuteculo XIX de maneira geral tem por caracteriacutestica ser constituiacuteda ndash
em sua maioria ndash por jornais de vida curta geralmente se ocupando de causas
tambeacutem momentacircneas e tem como proprietaacuterio um indiviacuteduo ou um grupo pequeno
de empresaacuterios (natildeo necessariamente jornalistas) e eacute por excelecircncia poliacutetico
(PINTO 2003) O jornal eacute a representaccedilatildeo de fato e dos fatos para a sociedade um
ente poliacutetico dos mais importantes no momento E junto a ele dentro das
possibilidades existentes no seacuteculo XIX folhetos cartazes livros e muitos outros
suportes foram usados com o intuito de difundir discursos de teor ideoloacutegico Isso jaacute
eacute uma percepccedilatildeo de que a participaccedilatildeo de camadas cada vez maiores da populaccedilatildeo
ndash e natildeo somente da burguesia ndash se apresentavam como elementos emergentes para
a poliacutetica Hobsbawn (2011) nesta passagem nos informa sobre a percepccedilatildeo das
elites europeias da necessidade de um jornal que disseminasse suas ideias para o
povo apoacutes a seacuterie de revoluccedilotildees de 1848
Os defensores da ordem social precisaram aprender a poliacutetica do povo Esta foi a maior inovaccedilatildeo trazida pelas revoluccedilotildees de 1848 Mesmo os mais arqui-reacionaacuterios dos junkers prussianos descobriram naquele ano que precisavam de um jornal que pudesse influenciar a opiniatildeo puacuteblica ndash conceito em si proacuteprio ligado ao liberalismo e incompatiacutevel com a hierarquia tradicional (HOBSBAWN 2011 p41)
Para a Corte no Brasil assim como na Europa jaacute na segunda metade do seacuteculo XIX
os jornais do periacuteodo passam a publicar obras literaacuterias em folhetins Autores como
Manoel Antocircnio de Almeida Machado de Assis e Alencar ficaram famosos por conta
desse tipo de veiculaccedilatildeo e tal associaccedilatildeo da imprensa com a literatura que vai se
revelando no jornal impresso - jaacute no periacuteodo de nosso recorte ndash determina
caracteriacutesticas proacuteprias de um veiacuteculo de comunicaccedilatildeo de massa (PINTO 2003)
Referir-nos-emos entatildeo a estes para uma melhor compreensatildeo da anaacutelise com o
vocaacutebulo ldquomiacutediardquo
Chartier (1991) nos alerta de que natildeo existe um texto fora do suporte que lhe
permita ser lido (ou ouvido) e que natildeo haacute compreensatildeo de um escrito qualquer que
seja que natildeo dependa das formas pelas quais ele atinge o leitor O princiacutepio do
discurso ideoloacutegico eacute o de ldquoalcancerdquo Quanto maior eacute o grupo atingido por uma
proposta maior eacute sua forccedila Eacute uma percepccedilatildeo de base estatiacutestica e natildeo filosoacutefica
Para que o discurso ideoloacutegico venha a surtir efeito eacute preciso que as ideias da classe
dominante se tornem as ideias de todos os membros da sociedade que todos (ou
sua maior parte) se identifiquem com elas E ainda para que a ideologia seja eficaz
o discurso deve se manter sempre o mesmo ignorando as mudanccedilas que possam
vir a acontecer (CHAUI 1997) Para tanto tambeacutem eacute necessaacuterio que a classe
dominante por meio de seus agentes e instrumentos eou instituiccedilotildees especiacuteficas
tratem de aleacutem de produzir suas ideias possam distribuiacute-las o que eacute feito por
exemplo atraveacutes da educaccedilatildeo da religiatildeo dos costumes dos meios de
comunicaccedilatildeo disponiacuteveis As ideias mudam de lugar conforme a interpretaccedilatildeo que
os homens lhe datildeo e no campo poliacutetico essas mudanccedilas nas ldquoorientaccedilotildeesrdquo dos
homens ocorrem com certa frequecircncia Eacute preciso confianccedila como tambeacutem partilhar
as ideias com o grupo e se possiacutevel com quem mais aparecer
23 SOBRE AS ELITES NO PODER
Apesar dos estudos sobre a burguesia e as elites natildeo serem uma novidade entre
noacutes uma pergunta metodoloacutegica insiste em aparecer ndash como nos lembra Flaacutevio
Heinz (2006) Onde comeccedilam e onde terminam as elites - Este mesmo autor
sugere que os limites tradicionais tendem a ficarem menos riacutegidos com o
aparecimento de pesquisas mais recentes e a inclusatildeo de novas categorias
profissionais e de diferentes recortes que modificam a visatildeo tradicional sobre o
assunto integrando outras fontes e apresentando possibilidades para a
interpretaccedilatildeo destas
Temos em mente que mesmo considerando tais limites para o segmento ldquoeliterdquo eacute
preciso lembrar como nos mostra Chauiacute que a elite descrita a que nos referimos
deve ser entendida como a ldquoclasse dominanterdquo e natildeo necessariamente os
ldquomelhoresrdquo homens e mulheres dentro de uma sociedade como o termo pode
sugerir (CHAUI 1997 p 48) Cabem aqui entatildeo algumas consideraccedilotildees agraves quais
tomamos por base a partir o modelo democraacutetico de Schumpeter (1984)
salientando que por se tratar de um modelo este nos permite uma gama maior de
possibilidades de interpretaccedilatildeo e uma flexibilidade em nossa anaacutelise tentando
abarcar um periacuteodo que apresenta contrastes acentuados Consideramos aqui que o
governo eacute exercido por elites poliacuteticas natildeo existe o chamado ldquobem comumrdquo como
uma meta de trabalho ou projeto de administraccedilatildeo do Estado que vaacute agradar ou
interessar a todos os segmentos da sociedade pelo simples fato de que para
indiviacuteduos grupos e classes diferentes este bem comum significa coisas diferentes
Neste caso consideramos a busca deste ldquobem comumrdquo como um fator de
subjetivaccedilatildeo que acaba por deslocar a ideologia partidaacuteria das metas do agente
poliacutetico o que termina dando a impressatildeo de que os partidos (seus integrantes no
caso) liberais ou conservadores democratas ou republicanos ou outros tantos satildeo
uma mesma coisa o objetivo primordial dos partidos poliacuteticos eacute conquistar e manter
o poder e a realizaccedilatildeo do ldquobem comumrdquo eacute um meio para atingir este objetivo
(SCHUMPETER 1984) a soberania popular embora natildeo seja nula eacute reduzida
visto que satildeo as elites poliacuteticas que propotildeem candidatos e alternativas para o eleitor
e no caso das eleiccedilotildees no impeacuterio isso eacute bem marcante E eacute preciso notar que um
importante aspecto da poliacutetica imperial eacute o de conseguir ter mantido a supremacia do
poder civil O exeacutercito e a marinha tiveram influencia reduzida nas decisotildees da
poliacutetica nacional e quando foi o caso seus representantes eram antes poliacuteticos
vinculados a algum dos partidos do que militares em cargos administrativos Um
caso singular eacute a figura de Caxias que mesmo na posiccedilatildeo de um heroacutei de guerra
com o comando geral das tropas no Paraguai teve de passar pelo crivo do conselho
de Estado para que fossem resolvidas seus desentendimentos com Zacarias de
Goacuteis
As decisotildees vimos partem de um grupo civil e eacute para estes civis que Alencar dirige
seu discurso A elite poliacutetica que chega ao poder depois da independecircncia e se
ldquoenraiacutezardquo com o fim do periacuteodo regencial apresentando caracteriacutesticas de unidade
ideoloacutegica de treinamento administrativo e de educaccedilatildeo A Corte no Rio de Janeiro
recebia representantes de todo o Brasil pois a Cacircmara dos deputados e o Senado
satildeo instituiccedilotildees sediadas naquela cidade Natildeo estamos considerando tatildeo somente a
sociedade carioca ou mesmo as oligarquias fluminenses do cafeacute que jaacute dava seus
frutos por ali mas as elites do Brasil na qualidade de seus representantes
Deputados senadores conselheiros altos funcionaacuterios da burocracia magistrados
fazendeiros traficantes de escravos banqueiros e outros mais transitando pelas
ruas estreitas do Rio de janeiro sem considerar os ricos comerciantes estrangeiros
(alguns enriqueceram ali mesmo) e alguns setores da monarquia espanhola que se
estabelecem no Brasil ainda no periacuteodo das revoluccedilotildees republicanas que se
espalharam pelo restante da Ameacuterica Latina encontrando no Rio de Janeiro o abrigo
de uma monarquia constitucionalista
Alfredo Bosi abre um capiacutetulo de sua Dialeacutetica da colonizaccedilatildeo onde se refere agrave
formaccedilatildeo do ldquonovo liberalismordquo com uma citaccedilatildeo de uma crocircnica de Machado de
Assis intitulada ldquoHistoacuteria de quinze diasrdquo na qual o romancista daacute lugar ao criacutetico
cruel do sistema social e poliacutetico do impeacuterio O recorte fala por si
As instituiccedilotildees existem Mas por e para 30 dos cidadatildeos Proponho uma reforma no estilo poliacutetico Natildeo se deve dizer ldquoconsultar a naccedilatildeo os representantes da naccedilatildeo os poderes da naccedilatildeordquo mas ldquoconsultar os 30 representantes dos 30 poderes dos 30rdquo A opiniatildeo puacuteblica eacute uma metaacutefora sem base haacute soacute a opiniatildeo dos 30 (ASSIS apud BOSI 2003 p222)
Cabe-nos demonstrar agora quantos e quais (estatisticamente no caso) seriam os
eleitores os que podiam participar ativamente do processo eleitoral em nosso
periacuteodo de recorte temporal notadamente aqueles a quem Alencar se dirigia em
suas cartas
As primeiras eleiccedilotildees para a composiccedilatildeo das cortes em 1821 adotaram
basicamente o voto universal masculino Jaacute nas eleiccedilotildees para a constituinte
brasileira foi exigida a idade miacutenima de 20 anos e a exclusatildeo de estrangeiros e
assalariados Com a constituiccedilatildeo outorgada por D Pedro I elevam-se as restriccedilotildees
com idade miacutenima de 25 anos exclusatildeo aos criados e adoccedilatildeo do criteacuterio de renda
miacutenima Em 1846 excluem-se os ldquopraccedilas-de-preacuterdquo aleacutem de alterar o caacutelculo de renda
miacutenima baseado na desvalorizaccedilatildeo da moeda em funccedilatildeo da inflaccedilatildeo O formato
determinava que em um primeiro momento designar-se-iam os votantes ndash com
renda superior a 100 mil-reacuteis anuais ndash que escolheriam os eleitores ndash com renda
superior a 200 mil-reacuteis anuais ndash que iriam escolher os deputados ndash com renda
superior a 400-mil reacuteis anuais Mas a limitaccedilatildeo de renda tinha pouca importacircncia a
maioria da populaccedilatildeo trabalhadora ganhava mais de 100 mil-reacuteis por ano Em 1876
o menor salaacuterio registrado no serviccedilo puacuteblico era de 600 mil-reacuteis (CARVALHO
2002) mas era preciso que houvesse alguma comprovaccedilatildeo
Em 1881 temos algumas mudanccedilas a eliminaccedilatildeo da eleiccedilatildeo em dois turnos e eacute
proibido o voto dos analfabetos aleacutem de tornar o voto em si voluntaacuterio Calcula-se
a partir de tais restriccedilotildees para o periacuteodo que estamos tratando um percentual de
13 da populaccedilatildeo total com possibilidades de participaccedilatildeo eleitoral que diminui
para quase 1 a partir da lei de 1881 (CARVALHO 2007) Todas estas medidas
foram tomadas com real intuito de diminuir a participaccedilatildeo popular na votaccedilatildeo
concentrando o sufraacutegio nas elites Hebbe Mattos (2000) nos informa que para ser
eleitor ndash e para conseguir algumas vantagens que a condiccedilatildeo lhe permitia ndash o
cidadatildeo natildeo poderia ter nascido ldquoingecircnuordquo (escravo) Mas analfabetos e ex-escravos
poderiam habilitar-se a eleitores de segundo grau e ateacute mesmo serem eleitos para a
vereanccedila (NOVAIS 1997)
Apesar de haverem algumas estrateacutegias para modificar esse quadro e conseguir
uma renovaccedilatildeo maior dos parlamentares com vistas a uma representaccedilatildeo popular
como a lei dos ciacuterculos e a adoccedilatildeo do voto distrital (que pouco tempo permaneceram
em vigor logo que comeccedilaram a proporcionar tais mudanccedilas) as eleiccedilotildees em sua
forma e dinacircmica estavam cada vez mais sob o controle das elites econocircmicas que
optavam por manter uma estabilidade no poder A forma que a eleiccedilatildeo se dava jaacute
era um complicador com a necessidade de que o eleitor votasse em tantos nomes
quantos houvesse cadeiras em sua assembleia Isto geralmente favorecia ao
candidato que pudesse ter uma representaccedilatildeo aleacutem dos limites locais o que era
conseguido atraveacutes das redes de relaccedilotildees que se compunham pelos demais
representantes ou pelos ldquopadrinhosrdquo poliacuteticos de cada candidato relaccedilatildeo que
geralmente era conseguida pelo partido mesmo que estas fossem descontinuadas
apoacutes a eleiccedilatildeo Para o pai de Alencar corria uma anedota no Cearaacute entre partidaacuterios
que anunciavam a falta de uma relaccedilatildeo com o senador depois de sua partida para a
Corte Quando se recebia uma notiacutecia da qual natildeo se tinha muito creacutedito uma
interjeiccedilatildeo de desconfianccedila prenunciava a frase - Tal coisa vai acontecer ()assim
que o Alencar me escrever ndash anunciavam aludindo a algum acontecimento
impossiacutevel por ali (MENEZES 1965) Com tudo isso acreditamos que Machado de
Assis em sua criacutetica estava sendo bastante otimista com os 30 anunciados
Sobre a formaccedilatildeo intelectual da elite local eacute importante lembrar que a constituiccedilatildeo
de 1824 entregando o ensino fundamental e meacutedio nas matildeos da igreja cria uma
educaccedilatildeo de caraacuteter religioso centrada mais na tradiccedilatildeo filosoacutefica e com certa
indiferenccedila pela pesquisa cientiacutefica mas impregnada pelo estudo das letras
determinada pela tradiccedilatildeo jesuiacuteta (SKIDMORE 1989) Portugal evitou criar em seus
domiacutenios ultramarinos faculdades ou universidades Os textos disponiacuteveis ficavam
restritos agraves bibliotecas dos conventos e agraves poucas escolas mantidas tambeacutem por
religiosos o que garantia certo controle sobre a divulgaccedilatildeo das ideias
ldquoprogressistasrdquo Natildeo havendo jornais em circulaccedilatildeo ou livros impressos visto que os
primeiros prelos chegam com a famiacutelia real em 1808 os leitores se contentavam
com a literatura produzida na Europa ndash traduzida ou natildeo o que jaacute limitava o nuacutemero
de leitores - e que atravessava o Atlacircntico em sua maior parte por via clandestina
Aqueles que tinham condiccedilatildeo econocircmica mandavam seus filhos para Portugal onde
faziam os estudos superiores na Universidade de Coimbra e adquiriam os valores
ditados pela metroacutepole Estes em sua maioria eram aproveitados para compor a
burocracia do impeacuterio em formaccedilatildeo Caiam quase sempre na poliacutetica
Em nuacutemeros temos o percentual de Senadores com educaccedilatildeo superior no periacuteodo
de 1853 a 1871 - portanto pertinente ao nosso recorte temporal - chegando a 80 e
o dos ministros dos diversos gabinetes a 96 do total Considerando que a
educaccedilatildeo militar ndash exeacutercito e marinha aos quais alguns poliacuteticos tambeacutem pertenciam
ndash recebida por um grupo desses parlamentares natildeo entra nesta base para o caacutelculo
final o nuacutemero de poliacuteticos que natildeo recebeu instruccedilatildeo eacute praticamente nulo Para os
conselheiros de Estado de 1840 a 1889 dos 72 homens que estiveram em seus
quadros apenas 02 natildeo possuiacuteam educaccedilatildeo superior O niacutevel educacional dos
deputados gerais se assemelha percentualmente ao dos senadores (CARVALHO
2007)
Depois da elite de Coimbra dominar os primeiros anos do impeacuterio vem o comeccedilo da
nacionalizaccedilatildeo com os cursos de Direito preferecircncia nacional para o ingresso na
elite poliacutetica via cargo puacuteblico Tais cursos satildeo criados no Brasil depois da
independecircncia em 1827 e comeccedilando efetivamente em 1828 Um em Satildeo Paulo e
outro em Olinda - transferindo-se o segundo posteriormente para a cidade do Recife
A presenccedila no poder de egressos da escola de medicina e engenharia tem o peso
relativo proporcional ao dos militares eacute o diferencial estava mesmo na formaccedilatildeo no
Direito O curso superior era o preacute-requisito para tentar um cargo no poder Sobre o
segundo e terceiro escalotildees da burocracia como bem nos mostra Joseacute Murilo satildeo
representados por diretores chefes de seccedilatildeo e uma gama de funcionaacuterios
especializados em sua maioria vinculada a algum ministeacuterio e que buscava nas
cidades principalmente o emprego puacuteblico como forma de sobrevivecircncia visto a
falta de postos de trabalho em outros setores A elite brasileira era em sua quase
totalidade letrada o que a afastava mais ainda da grande massa do povo sem
alfabetizaccedilatildeo
Carvalho (2007) sustenta que a homogeneidade ideoloacutegica eacute um dos importantes
fatores que iriam fornecer a possibilidade de constituir determinados modelos de
dominaccedilatildeo poliacutetica Uma elite homogecircnea tende a uma movimentaccedilatildeo em uma
mesma direccedilatildeo e garante ao menos a possibilidade de um projeto comum E eacute essa
homogeneidade que sugere que se possa conseguir certa estabilidade para
administrar conflitos dentro destes grupos O Brasil jaacute dispunha de tal elite quando
da independecircncia (que apesar de seguir os moldes portugueses jaacute apresentavam
caracteriacutesticas distintas mesmo por que seus grupos eram diversos procedentes de
muitas proviacutencias do Brasil) A composiccedilatildeo da elite vai se transformando lentamente
com o passar dos anos e com o crescimento do quantitativo de pessoas passiacuteveis
de acesso a esta na grande maioria composta de funcionaacuterios puacuteblicos Eacute uma
verdade a afirmaccedilatildeo de que os representantes da sociedade nesse periacuteodo satildeo
tambeacutem representantes do Estado Os estamentos como sustenta Bauman (2001)
lugares a que os indiviacuteduos pertenciam por hereditariedade aos poucos vatildeo dando
lugar as classes onde o pertencimento eacute fabricado pelo esforccedilo do indiviacuteduo por
sua vontade de pertencimento E ao mesmo tempo associadas as caracteriacutesticas
que a sociedade brasileira consegue ter neste momento de uma dinacircmica para a
consolidaccedilatildeo de um sistema liberal e ao mesmo tempo conservador de dominaccedilatildeo
Segundo Alencar o paiacutes tambeacutem eacute ldquoconduzidordquo pelo Estado Estaacute em suas matildeos
considerando que ldquoempresas industriais associaccedilotildees mercantis bancos obras
puacuteblicas operaccedilotildees financeiras privileacutegios fornecimentos todas essas fontes
abundantes de riquezas improvisadas emanam das alturas do poderrdquo (ALENCAR
2011 p99) A centralizaccedilatildeo da elite garantia ao mesmo tempo um Estado forte e
uma homeostase entre os grupos no poder em que os conflitos mais seacuterios e os
movimentos contestatoacuterios ficavam localizados nos municiacutepios onde era mais faacutecil
uma soluccedilatildeo (mesmo que em forma de accedilatildeo militar como no caso das revoltas no
periacuteodo regencial) Uma grande mudanccedila se efetua entre 1855 e 1868 quando o
partido liberal quase desaparece por completo depois de dominar o cenaacuterio poliacutetico
por aproximadamente 10 anos Eacute um periacuteodo de ascensatildeo de liberais histoacutericos e
conservadores dissidentes jovens lideranccedilas que aparecem no periacuteodo da
conciliaccedilatildeo De 1862 a 1868 haacute uma notoacuteria instabilidade no ministeacuterio durando em
meacutedia um ano cada gabinete Tudo isto em um momento de guerra externa que
produzia inflaccedilatildeo e consumia enorme quantidade de recursos puacuteblicos (CARVALHO
2007) Mas isto natildeo eacute sentido no cotidiano das elites econocircmicas que tem no Estado
sua fonte de renda quando natildeo de exploraccedilatildeo das rendas do proacuteprio Estado
Schwarcz (1999) nos daacute uma visatildeo interessante do interior de um sobrado citadino
em meados do seacuteculo XIX o padratildeo de moradia para a elite da corte onde temos
uma ideia de seu cotidiano luxuoso e requintado
() eacute na capital durante os anos de 1840 a 1860 que se cria uma febre de bailes concertos reuniotildees e festas A corte se opotildee agrave proviacutencia arrogando-se o papel de informar os melhores haacutebitos de civilidade tudo isso aliado agrave importaccedilatildeo dos bens culturais reificados nos produtos ingleses e franceses Nas casas os homens jogam voltarete gamatildeo xadrez e whist e os moccedilos o jogo da palhinha Jaacute as mulheres divertem-se com jogos de prenda de flores do bastatildeo do amigo ou amiga e do lenccedilo queimadordquo (SCHWARCZ 1999 p 156)
O teatro por exemplo estaacute entre as diversotildees mais apreciadas do periacuteodo Eacute o lugar
de encontros poliacuteticos flertes e namoros escondidos de encontros e desencontros
um lugar de diversatildeo Natildeo eacute a toa que a expressatildeo teatro poliacutetico tatildeo usado por
Nabuco Alencar e Machado tambeacutem se refira a possibilidade do puacuteblico participar
das seccedilotildees das casas legislativas como expectador Este vecirc se constrange ri
chora pode vaiar pode aplaudir Mas suas accedilotildees natildeo iratildeo modificar
substancialmente o andamento do espetaacuteculo poliacutetico Cabe lembrar que os teatros
(o espaccedilo fiacutesico) tambeacutem satildeo locais onde a propaganda poliacutetica tinha ldquoseu lugarrdquo
Usados como lugares para reuniatildeo geralmente pela localizaccedilatildeo e capacidade de
abrigar vaacuterias pessoas A tiacutetulo de exemplo registramos uma anotaccedilatildeo de Tavares
Bastos em seu diaacuterio sobre o uso do Teatro Phenix Dramaacutetica na Rua da Ajuda
para as ldquoconferecircncias radicais do Clube Radicalrdquo (ABREU 2007 p 129) Os
comiacutecios puacuteblicos soacute seratildeo uma realidade a proximidade do fim do seacuteculo com
homens como Lopes Trovatildeo que conseguiram levar a populaccedilatildeo agraves praccedilas puacuteblicas
em nome do partido republicado (COSTA 1999)
24 INTELECTUAIS E OPINIAtildeO PUacuteBLICA
Gramsci nos mostra que os intelectuais se formaram historicamente associados agraves
elites econocircmicas Sua funccedilatildeo dentro dos diversos ldquopartidosrdquo eacute o de organizaccedilatildeo e
disseminaccedilatildeo da ideologia Alencar eacute algueacutem que nasceu na tradiccedilatildeo da aristocracia
rural mas por sua atividade como jornalista advogado e poliacutetico e por seu ativismo
poliacutetico pode ser enquadrado na categoria de intelectual orgacircnico Aquele que
busca em sua praacutexis transformar ensinar e buscar soluccedilotildees para a sociedade Mas
Alencar estaacute longe de ser um elemento que surge do povo ou das ldquobases
popularesrdquo apesar de ter sido eleito deputado para vaacuterios mandatos Cabe lembrar
que as campanhas poliacuteticas no periacuteodo natildeo exigiam uma presenccedila constante do
candidato junto a sua base eleitoral Os eleitores ndash pouquiacutessimos decerto - satildeo
relativamente abastados (considerando natildeo haver um mercado de trabalho as
diferenccedilas entre os grupos satildeo grandes) configuram uma categoria da elite regional
que tendia a se identificar com um candidato mais pela rede de relaccedilotildees sociais a
que este representava ou estava associado do que propriamente agraves ideias de algum
dos partidos poliacuteticos em atuaccedilatildeo no periacuteodo
Eacute na literatura e no jornalismo aonde floresce a vocaccedilatildeo de Alencar como
intelectual eacute ali que se constitui a sua forma de estudar a realidade e de interagir
com ela Entendemos que para Gramsci (1976) a ideia de participaccedilatildeo na cultura
natildeo significa a simples aquisiccedilatildeo de conhecimentos ou uma atitude passiva do
sentimento humano mas sim posicionar-se frente agrave histoacuteria fazer a histoacuteria
acontecer mesmo que a poder das armas E a luta armada do intelectual vem na
forma de manifestos eacute a sua maneira de interagir com o puacuteblico (BOBBIO 1997)
buscando (incitando) a transformaccedilatildeo da realidade
A cultura estaacute relacionada com esta transformaccedilatildeo da realidade atraveacutes da busca e
da conquista de uma consciecircncia superior onde cada indiviacuteduo precisa conseguir
compreender o seu valor na sociedade (GRAMSCI 1976) Eacute a passagem do
momento corporativo ao momento eacutetico-poliacutetico da estrutura agrave superestrutura Isto eacute
expresso por Gramsci atraveacutes do seu conceito ampliado de poliacutetica a catarse O
momento em que a esfera dos interesses corporativos e particulares eleva-se ao
niacutevel da consciecircncia universal e as classes conseguem elaborar um projeto para
toda a sociedade atraveacutes de uma accedilatildeo coletiva Assim sair da passividade para
Gramsci eacute deixar de aceitar a subordinaccedilatildeo que o sistema capitalista impotildee a
alguns estratos da populaccedilatildeo
Alencar advogado brilhante e poliacutetico combativo eacute antes de tudo um homem das
letras Algueacutem que conhece a forccedila da palavra e como jornalista e editor o alcance
que um perioacutedico pode ter E ele usaraacute isso em seu favor Este intelectual buscaraacute
em suas leituras os conceitos claacutessicos do liberalismo com Adam Smith John Locke
Benjamim Constant e outros poucos livros que tinham em matildeos ndash vaacuterios ainda em
sua liacutengua original (RENALT 1976) - que lhes dariam o suporte para se sustentar
junto a tecnocracia administrativa que se formava situando-se em algum lugar
confortaacutevel entre o absolutismo e a democracia - em alguns casos entre o
constitucionalismo e o voto censitaacuterio entre o liberalismo e a igualdade
A tarefa a que se propotildee o Alencar que pode ser entendida tambeacutem como uma
espeacutecie de educaccedilatildeo ndash senatildeo das massas com os movimentos operaacuterios
principalmente no iniacutecio do seacuteculo XX e que natildeo se percebem ainda no periacuteodo mas
de grupos paulatinamente mais generalizados que se formam como resultado do
desenvolvimento das cidades ndash eacute praticado pelos intelectuais (sendo Alencar um
exemplo) como agentes de ligaccedilatildeo entre as elites e tais grupos visto que o projeto
educacional corresponde a uma necessidade de formaccedilatildeo intelectual e teacutecnica do
povo ateacute mesmo para uma maior qualificaccedilatildeo do trabalhador que pudesse gerar
com seu trabalho um desenvolvimento tecnoloacutegico dos meios de produccedilatildeo de
capital e tambeacutem para o periacuteodo um texto mais ldquoagradaacutevelrdquo e basicamente mais
acessiacutevel que seria um facilitador para que uma maior parte da populaccedilatildeo pudesse
conhecer as ideias liberais O sentido era didaacutetico e ideoloacutegico ao mesmo tempo de
forma que um grupo maior pudesse ser identificado com o movimento e dele
tomasse partido
Observe-se que em Gramsci a supremacia de um grupo social se manifesta de dois
modos como domiacutenio (coaccedilatildeo) e como direccedilatildeo intelectual e moral (consenso) Eacute no
consenso que o trabalho de Alencar busca organizar uma sociedade menos desigual
a partir da divulgaccedilatildeo de uma ideologia liberal (dentro dos limites do que se pode
entender como ldquoiguaisrdquo no liberalismo brasileiro estamos sempre no acircmbito de uma
aristocracia) de uma moral cristatilde que auxilia no projeto de dominaccedilatildeo do povo e da
defesa da propriedade privada esta extensiva ao projeto da escravidatildeo
Um grupo social pode e deve impor-se como dirigente (e seu modo de expressatildeo eacute
em geral o partido poliacutetico) e sua organizaccedilatildeo eacute o que lhe sustenta na busca de
uma posiccedilatildeo no poder Isto vale tanto para as elites como para os grupos de
trabalhadores Mas a maneira para que isto ser levado a cabo seria pela via da
informaccedilatildeo da educaccedilatildeo da politizaccedilatildeo enfim Algumas preocupaccedilotildees de Gramsci
satildeo tais como as de Alencar Como levar a discussatildeo poliacutetica para a maior parte da
populaccedilatildeo enquanto esta natildeo se preocupa com a realidade mas com os modismos
com as influencias externas Como politizar o povo (GRAMSCI 1976) O que se
nota eacute que tal discurso natildeo se dirige propriamente as massas ele jaacute existe ndash anterior
a Marx e Gramsci ndash e eacute usado como forma de dominaccedilatildeo para todos os grupos
sociais Segundo Gramsci (1999) os intelectuais que mesmo na Itaacutelia natildeo estavam
ligados agraves massas ldquodeveriamrdquo ligar-se como uma opccedilatildeo eacutetica e como uma opccedilatildeo
poliacutetica para a transformaccedilatildeo O que muda natildeo eacute necessariamente a forma do
discurso mas a direccedilatildeo e o puacuteblico a que se destina O poder natildeo eacute mantido apenas
atraveacutes da hegemonia de classe ou pela simples difusatildeo de ideias desta classe
que o assume eacute preciso accedilatildeo
Em Alencar natildeo observamos uma radicalizaccedilatildeo neste sentido apenas o uso cada
vez maior das formas de comunicaccedilatildeo disponiacuteveis ndash e de forma cada vez mais
diversa tentando alcanccedilar cada vez mais pessoas ndash no momento A sociedade civil
para Alencar aumentaria sua participaccedilatildeo poliacutetica quanto mais politizada estivesse e
quanto maior fosse desenvolvida sua capacidade criacutetica e o Estado natildeo seria assim
tatildeo somente a sociedade poliacutetica mas o resultado da accedilatildeo poliacutetica da sociedade civil
enquanto nuacutecleo formador da sociedade poliacutetica (GRAMSCI 1999) As ideias da
sociedade poliacutetica satildeo passadas como discurso ideoloacutegico para todo o grupo e em
Alencar percebemos a importacircncia senatildeo do formador mas principalmente do
divulgador de tais ideias algueacutem que por vezes pode efetivamente mudar a direccedilatildeo
do jogo dependendo da capacidade de inserccedilatildeo de propostas valores e ideias nos
diversos grupos Natildeo se trata aqui de buscar uma intencionalidade em Alencar
Este enquanto autor dos discursos existe em integraccedilatildeo com os outros ldquoeusrdquo o
leitor o intertexto A palavra e o enunciado ndash no caso ndash satildeo por natureza
ideoloacutegicos Natildeo haacute um significado que natildeo se refira (natildeo se remeta) ao social Todo
enunciado eacute um evento histoacuterico e ao mesmo tempo um ato social Eacute por meio de
enunciados que os agentes comeccedilam a compreender o mundo e depois agir sobre
ele Qualquer texto constitui uma forma de accedilatildeo verbal calculada para a leitura e
com o intuito de propiciar respostas internas e para uma possiacutevel reaccedilatildeo criacutetica ndash
positiva ou negativa - da sociedade Uma enunciaccedilatildeo eacute uma forma de poder Cada
enunciado eacute dirigido a algueacutem em uma situaccedilatildeo especiacutefica em um momento
especiacutefico do tempo As relaccedilotildees de poder imersas na linguagem determinam
tambeacutem as formas das relaccedilotildees sociais Os enunciados dialogam constantemente
com outros enunciados em sua constituiccedilatildeo O cotidiano natildeo existe em uma ordem
formal somos noacutes que tentamos organizaacute-lo mediante uma narrativa que se
pretende coerente e as relaccedilotildees entre os ldquofalantesrdquo que estatildeo sempre mudando
Tais mudanccedilas nas instituiccedilotildees se datildeo porque satildeo constituiacutedas nesse movimento
dinacircmico (STAN 1992) O texto se constitui como uma forma de accedilatildeo que visa
propiciar respostas internas e uma possiacutevel reaccedilatildeo criacutetica ndash positiva ou negativa - da
sociedade Alencar busca construir em seu texto uma resposta positiva empaacutetica
que pretende sugerir (quando menos) comportamentos determinados aos grupos
sociais a que se referem E quanto mais acessiacutevel eacute o discurso maior a sua
amplitude Eacute a relaccedilatildeo a que se chama dialogismo Os enunciados dialogam
constantemente com outros enunciados em sua constituiccedilatildeo e mesmo depois
quando assimilados por noacutes o que jaacute eacute uma das formas de assimilaccedilatildeo do discurso
dada pelo processo dialoacutegico (STAN 1992)
Essa hipoacutetese se sustenta na observaccedilatildeo de que os grupos poliacuteticos necessitam se
reproduzir e apesar do controle restrito do eleitorado (voto censitaacuterio) e dos
reconhecidos laccedilos de famiacutelia natildeo eacute soacute o nuacutecleo familiar o ldquoberccedilaacuteriordquo aonde poliacuteticos
iram encontrar e formar seus sucessores Os laccedilos de apadrinhamento satildeo comuns
e tambeacutem natildeo satildeo incomuns as escolhas de sucessores poliacuteticos pelo criteacuterio de
amizade tiacutepico do clientelismo em vigor no Brasil A escolha dependia de quem
estivesse disposto a assumir o discurso do poder Lembramos que Chauiacute (1997)
sustenta que a proliferaccedilatildeo dos discursos sobre a naccedilatildeo faz com que existam vaacuterias
ldquonaccedilotildeesrdquo dentro da naccedilatildeo cada uma determinado por um modo de pensar a
realidade a sociedade e a poliacutetica e apresentado a um grupo diferente Eacute no
bacharel um ldquoprotordquo poliacutetico elemento constituinte da opiniatildeo puacuteblica e objeto dos
jornais poliacuteticos que Alencar busca seu interlocutor O objeto de seu discurso que
visa ldquoconstruirrdquo uma opiniatildeo puacuteblica Hobsbawn (2010) afirma que a opiniatildeo puacuteblica
eacute um conceito em si proacuteprio ligado ao liberalismo A informaccedilatildeo eacute um agente
constituinte para a integraccedilatildeo dos novos grupos que passam a participar dos
movimentos poliacuteticos
Para a Europa o autor sustenta que as revoluccedilotildees europeias de 1848 mostraram
que a classe meacutedia o liberalismo a democracia poliacutetica e mesmo as classes
trabalhadoras seriam a partir de entatildeo presenccedilas permanentes no panorama
poliacutetico (HOBSBAWN 2010) E com relaccedilatildeo ao Brasil se ainda natildeo temos uma
classe operaacuteria com poder de luta Fora a classe privilegiada detentora de
educaccedilatildeo leitora de jornais detentora dos cargos poliacuteticos e do funcionalismo
