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INTRODUÇÃO.............................................................................................................2

1. Evolução histórica do processo judicial...................................................................5

1.1. Período primitivo...............................................................................................5

1.2. Processo Civil Romano (754 a.C. a 568 d.C)....................................................7

1.3. Processo Romano-Barbárico (568 a 1100 d.C)..............................................11

1.4. Período da Elaboração do Processo Comum (1100 a 1500)..........................12

1.5. Período Moderno (1500 a 1868).....................................................................13

2. Evolução do Processo Civil Brasileiro...................................................................15

1.6.1. As Ondas Reformadoras do CPC de 1973...............................................20

1.6.2. Sincretismo de Tutelas.............................................................................22

1.7. Breve história do Judiciário Brasileiro.............................................................23

3. Processo Judicial Eletrônico..................................................................................28

3.1. Acesso ao sistema..........................................................................................28

3.1.1. Certificação Digital....................................................................................29

3.2. Prazos.............................................................................................................30

3.3. Comunicação de atos processuais.................................................................31

3.4. Intimações e Citações.....................................................................................31

3.5. Digitalização....................................................................................................32

3.6. Distribuição das petições................................................................................33

3.7. Desenvolvimento dos Sistemas......................................................................34

Conclusão..................................................................................................................36

Referências Bibliográficas.........................................................................................38

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INTRODUÇÃO

A crescente complexidade das relações sociais, aliada a uma explosão

populacional da espécie humana, tem feito com que os conflitos a serem dirimidos

pela força do direito cresçam em progressão geométrica. (Clementino, 2007, p. 53).

Por meio do processo são empreendidas as medidas coercitivas que

fazem cumprir as decisões tomadas no decorrer do processo de conhecimento, pela

via da execução. Existe ainda a possibilidade de assegurar, também por meio do

processo, o cumprimento imediato de uma obrigação que ainda está sendo discutida

ou que sequer foi pleiteada em juízo. Neste caso, estamos falando do procedimento

cautelar.

No tocante aos procedimentos existentes nos processos, a todos são

dadas determinadas garantias constitucionais, relacionadas ao processo judicial.

Dentre elas podemos citar o direito de petição, a garantia ao devido processo legal,

o direito ao contraditório e à ampla defesa; institutos que visam a efetiva prestação

jurisdicional nos atos da vida social, dentro dos padrões da legalidade.

Entretanto, muitas vezes o processo leva anos para ser julgado e quando

o é, torna-se difícil cumprir a sentença, pois o réu desapareceu ou não possui bens

para penhora.

O ser humano, matéria-prima do direito, evolui. Assim como o homem

evolui, com ele evolui o direito. Assim foi com o processo judicial. No decorrer do

trabalho são mencionadas as várias etapas pelas quais passou o processo, as quais

podem ser verificadas na história do próprio direito, até chegarmos ao tema central

do presente trabalho: O Processo Judicial Eletrônico, caracterizado pela marcante

presença de elementos da Tecnologia da Informação.

Existe certo consenso de que a paz social depende da obediência às leis

que regem a sociedade. Goffredo Teles Júnior define a palavra lei como o

mandamento escrito (aquele que se lê) devidamente selecionado, que transmite e

impõe ao cidadão determinada obrigação1. Entretanto, os conflitos de interesse

remontam à própria existência do homem, quando ainda sequer existia o conceito de

jurisdição e legislação.

1 TELLES JUNIOR, Goffredo. Iniciação na ciência do direito. 2ª. ed. São Paulo:Saraiva, 2002.

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Embora a lei possa aparentemente dar razão a uma ou outra parte, a

decisão final e oficial será aquela determinada pelo Estado, na pessoa do juiz, que

aplicará a lei abstrata e geral ao caso concreto e individual.

A prestação jurisdicional, como é chamada esta aplicação da lei material

(que rege a vida das pessoas) segue as leis processuais (aquelas que regem o

processo) de forma a fazer justiça conforme cada caso. Esta função exercida com

exclusividade pelo Estado, por meio do Poder Judiciário, o que contribui para a

manutenção da paz social resolvendo os conflitos de interesse.

Segundo CLEMENTINO em 2003 o Brasil tinha 7,7 juizes para cada

100.000 habitantes, enquanto a média mundial é de 7,3. Entretanto, a justiça

brasileira é mais lenda que a média mundial, o que, segundo o autor, mostra um

outro problema brasileiro: a falta de otimização na utilização dos recursos humanos

e materiais já existentes. (Clementino, 2007, p. 53).

Vemos que os indivíduos têm todo um sistema organizado para resolver

seus conflitos de interesse. A preocupação atual é com a efetiva prestação

jurisdicional e com a celeridade processual. Para atingir melhores níveis de

eficiência nestas áreas, várias mudanças têm sido feitas na legislação processual

pátria.

Assim, a confiança crescente na comunicação e na mídia eletrônica levou

à implementação do processo judicial eletrônico, objeto do presente trabalho. Além

de uma apresentação da evolução da tecnologia da informação, serão também

demonstradas as principais formas de manter em segurança os atos processuais

armazenados digitalmente: criptografia, controles de acesso diversos, etc.

Importante termos em mente que não é a tecnologia da informação que

resolverá o problema do Poder Judiciário, mas será de grande ajuda, na forma que

se propõe, a qual abordaremos.

O primeiro e segundo capítulos tratam da evolução das formas de

resolução dos conflitos de interesse entre os seres humanos. O terceiro trata da lei

11.419/06, demonstrando o funcionamento do processo judicial eletrônico.

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1. EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO PROCESSO JUDICIAL

Desde o início da civilização o ser humano precisou dos bens da vida,

com os quais se desenvolveu e atravessou os períodos da existência. Essa

necessidade, consubstanciada em um interesse, faz com que as pessoas desejem

certas coisas para si. A limitação dos recursos disponíveis e a complexidade das

relações humanas têm levado, desde a era mais primitiva da humanidade, duas ou

mais pessoas a desejarem o mesmo bem.

Essa disputa, conceituada pelo direito como “conflito de interesses”, teve

as mais diversas formas de solução no decorrer dos tempos. Iniciou-se com a

autotutela, caracterizada pelo uso da força das partes na disputa pelo bem. Estas

deveriam lutar pelo seu interesse, entrar em acordo ou desistir de sua pretensão.

Posteriormente estas decisões foram conferidas a árbitros. Ainda não

existia o Estado, leis escritas ou um processo judicial em si. Conforme o Estado foi

evoluindo paulatinamente, juntamente progrediu o conceito de jurisdição. O direito

de decidir os conflitos passou a ser cada vez mais uma exclusividade do Estado.

O sistema mais avançado de que se tem notícia foi o do Direito Romano,

notadamente o mais estudado e aplicado através dos tempos, do qual muitos

institutos sobrevivem até os dias atuais.

1.1. Período primitivo

Fernando da Costa Tourinho Filho afirma que no início das relações

sociais, a solução dos litígios se dava pelo uso da força, o que o desenvolvimento do

direito veio a substituir pela jurisdição. (TOURINHO FILHO, 1993, p. 7).

Neste período o método de resolução dos conflitos consistia basicamente

no que hoje se denomina autotutela. As partes exerciam sua força uma contra a

outra, em disputa do bem almejado por ambas. Aquele que caísse primeiro

sucumbia ao interesse mais forte. É evidente que o interesse destes acabava

sempre prevalecendo ao dos mais fracos.

Antonio Carlos de Araújo Cintra (1990, p. 24), atribui a existência de tais

métodos à ausência do Estado:

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“Nas fases primitivas da civilização dos povos, inexistia um Estado suficientemente forte para superar os ímpetos individualistas dos homens e impor o direito acima da vontade dos particulares: por isso, não só inexistia um órgão estatal que, com soberania e autoridade, garantisse o cumprimento do direito, como ainda não havia sequer as leis (normas gerais e abstratas impostas pelo Estado aos particulares). Assim, quem pretendesse alguma coisa que outrem o impedisse de obter haveria de, com sua própria força e na medida dela, tratar de conseguir, por si mesmo, a satisfação de sua pretensão.”

A outra forma de resolução de conflitos à disposição das partes era a

autocomposição. Nela, uma das partes em conflito (ou ambas) abria mão do

interesse ou de parte dele, por meio da desistência (renúncia à pretensão); pela

submissão (renúncia à resistência oferecida à pretensão) e pela transação

(concessões recíprocas até que chegassem a um acordo). (CINTRA, 1999, p. 25).

