Simpósio Internacional sobre Interdisciplinaridade no Ensino,
na Pesquisa e na Extensão – Região Sul
A interdisciplinaridade como possibilidade no(s) campo(s) da mídia, educação e estética
Dra. Juliane Di Paula Queiroz Odinino1
(UNICAMP - [email protected])
Eixo temático: Teoria e Prática da Interdisciplinaridade
A escola básica há algum tempo vem atravessando uma crise de representação tendo em vista às
novas significações de seu papel na contemporaneidade. Nesta destacam-se os aspectos relacionados às
diferentes expectativas geracionais que assinalam a convivência entre, de um lado, adultos na posição de
formadores e, de outro lado, crianças e jovens, na condição de alunos. Nesse sentido, diversos estudos
sinalizam uma insatisfação dos(as) professores(as) que alegam que os(as) estudantes não tem interesse nem
a disciplina necessária para a aprendizagem enquanto esses(as) mesmos advogam que a escola não responde
mais aos anseios da sociedade atual (DAYRELL, 2010). Dentro dessa crise encontram-se as ambiguidades
entre dois mundos que tradicionalmente têm resolvido seus conflitos recorrendo à hierarquia dos saberes
própria da organização escolar. No campo cultural infanto-juvenil observa-se um universo povoado por
multitelas, cuja linguagem predominante é a do audiovisual, da tecnologia, da persuasão e da estética,
enquanto a escola ancora-se em pilares tais como a cultura letrada e os saberes disciplinares. Diante desse
desencontro, o pensamento interdisciplinar surge como forma de reconciliar tais expectativas, na medida em
que permite aliar os diversos campos de significados que estão implicados nessa relação, a saber: as culturas
midiáticas infanto-juvenis, as culturas escolares, as relações intergeracionais que marcam a convivência no
universo da escola, bem como as diversas categorias sociais que povoam as identidades desses sujeitos,
adultos, jovens e crianças, como gênero, raça, etnia, classe social, religião entre outros.
Na tentativa de compreender a forma como os diferentes conhecimentos se organizam no contexto
da educação, com ênfase na presença das culturas midiáticas, recorre-se a autores que tratam da questão da
interdisciplinaridade como forma de pensar e vincular rizomaticamente (DELEUZE & GUATTARI, 1995)
os muitos saberes que conferem sentido ao cotidiano escolar, levando em conta os universos infantis e
adultos e seus desdobramentos. Parte-se da compreensão da organização escolar exaltando seu papel
histórico-social enquanto espaço privilegiado de disseminação de conhecimentos, conjugando-os às novas
demandas que caracterizam as culturas midiáticas e tecnológicas. A partir daí ensaiam-se possibilidades
estratégicas de intervenção que levem em conta prioritariamente a compreensão da complexidade do
1 Socióloga formada pela UNICAMP e Doutora pelo Programa Interdisciplinar em Ciências Humanas, da UFSC.
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fenômeno social em jogo de forma que as mesmas sejam orientadas pela interdisciplinaridade como
possibilidade de promoção do reencontro e do diálogo entre esses diversos saberes.
A pertinência da escolha desse tema se faz pela necessidade de repensar o papel da educação básica
em nosso país, tendo em vista às demandas de um mundo marcado predominantemente pela cultura do
audiovisual, da urbanidade, da tecnologia, das novas sociabilidades, das novas formas de conceber o
trabalho. A proposta prevê uma reflexão no sentido de ensaiar possibilidades de intervenção que permitam
levar em considerações elementos relacionados às culturas audiovisuais infanto-juvenis aliados aos saberes
produzidos na escola a fim de pensar em inovadoras e criativas formas de atuação e produção de
conhecimentos que tenham o campo da estética como o eixo orientador.
A pesquisa tem como objetivo primordial problematizar o contexto cotidiano da escola básica a fim
de apreender de que forma os fenômenos culturais e, em especial, as culturas infantis e juvenis são ali
vivenciadas e incorporadas nos propostas pedagógicas, tendo em vista a inquietante presença das mídias.