puacuteblico compondo a burocracia a classe formadora de opiniatildeo a que nos referimos
ndash que podemos designar como opiniatildeo puacuteblica ndash muito pouco podemos observar da
interferecircncia popular nos processos poliacuteticos A direito ao voto por exemplo nos
conta Prado (2001) era conseguido (e exercido) pelos homens pobres possuidores
de poucas posses que constituiacuteam o grosso do eleitorado mas que em quase sua
totalidade estavam atrelados aos grandes proprietaacuterios de terras e de escravos
como no exemplo do ldquovoto de caixatildeordquo28 com Nabuco (FAORO 2004) o que
acabava por determinar certo conservadorismo nas eleiccedilotildees com os resultados
sempre tendendo ao continuiacutesmo e a solidariedade pelo chefe poliacutetico local mesmo
estas sendo constantemente vitimadas por fraudes e manipulaccedilotildees
Portanto a imprensa colaborou no processo de constituiccedilotildees e acesso de uma
opiniatildeo puacuteblica no Brasil A opiniatildeo puacuteblica pode ser entendida enfim como a
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Conf Nota 21
participaccedilatildeo da populaccedilatildeo (ou de uma parte desta como vimos) na criacutetica aos
rumos de um determinado estado ou mesmo assunto relevante Apesar de alguns
comentadores negarem veementemente a possibilidade de uma opiniatildeo puacutebica
como no caso de Bourdier (1981) se baseando principalmente no fato de que
quando se coloca a mesma questatildeo para todo um grupo (por mais homogecircnio que
este possa vir a ser) estaacute impliacutecita assegura a hipoacutetese de que exista um consenso
sobre os problemas e que jaacute hajam acordos sobre as questotildees que merecem ser
colocadas e uma manipulaccedilatildeo nos caminhos a que tais propostas de opiniatildeo devam
revelar caracterizando o discurso da opiniatildeo puacuteblica como algo jaacute previamente
moldado preferimos nos basear em Becker (2003) que afirma que a opiniatildeo puacuteblica
se caracteriza exatamente pela diversidade o que lhe distingue como um estudo
mais aprofundado da sociedade que eacute capaz de indicar a atitude e o
comportamento dos homens enquanto em conjunto (enquanto massa) diante de sua
eacutepoca
3 LIBERALISMO E ESCRAVIDAtildeO NAS CARTAS DE ERASMO
31 LIBERALISMO E ESCRAVIDAtildeO
Pudemos observar no capiacutetulo anterior uma visatildeo geral do oitocentos no segundo
reinado e a intrincada relaccedilatildeo dos intelectuais e elites tendo suas ideias divulgadas
por meio da imprensa Mas quais seriam essas ideias Em nosso caso aqui
sustentamos que Alencar fez uma opccedilatildeo pelas ideias liberais que jaacute se
apresentavam por aqui desde antes do impeacuterio As ideias de liberdade chegam de
carona com a independecircncia americana em 1776 e a revoluccedilatildeo francesa em 1789 e
influenciam os movimentos abolicionistas pelo Brasil desde a inconfidecircncia mineira
e a conjuraccedilatildeo baiana29 ateacute os uacuteltimos movimentos revolucionaacuterios no periacuteodo
regencial
O termo liberalismo bem como liberdade tem sua raiz no termo ldquolivrerdquo Cunha
(1997) apresenta-nos as variaccedilotildees livre do latim libegraver liberal do latim libeacuteralis
liberdade do latim libertas ndashaacutetis que etimologicamente formaram o francecircs
libeacuteralisme Bobbio (1998) afirma que a definiccedilatildeo histoacuterica de liberalismo oferece
dificuldades especiacuteficas a menos que possamos admitir a existecircncia de diversos
liberalismos Em primeiro lugar porque o liberalismo se manifesta em diferentes
paiacuteses em tempos histoacutericos diversos e em funccedilatildeo disso o liberalismo se confronta
com problemas especiacuteficos que acabam por determinar sua fisionomia e conteuacutedos
Abbagnano (2007) explica que o liberalismo eacute uma doutrina que tem origens na
idade moderna no seacuteculo XVIII e se caracteriza por tomar para si a defesa da
liberdade no campo poliacutetico O liberalismo pode ser classificado em duas fases uma
primeira fase no seacuteculo XVIII caracterizado pelo individualismo e uma segunda
fase no seacuteculo XIX caracterizada pelo estatismo
A primeira fase eacute caracterizada pelas seguintes linhas doutrinaacuterias que constituem os instrumentos das primeiras afirmaccedilotildees poliacuteticas do Liberalismo a) jusnaturalismo que consiste em atribuir aos indiviacuteduos direitos originaacuterios e inalienaacuteveis b) contratualismo que consiste em considerar a sociedade humana e o Estado como fruto de convenccedilatildeo entre indiviacuteduos (ABBAGNANO 2007 p604)
Na economia o liberalismo combate a intervenccedilatildeo do Estado na sociedade
tentando fazer com que o mercado siga seu caminho Bem como negando o
absolutismo estatal definindo a accedilatildeo deste definindo seu papel em cada lugar
mediante a divisatildeo dos poderes
Jusnaturalistas e moralistas como Bentham acreditavam que bastava ao indiviacuteduo buscar inteligentemente sua proacutepria felicidade para estar buscando simultaneamente a felicidade dos demais A doutrina econocircmica de Adam Smith baseia-se no pressuposto anaacutelogo da coincidecircncia entre o interesse econocircmico do indiviacuteduo e o interesse econocircmico da sociedade (ABBAGNANO 2007 p604)
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Haacute de se observar a diferenccedila entre as vertentes do pensamento liberal jaacute aqui A conjuraccedilatildeo baiana pregava o fim da escravidatildeo ao passo que entre os participantes da inconfidecircncia mineira a aboliccedilatildeo da escravidatildeo negra natildeo era uma meta
Essas ideias aparecem no campo poliacutetico com os filoacutesofos iluministas como John
Locke Thomas Hobbes e Rousseau que tentaram estabelecer os limites do poder
poliacutetico ao afirmar que existiam direitos individuais que nem os reis poderiam
ultrapassar Bastos (1999) afirma tambeacutem que a busca pelo modelo de Estado
Liberal eacute o coroamento de toda a luta do indiviacuteduo contra alguma tirania do Estado
ldquoSeu pressuposto fundamental eacute que o maacuteximo de bem-estar comum eacute atingido em
todos os campos com a menor presenccedila possiacutevel do Estadordquo (BASTOS 1999
p139) A construccedilatildeo desse Estado liberal em contraposiccedilatildeo ao Estado absoluto eacute
dada pelo jusnaturalismo que eacute
() a doutrina segundo a qual o homem todos os homens indiscriminadamente tem por natureza e portanto independente de sua proacutepria vontade e menos ainda da vontade de alguns poucos ou de apenas um certos direitos fundamentais como o direito a vida agrave liberdade agrave seguranccedila agrave felicidade ndash direitos estes que o Estado ou mais concretamente aqueles que num determinado momento histoacuterico detecircm o poder legiacutetimo de exercer a forccedila para obter a obediecircncia a seus comandos devem respeitar e portanto natildeo invadir e ao mesmo tempo proteger contra toda possiacutevel invasatildeo por parte de outros (BOBBIO 1998 p11)
A segunda fase comeccedila quando esse postulado entre em crise na medida em que o
liberalismo individualista parecia defender os interesses de uma classe determinada
de cidadatildeos a burguesia que se consolidava nas cidades Teoacutericos contratualistas
como Rousseau e Burke e mesmo Hegel posteriormente afirmam que a teoria da
infalibilidade da vontade geral resultante da alienaccedilatildeo total de cada associado com
todos os seus direitos em favor de toda a comunidade transforma aquilo que para o
individualismo eacute do interesse individual como interesse estatal e de certa forma
absorvendo-o Dessa feita ia-se afirmando a superioridade do Estado sobre o
indiviacuteduo contra o que o liberalismo tinha lutado em sua primeira fase
(ABBAGNANO 2007)
As ideias de liberdade poliacutetica combinaram com as propostas de liberdade
comercial algo que se entendia ser beneacutefico a todos sendo assim posteriormente
associadas a defesa e desenvolvimento do capitalismo (HOBSBAWM 2010) O
chamado liberalismo econocircmico prega o fim da intervenccedilatildeo do Estado na produccedilatildeo
de riquezas o fim dos monopoacutelios e outras medidas protecionistas e incentivava a
livre concorrecircncia no mercado No Brasil as ideias liberais tomam forccedila a partir do
iniacutecio do seacuteculo XIX notadamente a partir da independecircncia em 1822 sob influecircncia
tambeacutem da revoluccedilatildeo liberal do Porto de 1820 mas tomando aqui suas
caracteriacutesticas proacuteprias Costa (1999) sustenta que o liberalismo brasileiro deve ser
entendido com referecircncia a realidade brasileira Tendo entre seus adeptos homens
ligados a economia agroexportadora ao traacutefico de escravos e os grandes
proprietaacuterios de terras que buscavam maior espaccedilo para seus produtos fora do
controle de Portugal Para tanto a situaccedilatildeo de colocircnia natildeo poderia ser aceita de
forma alguma
O liberalismo eacute uma corrente de pensamento vastiacutessima e que abrange vaacuterios
campos do pensamento humano Natildeo pretendemos aqui esgotar sequer algumas de
suas possibilidades nem tampouco discutir os valores filosoacuteficos do liberalismo
Este nos eacute apresentado como um movimento que busca a realizaccedilatildeo da liberdade
as garantias da propriedade privada e da vida humana Poreacutem nem sempre a
organizaccedilatildeo do pensamento liberal estaacute associada da ideia democraacutetica A
discussatildeo das ideias liberais no Brasil por exemplo exerceu influecircncia na Carta de
1824 A questatildeo eacute quais seriam as ideias que Alencar buscava apresentar em seu
discurso Satildeo as ideias desse poliacutetico caracterizadas como ideias liberais Haacute uma
comunhatildeo entre o liberalismo e a escravidatildeo Para comeccedilar a responder a tais
questotildees os intelectuais brasileiros se detiveram nas propostas do liberalismo
claacutessico representado pelo pensamento de ndash entre outros ndash T Hobbes Locke
Adam Smith Rousseau Bentham e Mill tentando traccedilar entre eles um caminhos
que justifique a implantaccedilatildeo do liberalismo poliacutetico no Brasil Esse caminho tambeacutem
seraacute trilhado por Alencar Vejamos como foi a adequaccedilatildeo do liberalismo agrave realidade
brasileira
32 LIBERALISMO E ESCRAVIDAtildeO O MODELO BRASILEIRO
A tiacutetulo de complementaccedilatildeo depois desse esboccedilo que natildeo se pretende exaustivo
podemos observar tambeacutem como bem nos diz Schwartz (1991) citando um panfleto
antiescravagista do segundo reinado um dos princiacutepios da economia poliacutetica eacute o
trabalho livre E no Brasil temos portanto o fato ldquoimpoliacuteticordquo da escravidatildeo O autor
adverte que o que se configurava como uma ideologia para as classes em ascensatildeo
na Europa vem a converte-se no Brasil em ideologia que constituiacutea o pano de
fundo dos interesses de uma elite escravocrata Dessa feita o liberalismo perderia
seu caraacuteter universalista passando a defender prioritariamente interesses
particulares
Durante o impeacuterio temos a formaccedilatildeo de dois grupos poliacuteticos distintos que
caracterizariam o periacuteodo com suas lutas e conciliaccedilotildees inclusive com a ldquotroca de
ladordquo de figuras relevantes satildeo eles o partido conservador e o partido liberal Muitas
das ideias que poderiam ser tomadas como liberais foram implantadas no Brasil
pelos conservadores mas nenhuma delas deixava de buscar a realizaccedilatildeo de
interesses particulares de uma elite social e poliacutetica e a manutenccedilatildeo da exploraccedilatildeo
do trabalho
Apoacutes a Independecircncia em 1822 o formaccedilatildeo do Estado Brasileiro toma corpo com
os princiacutepios de um estado regulador baseado em um governo de tradiccedilatildeo
absolutista poreacutem nascido sob a aclamaccedilatildeo de alguns preceitos especiacuteficos do
liberalismo Os processos de independecircncia dos Estados Unidos em 1776 a
Revoluccedilatildeo Francesa (1789-1799) e os movimentos de independecircncia que ocorriam
nas colocircnias espanholas no periacuteodo satildeo influecircncias determinantes
Segundo Costa (1999) o liberalismo estaacute vinculado ao desenvolvimento do
capitalismo e a criacutetica ao ldquoantigo regimerdquo Surge do enfretamento entre a burguesia
e o abuso da autoridade real como a concessatildeo de privileacutegios ao clero e da nobreza
e a manutenccedilatildeo de monopoacutelios Os liberais defendiam os teoacutericos do contrato social
afirmavam a soberania do povo e a supremacia da lei Lutavam ainda pela
representatividade frente ao governo e o direito a propriedade e a liberdade de
comercio e de trabalho No Brasil as elites poliacuteticas se julgavam aptas a gerir este
novo modelo de soberania Tais elites viam na monarquia constitucional o caminho
para se conseguir manter o povo sob controle restringir o poder do imperador e
conseguir a unidade e a estabilidade poliacutetica (COSTA 1999) O ideal liberal
proposto tambeacutem pela revoluccedilatildeo do Porto em 1820 segundo Carvalho (2007) foi o
fomento necessaacuterio para o processo de independecircncia da colocircnia Ao mesmo
tempo a heranccedila do pensamento poliacutetico portuguecircs assimilado pela elite brasileira
fora a responsaacutevel pela homogeneizaccedilatildeo de seus princiacutepios o que muito contribuiu
para a feitura de um projeto comum de naccedilatildeo coesa aos interesses da elite
A assimilaccedilatildeo dos ideais liberais de por alguns atores poliacuteticos que participaram do
processo de independecircncia advecircm de sua formaccedilatildeo intelectual concluiacuteda nas
universidades europeias principalmente em Coimbra o que lhes possibilitou um
contado direto com os fundamentos do liberalismo europeu Esses homens tinham
seus interesses relacionados a economia agroexportadora eram em geral
proprietaacuterios de grande extensatildeo de terras e elevado nuacutemero de escravos Portanto
tencionavam manter as tradicionais estruturas de produccedilatildeo ao mesmo tempo em
que se libertariam de Portugal e das restriccedilotildees que a relaccedilatildeo de dominaccedilatildeo da
metroacutepole lhes impunha Significava enfim determinar a sobrevivecircncia de um
sistema de clientela e patronagem que representava os ideias que as revoltas
liberais europeias tentavam destruir Esse era o principal problema lidar com a
contradiccedilatildeo entre o liberalismo e a manutenccedilatildeo do trabalho escravo (COSTA 1999)
Podemos distinguir segundo Carvalho (2007) dois tipos de liberalismo no Brasil
Um deles ligado aos proprietaacuterios rurais ligados a economia de exportaccedilatildeo e trafico
de escravos e aquele dos profissionais urbanos que comeccedilas a aparecer a partir
das deacutecadas de 185060 com o maior desenvolvimento urbano e o aumento do
niacutevel de escolaridade nas cidades com a criaccedilatildeo das primeiras faculdades
Faoro (2004) tambeacutem argumenta que podemos identificar duas formas distintas de
liberalismo ao longo do seacuteculo XIX no Brasil O primeiro liberalismo vem de uma
ideologia de longa duraccedilatildeo e pode identificar seu marco fundamental em 1808 com
a abertura dos portos por D Joatildeo libertando das amarras de Portugal a produccedilatildeo
agriacutecola que agora busca ndash sem intermediaacuterios diretos - o comeacutercio internacional
poreacutem com acentuado favorecimento agrave Inglaterra As medidas satisfazem a uma
exigecircncia da Inglaterra e ao mesmo tempo aos produtores locais que se sentiam
limitados pelo pacto colonial Outro marco eacute a Independecircncia e a posterior outorga
da constituiccedilatildeo por D Pedro I que estabelece as normas para a representaccedilatildeo
poliacutetica o voto censitaacuterio e o funcionamento dos poderes legislativo e executivo
mediante uma combinaccedilatildeo de parlamentarismo e monarquia O segundo liberalismo
chega com as ideias de Joaquim Nabuco encabeccedilando um grupo reformista que
pretende as eleiccedilotildees diretas busca a limitaccedilatildeo dos poderes do Senado e do Poder
Moderador e em certa medida a defesa da aboliccedilatildeo da escravidatildeo para um futuro
proacuteximo (FAORO 2004)
a realidade socioeconocircmica no Brasil era muito diferente da europeia o que
acarretava em uma dificuldade na disseminaccedilatildeo dos ideais liberais para as camadas
populares visto que os niacuteveis de analfabetismo eram altos e os meios de
comunicaccedilatildeo poucos o que determinava uma marginalizaccedilatildeo do povo na vida
poliacutetica Tambeacutem o fato de que no Brasil o predomiacutenio de uma sociedade estamental
formada por donos de latifuacutendio que controlavam trabalhadores comuns e escravos
e a ausecircncia de uma burguesia dinacircmica que pudesse servir de suporte a esses
ideais Tudo isto fazia com que se esvaziasse o conteuacutedo dos manifestos em favor
das formas representativas de governo da soberania do povo da liberdade e
igualdade como direitos de todos os homens quando o que se via era a maior parte
da populaccedilatildeo alienada da vida poliacutetica e a manutenccedilatildeo da escravidatildeo (COSTA
1999 p29)
Em um dos periacuteodos mais conturbados da Histoacuteria do Brasil que eacute o periacuteodo da
regecircncia que vai de 1831 com a abdicaccedilatildeo de D Pedro I ateacute 1840 com o golpe da
maioridade podemos identificar uma seacuterie de movimentos poliacuteticos e trecircs facccedilotildees
que disputavam o poder os restauradores os liberais exaltados e os liberais
moderados
O grupo restaurador representava uma parte da classe dominante que apoiara D
Pedro I Com a abdicaccedilatildeo em favor de seu filho passaram a batalhar por seu
retorno ao trono brasileiro agitando os primeiros anos da Menoridade Acreditavam
que soacute uma monarquia com um regente de pulso forte e autoritaacuterio conseguiria
manter a uniatildeo do impeacuterio Seu braccedilo principal estava no senado e no Clube militar
Com a morte de D Pedro I em 1834 os caramurus ndash como eram chamados -
passaram a compor com os moderados o ldquoregresso conservadorrdquo
Os liberais moderados representavam a outra parcela da aristocracia Buscavam a
monarquia mas pelo vieacutes constitucionalista uma vez que a Constituiccedilatildeo de 1824
assegurava a sua continuidade no poder O liberalismo que rotulava essa facccedilatildeo era
apenas de fachada adequado agraves suas necessidades de classe dominante Este
grupo predominou durante os primeiros anos das Regecircncias tendo como um de
seus liacutederes principais Evaristo da Veiga Empenharam-se no combate aos
restauradores e exaltados federalistas na defesa da ordem e da centralizaccedilatildeo
fornecendo subsiacutedios para a orientaccedilatildeo governista
Os liberais exaltados que pretendiam-se uma esquerda liberal (um pouco mais a
esquerda do que os outros grupos) tambeacutem tinham viacutenculos com algumas parcelas
da aristocracia rural mas conseguiam alcanccedilar alguns outros grupos chegando
mesmo a arregimentar uma camada de homens livres destituiacutedos de propriedades
ou pequenos proprietaacuterios Variando de regiatildeo para regiatildeo desenvolviam atividades
nos centros urbanos ou nos campos oscilando numa relaccedilatildeo de dependecircncia entre
a classe dominante e a classe trabalhadora livre (FAUSTO 2001)
Enquanto os moderados defendiam a manutenccedilatildeo da ordem e das instituiccedilotildees
opondo-se a qualquer alteraccedilatildeo mais radical no contexto poliacutetico os liberais
exaltados eram reformistas Defendiam a liberdade ndash em alguns locais para
realmente todos os homens ndash e as reformas poliacuteticas chagando mesmo a defesa
do republicanismo Defendiam tambeacutem maior autonomia das proviacutencias em
contraproposta a tendecircncia centralista que se fortalecia (FAUSTO 2001)
Os membros do grupo moderado eram os regente e deputados Padre Diogo
Antocircnio Feijoacute Evaristo da Veiga Bernardo Pereira de Vasconcelos e o grande
proprietaacuterio de terras e escravos Honoacuterio Hermeto Carneiro Leatildeo
Jaacute o grupo de liberais exaltados (ou radicais) tinha como uma das principais
lideranccedilas Miguel de Frias (que ficou famoso por ter recebido a carta com a
abdicaccedilatildeo de D Pedro I) Eram favoraacuteveis agrave repuacuteblica desejavam a aplicaccedilatildeo das
ideias liberais mesmo que a custa de luta armada Agrave frente do grupo de
restauradores estavam os irmatildeos Andrada
Segundo Rodrigues (2008) a violecircncia social foi caracteriacutestica da regecircncia e com a
maioridade os uacuteltimos resquiacutecios de dissenccedilotildees foram resolvidos institucionalmente
com o fim das revoltas populares pelo interior do Brasil afastando assim os focos de
tendecircncias mais radicais Eacute a partir da ascensatildeo desse grupo moderado que se
solidifica a vertente conservadora que
() admitia a escravidatildeo a participaccedilatildeo poliacutetica restrita aos proprietaacuterios de terras e o modelo de organizaccedilatildeo juriacutedico-poliacutetico monaacuterquico Desse modo os liberais conservadores da regecircncia lutavam pela aboliccedilatildeo das instituiccedilotildees coloniais contra o despotismo o poder da aristocracia portuguesa contra a interferecircncia do Estado na vida econocircmica e pela defesa da propriedade incluindo os escravos (RODRIGUES 2008 p158)
A base de sustentaccedilatildeo do grupo moderado que se apresentava entatildeo como um
representante dos cafeicultores incluiacutea proprietaacuterios e comerciantes e tambeacutem o
grupo dos intelectuais urbanos ciando um ponto de aglutinaccedilatildeo para os outros
setores da classe proprietaacuteria
Bosi (1988) afirma que o paradoxo entre liberalismo e escravidatildeo foi somente verbal
O liberalismo ativo do trabalho ndash e do trabalhador ndash livre ldquosimplesmente natildeo existiu
enquanto ideologia dominante no periacuteodo que se segue agrave Independecircncia e vai ateacute
os anos centrais do Segundo Reinadordquo (BOSI 1998 p 05) O autor tambeacutem afirma
que para entender a articulaccedilatildeo liberal com o regime escravagista eacute necessaacuterio
compreender o modo de pensar das classes poliacuteticas dominantes no impeacuterio que se
impocircs a partir da independecircncia e se consolida entre 1831 e 1860
aproximadamente Segundo ele o que dominou em todo esse periacuteodo no Brasil foi
um ideaacuterio de fundo conservador Um conjunto de normas juriacutedico-poliacuteticas capazes
de garantir a propriedade fundiaacuteria e a escravidatildeo negra ateacute o seu limite Para que
possamos nos inteirar deste paradoxo eacute preciso entender a ascensatildeo dos grupos
que defendiam o trabalho escravo e seus liacutederes
Formado ao longo das crises da Regecircncia o nuacutecleo conservador definiu-se pela voz dos seus liacutederes Bernardo Pereira de Vasconcelos Arauacutejo Lima e Honorio Hermeto como o Partido da Ordem no ano criacutetico de 1837 e logo apoacutes a renuacutencia de Feijoacute A sua histoacuteria eacute a de uma alianccedila estrateacutegica flexiacutevel mas tenaz entre as oligarquias mais antigas do accediluacutecar nordestino e as mais novas do cafeacute no Vale do Paraiacuteba as firmas exportadoras os traficantes negreiros os parlamentares que lhes davam cobertura e o braccedilo militar chamado sucessivas vezes nos anos de1830 e 40 para debelar surtos de facccedilotildees que espocavam nas proviacutencias Ao radicalismo impotente desses grupos locais opocircs-se desde o comeccedilo o chamado liberalismo moderado que exerceu de fato o poder tanto na fase regencial quanto nos anos iniciais do Segundo Impeacuterio As divisotildees internas natildeo tocaram sua unidade profunda na hora da accedilatildeo (BOSI 1998p05)
Rodrigues (2008) tambeacutem sustenta que Bernardo de Vasconcelos e Evaristo
Ferreira da Veiga com mandatos de deputados durante a regecircncia ldquolideravam o
grupo dos liberais moderados que representava os interesses dos proprietaacuterio de
terras e dos cafeicultores Naquele momento o cafeacute era o principal produto na pauta
de exportaccedilatildeo do Brasil a partir de 1831rdquo (RODRIGUES 1988 p155) Nesse
contexto estes representantes dos cafeicultores dificilmente iriam contra a poliacutetica
da escravidatildeo visto a falta de braccedilos para a lavoura e os lucros advindos do
trabalho escravo O liberalismo praticado pelo grupo vai se tornando cada vez mais
conservador visto a necessidade de manter os interesses e o predomiacutenio do grupo
dominante Admite esta autora que ldquoo liberalismo poliacutetico posto em praacutetica pelo
grupo moderado teve como objetivo a defesa dos interesses dos proprietaacuterios e natildeo
a alteraccedilatildeo da ordem vigenterdquo (RODRIGUES 1988 P157) Com o advento da
Regecircncia os uacuteltimos focos de um liberalismo mais radical foram suprimidos com o
fim dos movimentos revoltosos pelo paiacutes o que abriu espaccedilo para a consolidaccedilatildeo
do modelo liberal conservador com alguns ajustes e concessotildees que o ajudaram a
aglutinar as dissidecircncias dos outros grupos
A importacircncia de Bernardo de Vasconcelos e Evaristo da Veiga como divulgadores
do liberalismo pode ser observada principalmente em seu trabalho como jornalistas
a frente dos jornais ldquoO Sete de Abrilrdquo e o ldquoAurora Fluminenserdquo respectivamente Tal
influencia natildeo se limita a Corte visto que outros perioacutedicos reeditavam seus
editoriais chegando o seu alcance desde o interior do Rio de Janeiro ateacute outras
proviacutencias particularmente agrave regiatildeo centro-sul do paiacutes Daiacute podemos ter uma ideia
do poder da imprensa como divulgadora de ideias ndash liberais ou natildeo ndash para os grupos
letrados Bernardo Vasconcelos chega a estabelecer uma diferenciaccedilatildeo entre os
dois liberalismos identificando os radicais como aqueles que norteavam-se pelas
ideias de Rousseau e acreditavam na luta armada e os liberais conservadores como
adeptos da conciliaccedilatildeo e a compatibilizaccedilatildeo dos novos com os antigos valores
(RODRIGUES 2008)
Neves (2001) sustenta que o liberalismo no Brasil se alavanca a partir da revoluccedilatildeo
vintista em Portugal erguida ldquoem nome da Constituiccedilatildeo da naccedilatildeo do rei e da
religiatildeo catoacutelicardquo (NEVES 2001 p76) propondo reformas que pudessem garantir ao
indiviacuteduo direitos de cidadania liberdade de expressatildeo de imprensa dentre outros
buscando o fim do despotismo como uma soluccedilatildeo para o impeacuterio O movimento tem
a adesatildeo do Paraacute e da Bahia seguidos posteriormente pelo Rio de Janeiro sendo
segundo a autora assimilada sem dificuldade pelos elementos das elites poliacutetica e
intelectuais no Brasil A proposta era buscar o novo mas sem abrir matildeo dos antigos
privileacutegios econocircmicos Esta autora sustenta que os jornais panfletos e pasquins
editados no periacuteodo auxiliaram a tomada de um vocabulaacuterio ldquoliberalrdquo pelo grande
puacuteblico que acompanhava as criacuteticas de intelectuais contra o regime divulgadas nas
diversas publicaccedilotildees criando uma rede de ideias que se multiplicava por vaacuterias
partes do paiacutes
Para Gorender (2002) os princiacutepios liberais levados adiante pelos comerciantes e
plantadores era o direito de ter uma representaccedilatildeo no estado fora das limitaccedilotildees
impostas pela poliacutetica colonial Esse processo segundo ele tem inicio apenas com a
abdicaccedilatildeo em 1831 visto que D Pedro I ainda era um representante de Portugal
aqui em nossas terras Gorender afirma que o liberalismo europeu defende o
trabalho livre a eliminaccedilatildeo das injunccedilotildees feudais do pagamento da corveia e de
todos os demais tributos que caracterizaram o sistema feudal Mas lembra tambeacutem
que o proacuteprio Adam Smith natildeo era contra a escravidatildeo nas colocircnias Ou seja o
liberalismo europeu segundo um de seus mais importantes representantes jaacute nasce
sob esta contradiccedilatildeo O autor tambeacutem sustenta que mesmo com a Revoluccedilatildeo
Francesa tendo decretado a libertaccedilatildeo dos escravos em suas colocircnias francesas
Napoleatildeo restabelece a escravidatildeo oito anos depois (GORONDER 2002) Apesar
da liberdade ser um valor importante na Europa aparentemente nas colocircnias a
poliacutetica praticada natildeo era a mesma O que nos leva a entender melhor a relaccedilatildeo
liberalismoescravidatildeo no Brasil Tambeacutem podemos lembrar aqui que mesmo as
instituiccedilotildees religiosas natildeo foram totalmente contraacuterias a escravidatildeo visto que as
ordens religiosas no Brasil mantinham escravos negros
Por tudo isso podemos entender que no processo de formaccedilatildeo do Estado Imperial
Brasileiro havia diferentes leituras e objetivos para o uso do liberalismo ligadas a
interesses especiacuteficos Por um lado como enfatiza Mattos (1987) a accedilatildeo do grupo
conservador no impeacuterio seguia no sentido da construccedilatildeo de monopoacutelios como uma
certa continuidade da poliacutetica que era praticada no periacuteodo colonial enfatizando as
relaccedilotildees de dominaccedilatildeo sustentadas pela coroa Costa (1999) identifica uma certa
originalidade no movimento poliacutetico brasileiro do periacuteodo tentando interpreta-lo
como uma figura hiacutebrida onde os elementos conservadores permanecem criando
uma amalgama com as praacuteticas liberais aceitas estruturando as instituiccedilotildees e a
visatildeo de mundo dos agentes poliacuteticos das elites dominantes sustentados pelas
classes intermediaacuterias que se desenvolvia nas cidades mas que ao mesmo tempo
viam no sistema agroexportador baseado na escravidatildeo uma dificuldade para o
desenvolvimento do capitalismo E haacute mesmo aqueles que como Carvalho (2007)
que chega a subestimar o aspecto liberal enfocando o periacuteodo na perspectiva de
que havia um pensamento conservador dominante prevalecendo no pensamento
poliacutetico local sendo a conciliaccedilatildeo entre as correntes de pensamento e os partidos a
poliacutetica da coroa com o intuito de administrar interesses e evitar conflitos e o
liberalismo sendo apenas uma face da mesma moeda Prado (2001) ainda enfatiza
que o pacto liberal era difiacutecil de ser compreendido no impeacuterio brasileiro que se
forma sob a tradiccedilatildeo ibeacuterica caracterizada pela valorizaccedilatildeo da tradiccedilatildeo e por uma
resistecircncia para as novas ideias que soacute eram experimentadas quando
extremamente necessaacuterias e sob a condiccedilatildeo de que natildeo desestruturassem a ordem
vigente Bosi (1988) sustenta ainda que o traacutefico esta apoiado por vezes pelas
proacuteprias autoridades a quem cabia fazer cessar o traacutefico Mantendo sob seu controle
terras o cafeacute e os escravos tais homens ligados a administraccedilatildeo e a poliacutetica como
o grupo ldquosaquaremardquo de Euzeacutebio Paranaacute Uruguai e Itaboraiacute apoiavam o ldquocomeacutercio
livre Primeira e principal bandeira dos colonos patriotas [ que ] natildeo significava
necessariamente e natildeo foi efetivamente sinocircnimo de trabalho livrerdquo (BOSI 1988 p
07) O que resulta segundo o autor que os moderados cedo ou tarde mostrariam
sua verdadeira face que eacute a conservadora
Os traficantes foram poupados e os projetos iluministas raros e esparsos de aboliccedilatildeo gradual foram reduzidos ao silecircncio Deu-se ao Exeacutercito o papel de zelar pela unidade nacional contra as tendecircncias centriacutefugas dos clatildes provinciais Vencidos os uacuteltimos Farrapos estava salva a sociedade no caso o Estado aglutinador de latifundiaacuterios seus representantes tumbeiros e burocracia A retoacuterica liberal trabalha seus discursos em torno de uma figura redutora por excelecircncia a sineacutedoque pela qual o todo eacute nomeado em lugar da parte impliacutecita (BOSI 1988 09)
Podemos entender com o que foi visto que o liberalismo acaba por adaptar suas
caracteriacutesticas gerais dependendo do local onde se estabelece Prado (2001) lembra
ainda que o impeacuterio no Brasil herdeiro da tradiccedilatildeo poliacutetica ibeacuterica era tambeacutem
avesso a novas ideias no campo poliacutetico que pudessem vir a desestruturar a ordem
estabelecida o que faz com que as ideias liberais assumidas sejam
preferencialmente as de cunho mais conservador Aleacutem do que Prado (2001)
concorda que com a produccedilatildeo organizada sob a exploraccedilatildeo do trabalho escravo
(altamente lucrativo no momento) era muito difiacutecil empreender qualquer movimento
em prol da igualdade e liberdade individuais
A partir da apresentaccedilatildeo deste conjunto de ideias acreditamos que seja possiacutevel
verificar se no texto de Alencar haacute ou natildeo alguma identidade com o liberalismo e a
defesa da escravidatildeo Concordando com o que diz Bosi (1988) acreditamos que
Alencar em seu texto busca uma defesa para o conservadorismo pregado pelos
latifundiaacuterios e traficantes de escravos em que a economia agroexportadora
baseada no braccedilo escravo deveria permanecer como a base econocircmica do Brasil
mantendo assim os privileacutegios dessas elites O liberalismo defendido por Alencar eacute ndash
como afirma Bosi(1988) ndash uma sineacutedoque em que a parte apresentada escolhida
determinada eacute tomada como um todo uniforme desvirtuando assim as ideias
originais do liberalismo e criando novo discurso ideoloacutegico para sustentar um grupo
que se apresenta no poder E eacute para esse discurso disseminado no texto de
Alencar que nos remetemos agora
33 AS CARTAS DE ERASMO
A carta aberta integra os gecircneros textuais caracterizados pelo caraacuteter
argumentativo Sua proposta eacute permitir que o missivista expusesse para o puacuteblico as
suas opiniotildees ou reivindicaccedilotildees acerca de um determinado assunto O gecircnero
difere-se da carta pessoal a qual trata em geral de assuntos que dizem respeito
apenas aos interlocutores nela envolvidos A carta aberta faz referecircncia a assuntos
de interesse coletivo ou que se queira coletivizar De tal modo a carta aberta pode
ser utilizada como forma de protesto contra esse problema como alerta e ateacute
mesmo como meio de conscientizaccedilatildeo da populaccedilatildeo ou de algueacutem com certa
