A importância da Ciência, Tecnologia e Inovação no contexto
dos Institutos Federais: Desenvolvimento Local, sustentabilidade e
Emancipação Social.
Renato Dagnino
GAPI-Unicamp, [email protected]
Luzia Mota
GPET – IFBA, [email protected]
Resumo Este capítulo delineia uma proposta que, partindo do conhecimento existente a respeito
da trajetória e da situação atual dos Institutos Federais de Educação Profissional, Ciência e Tecnologia, aponta para a materialização da missão dessas instituições que é
atuar como vetor de inclusão social e desenvolvimento local. Para tanto, inicia com um
diagnóstico dos condicionantes internos e externos do tecido socioprodutivo do País e
da Política Científica Tecnológica (PCT). Os argumentos são construídos levando em consideração que os Institutos Federais por atuar junto aos atores sociais diretamente
interessados na sua missão de promover o desenvolvimento das vocações econômicas
locais e a inclusão social, poderão contribuir de modo significativo para adequar as políticas de C&T e de educação profissional a um cenário onde a plataforma cognitiva
da Tecnologia Social seja a mola mestra das atividades de docência, pesquisa e extensão
desses Institutos em contraposição ao padrão inovacionista dominante no ensino superior brasileiro. Eles podem desempenhar um papel catalisador em outras
organizações e redes públicas situadas à montante e à jusante que, embora endossem
essa missão, encontram obstáculos à sua reorientação; particularmente, devido à
racionalidade ofertista, cientificista, produtivista e crescentemente inovacionista que domina o contexto da PCT brasileira. Este debate, em pleno momento de
ressignificação da identidade dos Institutos Federais se afigura como decisivo para que
a oportunidade surgida não seja desperdiçada. Palavras-chave: Política Científica Tecnológica; Institutos Federais de Educação Tecnológica. Tecnologia Social. Adequação Sociotécnica.
Resumen
Este capítulo presenta una propuesta que, con base en el conocimiento existente sobre la
historia y la situación actual de los Institutos Federales de Educación, Ciencia y Tecnología, plantea la materialización de la misión de estas instituciones de actuar
como vector para la inclusión social y desarrollo local. Se inicia con un diagnóstico de las condiciones internas de ellas, de la política Científica y Tecnología (PCT) y del tejido socioproductivo del país. Los argumentos se construyen teniendo en cuenta que el
Instituto Federal, por actuar con actores sociales directamente interesados en su misión de promover el desarrollo de las vocaciones locales y la inclusión económica y social,
puede contribuir significativamente para adecuar la PCT y la formación profesional a un
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escenario en el cual la plataforma cognitiva de Tecnología Social sea privilegiada como una guía para la docencia, la investigación y la extensión de estos institutos, en
detrimento de del patrón inovacionista hoy dominante en la enseñanza superior brasileña. Los Institutos pueden desempeñar un papel catalizador junto a organizaciones
y redes públicas ubicadas aguas arriba y aguas abajo que, aunque compartan esa misión, encuentran obstáculos a su implementación, debido a la racionalidad ofertista, el cientificismo, el productivismo y el inovacionismo que dominan cada vez más el
contexto brasileño de la PCT. Este debate, en un momento de redefinición de la identidad social y el papel de las instituciones públicas de enseñanza es decisivo para a
esta oportunidad no sea desperdiciada.
Palabras clave: Política Científica, Tecnológica. Institutos Federales de Enseñanza
Tecnológica. Tecnología Social. Adecuación Sociotécnica.
1. Introdução
O processo que deu origem à Rede de Institutos Federais (IF) gerou um amplo
conjunto de instituições públicas cuja missão institucional declarada é articular pesquisa
aplicada e educação tecnológica e profissional (inclusive no nível de pós-graduação
sentido estrito) orientadas para o desenvolvimento das vocações econômicas locais e a
melhoria da qualidade de vida, principalmente das populações em situação de extrema
pobreza e de baixa renda.
O texto, aqui apresentado, síntese de um debate realizado em 2015, no III Fórum
Mundial de Educação Profissional e Tecnológica1, delineia uma proposta de ação que,
partindo do conhecimento existente a respeito da trajetória e da situação atual dos
Institutos Federais, viabilize a sua missão. Para tanto, apresenta um diagnóstico dos
condicionantes internos e externos do tecido socioprodutivo do País e discute a
possibilidade da Rede formada pelos Institutos Federais atuar, em sintonia com outras
políticas públicas, como um vetor de transformação da realidade atual.
