A ICONOGRAFIA PANTANEIRA TRADUZIDA EM REVESTIMENTOS CERÂMICOS: CRIAÇÃO E DESIGN PARA AS INDÚSTRIAS DO APL DE RIO
VERDE/MS
M. A. Serafim ; M. A. F. Wolff; K. Ribeiro; T. A. Coutinho
Resumo
O presente trabalho apresenta a pesquisa e a metodologia de projeto desenvolvida
pelo CCB junto às empresas integrantes do Arranjo Produtivo Local de Rio Verde no
Mato Grosso do Sul. O contato com a cultura local, o estudo das iconografias,
participação em oficinas de Design, estudo de campo, criação de produtos,
concepção gráfica e linguagem visual.
Palavras-chave: Design, revestimento cerâmico, criação, metodologia
INTRODUÇÃO
O APL (Arranjo Produtivo Local) de Rio Verde no Mato Grosso do Sul, é
formado por grupos de artesanato e de empresas que produzem blocos, telhas,
objetos decorativos e revestimentos cerâmicos envolvendo as cidades de Rio Verde,
Coxim e São Gabriel.
Segundo o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social),
Arranjo Produtivo Local é uma concentração geográfica de empresas e instituições
que se relacionam em um setor particular. Inclui em geral, fornecedores
especializados, universidades, associações de classe, instituições governamentais e
outras organizações que provêem educação, informação, conhecimento e/ou apoio
técnico e entretenimento.
Além do pólo cerâmico, a Região de Rio Verde concentra um importante roteiro
turístico do estado, sendo considerada a porta de entrada do Pantanal
sulmatogrossense. Em virtude das potencialidades produtivas e turísticas instaladas
o SEBRAE/MS criou o projeto Terra Cozida do Pantanal com o intuito de promover a
região norte do Estado do Mato Grosso do Sul. Dentre as ações e parcerias
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firmadas entre o SEBRAE/MS e seus parceiros, o CCB (Centro Cerâmico do Brasil)
contribuiu com projetos de Aperfeiçoamento Tecnológico e Inovação Tecnológica,
além de participar de oficinas de Design e Workshops.
Nos projetos de Aperfeiçoamento Tecnológico o CCB atuou diretamente junto
às empresas do APL de Rio Verde no controle de matérias-primas, processos e
qualidade técnica dos produtos, trabalho que o CCB a mais de dez anos realiza com
as empresas do setor cerâmico. Os projetos de Inovação Tecnológica foram
desenvolvidos pela equipe de Design do CCB, que atua na área de criação e
desenvolvimento de novos produtos.
MATERIAIS E MÉTODOS A 1ª etapa do projeto realizado junto ao APL de Rio Verde teve como proposta
principal o desenvolvimento de linhas de produtos que valorizassem as
características histórico-culturais da região, prevendo também a interação entre as
pequenas e média empresas e os grupos de artesanato. Foram desenvolvidas
propostas de produtos para três empresas produtoras de cerâmica de revestimento:
Cerâmica Fornari, Cerâmica RM e Cerâmica Marajoara, além dos grupos de
artesanato Riverarte (Rio Verde) e Cointa (Coxim).
Oficinas e Workshops Como ponto de partida para o desenvolvimento das linhas de produtos foram
desenvolvidos 1 workshop e uma oficina de Design. O workshop e a oficina de
Design promovidos pelo SEBRAE/MS tinham como objetivo:
- promover o aprimoramento técnico dos grupos de artesanato e dos
funcionários das empresas com relação ao desenvolvimento artesanal dos
produtos, já que muitos dos produtos nas empresas da região passam por
processos manuais;
- interagir os trabalhos dos grupos de artesanato com o trabalho das
empresas;
- sensibilizar os grupos para a utilização dos motivos regionais na concepção
dos produtos;
- propor novos produtos inspirados na cultura regional.
Os resultados das oficinas foram apresentados em uma exposição que integrou
o evento MS faz Tecnologia promovido pelo SEBRAE/MS com participação de
designers e entidades do setor.
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Pesquisa A pesquisa forneceu bases imagéticas, históricas e bibliográficas que serviram
como referência para um estudo semântico da cultura pantaneira: costumes, belezas
naturais etc.