influecircncia como por exemplo um representante de uma entidade ou do governo
acerca da problemaacutetica em questatildeo
As cartas em geral tem uma importacircncia grande como fontes para a historiografia
brasileira A epistolae era forma de comunicaccedilatildeo habitual entre os jesuiacutetas
registrando o cotidiano das primeiras deacutecadas da colocircnia Os jesuiacutetas escreviam-se
dos lugares mais distantes incentivando-se e sugerindo formas de abordagem para
os diferentes grupos aos quais tinham contato No Brasil as primeiras cartas de
Anchieta em sua maioria escritas em latim relatam detalhes da paisagem dos
costumes e das pessoas em Satildeo Paulo entatildeo Vila de Piratininga A primeira carta
do padre Joseacute Anchieta30 escrita em Setembro de 1554 e endereccedilada a Inaacutecio de
Loyola fundador da Companhia de Jesus fala da primeira missa realizada na regiatildeo
(PARIS 1997) As chamadas ldquoCartas Chilenasrdquo atribuiacutedas a Tomaacutes Antocircnio
Gonzaga e escritas em meados do seacuteculo XVIII compondo um longo e irreverente
poema satiacuterico satildeo um documento importante para auxiliar-nos na compreensatildeo da
Inconfidecircncia Mineira Famosas tambeacutem ficaram as cartas de D Pedro I a Condessa
Domitila de Castro nos mostram sete anos (1822 a 1829) de romantismo e do
cotidiano da Corte Na cultura cristatilde mais identificada conosco temos o conjunto de
cartas que Paulo escreve para as igrejas (eccleacutesia ecclesiam ἐκκλησίαν31) na Aacutesia
menor que segundo suas instruccedilotildees poderiam ser lidas para a comunidade
A carta aberta era um meio comum de participar o debate poliacutetico com o puacuteblico nas
primeiras deacutecadas da imprensa Sua publicaccedilatildeo nos jornais no caso dos deputados
como Alencar que moravam na Corte e representavam proviacutencias distantes servia
como uma prestaccedilatildeo de contas puacuteblica O jornal apesar do pouco tempo de vida no
Brasil alcanccedila no segundo reinado a qualidade de um importante agente de
agitaccedilatildeo poliacutetica Entendia-se ali que apesar da verborragia caracteriacutestica do
romantismo e presente em praticamente todos os textos natildeo oficiais o poliacutetico
estava efetivamente trabalhando por alguma coisa Oficializando para a sociedade
suas opiniotildees e posiccedilatildeo no palco poliacutetico da Corte Vaacuterias cartas abertas foram
redigidas no periacuteodo o trabalho de Alencar eacute apenas um exemplo entre muitos
outros E a liberdade de opiniatildeo e de imprensa jaacute eacute presente (e utilizada) desde o
reinado de D Pedro I garantida pela constituiccedilatildeo de 1824 Apesar de D Pedro I natildeo
ter se notabilizado por seu ldquoapoiordquo a imprensa O priacutencipe sempre foi alvo de duras
criacuteticas ateacute mesmo por sua conduta na vida privada
30 Uma ediccedilatildeo de ldquoCartas Avulsasrdquo de Jesuiacutetas - escritas no periacuteodo de 1550 a 1568 - pela Biblioteca da Cultura Nacional publicada jaacute em 1931 registra a importacircncia desse gecircnero 31
As comunidades religiosas do periacuteodo criadas sob a supervisatildeo de Paulo satildeo ainda estaacutegios
de formaccedilatildeo de uma ldquoigrejardquo cristatilde No latim claacutessico eccleacutesia apresenta uma grande variante graacutefica nos textos portugueses do seacutec XIII ao XVI Conforme CUNHA Antocircnio Geraldo da Dicionaacuterio etimoloacutegico da liacutengua portuguesa Rio de Janeiro Nova Fronteira 1982
Alencar publica as cartas e as endereccedila a vaacuterios entes poliacuteticos segundo o assunto
a que iraacute referir e dependendo do efeito e do ldquodestinataacuteriordquo que pretenda atingir Sua
posiccedilatildeo conservadora frente a escravidatildeo talvez tenha sido o tema que mais chama
a atenccedilatildeo Eacute onde centraremos o foco de nossa pesquisa na tentativa de analisar a
defesa de um projeto liberalconservador baseado na matildeo de obra escrava que vai
de encontro as pressotildees externas da Inglaterra de intelectuais franceses e mesmo
internas como a disposiccedilatildeo anunciada por D Pedro II na fala do trono de 1867 para
dar um fim a escravidatildeo no Brasil O pseudocircnimo escolhido foi Erasmo32 No periacuteodo
do recorte ainda natildeo havia um movimento abolicionista consistente vindo da opiniatildeo
puacuteblica Em publicaccedilatildeo recente33 Tacircmis Parron reedita a seacuterie das ldquoNovas Cartasrdquo
endereccediladas ao Imperador no periacuteodo de 196768 aonde procura detalhar este
ponto
Nosso objetivo com a leitura das cartas aleacutem de descobrir se houve uma defesa das
ideias liberais no Brasil ao mesmo tempo em que se tentava conciliar o ideal de
liberdade com a escravidatildeo eacute tambeacutem conseguir uma visatildeo geral do cotidiano
poliacutetico do II reinado na oacutetica de um importante intelectual do periacuteodo enquanto um
analista da dinacircmica das accedilotildees poliacuteticas e como um agente de justificaccedilatildeo do poder
da elite sobre a populaccedilatildeo como um elemento de ligaccedilatildeo das ideias (da ideologia)
desses grupos dominantes com suas vaacuterias camadas perifeacutericas Dado os limites da
pesquisa como observado anteriormente nos concentraremos na posiccedilatildeo de
Alencar frente a escravidatildeo
Apesar de ter jaacute experiecircncia como redator de jornais e manter relaccedilotildees com a
imprensa Alencar prefere publicar as cartas em forma de folhetins que eram
vendidos nas ruas e em livrarias e entregues em casa apenas por meio de 32 Uma referecircncia os filoacutesofo humanista Erasmo de Roterdatilde (1466-1536) As ideias de Erasmo teriam
sido precursoras da reforma protestante que inicia efetivamente com Lutero Dentre seus muitos
trabalhos destacamos o ldquoInstitutio Principis Christianirdquo escrito como uma seacuterie de conselhos
poliacuteticos e morais ao Rei Carlos da Espanha (mais tarde Carlos V do Sacro Impeacuterio Romano)
Acreditamos que o conhecimento de tal obra tenha sido o que sugeriu a Alencar assumir o
pseudocircnimo Erasmo
33 Ediccedilatildeo das ldquoNovas cartas poliacuteticas ao Imperadorrdquo em ALENCAR Joseacute de Cartas a favor da
escravidatildeo Org Tacircmis Parron Satildeo Paulo Heacutedra 2008
solicitaccedilatildeo anterior feita ao editor O que jaacute demonstra que Alencar natildeo pretendia
manter viacutenculos com a imprensa sobre suas opiniotildees poliacuteticas que acabariam
trazendo louros (ou problemas) para o jornal a que ele estivesse vinculado Apesar
do pseudocircnimo natildeo era difiacutecil descobrir o autor dos textos visto que o grupo de
agentes poliacuteticos era reduzido na Corte no periacuteodo imperial e o estilo literaacuterio de
Alencar jaacute fazia sucesso
Tomaremos aqui para a nossa anaacutelise a nova ediccedilatildeo das cartas publicada pela
Academia Brasileira de Letras em 2009 tendo a organizaccedilatildeo do professor e
historiador Joseacute Murilo de Carvalho que se baseou para esta publicaccedilatildeo nos
exemplares originais da biblioteca da Cacircmara dos Deputados em Brasiacutelia o que nos
proporciona uma visatildeo iacutentegra do texto Segundo R Chartier (2009) eacute preciso ter
cuidado com as possiacuteveis adaptaccedilotildees que editores realizam para que determinada
obra natildeo tenha sua leitura ldquofacilitadardquo para o grande puacuteblico podendo mesmo admitir
cortes Acreditamos que natildeo seja o caso aqui A publicaccedilatildeo com a qual
trabalharemos conteacutem as seguintes cartas
Ao Imperador Cartas de Erasmo de 1865 no caso a segunda ediccedilatildeo de 1866
Uma carta ldquoAo Redator do Diaacuteriordquo (do Rio de Janeiro)
Ao Povo Cartas Poliacuteticas de Erasmo de 1866 acompanhadas das cartas ldquoAo
Marquecircs de Olindardquo e ldquoAo Visconde de Itaboraiacute Carta de Erasmo Sobre a Crise
Financeirardquo
Ao Imperador Novas Cartas Poliacuteticas de Erasmo de 1867-68
Eacute preciso explicar uma diferenccedila baacutesica entre as cartas e os folhetins O chamado
ldquoromance de folhetimrdquo chega ao Brasil por volta do iniacutecio do seacuteculo XIX e assim
como na Inglaterra e na Franccedila cai no gosto popular e eacute responsaacutevel por uma parte
importante do desenvolvimento intelectual da populaccedilatildeo Visto que a educaccedilatildeo era
um bem muito caro os romances divulgavam ideias e uma moral
caracteristicamente burguesa para uma parte importante da populaccedilatildeo o que era
desejaacutevel e estimulavam o prazer da leitura A maioria dos tiacutetulos vem traduzida do
original inglecircs (ou francecircs) No Rio de Janeiro salas de leitura (gabinetes) foram
criadas as bibliotecas constituiacutedas (natildeo somente para brasileiros mas para muitos
ingleses que aqui tinha organizado sua vida) emprestavam livros a preccedilos moacutedicos
e pelo seu desenvolvimento cabe questionar o mito de que a maioria da populaccedilatildeo
natildeo tenha nenhum tipo de alfabetizaccedilatildeo O prazer das histoacuterias e a seduccedilatildeo que
estas apresentavam jaacute comenta o Alencar eram muito apreciadas Ele quando
ainda menino lia romances em voz alta para as pessoas em uma sala de estar
acalenta o coraccedilatildeo do povo que por tantos motivos foi privado da alfabetizaccedilatildeo
(NETO 2006)
Alencar se aproveita da praacutetica da publicaccedilatildeo de tais romances em colunas de
jornais regulares Ele mesmo teria oferecido nas paacuteginas da Gazeta do Rio de
Janeiro o romance O Guarani entatildeo um sucesso Os leitores confiantes na
periodicidade aguardavam os proacuteximos capiacutetulos dos romances em dias
determinados Sabendo disso Alencar cria tambeacutem uma ldquoperiodicidaderdquo para as
suas cartas anunciada desde a primeira e veiculada por meio de uma nota do
editor O missivista trata do tema como em uma novela usando sua retoacuterica
romacircntica para alcanccedilar os gostos mais diversos Vem daiacute a procura das cartas
pelos leitores nas terccedilas-feiras dia de sua circulaccedilatildeo A questatildeo da impressatildeo da
carta em folhetim eacute justificada por ser este um meio barato e de raacutepida finalizaccedilatildeo
As cartas satildeo pois impressas em folhetins este eacute o seu suporte Poreacutem natildeo
constituem um romance de folhetim gecircnero tambeacutem relativamente novo no periacuteodo
Folhetim aqui eacute formato do veiacuteculo um pequeno caderno com folhas encartadas
mais parecido com um jornal em tamanho modesto como eram comuns os jornais
na primeira metade do oitocentos Outro sentido dado ao termo (que ajuda na
confusatildeo) ldquofolhetimrdquo indica um texto publicado no rodapeacute da paacutegina do jornal com
comentaacuterios sobre os fatos correntes no meio caminho entre o texto informativo e a
crocircnica em que o jornalista geralmente emitia sua opiniatildeo sobre o assunto tratado
Alencar com sua coluna semanal ldquoao correr da penardquo se especializa nesse estilo de
escrita Por fim lembramos que com as cartas em tais suportes Alencar retoma de
certa forma a tradiccedilatildeo dos pasquins como um tipo de publicaccedilatildeo criacutetica escrita por
uma pessoa apenas e jaacute presente no Brasil mesmo antes da independecircncia em
forma satiacuterica e ateacute mesmo panfletaacuteria (BAHIA 1990)
Eacute mesmo possiacutevel que algueacutem um funccedilatildeo dessas caracteriacutesticas do suporte tenha
chegado a pensar nas cartas como uma ficccedilatildeo em que o imperador e o congresso
figurassem como personagens em mais um drama ou comeacutedia do autor mas isto eacute
soacute uma suposiccedilatildeo deixaremos essas questotildees para a vertente de romancista do
Alencar com suas anotaccedilotildees na pasta da gaveta Mesmo assim sendo esta uma
possibilidade entendemos que a releitura e emprego de fontes tradicionais podem
mesclar-se a partir do meacutetodo utilizado com a invenccedilatildeo de novas fontes que nos
possibilitem uma interpretaccedilatildeo do pensamento dos atores de determinado periacuteodo
(CHARTIER 1990) O jornalismo como instrumento de convencimento poliacutetico
caracteriza a imprensa brasileira na primeira metade do seacuteculo XIX e continua
assim mesmo que de forma mais branda no segundo reinado (ROMANCINI 2007)
Eacute desta forma que caracterizaremos inicialmente o texto das cartas de Erasmo
Joseacute Murilo de Carvalho (2007) sustenta que a despeito da tradiccedilatildeo familiar tendo
sido seu pai um importante poliacutetico representante do partido Liberal as ideias de
Alencar tendiam mais para a proposta conservadora Mas como jaacute comentamos
tais diferenccedilas ndash apesar de existirem ndash eram tatildeo somente maneiras de se posicionar
frente a um mesmo sistema de dominaccedilatildeo o que nos faz crer que exista uma
postura liberalconservadora como modelo para a manutenccedilatildeo do poder a ser
construiacutedo pelas elites e nesse momento tambeacutem atraveacutes de alguns setores da
imprensa Eacute o que buscaremos aqui atraveacutes de uma anaacutelise criacutetica do texto
tentando formular hipoacuteteses em seu curso e deduccedilotildees a partir dos dados obtidos
Cabe lembrar que as cartas de Erasmo satildeo publicadas no periacuteodo entre 17 de
novembro de 1865 e 15 de marccedilo de 1868 portanto antes de Alencar assumir o
ministeacuterio da Justiccedila Talvez a leitura das cartas tenha influenciado a opiniatildeo de
Itaboraiacute na ocasiatildeo do convite de Alencar para compor o ministeacuterio e mesmo na
decisatildeo de D Pedro II para o aceite do ministro Aqui surge uma questatildeo Sustenta-
se que uma das razotildees de D Pedro natildeo ter escolhido Alencar para ser ldquopremiadordquo
com uma cadeira no senado se daria em funccedilatildeo de seu temperamento impulsivo
Que o imperador natildeo podia ldquoconfiarrdquo no Alencar por natildeo saber que tipo de ideais
poderiam sair daquela cabeccedila em dias de arroubo - eacute o que consideram Schwarcz
(1999) e Menezes (1965) Acreditamos tendo por base a pesquisa que D Pedro II
jaacute teria reconhecido no Alencar uma possibilidade para a cooptaccedilatildeo do intelectual haacute
muito tempo E seu ideal conservador e monarquista eacute determinante O imperador
conhecia o Alencar estudou suas accedilotildees por meio das cartas conhecia seus
romances e assistiu aos espetaacuteculos de teatro que o artista criara A ideia de uma
sociedade liberal assentadas na base escravista vinha a calhar com o pensamento
necessaacuterio para a manutenccedilatildeo do Estado no periacuteodo Dom Pedro II era - de certa
forma segundo sustenta Menezes - um seu ldquofatilderdquo E quando do aceite de seu nome
para o ministeacuterio da justiccedila o imperador sabia muito bem onde pisava
As cartas nos mostram a situaccedilatildeo poliacutetica do paiacutes a escravidatildeo e a opiniatildeo de
Alencar sobre como deveria funcionar uma monarquia representativa Um ponto
importante a ser levado em conta eacute o diacronismo caracteriacutestico da seacuterie Sua
publicaccedilatildeo semanal com respeitaacutevel regularidade entre 1965 e 1968 permite a
Alencar uma visatildeo do cotidiano da Corte e suas transformaccedilotildees inclusive as
respostas (muitas vezes diretas de interlocutores que se apresentavam em outras
veiacuteculos ou mesmo na cacircmara) agraves suas criacuteticas o que conduzia a reavaliaccedilotildees eou
reafirmaccedilotildees de posiccedilatildeo do missivista sempre para um proacuteximo nuacutemero
Admitindo que uma sociedade da corte como lembra Chartier (1990) citando um
estudo de Norbert Elias eacute uma formaccedilatildeo social caracterizada por um estatuto de
dependecircncia das relaccedilotildees sociais existentes entre os sujeitos esta constitui
portanto uma forma particular de sociedade onde a Corte desempenha um papel
central que se caracteriza por um conjunto especiacutefico de relaccedilotildees de poder nesse
dado momento Natildeo somente a Corte brasileira no segundo reinado mas a
sociedade caracterizada (construiacuteda pode-se dizer) na e pela Corte como um
modelo para o restante do paiacutes criar um modelo (ou um conceito) na Corte seria
uma forma de agenciamento de tais modelos para os grupos perifeacutericos
Eacute preciso esclarecer por fim que o conteuacutedo das cartas natildeo eacute novo como natildeo eacute
nova sua apresentaccedilatildeo e estudo feitos por comentaristas de renome como por
exemplo os citados Raimundo Menezes e Joseacute Murilo de Carvalho O que se
propotildee aqui eacute buscar nas indicaccedilotildees nas proposiccedilotildees enfim nos iacutendices deixados
no texto uma visatildeo mais abrangente que as caracteriacutesticas de Joseacute de Alencar ndash
com seu estilo marcante ndash propotildeem na escritura - o que trataremos aqui como
documento Vale a ressalva de que as ldquocartas poliacuteticasrdquo natildeo a satildeo a primeira
experiecircncia de Alencar no gecircnero A polecircmica sobre a ldquoConfederaccedilatildeo dos Tamoiosrdquo
com Gonccedilalves de Magalhatildees (e com o grupo que o apoiava) lhe garante uma
experiecircncia soacutelida no debate aberto Cabe tambeacutem enquanto delimitaccedilatildeo do objeto
a caracterizaccedilatildeo dos leitores Alencar escreve para as elites (natildeo que soacute membros
da elite carioca tivessem acesso aos textos tambeacutem funcionaacuterios puacuteblicos diversos
pequenos comerciantes profissionais liberais mesmo um puacuteblico leigo que se
interessava pelo cotidiano poliacutetico do Rio de Janeiro ndash como o demonstramos em
toacutepico anterior - e que deveria ser consideraacutevel visto a quantidade de pequenos
jornais e folhetos impressos para a divulgaccedilatildeo de ideias de poliacuteticos e partidos Mas
estes natildeo eram entatildeo seu principal alvo) tendo a imprensa ndash a miacutedia impressa visto
que a impressatildeo do texto foi feita em folhetins ndash como veiacuteculo que o permitiria levar
suas ideias a um grupo maior detentor de uma opiniatildeo que pode ser mobilizadora
ou mobilizada aqui temos clara a afirmativa de Chartier (1990) que sustenta que a
proacutepria cultura da elite eacute constituiacuteda em grande parte por um trabalho operado em
material que lhe seja proacuteprio que por esta eacute reconhecido Sendo assim sobre tais
elites definimo-las com o apoio de Boacutebbio
() uma minoria que por vaacuterias formas eacute detentora do poder em contraposiccedilatildeo a uma maioria que dele estaacute privada () Em todas as sociedades a comeccedilar por aquelas mais mediocremente desenvolvidas e que satildeo apenas chegadas aos primoacuterdios da civilizaccedilatildeo ateacute as mais cultas e fortes existem duas classes de pessoas a dos governantes e a dos governados A primeira que eacute sempre a menos numerosa cumpre todas as funccedilotildees puacuteblicas monopoliza o poder e goza as vantagens que a ela estatildeo anexas enquanto que a segunda mais numerosa eacute dirigida e regulada pela primeira de modo mais ou menos legal ou de modo mais ou menos arbitraacuterio e violento fornecendo a ela ao menos aparentemente os meios materiais de subsistecircncia e os que satildeo necessaacuterios agrave vitalidade do organismo poliacutetico (BOBBIO1998 p385)
Alencar tinha conhecimento do alcance das cartas Mas o seu destinataacuterio o ldquoleitorrdquo
referencial eacute o imperador D Pedro II A figura do homem bom protetor dos
inocentes iacutentegro e saacutebio mecenas das artes amigo dos intelectuais e tudo o mais
que ficou caracterizado para a posteridade jaacute estava constituiacutedo no periacuteodo o
homem que por tudo se interessava mas natildeo se interessava pelo Brasil
(CARVALHO 2007) E a criacutetica a uma atitude passiva do imperador frente aos
problemas da poliacutetica da administraccedilatildeo puacuteblica ao seu papel constitucional de
mediador de contendas de apaziguador de disputas de fiel da balanccedila eacute o mote
para o conjunto de cartas a que se entrega mui respeitosamente o Alencar
331 AO IMPERADOR (ALENCAR 2009 p09-113)
Na primeira carta endereccedilada ao Imperador um tratamento respeitoso eacute justo e
necessaacuterio Alencar se dirige a D Pedro II como ldquoSenhorrdquo e anuncia-se logo na
primeira linha por um anunciador da verdade Escreve ldquoA verdade filha do ceacuteu
como a luz natildeo se apagardquo (ALENCAR 2009 p09) que natildeo eacute uma ldquofigura de estilordquo
que sugere a referecircncia inicial Alencar se apresenta como portador desta verdade
encarnada que passaraacute a analisar os problemas da sociedade Continua entatildeo
marcando seu territoacuterio entre os grandes quando diz que ldquoagraves vezes eacute um historiado
como Taacutecito ou um poeta como Juvenal outras eacute Demoacutestenes o orador ou
Secircneca o filoacutesofordquo (ALENCAR 2009 p09) E estre eles o nosso autor Alencar
apresenta-se como figura conhecedora do pensamento claacutessico colocando-se como
argumentador que se basearaacute nos princiacutepios do Direito e conhecedor dos princiacutepios
de ciecircncia poliacutetica para sua anaacutelise Apresenta-se como uma autoridade elevando o
debate natildeo a uma reclamaccedilatildeo pessoal sobre o governo mas a condiccedilatildeo de um
criacutetico consciente do sistema de governo que estaacute posto
A posiccedilatildeo de Alencar eacute de apoio agrave monarquia As primeiras cartas satildeo um apelo ao
imperador para que intervenha no executivo e no legislativo para tirar o paiacutes do
momento de crise poliacutetica social e econocircmica que o teriam levado o Partido Liberal
e a poliacutetica de conciliaccedilatildeo Segundo Alencar haacute uma distinccedilatildeo entre as tarefas do
Imperador como titular do Poder Moderador e como chefe do Executivo Cita
Montesquieu em O espiacuterito das Leis em uma passagem que fala da falta de
participaccedilatildeo popular na poliacutetica mas apenas para lembrar ao imperador a teoria da
separaccedilatildeo e independecircncia dos poderes Natildeo chega a citar os argumentos deste
autor contra a escravidatildeo
Defende Alencar que o poder moderador seria um mediador entre a constituiccedilatildeo e o
povo Eacute possiacutevel pensar na accedilatildeo do Poder Moderador como algo que permitia
conquanto suas interferecircncias uma modificaccedilatildeo nas formaccedilatildeo das facccedilotildees das
elites no poder permitindo uma alternacircncia de grupos e partidos (CARVALHO
2007) mas tambeacutem como Alencar aprovava e propotildee na carta o poder moderador
como um instrumento de ldquotomada do poderrdquo pelo monarca com o consentimento do
povo Cabe lembrar que fato parecido ocorre com D Pedro I com a destituiccedilatildeo da
Assembleia Constituinte em 1823 e a outorga de uma nova Constituiccedilatildeo Chega
mesmo a afirmar em um trecho a caracteriacutestica liberal da constituiccedilatildeo quando diz
que ldquoo primeiro reinado em oito anos legou-nos a constituiccedilatildeo belo padratildeo de
sabedoria e liberalismordquo (ALENCAR 2009 p19) esquecendo-se de citar o anterior
fechamento da Assembleia constituinte
Alencar escreve sobre o momento de singular impopularidade pelo qual passa D
Pedro II satirizado ldquopelos teatros e praccedilas a vozeria da gente leviana que entre
hinos e flores vos sauacuteda como o heroacutei da Uruguaiana34rdquo (ALENCAR 2009 p12)
devido agrave longevidade que alcanccedila a guerra e proclama-se um seu defensor frente
aos acontecimentos poliacuteticos que este segundo Alencar ldquodesconhecerdquo E iraacute tornar
puacuteblica ldquoa verdade inteira a respeito do paiacutes sobre os homens como sobre as
coisas ()rdquo (ALENCAR 2009 p14) A culpa na opiniatildeo de Erasmo natildeo seria de D
Pedro II mas da administraccedilatildeo Eacute certo que os gastos com a guerra atrapalham ou
impossibilitam uma seacuterie de investimentos necessaacuterios para o desenvolvimento do
Brasil As despesas provenientes do conflito foram enormes ldquo614 mil contos de
reacuteis onze vezes o orccedilamento governamental para o ano de 1864 criando um
deacuteficit que persistiu ateacute 1889rdquo (SCHWARCZ 1999 p459)
Alencar termina a primeira carta citando Salomatildeo ldquoMisericordia et veritas custodiunt
regem35rdquo (ALENCAR 2009 p15) Apelando para a honra e seguindo a citaccedilatildeo para
34 D Pedro II assistiu a rendiccedilatildeo dos paraguaios no chamado ldquocerco de Uruguaianardquo
35 A misericoacuterdia e a verdade protegem o rei
a sabedoria de D Pedro II justifica a intervenccedilatildeo que este deveria fazer e garante
que o povo lhe veria novamente como um restaurador (palavra cara ao Alencar) da
normalidade Para tanto desenha um ldquopanteatildeordquo poliacutetico ideal da restauraccedilatildeo
proclamando-os defensores da honestidade e da honra Satildeo citados ldquoos Feijoacutes
Vergueiros Andradas Paulas Souzas Limpos Torres e Paulinos36rdquo (ALENCAR
2009 p17) Jaacute na primeira carta podemos observar a predominacircncia da pregaccedilatildeo
de uma sociedade conservadora monarquista aristocraacutetica onde o imperador
ldquogoverna e administrardquo e precisa mostrar que tem tal poder concordando assim com
a tendecircncia do liberalismo moderado que defende que a sociedade soacute poderaacute viver
em paz com um poder forte e centralizado (BOSI 2013) Alencar chega a criticar a
liberdade de imprensa em sua narraccedilatildeo algo que chega a ser discutiacutevel na posiccedilatildeo
de algueacutem que edita um panfleto poliacutetico
A crise na governanccedila proclamada pelo panfletista pode ser entendida de modo
diverso O discurso de Alencar eacute ideoloacutegico no sentido de tentar fazer com que as
transformaccedilotildees histoacutericas sejam negadas e entendidas como uma crise no sistema
O momento (o surgimento digamos) da sociedade ideal eacute dado pela fixaccedilatildeo dos
ldquomaacutertiresrdquo a que Alencar se refere ndash indicando a clara presenccedila de uma aristocracia -
e qualquer mudanccedila neste modelo ideal eacute determinada como uma crise Numa
leitura da teoria de Gramsci por Chauiacute essa construccedilatildeo eacute tida como uma
representaccedilatildeo e uma ideologia ldquoA ideologia eacute um discurso que se desenvolve sob o
modo da afirmaccedilatildeo da determinaccedilatildeo da generalizaccedilatildeo () trazendo a garantia da
existecircncia de uma ordem atual ou virtualrdquo (CHAUI 1997 p33) Quando essa
ordem necessaacuteria ao discurso eacute contestada temos uma crise
A crise eacute imaginada entatildeo como um movimento de irracionalidade que invade a racionalidade gera desordem e caos e precisa ser conjurada para que a racionalidade anterior ou outra nova seja restaurada A noccedilatildeo de crise permite representar a sociedade como invadida por contradiccedilotildees e simultaneamente toma-las como um acidente um desarranjo pois a harmonia eacute pressuposta como sendo de direito reduzindo a crise a uma desordem fatual provocada por enganos voluntaacuterios ou involuntaacuterios dos agentes sociais ou por mau funcionamento de certas partes do todo A crise serve assim para opor uma ordem ideal a uma desordem real () (CHAUI
36 Diogo Antocircnio Feijoacute Nicolau Pereira de Campos Vergueiro Joseacute Bonifaacutecio de Andrada e Silva
Francisco de Paula Souza e Melo Antocircnio Paulino Limpo de Abreu Joaquim Joseacute Rodrigues
Torres e Paulino Joseacute Soares de Souza
1997 p37)
O discurso de Alencar sugere o momento ideal no qual os indiviacuteduos devem se
remeter para aceitar as instituiccedilotildees puacuteblicas a vida e as relaccedilotildees de poder que os
conduzem Um discurso que partindo do social se torna poliacutetico e degenerando-se
dominador
Tornando ao texto na segunda carta Alencar critica a relaccedilatildeo dos ministros com
seus representantes nas proviacutencias ndash delegados ndash os quais acusa de abuso de
poder Repete-se aqui nada mais que o sistema estamental de que nos fala
Raimundo Faoro em que o poder se apresenta na figura do funcionaacuterio do governo
como o governo Natildeo um representante do Rei mas se tornando um rei local em
miniatura (FAORO 2004) Alencar chama particular atenccedilatildeo para as financcedilas que
nomeia como ldquoforccedilas musculares da naccedilatildeordquo (ALENCAR 2009 p24) Alude aos
gastos com armamentos supeacuterfluos (no caso armamentos jaacute sem valor para uso)
destinados a uma raacutepida deterioraccedilatildeo e as dificuldades tambeacutem em consequecircncia
da guerra de conseguir alguma credibilidade financeira das naccedilotildees europeias o que
afetaria ndash e oneraria ndash as importaccedilotildees de maneira geral e tambeacutem as negociaccedilotildees
dos empreacutestimos contraiacutedos no exterior que datavam da eacutepoca de D Pedro I
referentes ao reconhecimento do Brasil como independente e a indenizaccedilatildeo de
Portugal Reconhece que a alta no preccedilo do algodatildeo e a receita gerada natildeo chegam
para sustentar tantas e tatildeo altas despesas visto que as boas safras natildeo satildeo
constantes e a paz conseguida nos Estados Unidos acabaria por determinar uma
queda de preccedilos Esclarece ainda sobre uma crise nas duas maiores fontes de
renda do Estado o comeacutercio ldquojungido a uma liquidaccedilatildeo forccedilada que principiou em
10 de setembro de 1864 e terminaraacute ningueacutem sabe quandordquo (ALENCAR 2009 p25)
e a agricultura ldquoameaccedilada pela questatildeo magna da emancipaccedilatildeo que avanccedila a
grandes passos e estremece ateacute o intimo a sociedaderdquo (ALENCAR 2009 p 25)
O missivista acha por bem terminar a segunda carta com um leve ldquosolavancordquo no
imperador conclamando-o agrave luta em dois paraacutegrafos exemplares
Quando um povo livre abdica o pleno exerciacutecio da soberania eacute dever imperioso do monarca seu primeiro representante assumir essa grande massa inerte de poder para evitar que ela seja dissipada por um grupo de ambiciosos vulgares
Ache ao menos a liberdade que desertou a alma sucumbida da paacutetria um abrigo agrave sombra do manto imperial para que natildeo morra conspurcada nos tripuacutedios da anarquia (ALENCAR 2009 p 26)
Faltava que D Pedro II tomasse as reacutedeas da situaccedilatildeo Alencar entende que essa
sociedade constitucionalista eacute responsabilizada pela maacute administraccedilatildeo visto que os
governantes tambeacutem fazem parte do contrato e devem dar conta de suas accedilotildees sob
pena de serem substituiacutedos Afirma novamente o Alencar que o povo apoiaria o
Imperador em sua accedilatildeo e esperava mesmo por isso Alencar alude mais uma vez
a uma velha foacutermula conservadora de que o imperador reina governa e administra
(Carvalho 2007)
O missivista eacute duro na criacutetica com o periacuteodo chamado conciliaccedilatildeo Uma ldquocorrupccedilatildeo
geral dos partidos () dissoluccedilatildeo dos princiacutepiosrdquo (ALENCAR 2009 p30) da proacutepria
existecircncia da democracia Classificando conciliaccedilatildeo como um termo honesto e
decente para qualificar ldquoa prostituiccedilatildeo poliacutetica de uma eacutepocardquo (ALENCAR 2009
p30) Alencar enxergava aleacutem de sua criacutetica uma dificuldade criada pela
conciliaccedilatildeo para a eleiccedilatildeo de novos quadros para a Cacircmara e consequentemente
os ldquoarranjosrdquo eleitorais para o Senado cargo a que ele pretenderia poucos anos
depois (sua situaccedilatildeo como bacharel lhe garantiu ateacute o momento um emprego como
jornalista e uma mesa em um escritoacuterio de advocacia)
Os partidos segundo ele seriam a miliacutecia da naccedilatildeo entende ele que o povo deve
participar e fiscalizar o legislativo satildeo eles que garantem a existecircncia e a preservam
instituiccedilotildees da monarquia e do povo Em outro momento ao se referir novamente
agraves coalizotildees que se seguem ano apoacutes ano no parlamento questiona com espanto
como pode ser que ldquocidadatildeos individualmente probos e cordatos se consolidam
assim com a escoacuteria em uma liga monstruosa que humilha a cada um no recesso
da consciecircnciardquo (ALENCAR 2009 p36) A criacutetica de Alencar mostra menos sua
preocupaccedilatildeo com a democracia sustentada pelas ideias de partidos diversos em
uma luta pelo poder princiacutepio baacutesico do liberalismo que a preocupaccedilatildeo com a
homogeneizaccedilatildeo das ideias que pode dar mais espaccedilo para grupos diversos
alcanccedilarem cargos na administraccedilatildeo puacuteblica
Segundo Carvalho (2007) a liga natildeo foi propriamente um partido mas uma
orientaccedilatildeo poliacutetica e Alencar a considerava como um ldquomomentordquo da conciliaccedilatildeo
Nada mudaria afinal As eleiccedilotildees continuariam a serem compradas com as
ldquoceacutedulas pagas agrave vista ou descontadas com promessas de pingues empregos e
depreciadas condecoraccedilotildeesrdquo (ALENCAR 2009 p37) O circo estava posto os
comiacutecios apresentados como espetaacuteculos nos teatros puacuteblicos a imprensa tatildeo
ldquobem desenhada nesta grande capital que mata as folhas poliacuteticas e soacute fomenta as
gazetas industriaisrdquo37 (ALENCAR 2009 p37)
Termina a carta de 03 de dezembro desiludido mas natildeo sem lanccedilar seu bilhete da
sorte
O povo inerte os partidos extintos o parlamento decaiacutedo Restam eacute verdade alguns cidadatildeos eminentes abrigados na tribuna vitaliacutecia como as reliacutequias do senado romano esperam tranquilos em suas curules o momento de morrer com a liberdade que amaram (ALENCAR 2009 p37)
O Senado eacute visto aqui como a instituiccedilatildeo merecedora de creacutedito dentro de tudo o
mais que foi criticado Mas seraacute que os olhos do missivista natildeo procuravam jaacute por
uma cadeira naquela casa
A carta datada de 09 de dezembro inicia derramando louros sobre a cabeccedila de D
Pedro II Alencar chega a chama-lo pelo epiacuteteto de Rei sol logo depois se corrigindo
(se eacute que isso seja possiacutevel) e tratando de conduzir a luz do imperador do Brasil
para longe da referecircncia de Luiz XIV ndash seria ele ldquoo foco brilhante que rege todo um
sistema e dardeja luz e calor para a naccedilatildeordquo (ALENCAR 2009 p39) O foco
realmente estaacute em criacuteticas puacuteblicas de que haja certa interferecircncia do imperador na
37 Alencar sabe que o leitor de poliacutetica busca os folhetos e pasquins comuns no periacuteodo O leitor de
