OTON MAGNO SANTANA DOS SANTOS
A LITERATURA E A ESCOLA: UM ESTUDO SOBRE
OS MODELOS DE EDUCAÇÃO LITERÁRIA DO
ENSINO MÉDIO EM ESCOLAS PÚBLICAS DE
SALVADOR (BA)
CAMPINAS
2017
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS
FACULDADE DE EDUCAÇÃO
OTON MAGNO SANTANA DOS SANTOS
A LITERATURA E A ESCOLA: UM ESTUDO SOBRE
OS MODELOS DE EDUCAÇÃO LITERÁRIA DO
ENSINO MÉDIO EM ESCOLAS PÚBLICAS DE
SALVADOR (BA)
Tese de Doutorado apresentada ao
Programa de Pós- Graduação em
Educação da Faculdade de Educação da
Universidade Estadual de Campinas para
obtenção do título de Doutor em
Educação, na área de concentração de
Educação, Conhecimento, Linguagem e
Arte.
Supervisor/Orientador: Dr. Ezequiel Theodoro da Silva
O ARQUIVO DIGITAL CORRESPONDE À VERSÃO
FINAL DA TESE DEFENDIDA PELO ALUNO OTON
MAGNO SANTANA DOS SANTOS, E ORIENTADA PELO
PROF. DR. EZEQUIEL THEODORO DA SILVA
CAMPINAS
2017
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS
FACULDADE DE EDUCAÇÃO
TESE DE DOUTORADO
A LITERATURA E A ESCOLA: UM ESTUDO SOBRE
OS MODELOS DE EDUCAÇÃO LITERÁRIA DO
ENSINO MÉDIO EM ESCOLAS PÚBLICAS DE
SALVADOR (BA)
Autor: Oton Magno Santana dos Santos
COMISSÃO JULGADORA:
Prof. Dr. Ezequiel Theodoro da Silva
Profa. Dra. Heloísa Andreia de Matos Lins
Profa. Dra. Norma Sandra de Almeida Ferreira
Prof. Dr. André Luis Mitidieri Pereira
Prof. Dr. Natanael Reis Bomfim
A Ata da Defesa assinada pelos membros da Comissão Examinadora, consta no processo de vida acadêmica do aluno.
2017
Dedico este trabalho aos professores da educação
básica brasileira e à memória da professora e
pesquisadora Arlete Vieira da Silva.
AGRADECIMENTOS
Ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Faculdade de Educação da UNICAMP,
porque considerou possíveis os estudos desta tese, desde o processo de seleção até a entrega
do trabalho concluído.
Aos professores do programa Lílian Lopes Martin da Silva, Sérgio Antônuo da Silva Leite,
Heloísa Andréia de Matos Lins, Roberto Akira Goto, André Paulilo, que muito contribuíram
para que esta tese pudesse ser defendida.
Ao meu orientador, Ezequiel Theodoro da Silva, pelo incentivo e pelo empenho em me
auxiliar na feitura deste trabalho.
Aos membros da minha banca de qualificação, professora Norma Sandra Almeida Ferreira e
professor Natanael Reis Bomfim pelo cuidado com que leram o meu texto, pelas
considerações, recomendações e contribuições para a finalização desse trabalho.
Aos professores André Mitidiéri, Natanael Bomfim, Lílian da Silva e Norma Ferreira, pelas
contribuições ao trabalho final desta tese.
Aos colegas, pelo auxílio nas tarefas desenvolvidas durante o curso. Em especial, à Ana
Carolina, Ana Cláudia, Fabiana, Janaína, e Sônia, pelas interlocuções praticadas durante o
curso.
Aos funcionários da Secretaria da pós-graduação da Faculdade de Educação, pelo suporte e
pela solicitude nos momentos em que precisei do auxílio daquele órgão.
Aos funcionários da Biblioteca da Faculdade de Educação, pelo suporte nos momentos em
que precisei acessar aquele setor.
À UNEB, por investir na minha qualificação docente.
Aos meus colegas professores da UNEB, Daniela Galdino, Renailda Cazumbá, Wilson Santos
e Júnior Rosa, pelas leituras e contribuições no meu projeto de tese e nos demais textos.
À Patrícia Pina, pelas contribuições ao meu papel como professor e pesquisador.
À Gheu, pelas correções ortográficas e de ABNT realizadas no meu trabalho.
Aos funcionários da UNEB pelo suporte nos momentos necessários.
Aos gestores e coordenadoras pedagógicas das escolas participantes desta tese, pela paciência
em me atender e por terem autorizado a realização da pesquisa em suas escolas.
Às professoras e aos estudantes das escolas que investiguei, pela disponibilidade em aceitar
colaborar com este estudo.
Aos funcionários das bibliotecas, das secretarias e das portarias das escolas participantes da
pesquisa, pelo auxílio em viabilizar o meu acesso àquelas instituições.
A Fabio Serra, pelo apoio incondicional.
Aos meus amigos que tanto ouviram meus desabafos e me apoiaram nos momentos mais
difíceis. Agradecimento especial aos amigos Marcos, Wagner, Mateus, Rogério, Alessander,
Eci Marcelo, Ricardo, Jefferson, Roberto Lucas, Luiz Márcio, Bruno, João Neto, Beto
Matheus, Márcia, Wellington, Rui, Rafael Leite, Claudinha, Gil e Flor, pelo apoio irrestrito
dispensado a mim.
Aos meus pais e irmãos.
A todos, muito obrigado.
RESUMO
O presente trabalho apresenta os resultados da investigação sobre modelos de educação
literária praticados em escolas públicas estaduais de Salvador (BA). Como referencial teórico,
a pesquisa utilizou a História Cultural, a partir dos conceitos de representação e apropriação
propostos por Roger Chartier, tendo como suporte estudos relacionados à literatura, ao livro
didático e à educação literária, especialmente através das pesquisas de autores como Marisa
Lajolo, Regina Zilberman, Bárbara Freitag, Márcia Abreu, Antônio Gomes Batista, Ezequiel
Theodoro da Silva, Roxane Rojo, Maria José Coracini, Rildo Cosson, Célia Cassiano e Cyana
Lahy-Dios, entre outros. A questão que norteia esta tese rege a proposta de investigação
sobre: Como os conteúdos das representações presentes no contexto de escolas públicas de
Salvador (BA) sugerem formas de apropriação do texto literário a partir de um modelo de
educação literária junto a professores e estudantes do ensino médio? Para chegar às possíveis
soluções, o suporte metodológico aplicado foi a pesquisa etnográfica realizada em duas
escolas públicas estaduais da capital baiana. O corpus do trabalho compreendeu, além de três
capítulos teóricos que tratam das temáticas acima mencionadas, a realização de uma coleta de
dados através da análise e interpretação do Projeto político pedagógico de cada instituição,
dos planos curriculares da disciplina Língua Portuguesa, da observação de aulas e das
entrevistas com quinze estudantes e quatro professoras do ensino médio das duas escolas
inseridas no processo investigativo. Como resultado, a pesquisa apurou a existência de três
modelos de educação literária coexistentes nas duas escolas investigadas. Dentre os modelos,
o que mais se destacou foi o historiográfico-literário, calcado na periodização da literatura,
através da identificação com a Historiografia literária brasileira e com as propostas
apresentadas no livro didático de literatura e nos documentos escolares, cuja finalidade visava
a aprovação dos estudantes nos exames, a partir da memorização dos conteúdos. Por outro
lado, também foram registrados o modelo de concepção pedagógico-literária verificado a
partir das práticas docentes e o modelo concebido de educação literária resultante das
escolhas e dos gostos dos estudantes em relação à leitura literária. Com base nos resultados
apresentados, procedeu-se às considerações do pesquisador sobre o trabalho realizado.
Palavras-chave: Educação Literária. Livro didático. Representação. Apropriação. Ensino
médio.
ABSTRACT
This study presents the results of research on models of literary education practiced in state
public schools of Salvador (BA). As a theoretical reference, the research used the Cultural
History, based on the concepts of representation and appropriation proposed by Roger
Chartier, supported by studies related to literature, textbooks and literary education, especially
through the research of authors such as Marisa Lajolo, Regina Zilberman, Barbara Freitag,
Márcia Abreu, Antônio Gomes Batista, Ezequiel Theodoro da Silva, Roxane Rojo, Maria José
Coracini, Rildo Cosson, Célia Cassiano and Cyana Lahy-Dios, among others. The question
that guides this thesis rules the research proposal on: How the contents of representations
present in the context of public schools in Salvador (BA) suggest ways of appropriating the
literary text from a model of literary education with teachers and students of the high school?
To reach the possible solutions, the methodological support applied was the ethnographic
research carried out in two state public schools in in the state capital of Bahia. In addition to
three theoretical chapters dealing with the themes mentioned above, the corpus of the study
included the collection of data through the analysis and interpretation of the pedagogical
political project of each institution, the curriculum plans of the Portuguese language course,
the observation of classes and interviews with fifteen students and four high school teachers
from the two schools involved in the investigative process. As a result, the research found
three models of literary education coexisting in the two schools investigated. Among the
models, the historiographical-literary, based on the periodization of literature, through the
identification with the Brazilian Literary Historiography and with the proposals presented in
the didactic book of literature and in the school documents, whose purpose was the approval
of the Students in the exams, from the memorization of the contents. On the other hand, the
model of pedagogical-literary conception verified from the teaching practices and the
conceived model of literary education resulting from the students' choices and tastes in
relation to the literary reading were also registered. Based on the results presented, the
researcher considered the investigation done.
Keywords: Literary Education. Textbook. Representation. Appropriation. High School.
LISTA DE SIGLAS
ABRALE - Associação brasileira de autores de livros educativos
ABRALIC - Associação Brasileira de Leitura Comparada
ABRELIVROS - Associação Brasileira dos Editores de Livros
ABT – Associação Brasileira de Tecnologia Educacional
AC – Atividade de Classe
ALB - Associação de Leitura do Brasil
CEALE - Centro de Alfabetização, Leitura e Escrita
CNLD – Comissão Nacional do Livro Didático
CNPQ – Conselho Nacional de Pesquisa (Atualmente, Conselho Nacional de
Desenvolvimento Científico e tecnológico)
CNS – Conselho Nacional de Saúde
COLTED - Comissão do Livro Técnico e do Livro Didático
ECT – Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos
ENEM - Exame Nacional do Ensino Médio
FAE - Fundação de Assistência ao Estudante
FNDE – Fundo Nacional do Desenvolvimento da Educação
IHGB - Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro
INEP – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira
INL – Instituto Nacional do Livro
IPT – Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo
LD – Livro Didático
LDB – Lei de Diretrizes e Bases
MEC – Ministério de Educação
MS – Ministério da Saúde
ONU - Organização das Nações Unidas
PCN – Parâmetros Curriculares Nacionais
PDS - Partido Democrático Social
PET - Programa Educação para Todos
PISA - Programa Internacional de Avaliação de Estudantes
PLI - Programa do Livro
PLIDEF - Programa do Livro Didático para o Ensino Fundamental
PMDB - Partido do Movimento Democrático
PNLA - Programa Nacional do Livro Didático para a Alfabetização de Jovens e Adultos
PNLD – Programa Nacional do Livro Didático
PNLD EJA - Programa Nacional do Livro Didático para a Educação de Jovens e Adultos
PNLEM – Programa Nacional do Livro para o Ensino Médio
PNUD - Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
PPP – Projeto Político Pedagógico
PRORED - Núcleo de Apoio à Utilização do Recurso Didático
PUC – Pontifícia Universidade Católica (São Paulo)
SAEB - Sistema de Avaliação da Educação Básica
SEB – Secretaria de Educação Básica
SNEL- Sindicato Nacional dos Editores de Livros
TCLE – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais)
UFPE (Universidade Federal de Pernambuco)
UNB – Universidade de Brasília
UNEB – Universidade do Estado da Bahia
UNESCO - Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura
UNICAMP – Universidade Estadual de Campinas
UNICEF - Fundo das Nações Unidas para a Infância
URCAMP - Universidade da Região de Campanha
USAID - Agência Norte-Americana para o Desenvolvimento Internacional
USP – Universidade de São Paulo
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 - Representação do conceito de Educação e cidadania ....................................................... 159
Quadro 2 – Representação do conceito de Prática educativa/pedagógica: .......................................... 160
Quadro 3 – Representação do processo de ensino-aprendizagem e o papel do professor ................... 161
Quadro 4 – Representação de Currículo ............................................................................................. 162
Quadro 5 – Plano de curso da professora Cleusa Regina ................................................................... 165
Quadro 6 – Plano de curso da professora Maria Cecília ..................................................................... 166
Quadro 7 – Plano de curso da professora Hilda .................................................................................. 169
Quadro 8 – Plano de curso da professora Betina ............................................................................... 171
Quadro 9 – Usos do livro didático ...................................................................................................... 181
Quadro 10 – Processo de ensino-aprendizagem ................................................................................. 184
Quadro 11 – Visões da literatura ........................................................................................................ 192
Quadro 12 – Conceito de literatura segundo as professoras. .............................................................. 199
Quadro 13 – Definição de “leitura literária” pelas professoras ........................................................... 202
Quadro 14 – Professoras avaliam a leitura literária pelo livro didático .............................................. 204
Quadro 15 – A leitura literária como instrumento de socialização na visão das professoras
entrevistadas ....................................................................................................................................... 205
Quadro 16 – O papel do livro didático nas aulas de literatura das professoras entrevistadas.............. 208
Quadro 17 – A prática de leitura e os suportes utilizados pelas docentes em suas salas de aula ......... 210
Quadro 18 – Professoras analisam o ensino de literatura através da sua prática docente.................... 212
Quadro 19 – Professoras avaliam a prática de leitura literária em suas escolas .................................. 214
Quadro 20 – O conceito de leitura na visão dos estudantes ................................................................ 223
Quadro 21 – O conceito de literatura segundo os alunos .................................................................... 225
Quadro 22 – Estudantes avaliam o papel do livro didático no seu processo de ensino-aprendizagem 227
Quadro 23 – A prática de leitura nas escolas segundo os estudantes entrevistados ............................ 229
Quadro 24 – Grau de satisfação dos estudantes em relação às aulas de literatura .............................. 232
Quadro 25 – Estudantes revelam como se preparam para participar das aulas e para responder às
atividades propostas ........................................................................................................................... 235
SUMÁRIO
I – INTRODUÇÃO .............................................................................................................................. 15
1.1 Contextualizando a pesquisa ...................................................................................................... 15
1.2 Estado da Arte ............................................................................................................................ 16
1.3 Justificando a pesquisa ............................................................................................................... 21
1.4. Construindo o texto ................................................................................................................... 24
II – A ARTE LITERÁRIA – Sua circulação e sua fruição ................................................................... 31
2.1. Era uma vez... a literatura .......................................................................................................... 31
2.2. Conceitos, teorias e histórias: uma reflexão .............................................................................. 37
2.3. A literatura brasileira: identidade nacional, crítica e historiografia ........................................... 46
III – O LIVRO DIDÁTICO COMO OBJETO DA HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA...... 58
3.1. O livro didático em debate: a pesquisa crítica ........................................................................... 58
3.2. O livro didático: conceitos e discussões .................................................................................... 75
3.3 O Programa Nacional do Livro Didático: seu histórico, suas fases e seus documentos
legitimadores .................................................................................................................................... 79
3.4. O Programa Nacional do Livro Didático: as políticas públicas ................................................. 85
IV – A EDUCAÇÃO LITERÁRIA BRASILEIRA – Seus modelos e suas implicações ...................... 93
4.1. Conceitos e discussões .............................................................................................................. 93
4.2. Letramento literário e livro didático ........................................................................................ 102
4.3. A Literatura do Livro Didático ................................................................................................ 110
V – METODOLOGIA ....................................................................................................................... 123
5.1. Construindo a pesquisa ............................................................................................................ 123
5.2. A construção da metodologia .................................................................................................. 124
5.2.1. A opção pela pesquisa etnográfica .................................................................................... 124
5.2.2. A aplicabilidade da revisão de literatura ........................................................................... 125
5.3. Delineamento da pesquisa ....................................................................................................... 126
5.3.1. Seleção das escolas ........................................................................................................... 126
5.3.2. Amostragem ..................................................................................................................... 127
5.4. O trabalho de campo ............................................................................................................... 128
5.5. Coleta de dados ....................................................................................................................... 130
5.5.1. Observação ...................................................................................................................... 130
5.5.2. A Pesquisa documental ..................................................................................................... 134
5.5.3. Entrevista.......................................................................................................................... 135
5.6. Análise e interpretação dos dados............................................................................................ 138
5.6.1. Estabelecimento das categorias ........................................................................................ 139
5.6.2. Análise dos dados ............................................................................................................. 143
5.6.3. Interpretação dos dados .................................................................................................... 144
VI – ANÁLISE DESCRITIVA E INTERPRETATIVA DOS DADOS A PARTIR DOS
DOCUMENTOS ESCOLARES, DAS OBSERVAÇÕES SIMPLES E DAS ENTREVISTAS ........ 145
6.1. Perfil das escolas ..................................................................................................................... 145
6.2. O projeto político-pedagógico ................................................................................................. 150
6.2.1. Descrevendo os dados do PPP da Escola Heurisgleides Ferreira ...................................... 151
6.2.2. Descrevendo os dados do PPP da Escola Renailda Sousa ................................................ 154
6.2.3. Análise e interpretação dos dados dos PPP das escolas .................................................... 159
6.3. Os Planos curriculares de disciplinas....................................................................................... 163
6.4. A Observação simples ............................................................................................................. 175
6.4.1. Observando as aulas ......................................................................................................... 176
6.5. A entrevista ............................................................................................................................. 195
6.5.1. Entrevistando as professoras............................................................................................. 196
6.5.2. Entrevistando os alunos .................................................................................................... 217
6.6. Aproximação dos dados ...................................................................................................... 237
VII – RESULTADOS E DISCUSSÕES ............................................................................................ 256
7.1 Minha relação com a educação literária ................................................................................... 256
7.2. Discutindo os resultados .......................................................................................................... 257
7.2.1. Os modelos de educação literária revelados pela pesquisa ............................................... 257
7.2.1.1. O modelo de educação literária historiográfico-literário ................................................ 258
7.2.1.2. O modelo de educação literária de concepção pedagógico-literária ............................... 261
7.2.1.2. O modelo concebido de educação literária .................................................................... 265
7.3. Respondendo ao problema de pesquisa ................................................................................... 268
VIII – CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................................. 274
8.1. Reflexões ................................................................................................................................. 274
8.2. Implicações ............................................................................................................................. 279
8.3. Desdobramentos ...................................................................................................................... 282
REFERÊNCIAS ................................................................................................................................. 285
Anexos ............................................................................................................................................... 292
15
I – INTRODUÇÃO
1.1 Contextualizando a pesquisa
A escola, como instituição social, política e pedagógica, através da adoção do livro
didático, institucionaliza o ensino de literatura canônica, referendando suas práticas, sobretudo
no que diz respeito ao tratamento da obra literária. Dessa forma, os professores, e não apenas
os alunos, podem ser seduzidos pelos elementos que compõem o livro didático adotado por
uma determinada instituição.
A partir da minha experiência como docente da educação básica, pude perceber que o
livro didático se configura como um poderoso instrumento de controle não apenas
pedagógico, mas social, pois ele institui modelos de apropriação de leitura e postura cidadã.
No que diz respeito à literatura, destaco o livro do ensino médio, legitimado pelo PNLEM
(Programa Nacional do Livro para o Ensino Médio). Os escritores presentes nos manuais são
sempre os canônicos, o que já indica uma institucionalização da literatura que se quer legítima
para os brasileiros. E desses autores, algumas obras também já foram consagradas pelos
“autores” do livro didático: políticas educacionais, editoras, escritores dos LD, escolas e, por
fim, professores, pais e alunos, pois todos eles, de algum modo, comportam-se, em algum
momento, como “construtores” dos saberes presentes nos manuais didáticos.
Por sua vez, os textos de autores canônicos selecionados para os LD apresentam uma
concepção de leitura literária que não vai além de posturas previsíveis e permitidas por um
modelo instituído de educação literária. Como exemplo, destaco o escritor Machado de Assis.
Pela disposição do autor nos LD, o leitor formado pela escola – não somente o aluno, mas o
professor também – conhece um outro Machado de Assis, que não aquele que o leitor
conheceria caso se apropriasse de outras obras, além dos fragmentos constantes nos manuais.
Isso quer dizer que o LD constrói uma representação de um escritor: o Machado de Assis que
escreveu os romances Memórias Póstumas de Brás Cubas, Dom Casmurro, Quincas Borba e
os contos “A cartomante”, “Missa do galo”, “O alienista”, dentre outros. E dessas leituras, o
leitor se apropria apenas do permitido. Ou seja, o leitor objeto de uma escolarização
inadequada, em geral, sabe o básico dos autores canônicos que estão no LD: quem foram, o
que escreveram, quando escreveram, a que escola literária pertencem e do que tratam suas
principais obras segundo os “autores” do LD já mencionados.
16
Segundo Magda Soares, “o termo escolarização é, em geral, tomado em sentido
pejorativo, depreciativo, quando utilizado em relação a conhecimentos, saberes, produções
culturais [...] há conotação pejorativa em ‘escolarização do conhecimento’ ou ‘da arte’, ou ‘da
literatura’” (SOARES, 2006, p. 20). Desse modo, critica-se não a escolarização da literatura,
mas a inadequada escolarização que se faz da literatura, entendida por Soares a partir de “[...]
deturpação, falsificação, distorção como resultado de uma pedagogização ou uma didatização
mal compreendidas que, ao transformar o literário em escolar, desfigura-o, desvirtua-o,
falseia-o” (SOARES, 2006. p. 22).
Como principal suporte do trabalho docente nas escolas públicas brasileiras, o livro
didático oferece o caminho mais fácil para essa inadequada escolarização da literatura,
conforme o modo como o conteúdo de literatura é apresentado aos seus usuários/leitores. Por
mais que o manual didático indique formas de manuseio do LD e, em alguns casos, explicite
que ele é apenas um suporte ao trabalho docente, entendemos que isso não é suficiente, pois o
professor é também fruto desse processo e tende a repetir tais ações na sua prática docente.
Por essas reflexões, observamos que há um mundo de leitura fora da escola e
desconhecido por ela. Curiosamente, são as mídias televisivas, fílmicas, digitais, indicações
de amigos ou de familiares, dentre outras que acabam prestando algum serviço que extrapola a
leitura escolarizada. Por exemplo, a exibição de filmes ou novelas adaptados a partir de um
texto literário provoca uma gama de espectadores a buscarem a obra fonte, assim como as
séries infanto-juvenis baseadas em best-sellers também o fazem. Enquanto isso, na escola, o
livro didático é o principal suporte revelador da literatura. Assim, é possível perceber a
existência de grupos formados nas escolas mas com representações diferentes sobre os
mundos literários dos quais se apropriam.
1.2 Estado da Arte
A realização desse trabalho gerou, além da já descrita importância para a atuação deste
pesquisador, a necessidade de se estabelecer um diálogo com outras pesquisas que também
partiram da temática Educação literária. Para isso, verifiquei no portal Sucupira da Capes com
quais teses e dissertações, realizadas nos últimos cinco anos, poderia edificar as conexões que
pretendia. No primeiro acesso, verifiquei que não poderia manter o recorte de cinco anos, pois
os trabalhos defendidos antes de 2013 não estavam disponibilizados para consulta. Assim,
17
entrei em contato com a Capes (conforme orientação no próprio portal), solicitando acesso aos
trabalhos cujos títulos se aproximavam da minha tese e recebi a seguinte resposta: “Prezado,
Segue, em anexo, relatórios com teses e dissertações retiradas do Banco de Teses de acordo
com filtros solicitados. Os relatórios estão separados de acordo com o período: filtro de 2011
a 2012; filtro de 2013 a 2016”. Percebi que não entenderam o que eu havia solicitado e repeti
a solicitação, sendo mais explícito do que antes. Recebi a mesma resposta enviada
anteriormente. Assim, desisti do filtro dos últimos cinco anos e realizei a busca dentre os
títulos disponibilizados.
Começando pelas dissertações, destaco o trabalho de Eislher Alves Ferreira Neves,
intitulado No labirinto das raízes: história do ensino de literatura em Mato Grosso do Sul
(1977-2008), defendido em 12/06/2013, no Programa de Pós-graduação em Educação da
Universidade Estadual do Mato Grosso do Sul (Paranaíba). Trata-se de um estudo sobre o
ensino de literatura em escolas de nível médio no Mato Grosso do Sul a partir de documentos
que oficializaram o referido ensino naquele estado no período destacado no título. Os
documentos pesquisados foram: Diretrizes Gerais para o Ensino de 2º Grau do Estado de
Mato Grosso do Sul, de 1989, Diretrizes Curriculares, de 1992, Referencial Curricular para
o Ensino Médio de Mato Grosso do Sul, de 2004, e Referencial Curricular da Educação
Básica da Rede Estadual de Ensino/MS – Ensino Médio, de 2008. Com esse trabalho, a autora
buscou compreender qual era o espaço designado à literatura nas escolas estaduais do Mato
Grosso do Sul, como esse espaço se moldava historicamente e tencionou contribuir para
futuros estudos cujas temáticas fossem correlatas à sua.
O trabalho seguinte, Competências leitoras em foco: o ensino de Literatura no Ensino
Médio, de Maria Heloisa Souza Oliveira, defendido em 21/02/2013, pelo Programa de pós-
graduação em Linguística Aplicada da Universidade de Taubaté, nível mestrado, teve como
objetivo principal a promoção da leitura literária com vistas à formação de leitores críticos. A
autora justifica sua escolha em razão das “tradicionais aulas de Historiografia literária” que
privilegiam o autor, o contexto e a estética em detrimento do leitor. Os dados que compõem a
pesquisa foram coletados em uma escola pública de ensino médio da região do Vale do
Paraíba.
A dissertação Literatura e ensino: professores e poetas na construção de saberes, de
Regina Lúcia de Araújo Gramacho, defendida em 03/05/2013 pelo programa de Pós-
graduação em Educação da Universidade Federal da Bahia, apresentou como problema de
pesquisa uma proposta de investigação sobre “a possibilidade de construção de modos de
18
leitura que traduzissem o estudo/ensino da literatura a partir da intertextualidade em obras do
PNBEM (Programa Nacional da Biblioteca Nacional do Ensino Médio)”. Como suporte
metodológico, a autora utilizou a Etnopesquisa crítica, que a auxiliou em suas escolhas no
tocante à análise e coleta de dados extraídos de registros de diário de campo, documentos
oficiais, escritas memorialísticas e livros do acervo do PNBEM 2009. Tendo como objeto de
pesquisa a literatura em seu viés pedagógico (leitura, professores, ensino e alunos), a autora
justificou sua pesquisa em função da relação entre literatura e ensino calcada na periodização
literária que não reconhece o texto literário como arte.
A pesquisa Letramento literário no ensino médio: o que propõem livros didáticos? de
Luciana Mara Torres Buccini, defendida em 26/02/2016 pelo programa de Pós-graduação em
Educação, nível Mestrado, da Universidade Federal de Minas Gerais, partiu de reflexões da
pesquisadora sobre o ensino de literatura no nível médio a partir dos livros didáticos enviados
às escolas pelo Programa Nacional do Livro para o Ensino Médio. Como problema de
pesquisa, buscou investigar “quais propostas de formação literária têm apresentado livros
didáticos de Língua Portuguesa para o Ensino Médio nos últimos anos?” O trabalho foi
realizado através da coleta de dados em documentos oficiais como Parâmetros curriculares
(1999), Orientações curriculares (2006) e guias do PNLEM (2006 e 2015). O trabalho se
concretizou com a análise de livros didáticos selecionados (duas edições de 2006 e 2015) a
partir de categorias de análise como organização; coletânea textual; atividades; diálogo da
literatura com outras artes em capítulos que apresentavam conteúdos de literatura. Como foco
da dissertação, a autora se pautou no ensino de literatura a partir das discussões sobre
letramento literário, formação de leitores e função social da literatura.
A dissertação De um leitor para leitores: os sujeitos da leitura literária no contexto
escolar, de Vagna Isaias Gomes, defendida em 07/12/2015, pelo Programa de Pós-graduação
em Letras da Universidade Federal de Roraima se concentrou na apropriação e na produção
de sentidos oriundas da leitura literária. A pesquisa se realizou em duas escolas estaduais do
ensino médio de Boa Vista (RR) com professores e estudantes. A autora afirma que analisou a
mediação do trabalho docente com a leitura literária em sala de aula, como se dava a
apropriação e também como ocorria a produção de sentidos a partir da leitura literária naquele
contexto. Como resultado, a autora entendeu que os alunos gostavam de ler literatura, porém o
seu contato com o texto literário se realizava, em maior ocorrência, através do livro didático.
Por isso, enfatizou que a mediação do professor é essencial para a concretização do que
defende: a prática da leitura de literatura.
19
Em relação às teses, destaco As práticas de leitura literária de adolescentes e a
escola: tensões e influências, de Gabriela Rodella de Oliveira, defendida em 08/10/2013 pelo
Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade de São Paulo. O trabalho teve
como objetivo “descrever, analisar e interpretar as práticas de leitura literária de adolescentes
que frequentam a escola”. A coleta de dados compreendeu quatro escolas paulistas, sendo
duas públicas e duas privadas, três localizadas na capital e uma na região metropolitana de
São Paulo e utilizou questionários (com questões fechadas e abertas) aplicados a 289
estudantes e entrevistas com 63 desses estudantes. Todos eles eram alunos do primeiro ano do
ensino médio. Como resultado, a autora evidenciou a influência da cultura de massa em
relação às escolhas dos estudantes voltadas à leitura de best-sellers, independentemente dos
estratos sociais. Verificou a difícil relação entre os estudantes e as leituras obrigatórias
solicitadas pelas escolas, em função da linguagem, da intelecção e dos prazos para a
realização de avaliação sobre as referidas leituras. Ainda constatou o desprezo pelas leituras
escolhidas pelos estudantes por parte das escolas, percebeu a necessidade de uma mediação
adequada no tocante ao trabalho com as obras indicadas pelas escolas e como o nível
socioeconômico e a formação familiar influenciavam no desenvolvimento dos estudantes em
relação ao tempo dispensado à prática de leitura, ao espaço onde se pratica a leitura e ao
acesso daqueles estudantes aos livros e à literatura.
Em seguida, o trabalho A educação para as relações étnico-raciais e o ensino da
literatura no ensino médio: diálogos e silêncios, de Maria Aparecida Rita Moreira, defendido
em 25/03/2014 pelo Programa de Pós-graduação em Literatura da Universidade Federal de
Santa Catarina. A autora apresentou como justificativa as dificuldades para o estabelecimento
da literatura afro-brasileira no ensino médio brasileiro. Apresenta como proposta a inserção
dessa literatura no espaço escolar por entender que a Educação literária pode dialogar com a
Educação para as Relações Étnico-Raciais. A autora ainda acrescenta, como motivação à
realização da sua pesquisa, a invisibilidade dos sujeitos negros no cânone literário brasileiro.
Dessa observação, defendeu uma educação literária diferenciada a partir da análise dos contos
“Boneca”, de Cuti; “A descida”, de Júlio Emílio Braz; “Uma furtiva lágrima”, de Nei Lopes e
“Olhos d‘água” e “Zaíta esqueceu de guardar os brinquedos”, de Conceiçao Evaristo.
Segundo Moreira, são textos que apresentam “um novo ponto de vista sobre as personagens
negras”. Os dados do seu estudo foram coletados através de, além dos cinco contos descritos,
uma “formação à distância oferecida a professores do ensino médio da rede pública estadual
de Santa Catarina”. Com o trabalho, a autora espera auxiliar a prática docente de professores
20
de outros estados tendo em vista a construção de uma nova pedagogia literária “comprometida
com a luta antirracista no Brasil”.
A seguir, a tese A literatura marginal-periférica e sua inserção no ensino médio, de
Sandra Eleine Romais Leonardi, defendida em 28/03/2016 pelo Programa de Pós-graduação
em Educação da Universidade Federal do Paraná. O trabalho parte da observação da autora
em relação ao crescimento, à divulgação e ao consumo da “literatura marginal-periférica
enquanto elemento de representação simbólica de um grande estrato social brasileiro, nos
meios de comunicação social, cultural e educacional. Dessa observação, surgiu como
problema de pesquisa a necessidade de se “mapear as concepções acerca da literatura
marginal-periférica formuladas pelos centros acadêmicos no Brasil e verificar os processos de
inserção desta produção literária no conteúdo curricular do Ensino Médio, especificamente na
disciplina de Língua Portuguesa e Literatura”. Para isso, a autora descreveu como realizou o
seu processo de investigação: levantamento bibliográfico de teses e dissertações sobre a
temática que pesquisava; também verificou na legislação educacional brasileira as disposições
referentes ao conteúdo programático de literatura no ensino médio a fim de discutir a
possibilidade da inserção da literatura marginal-periférica nos conteúdos da referida
disciplina. Além disso, analisou as estratégias de inclusão dessa literatura na escola através
dos livros didáticos aprovados pelo PNLD (2015) e pela lista de títulos distribuídos nas
escolas através do PNBE (2008 a 2014).
A tese Literatura e ensino: o estudo da literatura contemporânea no livro didático de
nível médio no Brasil e na Argentina, de Silvio Pereira da Silva, defendida em 15/10/2015
pelo Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade de São Paulo, teve como
objetivo “analisar como a produção literária contemporânea é estudada no livro didático
utilizado no Ensino Médio em dois países latino-americanos: Brasil e Argentina”. Como
suporte metodológico, o autor utilizou a pesquisa documental e bibliográfica, justificando sua
escolha a partir de estudos realizados sobre os “modelos de ensino de literatura em livros
didáticos e em documentos oficiais que orientam e direcionam a escolha de conteúdos para as
séries básicas e intermediárias, como o Guia Nacional do Livro Didático, diretrizes e
parâmetros curriculares, programas nacionais de ensino, incluindo partes da legislação
pertinente em cada país”. O autor ainda acrescenta que sua análise buscou verificar como era
proposto o ensino da literatura contemporânea nos livros didáticos do ensino médio dos dois
países a fim de compreender os processos de ensino, “observando qual o tratamento indicado
para o estudo de literatura, qual o destaque para os textos contemporâneos, quais as propostas
21
de análise e interpretação de textos apresentadas, que autores são estudados”. Como resultado,
o autor revelou que o ensino de literatura é orientado por diferentes linhas teóricas e
metodológicas em cada um dos países pesquisados. No Brasil, constatou a supremacia da
linha historiográfica através da periodização da literatura, enquanto na Argentina o mesmo
ensino privilegia os gêneros literários associados “à apresentação de temáticas que permitem a
apreensão da identidade nacional”.
Finalizando, a tese A obra literária vai ao cinema: um estudo da prática docente em
literatura brasileira, de Maria Fátima Menegazzo Nicodem, defendida em 17/12/2013 pelo
Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Estadual de Maringá, teve como
objetivo “conhecer na ação de professores/as de língua e literatura o desempenho do uso de
mídia cinematográfica como estratégia para o incentivo à leitura de obras literárias”, tendo
como problema de pesquisa “três perguntas fulcrais que permearam toda a pesquisa: como,
por que e para que utilizar mídias cinematográficas no ensino de Literatura brasileira?”. Para
viabilizar o seu trabalho, a autora optou pela pesquisa-ação através de intervenção pedagógica
a fim de coletar dados empíricos. Para conseguir os dados, a pesquisadora relata a realização
de um evento de extensão – “Cinema e Literatura no Ensino Médio” – ocorrido entre julho e
agosto de 2012, para professores de língua e literatura atuantes na rede estadual de ensino e
pertencentes ao Núcleo Regional de Ensino de Foz do Iguaçu. Como instrumento de coleta de
dados, a autora utilizou doze questionários semiestruturados “sendo dois gerais (um ao início
e outro ao fim da pesquisa) e dois para cada um dos cinco filmes exibidos e trabalhados
didaticamente”. O exercício ofereceu leituras, interpretações e indicou possibilidades em
relação à prática docente dos participantes. Como resultado, verificou a inquietude dos
professores em buscar alternativas a fim de modificarem suas atuações nos processos de
ensino-aprendizagem. Por fim, concluiu que o uso das mídias e das obras fílmicas, mesmo que
situadas em um “panorama de contínua transformação”, não substitui “sob qualquer hipótese,
a leitura da obra literária, por isso a cinematografia inspirada na literatura serve como
estratégia de apoio para articular e incentivar as atividades de leitura”. Segundo a autora, isso
foi percebido nas respostas fornecidas pelos professores participantes e nos estudos do
referencial teórico que embasaram sua investigação.
1.3 Justificando a pesquisa
22
O interesse em pesquisar a temática “Educação literária” está relacionado ao trabalho
docente e sua interlocução com o público discente. Para tanto, discutimos as práticas
educacionais que envolvem o tratamento com a educação literária e suas consequências no
que diz respeito à formação de leitores. Trata-se, dessa forma, de uma tentativa de provocar
discussões a fim de entender critérios, objetivos, implicações, dentre outros, presentes nos
discursos, nas práticas e nos documentos que legitimam os processos de ensino-aprendizagem
da literatura na escola.
Como referencial para sustentar as investigações, utilizo a História Cultural, assim
definida por Roger Chartier (1988, p. 17):
A história cultural, tal como a entendemos, tem por principal objetivo
identificar o modo como em diferentes lugares e momentos uma determinada
realidade social é construída, pensada, dada a ler. Uma tarefa deste tipo
supõe vários caminhos. O primeiro diz respeito às classificações, divisões e
delimitações que organizam a apreensão do mundo social como categorias
fundamentais de percepção e de apreciação do real. Variáveis consoante as
classes sociais ou os meios intelectuais, são produzidas pelas disposições
estáveis e partilhadas, próprias do grupo. São esses esquemas intelectuais
incorporados que criam as figuras graças às quais o presente pode adquirir
sentido, o outro tornar-se inteligível e o espaço ser decifrado.
A identificação deste estudo com o referencial acima se justifica pela necessidade de
se entender e se interpretar um determinado contexto a partir de suas práticas. Por serem as
escolas espaços marcados por discursos legitimados a partir de certos “esquemas intelectuais”,
buscamos na História Cultural o suporte necessário ao desenvolvimento desta pesquisa. Para
Chartier, a realidade social é construída pelo sujeito num dado momento, não é o real, mas
parte dele e deve ser contextualizada, representada pelos seus integrantes membros de um
grupo social. Desta forma, várias representações são construídas e compartilhadas, e as
imagens dessas representações são analisadas e interpretadas de diversas formas.
Por isso, o presente trabalho está, assim, apoiado na teoria do referido autor sobre a
História Cultural, uma vez que se trata de investigação sobre modelos de educação literária
existentes em escolas públicas de Salvador (BA), nascidos a partir de representações de
grupos político-educacionais, sociopolíticos, político-econômicos e socioeducacionais. Por ser
um trabalho com foco na educação literária brasileira, segue a linha do teórico Antonio
Candido, cujo recorte contempla o período em que o Brasil foi declarado como nação, em
1822 (embora outros autores considerem como brasileira a produção literária entre 1500-
1822). Assim, o conteúdo da primeira série do ensino médio foi excluído da pesquisa, uma
23
vez que o recorte literário ali presente se refere à produção colonial, quando o Brasil ainda
pertencia a Portugal. O marco temporal, portanto, é o Romantismo, primeiro movimento
artístico do Brasil-nação.
Desse modo, a presente pesquisa amplia o arcabouço teórico construído anteriormente,
por ocasião da pesquisa de Mestrado, realizada na Universidade Estadual de Santa Cruz
(UESC) entre os anos de 2008-2010. A investigação buscou as estratégias editoriais presentes
no livro didático que formavam o leitor contemporâneo de Machado de Assis. Para tanto,
foram utilizados três manuais da segunda série do ensino médio aprovados pelo PNLEM
vigente. Os títulos foram: Português: contexto, interlocução e sentido, de Maria Luíza
Abaurre, Maria Bernadete Abaurre e Marcela Pontara; Português Linguagens: literatura,
produção de textos, Gramática, de William Cereja e Thereza Cochar Magalhães; Português,
de José de Nicola. Em razão desse estudo, o livro didático se manteve na pesquisa de
doutorado, mas agora não mais como objeto de análise deste pesquisador. Passou a ser
considerado todo o processo de educação literária oriundo das escolas participantes deste
estudo. Assim, além do livro didático, há também uma pesquisa documental, configurada a
partir de projetos político-pedagógicos, planos curriculares de disciplinas e observação de
aulas e conteúdos dos discursos das professoras e dos estudantes sobre a sua relação com a
literatura dentro e fora da escola.
Com a definição do tipo de pesquisa e do local onde a investigação aconteceria,
chegou-se ao seguinte problema de pesquisa: Como os conteúdos das representações
presentes no contexto de escolas públicas de Salvador (BA) sugerem formas de apropriação
do texto literário a partir de um modelo de educação literária junto a professores e
estudantes do ensino médio?
Como hipótese, entendemos que o leitor deve ser formado para além dos muros da
escola. Entretanto, os modelos instituídos de educação literária se consolidam nas práticas
pedagógicas privilegiando autores, textos e formas de apropriação da literatura. Esses são os
conteúdos das representações do que se convencionou a considerar literatura no contexto
escolar. Por outro lado, a educação literária não se restringe a uma única representação, pois
apresenta concepções, contextos e finalidades que são embasados em diversas realidades
sociais. Diante do exposto, supomos que a educação literária praticada nas escolas
pesquisadas se traduzem em modelos construídos, representados e concebidos por instituições
hierarquicamente superiores às escolas, por professores e estudantes.
Quanto aos objetivos, assim os destacamos:
24
Geral: Investigar como os conteúdos das representações presentes no contexto de escolas
públicas de Salvador (BA) sugerem formas de apropriação de textos literários contidos nos
diversos modelos de educação literária junto a professores e estudantes do ensino médio.
Específicos:
Identificar e analisar as representações que emergem do Projeto Político Pedagógico das
escolas;
Analisar os conteúdos programáticos de literatura contidos nos planos curriculares de
Língua Portuguesa e Literatura das escolas selecionadas para a pesquisa;
Identificar e analisar, a partir dos planos de aula, o conceito de literatura adotado pelas
escolas selecionadas para a pesquisa;
Analisar o processo de ensino-aprendizagem de literatura a partir dos registros realizados
durante as observações das aulas;
Identificar e analisar, a partir das observações das aulas, o conceito de literatura delineado
na prática pedagógica das professoras participantes da pesquisa;
Identificar e analisar, por meio de entrevistas, as concepções de leitura, literatura, aulas de
literatura, relação com a prática de leitura literária e usos do livro didático apresentados
pelos alunos das escolas selecionadas para a pesquisa;
Identificar e analisar, por meio de entrevistas, as concepções de literatura, leitura literária,
prática docente, políticas públicas voltadas à promoção da leitura no Brasil e usos do livro
didático apresentadas pelos professores das escolas selecionadas para a pesquisa;
Comparar a prática docente aos planejamentos dos professores e às indicações do PPP
com a finalidade de apreender os modelos de educação literária nas escolas públicas
baianas.
1.4. Construindo o texto
A pesquisa se divide em: introdução, três capítulos teóricos, metodologia, um capítulo
de descrição, análise e interpretação, um de resultados e discussões e as considerações finais.
A introdução apresenta as razões da construção desta pesquisa, a construção do problema, o
referencial teórico, a hipótese e os objetivos do trabalho. Com isso, procura-se explicar como
25
foi definido o recorte da investigação, o que se buscou, o que se esperava conseguir, os
objetos e os locais da coleta de dados.
O capítulo II (primeiro capítulo teórico) intitula-se “A arte literária – sua circulação e
sua fruição”. Subdivide-se em três partes ou tópicos, assim intitulados: “Era uma vez... a
literatura”; “Conceitos, teorias e histórias: uma reflexão”; “A literatura brasileira: identidade
nacional, crítica e historiografia”. No primeiro tópico, há uma reflexão sobre a literatura,
começando por discutir o que consideramos literatura a partir de um pensamento da escritora
Marisa Lajolo. Refletimos sobre o conceito formal de literatura e como ela se apresenta nas
mais diversas narrativas aos seus leitores. Partimos de um suposto leitor ainda não
escolarizado, mas que tem intimidade com as narrativas através da contação de história por
alguém da família ou de outros contadores de histórias. Refletimos sobre suas escolhas, táticas
e estratégias para tentar entender as histórias bem como a consequente inserção no mundo da
leitura através do que ouve e do que vê nas imagens de livros infantis ou em outras fontes.
Em seguida, chegamos ao leitor alfabetizado, aquele que já domina os códigos da
língua e, teoricamente, não precisa de alguém que leia os textos que chegam até ele. Para
ilustrar esse tipo de leitor, nos apoiamos no conto “Felicidade clandestina”, de Clarice
Lispector. O conto apresenta a história de uma garotinha que tinha verdadeira obsessão pelo
livro Reinações de narizinho, de Monteiro Lobato. O problema era que o livro pertencia a
outra menina e esta fazia questão de exibi-lo, prometendo emprestá-lo mas nunca o fazia. Esse
tipo de leitor, alfabetizado, já possui certa independência ao praticar sua leitura, ainda que não
domine todas as estratégias, assim como a menina protagonista do conto de Lispector o faz.
Após diversas tentativas de conseguir o livro, finalmente, a mãe da dona do livro toma
conhecimento do que se passa e obriga a filha a emprestar o livro à sua colega. A partir daí,
temos uma descrição do que seriam as estratégias criadas pela garotinha para se apropriar do
texto lobatiano. Ela o lê pouco (uma das estratégias do século XIX, inclusive propagada por
médicos da época – a leitura deveria ser praticada em menor escala, dever-se-ia praticar a
releitura, sempre aos poucos, para evitar uma possível loucura), esconde o livro, finge que o
perdeu só para ter a surpresa de encontrá-lo novamente.
Em seguida, propomos uma reflexão sobre o leitor alfabetizado na fase escolar. O
leitor do ensino fundamental que “conhece”, oficialmente, a literatura. Indagamos a
importância de se conhecer esse conceito, uma vez que o pequeno leitor já teria contato com
textos lidos, escritos ou imagéticos, e passaria a tentar encaixar aquele conceito por ora
26
apresentado ao seu leque de leituras. E o que não se encaixasse naquele conceito? Seria
desprezado? Seria uma não-literatura?
O leitor escolarizado é o próximo foco. É o leitor aluno do ensino médio. Aquele que
“conhece” ou que é apresentado às famosas escolas literárias constantes nos livros didáticos,
que também apresentam outros conceitos mais elaborados para o termo literatura. Aqui se
forma um perfil de um leitor criado por um modelo de educação literária brasileira adotado
pelo sistema político-educacional. Trata-se de um leitor que, dependendo de seu histórico,
tende a fazer associações dos textos que lê a um período literário, de acordo com as definições
de cada escola literária brasileira.
Para concluir esse tópico, recorremos a Antonio Candido ao falar sobre o direito à
literatura como um dos direitos humanos. Suas palavras são importantes por levar a entender
que, ao encarcerar o aluno leitor em conceitos e terminologias sobre os fenômenos literários, o
sistema educacional brasileiro nega o direito àquele sujeito de se apropriar do texto literário
de outras formas que não aquela consagrada e canonizada pelas escolas. O autor defende que
a literatura seja entendida como um “bem incompressível”, ou seja, aquilo que não se pode
negar a ninguém, como alimento, casa e roupa, por exemplo.
O segundo tópico tem início com uma epígrafe de Antoine Compagnon extraída de
uma conferência realizada na França, em 2006, intitulada “Literatura para quê”? Nela, o autor
discursa sobre as especificidades da tradição literária. Também apresenta sua definição sobre
Teoria e História literárias, propondo uma visão abrangente dos objetos de análise tanto da
teoria literária quanto da história, afirmando que aquele dualismo que buscava opor uma linha
e outra se encontra defasado. Seu olhar se detém na consideração que deve ser feita a partir
das instâncias de produção, nas épocas e nos contextos em que são produzidos os textos
literários. Desse modo haveria, ao invés de simples oposição conceitual, uma aproximação da
Teoria e da História literária visando a apropriação do texto por parte do leitor. Para dialogar
com Compagnon, buscamos apoio nos estudos realizados por Hans Robert Jauss, Antoine
Compagnon, Umberto Eco, dentre outros.
O terceiro tópico apresenta uma discussão voltada para o surgimento da escrita
literária no Brasil. Fazemos uma reflexão sobre a chegada dos portugueses em 1500 e das
produções consideradas oficialmente como textos literários, como a Carta de Pero Vaz de
Caminha, mas com representações ainda portuguesas. Passamos de um controle empenhado
pelas ordens religiosas, com destaque para a Companhia de Jesus, a um controle estatal
27
empenhado pelos tratados do Marquês de Pombal. Essas discussões nos ajudam a
compreender como se deu a produção e a circulação de livros no Brasil colônia.
As pesquisas de Marisa Lajolo, Regina Zilberman e Márcia Abreu auxiliaram a
entender como se construiu um perfil dos poucos leitores no Brasil colônia. Eram membros de
uma pequena nobreza e de um clero, inicialmente, os leitores e por vezes também produtores
dos textos que aqui circulavam. Os livros vindos de fora da colônia também compunham o
quadro de produções destinadas aos leitores da época. No entanto, apesar do empenho de D.
João VI em criar a Impressão Régia – por ocasião de sua fuga para o Brasil, quando Portugal
foi invadido pela França – as publicações eram esparsas, pois não havia um número
considerável de escritores. Obras escritas em outras línguas foram republicadas no idioma
português e as produções brasileiras se resumiam a biografias romanceadas contendo elogio a
algum nobre. Eram obras encomendadas por um soberano a um então escritor para que este,
utilizando uma escrita elegíaca, exaltasse os seus feitos, fossem estes verdadeiros ou não.
Márcia Abreu afirma que essa produção funcionava como uma espécie de “moeda de troca”,
em que se negociava a produção destes livros elegíacos para obtenção de favores, cargos,
dentre outros.
