A Histria da Filosofia Chinesa (01)
por Chan Wing-Tsit em Moore, C. (org.) Filosofia: Oriente, Ocidente. (1978),
Edusp-Cultrix, So Paulo.
A Filosofia chinesa uma sinfonia intelectual em trs movimentos: o
primeiro, do VI ao II sculo a.C., foi essencialmente um perodo de
desenvolvimento dos trs maiores temas - Confucionismo, Taosmo e Mosmo -
, e dos quatro menores - Sofismo, Neomosmo, Legalismo e Interacionismo yin
yang -, todos com os seus contrastes e harmonias, com o acompanhamento
das outras "Cem Escolas". O segundo movimento foi caracterizado pela mistura
de diferentes motivos que se resolveram no acorde dominante da Filosofia
chinesa medieval, ao passo que a nota do Budismo foi introduzida da ndia
para dar-lhe o efeito de contraponto. No terceiro movimento, o mais longo de
todos, do sculo XI aos dias atuais, as notas caractersticas da Filosofia
chinesa foram sintetizadas para transformar o acorde persistente do
Confucionismo na longa e excepcional melodia que o Neoconfucionismo.
A analogia sugere imediatamente que h consonncia, bem como dissonncia,
entre os principais sistemas do pensamento chins, fato significativo e digno
de nota, especialmente no caso das escolas antigas. A oposio entre o
Confucionismo humanstico e o Taosmo , primeira vista, quase
inconcilivel. Todavia, qualquer distino completa inevitavelmente distorce
o quadro. O Taosmo primitivo est mais prximo do Confucionismo do que
geralmente se entende, principalmente em sua filosofia de vida.
Contrariamente crena popular de que Lao-Ts ensinou a renncia vida e a
sociedade, sua doutrina tica estava mais ligada de Confcio, o experiente
conhecedor do mundo, do que do Hindusmo ou do Budismo. Esta opinio
no nova nem pessoal, mas uma opinio geral entre os historiadores nativos
da filosofia chinesa. Tanto o Dr. Hu Shih, em seu The Development of the
Logical Method in Ancient China (1), como o Professor Fung Yu-lan, em sua
The History of Chinese Philosophy (2), interpretaram Lao-Ts de maneira
bem diferente daquela a que o Ocidente est acostumado. O principal
interesse do Taosmo e do Confucionismo a vida, com a diferena principal
que, no Taosmo, a preservao da vida vem de seguir-se a Natureza, ao passo
que o Confucionismo a realizao da vida vem com o pleno desenvolvimento
do homem.
Confucionismo primitivo
O movimento do humanismo comeou em Confcio (551 - 479 a.C.), ganhou
impulso com Mncio e Hsn Ts, e finalmente alcanou o clmax no
Neoconfucionismo. uma histria de mais de dois mil anos, a histria da vida
e do pensamento chineses. Desde a poca de Confcio at os dias atuais, a
principal inspirao espiritual e moral dos chineses tem sido o ditado
confuciano. " o homem que engrandece a verdade, e no a verdade que
engrandece o homem" (3).
Dizer que Confcio era humanstico no negar que o sbio mostrou razovel
interesse pela religio. Confcio foi, por um lado um reformador, um pioneiro
da educao universal, para todos os que quisessem vir (4) e para pessoas de
todas as classes(5), um homem que viajou quatorze anos por muitos Estados
em busca de uma oportunidade para servir os governantes, a fim de que a
Ordem Moral (tao, o Caminho)(6) pudesse prevalecer. Era, por outro, um
conformista, um homem "fiel aos antigos e que os amava" (7), um homem que
tentou preservar a doutrina de Chou (8), da qual era parte integrante o culto
do Cu e dos antepassados. Conseqentemente, disse que "O homem superior
teme (...) os decretos do Cu"(9). Acreditava que "Se deve prevalecer a Lei
Moral, porque esse o mandamento do Cu"(10). Ele prprio oferecia
sacrifcios aos seus antepassados e "tinha a sensao de que eles estavam
realmente presentes", dizendo: "Se eu no estiver presente ao sacrifcio, ser
o mesmo que no fazer sacrifcio"(11). No obstante, ps francamente o bem-
estar dos homens frente da religio. Sua relutncia em discutir o Cu levou
seus alunos a dizerem que sua concepo do Cu "no podia ser ouvida"(12).
"Nunca discuta fenmenos estranhos, exploraes fsicas, desordens ou
espritos"(13). Quando um aluno lhe perguntava sobre o ato ou a maneira de
servir os espritos e sobre a morte, respondia: "Ainda no sabemos servir os
homens; como podemos saber servir os espritos?... Ainda nada sabemos da
vida, como podemos saber alguma coisa sobre a morte?" (14)
Por estas amostras, evidente que Confcio era um humanista mesmo em
matrias religiosas; no era um sacerdote, muito menos fundador da religio
que tinha o seu nome. O Homem, somente o Homem, ocupava sua ateno
primeira. o que se pode ver na seguinte passagem, que todo o seu sistema
em poucas palavras:
"Os antigos que desejavam tornar manifesto o carter claro dos povos do
mundo empenhavam-se primeiramente em ordenar sua vida nacional. Os que
desejavam ordenar sua vida nacional empenhavam-se primeiro em regular sua
vida familiar. Os que desejavam regular sua vida familiar empenhavam-se
primeiro em cultivar sua vida pessoal. Os que desejavam cultivar sua vida
pessoal empenhavam-se primeiro em pr seu corao no caminho certo. Os
que desejavam pr seu corao no caminho certo empenhavam-se primeiro
em tornar sinceras suas vontades. Os que desejavam tornar sinceras suas
vontades empenhavam-se primeiro em ampliar seu conhecimento. A
ampliao do conhecimento depende da investigao das coisas. Quando as
coisas so investigadas, o conhecimento ento se amplia, a vontade ento se
torna sincera; quando a vontade sincera; o corao ento se pem no
caminho certo; quando o corao est no caminho certo, a vida pessoal ento
cultivada; quando a vida pessoal cultivada, a vida familiar ento
regulada; quando a vida familiar regulada, ento a vida nacional est
ordenada; e quando a vida nacional est ordenada, ento h paz no
mundo"(15).
Trata-se de um programa abrangente que pode, porm, ser resumido numa
palavra, isto , jn, ou verdadeira natureza humana. Esta a idia central do
sistema confuciano, em torno da qual todo movimento confuciano se
desenvolveu. Confcio nem definiu nem analisou o jn. Est at registrado no
Lun Y (Os Analectos) que ele "raramente" falava dele (16). Embora 55 entre
os 498 captulos dos Lun Y sejam dedicados discusso da verdadeira
natureza humana, o Mestre considerava o assunto com tal seriedade que dava
a impresso de raramente haver discutido o tema.
A afirmao mais prxima da definio de jn que ele "consiste em dominar-
se e em restabelecer a ordem moral (li)"(17). Isto praticamente equivale a
toda a filosofia confuciana, j que o jn, assim definido, envolve a realizao
do eu e a criao de uma ordem social. Especificamente, a verdadeira
natureza humana consiste em "ser respeitoso ao lidar consigo mesmo, ser
srio ao ocupar-se de negcios e ser leal nas relaes com as pessoas (18)."
Um homem de carter "forte, resoluto, simples e modesto" est "perto" da
verdadeira natureza humana(19). Alm disso, "Quem pode praticar cinco
coisas onde quer que esteja um homem verdadeiro... a saber, seriedade,
liberalidade lealdade, diligncia e generosidade" (20). "O verdadeiro homem",
disse Confcio, "que deseje determinar a natureza de seu prprio carter,
tambm procura determinar a natureza do carter dos outros. Desejando ter
xito, tambm procura ajudar os outros a ter xito" (21). Em uma palavra, ser
um homem verdadeiro "amar todos os homens" (22).
Tal homem verdadeiro o que Confcio chamou o "homem superior", que a
combinao do "homem bom que no tem tristezas, o homem sbio que no
tem perplexidades e o homem corajoso que no tem medo" (23). Faz da
honestidade "a substncia do seu ser", da correo "a base da sua conduta", da
modstia seu "ponto de partida" e da honestidade seu "alvo"(24). Ele "se
refreia em matria de sexo quando seu sangue e sua fora vitais so fortes.
Quando alcana a maturidade e seu sangue e sua fora vital esto cheios de
vigor, refreia-se em questes de luta. Quando alcana a velhice e seu sangue
e fora vital j enfraqueceram, refreia-se em questes de aquisio"(25). Ele
visa a nove coisas. "No uso dos olhos, seu objetivo ver claramente. No uso
dos ouvidos, seu objetivo escutar distintamente. Na expresso, seu objetivo
ser afvel. Quanto s maneiras, seu objetivo ser respeitoso. Na fala, seu
objetivo ser sincero. Nos negcios, seu objetivo ser srio. Na dvida,
procura esclarecimento. Quando tem raiva, pensa nas conseqncias. Diante
do lucro pensa na integridade"(26). Nada faz contrrio ao princpio do
decoro(27), quer ser lento no falar mas diligente no agir(28), e pensa na
verdade em vez de no lucro"(29). Desfruta o prazer derivado da devida
ordenao de rituais e msica, dos comentrios sobre os merecimentos dos
outros e da amizade com muitos homens virtuosos(30). Renunciaria riqueza
e aos altos cargos, mas suportaria a pobreza e as posies mesquinhas em
nome dos princpios morais(31). No faz aos outros o que no quer que outros
lhe faam(32), "retribui o mal com a justia (probidade) e retribu a bondade
com a bondade"(33). Pratica a lealdade filial com os pais, ao ponto de nunca
desobedecer, mas aderindo estritamente ao principio do decoro; serve aos
pais quando esto vivos, enterrando-os e sacrificando em sua honra quando
esto mortos(34). respeitoso com os superiores (35). Em resumo, um
homem perfeito.
Esta nfase no humanismo suprema em Confcio. Subjaz a todas as suas
doutrinas polticas, educacionais, estticas e at lgicas. As pessoas devem
ser governadas pelos bons exemplos dos governantes, guiadas pela virtude e
reguladas pelos princpios do decoro, e o objetivo do governo dar riqueza e
instruo ao povo e segurana ao Estado (37). O conhecimento "conhecer os
homens" (38). O homem superior "estuda a fim de aplicar seus princpios
morais"(39). Os poemas so "para estimular nossas emoes, alargar vosso
campo de observao, ampliar vosso companheirismo e expressar-vos os
ressentimentos". Ajudam-vos nos deveres imediatos para com vossos pais e
nos deveres mais remotos para com vosso governante. Aumentam vossa
familiaridade com os nomes dos pssaros, dos animais e das plantas" (40).
Mesmo a "retificao dos nomes", a abordagem confuciana que mais se
aproxima da Lgica, deve ser conduzida segundo diretrizes humanistas. Por
exemplo, a msica no significa apenas sinos e tambores(41), pois os nomes,
quando retificados, tm um qu de prtico. Assim, retificar nomes num
Estado significa "o governante ser um governante, o ministro ser um ministro,
o pai ser um pai, e o filho ser um filho"(42).