A pesquisa foi elaborada em algumas etapas:
- Pesquisa iconográfica: as pesquisas iconográficas foram desenvolvidas a
partir da captação de imagens que valorizassem as belezas naturais do Pantanal e
da região de Rio Verde, para tanto foram realizadas visitas em diversas localidades:
- o Museu Dom Bosco – Museu Salesiano de História Natural de Campo
Grande/MS onde foi possível conhecer algumas das culturas indígenas que
habitaram a região, seus trajes típicos, artesanatos em cestarias e cerâmica, como
dos Kadiweus e Terenas;
- Fazenda Igrejinha - que além de possuir um mirante natural para o Pantanal,
contém em sua formação rochosa achados arqueológicos com inscrições rupestres
ainda não datadas (Figura 01);
Figura 01 – Pinturas rupestres encontradas na Fazenda Igrejinha - Fazenda Gramado - fazenda típica de cultura bovina pantaneira, rica em animais
típicos do Pantanal (Figura 02);
Figura 02 – Animais típicos do Pantanal encontrados na Fazenda Gramado
- e o Morro do Padre - conhecido morro desbravado por padres franciscanos,
contam que há 50 anos atrás um padre franciscano de Rio Verde desapareceu por
mais de uma semana e quando retornou contava que havia descoberto um local
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perfeito para a construção de uma capela e que aquele local serviria para oração e o
resguardo. Acontece que o morro desbravado pelo padre se encontrava em um local
de dificílimo acesso o que não o impediu de seguir adiante e o padre com mais dois
ajudantes construíram escadas em paredões de quase noventa graus que dão
acesso ao topo do morro onde foi construída sua capela. O local ainda continua de
difícil acesso e são permitidas visitas somente com autorização do frei que hoje
cuida do local (Figura 03);
Figura 03 – Imagens de paisagens vistas do Morro do Padre.
- Pesquisa bibliográfica: algumas publicações de diversas áreas já utilizaram as
referências pantaneiras como tema de estudo tanto dentro da botânica (para o
estudo das plantas típicas) como o estudo iconográfico encomendado pelo
SEBRAE/MS que resultou num acervo de imagens que traduzem e sintetizam os
ícones do estado do Mato Grosso do Sul.
Metodologia e concepção de produtos Para a concepção dos produtos foi necessário que se fizesse uma seleção do
acervo de imagens originado a partir dos estudos bibliográficos e iconográficos.
Cada uma das empresas selecionadas para o desenvolvimento de novos produtos
possui características inerentes ao seu processo sejam suas condições técnicas,
físicas, de mão de obra ou de matéria-prima disponível. Um dos critérios adotados
para a criação dos produtos foi justamente respeitar as vocações naturais de cada
empresa se preocupando em não criar concorrências entre elas. Dessa forma temos
em cada empresa:
Cerâmica Marajoara: A Cerâmica Marajoara é uma empresa com muitos anos
de experiência mas que possui uma estrutura fabril muito rudimentar. Em seu
escopo de produtos ela possui, tijolos e blocos cerâmicos, além de possuir uma
equipe de artesãos que produz peças decorativas . Na recente história a empresa
desenvolveu placas cerâmicas denominadas “bolachões” (placas cerâmicas de 40 x
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40cm prensadas manualmente), algumas empresas da Espanha desenvolvem um
produto com o processo semelhante a esse com alto valor agregado. No entanto os
“bolachões” da Cerâmica Marajoara não possuíam nenhuma preocupação estética,
seu valor agregado era baixíssimo e suas condições técnicas precárias.
A proposta para a Cerâmica Marajoara foi então resgatar a produção dessas
placas, conferindo nelas valores estéticos, técnicos e funcionais que incorporassem
maior valor agregado.
Cerâmica RM: A Cerâmica RM é uma das empresas que estavam a ponto de
encerrar em definitivo suas atividades. Sua produção é toda concentrada na
fabricação de tijolos, possui matéria-prima própria e uma parte da produção é
mecanizada. Foi justamente o equipamento utilizado para fabricar tijolos que
determinou a criação dos produtos para a Cerâmica RM. O equipamento consiste
em moldes instalados em uma mesa circular que recebem a argila, são prensados, e
desmoldados mecanicamente(Figura 04). O equipamento foi adaptado e seus
moldes sofreram transformações no tamanho e na expessura da placa, criando
placas cerâmicas do tipo cotto. A vantagem do equipamento é que se pode produzir
as placas e ao mesmo tempo os tijolos, além da possibilidade de reproduzir relevos
sem demandar altos custos.