A discussão se encerra com a citação de dois contos de Machado de Assis, “Ex-
cathedra” e “A chinela turca” e do romance Dom Casmurro. Os textos citados possibilitam
variadas reflexões sobre o perfil de leitor que se enquadrava como ideal ou modelo para
aquelas obras. Também propunham um jogo entre texto, narradores e leitores pontuados pelas
estratégias de quem contava a história e das possíveis táticas de que os receptores dispunham
para conseguirem formular uma compreensão do que era lido.
O capítulo III (segundo capítulo teórico) é nomeado como “O livro didático como
objeto da história da educação brasileira”. A escrita deste capítulo se justifica por ser o livro
didático o mais importante suporte ao trabalho docente e, em muitos casos, o único suporte
disponível a professores e estudantes. Desse modo, no caso da educação literária, é também o
principal revelador da literatura, aliado ao discurso do professor, aos discentes.
Esta parte do trabalho está dividida em quatro tópicos. O primeiro cataloga uma série
de publicações sobre o livro didático brasileiro, ou seja, faz uma revisão de literatura a fim de
embasar os estudos a partir da fortuna crítica disponível. Com isso, fica claro o que se
pesquisou e o que se criticou sobre o LD desde o seu surgimento na década de trinta do século
XX até os dias atuais. O segundo tópico propõe uma discussão sobre o conceito de livro
didático e suas implicações históricas. Para tanto, utilizamos as definições de Antônio Gomes
28
Batista, Maria José Coracini, Marisa Lajolo e Regina Zilberman para entender não apenas sua
definição mas também o seu objeto e os seus precursores ou antecedentes.
O terceiro tópico se refere ao Programa Nacional do Livro Didático, sua história e sua
ampliação desde o seu surgimento em 1985. Aqui realizamos uma breve descrição do
histórico do LD, referenciando o ano de 1929, quando o governo da época cria o Instituto
Nacional do Livro (INL) e, com isso, passa a produzir materiais didáticos a serem
encaminhados para as escolas públicas brasileiras. Em seguida, em 1938, com o Decreto-Lei
nº 1.006, de 30/12/38, que cria a Comissão Nacional do Livro Didático, há uma série de
modificações/ampliações de regimentos/leis que alteram a produção, circulação e o consumo
dos materiais didáticos até o ano de 1985, quando se cria o PNLD em substituição PLIDEF
(Programa do Livro Didático para o Ensino Fundamental), em 1971.
O quarto tópico se atém às políticas públicas para o livro didático. Com base na
pesquisa realizada pela professora Célia Cassiano (2013), refletimos brevemente sobre o
período que compreende o ano 1985 até o ano 2013. São discussões sobre as políticas
públicas do governo José Sarney ao governo Dilma Rousseff, com destaque para as gestões de
Fernando Henrique Cardoso – que, segundo a autora, teve nas reformulações do PNLD uma
de suas plataformas de promoção do seu governo – e as gestões de Luiz Inácio Lula da Silva,
que ampliaram o espaço de atuação do PNLD, criando mais três programas: o Programa
Nacional do livro Didático para o Ensino Médio (PNLEM), o Programa Nacional do Livro
Didático para a Alfabetização de Jovens e Adultos (PNLA) e o Programa Nacional do Livro
Didático para a Educação de Jovens e Adultos (PNLD EJA).
O capítulo IV (terceiro capítulo teórico) intitula-se “A educação literária brasileira –
seus modelos e suas implicações”. Aqui, apresentamos um capítulo subdividido em três
tópicos. O primeiro propõe uma discussão sobre o conceito de educação literária, apoiado
pelas definições oferecidas pela pesquisadora Cyana Leahy-Dios. Para a autora, a educação
literária somente se realizará a partir do momento em que a literatura apropriada pelo discurso
escolar consiga se estabelecer como disciplina pedagógica e seja tratada de forma consciente
pelos alunos e pelos professores. Isto é, que o tratamento dispensado à literatura não se
resuma aos preceitos do livro didático, mas que suscite discussões e reflexões a partir do que
será lido. Para ilustrar as nossas considerações, tomamos como exemplo o conto machadiano
“Teoria do Medalhão” e destacamos como o projeto de educação literária proposto por Leahy-
Dios poderia se realizar ao tomar para si o objeto literário e promover a interdisciplinaridade
tão aclamada pelos documentos oficiais do sistema político-educacional brasileiro.
29
O segundo tópico discute o conceito de letramento literário, nas perspectivas de Rildo
Cosson e Graça Paulino, e sua relação com o livro didático. Para os autores, o letramento
literário se realiza quando é possível se apropriar do texto literário e assim produzir sentidos
para aquilo que se leu. Embora seja possível encontrar esse argumento nos manuais do
professor, o livro didático se encontra distante desse processo, pois suas propostas não
promovem tal realização. Na verdade, os condicionamentos impostos ao tratamento do texto
literário no LD e as propostas de interpretação, constituídas de questionários e múltiplas
escolhas, estão longe de possibilitar ao aluno leitor, e até mesmo ao professor, a produção de
sentidos, ainda que seja a partir de um fragmento de literatura.
O terceiro tópico apresenta uma discussão sobre o que o livro didático considera
“literatura”, a partir das preferências e dos modelos de textos, metodologias e aplicação dos
temas extraídos de textos originais. Seguindo as considerações de pesquisadores como Regina
Zilberman, Marisa Lajolo, Ezequiel Theodoro da Silva, dentre outros, a literatura é travestida
de História da literatura, e o que chega aos alunos se resume ao conhecimento de títulos de
obras canônicas, autores, principais características dos movimentos literários e outras
“verdades” canonizadas no LD. Aqui se encerra a discussão teórica sobre a educação literária
proposta pelo livro didático e trabalhada nas escolas públicas brasileiras. Trata-se de um
modelo que exclui a interpretação e a construção de sentidos enquanto impõe a mentalização e
a solidificação de conceitos e conteúdos pensados com a finalidade de perpetuar um cânone
que, muitas vezes, se distancia do público discente.
Em seguida, apresentamos a metodologia do trabalho. O capítulo se subdivide em:
Construindo a pesquisa (em que explicamos o que nos levou a pesquisar o nosso tema); A
construção da metodologia (aqui explicamos a natureza e a abordagem da pesquisa e também
justificamos a seleção da revisão de literatura); Delineamento da pesquisa (subdividido em
Seleção das escolas e Amostragem); A aplicabilidade da revisão de literatura, O trabalho de
campo (Aqui descrevo o percurso do pesquisador na busca dos participantes da pesquisa); A
coleta de dados (referente aos instrumentos de coleta: Observação, Pesquisa Documental,
Entrevista e Questionário); Análise e interpretação de dados (subdividido em Estabelecimento
das categorias, análise dos dados e interpretação dos dados). Através da metodologia, foi
possível apoiar a pesquisa e estabelecer o rigor científico necessário ao estudo que se
desenvolveu a partir da relação entre o suporte teórico e a revisão de literatura e os dados
coletados durante o processo investigativo.
30
No capítulo seguinte, “Análise descritiva e interpretativa dos dados a partir dos
documentos escolares, das observações simples e das entrevistas”, procedemos ao estudo dos
dados extraídos através da coleta realizada nos espaços escolares. Por ser extenso em razão da
quantidade de instrumentos utilizados, estruturamos este capítulo da seguinte forma: Perfil das
escolas; Projeto político pedagógico; Descrevendo os dados do PPP da Escola Heurisgleides
Ferreira; Descrevendo os dados do PPP da Escola Renailda Sousa; Análise e interpretação dos
dados dos PPP das escolas; Os Planos curriculares de disciplinas; A Observação simples;
Observando as aulas; A Entrevista; Entrevistando as professoras; Entrevistando os alunos,
Aproximação dos dados. Neste capítulo, realizamos o passo a passo do trabalho de campo a
fim de contemplar os instrumentos da coleta dos dados previstos na metodologia através do
estudo analítico e descritivo necessário a essa etapa da pesquisa.
Na sequência, encontra-se o capítulo “Resultados e discussões”, subdividido em:
Minha relação com a educação literária; Discutindo os resultados; Os modelos de educação
literária revelados pela pesquisa; O modelo de educação literária historiográfico-literário; O
modelo de educação literária de concepção pedagógico-literária; O modelo concebido de
educação literária; Respondendo ao problema de pesquisa. Nesse capítulo, com base no que
foi anteriormente descrito, analisado e interpretado, foi possível estabelecer discussões a partir
das práticas evidenciadas no processo da investigação, perceber as formas de apropriação
praticadas pelos atores escolares e também entender as representações em relação aos
modelos de educação literária coexistentes naqueles espaços. Com isso, também foi possível
responder ao problema de pesquisa apresentado nesta proposta de investigação.
Por fim, encerramos com as Considerações Finais, subdivididas em Reflexões;
Implicações e Desdobramentos. Aqui a pesquisa apresenta posicionamentos do autor em
relação ao aprendizado adquirido durante todo o processo de estudo. Também reflete sobre os
impactos das medidas do Governo Federal no âmbito da Educação, especificamente a PEC
241/55 e a MP 746, as quais tendem a barrar os avanços, ainda que tímidos, em relação às
políticas públicas voltadas à promoção e ao acesso da população à educação pública e de
qualidade. Além disso, também defende a importância da tese sugerindo que as pesquisas
sobre essa temática avancem na academia, uma vez que há uma variedade de problemas
procedentes da educação literária brasileira. Por fim, propõe sugestões aos problemas
relacionados à temática explorada, tendo por base o estudo realizado aqui descrito.
31
II – A ARTE LITERÁRIA – Sua circulação e sua fruição
2.1. Era uma vez... a literatura
Será que é errado dizer que literatura é aquilo que cada um de nós considera
literatura? Por que não incluir num conceito amplo e aberto de literatura as
linhas que cada um rabisca em momentos especiais? [...] Porque não chamar
de literatura a história de bruxas e bichos que de noite, à hora de dormir, sua
mãe inventava para você e seus irmãos? [...] Estes textos não têm a mesma
cidadania literária que o romance famoso com crítica no jornal e comentado
na escola? (LAJOLO, 1982, p. 10).
As questões propostas por Lajolo (1982) são indagações que nos provocam a também
formular outras questões sobre o fenômeno literário: por que há uma espécie de classificação
hierárquica da literatura, dividindo-a em clássica, canônica, popular, de entretenimento, de
bolso, de mercado, de cordel, dentre outras nomenclaturas? Em que tal classificação
influenciaria a leitura de um texto literário realizada por um suposto leitor? Existe um valor de
mercado, social, atrelado às práticas de leitura literária? Haveria uma espécie de controle ou
um cuidado para que essa hierarquia literária fosse mantida, como, por exemplo, uma
distribuição de cada tipo de literatura a públicos específicos, levando em consideração
critérios sociais e políticos, por exemplo?
Essas perguntas nos motivam a refletir sobre a Literatura a partir do momento em que
nos deparamos com essa arte, em nossa trajetória, como leitores. Tomando por base o Brasil,
em princípio, conhecemos a literatura, embora não com esse nome, através das narrativas
clássicas infantis contadas por avós, pais, mães, tios, professores, contadores de histórias,
narradores de desenhos animados apresentados na TV, dentre outros, quando ainda somos
crianças. Também nessa fase é possível conhecer as anedotas, as adivinhações, os poemas
rimados, dentre outras criações, as quais são responsáveis por provocar a imaginação das
crianças, fazendo com que estas experimentem criar mundos paralelos ao chamado mundo
real, como o fantástico e o maravilhoso, por exemplo. É nessa fase que a leitura exige
habilidades do receptor para entender uma imagem presente em algum impresso ou em
alguma tela, criar outras tantas imagens a partir das histórias que ouve ou simplesmente
inventá-las. Assim, mesmo sem reconhecer o código de sua língua (quando ainda não
alfabetizado), o leitor já existe, pois já sabe fazer associações, inferências, criar outras
histórias, ainda que não seja a mesma contada em um livro infantil, em um jornal ou em uma
revista em quadrinhos.
32
Como ainda não há a rigidez dos parâmetros escolares, o “leitor” infantil ignora o que
seja literatura, qual seu conceito e quais as discussões teóricas que legitimam uma obra
escrita, dentre outras convenções. É também comum ao mundo infantil uma relação que
envolve admiração, sedução e criatividade com o livro, independente da sua natureza. Desse
modo, as crianças ainda não alfabetizadas olham a capa e as gravuras (se houver) e contam
suas histórias, tendo por base a própria imaginação.
Quando a criança já é alfabetizada, há a possibilidade de realização das expectativas
que possuía quando não era alfabetizada. Também é possível, nessa fase, uma extensão do
sentimento que havia entre o leitor e a leitura, passando a combiná-los com o suporte. Essa
relação pode ser observada no conto “Felicidade clandestina”, de Clarice Lispector. A história
apresenta uma garotinha apaixonada pelo livro Reinações de Narizinho, de Monteiro Lobato.
Ao descobrir que outra menina possuía o referido livro, punha-se a pedi-lo emprestado e
sempre ouvia uma desculpa da dona do livro para não emprestá-lo. Obstinada, a garota não
desistia e sempre ia até a casa dos pais da menina “gorda, baixa, sardenta e de cabelos
excessivamente crespos, meio arruivados” (LISPECTOR, 1998, p. 11), no intuito de
conseguir o seu objetivo. Um dia, a mãe da dona do livro, estranhando a silenciosa presença
daquela garotinha todos os dias, cobrou explicação das duas. Ao entender o que acontecia,
obrigou a filha a emprestar o livro e realizou o desejo da brava leitora:
“E você fica com o livro por quanto tempo quiser.” Entendem? Valia mais
do que me dar o livro: "pelo tempo que eu quisesse" é tudo o que uma
pessoa, grande ou pequena, pode ter a ousadia de querer. Como contar o que
se seguiu? Eu estava estonteada, e assim recebi o livro na mão. Acho que eu
não disse nada. Peguei o livro. Não, não saí pulando como sempre. Saí
andando bem devagar. Sei que segurava o livro grosso com as duas mãos,
comprimindo-o contra o peito. Quanto tempo levei até chegar em casa,
também pouco importa. Meu peito estava quente, meu coração pensativo.
Chegando em casa, não comecei a ler. Fingia que não o tinha, só para depois
ter o susto de o ter. Horas depois abri-o, li algumas linhas maravilhosas,
fechei-o de novo, fui passear pela casa, adiei ainda mais indo comer pão com
manteiga, fingi que não sabia onde guardara o livro, achava-o, abria-o por
alguns instantes. Criava as mais falsas dificuldades para aquela coisa
clandestina que era a felicidade (LISPECTOR, 1998, p. 11).
O texto ficcional de Clarice Lispector mergulha e convida o leitor a também mergulhar
no universo infantil e conta a história de uma menina e de suas visões acerca do contexto em
que vive. Nesse contexto o que mais lhe interessa é o livro pertencente a outra menina. A
imaginação da garota e a forma como a história é contada podem também provocar a
33
imaginação do leitor do conto, pois mexe com as memórias de todos nós que tivemos contato
com algum livro em nossa formação leitora. Também é possível perceber a preocupação da
menina em não “devorar o texto” de uma vez. Assim, prefere admirar o suporte, sentir-se
dona em sua plenitude, antes de realizar o que a satisfazia: a leitura. E essa realização dar-se-
ia através da paixão e da certeza de uma ávida leitora em acessar uma famosa narrativa da
literatura brasileira.
Ao começar o processo de alfabetização escolar, passamos a outro nível do
“reconhecimento” da literatura através das aulas e do livro didático. No ensino fundamental, a
literatura é tratada como gênero e não há uma separação da disciplina Língua Portuguesa. A
literatura, aqui, aparece em forma de fragmentos de narrativas e de poemas (às vezes estes são
transpostos para o LD na íntegra), desde a literatura infantil dita clássica até a literatura
contemporânea. Nesse momento, a criança, aluna, leitora, cidadã conhece formalmente a
literatura. Mas será que nessa fase é possível se apropriar de conceitos e nomenclaturas
complexas que definem e classificam o termo em questão? Ou será que a ampliação do
horizonte de expectativas do leitor suplanta quaisquer terminologias conceituais? Reflitamos.
No ensino médio, a literatura passa a ser tratada como disciplina pelo livro didático
(embora não seja pelos documentos oficiais), se julgarmos pela divisão apresentada pelos
manuais, gozando do prestígio de ter uma seção que a separa da Gramática e da Produção de
textos. Às vezes, uma coleção possui um livro separado apenas com conteúdos referentes à
literatura. E é nesse momento que vem à tona uma extensa quantidade de conceitos e
nomenclaturas. Além de um conceito de literatura apresentado em cada manual didático, há
outros conceitos, os quais são apresentados em todo o ensino médio brasileiro. Pela ordem,
Trovadorismo, Humanismo, Classicismo, Barroco, Arcadismo, Romantismo, Realismo,
Naturalismo, Parnasianismo, Simbolismo, Pré-modernismo, Modernismo, Pós-modernismo. E
há ainda as ramificações dentro de alguns movimentos, como o Romantismo (que possui três
gerações) e o Modernismo (formado por três fases e relacionado também ao pré-modernismo
e ao pós-modernismo), por exemplo. Aqui se configura a formação cidadã do leitor pelo livro
didático. A partir daí, o referido leitor já escolarizado é “convencido” a enquadrar qualquer
texto literário em uma das classificações citadas acima. Ou seja, aquilo que começa como
provocação, fruição a partir da contação de histórias na infância, tende a se “domesticar” com
as classificações propostas pela periodização da literatura brasileira. Salvam-se aqueles que
possuem uma história de leitura que vai além dos muros escolares, ou seja, os que leem à
revelia dos manuais escolares:
34
A escola media o encontro entre a criança e a obra de arte literária de forma
bastante diferente da mediação feita entre o adolescente e o texto literário.
Para este, a experiência literária escolar se volta para o “aprender”, mais e
mais distanciado do prazer e da criatividade literários, com ênfase nos
aspectos mais formais e menos desafiadores da educação (LEAHY-DIOS,
2004, p. XXVIII-XXIX).
É possível perceber, em alguns romances brasileiros, histórias que ficcionalizam uma
relação entre leitores e escolas, o que também pode provocar o leitor a repensar sua formação
escolar. No livro A formação da leitura no Brasil, Marisa Lajolo e Regina Zilberman
destacam a obra Sílvia Pélica na Liberdade, de Alfredo de Mesquita, como um dos exemplos
de obras literárias contextualizadas em um ambiente voltado às práticas escolares. A história
se baseia em casos acontecidos entre 1899 e 1917 na casa do avô materno do autor, Cerqueira
César, e apresenta a seguinte passagem:
Quando Sílvia ficou na idade, Nhá Lica pensou em mandar ela prá escola.
Sílvia precisava aprender a ler, escrever, fazer conta, como as outras
crianças. Então, Nhá Lica, que era muito boa, lembrou da escola de D.
Margarida, coitada, que era uma senhora tão virtuosa trabalhadeira e
esforçada. A gente devia mesmo ajudar ela, que lutava tanto, tinha tanta
precisão. Mais uma aluna já adiantava [...]
_ Vamos Sílvia, que é isso? Leia.
Um sorriso indefinido levantou os cantos da boca, apertou os
olhinhos miúdos de Sílvia, que continuava muda.
_ Vamos, Sílvia, seu Zezé foi mostrando as sílabas escritas. Vamos,
soletre comigo: b, ó, bó, T, e; te... Vamos.
Sílvia olhou bem o desenho por cima da palavra e, sorrindo,
triunfante:
_ B, ó, bó, t, e, te: Canoa. Disse.
_ Ora, Sílvia que é isso? Então é assim que te ensinaram na escola?
Então, vamos continuar a ler, disse seu Zezé e mostrou outra palavra
para Sílvia. Vamos juntos: S, ó, só, F, á, fá...
E Sílvia, fiel a seu próprio método de soletração:
_ S, ó, só, F, á, fá... Deu uma espiada no desenho em cima, e:
Cadeira! (LAJOLO; ZILBERMAN, 2011, p. 167).
O método de ensino utilizado por seu Zezé para alfabetizar a pequena Sílvia se revela
tão ineficiente quanto o escolar, o qual ele critica. As inferências feitas pela criança, embora
não atinjam o significante escolhido pelo seu alfabetizador, traduzem as concepções da
garotinha no que diz respeito ao estabelecimento de uma relação entre um determinado objeto
e uma palavra que ela já conhece e que, em sua análise (notemos que ela pensa antes de
responder), pode perfeitamente nomear o objeto à sua frente. Assim, a condição criativa da
pequena Sílvia esbarra na rigidez didática do seu Zezé. Porém, a decidida criança segue o seu
35
próprio raciocínio e não permite que sua criatividade e o seu método de análise sejam
desconstruídos, por enquanto. Também podemos ampliar, a partir do texto extraído, uma
discrepância que ocorre nas escolas ao se trabalhar a leitura e tentar extrair desta,
frequentemente, conceitos ou definições já contidos no livro didático ou em um dicionário. O
paradoxo se revela quando o texto literário é alvo de “domesticação” para se ensinar
conteúdos gramaticais, por exemplo, ignorando a sua natureza complexa, simbólica, ambígua.
Por outro lado, nem todos aqueles que passam pelas aulas de leitura nas escolas
brasileiras, em especial as públicas, conseguem ou se dão conta de que precisam resistir para
mudar essa realidade. O ensino de leitura literária encontra cada vez mais empecilhos para se
realizar. O descalabro vai desde a leitura (que muitas vezes fica somente na decodificação ou
no desfile de palavras lidas, sem discussão) até as respostas prontas para questões também
prontas, que não exigem nenhum tipo de reflexão acerca do que se leu. Desse modo, seguimos
questionando a incoerência existente entre a formação de um leitor que tem por base o
incentivo à imaginação, à criatividade, fora das escolas, antes de se alfabetizar, em alguns
casos, e a “oficial” formação leitora que, ao invés de ler literatura, ampliar seu horizonte de
expectativas e de leitura, apreende conceitos de escolas literárias, características de
movimentos literários e principais obras e autores e suas épocas.
Certamente, o que vemos em quadros como o descrito acima é um não-ensino de uma
não-literatura. Em destaque, a escola pública nega ao aluno o direito que ele tem de se
apropriar de um texto literário. Por mais que os manuais didáticos, aprovados pelo Ministério
da Educação (MEC) juntamente com as Secretarias de Educação de estados e municípios,
sugiram a leitura de textos literários originais e não somente dos fragmentos extraídos e
apresentados no livro didático de literatura, dificilmente isso será feito por alunos e também
por professores.
Ao constatarmos esse problema, percebemos que isso não fica restrito aos muros
escolares. Configura-se em um problema de negação do direito à leitura literária, conforme
palavras de Antonio Candido (2004), ao discursar sobre o direito à literatura como um dos
direitos humanos:
Por que? Porque pensar em direitos humanos tem um pressuposto:
reconhecer que aquilo que consideramos indispensável para nós é também
indispensável para o próximo. Esta me parece a essência do problema,
inclusive no plano estritamente individual, pois é necessário um grande
esforço de educação e auto-educação a fim de reconhecermos sinceramente
36
este postulado. Na verdade, a tendência mais funda é achar que os nossos
direitos são mais urgentes que os do próximo (CANDIDO, 2004, p. 172).
Se, como nos diz Candido, é difícil reconhecermos que o indispensável para nós
também o é para o outro, isso pode se tornar impossível quando não temos consciência de que
não agimos dessa forma. Até defendemos a igualdade, mas essa defesa fica no discurso, pois,
como afirma o teórico, não percebemos que os nossos desejos, os nossos direitos também
poderão ser do outro, que nem sempre pertencerá à mesma classe social à qual pertencemos.
Ao defender tal posicionamento, o referido autor cita alguns dos bens descritos como
incompressíveis (aqueles que não podem ser negados a ninguém): o alimento, a casa, a roupa.
E outros identificados como compressíveis: os cosméticos, os enfeites, as roupas supérfluas.
Mas onde estaria a arte literária em tais definições? Dependeria de um conjunto de elementos
mensurados entre um ponto de vista individual e um ponto de vista social. O direito à
literatura estaria ao mesmo lado de outros direitos como a saúde, o amparo da justiça pública,
o direito à crença, ao lazer, dentre outros. Mas seria a literatura um “bem incompressível”?
Eis o conceito formulado por Candido (2004, p. 174):
Chamarei de literatura, da maneira mais ampla possível, todas as criações de
toque poético, ficcional ou dramático em todos os níveis de uma sociedade,
em todos os tipos de cultura, desde o que chamamos folclore, lenda, chiste,
até as formas mais complexas e difíceis da produção escrita das grandes
civilizações.
Pelo exposto, percebemos que, para Candido, a literatura é, sim, um bem
incompressível e, como tal, um direito inquestionável ao cidadão. Mas é um direito perigoso,
pois o texto literário, por ser capaz de provocar inúmeras leituras – inclusive de um mesmo
leitor em situações diferentes – tende a ser vigiado pelos organismos do Estado brasileiro. Em
especial, a escola e o livro didático de literatura oferecem ao aluno e cobram do mesmo ideias
que dificilmente exigiriam uma associação entre aquele discurso e um outro social e político,
por exemplo:
[...] a literatura é obviamente social: social por parte da língua que utiliza,
social por parte dos temas, social por parte dos autores e dos leitores; social
por parte dos recursos utilizados. Como o texto tem relação com o contexto,
a literatura de um país tem relação com este país, é claro (JOBIM, 2009, p.
125).
37
A literatura, longe de ser apenas um texto de entretenimento ou datado (como são
levados a pensar os muitos alunos brasileiros), “confirma e nega, propõe e denuncia, apoia e
combate, fornecendo a possibilidade de vivermos dialeticamente os problemas” (CANDIDO,
2004, p. 175).
2.2. Conceitos, teorias e histórias: uma reflexão
A tradição teórica considera a literatura como una e própria, presença
imediata, valor eterno e universal; a tradição histórica encara a obra como
outro, na distância de seu tempo e de seu lugar (COMPAGNON, 2009, p.
14).
A epígrafe acima foi extraída de uma conferência intitulada “Literatura para quê?”, de
Antoine Compagnon, dentro da programação da nova cátedra de literatura no Collège de
France, em 2006. Nessa conferência, o autor expõe as especificidades da tradição literária e da
tradição histórica e, a partir disso, desenvolve argumentos a respeito da temática em questão.
O posicionamento chama atenção para que façamos uma reflexão acerca do que construímos
sobre a arte literária. Além disso, contrariando as minimalistas divergências que opõem Teoria
e História, oferece-nos uma linha de raciocínio cuja função é fazer entender que tanto o objeto
da Teoria literária quanto o da História literária são construções intelectuais a serviço dos
estudos literários. Se os objetos são distintos, se há outras funções para a literatura ou para o
estudo que se faz dela, essa oposição não é relevante, pois, nesse caso, a ampla categoria de
conceitos e finalidades possibilita a composição de mundos literários ricos em discussões,
conhecimentos diversos, e principalmente a humanização de sujeitos pela leitura literária:
Teoria não quererá dizer nem doutrina nem sistema, mas atenção às noções
elementares da disciplina, elucidação dos preconceitos de toda pesquisa, ou
ainda, perplexidade metodológica; e a história significará menos cronologia
ou quadro literário que preocupação com o contexto, atenção para com o
outro e, consequentemente, prudência deontológica (COMPAGNON, 2009,
p. 18).
Há na exposição do autor uma preocupação em não reduzir o campo de atuação da
Teoria e da História literárias. Assim, contrariando antigas oposições entre retórica e poética,
história literária e filologia, o moderno e o clássico, por exemplo, Compagnon (2009) propõe
uma concepção que vá além do dualismo simplista que apenas opõe sem considerar as
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instâncias de construção, épocas ou contextos. Desse modo, as posturas que encaram a Teoria
literária como uma normatização dos conhecimentos sobre o seu objeto estariam defasadas.
Desde o surgimento da Estética da Recepção, o viés canonizado da História literária
passou a incomodar os seus críticos, pois, para estes, o fato de o leitor conhecer os autores que
compunham cânone do seu país ou as correntes que influenciaram a produção de
determinados autores não seria condição imprescindível para o entendimento de qualquer
texto produzido. Além do mais, um cânone se instaura em uma nação a partir de acordos
político-ideológicos. Isso, de algum modo, priva o leitor de conhecer ou de escolher obras que
não contempladas naquela seleção como as principais representativas do país em que foram
produzidas.
O amadurecimento dos teóricos, dos historiadores e dos críticos da literatura tem sido
responsável, no Brasil e no resto do Ocidente, por uma espécie de revisão do cânone. São
diversos trabalhos que surgem a partir da Estética da Recepção, os quais questionam a
supremacia dos cânones instituídos em seus países. Isso só é possível, segundo Jauss (1994, p.
25), a partir de reflexões acerca da recepção das obras literárias e do efeito das leituras das
obras, pois a “[...] história da literatura é um processo de recepção e produção estética que se
realiza na atualização dos textos literários por parte do leitor que os recebe, do escritor, que se
faz novamente produtor, e do crítico, que sobre eles reflete”.
A atualização dos textos por parte do leitor seria produzida com base nas diversas
leituras realizadas por um público-leitor. Isso interessa à História literária porque, a partir da
formação de públicos de literatura, é possível compreender os modos e as práticas de
diferentes grupos a partir do diálogo com uma determinada obra. A História da literatura
também pode nos oferecer informações acerca de práticas de leitura já esquecidas ou
propositalmente relegadas a um espaço inferior ao das instituídas, sobretudo pelas escolas.
Por essa via, seria o leitor responsável direto pela construção de sua história. Não o
leitor individual, de carne e osso, mas o leitor componente de um grupo, inserido em um
contexto, aquele que lê, compreende, interpreta, discute, associa, socializa a sua leitura. Em
consequência, teríamos um valoroso material no qual os teóricos e os críticos literários, pois
como também são leitores, confrontariam suas impressões das leituras realizadas com as dos
diversos públicos e, assim, atualizariam os estudos referentes a essa temática:
A literatura como acontecimento cumpre-se primordialmente no horizonte de
expectativa dos leitores, críticos e autores, seus contemporâneos pósteros, ao
39
experienciar a obra. Da objetivação ou não desse horizonte de expectativas
dependerá, pois, a possibilidade de compreender e apresentar a história da
literatura em sua historicidade própria (JAUSS, 1994, p. 26).
São reflexões que os estudos literários propõem à medida que tentamos conhecer as
instâncias de produção e de recepção das obras literárias, sobretudo as produzidas no Brasil.
Conforme os estudos avançam, passamos a conhecer uma considerável diversidade do que
pode ser incluído no termo “Literatura”. Sabemos que se trata de um tipo de arte, por isso a
chamamos “Arte literária” e, com esse olhar, nos reportamos à sua aplicabilidade como tal.
Sua abrangência vai desde o entretenimento, passando pela retórica, pelo conhecimento das
línguas em que é escrita, lida, declamada, à associação a outras áreas do conhecimento como
psicologia, história, sociologia etc. É através dessa linguagem artística, simbólica, carregada
de figuras de linguagem que muitos escritores podem dialogar com os seus públicos-leitores
de acordo com o contexto em que suas obras são produzidas. Ou, ainda, apresentar narrativas
que desafiem seus leitores através do conteúdo, da temática, da linguagem, da forma ou da
estrutura. Isso se justifica porque
A obra de arte pode também transmitir um conhecimento que não se encaixa
no esquema platônico; ela o faz quando antecipa caminhos da experiência
futura, imagina modelos de pensamento e comportamento ainda não
experimentados ou contém uma resposta a novas perguntas (JAUSS, 1994, p.
39).
Para ilustrar nossas reflexões, podemos citar uma extensa quantidade de romances
escritos em diversas épocas que se tornaram representativas dos seus países e/ou de suas
cidades de acordo às necessidades das instâncias de produção dos autores ou dos contextos
aos quais pertenciam. Assim, temos Dom Quixote, de Miguel de Cervantes (Espanha);
Hamlet, de Shakespeare (Inglaterra); Madame Bovary, de Gustave Flaubert (França); O primo
Basílio, de Eça de Queirós (Portugal). No Brasil, podemos citar Iracema, de José de Alencar,
Dom Casmurro, de Machado de Assis, Macunaíma, de Mário de Andrade, Triste Fim de
Policarpo Quaresma, de Lima Barreto, Vidas Secas, de Graciliano Ramos, Fogo morto, de
José Lins do Rêgo, Terras do sem-fim, de Jorge Amado, O tempo e o vento, de Érico
Veríssimo e Grande Sertão: veredas, de Guimarães Rosa. Todas essas obras foram aclamadas
pela crítica dos seus países e constam no cânone de cada um deles. Também foram
40
responsáveis pela formação de públicos distintos a partir da proposta de leitura que
apresentavam e também pela identificação dos seus leitores com aquilo que liam.
Como as citadas, muitas outras obras também foram responsáveis por inaugurarem
novas formas de leitura. Inspirados por elas, os públicos contribuem, significativamente, para
a atualização dos textos produzidos no passado, tendo por base as referências que seus autores
possuíam do seu tempo. Ainda assim, esses textos se atualizam na leitura dos públicos
modernos que “emprestam” às novas leituras sensações, sentimentos, reflexões, conjeturas de
suas próprias vidas. A razão estaria nas temáticas, donde se destacam as obras românticas de
Shakespeare e Alexandre Dumas, por exemplo, adaptadas para o cinema e para a televisão,
inspirando narrativas temporariamente distantes das originais.
Sob a ótica do artístico, vale uma observação no quesito “linguagem”, que é própria de
cada escritor. Em Dom Casmurro, por exemplo, o narrador-personagem Bentinho faz da
linguagem o elemento principal do texto ao confundir o leitor com suas percepções sobre
Capitu, Escobar, os demais personagens e todo o mundo que o cerca. A literatura machadiana
diz o necessário ou o que narrador julga como tal. Outro exemplo é Macunaíma. O narrador
adequa a linguagem do texto ao contexto imaginado pelo escritor. Assim, não há apenas um
Macunaíma, independente das metamorfoses pelas quais o personagem passa; a própria
linguagem também cria outros Macunaímas. Caso semelhante observamos em Grande Sertão:
veredas, em que a linguagem do texto se confunde com a história contada, tamanha a
densidade e a leveza com que o narrador de Guimarães Rosa desfila as palavras componentes
do texto. Vidas Secas e Terras do sem-fim expõem óticas regionalistas na temática e na
linguagem também. Enquanto o narrador de Graciliano Ramos aposta na densidade de sua
linguagem, tornando-a tão dramática quanto a história contada, o narrador de Jorge Amado se
vale de aspectos memorialistas, copiando expressões, hábitos e costumes próprios da região
do cacau para compor os seus personagens e as histórias apresentadas ao longo do romance.
Outro ponto a ser observado diz respeito à temática escolhida pelos autores ao
produzirem uma obra literária. Costuma-se dizer que alguns escritores, sobretudo os
canônicos, são seres à frente do seu tempo. Em parte, isso se justifica pela ousadia
apresentada em determinados textos por seus autores. Mas essa ousadia já existia na
sociedade. O autor de textos literários ficcionaliza o que já conhece, seja através de suas
próprias vivências ou a partir do ouvir contar, de suas leituras, visões etc. Desse modo, o autor
acaba por se tornar um ícone justamente pela habilidade em tratar de temas, muitas vezes
polêmicos, caros ao texto jornalístico, considerado verdadeiro ou real, por exemplo. E daí,
41
talvez, explique-se o fato de muitos leitores, de tão impactados pelo texto que leram, fazerem
inferências à obra como se dela fossem constituintes diretos, o que não deixa de ser um ganho
para o escritor e para a literatura. Alguns leitores, por conhecerem ou serem moradores de
uma cidade real representada em um romance ou conto, julgam-se conhecedores de todos os
contextos presentes em uma obra literária. Destacam-se aí as obras de Machado de Assis,
ambientadas no Rio de Janeiro, e Jorge Amado, principalmente em relação ao romance
Gabriela, cravo e canela, responsável por outras tantas histórias surgidas na cidade de Ilhéus
sobre os personagens reais apresentados naquela obra, inclusive a protagonista, que seria
amiga do autor e teria parentes que até hoje moram na região.
Pelas reflexões acima, percebemos uma abertura por parte dos escritores para que o
leitor se perceba como um ser atuante no processo de leitura ou um tipo específico de
personagem externo ao escrito, pois também foi pensado pelas instâncias de produção do
texto. Isso, sob a ótica da estética da recepção, só foi possível graças à relativização das
fronteiras que separavam, objetivamente, o autor e o texto do leitor:
Uma renovação da história da literatura demanda que se ponham abaixo
preconceitos do objetivismo histórico em que se fundamentam as estéticas
tradicionais da produção e da representação numa estética da recepção e do
efeito. A historicidade da literatura não repousa numa conexão de “fatos
literários” estabelecida “post festum”, mas no experimentar dinâmico da
obra literária por parte de seus leitores. Essa mesma relação dialógica
constitui o pressuposto também da história da literatura. E isso porque, antes
de ser capaz de compreender e classificar uma obra, o historiador da
literatura tem sempre de novamente fazer-se, ele próprio, leitor (JAUSS,
1994, p. 24).
Além disso, o “experimentar dinâmico” também revela a engenhosidade do “tecer” as
histórias contadas pelos autores. A tal engenhosidade se consolida a ponto de os leitores
mergulharem no desenrolar da narrativa, vivendo por alguns instantes aquelas passagens
descritas no romance. Essa transposição só é possível porque a narrativa é algo inerente à vida
humana. A narrativa apresenta-se como campo que reflete as próprias capacidades humanas,
posto que é de uma dinâmica e flexibilidade incontestes. Ela está presente em diversas
manifestações artísticas; é impossível dissociar arte de narrativa, uma vez que a arte se insere
em um discurso e todo discurso é de algum modo uma narrativa, ao fazer uma (re) leitura que
segue determinada orientação, determinados fins. São também diversas as formas que a
narrativa assume:
42
Inumeráveis são as narrativas do mundo. Há em primeiro lugar uma
variedade prodigiosa de gêneros, distribuídos entre substâncias diferentes,
como se toda matéria fosse boa para que o homem lhe confiasse suas
narrativas: a narrativa pode ser sustentada pela linguagem articulada, oral ou
escrita, pela imagem, fixa ou móvel, pelo gesto ou pela mistura ordenada de
todas essas substâncias; está presente no mito, na lenda, na fábula, no conto,
na novela, na epopeia, na história, na tragédia, no drama, na comédia, na
pantomina, na pintura, no vitral, no cinema, nas histórias em quadrinhos, no
fait divers, na conversação. Além disso, sob essas formas quase infinitas, a
narrativa está presente em todos os tempos, em todos os lugares, em todas as
sociedades... internacional, trans-histórica, transcultural, a narrativa está aí,
como toda a vida (BARTHES, 2011, p.19-20).
A universalidade da narrativa nos permite identificar elementos invariáveis, como o
sistema de regras, os quais conferem narratividade ao discurso. De modo que se podem isolar
os elementos particulares dos gêneros narrativos. Nesse sentido, os formalistas russos falam
de literariedade, isto é, tudo aquilo que confere o caráter literário a um texto, o que difere um
texto literário de um não literário. Seguramente um elemento que imprime literariedade a um
texto são as estratégias narrativas que o autor utiliza na elaboração da trama, da linguagem,
dos personagens.
O texto em si existe enquanto produto da interação entre leitor, texto e autor, mas,
ainda assim, esse processo não estaria consolidado sem a presença de um quarto elemento: o
narrador. É esse elemento que provoca o leitor no percurso da narrativa, não é outro senão ele
a ponte para a construção da significação do texto, que não se esgota na escrita do autor, já
que a cada leitura um novo olhar lhe é atribuído conforme o contexto de cada receptor.
Nessa perspectiva, o enunciado de toda obra de ficção está voltado para um público
leitor específico; e ao escrever, o autor projeta um narrador capaz de fazer o seu leitor dialogar
com o texto: um adulto pode até ler e se encantar pelos contos dos irmãos Grimm, mas uma
criança dificilmente irá entender ou muito menos se encantar pelo que diz um narrador dos
contos de Machado de Assis. Isso porque cada público exige estratégias narrativas específicas
que possibilitem a sintonia com a obra. O interlocutor precisa estar conectado, sintonizado,
possuir vivências para produzir os sentidos do universo ficcional.
Sob essa circunstância, o “texto postula o próprio destinatário como condição
indispensável não só da própria capacidade comunicativa concreta, mas também da própria
potencialidade significativa” (ECO, 2011, p. 37). Desse modo, entendemos que é
imprescindível para o processo de comunicação entre o texto e o leitor que o ledor
43
corresponda a certos graus de competências referentes ao da mensagem textual apresentada.
Apenas assim o destinatário conseguiria inferir na configuração de um sentido na narrativa.
O escritor necessita da cooperação do receptor para fazer o texto funcionar, ou seja,
para construir sentidos. Para tanto, o autor, por meio do narrador, não economiza predicados
para prender o seu leitor no percurso da leitura, seja ele adulto ou infantil. Em consonância
com essa concepção da colaboração, Umberto Eco (2004) ressalta os motivos que levam um
texto ficcional a convocar a participação do seu interlocutor:
Qualquer narrativa de ficção é necessariamente e fatalmente rápida porque,
ao construir um mundo que inclui uma multiplicidade de acontecimentos e
de personagens, não pode dizer tudo sobre esse mundo. Alude a ele e pede
ao leitor que preencha toda uma série de lacunas. [...] todo texto é uma
máquina preguiçosa pedindo ao leitor que faça uma parte de seu trabalho
(ECO, 2004, p.09).
É, portanto, um trabalho de produção de sentido que exige a interação mútua entre
ambas as partes – leitor e texto – visando à construção de algo que ainda não é acessível, mas
que se conjetura ao preencher as lacunas por meio dos comandos apresentados na obra, os
quais convocam o receptor a participar de forma ativa. O destinatário precisa, então,
completar o trabalho, preencher os espaços vazios, fazer a máquina funcionar até o fim
através de suas projeções somadas às do texto. Assim, entendemos que o papel do leitor frente
a uma obra não é apenas o de decodificá-la, identificar os signos verbais e em seguida guardá-
la. É muito mais. Trata-se de um exercício de reflexão ou um mergulho profundo no mundo
textual no qual cabe, dependendo da leitura, uma série de referências, memórias e
inquietações componentes do contexto de um determinado leitor. À medida que nos
familiarizamos com uma leitura, vamos acrescentando informatividade ao que lemos; não é o
texto quem nos diz mais do que percebemos em uma primeira leitura: são as nossas escolhas e
as nossas vivências que nos permitem identificar, a cada nova leitura, também novas
referências no texto lido.
Para Umberto Eco (2004, p. 14), existem leitores para todo tipo de texto. Mas muitos
leitores não se sentem à vontade diante de um texto que lhe exija mais do que ele consegue
oferecer. Assim, o autor teoriza sobre essa diversidade de leitores:
O leitor-modelo de uma história não é o leitor empírico. O leitor empírico é
você, eu, todos nós quando lemos um texto. Os leitores empíricos podem ler
44
de várias formas, e não existe lei que determine como devem ler, porque em
geral utilizam o texto como um receptáculo de suas próprias paixões, as
quais podem ser exteriores ao texto ou provocadas pelo próprio texto [...]
leitor modelo [é] uma espécie de tipo ideal que o texto não só prevê como
colaborador, mas ainda procura criar.
Sob essa ótica, destacamos a temática de um texto como um dos ingredientes
responsáveis pela identificação de possíveis leitores-modelo e posteriores escolhas por este ou
aquele escritor. Desse modo, alguém que se identifique com a temática indianista brasileira
poderá se tornar um leitor-modelo dos romances O guarani e Iracema, de José de Alencar;
quem se identifique com as temáticas regionalistas poderá escolher entre Graciliano Ramos,
José Lins do Rêgo, Érico Veríssimo, Rachel de Queiroz, dentre outros escritores canônicos e
suas temáticas. Citamos as temáticas e os autores canônicos porque são eles selecionados pelo
Ministério da Educação (MEC), Secretarias de Educação estaduais, escolas e professores.
Além do mais, é o cânone literário que se apresenta no livro didático de literatura. Tudo isso
converge para que o leitor literário brasileiro, com passagem obrigatória pela escola, em
algum momento tenha contato com um dos autores literários presentes nos manuais escolares.
Por outro lado, existem autores e temáticas excluídos do cânone. São elementos que
não se enquadram nos critérios políticos e historiográficos dos críticos responsáveis pela
eleição dos autores representantes da literatura de uma nação. Basta lembrarmos, no caso do
Brasil, que escritores como Machado de Assis (séc. XIX) e Jorge Amado (primeira metade do
século XX), por exemplo, só passaram a figurar na seletiva lista dos cânones brasileiros a
partir da segunda metade do século XX. Por outro lado, outros autores não conseguiram tal
proeza e seguem na marginalidade, caso de Caio Fernando Abreu e Hilda Hilst, por exemplo,
bem como os folhetos nordestinos que compõem a literatura de cordel. Uma das justificativas
para tal exclusão estaria na temática, na linguagem, no vocabulário ou simplesmente no novo
que tanto amedronta ou espanta os críticos tradicionais:
O novo, portanto, não é apenas uma categoria estética. E ele não se resolve
nos fatores inovações, surpresa, superação, reagrupamento, estranhamento,
fatores estes aos quais – e exclusivamente aos quais – a teoria formalista
atribui importância. O novo torna-se também categoria histórica quando se
conduz à análise diacrônica da literatura ou até a questão acerca de quais são,
efetivamente, os momentos históricos que fazem do novo em uma obra
literária o novo; de em que medida esse novo é já perceptível no momento
histórico de seu aparecimento; de que distância, caminho ou atalho a
compreensão teve de percorrer para alcançar-lhe o conteúdo e, por fim, a
45
questão de se o momento de sua atualização plena foi tão poderoso em seu
efeito que logrou modificar a maneira de ver o velho e, assim, a canonização
do passado literário (JAUSS, 1994, p. 45).
A reflexão de Jauss nos auxilia a entender o caminho que uma obra literária pode
percorrer após sua publicação, desde o simples estranhamento, caso apresente algo diferente
do que se conhece, ao julgamento de um júri representado pelos críticos literários, o que pode
enaltecer o trabalho observado, ou execrá-lo diante da sociedade leitora. Mas é também
possível que um trabalho condenado pela crítica se torne popular e consumido por uma gama
de leitores, à revelia do julgamento crítico. Isso porque a leitura literária não encontra
barreiras para expandir suas influências. E quem lê consegue perceber ou pelo menos sentir a
necessidade de buscar, a cada leitura, algo que complemente o que leu, seja na própria
literatura, como leitor, seja, como espectador no teatro, no cinema, na telenovela, por
exemplo.
O trabalho da crítica, que tem a finalidade de estudar as obras e apresentar o resultado
do trabalho frente à comunidade acadêmica e à sociedade em geral, não pode ser o único
parâmetro dos leitores em relação às suas escolhas literárias. O leitor profissional, acadêmico,
aquele que procura informações sobre autores antes de realizar uma leitura sobre suas obras,
certamente irá considerar um estudo crítico, porém os leitores comuns utilizarão outras tantas
vias de acesso a um determinado texto, ignorando por completo a qualificação acadêmica da
sua escolha literária. E qual um dos possíveis objetivos da literatura senão a sua leitura?
Independente das escolhas ler literatura já seria uma reflexão. Além do mais, a literatura
dialoga com a sensibilidade, com a memória, com mundo do leitor.
A literatura, exprimindo a exceção, oferece um conhecimento diferente do
conhecimento erudito, porém mais capaz de esclarecer os comportamentos e
as motivações humanas. Ela pensa, mas não como a ciência ou a filosofia.
Seu pensamento é heurístico (ela jamais cessa de procurar), não algorítmico:
ela procede tateando, sem cálculo, pela intuição, com faro (COMPAGNON,
2009, p. 51).
Com base nestas reflexões, percebemos que, a partir de um ato de leitura, produzimos
sentidos calcados nas construções textuais, passamos a ler o mundo e, assim, tentamos
conceituá-lo. Nessa perspectiva, ler significa conhecer o mundo em que se vive, mas não
visualmente ou virtualmente apenas. Significa construir “outras verdades” que não aquelas
conceituadas em dicionários ou enciclopédias. Ao nos conscientizarmos de tal prática,
experimentamos a criação de vários mundos, revelando um inevitável paradoxo: ao tentarmos
46
apreender o universo através do conhecimento, cada vez mais ele deixa de ser palpável, pois
faz brotar, a todo instante, novas hipóteses, possibilidades de entender o que se vê ou o que se
imagina ver, a partir de cada nova leitura executada.
2.3. A literatura brasileira: identidade nacional, crítica e historiografia
Lemos, mesmo se ler não é indispensável para viver, porque a vida é mais
cômoda, mais clara, mais ampla para aqueles que leem que para aqueles que
não leem. Primeiramente, em um sentido bastante simples, viver é mais fácil
[...] para aqueles que sabem ler, não somente as informações, os manuais de
instrução, as receitas médicas, os jornais e as cédulas de voto, mas também a
literatura (COMPAGNON, 2009. p. 29).
A epígrafe acima, extraída da conferência de Antoine Compagnon (2009) ressalta a
importância da leitura e principalmente da leitura literária. E essa importância não estaria
relacionada a ganhos materiais ou a conquistas relacionadas à erudição, ao conhecimento
técnico das palavras, ao cânone literário e suas características, dentre outros. A importância do
ato de ler literatura se justifica justamente no confronto que esta provoca entre o leitor e o seu
mundo dito real. Ao defendermos tal posicionamento, provocamos uma série de
questionamentos. Mas isso também é fruto da leitura literária, pois dificilmente ela nos diria o
que já sabemos ou o que cremos. A literatura provoca mesmo quando parece não fazê-lo. E a
um leitor atento não lhe escapa uma simples referência ou estratégia narrativa, como uma
figura de linguagem, algumas simples reticências, excesso de descrição, etc. Para isso, além
de atenção, cabe uma reflexão acerca do que se leu, pois assim se realiza um exercício
fundamental de interpretação que não se limita às questões padronizadas, as quais estamos
acostumados a encontrar sobretudo nas escolas. Esse exercício seria o responsável pela
expansão da nossa capacidade de ler além das palavras ali depositadas no texto literário. Isso
seria a construção da nossa literatura.