Ainda que não houvesse a luta pelo bem, podemos imaginar a pressão existente

para que os mais fracos desistissem de sua pretensão ou aceitassem condições

desfavoráveis de negociação.

Assim, inexistindo o Estado, leis escritas ou o devido processo, as

pessoas se reuniam em grupos para assegurar sua sobrevivência, em meio à

hostilidade do meio ambiente e das outras tribos. Cada tribo tinha seu próprio código

de conduta, pautado no costume. Na esfera penal as sanções eram cruéis, indo

desde mutilações até a pena de morte e de banimento.

Pouco a pouco as partes foram percebendo os males do sistema de

resolução parcial dos problemas (por meio dos recursos das próprias partes).

Passaram a desejar uma solução amigável e imparcial para os conflitos, que passou

a ser dada por meio dos árbitros. (Cintra, 1999, p. 25.)

Os árbitros eram pessoas de confiança mútua dos conflitantes, que

interferiam nos conflitos conferindo a razão a uma ou outra parte. Esta tarefa era

designada basicamente aos sacerdotes (devido à suposta ligação com os deuses)

ou aos anciãos, que eram os maiores conhecedores dos costumes do povo.

Historicamente, surge o juiz antes do legislador. (Cintra, 1999, p. 25.)

Luiz Fernando do Vale de Almeida Guilherme comenta que a arbitragem

deve ter sido uma das primeiras formas de resolução de conflitos entre as pessoas

sem o recurso da força e da violência (Guilherme, 2003, p. 34).

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Para acabar com uma situação em que a força predominava sobre a

justiça, a autoridade local passou a monopolizar o direito de resolver os conflitos de

interesses, ministrando justiça, em substituição ao sistema particular de solução dos

conflitos. (CLEMENTINO, 2007, p. 33). Vemos que o processo judicial desenvolveu-

se na medida em que o Estado foi ganhando força. Mesmo na época em que o

Estado moderno ainda não existia no formato em que o conhecemos, a jurisdição se

fez presente.

1.2. Processo Civil Romano (754 a.C. a 568 d.C)

O período das Legis Aciones (assim chamadas por se relacionarem com

a Lei das XII Tábuas) foi de 754 a.C. a 149 a.C., tendo sido marcado por um

formalismo extremo. Havia cinco legis aciones: (1) legis actio sacramento; (2) legis

actio per iudicis postulationem; (3) legis actio per condictionem; (4) legis actio per

manus iniectionem; e (5) legis actio per pignoris capionem. As três primeiras se

classificavam como ações de conhecimento, ou de declaração; as duas últimas

como ações de execução. (SANTOS, 2005, p. 39).

O processo se dividia em dois estágios: um perante o magistrado ou

pretor (in jure) e o outro perante o arbiter ou judex (apud judicem). Primeiro, as

partes compareciam diante do pretor e assumiam o compromisso de permanecer em

juízo e aceitar a sentença final. O pretor, então, concedia a ação da lei conforme

cada caso e nomeava o arbiter. Não havia advogados e as partes postulavam direta

e pessoalmente. Era vedada a representação. (Theodoro Junior, 2007, p.13).

Concedida a ação, formava-se a litiscontestatio, pela qual se fixava o

objeto do litígio, que não poderia mais modificar-se. Iniciava-se então, a fase in

iudicio. Nela, as partes compareciam perante o iudex para a produção das provas e

para os debates. Ao final, era proferida a sentença. O procedimento era

exclusivamente oral, portanto sempre compareciam em juízo os parentes das partes,

com a finalidade de guardar na memória os atos processuais e prestarem

testemunho deles, caso precisassem ser provados posteriormente. (SANTOS, 2005,

p. 41).

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Assim, vemos que o processo das Legis Aciones possuía uma amplitude

restrita e era marcado por um formalismo exagerado:

O procedimento, inspirado nas exigências de um povo primitivo, era nitidamente formalista, obedecendo a solenidades rigorosíssimas, em que as formulas verbais, cada uma das palavras e os gestos deveriam ser escrupulosamente obedecidos. Qualquer desvio ou quebra de solenidade, por mínima que fossem, um gesto que fosse olvidado, uma palavra omitida ou substituída davam lugar à anulação do processo, com a vedação de propositura de outro sobre o mesmo objeto. (SANTOS, 2005, p. 39).

Com o avanço do Império Romano por grandes extensões territoriais

surgiram novas e complexas relações jurídicas, cujas soluções não podiam ser

obtidas nos moldes restritos das Legis Actiones. (Theodoro Júnior, p. 13). A

população romana cresceu e enriqueceu, as artes e o comércio cresceram

notavelmente. Suas relações com povos vizinhos se expandiram e a interação foi

inevitável.

Quando surgiam conflitos de interesse entre um cidadão romano e um

estrangeiro, o sistema das Legis Actiones não poderia ser empregado, uma vez que

o ius civile se aplicava somente aos cidadãos romanos. Foram necessários novos

princípios e fórmulas de ação. Surgiu então o pretor peregrino, o magistrado dos

estrangeiros, que conhecia das ações entre estrangeiros ou entre estes e cidadãos

romanos. Quando procurado pelos interessados na composição de seus conflitos,

lhes concedia uma formula escrita, em que era especificado o objeto do litígio. De

posse da formula, um pequeno pedaço de madeira, as partes compareciam perante

o juiz, que conheceria dos fatos e proferiria a sentença. (SANTOS, 2005, p. 40)

Aos poucos o pretor urbano, a pedido dos interessados, passou a

acompanhar as inovações do pretor peregrino, que se tornaram comuns entre os

cidadãos romanos. A Lei Aebutia (149 a.C) legalizou a prática e extinguiu o antigo

procedimento. Surgiu, então, o Período formulário ou per formulas. (149 a.C. ao séc.

III d.C).

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Nesta fase, o magistrado ficava autorizado a conceder fórmulas de ações

que fossem aptas a compor toda e qualquer lide que se lhe apresentasse. Ainda

existiam duas fases, porém já era facultado às partes serem assistidas por

advogados ou representadas por cognitores ou procuratores.

O procedimento ainda era todo oral, com exceção da fórmula, que era

escrita sobre um pedaço de madeira. O processo deixou de ter as solenidades que

observadas no período Legis Actiones. Passou a existir o princípio do contraditório e

a prova dos fatos incumbia a quem os alegava. O juiz apreciava as provas e tomava

livremente sua decisão. A sentença condenava o réu ao pagamento de uma soma

em dinheiro, ainda que a causa versasse sobre coisa certa e determinada. (Santos,

2005, p. 43).

Por fim, temos o período da Cognitio Extraordinária, que começou sob o

governo do imperador Diocleciano, no ano 294 d.C. Nesta fase, o processo passou a

tomar as feições pelas quais hoje o conhecemos. As funções judiciárias passaram a

ser exclusivas de funcionários do Estado, que presidiam e dirigiam o processo desde

sua instauração até a execução da sentença. “O juiz passou a ser um magistrado,

um funcionário do Estado, no exercício de uma função pública, qual a de compor as

lides, assegurando a paz social”. (Santos, 2005, p. 43).

Havia o libellus conventionis, que podemos comparar com a petição inicial

que conhecemos atualmente. O réu era citado (inter locutio) para contestar (libellus

contradictionis) e havia uma audiência para produção de provas (cognitiones). Os

meios de prova admitidos eram os documentos, as confissões, o juramento, as

testemunhas, as presunções e arbitramentos. (Clementino, 2007, p. 40).

No sistema da cognitio extraordinaria desapareceram as duas etapas do

processo, que passou então a se desenvolver sob a direção do juiz-funcionário, com

poderes oficiais. A sentença passou a ter força autoritária, por vir de uma autoridade

do Estado. Apenas nesta fase passaram a ser admitidos recursos, a saber: a

apelatio, o recurso de nulidade e de restitutio in integrum. (Pacheco apud

Clementino, 2007, p. 40; Santos, 2005, p. 44).

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A execução da sentença passou a ser feita por via de medidas coercitivas

do Estado, penhorando-se bens do vencido em quantidade suficiente para a garantia

da execução. (Santos, 2005, p. 44).

