Habitação e reabilitação urbana
A ESPECULAÇÃO NÃO
RESOLVE
Há prédios devolutos em toda a cidade. Em Belém, Campo de Ourique, Graça,
Alcântara, Saldanha, Baixa, Marquês de Pombal, Avenidas Novas, Lapa... Um
total de cerca de cinco mil edifícios vazios, degradados ou em risco de ruína, e
55 mil fogos que poderiam ser a casa de muita gente.
A situação actual resulta de décadas de política urbana assente na nova
construção e no abandono dos centros históricos e da malha urbana
consolidada. O frustrado projecto da Torre da Cidade (Av. Fontes Pereira de
Melo, 39-43B) é expressão do modelo de cidade, muito em voga nas décadas
de 80 e de 90, mas hoje falido: o projecto megalómano, depredador de
património e desfasado da malha envolvente.
O executivo liderado por António Costa veio criar expectativas de
mudança sem que, no essencial, a tenha realizado:
Manteve-se a aposta na construção nova, concretizada aprovação de
planos de pormenor que permitiram acelerar o seu licenciamento, como
é o caso do PP da Matinha, do Jardim Botânico, da Urbanização de
Alcântara ou do Vale de Santo António.
A reabilitação centrou-se no espaço público. Nas palavras do
responsável do pelouro do urbanismo, em 2007, Manuel Salgado, a
reabilitação dos privados deve caber aos privados, à câmara a
reabilitação do espaço publico e o edificado municipal.
Na prática, as soluções encontradas privilegiaram a venda de imóveis
municipais degradados a fundos de investimento, que poderão colocá-los no
mercado ou não. Por outro lado, a reabilitação do espaço público – para que
fosse depois concessionado a privados - surge associada a operações de
marketing para atracção de investimento em reabilitação para equipamentos
hoteleiros. Estas tendências, conjugadas a liberalização das rendas e a
facilitação dos despejos, contribuiu para dar um novo alento ao sector
imobiliário, guiado por uma lógica especulativa, que se assume força
motora da reabilitação urbana.
Trata-se de uma política que tem programas e marcas, mas não tem recursos e
tem por base uma orientação profundamente errada - a de que a reabilitação
dos imóveis para habitação não é uma responsabilidade do município.
Do Saldanha à Baixa: assinalando as oportunidades perdidas
Ao fim de seis anos, o executivo chegou tarde à reabilitação urbana e procura,
a poucos meses das eleições, compensar (ou disfarçar) o tempo perdido. Mas
sabemos que não é possível continuar a enterrar a cabeça na areia, nem
ajeitar A situação de emergência económica e social que a cidade e o país
vivem assim o obriga, sendo essencial a tomada de consciência do que se está
a passar - e de forma muito acelerada - no centro de Lisboa. Com este
percurso, de cerca de 2 000 m, passaremos por mais de rinta prédios
devolutos, são alguns exemplos concretos dos resultados desta política e
relembrar como é possível responder ao essencial: fazer face às
necessidades de habitação; inverter a tendência de perda de população
das ultimas décadas.
Uma parte dos prédios devolutos assinalados pertence a pequenos
proprietários e outra parte a empresas do sector imobiliário e a fundos de
investimento imobiliário (FII) que, na maior parte dos casos, adquiriram os
imóveis a pequenos proprietários visando a obtenção de dividendos a partir
especulação sobre o valor de aquisição dos imóveis. Para estas empresas,
prédio vazio representa menos custos e compromissos com quem lhes dê uso.
Mesmo sem dar qualquer uso ao imóvel e deixando degradar-se, os FII não
são penalizados e antes pelo contrário, estão isentos de imposto. Têm também
cada vez mais o licenciamento e os instrumentos de regulação do território
como o PDM e os planos de Pormenor e Salvaguarda ao seu serviço.
A combinação da nova lei das rendas com os planos de pormenor que têm
sido aprovados (veja-se o da Baixa Pombalina, ou o do Parque Mayer/Jardim
Botânico), ou o PDM, associam-se, favorecendo e acelerando a lógica da
especulação. A reabilitação que se faz desta forma é casuística e é virada
única e exclusivamente para o mercado de luxo.
Há que interromper estes processos que, além de degradarem as nossas
cidades, estão a expulsar a vida destas, o comércio e as pessoas na sua
diversidade de classes, culturas e idades.