Este humanismo completo, mas qual seu fundamento lgico? Confcio
disse que "h um princpio central que percorre toda a minha doutrina"(43).
Tal princpio central geralmente aceito como significando "nada que no
seja a fidelidade a si mesmo e reciprocidade"(44). Se semelhante
interpretao correta, ento somos forados a concluir que o fundamento
do sistema confuciano est no reino moral, isto , na experincia humana
mesma. O princpio tambm, em geral, tido como idntico doutrina
confuciana da Harmonia Central (chung yung, o ureo meio). De fato, essa
doutrina de suprema importncia na Filosofia chinesa; , no apenas a
espinha dorsal do Confucionismo, tanto antigo como moderno, mas tambm
da Filosofia chinesa como um todo. Confcio disse que "encontrar a pista
central (chung) do nosso ser moral e ser harmonioso (yung) com o universo"
a suprema realizao da nossa vida moral(45). Isto parece implicar que
Confcio tinha como fundamento da sua tica algo psicolgico ou metafsico,
porm este aspecto s foi desenvolvido dois sculos mais tarde. Para Confcio
chung yung por certo significava o ureo meio, como o indica o ditado "Ir
longe demais o mesmo que no ir longe o bastante." O fundamento
psicolgico deve ser proporcionado por Mncio e por Hsn Ts, e o metafsico
pelo livro conhecido come o Chung Yung (ou A Doutrina do Meio).
Confcio interessava-se principalmente por um mundo prtico e, portanto,
ensinava-nos a fazer o bem sem entrar no problema de por que devemos fazer
o bem. Para Mncio (371 - 289 a.C.), entretanto, fazemos o bem, no apenas
por que devemos, mas porque temos que, pois "A natureza humana segue o
bem da mesma forma como a gua procura o nvel mais baixo"(47). "Se os
homens se tornam maus, no culpa do seu dom natural"(48). Todos os
homens tm, originariamente, o sentimento da misericrdia, o sentimento da
vergonha, o sentimento do respeito e o sentimento do bem e do mal, e so
estes os que chamamos de "quatro princpios fundamentais da benevolncia,
da honestidade, do decoro e da sabedoria"(49). Esta conscincia moral est
enraizada no corao de um homem perfeito(50), o que pode ser demonstrado
pelos fatos de que todas as crianas sabem amar seus pais(51). e de que,
quando os homens de repente vem uma criana prestes a cair num poo,
inevitavelmente surge no corao deles um sentimento de misericrdia e de
alarma (52).
Este sentimento inato do bem uma "capacidade ingnita", que possumos
sem necessidade de aprender, e tambm "conhecimento ingnito", que
possumos sem necessidade de pensamento (53). Assim, "todas as coisas j
esto completas no eu. No h maior delcia do que voltar ao eu com
sinceridade"(54). Porque a "sinceridade o caminho do Cu, ao passo que
pensar em como ser sincero o caminho do Homem"(55). O princpio diretor
da conduta humana , portanto, "o pleno exerccio da mente". "Exercitar
plenamente nossas mentes conhecer nossa natureza, e conhecer nossa
natureza conhecer o Cu. Preservar nosso esprito e nutrir nossa natureza
o meio de servir ao Cu. Manter a singeleza de esprito,. quer soframos morte
prematura quer tenhamos vida longa, e cultivar nosso carter pessoal e deixar
que as coisas sigam seu curso, so os meios de talhar nosso destino"(56).
Assim, os pr-requisitos de uma ordem moral harmoniosa esto completos
dentro de ns. Em vez de olhar para a Natureza a fim de nos conhecermos,
olhamos dentro de ns a fim de conhecer a Natureza. No temos sequer que
olhar para o sbio, pois ele "pertence mesma espcie que ns"(57). A chave
para a centralidade e a harmonia do universo, assim como para ns mesmos,
no deve, portanto, ser buscada longe. Esto dentro da nossa natureza.
Desenvolver nossa natureza realizar as virtudes a ela intrnsecas, que
Mncio primeiro reduziu aos "quatro princpios fundamentais", e mais adiante
benevolncia, que a "mente do Homem", e integridade, que o caminho
do homem"(58). Aquela a base tica da sociedade, ao passo que esta o
fundamento da poltica. O termo "benevolncia" (jn) deve ser entendido em
seu significado mais fundamental de verdadeira natureza humana, pois "Jn
aquilo que faz de um homem um homem. Falando de modo geral, o
princpio moral"(59). O homem moral nada faz que no esteja de acordo com
a verdadeira natureza humana(60). De fato ele ama todos os homens(61). A
demonstrao mais natural da verdadeira natureza humana a lealdade aos
pais, que para Mncio era a maior de todas as virtudes(62). "De todas as coisas
que um filho com verdadeira virtude filial pode alcanar, no h nada mais
grandioso do que honrar seus pais"(63). A. devoo filial, ento, o
fundamento das cinco relaes humanas. "Entre pai e filho, deve haver
afeio; entre soberano e ministro, honestidade; entre marido e mulher,
considerao pelas suas funes distintas; entre velhos e jovens, uma ordem
apropriada; e entre amigos, fidelidade"(64). Quando tais qualidades estiverem
demonstradas, prevalecer uma ordem social harmoniosa.
Essa tentativa de proporcionar um fundamento psicolgico ao humanismo
um desenvolvimento significativo na escola confuciana, no apenas porque
representa um grande avano, mas tambm porque exerceu influncia em
toda a escola do Neoconfucionismo, principalmente do sculo IV at os dias
atuais.
O desenvolvimento psicolgico em Hsn-Ts (aproximadamente 355 - apr. 288
a.C.) seguiu, entretanto, quase direo oposta. No que o esprito humanista
nele seja mais fraco; ao contrrio, muito mais forte. A Lei Moral (tao) "no
o caminho do Cu, nem o caminho da Terra, mas o caminho seguido pelo
Homem, e caminho seguido pelo homem superior" (65) e, mais
especificamente, "Tao o modo de dirigir um Estado", ou, em outras palavras,
"organizar o povo" (66). Por conseguinte, ele defendia vigorosamente o
controle da Natureza:
Vs glorificais a Natureza e meditais sobre ela:
Por que no a amansais e no a regulais?
Vs obedeceis Natureza e cantais em seu louvor:
Por que no controlar seu curso e us-lo?
Vs contemplais as estaes com reverncia e as aguardais:
Por que no respondeis a elas com atividades sazonais?
Vs dependeis das coisas e vos maravilhais diante delas:
Por que no desenvolver vossa prpria capacidade e transform-las?
Vs meditais sobre o que torna uma coisa uma coisa:
Por que no ordenar as coisas de modo a no desperdi-las?
Vs buscais em vo a causa das coisas:
Por que no usufruir e apropriar-se do que elas produzem?
Portanto, digo: desdenhar o homem e especular sobre a Natureza
mal compreender os fatos do Universo (67).
Hsn-Ts acreditava necessrio o domnio da Natureza por que achava que a
natureza humana muito diferente da descrio que dela fazia Mncio. Para
Hsn-Ts, "A Natureza do Homem m; sua bondade adquirida (pelo
treinamento)"(68) O mvel aqui foi, obviamente, dar nfase educao,
nfase que o tornou o principal filsofo da educao na China antiga. Como a
natureza original do Homem m, ele "precisa passar pela instruo de
professores e leis"(69). Assim, a virtude no inata, mas deve ser
"acumulada", da mesma forma como as montanhas so formadas por
acumulao de terra(70). O princpio diretor da acumulao para o indivduo
o li ou decoro (71), para a sociedade a "retificao de nomes"(72), e para o
governo a "modelagem de acordo com os reis sbios dos ltimos dias"(73).
Quando a virtude "acumulada" a um grau suficiente, o Homem pode, ento,
"formar uma trade com o Cu e a Terra"(74).
Pelo fim do sculo IV a.C., o Confucionismo deu mais um passo frente.
Houve urna tentativa de proporcionar um fundamento metafsico para o seu
humanismo, corno podemos ver pelo livro chamado Chung Yung(75) ou A
Doutrina do Meio. De acordo com esse livro, nosso eu central ou nosso ser
moral concebido como "a grande base da vida", e a harmonia ou a ordem
moral "a lei universal do mundo. Quando o nosso verdadeiro eu e harmonia
centrais so realizados, o universo ento se torna um cosmos e todas as coisas
alcanam seu pleno crescimento e desenvolvimento"(76). Assim, "a vida do
homem moral uma exemplificao da ordem moral universal" (71).
O Chung Yung declara, alm disso, que ser fiel a si mesmo (chng,
sinceridade) "a lei do Cu" e tentar ser fiel a si mesmo "a lei do
Homem"(78). Esta verdade "absoluta", "indestrutvel", "eterna", "auto-
existente", "infinita", "vasta e profunda", "transcendental c inteligente" (79).
Contm e abarca toda a existncia; cumpre e aperfeioa toda a existncia.
"Sendo esta a natureza da verdade absoluta, manifesta-se sem ser vista;
produz efeitos sem movimento; atinge seus objetivos sem ao"(80). Apenas
aqueles que so "seus absolutos eus verdadeiros" podem "realizar sua prpria
natureza", podem "realizar a natureza dos outros", podem "realizar a natureza
das coisas", podem "ajudar a Me Natureza a cultivar a vida", e podem ser "os
iguais do Cu e da Terra" (81). No se sabe at que ponto foi original esta
tendncia metafsica cm Confcio, mas tornou-se ela um fator extremamente
significativo no Confucionismo posterior, especialmente no Neoconfucionismo
dos sculos XI e XV.
O Taosmo Primitivo
Enquanto progredia esse movimento do humanismo confucionista, o Taosmo
naturalista se desenvolvia paralelamente, por caminhos diferentes, mas com
objetivos de vida similares. Assim como o fim do Confucionismo a vida
plenamente desenvolvida, o do Taosmo a vida simples e harmoniosa.
Embora o termo "Taosmo" (tao chia) s viesse a ser usado no sculo I a.C., no
Shih Chi (Registros Histricos) do Ssu-ma Chien (145 - 86 a.C.), o movimento
taosta j devia ter ento alguns sculos. Mas, se foi Yang Chu ou Lao-Ts o
primeiro lder do movimento ponto controvertido(82). No caso de Yang Chu
(aproximadamente 440 - apr. 366 a.C.), o esprito , certamente, de
simplicidade e harmonia. Ele no era um hedonista que insistia com todos os
homens para "gozarem a vida" e para se satisfazerem com "uma casa
confortvel, boas roupas, boa alimentao e belas mulheres", como o
descreve o esprio Lieh Tzu do sculo III a.C.(83), ou um egosta "que no
teria arrancado um s fio de cabelo ainda que com isto viesse a beneficiar o
mundo todo", como Mncio de propsito o fez parecer(84). Era antes um
seguidor da natureza interessado principalmente em "preservar a vida e em
conservar intacta a essncia do nosso ser e em no magoar a nossa vida
material com coisas" (85), "um homem que no entraria numa cidade em
perigo, que no se alistaria no exrcito nem mesmo trocaria um fio de cabelo
pelos lucros do mundo inteiro"(86). Mesmo no captulo intitulado "Yang Chu"
em Lieh Tzu, a nfase principal era "deixar a vida seguir seu curso livremente"
e ignorar, no apenas a riqueza e a fama, mas tambm a vida e a morte. Foi
esta nfase naturalista que o tornou o taosta representativo do seu tempo.