Vemos que na medida em que o Estado ganhava força, o direito

processual avançava. Nas palavras de Vicente Greco Filho2,

É forçoso concluir que, verdadeiramente, o processo autêntico surgiu quando o Estado, proibindo a justiça privada, avocou para si a aplicação do direito como algo de interesse público em si mesmo e, além disso, estruturando o sistema de direitos e garantias individuais, interpôs os órgãos jurisdicionais entre a administração e os direitos dos cidadãos, tornando-se, então, o Poder Judiciário um poder político, indispensável ao equilíbrio social e democrático, e o processo um instrumento dotado de garantias para assegurá-lo.

No mesmo sentido, CLEMENTINO (2007, p. 33-34):

O desenvolvimento do Estado fez surgir uma Justiça Pública em substituição às iniciativas particulares de concretização do direito, com caráter de exclusividade. Foi necessária a criação e o desenvolvimento de mecanismos para que se pudesse concretizar essa justiça pública, que se consubstanciaram em um processo judicial.

A instituição de um poder central (Estado) estabeleceu uma forma de solução de conflitos proveniente de um ente imparcial que pudesse resolver o impasse baseado na idéia de justiça.

1.3. Processo Romano-Barbárico (568 a 1100 d.C)

Após a queda do Império Romano ocorreu a dominação militar e política

pelos povos germânicos, com a imposição de seus costumes e direito. As noções

jurídicas do povo dominador eram rudimentares, o que levou a um retrocesso em

comparação ao avançado estágio em que se encontrava o direito processual

romano.

2 GRECO FILHO, Vicente. Direito Processual Civil Brasileiro. 12 ed. São Paulo : Saraiva, 1996, p.12

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O processo bárbaro era acusatório e tinha início por acusação do autor,

que se considerava ofendido. O ônus da prova passou a ser do acusado.

(THEODORO JUNIOR, 2007, p. 14).

Na produção de provas, acreditava-se que as divindades participavam

dos julgamentos e revelavam sua vontade por meio de métodos cabalísticos. Foram

instituídas as ordálias ou “juízos de deus”, meios de prova para que o acusado, a

quem cabia o ônus da prova, mostrasse sua inocência. (THEODORO JUNIOR,

2007, p. 14)

Moacyr Amaral Santos ensina que estes consistiam em experiências

cruéis a que o réu era submetido, sob o pressuposto de que, se o mesmo fosse

inocente, Deus proclamaria a verdade, vindo ao seu encontro para salvá-lo. As

provas mais usadas eram a prova do fogo, a prova pela água fervendo, a prova da

serpente, a prova pela água fria, dentre outras. Para provar a inocência, o réu

deveria passar incólume pelos tormentos. (SANTOS, 2005, p. 45)

Outro retrocesso foi a adoção dos “duelos judiciais”, também incluídos

entre os “juízos de Deus”. Acreditava-se que deus daria a vitória a quem estivesse

com a razão. (SANTOS, 2005, p. 45)

Humberto Theodoro Júnior afirma que na realidade, não se buscava a

verdade real ou material, mas contentava-se com a mera verdade formal, isto é, a

que se manifestava por meios artificiais e, geralmente, absurdos, baseados na

crença da intervenção divina dos julgamentos. Citando Jeremias Bentham3, afirma

que tais meios probatórios mais se mais se assemelhavam a jogos de azar ou cenas

de bruxaria. (THEODORO JUNIOR, 2007, p. 14).

O processo em si era rígido e as provas possuíam certo valor probatório.

O juiz não apreciava livremente as provas produzidas, apenas reconhecia ou não a

sua existência, já que seu valor era ditado pelo direito positivo de então.

3 Jurisconsulto Inglês, que viveu de 1748 a 1832.

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O conceito de jurisdição estatal praticamente deixou de existir, pois não

havia mais um poder centralizado, estatal e imparcial voltado à resolução dos

conflitos de interesse, muito embora, como já mencionado, o avançado direito

romano tenha sido preservado em algumas regiões.

A descentralização do poder imperial causou a descentralização da

jurisdição. Não havia uma sistematização nacional do direito e cada ordem tinha seu

próprio sistema jurídico na sociedade feudal. (Clementino, 2007, p. 41). Isso permitiu

que o Processo Romano imperial subsistisse quase inalterado em regiões como

Roma e Ravena; e que tivesse oposto obstáculos à aplicação exclusiva do processo

romano-barbárico durante todo o período da existência deste. (SANTOS, 2005, p.

46-47).

1.4. Período da Elaboração do Processo Comum (1100 a 1500)

A despeito do retrocesso observado no processo romano-barbárico a

Igreja Católica preservava as instituições do direito romano, adaptando-as às do

direito canônico. (Theodoro Júnior, 2007, p. 14).

Embora tenha havido um esfacelamento do poder e da jurisdição, a igreja

continuou una e, com ela, o direito romano teve notável conservação. Com a criação

das Universidades, no Século XI4, reapareceu o estudo do direito romano e com ele

surgiram os glosadores, que faziam anotações a respeito daquilo que encontravam

nos antigos textos de direito romano. O último deles, Accursio, elaborou a Glosa

Ordinaria, uma condensação de toda a ciência dos glosadores. (Clementino, 2007,

p. 42).

Em decorrência do desenvolvimento das glosas surgiu um grupo de

advogados, administradores e políticos que procuravam incorporar os institutos do

direito romano que achavam úteis e aplicáveis ao direito de então. Eram os pós

glosadores. (Clementino, 2007, p. 42).

4 A primeira delas foi a Universidade de Bolonha, na Itália, fundada no ano de 1088.

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Da fusão das normas e institutos do direito romano, do direito germânico

e do direito canônico reapareceram o direito comum e o processo comum, que se

espalharam por grande parte da Europa. (Theodoro Júnior, 2007, p. 14)

O processo comum era escrito, lento e excessivamente complicado. A prova e a sentença voltaram a inspirar-se no sistema romano. Foram abolidas as ordálias e os “juízos de deus”, embora a tortura tenha continuado a ser aceita como meio de obtenção da verdade no processo. (Theodoro Júnior, 2007, p. 15)

Humberto Teodoro Júnior afirma que a tarifa legal das provas continuou

existindo até a Revolução Francesa, quando foi retomado o conceito do livre

convencimento do juiz e procurou-se eliminar os resquícios da tarifa legal de provas,

primeiro no processo penal e, mais tarde, no processo civil. (Theodoro Júnior, 2007,

p. 15).

O processo comum encontrou terreno fértil principalmente na França e na

Alemanha. (Clementino, 2007, p. 42).

1.5. Período Moderno (1500 a 1868)

Considera-se iniciada a fase moderna ou científica do direito processual

civil a partir do momento em que se outorgaram poderes ao juiz para apreciar a

prova de acordo com as regras da crítica sadia e para produzir ex officio as provas

que se impuserem para o objetivo de alcançar a justiça em sua decisão. (Theodoro

Juníor, 2007, p. 15).

O direito comum influenciou as legislações processuais da França e da

Alemanha, cujos códigos de processo foram promulgados em 1806 e 1848,

respectivamente, empregando princípios comuns atualmente, tais como o livre

convencimento do juiz, a livre apreciação das provas e o principio Inquisitório.

No que tange ao tema do presente trabalho, devemos nos ater mais

especificamente ao desenvolvimento do processo na Península Ibérica, que

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influenciou o desenvolvimento do direito processual pátrio, do qual nos ocuparemos

a partir de agora.

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2. EVOLUÇÃO DO PROCESSO CIVIL BRASILEIRO

Ao estudarmos a linha evolutiva do direito processual brasileiro não

podemos deixar de considerar a história da península Ibérica, que o influenciou mais

diretamente.

De 200 a.C. até 400 d.C. a Península Ibérica esteve sob domínio romano.

As relações sociais eram regidas pelo direito romano e pelo direito canônico.

(SANTOS, 2005, p. 49).

Com a queda do império romano, no século V, ocorreu a invasão da

região pelos suenos, alanos e vândalos. Já no século VI, os visigodos invadiram a

região, subjugando os invasores anteriores. (Santos, 2005, p. 49).