A Política Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (PCTI), dado seu caráter
de indispensável articulação do conjunto de pré-condições para a formulação dessa
proposta, é abordada criticamente em vários momentos deste capítulo. É da análise
crítica dessa política (na sua dupla dimensão de policy e de politcs) que são gerados os
1 O Fórum Mundial de Educação Profissional e Tecnológica (FMEPT) nasceu do Fórum
Mundial de Educação e do Fórum Social Mundial. O evento faz parte de um movimento pela cidadania e pelo direito universal à educação, reunindo instituições, entidades e associações de todo o planeta. A atividade homônima teve como objetivo geral aprofundar a reflexão sobre a importância da ciência, tecnologia e inovação no contexto da Rede Federal, tendo a pesquisa como uma das principais mediadoras deste processo, sendo possível desta forma debater e formular alternativas e linhas de ação para a área.
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argumentos necessários para orientá-la no sentido de tornar os Institutos Federais um
vetor auxiliar de transformação sociotécnica do País.
Uma Rede de Instituições de Educação Profissional como a que se divisa, por
atuar junto aos atores sociais diretamente interessados na sua missão de promover o
desenvolvimento das vocações econômicas locais e a inclusão social, poderá contribuir
de modo significativo para adequar nossas políticas de CTI e de educação àquele
cenário. O papel de catalisador de outras organizações e redes públicas situadas à
montante, que embora endossem esta missão encontram obstáculos à sua reorientação -
alguns internos e derivados do momentum de sua dinâmica ofertista, cientificista e
crescentemente produtivista –, se afigura como decisivo para que a oportunidade que
temos não seja desperdiçada.
2. A Rede de Institutos Federais
A Rede de Institutos Federais adentrou o século XXI constituída por um
conjunto de instituições cujas missões e identidades vinham-se transformando de modo
independente, segundo bases legais distintas e realidades locais específicas. As
mudanças estruturais delimitadas pelas transformações econômicas e pelos avanços
tecnológicos que aconteciam tanto no terreno externo como interno, impeliram a Rede
Federal2, desde os anos 70, a modificações na sua institucionalidade.
A transformação, em 1978, de três Escolas Técnicas Federais em Centros
Federais de Educação Tecnológica (CEFET), baseada na Lei 6.545/1978, pode ser
considerada o ponto de inflexão dessas mudanças. A possibilidade de oferta de cursos
superiores e de pós-graduação lato e stricto sensu modificariam de modo definitivo a
trajetória da Rede Federal, tanto no conjunto de seus valores, símbolos e padrões de
comportamento quanto na missão institucional agregada a esses novos centros.
Neste ponto, o debate incluiu dois componentes, absolutamente novos, na
trajetória das Instituições Federais de Educação Profissional: o primeiro, que ainda hoje
vem sendo construído, de fortalecimento de sua identidade como instituição autônoma e
capaz de pensar seus próprios rumos, em contraposição à atitude histórica de
tutelamento às políticas governamentais centrais (PEREIRA, 2003); e o segundo,
relacionado à sua missão: a questão do desenvolvimento local é colocada pela primeira
vez como tarefa dessas instituições. Não era um percurso natural, pensar as instituições
da Rede Federal como indutoras do desenvolvimento local. As Escolas Técnicas e
2 A Rede de Institutos Federais será tratada também de Rede Federal ou simplesmente Rede
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também os CEFET, espalhados por grandes cidades brasileiras, sempre estiveram
ligados à formação de mão de obra para as grandes indústrias e grandes empresas.
As décadas de 90 e de 2000 podem ser consideradas como um tempo de
“destruição criadora” para as Instituições da Rede. Isso porque, apesar de ter sido, na
sua história, o período de maior perda de identidade e função social e forte
desorganização acadêmica e administrativa3, foi no final destes 20 anos que a Rede
Federal conheceu um momento de homogeneização organizacional e de ressignificação
da missão e da identidade. Foi um momento abstruso para a Rede Federal, mas, ao
mesmo tempo, um momento de constituição de novos caminhos.
Concernente às atividades de pesquisa, a década de 90 foi crucial para a Rede
Federal, porque a desestruturação acadêmica veio acompanhada de perdas salariais e
ausência de perspectivas na carreira, particularmente, dos docentes; nesse quadro,
ocorreram os primeiros passos efetivos para a constituição da comunidade de pesquisa
interna, a partir da busca de qualificação crescente dos docentes em cursos de pós-
graduação. Houve também um crescimento, ainda que incipiente, do número de grupos
de pesquisa. Nos anos 2000, esse processo foi acelerado pelo retorno dos professores
com titulação de mestrado ou doutorado, além do ingresso por concurso de novos
docentes, muitos destes já com titulação de mestre e, em menor número, de doutor.
Outro dado importante aponta para as políticas salariais do período que passaram a
valorizar fortemente as titulações acadêmicas dos docentes.