No caso de Lao Ts, a linha mestra em seu Tao-t Ching a "simplicidade",
uma idia central pela qual outros conceitos aparentemente estranhos devem
ser entendidos. Uma vida "simples" urna vida de naturalidade na qual o lucro
descartado, a esperteza abandonada, o egosmo minimizado e os desejos
reduzidos(88). a vida da "perfeio que parece incompleta", da "plenitude
que parece vazia", da "retido absoluta que parece desonesta", da "habilidade
que parece desajeitada" e da "eloqncia que parece gaguejar" da vida de
"produzir e cultivar coisas sem apossar-se delas", de "fazer um trabalho mas
no orgulhar-se dele", e de "governar as coisas mas no domin-las"(89). a
vida que "pontiaguda como um quadrado mas no fura, afiada como uma
faca mas no corta, reta corno uma linha distendida mas que no se estende,
e brilhante como luz mas que no ofusca"(90).
Outras idias fantsticas do Taosmo se desenvolveram e morreram, mas este
o fator vivo que fez dele uma fibra forte da tica chinesa, ainda hoje. o
ponto de acordo com o mais poderoso sistema intelectual da China, a saber, o
Confucionismo.
verdade que Lao-Ts foi extremamente crtico a respeito da ordem
existente, ao ponto mesmo de exclamar que "Quando o Grande Caminho (Tao)
estivesse obliterado, a benevolncia e a justia surgiriam. Quando a sabedoria
e o conhecimento aparecessem, a hipocrisia emergiria"(91) Mas denunciou a
civilizao com a mesma disposio com que atacou a guerra, a cobrana de
impostos e o castigo(92), essencialmente por causa do seu carter excessivo e
destruidor. Lao-Ts no foi desertor da civilizao. De acordo com registros
histricos autnticos, foi um modesto funcionrio pblico. O Dr. Hu Shih opina
que ele e Confcio foram ambos ju, literatos do tipo sacerdote-professor, que
levavam a tocha da civilizao; que Lao-Ts era um ju ortodoxo, um "ju dos
mansos" que se agarravam cultura dos povos conquistados do Yin, que se
caracterizava pela no-resistncia, pelo contentamento, etc., ao passo que
Confcio, apesar de ser descendente de Yin, era um ju de novo tipo, um "ju
dos fortes", que advogava a substituio da degenerescente cultura Yin pela
florescente cultura dos povos dominantes de Chou (93). Assim, devemos
considerar Lao-Ts um professor de vida simples, e no um desertor da vida.
tambm verdade que Lao-Ts ensinou a estranha doutrina do wu wei,
geralmente interpretada como "inao". Mas um erro pensar no wu wei
corno qualquer coisa que sugira completa inatividade, renncia ou o culto do
inconsciente. antes um modo singular, ou, mais exatamente, o modo
natural, de comportar-se. "O sbio gere seus negcios sem declar-lo e
divulga suas doutrinas sem palavras"(94). O caminho natural "suster todas as
coisas em seu estado natural" e permitir, assim, que elas se "transformem
espontaneamente"(95). Dessa maneira, "O Caminho no exerce nenhuma
atividade, e, no entanto, nada resta por fazer"(96). O governante sbio faz
coisas sem declar-las, e assim nada fica por regular"(97). Por a se v ser
bem claro que o caminho do wu wei o caminho da espontaneidade, que
deve ser contrastado com o caminho artificial, o caminho da esperteza e da
moral superficial. Foi a vida de artificialismo que provocou o vigoroso ataque
de Lao-Ts e o levou a glorificar a realidade do inexistente, a utilidade do
intil e a fora dos fracos(98).
Isto no representa esforo para substituir o ser pelo no-ser, nem o forte
pelo fraco. , antes uma afirmao da importncia de ambos. O "eterno no-
ser" e o "eterno ser" "vieram da mesma fonte mas aparecem com nomes
diferentes"(99). O verdadeiramente fraco idntico ao verdadeiramente
forte. Como disse Lao-Ts, "O que o mais perfeito parece incompleto" e "O
que o mais completo parece mais vazio"(100). Nestes enunciados, Lao-Ts
estava ainda um passo mais prximo do ureo meio. Na superfcie, ele parece
ser o defensor da mulher como o princpio fundamental da vida e da infncia
como o estado ideal do ser(101). Tambm parece advogar o vazio e a
quietude(102). No fundo, entretanto, tal posio tica se aproxima muito
mais do centro do que do extremo. "J que falar demais sempre acaba em
malogro, melhor aderir ao princpio da centralidade"(103).
A principal diferena entre Lao-Ts e Confcio est. no fato de que, ao passo
que em Confcio a medida de todas as coisas o Homem, em Lao-Ts a
Natureza. A simplicidade, wu wei, e outros ideais ticos, so todos lies
morais tiradas da Natureza, que o padro para o Cu e a Terra, assim como
para o Homem(104). o Caminho, ou Tao, o princpio universal da vida. "a
fonte do Cu e da Terra", e "a me de todas as coisas"(105). eterno, uno,
onidifuso e absoluto(108). Acima de tudo, natural(107).
Como a realidade natural, nossa vida tambm deve s-lo. Ser natural viver
como gua, que "semelhante ao bem mais elevado" e "quase idntico ao
Tao"(108). A gua "ocupa lugares que as pessoas detestam", mas "beneficia
todas as coisas sem fazer qualquer exigncia"(109). "No h nada mais brando
nem mais fraco do que a gua, e, no entanto, no h nada melhor para atacar
coisas duras e fortes"(110). A idealizao da infncia nada mais do que a
idealizao do estado natural. No o estado de ignorncia e incapacidade.
, antes, o estado de quietude, de harmonia e de introviso. Acima de tudo,
o estado da vida.
"Tao produziu o um. O um produziu o dois. O dois produziu o trs. O trs
produziu todas as coisas. Todas as coisas possuem yin (o principio passivo ou
feminino) e contm yang (o princpio ativo ou masculino), e a mistura da fora
vital (ch'i) produz harmonia"(111). Conhecer essa harmonia chama-se "O
Eterno", e conhecer o Eterno chama-se "Introviso"(112). Disse Lao-Ts:
Alcance o completo vazio.
Mantenha inabalvel quietude.
Todas as coisas nascem, e vejo por a seu retorno.
Todas as coisas florescem, mas cada uma retorna sua raiz.
Este retorno raiz chama-se qiescncia;
Significa seu retorno de acordo com o seu Fado.
Retornar de acordo com o Fado chama-se o Eterno.
Conhecer o Eterno chama-se Introviso.
No conhecer o Eterno e agir cegamente desastroso.
Conhecer o Eterno ser liberal.
Ser liberal no ter preconceito.
No ter preconceito ser compreensivo.
Ser compreensivo ser grande.
Ser grande ser como Tao (o Caminho).
Ser como Tao (possu-lo) para sempre e no falhar por toda a vida (113).
esta, talvez, a passagem mais abrangente do Tao-t Ching. Devemos notar
que o clmax de todo o procedimento "no falhar por toda a vida". Aqui
temos o sabor humanstico do naturalismo. No se deve abandonar a vida, mas
torn-la segura e valiosa. A grandeza do Tao perfeita basicamente porque
nunca se considera grande(114). Quem conhece o contentamento no sofre
humilhao. "Quem sabe quando parar no sofre desgraas. Ali ele pode estar
so e salvo" (115). "Apenas aqueles que no se atormentam com a vida se
distinguem tornando a vida valiosa"(116). Em resumo, a filosofia de Lao-Ts
pode ser resumida com sua frase "O caminho da vida longa e da viso
duradoura" (117).
Quando compreendermos esta nfase em uma vida simples e harmoniosa no
Taosmo, estaremos em condies de ver por que essa filosofia naturalista e
atia deve ter sido erigida em fundamento de uma religio supersticiosa,
notria pela sua prtica da alquimia e pela crena nos imortais, da China
Medieval. A razo, simples, que o mvel bsico da corrupta religio taosta
era buscar a longevidade. O efeito do movimento foi que o homem cada vez
mais se apegou a uma filosofia negativa, perdendo confiana em si, assim
como numa ordem social progressista. Tal atitude foi frontalmente
contestada, no apenas pelo Confucionismo, mas tambm pelo Mosmo.
Mosmo e Sofismo
Como no Confucionismo, o principal interesse do Mosmo o homem. Em vez
da geral e vaga "verdadeira natureza humana", entretanto, Mo-Ts (entre 500
e 396 a.C.) advogou o bem-estar do homem. "Promova o bem-estar geral e
elimine o mal" tornou-se o lema de todo o movimento mosta (118). Mo-Ts se
ops de tal maneira vazia fala confuciana sobre os "rituais e a msica" que
os rejeitou inteiramente em favor dos "benefcios" em termos de populao e
de riqueza. "Antigos reis e prncipes", disse, "na administrao dos seus
Estados, visavam todos riqueza para o seu pas e a uma grande
populao"(119). Conseqentemente, insistiu em que "os homens deviam
casar-se com vinte e as mulheres com quinze anos"(120), e o povoamento
serviu de fundamento s suas denncias contra a guerra. As expedies
militares, disse, destroem a vida de famlia com o decrscimo da
populao(121). Advogou veementemente a economia de gastos (122). Atacou
os funerais e a msica, no na base da moral e do decoro, como Confcio
teria feito, mas em base estritamente utilitria. "A prtica de enterros
complicados e luto prolongado resulta, inevitavelmente, em pobreza para o
pas, em reduo da populao e em desordem de governo" (123). Demais, a
msica desfrutada pelos dirigentes leva a impostos pesados, interfere na
agricultura e em outros empreendimentos produtivos retirando os msicos de
suas ocupaes e desperdiando o tempo dos funcionrios pblicos"(124).
Nosso filsofo prtico chegou a este humanismo utilitrio, no apenas como
reao contra a tendncia formalista de Confcio, mas tambm como
resultado de seu mtodo cientfico. "Para qualquer doutrina", disse, "algum
padro de juzo deve ser estabelecido. (...) Portanto, para uma doutrina deve
haver trs provas. (...) Deve haver uma base; deve haver exame; e deve haver
aplicao prtica. Em que h ela de basear-se? H de ser baseada nas
atividades dos antigos reis-sbios. Como deve ser examinada? Deve ser
examinada mediante a sua confirmao em cotejo com o que o povo
realmente ouve e fala. Como aplic-la? Ponham-na na lei e na poltica
governamental e vejam se ela ou no benfica ao Estado e ao povo"(125).