jornais regulares busca outros atrativos Ele mesmo aumentou a venda da ldquoGazeta do Rio de
Janeirordquo enquanto seu soacutecio e editor com a publicaccedilatildeo de um romance de folhetim O Guarani
administraccedilatildeo (na maacute administraccedilatildeo) o que Alencar chama de modo de governo
pessoal responsabilizando o imperador pelos atos dos ministros apesar da
responsabilizaccedilatildeo expressa pela doutrina liberal de que o governante estaacute laacute para
exercer a soberania dada a ele pelo povo Cabe lembrar que pela constituiccedilatildeo do
Impeacuterio o Imperador natildeo poderia ser responsabilizado por suas accedilotildees A referecircncia
ao Rei Sol se daacute neste sentido pois a constituiccedilatildeo brasileira de 1824 no seu artigo
99 diz claramente que a pessoa do Imperador eacute sagrada e inviolaacutevel38 Ele natildeo estaacute
sujeito a responsabilidade alguma Eacute enquanto do exerciacutecio do Poder Moderador
que adviriam as responsabilidades Por vezes temos a impressatildeo de que Alencar
exagera sua veia romacircntica como uma forma pessoal de provocaccedilatildeo No momento
defende a postura de D Pedro
Minha convicccedilatildeo vai muito aleacutem Natildeo somente nenhuma influecircncia direta exerceis no governo mas vosso escruacutepulo chega ao ponto de frequentes vezes concentrar aquele reflexo que uma inteligecircncia satilde e robusta como a vossa deve derramar sobre a administraccedilatildeo (ALENCAR 2009 p 39)
Depois de alguns anos jaacute como Ministro Alencar se arrependeraacute dessas palavras
enquanto observa os muitos ldquobilhetinhosrdquo de D Pedro sobre sua mesa indagando e
bisbilhotando na pasta da Justiccedila Mas a verdade eacute que Alencar eacute um dos
defensores da responsabilizaccedilatildeo do monarca por seus atos recaindo esta (sendo
dividida) tambeacutem sobre o ministeacuterio O que determinaria o poder moderador como
limitado longe do despotismo de Luiz XIV Como um bom conservador Alencar eacute
dogmaacutetico e pessimista quanto as mudanccedilas que poderiam acontecer se o
Imperador natildeo se impusesse
Em um segundo momento compara D Pedro II a Jorge III da Inglaterra pela
inflexibilidade do caraacuteter e poder39 cita o episoacutedio em que depois de muitas
tentativas consegue sucesso com um ministeacuterio em que liberais e conservadores
trabalhassem juntos ldquona ceacutelebre coalizatildeo de North Fox Cavendish Keppel Burke e
outrosrdquo (ALENCAR 2009 p41) Mas laacute sustenta formaram-se ldquopartidos vigorosos
38
Conforme a CONSTITUICAtildeO POLIacuteTICA DO IMPERIO DO BRAZIL (DE 25 DE MARCcedilO DE 1824)
Disponiacutevel por exemplo em wwwplanaltogovbrccivil_03constituiccedilatildeo24htm 39 Jorge III foi cognominado ldquoo loucordquo por apresentar problemas de sanidade mental durante seu
reinado
que agrave inflexibilidade da coroa opunham a firmeza e rigidez de seus princiacutepiosrdquo No
Brasil ndash segundo Alencar - o parlamento estaacute entregue a homens preocupados com
seu poder e capacidade de enriquecimento esquecendo-se do povo e mesmo da
eacutetica que os deveria conduzir
Nesta carta volta a criticar as coalisotildees que se operam nas casas poliacuteticas inclusive
no conselho de Estado aonde chega a sugerir que estes (os conselheiros) estejam
em busca por ldquoapenas uma aliagem [sic] de individualidades na esperanccedila de
engrandecimento pessoalrdquo (ALENCAR 2009 p42) Critica tambeacutem a instituiccedilatildeo dos
Voluntaacuterios da Paacutetria acreditando ser uma forma de fragmentar a hierarquia dentro
do exeacutercito sugerindo algo feito a revelia de D Pedro II e a que este se aliaria
depois para agradar ao grupo
Apreciais devidamente o exeacutercito que ama com entusiasmo seu monarca e zeloso protetor Natildeo era possiacutevel que cogitaacutesseis um meio de desgostaacute-lo profundamente estabelecendo preferecircncias a favor de bisonhos soldados com pretericcedilatildeo de bravos veteranos cheios de serviccedilos e jaacute traquejadas pela vitoacuteria (ALENCAR 2009 p 43)
O imperador foi para Uruguaiana como o primeiro voluntaacuterio da paacutetria em um
exemplo de patriotismo e espiacuterito de lideranccedila e tentando tambeacutem criar um estado
de acircnimo geral no oficialato Aqui ainda natildeo estaacute o Alencar a se referir ao
recrutamento forccedilado de homens pelos presidentes das proviacutencias que viria mesmo
a criticar enquanto ministro como uma violaccedilatildeo da liberdade E por falar em
ministros a incompetecircncia destes ndash chamados por ele de ldquoefecircmerosrdquo - eacute ponto
paciacutefico Em sua criacutetica tambeacutem natildeo deixa de alfinetar o imperador garantindo que
os ministros fraacutegeis que satildeo ldquonatildeo ousariam tanto sem a certeza do apoio da coroardquo
(ALENCAR 2009 p42) Acusaccedilotildees de corrupccedilatildeo preenchem as vaacuterias paacuteginas das
cartas e indicam senatildeo cumplicidade ao menos consciecircncia do imperador sobre tal
situaccedilatildeo Alencar encena uma defesa mas ao mesmo tempo critica a praacutetica da
(podemos chamar) natildeo-interferecircncia no executivo por parte do Imperador Ao fim
qualquer atitude da coroa de accedilatildeo ou omissatildeo eacute objeto para o jogo de poder que se
daacute no parlamento
Em certo ponto da carta faz uma alusatildeo a Caxias chamado para o comando de
tropas no Rio da Prata A figura de Caxias - da parte que interessava ao Alencar -
era um poliacutetico respeitado vinculado ao partido conservador Surgindo como um
salvador da paacutetria exigia atenccedilatildeo do ministeacuterio e do Imperador No episoacutedio do
desentendimento com Zacarias de Goacuteis em 1868 entatildeo presidente do gabinete o
primeiro sairia vencedor mas sua vitoacuteria mudaria em muito os rumos da poliacutetica
nacional Mas por agora o ocircnus de um desenvolvimento deficiente das tropas na
guerra recaiacutea sobre o imperador Esta era a fala de Alencar e segundo ele ldquoesta eacute a
verdaderdquo (ALENCAR 2009 p47)
Na quita carta Alencar toma as figuras de Maquiavel e de Dacircmocles - uma
personagem da mitologia grega a quem se atribui uma faacutebula sobre a precariedade
do poder Nota-se ateacute aqui a facilidade com que Alencar se refere a mitologias
diversas indicando que o texto se dirige a um puacuteblico seleto No impeacuterio era uma
praacutetica a menccedilatildeo a mitologia greco-romana e a figuras biacuteblicas como forma de
demonstrar o domiacutenio de uma cultura letrada (o que eacute particularmente importante
para o Alencar que segundo Neto (2006) era visto com certo preconceito por ter se
formado em uma faculdade de Satildeo Paulo e natildeo na Europa como os membros mais
antigos do parlamento) A referecircncia a Maquiavel novamente serve para lembrar a
D Pedro II que o fim justifica meios e se omitir natildeo eacute a melhor atitude Ainda que
tratado em ldquocarta abertardquo a alusatildeo constante a capacidade intelectual do imperador
funciona como um indicativo (velado) da distacircncia cultural que o separa do povo
Natildeo soacute ele mas praticamente a totalidade da burocracia
A liberdade com que o texto constroacutei o periacuteodo criticando-o natildeo seria encontrada
(tampouco permitida) novamente tatildeo cedo Na repuacuteblica no Estado Novo e mesmo
em periacuteodos bem mais proacuteximos de noacutes a liberdade de imprensa natildeo seria algo
possiacutevel Um trecho da carta apresenta uma criacutetica agrave postura dos jornais sobre a
esquiva poliacutetica do imperador por ser tratado sem o devido respeito No Brasil do
segundo reinado o povo detinha a informaccedilatildeo ndash apresentada pelos veiacuteculos de
comunicaccedilatildeo - mas natildeo conseguia entende-la ou efetiva-la dada sua falta de
instruccedilatildeo O povo tambeacutem neste sentido vive agrave margem das discussotildees poliacuteticas
natildeo podendo entrar em suas aacuteguas tumultuadas Ou em suas margens natildeo se
preocupa com problemas abstratos mas com a realidade que observa no cotidiano
No trecho
Na parte natildeo editorial satildeo frequentes os artigos pagos com endereccedilo a vossa augusta pessoa Conteacutem eles queixas de indiviacuteduos de todas as classes sobre minudecircncias do expediente de empregados subalternos Apelam os suacuteditos para vossa autoridade agrave qual parecem ter devolvido
toda confianccedila e todo poder (ALENCAR 2009 p 53)
Nota-se aqui a preocupaccedilatildeo com o favor real O favorecimento individual O suacutedito e
D Pedro II deixava isto de certa forma impliacutecito poderia procurar o Imperador como
a um balcatildeo de queixas sobre as instituiccedilotildees puacuteblicas Alencar sabia que o povo
estava com D Pedro ldquoEste povo apaacutetico e indiferente agraves mais nobres funccedilotildees da
soberania ainda sente por vossa pessoa sinceros transportes () [sente no
imperador] o estandarte capaz de nestes tempos inertes levantar entusiasmos em
prol de uma causardquo (ALENCAR 2009 p50) quando da partida para Uruguaiana
alude a populaccedilatildeo que ldquo se aglomerou em vossa passagem agrave hora da despedida e
da voltardquo (ALENCAR 2009 p52) Mas o povo pouco importa para a elite Aqui o
povo ainda eacute visto como uma massa ignorante sendo mais uma questatildeo de poliacutecia
do que de poliacutetica Talvez este seja o sentido da frase em que se refere agraves elites
localizadas ldquonas camadas superiores da sociedade onde a luz penetra mais clarardquo
(ALENCAR 2009 p54) Se D Pedro II natildeo tiver uma atitude eneacutergica frente aos
acontecimentos e sobre a corrupccedilatildeo que assola o periacuteodo ndash utilizando-se do Poder
Moderador o que a constituiccedilatildeo permitia ndash seraacute responsabilizado no tempo Alencar
ainda profetiza ldquoA naccedilatildeo vos ama mas a histoacuteria vos julgaraacute com severidaderdquo
(ALENCAR 2009 p56) E continua em tom provocador aproveitando o momento
da guerra como mote para o discurso afirmando que ldquoo trono que a naccedilatildeo vos
confiou eacute um posto de honra Deveis a Deus e ao povo sua guarda severa Natildeo
podeis esquivar-vos a ela sob pena de deserccedilatildeordquo (ALENCAR 2009 p58)
Novamente Alencar afirma concordando com Hobbes a relaccedilatildeo da soberania que
eacute dada pelo povo ao soberano e dele espera um rumo para a sociedade
Para a sexta carta Alencar prefere iniciar em um tom mais ameno novamente
aludindo a ilustraccedilatildeo do imperador em contraposiccedilatildeo com a ldquoatoniardquo do povo O
problema continua no combate eacute ldquoa depravaccedilatildeo do organismo poliacutetico de que
resultou o amortecimento das crenccedilas a extinccedilatildeo dos partidos e a corrupccedilatildeo
espantosardquo (ALENCAR 2009 p59) que estaacute por toda a parte Qual seria questiona
agrave D Pedro II a causa do mal que assola o paiacutes A resposta que propotildee eacute a da falta
de educaccedilatildeo poliacutetica Nesse momento Alencar faz uma breve exposiccedilatildeo sobre a
monarquia parlamentar e o regime republicano e suas relaccedilotildees enquanto
representaccedilotildees do povo justificando que o povo brasileiro ldquoeste povo nobre e digno
das instituiccedilotildees que o regem este povo precoce para a liberdade pois ainda na
infacircncia colonial jaacute se eletrizava com ela natildeo foi educado como merecia para a
monarquia representativardquo (ALENCAR 2009 p61) Alencar tenta amalgamar as
propostas de educaccedilatildeo para o povo com o persistente discurso da tutela do povo
que caracteriza um traccedilo fortemente conservador Eacute o mesmo discurso que Alencar
propotildee para a manutenccedilatildeo da escravidatildeo de que o sistema escravagista teria a
funccedilatildeo de educar o escravo para o conviacutevio social Aqui preferimos acreditar que se
trata de uma estrateacutegia discursiva Este ldquopovordquo de quem fala parece ser o descrito no
paraacutegrafo seguinte
Em 1821 a independecircncia se fez no entusiasmo da liberdade O Brasil conquistou simultaneamente o governo dos brasileiros pelos brasileiros e o governo do povo pelo povo
Desde 1808 com a vinda do rei e a invasatildeo de Portugal a emigraccedilatildeo da metroacutepole para a colocircnia fora muito crescida havia pois ao lado da populaccedilatildeo nata uma populaccedilatildeo adventiacutecia mas jaacute ligada agrave outra por identidade de liacutengua laccedilos de sangue e relaccedilotildees domeacutesticas (ALENCAR 2009 p 62)
O povo eacute o modelo civilizacional trazido de Portugal (modelo europeu) e no caso da
independecircncia as elites que a sustentaram Percebemos que Alencar acreditava na
diferenccedila jaacute demonstrada anteriormente entre povo e plebe (BASILE 2006) A
imprensa segundo ele tenta trabalhar essa educaccedilatildeo poliacutetica para o povo
notadamente com ideias liberais Haacute de se considerar para o periacuteodo jaacute uma
geraccedilatildeo como o Alencar de poliacuteticos formados no Brasil com influecircncia de ideias
liberais A homogeneidade garantida pelo estudo em Coimbra havia sido deixada
nos tempos da colocircnia e os laccedilos entre os indiviacuteduos de proviacutencias diferentes que se
juntavam nas faculdades criadas no Brasil tendiam a aumentar o que deixava de
caracterizar um estamento e passava a transferecircncia das decisotildees para os grupos
socializados de forma diversa nos nuacutecleos brasileiros ndash principalmente o Direito para
a formaccedilatildeo das novas elites da burocracia Este foi o elemento de formaccedilatildeo poliacutetica
para a elite brasileira baseado na educaccedilatildeo Mas o povo soacute tinha acesso aos jornais
e outras poucas miacutedias impressas
Ao mesmo tempo mas tambeacutem sustentando o intelectual como parte da elite
poliacutetica Alencar traccedila um perfil da aristocracia brasileira Esta seria
Composta em geral de duas classes de pessoas os abastados de inteligecircncia e escassos de cabedais e os ricos de haveres mas pobres de ilustraccedilatildeo raros bem raros satildeo os que tecircm a forccedila de se conservar em sua oacuterbita Aqueles urgidos pela seduccedilatildeo do luxo e mesmo pela necessidade buscam nos altos empregos puacuteblicos e elevadas posiccedilotildees uma renda ou as facilidades de alianccedilas e estabelecimentos avantajados Estes pruridos pela vaidade se oferecem aos desejos dos primeiros em compensaccedilatildeo de graccedilas e consideraccedilatildeo (ALENCAR 2009 p6465)
Alencar confirma a necessidade de que (alguns elementos) sua geraccedilatildeo de
ldquobachareacuteisrdquo precisem vincular-se ao governo atraveacutes de cargos na burocracia como
uma questatildeo de sobrevivecircncia e associar-se a alguns grupos econocircmicos ldquoem
compensaccedilatildeo de graccedilas e consideraccedilatildeordquo (ALENCAR 2009 p65) Alencar tambeacutem
eacute um deles o que desmente seu discurso sobre os bens de o que chama de uma
ldquoempregocraciardquo (ou a fundamenta) Os grupos se modificam os poliacuteticos podem
mudar mas a situaccedilatildeo permanece uma aristocracia que manipula o povo inerte
Sobre a imprensa esta se tornou ldquoum luxo entre noacutes as leis fiscais a fizeram tal O
povo eacute pobre e natildeo pode pagaacute-la Alguns perioacutedicos aparecem com sacrifiacutecios
enormes que vegetam em estreito ciacuterculo e afinal acabam inanidosrdquo (ALENCAR
2009 p67) Eacute bem verdade que os pequenos natildeo conseguem sobreviver e
() as folhas diaacuterias de grande formato e circulaccedilatildeo essas constituem o feudalismo da publicidade Suas colunas abertas agrave concorrecircncia mal chegam para os abastados a emissatildeo das ideias ali importa uma despesa natildeo soacute de inteligecircncia e estudo mas do grosso cabedal (ALENCAR 2009 p68)
Esta imprensa ldquoque tem suas raiacutezes como suas ramificaccedilotildees na aristocracia
burguesardquo (ALENCAR 2009 p67) natildeo iraacute atacar a aristocracia Antes a ela se une
Entendemos aqui que a mesma imprensa que serviria a educaccedilatildeo do povo (segundo
Alencar) estaacute vinculada a aristocracia Reafirmamos que o povo que a tanto se
refere Alencar satildeo aqueles que possuem a cidadania confirmada certo grau de
educaccedilatildeo e renda Natildeo o grosso da populaccedilatildeo As ideias liberais pregadas natildeo satildeo
possiacuteveis para todos os homens Termina afirmando que ldquoo uacutenico meio eficaz de
salvar o paiacutes senhor eacute uniatildeo firme dos homens de bem de que sois o chefe
legiacutetimo contra a imoralidaderdquo (ALENCAR 2009 p67) Para onde deveremos ir se
Alencar deixou aqui poucas opccedilotildees para descobrir quem satildeo afinal os chamados
homens de bem Seriam estes os ldquohomens bonsrdquo do municiacutepio no periacuteodo colonial
(FAORO 2004) em uma roupagem mais nobre
Na seacutetima carta Alencar propotildee um estudo sobre a estagnaccedilatildeo em que se encontra
o paiacutes e sustenta que tal estudo deva abranger ldquoa importante questatildeo do sistema
segundo o qual deve funcionar a coroa na monarquia representativardquo (ALENCAR
2009 p69) Isto sem mexer na legislaccedilatildeo Seus fundamentos se assentariam sobre
a praacutetica e experiecircncia (uma experiecircncia que o teoacuterico Alencar ainda natildeo tem)
Busca uma justificaccedilatildeo baseando-se na ldquoliccedilatildeo fecunda do povo mestre em ciecircncia
governamental inventor do sistema representativo e seu modelordquo (ALENCAR 2009
p70) que sendo o imperador constitucionalmente o chefe do poder executivo
exerce sua qualificaccedilatildeo ldquohonoriacuteficardquo por meio dos ministros Investido de majestade
eacute chefe tambeacutem do judiciaacuterio o que se sustenta pelo simples fato de que em todos
os tribunais as sentenccedilas satildeo expedidas em nome do imperador No executivo os
ministros trabalham como um corpo uacutenico e ldquopodem levar para o conselho vaacuterios e
encontrados alvitres a respeito de uma questatildeo importante Na discussatildeo os
argumentos satildeo desenvolvidos e ponderadas as objeccedilotildees Afinal () constroem
uma opiniatildeo meacutedia que natildeo sendo de nenhum ministro individualmente seja a do
ministeacuteriordquo (ALENCAR 2009 p71) A solidariedade eacute o princiacutepio de coesatildeo do
grupo
Em todo momento propiacutecio Alencar toma a Inglaterra como o princiacutepio exemplar
Natildeo por ser a naccedilatildeo mais poderosa e comercialmente mais proacutexima do Brasil nem
mesmo pelo modelo civilizacional que a burguesia brasileira do periacuteodo toma da
Inglaterra mas pela reduzida forccedila que o monarca tem frente ao parlamento que eacute a
tocircnica de Locke Rousseau e Mill Apesar das palavras elogiosas e galanteadoras do
missivista seu intuito eacute o de fazer ver a D Pedro II sua ldquoobrigaccedilatildeordquo de interferir no
sistema quando este estivesse falindo e reorganiza-lo para novamente deixa-lo
seguir sozinho Possibilidade que Alencar natildeo encontra tatildeo facilmente na Inglaterra
O que Erasmo quer afinal eacute a mudanccedila do grupo dirigente porquanto alude aos
atos do Imperador indicando uma postura eacutetica deste quanto ao uso do poder
Moderador Alencar tenta construir a ideia de que natildeo eacute o Imperador quem demite
um ministeacuterio mas ao curso de algum problema maior ldquoa dignidade de homens e
sinceridade de poliacuteticos exigem que incontinente deem e natildeo peccedilam sua demissatildeo
respeitosardquo (ALENCAR 2009 p73) em vista de que o poder lhes eacute delegado e o
Estado deve ter uma accedilatildeo menor em tal processo Eacute a soberania constituiacuteda na
figura do Imperador a consciecircncia ilustrada do povo Eacute para que ldquoo poder moderador
acompanhe de perto a trilha da administraccedilatildeo e observe seus rumos que ele foi
instituiacutedo chefe titular do executivordquo (ALENCAR 2009 p73) Alencar entende que o
poder emana do povo e o Estado deve funcionar antes como um organizador do
desenvolvimento da naccedilatildeo mais uma proposta liberal para a administraccedilatildeo do paiacutes
Para Alencar os dois partidos se alternavam nos gabinetes mas nenhum deles
consegue tempo bastante para realizar seus projetos Alternavam-se e quando no
poder veem-se ldquoesterilizados pela resistecircncia demasiada que encontravam na
moderaccedilatildeo e prudecircncia da coroardquo (ALENCAR 2009 p77) para a realizaccedilatildeo de
necessaacuterias mudanccedilas que pudessem criar um dinamismo na administraccedilatildeo puacuteblica
Um dinamismo que oferecesse uma maior liberdade de investimentos para o
desenvolvimento da naccedilatildeo Mas isso tambeacutem eacute culpa segundo ele da
desorganizaccedilatildeo ideoloacutegica dos partidos e de sua situaccedilatildeo de distanciamento das
bases populares (se eacute que houvesse) O monarca representa o poder nacional
situado acima do sistema que ldquoplaina sobre os outros meros poderes poliacuteticosrdquo
(ALENCAR 2009 p79) O termo poder nacional explica Alencar eacute usado para
designar ldquoa quase comunidade em que se acha com a naccedilatildeo Nele reside uma parte
da soberania popular que se isolou em princiacutepio e se consolidou nessa grande
individualidade a fim de resistir aos desvarios da opiniatildeordquo (ALENCAR 2009 p79)
Alencar falando das instituiccedilotildees lembra os liberais de 1834 que extinguiram o
conselho de Estado eliminando assim o elemento aristocraacutetico que se agarrava a
coroa Alencar sugere que ldquoos atos do poder moderador satildeo de exclusiva
competecircncia vossa [do Imperador] para exercecirc-los natildeo dependeis de agentes e
atualmente nem de conselhordquo (ALENCAR 2009 p81) Mas se observarmos bem
como nos mostra Carvalho (2009) o conselho de Estado apesar de natildeo muito
solicitado e de a despeito de tudo tratar de assuntos em sua maioria sem uma
significacircncia maior era um oacutergatildeo consultivo importante que garantiria uma visatildeo
realista de problemas praacuteticos a que o Imperador provavelmente natildeo tinha acesso
como na deposiccedilatildeo do ministeacuterio Zacarias de Goacuteis Ali o conselho foi olvido e
opinou apesar da decisatildeo final ser de D Pedro II este seguiu o voto dos
conselheiros Mesmo sendo a escolha para o cargo de conselheiro uma
competecircncia exclusiva da coroa e provavelmente D Pedro II natildeo viria a escolher
algueacutem de quem natildeo quisesse ouvir a opiniatildeo tendendo assim a formaccedilatildeo do
conselho para um formato que estivesse mais proacuteximo do temperamento do
imperador e de suas pretensotildees o proacuteprio ato de consulta sugere uma anaacutelise mais
apurada das diversas situaccedilotildees e assuntos (CARVALHO 2007)
O poder moderador eacute uma das bandeiras de Alencar E segundo ele emana
tambeacutem do povo Escreve que ldquo() o poder moderador eacute a consciecircncia ilustrada do
povo [Esse povo] que aceitou a lei fundamental de 25 de marccedilo de 1824 tinha sem
contestaccedilatildeo o direito soberano de a revogar apenas se convencesse que natildeo era a
mais proacutepria para sua felicidaderdquo (ALENCAR 2009 p82) Novamente colocando o
ldquopovordquo enquanto seus representantes A defesa da monarquia constitucional
baseada na lei com os poderes cedidos pelo povo a um governante escolhido Mas
os senadores e mesmo os deputados com poder constituinte estavam muito
distantes do proclamado povo das cartas de Erasmo Em determinado ponto
Alencar chega a defender que ldquoa forccedila ativa do poder moderador eacute
sobreconstitucionalrdquo (ALENCAR 2009 p88) o que parece incoerente com uma
monarquia constitucional Admitindo que este possa dissolver o legislativo demitir
ministeacuterios afirma que ldquonenhum poder nem mesmo o povo tem no domiacutenio da
constituiccedilatildeo faculdade igualrdquo (ALENCAR 2009 p89) D Pedro I aprovaria tais
medidas
Todos os atos do soberano se entendidos como atos do povo soacute levariam o paiacutes
novamente para o absolutismo para a ideia gasta que o proacuteprio Alencar sugere na
carta anterior de que ndash o povo sou eu - o Estado sou eu E todo o resto quando
chama D Pedro II pelo epiacuteteto de rei sol Aqui temos a face do intelectual utilizando-
se de seu texto complexo como uma arma totalmente associado com as elites
dirigentes e servindo de instrumento para sua justificaccedilatildeo Em uma das romacircnticas
figuras que toma compara D Pedro II ao profeta biacuteblico Josueacute indicando que ldquoo
profeta recebia sua possanccedila de Deus o imperador a recebe da leirdquo (ALENCAR
2009 p92) Mas de qual lei se jaacute indica anteriormente ser o poder moderador
sobreconstitucional O que se vecirc eacute que a lei eacute mais um instrumento modificaacutevel pra
justificar a permanecircncia no poder mais uma caracteriacutestica de adequaccedilatildeo do
liberalismo as necessidades das elites locais no poder Alencar como advogado
bem sabe o que escreve
Ao iniciar a nona carta Alencar se apresenta como a voz da consciecircncia do
Imperador o seu pensamento em forma sensiacutevel uma intimidade que o desperta O
tom pressupotildee uma intimidade que jaacute teria sido conquistada com na sequencia das
cartas Faz uma apologia da aristocracia tomando-a como ldquoum elemento infaliacutevel e
salutar no governo e na sociedaderdquo (ALENCAR 2009 p95) Acredita que sem este
estiacutemulo a ldquoelevaccedilatildeo a humanidade ficaria eternamente jungida agrave sua animalidaderdquo
(ALENCAR 2009 p95) Mas eacute preciso conter o poder da aristocracia A monarquia
deve tirar ldquoa esse elemento o privileacutegio de casta que o torna odioso e absurdordquo
(ALENCAR 2009 p95) Defende aqui a aristocracia burocraacutetica com vistas agrave
defesa da monarquia constitucional visto que o monarca a serviccedilo das leis estaria
limitado por esta aristocracia que determina tais leis e essa aristocracia seriam os
elementos do povo fazendo parte do legislativo
Jaacute eacute passado o tempo de D Pedro I que entendia dever seguir a constituiccedilatildeo se
esta estivesse a sua altura (querendo dizer se estivesse conforme seu gosto
pessoal) Os tempos satildeo outros e o Imperador eacute uma peccedila do sistema poliacutetico
escolhido pelas elites para a naccedilatildeo que se forma a partir da independecircncia
(CARVALHO 2007) Eacute preciso dar elementos legais para que o paiacutes se desenvolva
e crie mais riqueza com uma intervenccedilatildeo menor do Estado e ao mesmo tempo natildeo
se modifiquem as condiccedilotildees estaacuteveis conquistadas pelas elites no poder Eacute o traccedilo
que caracteriza o periacuteodo uma postura liberal e ao mesmo tempo conservadora
como modelo ideoloacutegico a ser construiacutedo Um traccedilo caracteriacutestico eacute o sistema de
captaccedilatildeo de intelectuais para os quadros da burocracia que segundo Alencar eacute
uma necessidade Explica ele que
A nossa aristocracia eacute burocraacutetica natildeo que se componha somente de funcionaacuterios puacuteblicos mas essa classe forma a sua base agrave qual adere por alianccedila ou dependecircncia toda a camada superior da sociedade brasileira
Para o desenvolvimento espantoso que tem esse corpo oficial entre noacutes natildeo concorre como pensam o nuacutemero dos empregos mas sim a tendecircncia absorvente da administraccedilatildeo a par da falta de iniciativa particular (ALENCAR 2009 p96)
O Estado gera os empregos para absorver a oferta que cria com os cursos
superiores eacute preciso que se crie uma elite que vaacute administrar o paiacutes eacute certo mas
tudo depende da accedilatildeo do Estado Alencar em um feliz paraacutegrafo delineia suas
pretensotildees poliacuteticas com um pedido que elogiando anteriormente as geraccedilotildees mais
jovens e sua capacidade de adaptaccedilatildeo a adversidade sugere
Volvei os olhos em torno senhor e procurai um homem superior que se tenha elevado do seio do povo na robustez de suas crenccedilas na virgindade de sua inteligecircncia na amplitude enfim de sua personalidade
Natildeo o encontrareis eu vos garanto (ALENCAR 2007 p 97)
Quando sugere um novo nome a sugestatildeo jaacute estaacute feita Mesmo acrescentando no
paraacutegrafo seguinte que natildeo se conseguiria encontrar a construccedilatildeo coloca o criacutetico
como a escolha acertada para a resoluccedilatildeo do problema Eacute um efeito da carta aberta
todos tecircm direito a uma opiniatildeo A opiniatildeo ldquopuacuteblicardquo que tanta preocupaccedilatildeo leva ao
Imperador E mesmo esta pode ser manipulada (se natildeo o eacute) visto que segundo
sua criacutetica ldquoa burocracia fabrica a opiniatildeo puacuteblica no Brasil [considerando que] os
jornais como tudo neste impeacuterio vivem da benevolecircncia da administraccedilatildeordquo
(ALENCAR 2009 p96) com subvenccedilotildees que lhe indicam o caminho dos editoriais
A aristocracia tomada aqui por Alencar se refere ao que chama de melhores
indiviacuteduos escolhidos entre todos e o criteacuterio para a escolha seria o voto A elite
portanto eacute determinada pelo voto pela democracia representativa concordando
com as propostas do liberalismo com os tracircmites que a lei determina caccedilando e
permitindo o exerciacutecio do voto para um grupo determinado a quem eacute possiacutevel
exercer ldquofraccedilatildeo de soberania ativa reservada a cada individualidaderdquo (ALENCAR
2009 p98) a partir de uma seacuterie de regras estas tambeacutem determinadas por esta
aristocracia burocraacutetica
Alencar sugere que o gabinete estaacute dominado por esta burocracia Apesar das
escolhas dos ministros incidirem em uacuteltima instacircncia sobre o Imperador qualquer
que seja ela ldquoquaisquer que sejam os nomes por voacutes escolhidos senhor caracteres
iacutentegros vontades riacutegidas o corpo oficial logo os absorve e amalgama () [pois soacute]
vive pensa e governa no Brasil o espiacuterito burocraacuteticordquo (ALENCAR 2009 p99) O
parlamento impede que haja mudanccedilas que natildeo sejam de interesse das elites no
poder esta eacute a base da corrupccedilatildeo de que fala nosso missivista
Na uacuteltima carta desta seacuterie Alencar sugere que o cidadatildeo comum espera do
imperador atitude firma e severa frente ao estado de coisas que se apresenta Haacute
segundo ele uma necessidade de rdquorestauraccedilatildeo dos costumes e das leisrdquo
(ALENCAR 2009 p106) E eacute papel de D Pedro II comandar este movimento de
centralizaccedilatildeo ldquoA flor do paiacutes se reuniraacute ao redor do trono Esse haacute de ser vosso
partido o grande partido nacional da regeneraccedilatildeordquo (ALENCAR 2009 p107) eacute o
movimento a que aludimos da tradiccedilatildeo inventada outro lugar no tempo em que
sendo ldquoo Brasil () menor haacute vinte anos poreacutem estava entatildeo mais alto porque na
sumidade que domina o trono brilhavam os grandes nomes de nossa histoacuteriardquo
(ALENCAR 2009 p112) Eacute ali que o modelo de monarquia parlamentar
constitucional brasileiro cria um momento ilusoacuterio de estabilidade de cuja substacircncia
segundo o missivista devem sair os novos partidos poliacuteticos Eacute o periacuteodo
demarcado nos vinte anos nos conduz a 1845 onde o partido conservador volta
novamente a direccedilatildeo do Estado O apelo ao princiacutepio moral fundador de uma naccedilatildeo
que deve ser representado pela figura do imperador como seu protetor perpeacutetuo
define o modelo para os novos partidos que a partir daiacute seriam criados Partidos que
soacute poderatildeo refletir nesse caso as direccedilotildees dadas pelo trono Natildeo haacute no discurso
de Alencar a existecircncia de um lugar fora da ideologia
332 AO POVO AO REDATOR DO DIAacuteRIO DO RIO DE JANEIRO (ALENCAR
2009 p114-220)
Em junho de 1866 Alencar inicia outra seacuterie de cartas agora endereccediladas ao povo
Apesar de tratarmos do gecircnero ldquocarta abertardquo e sua funccedilatildeo primordial seja a
informaccedilatildeo do ldquopovordquo (no caso de um grupo relativamente grande) determinar
assim o destinataacuterio pressupotildee que a seacuterie de cartas anteriores endereccediladas ao
Imperador formam um todo com o novo conjunto em que Alencar se propotildee a ser o
elo entre o povo e o poder (GRANSCI 1989) Como Alencar havia sugerido no
conjunto anterior das cartas o poder moderador ndash nas matildeos do Imperador ndash seria o
instrumento de representaccedilatildeo do povo Em suas palavras ldquoO poder moderador eacute o
eu nacional a consciecircncia ilustrada do povordquo (ALENCAR 2011 p75) Entatildeo eacute das
obrigaccedilotildees e dos limites do poder moderador que tratamos
A estrateacutegia eacute a mesma Inicia seu discurso profetizando o fim da forccedila vital que
sustenta a naccedilatildeo afirmando que houve um tempo em que se poderia esperar do
trono soluccedilatildeo para segundo Alencar tamanha calamidade que vem afligindo o paiacutes
A guerra do Paraguai segue com quantidade enorme de baixas e percebe-se a
tristeza dos ldquochefes das famiacutelias brasileiras () como pais que geram a prole para a
desgraccedilardquo (ALENCAR 2009 p128) Os gastos com a guerra trazem ldquoa miseacuteriardquo para
esse paiacutes de tantos recursos ldquoRumores surdos assomos de impaciecircncia das
classes inferiores circulam a cidade () tais ecos anunciam profundos
ressentimentos do espiacuterito puacuteblicordquo (ALENCAR 2009 p128) Alencar acusa ao
gabinete de indiferenccedila frente agrave situaccedilatildeo contando com a conivecircncia (passiva) do
trono o que gera insatisfaccedilatildeo por parte da populaccedilatildeo pelos rumos da guerra O
apelo direto a famiacutelia aqui eacute muito representativo Carlo Buacutessula (1997) lembra que a
famiacutelia - e o indiviacuteduo pertencente a tal famiacutelia - existem antes do Estado E que a
autoridade deste lhe eacute outorgada pela famiacutelia e pelos indiviacuteduos que a compotildeem O
vocaacutebulo naccedilatildeo ainda segundo Buacutessula eacute derivaccedilatildeo do latim ldquonatiordquo que
entendemos por nascer Refere-se a um conjunto das famiacutelias ndash e suas lideranccedilas ndash
nascidas em determinada regiatildeo constituindo um grupo social de certa
homogeneidade e que partilha de uma cultura um domiciacutelio uma condiccedilatildeo de
pertencimento Podemos observar mesmo em textos mais antigos como em