Figura 04 – Equipamento utilizado na fabricação de tijolos – Cerâmica RM
Cerâmica Fornari: o projeto desenvolvido para a Cerâmica Fornari foi o mais
complexo, por se tratar de uma empresa que ainda está constituindo seu parque
fabril. A fábrica irá produzir placas cerâmicas prensadas por via seca, sendo a
pioneira na região na produção desse tipo de produto. É importante ressaltar que
todo o trabalho de caracterização da argila foi realizado numa etapa anterior a desse
projeto no próprio Centro Cerâmico do Brasil, uma vez que as argilas encontradas
naquela região nunca tinham sido utilizadas para esse tipo de fabricação de pisos.
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Tendo estabelecido o tipo de massa a serem produzidas as placas, foi possível
determinar o tipo de decoração que seriam desenvolvidas para esses produtos.
Além dos produtos também foi iniciado um projeto de identidade visual para a
empresa a princípio com a criação da logomarca, cartões de visita e catálogo dos
produtos. A primeira linha de produtos da Cerâmica Fornari foi denominada Linha
Pantanal para Revestimentos Cerâmicos. Dentro dessa linha de produtos foi criado
uma série de revestimentos cerâmicos com referências ao Pantanal
sulmatogrossense, totalizando 07 produtos.
Resultados Os resultados apresentados nesse trabalho contemplam a primeira fase do
projeto que totalizou 8 meses de pesquisa, estudos e concepção de produtos. Ao
final dessa primeira fase os resultados atingidos por empresa foram:
- Cerâmica Marajoara
As placas cerâmicas criadas e desenvolvidas para a Cerâmica Marajoara
buscaram valorizar os métodos artesanais através dos quais são produzidos os
pisos, a interface entre o homem e a matéria-prima. As matérias-primas utilizadas
nas placas cerâmicas continuam sendo testadas para que as conformidades
técnicas sejam as mais adequadas ao tipo de produto desejado.
Foram desenvolvidos dois tratamentos estéticos distintos de produtos com
algumas variações. O primeiro tratamento é resultado do relevo obtido através do
movimento das mãos do artesão, o que torna cada peça única, esse mesmo efeito é
acentuado com aplicação de engobe branco nas concavidades (Figura 05).
Figura 05 – Produtos com relevos feitos manualmente
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O segundo tratamento é feito com um efeito “arado”, também obtido
manualmente com instrumentos bem caseiros. Além do formato maior (40x40 cm),
também podem ser feitos dois módulos menores de 20x20 cm , formando no
conjunto uma espécie de trama. No trabalho “arado” pode ser aplicado engobe em
tons terrosos em ranhuras alternadas (Figura 06).
Figura 06 – Produtos prensados à mão com efeito “arado”.
Cerâmica RM
O produto desenvolvido para a Cerâmica RM, buscou inspiração nas árvores
do cerrado com seus troncos retorcidos. Adaptando os moldes do equipamento
(originalmente utilizado para a fabricação de tijolos) foi possível inserir relevos
naturais de madeiras da região. O nome dado a linha de produtos foi pau-a-pique,
construção típica das antigas casas de moradores ribeirinhos pantaneiros, feita com
barro e madeiras do cerrado (Figura 07).
Figura 07 – Foto de muro feito em pau-a-pique
Além da proposta de produto com relevo de madeira também foi criado um
padrão de display para apresentação em revendas (Figura 08).
Figura 08 - Liha Pau-a-Pique (proposta de relevo e paginação para produto
11x24cm)
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Cerâmica Fornari
Para a Cerâmica Fornari foi criada a Linha Pantanal de Revestimentos
Cerâmicos. Essa é a primeira linha de produtos da fábrica, por isso é uma linha de
tipologias variadas que têm em comum as referências do Pantanal. É importante
ressaltar que os produtos somente serão desenvolvidos em protótipos na segunda
etapa do projeto ainda em 2005.
Cada produto teve uma referência e um tratamento estético diferente a saber:
- Buriti: produto criado em referência ao fruto do buriti, árvore típica de
lugares úmidos como o Pantanal (Figura 09). Para os nativos das regiões
onde se tem muito buriti ou os buritizais (como são conhecidas as florestas
de buritis), essa é uma árvore abençoada de onde tudo se aproveita, as
folhas para cubrir as palhoças, o caule de onde se extrai fibras naturais e os
frutos para alimento.
Figura 09 – Buritizal, buritis e relevo da casca do buriti
- O produto Buriti foi pensado para fazer uma analogia a casca do fruto em
forma de escamas. Para isso o produto será desenvolvido com relevo de
prensa e recoberto com esmalte opaco (Figura 10)
Figura 10 – Imagem de produto da linha Buriti
. - Artesanato: produto inspirado no rico artesanato existente na região. Como
herança das diversas culturas existentes no Pantanal, muitas formas de
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artesanato subsistem naquela localidade. O trançado de palhas nativas é
uma dessas heranças deixadas pelos povos indígenas que habitavam o
Pantanal e a linha Artesanato resgata justamente a riqueza visual que
essas tramas de palhas causam . Os efeitos visuais do produto serão
obtidos através de 2 decorações serigráficas, sendo que o desenho é
contínuo, ou seja, quando paginados seus lados se complementam dando
uma continuidade no desenho (Figura 15).