Em vez de tentar dirigir e regular a experincia mediante um princpio central
como a "harmonia central" de Confcio ou o Tao de Lao-Ts, esse filsofo
utilitrio preferiu chegar a um princpio geral atravs de um exame
abrangente da prpria experincia. Se h ou no fado, por exemplo, o que
devem determinar os olhos e os ouvidos das pessoas. "Se as pessoas o viram ou
o ouviram, direi que h fado. Se ningum o viu ou ouviu, direi que no h
fado"(126). Embora tal positivismo parea rude, o carter prtico e objetivo
da filosofia de Mo-Ts inegvel.
Esse carter prtico leva consigo um saber pragmtico, porque a utilidade e a
escolha so considerados os princpios diretores do valor e da conduta e
mesmo da verdade. "A razo por que Mo-Ts censura a msica no que o
som dos sinos, dos tambores, das harpas e das flautas seja desagradvel (...)
mas por que no contribui para a promoo do bem-estar geral e para a
eliminao do mal"(127). Tanto assim que "todas as atividades que so
benficas para o Cu, os espritos e os homens" devem ser incentivadas como
"virtudes celestiais", ao passo que "todas as palavras e atos a eles perniciosos"
devem ser considerados um "inimigo"(128). No pode haver nada que seja
bom, porm intil (129). O valor de virtudes como a lealdade e a devoo
filial seu "grande benefcio" para as pessoas (130).
Assim, o valor, no Mosmo, est limitado a "benefcios", e todos os valores
devem ser avaliados em termos de sua capacidade de "promover o bem-estar
e de eliminar o mal". Uma boa vida e uma sociedade bem ordenada
depender, basicamente, da escolha acertada de tais valores. "Um cego
incapaz de distinguir o negro do branco, no porque desconhea suas
distines, mas porque no pode escolher entre eles." Da mesma maneira, "os
homens superiores do mundo no sabem o que realmente a benevolncia,
no porque lhe desconheam a definio, mas em virtude do seu malogro em
escolher o que seja realmente benevolente"(131).
Para comprovar a utilidade de um valor, deve-se p-lo em uso a fim de ver se
ele realmente contribui para a "promoo do bem-estar e a eliminao do
mal". O princpio fundamental desse uso a famosa doutrina mosta do Amor
Universal, que visa maior felicidade para o maior nmero de pessoas
mediante "o amor das pessoas umas pelas outras beneficiando-se
mutuamente"(132). " este", declarou Mo-Ts, "o princpio dos antigos reis-
sbios e do bem-estar geral dos homens"(133). A sua falta a causa da
desordem social(134). Assim, deixai que todos "tratem outros pases como ao
seu, que tratem outras famlias como sua, e que tratem outras pessoas
como tratam a si mesmos"(135). interessante notar que mesmo tal princpio
no est livre de um saber utilitrio, pois pelo menos uma das razes dessa
doutrina benevolente utilitria, a saber, "aqueles que amam os outros sero
amados" (136).
bvio que o fundamento de semelhante filosofia utilitria no pode ser
buscado em qualquer sano interna. Em vez disso, deve ser buscado na
"experincia dos homens mais sbios do passado". Essa reverncia pelo
passado de modo algum solapa o esprito prtico da filosofia mosta. Antes o
reala, pois, conforme Mo-Ts, "As medidas governamentais dos antigos reis-
sbios destinavam-se a reverenciar o Cu, servir os espritos e amar os
homens"(137).
Outra sano, a religiosa, tambm tem um cunho de interesse prtico. "Se
todas as pessoas acreditarem no poder dos espritos para abenoar o bem e
condenar o mal, no haver desordem"(138). Esta crena, quando aplicada ao
Estado e s pessoas, "torna-se um princpio relacionado com o
restabelecimento da ordem no Estado e com a promoo do bem-estar do
povo"(139). Foi devido a tal eficcia prtica da religio que Mo-Ts se tornou
seu principal defensor na antiga China, mais ainda do que Confcio. No se
pode aceitar a teoria de que Mo-Ts fundou urna religio e de que os seus
adeptos organizaram uma espcie de ordem religiosa. No se pode negar,
porm, que Mo-Ts foi mais longe que Confcio na tentativa de preservar um
sistema religioso. Ao passo que Lao-Ts claramente se inclinava para a
esquerda e Confcio aderiu ao "ureo meio" na crena no sobrenatural, Mo-
Ts inegavelmente representava a direita. Podemos seguramente dizer,
entretanto, que o critrio da crena religiosa mosta era tambm o interesse
humano, pois Mo-Ts disse: "Fao tudo que o Cu desejar que eu faa; e o Cu
faz tudo que eu desejo que Ele faa"(140).
A maneira exata por que a escola mosta se desenvolveu depois de Mo-Ts
ainda matria de controvrsia. H alguma prova de que ela se tornou uma
ordem religiosa. Mas outro aspecto do seu desenvolvimento, sua tendncia
lgica, conhecida como Neomosmo, tem mais interesse para ns. Os
neomostas, que floresceram nos sculos III e IV a.C., procuraram instituir sua
filosofia prtica em bases lgicas, e, assim fazendo, acharam necessrio
refutar a sofisticaria de Hui Shih (390 - 305 a.C.), Kung-sun Lung (apr. 400 -
apr. 300 a.C.) e outros sofistas. O primeiro expressou suas idias em
paradoxos como "O maior nada tem dentro de Si: chama-se a Grande Unidade.
O menor nada tem dentro de si: chama-se a Pequena Unidade"; "O sol comea
a pr-se ao meio-dia; uma coisa comea a morrer ao nascer"; e "Vou a Yeh
hoje e cheguei l ontem"(141). Kung-sun Lung e seu grupo eram ainda mais
sofsticos: sustentavam que "o ovo tem plumas"; que "uma ave tem trs
pernas"; que "as rodas no tocam no cho"; que "a sombra de um pssaro que
voa nunca se move"; que "uma flecha que voa ligeiro s vezes no se move e
s vezes no pra"; que "um cavalo marrom e um boi escuro fazem trs"; e
que "se uma vara com um p de comprimento for cortada todos os dias pela
metade, nunca poder acabar, nem depois de dez mil geraes"(142). Kung-
sun Lung afirmou outrossim que "um cavalo branco no um cavalo" porque "a
palavra 'cavalo' denota forma e a palavra. 'branco' denota cor". "Um cavalo
no condicionado por qualquer cor, e, assim, tanto um cavalo amarelo como
um preto podem responder.' Um cavalo branco, porm, condicionado pela
cor ..."(143). Props a teoria de que todas as coisas so "marcas", designaes
ou predicados (144), e de que as qualidades de solidez e alvura so
independentes da substncia da pedra(145). O principal interesse dos sofistas
estava em conceitos como o espao e o tempo, a potencialidade e a
realidade, o movimento e o repouso, o geral e o particular, e substncia e
qualidade. Em suma, todo o movimento dos sofistas representou um interesse
no conhecimento pelo conhecimento, um interesse no de todo em harmonia
com o profundo interesse pela vida que se encontra tanto no Taoismo corno
no Confucionismo e no Mosmo. No admira que o Sofismo se tenha tornado o
alvo do ataque de todos eles (146).
Mas os neomostas, a fim de manterem seu interesse prtico em face do
intelectualismo dos sofistas, tiveram de tornar o seu prprio sistema lgico
suficientemente forte para defender sua filosofia utilitria. Por conseguinte,
escreveram Os Seis Livros do Neomosmo sob a forma de definies,
proposies, notas e provas, agora incorporadas s Obras de Mo-Ts (147).
Nelas desenvolveram sete mtodos de argumentao, a saber, os mtodos de
"possibilidade", de "hiptese", de "imitao", de "comparao", de "paralelo",
de "analogia" e de "induo"(148). Classificaram os nomes em trs classes -
"gerais, genricos e particulares"(149). Descobriram o "mtodo do acordo",
que inclui "identidade, relao genrica, coexistncia parcial"; o "mtodo da
diferena", que inclui "dualidade, ausncia de relao genrica, separao e
dessemelhana"; e o "mtodo conjunto de diferenas e semelhanas".(150)
"Identidade significa que duas substncias tm um nome, enquanto a relao
genrica significa incluso no mesmo conjunto. Estarem ambos no mesmo
quarto um caso de coexistncia, ao passo que semelhana parcial significa
ter alguns pontos de semelhana. (...) dualidade significa que duas coisas
necessariamente diferem. Ausncia de relao genrica significa no ter
qualquer conexo. Separao significa que as coisas no ocupam o mesmo
espao. Dessemelhana significa nada ter em comum"(151). Definiram um
modelo como aquilo de acordo com o que algo se torna"(153) e explicaram
que "o conceito de um crculo, o permetro e o verdadeiro crculo (...) podem
todos ser usados como modelo"(153). Rejeitaram a teoria dos sofistas de que a
solidez e. a alvura e a pedra so trs. Ao contrrio, sustentaram que a solidez
e a alvura esto na pedra(154), e que as duas qualidades no so mutuamente
exclusivas (155).
Embora seja significativo que os neomostas se tenham recusado a tolerar
distines como a de qualidade e substncia, ponto igualmente importante a
ser notado que saber poder. Para os neomostas, saber significa
"encontrar"(156). Quer tome a forma de "compreenso"(157), "aprendizado",
"inferncia" ou "busca"(158) seu fim a conduta(159). A funo do saber
guiar o homem em seu comportamento, especialmente na "escolha"
inteligente entre o prazer e a dor. "Se um homem quer cortar o dedo e sua
faculdade cognitiva no percebe as conseqncias nocivas desse ato, a culpa
de sua faculdade cognitiva. Se ele sabe as conseqncias nocivas e toma
cuidado, no sofrer". Mas se ainda assim quiser cortar o dedo fora, ento
sofrer(160). Mas, "quando se corta um dedo para conservar a mo, para
escolher o maior beneficio e escolher o mal menor"(161). Com essa "escolha"
inteligente, a "promoo mosta do bem-estar geral e da eliminao do mal"
pode ser levada avante.
uma pena que esse movimento lgico tenha morrido quase na infncia,
privando assim a China de um sistema de Lgica desinteressado, analtico e
cientfico sobre o qual a Metafsica e a Epistemologia poderiam ter sido
edificadas. Entretanto, o assoberbante interesse pelos assuntos humanos no
foi o nico fator que impediu o crescimento do intelectualismo. Houve um
forte movimento antintelectual na China durante o sculo IV a.C., cujo
melhor representante foi Chuang-Ts.
Chuang-ts e a Escola Yin-Yang
Tanto no humanismo moralista da escola confuciana como no humanismo
utilitrio dos mostas, o intelecto desfrutou um lugar justo. verdade que
Lao-Ts condenou o saber em termos inequvocos, mas a "introviso" no Tao-
t Ching contrasta com a esperteza e o engodo. poca de Chuang-Ts (entre
399 e 295 a.C.), desenvolveu-se ele ao ponto de quase completa
inconscincia. Nas palavras do prprio Chuang-Ts, o verdadeiro saber
"grande saber", e grande saber "amplo e abrangente" (162). Com isso queria
dizer que a mente "no faz distines, no alimenta subjetivismo, mas atm-
se ao universal" (163).