O direito romano e o direito canônico eram de notável avanço se

comparado ao dos invasores. Estando a população habituada a viver as leis que já

vigoravam, Alarico, rei visigodo, baixou no ano 506 a Breviarum Alaricianum, uma

compilação do direito romano e canônico então vigente, que regeria os povos

invadidos, enquanto os invasores observariam seu direito costumeiro. (Clementino,

2007, p. 45).

Com o tempo foi organizado o Código Visigótico (ano 693), também

chamado Forum Judicium ou Fuero Juzgo. Era influenciado pelo direito germânico,

embora já abrandado pelos costumes do país e pelas instituições de direito romano.

O fórum judicium revogou a Breviarum Alaricianum e aplicou-se a todos os povos da

Ibéria (Santos, 2005, p. 49).

Em 719 os árabes invadiram a península Ibérica, tendo encontrado um

povo já unido, que lhes opôs ferrenha resistência, a qual culminou com a expulsão

dos árabes em 1492. Os séculos de ocupação pouco afetaram o direito local.

(Clementino, 2007, p. 46).

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Durante a luta contra os invasores, o Reino de Oviedo tornou-se o

principal centro de resistência aos árabes. Foi dele que destacou-se o Condado

Portucalense, que se erigiu em reino independente em 1139. (Santos, 2005, p. 50).

Rapidamente alterou-se a estrutura do direito no Reino Português. A

sociedade passou a ser regida pelas cartas forais, correspondências do rei que

visavam regular as relações sociais e organizar os distritos do reino. As cartas forais

possuíam forte influência do direito romano e canônico. (Santos, 2005, p. 50).

O direito português também foi influenciado pela obra dos glosadores.

Afonso III, educado na França, iniciou a organização da justiça e disciplinou o

processo, além de ter incentivado o estudo da obra dos glosadores. Seu sucessor,

Dom Diniz, criou a Universidade de Lisboa, onde era ensinado direito romano.

(Santos, 2005, p. 50).

O processo tornou-se uma disciplina e a justiça já tinha organização

própria. Em 1446 foi promulgado o primeiro Código Português – as Ordenações

Afonsinas, seguidas pelas Ordenações Manuelinas, em 1521, e finalmente

substituídas pelas Ordenações Filipinas, em 1603, que chegaram a vigorar no Brasil

Independente.

O Livro III das Ordenações Filipinas disciplinava o processo civil e previa

a existência de 3 fases no processo: a fase postulatória, a instrutória e a executiva.

O processo paralisava-se ao fim de cada fase e tinha continuidade pela iniciativa

exclusiva das partes. Além disso, o processo era exclusivamente escrito e o que não

constasse nos autos não seria considerado pelo juiz. Eram admitidos segredos de

justiça e as partes não participavam da inquirição de testemunhas. (Cintra, 1990, p.

98).

As Ordenações Filipinas previam ainda a existência dos procedimentos

ordinário, sumário e certos procedimentos especiais. Humberto Theodoro Júnior

menciona as fases do processo segundo as Ordenações Filipinas:

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a) Após o pedido e a citação, realizava-se a primeira audiência, que era de acusação da citação e oferecimento do libelo do autor. Iniciava-se então o prazo de contestação;b) Se ocorresse a revelia, outra audiência era realizada, para sua acusação;c) A prova ficava exclusivamente a cargo da parte, e o juiz só tomava conhecimento de fato provado nos autos se alegado pelas partes;d) Os recursos contra decisões interlocutórias tinham efeito suspensivo;e) Ao fim de cada fase, o processo paralisava, à espera de um impulso da parte. (Theodoro Junior, 2007, p. 16).

Já o processo penal era disciplinado pelo Livro V, que permitia o

tormento, a tortura, as mutilações, as marcas de fogo, os açoites e outras práticas

desumanas. Devido à precariedade do direito processual penal conforme

disciplinado pelas Ordenações Afonsinas, houve maior pressa em atualizá-lo no

Brasil Independente, ficando o processo civil em segundo plano. (Cintra, 1990, p. 96-

97).

Com a Independência do Brasil, em setembro de 1822, o decreto de 1823

manteve vigente no país as Ordenações Filipinas em tudo que não ofendesse o

regime e a soberania brasileira. (Santos, 2005, p. 52).

Em 25 de março de 1824 foi promulgada a primeira Constituição

Brasileira, a qual, a despeito do avanço jurídico, recebe as críticas da história:

A primeira Constituição Brasileira nascia de cabeça para baixo, imposta pelo rei ao “povo”, embora devamos entender por “povo” a minoria de brancos e mestiços que votava e que de algum modo tinha participação na vida política. (...) Um contingente ponderável da população – os escravos – estava excluído de seus dispositivos. Deles não se cogita, a não ser obliquamente, quando se fala dos libertos. (Fausto, 1999, p. 149)

A Constituição Federal de 1824 proibiu todas as práticas cruéis e

determinou que se elaborasse com urgência um Código Criminal do Império, que

posteriormente foi promulgado em 1830. (Cintra, 1990, p. 97).

Em 1832, já no período da Regência5, entrou em vigor o Código de

Processo Criminal, que fixou normas para a aplicação do Código Criminal de 1830.

5 Período que vai desde a Abdicação de Dom Pedro I ao trono até julho de 1840, quando ocorre a maioridade antecipada de Dom Pedro II, então com 14 anos. (Fausto, 1999, p. 161, 175).

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O Código ainda aumentou os poderes dos juízes de paz, que passaram a prender e

julgar pessoas acusadas de cometer pequenas infrações. Foi instituído o Tribunal do

Júri e o habeas corpus. (Fausto, 1999, p. 163)

Após um longo período de conflitos internos, o Brasil promulgou, em

1850, o Código Comercial Brasileiro. Com ele foi adotado o Regulamento 737, um

código de processo que era aplicado somente às causas oriundas do direito

comercial. O Regulamento 737 trouxe várias inovações:

a) Tornou pública a inquirição;b) Suprimiu as exceções incidentes, limitando-as à incompetência,

suspeição, ilegitimidade de parte, litispendência e coisa julgada;c) Permitiu ao juiz, em matéria de prova, conhecer do fato

demonstrado, sem embargo da ausência de referencia das partes. (Theodoro Junior, 2007, p. 16).

Várias leis esparsas foram sendo criadas para regulamentar o processo

civil, tornando a legislação processual nacional extremamente fracionada. Assim, o

Governo Imperial incumbiu o conselheiro Antonio Joaquim Ribas, professor da

Faculdade de Direito de São Paulo, de fazer uma consolidação das leis processuais,

trabalho que, com este mesmo nome, passou a ter força de lei em 1876. (Santos,

2005, p. 52)

Com a proclamação da república, em 1889, o regulamento 737 passou,

em 1890, a ser estendido também às causas civis em geral. (Theodoro Júnior, 2007,

p.16).

A Constituição Federal Republicana de 1891 adotou o regime federalista

e previu a dualidade de justiças federal e estadual – concedendo aos estados-

membros a competência para legislar sobre direito processual. O resultado foi que

os estados passaram a criar seus próprios códigos de processo civil, provocando

novamente grande fragmentação da legislação processual nacional. (Theodoro

Júnior, 2007, p. 17).

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Moacyr Amaral Santos (2005, p. 54-56) destaca que a Revolução de 1930

trouxe o propósito de uma revisão geral nas leis do país, trabalho designado a uma

comissão de juristas. Quando seus trabalhos já estavam adiantados, instalou-se a

constituinte para elaborar o que veio a ser a Constituição Federal de 1934, que

trouxe para a competência privativa da União a criação de leis processuais.

Em 1937, já sob a ditadura do Estado Novo, foi promulgada nova

Constituição, que manteve a unidade do direito processual e estabeleceu também a

unidade do processo comum. Em obediência aos preceitos da nova Carta Magna,

reuniu-se uma comissão cujo trabalho culminou com a promulgação do Código de

Processo Civil de 1939.

Ada Pelegrini Grinover (1998, p. 4) destaca que o CPC unitário de 1939

produziu efeitos catalisadores, com repercussões profundas nos estudiosos

brasileiros. Relata que houve uma renovação metodológica que introduziu o método

científico na ciência processual brasileira.

Moacyr Amaral Santos, no mesmo sentido informa que

o código de 1939 tinha não poucas virtudes. Essas consistiam na adoção das doutrinas mais modernas, tomado o processo como instrumento do Estado no desempenho de sua função jurisdicional, e norteado pelos princípios da publicidade e oralidade e, ainda, pela combinação do princípio dispositivo e do principio do juiz ativo. (Santos, 2005, p. 56).