Aristoacuteteles (1998) a afirmaccedilatildeo de que o Estado eacute uma reuniatildeo de famiacutelias Daiacute
podemos estender o pensamento e considerar as bases legais (neste periacuteodo) para
um ldquopaacutetrio poderrdquo O liacuteder de uma famiacutelia com sua extensatildeo a parentes agregados
e escravos tem sua autoridade como senhor depois a autoridade material que se
apresenta tambeacutem em relaccedilatildeo a sua mulher e a procriaccedilatildeo dos filhos e a
acumulaccedilatildeo de riqueza para o sustento do grupo ao qual eacute responsaacutevel Chegando
mais proacuteximo as relaccedilotildees entre Estado e Famiacutelia e seu pertencimento a terra ao
domiciacutelio e a busca pela liberdade podem ser relacionadas com as lutas dos barotildees
na Idade Meacutedia com o rei Joatildeo sem terra pelo reconhecimento de seus direitos da
liberdade e da aplicaccedilatildeo da justiccedila Aqui temos um contiacutenuo processo histoacuterico e
poliacutetico de superaccedilatildeo e no mesmo tempo conservaccedilatildeo dessa comunidade natural
que culmina no Estado nacional como um resultado da vontade desta comunidade
(CHAUIacute 1997)
Da mesma forma que Alencar se dirigiu ao Imperador comenta ele agora se dirige
ao povo para que este se levante de sua letargia e por fim ldquoacorde para defender o
patrimocircnio sagrado de suas liberdades e gloriosas tradiccedilotildeesrdquo (ALENCAR 2009
p131) No momento se define como um arauto que iraacute ldquofalar ao povo brasileiro e
proferir verdades que ele nunca ouviu nem de seus ditadores nem de seus
tribunosrdquo (ALENCAR 2009 p131) O interessante ndash devemos ressaltar - eacute que natildeo
haacute uma seacuterie de cartas endereccedilada ldquoao legislativordquo ou mesmo ldquoao senadordquo Tanto
Hobbes quanto Locke e Rousseau ndash cada qual a seu modo ndash defendiam a presenccedila
do parlamento O movimento em Alencar parece passar do povo diretamente ao
imperador deixando ao largo as instituiccedilotildees democraacuteticas40 como no absolutismo
em que o trono justifica todas as suas accedilotildees despoacuteticas justificada como para o
bem do povo a revelia de uma constituiccedilatildeo abonando sua intenccedilatildeo como a de
ldquorenovar a alianccedila da realeza com a democracia Quero restituir o monarca e o povo
um ao outrordquo (ALENCAR 2009 p131)
A primeira estrateacutegia de Alencar eacute delimitar o que acredita ser o povo ldquopor povo
entendo o corpo da naccedilatildeo sem distinccedilatildeo de classes excluiacutedos unicamente os
representantes e depositaacuterios do poderrdquo (ALENCAR 2009 p133) Apesar da
distacircncia que o vocabulaacuterio rebuscado constroacutei do povo a fala eacute justificada Os
depositaacuterios do poder deixam de ser uma categoria do povo por estar distante diste
econocircmica e culturalmente distante mas por que os representantes Nas cartas ao
imperador a camada de poliacuteticos (representantes) era a chaga que deveria ser
extinta ndash pelo menos alguns mas a atividade representativa natildeo deve distinguir o
poliacutetico do povo pelo menos eacute o que sustenta No paraacutegrafo seguinte toma o tom de
paraacutebola anunciando que mesmo os de menor capacidade no seio do povo
poderiam compreendecirc-lo
Aos grandes como aos pequenos falarei a linguagem que me deu a natureza compreendam-me os capazes pelo raciociacutenio os ignorantes pela intuiccedilatildeo misteriosa que em todos os tempos haacute inoculado a verdade no seio das massas
Carecia dizer-vos estas coisas (ALENCAR 2009 p 133)
Alencar se potildee acima das instituiccedilotildees para anunciar que o povo como no
movimento de 1834 ndash e provavelmente atraveacutes das verdades que este lhes diraacute nas
proacuteximas cartas ndash eacute o agente da mudanccedila do paiacutes corrompido Eacute bom lembrar o
conteuacutedo ideoloacutegico que tais afirmaccedilotildees carregam
As Ideologias surgem normalmente em periacuteodos de crise quando a visatildeo do mundo dominante natildeo consegue satisfazer novas e pressionantes necessidades sociais e pedem imperiosamente aos proacuteprios seguidores uma transformaccedilatildeo total da sociedade ou um afastamento dela (BOBBIO
40 Natildeo trata aqui das habituais ldquovisitasrdquo que o Imperador recebia de seus suacuteditos pedindo
empregos pedindo vetos a algum projeto ou perdatildeo de diacutevidas O discurso de Alencar eacute
intencional e bem planejado Indica realmente uma criacutetica agrave intromissatildeo de D Pedro em
determinados assuntos de responsabilidade do parlamento
1998 p 588)
Alencar conclama o povo para que este busque com sua forccedila pressionar as
instituiccedilotildees e mesmo a monarquia na figura de D Pedro II a fim de encontrar
soluccedilotildees para os problemas que apresenta nas cartas A associaccedilatildeo feita pelo
primeiro conjunto (cartas ao Imperador) indica que ldquoo povordquo eacute tambeacutem responsaacutevel
e o discurso lembra sua soberania frente a seus representantes Como afirmamos
anteriormente uma das caracteriacutesticas da prosaiacutestica utilizada eacute a afirmaccedilatildeo de que
tudo depende de uma ordem interna e Alencar constroacutei por via do discurso tal
ordem O impacto que isso tem eacute provavelmente grande O espiacuterito conciliador do
brasileiro (CARVALHO 2007) jaacute comeccedila a ser construiacutedo junto com a estabilidade
vinda depois do periacuteodo regencial e o controle (para)militar das revoltas tendo seu
uacuteltimo suspiro na Revolta da Praia Todos detidos alguns assimilados vaacuterios mortos
e esquecidos a centralizaccedilatildeo eacute uma meta e esta segue o caminho ditado pela
Corte no Rio de Janeiro
Alencar natildeo deixa sequer por um momento de fazer a associaccedilatildeo da coroa com o
povo sendo ele a justificaccedilatildeo para o poder moderador ldquodevo agrave majestade popular a
mesma franqueza que usei com a majestade imperialrdquo (ALENCAR 2009 p134)
Critica a condiccedilatildeo da populaccedilatildeo que natildeo recebe respeito por parte do Estado
afirmando que ldquoo cidadatildeo natildeo vale na medida de seus direitosrdquo (ALENCAR 2009
p135) o que eacute inaceitaacutevel para a teoria liberal claacutessica que vem da busca pela
liberdade Alencar afirma que soacute os que detecircm algum poder econocircmico possuem
direitos civis A liberdade do povo natildeo eacute respeitada Fala da guerra que
aparentemente deve continuar e da situaccedilatildeo moral e econocircmica que esta constitui
O governo toma da liberdade do povo tomando-lhe ldquoa substacircncia da vida ndash o
sangue o fruto do trabalho ndash o suorrdquo (ALENCAR 2009 p136) A poliacutetica do
recrutamento forccedilado da populaccedilatildeo eacute o tema inicial que leva o povo para ldquoeste
abismo para sorver milhares de vidas e os recursos de talvez um seacuteculo de
existecircnciardquo (ALENCAR 2009 p137) O povo aceitou ldquoa guerra com dignidade ()
mas no acircmago da consciecircncia nacional estaacute latente a indignaccedilatildeordquo (ALENCAR 2009
p137) Alencar nessa carta explora as ideias do liberalismo claacutessico quando fala da
relaccedilatildeo do povo com o Estado A busca da liberdade civil e poliacutetica os impostos
forccedilados para a manutenccedilatildeo da guerra o direito a vida e a felicidade tatildeo caros agrave
Bentham e Mill Como eacute possiacutevel um recrutamento forccedilado e como eacute possiacutevel que
algueacutem ndash praacutetica comum ndash possa mandar um escravo em seu lugar para sal a paacutetria
na qual o escravo natildeo tem direito a cidadania
O povo ldquocordato e brioso almejava eacute certo pela mudanccedila de nossa poliacutetica no Rio
da Pratardquo (ALENCAR 2009 p137) Alencar sustenta que
a poliacutetica de intervenccedilatildeo fora sobretudo filantroacutepica exprimia a caridade internacional de um povo por seus irmatildeos dilacerados () [que] o Brasil natildeo precisa do territoacuterio de seus vizinhos pois o tem de sobra e ubeacuterrimo tambeacutem natildeo eacute essencial para seu bem-estar a paz e equiliacutebrio das repuacuteblicas americanas (ALENCAR 2009 p138)
Eacute o momento da indignaccedilatildeo mas Alencar natildeo chega admitir que concorda com a
poliacutetica da coroa para a manutenccedilatildeo do territoacuterio tanto com guerras internas como
defendendo a fronteira sul do Brasil contra o inimigo externo Apresenta em favor
deste uacuteltimo argumento a ideia de que havia pendencias em aberto com as
Repuacuteblicas do Prata e que enfim a guerra poderia ser a soluccedilatildeo Mas tal guerra foi
incentivada pelo governo brasileiro sendo um de seus episoacutedios a missatildeo chefiada
por Joseacute Antocircnio Saraiva em maio de 1864 o executivo ldquosem ter obtido da
assembleia geral com os meios essenciais a aprovaccedilatildeo legislativardquo (ALENCAR
2009 p142) decide pela guerra e a populaccedilatildeo deve arcar com as consequecircncias
do ato apelando para a honra da naccedilatildeo sacrificada Alencar afirma que o legislativo
natildeo toma providecircncias (exigi-las do executivo) para tentar evitar a continuidade da
guerra ocupando-se de discursos vazios de sentido ldquoenquanto o paiacutes estorteja
deleitam-se na compostura de frases perluxas e nos guizos de suas ocas palavrasrdquo
(ALENCAR 2009 p145 A falta de accedilatildeo do Estado cria situaccedilotildees de
constrangimento para o paiacutes como os episoacutedios da questatildeo inglesa que jaacute
anunciavam a falta de tato poliacutetico da administraccedilatildeo puacuteblica De certo ldquoa eacutepoca
infeliz que vamos atravessando natildeo eacute realmente outra coisa senatildeo um grande e
longo desvario da razatildeo puacuteblicardquo (ALENCAR 2009 p146) a quem Alencar culpa
enfim a ascensatildeo da liga progressista entatildeo no governo
A guerra que sustentamos eacute desde sua origem um tecido de incongruecircncias
e desacertos Soacute haacute em toda ela de nobre digno e consolador a intrepidez de nossos marinheiros e soldados Virtude espontacircnea do homem e do povo produziu-se independente do governo e apesar dos esforccedilos adrede empregados para abafaacute-la (ALENCAR 2009 p 146)
A administraccedilatildeo da guerra para Alencar leva a inuacutemeros problemas Como a falta
de uma resposta de forccedila as humilhaccedilotildees sofridas pelo paiacutes as frentes de batalha
que enquanto lutam em uma fronteira
deixam o governo ao desamparo e franca aos paraguaios outra e importante fronteira abandonando assim criminosamente Mato Grosso agrave ruiacutena e assolaccedilatildeo () [Depois da] rendiccedilatildeo de Uruguaiana que fizemos ainda para desafronta da dignidade nacional agravada (ALENCAR 2009 p149)
A lenta marcha do exeacutercito agraves margens do Paranaacute daacute tempo agraves tropas inimigas de
abandonarem o local onde permanecem os aliados Aos jornais eram enviadas
notiacutecias de batalha para segundo Alencar acalentar a impaciecircncia puacuteblica sobre os
seus Quando enfim se alcanccedila o campo paraguaio
avanccedilamos apenas duas leacuteguas em territoacuterio inimigo e estacamos Invasor queda-se o grande exeacutercito agrave sombra da esquadra e natildeo avanccedila um passo Criou raiacutezes ali nos charcos pestiacuteferos que envenenam diariamente nossos bravos soldados (ALENCAR 2009 p152)
Falta comando agraves tropas de terra e mar o que acarreta maiores perdas humanas e
econocircmicas Alencar critica o tratado da triacuteplice alianccedila e o comando das tropas
brasileiras por militares argentinos sob as ordens do presidente Mitre e a falta de
empenho para a ldquopuniccedilatildeo dos desacatos feitos agrave nacionalidade brasileirardquo
(ALENCAR 2009 p155) chegando mesmo a acusar o estado de fechar os olhos
frente aos assassinatos perpetrados no acampamento contra os soldados
brasileiros e natildeo exigiam a pronta e severa puniccedilatildeo do crime com receio de
estremecer a alianccedila Eacute bom lembrar que um dos traccedilos do conservadorismo eacute o
nacionalismo Um nacionalismo que tem em certa medida ligaccedilatildeo com a
democracia
Falando da liberdade de pensamento
() eacute forccediloso que o Brasil mantenha seu nome de naccedilatildeo culta e de segunda grande potecircncia da Ameacuterica () [poreacutem] a poderosa liberdade do pensamento garantida pela constituiccedilatildeo brasileira a voz solene e vibrante do povo natildeo eacute de nosso paiacutes A imprensa e a tribuna existem entre noacutes por mera complacecircncia (ALENCAR 2009 p158)
A censura eacute constante em publicaccedilotildees desde a imprensa reacutegia uacutenica instalada no
paiacutes quando da vinda da Famiacutelia Real mas com D Pedro II isso se abreviou muito
a ponto do republicanismo ser discutido publicamente em clubes e jornais O
problema segundo ele eacute a incapacidade do povo em compreender os problemas
visto que ldquoa populaccedilatildeo jaz na indolecircncia ou estaacute ainda em geral submergida na
ignoracircncia o pensamento natildeo pode livremente circular Por maior forccedila que o
revista ele natildeo penetra jamais a flaacutecida superfiacutecie da indiferenccedilardquo (ALENCAR 2009
p159) o que faz com que natildeo seja possiacutevel uma transformaccedilatildeo das condiccedilotildees
sociais Alencar cumpre seu papel de intelectual como nos mostra Gramsci
enquanto busca incentivar o debate poliacutetico para elevar intelectual e moralmente
camadas cada vez mais amplas da populaccedilatildeo ou seja para dar personalidade a
massa Mas o que se tem quando da posiccedilatildeo completamente externa que Alencar
toma frente agrave populaccedilatildeo ele nega uma praacutexis transformadora desta e acaba por
atualizar a ideologia Quando critica o parlamento por exemplo em
Quanta influiccedilatildeo tem no paiacutes a aluviatildeo de palavras que diariamente se despenha da tribuna parlamentar ou se espraia na imprensa
Que peso exercem no espiacuterito puacuteblico as liccedilotildees da sabedoria e experiecircncia do conselho dos anciatildeos ou a palavra magistral e ungida pela sinceridade de um veneraacutevel Itaboraiacute ou de um provecto Pimenta Bueno (ALENCAR 2009 p 159)
A alusatildeo aos parlamentares que defendem os direitos do povo natildeo visa uma
transformaccedilatildeo mas apenas uma mudanccedila no grupo da elite que estaacute no poder
Visto que ndash no caso ndash tais direitos satildeo concessotildees Natildeo haacute uma discussatildeo com a
populaccedilatildeo sobre suas necessidades haacute - como pudemos notar - a resoluccedilatildeo de
problemas com vistas aos interesses das elites como por exemplo no caso do fim
do traacutefico de escravos e a aboliccedilatildeo que soacute vem a acontecer quando as elites
diretamente ligadas ao problema o permitem Ainda se vecirc traccedilos de preconceitos
herdados de uma aristocracia portuguesa no texto como uma natildeo valorizaccedilatildeo do
trabalho que natildeo seja intelectual como quando adverte ser necessaacuterio que o Brasil
mantenha-se frente aos problemas da guerra como um paiacutes civilizado ldquoou entatildeo se
reduza a uma terra de mercadoresrdquo (ALENCAR 2009 p152)
Alencar adverte ainda que ldquoo governo descansa pois tranquilo a este respeito [da
liberdade de pensamento] imprensa e tribuna satildeo inocentes folguedos para o nosso
povo menino Brincando esse jogo de liberdaderdquo (ALENCAR 2009 p160) que leva
somente a um vazio de accedilotildees Ilustra seu argumento dizendo que a Franccedila e ndash
querendo imita-la a Pruacutessia brevemente ndash concede aos suacuteditos o voto universal
Para o autor o voto universal ldquoeacute uma teteia poliacutetica semelhante agrave nossa imprensa
livrerdquo (ALENCAR 2009 p160) O autor defende o modelo de restriccedilotildees ndash censitaacuterio
no caso ndash para o sufraacutegio o que eacute mais um iacutendice de que o ldquopovordquo a quem Erasmo
dirige suas cartas eacute restrito e que a liberdade natildeo eacute para todos E ele mesmo
justifica afirmando que se for da vontade dos ldquodominadoresrdquo qualquer atitude ndash ou
projeto de revolta ndash que saia do povo poderia ser controlada mesmo ele
Um exemplo Estas cartas parecem a alguns dos nossos senhores inconvenientes a outros extravagantes Nenhum deles poreacutem afianccedilo ousaraacute contestaacute-las E para quecirc Basta-lhes soprar na doacutecil consciecircncia dos sateacutelites e em breve um sussurro se derrama pela cidade Esse sussurro natildeo diz mas infiltra de uma banda que estou fazendo a propaganda do absolutismo da outra que provoco o povo agrave revoluccedilatildeo (ALENCAR 2009 160)
E confirma a seguir em outro paraacutegrafo sua afirmaccedilatildeo mostrando que seu texto
natildeo tem tanta infiltraccedilatildeo como a ideologia reinante
A verdade poreacutem eacute que tais infiltraccedilotildees subterracircneas da aleivosia no espiacuterito pensante do paiacutes satildeo mais poderosas que a palavra eneacutergica do escritor atirada agraves turbas A chama desta se apaga caindo de arremesso no chatildeo a faiacutesca da outra vai se propagando sempre e surdamente O povo lecirc pouco mas escuta muito o que se diz em voz submissa (ALENCAR 2009 p161)
Em suma segundo Alencar eacute preciso ofertar uma educaccedilatildeo para o povo de forma
que este tenha maior consciecircncia de seu papel o que eacute um traccedilo liberal e ao
mesmo tempo sugere que no decorrer do processo o povo seja tutelado enquanto
natildeo alcanccedila uma maturidade intelectual e poliacutetica uma proposta decididamente
conservadora Alencar afirma que o povo teve sua histoacuteria recente marcada pela
revoluccedilatildeo e pela opiniatildeo Em todos os movimentos revolucionaacuterios teve de arcar
com consequecircncias que restringiriam sua liberdade Em 1824 a revolta de
Pernambuco foi logo contida Como consequecircncia D Pedro I com sua constituiccedilatildeo
liberal profana a liberdade prometida e cria as juntas militares Em 1831 com a
revoluccedilatildeo na Corte o povo triunfa sem um combate armado e aderia ao jovem
imperador Em 1837 o paiacutes sucumbe agrave anarquia que o partido liberal - entatildeo no
poder - natildeo consegue conter sendo salva a naccedilatildeo ndash segundo ele - pelo partido
conservador Em 1840 a revoluccedilatildeo imperial e o partido que a promove logo se vecirc
retirado do poder Levantando-se Minas e Satildeo Paulo em favor do partido Liberal
logo foram vencidos e ldquodas cinzas da revolta nasceram todas as leis homicidas da
liberdade que hoje nos parecem opressivas e naquele tempo foram salvadorasrdquo
(ALENCAR 2009 p163) Em 1842 a liberdade comeccedila a declinar vendo seu fim
proacuteximo em 1848 A liberdade eacute uma ilusatildeo ldquosagaz eacute a oligarquia que domina o
paiacutes [porque consegue] manter o povo na doce ilusatildeo de que eacute livrerdquo (ALENCAR
2009 p165) e assim sustentar uma poliacutetica de dominaccedilatildeo opressiva e constante
Ao povo falta a consciecircncia que gera a opiniatildeo
Alencar relata o episoacutedio das tropas inglesas na guerra da Crimeacuteia e a presenccedila de
um repoacuterter do jornal ldquoTimesrdquo no acampamento Sua presenccedila por um momento
censurada depois foi aceita como forma de ligaccedilatildeo entre a opiniatildeo puacuteblica e o
comando da guerra o que por fim salvaria a honra da Inglaterra na batalha com o
relato fiel do que via em seu cotidiano no campo de batalha Mas no Brasil a critica
natildeo eacute assim Aquele que ousa levantar ldquoa voz para arguir os erros deploraacuteveis
cometidos em uma guerra infauta eacute logo coberto com o baldatildeo e o insulto Seja
banido da paacutetria esse reacuteprobo poliacutetico ()rdquo (ALENCAR 2009 p170) desacreditada
sua accedilatildeo Para que natildeo sejam criados embaraccedilos ao governo sustenta ldquonatildeo se
deve preferir uma palavra ou balbuciar um receio [sobre a administraccedilatildeo da guerra]
() Esta heresia se escreveu na imprensa de um Estado livre ecoou em uma
tribuna que ainda chamam parlamentordquo (ALENCAR 2009 p171) funcionando como
uma poliacutetica de Estado que tenta manter a consciecircncia do povo distante dos
acontecimentos Eacute o tatildeo conhecido medo da revolta popular que assombra as elites
desde antes da independecircncia e tambeacutem para encobrir
o esbanjamento dos dinheiros puacuteblicos a dissipaccedilatildeo das forccedilas do Estado o atropelo erigido em atividade a ineacutercia com foros de prudecircncia [chegando a tanto descaso que] depois de um esbanjamento louco dos dinheiros puacuteblicos natildeo ter canhotildees para bombardear o inimigo e a ele () natildeo faltam armas aperfeiccediloadas de longo alcance (ALENCAR 2009 p177)
Eacute tal a quantidade de erros observados que causam extremo desacircnimo ao paiacutes O
atual gabinete41 eacute um dos responsaacuteveis ndash senatildeo o maior ndash devido ldquoa incoerecircncia
levada agrave infantilidade as contradiccedilotildees incessantes a negaccedilatildeo eterna de si mesmordquo
(ALENCAR 2009 p186) enquanto um grupo coeso causado por intrigas e
desafetos novos e antigos entre seus membros a falta de certo cuidado para tratar
com as possiacuteveis reaccedilotildees aos acontecimentos Natildeo deixa de criticar D Pedro II
novamente por natildeo tomar providecircncias para que tais conflitos internos e do gabinete
com a cacircmara dos deputados tenham um fim e o porquecirc disso tudo que ldquoeacute um
assunto digno da seacuteria meditaccedilatildeo do povordquo (ALENCAR 2009 p188) A
administraccedilatildeo da guerra foi deixada nas matildeos de seus agentes enquanto o
gabinete diz ter nestes a sua confianccedila tal o eacute que se permitem deixar-lhes livres
para desenvolver suas taacuteticas militares confirmam os ministros Estes uacuteltimos
estariam mais preocupados ndash segundo Alencar ndash em defender tais atitudes frente
aos parlamentares Sentindo-se esgotado desabafa em tom increacutedulo ldquoSoacute no
Brasilrdquo (a interjeiccedilatildeo faraacute histoacuteria)
Soacute no Brasil Escapou-me a palavra Soacute nesta eacutepoca desgraccedilada em que o Brasil desapareceu para deixar o lugar ao impeacuterio da alucinaccedilatildeo e desatino soacute durante esta siacutencope da razatildeo social torna-se possiacutevel a existecircncia de semelhantes desvarios e a jactacircncia de os haver praticado (ALENCAR 2009 p 194)
Desvarios permitidos senatildeo pela coroa e pela passividade do povo ldquoO governo natildeo
quer saber do que se passa nem faz a miacutenima exigecircncia Delegou sua razatildeo seu
dever seu pundonor no aacuterbitro supremo da Triacuteplice Alianccedilardquo (ALENCAR 2009
p196) a quem o tesouro brasileiro auxiliou ateacute na compra de armamentos
D Pedro II se guiaria pela opiniatildeo puacuteblica medida na publicitaccedilatildeo dos atos do
governo pelos jornais E os jornais da Corte nos garante Alencar jaacute estatildeo todos nas
41 Presidido pelo Marquecircs de Olinda Dura de 12051865 a 03081866
matildeos do ministeacuterio os partidos conservador e liberal a muito natildeo detecircm espaccedilos
nessas miacutedias Mas o imperador ldquoreconhece e sente mais no iacutentimo a crise perigosa
que oprime o paiacutesrdquo (ALENCAR 2009 p201) mas eacute tolerante com o executivo em
sua forma de administrar a coisa puacuteblica mesmo por que veria uma dificuldade de
montar outro gabinete no conturbado periacuteodo que se atravessa onde o partido
conservador se recolhe segundo ele ao silecircncio e ao repouso
Na nona carta Alencar anuncia por fim a dissoluccedilatildeo do gabinete de 12 de maio e a
subida de Zacarias de Goacuteis vinculado agrave liga progressista em 02 de agosto O que
resultaria em nenhuma mudanccedila significativa na conduccedilatildeo da poliacutetica do Estado e
confirmaria a ldquocompleta identificaccedilatildeo da coroa com a poliacutetica vigenterdquo (ALENCAR
2009 p210) Volta ao gabinete Acircngelo Muniz da Silva Ferraz que teve
desentendimentos anteriormente com Caxias sobre a conduccedilatildeo da guerra e que
aprovara - tambeacutem como ministro da guerra ndash o tratado da Triacuteplice Alianccedila e ldquoos
outros escolhidos entre os mais dedicados aderentes da poliacutetica progressista
presidente ou chefes da maioriardquo (ALENCAR 2009 p213) sob a forma de uma
grande conciliaccedilatildeo Zacarias entatildeo liderando o gabinete em 1864 que daacute o
ldquoultimatum de 4 de agostordquo (ALENCAR 2009 p218) iniciando - por assim dizer - os
trabalhos na guerra do Paraguai eacute justo estar ele ali para dar-se um fim a guerra
sugere Alencar conclui essa seacuterie de cartas a 06 de agosto afirmando que acredita
no fim da passividade do povo brasileiro e que se afastaraacute por algum tempo para
ver os resultados conseguidos pelo atual gabinete Mas natildeo muito tempo
Um aparte eacute necessaacuterio para o comentaacuterio a carta endereccedilada ldquoAo Redator do
Diaacuterio do Rio de Janeirordquo (ALENCAR 2009 p114-123) uacutenica datada de 12 de
janeiro de 1866 A resposta de Alencar a criacutetica sobre suas preferecircncias pelo
absolutismo Eacute uma carta breve na qual natildeo nos deteremos
Alencar ndash depois de um breve alento sempre educado ndash indica o teor da conversa
com seu sempre generoso adversaacuterio o redator do Diaacuteriordquo adversaacuterio pois no
momento se encontram em posiccedilotildees opostas e como os ponteiros de um reloacutegio
apontam suas ideias em direccedilotildees diferentes
Alencar escreve ao redator em resposta a uma criacutetica que recebe - enquanto
Erasmo - pelo conteuacutedo das cartas Acusado de fomentador do absolutismo vai a
puacuteblico em defesa proacutepria Indica com seu estilo caracteriacutestico ter sido viacutetima de
acusaccedilotildees como
Sou nada menos do que - ltlt o crocodilo feroz do despotismo disputando a admiraccedilatildeo dos poucos creacutedulos que ainda restam e os tecircnues almejos do magnacircnimo coraccedilatildeo do rei insonegtgt A reticecircncia natildeo eacute minha sim do indignado escritor que some-se por ela e logo apoacutes surge para mandar-me literalmente ao diabo sob a conduta de Erasmo (ALENCAR 2009 p 116)
Eacute a antiga histoacuteria do feiticcedilo contra o feiticeiro Alencar se expotildee publicamente mas
como jaacute pudemos perceber ateacute mesmo pela anaacutelise de sua curta biografia natildeo
admite criacuteticas a seu trabalho Manteacutem-se distante em uma posiccedilatildeo decididamente
superior aos outros (decidida por ele) mesmo em se tratando de seus iguais Tenta
ao longo da carta melhorar sua situaccedilatildeo admitindo que
Estes ecos da imprensa partidos de vaacuterios pontos e condensados aos surdos rumores que burburinham nos ciacuterculos da Corte satildeo indiacutecios de uma crise salutar Anunciam eles que a pena de Erasmo natildeo fez a autoacutepsia de um cadaacutever operou sobre corpo vivo e robusto onde satildeo prontas as reaccedilotildees (ALENCAR 2009 p116)
Admite que o absolutismo esteja presente mas vindo das elites no poder e em seus
mecanismos de comunicaccedilatildeo como a imprensa E talvez certa complacecircncia de D
Pedro II com a situaccedilatildeo quando afirma que
O absolutismo Quem natildeo o vecirc Natildeo convive ele conosco Onde a minoria subjuga a maioria aiacute estaacute a tirania seja de um seja de muitos Repimpado nas poltronas ministeriais espreguiccedilando-se nos sofaacutes da assembleia pedante nas reparticcedilotildees puacuteblicas risonho e sedutor na imprensa empertigado nos fardotildees mostra-se em toda a parte esse Proteu da nossa poliacutetica (ALENCAR 2009 p 118119)
Afirma que em resposta a acusaccedilatildeo releu o conteuacutedo de suas cartas e natildeo encontra
motivos ali para tal O que apenas admite eacute que
Quero a constituiccedilatildeo como foi escrita natildeo como a aleijaram Na constituiccedilatildeo aparecem bem distintos os trecircs princiacutepios cardeais da monarquia representativa a Coroa o povo e o elemento intermeacutedio ou misto que em falta de melhor termo chamo aristocraacutetico (ALENCAR 2009 p120)
Afirmando que de sua postura criacutetica visa os povos livres Infelizmente a criacutetica soacute
pocircde ser feita (ou admitida) de um dos lados De qualquer forma como jaacute viacutenhamos
demonstrando no decurso das cartas algumas similaridades do texto de Alencar
com as ideias de Hobbes podem fazer com que o Redator do Diaacuterio natildeo perca de
todo sua razatildeo Eacute visiacutevel mesmo para os contemporacircneos que Alencar toma o
partido de uma intervenccedilatildeo forte do Imperador em detrimento dos direitos e da
liberdade da maior parte da naccedilatildeo
333 AO MARQUEcircS DE OLINDA AO VISCONDE DE ITABORAHY (ALENCAR
2009 p223-254)
A carta endereccedilada ao Marquecircs de Olinda (ALENCAR 2009 p243-254) entatildeo
presidente do conselho e ministro dos negoacutecios do Impeacuterio inicia com a objetiva
epiacutegrafe ldquovou te interrogar e tu me instruiraacutesrdquo42 (ALENCAR 2009 p243) e se dirige
ao marquecircs com toda a reverecircncia que o romantismo da uacuteltima fase lhe permite
Olinda teve participaccedilatildeo no processo de independecircncia havia sido regente e
ministro Era uma figura respeitaacutevel no cenaacuterio poliacutetico brasileiro Formado em
Coimbra fazia parte de um grupo ao qual Alencar acreditava estar tempo demais no
42 Natildeo pudemos deixar de notar o erro indicado pelo revisor da epiacutegrafe Pois bem A epiacutegrafe
em latim refere ao livro de Joacute 33-3 como ldquoCinge como um valente os teus lombos vou te
interrogar e tu me instruiraacutesrdquo O revisor prontamente corrige a referecircncia que estaacute na verdade
em Joacute 38-3 Mas se entendermos a epiacutegrafe como mais uma das armadilhas de Alencar a
referecircncia dada por ele (incorreta no caso) mostra em Joacute 33-3 uma resposta ao versiacuteculo
anterior ou mesmo um indicativo para a continuidade da leitura da epiacutegrafe onde se vecirc ldquoAs
minhas razotildees sairatildeo da sinceridade do meu coraccedilatildeo e a pura ciecircncia dos meus laacutebiosrdquo Que eacute o
apregoado pelo missivista desde as primeiras cartas ao Imperador Ele como o arauto da
verdade Mas se quisermos acreditar no radicalismo e perversidade do Alencar seguiremos ateacute
Joacute 33-33 onde se lecirc ldquo escuta-me tu cala-te e ensinar-te-ei a sabedoriardquo Para Alencar filho de
um padre e extremamente conservador eacute possiacutevel entender o jogo de relaccedilotildees com os versiacuteculos
como um iacutendice para o iniacutecio de uma criacutetica ferrenha ao Marquecircs Eacute interessante lembrar sem
pretender se extender em tal ponto (que natildeo cabe aqui devido as limitaccedilotildees do trabalho) nas
observaccedilotildees de Chartier (1999) sobre o texto como forma literaacuteria e sua impressatildeo todo o
processo que acompanha o texto ateacute alcanccedilar o seu suporte as intervenccedilotildees de tipografia
graacutefica editores e mesmo erros que afetam o texto A recepccedilatildeo eacute sempre algo que deve ser
observado junto a uma criacutetica do texto e natildeo como um simples derivado deste
poder Compara seu trabalho com o de Vasconcelos Joseacute Clemente e Paranaacute
invoca Evaristo Feijoacute e Vergueiro tecendo uma trama de modelos ideais na qual
tentaraacute capturar Olinda Se apresenta ao Marquecircs afirmando que seu ldquoempenho
sincero tem sido reparar os estragos do tempordquo (ALENCAR 2009 p244) buscando
e indicando caminhos para a administraccedilatildeo puacuteblica como em uma espeacutecie de
jornalismo criacutetico e investigativo Compara o poliacutetico em sua astuacutecia a Luiz XVIII de
Franccedila novamente consolidando o modelo europeu como marco de uma civilizaccedilatildeo
ldquomais avanccediladardquo cultural e politicamente mas tambeacutem aludindo ao seu longo tempo
de permanecircncia nos grupos entatildeo no poder E esta permanecircncia Alencar sugere
que eacute devida a capacidade de adequaccedilatildeo que possui o Marquecircs acompanhando a
mareacute dos fatos e acomodando-os agraves suas necessidades - como em decisotildees
polecircmicas como na partida de D Pedro II para Uruguaiana ou sobre a deposiccedilatildeo do
gabinete O tato poliacutetico que teria o Marquecircs lhe permite sempre estar em
consonacircncia com a opiniatildeo puacuteblica pelo menos com a parte elogiosa da opiniatildeo
Com certo tom de gracejo Alencar brinca com a idade avanccedilada do Marquecircs e
sugere que ele escreva uma biografia Biografia que estaria rica de assuntos e
informaccedilotildees poliacuteticas jaacute que ndash falando com uma ponta de sarcasmo conservador
sobre a mobilidade partidaacuteria no periacuteodo ndash o Marquecircs ldquohavendo pertencido a todos
os partidos modernos e antigos a datar da constituinte vossa autobiografia deve ser
um tesouro inexauriacutevel de liccedilatildeo e conselhordquo (ALENCAR 2009 p247) E qualquer
poliacutetico continua encontraraacute ldquonesse novo evangelho poliacutetico um tema um exemplo
uma epiacutegrafe para adornar sua doutrinardquo (ALENCAR 2009 p248) Mas Olinda
apesar da idade continua firme no poder aparentemente natildeo querendo abrir matildeo
disto como muito bem nos sugere Alencar ldquopara voacutes poreacutem natildeo chegou ainda o
tempo das memoacuterias estais com as matildeos na obrardquo (ALENCAR 2009 p248) em
todas as obras em que consegue esgueirar suas matildeos era o que queria dizer
Mesmo quando os resultados natildeo lhe satildeo promissores como em 1851 com o
episoacutedio do Prata
Em 1857 alude o partido conservador comeccedila a perder forccedila apesar da presenccedila
de lideranccedilas importantes que poderiam seguir com uma administraccedilatildeo competente
Tendo homens como o dissera ldquode talhe para a empresa uns pela ilustraccedilatildeo
outros pela popularidade Itaboraiacute Uruguai Euseacutebio Caxias Pimenta Buenordquo
(ALENCAR 2009 p249) natildeo consegue encontrar um norte com algum destes e ao
clongo de alguns anos o partido perde sua forccedila de combate
Olinda foi presidente do conselho de ministros e ministro em diversas pastas e
diferentes gabinetes Seu nome nos conta enche o livro do Segundo reinado ldquorara
eacute a paacutegina em que natildeo figure ele no alto Estreastes regente era natural que