O princpio bsico desta doutrina de pura unidade que Tao produziu todas as
coisas (164), fundamento para todas as coisas (165) e est em todas as
coisas, mesmo em coisas insignificantes como a formiga, a ervilhaca, um caco
de vaso de barro e o lixo(166). Do ponto de vista de Tao, portanto, "todas as
coisas so iguais", tema ao qual est dedicado todo o segundo capitulo do
Chuang-Ts. "Tomem-se uma viga e uma pilastra, ou tome-se uma mulher de
ar doentio e Hsi Shih (beleza famosa), ou tomem-se a grandeza, a
monstruosidade, a iluso e a estranheza. Tao identifica-os como um s. A
separao a mesma coisa que a construo; a construo a mesma coisa
que a destruio"(167). Falando-se de modo geral, "o 'isto' tambm o 'aquilo'
e o 'aquilo' tambm o 'isto'"(168). Do ponto de vista da "causalidade mtua",
o "'aquilo' produzido pelo 'isto' e o 'isto' causado pelo 'aquilo' "(169). Isso
quer dizer que "O nascimento veio da morte e a morte veio do nascimento";
que "Onde h possibilidade, h impossibilidade"; que "O certo veio do errado e
o errado veio do certo"(170). Pelo padro de Tao, tambm, "No h nada
debaixo do plio do cu maior do que a ponta de um plo outonal, e a enorme
montanha T'ai uma coisinha"(171).
Esta doutrina da "igualdade das coisas" ou da "identidade dos contrrios" no
pode ser levada mais longe. Sua glorificao da unidade, da identidade e da
sntese pode ser considerada uma virtude, mas sua condenao do particular,
do concreto e do especfico deve ser vista como um defeito. Se
absolutamente nenhuma distino pudesse ser feita, no apenas a lgica, mas
tambm a moral seria impossvel. Na verdade, aos olhos de Chuang-Ts, a
civilizao no uma beno, mas uma maldio. (...) "O sbio, portanto,
(...) considera o conhecimento uma maldio. (...) Ele no precisa de moral
(...) alimentado pela Natureza. Ser alimentado pela Natureza ser
sustentado pela Natureza. Se o Homem sustentado pela Natureza, qual a
utilidade do seu esforo?"(172). Toda benevolncia e toda correo, os ritos e
a msica devem ser "esquecidos"(173).
Isto primitivismo elevado ao grau mximo. Em nenhuma outra parte da
Filosofia chinesa encontramos primitivismo to radical. A filosofia naturalista
da vida de Chuang-Ts exerceu tremenda influncia sabre os libertinos
fatalistas dos sculos V e VI, ao passo que as suas doutrinas metafsicas
naturalistas se tornaram pontos de contato entre o Taosmo e o Budismo. Sua
nfase na transformao incessante e espontnea e na "igualdade das coisas"
afetou quase todos os filsofos chineses nos ltimos quinze sculos. Como
glorificador da Natureza, ele ainda hoje, como tem sido nos ltimos quinze
sculos, a principal fonte de inspirao e de imaginao para os artistas
chineses, especialmente pintores de paisagem.
A grandeza e a importncia de Chuang-Ts esto basicamente na sua
exaltao da Natureza. O humanismo, para ele, perdeu todo significado,
porque o Homem no mundo nada mais do que "a ponta de um fio na pele de
um cavalo"(174). Assim sendo, "os intimamente retos" querem ser
"companheiros da Natureza"(175) e "adeptos da Natureza"(176). No querem
"ajudar o Cu com o Homem"(177). Quer dizer, enquanto "cavalos e bois
tiverem quatro ps, no ponha cabresto na cabea de um cavalo nem anel no
nariz de um novilho"(178). No ajudar o Cu com o Homem a verso de
Chuang-Ts do wu wei, a nica na qual a felicidade pode ser encontrada. "A
felicidade perfeita e a preservao da vida devem ser alcanadas atravs da
espontaneidade"(179). "No sejas o proprietrio da fama. No sejas um
reservatrio de planos. No sejas sobrecarregado de trabalho. No sejas dono
do saber. Identifica-te com o Infinito e passeia livremente pelo insondvel.
Exercita plenamente o que recebeste da Natureza sem qualquer
subjetividade. Em uma palavra, s vazio" (180).
Quando um homem alcana semelhante estado, torna-se um "homem puro",
um homem que "no soube o que era amar a vida e odiar a morte. No se
regozijou com o nascimento nem repeliu a morte. Foi espontaneamente e
espontaneamente veio - eis tudo. No se esqueceu de onde veio nem procurou
saber onde terminaria. Aceitou as coisas alegremente, e devolveu-as
Natureza sem reminiscncia. Isto no violar Tao com o corao humano,
nem assistir o Cu com o Homem. (...) Sendo assim, sua mente ficou livre de
todos os pensamentos. (...) Esteve em harmonia com todas as coisas, e assim
por diante, at o Infinito"(181).
Para alcanar esse objetivo, devemos no "ter um eu", "nenhuma realizao" e
"nenhuma fama"(182). Devemos "deixar nossa mente em paz conformando-nos
natureza das coisas. Cultivar nosso esprito segundo o que necessrio e
inevitvel". "Para a nossa vida externa, no h nada melhor do que a
adaptao e o conformismo. Para a nossa vida interna, no h nada melhor do
que a paz e a harmonia"(183). Aqui temos, em poucas palavras, primitivismo,
misticismo, quietismo, fatalismo e pessimismo.
O tom de fatalismo e pessimismo foi intensificado pelo fato de que tanto a
realidade quanto a vida dos homens esto sempre mudando. "A vida de uma
coisa passa como um cavalo a galope. Em nenhuma atividade deixa ela de
estar em estado de mudana; em nenhum momento deixa ela de estar em
estado de fluxo. Que deve ela fazer? Que no deve ela fazer? Na verdade ela
s pode deixar sua transformao espontnea continuar"(184). A vida
transitria e a vida do homem to momentnea quanto a das coisas. "Estas
entram na vida e dela saem; sua maturidade impermanente. Na sucesso do
crescimento e da decadncia, esto mudando de forma incessantemente.
Anos passados no podem ser revividos; o tempo no pode ser detido. A
sucesso dos estados interminvel; e todo dia. seguido por um novo
comeo"(185). Neste universo fugaz, a nica maneira de um homem ter paz
deixar que a Natureza siga seu prprio rumo. Ele no deve discutir "se h um
ajuste mecnico que torne inevitvel o movimento dos corpos celestes", ou
"se a rotao dos corpos celestes est alm do seu prprio controle"(186).
Talvez haja um Senhor supremo de tudo, mas, "se realmente h um soberano,
falta o indcio da sua vida"(187). A nica coisa de que estamos certos de que
"todas as coisas brotam de germes e se tornam germes novamente". "Todas as
espcies vm de germes. Certos germes, caindo na gua, tornam-se lentilhas-
d'gua (...) tornam-se lquenes (...) tornam-se um eritrnio (...) produzem o
cavalo, que produz o Homem. Quando o Homem envelhece, torna-se germes
outra vez"(188). Em passagens como estas no podemos deixar de ser atrados
pela imaginao potica de Chuang-Ts e pelo seu pensamento evolucionista.
Mas ficamos tambm impressionados com a inevitvel "transformao
espontnea e com a vida transitria. Em desafio a tais fatos irredutveis, o
homem puro "harmoniza todas as coisas com a igualdade da Natureza e as
deixa ss no processo da transformao natural. Esta a maneira de
completar o curso da nossa existncia. (...) Esquecemos as distines entre
vida e morte e entre certo e errado. Achamos satisfao no reino do Infinito
e, portanto, ali paramos"(189).
Claro que no devemos esquecer que, apesar da idia de fuga em Chuang-Ts,
seu principal interesse ainda era a "preservao da vida". Ele dedicou um
captulo inteiro aos "princpios fundamentais do aperfeioamento da
vida"(190). Quanto a isso, associou-se ao coro das "Cem Escolas" que
floresceram durante os sculos III e IV a.C. na China. Todos ambicionavam
uma vida boa e cada um tinha uma doutrina superior, de sua prpria criao.
Em nenhum outro perodo da histria chinesa, ou da histria de qualquer pas,
houve mais liberdade de pensamento e mais profuso desenvolvimento
intelectual.
Perpassando este desenvolvimento mltiplo havia uma forte corrente
intelectual cuja origem pode ser buscada no passado remoto, quando a
adivinhao era a nica forma de atividade intelectual. a teoria do yin e do
yang, ou os princpios universais do passivo ou feminino, e ativo ou masculino,
os quais, conforme o Tao-t Ching, tornaram possvel a harmonia do mundo.
No clssico confuciano I Ching (191) aprendemos que "No princpio, h o
Grande Final (T'ai Chi) que gera os Dois Modos Primrios. Os Dois Modos
Primrios produzem as Quatro Formas. As Quatro Formas do origem aos Oito
Elementos. Estes Elementos determinam todo o bem e o ma! e a grande
complexidade da vida". A data do I Ching ainda est cercada por uma
atmosfera de incerteza, mas as idias fundamentais, de que o universo um
sistema dinmico de mudana incessante do simples para o complexo, e de
que os Dois Modos Primrios (yin e yang) so os agentes da mudana, devem
ter-se antecipado por vrios sculos elaborao do livro.
Nenhum estudante de histria chinesa deve subestimar esta idia do yin e do
yang, no apenas porque ela condicionou amplamente a viso chinesa da
realidade, mas tambm porque proporcionou o fundamento comum para a
mistura das escolas filosficas divergentes. O movimento foi to forte que por
volta do sculo IV a.C. se tornou uma escola independente. Finalmente
identificou-se, no sculo IV a.C., com o comum e vigoroso movimento que
tinha por gide Huang Ti, bem como com a filosofia predominante de Lao-Ts,
assumindo o nome "Huang-Lo". Ao mesmo tempo, a idia yin yang do I Ching
tornou-se o aspecto mais importante do Confucionismo. Efetivamente, a nota
do yin yang a nota dominante no segundo movimento da sinfonia intelectual
da China, a saber, a filosofia chinesa medieval.
A Histria da Filosofia Chinesa (02)
por Chan Wing-Tsit em Moore, C. (org.) Filosofia: Oriente, Ocidente. (1978),
Edusp-Cultrix, So Paulo.
Filosofia Medieval Posterior
Wang Ch'ung lutava por repor o naturalismo em bases racionais, apelando para
a razo e a experincia. Se a Filosofia chinesa se tivesse desenvolvido nessa
linha, sua histria teria sido diferente. Infelizmente, o Taosmo como filosofia
mal se desenvolveu, exceto no caso do livro chamado Lieh-Ts (apr. 300
d.C.), no qual a idia de Tao levada ao ponto de um mecanismo fatalstico
(206), e no filsofo Ko Hung (Pao-p'o-Ts, apr. 268-apr. 334 d.C.), em quem a
filosofia taosta foi transformada na base filosfica da Alquimia e na pesquisa
da longevidade. Somente em Kuo Hsiang (apr. 312 d.C.) reviveu o verdadeiro
esprito do Taosmo. Ele restabeleceu e desenvolveu as doutrinas taostas do
naturalismo e da transformao espontnea, dando-lhes uma posio de
dignidade.
