7/23/2019 A Historia Da Cidade RJ Entre o Material e o Simbolico 2001
1/4
zDD
I
Prefcio
A histria
da cidade:
entre
o
material
e o
simblico
A
Histria
da
Cidade
de So
Sebastio
do Rio de
Janeiro ocupa
um
lugar
singular
nos
estudos
histricos brasileiros.
Capital da Amrica
portuguesa
desde 1763, sede da
Monarquia
lusitana de
I
808
a
1821,
Corte
lmperial
de
1822 a I
889 e
Capital
Federal,
da
Proclamago
da Repblica inaugurago
de Braslia
em
1960,
a cidade
se
transformou
no
principal
cenrio
do exerccio do
poder
e laboratrio
de
vrias
experincias
civilizatrias,
desde
as tentativas iluministas
de vice-reis
como Lus
de
Vasconcelos
e
Sousa s
experincias
republicanas
no sculo
vinte.
Contudo,
j
era
possvel
detectar
um
processo
de
racionalizago
do
espago
urbano
antes
mesmo
da
transferncia da capital,
notadamente nas intervenges
do
brigadeiro Alpoim,
durante a
longa
gesto
do Conde
de
Bobadela,
o
ltimo
a
dirigir
o
Rio
na condigo
de
Govemador
da
Capitania.
Estes
marcos
da Histria
Administrativa corresponderam
a
alterages no status
da
cidade
onde se
evidenciava o
seu
papel
de centro
de
poder,
mas
tambm
as funges
de representago
de
uma cidade
capital
no
Novo
Mundo.
A histria
urbana
do Rio
de
Janeiro
foi marcada,
desde
o
setecentismo,
por
iniciativas
de racionalizaqo no uso
do
espago
correspondentes s
transformagdes
que
as
cidades do
Antigo Regime
comegavam
a
sofrer.
assim
que
o
nosso
Terreiro
do Pago
vai
sendo
definido
sob
a inspirago do
seu correspondente
metropolitano,
um
largo
da
S
projetado, o Rossio
vai
sendo demarcado na mesma posigo
do
seu
congnere lisboeta
e
os aterros se sucedem na
conquista
do mar
e dos terrenos
alagados. A
cidade encontrada
pela
Corte,
em 1808,
j
estava dotada
de
um
Passeio
Pblico,
tendo
ultrapassado
os
limites
da
muralha projetada
aps
as
invases
francesas do incio
do
sculo
dezoito.
Tratava-se agora
de
imprimir
uma feigo mais
europia, despindo-a
dos
tragos
que
a
aproximavam das cidades asiticas.
E
o
caso
da aboligo das
gelosias
e
dos muxarabis
e
da imposigo
de
prticas
civilizadas, com
vistas
a construir um ambiente
favorvel
para
a
Corte
transplantada'.
Mas
estes eram apenas
os
primeiros
passos
de
um
projeto
civilizatrio
que
tentaria superar
os limites impostos
pelas
condiges sociais e naturais.
No
sculo
dezenove, a
Cidade
foi
uma
protagonista
decisiva
no
processo
de
construgo
do
Estado
Imperial
e
se
constituiu
no alvo
preferencial
das
idealizages
e
ages
que
tentavam atualiz-la
tanto do
ponto
de vista funcional
como estticoz. Grande
parte
dos
planos
e
discusses
permaneceram
no
papel,
mas foram constituindo
um
'
Veja-se
a esse
respeito
a dissertago de
Mestrado
em
Histria,
ainda
indita,
de Angela Maria Cunha da
Motta
TELLES,
Da
Arquitetura
Reyolucionria
Civiliza?do
nos
Trpicos:
Grandjean
de Montigny e a
missAo do arquiteto. Rio de
Janeio:
UFRI/IFCS/PPGHIS,
2000,
e a disserta9o de
Mestrado
na
FAU/UFRJ,
j
pubficada,
do
arquiteto Gustavo ROCHA-PEIXOTO, Reflexos da Luzes na Terra do
SoL
Sobre a Teoria da Arquitetura no Brqsl da Independncia
(1808-/8J1).
fuo
de Janeiro: ProEditores, 2000.