Com essa reflexão, iniciamos uma discussão acerca da literatura brasileira e suas
implicações. O surgimento da literatura em terras brasileiras, época em que éramos colônia de
Portugal, se dá oficialmente, com a chegada dos portugueses, em 1500. Oficialmente, o
primeiro texto literário escrito no Brasil-colônia é a Carta de Pero Vaz de Caminha, enviada
ao rei Dom Manuel, em 1500. Mas até a chegada da família real portuguesa, em 1808, por
ocasião da investida do imperador francês Napoleão Bonaparte contra a coroa portuguesa, as
produções literárias e o público consumidor de literatura naquela época, eram esparsos.
47
Poucos eram os escritores, na maioria cônegos ou ocupantes de outros cargos na Igreja
Católica. No Brasil colônia, destacam-se os escritores portugueses Padre Antônio Vieira,
Tomaz Antônio Gonzaga (nascidos em Portugal), Basílio da Gama, Santa Rita Durão e
Cláudio Manuel da Costa (nascidos em Minas Gerais) e Gregório de Matos (nascido em
Salvador). Quanto aos leitores, apenas o clero e alguns nobres tinham acesso à leitura, pois na
época em questão, não havia escolas tais como as conhecemos hoje; por isso, o ensino e a
leitura, não eram democratizados.
Na passagem do século XVIII para o século XIX, a burguesia europeia se configura
como classe social e institucionaliza os seus valores, reportando-os à educação e, de certo
modo, repetindo os feitos das civilizações antigas. Isso repercutiu aqui no Brasil e influenciou
na tomada de decisões por parte dos nossos governantes da época. A leitura passou a ser
veiculada por mecanismos de controle, gerenciados pela nova classe, e atendia a uma
economia de mercado, sobretudo quando ensinada através dos meios oferecidos pela
sociedade capitalista. Em outras palavras, o ensino obedecia a padrões estabelecidos que
objetivavam a permanência dos valores e costumes dentro do novo regime. Nesse contexto, as
formas tradicionais de apropriação vão sendo substituídas à medida que surgem os mais
variados tipos de leitores. O livro consolida-se como forma de lazer, consumível e, quanto ao
custo, barato. Segundo Lajolo e Zilberman (2011, p. 16):
[...] tal como aconteceu à literatura infantil, a indústria do lazer descobriu seu
material primitivo entre a população rural. Os primeiros exemplos provieram
da literatura de cordel, molde para a fabricação do folhetim, gênero que se
expandiu nos centros urbanos, graças à difusão do jornal, e que colaborou
com a estruturação e fortalecimento do romance.
A partir de então, o ato de ler torna-se cada vez mais político, gerando uma gama de
representações culturais, as quais atingem as mais diversas nacionalidades, justificando os
modos como se dão as apropriações pelo leitorado que se forma, resultante de tais processos.
O Brasil se lança no mundo da leitura sob o controle de Portugal. Inicialmente pela
censura eclesiástica e pelo poder absolutista português, nos primeiros anos do período
colonial, e, mais tarde, principalmente pelo último, quando a Companhia de Jesus perde apoio
real e é substituída pelo Marquês de Pombal. Assim, além do controle interno, qualquer
escrito que chegasse aos colonos, antes teria passado pelo crivo de uma censura lusitana.
48
Quando se tratava de controlar os súditos, a coroa portuguesa não media
esforços. Temendo a difusão de ideias perigosas, fazia com que seus órgãos
de censura controlassem não apenas o envio de livros para as colônias
d’além-mar, mas também a movimentação livresca entre cidades
portuguesas, autorizando ou não a circulação de livros dentro do país
(ABREU, 2003, p. 23).
Com todas as transformações que o mercado de livros havia sofrido, no que diz
respeito à circulação, ainda se verificavam muitas restrições. O ato de ler era cada vez mais
socializado, principalmente após a transferência da responsabilidade da formação educacional
da Igreja para a coroa portuguesa. Uma das práticas da censura portuguesa era licenciar os
livros que aqui chegavam. Desse modo, qualquer impresso que comprometesse as convenções
portuguesas certamente seria descartado. Porém, a despeito das restrições e da censura,
estávamos caminhando para a formação de um público leitor, cujo crescimento torna-se
visível quando observamos o número de pedidos de obras literárias feitos pelos então colonos:
O movimento de livros em direção ao Brasil era muito mais intenso do que
entre as cidades portuguesas e extraordinariamente superior ao registrado em
relação às outras colônias. Entre 1769 e 1826, registram-se em torno de 700
pedidos de autorização para envio de livros para o Rio de Janeiro, outros 700
para a Bahia, 350 para o Maranhão, 200 para o Pará e mais 700 para
Pernambuco. Em 50 e poucos anos, por mais de 2600 vezes, pessoas
manifestaram interesse em remeter livros para o Brasil – número que se
torna mais impressionante quando se considera que cada um dos pedidos
requer autorização para o envio de dezenas e, às vezes, centenas de obras
(ABREU, 2003, p. 27).
Ainda que consideremos os dados levantados pela pesquisadora Márcia Abreu, a
quantidade de impressos chegados ao Brasil colônia não significou a consolidação de práticas
leitoras. O leitorado incipiente da época era formado pelos poucos alfabetizados – os nobres
que aqui viviam – e, mais tarde, também pelos emergentes profissionais liberais. O número de
exemplares que chegava estava longe de refletir as reais condições da leitura aqui produzida,
pois não havia espaços que viabilizassem tal prática. Portanto, o nosso maior
produtor/fornecedor de livros era Portugal e, como não possuíamos imprensa, até mesmo os
escritores e poetas nascidos ou que viviam na colônia tinham suas obras publicadas,
oficialmente, em terras lusitanas, julgadas e, caso obtivessem licença, liberadas para consumo.
Com a vinda da família real para o Brasil, verificaram-se relevantes mudanças no que
diz respeito à produção do impresso, como por exemplo a implantação da Impressão Régia,
responsável pelo surgimento do mercado do livro na colônia. Inicialmente, republicaram-se
49
obras de outras nacionalidades, já que o número de escritores na colônia era exíguo e as obras
aqui produzidas seriam uma espécie de biografia romanceada de algum nobre, a julgar pela
característica elegíaca dos textos publicados. Conforme observa Márcia Abreu (2003, p. 84), o
livro aqui publicado significaria moeda de troca “para obtenção de postos e favores ou para
ganhar a simpatia dos poderosos, já que quantidade significativa de obras saídas dos prelos da
Impressão Régia dedicava-se ao elogio dos soberanos”.
Naquele momento, o livro estava configurado como objeto de consumo, submetido às
leis de mercado vigentes que determinavam as suas condições de produção. Portanto, se eram
as obras estrangeiras que nos seduziam, se os nossos escritores eram em menor número e,
ainda, se nossa produção não possuía quase representatividade, o mais viável era atender às
demandas. Mas se consideramos o livro, até o momento, como instrumento mercadológico,
interessa-nos também saber quem eram os seus consumidores, leitores reais, de carne e osso.
Para Márcia Abreu (2001), essa é uma tarefa difícil, pois tais leitores não deixaram ou pouco
deixaram pistas que levassem à sua identidade.
Conforme observamos anteriormente, era significativo o número de exemplares
solicitados e liberados pelos portugueses. No entanto, os inventários realizados naquela época,
no Rio de Janeiro, apresentavam dados destoantes quando do levantamento dos livros, já que
o número de exemplares inventariados estava sempre aquém do número de registrados quando
entravam no Brasil. Não se sabe exatamente os motivos de tal discrepância, mas Márcia
Abreu (2001) aponta algumas possibilidades, como o uso em excesso e, consequentemente, o
desgaste do material, ou o gênero do material impresso, geralmente livros de ficção. A autora
ainda sinaliza que, dentre os livros encontrados nos inventários, a maioria era de cunho
técnico, relacionado à medicina e ao direito. Outra explicação estaria na desvalorização do
livro pelos avaliadores responsáveis pelos inventários.
Ainda que guardadas as diferenças de valor em função dos formatos e tipos
de encadernação, os impressos, ao contrário do que se imagina, eram coisa
barata. Dentre os bens avaliados nos inventários, o livro era o que possuía
valor unitário dos mais baixos, podendo chegar a ser considerado “sem
serventia” pelos avaliadores. Obras como “Vida de Dom Nuno Alvares
Pereira”, “Predestinado Peregrino”, “Hum livro de Sermoens”, “Catecismo
de Monte Pelier” foram consideradas “sem valor”, ao passo que “duas
escadas quebradas” eram estimadas em $2001. Observando outros bens
inventariados só foi possível localizar uma outra mercadoria sem valor além
dos livros: “hum par de botas rotas sem valor” (ABREU, 2001, s/p).
50
Assim, entendemos que, mesmo que a leitura fosse praticada de diversas formas, isso
não significou que o público leitor vigente encarasse o impresso como instrumento de valor
cultural; pelos dados levantados, ele estaria relacionado à cultura do entretenimento e do lazer.
Em outras palavras, a leitura poderia ser um negócio lucrativo para os que lidavam
profissionalmente com ela (governo e responsáveis pela Impressão Régia), mas tal
empreendimento não logrou êxito evidente no que diz respeito à apropriação por parte dos
consumidores.
Uma campanha de criação de um relevante público leitor só iria se configurar a partir
da independência política do país. O processo de independência política contou com uma série
de projetos, dentre os quais a inserção do livro didático no país. Segundo Lajolo e Zilberman
(2011, p. 144-145), um dos principais projetos foi o de Cunha Barbosa, que propunha “[...]
uma obra única para cada matéria, subordinada à interferência do Estado, estabelecendo outro
patamar para o paternalismo centralizador em que o livro didático começou a ser produzido
no Brasil”.
Quando somos reconhecidos como nação, as formas de apropriação do impresso
seguem as tradições europeias, isto é, são legitimadas por uma incipiente classe elitista,
estimulada pelo pensamento nacionalista, fruto de correntes filosóficas que vigoravam na
época. Aos leitores, sobretudo aos consumidores de obras literárias, eram “ofertados”
clássicos da literatura universal e com poucas e tímidas produções brasileiras, as quais,
inicialmente, atendiam aos interesses burgueses.
O projeto nacionalista também foi responsável pelo surgimento de uma crítica literária
que, apesar das contradições, estimulou o florescimento de uma literatura que se pretendia
“genuinamente” nacional, amparada por várias áreas do conhecimento, que se
comprometeram a contribuir com tal propósito.
Com efeito, a literatura foi considerada parcela dum esforço construtivo mais
amplo, denotando o intuito de contribuir para a grandeza da nação. Manteve-
se durante todo o Romantismo este senso de dever patriótico que levava os
escritores não apenas a cantar a sua terra, mas a considerar as suas obras
como contribuição ao progresso. Construir uma “literatura nacional” é afã,
quase divisa, proclamada nos documentos do tempo até se tornar enfadonha
(CANDIDO, 2009, p. 328).
É nesse clima que se começa a construir o perfil do leitorado brasileiro, localizado
entre a forte influência da cultura europeia e a emergente cultura nacional, que procurava se
51
impor. Mas, ao contrário do que sonhavam os nacionalistas, o rompimento com os
portugueses só se revelou no plano político. As parcerias, no que diz respeito às trocas
simbólicas, aumentaram entre Brasil e Portugal, sobretudo, mas também entre o novo país e
outros países.
Ao longo do século XIX foram constantes as trocas culturais, comerciais
[...]. Naturalmente as relações não estavam isentas de problemas e alguns
perceberam desde cedo como era importante criar mecanismos de proteção e
ajuda que acabaram sendo usufruídos por portugueses e brasileiros
(FERREIRA, 1990, p. 05).
Como apontamos antes, as práticas leitoras no Brasil assumiram as mais diversas
formas, pois resultaram de vários aspectos culturais dos povos envolvidos, ainda que
indiretamente, com a colonização do nosso país. Essa diversidade gera dificuldades no que
tange à catalogação dos leitores formados a partir de tais práticas. Por outro lado, em nenhum
instante percebemos um papel de relevância das escolas, isso porque a literatura, no século
XIX, apesar de toda a incipiência do leitorado em formação e da quase inexistência de
escolas, conseguia criar público leitor pelo país afora, independentemente das formas
escolhidas de apropriação deste ou das conclusões a que os estudiosos chegavam; isso porque
[...] não eram representados literariamente apenas os leitores alfabetizados;
os ouvintes, os receptores de segunda-mão, por serem figuras comuns no
cotidiano da sociedade, e por significarem uma parcela concreta no grupo
dos consumidores da mercadoria literária, são também personagens, isto é,
são também transformados em texto, para que se ouçam e se visualizem,
criando uma imagem de si, a qual teria tudo para tornar-se expectativa de
repetição e deslocamento. Há que se levar em conta aí, o fato de o livro,
enquanto entidade material, não ser acessível a grande número de receptores:
era um bem de acesso restrito (PINA, 2002, p.87).
Observamos, desse modo, o quanto é árduo entender o leitorado oitocentista, levando
em consideração os pontos levantados acima, pois precisamos nos habituar a percebê-lo como
coletivo. Ele é diverso, foge à institucionalização e às práticas recorrentes em nossa sociedade
atual. Além do ato físico de ler, o leitor também “lia” através do outro. Por outro lado, os que
liam fisicamente – desde o leitor empírico, aquele que usava a leitura ao seu bel prazer, até o
leitor profissional, crítico – estavam longe de atender às idealizações pensadas para figurar
como representantes da cultura letrada do país. Tanto o leitor comum quanto o crítico
52
buscavam, impelidos pelo projeto nacionalista, formas de identificação entre a cultura local e
o que o impresso produzia, deixando de lado o modo como se dava o processo de apropriação.
A prática dos críticos e, consequentemente, dos leitores comuns, no
oitocentos brasileiro, relacionava-se à busca de fragmentos de cultura que
pudessem dar uma certa linearidade ratificadora ao conceito de nação
brasileira. A formação de nosso cânon literário, a partir do Romantismo, e a
de nossa rede de pensamento sobre a literatura – seja este crítico ou artístico
– passaram por um filtro de acriticidade repetitiva, pautado no nacionalismo
como critério de abordagem da arte (PINA, 1995, p. 14).
Cabem aqui algumas considerações em relação aos estudiosos de literatura da época,
os críticos em especial. Era entre escritores e críticos, principalmente, que se polarizavam as
discussões a respeito do que deveria ser considerado componente de literatura brasileira,
segundo os critérios instituídos. Entretanto, não se chegava a um consenso sobre as questões
levantadas, nem de outras que surgiam à medida que se tentava delimitar o caráter e a história
da literatura brasileira: de um lado, os defensores da recém-formada pátria e,
consequentemente, de uma identidade nacional; e de outro, os defensores dos modelos
clássicos, que deveriam ser copiados pela simples razão de serem consagrados.
Assim, construímos a nossa história literária a partir dos preceitos nacionalistas de
base positivista, preocupando-nos, sobretudo, com a criação de um modelo, dando mais
ênfase à produção do que à recepção. Enquanto as discussões estavam direcionadas à
formação do cânone literário brasileiro – ainda que alguns resistissem, imitando os modelos
europeus –, os leitores, praticamente inexistentes, eram “vítimas” da inconstância política dos
nossos críticos.
Apesar da fragilidade característica do leitorado que se compunha, aos poucos se
formava um público consumidor: alguns “ouvintes” da literatura indicada, controlados pelos
discursos legitimados, outros consumidores das mais diversas obras, no intuito de adquirir
respeito a partir do que liam. Assim, na ausência de escolas de Letras, os profissionais de
diversas áreas, incluindo o Direito e a Medicina, além dos religiosos, eram produtores e
consumidores de literaturas que não eram somente destinadas à sua profissão, mas
significavam status e poder de legitimar e indicar as leituras que fossem de seu agrado.
As práticas institucionalizadas de leitura determinavam as formas de apropriação do
material impresso, envolvendo concepções éticas, morais, econômicas, sociais etc. Em outras
palavras, estavam cristalizados o uso e o reconhecimento das práticas leitoras; atender aos
53
seus requisitos era condição para se ter acesso àquele bem, fosse o indivíduo que praticasse a
leitura ou o que ouvia atentamente o que era lido. Sobre isso, Márcia Abreu (2007, p. 02)
observa:
É relativamente recente também a ideia de que o bom leitor é o que lê muitos
e variados textos. Durante séculos a quantidade de impressos disponível era
pequena, seu preço, elevado, e o livro, muitas vezes, sacralizado – mesmo
que não tratasse de tema religioso. O bom leitor era aquele que lia pouco,
relia com frequência e meditava muito sobre os escritos. Ler muito poderia
ser visto como um problema – até mesmo para a saúde.
Tais comportamentos foram disseminados pelo país no século XIX. Logo, os leitores,
advertidos dos males que a leitura poderia causar à saúde, tendiam a abandoná-la ou praticá-la
em menor grau, como alguns médicos aconselhavam. Além disso, outra concepção atribuída à
época recai sobre as questões morais e éticas. O consumo da literatura poderia causar também
o desvirtuamento das senhoras de família e das moças, pois os romances apresentavam
conteúdos inadequados, temas proibidos e, assim, seria um perigo para a imagem da mulher
da época. No entanto, por conta de contatos estabelecidos com outras culturas, pela criação de
laços cada vez mais significativos com o material impresso, o leitorado cria outras formas de
se apropriar de um determinado texto, revelando que as novas práticas independem da
política. São reações culturais coletivas às provocações do tempo e do lugar.
Mas é sobretudo em Machado de Assis, escritor, cronista e crítico literário que
encontramos práticas que diferem dos modelos instituídos de produção escrita e consumo de
leitura literária. No conto “Ex-catedra”, publicado pela primeira vez em 1884, o autor já nos
apresenta uma preocupação com a formação de leitores no oitocentos brasileiro. Assim,
inaugura uma prática que vai além de simples conversas com o leitor, como faziam os
romancistas. Além de “seduzir” o seu leitor, discutia o problema da leitura no próprio
impresso. Por isso, o leitor machadiano é “convidado” a criar as suas próprias estratégias de
leitura.
“Ex-catedra” narra a história de Fulgêncio, um sujeito apaixonado pelas letras e por
tudo o que elas representam. Fascinado, encontra explicação e significação para todas as
coisas através da leitura. Vive com uma sobrinha adolescente chamada Caetaninha, a quem
tenta educar à sua maneira no que diz respeito ao tratamento com a leitura. Certo dia, recebe
em sua casa outro sobrinho, Raimundo, também adolescente como Caetaninha, e resolve
juntar os dois jovens formando um casal, mas não de forma abrupta. Decide criar uma teoria
54
capaz de promover aquela união, com bases científicas, sem que os dois percebam. Põe em
prática o plano, e os referidos jovens, então, atendem às proposições do tio.
As teorias pensadas pelo tio para “alfabetizar” os jovens na arte do amor buscavam
referências nas mais diferentes áreas do conhecimento, uma vez que ele era um leitor voraz de
filosofia, ciências, artes, etc. O método utilizado se assemelhava a um folhetim, que ia
contando pouco a pouco os acontecimentos de uma história. Além disso, utilizava-se de um
certo didatismo para prender a atenção dos sobrinhos. Assim, a relação entre os dois jovens se
constrói, supostamente, de forma análoga a um processo legitimado de aprendizado de leitura,
através do direcionamento do tio Fulgêncio. No entanto, mesmo sem prever isto, o tio acaba
provocando uma liberdade nunca imaginada pelos jovens. Mas, ainda assim, o tio “louco”
segue com o seu propósito:
_ Para a semana, pensava o velho doutor, dando volta à chave, para a semana
entro na organização das sociedades; todo o mês que vem e o outro é para a
definição e classificação das paixões; em maio, passaremos ao amor... já será
tempo... (MACHADO DE ASSIS, 2005, p.135).
O leitor menos atento acreditará que o tio conseguirá seu intuito, uma vez que
conquistou a confiança e o respeito dos jovens, por ser um “doutor” das letras. Além disso, o
método utilizado por Fulgêncio é fruto das práticas de leitura com as quais os leitores do
século XIX estavam habituados: a leitura didática. Logo o tio acreditou que seu método
poderia dar certo, uma vez que havia planejado minuciosamente cada detalhe para conseguir o
seu intento, como se fosse um plano de aula, não se esquecendo de aplicá-lo e associá-lo às
mais diversas áreas do conhecimento, assim como os professores faziam e fazem no preparo
de suas aulas.
No entanto, os jovens, ao se descobrirem apaixonados, seguem seu próprio rumo, sem
se importar com as teorias formuladas pelo tio:
Enquanto ele dizia isto, e fechava a porta, alguma coisa ressoava do lado da
varanda — um trovão de beijos, segundo disseram as lagartas da chácara;
mas, para as lagartas qualquer pequeno rumor vale um trovão. Quanto aos
autores do ruído nada positivo se sabe. Parece que um maribondo, vendo
Caetaninha e Raimundo unidos nessa ocasião, concluiu da coincidência para
a consequência (sic), e entendeu que eram eles; mas um velho gafanhoto
demonstrou a inanidade do fundamento, alegando que ouvira muitos beijos,
outrora, em lugares onde nem Raimundo nem Caetaninha pusera os pés.
55
Convenhamos que este outro argumento não prestava para nada; mas, tal é o
prestígio de um bom caráter, que o gafanhoto foi aclamado como tendo ainda
uma vez defendido a verdade e a razão. E daí pode ser que fosse assim
mesmo. Mas um trovão de beijos? Suponhamos dois: suponhamos três ou
quatro (MACHADO DE ASSIS, 2005, p. 135).
Assim, entendemos que Machado de Assis apresentou uma história, contada por um
narrador crítico e inteirado do problema da leitura naquele período, sobretudo a leitura que se
pretendia única, pois o comportamento final dos jovens abre espaço para vários caminhos,
provavelmente nunca imaginados por Fulgêncio. Apropriaram-se das técnicas do tio e as
reformularam ao seu bel prazer. Por isso, provocaram tanta discussão por parte dos “animais”
que observam os dois após a aula final do tio. Em outras palavras, assim como a paixão
provoca momentos de rebeldia às normas impostas por uma sociedade, a leitura também foge
ao controle. A partir daquele momento, os jovens reconheciam as suas próprias “armas” para
lidar com as estratégias fornecidas por Fulgêncio, assim como o leitor astuto o faria em
relação ao texto narrado: inicialmente seduzido, posteriormente descortinador, afinal,
consideraria a leitura do conto como um exercício que o faz experimentar, ao mesmo tempo, a
leitura da obra ficcional e da própria vida, tendo como elemento central a própria leitura.
Caso semelhante acontece com outras obras de Machado de Assis, como o romance
Dom Casmurro. Aqui, o narrador personagem Bentinho se “apodera” da ficção e usa as
palavras, casando-as de um modo que até o mais atento dos leitores pode se confundir diante
de tamanhas armadilhas. A linguagem forma um labirinto, começando pela descrição dos
personagens e dos espaços, descritos minuciosamente, até a desconfiança do narrador
personagem em relação à personalidade da esposa, Capitu.
Realmente, era de Marte, mas é claro que só apanhara o som da palavra, não
o sentido. Fiquei sério, e o ímpeto que me deu foi deixar a sala, Capitu, ao
percebê-lo, fez-se a mais mimosa das criaturas, começou-me na mão,
confessou-me que estivera contando, isto é, somando uns dinheiros para
descobrir certa parcela que não achava. Tratava-se de uma conversão de
papel em ouro. A princípio supus que era um recurso para desenfadar-me,
mas daí a pouco estava eu mesmo calculando também, já então com papel e
lápis, sobre o joelho, e dava a diferença que ela buscava (MACHADO DE
ASSIS, 2006, p. 129).
Esse é um exercício de leitura literária que pede muito mais do que os mecanismos
didáticos fornecidos pelas aulas escolares, pois as táticas para decifrar um enigma não se
oferecem gratuitamente ao leitor, exigem um comportamento simples do leitor (prestar
atenção ao “desfile” das palavras no texto e realizar a sua própria interpretação). No entanto,
56
essa simplicidade não será alcançada se o leitor não apresentar uma capacidade mínima de
produzir táticas e estratégias de leitura para interpretar um mero enunciado. E se não for capaz
disso, não terá efetuado uma leitura.
No conto “A chinela turca”, o narrador machadiano brinca com a “lentidão” das
narrativas e desafia as convenções ao apresentar uma narrativa cuja oscilação entre lentidão e
rapidez define a história do conto: um bacharel chamado Duarte se apronta para o encontro
com a sua namorada e, no instante em que está prestes a sair, recebe a visita do Major Lopo
Alves, que leva consigo uma peça literária de cento e oitenta páginas. O major solicita ao
amigo que ouça a leitura do texto e faça as suas considerações. O bacharel, como tem apreço e
gratidão ao major, resigna-se e se entrega à enfadonha leitura, ouvindo-o, no início,
atentamente. Em determinado momento, adormece e outras histórias dominam a narrativa: é a
imaginação do personagem atuando na história central através do sonho:
Eram quase onze horas quando acabou a leitura deste segundo quadro.
Duarte mal podia conter a cólera; era já impossível ir ao Rio Comprido. Não
é fora de propósito conjeturar que, se o major expirasse naquele momento,
Duarte agradecia a morte como um benefício da Providência. Os sentimentos
do bacharel não faziam crer tamanha ferocidade; mas a leitura de um mau
livro é capaz de produzir fenômenos ainda mais espantosos. Acresce que,
enquanto aos olhos carnais do bacharel aparecia em toda a sua espessura a
grenha de Lopo Alves, fugiam-lhe ao espírito os fios de ouro que ornavam a
formosa cabeça de Cecília; via-a com os olhos azuis, a tez branca e rosada, o
gesto delicado e gracioso, dominando todas as demais damas que deviam
estar no salão da viúva Meneses. Via aquilo, e ouvia mentalmente a música,
a palestra, o soar dos passos, e o ruge-ruge das sedas; enquanto a voz
rouquenha e sensaborona de Lopo Alves ia desfiando os quadros e os
diálogos, com a impassibilidade de uma grande convicção (MACHADO DE
ASSIS, 2008, p. 93-94).
A partir da expressão “mas a leitura de um mau livro é capaz de produzir fenômenos
ainda mais espantosos”, a narrativa central introduz outras narrativas veiculadas pelo sonho do
Bacharel Duarte. É a pista que o texto machadiano fornece ao leitor para que este se despeça
do “controle” mecânico das leituras categorizadas. Sabemos que ler é um ato que se aprende,
mas o que se faz com tal aprendizado é o que pode definir os níveis de leitura. Um leitor
desatento passaria reto sem fazer consideração alguma nas expressões simbólicas do texto. Ou
seja, não identificaria a ruptura entre uma narrativa e outra no conto em destaque. Já o leitor
astuto não só poderia identificar a referida estratégia, como também verificaria que a principal
atividade de leitura do texto não é a simples história que se conta, mas a forma como as
histórias se desenvolvem ao longo da leitura.
57
Tanto o romance quanto os contos machadianos destacados reportam a um estágio
anterior ao da “consciência crítica” da leitura: trata-se da imaginação. Esse recurso, tão caro
aos leitores escolarizados brasileiros, pode ser responsável por construções ficcionais ou
textos jornalísticos, os quais seriam capazes de atribuir sentidos diversos a um único ponto.
Apela-se à imaginação, à criatividade do leitor para reconfigurar a linguagem, realizando uma
espécie de literariedade da narrativa que leu. Ao conseguir tais efeitos, o leitor se insurge
contra um sistema de normas de leitura e compreensão textual, opondo-se aos meios
facilitadores de entendimento do texto, realizando um exercício que é propício à literatura:
A literatura é de oposição: ela tem o poder de contestar a submissão ao
poder. Contra poder, revela toda a extensão de seu poder quando é
perseguida. Resulta disso um paradoxo irritante: a liberdade não lhe é
propícia, pois priva-a das servidões contra as quais resistir (COMPAGNON,
2009, p. 34).
Assim, vislumbramos um dos papéis atribuídos à literatura: opositora. E ao
destacarmos o pensamento de Compagnon (2009), talvez entendamos alguns dos motivos
pelos quais a literatura é domesticada nas escolas. Ao provocar a imaginação do leitor, como o
fazem os narradores machadianos e os narradores de outros autores, a ficção literária
certamente não se transformaria em realidade, mas possivelmente provocaria os seus
receptores a entenderem não apenas o conteúdo, mas a construção de um poderoso discurso
que, a depender do tipo de texto literário, seria associado a outros textos, literários ou não, e
talvez respondessem questões que muitas vezes os nossos leitores não teriam a capacidade
nem mesmo de formulá-las.
A literatura deve ser, portanto, lida e estudada porque oferece um meio –
alguns dirão até mesmo o único – de preservar e transmitir a experiência dos
outros, aqueles que estão distantes de nós no espaço e no tempo, ou que
diferem de nós por suas condições de vida. Ela nos torna sensíveis ao fato de
que os outros são muito diversos e que seus valores se distanciam dos nossos
(COMPAGNON, 2009, p. 47).
58
III – O LIVRO DIDÁTICO COMO OBJETO DA HISTÓRIA DA
EDUCAÇÃO BRASILEIRA
3.1. O livro didático em debate: a pesquisa crítica
Em relação às investigações no Brasil, na década de 1980 três estudos
referenciam o encaminhamento que as pesquisas sobre o livro didático
tinham na época. São eles: o catálogo analítico publicado pela Unicamp
(1989, “o que sabemos sobre livro didático”), resultante de pesquisa que
mapeia os estudos sobre livros didáticos existentes no Brasil; e de Freitag et
al. e de Oliveira et al., obras que abordam a temática do livro didático
principalmente nos aspectos da economia política do período (CASSIANO,
2013, p.34).
Os estudos realizados no Brasil sobre o livro didático, a partir do seu surgimento em
1930, foram encomendados e realizados por pessoas ligadas diretamente aos governos
vigentes. Até a década de 1980, pouco se sabia sobre o tema, uma vez que se tratava de um
importante divulgador das ideologias políticas que vigoravam na época e, consequentemente,
a censura impedia julgamentos críticos a seu respeito. Somente a partir da década de 80 é que
passamos a conhecer uma bibliografia crítica sobre essa questão. Por isso, selecionamos as
referências que julgamos relevantes para auxiliarem em nossa investigação.
O livro A política do livro didático (1984), de João Batista Araújo e Oliveira, Sonia
Dantas Pinto Guimarães e Helena Maria Bousquet Bomény, é um dos pioneiros nessa área. É
citado em pesquisas como dissertações de mestrado e teses de doutorado sobre a temática
“livro didático” a partir daquele momento, o que, de certo modo, legitima a metodologia
utilizada naquele trabalho e os resultados obtidos pelos pesquisadores.
A pesquisa, segundo os autores, nasceu a partir da necessidade de enriquecer os
debates sobre tecnologias educacionais junto ao Programa de Estudos e Pesquisas da
Associação Brasileira de Tecnologia Educacional – ABT, uma vez que não se dispunha de
estudos críticos sobre o livro didático, considerado pelos pesquisadores a tecnologia mais
utilizada e mais importante na prática escolar:
A inexistência de uma bibliografia sistematizada foi providencial: obrigou-
nos a procurar, nos vários lugares possíveis, uma série de informações e
trabalhos que permitiram uma visão bastante ampla – embora não
igualmente profunda – dos contornos dentro dos quais se torna interessante
59
fazer indagações sobre o tema. Sem preconceitos acadêmicos, foram
pesquisadas origens e abordagens técnicas, filosóficas, literárias, políticas e
econômicas a respeito do problema [...] (OLIVEIRA et. al., 1984, p. 7).
Vale mencionar que os dados obtidos pelos pesquisadores foram coletados, em
princípio, em acervos bibliográficos da biblioteca da Fundação Getúlio Vargas, no Rio de
Janeiro; na biblioteca da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro;
na biblioteca do Ministério da Fazenda, no Rio de Janeiro; na Biblioteca Nacional; na
biblioteca da Câmara dos Deputados e na biblioteca do Senado Federal, em Brasília. Também
foram pesquisados os arquivos Capanema da Fundação Getúlio Vargas. Além disso, foram
entrevistados secretários de estado, técnicos de ministérios, secretarias e programas de livro
didático, professores, editores, livreiros, autores, economistas, dentre outros ligados à área de
investigação.
Com a intenção de enriquecer os estudos, os autores foram às salas de aulas de cidades
do interior (não mencionam quais) ouvir o que professores, alunos e autoridades educacionais
tinham a dizer sobre o livro didático. Formularam um questionário sobre o tema e o aplicaram
em várias escolas.
Feito isso, os autores revelam que enquanto realizavam a coleta dos dados, faziam
sucessivas reuniões para discutir o material que haviam encontrado. Isso fez com que a
metodologia do trabalho fosse modificada ou ampliada, de acordo às necessidades impostas
pela dinâmica da pesquisa que se realizava. Concluíram que, por ser um tema complexo, havia
muitas incorreções e deformações sobre o tratamento do livro didático, e o trabalho por eles
realizado faz uma reflexão sobre isso.
Após a análise e discussão dos dados, finalmente o livro é confeccionado, dividido em
seis capítulos que versam sobre o conceito de “livro didático”, destacando a sua importância
pedagógica, econômica e política; relacionam o contexto cultural, pedagógico, político e
social e a literatura existente sobre o tema; discutem as políticas públicas voltadas ao LD
desde 1930, bem como os programas de incentivo à produção e distribuição de livros às
escolas pelo Ministério da Educação (MEC); discorrem sobre a produção dos livros didáticos,
os conteúdos selecionados, os programas de ensino e as estratégias editoriais; analisam a
intervenção e os efeitos dos programas dos governos sobre o LD; além disso, discutem a
natureza e a produtividade do livro didático, abrindo um debate sobre a sua vida útil;
apresentam propostas para futuros estudos e discussões sobre o tema estudado.
60
A obra Quem engana quem? Professor X Livro Didático (1988), de Olga Molina, é
disposta em quatro capítulos assim intitulados: 1 – O livro didático – Considerações sobre sua
Escolha; 2 – A aprendizagem a partir de Textos Escritos; 3 – O Texto Didático; 4 – As
atividades do aluno com o Texto Didático. O prefácio é assinado por Ezequiel Theodoro da
Silva, que destaca a importância desse livro para os professores que lidam diretamente com os
manuais didáticos. Ele aponta questões que vão desde a entrada do LD nas escolas até os
conteúdos apresentados em seu interior; para ele, se os professores tivessem acesso à
informação, teriam mais condições para julgar os manuais que não estivessem de acordo às
reais necessidades do ensino.
Por sua vez, a autora Olga Molina, na apresentação do livro, justifica a produção da
sua obra a partir de uma “preocupação pessoal” com as aulas ministradas nas escolas públicas
brasileiras, dependentes de livros didáticos. Afirma que a sua pesquisa foca os professores,
pois eles é que são consultados pelos órgãos do governo para que as compras de materiais
didáticos sejam legitimadas. Isso, segundo a autora, constitui um problema, pois os
professores, em muitos casos, não sabem o que é e nem como funciona aquele suporte por ele
legitimado. Portanto, apresenta algumas provocações: 1 – O que é o livro didático? 2 – Por
que usar o livro didático? 3 – Quem conduz o curso – o professor ou o livro? 4 – A
programação, o planejamento, devem ser frutos da reflexão do professor ou do autor, no
momento em que este elabora seu livro? 5 – Como usar o livro didático em aula, de forma a
tirar dele o máximo proveito, tanto em benefício do aluno como do próprio professor que
pode, através de um bom livro, racionalizar o seu trabalho? A autora finaliza afirmando que
não oferece respostas, mas que se o professor decidir buscá-las, seu livro já terá atingido o
objetivo (MOLINA, 1988).
O livro didático em questão (1989), de Bárbara Freitag, Wanderley Ferreira Costa e
Valéria Rodrigues Mota nasceu de um projeto coordenado pelo INEP, intitulado O estado da
arte do livro didático no Brasil (1987), capitaneado pelos mesmos autores acima citados.
Assim como o projeto, o livro é composto por seis capítulos assim intitulados: O histórico do
livro didático no Brasil; A política do livro didático; A economia do livro didático; O
conteúdo do livro didático; O uso do livro didático; O livro didático no contexto. Trata-se de
um estudo que busca situar o livro didático brasileiro em um contexto local e também
mundial. Os autores destacam a importância da produção cultural, da literatura e da literatura
infanto-juvenil para a construção de um estudo analítico mais reflexivo sobre o tema. Fica
claro nessa obra que somente um estudo comparativo poderá auxiliar os pesquisadores a
61
enriquecerem seus debates frente aos problemas formulados a partir do trabalho com o LD. Os
dados foram coletados a partir de cartilhas, textos de leitura e dos livros didáticos do primeiro
grau (o atual ensino fundamental). O estudo também delimita as produções dos últimos quinze
a vinte anos, a contar da data de publicação da obra mencionada acima.
Como metodologia, os pesquisadores assim procederam: 1 – Examinaram as
publicações sobre o livro didático na Revista Brasileira de estudos pedagógicos (MEC/INEP)
e nos Cadernos de Pesquisa (Fundação Carlos Chagas); 2 – Realizaram levantamento de
dados junto ao INEP e à Fundação Carlos Chagas; 3 – Pesquisaram nos acervos da
Universidade de Brasília (UNB), do Congresso e do Instituto Nacional do Livro, em Brasília,
nas produções da equipe coordenada pelo professor Hilário Fracalanza da UNICAMP, na
Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP), na Fundação do Livro Escolar
de São Paulo, na Biblioteca Central da Universidade de Berlim e no Instituto de Pesquisas
Educacionais Max Planck, em Berlim. Também foram analisados os catálogos e resumos de
dissertações e teses disponíveis. Avaliaram as bibliografias presentes nos livros, textos e teses
encontradas sobre o assunto. Ao final, os autores indicam, na publicação, as referências mais
importantes para a realização do trabalho por eles desenvolvido (FREITAG et. al, 1987).
A obra de Freitag (1989) apresenta e discute a trajetória do livro didático até as escolas
brasileiras: desde o surgimento em 1930, mais especificamente durante o regime político
centralizado e autoritário do Estado Novo, até o fim da ditadura militar no período da Nova
República, por volta de 1985. Segundo os autores, alguns críticos julgam que o livro didático
surgiu como resultado natural do movimento armado de 1930 – Revolução de 1930. Portanto,
cabe ao Estado Novo, por volta de 1937 e 1938, divulgar e difundir livros de interesse
educacional e cultural, além de controlar o uso do livro didático, uma vez que “somente
podiam entrar nas escolas públicas e privadas que quisessem o reconhecimento oficial, livros
aprovados e recomendados pela CNLD1 [...]” (FREITAG et al., 1989, p. 28).
Com o aumento significativo do número dos materiais impressos e, em concomitância,
o aumento de leitores, o Estado acreditava que, não podendo contê-los, a alternativa estaria no
controle da entrada dos livros nas escolas. Daí surgiram as comissões responsáveis pelas
revisões dos livros. Vale aqui ressaltar que são considerados livros didáticos os livros de
leitura de classe e os compêndios. Este último, de acordo com o Art. 2º do Decreto-Lei nº
1Na gestão de Gustavo Capanema enquanto Ministro da Educação, durante o governo Vargas, é instituída a
Comissão Nacional do Livro Didático (CNLD) através da qual seus membros, escolhidos pelo próprio Capanema
para atuarem no processo de produção, importação e utilização do livro didático, desenvolviam antes questões
político-ideológicas e não necessariamente didáticas, competindo ao próprio Ministro a decisão final.
62
1.0062 de 30 de dezembro de 1938, é entendido como livro que apresenta os conteúdos das
disciplinas inscritas nos programas escolares. Em meados desta mesma década, propagou-se
no Brasil uma “política educacional consciente, progressista, com pretensões democráticas e
aspirando a um embasamento científico” (FREITAG et al., 1989, p. 12).
Com o acordo firmado entre o Ministério da Educação (MEC) e a Agência Norte-
Americana para o Desenvolvimento Internacional (USAID), instituiu-se o Decreto n° 59.355,
de 4 de outubro de 1966, no qual se criava a Comissão do Livro Técnico e do Livro Didático
(COLTED). A fim de tornar acessível aos estudantes de todo o território nacional mais de 50
milhões de livros gratuitos, consolida-se um convênio entre o MEC, a USAID e o Sindicato
Nacional dos Editores de Livros (SNEL). Os acordos firmados atingiram todo o sistema
educacional brasileiro e, ao contrário do regime de ditadura das décadas de 1930 e 1940, a
COLTED, na tentativa de aprimorar o sistema educacional brasileiro, ofereceu, em quantidade
significativa, livros para os distintos níveis de ensino, possibilitando expressivo
desenvolvimento do mercado editorial brasileiro.
O catálogo Analítico O que sabemos sobre o livro didático (1989), elaborado pelo
Projeto Material Didático, Biblioteca Central, Faculdade de Educação e Instituto de Estudos
da Linguagem, da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), coordenado por Hilário
Fracalanza e Maria Isabel Santoro, contou com vinte e dois pesquisadores e mais vinte
auxiliares de pesquisa. O catálogo nasceu a partir dos resultados obtidos através de um estudo
chamado “Projeto Livro Didático”, realizado entre 1987 e 1988, financiado pelo Instituto
Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (INEP) e tendo como responsáveis os órgãos
mencionados acima. O projeto tinha como objetivo básico catalogar o máximo possível de
estudos realizados no Brasil que tivessem como tema o livro didático, o que, sob o ponto de
vista dos pesquisadores, contribuiria na construção de sólidas e eficientes políticas públicas
voltadas aos estudos desse instrumento.
Para atingir os objetivos acima mencionados, os pesquisadores da UNICAMP
utilizaram os seguintes métodos de pesquisa: 1 – levantamento bibliográfico sobre os
trabalhos realizados sobre o tema “livro didático”; 2 – confecção de acervo bibliográfico dos
trabalhos realizados sobre o livro didático no Brasil; 3 – cadastramento das referências
bibliográficas dos trabalhos encontrados (teses, livros, pesquisas, artigos de periódicos e
jornais, trabalhos apresentados em eventos, textos avulsos, folhetos e legislação); 4 –
2 Este Decreto-Lei estabelecia que os livros adotados por todas as escolas, públicas e particulares, deviam ser
previamente autorizados pela CNLD.
63
Fichamento das referências; 5 – Seleção, por título, dos documentos; 6 – obtenção dos
documentos; 7 – Análise descritiva e resumos dos documentos do acervo (UNICAMP, 1989).
Para a elaboração do Catálogo Analítico, os pesquisadores do Projeto Material
Didático, de posse dos dados obtidos com o Projeto Livro Didático, realizaram um estudo que
visava controlar e recuperar os documentos utilizados na primeira pesquisa. Para tanto,
criaram um “sistema classificatório de caráter técnico com a finalidade de organizar o material
coletado de modo a não falsear as características da pesquisa proposta” (UNICAMP, 1989).
As categorias foram as seguintes: a) Tipo de documento; b) Área de conhecimento; c) Nível
de escolaridade; d) Foco. Em seguida, elaboraram os resumos descritivos, tendo como
objetivo ampliar o conhecimento sobre o tema pesquisado.
A obra O livro didático: uma proposta de análise crítica (1989), organizada pelo
Núcleo de Apoio à Utilização do Recurso Didático (PRORED), é resultante de um grupo de
estudos ligado à Universidade da Região de Campanha (URCAMP). O que norteou as
pesquisas que geraram a produção acima mencionada foram as inquietações frente aos
questionamentos a respeito do processo educativo veiculado pelo livro didático, destacando o
que consideravam aspectos negativos como estereótipos que reforçavam, como verdades
absolutas, a condição inferior da mulher, do índio e do negro, por exemplo, dos professores
participantes do grupo; estes atuavam no ensino básico e no ensino superior das cidades
componentes da Região da Campanha, no Rio Grande do Sul. Os pesquisadores utilizaram
como metodologia observação, análises, troca de informações, seminários, reuniões.
Acreditavam ser a obra um estudo brilhante e repleto de qualidades por constatarem um
excesso de preconceitos existentes nos manuais didáticos. Também esperavam contribuir com
o que chamam de “um lúcido roteiro teórico e crítico para que o professor consiga desbravar a
verdadeira ‘selva’ que é a edição do livro didático no Brasil, a fim de selecionar
conscientemente os mais sérios e eficientes e, não apenas, os mais bonitos, atraentes e bem
editados livros [...]” (PRORED, 1989, p. 14).
O livro não possui Sumário, mas é dividido em duas partes: A primeira apresenta os
seguintes capítulos: 1 – Livro didático (Conceito, Importância da escolha, Avaliação, Critérios
de análise); 2 – Análise Crítica do Livro Didático – pressupostos teóricos. A segunda parte
apresenta os capítulos: 1 – Análise Crítica aplicada (aqui, os autores analisam os livros mais
utilizados na primeira e na segunda série do primeiro grau de escolas urbanas e rurais dos
municípios de Bagé, Pinheiro Machado, D. Pedrito, São Gabriel, Lavras do Sul e Caçapava do
Sul, no Rio Grande do Sul, com base nos critérios de análise externa e análise interna).
64
O livro Ideologia no livro didático (2008), de Ana Lúcia G. de Faria, tendo sua
primeira edição publicada em 1994, contou com dados extraídos de trinta e cinco manuais,
optando pelos títulos mais vendidos, da segunda à quarta série das matérias “Comunicação e
Expressão”, “Estudos Sociais” e “Educação Moral e Cívica”, do antigo primeiro grau no ano
de 1977. O objetivo básico da pesquisa empreendida pela autora parte do conceito de
“trabalho” concebido por crianças oriundas de famílias operárias, estudantes de escolas
públicas e também de crianças pertencentes às famílias de classes média e/ou alta, estudantes
de escolas particulares.
Para a autora, as crianças das escolas públicas atribuem ao “trabalho” um sentido
relacionado a um “instrumento de sobrevivência” e também acham que há profissões, como a
do médico (que ganha mais por ser mais inteligente), superiores aos trabalhadores comuns.
Para as crianças de escolas particulares, o “trabalho” é definido como “esporte”, sendo que
uns trabalham por dinheiro, outros por vontade e também associam a riqueza à inteligência,
assim como as crianças das escolas públicas (FARIA, 2008).
A discussão proposta pela pesquisadora a faz concluir que o livro didático é “difusor
de preconceitos”, pois “concebe o ‘trabalho’ de forma extra-histórica; não diferencia o
trabalho como valor de uso (nas comunidades primitivas) do trabalho como valor de troca (na
sociedade atual); supervaloriza o trabalho intelectual desvalorizando o manual” (FARIA,
2008, p. 10). Para solucionar o problema, a autora sugere que o professor, valendo-se de sua
competência, assuma a responsabilidade de propor uma reflexão crítica ao aluno ao invés de
repetir os preconceitos dos manuais didáticos, como a associação do índio ao pitoresco, ao
selvagem; a mulher representada somente nos papéis relacionados aos afazeres domésticos,
dentre outros (FARIA, 2008).
O livro As belas mentiras: a ideologia subjacente aos textos didáticos (2005), de
Maria de Lourdes Chagas Deiró, foi apresentado originalmente como dissertação de mestrado
em Filosofia da Educação, na PUC de São Paulo, em 1978. A pesquisa nasceu de observações
de textos de leitura de livros didáticos selecionados pela autora e indicados pelo MEC às
quatro primeiras séries do antigo primeiro grau. O livro apresenta dez capítulos assim
nomeados: 1 - A família; 2 – A escola; 3 – A pátria; 4 – O ambiente; 5 – O trabalho; 6 – Os
pobres e os ricos; 7 – As virtudes; 8 – As “explicações Científicas”; 9 – O índio; 10 – Capas e
Ilustrações. Como problema inicial, apresentou-se uma tentativa de demonstrar que a
sociedade se divide em duas classes sociais: a dominada e a dominante e, ainda, que não há
preocupação com a grande maioria da população. Segundo a autora, isso se reflete na
65
estrutura educacional, que deveria tomar o homem como sujeito, no intuito de auxiliá-lo frente
às complexidades da formação social. Ao invés disso, tudo converge para que o lucro seja
tratado como objetivo central (DEIRÓ, 2005).
O segundo problema levantado aponta a educação como um instrumento transmissor
da ideologia da classe dominante, a qual é assimilada inconscientemente pela classe
dominada. O livro didático é então entendido como um desses transmissores, por veicular
valores que diferem dos interesses da classe trabalhadora. Durante a realização da pesquisa, a
autora afirma que possuía uma pequena percepção da ideologia da classe dominante nos
textos componentes dos livros didáticos analisados. No desenvolvimento, essa percepção
aumentou de modo que já era possível, para ela, identificar certa riqueza de detalhes no modo
como são transmitidas as ideologias dominantes. A pesquisadora conclui, chamando atenção
para a gravidade da situação enfrentada pelos professores das séries iniciais diante da
problemática que apresenta, pois considera serem as crianças (da faixa etária 7-10 anos)
sujeitos acríticos, portanto, suscetíveis à incorporação ou assimilação das ideias veiculadas
pelos manuais didáticos.
A obra Interpretação, autoria e legitimação do livro didático (1999), organizada por
Maria José Coracini, é produto do Projeto Integrado CNPq Da torre de Marfim à torre de
Babel: uma análise discursiva do ensino-aprendizagem da linguagem escrita. A equipe
envolvida na publicação contou com pesquisadores da área de Letras da UNICAMP e da USP,
além de auxiliares como bolsistas, mestrandos e doutorandos. A pesquisa tem como objeto os
materiais didáticos, e mais especificamente, o livro didático e seus objetivos em relação às
representações de aluno, professor, linguagem, texto e produção de sentido. O empenho que
os autores dispensam ao estudo do LD se baseia na importância que este possui junto aos seus
principais receptores: alunos e professores que, em muitos casos, possuem apenas o citado
suporte para auxiliá-los no processo de ensino-aprendizagem. No entanto, segundo os
pesquisadores, os livros didáticos carecem de estudos reflexivos a respeito do seu
funcionamento. Por isso, os autores envolvidos nessa pesquisa se propõem a perceber a sala
de aula através do livro didático de modo a discutir uma tendência à “homogeneização de tudo
e de todos” imposta pelo referido LD (CORACINI, 1999).