acabaacutesseis vice-rei43rdquo (ALENCAR 2009 p249) Mas o paiacutes sofre por demais neste
momento e o Marquecircs eacute o signo (senatildeo o culpado) dessa administraccedilatildeo
equivocada incompetente oriunda de uma oligarquia irresponsaacutevel que lanccedila o paiacutes
na ldquocorrupccedilatildeo infrene o descreacutedito puacuteblico a ruiacutena das financcedilas o aniquilamento da
induacutestria e finalmente a guerra ladeada a uma pela vergonha e pela miseacuteriardquo
(ALENCAR 2009 p250) A paacutetria exige um esclarecimento que Olinda ponha a
matildeo na consciecircncia e admita ndash na impossibilidade de corrigi-los ndash seus erros a
quem lhe creditou agrave administraccedilatildeo O paiacutes sofre e Olinda dorme ldquoagrave sesta e consente
que os convivas de teu banquete tripudiem sobre meu corpo exacircnimerdquo (ALENCAR
2009 p252) Natildeo a paacutetria exige sua salvaccedilatildeo E o instrumento para tanto eacute ldquoo
mesmo que serviu em 1837 aiacute jaz atirado ao poacute e desdenhado Eacute o grande Partido
Conservador numeroso ateacute na imobilidade forte ainda no abandonordquo (ALENCAR
2009 p252) Olinda deve indicar ao monarca um novo gabinete constituiacutedo pelo
partido conservador Alencar acena para a permanecircncia de grupos no poder mesmo
com a mudanccedila de gabinetes e vertentes poliacuteticas onde lideranccedilas transitam pelos
dois lados - conservador e liberal ndash e adaptam suas ideias as correntes de
pensamento vigentes em cada momento
Na sequencia das cartas (ALENCAR 2009 p223-239) outro destinataacuterio ilustre tem
a sua vez O Visconde de Itaborahy - carta de Erasmo sobre a crise financeira
Homem probo poliacutetica e civilmente ldquoum dos poucos contra quem natildeo se atreveu
ainda a maledicecircnciardquo (ALENCAR 2009 p223) Esse fiel monarquista esteve por
um breve periacuteodo distante da militacircncia na reorganizaccedilatildeo de partidos e gabinetes
quando do periacuteodo da liga para retornar logo em seguida fortalecido pelos
descaminhos da administraccedilatildeo em uma defesa da instituiccedilatildeo imperial e dos
43 O uacuteltimo vice-rei do Brasil foi o Conde dos Arcos em 1808 O tiacutetulo impotildee certo respeito mas eacute
evidente que Alencar o toma em um tom jocoso
destinos do paiacutes em discursos inflamados no Senado junto agrave outros conservadores
Itaborahy comeccedila a carreira poliacutetica no partido liberal e tambeacutem como jornalista
Assume o ministeacuterio da marinha e em 1837 se transfere para o partido conservador
Foi deputado geral e presidente do Banco do Brasil causa pela qual a segundo
Alencar assustadora perspectiva econocircmica do paiacutes leva o missivista - cheio de
elogios - agrave pessoa do Visconde pedir conselhos a este sobre os rumos que a
administraccedilatildeo puacuteblica deveria seguir admitindo natildeo ter a necessaacuteria ciecircncia para o
assunto nem sequer pretende ldquoao tiacutetulo de disciacutepulo da escola que vos reconhece
por mestrerdquo (ALENCAR 2009 p225) mas se propotildee a analisar o momento de crise
iniciando pelos problemas com o creacutedito As duas espeacutecies de creacutedito indicadas
pelo analista satildeo o mercantil e o predial Os dois estatildeo como que envolvidos um no
outro como uma sustentaccedilatildeo de garantia muacutetua a que os bancos se remetem no
sistema implantado no Brasil E as transaccedilotildees financeiras ldquose prendem por
filamentos mais ou menos longos e tortuosos agrave lavourardquo (ALENCAR 2009 p227)
base da economia no momento O investimento hipotecaacuterio afugenta os capitais
particulares visto que o comeacutercio e a induacutestria inspiram maior confianccedila
considerados seguros e lucrativos por uma maioria Com a deficiecircncia do credito
predial atrelado a lavoura o comeacutercio vai a seu auxiacutelio na tentativa de achar certo
equiliacutebrio que natildeo acontece devido as diferenccedilas proacuteprias de cada modalidade44
O problema de conseguir creacutedito para as lavouras comenta eacute comum em vaacuterios
paiacuteses do mundo e natildeo seria diferente no Brasil mas a soluccedilatildeo para nosso paiacutes
determinada pelo governo associado ao Banco do Brasil eacute a de extravasar os limites
da emissatildeo bancaacuteria o que acarreta financiamentos impossiacuteveis de serem tolerados
pela grande maioria dos que dele necessitam A recente implantaccedilatildeo do sistema de
creacutedito cede lugar a problemas de imperiacutecia financeira e junto a isso certos abusos
praticados por integrantes da associaccedilatildeo comercial constroem com a imobilizaccedilatildeo
de grande soma de capitais um caminho para a derrocada do sistema Ao mesmo
tempo a lavoura tambeacutem atravessa uma crise com a escassez de matildeo de obra e a
introduccedilatildeo de teacutecnicas dispendiosas acrescidas da carestia de gecircneros e das
44 Alencar usa de seu conhecimento como advogado especializado em direito administrativo e
comercial para equilibrar a narrativa com os argumentos da economia e administraccedilatildeo puacuteblicas
uacuteltimas maacutes colheitas Tambeacutem o fato de estarmos em periacuteodo de guerra acarretou
dois fenocircmenos preocupantes o ldquoescoamento dos depoacutesitos bancaacuterios para o
tesouro [e tambeacutem a ] monetizaccedilatildeo do papel bancaacuterio como um meio sub-reptiacutecio
de fornecer recursos ao governordquo (ALENCAR 2009 p230) criando o que chamou
de uma moeda simboacutelica natildeo tendo reservas que os garantam
Anunciado esse quadro desolador (aqui simplificado) Alencar questiona o Visconde
sobre qual seria o remeacutedio visto que a crise se alastrara por todo o sistema
financeiro Alencar responde afirmando ser necessaacuteria a separaccedilatildeo do creacutedito
agriacutecola do mercantil chegando a sugerir agrave fundaccedilatildeo de um banco agriacutecola
brasileiro que aliviaria o Banco do Brasil de garantir suporte a avultada diacutevida
agriacutecola a impontualidade do agricultor no pagamento de suas diacutevidas resultado da
imprevisibilidade do sistema de colheitas e a constante oscilaccedilatildeo no valor da
propriedade rural A proposta de Alencar indica a emissatildeo pelo governo de apoacutelices
para o banco agriacutecola transformando o agricultor ndash ou seu qualquer portador ndash em
acionista Algo como uma auto gerecircncia do sistema em que uma hipoteca de terras
garantiria o saldo devedor Proposta avanccedilada para a eacutepoca aqui mais uma vez
podemos observar a distorccedilatildeo que se deu no Brasil para as propostas de
implantaccedilatildeo de uma poliacutetica liberal tendo o Estado que se tornar distante das
soluccedilotildees econocircmicas mas ao mesmo tempo garantindo um lucro faacutecil para uma
aristocracia Eacute o que vecirc aqui onde a grande propriedade foi formada pelo sistema
de distribuiccedilatildeo de sesmarias e seus proprietaacuterios como os da antiga colocircnia soacute
querem explorar sem ter que arcar com quaisquer diacutevidas ou prejuiacutezos Mas Alencar
condena-os afirmando que ldquoa lavoura natildeo pode esquivar-se a garantir o Estado
quando este contrai grandes compromissos para auxiliaacute-lardquo (ALENCAR 2009
p235) Os tempos satildeo outros mas seraacute que satildeo de verdade O governo durante a
mudanccedila proposta tambeacutem deve arcar com o prejuiacutezo dos tiacutetulos sem valor que
emitiu sendo alguns de empreacutestimos que ele mesmo cedeu No fim o prejuiacutezo eacute
sempre grande Alencar sustenta uma regulaccedilatildeo do mercado provavelmente
influenciado pelas ideias de Adam Smith em que o mercado consegue trabalhar
melhor sem uma interferecircncia direta do Estado (KENNY 1998) Smith entatildeo muito
em voga nos meios acadecircmicos mas para Alencar manter a criacutetica lhe falta alguma
experiecircncia como financista para o tratamento de assuntos tatildeo especiacuteficos o que
pode ter sido interpretado como arrogacircncia de jornalista Da carta fica a opccedilatildeo por
uma estrutura administrativa baseada nas ideias liberais de fomento a livre
empresa creacutedito bancaacuterio em uma tentativa de diminuir a intervenccedilatildeo contiacutenua do
Estado na economia segunde ele ateacute entatildeo necessaacuteria O que fica para a histoacuteria
poliacutetica eacute a questatildeo com a pressatildeo para ao fim efetivo do traacutefico de escravos e a
implementaccedilatildeo da matildeo de obra assalariada ndash qualquer que fosse esta imigrante ou
natildeo europeia ou natildeo ndash em todo o paiacutes quem arcaraacute com o custo final disso tudo o
Estado ou as elites entatildeo no poder
334 NOVAS CARTAS AO IMPERADOR (ALENCAR 2009 p257-389)
A uacuteltima seacuterie de cartas datadas de junho de 1867 e endereccediladas novamente ao
Imperador tem uma intenccedilatildeo bem menos louvaacutevel ndash em um comentaacuterio de Tacircmis
Parron (2008) - que eacute a defesa da escravidatildeo negra no Brasil aleacutem de retomar
temas como a guerra e a poliacutetica no paiacutes O exame do texto nos auxiliaraacute nas
afirmaccedilotildees Eacute bem verdade que na fala do trono de 1867 (cerimocircnia que abre os
trabalhos no parlamento) D Pedro II teria mostrado disposiccedilatildeo em resolver o
problema do elemento servil problema que se arrasta na necessidade de uma
soluccedilatildeo jaacute com seu pai assegurando o fim do traacutefico como uma das condiccedilotildees para
o apoio da Inglaterra a independecircncia do Brasil O imperador tambeacutem se sentindo
pressionado por uma elite intelectual europeia que via na escravidatildeo (neste
momento depois da guerra de secessatildeo talvez natildeo antes) um insulto ao modelo
de civilidade que pretendia o Brasil como uma naccedilatildeo moderna alguns destes
intelectuais e artistas satildeo muito caros agrave D Pedro II como no caso de Victor Hugo A
proposta seria resolver gradativamente sem ferir os interesses daqueles que ainda
atrelados agraves culturas de exportaccedilatildeo necessitavam de braccedilos para o trabalho
atentos a condiccedilatildeo de que a imigraccedilatildeo europeia ainda natildeo era um fato substancial
Bosi comenta que
Algumas atitudes poliacuteticas de D Pedro II pareciam indicar que embora hesitantemente ele passou do polo nacional-conservador para o polo nacional-reformista guiado pelo religioso respeito que lhe inspiravam as culturas inglesa e francesa (BOSI 2003 p 239)
Resta saber em que ponto da estrada D Pedro II teria pegado o bonde reformista e
ateacute onde este poderia levar-lhe O decliacutenio da monarquia o que sugerem alguns
comentadores como Boris Fausto (2001) e Faoro (2004) jaacute estaacute batendo nos
portotildees de Satildeo Cristoacutevatildeo Alencar como bom conservador que eacute defende os
interesses ndash mesmo que natildeo textualmente ndash da oligarquia agriacutecola escravista que
sustentava o paiacutes (leia-se o impeacuterio) com sua produccedilatildeo para exportaccedilatildeo Alencar
antevecirc em seu texto as mudanccedilas sugeridas pelos novos tempos em que o ldquonovo
liberalismordquo ndash termo de Joaquim Nabuco com quem Alencar travaria discussotildees
inflamadas - vai tomando conta do parlamento e a proposta de renovaccedilatildeo da matildeo
de obra por colonos europeus jaacute estava em debate apesar de ainda natildeo termos as
campanhas abolicionistas Mas em sua opiniatildeo tais mudanccedilas ndash que aconteceriam
inevitavelmente - precisam ser combatidas no momento visto que uma mudanccedila
draacutestica poderia trazer prejuiacutezos para as colheitas devido agrave falta de trabalhadores Eacute
o ideal conservador que deve ser salvo A proposta das cartas enquanto veiacuteculo de
divulgaccedilatildeo ideoloacutegico eacute esta chegar o mais longe possiacutevel e alcanccedilar a quantos
pudessem com as ideias conservadoras
Eacute pontual que coloquemos ndash diga-se assim - uma questatildeo ante a defesa do trabalho
escravo por Alencar e tambeacutem uma resposta agrave interferecircncia direta da coroa no
assunto jaacute que estariacuteamos sob a vigecircncia de uma monarquia constitucional
parlamentarista A posiccedilatildeo de Alencar eacute criticada no periacuteodo como ideia jaacute superada
Tavares Bastos eacute um exemplo jaacute aludia agraves melhorias na produccedilatildeo advindas do
trabalho assalariado que tatildeo bem estava no periacuteodo se adaptando e trazendo
frutos principalmente no Nordeste com peculiar atenccedilatildeo ao Cearaacute a terra do
Deputado Alencar (BOSI 2003) Eacute um sinal de que o missivista estava mais
preocupado com a corte do que com suas bases ou desconhecia deliberadamente
esses dados
A escravidatildeo eacute um ponto complexo visto que a instituiccedilatildeo desde a colocircnia permeia
praticamente todas as outras instituiccedilotildees De maneira geral observamos que
(hellip) toda pessoa com algum recurso possuiacutea um ou mais escravos O Estado os funcionaacuterios puacuteblicos as ordens religiosas os padres todos eram proprietaacuterios de escravos Era tatildeo grande a forccedila da escravidatildeo que os proacuteprios libertos uma vez livres adquiriam escravos A escravidatildeo penetrava em todas as classes em todos os lugares em todos os desvatildeos
da sociedade a sociedade colonial era escravista de alto a baixo (CARVALHO 2002 p20)
Alencar tem uma posiccedilatildeo particular sobre a escravidatildeo Quer acabar com ela mas
de forma lenta e segura sem arroubos libertaacuterios que pudessem trazer prejuiacutezos ao
Brasil Parece em alguns momentos um produtor rural paulista preocupado com
seu lucro em outros um tecnocrata arrecadador de impostos Nas novas cartas
poliacuteticas Alencar jaacute natildeo se apresenta - podemos dizer assim - ao Imperador Ele de
certa forma jaacute teria conquistado o seu ouvinte e tomado sua atenccedilatildeo Sua opiniatildeo jaacute
consegue certo respeito dos leitores enxergando-o natildeo apenas como um artista um
escritor de romances (como fazia o Cotegipe) mas como um poliacutetico combativo com
capacidade de influenciar um grupo importante atraveacutes da imprensa Eacute aqui que
podemos observar de maneira mais integrada as propostas liberais sendo
mescladas ao conservadorismo na defesa da escravidatildeo
Alencar nesse novo conjunto de cartas pocircde usar em suas criacuteticas de uma
ldquolinguagem [que] seraacute minimamente severardquo (ALENCAR 2009 p259) e que ele
mesmo admite ser talvez improacutepria para um suacutedito que se dirige ao soberano
A primeira das cartas trata da ameaccedila de abdicaccedilatildeo de D Pedro II O episoacutedio se daacute
devido agrave proposta de uma negociaccedilatildeo de paz com Lopes considerada interessante
ateacute por Caxias dando fim a longa guerra O imperador discorda Uma crise que
abala ldquonatildeo jaacute a cidade mas o impeacuteriordquo O texto de Alencar eacute brilhante
Seraacute real que vossos laacutebios selados sempre pela reserva e prudecircncia se abriram para soltar a palavra fatal Eacute possiacutevel que suacutebita alucinaccedilatildeo desvaire a tal ponto um espiacuterito soacutelido e reto Natildeo creio natildeo posso natildeo devo crer Recebendo a nova incriacutevel a populaccedilatildeo ficou atocircnita (ALENCAR 2011 p257-258)
A expressatildeo ldquopalavra fatalrdquo natildeo determina se o missivista estaacute falando da proposta
da abdicaccedilatildeo ou de seu posicionamento contra uma negociaccedilatildeo de paz com Solano
Lopes E continua com ldquo() a populaccedilatildeo ficou atocircnita () O espanto lhe embarga a
falardquo (ALENCAR 2009 p258) Somente quando vem aludir posteriormente a D
Pedro I que cita a palavra abdicaccedilatildeo
Rara vez e soacute em circunstacircncias muito especiais pode a abdicaccedilatildeo tornar-se um ato de civismo admiraacutevel D Pedro I vosso augusto pai logrou um lance destes que o consagrou heroacutei da paz e da liberdade Sua missatildeo estava concluiacuteda havia fundado a monarquia brasileira e criado um povo (ALENCAR 2009 p258)
Apesar do elogio D Pedro I eacute portuguecircs e figura inaceitaacutevel com suas ideias
absolutistas na naccedilatildeo que surge E o povo que D Pedro I cria eacute uma aristocracia
local que tenta desvincular-se de Portugal
D Pedro I era ldquoum obstaacuteculo uma anomalia A mais veemente das paixotildees
populares o patriotismo sublevou-se contra o princiacutepio estrangeiro encarnado na
sua pessoa O Sr Pedro II eacute americano [sic] como seu povordquo (ALENCAR 2009
p259) e a abdicaccedilatildeo seria um crime de lesa naccedilatildeo Seriam os rumos incertos da
guerra pergunta o missivista motivo para uma abdicaccedilatildeo Alencar acusa
duramente o Imperador de ser o responsaacutevel pela ldquotemeridade com que nos
precipitamos sem refletir em uma situaccedilatildeo irremissiacutevel dilema cruel entre a ruiacutena e a
vergonhardquo (ALENCAR 2009 p260) A guerra tem nele seu responsaacutevel Tu ldquofostes
o princiacutepio e sois a alma da guerra Vosso pensamento a inspirou vossa convicccedilatildeo
a alimentardquo (ALENCAR 2009 p260) em busca de uma vitoacuteria que significaria
Humaitaacute arrasado Lopes deposto e o franqueamento da navegaccedilatildeo ribeirinha mas
apesar de compreensiacuteveis as razotildees e do patriotismo brasileiro que ndash segundo ele ndash
tende a apoiar a guerra ldquonenhum homem tem o direito de arrastar sua matildee paacutetria agrave
ruiacutena para vatilde satisfaccedilatildeo de seus brios revoltadosrdquo (ALENCAR 2009 p261)
Alencar argumenta (lembrando-o) que o imperador natildeo pode agir como uma pessoa
comum que ele natildeo tem o direito do simples cidadatildeo que eacute o de ter uma opiniatildeo
que natildeo considere a naccedilatildeo em primeiro lugar A soberania soacute existe porque eacute dada
ao Imperador e seus atos satildeo justificados pelo cidadatildeo E esse contrato impede
mesmo que haja qualquer ideia de renuncia pois os atos do imperador satildeo os atos
de todos os cidadatildeos A honra do Imperador segundo ele eacute a honra da naccedilatildeo e a
partir do modelo de monarquia constitucional entatildeo vigente enquanto defensor
perpeacutetuo da naccedilatildeo
quando o povo entenda que chegou o momento de acabar a guerra e exprima seu voto pelos meios constitucionais haveis de pensar do mesmo modo senatildeo como homem infalivelmente como soberano Em voacutes estaacute encarnado e vivo o grande eu nacional (ALENCAR 2009 p263)
Alencar repreende o Imperador severamente determinando que ldquoqualquer que seja
o desfecho da guerra [ele natildeo teria] o direito de separar vossa dignidade da causa
nacionalrdquo (ALENCAR 2009 p264) Vecirc-se nas palavras de Alencar a defesa natildeo do
imperador nem mesmo da monarquia mas do principio constitucionalista liberal Jaacute
aqui se percebe uma criacutetica ao que Alencar indicava como omissatildeo mas era de
certa forma um caminhar que D Pedro II mantinha nos tracircmites da legalidade que a
proacutepria constituiccedilatildeo lhe impunha sabia onde colocar seus peacutes E apesar das criacuteticas
Alencar sabia que os atos do imperador natildeo pedem contestaccedilatildeo visto que a
representaccedilatildeo deste eacute coletiva e todas as verdades se alinham em seu nome (em
nome da soberania) D Pedro II sabia o que poderia fazer e ateacute aonde confrontar a
burocracia que a casa de Braganccedila lhe tinha deixado por heranccedila Em outros
tempos mesmo sem buscar referecircncias anteriores a D Pedro I o texto de Alencar jaacute
estaria sujeito ao silecircncio
Uma das constantes reclamaccedilotildees de Alencar eacute a da falta de notiacutecias da guerra no
sentido de previsotildees reais sobre o andamento dos trabalhos sobre a movimentaccedilatildeo
das tropas sobre enfim quando iraacute terminar o supliacutecio Segundo ele haacute por parte
do governo um velamento da realidade no campo para o puacuteblico existe uma
censura ndash senatildeo oficializada mas efetiva ndash sobre os reais rumos da guerra dada em
funccedilatildeo da relaccedilatildeo que os jornais tecircm com o gabinete ministerial E a falta de atenccedilatildeo
para tais assuntos junto a posiccedilatildeo equivocada frente agrave guerra estatildeo aiacute por culpa
de D Pedro II
Termina essa carta anunciando o erro do Imperador na fala de ldquoabdicaccedilatildeo quando a
senha do dia para todos os brasileiros e para voacutes primeiro que todos eacute dedicaccedilatildeordquo
(ALENCAR 2009 p274) O sarcasmo de Alencar brinca com os brios de D Pedro
II com seu orgulho de intelectual ndash tiacutetulo o qual preferia algumas vezes ao de
Imperador (SCHWARCZ 1999) ndash indicando que a imprensa do mundo inteiro o
proclama ldquoum saacutebiordquo e cita o artigo publicado nos jornais em que ldquoo presidente dos
Estados Unidos aludindo agrave franquia do Amazonas vos considerou entre os
primeiros estadistas do mundordquo (ALENCAR 2009 p277) o que provavelmente natildeo
aconteceria se este tomasse medidas protecionistas no paiacutes o que jaacute funcionavam
como uma poliacutetica de Estado desde os fins da guerra de Secessatildeo nos Estados
Unidos mas era duramente criticado por este para toda a Ameacuterica Latina eacute possiacutevel
que seja isto que Alencar quer dizer quando escreve logo a seguir que terminado
estaacute ldquoo tempo em que os povos eram instrumento na matildeo dos reis que os
empregavam para obter a satisfaccedilatildeo de suas paixotildees e a conquista de um renome
vatildeordquo porque aqui ldquorasga-se o manto auriverde da nacionalidade brasileira para
cobrir com os retalhos a cobiccedila do estrangeiro [Natildeo existe] para voacutes senhor outra
fama liacutecita e pura senatildeo aquela poacutestuma que eacute a verdadeira gloacuteriardquo (ALENCAR
2009 p278) e que dispor das reservas econocircmicas tanto quanto das pessoas de
forma displicente e buscando uma valorizaccedilatildeo pessoal eacute sinal de um despotismo
que jaacute natildeo cabe mais aqui Eacute o Alencar liberal que fala
A partir daqui Alencar passa depois de construir a narrativa em um tom duro de pai
que repreende o filho teimoso a falar da questatildeo da emancipaccedilatildeo mais diretamente
D Pedro II coloca a discussatildeo na pauta pela fala do trono e os progressistas ndash
chamados vacircndalos no texto de Alencar ndash a aceitam como uma plataforma Alencar
toma a proposta de emancipaccedilatildeo do escravo pelo menos para o momento como
um erro do Imperador Segue a referecircncia
Libertando uma centena de escravos cujos serviccedilos a naccedilatildeo vos concedera distinguindo com um mimo especial o superior de uma ordem religiosa que emancipou o ventre estimulando as alforrias por meio de mercecircs honoriacuteficas respondendo agraves aspiraccedilotildees beneficentes de uma sociedade abolicionista de Europa e finalmente reclamando na fala do trono o concurso do poder legislativo para essa delicada reforma social sem duacutevida julgais ter adquirido os foros de um rei filantropo (ALENCAR 2009 p280)
Alencar acreditava que o momento com a economia debilitada por conta da guerra
e tambeacutem por conta desta a falta de braccedilos para a constituiccedilatildeo de um sistema de
matildeo de obra diferenciado e sem o apoio ainda da prometida imigraccedilatildeo (apesar das
muitas propostas tanto de europeus como de asiaacuteticos nenhum projeto de vulto
havia sido executado) o paiacutes essencialmente agraacuterio se precipitaria no caus Os
argumentos de Alencar apesar de bem trabalhados sugerem mais suas ligaccedilotildees (e
preocupaccedilotildees) com a aristocracia rural do que propriamente com o povo afirmando
seu ideal de manutenccedilatildeo dos privileacutegios das elites em detrimento de medidas mais
imediatas Alega que a escravidatildeo eacute um fato social tendo como exemplo ldquoo
despotismo e a aristocracia como jaacute foram a coempccedilatildeo da mulher a propriedade do
pai sobre os filhos e tantas outras instituiccedilotildees antigas45rdquo (ALENCAR 2009 p282)
Argumentos que Alencar potildee no passado mas que reconhece presentes quando
trata deles em suas obras Eacute o direito a escravidatildeo como uma instituiccedilatildeo legal que
segue em sua argumentaccedilatildeo lembra que satildeo as naccedilotildees em suas leis que justificam
a escravidatildeo Que sob a lei haacute a justificativa e que ningueacutem pode ser obrigado a
fazer ou deixar de fazer algo a menos que isso esteja expresso na lei
Alencar lembra que a ldquoescravidatildeo caduca mas ainda natildeo morreu ainda se prendem
a ela graves interesses de um povo Eacute quanto basta para merecer o respeitordquo
(ALENCAR 2009 p283) O respeito que se daacute sustenta enquanto instituiccedilatildeo E
satildeo os progressistas com o apoio formal do imperador que tratam de desqualificar
a instituiccedilatildeo lanccedilando ldquoo odioso sobre as instituiccedilotildees vigentes qualificando seus
defensores de espiacuteritos mesquinhos e retroacutegradosrdquo (ALENCAR 2009 p283) Isto
em mateacuteria de reforma natildeo tem propriamente um fim eleitoreiro ndash ainda natildeo seria o
caso - mas tentando fortalecer outros grupos aos quais as ideias abolicionistas
vinham a calhar como os financistas e banqueiros que esperavam por um
liberalismo mais econocircmico e burguecircs que poliacutetico e aristocraacutetico Alencar se
protege como bom advogado enquanto defende a escravidatildeo sobre o vieacutes da lei
Para ele ldquoa escravidatildeo se apresenta hoje ao nosso espiacuterito sob um aspecto
repugnante Esse fato do domiacutenio do homem sobre o homem revolta a dignidade da
criatura racional Sente-se ela rebaixada com a humilhaccedilatildeo de seu semelhanterdquo
(ALENCAR 2009 p284) mas sua opiniatildeo natildeo pode prevalecer O missivista busca
o que seria a melhor alternativa para a economia do paiacutes jaacute prontamente
argumentada na carta ao Visconde de Itaborahy A instituiccedilatildeo da escravidatildeo eacute legal
e justa ldquoquando realiza um melhoramento na sociedade e apresenta uma nova
situaccedilatildeo embora imperfeita da humanidade () Neste caso estaacute a escravidatildeo ()
45 Jaacute eacute um comentaacuterio de Aristoacuteteles na poliacutetica
um instrumento da civilizaccedilatildeo como foi a conquista o municiacutepio a glebardquo
(ALENCAR 2009 p284) Eacute uma das fazes do desenvolvimento pelo qual passaram
diversas naccedilotildees
Sempre apelando para a histoacuteria europeia Alencar apresenta a escravidatildeo como ldquoo
primeiro impulso do homem para a vida coletiva o elo primitivo da comunhatildeo entre
os povosrdquo (ALENCAR 2009 p285) Ao menos admite adiante que possam parecer
estranhas tais proposiccedilotildees mas sempre sustentado pelo estudo de textos
canocircnicos46 (cita o Gecircnesis de Moiseacutes quando da admissatildeo da escravidatildeo pela
Biacuteblia) segue o argumento admitindo que por exemplo a escravidatildeo pela guerra
com a conquista dos povos haveria um constante holocausto infligido as sociedades
derrotadas Na Ameacuterica resultaria no extermiacutenio das populaccedilotildees indiacutegenas Mas
isso que aconteceu de qualquer forma um argumento injustificado
Alencar eacute um dos defensores da ideia de que a ldquoraccedila negrardquo eacute a que melhor se
adapta ao trabalho agriacutecola (apesar de afirmar que o colono portuguecircs aguenta
firmemente o trabalho dos troacutepicos) Sendo esta mais disponiacutevel e apta e ndash segundo
ele ndash baacuterbara e necessitando de um processo civilizatoacuterio que o tirasse da
selvageria aproveitando sua energia vital ldquopara lutar com uma natureza giganterdquo
(ALENCAR 2009 p289) Natildeo fosse a escravidatildeo ndash toma isso como um acaso
valoroso - a Ameacuterica ldquoseria hoje um vasto desertordquo (ALENCAR 2009 p289)
Alencar nos lembra do fato de que a moderna escravidatildeo ressurgida na peniacutensula
ibeacuterica - com o haacutebito de presentear o Rei com escravos negros - natildeo se estabelece
na Europa mas mesmo os ingleses franceses e holandeses portanto natildeo soacute os
portugueses e espanhoacuteis servem-se dela na colocircnia Adam Smith admitia a
escravidatildeo nas colocircnias inglesas ((WEFFORT 2001) Como se explica pergunta
ele ldquoessa anomalia de povos repelindo na metroacutepole uma instituiccedilatildeo que adotam e
protegem no regime colonialrdquo (ALENCAR 2009 p290) Tal pressatildeo internacional
a que comeccedila a ceder o Imperador eacute comum nesse periacuteodo e seraacute assim ateacute hoje
Carvalho (2007) estudando as atas do conselho de Estado do Impeacuterio comenta que
46
A igreja possuiacutea escravos negros e ara um grupo que natildeo se pronunciava ateacute entatildeo a favor da aboliccedilatildeo
apesar do modelo poliacutetico para o Brasil - de Inglaterra e Franccedila ndash serem uma
unanimidade entre os conselheiros chegando estes a citar de memoacuteria frases e
anedotas dos poliacuteticos mais conhecidos como o faz tambeacutem o Alencar o bom senso
prevalecia sobre o modelo e as accedilotildees poliacuteticas tomadas (sugeridas e votadas) ali
tinham uma real preocupaccedilatildeo com a realidade do paiacutes Mas o que observamos na
criacutetica de Alencar eacute que a realidade do paiacutes passava pelos interesses desses
mesmos grupos representados pelo conselho
A questatildeo a que se chega eacute a escravidatildeo jaacute teria cumprido seu papel no Brasil
Segundo Alencar natildeo E ele o afirma ldquocom a consciecircncia do homem justo que
venera a liberdade com a caridade do cristatildeo que ama seu semelhante e sofre na
pessoa delerdquo (ALENCAR 2009 p293) Para o bem de todos afirma ele ateacute mesmo
dos escravizados ainda natildeo eacute o tempo para a aboliccedilatildeo Mas os ldquotodosrdquo aqui
assinalados tecircm uma clara linha que distingue o escravizado do escravizador
Alencar natildeo chega a defender nem mesmo uma proximidade entre eles Usando o
discurso da etnia afirma que ldquoningueacutem desconhece todavia quanto eacute lenta essa
coesatildeo ou amaacutelgama de raccedilas Demanda seacuteculos e seacuteculos semelhante operaccedilatildeo
etnograacutefica e traz graves abalos agrave sociedaderdquo (ALENCAR 2009 p295) Mas ao
mesmo tempo com uma imigraccedilatildeo europeia e a amalgama o problema tambeacutem se
resolveria pois
Em trecircs e meio seacuteculos o amaacutelgama das raccedilas se havia de operar em larga proporccedilatildeo fazendo preponderar a cor branca Trecircs ou quatro geraccedilotildees bastam agraves vezes no Brasil para uma transformaccedilatildeo completa (ALENCAR 2009 p292)
O contato que Alencar defende eacute tatildeo somente social como forma civilizatoacuteria ldquoA
raccedila africana tem apenas trecircs seacuteculos e meio de cativeiro Qual foi a raccedila europeia
que fez nesse prazo curto a sua educaccedilatildeordquo (ALENCAR 2009 p310) A raccedila
branca diz ele ldquoembora reduzisse o africano agrave condiccedilatildeo de uma mercadoria
nobilitou-o natildeo soacute pelo contato como pela transfusatildeo do homem civilizadordquo47
(ALENCAR 2009 p296) Embranquecer seria um destino e uma meta a ser
cumprida para chegar-se enfim a uma futura civilizaccedilatildeo da Aacutefrica A soluccedilatildeo 47 Mesmo velado preconceito racial sempre houve no Brasil Nota-se em textos natildeo soacute de Alencar
mas de intelectuais como Silvio Romero e o proacuteprio Joaquim Nabuco (SKIDMORE 1989)
proposta eacute resolver a escravidatildeo pela absorccedilatildeo de uma raccedila por outra mas
aparentemente por outras as raccedilas e categorias sociais como o indiacutegena e o
imigrante pobre que chegaria em alguns anos Pois cada ldquomovimento coesivo das
forccedilas contraacuterias eacute um passo [a] mais para o nivelamento das castasrdquo (ALENCAR
2009 p296) ateacute o amalgama quando da geraccedilatildeo anterior findasse com a morte
mas sempre enquanto castas Sempre com uma marca social (in) visiacutevel que as
distinguisse
Chegado o termo fatal produzido o amaacutelgama a escravidatildeo cai decreacutepita e exacircnime de si mesma sem arranco nem convulsatildeo como o anciatildeo consumido pela longevidade que se despede da existecircncia adormecendo Mas antes do seu prazo quem fere mortalmente uma lei derrama sangue como se apunhalara um homem (ALENCAR 2009 p296)
Alencar usa como argumento que o escravo seria um inimigo se emancipado Os
povos que emanciparam seus escravos estavam em superioridade numeacuterica quanto
a estes e natildeo era o caso do Brasil Nos Estados Unidos do periacuteodo da guerra de
secessatildeo o norte tinha uma superioridade muito grande de homens livres sobre a
quantidade de escravos ao contraacuterio do sul o que os levaram a apoiar a
emancipaccedilatildeo Foi tambeacutem o caso da Inglaterra com suas colocircnias Libertar uma
quantidade tatildeo grande de escravos como haacute no Brasil de uma soacute vez pode criar
uma situaccedilatildeo de descontrole social alerta Alencar Comentando ainda sobre os
movimentos abolicionistas que vem se sucedendo na Ameacuterica Latina desde as
primeiras deacutecadas do seacuteculo XIX ndash o que aparentemente viria a reforccedilar a instituiccedilatildeo
nos paiacuteses que natildeo aderiram ao processo de emancipaccedilatildeo aleacutem de considerar que
a populaccedilatildeo escrava no Brasil consegue se reproduzir muito mais que em outros
paiacuteses O mais certo seria que a escravidatildeo natildeo se extinguisse ldquopor ato do poder e
sim pela caduquice moral pela revoluccedilatildeo lenta e soturna das ideiasrdquo (ALENCAR
2009 p306) E aparentemente sem muita pressa Mesmo porque haacute tambeacutem o
movimento contraacuterio do senhor de escravos que quer manter sua propriedade
O processo de emancipaccedilatildeo segundo ele jaacute se iniciou no Brasil a ponto de afirmar
que jaacute natildeo temos mais ldquoa verdadeira escravidatildeo poreacutem um simples usufruto da
liberdade ou talvez uma locaccedilatildeo de serviccedilos contratados implicitamente entre o
senhor e o Estado como tutor do incapazrdquo (ALENCAR 2009 p309) Cabe lembrar
que natildeo temos no periacuteodo um movimento abolicionista encapado pelos partidos ou
mesmo pela opiniatildeo puacuteblica Alencar lembra que quantidade de escravos eacute grande
demais para arriscar uma emancipaccedilatildeo por decreto