'
Afonso Carlos
MARQUES
DOS
SANTOS.
'A
Cidade do Rio
de
Janeiro:
de
laboratrio
da civilizago
d
cidade
smbofo
da
nacionalidade
in,4 Visdo
do Outro: semiruirio Brasil-Argenfza. Braslia: FUNAC,
2000.o.149-174.
V\
PUBLICADO EM: KESSEL, Carlos. A vitrine e o espelho: o Rio de Janeiro de Carlos Sampaio.
Rio de Janeiro: Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro, 2011. Prefcio: p. ix-xi
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substrato,
no
campo
das
idias, para
as transformagdes
radicais
que
s viriam
nas
primeiras
dcadas
republicanas. Da o
interesse de estudar a
cidade
tambm do
ponto
de
vista da
sua
construgo imaginria, identificando
as
representages
do
espago
urbano real
ou desejado.
Marcel
Rocayolo
chama
a atengo
para
o
fato
de
que
o
essencial da
cidade
moderna
que,
a
partir
do sculo
dezessete,
ela
projetada.
Assim,
as
representages
da
cidade
cumprem
um
papel
fundamental,
onde
importa
conhecer,
como
sugere
Roncayolo,
os
conceitos empregados
para
definir a cidade
tal
como deveria
existir r.
No
por
acaso
que
os
mdicos
elaboram,
desde
o
final
do sculo dezoito, verdadeiros
diagnsticos
do
espago
urbano,
propondo
intervenges
cirrgicas
na
paisagem,
como a denubada
de
alguns morros cariocas
para
favorecer
a
aerago e
a eliminago dos
miasmas. Nasce da a
busca de uma credibilidade
cientfica
para
embasar a transformagAo
da
cidade. Neste
sentido, todo o equipamento mental
de
uma
poca
mobilizado
para
renovar
os conceitos
e modelar a ago
sobre a
cidade deletria
que
se
queria
transformar.
O livro
de
Carlos
Kessel,
A
Vilrine
e
o Espelho, que
passa
a
integrar
a
Colego
Memria Carioca,
uma
feliz
iniciativa do Arquivo
Geral da Cidade
do Rio
de
Janeiro,
ocupa
um
lugar singular
na
historiografia
urbana.
Escrito originalmente
como
dissertago
de
mestrado
para
o
PPGHIS
-
Programa
de
Ps-Graduago
em Histria
Social
do
lnstituto de Filosofia
e
Cincias
Sociais da
UFRJ,
o
texto
de
Carlos
Kessel
apresenta
uma
intelpretago livre
de maniqueismos
e
que
no
se deixou contaminar
pelo
discurso
condenatrio s
reformas
urbanas,
presente
na maioria dos estudos
das dcadas de setenta
e oitenta do sculo vinte. Sem
perder
a
dimenso
crtica,
Kessel
buscou
compreender a
complexidade
dos
fatores
envolvidos nos
planos
de
reformas. Para
tanto,
investigou
a
trajetria do engenheiro e
professor
da
Escola
Politcnica,
Carlos
Sampaio,
prefeito
do
Distrito Federal
de
1920
a
1922,
inserindo-a numa densa histria urbanstica da cidade
entre
1875
e
|
930.
Kessel
vai
buscar Carlos Sampaio no
interior
da
gerago
dos
grandes
engenheiros
que
se
constituram
nos agentes fundamentais das
reformas, como Vieira Souto,
Paulo
de
Frontin
e
Pereira
Passos.
Esta
gerago
notavel
esleve
diretamente envolvida com o
debate
sobre as intewenges
na
Cidade, ainda
no
Imprio,
e
pde participar
ativamente
dos
empreendimentos republicanos
na
Capital Federal.