Defende-se a hipótese de que todos esses elementos precisam articular-se no processo curricular. A partir de
uma abordagem interdisciplinar, propõe-se uma investigação-ação a ser realizada pelo corpo docente a partir
da discussão das implicações curriculares versus culturas infantis e juvenis, bem como demais profissionais
preferencialmente professores(as). De maneira geral, a análise procura inserir-se nos debates acerca do papel
da educação nos contextos atuais, o que nos leva a considerar a forma como se delineiam, na organização
dos saberes produzidos, as relações entre adultos e crianças/jovens. Desse modo, a investigação percorre o
complexo contexto contemporâneo, marcado por relações assimétricas de poder, sendo estas atravessadas
por incansáveis significantes culturais que por sua vez tensionam, deflagram e redefinem os
posicionamentos tanto dos sujeitos sociais quanto das instituições educacionais, anteriormente reconhecidas
como principal instância de transmissão de conhecimentos.
Nesse horizonte, compreende-se como um importante e primeiro passo a reunião de docentes de
diversas áreas a fim de problematizarem coletivamente currículo escolar e sua relação com os diferentes
saberes produzidos no na escola. É desejável que neste momento, seja incorporado o desafio de ouvir e
apreender os diferentes sujeitos que compõem o espaço cotidiano escolar. Para tanto, sugere-se a realização
de uma aproximação dos diferentes sujeitos envolvidos, inserindo-se nos liames do cotidiano, a partir do
método da observação participante (OLIVEIRA, 1998), não somente restringindo-se ao momento da sala de
aula. A atuação conjunta de educadores(as) em serviço permitirá o exercício de reflexão coletiva tanto sobre
as práticas pedagógicas quanto às demandas e adequações das mesmas, tendo por base a discussão sobre os
processos socializadores e a importância do papel das culturas infantis e juvenis nas configurações
identitárias desses grupos. A partir de então, será possível vislumbrar estratégias de atuação antenadas ao
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que foi percebido e problematizado, unidas pela busca de alternativas que deem conta das complexas
relações sociais e culturais que permeiam as culturas infanto-juvenis e incidem sobre suas expectativas em
relação às diferentes disciplinas escolares, muitas vezes desconectadas entre si e de suas realidades.
De olho nos encontros intersubjetivos propiciados no espaço escolar, será conferida uma atenção
especial à forma mesmo como as culturas infantis e juvenis são aí vivenciadas, na compreensão da escola
como lugar privilegiado para reunião e encontros infantis e juvenis na contemporaneidade (GIRARDELLO
& OROFINO, 2002). O conceito de cultura entendido como compartilhamento de significados é
considerado apropriado inclusive por dar conta da dimensão associativa, ao permitir situar no contexto
escolar os jogos de força incutidos nas relações entre adultos e crianças/jovens e desses entre si. Com a
atenção despertada para as relações entre currículo e cultura, o campo dos estudos culturais tem se
beneficiado muito da abordagem interdisciplinar na tentativa de compreender que além das relações de
classe coatuam categorias de gênero, raça, etnia, diferenças etárias entre outras.
Em decorrência, a reflexão de caráter interdisciplinar assenta-se sobre: 1) o papel hoje desempenhado
pela educação infantil, ensino fundamental e médio frente às demandas sociais, especialmente às
expectativas dos diferentes grupos que povoam tal cotidiano escolar; 2) a coparticipação de diversas
instâncias culturais como: os conteúdos midiáticos, as práticas pedagógicas, o papel das famílias, as
determinantes de classe, gênero, geração e etnia, entre outras, nas configurações identitárias de crianças e,
por sua vez, de adultos, tendo em vista suas implicações para a moldagem das identidades individuais
infantis e para o controle dos campos dos significados sociais, campo estratégico dos estudos de currículo
(GIROUX & SIMON, 2009) e 3) a possibilidade de pensar e elaborar ações voltadas ao princípio da
interdisciplinaridade como forma de constituir redes, trocas e coletividades junto aos diferentes sujeitos que
povoam o espaço escolar de forma a repensar seu papel, suas práticas, enfim seu currículo.