No final dos anos 2000, especificamente no final de 2008, o governo, na lógica
do projeto nacional posto em marcha no segundo mandato do presidente Luís Inácio “Lula” da Silva, apresentou discricionariamente o modelo que passaria a organizar a
Rede Federal e que estabeleceria a sua nova missão institucional: os Institutos Federais.
Com a Lei Nº 11.892, de 29 de dezembro de 2008, o governo brasileiro, mais uma vez,
tutelou o destino da Rede Federal, impondo uma política formulada sem a participação
de todos os atores envolvidos e cujo processo decisório foi controlado apenas pelo
próprio governo. A política teve como características principais: 1 – o estabelecimento
de uma base institucional única para quase todos os elementos da Rede, resolvendo o
problema da heterogeneidade; 2 – o estabelecimento de uma missão, também comum,
3 Foi neste período que ocorreu a chamada reforma da educação profissional da década de 90
através do Decreto 2.208/97 e do Decreto 2.406/97 que pelo conteúdo desestruturante desfigurou a concepção original dos CEFET, retirando-lhes autonomia nos percursos acadêmicos e rebaixando as suas potencialidades.
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focada no desenvolvimento local e regional com inclusão social e 3 – a interiorização da
Rede a partir do processo de expansão em cidades-polo brasileiras.
A criação dos IF encerrou um ciclo iniciado na década de 70 e encetou um
processo de expansão e redefinição conceitual para a Rede Federal. É deste ponto que,
passamos a vislumbrar os Institutos Federais como arranjos institucionais que podem
contribuir de modo decisivo com a tessitura de redes sócioprodutivas ligadas à
Economia Solidária e ao desenvolvimento de Tecnologia Social. Em cem anos de
existência, foi com os Institutos Federais que, pela primeira vez, a Rede Federal foi
chamada a cumprir um papel sistêmico, no qual o ensino, a extensão e a pesquisa
deveriam se fundir de maneira integral com o desenvolvimento social regional (MOTA,
2013)
3. Um diagnóstico do nosso tecido sócioprodutivo
Esta seção explora aspectos do tecido sócioprodutivo brasileiro visando
identificar os espaços de atuação em que poderia atuar uma Rede de Institutos Federais
com as características já apresentadas. A agenda das políticas públicas que envolvem a
produção de conhecimento, bens e serviços mantem sempre em cena o debate sobre a
relação entre crescimento econômico e desenvolvimento social. O primeiro entendido
como aumento do PIB per capita e o segundo como o processo de elevação do bem-
estar do conjunto da sociedade.
De um lado, encontra-se a proposição neodesenvolvimentista que, embora, tenda
a negar que o crescimento econômico é uma condição suficiente para o
desenvolvimento, afirma categoricamente que é uma condição necessária para
promover o crescimento “com desenvolvimento social”. A aposta das últimas décadas
para fazer funcionar esta fórmula tem sido o subsídio público para o aumento dos
processos inovativos nas empresas.
Está tão disseminada a noção de que a “saúde” das empresas demanda inovação
que, quando no início de agosto de 2011, junto com o lançamento do Plano Brasil Maior
(2011 – 2014) – cujo slogan foi “Inovar para competir e competir para crescer”, e com a
adição da “Inovação” ao nome do Ministério de Ciência e Tecnologia (BRASIL, 2011)
– o MCTI anunciou o significativo aumento dos recursos públicos para as empresas
“inovativas”, não houve surpresa. Apesar disso, para ser coerente com o pensamento
delineado aqui, esta realidade merece comentários.
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O primeiro, de constatação, é sobre o termo “inovação” e requer uma rápida
digressão conceitual. Schumpeter (um dos pioneiros no estudo da inovação tecnológica
e de suas implicações) conceitua inovação como “novas maneiras de combinar matérias
e forças” (DAGNINO e THOMAS, 2001), que seriam perseguidas pelo empresário para
perturbar o mercado, garantindo-lhe temporariamente uma posição quase monopolista.
Para os neoschumpeterianos que formam a corrente da economia da inovação, esta se
resume ao embate capital-capital, que se dá fora da empresa e permitiria aumentar o
lucro.
Esses defensores da inovação omitem a dimensão interna à empresa: o embate
capital-trabalho em busca da apropriação da mais-valia relativa. Embora saibam que
tanto analítica quanto temporalmente este embate verifica-se previamente. O
deslizamento semântico promovido por eles coloca o “empresário schumpeteriano”
como “o” ator social que promove o desenvolvimento, este viés está presente no Plano “Brasil Maior”.
A adição do termo “inovação” no nome do Ministério revela o predomínio
daquela corrente e reitera decisões que reforçam o caráter pró-empresa da PCTI, que
vem se acentuando desde o início do período neoliberal. O resultado prático conseguido
pelos inovacionistas, com seu estandarte “papers não produzem patentes”, foi desbancar
os cientificistas, que orientavam a PCTI, desde sempre, para a oferta de conhecimento
para a empresa mediante o fomento à formação de pessoal e à pesquisa na universidade,
assim como a criação de institutos de pesquisa, incubadoras, parques e polos
tecnológicos.