A
pesquisa
realizada
por
Carlos
Kessel encontrou uma significativa
produgo
textual, onde a cidade
im-aginada
precede
s
reformas
e
surge fundamentada no
saber
mdico
e
suas representages). O
fascnio
diante
do
progresso
tcnico
de
um tempo
repleto
de certezas
cientficas tambm
se
faz
presente
na viso
de
mundo de
Carlos Sampaio e
seus
conlemporneos. E
neste
sentido
que
o
binmio
saneamento
e
embelezamento
constitui
o
eixo do
discurso
do
prefeito
que
comanda a
demoligo do
Mono
do
Castelo6.
' Marcel
RONCAYOLO.
Os
espelhos da cidade: um debate sobre o discurso dos antigos
gegrafos
in
Bemard
LEPET|T. Por ume
Nova
Hislria
Urbqna.
So
Paulo:
Eduso.
2001.
o.
268-269.
4
Sabine BARLES. La
Ville
Dltre. Mdecins
et
Ingnieurs
dans
I'ispace
uiaiz(XVllle-
XIXe
sicle).
Paris: ditions Camp
Vallon,
1999.
5
Sobre este
tema h
a
excelente dissertaqo de mestrado em Histria,
ainda indita,
de Dilma
CABRAL,
Da barbe d civilizagdo: a cidade do
Rio
de
Janeiro
no discurso da Academia lmperial de Medicina
(1870-l890).
Rio de Janeiro: UFRJ/IFCS/PPGHIS,
1995.
o
Sobre a denubada
do
Morro
do
Castlo
recomendvel
a
leitura
da dissertago
de
Mestrado m
Histria,
ainda
ndita, da
arquiteta
Maria
de
Ftima
Duarte
TAVARES, Do
Castelo
ao Vale
da Luzes:
cultura e
PUBLICADO EM: KESSEL, Carlos. A vitrine e o espelho: o Rio de Janeiro de Carlos Sampaio.
Rio de Janeiro: Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro, 2011. Prefcio: p. ix-xi
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3/4
A
estrutura
do
livro
corresponde
s
escolhas
do
autor,
com formaqo
bsica
em
arquitetura
e urbanismo,
mas
que
se deixou
seduzir
pela
histria poltica
e
social,
tornando-se
exmio
pesquisador.
Carlos
Kessel revela excelente
controle
da
historiosrafia
da cidade
e
procura
sintetiz-la,
inventariando
as
principais
questdes
que
anteced-em
a
ago
do
prefeito
estudado.
assim
que
estabelece
um dilogo
entre
a
pitica
discursiva
de carlos
Sampaio
e
a
prtica
da intervengo
urbanstica.
Seu estudo
tambm
nos
conduz
para
os conflitos
da
poltica
da poca, para
as
caractersticas
da
administrago
municipal
de ento
e
para
o tema
atualssimo
do
controle
dos servigos pblicos
po,
,npr.iut
strangeiras.
Nos
embates
entre
os
poderes
executivo
e legislativo
no mbito
municipal
tambm
aparecem quest6es
estruturais
da sociedade
e
do estado
no
Brasil,
onde as
herangas
arcaicas
e
as
resistncias
mudanga
permitem
identificar
as
contradiges que
dificultavam
a modernizago
do
pas.
Este
livro
ultrapassa
as
generalizag6es
da
histria
poltica
brasileira
e
procura
analizar
o
poder
local
na capital
da Repblica,
num
tempo
onde
todos
os olhares
se
voltavam
para
a
cidade
smbolo
da
nacionalidade
e
que
entao
se
preparava
para
abrigar
a
Exposigo
Intemacional
do
centenrio
da
Indepenncia
do Biasi'r7.
por'outro
laio,
o
livro
nos conduz
para
uma dimenso
ainda
no
explorada,
a
anlise
da
caneira,
do
pensamento
e da
ago de um
engenheiro
como
Carlos
Sampaio, que
deixou vrios
escritos
em
defesa
das
suas idias.