A investigação basicamente deverá se orientar em dois níveis que se interrelacionam: uma dimensão
macrossocial da situação política e institucional que envolve a educação básica hoje em nosso país e,
intrinsecamente associada à primeira, uma esfera microssocial atenta aos meandros e às relações
desencadeadas no cotidiano específico, onde são delineadas as identidades, sendo estas definidas pela
transitoriedade (HALL, 2000). A atenção às interações sociais cotidianas sobrepuja como princípio
norteador de compreensão para explicar os desencadeamentos sociais do sistema educacional (SIROTA,
1994). Para compreender as relações entre adultos e crianças/jovens, o conceito de socialização é
considerado apropriado na medida em que recupera os liames de reflexão sociológica: uma área de
investigação que explora as relações indissociáveis entre indivíduo e sociedade. Ao mesmo tempo, “ela
deixa de ser uma noção de integração explicitamente sociológica para ser vista de modo abrangente, como
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processo construído coletiva e individualmente e capaz de dar conta das diferentes maneiras de ser e estar no
mundo” (SETTON, 2011, p. 715). Ainda segundo a autora, o processo de socialização pode circunscrever
uma força heurística pela vantagem de agregar uma série de ações difusas, assistemáticas, não intencionais e
inconscientes. Sob este ponto de vista, diferentemente das concepções clássicas do processo de socialização
como a ação determinante da sociedade sobre o indivíduo, as tendências atuais do campo sociológico têm
colocado em evidência o caráter ativo e interativo dos sujeitos, adultos e crianças agentes deste processo.
Nas sociedades contemporâneas, complexas e altamente diferenciadas, de economia globalizada e cultura
mundializada, a socialização dos atores e especialmente das novas gerações deve ser compreendida,
conforme defende Lahire (2001) como o resultado de uma multiatitude de processos heterogêneos que se
desenvolvem em situações e condições materiais diversas, com princípios, modelos e conteúdos híbridos,
divergentes e contraditórios.
De olho nas culturas infanto-juvenis, cabe investigar a maneira como estas são vivenciadas na escola,
entendida enquanto campo privilegiado de profusão de conhecimentos. Assim, importa saber de que modo
tais saberes são incorporados na organização dos conhecimentos consolidados na educação básica. Tais
saberes são circunscritos pelo reconhecimento dos significados produzidos pela construção de formas de
poder, experiências e identidades que precisam ser analisadas em seu sentido político-cultural mais amplo
(GIROUX & SIMON, 2009, p. 97). Desse modo, ao vincular o contexto educacional da educação básica
com as culturas infantis e juvenis desdobram-se necessariamente questões relacionadas às formas de
organização do conhecimento escolar, o que nos aproxima da teoria crítica de currículo ou da Nova
Sociologia da Educação2. Enquanto artefato social e cultural (MOREIRA & SILVA, 2009, p. 7), os estudos
sobre o currículo trazem para o debate as relações de poder implicadas, o qual configura-se como área
contestada, uma arena política (idem, p. 21), além da possibilidade de se pensar interdisciplinarmente.
Nesse horizonte, caberá a todos(as) agentes envolvidos(as) um exercício de reflexividade sobre as
diferentes culturas e discursos que incidem sobre o processo de organização curricular, como destaca
Moreira (2004):
Cabe procurar desafiar o viés monocultural do currículo escolar,
desestabilizar a hegemonia da cultura ocidental no currículo, destacar o
2 No início da década de sessenta, na Europa, houve uma série de movimentos sociais em defesa dos direitos das mulheres, dos
negros e dos homossexuais de forma a influenciar amplamente nos encaminhamentos teóricos dos estudos sociológicos britânicos. Assim, os(as) sociólogos(as) desde então voltaram-se para o exame das relações entre conhecimento e ação a fim de atentar aos mecanismos de discriminação de cunho patriarcal e sexista. Neste horizonte, surge uma nova Sociologia da Educação tendo como marco a obra Knowledge and Control: New Directions for the Sociology of Education, organizada por Young (1971). Esta disciplina inscreveu-se no currículo de formação de professores(as), tendo como principal objeto de estudo o currículo escolar a partir de uma perspectiva crítica das relações de poder.
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caráter relacional e histórico do conhecimento escolar, questionar as
representações, as imagens e os interesses expressos em diferentes artefatos
culturais, buscando explicitar as relações de poder neles existentes. Nesse
enfoque, fazem-se desejáveis programas e currículo que favoreçam ao aluno
a crítica de seu ambiente cultural, a familiaridade com distintas formas de
expressão culturais, assim como, na medida do possível a produção desses
materiais (p. 69/70)
Diante dos novos desafios interpostos pela nova era tecnológica, onde as mídias desempenham um
importante papel na disseminação de conhecimentos e disponibilização de elementos identitários, cabe à
escola ressiginificar suas práticas de modo a acompanhar tais mudanças. Diante dos artefatos tecnológicos,
outras lógicas são colocadas em jogo, onde a persuasão, a força da imagética e a bricolagem ganham
expressão. Segundo Kensky (2012), a nova sociedade digital não visa excluir os modelos anteriores, mas
antes envolver numa mixagem os conteúdos das diversas redes disseminadoras de saberes, ressignificando
as memórias e os lugares sociais dos sujeitos.