A obra é dividida em três partes: 1 – Processos de legitimação do livro didático; 2 –
Interpretação do Livro didático; 3 – Produção escrita e livro didático. A primeira parte é
formada por cinco capítulos que discutem o livro didático como “lugar de estabilização,
legitimado pela escola e pela sociedade” (CORACINI, 1999, p. 12). São reflexões acerca de
66
como os programas do MEC determinam os processos referentes à aprovação e à utilização do
LD nas escolas: “o que é e como se deve ensinar/aprender, estabelecendo também um perfil
para o aluno e professor, de modo que todos, sem exceção, ali devem encontrar o objeto para
saciar sua sede de conhecimento” (CORACINI, 1999, p. 12).
A segunda parte do livro Interpretação, autoria e legitimação do livro didático
apresenta quatro capítulos sobre a interpretação proposta pelo livro didático, com destaque
para os LD de Língua estrangeira. E a última parte propõe uma análise sobre leitura e
produção escrita. Aqui, os autores chamam a atenção para um dos resultados encontrados nas
pesquisas com aulas observadas e gravadas e com os livros didáticos investigados: a
predominância do estudo meramente estrutural da gramática em detrimento da produção de
discursos e/ou sentidos. Em resumo, a obra propõe uma reflexão a respeito do funcionamento
do livro didático e suas implicações enquanto produto legitimado/legitimador do saber em
sala de aula, atrelado a uma ideologia positivista, capitalista e utilitarista (CORACINI, 1999).
O livro didático de Português: múltiplos olhares (2005), publicado pela primeira vez
em 2003, organizado por Angela Paiva Dionisio e Maria Auxiliadora Bezerra, apresenta uma
coletânea de dez artigos reflexivos escritos por dez autores/pesquisadores, incluindo as duas
organizadoras, sobre o livro didático de Português e/ou os seus conteúdos, propostas de
atividade, procedimentos metodológicos, avaliação do Manual do professor e qualidade do
livro didático.
A introdução do livro em destaque é assinada por Egon Rangel. Nela, o autor revela
que, juntamente com os demais pesquisadores que compõem a coletânea, participou, em
diferentes momentos, de equipes responsáveis pela análise e pela avaliação do Livro Didático
de Português, a serviço do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD). Acrescenta sua
participação individual como coordenador de trabalhos das equipes que produziram quatro
edições do Guia do livro didático, publicação direcionada às escolas em épocas de escolhas
dos manuais didáticos pelas escolas públicas (DIONÍSIO; BEZERRA, 2003).
Voltando à organização do livro, o pesquisador afirma que os artigos produzidos e
publicados, salvas algumas exceções, são frutos de um fórum representado pela Avaliação e
suas repercussões. Também revela que o principal objetivo dos artigos reunidos naquela
coletânea é “apontar os problemas que persistem, a despeito da Avaliação ou mesmo como
conseqüência dela, em aspectos que poderão ser conferidos a cada texto” (DIONÍSIO;
BEZERRA, 2003, p. 14). O autor finaliza afirmando que os artigos ali presentes propõem
novos olhares, analisam com mais rigor os conteúdos e os procedimentos adotados pelos
67
livros didáticos em relação aos processos de ensino-aprendizagem. Por isso, a obra mostra-se
relevante na medida em que os artigos dialogam com a Avaliação e, de certo modo, provocam
discussões sobre as resenhas, considerações e indicações propostas pelo Guia do livro
didático.
A obra Livro didático de Língua Portuguesa, letramento e cultura escrita (2008), cuja
primeira edição data de 2003, organizada por Roxane Rojo e Antônio Augusto Gomes Batista,
apresenta onze capítulos, os quais versam sobre a temática contemplada no título. São
discussões sobre as propostas de letramento veiculadas pelos livros didáticos de Língua
Portuguesa do ensino fundamental para as classes populares, advindas de um mercado
editorial produtor de livros consumíveis, principalmente pelo governo brasileiro.
Quanto ao conteúdo, a obra em questão apresenta dados a partir de estudos sobre o
PNLD e programas/sistemas de avaliação como o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM)
e o Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB), governamentais, e o estrangeiro
Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (PISA). Tais programas têm como
finalidade avaliar as competências e capacidades adquiridas pelos alunos da educação básica,
dentre as quais destacam-se as capacidades leitoras (ROJO; BATISTA, 2008).
O Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) resultou das articulações feitas para
definir as relações do Estado com o livro didático. A consolidação dessa relação foi definida
pelo Decreto-Lei nº 91.542, de 1985, o qual estabeleceu as atuais características do PNLD:
“Adoção de livros reutilizáveis (exceto para a 1ª série), escolha do livro pelos professores, sua
distribuição gratuita às escolas e sua aquisição com recursos do governo federal”. De acordo
com o Programa do Livro (PLI, 2008), essa concepção de distribuição tinha como objetivo a
melhoria da qualidade de ensino, assim como a formação de leitores (ROJO; BATISTA,
2008).
Sobre a qualidade do livro didático, os autores salientam que, a partir de 1996, o MEC
passou a desenvolver um conjunto de medidas para avaliar o livro didático brasileiro. O
trabalho era executado pela Fundação de Assistência ao Estudante (FAE), responsável pelo
Programa Nacional do Livro Didático, até a sua extinção em 1997. O governo vigente,
portanto, comprou em 1996, oitenta milhões de livros didáticos, registrados pelo Fundo
Nacional de Desenvolvimento da Educação – (FNDE); porém o, ministério não propôs
discutir a qualidade dos livros adquiridos e os encaminhou para os professores e alunos das
escolas públicas do ensino fundamental. É importante salientar que, desde 1960, a partir de
investigações sobre a produção do LD, já se evidenciava a falta de qualidade de muitos desses
68
livros que circulavam, a ideologia de caráter discriminatório neles contida, a desatualização e
as insuficiências metodológicas apresentadas no suporte. E mesmo com tantos problemas
evidentes, esses livros, muitas vezes de baixa qualidade, constituíam, para a maior parte das
escolas brasileiras, o principal recurso pedagógico para professores e alunos (ROJO;
BATISTA, 2008).
Em relação ao caráter do LD, o MEC definiu como critérios de eliminação que os
livros não poderiam expressar preconceitos de raça, sexo, cor, idade ou qualquer forma de
discriminação; não poderiam induzir ao erro ou conter erros graves relativos ao conteúdo da
área como, por exemplo, erros conceituais. De acordo com o Programa do Livro (PLI, 2008),
em 1996, pela primeira vez, foi constituída uma comissão para avaliação pedagógica dos
livros a serem adquiridos. Desse modo, a partir dessa fase, os livros passaram a ser avaliados
para que não contivessem mais erros conceituais e abordagens que caracterizassem algum tipo
de preconceito (ROJO; BATISTA, 2008).
Em relação aos Programas ENEM, SAEB e PISA, os resultados da aplicação dos
referidos programas revelam problemas no tocante à avaliação da educação básica, nos anos
de 2000 (PISA) e 2001 (SAEB/ENEM). Segundo os autores, embora possuam suas
especificidades, os sistemas de avaliação acima descritos apresentam dados semelhantes dos
estudantes da educação básica brasileira. As competências e capacidades leitoras dos alunos
avaliados constam nos relatórios finais dos referidos programas como insuficientes ou aquém
do que deveriam possuir de acordo com as séries em que se encontram ou aos níveis indicados
pelos programas avaliadores (ROJO; BATISTA, 2008).
A obra Livros de alfabetização e de português: os professores e suas escolhas (2004),
organizado por Antônio Augusto Gomes Batista e Maria da Graça Costa Val, é composto de
seis capítulos. Os assuntos abordados discutem os processos de seleção e escolha dos livros
didáticos pelos professores, o ensino da Língua Portuguesa através do LD, os livros de
alfabetização de primeira a quarta séries. Os organizadores revelam que todos os trabalhos
publicados nessa obra possuem algum tipo de relação com o Programa Nacional do Livro
Didático (PNLD), ainda que possuam diferentes objetivos e tenham realizado suas pesquisas a
partir de métodos e procedimentos diversos (BATISTA; VAL, 2004).
A obra em destaque dedica especial atenção ao surgimento do PNLD, em 1985, criado
pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), e de suas finalidades, como
a escolha, a aquisição e a distribuição do LD, e ainda os processos de avaliação instituídos
pelos órgãos do governo responsáveis por tais procedimentos. Essas diretrizes instituídas
69
pelos governos, a partir de 1996, acabaram por envolver o mercado editorial vigente,
secretarias de educação, professores e alunos. Em 2001, as universidades públicas
representadas por coordenações de docentes, sob a supervisão do MEC, passam a realizar as
avaliações do LD brasileiro. Nesse período, os livros didáticos, após serem avaliados,
compunham as seguintes categorias: Recomendado com distinção (três estrelas);
Recomendado (duas estrelas) e Recomendado com ressalvas (uma estrela). As obras que não
logravam avaliação positiva se enquadravam em duas categorias: Não-Recomendado (sem
estrelas) e Excluído (direcionado aos livros didáticos que não atendiam aos critérios do
MEC). Esse método de avaliação vigorou até 2004 (BATISTA; VAL, 2004).
A partir de 2005, os livros didáticos, após o processo avaliativo, passaram a ser
categorizados apenas como aprovados ou excluídos. As categorias utilizadas anteriormente
desagradaram o mercado editorial, que alegava prejuízos na venda de seus livros, uma vez que
seria difícil convencer um público consumidor, ainda que fosse representado por escolas
particulares, por exemplo, a adquirir obras não recomendadas ou excluídas pelo MEC. Por
conseguinte, a Secretaria de Educação Fundamental criou o Guia de livros didáticos,
composto por resenhas sobre os manuais didáticos submetidos à avaliação, para ser
distribuído nas escolas e nas redes públicas de ensino, com a finalidade de auxiliar os
professores na escolha do material didático (BATISTA; VAL, 2004).
O livro Construtores de identidades: a pedagogia da nação nos livros didáticos da
escola secundária brasileira (2004), de Arlette Medeiros Gasparello, resulta da tese de
doutorado da autora pelo programa de Estudos Pós-graduados em Educação: História,
Política, Sociedade, defendida em 2002, financiada pela CAPES. O livro apresenta quatro
capítulos: 1 – A instrução secundária: um modelo nacional; 2 – A história patriótica; 3 – A
legitimação do modelo nacional; 4 – A nação nos compêndios republicanos. A autora
formulou o seu problema a partir dos livros didáticos de “História do Brasil”, os quais, sob
sua ótica, por serem inscritos no processo de escolarização, contribuiriam para a construção de
identidades nacionais. Acrescenta que os livros didáticos são legitimados pelo poder público
e, portanto, apresentam “saberes a serem ensinados” de modo a concretizar uma
instrumentalização pedagógica, pois a utilização constante dos manuais didáticos pelos
professores e alunos consolidou o que seria um suporte ao trabalho docente em uma tradição
escolar.
A autora problematiza o conceito de “nação” disseminado pelos textos didáticos ainda
no final do século XIX, quando os intelectuais da época se empenhavam na criação de uma
70
identidade nacional, após a proclamação da independência do Brasil. Cita a fundação do
Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB), em 1938, como um dos responsáveis pelo
surgimento de uma historiografia brasileira produzida por autores nacionais, destacando uma
publicação sobre a formação nacional voltada ao estudo e ao ensino de História do Brasil:
História Geral do Brasil, de Francisco Adolpho de Varnhagen (1854). No entanto, antes dessa
publicação, os professores/autores de textos didáticos, com base em pesquisas realizadas por
autores estrangeiros, sobretudo, já ensinavam aos brasileiros a sua visão do que seria o Brasil,
destacando suas raízes, seus heróis, sua grandeza, seu povo. A pesquisadora entende esse
movimento como o empreendimento de uma pedagogia da nação (GASPARELLO, 2004).
Por conta da sua importância para o ensino secundário da época, a autora tomou por
referência o Colégio Pedro II, do Rio de Janeiro, pois ele servia de modelo às demais
instituições de ensino daquele período, as quais eram incentivadas a adequarem seus
programas educacionais aos daquela escola, que contava com um corpo docente específico,
formado por professores pertencentes à elite intelectual e política, tradutores e autores de
obras didáticas adotadas pelo estabelecimento de ensino (GASPARELLO, 2004).
A autora justifica sua escolha pelos livros didáticos como fontes de pesquisa por
reconhecer que eles ocupam um lugar importante no processo histórico e cultural da
escolarização. Isto porque sua construção perpassa uma “rede de dispositivos e normas que
definiram a produção singular da forma escolar de educação”. Esse processo configuraria o
jovem estudante como principal assimilador e posterior disseminador do modelo escolar
empreendido. Gasparello acrescenta ainda que sua pesquisa não pretende reescrever a História
do Brasil, mas provocar uma reflexão a respeito de nossas tradições inventadas e oficializadas
para que possamos nos conhecer melhor como país (GASPARELLO, 2004).
A obra Livros didáticos de Língua Portuguesa: letramento e cidadania (2005),
organizada por Maria da Graça Costa Val e Beth Marcuschi, apresenta oito capítulos que
discutem temáticas voltadas ao livro didático de alfabetização e ao de Língua Portuguesa.
Segundo as organizadoras, os artigos que compõem a obra têm por justificativa o livro
didático inserido em um contexto que o focaliza como poderoso integrante da cultura escolar,
valendo-se de um posto de destaque no tocante à aplicabilidade das políticas públicas em
educação (VAL; MARCUSCHI, 2005).
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As temáticas abordadas nos artigos propõem reflexões diversas acerca dos processos
envolvidos na criação e na utilização do livro didático. Dentre elas, destacam-se: a produção
científica sobre os livros escolares brasileiros; metodologia de análise de livros didáticos de
Língua Portuguesa; cidadania e ensino nos livros didáticos; atividades de escrita em livros
didáticos de Língua Portuguesa, dentre outras. Todos os artigos têm em comum, segundo as
organizadoras, a preocupação em apresentar uma produção capaz de demonstrar as razões
pelas quais o livro didático precisa ser explorado, sobretudo como garantia de que tanto o
professor quanto o aluno teriam seus papéis respeitados como sujeitos agentes do processo de
ensino-aprendizagem, mediados pelo livro didático (VAL; MARCUSCHI, 2005).
A obra Com a palavra, o autor – em nossa defesa: um elogio à importância e uma
crítica às limitações do Programa Nacional do Livro Didático (2010), de Francisco Azevedo
de Arruda Sampaio e Aloma Fernandes de Carvalho, é formado por sete capítulos que
apresentam discussões sobre o PNLD. Os dois primeiros capítulos tecem críticas quanto às
suas ações, ao passo que os demais especificam essas críticas a partir de casos
individualizados. A obra reúne uma série de considerações de autores inconformados com os
critérios de avaliação dos seus livros didáticos pelo PNLD. Segundo os autores, a motivação
para a escrita dessa obra se deu em razão das avaliações realizadas pelo PNLD dos livros
didáticos inscritos no programa a partir de 1995 (SAMPAIO; CARVALHO, 2010).
As críticas ao PNLD são numerosas. Merece destaque, por exemplo, uma passagem
em que os autores afirmam sofrer uma espécie de “preconceito” por serem autores de livros
didáticos, praticadas, geralmente, por professores universitários, pesquisadores e educadores.
Segundo os autores, o referido PNLD não os considera escritores, mas apenas autores, e quem
manuseia os seus livros não são tidos como leitores, mas usuários. Outra crítica se refere aos
critérios da avaliação realizada pelo PNLD. Segundo os autores, pesquisadores opinam,
universidades julgam e surge ainda o “especialista” no mercado editorial. Todos eles se
ocupam de entender as diretrizes do governo, pois “o PNLD, desde o início, dedicou-se à
definição daquilo que o livro didático não pode ter [...] mas até hoje, pouco disse sobre o que
o livro didático deve ter e como deve fazer para ensinar” (SAMPAIO; CARVALHO, 2010, p.
10-11).
Os autores ainda acrescentam que desconhecem quem são os avaliadores do PNLD
2010. Alegam que isso se configura numa falha do processo, pois ao final das avaliações, os
avaliadores não assinam o relatório final. Essa atribuição cabe a um Coordenador de Área e a
um representante da Comissão Técnica do PNLD. Além disso, apontam o que consideram
72
uma série de equívocos, erros, falsos argumentos, exemplos fraudados praticados pelos
avaliadores do PNLD quando analisam os livros didáticos inscritos no programa (SAMPAIO;
CARVALHO, 2010).
A obra O mercado do livro didático no Brasil do século XXI: a entrada do capital
espanhol na educação nacional (2013), de Célia Cristina de Figueiredo Cassiano, configura-
se como um estudo detalhado sobre o livro didático brasileiro a partir de 1985, ano em que é
criado o PNLD. É formatado em duas partes assim intituladas: 1 – História do Programa
Nacional do Livro Didático – PNLD; 2 – A formação do mercado ibero-americano do livro e
o protagonismo dos editores espanhóis nos anos de 1990. Os desdobramentos desse estudo se
atêm às políticas públicas voltadas aos programas do governo federal que convergiram para o
surgimento do referido PNLD e principalmente as conexões criadas a partir de então entre
governos e mercado editorial, e a consequente consolidação de tais conexões (CASSIANO,
2013).
A história do PNLD é narrada e discutida a partir da Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional – LDB (Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996), do Programa Nacional
do Livro Didático para o Ensino Médio (PNLEM), em 2003; do Programa Nacional do Livro
Didático para a Alfabetização de Jovens e Adultos (PNLA), em 2007; do Programa Nacional
do Livro Didático para a Educação de Jovens e Adultos (PNLA EJA), em 2009. São ainda
registrados a resolução nº 60, de 20 de novembro de 2009 (alterada pela resolução nº 10, de
10 de março de 2011) e o decreto nº 7.084/2010, os quais regulam os Programas de Materiais
Didáticos, contemplam as alterações referentes aos nove anos do Ensino Fundamental e a
ampliação do PNLD em diversos programas (CASSIANO, 2013).
Sobre a ampliação do programa, a autora destaca a atuação do PNLD, sob a legislação
do FNDE, em outras áreas, como a distribuição de livros em braile e dicionários ilustrados
trilíngues em libras para os alunos com deficiência visual e auditiva, respectivamente, do
Ensino Fundamental. Além disso, foi criado o Programa Nacional Biblioteca da Escola
(PNBE) pela portaria nº 584, de 28 de abril de 1997, que tem como função a aquisição de
livros para os acervos das bibliotecas das escolas públicas do Ensino Fundamental
(CASSIANO, 2013).
Os investimentos do governo, através do FNDE, para o PNLD apresentam um
aumento gradativo. Segundo a autora, os números do programa em 2012 alcançam “um total
de R$1,3 bilhão em compra, avaliação e distribuição de livros didáticos; houve o atendimento
integral do Ensino Médio (inclusive EJA) e reposição para o Ensino Fundamental dos livros
73
anteriormente distribuídos (PNLD 2010 e PNLD 2011)” (CASSIANO, 2013, p. 27). Eis uma
das razões pelas quais o governo brasileiro se tornou o maior comprador de livros didáticos do
país; por isso mesmo, no mercado editorial, o governo é disputado por suas editoras como
uma espécie de cliente preferencial (CASSIANO, 2013).
Para a pesquisadora, esse fato impressionou o mercado editorial internacional,
principalmente o espanhol, que passou a disputar, a partir do início do séc. XXI, o ramo de
didáticos no Brasil com as editoras locais. De 1970 até 2000, o mercado editorial brasileiro
era composto por grandes editoras pertencentes a grupos familiares distintos e suas histórias
estavam relacionadas à história dos seus criadores. Com a entrada das multinacionais
espanholas, a partir do ano 2000, o mercado editorial brasileiro dos livros didáticos se viu
obrigado a repensar suas práticas e a reconfigurar suas estratégias comerciais. Ao invés de
pensar um mercado de livro didático brasileiro para o Brasil, a necessidade era pensar esse
livro num mundo globalizado, de modo a compreender o papel do Brasil nesse contexto
através da indústria cultural (CASSIANO, 2013).
Dentre as preliminares que levaram o Brasil e a Espanha a firmarem acordos, Cassiano
destaca, em princípio, a condição geopolítica do Brasil. As editoras espanholas já estavam há
tempos instaladas em quase todos os países da América Latina. O Brasil representa 40% desse
mercado. O interesse da Espanha em explorar o mercado editorial brasileiro encontra razões
nos números e num potencial crescimento da educação pública. Isso se intensifica com a
introdução da Língua Espanhola no currículo oficial das escolas brasileiras em 2005, o que
segundo a autora, encontra justificativas no fato de que a Espanha, entre 1998 e 2000, foi o
maior investidor estrangeiro no país, por meio de um grande projeto que visava a Educação e
a Cultura brasileiras como potenciais formas de entrada do capital espanhol (CASSIANO,
2013).
Além das obras citadas acima, uma série de trabalhos organizados por pesquisadores
brasileiros também apresentam em suas publicações pelo menos um capítulo dedicado ao
tema “livro didático”. É o caso de Português no ensino médio e formação do professor
(2009), organizado por Clecio Bunzen e Márcia Mendonça e publicado pela primeira vez em
2006, que apresenta um capítulo intitulado “Reflexões sobre o livro didático de literatura”, de
Hélder Pinheiro. A formação da leitura no Brasil (2011), de Marisa Lajolo e Regina
Zilberman, cuja primeira edição data de 1998, apresenta um capítulo intitulado “Livros
didáticos, escola, leitura”. Leitura, história e história da leitura (2007), das mesmas autoras,
74
publicada pela primeira vez em 1999, apresenta um capítulo chamado “Livro didático:
produção e leitura”.
A organização do trabalho didático na história da educação (2010), organizado por
Silvia Helena Andrade de Brito, Carla Villamaina Centeno, José Claudinei Lombardi e
Dermeval Saviani, conta com um capítulo intitulado “Manuais didáticos: formas históricas e
alternativas de superação”, de Ana Aparecida Arguelho de Souza; Livros escolares de leitura
no Brasil, de Antônio Augusto Gomes Batista e Ana Maria de Oliveira Galvão (2009),
apresenta um capítulo intitulado “O conceito de livros didáticos”, escrito por Antônio Augusto
Gomes Batista. Somam-se às publicações mencionadas acima uma série de trabalhos
publicados na internet em portais dedicados à Educação, à Leitura e à Literatura brasileiras,
dentre os quais podemos citar a Associação de Leitura do Brasil (ALB), através da revista
eletrônica Linha Mestra e a revista Teoria e Prática e a Associação Brasileira de Leitura
Comparada (ABRALIC), por meio da Revista Brasileira de Literatura Comparada.
Para auxiliar o trabalho dos pesquisadores dessas áreas, temos à disposição os portais
do MEC e do FNDE. Segundo a coordenadora de Governança em TIC – Diretoria de
Tecnologia da Informação/SE Ministério da Educação, Denise Barros de Sousa Nogueira, o
primeiro portal destinado ao MEC foi o http://www.mec.gov.br, de 28 de outubro de 1997. No
entanto, a referida coordenadora acrescenta que “há uma menção na tela falando em abril de
1997”. Ainda segundo o relato desta profissional, o portal http://portal.mec.gov.br teve o seu
primeiro registro armazenado em 7 de dezembro de 2004. Quanto ao FNDE, sua assessoria de
comunicação nos informou que o portal FNDE passou a vigorar a partir de 2001, mas não
precisou a data.
As informações acima foram coletadas por meio de consultas aos Serviço de
Informação ao Cidadão do Governo Federal Brasileiro, uma vez que, ao realizarmos as
investigações acerca dos temas tratados neste trabalho, verificamos que não havia no histórico
dos portais do MEC e do FNDE a data de criação dos referidos portais, ou seja, a memória
destes sites. No entanto, há, detalhadamente, o histórico do PNLD e demais programas criados
pelos sucessivos governos desde a sua criação. Embora não seja o objetivo desta tese,
consideramos relevantes as informações acima descritas por entendermos que estes portais são
cruciais para a os pesquisadores sobre os temas tratados nesta investigação e nos trabalhos
mencionados ao longo deste capítulo.
Percebemos que as pesquisas sobre o Livro didático no Brasil vêm apresentando um
número crescente de publicações. Portanto, há um significativo interesse por parte de
75
pesquisadores sobre o principal suporte mediador do processo de ensino-aprendizagem nas
escolas. Não detalhamos todas as pesquisas realizadas sobre o Livro Didático Brasileiro por
não ser este o nosso objetivo. No entanto, destacamos os títulos publicados sobre a temática
em questão que auxiliam ou embasam esta pesquisa.
3.2. O livro didático: conceitos e discussões
A expressão “livro didático” é usada – de modo pouco adequado – para
cobrir uma gama muito variada de objetos portadores dos textos e impressos
que circulam na escola. Com efeito, o livro é apenas um dos muitos suportes
de textos presentes na sala de aula e várias obras didáticas assumem formas
outras que não a de um livro (BATISTA; GALVÃO, 2009, p. 42).
A epígrafe acima nos convida a pensar sobre o que comumente chamamos “livro
didático”. Para os autores, a elaboração de um conceito para o LD necessita considerar todo o
histórico do referido suporte ou de outros suportes de natureza semelhante que o antecederam.
Afirmam que até a década de oitenta do séc. XX existiam nas escolas “manuais escolares”,
“compêndios”, “livros-texto”, “livros”, “apostilas preparadas pelos professores”, criados por
uma “imprensa escolar”. Todos esses materiais compõem a “pré-história” do livro didático.
Esse manual se consolidou como o principal instrumento pedagógico a ser utilizado pelas
escolas, pelos professores e pelos alunos a partir da década de oitenta. Mas até que isso se
consolidasse, muitos estudos encomendados pelos governos brasileiros foram realizados a fim
de testar a viabilidade daquele projeto (BATISTA; GALVÃO, 2009).
Em A formação da leitura no Brasil (2011), Marisa Lajolo e Regina Zilberman falam
da ancestralidade do livro didático. Propõem que a Poética de Aristóteles se enquadre em um
desses casos, devido à sua utilização nas aulas ministradas pelo próprio filósofo no distante
séc. IV a.C. E acrescentam a obra Institutio Oratoria, de Marcus Fabius Quintiliano, do séc. I
d.C., por apresentar em uma de suas partes uma ‘apreciação sumária dos principais autores
gregos e latinos’ (LAJOLO; ZILBERMAN, 2011).
Em “Livro didático: produção e leitura”, capítulo integrante do livro Leitura, história e
história da leitura (2007), organizado por Márcia Abreu, Kazumi Munakata define o livro
didático como um suporte transportado constantemente da casa à escola pelo seu leitor. Tanto
na escola quanto em casa o livro pode ser lido e receber anotações (caso dos consumíveis);
diferente de outros livros, dificilmente é lido do início ao fim, mas suas páginas podem ser
76
consultadas e relidas periodicamente. Por essa razão, o autor explica que o termo “uso” é mais
apropriado à relação existente com tais livros do que o termo “leitura” (MUNAKATA, 2007).
Em artigo intitulado “Livro didático: um (quase) manual de usuário”, componente da
obra Em aberto: livro didático e qualidade de ensino, Marisa Lajolo (1996) apresenta a
seguinte definição:
Didático, então, é o livro que vai ser utilizado em aulas e cursos, que
provavelmente foi escrito, editado, vendido e comprado, tendo em vista essa
utilização escolar e sistemática. Sua importância aumenta ainda mais em
países como o Brasil, onde uma precaríssima situação educacional faz com
que ele acabe determinando conteúdos e condicionando estratégias de
ensino, marcando, pois, de forma decisiva, o que se ensina e como se ensina
o que se ensina (LAJOLO, 1996, p. 04).
O artigo “Autoridade, autoria e livro didático”, de Deusa Maria de Souza, integrante
da obra Interpretação, autoria e legitimação do livro didático (1999), organizada por Maria
José Coracini, apresenta uma definição do livro didático voltada ao “discurso da
competência”. Para a autora, o seu conceito compreende um saber garantido, determinado,
impositivo aos seus usuários (sobretudo o professor, que deve reproduzir as “verdades” ali
contidas aos seus alunos e estes devem apenas apreendê-las) a partir de um discurso da
autoridade incontestável. Sua legitimidade se dá a partir da “crença de que ele é depositário de
um saber a ser decifrado, pois se supõe que o livro didático contenha uma verdade
sacramentada a ser transmitida e compartilhada” (SOUZA, 1999, p. 27). Em outro artigo
intitulado “Gestos de Censura”, componente da mesma coletânea acima citada, e assinado
também por Deusa Maria de Souza, a autora amplia sua definição de livro didático ao associá-
lo a um “transmissor de verdades”, pois impera nos manuais
[...] uma concepção de ciência tradicionalmente perpetuada pelo livro
didático, enquanto lugar produtor de “dizeres da verdade”. Ambos, o livro
didático e a ciência deverão lidar com conceitos verdadeiros em oposição aos
falsos. Ao transmitir “verdades”, o Livro Didático deverá apresentar
conteúdos que sejam claros, limpos e transparentes, sem ambigüidades ou
equívocos, sem preconceitos, enfim, sem erros (SOUZA, 1999, p. 61-62).
Entendemos, portanto, que o livro didático nasceu dos anseios de setores
influenciadores da sociedade brasileira em legitimar o ensino, à luz de suas ideologias. Sob
essa perspectiva, o LD procura atender e propagar os discursos simbólicos dessas parcelas
privilegiadas da cultura nacional. Além disso, configura-se como instrumento político, a partir
77
da adequação às leis educacionais do governo que, de posse de seus discursos legalizadores,
determina e qualifica os manuais mediante critérios que atendam às suas demandas. O que
ocorre a partir de uma poderosa força de representação consolidada em acordos entre
sociedade e política é a consequente legitimação desses discursos nas escolas, proferidos pelos
seus agentes, principalmente os professores, e assimilados pelos alunos como verdades
incontestáveis. Nesse sentido, Coracini, (1995, p. 23) diz que:
Para os professores “fiéis”, o livro didático funciona como uma bíblia,
palavra inquestionável, monumento, como lembra Souza (1995), analisando
o livro didático como Foucault analisa o documento histórico: a verdade aí
está contida; o saber sobre a língua e sobre o assunto a ser aprendido ali se
encontra. Desse modo, as perguntas, sempre “bem” formuladas,
evidentemente, só podem ser respondidas de acordo com o livro do
professor, de tal maneira que o professor raramente se dá conta quando uma
pergunta não foi bem formulada, dificultando a obtenção da resposta “certa”,
determinada pelo autor do LD; este autoridade reconhecida carregaria, então,
a aura da verdade, da neutralidade, do saber.
Não é muito difícil encontrar professores que utilizam o livro didático como única
fonte de pesquisa, ou ainda aqueles que trabalham os gêneros trazidos pelos livros didáticos
de forma tradicional, seja pelo fato de ser cômodo para conduzir a aula, seja pela falta de
incentivo de buscar novas iniciativas dinâmicas para desenvolver suas aulas. Não podemos
negar que o livro didático é sim um instrumento muito importante para nortear as nossas
inquietações sobre determinados assuntos; porém não devemos ser alienados por eles, uma
vez que esses manuais estão repletos de saberes prontos, ditando verdades para os professores,
determinando principalmente como eles devem trabalhar em suas aulas.
O livro didático é um instrumento de apoio no processo de ensino aprendizagem
porque, a partir do contato com a literatura via LD, escolhemos e conhecemos algumas obras
para leitura. Mas não podemos nos limitar aos fragmentos explícitos no mesmo. Assim
evitaremos práticas reducionistas da leitura literária. Kleiman (2008) enfatiza que o livro
didático, quando usado como única fonte de conhecimento na sala de aula, favorece a
apreensão fragmentada do material, a memorização de fatos desconexos e valida a concepção
de que há apenas uma leitura legítima para o texto. Desse modo, o LD necessita de
determinadas finalidades para estimular a reflexão, a construção e sistematização dos
conceitos abordados, para que não se torne um fim em si mesmo.
Assim, como elemento representativo e, simultaneamente, propulsor de uma cultura, é
natural que as ideologias constantes no livro didático sejam uma espécie de resposta à
78
sociedade à qual ele pertence. E mesmo que seja um material de vida curta, por conta das
necessidades político-educacionais, as concepções de leitura permanecem, ou seja, o leitor
que se pretende formar deve ter aquela concepção “estruturada” pelo sistema e que, no LD,
encontra-se representada nos textos, fragmentos, figuras e atividades.
Quando pensamos o livro didático como bem cultural, passamos a perceber como
somos dependentes dele, pois mesmo apontando falhas, equívocos, discursos legitimadores de
uma cultura dita dominante, ainda assim ele é o instrumento mais recorrente que se nos
apresenta quando o assunto é formação de aluno, sobretudo de aluno-leitor; é a forma de
apropriação da leitura institucionalizada pela qual nos formamos e com a qual formamos
nossos alunos, com todas as restrições que façamos a ela. Fato é que o LD existe e se impõe
cada vez mais como “responsável” pela alfabetização e pelo letramento literário.
Se, no passado, o professor criava seu próprio manual e o utilizava como suporte em
sala de aula, hoje o livro didático, criado e legitimado por um sistema no qual se encontram
Estado, editoras, escolas e a sociedade como um todo, não somente funciona como suporte,
mas como principal meio de ensino e de aprendizagem. Embora tenhamos consciência da
transferência de “poder” do professor ao livro, as discussões não chegam a atingir a
sociedade, em sua maioria. O livro didático é um constructo histórico e, por isso,
[...] interessa igualmente a uma história da leitura porque ele, talvez mais
ostensivamente que outras formas escritas, forma o leitor. Pode não ser tão sedutor
quanto as publicações destinadas à infância (livros e história em quadrinhos), mas
sua influência é inevitável, sendo encontrado em todas as etapas da escolarização de
um indivíduo: é cartilha, quando da alfabetização; seleta, quando da aprendizagem
da tradição literária; manual, quando do conhecimento das ciências ou da
profissionalização adulta, na universidade. É poderosa fonte de conhecimento da
história de uma nação, que por intermédio de sua trajetória de publicações e leituras,
dá a entender que rumos seus governantes escolheram para a educação,
desenvolvimento e capacitação intelectual e profissional dos habitantes de um país
(LAJOLO; ZILBERMAN, 2011, p. 121).
Percebemos, portanto, que o livro didático se consolidou como o principal instrumento
pedagógico a ser utilizado pelas escolas, pelos professores e pelos alunos. Para isso, desde o
seu nascimento, muitos estudos encomendados pelos governos brasileiros foram realizados a
fim de testar a viabilidade do projeto. Daí a quantidade de decretos, resoluções, portarias,
programas e as várias reformulações operadas nos manuais didáticos brasileiros. O emprego
do termo “livro didático”, de certo modo, além de modernizar fisicamente o LD, harmonizou
a reunião de vários textos, apontamentos, imagens, biografia de autores, questões de
79
interpretação, fragmentos de textos literários, exercícios diversos, propostas de pesquisa em
outros suportes (inclusive os extra-escola), dentre outros, numa mesma coletânea, voltados ao
ensino e à formação.
3.3 O Programa Nacional do Livro Didático: seu histórico, suas fases e seus documentos
legitimadores
O Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) é o mais antigo dos
programas voltados à distribuição de obras didáticas aos estudantes da rede
pública de ensino brasileira e iniciou-se, com outra denominação, em 1929.
Ao longo desses 80 anos, o programa foi aperfeiçoado e teve diferentes
nomes e formas de execução. Atualmente, o PNLD é voltado à educação
básica brasileira, tendo como única exceção os alunos da educação infantil3
Oficialmente, o ano de 1929 marca o início de uma série de projetos governamentais
voltados aos materiais didáticos, através do Instituto Nacional do Livro (INL). Em 1938, cria-
se o Decreto-Lei nº 1.006, de 30/12/38, que institui a Comissão Nacional do Livro Didático
(CNLD). Trata-se da primeira política de legislação sobre a produção e a circulação do livro
didático brasileiro. A partir daí, novos decretos e portarias também são publicados para
instituir novas legislações para o uso do livro didático brasileiro. Destacamos o ano de 1971,
em que se cria o Programa do Livro Didático para o Ensino Fundamental (PLIDEF), órgão
responsável pela administração e pelo gerenciamento de recursos financeiros junto ao INL.
Em 1985, através do Decreto nº 91.542, de 19/8/85, cria-se o Programa Nacional do Livro
Didático, em substituição ao PLIDEF. Em 2003, publica-se a Resolução CD FNDE nº 38, de
15/10/2003, que institui o Programa Nacional do Livro Didático para o Ensino Médio
(PNLEM). Em 2007, cria-se a resolução CD FNDE 18, de 24/04/2007, a qual regulamenta o
Programa Nacional do Livro Didático para a Alfabetização de Jovens e Adultos (PNLA). Em
2009, institui-se a resolução CD FNDE nº 51, de 16/09/2009, que regulamenta o Programa
Nacional do Livro Didático para a Educação de Jovens e Adultos (PNLD EJA)4. Em 2011, o
governo cria o Programa Nacional do Livro Didático do Campo (PNLD Campo) para as
escolas do campo, a partir da resolução nº 40 de 26 de julho de 20115. Para ilustrar as
3Disponível em: <http://www.fnde.gov.br/programas/livro-didatico/livro-didatico-historico>.Acesso em 26 de
agosto de 2015. 4Disponível em: http://www.fnde.gov.br/programas/livro-didatico/livro-didatico-historico. Acesso em 26 de
agosto de 2015. 5Disponível em:https://www.fnde.gov.br/fndelegis/action/UrlPublicasAction.php. Acesso em 26 de agosto de
2015.
80
informações aqui destacadas, reproduzimos o Histórico do Programa Nacional do Livro
Didático apresentado no portal do FNDE (ANEXO II), ao final deste trabalho.
Para o ano de 2013, a partir da Resolução/CD/FNDE nº 40, de 26 de julho de 2011, o
MEC apresenta o Programa Nacional do Livro Didático para as escolas do campo (PNLD
Campo). O novo programa tem como objetivo prover com livros didáticos específicos as
escolas públicas participantes do Programa Nacional do Livro Didático que possuam
segmentos de aprendizagem, classes multisseriadas ou seriadas dos anos iniciais do ensino
fundamental e estejam situadas ou que mantenham turmas anexas em áreas rurais6.
Além do Histórico do PNLD, o portal FNDE também apresenta outras informações
sobre o livro didático. A apresentação do programa destaca o seu objetivo: “prover as escolas
públicas de ensino fundamental e médio com livros didáticos e acervos de obras literárias,
obras complementares e dicionários”7. Em seguida, descreve a forma e o funcionamento do
referido programa:
O PNLD é executado em ciclos trienais alternados. Assim, a cada ano o
FNDE adquire e distribui livros para todos os alunos de determinada etapa
de ensino e repõe e complementa os livros reutilizáveis para outras etapas.
São reutilizáveis os seguintes componentes: Matemática, Língua Portuguesa,
História, Geografia, Ciências, Física, Química e Biologia. Os consumíveis
são: Alfabetização Matemática, Letramento e Alfabetização, Inglês,
Espanhol, Filosofia e Sociologia.
Um edital especifica todos os critérios para inscrição das obras. Os títulos
inscritos pelas editoras são avaliados pelo MEC, que elabora o Guia do Livro
Didático, composto das resenhas de cada obra aprovada, que é
disponibilizado às escolas participantes pelo FNDE.
Cada escola escolhe democraticamente, dentre os livros constantes no
referido Guia, aqueles que deseja utilizar, levando em consideração seu
planejamento pedagógico.
Para garantir o atendimento a todos os alunos, são distribuídas também
versões acessíveis (áudio, Braille e MecDaisy) dos livros aprovados e
escolhidos no âmbito do PNLD8.
6Disponível em: <https://www.fnde.gov.br/fndelegis/action/UrlPublicasAction.php>. Acesso em 26 de agosto de
2015. 7Disponível em: <http://www.fnde.gov.br/programas/livro-didatico/livro-didatico-apresentacao>. Acesso em 26
de agosto de 2015. 8Disponível em:<http://www.fnde.gov.br/programas/livro-didatico/livro-didatico-apresentacao>. Acesso em 26
de agosto de 2015.
81
Outros itens são acrescentados aos já citados. O Termo de Adesão é documento criado
em 2011 que tem por objetivo regulamentar a participação de escolas federais e redes de
ensino no PNLD. A partir daí somente participarão do programa as escolas que assinarem o
referido documento. Caso desejem não mais participar, devem enviar ofício ao FNDE
solicitando a exclusão do PNLD. Somam-se a este o PNLD EJA, o PNLD campo, o PNLD
Obras Complementares, o PNLD Alfabetização na idade certa e o PNLD Dicionários9.
No item Funcionamento, são descritos detalhadamente os passos para a execução do
PNLD.
1. Adesão – As escolas federais e os sistemas de ensino estaduais,
municipais e do Distrito Federal que desejem participar dos programas de
material didático deverão manifestar este interesse mediante adesão formal,
observados os prazos, normas, obrigações e procedimentos estabelecidos
pelo Ministério da Educação. O termo de adesão deve ser encaminhado uma
única vez. Os beneficiários que não desejarem mais receber os livros
didáticos precisam solicitar a suspensão das remessas de material ou a sua
exclusão do(s) programa(s). A adesão deve ser atualizada sempre até o final
do mês de maio do ano anterior àquele em que a entidade deseja ser
atendida.
2. Editais – Os editais que estabelecem as regras para a inscrição do
livro didático são publicados no Diário Oficial da União e disponibilizados
no portal do FNDE na internet.
3. Inscrição das editoras – Os editais determinam o prazo e os
regulamentos para a habilitação e a inscrição das obras pelas empresas
detentoras de direitos autorais.
4. Triagem/Avaliação – Para constatar se as obras inscritas se
enquadram nas exigências técnicas e físicas do edital, é realizada uma
triagem pelo Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo
(IPT). Os livros selecionados são encaminhados à Secretaria de Educação
Básica (SEB/MEC), responsável pela avaliação pedagógica. A SEB escolhe
os especialistas para analisar as obras, conforme critérios divulgados no
edital. Esses especialistas elaboram as resenhas dos livros aprovados, que
passam a compor o guia de livros didáticos.
5. Guia do livro – O FNDE disponibiliza o guia de livros didáticos em
seu portal na internet e envia o mesmo material impresso às escolas
cadastradas no censo escolar. O guia orientará a escolha dos livros a serem
adotados pelas escolas.
6. Escolha – Os livros didáticos passam por um processo democrático de
escolha, com base no guia de livros didáticos. Diretores e professores
analisam e escolhem as obras que serão utilizadas pelos alunos em sua
escola.
7. Pedido – A formalização da escolha dos livros didáticos é feita via
internet. De posse de senha previamente enviada pelo FNDE às escolas,
9Disponível em:http://www.fnde.gov.br/programas/livro-didatico/livro-didatico-apresentacao. Acesso em 26 de
agosto de 2015.
82
professores fazem a escolha on-line, em aplicativo específico para este fim,
disponível na página do FNDE.
8. Aquisição – Após a compilação dos dados referentes aos pedidos
realizados pela internet, o FNDE inicia o processo de negociação com as
editoras. A aquisição é realizada por inexigibilidade de licitação, prevista na
Lei 8.666/93, tendo em vista que as escolhas dos livros são efetivadas pelas
escolas e que são editoras específicas que detêm o direito de produção de
cada livro.
9. Produção – Concluída a negociação, o FNDE firma o contrato e
informa as quantidades de livros a serem produzidos e as localidades de
entrega para as editoras. Assim, inicia-se o processo de produção, que tem
supervisão dos técnicos do FNDE.
10. Análise de qualidade física – O Instituto de Pesquisas Tecnológicas
(IPT) acompanha também o processo de produção, sendo responsável pela
coleta de amostras e pela análise das características físicas dos livros, de
acordo com especificações da Associação Brasileira de Normas Técnicas
(ABNT), normas ISO e manuais de procedimentos de ensaio pré-elaborados.
11. Distribuição – A distribuição dos livros é feita por meio de um
contrato entre o FNDE e a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos
(ECT), que leva os livros diretamente da editora para as escolas. Essa etapa
do PNLD conta com o acompanhamento de técnicos do FNDE e das
secretarias estaduais de educação.
12. Recebimento – Os livros chegam às escolas entre outubro do ano
anterior ao atendimento e o início do ano letivo. Nas zonas rurais, as obras
são entregues nas sedes das prefeituras ou das secretarias municipais de
educação, que devem efetivar a entrega dos livros10.
Também são disponibilizados no portal documentos como Dados Estatísticos, onde
são apresentadas tabelas com informações sobre o ano de aquisição, o ano letivo, o número de
alunos atendidos pelo programa, as escolas contempladas, o número de exemplares, os valores
investidos por ano e total e o atendimento do PNLD, do PNLD EJA, do PNLD Campo, do
PNLD Obras Complementares e do PNLD Dicionários 2012. Além disso, anexa a cada tabela
informações complementares. Na tabela do PNLD, as informações contemplam os anos de
2013, 2014 e 2015. Em 2013, são descritos: Coleções mais distribuídas por componente
curricular – Ensino Fundamental; Valores de aquisição por título – Ensino Médio; Valores de
aquisição por título – Ensino Fundamental; Dados estatísticos por estado – Ensino
Fundamental e Médio (inclui EJA); Valores de aquisição por editora – Ensino Fundamental e
Médio (inclui EJA). Em 2014, Dados estatísticos por estado – Ensino Fundamental e Médio;
Valores de aquisição por editora – Ensino Fundamental e Médio; Coleções mais distribuídas
10Disponível em: http://www.fnde.gov.br/programas/livro-didatico/livro-didatico-funcionamento. Acesso em 26
de agosto de 2015.
83
por componente curricular – Ensino Fundamental. Em 2015, Coleções mais distribuídas por
componente curricular – Ensino Médio; Dados estatísticos por estado – Ensino Fundamental e
Médio; Valores de aquisição por editora – Ensino Fundamental e Médio.
As outras informações complementares referentes aos demais programas são: PNLD
Campo 2015 – Dados estatísticos por estado – Ensino Fundamental; PNLD Campo 2013 –
Valores de aquisição; PNLD Campo 2013 – Valores de aquisição por título. PNLD Obras
Complementares 2013 – Lista das obras aprovadas; PNLD Obras Complementares 2013 –
Valores de Aquisição – Ensino Fundamental. PNLD Alfabetização na Idade Certa 2013 –
Valores de aquisição. PNLD Dicionários 2012 – Composição dos Acervos; PNLD
Dicionários 2012 – Valores de aquisição por editora – Ensino Fundamental e Médio; PNLD
Dicionários 2012 – Resultados. Dados Anteriores: Evolução PNLD Ensino Fundamental –
2004 a 2013; Evolução PNLD Ensino Médio – 2005 a 2013; Evolução PNLD Ensino
Fundamental e Médio por editora – 2005 a 2013; Evolução PNLD – 2011 a 201411.
No item Guias do Livro Didático, são dispostos para consulta os seguintes
documentos: Guia PNLD 2015; Guia PNLD EJA 2014; Guia PNLD 2014; Guia PNLD 2013 –
Ensino Fundamental; Guia PNLD Campo 2013; Guia PNLD 2012 – Ensino Médio; Guia
PNLD 2011 – Anos Finais do Ensino Fundamental; Guia PNLD 2011 – Educação de Jovens e
Adultos; Guia PNLD 2010 – Anos Iniciais do Ensino Fundamental; Guia PNLA 2010 –
Alfabetização de Jovens e Adultos; Guia PNLEM 2009; Guia PNLD 2008 – Anos Finais do
Ensino Fundamental; Guia PNLEM 2008; Guia PNLA 2008; Guia PNLD 2007 – Anos
Iniciais do Ensino Fundamental; Guia PNLD 2004; Escolha PNLD Campo 201612. Cada um
dos documentos listados abre um link para um arquivo em PDF dos referidos Guias.
Além dos documentos mencionados, o portal apresenta outros links: “Apoio à gestão”,
“Novo Siscort”, “Encontros”, “Termo de Adesão”, “Legislação”, “Perguntas frequentes
PNLD” e “Contatos”. Ainda são dispostos links para informações sobre o FNDE, os
programas, o Financiamento, Prestação de contas, Painel de controle do MEC, Editais,
Resoluções e Sistemas13.
11Disponível em: <http://www.fnde.gov.br/programas/livro-didatico/livro-didatico-dados-estatisticos>. Acesso
em 26 de agosto de 2015. 12Disponível em: <http://www.fnde.gov.br/programas/livro-didatico/guias-do-pnld>. Acesso em 26 de agosto de
2015. 13Disponível em: <http://www.fnde.gov.br/>. Acesso em 26 de agosto de 2015.
84
Conforme observamos, desde o surgimento do livro didático até o momento em que
realizamos esta pesquisa (2015-2016), houve uma considerável expansão da confecção e da
distribuição do referido LD. Os primeiros decretos ainda na década de trinta do século XX
legislavam sobre um produto de pequeno alcance frente ao público escolar. O aumento
gradativo, porém tímido em relação à expansão do LD foi verificado até a década de noventa
do mesmo século XX. Foi a partir do governo Fernando Henrique Cardoso que as políticas
públicas voltadas ao LD registraram um significativo aumento na produção, na seleção e na
distribuição do referido suporte.
Conforme afirma Célia Cassiano (2013), o PNLD foi criado pelo então ministro da
educação Paulo Renato de Souza para ser uma plataforma de governo do presidente Fernando
Henrique Cardoso no período 1995-2002. Pela participação das editoras, pelas resoluções
criadas, pela inscrição das escolas, pela seleção de avaliadores e pelo alcance do programa no
tocante aos alunos das escolas públicas, especialmente, entendemos que o PNLD conseguiu
não apenas ser uma plataforma do governo vigente como também criou um forte elo com as
grandes editoras brasileiras, uma vez que se iniciava ali um “casamento” duradouro baseado
em um sólido acordo mercadológico, através do qual todos ganhariam: o governo pela
projeção política, as editoras pelos números em vendas de material didático para o seu
parceiro, o governo brasileiro.