Atravs
dele
somos levados
a identificar
um
imaginrio
burgus
deln de
sicle,
compartilhdo pelas
elites
brasileiras,
ento
voltadas
para
a
implementago
de
um novo
projeto
civilizatrio.
O
projeto
republicano
emergia
marcado
pelo
velho
desejo de
ocidentalizago
do
pas
e de insergo
do
mesmo no
cenrio
mundial
da
civilizago
de
matriz
europia.
A
Vitrine
e
o
Espelho,
ao
estudar
o Rio
de
Janeiro de
Carlos
Sampaio,
nos
coloca
diante de
problemas
da
nossa
contemporaneidade
e fomece
um
olhar dinmico
sobre
a
histria
poltico-administrativa
desta cidade.
A
percepgo
de
carlos
Kesel
equilibrada,
sem
condenages
f;ceis e
sugere
a
ampliago
dos
estudos
urbanos
num cruzamento
necessrio
entre
as
prticas
discursivas
e as
prticas
urbansticas.
E isto
se d num
quadro
que
valoriza
as representages
da cidade
como objeto
de
pesquisa,
no
mesmo plano
de
importncia
dos
estudos
sempre necessrios
de histria econmica
e
social.
A
nogo
de
representago
aplicada
ao caso
da cidade,
como nos ensina
Marcel
Roncayolo8,
no
um
puro
reflexo
do substrado
econmico
e
social. A
representago
ativa
e no apenas
,,diz
a
cidade,
como
faz a
cidade. H, portanto,
entre
as
condig6es
econ6micas
e
sociais
e a
efetiva
intervengo
no
espago
urbano, uma complexa
elaborago
simblica
que
necessrio
investigar.
E
exatamente
esta
dimenso
que
permite
a renovago
dos
estudos
urbanos
como
territrio
multidisciplinar,
onde
urbanismo
e
arquitetura podem
ser
renovagdo
urbqnq. Rio
de Janeiro, 1920- 1922.
Braslia:
UNB,
1994,
e
a
excelente
contribugao
iconogrfica
e textual
de
Era uma vez
o
Morro
do
Castelo,belo
livro organizado
por
Jos Antonio
NONATO
e
Nubia
Melhem
SANTOS,
publicado pelo
IPHAN em
2000.
?
Sobre
esta
questo
h a
dissertago
de Mestrado
im Histria da
UFRI,
publicada
em livro,
de
Marly Silva
daMOT|
A, A Nagdofaz
Cem
Anos:
a
questAo
nacional
no centendrio da Independncia.
No de
laneir.
Editora
da
Fundago
Getlio
Vargas,
1992.
'Marcel RONCAYOLO,
op.
cit.,
p.
269. Para
conhecer melhor
o
pensamento
deste
gegrafo
e historiador
francs
recomendo
a
leitura
de
La ville e ses
territoires. Parisi
Gallimard
(Folio
Essais).
1990.
PUBLICADO EM: KESSEL, Carlos. A vitrine e o espelho: o Rio de Janeiro de Carlos Sampaio.
Rio de Janeiro: Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro, 2011. Prefcio: p. ix-xi
7/23/2019 A Historia Da Cidade RJ Entre o Material e o Simbolico 2001
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pensados
como
parte
de uma Histria da Cultura, entre o material e o simblico. Tal
perspectiva
nos
leva a
pensar que
a cidade, ela
mesma
e
no
apenas a sua
histria,
um
lugar de intervengo
plural,
onde a racionalidade tcnica e a cientfica
precisam
estar
acompanhadas
da
sensibilidade
dos
artistas,
da
erudigo
dos
pesquisadores
e,
principalmente,
do desejo dos seus cidados.
Afonso
Carlos
Marques dos
Santos
PUBLICADO EM: KESSEL, Carlos. A vitrine e o espelho: o Rio de Janeiro de Carlos Sampaio.
Rio de Janeiro: Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro, 2011. Prefcio: p. ix-xi
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