Nesta alteram-se principalmente os procedimentos didáticos (...) É preciso
que o professor, antes de tudo, posicione-se não mais como detentor do
monopólio do saber mas como um parceiro, um pedagogo, no sentido
clássico do termo, que encaminhe e oriente o aluno diante das múltiplas
possibilidades e formas de alcançar o conhecimento e de se relacionar com
ele (p.46)
Nesta linha, torna-se bastante oportuno recuperar o papel histórico-social da educação básica,
sobretudo no que compete a história dos conhecimentos curriculares, a saber as disciplinas que
reconhecidamente compõem a grade escolar. Tal processo é conhecido como movimento de
institucionalização das disciplinas, tais processos são comumente marcados pela intermitência e
fragmentação, entretanto recuperá-los a partir da área de interesse permite situar e problematizar as
hierarquias estabelecidas na própria relação destas, a exemplo da valorização das ciências chamadas duras, a
matemática e a física, em detrimento das ciências humanas, a geografia e a história por exemplo. Essas
assimetrias estão presentes nas manifestações culturais escolares e acabam sendo reproduzidas sobretudo
pelo caráter conteúdista que a escola adquiriu principalmente pela função propedêutica, pré-vestibular.
Destacar essa dimensão não só é necessário, como essencial para ensaiar possibilidades de parcerias e ações
coletivas no espaço escolar a fim de poderem ser caracterizadas interdisciplinarmente.
Apesar dos estudos mais recentes do campo educacional que assentam sobre a categoria infância,
percebem-na prioritariamente através de sua dimensão histórico-cultural, a saber, a criança, enquanto sujeito
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de direitos garantidos inclusive na forma de leis, sobretudo pelo Estatuto da Criança e do Adolescente e a
LDBEN/1996. Na prática, o que se nota é que as manifestações e expressões culturais desses grupos
parecem tender a ser filtrados, organizados e sistematizados pelos adultos, segundo um esquema moral nem
sempre explicitado e problematizado aberta e suficientemente. Isso efetiva-se principalmente quando trata-se
das culturas das mídias, concebidas na maior parte das vezes como produto da sociedade de consumo e de
entretenimento, com pouco ou quase nenhum valor cultural. “As organizações que criaram este currículo
cultural não são educacionais, e sim comerciais, que operam não para o bem social mas para o ganho
individual” (STEINBERG & KINCHELOE, 2004, p. 15). Entretanto, justamente por esse fato bem como
pelo poder altamente persuasivo com que os conteúdos midiáticos dialogam e se dirigem às crianças e
adolescentes é que os mesmos devem ser tomados com seriedade e importância dentre os saberes que
circunscrevem o espaço do cotidiano escolar, constituindo objeto a ser analisado e problematizado
criticamente por adultos e crianças, de forma interdisciplinar.
Um exame da cultura infantil desestabiliza a noção de que as batalhas em
relação ao conhecimento, aos valores, ao poder e em relação ao que significa
ser um cidadão estão localizadas exclusivamente nas escolas ou nos locais
privilegiados da alta cultura; além disso, esse exame fornece um referente
teórico para ‘lembrar’ que as identidades individuais e coletivas das crianças
e dos(as) jovens são amplamente moldadas, política e pedagogicamente, na
cultura visual popular dos videogames, da televisão, do cinema e até mesmo
em locais de lazer como shopping centers e parque de diversão (GIROUX,
1995, p. 50)
É nossa responsabilidade parental, cívica e profissional estudar a influência das mídias e seus efeitos
políticos e culturais conforme defendem Steinberg e Kincheloe (2004), neste raciocínio os(as) autores(as)
afirmam: “temos de ativar nossa força pessoal e coletiva para impedir que as várias formas de influências de
grupos (conseguida pela mídia) nos oprimam e dominem”(p. 16). Para tanto, é preciso também realizar uma
exercício de reflexão coletiva sobre os lugares de legitimidade e de autoridade dos(as) “porta-vozes” do
conhecimento, o que implica revisitar os lugares da criança e do adulto, bem como seus diferentes papéis,
como pais, mães, comunidade, professores(as) entre outros, imbricados nas relações e nas ideologias que
atravessam o cotidiano escolar. A forma de organização do conhecimento em suas dimensões políticas, da
mais ampla relacionada às política públicas até consolidação de pressupostos que devem embasar a
construção de estratégias coletivas da instituição educativa, devem visar representar democraticamente os
interesses dos diferentes sujeitos, adultos, jovens e crianças, que a compõem. Daí a necessidade de tomá-las
sobre novos olhares, além das disciplinas que circunscrevem na maioria das vezes campos de
conhecimentos.