Essa relação descrita acima só aumentou a partir dos governos Luís Inácio Lula da
Silva (2003-2010) e Dilma Rousseff (2011-2014). Além de manter o PNLD, Lula criou o
PNLEM, que passou a atender os estudantes do ensino médio. Começou com os LD de
Língua Portuguesa e Literatura e de Matemática e, até o governo Dilma Rousseff, todas as
disciplinas, inclusive as de língua estrangeira, já estavam contempladas no programa. Além
disso, ainda houve a criação do PNLD EJA, PNLD campo e PNLA. Assim, percebemos que
os governos subsequentes ao de FHC mantiveram o programa como plataforma de governo
com a ampliação do atendimento do PNLD e também reforçaram o “casamento” com as
editoras. A expansão do programa repercutiu também no aumento de comissões avaliadoras, o
que resultou em novos critérios para inscrição e aprovação dos livros didáticos participantes
do processo. Isso fez com que o “casamento” entre governo e editoras enfrentasse muitas
turbulências, devido à insatisfação dos editores, algumas delas já descritas neste capítulo.
O MEC criou comissões distintas para avaliarem o livro didático de cada disciplina
através de contratos firmados com universidades públicas brasileiras. Por exemplo, a
avaliação do PNLD de Língua Portuguesa esteve a cargo do CEALE (Centro de
85
Alfabetização, Leitura e Escrita) da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) de 1998
até 2015. A partir de 2015, a UFPE (Universidade Federal de Pernambuco) assumiu a
função14. Percebemos que houve um considerável aumento nos investimentos voltados ao
PNLD em relação à qualidade do material didático, tanto no que se refere ao conteúdo e ao
tipo físico do suporte quanto à composição crítica dos seus avaliadores, dado o rigor com que
as seleções das instituições avaliadoras são realizadas.
Além disso, a criação dos portais do MEC e do FNDE na internet também facilitou o
acesso de professores, estudantes, editores e pesquisadores, uma vez que, conforme já
registramos, as principais informações sobre o PNLD estão contidas nas páginas dos órgãos
acima referidos. Especialmente para os pesquisadores, houve um relevante avanço no que diz
respeito às possibilidades de realização de estudos voltados ao tema, o que dez anos antes não
era possível, devido às dificuldades de acesso às informações. Há também espaços para o
público se comunicar com os profissionais responsáveis pelos conteúdos dos portais a fim de
buscar informações faltantes ou para esclarecer dúvidas em relação ao que já está publicado.
3.4. O Programa Nacional do Livro Didático: as políticas públicas
[...] a criação do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), em 1985, [é
uma] política adotada pelo Estado em relação ao livro didático durante a
redemocratização do país. Tal política centralizava, no âmbito federal, o
planejamento, a compra e a distribuição gratuita do livro escolar para a
maioria dos alunos da educação básica do Brasil (CASSIANO, 2013, p. 23).
Segundo Cassiano (2013), no período que compreende 1938 e 1985, o livro didático
brasileiro passou por um rigoroso controle estatal de produção, circulação e uso,
principalmente no período da ditadura militar (1964-1985). Assim, quando publicado o
decreto que instituiu o PNLD, sequer foi mencionado que este programa substituiria o
PLIDEF. Segundo a pesquisadora, isso se deu em razão de uma estratégia política de
apagamento de qualquer imagem associada à ditadura militar, uma vez que o PLIDEF havia
sido criado em 1971, ano em que os militares governavam o país. A ideia era agregar valor
14 Disponível em: http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=39521-
chamada-publica-ies-2017-resultado-pdf&category_slug=maio-2016-pdf&Itemid=30192. Acesso em 3/6/2016.
86
positivo ao PNLD e, por isso, sua total dissociação por parte do governo democrático vigente
que, a partir de 1985, se auto intitulava “Nova República”.
Embora se observe a manutenção de boa parte da base do PLIDEF, o PNLD deu início
a uma revolução nas políticas públicas para a produção, circulação e uso do livro didático no
Brasil. O traço diferencial, segundo Cassiano (2013), encontra-se em dois momentos distintos:
em 31 de maio de 1985, o documento Educação para todos: caminho para a mudança, é
criado pelo então Ministro da Educação Marco Maciel; em 1993, temos o Plano Decenal de
Educação para Todos. O primeiro se destaca pelos princípios de instauração do PNLD; o
segundo pelo conjunto de alterações feitas ao programa, as quais seriam executadas a partir de
1995, no governo de Fernando Henrique Cardoso (CASSIANO 2013).
O PNLD surge vinculado ao Programa Educação para Todos (PET), oriundo de um
documento maior chamado Compromisso com a nação, resultante da união entre a Aliança
Democrática e a Frente Liberal - dissidência do Partido Democrático Social (PDS) - e Partido
do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), instituindo-se em sete de agosto de 1984. O
documento apresentava as seguintes propostas: reforma das instituições a fim de alcançar a
plena democracia, modificação na economia, reprogramação da dívida externa, revisão da
política salarial, debate para uma nova Constituição. Após a posse de José Sarney como
presidente em 31 de maio de 1985, a proposta Educação para todos: caminho para a
mudança é encaminhada pelo então ministro Marco Maciel. Do documento, destacamos a
política social daquele governo que tinha como uma das metas a universalização do ensino de
primeiro grau (CASSIANO, 2013).
Percebemos que havia uma preocupação do governo Sarney com as camadas
populares do país. Por isso, o documento acima citado apresentava uma preocupação em
resolver os problemas educacionais herdados do regime militar, assumindo uma postura
assistencialista. Eis os problemas:
a) A falta de uma consciência nacional sobre a importância política social
da educação;
b) Baixa produtividade no ensino;
c) Aviltamento da carreira do magistério;
d) Inexistência de um adequado fluxo de recursos financeiros para a
educação básica (CASSIANO, 2013, p. 57).
87
Segundo a mesma pesquisadora, os itens “B” e “D” são os “alicerces para o que veio a
se constituir a política pública para o livro didático no país redemocratizado” (CASSIANO,
2013, p.57). Ela ainda destaca que, além de um cunho assistencialista, o PNLD também
atendia às orientações do Banco Mundial, sobretudo quando se tratava da Região Nordeste,
assistida em 43% do total de exemplares distribuídos em 1986. Apesar de ter implementado
mudanças significativas, como a substituição do livro descartável (que continha exercícios na
própria publicação) pelo livro não consumível, outras duas propostas do PNLD custaram a ser
implantadas. Primeiro, temos a escolha do LD pelo professor, que somente seria consolidada
na primeira metade do século XXI. Dentre os principais problemas para a efetivação dessa
proposta, levantados por Cassiano, destacam-se a rotatividade dos professores das escolas
públicas (o que faz com que determinado docente trabalhe em uma escola durante um ano e
tenha escolhido um livro. Ao trocar de escola no ano seguinte, é possível que o livro escolhido
pelos professores da futura escola não coincida com o da escola anterior). Também constam
nos relatos reclamações de escolas que receberam livros didáticos, os quais não haviam sido
selecionados pelos seus professores. Quanto à distribuição gratuita do LD para o ensino
fundamental das escolas públicas, verifica-se que esta somente passou a ser cumprida a partir
de 1995 (CASSIANO, 2013).
A segunda fase do PNLD é assim denominada e marcada por Cassiano (2013) a partir
do Plano Decenal de Educação para Todos. Este documento é resultante da Declaração
Mundial sobre a Educação para Todos, confeccionado pela Conferência Mundial sobre
Educação para Todos: Satisfação das Necessidades Básicas de Aprendizagem, em Jomtien
(Tailândia), no período de 5 a 9 de março de 1990. Este evento foi realizado pela Organização
das Nações Unidas (ONU), Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a
Cultura (UNESCO), Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), Programa das
Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e o Banco Mundial (CASSIANO, 2013).
O Plano Decenal de Educação para Todos, publicado em 1993, significou o
compromisso assumido pelo Brasil naquela conferência internacional; ele “delimitava em
quais esferas deveriam se concentrar os esforços e recursos [...] para se alcançar a
universalização da Educação Básica no Brasil, assegurando os padrões de qualidade básicos”
(CASSIANO, 2013, p. 78). Sua divulgação esteve a cargo da Associação Brasileira dos
Editores de Livros (ABRELIVROS), que o publicou e distribuiu a todos os órgãos públicos
brasileiros, inclusive às escolas. Segundo a pesquisadora, esse ato dos editores se realizou por
conta das diretrizes constantes no documento, as quais “priorizavam o livro didático como
88
recurso pedagógico essencial e previam políticas públicas que deveriam privilegiá-lo”
(CASSIANO, 2013, p. 78).
Merecem destaque documentos produzidos por agências internacionais e mencionados
por Cassiano (2013, p. 79), os quais tinham como finalidade a melhoria da educação em
âmbito mundial e destacavam a importância do livro didático para a consolidação do projeto.
São eles:
O Relatório Jacques Delors, resultante de trabalhos desenvolvidos, de 1993a
1996, pela Comissão Internacional sobre a Educação para o Século XXI da
Unesco, considera o livro didático como ‘o suporte mais fácil de manejar e
mais econômico’ (DELORS, 1998, p. 192). Uribe (2006) apresenta vários
estudos do Banco Mundial, dos anos 1990, direcionados para a América
Latina e Caribe, em que os resultados são contundentes em relação aos
benefícios do uso do livro didático na educação fundamental dessas regiões,
principalmente quando são considerados os indicadores de custo x benefício.
O ano de 1996 marca o início de um rigoroso sistema de avaliação, inaugurado pelo
MEC. O processo avaliativo visava investigar a qualidade do LD. Seu objetivo, além do
aprimoramento da distribuição e da melhoria do livro didático adquirido, visava também o
aprimoramento do professor que, por sua vez, iria selecionar e avaliar a qualidade desse livro.
Rojo e Batista (2008, p. 28-29) argumentam que:
[...] por meio do Plano Decenal de Educação para Todos, assume como
diretrizes, ao lado do aprimoramento da distribuição e das características
físicas do livro didático adquirido, capacitar adequadamente o professor para
avaliar e selecionar o manual a ser utilizado e melhorar a qualidade desse
livro, por intermédio da definição de uma nova política do livro no Brasil.
Visando a qualidade do livro didático, o Ministério da Educação criou comissões
demarcadas por áreas de conhecimento para que fossem delimitados os critérios e as
classificações da avaliação. O resultado desse processo seria publicado nos Guias de livros
didáticos, os quais seriam distribuídos com a finalidade de orientar os professores quanto à
seleção dos manuais didáticos ali apresentados (CASSIANO, 2013).
A avaliação dos livros didáticos brasileiros é tida como um dos mais importantes
avanços no que diz respeito à produção, circulação e uso do LD, datada no governo de
Fernando Henrique Cardoso, em 1996. Mas outras medidas também se destacam nesse ano.
Cassiano (2013, p. 84) assim as destaca, a partir das afirmações do então Ministro da
Educação, Paulo Renato de Souza:
89
[...] A elaboração de Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) em todos os
níveis e modalidades da educação básica, a criação de sistemas de
informações, principalmente advindos dos vários censos educacionais, e a
instituição de sistemas brasileiros de avaliação educacional, para todos os
níveis de ensino.
O pleno atendimento do PNLD para todos os alunos da Educação Básica e a criação de
um processo de avaliação do LD atuam junto aos critérios dispostos nos Parâmetros
Curriculares Nacionais (PCN). A principal finalidade é a proposta de uma Reforma
Curricular, empreendida pelo governo Fernando Henrique Cardoso e executada a partir dos
critérios acima mencionados, os quais conferem visibilidade a esse governo e uma
consequente legitimidade, seja por parte de certos setores da mídia brasileira, como a Revista
Veja e a Folha de São Paulo, seja por parte de um discurso acadêmico criado a partir de uma
bibliografia produzida por pesquisadores participantes do PNLD. São especialistas que atuam
em várias etapas e em vários setores do Programa, destacando-se os coordenadores das áreas
de avaliação dos livros didáticos. Conforme observação da autora, percebemos que imperam
alguns nomes nessas coordenações, salvo algumas exceções (CASSIANO, 2013). Assim, a
avaliação do PNLD 2002 ficou a cargo das universidades às quais os coordenadores estavam
vinculados. Destacamos apenas os coordenadores da área de Alfabetização e Língua
Portuguesa pela afinidade e pela identidade da área com a nossa pesquisa:
[...] Alfabetização e Língua Portuguesa ficaram oficialmente sob a
responsabilidade da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Os
professores Antonio Augusto Gomes Batista, Magda Soares e Maria da
Graça Val, além de docentes dessa universidade, também são pesquisadores
do CEALE, instituição fortemente envolvida no processo da avaliação dos
livros didáticos desde a sua implementação [...] Apesar de a área de Língua
Portuguesa ser diretamente vinculada à UFMG, os professores Egon de
Oliveira Rangel e Roxane Rojo – esta também participante da equipe do
Ceale, e em 2006 passou a ser docente da Universidade Estadual de
Campinas (UNICAMP) – responsáveis pela coordenação da área, pertenciam
ao quadro de docentes da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
(PUC/SP) (CASSIANO, 2013).
Quanto ao PNLD, Cassiano (2013) afirma que sua continuidade e sua consolidação lhe
conferem uma categoria de política de Estado. Também acrescenta que as implementações e
modificações sofridas pelo referido programa atendem às demandas instituídas pelo Banco
Mundial para países em desenvolvimento. No caso do Brasil, essa parceria se iniciou na
década de 1970 e se efetivou a partir das relações do então Ministro Paulo Renato de Souza
com aquela instituição, antes de ocupar o cargo de ministro. Como forma de garantir um
90
ideário de gestão positiva ao PNLD no governo Fernando Henrique Cardoso, a avaliação do
LD foi enaltecida nos documentos oficiais como o Plano Decenal de Educação para Todos
(1993-2003). Por outro lado, desqualificou o professor, julgado como malformado
instrumentalmente para selecionar adequadamente os livros didáticos indicados como
positivos pelas comissões avaliadoras. Isso porque, de 1997 a 2004, observou-se que os livros
selecionados pelos professores compunham, majoritariamente, os quadros recomendado com
ressalvas ou não recomendado. A solução encontrada pela Comissão Avaliadora do PNLD,
ao que tudo indica, não foi buscar as causas junto aos professores. Ao contrário, optou-se pela
exclusão da categoria não recomendado:
Na medida em que a avaliação oficial dos livros didáticos vem instituída
paralelamente aos PCNs, em 1996, o discurso oficial que repudia os livros
anteriormente adotados e desqualifica o professor que está em sala de aula,
está, ao mesmo tempo, legitimando os livros aprovados pela comissão de
avaliação, que é formada por profissionais de reconhecida competência
técnica. [...] Nessa relação entre Estado e escola, há uma tensão em que
predomina o apagamento tácito da voz do professor, que nesse processo está
desigualmente posicionado em face do discurso oficial instaurado e
legitimado (CASSIANO, 2013, p. 110).
O final do governo Fernando Henrique Cardoso é marcado, no Programa Nacional do
Livro Didático, por um documento: “História do Livro Didático 1995-2000/ Educação agora
são outros 500”, que apresenta uma retrospectiva do programa enquanto gestado pelo então
Presidente da República. Ao assumir o cargo de Presidente do Brasil em 2003, Luís Inácio
Lula da Silva deu prosseguimento ao PNLD, configurado no governo anterior. Porém,
ampliou significativamente o campo de atuação do referido programa, a começar por atender
às reivindicações dos autores e editores de livros didáticos brasileiros, a partir de um
documento por eles elaborado e entregue ao presidente eleito. Dentre outras, solicitavam
revisão dos processos de avaliação do LD, no que foram atendidos a partir do PNLD 2005,
com a exclusão das categorias de avaliação bem como a divulgação das obras excluídas. O
documento apresentava dois tópicos: o primeiro reivindicava que o governo viabilizasse o
acesso de professores e alunos a obras didáticas impressas e o segundo apresentava sete
reivindicações acerca do funcionamento do PNLD (CASSIANO, 2013):
1) Que o PNLD não sofresse descontinuidades ou interrupções de qualquer
natureza, excetuando-se as alterações anteriormente sugeridas no que
concerne à avaliação e à operacionalização desse Programa, principalmente
91
no sentido de se haver maior flexibilização nos prazos estabelecidos para os
editores;
2) Que fossem incluídos no PNLD a aquisição e distribuição de livros
didáticos de inglês e espanhol;
3) Que fosse incluído no Programa a distribuição de livros de todas as
disciplinas para todos os alunos do Ensino Médio;
4) Que se reavaliasse a posição vigente em relação ao livro consumível,
especialmente para as quatro primeiras séries do ensino fundamental (...)
“Portanto, a exclusão dos livros consumíveis não deveria se apoiar em
critérios puramente econômicos, como atualmente, em que o FNDE atende
apenas a alunos da 1ª série com livros desse formato” (ABRALE,
ABRELIVROS, 2002, p. 27).
5) Que os critérios da avaliação do PNLD fossem revistos [...]
6) Revisão em algumas etapas do Programa, visando ao cumprimento de
todas as etapas com um mínimo de burocracia e com máximo de
transparência e respeito às instituições envolvidas no processo;
7) Que se verificasse a sustentabilidade jurídica e legal do PNLD, para aferir
se seria necessária alguma outra garantia legal, como uma lei específica, para
torná-lo um Programa permanente, com recursos assegurados e livres de
potenciais instabilidades políticas, resultantes de medidas específicas
adotadas pelo governo do momento (CASSIANO, 2013, p. 146-147).
O PNLD, em 2003, já havia conseguido criar uma identidade na educação pública
brasileira. Esse feito foi reivindicado e exaltado pelo governo Fernando Henrique Cardoso. O
governo seguinte, do presidente Lula, além de manter o referido programa, criou outros três
aliados ao já existente. O primeiro deles foi criado pela Resolução nº 38, de 15/10/2003, e
pela Portaria 2.922, de 17 de outubro de 2003, que instituíram o Programa Nacional do livro
Didático para o Ensino Médio (PNLEM), “com o objetivo de distribuir, de forma inédita e
gradativa, livros didáticos de todas as disciplinas para os alunos das escolas públicas de
Ensino Médio do país” (CASSIANO, 2013, p.150).
A resolução nº 18, de 24 de abril de 2007, instituiu o Programa Nacional do Livro
Didático para a Alfabetização de Jovens e Adultos (PNLA). O programa tem como objetivo a
“distribuição de livros didáticos consumíveis aos estados, Distrito Federal, municípios,
entidades da sociedade civil organizada e instituições de ensino superior que estabelecem
parceria com o Ministério da Educação” (CASSIANO, 2013, p. 153). O Programa Nacional
do Livro Didático para a Educação de Jovens e Adultos (PNLD EJA) foi criado a partir da
Resolução nº 51 de 16 de setembro de 2009. Esse programa “incorporou o PNLA e ampliou o
alcance aos alunos dessa modalidade de ensino, que antes só eram beneficiados com livros de
alfabetização” (CASSIANO, 2013, p. 153).
92
Em 2011, no governo da Presidente Dilma Vana Rousseff, o presidente interino do
Conselho Deliberativo do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) instituiu
o Programa Nacional do Livro Didático do Campo (PNLD Campo) para as escolas do campo.
Esboçados os procedimentos pelos quais o livro didático foi controlado e distribuído
no país no século XX, e como vem passando pelo mesmo processo no século XXI, observa-se
que, embora compusesse um projeto político ordenado e pensado com vistas às escolas, a
distribuição e o controle dos livros didáticos também se transforma em uma política
assistencialista e burocrática: esta, por fundamentar-se mais em sua distribuição; aquela,
porque os livros didáticos, inicialmente, eram destinados às crianças desprovidas de boas
condições econômicas. O mercado editorial vê, nesta lógica de produção e distribuição do
livro didático como mercadoria, a oportunidade de um amplo negócio com o Estado Brasileiro
que representa seu maior comprador. Em consequência disso, temos a ampliação do
atendimento às escolas brasileiras pelo Programa Nacional do Livro Didático (PNLD),
financiado e executado pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) e que
continua a negociar em grande escala com as editoras que compõem o mercado editorial de
didáticos no país, ficando estas responsáveis pelo envio dos livros diretamente às escolas.
93
IV – A EDUCAÇÃO LITERÁRIA BRASILEIRA – seus modelos e suas
implicações
4.1. Conceitos e discussões
[...] o interesse da formação literária na escola não tem como raiz a
transgressão de um discurso estabelecido sobre as obras, mas que a
educação literária serve para que as novas gerações incursionem no
campo do debate permanente sobre a cultura, na confrontação de como
foram construídas e interpretadas as ideias e os valores que a
configuram (COLOMER, 2007, p. 29).
A epígrafe em destaque estabelece as bases do pensamento em relação ao tratamento
dado à literatura pela escola. Entendemos o espaço escolar, por conseguinte, como um
ambiente de apropriação e adequação do discurso literário. Assim, o objeto artístico original
(o texto literário) se curva a um contexto em que imperam as representações culturais, as
quais visam informar aos leitores escolares passagens entendidas como importantes da nossa
história, além de valores e comportamentos; também é seu objetivo mostrar como tais
particularidades interferem no contexto atual.
A leitura, então, seria a possibilidade de diálogo entre as obras literárias, sobretudo as
canônicas, e o leitor. Pelo exposto, inferimos que a escola trabalha, no momento atual, a partir
de uma perspectiva interpretativa, mas também associada às transformações sociais e culturais
pelas quais passamos. Isso significa que instrumentos que atuavam no passado como
controladores do saber, mas que não se explicitavam nos discursos nem nos manuais
didáticos, hoje aparecem representados pelo diálogo existente entre a escola e uma sociedade
representada por valores políticos, ideológicos, culturais e mercadológicos. Estes valores
interferem e influenciam diretamente nas políticas educacionais por meio dos métodos de
ensino, materiais didáticos, currículos escolares. Dentre eles, o livro didático sagra-se como
principal instrumento, capaz de propagar a ideologia política do país, aliado à formação
educacional dos indivíduos.
Desse modo, a perspectiva atual a respeito do ensino de literatura na escola permite
uma abertura na relação do objeto literário entre o mundo que este representa (o artístico, o
ficcional, o poético) e o mundo dos leitores reais. Isso não significa julgar as ações que
94
envolvem tais procedimentos, mas buscar entender como ocorrem as transformações no
espaço escolar, no que diz respeito à leitura, e como isso interfere na formação de leitores e
ainda se efetivamente forma leitores.
Segundo Marisa Lajolo (2002), as discussões que envolvem os materiais didáticos
datam ainda do século XIX. Nessa época, escritores como Machado de Assis, Januário da
Cunha Barbosa, Joaquim Manuel de Macedo, dentre outros, já propunham discussões acerca
da formação de leitores literários, uma vez que a construção de universidades ofuscou o
necessário tratamento que as escolas de primeiras letras necessitavam. Assim, o livro didático
seria responsável por reparar esse ato, ou seja, teria a incumbência de auxiliar o trabalho
docente no tratamento de temas complexos ou alheios ao conhecimento do professor, uma vez
que este não possuía qualificação satisfatória para lidar com os programas instituídos. Desse
modo, foi inevitável a ligação entre livro didático e escola.
Isso justifica o envolvimento dos escritores daquela época frente às práticas
educacionais que se criavam, visando a formação de um público leitor capaz de referendar
seus escritos. Para tanto, organizaram-se, no intuito de promover a solidificação das marcas
culturais brasileiras apresentadas e discutidas no próprio texto literário. Conforme Lajolo,
[...] todos envolveram-se, igual e simultaneamente, em outros
empreendimentos pioneiros: a organização da historiografia da literatura
brasileira, a fundação de sociedades e revistas de cultura, a criação do
romance nacional, empresas de cujo conjunto resulta a malha de instituições
e práticas, sem o que uma produção escrita como a literatura não se viabiliza
(LAJOLO, 2002, p. 113).
Em outras palavras, estabeleceram-se códigos capazes de instaurar modelos de leitura.
Desse modo, teríamos um leitor cidadão ou, como alerta Tereza Colomer (2007), um leitor
formado por um modelo de educação literária, que seria a reunião de todos os instrumentos
elencados por Lajolo. Em consequência, temos a solidificação da leitura escolarizada, calcada
nos contratos firmados entre a escola e a sociedade via representação político-ideológica. Por
outro lado, a definição do que seja educação literária nos convida a pensar na existência de
uma gama de tipos ou modelos de educação literária, sobretudo aquele adotado pelo sistema
político-educacional brasileiro. Para entendermos os possíveis conceitos do termo em questão,
recorremos à pesquisadora Cyana Leahy-Dios (2004), que apresenta sua definição:
A construção de uma educação literária relevante, com uma realização
própria percebida por alunos e professoras, envolve a definição de objetivos,
95
métodos e formas de avaliação coerentes com o processo de construção do
conhecimento, utilizando a leitura, análise e interpretação do literário como
meio de educar cidadãos. Os departamentos de teoria e prática pedagógicas
das melhores universidades (as social e politicamente comprometidas com a
cidadania) trabalham a educação como um processo complexo, a um só
tempo, meio e fim, o que requer a definição clara de suas características e
objetivos. Aí se insere a necessidade de esclarecer o papel da literatura como
espaço de leitura formal no ensino médio brasileiro, assim como as
influências que os estudos literários vêm sofrendo em sua história
contemporânea. Para reescrever essa história, visando a uma influência
politicamente significativa nos tempos atuais, é preciso saber as formas que
tomam esses estudos (LEAHY-DIOS, 2004, p. 04).
O termo “Educação literária” apresenta uma série de discussões e/ou provocações
acerca de alguns fenômenos históricos, culturais, sociológicos, políticos, dentre outros,
relacionados aos estudos literários. De acordo com o pensamento de Leahy-Dios (2004),
educar literariamente um sujeito significa torná-lo cidadão, conscientizá-lo do seu lugar
social, provocando sua criticidade ao realizar suas leituras. Significa posicionar-se a partir de
conhecimentos construídos com a experiência literária e assim criar condições para defender
seus pontos de vista e, principalmente, criar e depois exercer o gosto pela leitura, pois a
experiência literária seria capaz de incentivar a sensibilidade do leitor, aproximando-o de
situações que ele desconhece. A experiência literária tanto pode sensibilizar o leitor para as
questões artísticas quanto para as questões externas ao texto literário, mas que de algum modo
são inseridas, provocadas ou refletidas no corpo de um texto poético ou ficcional. Ao se
conscientizar de que a literatura é um produto social, o indivíduo veria a leitura literária como
um ato responsável, social, político. Entenderia que a prática de tal leitura implica a tomada
de posições e defesa de ideias que visem a uma democratização da leitura. Vista desse modo,
a leitura literária é capaz de promover a cidadania plena aos indivíduos. A educação literária,
desse modo, “ajudaria a construir ‘pessoas melhores’, no sentido de serem sujeitos mais
competentes para validar a cidadania e nela se engajar buscando formação de comunidades
democráticas” (LEAHY-DIOS, 2004, p. 233).
A competência da leitura literária está associada a diversos níveis do saber; assim
sendo, é preciso que o indivíduo aperfeiçoe e desenvolva tal ato. Neste sentido, a leitura deve
ser vista como um instrumento capaz de elevar o homem intelectualmente, o que resultará em
seu destaque perante a sociedade, pois, segundo Zilberman (2009, p. 36-23), tal domínio é
uma “descoberta de mundo” e traz distinção entre as pessoas, sendo que “a partícula negativa
recai sobre a privação das habilidades de ler e de escrever”. Esse tipo de leitura supera o ato
96
de decodificar, pois exige um amadurecimento por parte do leitor. Mas, para que isso se
concretize, precisamos primeiro entender o papel destinado à literatura como disciplina
escolar:
Há determinados pressupostos comumente associados ao processo de ensinar
e aprender literatura. Como disciplina, literatura é parte de uma agenda
educacional determinada por compromissos ideológicos, papéis e
expectativas político-culturais (LEAHY-DIOS, 2004, p. XXV).
Embora os documentos oficiais e os livros didáticos tratem o texto literário como arte,
na prática diária em sala de aula ocorre o contrário. O recorte que se faz desse texto artístico
contempla o mínimo possível do que os documentos consideram arte literária. A manutenção
de dogmas pelo LD indica que há um abismo entre o que se produz como literatura no Brasil,
o que os críticos apontam como problemas que precisam ser repensados e o que pensa o
sistema político-educacional brasileiro. Nesse caso, vence o tradicionalismo do sistema e,
como consequência, temos um ensino de literatura geralmente mediado pelo livro didático,
repetidor de formas consagradas por universidades e mantidas pelas escolas, mas nem por isso
adequadas ao público escolar, se pensarmos na formação crítica, objetivo central de uma
educação literária comprometida com a formação cidadã:
A sobrevivência das escolas depende em larga escala dos resultados obtidos
nos exames. De algum modo, em algum lugar, há um comando de autoridade
que exige que os vestibulares sejam como são e que o aprendizado de
literatura seja testado através de períodos, datas, nomes e características,
quanto mais memorizável melhor; quem não se adequar ao sistema estará
fora dele” (LEAHY-DIOS, 2004, p. 37).
Pelo exposto, percebemos que a cidadania literária, da forma como se configura a
partir da observação de Leahy-Dios, revela um contrato entre sistemas educacionais que
legislam a escola, no que diz respeito ao ensino da literatura. Assim, o que fazem as escolas e
os professores, como integrantes da comunidade escolar, é atender às exigências desse
poderoso sistema e direcionar suas práticas para não ficarem de fora dele. A escola e os
professores precisam ser aprovados. E isso se dá através de maior número de alunos
aprovados em vestibulares, ENEM ou processos avaliativos criados pelos governos federais,
estaduais e municipais. Uma vez que a forma como se cobra os conteúdos de literatura nos
concursos e testes é consolidada e segue à risca a valorização da memorização de traços
considerados relevantes para a manutenção desse sistema, a escola é ofertada com manuais
97
didáticos que seguem à risca as indicações de autores/editores; estes, por sua vez, atendem ao
que é prescrito por comissões formadas por professores de universidades, os quais seguem
indicações de profissionais do MEC. Não há espaço para se discutir a diversidade da literatura
ou dos seus supostos leitores, ao contrário, há uma homogeneização da literatura, disposta em
blocos onde se prioriza o aspecto memorizável do texto.
Lembremos o caminho percorrido pelo LD até chegar aos seus usuários/leitores. Das
editoras ao Ministério da Educação até chegar à escola, os alunos e os professores são
pensados sem considerar as suas especificidades, como uma massa uniforme. Embora no
último PNLD o contexto rural tenha sido contemplado com um livro didático confeccionado
especialmente para atender à realidade do aluno do campo, nas áreas urbanas isso não
acontece. Ora, mesmo que os alunos pertençam a um espaço metropolitano não significa que
suas especificidades sejam as mesmas, se lembrarmos que existem características diferentes
de uma cidade para outra ou de um bairro para outro. Os alunos das cinco regiões brasileiras
estudam como se fossem pertencentes a um mesmo contexto. No entanto, há uma manutenção
de autores e obra de determinadas regiões. Tomemos como exemplo a região Norte do país.
Onde estão os seus escritores, poetas e ficcionistas? Certamente, não estão no livro didático e
nem nas discussões dos professores de Língua Portuguesa e literatura que seguem à risca os
preceitos do livro didático.
Segundo Leahy-Dios (2004), é preciso conhecer quem são os sujeitos e quais papéis
ocupam no espaço escolar diante do processo de ensino-aprendizagem da leitura literária. Não
basta saber que são apenas aluno e professor, mas que outras contribuições/formações esses
sujeitos podem acrescentar ao referido processo:
Quem é o estudante de literatura na escola? Escritor/a embrionário/a, ativista
social, alguém curioso a respeito de fatos na língua, ou um ser em formação
à procura de orientação valorativa? Como tal pessoa se manifesta, que
influências estão por trás dos interesses, que respostas são oferecidas? Não
menos importante é saber quem é o professor/a de literatura: escritor/a,
acadêmico/a, crítico/a literário/a, educador/a, revolucionário/a, renovador/a
ou reacionário/a? Como foi formado/a para o exercício da função? Como se
situa na sala de aula de literatura em relação à escola e ao currículo escolar?
Como interage interna e externamente em relação às políticas educacionais e
à sociedade em geral? Que objetivos prescreve para seus alunos? (LEAHY-
DIOS, 2004, p. XXVII).
98
Conhecer os atores escolares significaria uma possibilidade de ir além do que
prescreve o livro didático, pois, dependendo do conhecimento de mundo ou extraescolar
apresentado pelos alunos e pelos professores, algumas lacunas do LD poderiam ser pelo
menos discutidas. Nessa linha de raciocínio, entendemos que o ensino de literatura nos moldes
tradicionais tende a oferecer um tratamento superficial do seu objeto, ao invés de propor um
aspecto fornecido ou indicado pelo próprio texto literário para, a partir do seu entendimento,
alunos e professores estabelecerem relações com outros conhecimentos. Parece haver uma
tentativa de se ampliar as discussões através de uma utópica interdisciplinaridade entre
algumas áreas do conhecimento quando, na verdade, o que temos é um desfile de referências
soltas, as quais os alunos são obrigados a repetir em nome daquele modelo de educação
literária:
O projeto de educação literária na escola ultrapassa a visão da disciplina
como expressão de pura arte contemplativa. Seu papel pedagógico é tão
importante quanto seu caráter recreativo e artístico, pelo fato de a educação
literária se situar em uma interseção interdisciplinar, se apoiar em um
“triângulo multidisciplinar”, lidando com formas, meios e objetos variados.
Por envolver a linguagem escrita e falada, a disciplina se aproxima da
história e da economia, se liga a questões sociais e políticas, recorrendo a
fontes psicológicas, esbarrando em emoções, sentimentos e sensações.
Embora de abrangência quase ilimitada, seus efeitos como disciplina de
estudos na escola não são esclarecidos, tendo reduzido efeito real as
propostas de ensinar e aprender literatura de modo crítico e criativo
(LEAHY-DIOS, 2004, p. 8).
Desse modo, entendemos que o projeto de educação literária configura-se como
insuficiente no tratamento da literatura como disciplina escolar. Um texto literário já traz uma
gama de temas propícios à discussão por parte dos atores escolares. Ao invés de se incentivar
essa discussão, as associações propostas pela escola optam, geralmente, por caminhos que
privilegiam o que já está consagrado e sacramentado no cânone, tanto em relação aos
escritores e poetas quanto em relação ao tratamento imposto pelo livro didático. Ou seja,
alunos e professores não se detêm nas discussões ou reflexões a respeito dos temas tratados no
texto literário, pois é preciso abordar todo o conteúdo previamente determinado, ou seja, é
preciso seguir à risca as determinações do LD:
No ensino médio, quando o ensino de literatura poderia assumir o espaço de
formação do gosto cultural a partir do que os alunos vivem como
adolescentes na sociedade, a disciplina se fecha ao biografismo e no
historicismo monumentalista, isto é, na consagração de escritores que não
99
deriva da apreciação de seus textos, mas de acúmulo de informações sobre
seus feitos e suas glórias (PAULINO; COSSON, 2009, p. 71-72).
No conto “Teoria do medalhão”, de Machado de Assis, há um belo exemplo de como a
educação literária pode se valer do texto literário e realizar um exercício de conhecimento dos
papéis desempenhados tanto pelos alunos quanto pelos professores fora do eixo escolar. Nesse
caso, além de educação literária, haveria um exercício de letramento literário, o que
aprofundaremos mais tarde. Trata-se de um texto composto por diálogos sem a presença de
um narrador tradicional. Conta a história de um pai e de um filho na qual o primeiro aconselha
o segundo a seguir seus ensinamentos para se realizar na vida. Aparentemente, uma simples
conversa que, certamente, qualquer leitor poderia ter com seu pai ou sua mãe.
No entanto, as propostas apresentadas pelo pai são valores muito pessoais, os quais
diferem do politicamente correto aconselhado pela maioria dos pais de carne e osso. Isso se
lembrarmos dos nossos códigos de conduta, valores e deveres do cidadão brasileiro. Voltando
ao conto, o pai defende o seu ponto de vista, oferecendo justificativas para que o filho assim o
proceda, e só então venha a se tornar o suposto “medalhão” do título:
_ Digo-lhe que o que vosmecê me ensina não é nada fácil.
_ Nem eu te digo outra coisa. É difícil, come tempo, muito tempo, leva anos,
paciência, trabalho, e felizes os que chegam a entrar na terra prometida! Os
que lá não penetram, engole-os a obscuridade. Mas os que triunfam! E tu
triunfarás, crê-me. Verás cair as muralhas de Jericó ao som das trompas
sagradas. Só então poderás dizer que estás fixado. Começa nesse dia a tua
fase de ornamento indispensável, de figura obrigada, de rótulo. Acabou-se a
necessidade de farejar ocasiões, comissões, irmandades; elas virão ter
contigo, com o seu ar pesadão e cru de substantivos desadjetivados, e tu
serás o adjetivo dessas orações opacas, o odorífero das flores, o anilado dos
céus, o prestimoso dos cidadãos, o noticioso e suculento dos relatórios. E ser
isso é o principal, porque o adjetivo é a alma do idioma, a sua porção
idealista e metafísica. O substantivo é a realidade nua e crua, é o naturalismo
do vocabulário15.
Nesta passagem, o pai orienta o filho a se dedicar ao ofício que deverá perseguir.
Lamenta não ter tido orientações semelhantes como as que, agora, apresenta ao filho. São
indicações de como “se dar bem na vida”, popularmente falando. Mas isso não é feito de
modo inconsequente ou irresponsável. Trata-se de um “curso” minimamente pensado pelo pai
em que observamos um rigor metodológico da aplicabilidade daqueles conteúdos e conceitos
ao filho. As orientações continuam:
15 Disponível em: http://machado.mec.gov.br/images/stories/pdf/contos/macn003.pdf Acesso em 12/04/2016
100
_ E parece-lhe que todo esse ofício é apenas um sobressalente para os
déficits da vida?
_ Decerto; não fica excluída nenhuma outra atividade.
_ Nem política?
_ Nem política. Toda a questão é não infringir as regras e obrigações
capitais. Podes pertencer a qualquer partido, liberal ou conservador,
republicano ou ultramontano, com a cláusula única de não ligar nenhuma
idéia especial a esses vocábulos, e reconhecer-lhe somente a utilidade do
scibboleth bíblico.
_ Se for ao parlamento, posso ocupar a tribuna?
_ Podes e deves; é um modo de convocar a atenção pública. Quanto à
matéria dos discursos, tens à escolha: _ ou os negócios miúdos, ou a
metafísica política, mas prefere a metafísica. [...] Supõe que desejas saber
por que motivo a 7ª companhia de infantaria foi transferida de Uruguaiana
para Canguçu; serás ouvido tão-somente pelo ministro da guerra, que te
explicará em dez minutos as razões desse ato. Não assim a metafísica. Um
discurso de metafísica política apaixona naturalmente os partidos e o
público, chama os apartes e as respostas. E depois não obriga a pensar e
descobrir. Nesse ramo dos conhecimentos humanos tudo está achado,
formulado, rotulado, encaixotado; é só prover os alforjes da memória. Em
todo caso, não transcendas nunca os limites de uma invejável vulgaridade.
_ Farei o que puder. Nenhuma imaginação?
_ Nenhuma; antes faze correr o boato de que um tal dom é ínfimo.
_ Nenhuma filosofia?
_ Entendamo-nos: no papel e na língua alguma, na realidade nada. “Filosofia
da história”, por exemplo, é uma locução que deves empregar com
freqüência, mas proíbo-te que chegues a outras conclusões que não sejam as
já achadas por outros. Foge a tudo que possa cheirar a reflexão,
originalidade, etc., etc.16
Embora tenhamos um texto fictício onde um pai com posturas que diferem, pelo
menos no discurso público, dos pais de carne e osso, há aqui um leque de possibilidades a ser
explorado pelos professores e pelos alunos para a efetivação do projeto de educação literária
ou da literatura como disciplina escolar. Temas como política, economia, história, filosofia,
arte, textos bíblicos e principalmente os papéis sociais de pais e de filhos são mencionados no
texto. Acreditamos que, para se realizar o processo de educação literária não seja necessário
que todos os temas sejam explorados. Se pelo menos um for pensado e refletido, já terá valido
a pena a leitura do conto em destaque, pois quaisquer das áreas contempladas no texto
ficcional quando discutidas ou debatidas já provocariam seus leitores a assumirem seus pontos
de vista, dependendo do conhecimento que cada um possui sobre o assunto:
16Disponível em: http://machado.mec.gov.br/images/stories/pdf/contos/macn003.pdf Acesso em 12/04/2016
101
Partindo do pressuposto de que um dos principais papéis da educação
literária como disciplina de estudos é a representação cultural de sociedades,
é preciso observar que ele se submete a imposições verticais, tais como
programas e requisitos de avaliação. Uma análise de sua realização como
parte do processo educativo requer a observação das ações pedagógicas em
salas de aula de literatura. Requer, também, que se ouça o que alunos e
professores têm a dizer, sendo importante que a literatura integre o domínio
de outras disciplinas de cunho social, visando à produção de conhecimento
relevante para indivíduos e grupos sociais (LEAHY-DIOS, 2004, p. 10).
Para o aluno (do ensino médio), a leitura do conto “Teoria do medalhão” poderia
auxiliá-lo a entender uma possível interferência dos pais em relação às escolhas profissionais
dos filhos e, por mais absurda que possa parecer a visão do pai fictício, ela se apresenta tão
embasada na teoria quanto nos exemplos práticos fornecidos, que o filho não se opõe ao que
ouve. Do mesmo modo, os pais de verdade que interferem nas decisões do filho também
poderiam se valer de posturas semelhantes para convencer os seus filhos a fazerem o que eles
julgam ideal. Para o professor, a leitura significaria conhecer melhor os seus alunos: o que
pensam, como agem, como gostariam de ser tratados e como se posicionam diante do conto
machadiano. Ao mesmo tempo, o professor conscientizar-se-ia do seu papel como educador e
de como poderia contribuir para a socialização da leitura literária ao trabalhar textos literários
que promovam um debate saudável sobre as mais diversas práticas sociais.
No entanto, cabe aqui um protesto em relação à disposição da literatura na grade
curricular das escolas públicas brasileiras:
A literatura não somente deveria permanecer nos currículos escolares, mas
lhe deveria ser dado um papel mais central do que o tinha até 1999, sem a
tendenciosidade de gênero e classe social que cercava sua realização
pedagógica. Extinta dos currículos escolares, mesclada ao ensino de língua
nacional e à leitura, análise e interpretação de textos, a educação literária
escolar perdeu força social, política e conceitual. Era, possivelmente, a única
matéria que podia oferecer alimento para os sentidos e emoções em simbiose
com conscientização cultural, social e política, em um aprendizado de prazer
e autoconhecimento junto à aquisição de valores de participação política
como sujeitos sociais: não existe a inteligibilidade pura sem um aspecto
interior (LEAHY-DIOS, 2004, p. 234).
A observação acima nos preocupa, uma vez que defendemos a prática de leitura
literária e todas as ramificações que possam surgir a partir daí. Não acreditamos que isso seja
possível com o “rebaixamento” da literatura proposto pelas novas orientações curriculares aos
PCN de Língua Portuguesa. A literatura perdeu o seu status de disciplina e passou a
102
“funcionar” como um gênero dentro das orientações ao ensino da língua e tem sua
aplicabilidade definida ao lado de outros gêneros, como o musical e o jornalístico.
Respeitando-se as especificidades de cada gênero, o texto literário, além de contribuir para o
projeto de educação literária defendido por Leahy-Dios, é, em muitos casos, a única forma de
contato com a arte que muitos alunos e até mesmo professores possuem.
Reivindicar o tratamento de disciplina à literatura significa se opor ao modelo de
educação literária imposto pelo sistema político-educacional brasileiro que não se renova ou
tenta reimplantar um modelo superado pelas conquistas de professores, pesquisadores e
estudantes, pois não se abre às discussões e às críticas dos profissionais da área. Ao contrário,
insiste em um ensino que prioriza sempre o mesmo cânone, os mesmos gêneros e as mesmas
metodologias de ensino-aprendizagem.
4.2. Letramento literário e livro didático
Se é certo que os leitores sempre existiram em todas as sociedades nas quais
a escrita se consolidou enquanto código, como se sabe a propósito dos
gregos, só existem o leitor, enquanto papel de materialidade histórica, e a
leitura, enquanto prática coletiva, em sociedades de recorte burguês [...]
(LAJOLO; ZILBERMAN, 2011, p.120).
O surgimento do leitor, como ser que exerce uma função social, data de meados do
século XVIII, na Europa, quando o acesso à leitura era permitido aos nobres e legitimado pelo
poder absolutista vigente. Somente após as revoluções burguesas, através de práticas
educativas, o ensino passou a ser democratizado. Com isso, instituições como as famílias, os
casamentos, as igrejas resultaram em principais difusores da nova prática, cada um atendendo
a interesses particulares.
Os primeiros passos para formação e o fortalecimento da sociedade leitora do Brasil
acontecem no Rio de Janeiro do século XIX, cidade que já apresentava alguns mecanismos
para produção e circulação da literatura. Nessa época, autores do Romantismo brasileiro como
José de Alencar, Bernardo Guimarães e Manoel Antônio de Almeida dirigiam-se ao público
leitor com muita cautela, visando “fisgar” o seu suposto consumidor das obras que escreviam,
e também consolidar a literatura produzida nos moldes consagrados da época, além de
103
garantir o espaço para novas produções. Segundo Lajolo e Zilberman (2011), Manuel Antônio
de Almeida publicou em folhetim, na imprensa carioca em l852-1853, Memórias de um
sargento de milícias, com o qual teve muito mais êxito do que quando começara a lançar suas
obras em livros. No primeiro contato, trata o leitor como despreparado. Nessa publicação,
parecia conduzir o leitor pela mão, como se estabelecesse um caminho a percorrer.
Quanto à narrativa, o escritor atesta a ocorrência de expressões para chamar a atenção
do leitor, buscando, dessa forma, condicioná-lo à continuidade dos fatos, ou garantir que ele
descubra novos elementos na leitura. Isso revela um narrador paternalista que conduz e invoca
o leitor a cada momento da história com explicações constantes e retrocessos no relato.
O comportamento dos narradores românticos atendia à ideologia de um processo
político que teve início no decorrer do Brasil Colônia, a partir da substituição do ensino
religioso pelos decretos do Marquês de Pombal, por sua vez amparados no Verdadeiro método
de estudar, de Luís António Verney. A política instituída por Pombal para controlar a
circulação da leitura no Brasil, sobretudo em relação aos livros que vinham de outros países,
contava com um poderoso fisco português:
Quando se tratava de controlar os súditos, a coroa portuguesa não media
esforços. Temendo a difusão de ideias perigosas, fazia com que seus órgãos
de censura controlassem não apenas o envio de livros para as colônias
d’além-mar, mas também a movimentação livresca entre cidades
portuguesas, autorizando ou não a circulação de livros dentro do país
(ABREU, 2003, p. 23).
Desse modo, os impressos que representassem, de alguma forma, ataques à igreja, à
família, ao casamento, à moral e às outras instituições consolidadas pela sociedade portuguesa
seriam censurados e não entravam no país, pelo menos pelas vias legais. Assim, o leitorado
ainda incipiente apropriava-se de escritos vindos da Europa, em geral portugueses, e, com o
estabelecimento da família real no Brasil, passou a consumir também os textos aqui
produzidos. O mercado do livro era praticamente inexistente e os textos produzidos eram, nos
primeiros anos do estabelecimento da imprensa, “biografias romanceadas” (CÂNDIDO,
2009). Esses textos se caracterizavam pelo elogio a algum nobre, construído através de
narrativas. Conforme observa Márcia Abreu (2003, p. 84), o livro aqui publicado significava
moeda de troca “para obtenção de postos e favores ou para ganhar a simpatia dos poderosos,
já que quantidade significativa de obras saídas dos prelos da Impressão Régia dedicava-se ao
elogio dos soberanos”.
104
Também no período colonial observa-se uma tendência à massificação dos saberes
através da leitura:
Entre os séculos XVI e XIX, as práticas sociais em geral passaram a ser
reorganizadas sob a forte influência das práticas sociais escriturais e mesmo
aqueles que tinham nenhum ou pouco domínio da escrita se viram cercados
por ela. Até mesmo as práticas sociais essencialmente orais revestiram-se de
características das escritas [...]. Como conseqüência desse processo, surgiu a
ideia da escolarização em massa, que tem como princípio a pedagogização da
aprendizagem dos saberes que foram escriturados (saberes codificados): a
escola assumiu a prática de dividir os conhecimentos em partes
hierarquicamente ensinadas, pondo fim ao saber não sistematizado (JURADO;
ROJO, 2009, p. 42).
A leitura no Brasil, portanto, nasceu sob as rédeas de uma censura portuguesa que
institucionalizava estratégias de produção e também de consumo. Como bem cultural,
instituiu-se como privilégio do clero e da nobreza, determinando quais tipos de leitura eram
adequados a cada um dos estratos contemplados.
Apesar dos interesses políticos presentes na produção do impresso no país, a vida
cultural da colônia se transformou consideravelmente, pois nesse período também foram
publicadas obras direcionadas ao ensino, segundo pesquisa de Marisa Lajolo e Regina
Zilberman (2011). Ainda segundo o estudo das autoras, a Impressão Régia seguia publicando
obras literárias, gramáticas, obras referentes à medicina, traduções etc. No entanto, essas
publicações ocupam apenas um pequeno espaço de uma poderosa indústria do livro que
começa a se desenhar, a do livro didático:
[...] imprensa e livro didático nascem ao abrigo do Estado e sujeitam-se a ele.
As duas imagens – uma, vinculando imprensa e livro didático e, em vista da
produção em massa deste, reforçando sua parceria com o capitalismo; outra,
fazendo-a dependente do apadrinhamento do Estado, que conforme o caso,
atua como mecenas, padrasto ou pai – balizam as condições entre as quais
oscilam leituras e leitores (LAJOLO; ZILBERMAN, 2011, p. 128).