Avenida Fontes Pereira de Melo
Nº de porta: 39-39/A, 41 e 43-43/B
Conjunto de prédios petencentes à empresa
Torre da Cidade - Promoção Imobiliária e
Hotelaria, S.A., uma empresa de compra e
venda de bens imobiliários criada pela
CONDESA HOLDING N.V. ao Grupo FIBEIRA,
SPGS-S.A. (a quem pertence, por exemplo, o
ATRIUM SALDANHA) e constituida em 1989
para concretizar este empreendimento. Para este quarteirão foi projectado uma
torre de de habitação e hotel, também conhecida por edifício COMPAVE, com
um total de 33 pisos, 105m. Arquitecto: Ricardo Bofill. O projecto não foi
aprovado.
Nº de porta: 18, 22 e 24
Os edifícios pertencem ao Millenium BCP há vários anos.
RUA DE SANTA MARTA
Nº de porta: 70
Propriedade em nome individual.
Nº de porta: 61, 63 e 65 (+Rua Camilo Castelo Branco, s/n)
Antigo Convento de Santa Joana, Rua de Santa Marta, 61 a 65 B, Lisboa
Com um área aproximada de 5.700 m2 e uma área Bruta de Construção
potencial aproximada de aproximadamente 18.700m2 , este imóvel tem um
valor histórico e patrimonial incontestável. Pertencente ao Estado até 2010, foi
adjudicado por ajuste directo, à ESTAMO - Participações Imobiliárias, parte da
Sagestamo, uma empresa de capitais 100% públicos que tem como missão
apoiar a gestão e valorização do património imobiliário público, através da
criação de valor, para o accionista público, na realização de operações
imobiliárias privilegiando a aquisição e arrendamento de imóveis ao Estado e
outros entes públicos e a revenda ou a venda após acções de promoção e
valorização a privados. O Valor Referência para venda é de 6.000.000 euros.
Nº de porta: 46-46D (+Travessa do despacho, 19-27)
Pertence à PLANIVIS - Gestão e Planemaneto de Empreitadas, uma empresa
que dinamiza projectos imobiliários próprios e/ou em parceria com outras
organizações, desde 2008. Trata-se de investimento direccionado para a
HOTELARIA ou Serviços/Comércio ou Habitação. O conjunto de imóveis tem
uma área de terreno de aprox. 1.250 m2 e uma área actual de construção de
aprox. 3.600 m2 que poderá chegar a uma área de cerca de 5.200 m2 acima
do solo e de 5.000 m2 em cave (4 pisos).
Nº de porta: 40 e 40A (+Rua do Prior Coutinho 61-63)
Propriedade em nome individual.
Nº de porta: 25 a 25B (+Rua Rodrigues Sampaio, 46)
FINIRADE - Investimentos Imobiliários, desde 2009.
Nº de porta: 22 a 22B (Travessa Larga 8-14; Beco de Santa Marta, 5)
Câmara Municipal de Lisboa
Nº de porta: 12
Propriedade em nome individual.
Nº de porta: 6
Propriedade em nome individual.
Nº de porta: 5 e 5A (+Rua Rodrigues Sampaio, n.º 12 a 16)
Pertencente a Vitor Madeira Construções, S.A. Construção de edifícios (residenciais e não residenciais)
Rua de São José
Nº de porta: 210-218
Santa Casa da Misericórdia de Lisboa. Não é conhecido projecto para este prédio. Ao contrário do que seria expectável, esta institução tem um política Gestão Imobiliária e Património, não orientada para objectivos de acção social, mas antes para a rentabilização e valorização do património, através do seu arrendamento, reabilitação, reconversão. O objectivo é a criação de receitas destinadas a reinvestir na prossecução da missão da instituição. Pratica preços de arrendamento segundo os preços do mercado – os preços dos imóveis actualmente disboníveis para arrendamento (habitação) variam entre os 600 e os 1200 euros.
Nº de porta: 179
Propriedade em nome individual.
Nº de porta: 120-124
Propriedade em nome individual.
Nº de porta: 55
Andrade e Vasques, Lda, desde 1964
Nº de porta: 51
Propriedade em nome individual.