O segundo comentário é de dúvida. Serão eficazes os novos remédios para
combater a endemia que assola as empresas em todo o mundo, isto é, a atavicamente
baixa propensão à P&D? A comparação dos comportamentos das empresas locais com
as situadas nos países avançados responde taxativamente que não. Muito mais do que lá,
as (poucas) que aqui inovam preferem adquirir tecnologia incorporada em máquinas e
equipamentos a realizar P&D e quando o fazem, pouco acorrem a fundos públicos ou
demandam pesquisa de universidades e institutos de pesquisa.
A baixíssima propensão a realizar P&D se revela no desinteresse pelos mestres e
doutores. Dos 90 mil que formamos em ciência “dura”, entre 2006 e 2008, para realizar
P&D, menos de setenta (!) foram aproveitados pelas empresas. Essa relação, de menos
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de 1%, se comparada à norte-americana, que é de 70%, torna desnecessárias mais
evidências para responder à pergunta feita acima.
Por último, o Plano Brasil Maior anunciou, como uma medida suplementar para
alavancar a P&D industrial, a criação da Empresa Brasileira de Pesquisa Industrial (Embrapi). A ideia principal do MCTI foi, “enfrentar o desafio de transferir
conhecimento da academia para o setor produtivo” e modificar o cenário que mostra
que “apesar do marco legal estimular o setor industrial”, e dos recursos disponíveis
estarem se multiplicando, a empresa segue pouco disposta a realizar P&D.
O objetivo da Embrapi seria, então, agilizar e facilitar o processo inovativo, que
é “interrompido” entre a produção e a fase negocial, aproveitando “a boa experiência da
Embrapa, que serviria de exemplo”. Assim, depois de várias tentativas pouco exitosas
de superar essa interrupção, que vão desde o fomento aos institutos públicos nos anos de
1970 até as incubadoras, parques e polos, a ideia é agora emular no âmbito da pesquisa
industrial a experiência da Embrapa.
Os estudiosos da política de C&T latino-americana há muito tempo nos legaram
três ensinamentos que podem ajudar a compreender melhor a pouca disposição das
empresas brasileiras para inovar. O primeiro é o de que em áreas onde não existia o
conhecimento necessário para a implementação de um projeto político de algum setor
importante da elite dominante, a P&D nacional teve disposição e foi capaz de armar a “cadeia de inovação” que vai da “pesquisa pública básica” até o sucesso i) econômico
(Instituto Agronômico, Embrapa, Cenpes-Petrobras, etc.); ii) político-estratégico (CTA-
ITA-Embraer, CPqD, etc.) ou iii) social (Instituto Oswaldo Cruz, etc.). De fato, é por
isso que em toda a América Latina, é apenas em segmentos com essas características –
especificidades locais e importância para algum projeto político – que tem sido possível
emular a experiência dos países de capitalismo avançado.
O segundo ensinamento pode ser sintetizado com um aforismo criado há mais de
três décadas por um latino-americano ilustre (aquele do “triângulo de Sabato”)4: “em
qualquer lugar e tempo, existirão três bons negócios com tecnologia: roubar, copiar e
4 O triângulo de Sábato descreve o papel de cada ator no processo de inovação (SÁBATO &
BOTANA, 1975): a universidade é responsável por formar profissionais qualificados para a pesquisa científica, montar laboratórios, captar recursos aplicados à pesquisa e estruturar um sistema institucional de apoio à pesquisa e de apoio jurídico; o governo tem o papel de formular políticas e mobilizar recursos para os vértices de universidade e empresa; e a estrutura produtiva tem por objetivo explorar o invento científico, produzindo bens e serviços demandados pela sociedade em geral.
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comprar...; e nenhuma empresa ou país irá desenvolver tecnologia se puder realizar um
dos outros três”.
O terceiro pode ser entendido como um corolário para o caso brasileiro. Aqui,
mais do que em outros países que foram relegados à periferia do capitalismo, como
Índia, Peru, China, onde o conhecimento autóctone não foi arrasado pelo eurocêntrico,
nossa ancestral dependência cultural, o baixo preço da força de trabalho e o elevado
grau de oligopólio, tornam, ainda mais, intensa e estrutural a aversão natural da empresa
a realizar P&D.
Ou seja, não é porque sejam atrasadas, ou porque não exista “cultura” ou
“ambiente de inovação”, que as empresas “brasileiras” não fazem P&D. O motivo para
isso é simples: as empresas são agentes econômicos racionais. Quem duvida, deve
observar a elevada taxa de lucro, que é o critério mais apropriado para avaliar o
desempenho dos empresários brasileiros.