Por outro lado, reconhece a existência de muitos defeitos, especialmente

no tocante aos procedimentos especiais; aos recursos e à execução. De fato,

lamenta que o Código de Processo Civil de 1939 não melhorou a situação da justiça

brasileira (p. 56-57).

Daquela que posteriormente foi chamada de Escola Processual Paulista,

vieram os juristas que elaborariam o projeto do Código de Processo Civil de 1973.

Muitos dos avanços observados devem-se aos estudos elaborados pelos então

jovens processualistas brasileiros, em contato com a pessoa de Liebman.

O italiano Enrico Tullio Liebman veio para o Brasil em 1940 e

estabeleceu-se em São Paulo, onde permaneceu até o final da Segunda Guerra.

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Conhecia tanto a ciência européia do direito processual como a obra dos autores

luso-brasileiros. Lecionou direito da Faculdade de Direito de São Paulo,

apresentando idéias avançadas para a época, influenciando toda uma geração de

juristas. A congregação de jovens estudiosos do direito processual em torno de sua

pessoa elevou a ciência processual a níveis científicos elevadíssimos. (Grinover,

1998, p. 5).

Um de seus alunos, mais tarde tornou-se Ministro da Justiça e foi

encarregado pelo Governo Republicano a elaborar o projeto do novo Código de

Processo Civil. Alfredo Buzaid, segundo Moacyr Amaral Santos, “o elaborou à luz da

mais moderna orientação técnica e científica do direito processual civil”. (Santos,

2005, p. 57).

Este projeto, que mais tarde tornou-se o Código de Processo Civil de

1973, encontra-se em vigor até a presente data, embora tenha sido alvo de diversas

reformas desde sua promulgação.

1.6.1. As Ondas Reformadoras do CPC de 1973

Almeida Júnior, citando Capeletti e Garth, afirma que a atenção dos

modernos reformadores está muito mais voltada às alternativas ao Judiciário

(arbitragem, mediação, juizados informais, etc.), do que propriamente à reforma do

próprio Poder. (Almeida Junior, 2006).

Felizmente o que temos observado mais recentemente é a preocupação

do legislador em dotar o processo civil de maior celeridade e de conceder à

prestação jurisdicional maior efetividade. Neste sentido, Candido Rangel Dinamarco

observa o seguinte:

A segunda metade do século XX caracterizou-se, na doutrina internacional do processo civil, como um tempo de mudanças. O monumental esforço dos idealistas portadores da bandeira da efetividade do processo abriu espaço para a consciência da necessidade de pensar no processo como alto dotado de bem definidas destinações institucionais e que deve cumprir os seus

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objetivos sob pena de ser menos útil e tornar-se socialmente ilegítimo. (Dinamarco, 1995, p. 19).

Anteriormente às grandes ondas reformistas do CPC, DINAMARCO

(1995, p. 22) enumera mudanças substanciais causadas pela tutela constitucional do

processo civil, implementadas pela Constituição Federal de 1988, tais como a tutela

constitucional do processo; a jurisdição constitucional das liberdades; o contraditório

no processo civil; os princípios do devido processo legal, da motivação do juiz

(fundamentação das decisões), do juiz natural (excluindo tribunal de exceção); a

criação do mandado de injunção (tutela legal mesmo onde a norma constitucional

não estiver regulada); do Habeas data; do Mandado de segurança e a instituição do

Superior Tribunal de Justiça (guardião da legislação infraconstitucional) e do

Recurso Especial.

Após a Constituição Federal de 1988 a primeira onda reformista do CPC

ocorreu de 1992 a 1995 e permitiu a liquidação por meio de memória de cálculo

apresentada pelo próprio credor, em substituição ao arbitramento obrigatório pelo

contador; posteriormente objetivou-se dar maior impulso ao sistema recursal,

atingindo os recursos de embargos de declaração, embargos infringentes, apelação,

agravo, e recursos destinados aos Tribunais Superiores; foi criada a consignação

em pagamento extrajudicial e as tutelas antecipada e específica, bem como a ação

monitória. (Almeida Junior, 2006).

A segunda onda reformista do CPC ocorreu após 2001, modificando o

reexame necessário, consolidando as decisões mandamentais e o processo de

execução. (Almeida Junior, 2006).

A Terceira onda reformista foi marcada principalmente pelo agravo retido

de decisões interlocutórias e pela fase de cumprimento da sentença no processo,

em substituição ao processo de execução de título executivo judicial. (Almeida

Junior, 2006).

As ondas renovatórias do CPC foram marcadas principalmente pela

abertura da ordem processual aos menos favorecidos, pela defesa dos interesses

supraindividuais e por uma busca por resultados do processo judicial, por meio de

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uma análise crítica sob a ótica do consumidor da prestação jurisdicional.

(Dinamarco, 1995, p. 20)

1.6.2. Sincretismo de Tutelas

Tradicionalmente a tutela jurisdicional é dividida em dois processos

distintos: um de conhecimento, com a finalidade de esclarecer a verdade e formar o

titulo executivo judicial, e o outro de execução, com o objetivo de expropriar bens do

devedor para a satisfação do título formado com o processo de conhecimento.

(Almeida Junior, 2006).

Diante da morosidade do sistema, e das várias formas de se retardar a

efetiva prestação jurisdicional por meio de manobras processuais, tem-se optado

nas legislações recentes pelo sincretismo das tutelas, ou seja, a junção da tutela de

conhecimento e de execução em um mesmo processo, constituindo fases distintas.

(Almeida Junior, 2006).

Supera-se a dicotomia do processo judicial, com a satisfação da

pretensão ainda no processo de conhecimento, por meio da fase de execução da

sentença. Isso torna a prestação jurisdicional mais ágil, célere e conseqüentemente

mais eficaz. (Almeida Junior, 2006).

O objetivo principal deste capítulo foi demonstrar de forma breve a

evolução do processo rumo à efetividade da tutela jurisdicional, deixando aos

poucos de ser um procedimento moroso e excessivamente formal para uma

autêntica busca da verdade processual e conseqüente aplicação em tempo

proveitoso à parte favorecida pela sentença.

1.7. Breve história do Judiciário Brasileiro

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Ao analisarmos o resumo histórico do processo judicial e das leis

processuais brasileiras, não podemos deixar de comentar brevemente a história do

Poder Judiciário, conforme pode ser encontrada nas obras que temos à disposição.

A primeira pessoa encarregada de dirimir conflitos entre os residentes

no Brasil foi Martin Afonso de Souza, investido de amplos poderes de jurisdição

administrativa e judiciária pela Carta Del Rei de Portugal, de 1530. (relembremos as

cartas forais). Seu objetivo e o de sua comitiva eram consolidar a descoberta do

Brasil. (Veloso, 2003).

Em 1533, foi instituído o sistema das Capitanias Hereditárias. A posse

das terras foi concedida aos “capitães-donatários”, um grupo diversificado, no qual

havia pessoas da pequena nobreza, burocratas e comerciantes, tendo em comum

suas ligações com a Coroa. (Fausto, 1999, p. 44)

Nesta fase a jurisdição estava nas mãos dos titulares das Capitanias,

que poderiam delegá-la a Ouvidores. Não havia tribunais de segunda instância e

eventuais recursos iam para Portugal para serem julgados na Casa da Suplicação

de Lisboa. (Cardoso, 2008). Dentre estes, Boris Fausto, Professor de História da

Usp, menciona os julgamentos de pessoas de “condição nobre”. (Fausto, 1999, p.

45).

Em 1549, Pero Borge, Ouvidor-Geral, magistrado de carreira, fixou-se

na Bahia, vindo de Portugal. De acordo com a alçada, as decisões do Ouvidor-Geral

eram irrecorríveis. Os recursos excedentes de sua alçada seriam julgados em

Lisboa. O Ouvidor-Geral organizou a Justiça, ficando ele como instância máxima.

Pero Borge criou os juízes de vintena, os juízes ordinários, os juízes de fora e os

juízes de órfãos. (Veloso, 2003).