Trecircs seacuteculos durante a Aacutefrica despejou sobre a Ameacuterica a exuberacircncia de sua populaccedilatildeo vigorosa Calcula-se em cerca de quarenta milhotildees o algarismo dessa vasta importaccedilatildeo Nesse mesmo periacuteodo a Europa concorria para a povoaccedilatildeo do Novo Mundo com um deacutecimo apenas da raccedila negra (ALENCAR 2009 p292)
Alencar sugere que natildeo foi o Brasil do seacuteculo XIX que inicia o processo de
escravizaccedilatildeo nessas terras mas o Europeu o portuguecircs aacutevido de lucros com a
exploraccedilatildeo da colocircnia Exigir que se corrigisse um erro de uma hora para a outra eacute
uma sandice mesmo por que este (o europeu) espera ainda os produtos tropicais
com preccedilos baixos o que uma brusca mudanccedila no processo de produccedilatildeo natildeo
conseguiria manter o que acarretaria perdas tanto para os produtores como para os
mercados consumidores O escravo natildeo entrou na conta A passagem eacute
esclarecedora nesse sentido
O filantropo europeu entre a fumaccedila do bom tabaco de Havana e da taccedila do excelente cafeacute do Brasil se enleva em suas utopias humanitaacuterias e arroja contra estes paiacuteses uma aluviatildeo de injuacuterias pelo ato de manterem o trabalho servil Mas por que natildeo repele o moralista com asco estes frutos do braccedilo africano Em sua teoria a bebida aromaacutetica a especiaria o accediluacutecar e o delicioso tabaco satildeo o sangue e a medula do escravo Natildeo obstante ele os saboreia (ALENCAR 2009 p307)
Alencar explica que um necessaacuterio crescimento da populaccedilatildeo livre deve ser
incrementado para que a partir desta (sugere como a melhor forma a imigraccedilatildeo)
poderaacute haver a substituiccedilatildeo do trabalho escravo Nos Estados Unidos nos conta foi
assim Eacute a imigraccedilatildeo que colocaraacute uma nova ldquocorrdquo no paiacutes e lhe daraacute novo vigor E
coloca a culpa na Europa novamente por natildeo facilitar o envio de imigrantes para
nosso paiacutes Estes viriam de bom grado considerando mesmo ndash e ateacute como
argumento comparativo ndash a qualidade de vida aqui eacute bem melhor que laacute Na
verdade como afirma Prado (2001) os princiacutepios liberais erigiam a liberdade com
base em direitos do homem e natildeo pelo ponto de vista religioso Contestar a
escravidatildeo era tambeacutem contestar todo o antigo regime
A amaacutelgama de raccedilas proposta por Alencar tem por base o fluxo intenso de
imigrantes lusitanos para a Corte do Brasil a partir de 1850 com o fim do traacutefico de
escravos Por conta disso a populaccedilatildeo eacutetnica se altera mas o contingente
populacional se manteacutem praticamente o mesmo entre 1850 e 1872 ldquoa populaccedilatildeo
escrava diminui e a populaccedilatildeo lusitana quase dobrardquo (NOVAIS 1997 p30) Ainda
acompanhando este autor temos a indicaccedilatildeo de que ao fim da deacutecada de 1860
metade da populaccedilatildeo masculina da Corte era estrangeira vinda principalmente de
Portugal Alencar ainda coloca em um comparativo um operaacuterio europeu
trabalhando 12 15 18 horas soacute almeja a liberdade para tentar um outro caminho
que a cidade natildeo lhe oferece A ldquocondiccedilatildeo do nosso escravo comparada com a do
operaacuterio europeu eacute esmagadora para a civilizaccedilatildeo do Velho Mundo [essa liberdade]
eacute o meio um direito o fim eacute a felicidade48 e desta o escravo brasileiro tem um
quinhatildeo que natildeo eacute dado sonhar ao proletaacuterio europeurdquo (ALENCAR 2009p324)
O que se viu dando um breve espaccedilo ao tempo eacute que as criacuteticas de Alencar a
forma como o governo processa o problema da emancipaccedilatildeo (ou seria tambeacutem a
emancipaccedilatildeo a soluccedilatildeo do problema em outro ponto de vista) acabam encontrando
um espaccedilo vazio onde podiam criar raiacutezes visto que as promessas de aboliccedilatildeo no
fim da guerra de forma progressiva e por meio da estimulaccedilatildeo da emigraccedilatildeo ainda
estatildeo na forma como promessas no periacuteodo e a dificuldade de se encontrar uma
soluccedilatildeo (ateacute a aboliccedilatildeo completa claro) abrem precedentes para que o pensamento
de Alencar ndash se natildeo o mais eacutetico ndash acabe se apresentando como o mais coerente A
libertaccedilatildeo como o quer o governo sem um projeto que forneccedila condiccedilotildees de
inserccedilatildeo no novo projeto socioeconocircmico para o receacutem-libertado acabaraacute por
coloca-lo em situaccedilatildeo de miseacuteria caindo na mendicacircncia ou criminalidade A ideia
central de Alencar eacute que mesmo que haja aboliccedilatildeo geral e irrestrita se consiga
garantir que o escravo ldquose for libertado permaneceraacute em companhia do senhor e se
tornaraacute em criadordquo (ALENCAR 2009 p329) De qualquer forma para o senhor de
escravos na economia monocultora exportadora com um mercado flutuante
48 Natildeo eacute difiacutecil encontrar referecircncias aos textos do Utilitarismo de Jeremy Bentham em uma leitura
de Alencar
qualquer justificativa era boa contanto que a escravidatildeo natildeo terminasse naquele
momento nem em um futuro proacuteximo Nesse sentindo o argumento que Ilmar Mattos
(1987) defende eacute de que a relaccedilatildeo do Estado com os interesses da classe
ldquosenhorialrdquo faz com que a coroa assuma o papel de Partido ( nos termos de Gramsci)
natildeo se reduzindo assim agrave figura do Imperador que mesmo acuado pela criacutetica de
Alencar sabe que ele (e mesmo o missivista) satildeo peccedilas de uma organizaccedilatildeo mais
complexa dentro da sociedade Mas a coroa deve resolver tambeacutem os problemas
internos como convergecircncias e divergecircncias garantindo sempre que esta se
atualize
Como parte de um jogo de relaccedilotildees entre poliacuteticos e opiniatildeo puacuteblica eram
aplaudidos ateacute mesmo argumentos romantizados ao estremo como quando Alencar
defende que
A uacutenica transiccedilatildeo possiacutevel entre a escravidatildeo e a liberdade eacute aquela que se opera nos costumes e na iacutendole da sociedade Esta produz efeitos salutares adoccedila o cativeiro vai lentamente transformando-o em mera servidatildeo ateacute que chega a uma espeacutecie de orfandade o domiacutenio do senhor se reduz senatildeo a uma tutela beneacutefica (ALENCAR 2009 p113)
As soluccedilotildees que se propotildeem satildeo muitas mas uma breve reflexatildeo faz cair por terra
todo o conteuacutedo ideoloacutegico que estas carregam Uma situaccedilatildeo se daacute quando da
publicaccedilatildeo em marccedilo de 1868 tambeacutem de uma carta aberta endereccedilada ao
presidente do Conselho e lida perante a cacircmara dos deputados em fins do ano
anterior o Imperador declara abrir matildeo da quarta parte de sua dotaccedilatildeo Conta-nos
Alencar que a imprensa noticiando o caso ldquoem nome da opiniatildeo puacuteblica vos
retribuiu com bonitos e merecidos elogiosrdquo (ALENCAR 2009 p331) o ato que
busca devido agrave deficitaacuteria condiccedilatildeo do Estado auxiliar na organizaccedilatildeo da economia
senatildeo economicamente ao menos simbolicamente Notiacutecia que o parlamento
recebe com aplausos Alencar encontra aiacute uma possibilidade de contestaccedilatildeo do ato
afirmando ainda que natildeo aceita enquanto suacutedito e contribuinte tal donativo visto
que a dotaccedilatildeo natildeo eacute um ordenado pago ao Imperador e a famiacutelia real Eacute o ldquodecoro
do trono e a dignidade da naccedilatildeo como diz-nos a lei fundamental (art 108) que
determina a dotaccedilatildeordquo (ALENCAR 2009 p332) coisas de que este eacute depositaacuterio
enquanto representante da naccedilatildeo e natildeo proprietaacuterio Mais uma vez Alencar estaacute
assumindo a participaccedilatildeo do soberano no contrato O missivista usa seu
conhecimento do direito constitucional para denunciar as accedilotildees da coroa visando agrave
manipulaccedilatildeo ideoloacutegica do povo visto que tais atitudes propriamente simboacutelicas
como o ato de abrir matildeo da dataccedilatildeo (visto que os valores pouco ou nada influenciam
no ressarcimento das perdas do eraacuterio puacuteblico resultantes das uacuteltimas maacutes gestotildees
e dos custos com a guerra chegando mesmo Alencar classifica-las como migalhas)
satildeo uma forma de tranquilizar por meio dos jornais a opiniatildeo puacuteblica quanto a
realidade econocircmica por que passa o paiacutes e refrear as ameaccedilas de contestaccedilatildeo a
ordem estabelecida Sugere que se D Pedro II realmente quiser ajudar a naccedilatildeo que
seja
pondo um termo a esse esbanjamento desordenado que tem exaurido todas as reservas do paiacutes e vai sorver os uacuteltimos recursos do futuro natildeo satildeo os Vossos duzentos contos de reacuteis que vatildeo suprir o vaacutecuo aberto no orccedilamento por uma administraccedilatildeo imprevidente e desasada (ALENCAR 2009 p333)
Natildeo poderatildeo resolver o problema do Rio da Prata que garantiratildeo o creacutedito puacuteblico
ou evitaratildeo uma possiacutevel bancarrota do impeacuterio brasileiro Alencar entatildeo aconselha
que o Imperador continue fazendo uso do dinheiro em suas obras de caridade pois
a recusa dos valores soacute seraacute ldquoum foco de imoralidade e corrupccedilatildeo Carniccedila atirada
ao tempo que a podridatildeo logo decompotildeerdquo (ALENCAR 2009 p334) visto que tal iraacute
fluir para poliacuteticos corruptos e suas necessidades pessoais Se quiser ajudar o paiacutes
evitai que a administraccedilatildeo continue com a guerra que arruinaraacute enfim o paiacutes e
termina solicitando a demissatildeo do ministeacuterio ndash uacutenica soluccedilatildeo ndash como uacutenica forma de
salvar o Brasil e com sua integridade Eacute importante lembrar que D Pedro II conhece
bem a constituiccedilatildeo e apesar dos ataques de Alencar nunca toma uma atitude
defensiva eacute preciso registrar sua permissividade e respeito agrave liberdade de imprensa
como um traccedilo liberal mas como bem anuncia Alencar a criacutetica feita pela imprensa
natildeo encontra respaldo junto a opiniatildeo puacuteblica e as mudanccedilas natildeo satildeo
implementadas impossibilitando mudanccedilas na base administrativa o que pode ser
visto como um traccedilo de totalitarismo
Segundo Carvalho (2007) no modelo parlamentar que se desenvolve no Brasil o
parlamentarismo francecircs eacute a base apesar das constantes referecircncias ao
parlamentarismo inglecircs O gabinete ministerial eacute o elo entre a cacircmara e o imperador
a referenda do poder moderador A carta magna eacute influenciada pelas Constituiccedilotildees
francesa de 1791 e espanhola de 1812 e uma das mais liberais da eacutepoca Nesse
modelo eacute o gabinete que deve explicar-se com a cacircmara sobre os atos da
administraccedilatildeo puacuteblica evitando que se perceba algum resquiacutecio de absolutismo
Sem o gabinete o poder moderador instituiria um ldquodespotismo legalrdquo nas palavras do
senador Vergueiro (CARVALHO 2007) Eacute uma vitoacuteria dos liberais que tentam
garantir que D Pedro II reine e natildeo governe mas natildeo eacute assim que sempre funciona
O senado vitaliacutecio eacute a sombra do imperador - natildeo importando se eacute
predominantemente conservador ou abriga um e outro liberal moderado - que
manda e desmanda com sua influencia dentro dos partidos para garantir apoio a um
ou outro deputado do interior Eacute o tempo que iraacute solidificar as estruturas e o poder e
isto a cacircmara dos Deputados natildeo tinha para si A essecircncia do mecanismo eacute povo
dominado pelos poliacuteticos e poliacuteticos tutelados pelo imperador dentro do quadro
burocraacutetico instituiacutedo (FAORO 2004)
Zacarias de Goacutees e Vasconcelos defendia que o rei absoluto deveria ser distinguido
do rei constitucional natildeo cabendo mais o primeiro no seacuteculo XIX A garantia de
constitucionalidade dos atos do poder moderador estava na referenda feita pelos
ministros que prestavam contas agrave cacircmara O ministeacuterio deve contar entatildeo com a
confianccedila do parlamento Eacute um dado interessante que a maioria dos ministros saiacutesse
do senado e natildeo da cacircmara dos deputados o que garantia que as propostas
administrativas dos gabinetes estivessem mais afinadas com o modelo de governo
esperado pelo imperador O senador escolhido em uma lista triacuteplice apresentada ao
imperador eacute referendado por ele Natildeo havia nesse modelo formas de burlar o
domiacutenio da oligarquia ldquo() calccedilada na vitaliciedade no Senado e no Conselho de
Estadordquo (FAORO 2004 p 354)
A sexta carta datada de 23 de setembro de 1867 portando logo em seguida agrave
publicaccedilatildeo da carta anterior (o que permite aceitar que os textos sejam de certa
forma complementares visto a dificuldades de comunicaccedilatildeo com as frentes de
batalha) que tem a data de 20 de setembro Intitulada estaacute como uma carta ldquosobre a
guerrardquo e visto que a guerra eacute assunto presente em todas as cartas eacute preciso deter-
se um pouco no assunto Alencar inicia seu argumento afirmando de forma
progressiva que ldquoa paz eacute uma grande vergonha () a paz eacute um ato de miseacuteria
() a paz eacute uma vilaniardquo (ALENCAR 2009 p343) mas que o momento torna a
guerra algo insustentaacutevel Culpa o ministeacuterio por natildeo conseguir mais alistar homens
para a batalha e com a consequente falta de braccedilos para a lavoura a economia se
retrai dia apoacutes dia pois o escravo negro cada dia mais eacute presente nas fileiras da
guerra O alistamento feito para a guerra a princiacutepio voluntaacuterio comeccedila a encontrar
resistecircncia O governo forccedila o alistamento e o alistado poderia mandar um escravo
em seu lugar Eacute um impasse complexo para o liberalismo no Brasil Como pode
algueacutem que natildeo dispotildee de sua liberdade ndash nem disporaacute ndash pode lutar pela liberdade
Aproveita ainda o Alencar para dar alfinetadas nos liberais por meio da figura de
Zacarias de Goacuteis afirmando que o temor da guerra (ou mesmo de se responsabilizar
por seus rumos que seria efetivamente o caso) afasta a possibilidade de outro
partido tomar as reacutedeas da politica nacional garantindo a permanecircncia do partido
liberal no poder Critica veementemente a situaccedilatildeo de alistamento de escravos ndash
alguns cedidos por seus senhores para que combatam por eles - no exeacutercito regular
A questatildeo eacute como algueacutem que natildeo goza da liberdade pode lutar pela liberdade
ldquoPor entusiasmo espontacircneo esposando a causa de seus senhoresrdquo (ALENCAR
2009 p350) afirma Sua sugestatildeo eacute que se decirc fim agrave guerra pelo menos por
enquanto para que se resolvam os maiores problemas que satildeo os da poliacutetica
interna comeccedilando pela reorganizaccedilatildeo (ou deposiccedilatildeo claro) do gabinete e o
problema da escravidatildeo e completa consagrando seu momento maacutegico no tempo
a afirmaccedilatildeo de que soacute assim ldquoo paiacutes haacute de recuperar as forccedilas inertes os brios
abatidos O impeacuterio seraacute outra vez o Brasil da independecircncia o Brasil de 1851rdquo
(ALENCAR 2009 p354) Pronto para dar uma soluccedilatildeo os problemas do paiacutes
afirma somente o partido conservador Este ldquonatildeo tem a cumplicidade desta guerra
natildeo o tolhem compromissos do passado Entraria no poder com a imparcialidade do
juiz [e com] bastante civismo para arrostar as dificuldades da guerrardquo (ALENCAR
2009 p355) Um pouco de partidarismo ao fim da carta faz bem o estilo de nosso
missivista
O intervalo entre a penuacuteltima carta publicada em 23 de setembro de 1867 e a Uacuteltima
Carta49 datada de 15 de marccedilo de 1868 eacute grande se comparado ao restante do
conjunto Uma nota ao final (indicada como post-scriptum) assinala que ldquomotivos
imperiosos retardaram a publicaccedilatildeo desta cartardquo (ALENCAR 2009 p389) O uso do
termo ldquoimperiososrdquo eacute um indicio que pode se referir agrave condecoraccedilatildeo oferecida ao
Alencar pelo Imperador no ano de 1867 o oficialato da Rosa pelos serviccedilos
prestados ao paiacutes por meio da literatura Com seu habitual jeito mal educado
Alencar recusa a comenda e D Pedro II consegue uma inteligente cartada de
manipulaccedilatildeo aceitando desta forma as criacuteticas e tirando o Alencar do centro do
universo O episoacutedio da comenda oferecida sem que haja qualquer pretensatildeo de
agradar (assim o diz) ao Alencar mostra publicamente que haacute na figura do
imperador um interlocutor para as cartas E que este sabe muito bem o que lecirc e
sabe tambeacutem responder quando necessaacuterio for
Inicia Alencar aludindo a seu recolhimento explicitando o motivo na ideia de que
tambeacutem a situaccedilatildeo parece ter tido uma pausa Eacute o periacuteodo de encerramento do
trabalho das cacircmaras em Janeiro Caxias assume o comando das tropas aliadas
Alguns rumores correm a cidade conta de que o ministeacuterio pretende mudanccedilas e
encontra certa resistecircncia de D Pedro II A verdade segundo ele eacute que a situaccedilatildeo
deve ter fim A corrupccedilatildeo toma conta do Estado e natildeo se consegue uma
intervenccedilatildeo estando todos preocupados com a guerra natildeo se enxerga a corrupccedilatildeo
na administraccedilatildeo do Paiacutes Alencar sugere que a devassidatildeo que se daacute soacute terminaraacute
quando a consciecircncia do povo mudar ou quando o paiacutes natildeo tiver mais o que ser
corrompido
O corretivo da desmoralizaccedilatildeo sairaacute de seu proacuteprio seio quando natildeo haja mais nada a corromper e a dissoluccedilatildeo tenha-se operado no paiacutes todo entraremos necessariamente no periacuteodo embrionaacuterio de uma nova existecircncia poliacutetica em uma era de reorganizaccedilatildeo (ALENCAR 2009 p358)
Essa visatildeo pessimista tem um pouco de rancor por conta da manobra da comenda
oferecida ao missivista pelo Imperador mas natildeo deixa de levar em conta a proposta
de que agora com as mudanccedilas na direccedilatildeo da Guerra do Paraguai esta encontre
49 Intitulada ldquoUltima cartardquo Alencar dava por fim seu projeto
seu termo e tenha um fim o deacuteficit puacuteblico (que soacute se ampliava e seguiria D Pedro II
ateacute sua deposiccedilatildeo em 1889) e que agora eacute o momento em que D Pedro II natildeo deve
intervir A escolha por Caxias sugerida ateacute mesmo por Alencar poderia mudar os
rumos ateacute aqui e jaacute havia os rumores de que finalmente o Imperador iria ceder aos
apelos do Conde Drsquoeu ndash marido ldquoestrangeirordquo de Isabel ndash para que o enviasse ao
Paraguai e virasse tambeacutem um heroacutei do Brasil (ou encontrasse alguma atividade
qualquer para sua real pessoa) O interesse na guerra chega a ser observado por
Isabel em carta recolhida por Schwarcz No recorte Isabel indica seus medos
Papai me disse que a paixatildeo eacute cega Que a sua paixatildeo pelos negoacutecios da guerra natildeo o tornem cego Aleacutem disso Papai quer matar o meu Gaston Feijoacute recomendou-lhe muito que natildeo apanhasse sol nem chuva nem sereno e como evitar-lhe isso quando se estaacute na guerra (SCHWARCZ 1999 p 485)
Alencar natildeo estava errado haja vista as opccedilotildees que tinha o Imperador em sua
famiacutelia Mas seu conselho eacute a cautela Resolve nesta uacuteltima carta fazer um
apanhado de suas criacuteticas citando o problema da especulaccedilatildeo financeira que
ldquoassalta a riqueza puacuteblica e particular que potildeem em siacutetio todos os interesses
legiacutetimos da sociedaderdquo (ALENCAR 2009 p368) O avanccedilo dos progressistas
dilapidando as bases do governo estruturadas em um modelo de democracia que se
baseia na disputa entre os dois partidos entatildeo majoritaacuterios o liberal e o conservador
a inexperiecircncia dos parlamentares e demais dirigentes chamados por ele crianccedilas
as quais ldquoquase que saiacuteram dos cueiros para as cadeiras da Cacircmara dos Deputados
e para as poltronas ministeriaisrdquo (ALENCAR 2009 p369) lembrando a situaccedilatildeo do
golpe da maioridade com que D Pedro II chega ao poder quando afirma que ldquovoacutes
sabeis senhor e ningueacutem melhor do que voacutes que moralmente eacute a verdaderdquo
(ALENCAR 2009 p369) Critica a gastanccedila e a dilapidaccedilatildeo do tesouro a
depravaccedilatildeo dos costumes e da ordem puacuteblica afirmando que o gabinete eacute corrupto
e que tal corrupccedilatildeo se espalha com o conhecimento e por vezes o apoio da casa
imperial quando permite ldquolanccedilar agraves enxurradas tiacutetulos e condecoraccedilotildees por todo o
paiacutes [onde] com dois contos de reacuteis um aventureiro se condecorava com a fita que
voacutes trazeis ao peito como gratildeo-mestre das ordens brasileirasrdquo (ALENCAR 2009
p370) tatildeo somente com o intuito de captaccedilatildeo de dinheiro Culpa novamente o
Partido Progressista como o verme que destroacutei o paiacutes se vende ao comeacutercio e ldquoo
comeacutercio satildeo alguns indiviacuteduos ou mais atilados ou mais decididos que dirigem o
pensamento dos outrosrdquo (ALENCAR 2009 p371) aprovando ideias projetos e
mudanccedilas na poliacutetica
A situaccedilatildeo do periacuteodo na opiniatildeo de Alencar natildeo eacute de tranquilidade e
desenvolvimento mas de corrupccedilatildeo e descontrole As figuras que aviltam o paiacutes e
estatildeo por toda a parte seguem na narrativa satildeo eles
o parlamentar sem escruacutepulos nem convicccedilotildees que se faz servo de todos os governos () o poliacutetico cheio de cobiccedila que errou sua natural vocaccedilatildeo de agiota () o ministro que para conservar-se no poder natildeo duvida associar-se a indignos instrumentos () o funcionaacuterio puacuteblico sem dignidade ()o negociante que em vez de desenvolver sua atividade no campo livre da induacutestria anda farejando pelas cercanias do poder algum pingue contrato de fornecimentordquo (ALENCAR 2009 p 373-374)
Todos estes constituem o conjunto de forccedilas que atuam dentro do sistema
correndo-o A soluccedilatildeo seria um processo de moralizaccedilatildeo do Estado Por outro lado
sendo atingida em seus preceitos a famiacutelia que ldquoassiste sem querer a essa
representaccedilatildeo da comeacutedia perigosardquo (ALENCAR 2009 p374) que seria o uacuteltimo
refuacutegio da moralidade e a base da sociedade se sente ameaccedilada Cabe lembrar
que essa recusa de Alencar em aceitar mudanccedilas na estrutura dos partidos natildeo
condiz com o pensamento liberal (KENNY 1998) Segundo Alencar
O domiacutenio progressista devido agrave vossa niacutemia complacecircncia natildeo atuou unicamente sobre a poliacutetica sua decidida influecircncia na sociedade na vida privada estaacute bem patente As maacuteximas de governo adotadas nestes uacuteltimos tempos foram insinuando na domesticidade do cidadatildeo ideias e tendecircncias ateacute agora desconhecidas (ALENCAR 2009 p 373)
A deturpaccedilatildeo dos valores morais do ser humano eacute reconhecida nos personagens da
famiacutelia No pai no marido no filho que assistem a tudo e ndash se natildeo se reconhecem ndash
se inspiram A instituiccedilatildeo forte ldquoque repelia com indignaccedilatildeo as mais brilhantes
seduccedilotildees do mal agora flaacutecida e lacircnguida recebe quanto lhe deitam amolda-se a
qualquer pressatildeordquo (ALENCAR 2009 p374) E este eacute o retrato que se ldquoobserva em
geral na vida domeacutestica deste paiacutes Eis o segredo de todas estas defecccedilotildees de
caracteres que diariamente registra a opiniatildeo puacuteblicardquo soacute se tem apreccedilo pelo
dinheiro a cobiccedila ao ldquolar brasileiro onde outrora pendiam com as alegrias da
famiacutelia os penates da religiatildeo e do amor [agora] soacute haacute presentemente um iacutedolo o
bezerro de ourordquo (ALENCAR 2009 p377) E que ouro Eacute ali que ldquotodos os dias se
formam almas progressistas que devem mais tarde substituir os corifeus da
atualidaderdquo (ALENCAR 2009 p377) A moral base da sociedade estaacute subvertida
Vale lembrar que o argumento eacute legal A moral catoacutelica pregada eacute a ordem presente
para todos e assumida na lei dentro do projeto conservador de Alencar Mesmo o
herdeiro do trono jaacute rezava a constituiccedilatildeo poliacutetica do impeacuterio do Brasil de 1824 no
juramento que prestaria perante o senado ao aniversaacuterio de quatorze anos como
indica o artigo 106 se comprometia a manter a religiatildeo Catoacutelica Apostoacutelica Romana
observar a Constituiccedilatildeo Politica da Naccedilatildeo Brasileira e ser obediente aacutes leis e ao
Imperador
Voltando ao texto a sugestatildeo de Alencar eacute a de civilizar o negro ndash influecircncia
perniciosa dentro da famiacutelia - pelo trabalho e em seu contato com o branco - a ldquoraccedila
cultardquo O escravo domeacutestico eacute aquele que estaacute mais proacuteximo dos patrotildees do contato
direto com o branco partilhando de seus segredos seus problemas e suas
deficiecircncias Conhece o cotidiano da casa e partilha de um espaccedilo de limitaccedilotildees
com mulheres e crianccedilas entes de menor valor na sociedade patriarcal do seacuteculo
XIX Natildeo eacute nunca um igual algueacutem que partilha dos mesmos direitos de seus
senhores Eacute sempre um ser inferior que nunca mereceria ser elevado a dignidade
de seus senhores Gorender (2002) nos conta que Thomas Jefferson que foi o
redator da declaraccedilatildeo da Independecircncia dos Estados Unidos segundo a qual todos
os homens satildeo iguais era um grande proprietaacuterio de escravos e natildeo via nenhuma
incoerecircncia nisto pois julgava que os negros pertenciam a uma raccedila de inteligecircncia
inferior Eacute como se Alencar abraccedilasse o princiacutepio juriacutedico baacutesico de diferenciaccedilatildeo
entre naccedilatildeo e populaccedilatildeo onde sua defesa do liberalismo se refere a naccedilatildeo
brasileira e como se a escravidatildeo referisse aos elementos da populaccedilatildeo ndash os
desvinculados a naccedilatildeo brasileira mas de nacionalidade africana transportados para
o Brasil por meio da escravidatildeo Todos dentro de um mesmo territoacuterio mas com
realidades diferentes determinadas pela lei
Tornando ao texto percebe-se aqui uma associaccedilatildeo da cultura negra cooptada
para ldquodentrordquo da famiacutelia e nas relaccedilotildees do patriarcado em oposiccedilatildeo ao elemento
externo tanto o europeu (inglecircs ou portuguecircs ou outro mais) que se estabelece e
passa a usufruir das condiccedilotildees propiacutecias que a coroa ainda permite como o
imigrante com seus valores e idiossincrasias um elemento externo agrave famiacutelia mas
totalmente associada ao contexto das relaccedilotildees econocircmicas do periacuteodo Alencar
sugere uma escolha entre a escravidatildeo e a imigraccedilatildeo os dois males presentes e ao
mesmo tempo as duas soluccedilotildees possiacuteveis para a manutenccedilatildeo tanto do trabalho
como das elites
Podemos admitir que o Rio de Janeiro do periacuteodo se caracteriza como uma
sociedade onde o maior distanciamento social se manifesta com a maior
proximidade social entre os pares senhorescravo (CHARTIER 1999) e eacute a proacutepria
concepccedilatildeo ndash ou usufruto ndash da liberdade que os diferencia Um caso particular eacute o do
escravo domeacutestico Um escravo domeacutestico natildeo eacute um trabalhador do campo um
escravo do eito ndash diretamente ligado agrave produccedilatildeo Pertence ao mundo urbano ao
ambiente da casa-grande e natildeo da senzala O tratamento modelar que propotildee
deriva da questatildeo para a adaptaccedilatildeo do modelo econocircmico escravo para o trabalho
livre a partir da demanda criada pela cidade com novos empregos devido ao
desenvolvimento do capitalismo O modelo que propotildee seria para um escravo da
cidade se adaptar as relaccedilotildees econocircmicas dali para a constituiccedilatildeo talvez de um
proletariado urbano enquanto a massa de matildeo-de-obra agriacutecola permaneceria da
mesma forma enquanto conviesse ao produtor rural ao Senhor de escravos E a
transformaccedilatildeo do modelo deve ser tambeacutem tutelada e monitorada pela Elite Alencar
defende veementemente a tutela posterior do escravo liberto pelo antigo senhor Em
Alencar mesmo que haja o fim do viacutenculo da escravidatildeo os laccedilos criados
permanecem com a tutela e a manutenccedilatildeo da matildeo de obra No fim nada muda
nem mesmo as condiccedilotildees de trabalho O elemento branco masculino europeu
cristatildeo se torna tambeacutem aqui no Brasil o modelo a ser seguido e obedecido
mesmo porque a percentagem de escravos na cidade natildeo era pequena Novais
(1997) informa que a Corte abriga em 1849 em nuacutemeros absolutos a maior
concentraccedilatildeo de escravos urbanos no mundo desde o impeacuterio romano Em 1850
de um total de 206 mil habitantes em aacuterea urbana 79 mil (portanto 36) eram
escravos Sabemos que os padrotildees de comportamento da sociedade acompanham
as mudanccedilas no cenaacuterio poliacutetico que vem a acontecer no Brasil desde o iniacutecio do
seacuteculo XIX isso foi sentido tambeacutem no modelo da famiacutelia Com o fortalecimento
econocircmico do Rio de Janeiro ndash capital do reino ndash a riqueza passa a fazer parte da
cidade e o comeacutercio se desenvolve grandemente A escravidatildeo ainda eacute uma questatildeo
mal resolvida dentro e fora de casa para o desenvolvimento de um liberalismo
poliacutetico e econocircmico Mas essa amalgama proposta por Alencar eacute seu projeto
liberalconservador com a moralizaccedilatildeo do Estado a diminuiccedilatildeo da intervenccedilatildeo
deste nos negoacutecios privados um desenvolvimento do capitalismo ainda ldquoperifeacutericordquo
onde haacute consumidores e natildeo existe produccedilatildeo e a manutenccedilatildeo da escravidatildeo como
base para a agricultura agroexportadora se faz necessaacuteria para a manutenccedilatildeo dos
privileacutegios da elite e garantia de uma induacutestria (agricultura) lucrativa Alencar
concorda com a pregaccedilatildeo dos liberais moderados em que os privileacutegios dos grupos
ligados a propriedade de terra deve ser mantido mesmo que a custo da manutenccedilatildeo
da escravidatildeo pois eacute o que garante o desenvolvimento da economia e da proacutepria
naccedilatildeo O argumento contra a mudanccedila eacute expresso por Evaristo da Veiga em uma
ediccedilatildeo do Aurora Fluminense em 1829 quando diz que os moderados satildeo contra
toda espeacutecie de ldquotiraniardquo contra todos os excessos que possa haver (PRADO
2001) Mas aqui ldquoexcessosrdquo para Evaristo quer dizer atitudes que possam mudar
as condiccedilotildees de produccedilatildeo de forma brusca Extremismos dos liberais radicais que
possam deturpar a ordem estabelecida
Alencar sugere que o clima percebido no paiacutes (na opiniatildeo puacuteblica) anuncia
mudanccedilas revolucionaacuterias talvez E natildeo estamos muito distantes aqui das uacuteltimas
revoluccedilotildees liberais do periacuteodo regencial Zacarias de Goacuteis entatildeo no gabinete eacute um
dos grandes defensores da proposta de que o Imperador reina mas natildeo governa
(chega a publicar um livro sobre o assunto) que D Pedro II natildeo deve interferir
diretamente na administraccedilatildeo ndash leia-se poder moderador Mas segundo Alencar o
gabinete do jeito que estaacute tambeacutem natildeo consegue levar o governo O que haacute de se
esperar Propotildee jaacute que somente com a pressatildeo popular conseguiraacute mudar tal
gabinete ldquodai reacutedeas ao ministeacuterio Quanto mais breve provoque ele o motim com
seus erros menos sofreremosrdquo (ALENCAR 2009 p382) A questatildeo em Alencar
contudo natildeo eacute a defesa do modelo de trabalho escravo A lei garante isto Sua
defesa visa a opiniatildeo puacuteblica e a manutenccedilatildeo dos valores em um quadro em que eacute
preciso ldquoadministrarrdquo o conteuacutedo liberal a ser mostrado sob um filtro conservador
Concordando entatildeo com o que diz Bosi (1988) afirmamos que o liberalismo
defendido por Alencar se apresenta como uma sineacutedoque em que um conteuacutedo
escolhido se torna representativo do todo desvirtuando assim as ideias originais do
liberalismo e criando discurso ideoloacutegico que visa sustentar uma elite no poder
representada pelos latifundiaacuterios ricos comerciantes e traficantes de escravos para
quem a economia agroexportadora baseada no braccedilo escravo trazia lucros e
portanto deveria permanecer como a base econocircmica do Brasil
No uacuteltimo capiacutetulo anuncia a despedida de Erasmo certo de que sua identidade eacute
conhecida Justifica o seu pseudocircnimo dizendo que para se dirigir a figura do
Imperador com um conjunto de criacuteticas poderoso ndash escolhe entatildeo o pseudocircnimo
baseando-se na figura do filoacutesofo e intelectual renascentista que natildeo casualmente
foi tambeacutem professor - como o fez ldquoera necessaacuterio ter um nome respeitado cheio de
prestiacutegio e autoridade Faltando [-me] esse tiacutetulo soacute me restava o da verdaderdquo
(ALENCAR 2009 p385) e eacute a verdade (sob sua oacutetica a de um intelectual do
periacuteodo claro) que foi descrita aqui A soluccedilatildeo para o cidadatildeo comum eacute rir disto
tudo da comeacutedia que se tornou o paiacutes O cidadatildeo cordado diz ou chora ou
gargalha E parece cada vez mais ser isolado de uma efetiva participaccedilatildeo poliacutetica
extremamente necessaacuteria nesse regime constitucional Anuncia que natildeo acredita ser
tudo isto culpa de D Pedro II mas das elites que dominam o povo Termina com
letras garrafais afirmando que ldquoa liberdade nos paiacuteses constitucionais natildeo depende
do rei e soacute do povo () Mas infelizmente do povo que natildeo sabe governar-serdquo
(ALENCAR 2009 p389)
A resposta de D Pedro II viria logo depois com a queda do gabinete Zacarias de
Goacuteis Para o novo ministeacuterio a pasta da justiccedila eacute entregue a Alencar por sugestatildeo