Assim, o fato de que os segmentos onde logramos êxito estejam em geral
situados em áreas como saúde humana, recursos naturais e não na indústria, apenas
confirma esses ensinamentos. A criação de uma empresa com as características da
EMPRAPI sucinta questões que não foram pautadas pelo MCTI: a elite industrial “brasileira”, que ao contrário daquela do agronegócio, vem sendo afetada há duas
décadas por um processo de desindustrialização e desnacionalização e, mais
recentemente, pela “ameaça chinesa”, irá responder como esperam os fazedores da PCT?
Não parece plausível pensar que a indústria brasileira passe a tentar afirmar sua
competitividade via inovação em P&D através da constituição de um locus como a
EMPRAPI, deixando para trás a importação de tecnologia desincorporada e,
principalmente, como vem fazendo de modo contumaz, a compra de tecnologia
embutida em máquinas e equipamentos. Indo mais além (ou aquém) de questões “ideológicas”, cabe lembrar as inúmeras evidências de que a indústria brasileira, apesar
do significativo aumento dos benefícios que vem recebendo do governo, que vão desde
a subvenção econômica até a alocação gratuita de pesquisadores, passando pela
renúncia fiscal, não tem alterado sua pouca propensão a realizar P&D.
Antes de criar inovações organizacionais, como a criação de uma “Embrapa da
indústria”, na expectativa de que possam alterar o comportamento racional de
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empresários, é necessário que os fazedores de política compreendam o que diferencia o
comportamento das elites que se relacionam com a C&T. E, mais ainda, que percebam
que há outros agentes econômico-produtivos em nossa sociedade, que não as empresas
privadas, que necessitam e merecem urgentemente a sua ação.
4. A proposição dos “solidaristas”
Analisando outro Plano Nacional, desta vez o Plano Brasil sem Miséria
(BRASIL, 2012) ele traz a tona a necessidade do País gerar trabalho e renda para os 120
milhões de brasileiros em idade de trabalhar, e que não têm carteira assinada. Este
cenário, muito diferente do primeiro exposto na seção 3, requer complexo conhecimento
tecnocientífico específico para os empreendimentos solidários que estão emergindo do
setor informal.
A Economia Solidária, como é chamada essa rede de empreendimentos, ao
contrário do crescimento competidor que o desenvolvimentismo implica, propõe a
solidariedade como concepção produtiva, razão pela qual é chamada de sistema “solidarista”. Esta rede de empreendimentos vem demandando agenda governamental
para disseminar a proposta de que os arranjos tecnoprodutivos ligados ao
desenvolvimento social precisam (e merecem) mais atenção do que as empresas.
O MCTI, nesta perspectiva, não pode abrigar e financiar apenas inovacionistas
e cientificistas. Logo, é necessário propor um programa de desenvolvimento de
“Tecnologia Social” para completar as cadeias produtivas da Economia Solidária e
também dos entes de natureza pública que irão produzir conhecimentos, pesquisas,
tecnologias, bens e serviços para os mais pobres e que poderão ser alavancados via
poder de compra do Estado.
O objetivo desta seção é aprofundar um movimento de contraponto, de crítica e
de proposição sobre esse conteúdo. Parte-se da constatação de que vem crescendo o
entendimento a respeito do que é Tecnologia Social (TS), ou seja, de que se trata de
algo relacionado ao trânsito da economia informal para a Economia Solidária (ES) e
seus empreendimentos, além de ser bem diferente daquela que desenvolvem as
empresas para operar no setor formal.
O sistema solidarista propõe o fortalecimento do um arranjo societário baseado
na organização do movimento social que está emergindo da Economia Informal onde
tendem a situar-se os quase 200 milhões de brasileiros “suplementares” aos cerca de 40
milhões que possuem a carteira assinada e que os qualifica como “incluídos” na
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Economia Formal. Esse arranjo agrupa os empreendimentos solidários baseados, ao
contrário das empresas privadas e estatais, na propriedade coletiva dos meios de
produção. Neste arranjo, os trabalhadores associados se dedicam à produção de bens e
serviços de modo autogestionário e desconcentrado.
Gerar inclusão social, trabalho e renda, não é o que se pode esperar das empresas
e da finalidade que têm. A inovação tecnológica empresarial não apresenta um
propósito, mesmo que periférico, que aponte para a solução dos graves problemas
sociais que o País atravessa. As demandas bem conhecidas, emanadas da pobreza, da
informalidade econômica, dos riscos ambientais etc., não são objeto da inovação
tecnológica desenvolvida no interior das empresas. Do mesmo modo, os bens e serviços
gerados pela inovação tecnológica não são consumidos e, muito menos, “socializados”
pela maior parcela da sociedade, como tenta fazer crer o discurso governamental.