Figura 11 – Porduto da linha Artesanato.
- Guarani: produto que traz em sua decoração o resgate da iconografia
guarani. Os guaranis formavam uma grande nação indígena pertencente ao
tronco lingüístico tupi-guarani e habitavam boa parte do Centro-Oeste
brasileiro e outros países da América do Sul. A arte guarani, rica em formas
foi a referência estética utilizada nessa linha de produtos que valoriza a
elegância e a plasticidade da forma. A proposta tipológica para esse
produto é trabalhar com brilho e opacidade, portanto será necessária utilizar
somente uma aplicação decorativa onde essa poderia ser um esmalte
brilhante com o fundo opaco e vice versa. O produto paginado ganha um
movimento e uma plasticidade peculiares em função da iconografia utilizada
(Figura 12).
Figura 12 – Produto da Linha Guarani
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- Terena: Os índios Terena são conhecidos pela habilidade na agricultura e
no artesanato. Sua etnia constitui a maior nação indígena do Mato Grosso
do Sul. As pinturas utilizadas em suas cerâmicas são riquíssimas o que
serviu como referência para a criação da linha de produtos Terena para
pisos cerâmicos. Para esse produto a proposta é a utilização de uma
tipologia rústica com relevo de prensa (Figura 13).
- - Figura 13 – Produto da linha Terena
- - Bromélia: As bromélias são plantas que têm ocorrência em quase todo
território nacional, e não é diferente no cerrado pantaneiro. Para essa linha
de produtos a referência está nas encostas rochosas de onde surgem as
bromélias, com cores e tons variados o que resultou em um produto de
tipologia rústica (Figura 14).
- - Figura 14 – Linha Bromélia, produto e referência visual
- - Manoa: Aruak é uma das famílias lingüísticas do tupi-guarani, falada entre
outros pelos índios Terena e em Aruak, manoa significa lago, lagoa. Dada a
importância do ciclo das águas para os povos pantaneiros, que é vital para
sua sobrevivência e subsistência, foi pensado um produto que pudesse
retratar a beleza e o movimento das águas, juntando a isso a língua mãe do
mais importante grupo indígena do Mato Grosso do Sul. A linha de
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revestimentos Manoa é proposto em uma tipologia com esmalte brilhante e
cores em tons de verde água e azuis (Figura 15).
- Figura 15 – Produto da linha Manoa
- - Aracê: O nascer do sol e a explosão de vida que acontece ao amanhecer
são pontos fortes da vida no Pantanal. Em tupi-guarani, aracê significa
aurora, nascer do dia e a linha de revestimento Aracê busca as cores
tênues dos primeiros raios de sol na planície pantaneira (Figura 16).
Pensada para ser desenvolvida com esmaltes brilhantes, os tons podem
variar para obter um efeito destonalizado na paginação dos produtos.
Figura 16 – Produto da linha Aracê
Considerações Finais O trabalho realizado no APL de Rio Verde no Mato Grosso do Sul durante o
ano de 2004 fez parte da primeira etapa prevista para o projeto. Em 2005 os
trabalhos serão retomados para o desenvolvimento e viabilização técnicas dos
produtos.
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Agradecimentos A equipe de design do CCB agradece o SEBRAE/MS pela confiança
depositada na realização dos trabalhos, ao Instituto Íntegra e sua equipe pela
coordenação dos projetos, ao SENAI/MS de Rio Verde pela equipe técnica, à FINEP
pelo apoio e a todas as empresas do APL de Rio Verde por aceitarem os desafios
propostos.
THE PANTANEIRA ICONOGRAPHY TRANSLATED CERAMIC TILES: CREATION
AND DESIGN FOR THE INDUSTRIES OF THE APL OF RIO VERDE/MS.
ABSTRACT
The present work presents the research and the methodology of project developed
for the together CCB to the integrant companies of the Local Productive Arrangement
(APL) of Rio Verde, Mato Grosso do Sul - MS. The contact with the local culture, the
study of the iconography, participation in workshops of Design, study of field, creation
of products, graphical conception and visual language.
Key-words: Design, ceramic tiles, creation, methodology
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