As qualificações e competências destes juízes de primeiro grau estão resumidas no

quadro abaixo6:

JUIZ DE VINTENA ouJuiz de Paz

JUIZ ORDINÁRIO ouJuiz da Terra

JUIZ DE FORA

6 Alem destes, verifica-se na história a existência de Juízes de órfãos (causas de direito sucessório); Juiz do povo (existia na Bahia - eleito pela comunidade local, existiu entre 1644 e 1713); os Almotacés (causas relacionadas com obras e construções); Mesa da Consciência e Ordens (criada em 1532, julgava demandas envolvendo as ordens militar-religiosas).

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Competência

Povoados com mais de vinte famílias; Processo Oral; Não tinha competência criminal; Decisões irrecorríveis.

Pequenas circunscrições, compartilhadas com os vereadores

Circunscrição territorial

Nomeação

Eleitos pelas vereações camarárias, pelo período de 1 ano; ficava subordinado ou juiz de fora.

Eleitos anualmente pela comunidade, com indicação confirmada pelo Ouvidor

Nomeado pela coroa pelo período de 3 anos

Qualificação

Não era bacharel em direito Não era bacharel em direito, mas Deveria ser alfabetizado e ter algum conhecimento das leis.

Deveria ser pessoa “letrada”, com bom conhecimento das leis.

Quadro 1 – Comparação dos diferentes juízes de primeiro grau do Brasil Colônia.

Em 1609 foi instalado o primeiro Tribunal de Relação do Brasil, na

Bahia, com dez desembargadores. Com a criação do primeiro tribunal, foi baixado

Regimento, que conferia amplos poderes aos recém chegados desembargadores. O

controle da autoridade policial de então também ficava nas mãos do

desembargador, sendo que ainda não existiam polícias (nem militar, nem civil)

devidamente organizadas. A atividade policial era prevista pela legislação

ultramarina e compreendia os inspetores de quarteirões, quadrilheiros, carcereiros,

capitães-mores, entre outros. (Cardoso, 2008).

Em 1751, foi instituída a segunda Relação do Brasil, no Rio de Janeiro,

com jurisdição sobre as Capitanias do Sul e Oeste. Posteriormente foram criados

mais Tribunais de Relação em Pernambuco, Maranhão e Rio Grande do Sul.

(Cardoso, 2008).

Com a chegada de D. João VI ao Brasil, em janeiro de 18087,

finalmente foi montada a estrutura de um País, com a instalação do executivo,

legislativo e judiciário. Gilberto Cotrim, Professor de História da USP, faz um resumo

dos atos mais significativos de D. João VI no Brasil:

Na nova capital, o príncipe-regente tomou várias medidas: revogou a

proibição das manufaturas no Brasil (1º de abril); criou o Desembargo

do Paço e a Mesa da Consciência e Ordens (22 de abril), a Casa da

Suplicação do Brasil, a Intendência Geral da Polícia (10 de maio), a

7 Cotrim, Gilberto. Brasil Colônia – D. João VI. Historianet, São Paulo. Disponível em http://www.historianet.com.br/conteudo/default.aspx?codigo=620, acesso em 24 mar. 2008.

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Impressão Régia (13 de maio), a Real Junta do Comércio, Agricultura,

Fábricas e Navegação (23 de agosto) e o Banco do Brasil (12 de

outubro). Os anos seguintes de sua permanência no Brasil foram

marcados pela assinatura dos tratados com a Grã-Bretanha (de

Amizade e Aliança e de Comércio e Navegação, em 19 de fevereiro

de 1810) e pela elevação do Brasil a Reino Unido a Portugal e

Algarves (16 de dezembro de 1815).

No Rio de Janeiro, sede do governo monárquico, o Tribunal de

Relação foi elevado à condição de Casa da Suplicação, com as mesmas

competências da Casa de Suplicação de Lisboa, o que fez com que os recursos não

fossem mais enviados a Portugal. Foram constituídas Mesas do Paço nas capitanias

de todos os domínios ultramarinos, as quais eram incumbidas da solução dos

negócios de graça e justiça. (Cardoso, 2008).

Em abril de 1808 foi criado o Conselho Supremo Militar e de Justiça.

Em 1816, instituiu-se a Intendência Geral de Policia, no Rio de Janeiro, com a

finalidade de coordenar todas as atividades policiais no país, por meio dos

delegados instalados nas províncias. (Cardoso, 2008).

Com a Constituição Federal de 1824 todas as províncias puderam

instalar seus tribunais, sendo a última instância o Supremo Tribunal de Justiça. O

Supremo Tribunal de Justiça foi instalado em 20 de janeiro de 1829, em obediência

ao texto constitucional:

Na Capital do Império, além da relação que deve existir, assim como nas mais Províncias, haverá também um tribunal com a denominação de Supremo Tribunal de Justiça, composto de Juízes letrados, tirados das relações por suas antiguidades, e serão condecorados com título de Conselheiros, competindo-lhe conceder ou denegar revistas nas causas e pela maneira que a lei determinar, conhecer dos delitos e erros de ofício que cometerem os seus Ministros, os das Relações, os empregados no corpo diplomático e os Presidentes das Províncias e conhecer e decidir sobre os conflitos de jurisdição (Constituição Imperial, art. 164). (Veloso, 2003).

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A República conferiu à Justiça brasileira característica nova, fazendo do

Supremo Tribunal Federal autêntico poder político, conceito espelhado no modelo

norte-americano.

Até 1889 a justiça era única e os juízes locais eram livremente nomeados

ou demitidos pelo rei e pelos tribunais de relação. Foi instituída a dualidade de

justiças (Estaduais e Federal) e o Supremo Tribunal de Justiça foi transformado no

Supremo Tribunal Federal. (Veloso, 2003).

Fagundes, citado por Velloso (2003), relata que:

Vínhamos, em 1891, do Império, onde a Justiça não tinha nenhuma expressão política. Era um poder que se limitava a dirimir as controvérsias do direito privado, de modo que os atos da Administração pública escapavam, por inteiro, ao seu controle. E, de chofre, pela instituição da República, o Poder Judiciário foi elevado a plano de excepcional importância na vida política do país. Atribuiu-se-lhe, ao lado da função que já era sua, de dirimidor das questões de ordem privada, uma outra, da maior importância: a de guardar os direitos individuais contra as infrações decorrentes de atos do Poder Executivo e do Poder Legislativo, inclusive e notadamente quando esses atos afetassem textos constitucionais.

A Constituição de 1946 restaurou o controle de constitucionalidade, difuso

e o concentrado. Criou o Tribunal Federal de Recursos e transferiu para este a

competência que detinha o Supremo Tribunal de órgão de segunda instância

ordinária da Justiça Federal. (Velloso, 2008)

A Constituição de 1988 conferiu ao Supremo Tribunal Federal o papel de

guardião maior da Constituição e criou o Superior Tribunal de Justiça, atribuindo-lhe

a guarda do direito federal comum.

À totalidade do conteúdo deste capítulo, devemos aplicar o comentário de

Cintra, 1993, p. 27: “É claro que esta evolução não se deu assim linearmente, de

maneira límpida e nítida; a história das instituições faz-se através de marchas e

contramarchas, entrecortada freqüentemente de retrocessos e estagnações(...)”,

bem como o considerado por Wambier, Almeida e Talamini (2000, p. 36):

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Estas fases não ocorreram de forma marcadamente distinta, de modo que se possa enxergá-las, num olhar voltado para o passado histórico, absolutamente separadas umas das outras. Não houve marcos divisórios nítidos, precisos, entre essas diferentes fases (...) A história mostra que, em quase todos os momentos, esses diferentes sistemas conviveram uns com os outros, ora com a predominância de um, ora com a preponderância de outro. (2000, p. 36-37).

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3. PROCESSO JUDICIAL ELETRÔNICO

A Lei nº. 11.419, de 19 de dezembro de 2006 prevê o uso de meio

eletrônico para a tramitação de processos judiciais, a comunicação de atos e a

transmissão de peças processuais. A utilização está prevista para os processos

civis, penais e trabalhistas, além daqueles da competência dos juizados especiais.

Segundo a lei, meio eletrônico é qualquer forma de armazenamento ou

tráfego de documentos e arquivos digitais, realizado preferencialmente por meio da

Internet.

CLEMENTINO (2007, p. 89) ensina que o processo judicial eletrônico

em alguns pontos manifesta-se apenas como uma maneira diferente de realizar

alguns atos processuais, em outros, implica uma verdadeira revolução conceitual.