Nesse sentido, lembramos que não é casual que a imensa maioria das
“Tecnologias Apropriadas” dos anos 70 e do que entre nós se tem chamado
“Tecnologias Sociais”, é orientada para o campo e não para a cidade, onde só o lixo não
é (ainda, dizem alguns) propriedade privada. Em nosso país, onde a maioria da
população é urbana, as tecnologias orientadas à produção de bens e serviços que possam
permitir aos excluídos gerar oportunidades de trabalho e renda é o que de fato deveria
concentrar a atenção dos movimentos sociais e do Governo
Embora ainda submetidos à dinâmica do “mercado”, comprando ou vendendo
para a Economia Formal, esses empreendimentos tenderão a formar cadeias produtivas
cada vez mais densas, completas e entrelaçadas, e crescentemente autônomas.
Orientados para produção de bens e serviços para consumo dos trabalhadores e de suas
famílias, para a produção em outros empreendimentos solidários e, também, dos
cidadãos em geral que os recebem via a intermediação do poder de compra do Estado,
eles se consolidam como oportunidades de criação de trabalho e renda.
Os “solidaristas” reivindicam um decidido apoio governamental aos
empreendimentos solidários, coerente, pelo menos, ao seu papel de absorção daqueles
milhões de brasileiros que dificilmente serão absorvidos pela Economia Formal. Na
medida em que recebam do governo benefícios, qualitativamente semelhantes e
quantitativamente proporcionais, aos que hoje recebem as empresas, inclusive os
relacionados à capacitação naquelas habilidades e competências que efetivamente
necessitam para se tornarem sustentáveis, eles poderão funcionar como “porta de saída”
para os programas compensatórios.
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Embora necessitem, como as empresas, do apoio do Estado, os
empreendimentos solidários poderão, tendencial e parcialmente, dele prescindir. No
limite, não mais serão necessários os recursos que ele retira mediante imposto da classe
proprietária para compensar, com as políticas sociais, aquilo que a classe trabalhadora
deixa de receber pelo trabalho (não pago) que realiza. Passará a ser desnecessária essa
função que o Estado desempenha para garantir, pela via do gasto social, a exploração do
trabalhador em sociedades em que a propriedade dos meios de produção e do
conhecimento não é coletiva.
Pensando na formulação de uma política para fomentar a ES e a TS, cabe
esclarecer que estamos ainda longe de ter um marco analítico-conceitual, instrumentos
metodológico-operacionais e uma estrutura institucional, que são elementos
imprescindíveis para formular qualquer política pública (DAGNINO, 2009). Entretanto,
tentamos empreender passos sistemáticos nesta direção.
Como conclusão desta seção, gostaríamos de provocar o leitor familiarizado
com a trajetória e a situação atual dos Institutos Federais para que identifique os espaços
de atuação em que poderia ser útil uma rede com as características que aqui se está
discutindo no sentido de otimizar e neutralizar os aspectos positivos e negativos
respectivamente do contexto diagnosticado e de materializar o cenário da
democratização.
5. Uma trajetória orientada para o desenvolvimento social nos Institutos
Federais
Este trabalho argumenta a favor da priorização de uma trajetória de pesquisa,
ensino e extensão para a Rede Federal voltada para o desenvolvimento social a partir da
produção de Tecnologias Sociais para o sistema solidarista. Mesmo compreendendo a
possibilidade de trajetórias múltiplas que respeitem a realidade institucional, que possui
múltiplos contextos e a ação conjunta de múltiplos atores, não é possível desviar-se do
problema aqui enfrentado que trata da coerência entre o desenvolvimento das
atividades, particularmente de pesquisa, dessas instituições e sua missão, além da
necessidade da sociedade brasileira por soluções científicas e tecnológicas que superem
os problemas que afligem a maior parte dos cidadãos nos diferentes locais do País.
É flagrante a ausência de qualquer referência aos Institutos Federais na PCTI
brasileira para o desenvolvimento social. Essas instituições poderiam ser convocadas a
contribuir para a solução de problemas regionais, ao tempo em que consolidariam uma
trajetória de atividades focada no desenvolvimento de Tecnologia Social, na difusão
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científica e tecnológica, no fortalecimento de empreendimentos solidários, na
constituição de redes locais de inclusão social etc. Os Institutos Federais, com a
infraestrutura robusta e a capilaridade territorial, poderiam, de fato, construir um padrão
para o desenvolvimento das suas atividades que lhes permitissem assumir essa tarefa em
estreita colaboração com outras políticas públicas para o Desenvolvimento Social.