Com tais finalidades, o livro didático brasileiro, desde o seu nascimento, compromete-
se com a política do Estado. Assim, para representar o governo vigente, combinou leitura e
ideologia política. Isso iria influenciar o consumidor do LD em sua formação leitora, pois a
apropriação seria resultante da combinação entre esses dois polos. O livro didático é também
um dos instrumentos mais importantes no contexto educacional, o principal representante
dessa política, o meio mais acessível de leitura nas escolas.
105
As pesquisas realizadas, segundo os autores, versam sobre problemas semelhantes: a
qualidade do manual didático brasileiro e sua aplicabilidade. Contribuem também para
fortalecer o caráter cultural que o livro didático assumiu ao longo de sua existência por conta
da sua representatividade sociopolítica. Quanto a isso, Antônio Gomes Batista (2007) destaca
a importância do livro didático para a cultura educacional brasileira.
Em síntese: o livro didático desenvolve um importante papel no quadro mais
amplo da cultura brasileira, das práticas de letramento e do campo da
produção editorial e compreende, consequentemente, diferentes dimensões
de nossa cultura, de suas relações com a escrita e com o letramento, assim
como os processos sociais, culturais e econômicos de diferentes facetas da
produção editorial brasileira significam também compreender o livro escolar
brasileiro (BATISTA, 2007, p. 534).
Embora o livro didático seja o principal suporte (senão o único em muitas escolas) do
qual os professores dispõem, ele não se configura como a única possibilidade de se letrar
literariamente um sujeito. Antes de começarmos a nossa discussão sobre o tema,
apresentaremos os conceitos formulados por pesquisadores da área sobre os termos letramento
e letramento literário. Sobre letramento, Rildo Cosson e Graça Paulino constroem um
entendimento a partir de dois eixos. O primeiro eixo, advindo do inglês litteracy, define
letramento como “a habilidade de ler e escrever, em uma noção que abarca o que chamamos
de alfabetização” (PAULINO; COSSON, 2009, p. 64). Cabe ressaltar que essa vertente se
refere aos progressos individuais dos sujeitos no que diz respeito à conquista de habilidades e
competências no uso da tecnologia da escrita. O segundo eixo surgiu entre 1970 e 1980 e
apresenta uma distinção proposta por Brian Street (1984) “entre um ‘modelo autônomo de
letramento’ identificado com o uso tradicional do termo e um ‘modelo ideológico de
letramento’ que corresponde à nova perspectiva” (PAULINO; COSSON, 2009, p. 65). Nesse
caso, afasta-se da perspectiva individual observada no primeiro eixo e se identifica com uma
ideologia voltada às práticas sociais de apropriação da leitura e da escrita. Sendo assim, os
autores concluem que:
[...] nessa concepção, [...] letramento não pode ser singular, mas sim um
plural, pois há tantos letramentos quanto as práticas sociais e os objetos que
enformam o uso da escrita na nossa sociedade letrada, como se observa no
uso do termo em expressões tais como letramento digital, letramento
financeiro ou letramento midiático, para indicar a competência da leitura e
interação social, associada à escrita e até para além dela (PAULINO;
COSSON, 2009, p. 65).
106
As definições dos autores acima mencionados sobre letramento nos interessam, uma
vez que nos auxiliam a refletir acerca do pensamento homogeneizado sobre a leitura,
sobretudo a literária, presente tanto nos manuais didáticos quanto em discursos escolares. Para
ampliar estas reflexões, buscamos novamente auxílio na definição que Cosson e Paulino
oferecem ao termo “letramento literário”:
[...] propomos definir letramento literário como o processo de apropriação
da literatura enquanto construção literária de sentidos. Aqui convém
explicitar, em primeiro lugar, que considerar o letramento literário um
processo significa tomá-lo como um estado permanente de transformação,
uma ação continuada e não uma habilidade que se adquire como aprender a
andar de bicicleta ou um conhecimento facilmente mensurável como a
tabuada de cinco (PAULINO; COSSON, 2009, p. 67).
Partindo desse princípio, entendemos que o letramento literário se realiza no exercício
cotidiano que se faz com o texto literário, mas não para repetir fórmulas, ao contrário, ler para
desenvolver habilidades de apropriação do texto através de variadas associações que partem
de conhecimentos prévios a fim de enriquecer o que se extrai do referido texto. Naturalmente,
essa prática se opõe ao engessamento das aulas de literatura tão denunciado por pesquisadores
da área. O livro didático, nesse caso, colabora negativamente para a formatação desse quadro,
pois, como já explicitamos, impõe uma gama de conteúdos distribuídos em capítulos e
subdivididos em seções de leitura de fragmentos de textos, imagens, biografias, contextos
históricos e questões de múltipla escolha ou de interpretação. Vale acrescentar que todas as
questões contêm respostas no “livro do professor”. Entendemos, portanto, que o letramento
literário proposto pelos autores como um processo contínuo da prática de leitura e apropriação
da escrita está longe de se realizar nas escolas. Nesse sentido, os autores vão além dos muros
escolares quando pensam a literatura como um processo social e cultural:
Também deve ficar claro que o letramento literário não começa nem termina
na escola, mas é uma aprendizagem que nos acompanha por toda a vida e
que se renova a cada leitura de uma obra significativa. Depois, trata-se de
apropriação, isto é, um ato de tornar próprio, de incorporar e com isso
transformar aquilo que se recebe, no caso, a literatura. Não há assim, leituras
iguais para o mesmo texto, pois o significado depende tanto do que está dito
quanto das condições e dos interesses que movem essa apropriação
(PAULINO; COSSON, 2009, p. 67).
107
De acordo às proposições de Paulino e Cosson (2009), não é apenas tarefa da escola
promover o letramento literário dos seus alunos. Como cidadãos, esses alunos têm à sua
disposição outros meios de ler e de se apropriar de textos literários das mais diversas
naturezas, sobretudo daqueles que não são oferecidos nas escolas. E mesmo quando a escola é
o único meio de acesso ao literário, ao concluir o ciclo, o sujeito poderá continuar o exercício
da leitura e da apropriação de textos da sua escolha ou por indicação de outras pessoas. Isso
faz com que a prática da leitura se concretize em letramento literário ao assumir um caráter
social e não apenas escolarizado:
[...] o letramento literário pode ser concebido simplesmente como uma das
práticas sociais da escrita, aquela que se refere à literatura. Nesse caso, a
adoção do conceito de letramento literário vem ao encontro da sempre
reivindicada leitura efetiva dos textos literários como requisito sine qua non
para o acesso concreto e frequente a obras literárias após ou durante o ensino
escolar da literatura (PAULINO; COSSON, 2009, p. 67).
Considerando as definições dos autores acima mencionados, compreendemos que o
sistema educacional brasileiro se encontra em dívida com os seus principais atores. Nas
escolas, os professores, em especial os de Língua Portuguesa e Literatura, e os alunos são alvo
de uma poderosa máquina político-editorial que insiste em oferecer um modelo de confecção
do livro didático de literatura que já se antecipa aos problemas que poderiam surgir a partir da
leitura, ainda que seja de um fragmento de texto literário, pois há respostas para tudo. Não há
espaço para o contraditório:
[...] a escola enfatiza demasiadamente o conhecido e o mensurável, negando
espaço para o estranho e o inusitado. É o que se observa, por exemplo, no
modelo de bom aluno repetidor, cuja competência mais valorizada é dizer
aquilo que o livro didático ou professor já disse: quanto mais literal a
repetição, melhor [...] Quando surgem textos e práticas que permitiriam uma
interação questionadora, poética, diferente, aberta a tendências dos
educadores é pautar-se pela reação da maioria e negar as produções de
sentido imprevistas no contexto da comunidade escolar de leitores e
produtores de texto, caracterizada pela homogeneização (PAULINO;
COSSON, 2009, p. 71).
A prática da leitura desenvolvida com apoio do livro didático, mais especificamente o
livro didático de português, produz envolvimento do estudante com o mundo da escrita e da
108
literatura; contudo, a cultura escolar, apesar de investir pedagogicamente na leitura, ainda
camufla a leitura literária no que ela tem de próprio. A leitura com vistas ao letramento
literário torna-se indissociável do livro didático de português; afinal, esse compêndio ainda é
o principal material de acesso – e para alguns o único – que os estudantes têm para as práticas
de escrita e leitura. Nesse material, ainda há uma limitação de textos que são considerados
complexos de entendimento, quando não os fragmentam ou sintetizam, tornando-os
descontextualizados e afetando sua coesão. Portanto,
[...] as exclusões desobrigam esse tipo de LDP17 de tomar esses elementos
como objetos de ensino/aprendizagem, autorizam o professor a fazer o
mesmo e colaboram perigosamente para a construção tanto de uma
concepção equivocada de linguagem escrita, leitura e literatura, quanto na
incerteza na leitura e da rarefação nos padrões de letramento (RANGEL,
2005, p. 140-141).
A escolarização da literatura nos livros didáticos com vistas ao letramento literário é
também enfocada por Rildo Cosson (2009), que situa a escola a partir dos mecanismos que
esta desenvolve, como construtora do letramento literário:
[...] devemos compreender que o letramento literário é uma prática social e,
como tal, responsabilidade da escola. A questão a ser enfrentada não é se a
escola deve ou não escolarizar a literatura, como bem nos alerta Magda
Soares, mas sim como fazer essa escolarização sem descaracterizá-la, sem
transformá-la em um simulacro de si mesma que mais nega do que confirma
seu poder de humanização (COSSON, 2009, p. 23).
Rildo Cosson argumenta que é possível desenvolver letramento literário na escola,
sendo dessa instituição, talvez, a grande responsabilidade de formar alunos leitores. O autor
não se intimida ao afirmar que “estamos diante da falência do ensino da literatura” (COSSON,
2009, p. 23). A partir de sua experiência enquanto professor e pesquisador, ao se referir às
incoerências que há no ensino de literatura para os dois níveis de educação – fundamental e
médio –, Cosson afirma que “o ensino da literatura brasileira limita-se [...] a história da
literatura brasileira, [...] quase como apenas uma cronologia literária, em uma sucessão
dicotômica entre estilos de época, cânone e dados biográficos dos autores [...]” (COSSON,
2009, p. 21).
17 Livro Didático de Português.
109
O papel que a escola, o professor e o livro didático desempenham na formação do
letramento literário do estudante deve ser minuciosamente entendido e distinguido. Ao seguir
o manual didático, cabe ao professor não transformar as aulas em abordagens meramente
informativas sobre cânone, história e características literárias de obras e escolas. Ele precisa ir
além, de modo que o jovem aluno tenha, na sala de aula, nas leituras e atividades o incentivo à
prática da leitura. Nesta perspectiva, Rildo Cosson acredita ser possível desenvolver o
letramento literário na própria escola, com o uso de materiais didáticos, sem com isso abolir a
autonomia do professor.
Graça Paulino (2004, p. 52), em “Formação de leitores: a questão dos cânones
literários”, apresenta a investigação de Lígia Chiappini (1983) em que a pesquisadora critica
“o autoritarismo de professores que veem a literatura como letra morta e contra a ritualização
de uma aula que trabalha os textos literários como saberes instituídos e inquestionáveis”. A
pesquisa de Chiappini, conforme Graça Paulino, possui o mais alto empenho para que o
ensino da literatura no Brasil seja renovado e democrático, uma vez que há polarização entre
cânones escolares e cânones literários. Desta forma, a autora busca assinalar que os cânones
escolares constituem as técnicas para seleção de livros literários que sobressaem nas escolas.
Ela define “esse processo de escolha de textos como o trabalho de educadores não-leitores
literários, que lidam apenas profissionalmente com a literatura dita juvenil” (PAULINO, 2004,
p. 54, grifo da autora).
Visto por este prisma, na seleção dos cânones literários já existe uma preferência que
culmina em uma desfigurada escolarização dos cânones, a exemplo de “algumas seleções
escolares de Machado de Assis. Se é preciso que o ‘grande escritor’ esteja presente na escola,
publicam-se antologias que atendam às definições escolares de gêneros” (PAULINO, 2004, p.
54, grifo da autora). Do mesmo modo, ainda sobressai a ideia de que textos mais complexos
são difíceis de serem assimilados pelo jovem estudante. A questão é que os fragmentos de
textos literários ou textos didatizados têm objetivos voltados para a escola e a forma como
isso corre incide para uma escolarização da leitura literária errônea, equivocada:
Pensando especificamente na leitura em contexto escolar, não podemos
perder de vista que os textos que circulam em sala de aula, à exceção
daqueles produzidos especificamente para esse contexto – os didáticos, por
exemplo – são escolarizados. Isso quer dizer que são retirados de sua esfera
de produção/circulação/recepção de origem (a literatura, por exemplo) e
repostos em outra situação de produção, em uma esfera que tem fim
específico de ensino de um objeto escolar, seja um conhecimento, seja uma
capacidade leitora, seja uma prática letrada (JURADO; ROJO, 2009, p. 45).
110
4.3. A Literatura do Livro Didático
Estuda-se mais história da literatura e não as obras em particular. E que
história da literatura se estuda? Quase sempre os estilos de época na sua
ordem cronológica. [...] Por eleger uma formação de caráter enciclopédico,
acaba-se por conhecer muito pouco cada obra, sobretudo no que ela tem de
singular (PINHEIRO, 2009, p. 110).
A observação acima nos convida a refletir sobre a “literatura” proposta nos livros
didáticos e como ela é concebida pelos alunos. Para Pinheiro (2009), a literatura apresentada
nos LD configura-se em um tipo de História da Literatura, se pensarmos na disposição
cronológica dos estilos de época, biografia de escritores, exclusão de autores marginais ou que
não se enquadram no cânone nacional, sugestões de respostas às questões apresentadas sobre
um determinado texto literário baseadas nas escolas e nos movimentos artísticos ao invés do
texto-contexto ou da interpretação dos receptores. De tanto ser repetida e/ou praticada, essa
História da Literatura canonizada pelo livro didático e referendada nas escolas acaba por se
tornar a “verdadeira” literatura que os alunos conhecem, apesar de os documentos oficiais
como LDB, PCN, Guias de livros didáticos e ainda os orientações ao docente no manual do
professor apresentarem indicações tanto de obras originais (apresentadas no LD sob a forma
de fragmentos) quanto de livros/artigos sobre leitura, literatura, educação, letramento literário,
dentre outros, os quais poderiam auxiliar o trabalho docente, além do livro didático.
Outras questões a serem consideradas dizem respeito à relação entre livro didático e
literatura na construção do sujeito leitor. Compete “ao professor – pela linguagem que fala ou
que manipula nos recursos didáticos – “[...] exercer a sua [...] função insubstituível no
domínio mais avançado do conhecimento que o aluno vai constituindo” (BRASIL, 2000, p.
84). Contudo, de acordo com Marisa Lajolo, a relação entre livro didático e ensino possui
inadequações provindas de séculos passados. “Os legisladores, ao discutirem leitura e livro
didático, inscrevem a discussão no contexto geral da precariedade que, herdada da Colônia,
vai persistir por muito tempo” (LAJOLO, 2010, p. 53), como por exemplo, o despreparo do
magistério, os baixos salários, as péssimas condições de trabalho e – talvez o mais grave – o
“fato de que a leitura patrocinada pela escola de hoje parece sofrer uniformização [...]
embrulhada em propostas que, em nome de uma leitura lúdica e criativa, [...] apenas simulam
criação e fantasia” (LAJOLO, 2010, p. 71, grifo da autora). Não é demais lembrarmos
também que Regina Zilberman, com base em pesquisas desenvolvidas por programas de
avaliação comparada sobre a efetividade dos sistemas educacionais, afirma que o Brasil
111
enfrenta uma crise na leitura que “reflete uma crise da escola em decorrência da parceria
historicamente estabelecida entre o ensino e a aquisição das habilidades de ler e escrever”
(ZILBERMAN, 2009, p. 70).
Mencionadas as proposições que condicionam e caracterizam a política do livro
didático e da leitura no Brasil, Lajolo (2010) também dá ciência ao fato de que o ensino de
Língua Portuguesa ainda se confunde com o de gramática e linguística. Por ora, persiste um
apego aos livros didáticos, uma vez que, com tantos problemas no interior do ensino
brasileiro, residiria nesses, como nas técnicas e nos métodos, a solução de tantos problemas.
Entretanto, como se sabe, os livros didáticos não são autossuficientes em proporcionar
aprendizado ao aluno. Ezequiel Theodoro da Silva (2009) concebe a desenfreada utilização
dos compêndios pelos docentes, que vem desde a década de 70, ao fato de que, mal
renumerados, os professores veem no aumento da jornada de trabalho uma melhoria salarial,
transformando-se em um
[...] “dadeiro de aulas” [...] lançando mão de livros e manuais que lhe
chegam prontamente, em longas listas, para efeito de adoção e indicação aos
compradores alunos. Em frase lapidar, João Wanderley Geraldi18 disse que
“os professores não adotam livros didáticos; eles são adotados pelos livros
didáticos para produzir o ensino [...] (SILVA, 2009, p. 41, grifo do autor).
Podemos então entender que a presença do livro didático na escola, independente da
disciplina, exprime autoridade na prática pedagógica. A esse respeito, Deusa Maria de Souza
(1999), no artigo “Autoridade, autoria e livro didático”, explora a concepção de que se atribui
ao livro didático a figura de detentor do saber, verdade consagrada oferecida ao professor que
é autorizado a operar apenas de forma reprodutiva aquilo que é oferecido no manual didático,
competindo ao aluno assimilá-la.
Os livros didáticos, ainda assim, são bastante utilizados no contexto escolar,
independente da disciplina, sendo seu uso muitas vezes justificado pela referência de estudo
que este traz ao aluno, principalmente quando reporta a sua adaptação à prova de vestibular ou
ainda quando elenca o conteúdo a ser trabalhado em cada disciplina, não desperdiçando tempo
com assuntos sem tanta importância (CORACINI, 1999).
18 A afirmação de Geraldi procede de uma entrevista concebida a Ezequiel Theodoro da Silva em 1987.
112
O livro didático exclui a interpretação e, com isso, exila o leitor. Propondo-
se como autossuficiente, simboliza uma autoridade em tudo contrária à
natureza da obra de ficção que, mesmo na sua autonomia, não sobrevive sem
o diálogo que mantém com seu destinatário. E, enfim, o autoritarismo se
apresenta de modo mais cabal, quando o livro didático se faz portador de
normas linguísticas e do cânone literário (ZILBERMAN, 2009, p.77).
Por sua vez, Shirley Jurado e Roxane Rojo (2009) corroboram as afirmações de
Coracini (2009) ao afirmarem que, no ensino de literatura, “O texto – literário ou não – é
modelo de um estilo analisado como um produto autônomo de uma língua e não como um
produto resultante de uma sócio-história que supõe sujeitos em interação. O texto é explicado
e não compreendido” (JURADO; ROJO, 2009, p. 43).
Por outro lado, o Projeto Memória da Leitura, desenvolvido desde 1992 na Unicamp,
que visa pesquisar a história da leitura e do livro no Brasil, segundo Lajolo (2007), possui
grande interesse em analisar os livros escolares quando se trata da questão do letramento. De
acordo com a autora, o país apresenta precárias práticas de leitura e este projeto contribui para
esclarecimento da historicidade da leitura no Brasil, além de comprometer-se com a
democratização da leitura:
As pesquisas até agora desenvolvidas apontam o papel central representado
pelo livro didático no panorama da história das práticas de leitura no Brasil,
uma vez que ele (o livro didático) sempre esteve (e parece permanecer) em
posição hegemônica devido à intensidade de seu uso e à obrigatoriedade de
seu manuseio no interior das práticas de leitura (LAJOLO, 2007, p. 91).
A prática da leitura desenvolvida com apoio do livro didático, mais especificamente o
livro didático de português, produz envolvimento do estudante com o mundo da escrita e da
literatura; contudo, a cultura escolar, apesar de investir pedagogicamente na leitura, ainda
camufla a leitura literária no que ela tem de próprio. A leitura, com vistas no letramento
literário, torna-se indissociável do livro didático de português; afinal, esse compêndio ainda é
o principal material de acesso que os estudantes têm para as práticas de escrita e leitura. Nesse
material, ainda há uma limitação de textos que são considerados complexos de entendimento,
quando não os fragmentam ou sintetizam, tornando-os descontextualizados e afetando sua
coesão. No entanto, o livro didático:
Tal como se apresenta hoje, [...] tem sido o instrumento de letramento mais
presente na escola brasileira, especialmente a partir da década de 1970.
Atualmente, representa a principal, se não a única, fonte de trabalho com o
113
material impresso na sala de aula, ao menos na rede pública de ensino
(JURADO; ROJO, 2009, p. 44).
Ampliando a discussão sobre a viabilidade do livro didático de literatura, Hélder
Pinheiro (2009) provoca reflexões acerca da necessidade de sua existência e da formação dos
professores:
[...] precisamos de livro didático de literatura? Os livros didáticos de
literatura, como estão, têm contribuído para a formação de leitores de obras
literárias? Não seria mais rico, em vez de estudar literatura no ensino médio
de um modo atrelado ao viés historicista, ler as obras com os alunos? [...]
para tanto, os professores precisariam estar mais bem preparados intelectual
e metodologicamente, precisariam buscar, inclusive, fundamentação em
inúmeros trabalhos de crítica literária à disposição em livros, artigos, teses e
dissertações (PINHEIRO, 2009, p 113).
A provocação de Pinheiro (2009) propõe uma reflexão acerca do modo como a
literatura tem sido trabalhada nas escolas. Aliás, em muitos casos, quase não há a necessidade
do professor, tamanha é a importância do livro didático nas atividades pedagógicas: o livro
didático de literatura, por exemplo, indica o que ler, como ler e o que deve ser mais
importante em um texto literário, através dos fragmentos de narrativas e poemas ou outros
procedimentos reducionistas:
[...] quando apresentamos uma obra literária aos nossos alunos, comumente,
a preocupação não é com a fruição ou a apreciação estética. Ela se torna um
objeto para o ensino das características presentes na obra, ligadas à escola
literária ou às figuras de linguagem que possam ter sido usadas pelo autor.
Fragmentamos a obra, não poucas vezes, reduzindo-a a um conjunto de
características de uma escola literária ou de um estilo próprio do autor
(JURADO; ROJO, 2009, p. 46).
Por sua vez, Deusa Maria de Souza (1999) observa que:
Parece [...] haver uma relação professor-aluno, necessariamente mediada
pelo livro didático, ou pelo material didático. O livro didático estaria em
última instância a serviço da relação professor-aluno-conhecimento devendo,
assim, “orientar” os professores quanto a “o que ensinar” e “como ensinar”.
Ao mesmo tempo, caberia ao livro didático fornecer conteúdos previamente
selecionados, fazendo recortes no que supostamente seria mais relevante no
conhecimento, e indicar procedimentos metodológicos para a sua
transmissão em sala de aula (SOUZA, 1999, p. 59).
114
Quanto às postulações apresentadas nos PCN de Literatura e que legitimam a
confecção dos livros didáticos, no tocante aos conteúdos e às formas de trabalho pelo
professor em sala de aula, estas parecem distantes da realidade das escolas públicas
brasileiras. Segundo os PCN:
A literatura não é cópia do real, nem puro exercício de linguagem, tampouco
mera fantasia que se asilou dos sentidos do mundo e da história dos homens.
Se tomada como uma maneira particular de compor o conhecimento, é
necessário reconhecer que sua relação com o real é indireta. Ou seja, o plano
da realidade pode ser apropriado e transgredido pelo plano do imaginário
como uma instância concretamente formulada pela mediação dos signos
verbais [...] Pensar sobre a literatura a partir dessa autonomia relativa ante o
real implica dizer que se está diante de um inusitado tipo de diálogo regido
por jogos de aproximações e afastamentos, em que as invenções de
linguagem, a expressão das subjetividades, o trânsito das sensações, os
mecanismos ficcionais podem estar misturados a procedimentos
racionalizantes, referências indiciais, citações do cotidiano do mundo dos
homens (BRASIL, 1997, p. 29)19.
No entanto, os LD selecionados pelos órgãos educacionais do governo (PNLD e
PNLEM) apresentam uma concepção, na maioria das vezes, oposta ao que se encontra nos
PCN. Nos LD, a literatura é, sim, cópia do real e serve para explicar as transformações do
passado, através da apresentação dos conteúdos literários: imagem, contexto histórico,
biografia dos escritores literários, fragmentos e atividades. Essa disposição contribui para a
imposição de uma verdade literária aos alunos e aos professores:
O modo de funcionamento do LD como um discurso de verdade pode ser
reconhecido em vários aspectos: no seu caráter homogeneizante, que é dado
pelo efeito de uniformização provocado nos alunos (i.e., todos são levados a
fazer a mesma leitura, a chegar às mesmas conclusões, a reagir de uma única
forma às propostas do manual); na repetição de uma estrutura comum a todas
as unidades, como tipo de seções e de exercícios que se mantêm constantes
por todo o livro [...]; e na apresentação das formas e dos conteúdos como
naturais, criando-se o efeito de um discurso cuja verdade “já está lá”, na sua
concepção (GRIGOLETTO, 2009, p. 68).
Cabe mencionar a definição para o que, necessariamente, é livro didático; na
concepção de Batista (2007), o LD é um conjunto de “textos e impressos que, desde o
processo de concepção, são gerados tendo em vista finalidades escolares” (2007, p. 542).
Desse modo, as provocações mencionadas por Grigoletto (2009) se enquadram no que Batista
chama de “finalidades escolares”, cujos objetivos se revelam na construção de um ideário
19 Disponível em: http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/livro02.pdf. Acesso em 21/04/2016.
115
escolar calcado na homogeneização dos discursos, seja por parte dos alunos seja por parte dos
professores. E o livro didático serve exatamente a esse propósito quando se trata de leitura
literária.
O livro didático, cujo ambiente de ação está intimamente ligado ao espaço escolar
(professor e aluno, sobretudo), ganha forma a partir da primeira metade do século XX. Surge
carente de criticidade e de referências, pois “sua história não passa de uma sequência de
decretos, leis e medidas governamentais que se sucedem, a partir de 1930, de forma
aparentemente desordenada, e sem a correção ou a crítica de outros setores da sociedade”
(FREITAG; COSTA; MOTTA, 1989, p. 11). Desse modo, entendemos que a sociedade
brasileira apenas legitimava o que os representantes políticos sancionavam, em muitos casos,
apropriando-se de práticas estrangeiras sem as devidas adaptações ou aclimatações, como
defendiam alguns críticos literários daquela época.
Portanto, o livro didático nasceu ignorando a existência de tais instâncias, ou seja,
quando levamos em conta a quantidade de decretos governamentais a partir de 1930 e o que
legislavam, entendemos que o LD configurava-se muito mais como um instrumento de
controle político-ideológico do Estado do que propriamente um instrumento de ensino e
aprendizagem. Essa situação se acentuou durante a Ditadura Militar, entre a década de 1960 e
1980. Somente após a mudança de regime político no Brasil, segundo os estudos de Freitag,
Costa e Mota (1989), é que os críticos literários começaram a ser ouvidos e, assim, o Governo
Federal criou novos decretos, dos quais se destaca o de número 91.542 de 19/08/1985, que
descentraliza, pelo menos na teoria, os trabalhos referentes ao LD. A partir daí, os professores,
e não mais “censores” do governo, escolhem os manuais didáticos com os quais pretendem
trabalhar.
Em outras palavras, o livro didático corresponde às mudanças de perspectivas
políticas, pois o público leitor que visa formar tem natureza específica: é leitor mediado pelas
ideologias constantes nos manuais didáticos. É também fruto das recorrentes alterações nos
quadros do sistema escolar que, a partir do século XIX, “amplia seu atendimento às classes
populares e altera sua estrutura, ao dividir-se em ciclos, disciplinas e terminalidades”
(ZILBERMAN, 2009, p. 21). Isso faz com que o leitor seja trabalhado para perpetuar os
discursos adotados pela escola, que “agora modificada, propicia o aumento do público leitor e
fortalece modalidades de expressão que transmitem de preferência e quase exclusivamente por
meio da escrita” (ZILBERMAN, 2009, p. 21).
116
Por conseguinte, entendemos que a escola cria uma infraestrutura capaz de pensar
tipos específicos de leitores e de leituras, estabelecendo as devidas conexões cuidadosamente
apontadas no livro didático. Assim, lembramos que a atuação do ambiente escolar não se
restringe aos seus espaços físicos, pois, ao dialogar com outras instâncias representadas no LD
(instituições sociais como a família, o casamento, a religião, valores morais etc.), promove
transformações culturais capazes de seduzir futuros leitores e referendar ideologias.
A escola é, portanto, espaço de poder. E o tratamento que reserva à leitura é moeda de
troca numa relação automatizada, mediada por outro tipo de poder: o econômico. As
concepções de leitura propostas pela escola, em geral, determinam o que se deve ler e como se
deve ler. São formações discursivas institucionalizadas. Logo, o discurso é legal e viável para
quem forma. E quem se forma? De que é processo? Qual seria a tarefa integral da escola no
tocante à leitura literária? Pensemos nisso. Claro que a formação de leitores é objetivo de
todos os órgãos relacionados à educação. No entanto, na prática, isso se encontra distante da
realidade, pois a leitura configura-se mecânica e se apresenta sob forma enciclopédica, uma
receita que não admite interferência:
[...] os questionários são dirigidos de maneira a cobrar apenas este ou aquele
aspecto textual. Se o aluno estiver interessado em outro aspecto, e o
professor resolver se limitar àquele relacionado pelo livro didático, ou
escolhido pelo próprio mestre, o interesse do educando será sufocado,
quando o melhor seria aproveitar a ocasião para discutir a produção de
sentidos efetuada na própria interpretação em aula, com suas possibilidades e
nuances (JOBIM, 2009, p. 120).
Na relação com o estudante, este geralmente sai perdendo, pois a escola, no seu papel
de legitimadora das práticas de leitura, ignora que “a leitura não é prática neutra. Ela é campo
de disputa, é espaço de poder” (ABREU, 2007, p. 15). Como o aluno desconhece tal
informação, “aceita” ser guiado por uma “verdadeira artilharia” responsável pelo controle do
imaginário, na apropriação do literário, através do livro didático:
Além de [...] substituir o trabalho de pesquisa do professor e determinar o
currículo de todas as disciplinas, o livro didático, ao longo da história da
escola brasileira e no caso específico da literatura, presta-se a práticas que
reduzem, simplificam ou negam o fenômeno literário (SANTOS, 2009, p.
25).
117
Portanto, acreditamos que a escola reconhece a sua função, mas também percebemos
que isso não é suficiente para que a mesma execute o seu papel frente ao aluno leitor, pois, já
que este não tem condições de inferir ou interferir nos discursos escolares, a leitura,
principalmente a literária, encontra-se transmutada em outro objeto. Ao invés de leitura
literária, temos uma leitura escolarizada legitimada pelo livro didático que, por essa ótica,
[...] exclui a interpretação e, com isso, exila o leitor. Propondo-se como
autossuficiente, simboliza uma autoridade em tudo contrária à natureza da
obra de ficção que, mesmo na sua autonomia, não sobrevive sem o diálogo
que mantém com seu destinatário. E, enfim, o autoritarismo se apresenta de
modo mais cabal, quando o livro didático se faz portador de normas
linguísticas e do cânone literário (ZILBERMAN, 2009, p. 35).
A observação de Zilberman dialoga com o pensamento de Colomer: à escola interessa
uma educação literária calcada nos moldes do livro didático e não um leitor de literatura.
Talvez isso explique a queixa dos estudiosos do processo em questão, pois a literatura passa a
ser entendida como uma espécie de receptáculo de concepções ideológicas. Nessa linha de
pensamento, a escola utiliza o texto literário ao seu bel prazer, fazendo com que uma dada
obra, ou um fragmento dela, corresponda ao discurso pretendido, ou seja, o domínio da
leitura, pois
Os conteúdos nos livros didáticos tradicionalmente são organizados em
unidades menores de controle do tempo; assim, espera-se evitar o
desperdício de informações a serem “dominadas”. Com isso, professores são,
assim, levados a crer que “fragmentos e retalhos” de informação literária
disfarçados como conhecimento literário, do tipo que enche as páginas dos
livros didáticos de literatura, é tudo o que realmente interessa, de modo a
alcançar o fim maior, que é o maior número de aprovações nos vestibulares
(LEAHY-DIOS, 2004, p. 170).
Com base na afirmação de Leahy-Dios (2004), entendemos que se trata de um padrão
indicado/imposto por instâncias superiores à escola e seguido por professores convencidos a
acatar as orientações constantes nos LD. O livro didático é o principal suporte voltado ao
ensino da literatura e os conteúdos programáticos seguem a organização historiográfica da
literatura portuguesa e brasileira. Ao invés de Literatura, temos ensino de História da
Literatura, uma vez que o LD distribui autores e obras das literaturas nacional e portuguesa de
acordo aos estilos de época ou escolas literárias.
118
Além disso, como discurso legitimador, a escola, através da utilização do livro
didático, nega a característica subjetividade do texto literário. Na verdade, cria-se outro objeto
a partir do literário, o que distancia cada vez mais o aluno (que tende a se converter em um
não leitor) da literatura, pois “a escrita do texto literário passa a ser um mistério ao qual só
cabe contemplar em admiração [...]” (PAULINO; COSSON, 2009, p. 72). A literatura seria,
assim, algo distante do mundo do aluno, pois a escola prefere o discurso canônico da literatura
à discussão e/ou aproximação entre o mundo ficcional e as concepções de quem poderia se
tornar leitor de literatura:
[...] quando o ensino da literatura poderia assumir o espaço de formação do
gosto cultural a partir do que os alunos vivem como adolescentes na
sociedade, a disciplina se fecha no biografismo e no historicismo
monumentalista, isto é, consagração de escritores que não deriva da
apreciação de seus textos, mas do acúmulo de informações sobre seus feitos
e suas glórias. Cai-se assim, num elitismo cultural de fachada, de almanaque,
em que o conhecimento é apreendido sem integrar-se às vidas dos alunos
enquanto sujeitos. A soma de conhecimentos sobre literatura é o que
interessa, não a experiência literária (PAULINO; COSSON, 2009, pp.71-72).
A observação de Paulino nos provoca a respeito das concepções de educação literária
propostas pela escola. Sabemos que não se tem em mente formar escritores, uma vez que essa
não seria função escolar; por outro lado, qual o motivo para se excluir a literatura como
instrumento cultural? Se é cultural a trajetória de quem faz literatura, acreditamos que os
trabalhos de poetas, escritores, contistas, cronistas etc. também o são. Mas, pelas conclusões
dos teóricos aqui discutidos, percebemos que só interessa à escola o discurso que historiciza,
legitima e institui práticas ideológicas. Quanto ao literário, este seria a possibilidade da
desarmonia do mundo idealizado construído pelos discursos unificados.
A cultura literária, assim, seria nada mais do que a reprodução das concepções
instituídas no espaço escolar, referendadas pelos manuais didáticos. Tais concepções seriam
resultantes de contratos firmados entre as instituições educacionais, políticas e econômicas
responsáveis pela criação das leis que regem a educação brasileira:
Surgindo no horizonte de profundas transformações sociais e culturais, a
leitura escolar e o ensino moderno desenvolveram-se paralelamente,
entrecruzando seus respectivos caminhos. Nesse processo, envolveram-se
com uma ideologia do saber, que resultou no seu comprometimento com os
ideais que beneficiavam a classe que buscava o poder e suas formas de
dominação. Porém, em decorrência de sua natureza, a leitura aponta a uma
modalidade de experimentação do tempo e do espaço circundante que
119
transcende sua função escolar. E restringir-se a esta pode significar mesmo
sua esterilização (ZILBERMAN, 2009, p. 36).
Desse modo, percebemos que a escola domestica ou tenta domesticar a leitura literária.
Condicionada a partir das instâncias que mencionamos, a literatura se configura em matéria de
apreensão ao invés de discussão. E, como observa Zilberman, a escola, como mediadora de tal
modalidade de leitura, refuta o que poderia ser um espaço de diálogo entre um suposto leitor e
um mundo a ser descortinado por ele, pois se comprometeu com outros discursos em nome da
perpetuação de uma cultura nacional vinculada aos ideais da classe dominante.
Pelas investigações dos teóricos estudados, tudo leva a crer que o leitor formado
exclusivamente pela escola dificilmente se configuraria como um leitor literário. Por outro
lado, ainda que o aluno esteja na escola, isso não significa que ele pratique apenas o tipo de
leitura ditada por aquele ambiente, ou que leia apenas o que consta no livro didático. O novo
leitor ou leitor contemporâneo se apropria do legível sob formas diversas e particulares e
também a partir de suportes não institucionalizados. O livro didático continua sendo o
instrumento de legitimação escolar, mas, ao contrário de épocas passadas, não “fala” sozinho
ao aluno leitor. Além disso, “o manual escolar pode ser um espaço de rasura: não se pode
prever ou controlar a apropriação que dele se faz. Nesse caso [...] o livro didático pode ser
apropriado ativamente” (DALVI, 2012, p. 54). Devemos, por isso, ressaltar a importância do
mediador, ou seja, do professor. É nele que se encontram as possibilidades de uso do livro
didático, de forma adequada, nos diversos contextos escolares, principalmente no que diz
respeito à leitura:
É necessário que o professor conheça as possibilidades do aluno-leitor que se
encontra em sala de aula, a fim de que, com base nas potencialidades atuais e
futuras de desenvolvimento da capacidade de leitura desse aluno, sejam
feitas as escolhas dos textos a serem lidos, bem como atuações a serem
realizadas sobre esses textos (PIETRI, 2008, p. 34).
Assim, é através da mediação que o leitor escolarizado pode se tornar leitor literário,
estabelecendo suas conexões com o mundo independente dos discursos legitimadores, pois a
leitura é sempre a possibilidade da experiência, independente do suporte. Quanto à literatura,
devemos ter em mente que sua aprendizagem “[...] não termina no momento em que
concluímos os nossos estudos; continua ao longo de toda a vida. [...] A aprendizagem da
120
literatura está relacionada [...] aos motivos pelos quais lemos, seja para aprender, seja para
saborear experiências estéticas, seja para nos comprometermos socialmente” (HAGEMEYER,
2009, p. 32). E esse deveria ser o principal foco da educação literária. Propiciar
desdobramentos a serem construídos pelos leitores a partir do que se lê.
Temos, ainda, a figura dos autores do livro didático. São entidades que “falam” no
manual, ordenando aos seus receptores que executem o que julgam ser relevante para o
estabelecimento das leituras, sejam elas literárias ou não:
O autor do livro didático, por sua vez, assume o papel de um narrador
onisciente que tudo sabe (do que o aluno precisa, do que o professor quer) e
tudo vê (quando diz, por exemplo, Mãos à obra! Utilize sua imaginação!
Prevendo possíveis resistências e/ou estímulos que poderiam ser fornecidos
pelo professor). Em muitos casos, até o tempo desejável para o
desenvolvimento de cada atividade é sugerido, confirmando o desejo de
controle por parte daqueles que produzem o livro didático (CARMAGNANI,
2009, p. 131).
Assim, atingir as propostas contempladas nos PCN seria algo irrealizável diante das
práticas de leituras vigentes: “Um ensino de literatura que se fundamente na leitura e resulte
em uma prática dialógica talvez seja tão utópico ou romântico quanto qualquer projeto que,
hoje, se refira à educação no Brasil” (ZILBERMAN, 2008, p. 58). Essa constatação dialoga
com uma proposta de Ezequiel Theodoro da Silva, ao instituir a legitimidade de uma “Lei-
dura”:
Somente a elite dirigente deve ler: o povo deve ser mantido longe dos livros
e outros meios de circulação da cultura escrita. Os textos escritos, quando
bem selecionados e lidos, estimulam a crítica, a contestação e a
transformação – processos estes que colocam em risco a estrutura social
vigente e, portanto, o regime de privilégios (SILVA, 2010, p. 38).
De acordo com a disposição da leitura no LD e a proposta de Silva (2010), percebemos
a exclusão de leituras críticas praticadas no âmbito escolar. O controle da leitura denuncia
uma realidade na qual os sujeitos chamados de agentes da leitura ou mediadores (professores)
estão longe de tal função, por razões que vão desde a formação à atuação profissional. Um
modelo de educação literária já se encontra consolidado em práticas de letramento literário. A
sedução do “livro do professor” com respostas às questões de interpretação, compreensão ou
até mesmo às questões objetivas contidas no “livro do aluno” é um dos contribuintes à
manutenção desse modelo de educação literária. O LD se configura como mantenedor de uma
121
prática docente pautada em um sistema de perguntas e respostas, sendo que as respostas
devem ser as oferecidas pelo referido LD, ainda que este as destaque como “sugestão de
respostas”:
Considerando-se a realidade da escola e do professor no contexto brasileiro,
poderíamos até concordar que muitos professores pouco lêem e pouco
escrevem por várias razões. Contudo, será que o fornecimento de “todas” as
respostas [...] altera essa realidade ou apenas facilita a acomodação? Como
será que o professor resolveria o problema da falta de respostas? Para as
editoras, o professor adotaria outro livro didático; para a instituição, talvez,
mais erros seriam cometidos; mas, para o professor, mais oportunidades
seriam dadas para que buscasse outras respostas (CARMAGNANI, 2009, p.
132).
A realidade da escola continua sendo oposta às proposições dos estudiosos da
educação. Ao invés de valorizar a leitura e instituí-la como prática (como propõem os
Parâmetros), tem-se uma leitura estática, prevista como meio para se atingir objetivos cada
vez mais distantes dos planos e programas de ensino e, principalmente, dos alunos: “Na
escola, lê-se para fazer resumo do texto; lê-se para responder a um questionário de verificação
ou de interpretação; lê-se para fazer uma prova de livro; lê-se sempre para que algo seja
produzido e traduzido na forma de ‘resultados’” (KLEBIS, 2008, p. 35).
Convém, no entanto, ressaltar que o livro didático, além de um suporte para o trabalho
docente, também exerce um papel fundamental em se tratando da história da leitura, porque,
além de ser sistematizado como instrumento importante para formação do leitor, é também
considerado como um dos documentos mais importantes para a história da educação:
Livros escolares são fonte insubstituível para qualquer história da leitura:
não só porque, por hipótese, tais livros são instrumentos sistemáticos para a
formação de leitores, mas porque eles são também documentos privilegiados
para uma história da educação e da escola com a qual necessariamente se
cruza a história social da leitura. E também da literatura. [...] O livro didático
interessa igualmente a uma história da leitura porque ele talvez mais
ostensivamente que outras formas de escrita forma o leitor. Pode não ser tão
sedutor quanto às publicações destinadas à infância (livros e histórias em
quadrinhos), mas sua influência é inevitável, sendo encontrado em todas as
etapas da escolarização de um indivíduo (LAJOLO; ZILBERMAN, 2011, p.
310).
Portanto, a leitura literária na escola corresponde a uma ideologia política capaz de
legitimar poderosos discursos pedagógicos cuja finalidade atende a uma formação de
identidade cultural, apresentada aos alunos e professores através de um código normativo: o
122
livro didático, suporte que impõe sob a forma de imagens e textos a consagração dos valores
políticos, sociais e econômicos escolhidos para representar a sociedade brasileira. Percebemos
que o LD impõe-se não apenas como suporte ao trabalho docente, com fins escolares, mas
como legitimador dos valores culturais e morais da sociedade brasileira.
Embora a leitura seja uma prática social, a leitura literária, sobretudo a apresentada sob
a forma de fragmento no LD do ensino médio, só se concretizaria como tal se contasse com
um leitor que já tivesse domínio de estratégias de leitura a ponto de transcender as instruções
de apropriação do texto literário fornecido pelo LD. Portanto, as instruções dos manuais
didáticos enquadram os leitores em um tipo de interpretação ao apresentarem, a cada início de
capítulo de conteúdos de literatura, imagem, contexto histórico, biografia do autor, fragmento
extraído de algum texto literário e questões de interpretação de texto. E desse modo, converte-
se uma prática de leitura literária escolarizada em uma educação literária legitimada.
123
V – METODOLOGIA
5.1. Construindo a pesquisa
Antes de definir a metodologia desta pesquisa, realizamos um estudo a fim de entender
qual a abordagem e a natureza mais adequadas ao tipo de pesquisa que então se esboçava,
enquanto discutia o projeto. Originalmente, a pesquisa seria realizada com base em três
exemplares de manuais didáticos aprovados pelo PNLD 2012 das 2ª e 3ª séries do ensino
médio. Durante o processo de orientação deste trabalho, decidimos modificar seu foco,
conforme já foi explicado na introdução desta tese.
Desse modo, dedicamo-nos por um tempo a novos estudos. Assim, pensamos sobre a
importância da pesquisa: o que pesquisar? Por que pesquisar? Como pesquisar? Onde
pesquisar? Qual a contribuição desta pesquisa? Foi com base em todas essas perguntas de
cunho reflexivo que redimensionamos o objeto de investigação desta tese. Esta pesquisa não
mais extrairia seus dados do manual didático, mas dos espaços onde ele é utilizado. Assim,
chegamos ao problema de pesquisa apresentado neste estudo: Como os conteúdos das
representações presentes no contexto de escolas públicas de Salvador (BA) sugerem formas
de apropriação do texto literário a partir de um modelo de educação literária junto a
professores e estudantes do ensino médio?
O próximo passo foi definir onde a investigação se realizaria, ou seja, em que cidade
se realizaria a pesquisa; quantas e quais escolas estariam envolvidas; quantos e quais sujeitos
participariam da investigação. Por questões éticas, optamos por realizar a pesquisa em duas
escolas baianas, pois o que motivou a realização deste estudo foi a atuação do pesquisador
como docente da educação básica (mais precisamente 2ª e 3ª séries do ensino médio como
professor de Língua Portuguesa e Literatura) em uma escola pública estadual de Ilhéus
(Colégio Modelo Luís Eduardo Magalhães), na Bahia. Além disso, o pesquisador é professor
de Literatura de uma universidade estadual (UNEB, Campus XX) e, por conta do curso de
doutorado, foi afastado das funções com bolsa pelo período de quatro anos.
Optamos por duas escolas, as quais serão conhecidas a partir de nomes fictícios:
Escola Heurisgleides Ferreira e Escola Renailda Sousa20. Feito isso, definimos a cidade,
20Segundo a Resolução MS/CNS 466/2012 todo o contexto investigado, incluindo a identidade das escolas bem
como de todos os participantes da pesquisa, devem ter seus nomes preservados.
124
optando por Salvador, pois como capital e maior cidade do estado da Bahia, teria um leque de
opções maior do que em qualquer outra cidade. Além disso, é lá que se encontra a sede da
UNEB. A partir daí, passamos à construção da metodologia desta pesquisa.
5.2. A construção da metodologia
5.2.1. A opção pela pesquisa etnográfica
Após a definição do objeto de estudo e os seus desdobramentos, passamos à fase da
definição da metodologia. Com as leituras e considerações sobre o tema, decidimo-nos pela
pesquisa etnográfica de abordagem qualitativa, por ser a mais adequada à nossa proposta de
trabalho. Trata-se de uma investigação que exige inserção do pesquisador no lócus, bem como
uma participação efetiva dos sujeitos implicados. Por outro lado, refere-se, em pesquisa
educacional, a uma pesquisa explicativa/interpretativa, à medida que busca, por meio de
vários instrumentos de coleta de dados, apreender a imagem mais clara possível do objeto de
estudo.
Após a orientação, partimos para os encaminhamentos: a caracterização da pesquisa e
a definição teórica do termo pesquisa etnográfica. Esta pesquisa se caracteriza pela abordagem
qualitativa de natureza etnográfica, pois segundo Ghedin e Franco (2011, p. 180), “o trabalho
etnográfico está ligado a um modo de perceber o mundo do outro ou de ‘treinar’ o olhar para
aprender a perceber como o outro vê a si mesmo como alguém que se percebe diferente, como
uma identidade que é sua e dos outros ao mesmo tempo”. A identificação desta pesquisa com
a tipologia acima mencionada se justificou pela oportunidade que tivemos de experienciar o
objeto a ser investigado. Ou seja, enquanto pesquisador, vivenciamos, analisamos,
construímos dados da pesquisa à medida que convivemos e interpretamos não somente o que
nos foi dito através de entrevistas, mas sobretudo pelo que vivenciamos e depois construímos
pela observação:
A possibilidade de compreender o outro passa pela capacidade dele de abrir-
se para manifestar a própria experiência de estar sendo. Seja qual for a
compreensão daquilo que os sujeitos realmente são, ela não depende de que
o pesquisador tenha, pessoalmente, a experiência ou a sensação de estar
sendo. A compreensão depende de uma habilidade para analisar seus modos
de expressão, e ser aceito contribui para o desenvolvimento dessa habilidade
[...] Portanto, a pesquisa, mais do que descrever o mundo do outro, precisa
125
explicá-lo para compreender os significados contidos em cada gesto e ação
realizados por um sujeito particular ou por ações coletivas (GHEDIN;
FRANCO, 2011, p. 181-182).
Assim, preocupamo-nos em extrair os dados necessários aos objetivos desta pesquisa;
porém, todos aqueles movimentos percebidos durante a investigação e julgados relevantes
pelo pesquisador constam nos registros, pois poderiam ser utilizados para reforçar um objetivo
ou explicar ações e discursos dos envolvidos no processo investigativo. Atribuímos esse feito
ao tempo dedicado para o estabelecimento de laços entre a investigação que pretendia e as
escolas e, posteriormente, com as observações realizadas sobre o contexto escolar
(aproximadamente dois anos). Isso exigiu um exercício de paciência quanto às tentativas
frustradas de realização do trabalho. A descrição do percurso será feita posteriormente.