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A Universidade Pública pode ensaiar parcerias junto às instituições de educação básica, a partir de
seu caráter de pesquisa e extensão, o que ressalta o compromisso político e social da universidade com a
sociedade por meio da promoção de saberes. Seguindo a unânime visão do papel da instituição educacional
pública, levanta-se a bandeira do fomento da reflexão coletiva de acadêmicos(as) ao buscar resgatar a
pesquisa e a formação ética empregadas para elevar o patamar científico-cultural da sociedade brasileira. Ao
fazê-lo colabora para garantir o exercício da liberdade e da democracia nos diversos âmbitos da sociedade.
Chauí (2003) vai destacar esse caráter da universidade perante seu compromisso social, num esforço em
diferenciar o caráter institucional em oposição à idéia de organização social, de inspiração frankfurtiana, diz
a autora:
A instituição tem a sociedade como seu princípio e sua referência normativa
e valorativa, enquanto a organização tem apenas a si mesma como referência,
num processo de competição com outras que fixaram os mesmos objetivos
particulares. Em outras palavras, a instituição se percebe inserida na divisão
social e política e busca definir uma universalidade (imaginária ou desejável)
que lhe permita responder às contradições, impostas pela divisão. Ao
contrário, a organização pretende gerir seu espaço e tempo particulares
aceitando como dado bruto sua inserção num dos pólos da divisão social, e
seu alvo não é responder às contradições, e sim vencer a competição com
seus supostos iguais.(p. 6)
Desse ponto de vista, tem-se como preceito institucional ligado à organização da escola pública que
revoga justamente o caráter aquém das amarras de interesses políticos e/ou econômicos particulares, com
vistas a se constituir em um espaço de fomentação constante de debates democráticos, que tem como
consequência repensar suas práticas e saberes. Deste ângulo atentamos ao Projeto Político Pedagógico, sem
a pretensão de tomá-lo em seu sentido hermético, levando em conta aquilo que pontua a perspectiva da Nova
Sociologia da Educação. Esta atenta para a dimensão curricular pelo fato que sua efetividade só pode ser
localizada quando consolidada nas práticas vivenciadas no cotidiano, por isso fundamental campo de
possibilidades. Nosso objetivo não consiste em aprofundar a discussão acerca do papel e da importância do
PPP enquanto esquema conceitual que garante a necessária identidade da instituição, importa aqui conferir
os princípios norteadores tidos como característicos e inerentes às ações pedagógicas desencadeadas no
contexto educacional em questão, ainda que de um ponto de vista inicial. Sobre o papel do PPP, a partir de
um enfoque de caráter emancipador compreende-se que seu papel implica:
Cada grupo tomado na reflexão sobre suas práticas deverá eleger, do aporte
teórico que assumiu como verdadeiro para orientar a ação educativa, os
elementos que concomitantemente iluminam a reflexão e são enriquecidos
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por ela, tecendo a intrínseca relação teoria e prática. (SANTIAGO, 2001, p.