A pergunta a ser feita é: os Institutos Federais vão aderir completamente à
agenda cientificista, produtivista e inovacionista das universidades brasileiras ou irão
construir uma agenda de pesquisa própria? Talvez a pergunta pudesse ser ainda mais
instigante: a PCT brasileira com as características apresentadas atende à expectativa de
desenvolvimento local com inclusão social, imperativo na missão dos IF? A resposta a
tais questões pode revelar, por exemplo, se a política pública pensada para os Institutos
Federais tem uma dimensão apenas simbólica, criada para gerar ganhos políticos ou ela
pretende ser efetiva na regressão dos problemas sociais que lhe serviram de origem.
O contraponto aqui realizado é que: considerando o conteúdo e os objetivos da
política central para os Institutos Federais, a complexidade inerente às funções dessas
Instituições, a capacidade instalada tanto de recursos humanos quanto de recursos
físicos e, finalmente, a ação conjunta dos sujeitos internos e externos que atuam no
contexto local onde essas instituições estão implantadas, os Institutos Federais deveriam
se voltar para a formulação e implementação de políticas de ensino, pesquisa e extensão
para a desenvolvimento social, ao invés de seguir a tendência inovacionista de
crescimento econômico, investida da racionalidade de que a C&T posta a serviço da
empresa implicará na geração de produtos, serviços, empregos, salários, queda de
preços, pagamento de impostos, gerando assim competitividade sistêmica em escala
nacional. Esse ponto de vista, além de ser um processo idealizado e mesmo ingênuo
(BAGATTOLLI, 2013), não é a única forma de utilizar o potencial científico e
tecnológico instalado no País para a geração de bem-estar e qualidade de vida.
Uma trajetória de pesquisa particular para os Institutos Federais voltada para o
desenvolvimento social deverá necessariamente estar aliada ao eixo da PCT brasileira,
que realiza a gestão e o fomento da C&T para a inclusão social. Mesmo considerando
que esse eixo é muito mais simbólico do que efetivo no desenvolvimento da C&T, a
conformação de uma trajetória como esta deve ser suportada por uma coordenação entre
a Rede Federal e órgãos como a Secretária de Ciência e Tecnologia para a Inclusão
Social do MCT, a Secretaria Nacional de Economia Solidária do MTE, a
Superintendência de Tecnologia para o Desenvolvimento Social da FINEP, entre outros.
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A defesa de um curso de ação voltado para o desenvolvimento social requer um
estreitamento das funções de ensino e pesquisa com a extensão na Rede Federal.
Considerando que a extensão surge como um vínculo com as organizações sociais dos
locais onde estes estão implantados, a sua ação pode impactar na lógica ofertista
tradicional do ensino e da pesquisa, inserindo problemas latentes dos movimentos
sociais na agenda acadêmica da Rede Federal. Além do mais, uma interação mais
estreita com a extensão aproximará as atividades de pesquisa dos sistemas produtivos e
de serviços ligados à economia solidária e à produção de tecnologias voltadas para o
desenvolvimento social, através, por exemplo, das cooperativas, dos empreendimentos
solidários, das Incubadoras Tecnológicas de Cooperativas Populares, ou seja, do sistema
solidarista.
Ainda a título de recomendações que acumulem na perspectiva da construção de
estilos institucionais integrados à missão da Rede Federal, o financiamento é uma
questão que não pode passar despercebido. A constituição de relações sinérgicas com o
SNCT5 é, sem dúvida, uma via de acesso a recursos para a viabilização desse projeto.
Mas, além disso, o esforço interno nas instituições deve estar presente tanto na matriz
orçamentária, que precisa reconhecer as atividades de pesquisa relacionadas com outras
trajetórias que não unicamente a inovacionista, quanto nos editais específicos que
apoiem e, principalmente, fomentem atividades potenciais para a transformação do
conhecimento em tecnologias para o desenvolvimento social. Entre as recomendações
de financiamento inclui-se a criação de estruturas de gestão dentro das Pró-Reitorias dos
Institutos Federais que sustentem e coordenem as atividades voltadas para o
desenvolvimento social.
Embora seja compreensível que a conjuntura favorável ao inovacionismo com
sua poderosa estrutura de financiamento atraia boa parte da comunidade de pesquisa da
Rede Federal, fomentando carreiras científicas e projetos individuais é fundamental
chamar a atenção para duas dimensões: a primeira, sobre a racionalidade ou o modelo
cognitivo no qual são construídas as relações entre a sociedade e a produção científica e
tecnológica da comunidade de pesquisa da Rede Federal. É de fundamental importância
desmistificar essas relações que são baseadas em mitos da C&T tais como: a
neutralidade, o determinismo, o salvacionismo, o financiamento infinito e a autoridade
científica. Isso seria um passo fundamental, apesar de ser reconhecidamente de difícil
5 Sistema Nacional de Ciência e Tecnologia
14
superação porque são relações e crenças internalizadas e socializadas no âmbito da
própria formação acadêmica e também porque a manutenção delas gera dividendos
científicos para a comunidade em questão.