5.2.2. A aplicabilidade da revisão de literatura
Após a escolha do tipo de metodologia empregado na pesquisa, realizamos leituras
diversas sobre estudos que versam sobre a temática aqui discutida. Assim, os três capítulos
teóricos deste trabalho apresentam reflexões que dialogam com o nosso objeto de investigação
e também auxiliam as nossas considerações sobre os dados e os resultados do que
pesquisamos. No primeiro capítulo, ao propormos uma reflexão sobre os conceitos de
literatura e as relações entre texto e leitor, pensamos no mundo da leitura do aluno e do
professor de carne e osso. Não como atores escolares. Isso nos revelou que tanto os
professores quanto os alunos liam fora da sala de aula e fora das orientações dos livros
didáticos. As reflexões contidas nesse capítulo serviram também para percebermos como é
possível a natureza complexa e rebelde, conforme assinala Compagnon, da literatura,
principalmente por parte dos discentes que resistem às leituras impostas e leem, à revelia da
escola, obras que não são sugeridas e/ou apresentadas nos planos de disciplinas. Dentre os
teóricos que embasaram as discussões propostas nesse capítulo, encontram-se: Hans Robert
Jauss (1994), Magda Soares (1999), Márcia Abreu (2001; 2003; 2007), Marisa Lajolo (1982;
2002, 2011), Regina Zilberman (2009, 2011), Hélio Seixas Guimarães (2004), Umberto Eco
(2004), Antônio Cândido (2004; 2009) e Antoine Compagnon (2009).
126
No segundo capítulo, optamos por realizar uma espécie de catalogação comentada a
partir da fortuna crítica existente sobre as pesquisas com o livro didático. Além disso,
apresentamos o histórico do PNLD, suas implicações e suas relações com governos e editoras
até chegar ao público escolar. Esse capítulo se justifica por ser o livro didático o que nos
impulsionou a realizar esta pesquisa e também por nos fazer entender qual o seu papel frente a
um processo de ensino-aprendizagem mediado por professores. Desse modo, as observações
realizadas em sala de aula, o estudo dos PPP e dos planos curriculares de disciplina, bem
como, as entrevistas e as visitas e consultas às bibliotecas escolares serviram para
compararmos o que dizem os documentos oficiais sobre a aplicabilidade do LD e como este é
tratado nas escolas participantes da pesquisa por seus atores. Dentre os teóricos que
embasaram as discussões propostas nesse capítulo, destacamos: João Batista Araújo e Oliveira
(1984), Bárbara Freitag (1989), Maria José Coracini (1999), Maria das Graças Costa Val e
Beth Marcuschi (2005), Helder Pinheiro (2006), Antônio Gomes Batista e Roxane Rojo
(2008), Ezequiel Theodoro da Silva (2009) e Célia Cristina de Figueiredo Cassiano (2013).
No terceiro capítulo, apresentamos reflexões sobre os conceitos de educação literária,
letramento literário e escolarização da leitura literária pelo livro didático. As discussões
realizadas a partir da fortuna crítica sobre os conceitos acima mencionados nos auxiliaram a
entender, conceber e conceituar os modelos de educação literária encontrados nas escolas
pesquisadas. Dentre os pesquisadores cujos trabalhos auxiliaram as discussões apresentadas
nesse capítulo, destacamos: Cyana Leahy-Dios (2004), Tereza Colomer (2007), Graça Paulino
e Rildo Cosson (2009).
5.3. Delineamento da pesquisa
5.3.1. Seleção das escolas
Foram selecionadas duas escolas públicas estaduais do município de Salvador (BA):
“Escola Heurisgleides Ferreira” e “Escola Renailda Sousa”. As duas escolas se encontram em
áreas com várias vias de acesso para o pesquisador, tanto de ônibus quanto de carro próprio ou
de táxi, o que não significa que outras tentativas com escolas mais distantes desta área central
não foram feitas. Ao contrário, seis escolas localizadas em bairros distantes da área central
não aceitaram participar da pesquisa alegando motivos relacionados ao deslocamento do
127
pesquisador (difícil acesso), falta de segurança, especialmente no turno noturno, existência de
professor de Língua Portuguesa que não dá aula de literatura, dentre outros.
Quanto às justificativas das escolhas, vale destacar que as duas escolas têm sob sua
responsabilidade a formação de alunos no ensino médio, o que compreende o recorte do nosso
trabalho. Como esta pesquisa tem como objeto a investigação de um modelo brasileiro de
educação literária, veiculado no livro didático, destacamos o ensino médio. Deste ensino
médio, optamos pelas 2ª e 3ª séries, pois são as fases em que a produção literária brasileira é
apresentada (ou deveria ser apresentada) ao aluno, de acordo com os PCN. Embora haja
divergências entre teóricos e estudiosos quanto ao “pertencimento” da produção literária do
Brasil-Colônia à chamada Literatura Brasileira, adotamos a organização escolar (baseada na
historiografia literária brasileira através das disposições dos conteúdos programáticos do livro
didático). Assim, a produção literária do Brasil independente (a partir de 1822) surge tanto no
livro didático quanto nos conteúdos programáticos das escolas participantes da pesquisa, a
partir do Romantismo.
Também pelos motivos acima expostos, selecionamos apenas as escolas que
trabalhavam com o ensino médio. Além disso, somente no ensino médio, a literatura, de
acordo com sua disposição no livro didático, ganha status de disciplina ao lado do estudo da
língua e da produção textual ou Redação de acordo com o modelo historiográfico adotado
pelos referidos LD. Assim, trabalhamos com as duas séries do ensino médio, sendo uma turma
de cada série por escola, totalizando duas turmas de 2ª série e duas turmas de 3ª série, no turno
matutino. A opção por este turno se justifica pelas modalidades de ensino oferecidas pelas
escolas. Na Escola Heurisgleides Ferreira, apenas o turno matutino tem funcionamento
normal; o turno vespertino funciona para alunos que ficaram em dependência (aqueles que
não foram aprovados em até três disciplinas e podem cursar a série seguinte cursando as
disciplinas devidas em turnos opostos). Quanto ao noturno, não há funcionamento. Na Escola
Renailda Sousa, os três turnos funcionam; no entanto, o noturno tem modalidade de ensino
diferenciada de acordo ao PPP da escola. Quanto ao turno vespertino desta escola, não houve
professores dispostos a participar da pesquisa. Por isso, a opção pelo matutino.
5.3.2. Amostragem
128
De acordo à proposição de Gil (2012), a Teoria da Amostragem é necessária ao
pesquisador para “justificar a seleção de uma amostra” (GIL, 2012, p. 89). Nesta pesquisa, a
utilização da Amostragem foi essencial para a definição dos critérios em relação à seleção dos
discentes participantes deste estudo. Para Gil (2012), Amostragem é
[...] subconjunto do universo ou da população, por meio do qual se
estabelecem ou se estimam as características desse universo ou população.
Uma amostra pode ser constituída por [...] determinado número de escolas
que integram a rede estadual de ensino [...] (GIL, 2012, p. 89).
De acordo com a proposição de Gil (2012), a Teoria da Amostragem é necessária ao
pesquisador para “justificar a seleção de uma amostra”. Além disso, ressalta o autor que “as
pesquisas sociais abrangem um universo tão grande que se torna impossível considerá-los em
sua totalidade. [...] nas pesquisas sociais é muito frequente trabalhar com uma amostra, ou
seja, com uma pequena parte dos elementos que compõem o universo” (GIL, 2012, p. 89). Por
essa razão, elegemos o tipo “Amostragem aleatória simples”, definida como “procedimento
básico da amostragem [que] consiste em atribuir a cada elemento da população um número
único para depois selecionar alguns desses elementos de forma casual” (GIL, 2012, p. 91).
Assim, do número total de alunos por turma, selecionamos dez por cento através de
uma escolha aleatória: os alunos foram numerados e esses números foram depositados em
uma urna, após o que realizou-se um sorteio, extraindo a porcentagem prevista neste projeto.
Em alguns casos, o aluno sorteado se recusou a participar da pesquisa e o sorteio continuou
até termos conseguido o número de alunos almejado.
5.4. O trabalho de campo
Após essa definição, o próximo passo seria ir a campo. No entanto, esse passo não
aconteceu como o previsto. Cabe mencionar algumas passagens que contribuíram para o perfil
assumido pelo pesquisador ao longo do processo. Inicialmente, tentamos contato via telefone
com os gestores escolares. Não obtivemos sucesso. Os dirigentes ou os coordenadores e
demais funcionários administrativos já sinalizavam que não tinham interesse em participar do
estudo. Alguns ainda nos convidavam a conhecer a escola para que nos convencêssemos de
que nem docentes e nem discentes tinham interesse e nem condições de participar de uma
129
pesquisa “tão complexa” quanto a nossa. Diante de tanta recusa, decidimos mudar de
estratégia e fomos pessoalmente dialogar com as escolas. De maio a julho de 2014, as visitas
não passaram das portarias das escolas escolhidas, pois, segundo os seguranças, não havia
nem gestores, nem docentes e nem discentes no espaço escolar. As justificativas foram greves
de ônibus, proximidade dos festejos juninos, recesso escolar, a realização da Copa do Mundo
(Salvador foi uma das cidades sede do evento, em 2014), afastamento para tratamento de
saúde por parte do dirigente escolar, dentre outros.
Após o recesso, mais precisamente em 15 de julho de 2014, é que adentramos o espaço
de duas escolas. Na primeira, fomos recebidos pelo diretor, que condicionou a participação de
sua escola na pesquisa à aceitação por parte de algum docente. Após várias tentativas, um mês
depois, uma professora aceitou. Nesta escola, o trabalho de visitas e observações
compreendeu os meses de maio a novembro de 2014. Após esse período, a docente desistiu de
sua participação. Isso se deu em função do seu contato com o roteiro de entrevista, solicitado
por ela, para se “familiarizar” com as perguntas. Alegou que não concordava com aquele tipo
de abordagem (segundo suas palavras, “coisa do PT”), embora já estivesse desde o mês de
agosto com uma cópia de todo o projeto em mãos.
Na segunda escola (Heurisgleides Ferreira), o adentrar também durou os mesmos dois
meses, pelas razões já descritas. A coordenadora da escola se sensibilizou com o trabalho, mas
nos preveniu de que seria árduo conseguir que os professores aceitassem participar da
pesquisa. Por outro lado, o grupo de gestores da escola se mostrou disposto a colaborar com o
que fosse possível para que a sua escola pudesse ser ouvida na investigação. Nesse espaço, as
visitas compreenderam o período de maio de 2014 até março de 2016. As observações das
aulas compreenderam o período de agosto a dezembro de 2014. As entrevistas ocorreram no
mês de dezembro de 2014 em dias e horários marcados antecipadamente com os docentes e
discentes, de acordo às suas disponibilidades.
Após a desistência da primeira escola, criou-se um grande problema para a
investigação, pois a desistência daquela professora estava legalmente amparada, apesar do
TCLE assinado pela direção da escola, pela resolução MS/CNS 466/2012. Ainda fomos
convidados pela direção a aguardar o ano seguinte para que o trabalho pudesse ser
apresentado a outro professor. Dias depois, a mesma direção nos comunicou que a escola não
teria mais interesse em participar desta pesquisa. Voltamos a buscar outra instituição e
novamente abundaram argumentos contrários. O principal era o final do ano letivo, pois já
estávamos nos fins de novembro de 2014. Tanto pessoalmente quanto por telefone fomos
130
descartados por outras escolas. Em uma delas, uma gestora nos disse que a sua professora
(única) de Português “era extremamente tradicional e só dava aulas de Gramática”; em outra,
ouvimos: “o que você quer aqui? Não tá vindo mais nem aluno nem professor. Isso aqui é
perigoso, não venha para cá, não”. Outras simplesmente se negavam e não entravam em
detalhes para justificar a negativa. Em outras, ninguém atendia ao chamado.
Quando cogitávamos ir para outra cidade baiana, uma vice-diretora de uma escola nos
telefonou, pois havíamos deixado nossos contatos com um funcionário em momento anterior.
Pediu-nos que fôssemos até lá para explicar do que se tratava a pesquisa. Ao chegar, fomos
recebidos pela direção que, embora sensibilizada com a situação, condicionou a participação
de sua escola à aceitação por parte dos professores. Uma professora, antes de saber do que se
tratava, ao ser apresentada, já garantiu sua participação. Uma segunda professora disse que
não poderia participar naquele ano, mas que no ano seguinte participaria. Outras duas
professoras contatadas pela direção e pela coordenação da escola disseram que não tinham
interesse. E assim ficou estabelecido: uma professora teve suas aulas observadas no mês de
dezembro de 2014 e a segunda, de junho a julho de 2015. As visitas foram realizadas de
novembro de 2014 a março de 2016. As entrevistas foram realizadas de acordo à
disponibilidade das docentes e dos discentes, nos meses de dezembro de 2014 para a primeira
professora e os seus alunos, e no mês de julho para a segunda professora e seus alunos. Após a
entrada desta escola na pesquisa, passamos a chamá-la de Escola Renailda Sousa.
5.5. Coleta de dados
Após a seleção das escolas, a definição do tipo de amostragem indicado para esta
pesquisa e após nos familiarizarmos com o contexto investigado, o próximo passo era a coleta
de dados. Como técnica de coleta de dados, utilizamos a Observação, a Pesquisa documental e
a Entrevista. Salientamos que, embora o instrumento “Questionário” tenha sido utilizado
durante o processo investigativo, isso não configurou a pesquisa como “documental”. Sua
função foi a de nos fornecer informações das escolas, que não constavam nos PPP, para
descrevermos as estruturas física e humana das instituições participantes da pesquisa.
5.5.1. Observação
131
Segundo Gil (2012, p. 100), a Observação é definida como “[...] o uso de sentidos com
vistas a adquirir os conhecimentos necessários para o cotidiano [...] apresenta como principal
vantagem [...] a de que os fatos são percebidos diretamente sem qualquer intermediação”.
Desse modo, a observação se configurou como a primeira técnica de coleta de dados utilizada
nesta pesquisa, entendendo que esta técnica em muito auxiliaria o nosso trabalho.
A Observação como coleta de dados aconteceu em três momentos: nas visitas aos
espaços internos da escola, desde as portarias, passando pelas secretarias, salas de
coordenação, salas de secretarias, cantinas, salas de reprografia, auditórios, bibliotecas, salas
da direção e salas de aula. Nem todos os espaços observados puderam contribuir para o
desenvolvimento da pesquisa. No entanto, como se tratava de uma pesquisa etnográfica,
procuramos não desprezar nenhuma informação que pudesse se tornar um relevante dado para
a nossa investigação.
Por outro lado, as salas de aula se confirmaram como principal espaço para a utilização
da Observação como coleta de dados. Nas quatro turmas participantes da pesquisa, foram
observadas seis aulas de literatura em cada uma delas. Para isso, procuramos confirmar a cada
visita às instituições em quais dias seriam trabalhados os conteúdos de Literatura.
Desse modo, optamos pelo tipo Observação Simples, assim definida por GIL (2012, p.
101):
Por observação simples, entende-se aquela em que o pesquisador,
permanecendo alheio à comunidade, grupo ou situação que pretende estudar,
observa de maneira espontânea os fatos que aí ocorrem. Neste procedimento,
o pesquisador é muito mais um espectador do que um ator.
Por outro lado, o autor destaca as vantagens deste tipo de observação, a qual
consideramos adequada à pesquisa aqui apresentada:
Embora a observação simples possa ser caracterizada como espontânea,
informal, não planificada, coloca-se num plano científico, pois vai além da
simples constatação de fatos. Em qualquer circunstância, exige um mínimo
de controle na obtenção dos dados. Além disso, a coleta de dados por
observação é seguida de um processo de análise e interpretação, o que lhe
confere a sistematização e o controle requeridos dos procedimentos
científicos (GIL, 2012, p. 101).
132
A escolha por este tipo de observação se justifica porque tencionávamos observar os
fatos de maneira espontânea. Por outro lado, a utilização da referida técnica exigiu rigoroso
controle na obtenção dos dados para só então chegar a um processo de análise e interpretação
que garantiu a delimitação dos elementos que buscávamos. Em princípio, registramos todos os
movimentos possíveis, os quais poderiam compor um quadro inicial de dados primários.
Assim, desde as primeiras visitas aos estabelecimentos de ensino participantes desta pesquisa,
fichamos as observações que julgávamos relevantes à investigação.
À medida que as visitas e as observações se acumulavam, delimitamos quais itens
deveriam ser observados nas circunstâncias em que se encontravam. Selecionamos os sujeitos
(alunos e professores), o cenário (a escola) e o comportamento coletivo (o contexto), por
entender que daí sairiam as vozes que buscávamos, nesta etapa da coleta de dados, mais
adequadas ao objeto definido.
Quanto ao registro das observações, destacamos dois momentos. No espaço geral,
explicamos a pesquisa aos gestores e coordenadores escolares, oferecemos uma cópia do
projeto e também da Resolução MS/CNS 466/2012. Neste caso, as observações eram
registradas em momento posterior àquele em que o fato acontecia (geralmente na sala dos
professores à qual tinha acesso por autorização dos dirigentes e/ou coordenadores), pois a
dinâmica do espaço escolar, os diálogos com funcionários, a movimentação dos atores não
nos permitiam registrar imediatamente tudo o que fora observado.
Os registros realizados no espaço geral das escolas, exceção das salas de aulas, se
deram em maior quantidade do que nas aulas observadas pois, por diversas vezes, fomos às
escolas para coletar assinaturas de dirigentes, para reuniões com docentes (antes de iniciar as
observações em sala), marcar entrevistas com discentes e docentes, visitar as bibliotecas, para
ter acesso aos documentos escolares etc. Ainda é preciso registrar que, diversas vezes, as
visitas aconteceram mas o seu objetivo não foi alcançado, por ausência do sujeito a quem se
buscava (professores, gestores, coordenadores e alunos). Também destacamos o fato de que o
acesso a documentos como o Projeto Político Pedagógico das escolas necessitou de várias
visitas até, finalmente, estar disponível. No entanto, nenhuma dessas visitas foi em vão. Com
exceção do período inicial, em que não conseguíamos passar da portaria, após as autorizações
dos dirigentes, foi possível realizar observações relevantes em todas as visitas às escolas
selecionadas.
Nas aulas, a escolha pelo tipo de registro se deu após consulta aos docentes e discentes
das turmas observadas. Em princípio, explicamos a pesquisa aos professores e como os dados
133
seriam coletados. Foram apresentadas as seguintes formas de observação: anotações,
filmagens e gravações. Todos eles disseram que colaborariam com o que fosse melhor para a
pesquisa, mas não se sentiriam à vontade sendo filmados ou gravados em suas aulas; também
disseram que, se pudessem escolher, prefeririam que fossem feitas apenas anotações, o que foi
devidamente acatado.
Quanto aos alunos, foi realizado o mesmo procedimento: explicação da pesquisa e das
técnicas de coleta de dados. Também os alunos, em sua maioria, não aceitaram ser filmados
ou gravados. Preferiram que as observações fossem registradas sob a forma de anotações.
Também aqui acatamos o posicionamento destes participantes.
Assim, durante todo o processo de observações das aulas, em geral, posicionamo-nos
ao fundo da sala de aula, de modo a não interferir tanto no cotidiano daquele contexto.
Dedicamo-nos a registrar, mentalmente, os acontecimentos. Para não perder o que poderiam
ser importantes dados, anotávamos palavras-chave ou marcadores (por exemplo “alunos
atrasados”, resposta do aluno x”, “escritor Lima Barreto”, “bronca”, “celular”, “alunos de
outras turmas” etc.) para nos lembrarmos quando aquelas observações fossem transformadas
em texto. Fazíamos isso por entender que os participantes poderiam se sentir desconfortáveis
com alguém anotando todos os seus passos, o que comprometeria a naturalidade da
observação. Além disso, se todos os registros fossem anotados durante aquele expediente,
perderíamos, certamente, algum dado importante, uma vez que não conseguiríamos
acompanhar as aulas e registrá-las ao mesmo tempo.
A quantidade de aulas observadas foi determinada a partir do consenso entre
orientador e pesquisador, tendo como base a carga horária semanal da disciplina Língua
Portuguesa e Literatura Brasileira. Após as considerações, decidimo-nos pela observação de
seis aulas de cada docente. Caso necessário fosse, mais observações seriam realizadas. No
ensino médio das escolas públicas estaduais baianas, os alunos têm aulas conjuntamente de
Língua Portuguesa e Literatura Brasileira. Nas escolas selecionadas, são três aulas da
disciplina nas três séries do ensino médio. Portanto, é o professor quem determina a
quantidade de aulas de literatura que os alunos terão durante o ano letivo. Assim, concluímos
as observações nos espaços escolares. Os registros, na íntegra, das observações realizadas
durante as aulas estarão sob posse do pesquisador, de modo a garantir o anonimato dos
professores e dos alunos.
134
5.5.2. A Pesquisa documental
A Pesquisa documental “[...] compreende o levantamento de documentos que ainda
não foram utilizados como base de uma pesquisa. Os documentos podem ser encontrados em
arquivos públicos [...] em arquivos de entidades educacionais e/ou científicas [...]
(MEDEIROS, 2010, p. 35)”. A utilização desta técnica de coleta de dados nos auxiliou a
extrair os dados primários dos seguintes documentos escolares: Projeto Político Pedagógico
(PPP) das escolas selecionadas e Planos Curriculares da disciplina Língua Portuguesa e
Literatura Brasileira. Cabe mencionar que, embora se constituam como documento escolar, as
relações de alunos (registros de matrícula) das turmas investigadas foram utilizadas apenas
para extrair a amostragem desta pesquisa.
Do Projeto Político Pedagógico, buscamos o conceito de leitura literária adotado pelos
estabelecimentos de ensino investigados. No entanto não foi possível encontrá-lo, pelo menos
não nesses termos, pois não há qualquer menção aos conceitos ou ações que envolvam
Leitura, Literatura, Livro didático ou Educação literária. Desse modo, foi necessário criar um
quadro com as categorias de análise selecionadas a partir do referencial teórico desta pesquisa
e, a partir delas, as unidades temáticas extraídas dos PPP. Destas unidades, chegamos às
representações que as escolas assumem, aos seus modelos de apropriação e práticas. Somente
a partir daí foi possível inferir qual era o modelo de educação literária adotado pelas escolas.
Isso também nos auxiliou a empreender concepções acerca da construção e da aplicabilidade
do PPP das escolas investigadas.
Dos Planos Curriculares de Disciplinas, especificamente o de Língua Portuguesa e
Literatura Brasileira, extraímos os conteúdos programáticos e as metodologias propostas pelos
docentes para o processo de ensino-aprendizagem daqueles conteúdos aos alunos. Vale
destacar que, dos Planos Curriculares, trabalhamos apenas com os conteúdos de literatura,
uma vez que a disciplina (Língua Portuguesa e Literatura) também contemplava conteúdos de
Gramática da Língua Portuguesa. Isso também nos auxiliou a perceber a relação existente
entre o que postulavam os PPP de cada escola, os Planos Curriculares e a prática docente de
cada professor investigado.
Os Planos Curriculares de disciplinas e os Projetos Político Pedagógicos das escolas
não se encontram anexados a este trabalho, em razão da garantia ao anonimato das escolas e
135
dos professores. Porém, como documentos de instituições públicas, poderão ser solicitados ao
pesquisador por quem tiver interesse em conhecê-los.
Além dos documentos elencados acima, consultamos os manuais didáticos trabalhados
pelas professoras durante o período da investigação: Na escola Heurisgleides Ferreira, o
manual Novas Palavras (vol. 2 e 3), de Emília Amaral, Mauro Ferreira, Ricardo Leite e
Severino Antônio (aprovado pelo PNLD 2012, 2013 e 2014) vigorava no ano de 2014 e foi
utilizado pelas duas professoras desta escola (Cleusa Regina e Maria Cecília), as quais
participaram da nossa pesquisa (respectivamente na segunda e na terceira séries do ensino
médio). Na Escola Renailda Sousa, a professora Hilda, em 2014, também utilizava o manual
Novas Palavras (vol. 2) como suporte ao seu trabalho docente, enquanto a professora Betina,
em 2015, já portava outro manual, aprovado pelo PNLD 2015, 2016, 2017: Ser protagonista,
que não apresenta nomes de autores, mas de uma organização, a Edições SM, e um editor
responsável, Rogério de Araújo Ramos.
A consulta aos manuais se justificou, ao longo do percurso, por nos referirmos aos
conteúdos de literatura apresentados nos planos curriculares de disciplinas e também
trabalhados durante as aulas observadas. Uma vez que todas as professoras utilizavam o livro
didático em algum momento de suas aulas, percebemos que era necessário conhecermos os
conteúdos e sua disposição no LD, assim como também foi possível associá-los aos conteúdos
dispostos nos referidos planos de disciplinas.
5.5.3. Entrevista
Prosseguindo com a coleta de dados, chegamos à entrevista. Trata-se de uma técnica
de coleta de dados que prevê a confecção de um roteiro, pois é preciso pensar o modo sobre
como os dados serão coletados. Desse modo, o roteiro serve como um auxílio ao entrevistador
para que as informações requeridas pelo objeto da pesquisa sejam apresentadas pelos
entrevistados. Como embasamento, recorremos ao conceito de Gil (2012, p. 109):
Pode-se definir entrevista como a técnica em que o investigador se apresenta
frente ao investigado e lhe formula perguntas com o objetivo de obtenção
dos dados que interessam à investigação. A entrevista é, portanto, uma forma
de interação social. Mais especificamente, é uma forma de diálogo
assimétrico, em que uma das partes busca coletar dados e a outra se
apresenta como fonte de informação.
136
No presente caso, a entrevista se configurou como uma das principais técnicas de
coleta de dados. Pelo processo de “Amostragem aleatória Simples”, selecionamos 10% dos
alunos das quatro turmas envolvidas nesta pesquisa. Ao todo, foram entrevistados quinze
alunos, somando as duas escolas. Além disso, mais quatro docentes, dois de cada escola,
também foram entrevistados.
Quanto ao nível de estruturação das entrevistas, adotamos a “entrevista por pautas”
que, na definição de Gil (2012, p. 112),
[...] apresenta certo grau de estruturação, já que se guia por uma relação de
pontos de interesse que o entrevistador vai explorando ao longo de seu curso.
As pautas devem ser ordenadas e guardar certa relação entre si. O
entrevistador faz poucas perguntas diretas e deixa o entrevistado falar
livremente à medida que se refere às pautas assinaladas. Quando este se
afasta delas, o entrevistador intervém, embora de maneira sutil, para
preservar a espontaneidade do processo.
Em relação à condução da entrevista, elaboramos um roteiro, denominado “Coleta de
informações”, que serviu de guia para o trabalho desenvolvido, além de cálculo do tempo
despendido, local, elaboração das questões adequadas ao léxico dos leitores.
As entrevistas foram realizadas após o último dia de observação em sala de aula. Com
os alunos e com os professores, a data marcada para esta coleta de dados foi definida
anteriormente, em comum acordo com cada um dos entrevistados. Primeiro procuramos
estabelecer uma data para entrevistar todos os alunos de uma turma num mesmo dia; num
segundo dia, nova turma e, desse modo, ficou organizado o cronograma de entrevistas. No
entanto, esse cronograma não foi seguido à risca. Em relação aos alunos, já era sabido que
poderíamos entrevistá-los somente no horário do intervalo (vinte minutos). Nesse tempo, as
escolas ofereciam merendas e, geralmente, o tempo não era suficiente, segundo relato de
alguns.
Portanto, alguns alunos foram entrevistados no intervalo, outros em horários de aulas
vagas, outros em horários em que o docente participante desta pesquisa permitia que os seus
alunos saíssem para serem entrevistados, desde que fosse um por vez. Acrescentem-se ainda
aqueles que não compareciam no dia marcado para a entrevista, fazendo com que o
137
pesquisador retornasse em outro momento para propor novo agendamento. Desse modo, o
cronograma foi sofrendo constantes ajustes à medida que ia sendo cumprido.
As questões feitas aos discentes durante a entrevista tinham como objetivo conhecer
melhor o perfil daquele grupo de alunos. Nas observações, esse perfil foi apenas delineado,
pois nem todos os alunos observados foram entrevistados. Também durante as observações
não era possível realizar uma análise mais profunda acerca da participação dos discentes nas
aulas observadas. Desse modo, a entrevista nos auxiliou a construir respostas ao que
precisávamos saber: Qual representação de leitura, de literatura, de práticas de leitura, por
exemplo, seria apresentada durante aquela coleta de dados? Gostavam de ler? O que liam?
Quais os seus gêneros preferidos? Quais as suas concepções acerca do uso do livro didático
por eles próprios e também pelos professores? Por fim, tencionávamos saber se os alunos
estavam cientes dos problemas enfrentados pela educação brasileira sobre a formação de
leitores e das políticas públicas voltadas a esta finalidade.
Quanto aos docentes, o trabalho de entrevistas se deu em dias de Atividade de Classe
(AC). Esses dias estão previstos no calendário escolar anual do Estado da Bahia e são
destinados a atividades de planejamento por parte dos docentes de todas as escolas. Os dias
são definidos por áreas de conhecimento, de acordo ao que é postulado nos Parâmetros
Curriculares Nacionais. A disciplina Língua Portuguesa compõe a área de Linguagens,
Códigos e Suas Tecnologias. O dia da semana destinado a esta área é a quarta-feira. Desse
modo, as entrevistas foram realizadas com os docentes sempre às quartas-feiras, em seus
horários de AC. Vale ressaltar que esse procedimento foi autorizado pelas coordenações e
pelas direções das escolas participantes da pesquisa.
As questões formuladas aos docentes foram elaboradas com o intuito de conhecer a
prática pedagógica daqueles profissionais. Diferente dos alunos, com os professores havia
quatro meios de se formar um pensamento acerca de sua atuação: o Projeto Político
Pedagógico, os Planos Curriculares de Disciplina, as observações e a entrevista. Na entrevista,
tivemos acesso a um pensamento próprio daqueles profissionais, o que seria confrontado com
os outros dados coletados através de outros instrumentos. Aqui, buscávamos conhecer as
concepções do docente sobre literatura, leitura literária, práticas de leitura, ensino de
literatura, uso do livro didático como suporte ao processo de ensino-aprendizagem, realidade
da escola no que tange à formação de leitores e políticas públicas de promoção à leitura no
Brasil.
138
O recurso utilizado para registrar as entrevistas foi a gravação. Com base na Resolução
MS/CNS 466/2012, todos os participantes maiores de dezoito anos assinaram o TCLE e se
declararam cientes do procedimento. Quatro participantes eram menores e, por determinação
da referida resolução, o TCLE foi encaminhado aos pais destes alunos para que os mesmos
autorizassem a participação dos seus filhos.
Pelas entrevistas com os docentes foi possível estabelecer comparações entre as suas
concepções ali apresentadas, através das respostas fornecidas, e sua prática em sala de aula.
Em relação aos alunos, a entrevista nos auxiliou a entendermos o seu lugar no contexto
escolar, uma vez que nenhum dos documentos escolares continha sugestões fornecidas por
eles. Também foi possível conceber que ideias os discentes apresentavam sobre “Leitura” e
“Literatura”, por exemplo, assim como suas propostas para a melhoria do ensino de literatura
na escola, e o que pensavam sobre as políticas públicas voltadas à educação no Brasil.
5.6. Análise e interpretação dos dados
Uma vez que os dados primários já estavam todos devidamente registrados, o passo
seguinte foi o de selecionar os que deveriam ser analisados e interpretados à luz do referencial
teórico proposto nesta investigação. As entrevistas e as observações foram transcritas e
digitalizadas; os documentos necessários à pesquisa foram entregues ao pesquisador pelos
gestores e/ou coordenadores escolares e professores. Nessa fase da pesquisa, foi fundamental
o conceito de Gil (2012, p. 156) de “Análise e interpretação”:
Estes dois processos, apesar de conceitualmente distintos, aparecem sempre
estreitamente relacionados. A análise tem como objetivo organizar e
sumariar os dados de forma tal que possibilitem o fornecimento de respostas
ao problema proposto para investigação. Já a interpretação tem como
objetivo a procura do sentido mais amplo das respostas, o que é feito
mediante sua ligação a outros conhecimentos anteriormente obtidos.
Ainda segundo a orientação de Gil (2012), o processo de análise e interpretação dos
dados obtidos nas coletas realizadas foi dividido em etapas: estabelecimento de categorias,
análise e interpretação dos dados.
139
5.6.1. Estabelecimento das categorias
Após as observações e registro das aulas de Literatura ministradas nas escolas
selecionadas e as entrevistas com os alunos e professores envolvidos na pesquisa, passamos à
etapa da construção das categorias de análise, pois chegava o momento de transformar os
dados primários (documentos escolares, registro das observações e entrevistas) em dados
secundários. Assim, as concepções das instituições escolares e de seus representantes sobre o
processo de educação literária mediado pelo livro didático foram elaboradas a partir das
seguintes categorias de análise: 1 – Apropriação; 2 – Representação. Tais categorias foram
extraídas do referencial teórico construído a partir do pensamento de Roger Chartier,
identificado como História Cultural. A representação é definida como o lugar (o mundo
social), a posição e os interesses de quem ocupa determinado espaço:
As representações do mundo social [...] embora aspirem à universalidade de
um diagnóstico fundado na razão, são sempre determinadas pelos interesses
de grupo que as forjam. Daí, para cada caso, o necessário relacionamento dos
discursos proferidos com a posição de quem os utiliza (CHARTIER, 1988, p.
17).
As “verdades” legitimadoras do livro didático e legitimadas pelos discursos escolares
seriam, desse modo, garantidoras de uma forma escolar e representariam o discurso de um
grupo social, o qual forjaria uma “universalização” de um ensino de leitura literária a ser
disseminado nas instituições escolares de ensino médio, validando uma educação literária com
base em um estereótipo do que seria literatura.
Outro conceito norteador na História Cultural, a Apropriação, é assim definido por
Chartier (1988, p. 27):
A apropriação, tal como a entendemos, tem por objectivo uma história social
das interpretações, remetidas para as suas determinações fundamentais (que
são sociais, institucionais, culturais) e inscritas nas práticas específicas que
as produzem. Conceder deste modo atenção às condições e aos processos,
que muito concretamente, determinam as operações de construção do sentido
(na relação de leitura, mas em muitas outras também) é reconhecer, contra a
antiga história intelectual, que as inteligências não são desencarnadas, e,
contra as correntes de pensamento que postulam o universal, que as
categorias aparentemente mais invariáveis devem ser construídas na
descontinuidade das trajectórias históricas.
140
Relacionamos o conceito de Apropriação com o de práticas de leitura, por entender
que eles estão associados ao encontro entre o “mundo do texto” (o que é possível de
apropriação por parte de leitores) e o “mundo do leitor” (que se apropria a partir de práticas de
leitura)21:
Reconstruir em suas dimensões históricas um tal processo exige, em
primeiro lugar, considerar que suas significações dependem das formas e das
circunstâncias por meio das quais os textos são recebidos e apropriados por
seus leitores (ou ouvintes). Estes últimos nunca são confrontados com textos
abstratos, ideais, desligados de qualquer materialidade: eles manipulam
objetos, ouvem palavras cujas modalidades governam a leitura (ou a escuta)
e, ao fazê-lo, comandam a possível compreensão do texto. Contra uma
definição puramente semântica do texto [...] é preciso considerar que as
formas produzem sentido quando mudam os suportes que o propõem à
leitura. Toda história das práticas de leitura é, portanto, necessariamente,
uma história dos objetos escritos e das palavras leitoras (CAVALLO;
CHARTIER, 1998, p. 6).
A aplicabilidade deste conceito e sua associação com o conceito de Apropriação se
realizaria a partir das considerações sobre a leitura. Trata-se de uma “prática encarnada por
gestos, espaços e hábitos” (CAVALLO; CHARTIER, 1998, p. 6). A partir de tal
conscientização seria possível “identificar as disposições específicas que distinguem as
comunidades de leitores, as tradições de leitura, as maneiras de ler” (CAVALLO;
CHARTIER, 1998, p. 6):
Todos aqueles que podem ler os textos não os lêem da mesma forma e, em
cada período, é grande a distância entre os grandes letrados e os menos
hábeis dos leitores. Contrastes, igualmente, entre normas e convenções de
leitura que definem, para cada comunidade de leitores, usos legítimos do
livro, maneiras de ler, instrumentos e processos de interpretação. Contrastes,
enfim, entre as expectativas e os interesses muito diversificados que os
diferentes grupos de leitores investem na prática de leitura. Dessas
determinações que comandam as práticas, dependem as maneiras pelas quais
os textos podem ser lidos, e lidos de formas diferentes por leitores que não
partilham as mesmas técnicas intelectuais, que não mantêm uma mesma
relação com o escrito, que não atribuem nem a mesma significação nem o
mesmo valor a um gesto aparentemente idêntico: ler um texto (CAVALLO;
CHARTIER, 1998, p. 6-7).
Após as definições das categorias de análise, apresentamos a justificativa da sua
aplicabilidade no tratamento dos dados encontrados na investigação: A Representação auxilia
a conhecer o contexto das escolas pesquisadas a partir dos discursos legitimadores, tanto
21 Paul Ricouer, 1985
141
daqueles formatados no livro didático e nos documentos oficiais das instituições, quanto nos
“discursos” percebidos através das observações e das entrevistas realizadas. Da Apropriação,
destacamos a necessidade de saber como os alunos e os professores se apropriam dos textos
literários que lhes são oportunizados na sala de aula ou fora dela. Do mesmo modo se dá a
aplicabilidade das práticas de leitura, no sentido de saber quais as práticas adotadas por
professores e alunos para se apropriar de um texto. Daí a relação dessas categorias de análise
com a nossa pesquisa, a partir da identificação de um “grupo escolar” que partilha das
mesmas práticas de leitura (instituídas a partir de um discurso legitimador) para se apropriar
dos textos literários.
A seleção das categorias acima identificadas serviu também para que pudéssemos nos
situar, isto é, compreender qual a responsabilidade em relação ao tratamento dos dados
coletados nesta investigação; afinal estamos lidando com objetos pertencentes a um grupo
social. Definir as referidas categorias nos obrigou a não apenas conhecer a teoria que embasa
esta pesquisa, mas também a relacioná-la ao que foi pesquisado:
As percepções do social não são de forma alguma discursos neutros:
produzem estratégias e práticas (sociais, escolares, políticas) que tendem a
impor uma autoridade à custa de outros, por elas menosprezados, a legitimar
um projecto reformador ou a justificar, para os próprios indivíduos, as suas
escolhas e condutas [...]. As lutas de representações têm tanta importância
como as lutas econômicas para compreender os mecanismos pelos quais um
grupo impõe, ou tenta impor, a sua concepção do mundo social, os valores
que são os seus, e o seu domínio (CHARTIER, 1988, p. 17).
No entanto, é preciso ressaltar que, por se tratar de pesquisa etnográfica, estávamos
cientes de que outras categorias poderiam surgir durante o processo investigativo, e daí as
categorias aqui apresentadas, com base no referencial teórico construído, pudessem sofrer
ajustes como exclusão, substituição ou acréscimo de novas categorias.
Para embasar a análise dos dados coletados na investigação, utilizamos a técnica de
análise de conteúdo, definida por Laurence Bardin (2011, p 115) como “um conjunto de
instrumentos metodológicos cada vez mais sutis em constante aperfeiçoamento, que se
aplicam a ‘discursos’ (conteúdos e continentes) extremamente diversificados”:
142
A análise de conteúdo é um conjunto de técnicas de análise das
comunicações. Não se trata de um instrumento, mas de um leque de
apetrechos; ou com maior rigor, será um único instrumento, mas marcado
por uma grande disparidade de formas e adaptável a um campo de aplicação
muito vasto: as comunicações (BARDIN, 2011, p. 37).
Dentre as técnicas constantes da análise de conteúdo, selecionamos a “análise de
conteúdo e a análise documental” como norteadoras desta etapa da investigação. A primeira
por ter como objeto final, segundo Bardin (2011, p. 52), a “manipulação de mensagens
(conteúdo e expressão desse documento) para evidenciar os indicadores que permitam inferir
sobre uma outra realidade que não a da mensagem”. A segunda por ter como objetivo a
“representação condensada da informação, para consulta e armazenamento”.
Para tanto, definimos dentre as unidades de análise (Registro e Contexto) aquelas que
mais se adequaram à nossa investigação: Da Unidade de Registro, escolhemos o “Tema”
(aplicado às entrevistas e aos registros das observações) descrito como uma [...] asserção
sobre determinado assunto. Pode ser uma simples sentença (sujeito e predicado), um conjunto
delas ou um parágrafo (FRANCO, 2005, p. 39).
Também aplicamos as unidades de contexto definidas como
[...] o ‘pano de fundo’ que imprime significado às unidades de análise.
Podem ser obtidas mediante o recurso a dados que explicitem a
caracterização dos informantes, suas condições de subsistência, a
especificidade de suas inserções em grupos sociais diversificados: na família
de origem, no mercado de trabalho, em Instituições consagradas e
reconhecidas [...] (FRANCO, 2005, p. 43).
O “pano de fundo”, como unidade de contexto, auxiliou a interpretação das
informações obtidas através da coleta de dados, considerando o contexto dos participantes
desta pesquisa. Assim, os espaços escolares foram visitados e observados, as aulas foram
observadas e os registros destas devidamente realizados, assim como as entrevistas. Todos
esses instrumentos tiveram por base, nesse sentido, nossa preocupação em relacionar todos os
eventos coletados ao espaço social dos envolvidos.
143
5.6.2. Análise dos dados
Em consonância com o tipo de pesquisa, a Análise Qualitativa foi a mais adequada. De
acordo ao pensamento de Gil (2012), nas pesquisas qualitativas, essa etapa da pesquisa
depende da habilidade do pesquisador em definir os procedimentos da análise, pois não há
regras a seguir, tudo depende do envolvimento do pesquisador com o seu objeto. O referido
autor também menciona, com base nos estudos de Miles e Huberman (1994), três etapas que
podem auxiliar a análise de dados de uma pesquisa qualitativa. Esse procedimento foi seguido
neste trabalho. As etapas são: redução, apresentação (ou exibição) e conclusão/verificação.
Segue-se a definição de cada uma dessas etapas, de acordo com as descrições de GIL (2012,
p. 176-177):
A redução dos dados consiste no processo de seleção e posterior
simplificação dos dados que aparecem nas notas redigidas no trabalho de
campo. Esta etapa envolve a seleção, a focalização, a simplificação, a
abstração e a transformação dos dados originais em sumários organizados de
acordo com os temas ou padrões definidos nos objetivos originais da
pesquisa. [...] A apresentação consiste na organização dos dados
selecionados de forma a possibilitar a análise sistemática das semelhanças e
diferenças e seu inter-relacionamento. [...] A elaboração da conclusão requer
uma revisão para considerar o significado dos dados, suas regularidades,
padrões e explicações. A verificação [...] requer a revisão dos dados tantas
vezes quantas forem necessárias para verificar as conclusões emergentes
(grifos meus).
Com base nos procedimentos acima propostos, realizamos a análise dos dados
coletados. A execução desta etapa da pesquisa se deu da seguinte forma: 1 – reunião de todo o
material coletado durante as investigações (os documentos coletados nas escolas, as
transcrições das observações das aulas e das bibliotecas e também as transcrições das
entrevistas realizadas); 2 – estabelecimento de uma “sequência” entre os dados brutos ou
primários para finalmente serem analisados; 3 – aplicação da etapa “redução” nos dados
brutos coletados a fim de obter os dados secundários; 4 – aplicação da etapa “apresentação” a
fim de organizar os dados extraídos na etapa anterior para que pudessem ser, a partir de então,
analisados; 5 – aplicação da etapa “conclusão/verificação” com o objetivo de testar a extração
e o estudo dos dados selecionados e analisados nesta etapa da pesquisa.
144
5.6.3. Interpretação dos dados
Segundo GIL (2012, p. 178), a análise e a interpretação estão intimamente ligadas na
pesquisa qualitativa, pois uma não se sustenta sem a outra, uma vez que, ao analisar os dados
de uma pesquisa, o pesquisador necessariamente também interpreta esses dados:
[...] o que se procura na interpretação é a obtenção de um sentido mais amplo
para os dados analisados, o que se faz mediante sua ligação com
conhecimentos disponíveis, derivados principalmente de teorias. [...] Para
interpretar os resultados, o pesquisador precisa ir além da leitura dos dados,
com vistas a integrá-los num universo mais amplo em que poderão ter algum
sentido. Esse universo é o dos fundamentos teóricos da pesquisa e o dos
conhecimentos já acumulados em torno das questões abordadas. Daí a
importância da revisão de literatura, ainda na etapa do planejamento da
pesquisa. Essa bagagem de informações, que contribuiu para o pesquisador
formular e delimitar o problema e construir as hipóteses, é que o auxilia na
etapa de análise e interpretação para conferir significado aos dados.
De acordo com as orientações acima mencionadas, realizamos a análise e a
interpretação dos dados finais da pesquisa em consonância com a revisão de literatura
apresentada ao longo deste estudo. Cabe mencionar que, ainda durante a elaboração dos
instrumentos de coleta de dados, isso já havia sido pensado, pois apesar da dificuldade em
relacionar o suporte teórico com o que era coletado em campo, sabíamos que deveríamos
apresentar um estudo que dialogasse com a revisão de literatura que havíamos realizado.
Desse modo, a interpretação dos dados se realizou em consonância com todas as reflexões
apresentadas nos capítulos teóricos desta investigação.
145
VI – ANÁLISE DESCRITIVA E INTERPRETATIVA DOS DADOS A
PARTIR DOS DOCUMENTOS ESCOLARES, DAS OBSERVAÇÕES
SIMPLES E DAS ENTREVISTAS
6.1. Perfil das escolas
A Escola Estadual Heurisgleides Ferreira tem seu grupo gestor formado por uma
diretora e duas vice-diretoras. O corpo docente é formado por cinquenta professores e o corpo
discente, no ano de 2015, contava com aproximadamente mil e duzentos alunos. Também
conta com um coordenador pedagógico, um dentista, dois funcionários que dão suporte à
administração escolar, dez funcionários lotados na secretaria, onze funcionários que atendem
pelos serviços gerais. Possui trinta salas de aula, três salas designadas à administração, uma
sala de professores, uma sala de coordenação de educação física, uma sala de coordenação de
projetos, três laboratórios, um gabinete odontológico, uma biblioteca, um anfiteatro, duas
quadras esportivas, uma sala de grêmio estudantil, uma mecanografia, uma copa, uma cozinha
escolar, duas portarias, trinta sanitários.
Quanto à modalidade de ensino, a escola trabalha com o Ensino Médio Regular, no
turno matutino; o vespertino atende à modalidade dependência escolar para os alunos que não
obtiveram aprovação em todas as disciplinas na série anterior. Também desenvolve projetos
de leitura e/ou pedagógicos e em parceria com universidades. Em relação aos espaços
escolares, descrevo a seguir o que foi observado. Em primeiro lugar, destaco as salas de aula:
durante a coleta de dados, tive contato com duas salas de aula, as quais contavam com duas
janelas laterais, uma TV pen-drive, dois ventiladores, carteiras novas, mas apresentando
manchas e escritos, e capacidade para aproximadamente trinta alunos.
O segundo espaço destacado é a biblioteca. Não possuía funcionários e nem
bibliotecário, portanto ficava fechada. Segundo a diretora, os funcionários designados para
aquela função não se adequavam ao local, alegavam problemas de saúde e pediam licença ou
transferência para outra instituição. Por isso, sempre que um aluno ou um professor necessite
de algum exemplar, um funcionário da escola fica responsável por mediar o processo, mas
não há um registro oficial de empréstimos, uma vez que o funcionário destacado para realizar
tal missão está lotado em outro setor da escola. Pudemos comprovar isso quando solicitamos
146
permissão para conhecer o referido espaço, subdividido em duas seções. A quantidade de
Enciclopédias e dicionários distribuídos nas estantes da primeira seção chamava a atenção.
Como não havia registro dos exemplares, tivemos de contá-los. Eram trezentos e sessenta e
oito volumes de enciclopédias, datados de 1949 a 2006, e setenta e oito dicionários. Na
segunda, os exemplares estavam dispostos em trinta e uma estantes a partir das áreas do
conhecimento, contando com números de registros. Começava pelo número 100 e ia até 1031.
A primeira área do conhecimento era “Filosofia” e ia de 100 a 149; “Psicologia” de 150 a 199;
“Religião” de 200 a 299; “Ciências Sociais” de 300 a 309; “Estatística” de 310 a 329;
“Economia” de 330 a 339; “Direito” de 340 a 349; “Administração pública” de 350 a 369;
“Educação” de 370 a 375; “Educação sexual” de 376 a 414; “Gramática” de 415 a 419;
“Língua inglesa” de 420 a 439; Língua francesa” de 440 a 449; “Língua italiana” de 450 a
459; “Língua espanhola” de 460 a 468; “Língua Portuguesa” de 469 a 509; “Matemática” de
510 a 529; “Física” de 530 a 539; “Química” de 540 a 549; “Ciências da terra” 550;
“Geologia” de 551 a 573; “Biologia” de 574 a 578; “Ecologia” de 579 a 580; “Botânica” de
581 a 590; “Zoologia” de 591 a 609; “Ciências Médicas” 610; “Anatomia humana” de 611 a
629; “Agricultura” de 630 a 656; “Contabilidade” 657; “Administração geral” 658;
“Publicidade e Marketing” de 659 a 738; “Artes plásticas” 739; “Desenho e artes decorativas”
de 740 a 779; “Música” de 780 a 789; “Artes recreativas” de 790 a 807; “Romances” de 808 a
868; “História e crítica literária” de 809 a 860; “Poesia” 861; “Teatro” de 862 a 909;
“Geografia geral” de 910 a 917; “Geografia do Brasil” 918 e 919; “Biografia” de 920 a 929;
“História Geral” de 930 a 980; “História do Brasil” de 981 a 1031.