Isso é visível ao distinguirmos dois exemplos: o envio de petições por fax,

disciplinado pela lei 9.800/99, é modificado em sua forma, que admite o envio

diretamente ao sistema. Já a manutenção integral dos autos em meio eletrônico, é

algo totalmente diferente do que já vinha sendo feito.

3.1. Acesso ao sistema

O acesso ao sistema pode ser feito por meio da digitação do nome de

usuário e senha, entregues ao usuário do sistema mediante identificação pessoal do

mesmo. Os atos processuais devem ser assinados digitalmente, por meio de

certificado digital (obrigatório para o envio de peças).

A obtenção dos meios de acesso dependerá de identificação presencial

do interessado junto ao Poder Judiciário. A lei faculta aos órgãos do judiciário a

criação de um cadastro único para o credenciamento previsto no artigo 2º.,

parágrafo 1º.

Desta forma, a Lei prevê um sistema misto de assinatura eletrônica: a

digitação do usuário e senha para acesso ao sistema e a assinatura digital baseada

em certificado digital, emitido por autoridade certificadora, que deverá constar nas

peças enviadas ao sistema.

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Isso se dá principalmente pela fragilidade do sistema de usuário e

senha, quando empregado isoladamente. Além da necessidade de cadastro em

todos os juízos e tribunais em que os profissionais do direito desejarem trabalhar,

além do fato que a senha deve ficar armazenada no sistema, ao qual funcionários do

departamento de informática podem ter acesso (CLEMENTINO, 2007, p. 108).

3.1.1. Certificação Digital

Além do uso do sistema de senha, prevê a lei que deverão ser

empregados os certificados digitais. Segundo a Autoridade Administradora da ICP-

Brasil,

O certificado digital é um documento eletrônico, assinado digitalmente por uma terceira parte confiável, que associa uma entidade (pessoa, processo, servidor) a uma chave pública. Um certificado digital contém os dados de seu titular, tais como: nome, e-mail, CPF, chave pública, nome e assinatura da Autoridade Certificadora que o emitiu.8

A obtenção de um certificado digital depende da emissão por

Autoridade Certificadora credenciada da ICP-Brasil (Infra Estrutura de Chaves

Públicas Brasileira). Trata-se de um conjunto de entidades, padrões técnicos e

regulamentos, elaborados para suportar um sistema criptográfico com base em

certificados digitais.

A emissão do certificado digital está baseada na criptografia.

CLEMENTINO a conceitua como o conjunto de técnicas que permite tornar

incompreensível uma mensagem ou informação, com base em regras especiais

armazenadas em uma chave, que misturam e trocam os caracteres. Para entender

seu conteúdo, o interessado deve possuir a chave, que pode ser concedida por

aquele que encriptou a mensagem (2007, p. 98).

CLEMENTINO (2007, p. 115-116) ensina que o certificado digital pode

ser armazenado no disco rígido do computador, em um dispositivo móvel ou em

smart cards. A utilização do smart card tem sido a proposta mais aceita, pois as

operações de assinatura são realizadas dentro do próprio cartão. A Chave Privada

nunca vai sair do Smart Card e isso traz mais segurança.

8 Disponível em https://www.icpbrasil.gov.br/apresentacao, acesso em 05/03/2008.

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Exemplo de Smart Card – o E-CPF da Receita Federal do Brasil

Leitor de Smart Card integrado a Laptop

Leitor de Smart Card Serial ou PS2

3.2. Prazos

A realização dos atos processuais por meio eletrônico consideram-se

realizados no dia e na hora do seu envio ao sistema do Poder Judiciário. Deverá ser

fornecido um protocolo eletrônico dos documentos enviados. No último dia do prazo

a contagem vai até as 24 h do dia.

Os prazos são contados a partir do primeiro dia útil ao da publicação. A

publicação, por sua vez, é considerada a partir do primeiro dia útil após a

disponibilização da informação no sistema. Assim, se uma informação é inserida no

sistema em uma sexta feira, será considerada publicada somente na segunda feira

(caso seja dia útil), contando-se o prazo apenas a partir da terça feira.

No caso de problemas técnicos, os prazos são contados a partir do

primeiro dia útil após a resolução dos problemas. As citações e intimações serão

consideradas realizadas no primeiro dia útil após a sua visualização no sistema.

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3.3. Comunicação de atos processuais

A lei faculta aos tribunais a criação de um Diário da Justiça eletrônico,

disponibilizado na Internet, a exemplo do que já acontece com o Diário Oficial de

alguns Estados, como por exemplo, o de São Paulo (www.imprensaoficial.com.br).

Eventual criação deverá ser acompanhada por ampla divulgação, sendo publicada

diariamente por 30 dias, no Diário Oficial comum já em uso.

O site e as publicações deverão ser assinados digitalmente pelo Poder

Judiciário. O objetivo é dar segurança e legitimidade às publicações digitais, pois

pretende a lei que a publicação eletrônica substitua qualquer outro meio de

publicação oficial (exceto nos casos em que a lei exija intimação ou vista pessoal).

3.4. Intimações e Citações

Prevê o Art. 5º. da Lei que as intimações serão feitas por meio

eletrônico, em portal próprio aos que se cadastrarem junto ao Poder Judiciário. O

usuário, de posse de senha e certificado digital, deverá acessar o sistema em busca

de intimações. Caso visualize a intimação digital, será lançado no histórico dos autos

a realização da intimação, sendo dispensadas quaisquer outras intimações, inclusive

por meio do diário eletrônico. A intimação, realizada no acesso ao sistema, será

considerada intimação pessoal.

A inserção de intimações poderá ser comunicada via e-mail ao usuário

do sistema que solicitar esse serviço. Isso se deve ao fato de que após a inserção

das intimações pelo Poder Judiciário, deverão ser visualizadas em no máximo 10

dias. A consulta será considerada automaticamente realizada caso o usuário não

acesse o sistema e receba as intimações neste prazo.

Alguns pontos são diferentes em relação à citação. Estão excluídos as

citações dos Processos Criminal e Infracional. Além disso, para que possa haver a

citação por meio eletrônico o processo deve estar integralmente digitalizado e à

disposição do citado.

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O envio de cartas precatórias, rogatórias, de ordem, e demais

comunicações oficiais entre órgãos do poder judiciário deverão ser feitas por meio

eletrônico, seja via e-mail ou comunicações no sistema. Caso haja urgência ou risco

de alguém burlar o sistema o juiz poderá determinar outros meios para a realização

destes atos.

Quando for necessário o envio do processo para outro juízo ou

instância superior que não disponham de sistema compatível, os autos serão

impressos em papel e autuados na forma da lei. A autenticidade dos documentos

impressos poderá ser comprovada por meio de acesso a um banco de dados onde

poderá ser verificada.

3.5. Digitalização

Prevê a lei que a citação, intimação ou notificação que não puder ser

realizada por meio eletrônico por motivos técnicos deverá ser realizada comumente

em papel, sendo posteriormente digitalizada e destruída. A digitalização é feita por

meio de scanner, equipamento que grava uma imagem digital a partir da original.

O’Brien (2001, p. 59) conceitua os scanners como dispositivos de

entrada que passam para dentro do computador qualquer coisa que esteja em papel

em formato digital, para que mesmo possa entende-lo. “O scanner pode ser de

grande ajuda para retirar pilhas de papel de sua mesa e colocá-las dentro de seu

PC9”. O scanner funciona por meio de dispositivos fotoelétricos que fazem uma

varredura da imagem que está sendo lida. Os padrões de luz refletidos são

convertidos em impulsos elétricos que são recebidos pelo computador.

Os documentos cuja digitalização seja tecnicamente inviável devido ao

grande volume ou por serem ilegíveis deverão ser apresentados ao cartório ou

secretaria no prazo de 10 (dez) dias contados do envio da petição eletrônica. Os

documentos serão entregues após o trânsito em julgado da sentença que decidir o

processo.

9 Sigla para Personal Computer, ou computador pessoal. Inicialmente utilizado pela IBM para dar nome a um produto, posteriormente popularizou-se sua utilização.

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32

Determina a lei que os órgãos do Poder Judiciário deverão manter

equipamentos de digitalização e de acesso à Internet à disposição dos interessados

para a distribuição de peças processuais.