A segunda dimensão é internalista e pragmática: os resultados alcançados pela
Rede Federal com a priorização da trajetória inovacionista, demonstra pouco avanço na
sua estrutura morfológica e política: as perdas inerciais devido ao atraso na constituição
de sua comunidade acadêmica – que começa a se consolidar no início dos anos 2000 -
persistem e o espaço de poder na burocracia do complexo público de pesquisa é
insignificante em relação às Universidades Públicas.
Este tensionamento constante com as universidades por espaço político e
financiamento é um elemento que não deve ser negligenciado na defesa de uma
trajetória “alternativa para os Institutos Federais. A “fala” de um eminente membro da
comunidade científica brasileira6 é emblemática nesse sentido, ele pergunta: “(...) se
não forem estas instituições [as Universidades Federais] com PG de excelência a
assumir esta responsabilidade [de formar novos cientistas], quem o fará? Os IFET? As
jovens instituições?” (SOCIEDADE BRASILEIRA DE FÍSICA, 2012). É uma pergunta
que faz sentido e cuja resposta já está embutida: a Rede Federal é posicionada fora do
campo científico tradicional do País e um novo curso de ação precisa advir para essas
instituições.
6. Considerações finais
Nas seções anteriores foi situado o contexto do enfrentamento das proposições
desenvolvimentistas e solidaristas e apresentado o panorama da PCTI e o papel que
pode assumir a Rede de Institutos Federais neste contexto, o qual, apesar de pouco
propício, pode ser alterado visando a implementação da proposta aqui formulada.
Gerar trabalho e renda para os 120 milhões de brasileiros em idade produtiva e
que estão fora da Economia Formal requer vontade política e conhecimento
tecnocientífico. É fato que a Tecnologia Social, que é como se chama as iniciativas
necessárias para completar as cadeias produtivas dos empreendimentos solidários que
vão crescentemente emergir da Economia Informal, não está ainda disponível. Seu
desenvolvimento, pela inerente complexidade cognitiva que implica e pela forma
interdisciplinar e participativa que terá que ocorrer é uma tarefa que demanda esforços.
6 O químico Jairton Dupont, professor de Química Orgânica da Universidade Federal do Rio Grande do Sul
(UFRGS), é o único ibero-americano incluído na Lista dos 100 Químicos que nos últimos 10 anos atingiram os escores mais altos de impacto de citação de trabalhos científicos na área da química. Este resultado pode ser acessado em <http://sciencewatch.com/dr/sci/misc/Top100Chemists2000-10/>.
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Visando contribuir explicitamente com o sistema solidarista, a proposta aqui
defendida é que haja um direcionamento da Rede de Institutos Federais para uma
trajetória que suporte a tarefa de satisfazer as demandas cognitivas associadas ao estilo
de desenvolvimento inclusivo e solidário que a sociedade brasileira deseja e merece.
7. Referências
BAGATTOLLI, C. Política Científica e Tecnológica no Brasil: itos e modelos num país periférico. UNICAMP. Campinas, p. 256. 2013.
BRASIL. É o Estado chegando aonde a pobreza está. Plano Brasil sem Miséria, 2012. Disponivel em: <http://www.brasilsemmiseria.gov.br/>. Acesso em: 20 agosto 2013.
BRASIL, M. Plano Brasil Maior: Inovar para competir. Competir para crescer. Brasil Maior, janeiro 2011. Disponivel em: <http://www.brasilmaior.mdic.gov.br/inicio>. Acesso em: 14 agosto 2013.
DAGNINO, R. Tecnologia social: ferramenta para construir outra. Campinas: IG/Unicamp, 2009.
DAGNINO, R.; THOMAS, H. Planejamento e Políticas Públicas de Inovação: em DIreção aum marco de referência Latino-Americano. Planejamento de Políticas Públicas, Brasília: IPEA, v. 23, 2001.
IPEA. IPEADATA Macroeconômico. Distrito Federal. 2013. Disponível em , acesso em 22 de agosto de 2013.
MOTA, L. A pesquisa na Rede Federal de Educação Profissional Científica e Tecnológica: uma análise da política pública. UFBA. Salvador, p. 320. 2013.
PEREIRA, L. C. A Rede Federal de Educação Tecnológica e o desenvolvimento local. Universidade Cândido Mendes. Campos de Goytacazes, p. 122. 2003.
SÁBATO, J. A.; BOTANA, N. La ciencia y la tecnología en el desarrollo futuro de
América Latina. In: SÁBATO, J. A. El pensamiento latinoamericano em la
problemática: ciencia,tecnología, desarrollo e dependencia. Buenos Aires: Paidós, 1975.
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