156)
De algumas experiências junto aos três níveis da educação básica, pude esboçar abaixo algumas
inquietações, as quais podem ser utilizadas como hipóteses iniciais. 1) Apesar do discurso pedagógico girar
em torno do(a) aluno(a) como fonte norteadora e inspiradora da ação pedagógica, entendida por seu caráter
ativo e como sujeito produtor de cultura, há uma imensa dificuldade em adentrar nos universos culturais
infantis e juvenis; 2) No geral, podemos afirmar que as práticas pedagógicas tendem a mostrarem-se
predominantemente centradas no protagonismo adulto, alvo das preocupações dos(as) profissionais da
educação; 3) É comum observarmos uma recorrente separação entre a que podemos chamar de cultura
adulta e cultura infantil ou juvenil, estas últimas amplamente vivenciada nos tempos-espaço tidos como
“livres”; 4) Aparentemente esses momentos livres constituem-se como oportunidade em que as crianças e os
jovens podem exercer plenamente suas identidades e suas culturas de pares, estas marcadamente povoadas
pela presença dos conteúdos midiáticos, em especial, os desenhos animados vistos na televisão e
personagens de games para os(as) mais jovens; 5) A partir das culturas infantis e juvenis é possível observar
um segundo desdobramento entre o universo feminino, onde vigoram personagens de novelas, além de
princesas, bonecas, maquiagens e acessórios da moda separado de um outro universo masculino, com super-
heróis, bolas, jogos eletrônicos e brinquedos de carros; 6) Tais culturas infantis de maneira geral são vistas
pelos adultos, pais e profissionais, como provenientes da indústria cultural, cujos efeitos mercadológicos de
incentivo ao consumo devem ser dosados no interior da escola; 7) A escola é vista hegemonicamente como
um local que visa promover e agregar repertórios artísticos e culturais junto às crianças e adolescentes, tendo
em vista que fora dali eles já convivem com um bombardeio de elementos do universo do consumo, tais
como produtos de desenhos animados, que devem ser evitados no ambiente escolar; 8) Em decorrência, os
elementos midiáticos que constituem as identidades infantis e juvenis se prestam como importantes
elementos para o reconhecimento entre os pares, ou seja, para a socialização, são na grande parte das vezes
abnegados, silenciados e repudiados pelos adultos das instituições; 9) Em relação à participação dos pais,
mães e famílias, estas estabelecem mais uma relação do tipo coadjuvantes, por mais que sejam
convidados(as) a exercerem uma participação mais intensiva nas ações pedagógicas, por outro lado tendem a
estabelecer frutíferos vínculos sociais com as famílias dos(as) colegas de turmas de seus filhos e filhas, e por
fim; 10) As ações exercidas na escola encontram nos termos das relações de poder, uma certa autoridade na
figura dos(as) professores(as), legitimados(as) prioritariamente pelos seus conhecimentos de área, numa
visão reduzida da pedagogia enquanto campo científico, através dos quais estudantes e famílias recorrem na
busca de respostas para seus anseios relacionados principalmente ao trato infantil.
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Finalmente, tais percepções poderão servir de mote para lançar alternativas na busca de
encaminhamentos criativos, atentos e criteriosos que busquem compreender as práticas sociais cotidianas.
Tais ações utilizam e dialetizam um certo número de conceitos oriundos das abordagens interpretativas, tais
como situação, negociação, rotina, estratégia, agência, currículo oculto e real, assim como os conceitos que
permeiam o papel institucional da escola básica. A presente análise caracteriza-se pela reconceitualização do
microssociológico articulado ao macrossociológico e visa ser desenvolvida a partir do fomento de uma
conjunto de reflexões junto aos inúmeros sujeitos envolvidos. O sentido é o de adentrar a caixa preta,
conforme defende Sirota (1994)
embora não haja um modo único de abordagem etnográfica da sala de aula, a
pluralidade dos paradigmas propostos deixa em aberto o problema de sua
combinação. A reorganização deste quebra-cabeças que é a sala de aula não
pode se contentar com uma simples acumulação de descrições ou com
justaposições de paradigmas, simplesmente adicionados(p. 36)
No ambiente escolar os sujeitos encontram condições de forjar um sistema de referência, ainda que
fragmentado e fluido que mescla as influências culturais e o caráter institucional. Os(as) estudantes, na
condição de pesquisadores(as) junto aos (às) demais professores(as) buscariam examinar como opera e em
que consiste esse sistema, ainda que fluido e fragmentado, tendo em vista extrair elementos para elucidar as
práticas culturais desencadeadas neste contexto. Para alcançar esse objetivo, é imprescindível aliar encontros
de discussão entre diferentes profissionais da educação e reflexão sobre a prática de pesquisa, sobre a
condição e organização dos diferentes conhecimentos curriculares e disciplinares, em prol de outras formas
de conceber os diferentes saberes que não apenas estes. De preferência que estes encontros possam contar
com a participação do maior número possível de profissionais e demais envolvidos como famílias, crianças,
jovens e interessados(as), a fim de consolidar parcerias e evitar situações que incitem a separação entre o
objeto analisado e os pesquisadores(as), num esforço de agregar os(as) envolvidos(as) para que possam se
compreender como parte desta empreitada.