Os arquivos armazenados devem ficar disponíveis às partes de forma

ininterrupta. Estes dados devem ser armazenados nos computadores de médio e

grande porte (Servidores) do Poder Judiciário.

Segundo O’Brien (2001, p. 65-66) dentro dos computadores os

arquivos ficam guardados em discos magnéticos rígidos, que fornecem acesso

rápido e altas capacidades de armazenamento. Os chamados hard disks são discos

de metal revestidos em ambos os lados por um material de gravação de óxido de

ferro, montados em um eixo de rotação que varia de 3.600 a 7.600 rpm. Entre os

discos de metal são posicionados cabeçotes de leitura e gravação. Os dados são

gravados na forma de minúsculos pontos magnetizados para formar os dígitos

binários dos códigos comuns do computador. Todos os documentos digitalizados

tornam-se códigos binários armazenados em discos de metal.

Os originais dos documentos digitalizados deverão ser guardados até o

trânsito em julgado da ação ou, quando admitida, até o término do prazo para

interposição de eventual ação rescisória. O acesso a tais documentos ficará restrito

às partes processuais e ao Ministério Público.

No caso de autos em tramitação ou já arquivados, sua digitalização

será precedida de publicação de editais de intimação ou de intimação pessoal das

partes e procuradores, para se manifestarem em 30 dias se desejam manter

pessoalmente algum documento original.

3.6. Distribuição das petições

Segundo a nova lei, os processos eletrônicos não dependerão do

Cartório. Determina a lei que a distribuição da petição inicial e a juntada de

contestação, recursos e demais petições serão feitos em formato digital, diretamente

nos autos do processo eletrônico. O trabalho deverá ser feito diretamente por

advogados públicos e privados, sem intervenção do cartório ou secretaria judicial.

Segundo a lei, a autuação deve ser automática, mediante o fornecimento de um

recibo eletrônico de protocolo.

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Os documentos produzidos eletronicamente e juntados aos processos

eletrônicos com garantia da origem e do signatário serão considerados originais para

todos os efeitos legais. Já os documentos digitalizados terão a mesma força

probante dos originais, ressalvada a alegação motivada e fundamentada de

adulteração antes ou durante o processo de digitalização.

Na distribuição da petição inicial a parte deverá informar o número do

CPF ou do CNPJ, exceto nos casos de impossibilidade que limitariam o acesso à

justiça. Em seu art. 18, determina a Lei que os órgãos do Poder Judiciário a

regulamentarão de acordo com suas respectivas competências.

3.7. Desenvolvimento dos Sistemas

Determina a lei que os sistemas desenvolvidos pelos órgãos do Poder

Judiciário deverão usar, preferencialmente, programas de código aberto. Deverão

seguir um padrão determinado e permanecerem acessíveis pela internet de forma

ininterrupta. Segundo CLEMENTINO (2007, p. 113) os programas de código aberto

são auditáveis e considerados mais seguros por toda a comunidade científica

independente. Além disso, são gratuitos. O sistema deve realizar buscas no banco

de dados para identificar casos de prevenção, litispendência e coisa julgada.

Desta forma, todos os atos realizados no Processo Judicial Eletrônico

estarão atrelados a um sistema de informações. O’Brien (2001, p. 17) conceitua um

sistema como um “grupo de componentes inter-relacionados que trabalham juntos

rumo a uma meta comum recebendo insumos e produzindo resultados em um

processo organizado de transformação”. Este grupo é composto pelos seguintes

elementos:

Recursos Humanos: Usuários finais e especialistas em sistemas de

informação;

Recursos de Software: Programas e procedimentos;

Recursos de Hardware: Máquinas e mídias;

Recursos de Rede: meios de comunicação e suporte de rede.

Recursos de dados: Bancos de dados e bases de conhecimento. (O’Brien,

2001, p. 20).

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São necessários recursos diversos e o sucesso da implementação do

Processo Judicial Eletrônico vai depender do bom funcionamento e da provisão de

cada um destes recursos. Assim com de nada vale a estrutura montada se os

usuários não sabem operá-la, não fará diferença a preparação dos operadores do

direito se não há instrumentos suficientes para sua implementação.

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CONCLUSÃO

Sabemos que a Internet10 é um fenômeno sem precedente na história da

humanidade. Ela revolucionou o tráfego de informações ao redor do planeta, facilitou

a comunicação entre pessoas e transformou completamente a relação entre as

pessoas e os computadores.

A tecnologia nunca este tão próxima do ser humano e nunca influenciou,

como nos dias atuais, as decisões, os pensamentos e a vida da sociedade. O

computador, antes um equipamento caro e utilizado para fins profissionais e

científicos, aos poucos foi servindo para o entretenimento e o lazer, e hoje, com o

advento da Internet, configura-se como um passe para a entrada no mundo

cibernético.

Programas recentes de inclusão digital têm aumentado o número de

pessoas conectadas à rede. Atualmente, 14,49% dos domicílios brasileiros

possuem acesso, o que representa aproximadamente 7,7 milhões de residências

com acesso à Internet11. Um número que não pára de crescer.

Com um número cada vez maior de usuários, tanto as empresas quanto o

poder público aderiram à rede. A maioria das empresas possui sites na Internet e

comunidades virtuais. Órgãos governamentais possuem portais de informação que

divulgam informações e permitem consultas aos seus bancos de dados. Atualmente

os planos para criação de novas marcas, empresas ou órgãos públicos já trazem em

seu bojo o planejamento dos respectivos sites na internet.

Os avanços tecnológicos trouxeram mais segurança à via eletrônica.

Instituições Financeiras e Agências Governamentais disponibilizam informações

sigilosas na rede, acessíveis somente a quem de direito, por meio de diversos

sistemas de segurança.

Conforme bem afirma NEGROPONTE (1995, p. 82) a computação não é

mais domínio exclusivo dos militares, do governo e dos negócios, mas está sendo

canalizada diretamente para as mãos de indivíduos bastante criativos em todos os

níveis da sociedade.10 Rede Mundial de Computadores.11 Conforme dados “Tic Domicílios e Usuários 2006”, pesquisa do Centro de Estudos sobre as Tecnologias da Informação e da Comunicação - CETIC.br, responsável pela produção de indicadores e estatísticas sobre a disponibilidade e uso da Internet no Brasil. Disponível em http://www.cetic.br/usuarios/tic/2006/rel-geral-00.htm, acesso em 16/02/2008.

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O Poder Público não poderia ficar à par deste processo. Com

necessidades cada vez maiores, diante da necessidade de maior celeridade da

prestação jurisdicional, foi implementado o Processo Judicial Eletrônico.

Ainda incipiente, visa agilizar a justiça entregando a solução dos conflitos

de interesse em um prazo mais curto e eficiente.

O processo eletrônico consiste na tramitação de ações judiciais total ou

parcialmente digitais. A comunicação dos atos e a transmissão de peças dá-se pela

Internet, todos realizados mediante assinatura digital.

No processo eletrônico todas as citações, intimações e notificações são

feitas por meio eletrônico. Caso viabilizem, de alguma forma, o acesso à integra do

processo correspondente, serão consideradas vista pessoal do interessado para

todos os efeitos legais. Por exemplo, a citação contém um link ou atalho para a

íntegra do processo. No momento em que o advogado ou a parte acessa o sistema

e visualiza a citação, ela poderá de pronto, entrar nos autos digitais ou digitalizados

do processo e visualizá-lo.

Ainda há muito a ser discutido a respeito da forma e do funcionamento do

Processo Eletrônico. Se o judiciário brasileiro fosse dotado de maior celeridade,

haveria maior confiança da população na justiça e uma diminuição da procura da

justiça oficial com o aumento da auto composição, pois, como afirma o autor, a

percepção de que os conflitos são resolvidos com rapidez inibirá o autor do

comportamento antijurídico, que preferirá poupar tempo e dinheiro, evitando a

demanda judicial com resultado previsivelmente desfavorável. (CLEMENTINO, 2007,

p. 55).

Na realidade atual lesam-se propositadamente direitos, sabendo-se que

haverá muitas oportunidades de oferecer um acordo desvantajoso para a

contraparte, que muitas vezes será compelida a aceita-lo por força da necessidade

ou pela incerteza do fim do processo. (CLEMENTINO, 2007, p. 55).

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