No Confucionismo, o nico desenvolvimento notvel foi em Han Y (767-834
d.C.), cuja teoria dos trs graus da natureza humana e cuja defesa do
Confucionismo tiveram sucesso devido mais beleza do seu estilo literrio do
que fora do seu raciocnio. A fase realmente construtiva da Filosofia
chinesa, nesse perodo, foi a introduo e desenvolvimento da filosofia
budista.
Budismo
Todas as escolas budistas foram introduzidas, preservadas e desenvolvidas na
China, mas apenas duraram as compatveis com o temperamento chins. Nem
a escola hinayana do ens, a escola realista Abhidharmakosa (Ch-she, Kusha,
apr. 600 - apr. 800 d.C.), que sustentava que "Tudo existe", nem a escola
hinayana do non-ens, a escola satyasiddhi niilista (Ch'ng-shih, Jojitsu, 412 -
apr. 700 d.C.), que insistia em que "Nem o eu nem os dharmas (elementos da
vida) so reais", tiveram histria longa na China. Tampouco floresceram na
China por muito tempo a escola mahayana do ens, a escola idealista
Vijaptimatrata (Yogacara, Fa-hsiang, Wi-shih, Hosso, apr. 600?-1100 d.C.),
que afirmava que "Tudo mera ideao", nem a escola mahayana do non-ens,
a escola negativista ou, antes, absolutista m madhyamika (San-lun, Sanron,
apr. 500-1100 d.C.), que consideravam a realidade como um "Vazio". Presas
aos postulados do ens ou do non-ens, existiram na China como sistemas
essencialmente indianos, sem serem assimiladas pelo pensamento chins.
Essas escolas budistas que combinaram as tendncias ens e non-ens
sobrevivem, porm, at hoje.
A tendncia de combinar elementos diferentes e at opostos num todo
sinttico caracterstica do pensamento chins. Recordar-se- que, em Lao-
Ts, Tao concebido como "" e como "no ", ponto levado mais longe em
Chuang-Ts para tornar-se sua famosa teoria da identidade dos contrrios.
Tambm se recordar que em Confcio se tinha o Meio como o ideal mais
elevado, rejeitando-se qualquer coisa unilateral ou extrema. Recordar-se-,
ademais, que no Neomosmo a distino de substncia e predicados, do
universal e do particular, etc., foi severamente criticada. A tradio Yin Yang
era, do princpio ao fim, uma tradio de sntese dos opostos. Todo o
movimento da filosofia chinesa medieval era, no s uma continuao da
nfase central na sntese de antigas escolas, mas era, uma sntese das
filosofias opostas do Confucionismo e do Taosmo. Esta tendncia sinttica,
que afetou praticamente todas as filosofias chinesas, tambm afetou o
Budismo na China.
De maneira geral, assim como o Abhidharmakosa, o Satyasiddhi, o
Vijnaptimatrata e o Madhyamika eram pouco mais do que Budismo indiano em
solo chins, as Cinco escolas budistas que so as mais notveis na China hoje
em dia, quer em peso de influncia quer em durao, so tipicamente
chinesas. So tipicamente chinesas, no apenas porque ainda existem na
China, mas tambm por causa do seu carter sinttico. Todas descartaram sua
posio extrema original de ens ou non-ens em favor de uma posio sinttica
da "Doutrina Mdia". A escola Avatansaka (Huayen, Kegon, apr. 600 d.C.)
comeou com a teoria de causao por mera ideao, desenvolveu a teoria da
"Causao universal do Dharmadhatu" ou causao universal dos Elementos do
Princpio, e culminou no que o Professor Takakusu chama de Totalismo. Deu
origem As "Dez Proposies Metafsicas", que dizem serem todos os elementos
perfeitos e reais, refletirem-se uns aos outros, e serem todos ao mesmo
tempo simples e complexos; um e muitos, exotricos e esotricos, puros e
variados etc., de modo que o universo uma "grande harmonia sem qualquer
obstculo". Assim, vemos que esta escola, originada na ndia, mas
desenvolvida principalmente na China, representa uma culminao do esprito
"tanto-como" do Budismo.
A outra escola que passou da tese ens do tanto-ens como non-ens a escola
mstica (Mantra, Verdadeira Palavra, Shingon, apr. 300 d.C.-....), que antes
uma religio mstica do que um sistema filosfico. Entretanto, mesmo aqui o
modo sinttico de pensar faz-se evidente. uma religio indiana batizada e
transformada por ideais ticos chineses. Essa escola trata o universo como o
corpo espiritual, ou o Corpo da Lei, do Buda, que se manifesta como o "Reino
do Elemento Diamante", isto , o mundo esttico, e o "Reino do Repositrio
Matriz" isto , o mundo dinmico. Estas duas fases, entretanto, so apenas
manifestaes diferentes do mesmo Buda. "So dois, e, contudo, no so
dois."
A mesma passagem de uma posio extrema "Doutrina do Meio" ainda mais
evidente nas outras trs escolas que se formaram na China e que so,
portanto, tipicamente chinesas. Ao passo que tanto a escola Avatansaka
quanta a Mstica comearam da posio de ens, a T'ien-t'ai (Tendai, apr. 580
d.C.- ....) se iniciou do ponto de vista do non-ens. Comeando com a doutrina
negativista do Vazio, tal escola finalmente chegou "Verdade Tripla
Perfeitamente Harmoniosa" do Vazio (Coisas no tem realidade), da
Temporariedade (Mas tem existncia temporria) e do Meio (So ao mesmo
tempo o Estado Verdadeiro). Os trs termos so idnticos, e a Qualidade
Essencial ou o Verdadeiro Estado, compreende tanto o fenmeno quanto o
nmero. Conseqentemente ela se chama a si prpria Doutrina Redonda. Tal
esprito sinttico deve atrair fortemente a imaginao dos chineses, pois
T'ien-t'ai ainda a seita budista forte hoje em dia, na China.
Quanto s escolas da Meditao (Ch'an, Zen, aproximadamente 450 d.C.) e da
Terra Pura (Ching-t'u, Jodo, aproximadamente 300 d.C - ...), so
essencialmente criaes chinesas, embora algumas fontes possam ser
atribudas ndia. A Seita da Terra Pura um credo de f, a menos filosfica
de todas as escolas que mencionamos. Suas crenas fundamentais,
entretanto, tais como a salvao para todos e a salvao pela f, esto
baseadas na idia de "Um em todos e todos em um". Aceita a idia de que o
Nirvana no tem nem espao nem tempo, nem vida nem morte. Mas
interpreta isto como nada mais que a terra do Buda da Luz Infinita e da Vida
Infinita, isto , a Terra Pura.
A mais significativa de todas as escolas budistas, no que diz respeito ao
pensamento budista, a Zen (Ch'an em chins).O Zen basicamente um
mtodo, no um mtodo de escrever ou de palavras, que a escola rejeita, mas
um mtodo de "intuio direta no corao para encontrar o Buda-natureza".
No obstante, tal mtodo est baseado, por um lado, na pressuposio da
negao ctupla da produo e da extino, da aniquilao e da permanncia,
da unidade e da diversidade, e da vinda e da partida e, de outra parte, na
afirmao da realidade do Buda-natureza em todas as coisas. O mtodo Zen
de "intuio direta", juntamente com a sua "abrupta iluminao", deu a mente
chinesa um meio de libertao pronto e completo, e por essa razo teve um
encanto especial para ela. Acima de tudo, s a confiana exclusiva na
meditao imps mente chinesa uma severa e revigorante disciplina mental
e espiritual e avivou-lhe a imaginao j despertada pela magnfica poesia e
soberba pintura paisagstica da dinastia Tang.
Mas tal quietismo estava fundamentalmente em desarmonia com os chineses
prticos e humanistas. O znite do Zen em breve seria alcanado, e seu
declnio comeou. Com isto, a filosofia medieval chinesa chegou ao fim, e,
assim, o segundo movimento da sinfonia intelectual da China terminou com
uma cano sem palavras. Havia harmonia, mas harmonia em silncio.
Neoconfucionismo
Desde o advento do Budismo na China, os filsofos chineses o haviam criticado
muito. O golpe de misericrdia foi dado pelos neoconfucionistas, que
passaremos a examinar. Eles sentiam que no havia nada de "substancial" no
Budismo e que o medo dos budistas ao nascimento e morte era motivado
pelo auto-interesse (207). Consideravam insustentvel a teoria budista da
renncia porque insistiam em que, muito embora um homem pudesse
abandonar a famlia, nunca poderia escapar da sociedade, enquanto tivesse os
ps na terra (208). Acreditavam que as coisas estavam sempre em processo de
transformao e, conseqentemente, que a doutrina budista de formao,
durao, deteriorao e extino era errnea (209). Criticavam os budistas
por tomarem a realidade concreta pelo vazio, porque os budistas
consideravam vazias todas as coisas, inclusive roupa e comida, e, no entanto,
viviam diariamente destas coisas (210). Achavam que o Vazio budista estava
realmente fundado na sua incompreenso da Razo das coisas (211).
Mostravam que nem os budistas podiam escapar das relaes humanas porque,
embora desfizessem seus vnculos com os pais, organizavam-se numa
sociedade de mestres e discpulos (212). Condenavam os budistas como
injustos e covardes porque eles trabalhavam em seu prprio interesse e
evitavam a responsabilidade social (213).
Nestas crticas, podemos ver o esprito do Neoconfucionismo. A histria do
Neoconfucionismo virtualmente a histria da Filosofia chinesa moderna. Ela
no apenas dominou o pensamento chins no ltimo milnio, mas dominou
tambm o pensamento japons durante muitos sculos. Na China,
desenvolveu-se em trs fases, a saber: a escola da Razo, no perodo Sung
(960-1279); a escola da Mente, no perodo Ming (1368 - 1644); e a escola
emprica, no perodo Ch'ing (1644-1911). No Japo, ela foi representada pela
escola Shushi (Chu Hsi) e pela escola Oyomei (Wang Yang-ming) (214).
A Escola da Razo: os Irmos Ch'eng e Chu Hsi
A idia central do movimento converge para o Grande Final (T'ai Chi). "O
Grande Final se move e gera o princpio ativo, yang. Quando essa atividade
alcana o limite, toma-se tranqila, gerando o principio passivo, yin. Quando
o Grande Final se torna completamente parado, comea a mover-se de novo.
Assim, o movimento e a quietude se alternam e se tomam causa mtua. (...)
Pela transformao do yang e por sua unio com o yin tm origem os Cinco
Agentes - gua, Fogo, Madeira, Metal e Terra. Quando estas cinco foras so
distribudas em ordem harmnica, as quatro estaes seguem seu curso"(215).