Algumas frentes de pesquisa poderiam ser definidas, a partir das hipóteses já levantadas como os
processos socializadores ligados às culturas infantis e juvenis e à influência das mídias, à relação entre
adultos e crianças, às configurações de gênero, raça ou etnia, à participação das famílias, ao papel
institucional, aos fundamentos que norteiam as propostas pedagógicas, aos discursos e às práticas de
autoridade e legitimidade, entre outros. Destaca-se o caráter interdisciplinar que permeia tais indagações, daí
a importância de poder contar com profissionais de diversas áreas, porém unidos(as) pelo propósito de
desvelar a complexidade do social cujo alicerce fundamental solidifica-se na compreensão das formas de
organização curricular presentes no espaço escolar.
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Com a atenção recaída às culturas infanto-juvenis, todo empenho dirige-se ao questionamento dos
conhecidos entretenimentos para crianças que sejam manipulativos e racistas, sexistas e dirigidos a uma
determinada classe, com vistas a estabelecimento de um padrão de consumo (STEINBERG &
KINCHELOE, 2004, p. 19). Já em campo, como estratégia de análise, cumpre conhecer e mapear os
referenciais midiáticos de interesse das crianças e adolescentes num primeiro momento. O próximo passo
consiste em estudá-los, o que implica apreendê-los e conhecer suas linhas de influência: produtos, games e
demais brinquedos acessíveis a esses grupos.
De posse destas importantes informações, será possível vislumbrar coletivamente a sistematização de
uma prática de pesquisa antenada aos fenômenos sociais, por via do trato dialético e da postura vigilante de
reflexividade, os quais permeiam as comprometidas ações e teorias pedagógicas, podendo ser compartilhada
pelos diferentes atores e agentes envolvidos, eis o desafio transposto. A interdisciplinaridade exige atitude
para que saia da visão fragmentada e do isolamento para uma visão globalizante e complexa, por isso precisa
passar por uma reflexão profunda. (MORIN, 2005)
Assim, será possível pensar em planos de ação orientados por uma perspectiva que vise escancarar os
interesses por trás da produção e disseminação desses conteúdos, as visões estereotipadas, os valores
difundidos em suas mensagens e seu caráter predominantemente comercial. Tais reflexões só serão possíveis
graças ao desenvolvimento de estratégias comunicativas oportunizadas pelas aproximações dos atores
envolvidos, pensadas criativamente a partir do desenvolvimento de meios que perpassam as barreiras das
diferenças linguísticas e letradas, sobretudo tratando-se de crianças e jovens (MARTIN-BARBERO, 2011).
Neste sentido, a pesquisa deve orientar-se por este espírito fundamental, levando a cabo a
possibilidade de promoção e fomento de esforços com vistas a compreender e revisitar de maneira criativa,
séria e original novos rumos pedagógicos e políticos.
Da multiplicidade de esforços, de antagonismos e de resistência podem
resultar, então, formas originais e distintas de protesto e coesão, o que
contribui para a complexidade e a riqueza que fundamentam o programa de
uma democracia radical (MOREIRA & MACEDO, 2002, p. 28)
O encontro entre os sujeitos interessados, crianças, jovens e adultos que desempenham os mais
diferentes papéis, permite conhecer melhor suas realidades sociais e cultural no sentido de questionar e rever
seus papéis a fim de realizar um movimento de desnaturalização das determinações sociais em jogo e abrir-
se para o novo, para o além-fronteiras disciplinares, para novas formas de conhecimentos e vivências, onde
todos(as) reconheçam-se e sintam-se parte, adultos, jovens e crianças. O olhar deve ser integrador e
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contextualizador dessas múltiplas realidades, de modo que estas possam minimamente dialogar entre si e
usufruírem da reflexidade e do exercício da alteridade.
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