do presidente do gabinete Itaboraiacute no chamado gabinete-bomba sob a presidecircncia
de Itaboraiacute A soluccedilatildeo eacute bem simples para o Imperador e pode parecer como uma
pequena vinganccedila pessoal como Alencar parece conhecer tatildeo bem os problemas
do Brasil ele que os resolva
4 CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
A histoacuteria das antigas religiotildees e escolas como a dos partidos e revoluccedilotildees modernas nos ensina que o preccedilo da sobrevivecircncia eacute o envolvimento praacutetico a transformaccedilatildeo de ideias em dominaccedilatildeo
Adorno e Horkheimer
Para o conjunto das cartas - aqui analisado de forma natildeo exaustiva - haacute muitos
outros aspectos relevantes que dada a dimensatildeo do trabalho natildeo pudemos
alcanccedilar Natildeo se pretende aqui um diagnoacutestico geral e futuro da sociedade brasileira
mas sobretudo a partir do texto a compreensatildeo da situaccedilatildeo poliacutetica econocircmica e
social do periacuteodo na visatildeo de um agente poliacutetico que se apresenta como um
intelectual orgacircnico Sua praacutexis transformadora eacute a criacutetica ao sistema em forma de
mobilizaccedilatildeo da opiniatildeo puacuteblica Esse eacute um exemplo do processo ao qual Gramsci
(1999) chama de catarse a elaboraccedilatildeo da estrutura em superestrutura quando da
tomada de consciecircncia destes leitores da capacidade de transformaccedilatildeo social que
lhes eacute possiacutevel conseguir e que soacute se efetiva a partir da participaccedilatildeo de cada
indiviacuteduo Alencar consegue mobilizar-se (e usar) em um veiacuteculo de comunicaccedilatildeo
com um novo formato e distribuiccedilatildeo com as cartas e alcanccedilar um puacuteblico leitor que
caracteriza a maior parte da opiniatildeo puacutebica do periacuteodo Dissemos anteriormente que
o alcance eacute dado importante na consolidaccedilatildeo da ideologia que eacute preciso partilhar
com o grupo o discurso Deixamos claro tambeacutem que discurso em favor da
manutenccedilatildeo da escravidatildeo natildeo era novo estaacute em debate jaacute com as ideias de Joseacute
Bonifaacutecio no primeiro reinado com os produtores de cana nordestinos e seus
representantes com Euzeacutebio de Queiroz com o grupo saquarema e vaacuterios outros
deputados e senadores que se apresentavam com seus proacutes e contras Alencar
poderia escrever livros e livros justificando a escravidatildeo mas tinha a clareza de que
seu argumento eacute injustificado ndash considerando-se algueacutem que se propotildee um liberal -
e que a aboliccedilatildeo era mais dia menos dia inevitaacutevel Diferindo da accedilatildeo de Gramsci
que pretendia reduzir desigualdades entre todos os homens o nuacutecleo transformador
de Alencar era mais segmentado (afinal ele nunca deixou de ser um representante
da aristocracia) como pudemos observar examinando dos dados sobre o niacutevel de
formaccedilatildeo intelectuais desses grupos mas eacute a disseminaccedilatildeo de suas ideias que as
tornaraacute comum a todos (era esta a sua proposta) determinando assim o curso
contiacutenuo da ideologia
Pudemos observar que o diferencial de Alencar foi identificar uma mudanccedila na
conjuntura poliacutetica com grupos de pressatildeo os mais diversos alimentando a ideia de
uma aboliccedilatildeo da escravidatildeo em um momento que a imprensa ndash entatildeo em
emergecircncia na Corte do Brasil ndash traz novas ideias baseadas no liberalismo poliacutetico e
econocircmico europeu para os grupos perifeacutericos da elite que se configuram como
uma opiniatildeo puacuteblica centrada em uma burguesia citadina que se desenvolve
grandemente no periacuteodo Com isso Alencar busca usar um veiacuteculo de comunicaccedilatildeo
de grande alcance para tentar mobilizar esta opiniatildeo puacuteblica em seu favor no caso
aqui tratado em favor das ideias de manutenccedilatildeo da escravidatildeo Dessa feita
observamos tambeacutem que as cartas poliacuteticas de Alencar objeto de nosso estudo satildeo
uma obra de teor criacutetico poliacutetico-social mas tambeacutem tem como objetivo divulgar o
pensamento de Alencar e consolida-lo como figura valorosa no cenaacuterio poliacutetico da
Corte Seu caminho jaacute foi escolhido eacute o do partido conservador ser-lhe-aacute fiel ateacute o
fim Mas como pudemos observar as diferenccedilas entre os dois partidos natildeo eram
tatildeo acentuadas e os dois acabavam por defender o sistema monaacuterquico O Rio de
Janeiro com a onda de independecircncia poliacutetica nos seacuteculos XVIII e XIX eacute o reduto
monarquista da Ameacuterica Latina eacute bom lembrar
O que tambeacutem pudemos observar no texto de Joseacute de Alencar eacute a tentativa a partir
de estrateacutegias discursivas muacuteltiplas de disseminar um conteuacutedo ideoloacutegico
sugerindo a manutenccedilatildeo de um conservadorismo de molde monarquista e baseado
no regime escravagista Tais estrateacutegias buscam um ldquolugarrdquo diferenciado para o
discurso longe das disputas partidaacuterias longe da possibilidade do debate direto
Isso eacute mostrado na opccedilatildeo para a publicaccedilatildeo das cartas em ldquofolhetinsrdquo textos
impressos tambeacutem em graacuteficas mas natildeo no ldquocorpordquo de um jornal (o que poderia ter
sido relativamente faacutecil para Alencar no momento visto sua posiccedilatildeo como editor de
um importante jornal na Corte) Deslocar o texto da miacutedia ldquojornalrdquo para um veiacuteculo
alternativo desloca tambeacutem o discurso e cria uma situaccedilatildeo confortaacutevel de
hegemonia podemos assim dizer ndash mesmo porque era ele o uacutenico a fazecirc-lo no
momento Um traccedilo do manifesto de Alencar no texto eacute acreditar que o intelectual
tem o dever de iluminar o caminho do desenvolvimento e o desenvolvimento poliacutetico
e econocircmico pregado nas ideias de Alencar tem base nas ideias liberais D Pedro II
se guiaria pela opiniatildeo puacuteblica que pode ndash segundo dados de Alencar ndash ser medida
na publicitaccedilatildeo dos atos do governo pelos jornais E os jornais da Corte nos garante
ele jaacute estatildeo todos nas matildeos do ministeacuterio e o Imperador prefere sempre o caminho
da conciliaccedilatildeo os partidos conservador e liberal natildeo detecircm espaccedilos na imprensa de
grande circulaccedilatildeo e seus pequenos jornais poliacuteticos natildeo satildeo de grande alcance o
que apresenta um campo aberto para o texto de Alencar Eacute dessa forma que
entendemos o que pode ser aqui descrito pelo conceito de bloco histoacuterico
(GRAMSCI 1999) que eacute a articulaccedilatildeo de um conjunto de praacuteticas e concepccedilotildees
para garantir a manutenccedilatildeo de uma situaccedilatildeo histoacuterica determinada
Cabe lembrar que para que a ideologia seja eficaz o discurso deve se manter o
mesmo ignorando as mudanccedilas que possam vir a acontecer (CHAUI 1997) Mesmo
com o fim da escravidatildeo que Alencar sugere eminente eacute preciso que ela se
mantenha por mais algum tempo (e enquanto for possiacutevel) A decorrente captaccedilatildeo
de Alencar para o ministeacuterio vem disso Sua capacidade de reflexatildeo e mobilizaccedilatildeo
foi reconhecida e este que jaacute foi deputado e pertence agraves fileiras do partido
conservador seria devidamente enquadrado nos quadros do governo onde sua
ldquoliacutenguardquo pudesse ser reduzida via cargo puacuteblico juntando-o agrave burocracia passando
assim a fazer parte do governo que criticara Natildeo eacute de todo correto o que os
bioacutegrafos pesquisados aqui como Menezes (1965) Neto (2006) e Aguiar (1984)
dizem sobre a relaccedilatildeo de desconfianccedila ideoloacutegica que D Pedro II teria por Alencar
quando natildeo escolhe em lista triacuteplice seu nome para uma cadeira no senado o
motivo natildeo eacute somente este Com as cartas o imperador vecirc que Alencar eacute mesmo
um elemento importante do conservadorismo e que poderia confiar em suas ideias
e em suas atitudes colocando-o sob os braccedilos do governo A captaccedilatildeo de Alencar
para o ministeacuterio apesar de ele revelar-se extremamente competente segue o
mesmo caminho das condecoraccedilotildees e concessotildees de tiacutetulos que eacute criar uma
aristocracia dependente dos favores da coroa tendo no caso da burocracia o
elemento controlador e deixando o ldquoperigordquo bem a vista do imperador Os motivos
tambeacutem parecem ser de ordem pessoal em um relacionamento que nunca teve
tanta cordialidade D Pedro II como mostramos sequer queria demitir o Alencar do
cargo de Ministro da Justiccedila atestando assim a competecircncia deste
Novamente com Gramsci entendemos que o discurso desenvolvido nas cartas de
Erasmo tem todas as caracteriacutesticas da ideologia partilhada pelas classes
dominantes Alencar tenta se localizar acima do lugar comum acima das outras
miacutedias como o jornal ou mesmo os folhetins que ajudou a popularizar acima ateacute dos
partidos reafirmamos que essa proposta conservadora ndash baseada em uma eacutetica
moral cristatilde ndash eacute parte de um conjunto ideoloacutegico partilhado pelas classes dominantes
(mesmo por segmentos liberais e conservadores) e que tem em vista ndash agora com
Alencar ndash a criaccedilatildeo de uma utopia
A partir de nossa anaacutelise sustentamos aqui que - segundo Chauiacute - a utopia nasce
como gecircnero na literatura constituindo a narrativa sobre uma sociedade perfeita e
feliz e ao mesmo tempo como discurso poliacutetico na exposiccedilatildeo sobre uma forma para
a cidade justa (CHAUIacute 2008) O termo topos em grego significa lugar e o prefixo ldquourdquo
indica um sentido negativo como um ldquonatildeo lugarrdquo ou lugar desconhecido ou ainda
no sentido da obra o diferente do que conhecemos e praticamos eacute a possibilidade
de interaccedilatildeo com a alteridade (CHAUIacute 2008) Eacute esta a proposta de Alencar a utopia
no sentido possiacutevel alcanccedilaacutevel por meio de um conjunto de ideias baseadas no
liberalismo claacutessico com traccedilos marcantes de conservadorismo Seu texto ndash natildeo
lugar ndash eacute lugar de passagem rumo a construccedilatildeo de um fim possiacutevel que ele
acredita indicar como uma postura para a sociedade que comeccedila a se desenvolver
no paiacutes Mas uma sociedade em que as classes satildeo bem definidas a elite o povo e
os outros50 Vale argumentar como jaacute comentado anteriormente no capiacutetulo que
refere a biografia de Alencar sua praacutetica de leitura para um grupo de pessoas Em
Chartier (1999) por exemplo observamos tal praacutetica (dentro da famiacutelia ateacute com
grupos proacuteximos ao nuacutecleo familiar) na Europa ainda nos seacuteculos XVII e XVIII com a
venda avulsa de livros sobre a vida dos santos contos de fadas e romances de
cavalaria ndash para citar os gecircneros com maior venda - por toda a parte para as
50
Um dado interessante eacute o de que Tomas Morus autor do claacutessico Utopia a que nos referimos aqui
natildeo chega a publicar seu livro sendo decapitado a mando de Henrique VIII em 1535 O livro seria publicado poucos anos depois na Basileacuteia (Suiacuteccedila) por Erasmo a quem este estava ligado por laccedilos de amizade
camadas populares natildeo soacute nas cidades mas tambeacutem em lugares os mais distantes
As ideias de Alencar poderiam chegar a mais e mais pessoas sem que o proacuteprio
autor tivesse condiccedilotildees de mensurar tal alcance Mas por outro lado natildeo podemos
ser ingecircnuos e acreditar que tais condiccedilotildees de leitura natildeo fossem - mesmo que
parcialmente - conhecidas por Alencar sendo este um jornalista e autor literaacuterio de
renome e um dos poucos que puderam dizer ainda em vida que vendiam suas
obras
Alencar estava ciente da forccedila de seu projeto e tinha consciecircncia da repercussatildeo
que conseguiu logo depois da publicaccedilatildeo da primeira carta Na segunda ediccedilatildeo das
cartas ao Imperador datada de 1866 e impressa na Typographia de Cacircndido
Augusto de Mello no Rio de Janeiro Alencar escreve na advertecircncia ao texto ndash
referindo-se a publicitaccedilatildeo da primeira ediccedilatildeo que ldquoa tentativa foi bem decidida O
favor puacuteblico a acompanhou e deu-lhe forccedilas e estiacutemulos para progredirrdquo
(ALENCAR 2009 p08) Natildeo haacute uma poetizaccedilatildeo da poliacutetica nem a utopia romacircntica
nesse momento apenas as estrateacutegias discursivas no texto com o objetivo
especiacutefico de disseminar um discurso ideoloacutegico para a construccedilatildeo da verdadeira
utopia O seu modelo de naccedilatildeo que como advogado segue o princiacutepio geral do
Direito e apresenta uma clara separaccedilatildeo entre povo e populaccedilatildeo
Alencar bem sabia o que estava a fazer com as cartas e sabia tambeacutem que estava
sendo acompanhado pelos leitores e tinha condiccedilatildeo de sugerir ldquoopiniotildeesrdquo para esse
puacuteblico enquanto reafirma constantemente sua opccedilatildeo pela aristocracia e a
monarquia ndash confirmando tambeacutem as ideias em defesa da escravidatildeo Em seu
modelo de transformaccedilatildeoconservaccedilatildeo opta pela afirmaccedilatildeo de valores
tradicionalmente aceitos pela burguesia pela moral cristatilde e a preservaccedilatildeo do
modelo da famiacutelia cristatilde do patriarcado e pelo liberalismo econocircmico Um modelo
que deve ndash segundo suas convicccedilotildees - perpetuar-se mesmo com as transformaccedilotildees
sociais que o desenvolvimento da cidade e da sociedade brasileira prenuncia
Cabe lembrar que pode ser observado que os grupos representativos das elites no
Rio de Janeiro jaacute demonstravam um misto de preconceito racial e econocircmico tanto
com a populaccedilatildeo livre e mesticcedila como a populaccedilatildeo de escravos e ex-escravos que
se multiplicava vendo nessas pessoas apenas instrumentos para o trabalho e
obtenccedilatildeo de lucros E sua ideia nos parece claro eacute que permanecessem assim
Cabe lembrar que quando da publicaccedilatildeo das ldquonovas cartas ao Imperadorrdquo entre
186869 a Inglaterra paiacutes que exercia forte influencia na sociedade brasileira tanto
poliacutetica quanto economicamente jaacute dava os primeiros sinais das mudanccedilas de
relaccedilotildees trabalhistas com a liberaccedilatildeo dos sindicatos trabalhistas e o direito de greve
e outros direitos que viriam a integrar o conjunto ateacute 1875 (HOBSBAWN 2011) e
com certa resistecircncia tambeacutem na Franccedila o que consequentemente poderia se
estender e chegar aqui junto com trabalhadores imigrantes europeus modificando
as relaccedilotildees entre patratildeo e empregado - que seriam inevitavelmente muito diferentes
da anterior relaccedilatildeo senhorescravo Acreditamos que nessa perspectiva o estudo
do trabalho de Alencar e suas ideias frente agrave escravidatildeo se torna pertinente visto
que as teorias que se podem classificar como ldquoracistasrdquo e de valorizaccedilatildeo da raccedila
branca soacute vem a se instalar no Brasil em uma eacutepoca senatildeo posterior ao menos
contemporacircnea ao nosso recorte Destacamos aqui baseado no que mostra
Skidmore (1989) o trabalho do historiador inglecircs Henry Thomas Buckle a ldquoHistoacuteria
da civilizaccedilatildeo na Inglaterrardquo publicada em vaacuterios volumes entre 1857 e 1861 que
defendia uma filosofia do determinismo climaacutetico onde as raccedilas oriundas de lugares
de climas mais quentes seriam mais bem adaptadas para o trabalho braccedilal Seu
contemporacircneo Arthur de Gobineau um francecircs que chega a trabalhar no Brasil
como diplomata em 1869 edita seu ldquoEssai sur lrsquoInegaliteacute des Races Humainesrdquo em
1853 aonde defende que a sociedade multirracial que se via aqui soacute servia para a
degeneraccedilatildeo tanto de negros como de europeus criando uma mesticcedilagem fraca e
esteacutereo Outras teoacutericos tiveram suas ideias divulgadas em um periacuteodo posterior e
alguns ficaram bastante conhecidos aqui como no caso do argentino Joseacute Inginieros
e do francecircs Louis Couty que publica um diaacuterio de sua viagem pelo Brasil em 1868
feita com o auxilio de sua esposa trecircs anos antes (SKIDMORE 1989) Cabe
lembrar tambeacutem que a questatildeo do preconceito eacute somente uma parte da histoacuteria
A defesa da instituiccedilatildeo familiar em seu modelo cristatildeo catoacutelico tambeacutem eacute uma
caracteriacutestica do pensamento do missivista Segundo Alencar faz-se necessaacuterio
dentro deste projeto submeter-se a instituiccedilatildeo a certos ajustes optando pela
reafirmaccedilatildeo de valores tradicionalmente aceitos reafirma todo seu modelo como o
adequado e defende que este deve perpetuar-se em detrimento das
transformaccedilotildees sociais que vem ocorrendo com o desenvolvimento da cidade e que
acusa como degradadoras dos valores morais Que eacute preciso acabar com a ineacutercia
do povo (talvez se referindo a necessidade de braccedilos para a lavoura natildeo a
revoluccedilotildees populares) com o egoiacutesmo dos estadistas e a distacircncia que o Estado ndash
na figura do Imperador ndash tem da administraccedilatildeo puacuteblica A constante criacutetica a ineacutercia
do povo configura a afirmaccedilatildeo de que no constitucionalismo todo participam do
processo decisoacuterio a partir do ldquocontrato socialrdquo Entatildeo todos devem se mobilizar
pois satildeo corresponsaacuteveis por tudo na sociedade
A tiacutetulo de organizaccedilatildeo das ideias podemos afirmar que Alencar um intelectual
militante no oitocentos busca na imprensa uma forma de educaccedilatildeo e ao mesmo
tempo de mobilizaccedilatildeo de determinadas camadas sociais que estatildeo na periferia da
elite e que vem estruturando-se como uma opiniatildeo puacuteblica na Corte com um
discurso ideoloacutegico e moralizante marcado pela valorizaccedilatildeo das tradiccedilotildees e pelo
pensamento liberal ndash devidamente adaptado para a realidade escravagista do Brasil
o que vem a se tornar um sistema com caracteriacutesticas ao mesmo tempo liberais e
conservadoras No caso Alencar serve como instrumento para uma multiplicaccedilatildeo da
ideologia da elite aristocraacutetica que se forma no Brasil depois da independecircncia
tendo na Corte do Rio de Janeiro e na defesa das instituiccedilotildees seu nuacutecleo de poder e
seu norte de dominaccedilatildeo Alencar se forma no curso de Direito em 1849 (na turma de
50) e jaacute no iniacutecio de sua militacircncia jornaliacutestica observa os reflexos da restauraccedilatildeo
da Europa depois das malsucedidas accedilotildees da primavera dos povos E segundo
Hobsbawn (2011) as economias se recompuseram e a partir daiacute paiacuteses como a
Alemanha Itaacutelia o impeacuterio dos Habsburgos (para citar alguns) tiveram um
desenvolvimento econocircmico acelerado Era esta a referecircncia direta observada pelo
Alencar para a defesa da monarquia e este deveria ser o modelo para o Brasil
Monarquia e constitucionalismo
Observa-se assim concordando com o que propotildee Foucault (2004) que o poder
natildeo se restringe ao Estado a uma pessoa determinada ou a um grupo de pessoas
este eacute muacuteltiplo e diversificado aparecendo de modo diferente em diferentes esferas
da sociedade O poder no sentido aqui descrito eacute algo que se manteacutem a partir do
aceite do grupo a que este se refere Norberto Bobbio apresenta um conceito de
poder que vai ao encontro do que procuramos Poder eacute ldquoa capacidade do homem
em determinar o comportamento do homemrdquo (BOBBIO 1998 p933) Mais adiante
o autor alarga seu conceito de poder explicitando
O conceito em que conveacutem basear este alargamento da noccedilatildeo de Poder eacute o conceito de interesse tomado em sentido subjetivo isto eacute como estado da mente de quem exerce o Poder Diremos entatildeo que o comportamento de A que exerce o Poder pode ser associado mais que agrave intenccedilatildeo de determinar o comportamento de B objeto do Poder ao interesse que A tem por tal comportamento As relaccedilotildees de imitaccedilatildeo por exemplo onde falta a intenccedilatildeo no imitado de se propor como modelo se incluem em Poder se a imitaccedilatildeo corresponde ao interesse do imitado (como em certas relaccedilotildees entre pai e filho) mas natildeo se incluem se agrave imitaccedilatildeo natildeo corresponde o interesse do imitado (BOBBIO 1998 p 934)
Entendemos que haacute sempre algueacutem predisposto a aceitar o poder Mas como se daacute
tal aceite Eacute justamente nas relaccedilotildees interpessoais as quais se constituem por meio
da internalizaccedilatildeo de discursos alheios No caso de um texto como o apresentado por
Alencar nas ldquoCartas de Erasmordquo eacute por meio de uma relaccedilatildeo de confianccedila que o
leitor passa a ter com o autor como algueacutem que compreende a realidade e a mostra
para este o que sustenta uma relaccedilatildeo de confianccedila entre as partes Entendemos
tambeacutem que essa construccedilatildeo subjetiva da realidade que passa a ser ldquosocialrdquo a partir
do compartilhamento de sua leitura eacute histoacuterica porquanto assume significaccedilatildeo para
os grupos a que se referem A obra eacute entendida como uma conceptualizaccedilatildeo do
mundo onde se constitui como conjuntos de enunciados e eacute o enunciado o portador
da significaccedilatildeo (MORSON 2008) Isso se daacute a partir da construccedilatildeo de uma
representaccedilatildeo social onde haacute sempre a perspectiva da alteridade em forma de
resposta imediata ao texto ou retomada posteriormente Eacute por meio desta leitura das
representaccedilotildees e do poder que entendemos - na concepccedilatildeo de Gramsci - a funccedilatildeo
do intelectual de disseminar ideias propostas e conceitos E mesmo de forma
indireta como um agente de mobilizaccedilatildeo Eacute preciso lembrar que os reflexos da
ldquoprimavera dos povosrdquo ainda estavam presentes na memoacuteria de uma elite que
desenvolvera laccedilos econocircmicos e sociais com naccedilotildees europeias e as elites tinham
a dimensatildeo do que poderia acontecer com a mobilizaccedilatildeo da massa Hobsbawm
(2010) nos mostra a importacircncia dos intelectuais na revoluccedilatildeo de 1848 enquanto
sujeitos de uma praacutexis poliacutetica que senatildeo imprescindiacutevel eacute relevante na
caracterizaccedilatildeo do que tais movimentos viriam a apresentar
Eles [os intelectuais] natildeo eram mais importantes nesta revoluccedilatildeo que em quaisquer das outras que ocorreram assim como nesta em paiacuteses
relativamente atrasados onde o melhor do estrato meacutedio consistia de pessoas caracterizadas por sua escolarizaccedilatildeo e comando da palavra escrita graduados de todos os tipos jornalistas professores funcionaacuterios Mas natildeo havia duacutevida de que os intelectuais eram proeminentes poetas tais como Petoumlfi na Hungria Herwegh e Freiligrath na Alemanha (que pertencia ao corpo editorial da Neue Rheinische Zei-tung) Victor Hugo e o consistente moderado Lamartine na Franccedila (os professores franceses ainda que suspeitos para os governos permaneceram quietos sob a monarquia de julho e supotildee-se terem feito frente com a ordem em 1848) acadecircmicos em grande nuacutemero na Alemanha (a maioria no lado moderado) meacutedicos como C G Jacoby (1804-51) na Pruacutessia Adolf Fischhof (1816-93) na Aacuteustria cientistas como F V Raspail (1794-1878) na Franccedila e uma vasta quantidade de jornalistas e publicistas dos quais Kossuth era entre todos o mais celebrado e Marx provava ser o mais formidaacutevel Como indiviacuteduos tais homens podiam exercer um papel decisivo como membros de um estado social especiacutefico ou como membros de uma pequena-burguesia radical natildeo o podiam
51 (HOBSBAWN 2010 p36)
Tornando ao texto de nossa anaacutelise pudemos perceber como Alencar se aproveita
dos veiacuteculos de comunicaccedilatildeo a que tem acesso para divulgar suas ideias e como
consegue adapta-las aos diferentes formatos que tais miacutedias exigem conseguindo
assim alcanccedilar natildeo somente uma maior quantidade de pessoas mas uma variedade
grande de camadas sociais e a propalada ldquoopiniatildeo puacuteblicardquo com maior intensidade
tentando fomentar a ampliaccedilatildeo da participaccedilatildeo poliacutetica ativa (ao menos enquanto
conscientizaccedilatildeo de um maior grupo tirando a exclusividade da atividade poliacutetica
apenas do recinto parlamentar) podendo ndash e por isso mesmo - ampliar as
possibilidades de alcance do conjunto da dominaccedilatildeo Essa mesma opiniatildeo puacuteblica
que temos alguma dificuldade de representar numericamente mas que eacute elemento
fundamental no periacuteodo E eacute tambeacutem com intenccedilatildeo de ldquoconstruirrdquo uma opiniatildeo natildeo
somente na elite mas em seus representantes mais diretos como o funcionaacuterio
puacuteblico representante de uma administraccedilatildeo centralizadora que fatalmente deveria
promover pelo paiacutes a ideologia do Estado No dizer de Uruguai o agente da
administraccedilatildeo puacuteblica eacute efetivamente um agente da centralizaccedilatildeo (MATTOS I
1987) D Pedro II chega a escrever agrave princesa Isabel em um dos momentos que
esta assume a regecircncia prevenindo-a contra uma possiacutevel maacute interpretaccedilatildeo das
notiacutecias e criacuteticas publicadas nos vaacuterios jornais da Corte considerando que o
ldquosistema poliacutetico do Brasil funda-se na opiniatildeo nacional que muitas vezes natildeo eacute
manifestada pela opiniatildeo que se apregoa como puacuteblicardquo (FAORO 2004 p 343)
Mas natildeo podemos esquecer que ateacute o momento (estamos no segundo reinado) natildeo
51
O grifo eacute meu
haacute como mensurar tal opiniatildeo puacuteblica ou a dimensatildeo das accedilotildees que esta possa
alcanccedilar A preocupaccedilatildeo imediata de D Pedro II seria com o que poderiacuteamos
chamar de os ldquoformadoresrdquo de uma opiniatildeo puacuteblica Com o texto dos agentes
poliacuteticos publicados em jornais ou outras miacutedias em um momento privilegiado de
liberdade de imprensa
Fica claro que a defesa da escravidatildeo eacute para Alencar necessaacuteria no momento -
tendo mesmo a certeza de a aboliccedilatildeo natildeo tardaria - funcionando como um discurso
que busca retardar a disseminaccedilatildeo de ideais progressistas e abolicionistas para o
conjunto da opiniatildeo puacuteblica conquanto esta passa a ser um elemento de pressatildeo
sobre as elites que controlavam o sistema econocircmico vigente e ele busca seus
argumentos nos teoacutericos liberais europeus O que se vecirc em Alencar natildeo eacute uma
discussatildeo sobre o direito de propriedade de um ser humano sobre o outro isto estaacute
posto pela legislaccedilatildeo a praacutetica do cativeiro eacute legitimada pelo Estado brasileiro O
que temos satildeo as criacuteticas de Alencar a forma como o governo trata o problema
inevitaacutevel da emancipaccedilatildeo com promessas de aboliccedilatildeo ao fim da guerra de forma
progressiva e por meio da estimulaccedilatildeo da emigraccedilatildeo Tais promessas natildeo se
efetivam o que abre um precedente para que o pensamento de Alencar ndash se natildeo o
mais eacutetico ndash acabe se apresentando como o melhor aceito pelas elites e sendo
reproduzo Outro ponto a ser lembrado eacute que com o fim do traacutefico a partir de 1850 e
a expansatildeo das lavouras cafeeiras no interior do Rio de Janeiro e Satildeo Paulo haacute
tambeacutem uma transferecircncia gradual de escravos urbanos para essas regiotildees Com o
aumento do valor do escravo no mercado interno vaacuterias famiacutelias venderam seus
cativos para as fazendas causando uma consequente diminuiccedilatildeo no percentual da
escravaria na corte e outros nuacutecleos urbanos (NOVAIS 1997) A pulverizaccedilatildeo da
posse de escravos na cidade regride o que em pouco tempo pode levar a uma
mudanccedila de consciecircncia da opiniatildeo puacuteblica centrada na Corte sobre a escravidatildeo
Em uma foacutermula simples Quando todos possuiacuteam escravos isto era visto como algo
comum Quando soacute os ricos cafeicultores passaram a possuiacute-los isto se tornava
errado e antiquado para um paiacutes em desenvolvimento Alencar vai contra isto e
confirma em seu texto os valores do conservadorismo assumindo uma postura que
podemos chamar de liberalconservadora Admitindo isto concordamos com o que
propocircs Bosi (1988) que o liberalismo defendido por Alencar pode ser resumido em
uma figura de linguagem uma sineacutedoque em que uma parte do conteuacutedo eacute tomada
como um todo uniforme desvirtuando assim as ideias originais do liberalismo e
criando novo discurso ideoloacutegico e conservador para sustentar um grupo que se
impotildee no poder Em Alencar se vecirc a escolha da ldquoparte pelo todordquo como em uma
sineacutedoque Alencar defende que se uma parte da populaccedilatildeo estaacute na direccedilatildeo do
Estado e da economia e tem privileacutegios eacute porque essa parte conseguiu consolidar
seu poder pessoal e pode organizar um projeto poliacutetico de desenvolvimento para
que o todo da naccedilatildeo se desenvolva entatildeo satildeo essas pessoas que tem o ldquodireitordquo de
representar a naccedilatildeo Eacute o que pudemos observar
Constatou-se tambeacutem que a situaccedilatildeo do Brasil no periacuteodo segundo Alencar natildeo eacute
de tranquilidade e desenvolvimento mas de corrupccedilatildeo e descontrole Com o
parlamento repleto de elementos sem escruacutepulos ou convicccedilotildees que tomam as
riquezas o paiacutes com sua cobiccedila Alencar defende um Estado de leis com pulso forte
e mesmo a interferecircncia do Imperador para garantir que isto natildeo mais acontecesse
Era apenas assim que se garantiria a ordem puacuteblica e as ldquonecessidades puacuteblicasrdquo
seriam supridas o que natildeo era apenas uma opiniatildeo de Alencar mas uma visatildeo do
Estado compartilhada por boa parte dos homens que passaram pela administraccedilatildeo
puacuteblica no segundo reinado (MATTOS I 1987) Os gabinetes que se seguem sem
estrutura ou conhecimento administrativo levam o paiacutes agrave bancarrota com seus erros
constantes devido a sua ineacutepcia com a coisa puacuteblica O conjunto de instituiccedilotildees que
atuam dentro do sistema estatildeo corroendo-o por conta da ganancia da elite com o
dinheiro do Estado Do outro lado sendo atingida em seus preceitos a famiacutelia que
ldquoassiste sem querer a essa representaccedilatildeo da comeacutedia perigosardquo O que seria o
uacuteltimo refuacutegio da moralidade e base da sociedade
Por fim entendemos que como o sugeriu Carvalho (2007) em uma reflexatildeo sobre o
impeacuterio os fatos mostrados aqui podem ateacute ser reconhecidos pelos estudiosos e jaacute
trilhados mas as explicaccedilotildees tendem a ser insatisfatoacuterias por isso a necessidade
constante de revisitar textos do periacuteodo e teorias Ao mesmo tempo lembrando
Norberto Bobbio (1997) em uma reflexatildeo sobre seus escritos ao enfrentar o tema da
relaccedilatildeo entre os intelectuais e a poliacutetica em frente ao oceano de textos sobre o
tema dizia sentir-se como a crianccedila que despejando um copinho drsquoagua no mar
acreditava estar aumentando o seu niacutevel Eacute como nos vemos aqui Poreacutem
acreditamos ter conseguido demonstrar a presenccedila de um discurso
liberalconservador nas cartas de Erasmo como estrateacutegia discursiva de
disseminaccedilatildeo ideoloacutegica Os dados obtidos nos permitem dizer que nossa hipoacutetese
de que por meio de um discurso poliacutetico conservador vinculado as propostas
ideoloacutegicas das elites escravocratas disseminado pelos jornais e panfletos do
periacuteodo os intelectuais construiacuteram uma imagem paradoxal do liberalismo para o
Brasil no segundo reinado pocircde ser confirmada
As confluecircncias entre tais extremos (liberalismo x conservadorismo) natildeo satildeo
ineacuteditas visto que Hobsbawn (2010) por exemplo pode demonstrar a mobilidade de
agentes poliacuteticos partiacutecipes de movimentos liberais moderados e ateacute mesmo
radicais para as linhas dos partidos conservadores quando os movimentos
revolucionaacuterios da ldquoprimavera dos povosrdquo em 1848 tendiam a modificar a ldquoordem
socialrdquo organizando liberais e conservadores em movimentos unificados ndash onde as
ideias de ambos os lados acabavam por se adaptar as necessidades de
sobrevivecircncia de tais grupos - para uma retomada do poder para as elites europeias
No Brasil a elite nem por um minuto descuidou de estar com as duas matildeos nas
reacutedeas do poder
Por fim esperamos tambeacutem que nosso trabalho tenha sido uacutetil para exemplificar
algumas das muitas relaccedilotildees de poder que existiram (e existem) na relaccedilatildeo Estado
ndash cidadatildeo mediadas pela ideologia atraveacutes de um de seus muitos colaboradores
os intelectuais e ajudar na compreensatildeo de tema tatildeo complexo como a relaccedilatildeo dos
intelectuais com a elite e o poder
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Paulo HUCITEC Brasiacutelia INL 1977
6 ANEXOS
Figura 1 Fac-siacutemile da segunda ediccedilatildeo das Cartas ao Imperador impressa na
Typographia de Candido A de Mello em 1866 Alencar era um autor reconhecido
ainda em vida conseguindo publicar ndash e vender ndash natildeo somente obras literaacuterias mas
tambeacutem estudos sobre poliacutetica e legislaccedilatildeo
Figura 2 Fac-siacutemile da ediccedilatildeo das Cartas ao Povo impressa na Typographia de
Pinheiro e Companhia em 1866 Logo abaixo texto da contra capa indicando pelo
editor o modo de distribuiccedilatildeo do material
Figura 3 Folha de rosto da carta ao M de Olinda onde se vecirc a citaccedilatildeo de Joacute 333
O Diaacuterio do Rio de Janeiro apesar de sustentar uma postura apoliacutetica exibia
cotidianamente (desde seus primeiros exemplares) em suas primeiras paacuteginas o
resumo das seccedilotildees da cacircmara dos deputados e do Senado
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