"Estes Cinco Agentes so a base de sua diferenciao, ao passo que os dois
Modos Primrios constituem-lhe a substncia. Os dois Modos so realmente
dois aspectos da mesma coisa. Por conseguinte, o Muitos , ao fim de contas,
Um, e o Um se diferencia no Muitos. O Um e o Muitos tm cada um sua prpria
condio. Os grandes e os pequenos tm cada um sua natureza
determinada"(216). Exemplo vvido da relao Um-em-Muitos e do Muitos-em-
Um o da lua. "O Grande Final realmente um. Mas, como cada uma das
milhares de coisas tem caractersticas diferentes, cada uma tem um Grande
Final, exclusivo e completo. Por exemplo, a lua no alto do cu uma. Mas a
lua pode ser vista em toda parte porque sua luz cobre rios e lagos. No
podemos dizer que nesse caso a lua esteja partida em pedaos"(217).
Assim, a realidade um sistema progressivamente desenvolvido e bem
coordenado, porm no a nica ordem coerente. Tudo um sistema
unificado, um Grande Final em si mesmo. "Com referncia a todo o universo,
h nele um Grande Final. Com referncia s mirades de Coisas, h um Grande
Final em cada uma delas"(218). Por exemplo, "O Cu e a Terra so um grande
sistema de yin e yang. O ano, o ms e o dia tm todos os seus prprios
sistemas de yin e yang"(219).
Esta filosofia de Um-em-Todos e de Todos-em-Um foi um produto direto da
metafsica confuciana de mudana. Mas muito provvel que o seu
desenvolvimento seja inspirado pela filosofia do Budismo. Se assim for, temos
aqui uma distino fundamental entre os dois sistemas. Enquanto a filosofia
budista estava baseada no Vazio, que a negao do particular, a filosofia
neoconfuciana se baseava na Razo, que uma afirmao dela. A Razo (Li,
Lei) a tnica do sistema neoconfuciano. Como disseram os irmos Ch'eng (I-
ch'uan, 1033-1107, e Ming-tao, (1032-1086), "Dizemos que todas as coisas so
uma realidade porque todas as coisas tem em si a mesma Razo"(220). Todas
elas tm Razo porque as coisas "devem ter seus princpios de ser"(221). Como
a Razo o princpio universal, "A Razo de uma coisa uma e a mesma que a
Razo de todas as coisas"(222).
Esta Razo precisa de um meio pelo qual possa operar e tambm precisa ser
incorporada. Deve, portanto, ser suplementada por um princpio que lhe d
substncia e particularidade. o ch'i ou fora vital que, atuando atravs das
suas prprias vias que so os Cinco Agentes e sob as formas de yin e yang,
diferencia o Um no Muitos de modo que cada um dos Muitos tem sua prpria
"natureza determinada". "Quando yin e yang so iguais, forma e substncia
esto presentes. Quando estes dois princpios originais no so iguais, a
natureza adormecida e a natureza manifesta das coisas so
diferenciadas"(223).
A fora vital indispensvel realidade porque "Sem a fora vital, a Razo
nada teria a que ater-se"(224) e degeneraria no estado do Vazio budista. Para
os neoconfucionistas, o Vazio budista, para ter alguma validade, deve ser
consolidado pela fora vital. Foi isto exatamente o que aconteceu em um dos
primeiros neoconfucionistas. A Vacuidade Final da necessidade tem fora
Vital." "A Vacuidade Final (...) o ser da fora vital universal. Sua
concentrao num lugar e sua extenso a todos os lugares so apenas
objetificaes causadas pela mudana. (...) O Vazio nada alm de fora vital"
(225).
Embora a Razo e a fora vital funcionem diferentemente nunca foi inteno
dos neoconfucionistas contrast-las claramente. Basicamente, no h
distino entre elas, porque "No h Razo independente da fora vital, e no
h fora vital independente da Razo"(226). "O Grande Final a Razo, ao
passo que a atividade e a tranqilidade so a fora vital. Como a fora vital
atua, assim atua a Razo. As duas so mutuamente dependentes e nunca se
separam. O Grande Final pode ser comparado a um homem, e a atividade e a
tranqilidade podem ser comparadas a um cavalo. O cavalo carrega o homem
e o homem cavalga o cavalo. O homem vem e vai pela forma como vem e vai
o cavalo"(227). A principal diferena entre eles que "a Razo est acima da
corporeidade". Do ponto de vista da incorporeidade, portanto, podemos dizer
que a Razo anterior fora vital (228). Esta distino se faz, porm,
apenas "sob certo aspecto". Elas so, na realidade, duas feies da mesma
coisa, cada uma operando para a realizao da outra.
este funcionamento cooperativo da Razo e da fora vital que torna o
universo um cosmos e a mais plena realizao da "harmonia central". "Os
princpios universais de yin e yang e os Cinco Agentes manifestam-se em todas
as direes e em todos os graus, mas h perfeita ordem neles"(229). Essa
ordem demonstrada na produo e na coexistncia das coisas. "A seqncia
da criao a seqncia do ser. A coexistncia do grande e do pequeno, e do
alto e do baixo, a ordem do ser. H uma seqncia na produo das coisas,
e h uma ordem em sua existncia" (230). Assim, o universo, com todas as
suas mirades de coisas, um sistema harmonioso. "A centralidade a ordem
do universo, e a harmonia sua lei inaltervel"(231). Como tal, o cosmos
uma ordem moral. esta a principal razo pela qual o maior dos
neoconfucionistas Chu Hsi (1130 -1200), disse que "o Grande Final no passa
da Razo do bem final"(232).
Uma ordem moral significa uma ordem social. Portanto, assim como o homem
um ser social, tambm uma coisa uma entidade social. O
Neoconfucionismo acentuou enfaticamente que nenhuma coisa pode ser
isolada das outras. " absurdo dizer que qualquer coisa pode suster-se por si",
porque, "a menos que haja similaridades e diferenas, expanses e
contraes, comeos e fins, para revelar suas caractersticas" a
individualidade no pode "sobressair", e a coisa no realmente uma coisa
(233). Quer dizer, a menos que haja comunidade, no pode haver
individualidade.
Isto conduz a uma nova e interessante nfase no Neoconfucionismo, a saber,
tudo tem seu lado oposto. "Atravs da virtude da sua Razo, o Cu e a Terra e
todas as coisas no existem isoladas, mas tm necessariamente seus opostos"
(234). "Do mesmo modo como h formas, h oposies" (235). Isto verdade
porque os princpios subjacentes do ser no podem existir sozinhos. "Yang no
pode existir por si; s pode existir quando se associar a yin. Da mesma
maneira, yin sozinho no pode manifestar-se; s pode manifestar-se quando
acompanhado pelo yang" (236). Conseqentemente "No h duas produes da
criao iguais"(237).
Sendo assim, a doutrina de Chuang-Ts da "igualdade das coisas" e a negao
budista do nascimento e da extino devem ser totalmente rejeitadas " da
natureza das coisas serem desiguais"(238), reiteraram os neoconfucionistas.
"Embora nada haja no mundo que seja puramente yin ou puramente yang, j
que yin e yang sempre interagem, no deve ser ignorada, apesar disso, a
distino entre subir e cair, e entre nascimento e extino"(239). "No
funcionamento de yin e yang e do Cu e da Terra, no h um s momento de
repouso em seu subir e cair, e no seu znite e nadir. (...) Estas duas
tendncias causam as diferenas das coisas e ocorre um nmero infinito de
transformaes. Eis por que se diz que da natureza das coisas serem
desiguais"(240).
A constante sucesso de znite e nadir pode insinuar que aparecimento e
desaparecimento seguem um ciclo"(241), mas esse ciclo no significa ciclo no
sentido budista. As coisas no voltam sua origem, como afirmam os budistas
e os taostas, por que "quando uma coisa se desintegra, a fora vital termina.
absurdo dizer que a fora vital volta sua origem. (...) Qual a necessidade
de tal fora vital exausta nos processes criativos do universo? Excusa dizer que
a fora usada na criao vital e nova"(242). Toda criao , portanto, uma
nova criao, e o universo perpetuamente novo.
Todas estas caractersticas do universo so apenas sua Razo. dever do
homem compreender tal Razo a fim de apreciar inteiramente o significado
da sua existncia. Devemos "investigar as coisas ao mximo". Segundo os
irmos Ch'ng, "Uma coisa um acontecimento. A compreenso perfeita de
um acontecimento pode ser conseguida mediante a investigao mais
profunda da Razo a ele subjacente"(243). Isto no significa "investigar a
Razo de todas as coisas ao mximo ou investigar a Razo de apenas uma
coisa ao mximo. medida que se investigar cada vez mais intensamente,
chegar-se- a compreender a Razo"(244). No temos que ir longe para tal
investigao, pois a "Razo (...) est diante dos nossos prprios olhos" (245).
No faz diferena se a investigao for dirigida natureza do fogo e da gua
ou relao entre pai e filho, nem faz qualquer diferena se ela se fizer
mediante a leitura sobre a verdade e os princpios e o exame deles, ou
mediante o trato dos negcios e das pessoas pela forma adequada (246).
Quando se faz um esforo suficiente, a compreenso vem naturalmente.
Quando tal ocorrer, nossa natureza estar realizada e nosso destino cumprido,
porque "a realizao completa da Razo das coisas, o pleno desenvolvimento
da prpria natureza, e estabelecimento do destino, so simultneos" (247).
Isso inevitvel porque, se investigarmos as coisas integralmente e lhes
compreendermos a Razo, veremos que "todas as pessoas so meus irmos e
irms, e todas as coisas so meus companheiros"(248) porque todos os homens
tm em si a mesma Razo. Por conseguinte, no devemos tomar em
considerao qualquer distino entre as coisas e o ego (249). Devemos amar
universalmente. apenas com o pleno desenvolvimento da natureza das
outras pessoas e coisas que o indivduo pode desenvolver a prpria natureza
(250). Este o fundamento da tica neoconfucionista, a tica do jn, a
verdadeira natureza humana, a benevolncia ou o amor. Assim, a tica tem
uma base firme na Metafsica porque o amor "a fonte de todas as leis" e "o
fundamento de todos os fenmenos" (251). O fato da produo universal
prova concreta do jn ou amor (252).
Para alcanar plena compreenso da Razo e uma vida de jn, a mente
humana deve impor-se severa disciplina. A mente deve ser sincera (ch'ng) e
sria (ching). Conforme as definiu Chu Hsi, "A seriedade apreenso, como se
houvesse algo que se teme. A sinceridade verdade e a total ausncia de
qualquer coisa falsa" (253). So o "caminho do Cu" e a essncia dos negcios
humanos"(254). Especificamente, sinceridade significa "no ter pensamento
depravado" e seriedade significa "manter unidade de esprito, isto ,
equanimidade absoluta e firmeza absoluta"(255).