Nº de porta: 41
Entre 2005 e 2010, este prédio pertenceu ao ESPÍRITO SANTO RECONVERSÃO URBANA – Fundo de Investimento Imobiliário Fechado. Trata-se de um fundo com um volume de negócios na ordem dos 30.152.853,03 €, que visa a realização de projectos de construção e de reabilitação de imóveis, para revenda, arrendamento ou outras formas de exploração onerosa. O imóvel com uma área total de 344 m2 foi adquirido por 1.640.515,49 euros. O projecto de arquitectura foi aprovado em Setembro de 2008, o licenciamento aconteceu em Fevereiro de 2012 e cinco meses após aprovação de licença de construção, o prédio foi vendido à HAPIMAG – AG por 2.850.000 Euros. O negócio representou uma rentabilidade anualizada de 10,03%. Não foram efectuadas retenções na fonte sobre rendimentos prediais obtidos pelo Fundo devido à dispensa de retenção na fonte de imposto sobre esses rendimentos, quando obtidos por fundos de investimento imobiliário, de acordo com a alteração introduzida pelo Orçamento de Estado para 2002.
Fontes de informação:
http://web3.cmvm.pt
Nº de porta: 37 e 39
Não foi encontrado nos registos
RUA BARATA SALGUEIRO
Nº de porta: 1
Propriedade em nome individual.
PRAÇA DO ROSSIO (Praça D. Pedro V)
Sociedade Hoteleira SEONE
Nº de porta: 39-41
"Fundo de Investimento imobiliário CA Património crescente gerido por SQUARE ASSET Manegement, Sociedade Gestora de Fundos de investimento imobiliário, SA (desde 2009)"
Nº de porta: 102
Sociedade Hoteleira SEOANE, S.A.
Rua Augusta
Nº de porta: 30 e 32
Câmara Municipal de Lisboa. Comprado ao BNU em 2010.
Rua da Prata
Nº de porta: 150-160
Santa Casa da Mesiricórdia de Lisboa
Rua dos Douradoures
Nº de porta: 100 (+Rua da Vitória, 12)
Santa Casa da Mesiricórdia de Lisboa
Rua dos Fanqueiros
Nº de porta: 119-127
Fundo Investimento Imobiliário Fechado, CORPUS CHRISTI, um FII em Abril constituído em 2010 e gerido pela Gesfimo”. Este FII comprou nesse mesmo ano este quarteirão à Companhia de Seguros Tranquilidade, S.A., pelo valor de 11.889.230,78 euros, por um preço superior ao da sua avaliação. Está previsto a contrução de um hotel. Alguns lojistas já deixaram os estabelecimentos que ocupavam, e nas lojas deixadas vagas decorrem actualmente escavações arqueológicas, por se tratar de património classificado.
PARA FAZER O ESSENCIAL
As propostas do Bloco de Esquerda
O que faz uma cidade, antes do betão e do alcatrão, são as pessoas que a
ocupam e lhe dão vida. Fazer a cidade é juntar pessoas, e uma cidade é tão
boa quanto a qualidade de vida que proporciona a quem a ocupa. Por isso, o
único interesse que serve de critério para uma política de esquerda na cidade é
o interesse dos cidadãos.
Os problemas da habitação em Lisboa já podem considerar-se crónicos, e a
crise contribui para torná-los ainda mais agudos. Além disso, estas eleições
realizam-se no contexto da aplicação de uma lei das rendas que irá gerar uma
emergência social a que a CML nãopode ser alheia.
Uma política com estas características exige recursos municipais. É um facto
que asituação financeira da Câmara coloca limitações do ponto de vista
financeiro; mas não é menos verdade que a CML possui alguns recursos que
podem ser mobilizados, nomeadamente o seu parque edificado e uma bolsa de
terrenos municipais, que inclui algumas das melhores áreas para construção
dentro da cidade.
Estes recursos devem ser aproveitados de forma criteriosa, em vez de serem,
como têm sido, desbaratados de forma irreversível. A política de médio-longo
prazo deve ir no sentido de aumentar, e não diminuir, o parque edificado da
Câmara, de forma a que o município fortaleça um instrumento estratégico de
intervenção no mercado: a bolsa de arrendamento.
O ponto de partida para essa política de habitação é uma atitude corajosa de
penalização da manutenção deliberada de imóveis devolutos, degradados ou
não, dentro da cidade. Essa penalização exige o alargamento aos fundos
imobiliários da tributação em sede de IMI, tributação essa que deve ser
fortemente agravada no caso dos fogos devolutos — enquanto esse
alargamento não é imposto pelo Estado central, a CML deve aplicar-lhes uma
taxa municipal agravada e crescente. Esta tributação tem como objetivo
penalizar a não-ocupação de imóveis e impor a sua colocação no mercado.