A nfase na seriedade, especialmente nos irmos Ch'ng e Chu Hsi, em pouco
tempo assumiu significao quase religiosa. Alguns dos seus adeptos a
explicaram francamente em termos de meditao budista. Na verdade, a
frmula de dupla natureza da escola da Razo dos neoconfucionistas, isto , a
extenso do conhecimento e a prtica da seriedade, poderia ter alguma
correspondncia com o dhyana e o praja, ou meditao e introviso, do
Budismo medieval(256). O movimento neoconfuciano tornou-se um movimento
para dentro, e a mente assumiu importncia gradualmente. Com a
ascendncia do papel da mente, o neoconfucionismo passou da sua primeira
fase segunda, da escola da Razo escola da Mente.
A Escola da Mente
A filosofia da escola da Mente j tomou forma explcita em Lu Hsiang-shan
(1139 - 1193), que disse que "O universo idntico minha mente, e a minha
mente idntica ao universo (257). E isso porque tanto a mente, como o
universo, so concebidos como expresses da Lei Moral. "No h Lei Moral
alm dos acontecimentos, e no h acontecimentos alm da Lei Moral"(258).
Mas "qualquer acontecimento dentro do universo assunto meu, e qualquer
assunto meu um acontecimento no universo"(259). No h sugesto de
solipsismo nesses enunciados, pois "A minha mente, a mente do meu amigo, a
mente dos sbios de geraes passadas e a mente dos sbios de geraes
futuras so todas uma s"(260).
Essa tendncia idealista se desenvolveu at alcanar seu clmax em Wang
Yang-wing (l473 - l529), para quem a mente e a Razo so uma e mesma
coisa. "A mente mesma idntica Razo. H algum acontecimento ou
alguma Razo no universo", perguntou, "que exista independentemente da
mente?"(261). Tome-se, por exemplo, a questo da devoo filial. O princpio
da devoo filial est, no nos nossos pais, mas na nossa mente. "Se eu
procurar a Razo da piedade filial nos meus pais, estar ela, ento,
realmente, na minha prpria mente ou na pessoa dos meus pais? Se estiver na
pessoa dos meus pais, ser verdade que, depois de os meus pais morrerem,
minha mente em conseqncia carecer da Razo da devoo filial? (...) O
que se aplica aqui exato no que se refere Razo de todos os assuntos e
todas as coisas" (262). "O poder controlador do corpo est na mente. A mente
d origem idia e a natureza da idia o conhecimento. Onde quer que a
idia estiver, a teremos uma coisa. Por exemplo, quando a idia est no ato
de servir os prprios pais, ento servir aos pais uma 'coisa' (...) Portanto,
digo que no h nem Razo nem coisa fora da mente"(263). Se dizemos que o
Cu e a Terra e as coisas existem, devido conscincia que temos deles. "Se
o Cu for privado da minha inteligncia, quem lhe respeitar a eminncia?
(...) Quando o Cu, a Terra, os espritos e as mirades de coisas estiverem
separados da minha inteligncia, no haver mais Cus, Terra, espritos, e as
mirades de coisas. Se a minha inteligncia estiver separada do Cu, da Terra,
dos espritos e das mirades de coisas, tambm deixar de existir"(264).
Quanto relao entre a mente e as objetos externos, Wang Yang-ming
sustentou que tais objetos no so, na realidade, exteriores com relao a
mente. Vemos flores brotarem e secarem no alto das montanhas,
aparentemente sem relao com a mente. Mas, como observou a nosso
filsofo, "Antes de veres estas flores, elas e a tua mente estavam ambas em
estado de calma. Logo que as olhas, entretanto, suas cores imediatamente se
tornam claras. Por a se pode ver que essas flores no so exteriores com
relao nossa mente"(265).
Como a mente a corporificao da Razo, segue-se que, se se quiser
compreender de fato a verdade, cumprir descobri-la em nossa prpria
mente. Deve-se "exercitar a mente plenamente". "A natureza original da
mente perfeitamente boa. Quando esta natureza original afetada pelo
desvio do Meio, instaura-se o mal"(266). O aparecimento do mal deve, pois,
ser explicado por um estado perturbado da mente que originalmente bom.
"Pode-se comparar a mente com um espelho. A mente do sbio como um
espelho brilhante, a mente do homem comum como um espelho opaco. (...)
Quando, depois de um esforo que se fez para polir o espelho, ele fica
brilhante, o poder de refletir no se perdeu"(267). Em resumo, o mal devido
perda da "natureza original" da mente(268).
Voltemos natureza original da mente lembrando que cumpre evitar qualquer
perturbao. A mente deve ser deixada num estado de "tranqilo repouso",
nico em que se alcana o bem mais elevado(269). Quando a mente est
clara, como resultado de um repouso tranqilo, saber naturalmente o que
verdadeiro e o que bom. Em outras palavras, o conhecimento do bem
inato em ns. "A mente tem a capacidade inata de saber. Se uma pessoa
seguir sua mente (pura), naturalmente ser capaz de saber. Quando v seus
pais, naturalmente sabe o que devoo filial; quando percebe seus irmos
mais velhos, naturalmente sabe o que o respeito; quando v uma criana
cair num poo, naturalmente sabe o que lhe pena. Isto conhecimento
inato do bem, sem qualquer necessidade de ir alm da prpria mente"(270).
No apenas o conhecimento do bem inato, mas a prtica do bem tambm
inata, porque o conhecimento e a conduta so idnticos. Esta teoria da
unidade de conhecimento e conduta caracterstica de Wang Yang-ming,
embora os neoconfucionistas da escola da Razo a tivessem insinuado. Se o
homem deixa de tratar seus pais com devoo filial ou seu irmo mais velho
com respeito, isso "Se deve obstruo de desejos egostas e no representa
o carter original do conhecimento e da prtica. No houve ningum que
realmente tenha tido conhecimento e, no entanto, tenha deixado de pratic-
lo. (...) Sentir mau cheiro envolve saber; detestar o cheiro envolve ao. No
obstante, logo que uma pessoa percebe o mau cheiro, j o detesta"(271).
Como o homem nasceu com a capacidade de saber e praticar o bem, o
principal dever do homem "tornar claro seu prprio carter puro". "Tornar
claro o carter puro de algum consiste em amar as pessoas. (...) Quando a
natureza celestial de uma pessoa se torna pura e alcana um estado do mais
elevado bem, sua inteligncia se torna clara e no escurecida. Trata-se de
uma manifestao do mais elevado bem. a essncia do carter puro;
tambm o que chamamos conhecimento inato do bem". "Quando o mais
elevado bem se manifesta, o certo certo e o errado errado"(272).
Tornar claro o prprio carter puro consiste em amor (jn), porque a mente
do Homem e a mente das coisas tm uma estrutura comum (273). Isto
equivale a dizer que "o Cu e a Terra e eu somos uma unidade"(274). Um
homem ideal "considera o Cu, a Terra e as mirades de coisas uma unidade".
Conseqentemente, v "a terra como uma famlia e seu pas como um
homem"(275). Seu amor se estende s plantas e animais, porque quando ouve
o lamento contristador e v a aparncia assustada de um passarinho ou de um
animal prestes a ser morto, instintivamente surge em seu esprito um
sentimento de comiserao.
Em um sistema metafsico e tico como este, a importncia da mente
suprema. Embora Wang Yang-ming baseasse sua filosofia idealista na da
"retificao da mente" do Grande Aprendizado e na doutrina da "preservao
da mente" de Mncio, pode-se facilmente detectar a influncia do Zen. A
nfase no repouso tranqilo prova categoricamente tal influncia. De
qualquer maneira, nenhum confucionista, em tempos medievais ou modernos,
jamais chegara a posio to radical, afastando-se, assim, do ureo meio de
Confcio.
A Escola Emprica
A reao contra o idealismo to radical, mesmo no campo do prprio
Neoconfucionismo, era inevitvel. A terceira fase do Neoconfucionismo, a do
perodo Ch'ing (1644 - 1911), pode ser considerada tal reao. Ao rejeitar,
porm, a filosofia da escola da Mente em favor de uma filosofia emprica, o
ltimo estgio do Neoconfucionismo era mais do que mera reao.
Representava um esforo para conservar tudo que bom no Confucionismo
antigo, medieval e moderno, e voltar harmonia central de Confcio e
Mncio.
Assim, dizer que o Neoconfucionismo da escola emprica era realmente um
anticlmax do Neoconfucionismo das escolas da Razo e da Mente uma
injustia com os neoconfucionistas da dinastia Ch'ing. Certamente no houve,
nesse perodo, nomes to grandes como os das dinastias de Sung e Ming. Nem
houve tantas teorias novas. Mas, se Tai Tung-yan (1723 - 1777), o maior
filsofo da escola emprica, pode ser tido como representativo, houve uma
sria tentativa de restabelecer o Confucionismo em base mais equilibrada. Os
neoconfucionistas da escola da Razo haviam contrastado a Razo e a fora
vital, considerando aquela acima da corporeidade, pura, refinada e universal,
e esta corprea, mista, tosca e particular. Tai Tung-yan criticou
vigorosamente semelhante bifurcao da realidade. Para ele, "A distino do
que corpreo e do que est acima da corporeidade refere-se ao da fora
vital. (...) O que corpreo o que tornou forma definida, e o que est
acima da corporeidade o que no tomou forma definida. (...) Assim,
corporeidade significa transfigurao de coisas, e no fora vital"(276). A
fora vital, juntamente com os seus Cinco Agentes e as duas foras universais
de atividade e passividade, no nada inferior Razo. Para Chu Hsi e para o
seu crculo, a Razo a Lei Moral (tao) que est acima da fora vital. Para Tai
Tung-yan, por outro lado, a Lei Moral nada significa alm da operao da
fora vital. No h distino, pois, entre Razo e Lei Moral, por uma parte, e
fora vital por outra. Tanto a Razo, como a fora vital, so a Lei Moral.
"A Lei Moral refere-se transformao incessante, ao passo que a Razo se
refere completa plenitude da Lei Moral. (...) Aquilo que produz vida a
fonte da transformao, e aquilo que produz vida numa ordem sistemtica o
fluxo da transformao. (...) Como h crescimento, h repouso, e como h
repouso, h crescimento. assim que o universo continua formando-se e
transformando-se. O que produz vida chama-se jn (amor ou bondade), e o
que responsvel pela boa ordem da vida se chama correo e justia"(277).
Assim, a Lei Moral encontra expresso numa transformao constante e
ordenada, cuja realizao a Razo. Este nome pode aplicar-se a tudo que
esteja em harmonia com as caractersticas do universo. "Com referncia sua
naturalidade, chama-se harmonia. Com referncia sua necessidade, chama-
se constncia"(278). Conseqentemente, apenas "aqueles que podem
compreender a harmonia do universo esto qualificados para discutir a Lei
Moral"(279).
Com a harmonia como tcnica, os filsofos da escola emprica advogaram a
harmonia da natureza humana, que eles, seguindo a maioria dos
confucionistas que os antecederam, consideravam boa. Na discusso da
Razo, do sculo XI ao sculo XVI, a opinio geral tinha sido de que a boa ao
p
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