Em situações em que esta medida não seja suficiente, a CML deve efetuar uma
tomada de posse administrativa, para colocação numa bolsa de arrendamento.
Esta política tem de ser combinada com a criação de um Fundo Municipal de
Reabilitação, que apoie os proprietários que querem colocar os seus imóveis
no mercado, mas não têm condições para fazê-lo. O fundo deve mobilizar
receitas municipais decorrentes do agravamento do IMI e da taxa municipal
sobre fundos de investimento, do arrendamento dos imóveis municipais e de
uma taxa de 0,5 por cento sobre o valor de todas as dormidas em hotéis da
cidade de Lisboa. Além disso, este fundo deve ser utilizado para atrair
financiamento privado e fundos europeus, em detrimento das parcerias para a
construção nova que estão a ser promovidas atualmente.
O Bloco defendeu, desde os seus primeiros programas para a cidade de
Lisboa, uma moratória sobre a construção nova, em benefício da reabilitação.
Hoje, essa medida é quase redundante, tal é a gravidade da crise no setor do
imobiliário. No entanto, a mudança da prioridade, da construção nova para a
reabilitação, mantém-se plenamente atual. Embora haja necessidades de
construção nova, a médio prazo, em algumas zonas de ligação, para promover
uma melhor continuidade da malha urbana, essas deverão ser asseguradas
pelo próprio município, como forma de aumentar o seu parque edificado para
habitação. A grande emergência na área da habitação é a reabilitação de
edificado ocupado e desocupado.
O Fundo Municipal de Reabilitação é um instrumento fundamental a esse nível
e deve atuar em várias modalidades:
a) Cofinanciamento a juros vantajosos de obras de reabilitação realizadas
voluntariamente pelos proprietários;
b) Financiamento total de obras, coercivas ou voluntárias, quando os
proprietários não tiverem recursos próprios. O imóvel só deverá ser devolvido
aos proprietários após recuperação do investimento camarário, através de
arrendamento nos anos imediatamente a seguir à reabilitação.
c) Reabilitação do parque habitacional degradado da própria Câmara.
A Câmara Municipal deve ainda criar um Gabinete de Aconselhamento, que
apoie quer os proprietários quer as empresas de construção no sentido de
promover as melhores práticas de reabilitação e introduzir a componente
energética em todas as obras de reabilitação.
Este gabinete é decisivo porque, sendo necessário promover uma deslocação
do investimento
privado da construção nova para a reabilitação, é igualmente necessário apoiar
um alargamento de competências no setor, que permita dar resposta à
mudança de prioridades. Uma das funções do gabinete deve ser a de proceder
ao levantamento dos problemas mais graves de habitabilidade, ao nível da
segurança (estrutural, contra incêndios ou intrusões, etc.), conforto,
salubridade, eficiência energética, etc.
A partir desse levantamento, o Gabinete de Aconselhamento deverá promover
(em parceria com a Administração Central) ações de formação que associem a
componente de preservação do património arquitetónico, ao nível das
estruturas e dos acabamentos (em particular nos bairros históricos), com uma
forte componente de resolução de problemas funcionais do edificado.
O ponto essencial para uma nova política de habitação é o investimento de
todos os recursos do município na dinamização do mercado de arrendamento,
aumentando a oferta em todos os segmentos. Para isso, é necessário oferecer
condições favoráveis aos proprietários, seja ao nível do financiamento ou
cofinanciamento, seja ao nível da intermediação de contratos de arrendamento,
retirando os riscos inerentes à responsabilidade dos proprietários.
Esse investimento deve conter a criação de uma bolsa de arrendamento, que
inclua:
a) Imóveis do município que estejam habitáveis e os restantes, após
reabilitação;
b) Imóveis de particulares que tenham sido reabilitados pela Câmara, até que
seja recuperado o investimento realizado;
c) Imóveis de particulares que queiram usar a Bolsa de Arrendamento como
intermediário para os seus contratos de arrendamento;
d) Imóveis que venham a ser requisitados por se encontrarem
d) Imóveis que venham a ser requisitados por se encontrarem
persistentemente devolutos;
A Bolsa de Arrendamento deve constituir-se como o principal instrumento de
intervenção no mercado de habitação, pressionando para a baixa de preços
através do aumento da oferta. Desta forma, promove-se a opção de quem vive
na cidade pelo arrendamento, e o regresso a Lisboa de quem foi forçado a
abandoná-la.
Top Related