Além dos títulos catalogados, a biblioteca ainda comportava um quadro de avisos, oito
mesas para consultas, cada uma com quatro cadeiras, um cesto de lixo, uma mesa ocupada
com vários livros didáticos, três armários fechados (abertos a pedido do pesquisador pelo
funcionário que o acompanhava); o primeiro continha vários títulos que não estavam
catalogados. Segundo o funcionário, os livros vinham do FNDE e, como não havia
responsável pelo setor para catalogá-los, ficavam guardados até que alguém fosse designado
para realizar aquela função. Os títulos eram: Memórias do cárcere, de Graciliano Ramos, A
estrutura da bolha de sabão, de Lygia Fagundes Telles; Incidente em Antares, de Érico
Veríssimo; Coleção Melhores crônicas, de Manuel Bandeira; A morena da estação, de
Ignácio de Loyola Brandão; Lavoura arcaica, de Raduan Nassar e Éramos seis, de Maria José
Dupré. O segundo continha livros, catálogos, revistas e papéis diversos. O terceiro continha
catálogos para pesquisas com temáticas diversas: AIDS, Arquitetura, Arte, Artes plásticas,
147
Biografia, Cinema, Drogas, Ecologia, Folclore, História, Fotografia, Música, História de
Salvador, Violência, Saúde e Teatro. Também havia revistas Istoé, Manequim, Elle, Minuto,
Casa e Construção dispostas em uma mesa.
Quanto às nossas impressões iniciais em relação à escola, constatamos que na
biblioteca, além da quantidade de enciclopédias e dicionários, não houve preocupação em
adquirir os títulos em conformidade com a modalidade de ensino oferecida pela instituição.
Por exemplo, de todos os exemplares, as áreas mais contempladas no acervo eram “Religião”,
com cem títulos, e “Publicidade e Marketing”, com setenta e nove títulos – áreas que não
constam no currículo da escola. Ainda no início das visitas foi possível observar um constante
barulho provocado pelos alunos dentro e fora das salas de aula em todos os momentos.
Pudemos perceber, enquanto aguardávamos atendimento pela direção ou pela regente da
turma observada, algumas particularidades dos atores daqueles espaços. No ano de 2014, às
vésperas das eleições presidenciais, os ânimos se exaltavam entre os professores na defesa dos
seus candidatos. Entre os alunos isso também ocorria, mas com menos empolgação do que
com os docentes. Além disso, embora houvesse funcionários presentes nos corredores, sempre
havia estudantes circulando nesses espaços, provocando barulho e entrando em salas de aulas
às quais não pertenciam (isso era frequente nas salas observadas para esta pesquisa).
A escola Estadual Renailda Sousa tem sua equipe gestora formada por quatro
membros: um diretor e três vice-diretoras. O corpo docente é formado por sessenta e seis
professores; o corpo discente contava, em 2015, com oitocentos e quarenta e dois alunos no
turno matutino, duzentos e dezenove no vespertino e quatrocentos e trinta no noturno,
totalizando mil quatrocentos e noventa e um alunos. Também conta com duas coordenadoras
pedagógicas, um funcionário de apoio à administração escolar, duas funcionárias lotadas na
biblioteca (embora não sejam bibliotecárias), quinze funcionários lotados na secretaria,
dezoito funcionários que respondem pelos serviços gerais. Possui vinte e quatro salas de aula,
uma sala de professores, uma sala de coordenação escolar, gabinete da direção, uma
biblioteca, um auditório (sem funcionamento), uma mecanografia, uma copa, uma cozinha
escolar, portaria e sanitários (não foi informada a quantidade).
Quanto à modalidade de ensino, a escola trabalha com o Ensino Médio Regular, nos
turnos matutino, vespertino e noturno. Não desenvolve projetos de leitura e participa apenas
de um projeto pedagógico. Em relação aos espaços escolares, descrevemos a seguir a
experiência ao adentrá-los a fim de coletar informações que julgávamos relevantes à pesquisa.
148
As salas de aula contavam com uma lousa, dois ventiladores de teto, uma TV pen-
drive, duas janelas laterais, mesa para o professor e carteiras para os alunos. A biblioteca
funcionava nos turnos matutino e vespertino. Era uma sala subdividida em dois espaços. A
parte maior preenchida por dezesseis estantes, seis mesas para leitura com quatro assentos
cada. A outra parte era reservada às funcionárias do setor. Neste mesmo espaço havia oito
suportes para livros fixados na parede e um armário. A funcionária do setor apresentou o
espaço, explicou como organizou as estantes, distribuições dos exemplares e as mesas para
consultas. Revelou que não possuía formação em biblioteconomia e não recebera treinamento
para executar aquela função. Mostrou-nos um catálogo dos exemplares ali contidos,
preenchido à caneta, criado por sua própria iniciativa. Do mesmo modo, criou uma carteira de
alunos e professores, de modo que pudesse controlar a entrada e saída de livros quando esses
usuários necessitassem tomar algum livro emprestado.
Os exemplares eram catalogados manualmente e não havia um número preciso em
relação à quantidade dos títulos constantes do acervo. No entanto, a atendente garantiu que
todos estavam catalogados. Assim, contamos, pelo disposto no catálogo, novecentos e oitenta
e três títulos. As estantes não estavam numeradas; havia apenas algumas marcações
imprecisas em relação aos títulos e, talvez por isso, era a própria funcionária que localizava os
livros quando solicitados por algum usuário. Desse modo, havia indicações como
“Literatura”, “Literatura Brasileira”, “Literaturas diversas”, “Personagens da nossa história”,
“Português”, dentre outras. Como não havia separação rigorosa dos títulos, detivemo-nos
apenas aos que se relacionavam às Letras e à Educação.
Pela disposição dos títulos, percebemos que o critério para separar e alocar os livros
partiu da própria funcionária, pois na seção “Literatura” constavam os títulos As visionárias
de Vilma Guimarães Rosa e Folha conta cem anos de cinema, organizado por Amir Labaki;
em “Literatura Brasileira” havia Orlando, de Virgínia Wolf; em uma seção chamada
“Literaturas diversas”, encontramos Incidente em Antares, de Érico Veríssimo. Em outra
seção com o mesmo título, contamos noventa e quatro exemplares, embora nem todos fossem
de literaturas. Havia três livros de poesia e dois romances; os demais eram de Economia,
Educação de Jovens e adultos, Psicologia, Geografia e alguns catálogos. Outras duas seções
chamadas “Literaturas diversas” também apresentavam as mesmas características. Uma delas
continha setenta e cinco livros. Destes, apenas um se aproximava do título da seção: Guia
prático de análise literária, de Massaud Moisés. A outra seção possuía setenta e um
exemplares e somente um livro apresentava alguma relação com a descrição da seção:
149
Estruturalismo e poética, de Tzvetan Todorov. Mais uma seção intitulada
“Literatura/literatura brasileira”, contando com cento e dez títulos, dentre os quais romances
brasileiros e estrangeiros e livros didáticos. Havia também um exemplar do livro História de
Rio Claro (sobre a história do município paulista), de Dilma Andrade de Paula, nesta seção.
Ainda na biblioteca, uma estante armazenava enciclopédias diversas. Outras
continham quinze títulos de Jorge Amado, dezenove de Machado de Assis e dezesseis de
Graciliano Ramos. Em outra estante, nove títulos de José de Alencar e oito de Eça de Queirós.
Uma estante com uma seção intitulada “Personagens da nossa história” era composta por uma
série de volumes Grandes personagens da nossa história, livro que biografa figuras
históricas, tais como Pedro Álvares Cabral, Bento Gonçalves, José de Alencar, Dom Pedro I,
Princesa Isabel, Machado de Assis, Mário de Andrade, dentre outros. Havia também uma
cópia de O Cortiço, de Aluísio Azevedo e quinze exemplares de Literatura infanto-juvenil.
Em outra estante, uma seção chamada “Português” continha livros didáticos antigos,
gramáticas, duas publicações de O Estadão, totalizando setenta e oito títulos. Mais três
estantes continham mais enciclopédias e dicionários, totalizando duzentos e cinquenta e cinco
volumes.
Na parte menor do setor, havia cento e sessenta e oito títulos. O critério utilizado para
alocá-los naquele espaço foi justificado pela funcionária a partir da importância, da qualidade
e do estado daqueles exemplares segundo seu próprio julgamento. Para ela, misturá-los aos
demais seria um “crime”, pois as pessoas não teriam cuidado para manuseá-los e poderiam até
mesmo não devolvê-los ao setor. Ali, ao seu lado, eles estariam mais “seguros”. Os títulos se
diferenciavam dos demais. Havia títulos de Arquitetura, Direitos Humanos, Inclusão escolar e
Psicologia. Também títulos de História literária, como História concisa da literatura
brasileira, de Alfredo Bosi, e Formação da literatura brasileira, de Antonio Candido, e sobre
Educação, como Português no ensino médio e formação do professor, organizado por Clécio
Bunzen e Márcia Mendonça.
Enquanto examinávamos os exemplares, a funcionária foi revelando alguns detalhes a
respeito da dinâmica daquele setor. Em sua análise, os maiores frequentadores eram os alunos,
embora os objetivos que os levavam ali não fossem relacionados às atividades escolares. De
acordo com ela, poucos ainda pediam romances emprestados e uma quantidade menor (que
não soube precisar) lia na biblioteca mesmo. A maioria dos alunos frequentadores ia para
jogar, brincar, usar a internet dos seus próprios aparelhos, dentre outros interesses. Quanto aos
professores, um número mínimo procurava a biblioteca. Na maioria das vezes buscavam
150
apenas livros didáticos para usarem em suas aulas. E um ou outro professor tomava
emprestados alguns títulos, como romances, e se esqueciam de devolvê-los.
Em relação aos títulos dos livros e sua relação com a modalidade de ensino adotada
pela instituição, prevalece, embora os próprios alunos já utilizem novas tecnologias, uma ideia
de ensino enciclopédico, diante da quantidade de enciclopédias e dicionários na biblioteca.
Quanto à dinâmica dessa escola, percebemos uma considerável diferença em relação à
primeira. Os alunos faziam pouco barulho, tanto nas salas quanto fora delas. Em verdade,
poucos alunos circulavam em horários de aula, pois sempre havia um funcionário percorrendo
os corredores e controlando a permanência das pessoas nesses espaços. Em alguns momentos,
até mesmo os gestores andavam por esses espaços, inclusive na hora do intervalo. Também
percebemos que os alunos não podiam entrar no colégio após o tempo de tolerância estipulado
e não havia reclamações em relação à falta de professores.
6.2. O projeto político-pedagógico
Começamos a análise e interpretação de dados a partir do Projeto Político Pedagógico
(PPP) das escolas participantes da nossa pesquisa. A escolha para iniciar a narrativa pelo PPP
se justifica por ser ele o principal documento das instituições de ensino. Trata-se de um
documento previsto na LDB 9394/96, cuja finalidade é de direcionar o planejamento geral das
escolas públicas brasileiras. Foi através desse documento que conseguimos traçar um perfil
das referidas instituições.
Tanto a Escola Heurisgleides Ferreira quanto a Escola Renailda Sousa tiveram
dificuldades em nos apresentar o seu PPP. Foi o último documento a ser entregue, em quase
dois anos de visita àquelas instituições. As alegações variavam desde a recusa dos professores
em participar da construção do projeto às reclamações dos poucos participantes em relação à
exigência dos prazos e das diretrizes a serem seguidas para a finalização do referido
documento. Assim, seguem os dados coletados nos PPP de cada uma das escolas de acordo à
Análise de Conteúdo, unidade de registro “tema”, proposta por Franco (2005).
A partir das categorias de análise, surgiram as “unidades temáticas” dos PPP. Essas
unidades temáticas desempenhariam a função de auxiliar a identificação dos dados fornecidos
pelos referidos PPP que eram relevantes para o estudo. Também o processo de seleção,
chamado por Gil (2012) de “redução”, dos dados brutos e transformados em dados
secundários contribuiu para a realização da coleta. Portanto, as unidades temáticas no tocante
151
a este instrumento de coleta de dados (pesquisa documental) buscavam uma relação entre as
especificidades dos PPP e o referencial teórico da pesquisa.
Ao prosseguir com a seleção das unidades temáticas, percebemos que o PPP atendia
apenas a uma das categorias de análise: a “representação”. Tanto a escola Heurisgleides
Ferreira quanto a escola Renailda Sousa apresentam nos seus PPP as descrições do
funcionamento geral. Não há menção à organização das aulas, sobretudo às aulas de Língua
Portuguesa e literatura. Por isso, a categoria, “apropriação” não foi contemplada neste
instrumento de coleta de dados.
6.2.1. Descrevendo os dados do PPP da Escola Heurisgleides Ferreira
Segundo a análise documental, a partir do discurso contido no documento, realizamos
neste item diversas considerações sobre o que a Escola Heurisgleides Ferreira apresenta no
seu PPP. O texto é escrito em vinte e nove páginas e o período compreendido pela vigência do
documento é de 2014 a 2019. Inicialmente apresenta uma epígrafe extraída de um dos
pensamentos do educador Paulo Freire, como um elemento norteador do documento: “Ensinar
não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua produção ou construção”.
Em seguida, o sumário indica o que é apresentado no referido documento, pela ordem:
Identificação, Histórico, Apresentação, Justificativa, Concepção metodológica, Objetivos
gerais, Objetivos específicos, Planos de ação.
Na busca dos dados necessários à pesquisa e com base no modelo apresentado pelo
PPP, aparecem as unidades temáticas. Criadas a partir do referido documento, essas unidades
respondem ao objetivo específico de pesquisa (Identificar e analisar elementos que emergem
do Projeto Político Pedagógico articulados com valores políticos sociais e morais), a partir da
categoria de análise “representação”. São elas: 1 – Missão; 2 – Visão; 3 – Valores; 4 –
Concepção metodológica; 5 – Currículo. Essas unidades fornecem os dados necessários ao
objetivo acima mencionado. Os dados encontrados estarão sublinhados nos trechos extraídos
do documento original.
A primeira unidade temática é assim definida no PPP:
Missão: Assegurar a formação integral do aluno, desenvolvendo as
possibilidades pessoais e profissionais no exercício da cidadania, da
criatividade, da participação coletiva, humanizando as relações e
152
contribuindo assim, para desenvolver o cidadão do Século XXI que atende
às exigências da sociedade globalizada do trabalho no seu contexto sócio-
político, econômico e cultural22 (p. 6).
Em seguida, temos a unidade temática Visão:
Visão: 1 - Ser uma instituição de ensino que busca uma formação de
qualidade e competência profissional da sua equipe; 2 - Os alunos
desenvolvam competências e habilidades para se inserirem no mundo do
trabalho, sendo reconhecido pela ética, postura de cidadãos, autonomia
intelectual e posicionamento crítico; 3 - Os professores e funcionários serão
reconhecidos pela competência, organização e compromisso; a equipe
técnico-administrativa pela postura democrática e competência; os pais pelo
envolvimento com a escola e acompanhamento permanente da vida
estudantil dos seus filhos23 (p.6).
Na sequência, os Valores da escola:
Valores: 1 - Qualidade: valorizar a nossa comunidade escolar, buscando
oferecer um trabalho de excelência; 2 - Respeito: respeitar os direitos de
todos na preservação da identidade com uma política de igualdade e de
oportunidades para todos; 3 - Participação e parcerias: reconhecer a
importância do trabalho em equipe para o desenvolvimento de um trabalho
de qualidade e interdisciplinar24 (p. 6-7).
A unidade temática Concepção metodológica apresenta uma série de informações que
nos ajudam a ampliar a nossa visão a respeito da identidade da escola Heurisgleides Ferreira.
Portanto, no tratamento desta unidade, optamos por discutir as informações extraídas a partir
de tópicos nos quais identificamos os dados, seguindo a cronologia do documento original.
Concepção metodológica: 1- No mundo contemporâneo urge uma
educação muito mais voltada para a transformação social do que para a
transmissão cultural, pois acreditamos que a pedagogia da práxis, como
uma pedagogia transformadora, em suas várias manifestações pode oferecer
um referencial geral mais seguro do que as pedagogias centradas na
transmissão cultural25 (p. 10).
A segunda concepção metodológica está centrada na prática educativa.
22 Projeto Político-pedagógico da Escola Heurisgleides Ferreira 23Projeto Político-pedagógico da Escola Heurisgleides Ferreira 24Projeto Político-pedagógico da Escola Heurisgleides Ferreira 25Projeto Político-pedagógico da Escola Heurisgleides Ferreira
153
Concepção metodológica: 2 - Vivemos a era da informação em que
predomina mais a difusão de dados e informações e não de conhecimentos,
o que ocorre devido às novas tecnologias que estocam o conhecimento, de
forma prática e acessível a todos, permitindo a pesquisa e o acesso mais
fácil pela internet. A época em que vivemos requer novas concepções e
práticas educativas que viabilizem um currículo contextualizado que
incorpore o mundo do trabalho, as vivências, as experiências e a cultura dos
educandos. Portanto, a educação, a cultura e o trabalho integram-se como
dimensões basilares para aquisição e produção do conhecimento (p. 10).
A terceira concepção metodológica evidencia o compromisso da escola em assumir
uma visão sociointeracionista em suas práticas pedagógicas:
Concepção metodológica: 3- Na prática, temos como base uma visão sócio
interacionista que aponta o conhecimento como uma construção que se
realiza na interação como o objeto de conhecimento (saber formal e
informal), como meio físico e social, através dos desafios e busca de
soluções. É uma concepção metodológica que pretende superar a
fragmentação de conteúdos e implementar uma práxis contextualizada
com saberes que se articulam, tendo em vista vivências de aspectos da vida
cidadã26 (p. 10).
A quarta concepção metodológica abrange o papel do professor defendido pela
escola:
Concepção metodológica: 4 - É importante ressaltar que a avaliação está
inserida em todo processo de ensino e de aprendizagem, considerando os
princípios norteadores do currículo: identidade, diversidade, autonomia,
interdisciplinaridade e contextualização e que não se restringe aos aspectos
quantitativos, mas também os qualitativos, o que requer mudanças na
postura. O exercício de sua principal finalidade no processo pedagógico é
assegurar a aprendizagem do aluno, garantindo a construção do
conhecimento de forma que ele seja estimulado a aprender a aprender. O
professor é um agente articulador do processo de construção do
conhecimento que possui a função de despertar, provocar e estimular nos
alunos o interesse pelo aprender, sem perder de vista a finalidade do
conhecimento historicamente acumulado27 (p. 11).
A próxima unidade temática – currículo – apresenta a seguinte definição, no PPP:
26Projeto Político-pedagógico da Escola Heurisgleides Ferreira 27Projeto Político-pedagógico da Escola Heurisgleides Ferreira
154
Entendemos que um currículo participativo religa as atividades de tal
forma que todos os atores envolvidos no processo trabalhem relacionando
os tópicos constantes de seu projeto pedagógico contextualizado com a sua
realidade e a realidade do aluno, vendo-o como sujeito do processo
educacional, estabelecendo relações desafiadoras e significativas com o
mundo a ser descoberto28 (p. 8).
6.2.2. Descrevendo os dados do PPP da Escola Renailda Sousa
De acordo à análise documental, a partir do discurso contido no PPP, verificamos que
a Escola Renailda Sousa o apresenta com as seguintes informações: o documento é escrito em
quarenta e duas páginas; é assinado pelo grupo gestor, tendo como referência o ano de 2015.
Em seguida, o sumário indica o que é apresentado no referido documento, pela ordem:
Identificação da Escola; Apresentação do Projeto Político Pedagógico; Histórico; da Escola;
Fundamentação Teórica; Fundamentação Teórica e Epistemológica; Concepção Filosófica –
Pedagógica/Fundamentos Éticos Políticos; Fundamentos Didáticos – Pedagógico;
Organização do Ensino; Normas Gerais; Estrutura Organizacional; Do currículo organizado e
Princípios Pedagógicos; Da definição, classificação e relações de estágios; Avaliação e
Acompanhamento do PPP; Referências bibliográficas.
Dentre os itens acima mencionados, a partir do estudo realizado sobre o documento,
selecionamos aqueles que poderiam responder ao nosso objetivo específico de pesquisa
(Identificar e analisar elementos que emergem do Projeto Político Pedagógico articulado com
valores políticos sociais e morais), a partir da categoria de análise “representação”. Esses itens
converter-se-ão em unidades temáticas. São elas: 1 – Objetivo Geral; 2 - Apresentação do
projeto político pedagógico; 3 – Fundamentação teórica e epistemológica; 4 –
Fundamentos didáticos-pedagógicos; 5 – Currículo e princípios pedagógicos; 6 -
Avaliação e acompanhamento do PPP. Os dados encontrados nessas unidades temáticas
estarão sublinhados nos trechos extraídos do documento original.
A primeira unidade temática, Objetivo geral, destaca o compromisso assumido pela
escola diante da sociedade:
O colégio tem, como principal objetivo, educar para superar desafios e
exigências da sociedade, oportunizando, ao estudante, o exercício da
28Projeto Político-pedagógico da Escola Heurisgleides Ferreira
155
cidadania através da construção do conhecimento crítico contextualizado,
alicerçado na reflexão de seus direitos e deveres29 (p. 4).
A segunda unidade temática – Apresentação do projeto– será dividida em quatro
tópicos, a fim de obedecer a sequência das descrições contidas no documento original. Assim,
apresentamos o primeiro tópico:
Apresentação do projeto: 1 - O trabalho coletivo possibilitou a elaboração
deste Projeto e deverá orientar as novas formas de pensar, de agir, e de
modificar o cotidiano escolar, oportunizando a ação, o diálogo, o
comprometimento e a participação ativa de todos os envolvidos na
sustentação de uma escola construtora do saber. A construção desse saber
deve se dar com justiça social - fonte vital de cidadania-, compartilhamento
de novas experiências e com segurança da proteção na inserção do(a)
cidadão/a no meio social; para isso, o Colégio precisa assumir a sua função
social na possibilidade de formação de indivíduos capazes de desenvolver e
praticar valores como: equidade, tolerância, bem comum, responsabilidade,
justiça, ética e moral, com o intuito de atender aos seus anseios e aos da
sociedade30 (p. 4-5).
O segundo tópico destaca mais um objetivo da escola:
Apresentação do projeto: 2 - A escola, além dos objetivos supracitados,
procura, também, proporcionar aos estudantes a construção de
conhecimentos e valores, respeitando-os como indivíduos ativos da
aprendizagem, como pessoas criadoras de cultura dentro de suas
possibilidades de expressão em diferentes linguagens e atitudes, rumo a
uma nova educação cidadã, consciente do seu papel social, com
compromisso de contribuir na construção de uma sociedade comprometida
com a ética, a solidariedade, a justiça e o respeito às diferenças31 (p. 5).
O terceiro tópico apresenta os objetivos do eixo pedagógico da escola:
Apresentação do projeto: 3 - O eixo pedagógico tem, como objetivo,
promover o desenvolvimento de competências e habilidades básicas, com
ênfase na leitura, interpretação e produção de textos, no desenvolvimento
lógico – matemático, nas várias áreas de conhecimento e atividades
curriculares e extracurriculares32 (p.5).
29Projeto político pedagógico da Escola Renailda Sousa 30Projeto político pedagógico da Escola Renailda Sousa 31Projeto político pedagógico da Escola Renailda Sousa 32Projeto político pedagógico da Escola Renailda Sousa
156
O quarto tópico descreve a visão de um processo de ensino-aprendizagem defendido
pela escola Renailda Sousa:
Apresentação do projeto: 4 - O Projeto Pedagógico revela como se
processa o ensino –aprendizagem na Escola Renailda Sousa e suas
verdadeiras intenções pedagógicas, na busca de aperfeiçoamento constante
da aprendizagem, visando a uma educação escolar cada vez mais
significativa e contextualizada, capaz de promover a construção e o
desenvolvimento da personalidade humana, autônoma, crítica, solidária e
participativa que nos auxiliem a amenizar os fatores que nos separam
socialmente e culturalmente33 (p. 5-6).
Dividimos em três tópicos a Fundamentação teórica e epistemológica, devido à
quantidade de informações consideradas importantes à construção de possíveis respostas ao
nosso objetivo específico ligado a este instrumento de coleta de dados. Em primeiro lugar,
apresentamos o conceito de educação formulado ou adotado pela escola. A partir deste
conceito é possível inferir que a educação se consolida a partir da “orientação de um
mediador”: Fundamentação teórica e epistemológica: “1- A educação, entre outros
aspectos, é um processo de construção, socialização e apropriação de conhecimentos
através da orientação de um mediador”34 (p. 7).
O segundo tópico apresenta uma visão ou um conceito sobre o papel do educador em
sala de aula e sua função no processo de aprendizagem, sob o ponto de vista da escola
Renailda Ferreira:
Fundamentação teórica e epistemológica: 2- Todo processo de
desenvolvimento da educação, envolve, sempre, reflexões acerca de variadas
teorias. O educador (mediador) tem o papel neste processo de
conhecimento. A tarefa dos educadores é desenvolver, ao máximo,
aptidões, capacidades e habilidades no educando. Neste sentido, o bom
ensino acontece em um processo colaborativo entre educador e educando.
Fica evidenciado o papel do professor como mediador de novos
conhecimentos, através daquilo que o estudante já sabe ou é capaz de
saber com o auxílio de outros. Com esta reflexão, percebemos que o
processo de aprendizagem na educação escolar é colaborativo, resultando da
ação conjunta entre educadores e estudantes35 (p. 7-8).
33Projeto político pedagógico da Escola Renailda Sousa 34Projeto político pedagógico da Escola Renailda Sousa 35Projeto político pedagógico da Escola Renailda Sousa
157
Em seguida, o documento define a função da escola, aqui representada no terceiro
tópico da nossa exposição:
Fundamentação teórica e epistemológica: 3- (a) A escola tem, como
função, envolver o estudante no processo de ensino – aprendizagem, seja
de forma direta ou indireta, seja como objetivo de responder às necessidades
e interesses destes. (b) Desta forma, a escola promove uma aprendizagem
significativa, pela qual o estudante se apropria do conhecimento, da
cultura, das habilidades e competências. (c) Por isso, além de oportunidades
diversificadas de contato com a cultura acumulada, o estudante precisa
conhecer sua identidade; isto acontece quando a escola desenvolve o
diálogo com todos os envolvidos no processo educativo e da cidadania36 (p.
8).
A quarta unidade temática, Fundamentos didáticos-pedagógicos, também é dividida
em três tópicos, pelas mesmas razões apresentadas na unidade anterior. O primeiro tópico
apresenta o que seria “uma Escola Democrática”, na visão da Escola Renailda Sousa:
Fundamentos didáticos-pedagógicos: 1 - Esse fundamento tem, por
objetivo, oferecer uma Escola Democrática, cuja educação esteja centrada,
necessariamente, em princípios éticos e democráticos que se realizam, tanto
na vida pessoal como na vida social e profissional, uma educação escolar
em que se percebe as diferenças individuais dos estudantes como cidadãos
que, gradativamente, construam sua autoimagem positiva e crítica; enfim:
uma escola afinada com as questões humanistas e, ao mesmo tempo,
contextualizada com as reais necessidades dos indivíduos e da sociedade37
(p. 15).
O segundo tópico apresenta a visão da escola sobre a prática pedagógica:
Fundamentos didáticos-pedagógicos: 2 - Quanto à prática pedagógica,
esta deverá perseguir objetivos que assegurem uma educação dinâmica,
construtiva, participativa, dialógica e humana, que estimule todos os
envolvidos no processo ensino-aprendizagem e que possibilite um
relacionamento afetivo, criativo e de respeito mútuo, objetivando uma
vivência madura de busca permanente de soluções dos possíveis problemas e
conflitos que emergem no ambiente escolar38 (p. 16).
O terceiro tópico apresenta como a escola trabalha o planejamento escolar:
36Projeto político pedagógico da Escola Renailda Sousa 37 Projeto político pedagógico da Escola Renailda Sousa 38 Projeto político pedagógico da Escola Renailda Sousa
158
Fundamentos didáticos-pedagógicos: 3- O planejamento é visto como um
instrumento facilitador, enquanto processo de construção, com o intuito de
intervir e de avaliar o processo educativo, permitindo ao educando
modificar-se e modificar o espaço social no qual convive. Quanto ao
docente, o planejamento deverá permitir-lhe avaliar o processo ensino-
aprendizagem e, também, ser avaliado durante o seu percurso. A
intervenção pedagógica deverá ser fruto de experimentação decorrente de
pesquisas baseadas em conhecimentos científicos, bem como de
conhecimento da cultura popular. Esses conhecimentos são considerados
como mecanismos estimuladores para que o processo ensino-aprendizagem
ocorra de modo inovador, de modo que a experimentação deva ser o
caminho para poder chegar a novas práxis39 (p. 16).
A quinta unidade temática, Currículo e princípios pedagógicos, será dividida em
dois tópicos para que possamos analisar com maior precisão os dados revelados nos trechos
extraídos. No primeiro tópico, o documento justifica a construção do seu currículo a partir da
LDB 9394/96:
Currículo e princípios pedagógicos:1 - O currículo do Colégio é composto
de uma Base Nacional Comum e de uma parte diversificada e é organizado
em atendimento ao que sugere a lei L.D.B., tendo em vista a educação com
o mundo do trabalho e a prática social, bem como a preparação do aluno
para o exercício da cidadania e para o mercado de trabalho40 (p. 37).
No segundo tópico, o documento cita novamente a LDB 9394/96 para justificar os
seus princípios pedagógicos. Também defende um currículo voltado ao desenvolvimento de
competências e habilidades:
Currículo e princípios pedagógicos:2 -O currículo é desenvolvido de
acordo com os princípios pedagógicos estabelecidos na Lei 9394/96, que
prega o seguinte: princípios da Identidade, Diversidade e Autonomia, da
Interdisciplinaridade e da contextualização. Busca-se, também, desenvolver
o currículo voltado para a constituição de competências e habilidades. No
currículo por competência o foco é aprender a aprender, a relacionar o
conhecimento com dados na experiência cotidiana, dando significado ao
aprendido, transpondo e captando o significado do mundo. Desta forma, se
tem uma relação entra a teoria e a prática, onde é possível fundamentar
críticas e argumentações e ainda lidar com o sentimento que a
aprendizagem desperta41 (p. 37).
39 Projeto político pedagógico da Escola Renailda Sousa 40 Projeto político pedagógico da Escola Renailda Sousa 41 Projeto político pedagógico da Escola Renailda Sousa
159
Embora não se configure uma Unidade temática para a nossa pesquisa, a “Avaliação e
acompanhamento do PPP” aponta mais um conceito adotado pela escola para prática
pedagógica: “Pensar na melhoria da qualidade do ensino da escola pública passa pela
construção de uma práxis pedagógica que leve em conta a realidade dos estudantes e que
estimule o diálogo entre o conhecimento e a sua relação com o mundo e a preparação para o
trabalho”42 (p. 39).
6.2.3. Análise e interpretação dos dados dos PPP das escolas
Após a descrição do que chamamos “dados brutos”, foi possível chegar aos “dados
secundários”, a partir das unidades temáticas fornecidas pelos PPP. Assim, foi possível
entender a importância dos valores sociais, morais e políticos para a construção de uma
representação das escolas pesquisadas a partir dos seus projetos político-pedagógicos. Com
base nas análises realizadas sobre o documento escolar, extraímos os seguintes dados: a -
educação e cidadania; b - prática educativa/prática pedagógica; c - processo de ensino-
aprendizagem e o papel do professor; d - currículo.
a - Educação e cidadania
Quadro 1 - Representação do conceito de Educação e cidadania
Escola Representação
Heurisgleides
Ferreira
1 - Assegurar a formação integral do aluno [...] para desenvolver o
cidadão do Século XXI que atende às exigências da sociedade globalizada
do trabalho.43
Renailda
Sousa
1 - [...] educar para superar desafios e exigências da sociedade,
oportunizando, ao estudante, o exercício da cidadania através da
construção do conhecimento crítico contextualizado [...] bem como a
preparação do aluno para [...] o mercado de trabalho4445.
42Projeto político pedagógico da Escola Renailda Sousa 43Projeto Político-pedagógico da Escola Heurisgleides Ferreira 44Projeto político pedagógico da Escola Renailda Sousa 45 Esse trecho encontra-se originalmente na definição de currículo. Por também se referir à educação e à
cidadania, optamos por apresentá-lo também nesta unidade.
160
Optamos por analisar e interpretar os dados extraídos da unidade “educação e
cidadania” conjuntamente, pois percebemos que nos dois PPP há uma ênfase em associar a
formação escolar à formação cidadã. As duas escolas entendem que a educação contribui para
a cidadania dos seus estudantes e afirmam direcionar o processo de ensino-aprendizagem para
esse fim. Também começamos pela unidade acima mencionada porque ela já antecipa como a
as escolas apresentam a relação entre a educação e a cidadania. As duas escolas admitem que
a formação escolar visa uma formação cidadã para atender às exigências da sociedade,
preparando o estudante para o mercado de trabalho.
b – Prática educativa/pedagógica
Quadro 2 – Representação do conceito de Prática educativa/pedagógica:
Escola Representação
Heurisgleides
Ferreira
Vivemos a era da informação em que predomina mais a difusão de dados
e informações e não de conhecimentos, o que ocorre devido às novas
tecnologias que estocam o conhecimento, de forma prática e acessível a
todos, permitindo a pesquisa e o acesso mais fácil pela internet. A época
em que vivemos requer novas concepções e práticas educativas que
viabilizem um currículo contextualizado.46
Renailda
Sousa
1 - Quanto à prática pedagógica, esta deverá perseguir objetivos que
assegurem uma educação dinâmica, construtiva, participativa, dialógica
e humana, que estimule todos os envolvidos no processo ensino-
aprendizagem e que possibilite um relacionamento afetivo, criativo e de
respeito mútuo.
2 - Pensar na melhoria da qualidade do ensino da escola pública passa
pela construção de uma práxis pedagógica que leve em conta a realidade
dos estudantes e que estimule o diálogo entre o conhecimento e a sua
relação com o mundo e a preparação para o trabalho.47
Nesta unidade, as escolas destacamos o conceito de prática educativa ou prática
pedagógica. Para a escola Heurisgleides Ferreira, o momento atual requer “novas práticas
educativas” que dialoguem com o contexto dos estudantes. Além disso, reflete sobre as novas
46Projeto Político-pedagógico da Escola Heurisgleides Ferreira 47Projeto político pedagógico da Escola Renailda Sousa
161
tecnologias, as quais “estocam o conhecimento” e permitem o acesso “mais fácil” através da
internet.
Por sua vez, a escola Renailda Sousa defende o seu conceito de prática pedagógica a
partir da relação existente entre os atores escolares. No item 1, Ao defender que a “[...] prática
pedagógica deverá perseguir objetivos que assegurem uma educação dinâmica, construtiva,
participativa, dialógica e humana [...]”, compreendemos que a escola conclama a contribuição
de todos os participantes do contexto escolar a contribuírem com uma educação identificada
com a coletividade, o respeito e a afetividade nas relações entre os sujeitos. No item 2, a
prática pedagógica contempla a capacitação dos estudantes para o trabalho.
c – Processo de ensino-aprendizagem e o papel do professor
Quadro 3 – Representação do processo de ensino-aprendizagem e o papel do professor
Escola Representação
Heurisgleides
Ferreira
O exercício de sua principal finalidade no processo pedagógico é
assegurar a aprendizagem do aluno, garantindo a construção do
conhecimento de forma que ele seja estimulado a aprender a aprender. O
professor é um agente articulador do processo de construção do
conhecimento que possui a função de despertar, provocar e estimular nos
alunos o interesse pelo aprender, sem perder de vista a finalidade do
conhecimento historicamente acumulado.48
Renailda
Sousa
1- A escola tem, como função, envolver o estudante no processo de ensino
– aprendizagem, seja de forma direta ou indireta, seja como objetivo de
responder às necessidades e interesses destes. Desta forma, a escola
promove uma aprendizagem significativa, pela qual o estudante se
apropria do conhecimento, da cultura, das habilidades e competências.
[...] o estudante precisa conhecer sua identidade; isto acontece quando a
escola desenvolve o diálogo com todos os envolvidos no processo
educativo e da cidadania.
2 - A tarefa dos educadores é desenvolver, ao máximo, aptidões,
capacidades e habilidades no educando [...]. Fica evidenciado o papel do
professor como mediador de novos conhecimentos, através daquilo que o
48Projeto Político-pedagógico da Escola Heurisgleides Ferreira
162
estudante já sabe ou é capaz de saber com o auxílio de outros. Com esta
reflexão, percebemos que o processo de aprendizagem na educação
escolar é colaborativo, resultando da ação conjunta entre educadores e
estudantes.49
Quanto ao papel do professor, percebemos que as duas escolas descrevem o professor
como um agente articulador (Escola Heurisgleides Ferreira) ou mediador (Escola Renailda
Sousa). Por outro lado, em ambos os casos, o professor deve direcionar as suas práticas para
que os alunos “aprendam a aprender” e partir daquilo que o aluno já conhece para lhe
apresentar novos conhecimentos.
A Escola Renailda Sousa defende que os estudantes sejam envolvidos no processo de
ensino-aprendizagem [...] seja de forma direta ou indireta, seja como objetivo de responder às
necessidades e interesses destes”. Por outro lado, demonstra que o estudante é o foco do seu
processo de ensino-aprendizagem. Isso é visto pela escola como uma “aprendizagem
significativa”, a qual seria responsável pelo conhecimento por parte do aluno de sua própria
identidade.
d – Currículo
Quadro 4 – Representação de Currículo
Escola Representação
Heurisgleides
Ferreira
Entendemos que um currículo participativo religa as atividades de tal
forma que todos os atores envolvidos no processo trabalhem
relacionando os tópicos constantes de seu projeto pedagógico
contextualizado com a sua realidade e a realidade do aluno, vendo-o
como sujeito do processo educacional, estabelecendo relações
desafiadoras e significativas com o mundo a ser descoberto.50
Renailda
Sousa
1 - O currículo do Colégio é composto de uma Base Nacional Comum e de
uma parte diversificada e é organizado em atendimento ao que sugere a lei
L.D.B., tendo em vista a educação com o mundo do trabalho e a prática
social, bem como a preparação do aluno para o exercício da cidadania e
49Projeto político pedagógico da Escola Renailda Sousa 50Projeto Político-pedagógico da Escola Heurisgleides Ferreira
163
para o mercado de trabalho.
2 - No currículo por competência o foco é aprender a aprender. [...] Desta
forma, se tem uma relação entra a teoria e a prática, onde é possível
fundamentar críticas e argumentações e ainda lidar com o sentimento que
a aprendizagem desperta.51
As duas escolas participantes desta pesquisa apresentam em seus currículos uma
relação entre educação e cidadania. Essa relação é mencionada nos PPP como essencial para a
formação escolar. No primeiro caso, a escola Heurisgleides Ferreira reafirma que o foco do
seu processo de ensino-aprendizagem é o aluno e que, portanto, o contexto em que está
inserido será crucial para o desenvolvimento das práticas escolares. Por outro lado, afirma que
o contexto escolar também será levado em conta. A escola Renailda Sousa justifica a
construção do seu currículo, a partir da LDB 9394/96. Também registra que visa a relação
entre educação e o mundo do trabalho, de modo a garantir a preparação do aluno para o
“exercício da cidadania e para o mercado de trabalho”.
Após as descrições acima, confirmamos que os documentos em análise não
apresentam nenhuma indicação sobre como o professor deverá trabalhar os conteúdos de suas
disciplinas, sobretudo, Língua Portuguesa e Literatura. Porém, nos ajuda a construir um
corpus a partir da representação do que os referidos documentos definem como educação e
cidadania, prática educativa/pedagógica, processo de ensino-aprendizagem e papel do
professor e currículo.
6.3. Os Planos curriculares de disciplinas
Os planos curriculares de Língua Portuguesa e Literatura brasileira foram cedidos à
nossa pesquisa de formas diferentes nas duas instituições. Enquanto na Escola Heurisgleides
Ferreira foram as docentes que nos entregaram seus planos, na escola Renailda Sousa isso
ficou a cargo da coordenação da escola. São dois planos de cada unidade escolar: dois
referentes à 2ª série e dois referentes à 3ª série do ensino médio. Destes, dois apresentam o
mesmo formato e os outros diferem dos demais. Três apresentam logomarca de jornadas
pedagógicas, sendo um do ano de 2013, um de 2014 e outro de 2015. O quarto não apresenta
logomarca e nem timbre da Secretaria de Educação do Estado. São integrantes de dois planos
51Projeto político pedagógico da Escola Renailda Sousa
164
os itens Competências, Habilidades/Aspectos cognitivos e Sócio-formativos,
Conhecimentos/conteúdos, Transversalidade/temas geradores, Metodologia e Processo
avaliativo. O terceiro apresenta Competências e Habilidades, Conhecimento/conteúdo,
Transversalidade/diálogos possíveis, Metodologia e Processo avaliativo. O quarto plano
apresenta apenas Competências, Habilidades e Conteúdos.
Ao estudarmos os planos, percebemos que eles nos respondem às nossas duas
categorias de análise: “representação” e “apropriação”, pois constam nos itens exibidos acima
a distribuição das unidades e dos conteúdos e suas relações com outros conhecimentos
complementares, segundo a visão das escolas. Em seguida, as indicações de como esses
conteúdos serão trabalhados durante as aulas, o que se espera dos alunos (competências e
habilidades) a partir da apropriação dos assuntos via leitura de livros ou de atividades
propostas e das aulas expositivas. Também percebemos que há, em três planos curriculares, o
estabelecimento de relações entre a matéria da aula e os temas transversais, isto é, aqueles que
os docentes julgam como complementares ao estudo de um determinado assunto.
Na busca de elementos que respondam ao nosso objetivo específico de “Identificar e
analisar, a partir dos planos de aula, o conceito de literatura adotado pelas escolas
selecionadas para a pesquisa”, percebemos que o livro didático de Língua Portuguesa e
Literatura é o principal articulador do conceito empreendido pelas docentes, a julgar pela
seleção dos conteúdos programáticos. Isso foi possível através da realização de outro objetivo
específico relacionado ao Plano curricular de disciplinas: “Analisar os conteúdos
programáticos de literatura contidos nos planos curriculares de Língua Portuguesa e Literatura
das escolas selecionadas para a pesquisa”. Ao analisarmos os referidos planos curriculares,
deparamo-nos com uma série de informações a partir das quais foi possível empreender um
perfil de cada um dos docentes participantes da nossa pesquisa.
Começamos pelos planos da escola Heurisgleides Ferreira. O plano da segunda e da
terceira série do ensino médio são assinados, respectivamente, pelas professoras Cleusa
Regina e a Maria Cecília. Do plano da professora Cleusa Regina, observamos que, embora a
disciplina tenha o nome de “Língua Portuguesa e Literatura brasileira”, constam apenas
conteúdos referentes à literatura. Como só observamos as aulas de literatura, não podemos
confirmar se a docente segue aquele plano ou o utiliza apenas como um guia passível de
alterações ao longo do curso, ainda que tenha sido aprovado pela coordenação escolar
contemplando apenas a área destacada. Desse plano, extraímos como unidades temáticas os
itens: Habilidades Aspectos cognitivos/Sócio-formativo, Conhecimento/Conteúdos,
165
Metodologia, Transversalidades/Diálogos possíveis/Tema gerador. O plano da professora
Maria Cecília apresenta apenas as unidades temáticas Competências, Conteúdos e
Habilidades. Neste plano, embora constem conteúdos da Gramática da Língua Portuguesa,
extraímos apenas os que se referem à Literatura, por estarem contemplados no nosso objeto de
estudo.
Quadro 5 – Plano de curso da professora Cleusa Regina
Unidades temáticas Dados encontrados
Habilidades/
Aspectos cognitivos/
Sócio-formativos
Revelar interesse no assunto e interagir com os colegas
Analisar trechos de romances
Elaboração oral das produções textuais
Leitura comentada
Conhecimento/
Conteúdo
Romantismo: poesia
Romantismo: Prosa
Realismo/Naturalismo
Simbolismo/Parnasianismo
Metodologia Aula expositiva
Livros didáticos
Leitura de romances
Sarau poético
Transversalidades/Diálogos
possíveis/Tema gerador
Direitos Humanos
Educação ambiental
Educação especial
Educação das relações ético-raciais (sic)
A unidade Habilidades Aspectos cognitivos/Aspectos sócio-formativos revela quais
habilidades são consideradas necessárias ao processo de ensino-aprendizagem pela professora
Cleusa Regina.
166
A unidade temática Conhecimento/conteúdo se refere aos conteúdos que devem ser
aprendidos pelos estudantes. A unidade temática Metodologia revela as práticas utilizadas
para viabilizar o aprendizado dos conteúdos propostos. A unidade Transversalidade/
Diálogos possíveis/tema gerador relaciona os dados encontrados às unidades anteriores a
partir de temas transversais.
Pelo exposto, verificamos que o plano da professora Cleusa Regina segue a
organização sequencial do livro didático da segunda série do ensino médio, em relação ao
conteúdo de literatura (Romantismo (poesia e prosa), Realismo, Naturalismo,
Simbolismo). Também evidencia que estes conteúdos são trabalhados a partir do já
mencionado livro didático, de aulas expositivas, leitura de romances e saraus. Esses
conteúdos deverão se relacionar com os temas transversais indicados no planejamento:
Direitos Humanos, Educação ambiental, Educação especial, Educação das relações ético-
raciais (sic). Constroem-se, desse modo, representações de ensino de literatura, através dos
conteúdos e de como são trabalhados, cujo processo de ensino-aprendizagem indica formas de
apropriação através das habilidades que busca desenvolver nos estudantes: Revelar interesse
no assunto e interagir com os colegas, Analisar trechos de romances, Elaboração oral
das produções textuais, Leitura comentada.
Quadro 6 – Plano de curso da professora Maria Cecília
Unidades temáticas Dados encontrados
Competências - Investigação e Compreensão: Recuperar, pelo estudo do texto
literário, as formas instituídas de construção do imaginário
coletivo, o patrimônio representativo da cultura e as
classificações preservadas e divulgadas, no eixo temporal e
espacial.
Unidade Conteúdos Habilidades
I - Revisão geral de: Literatura
Informação, Classicismo, Barroco,
Arcadismo ou Neoclassicismo,
Romantismo, Realismo-Naturalismo,
Parnasianismo e Simbolismo;
- Ler e interpretar textos literários e
não-literários escritos na língua
materna;
- Reconhecer os códigos da linguagem
artística e suas relações com o
167
Textos: Literários do próprio livro
didático e da atualidade.
contexto histórico;
II - Pré-Modernismo no Brasil
(Euclides da Cunha, Monteiro
Lobato, Augusto dos Anjos, Lima
Barreto);
- As Vanguardas Européias e o
Modernismo no Brasil (Manuel
Bandeira e Mário de Andrade);
- Semana de Arte Moderna (Tarsila
do Amaral, Oswald de Andrade);
Fragmentos de textos literários;
- Ser capaz de articular ideias e
ordenar o pensamento, para
convencer os outros de determinado
argumento;
- Identificar pontos de vista diferentes,
reconhecendo os pressupostos de
cada interpretação;
- Produzir uma linha de argumentação
com base na coleta de informações;
Atuar, de maneira criativa, na melhoria
do mundo em que vivemos.
III - A primeira geração modernista
brasileira;
- O Modernismo em Portugal e a
poesia de Fernando Pessoa;
- A segunda geração modernista
brasileira – poesia;
A segunda geração modernista
brasileira – prosa
- Ler, interpretar textos literários e
não-literários;
- Participar de seminários;
- Ler, interpretar textos da atualidade;
- Organizar trabalhos com os temas
dos autores da referida época
literária;
Desenvolver a capacidade crítica, etc.
IV - A terceira geração modernista
brasileira;
- Tendências contemporâneas da
literatura portuguesa;
Tendências contemporâneas da
literatura brasileira.
- Leitura e Interpretação de Textos
Literários e não-literários;
- Oficina de Leitura:
- Trabalhos direcionados ao ENEM;
Participação de seminários, projetos,
etc.
A unidade Competências foi extraída, na íntegra, dos Parâmetros Curriculares
Nacionais para o ensino médio. Em relação à nossa pesquisa, percebemos que a referida
168
unidade propõe conexões entre os objetos de estudo da disciplina (a linguagem, o texto
literário, a Língua Portuguesa) e os discursos de autoridade consagrados por uma narrativa
oficial referentes aos temas trabalhados na escola.
A unidade temática Conteúdo está dividida de acordo às quatro unidades
programáticas empenhadas pela Escola Heurisgleides Ferreira. Em todas elas prevalece a
sequência historiográfica da literatura sugerida pelo livro didático da terceira série do ensino
médio adotado pela escola. Além disso, na primeira unidade programática, a professora
propõe, em seu plano, uma revisão do conteúdo de literatura que vai da Literatura de
informação ao Simbolismo. Nas unidades programáticas seguintes, temos a sequência das
“escolas literárias” brasileiras e também referências ao Modernismo português e às
Tendências contemporâneas da literatura portuguesa, assim como disposto no livro
didático da terceira série do ensino médio adotado pela instituição. Observamos também que,
na primeira unidade temática, a professora propõe o uso de textos literários do próprio livro
didático e da atualidade.
A unidade Habilidade apresenta uma série de tipos, sendo algumas extraídas das
orientações dos Parâmetros Curriculares Nacionais para a reforma do ensino médio52. Ao
relacionarmos os conteúdos às habilidades propostas pela docente, percebemos que, na
unidades programáticas, espera-se que o estudante, a partir dos assuntos propostos,
desenvolva, dentre várias, as habilidades de Ler e interpretar textos literários e não-
literários escritos na língua materna, Reconhecer os códigos da linguagem artística e
suas relações com o contexto histórico, Identificar pontos de vista diferentes,
reconhecendo os pressupostos de cada interpretação, Participar de seminários,
Organizar trabalhos com os temas dos autores da referida época literária, Desenvolver a
capacidade crítica, Oficina de leitura e Trabalhos direcionados ao ENEM .
Conforme a disposição do plano, observamos que o documento em análise foca no
trabalho com os conteúdos referentes à terceira série do ensino médio, a partir da periodização
da literatura brasileira e também da portuguesa. A forma como a professora Maria Cecília
trabalha os conteúdos (da Literatura de informação às tendências da literatura brasileira e
portuguesa), seria responsável por dotar os estudantes de competências as quais
possibilitariam posturas críticas por parte deles no tratamento com o domínio da linguagem,
52Disponível em: <http://revistaescola.abril.com.br/politicas-publicas/modalidades/especial-ensino-medio-
425400.shtml>. Acesso em 17/05/2016.
169
sob suas várias formas de expressão, bem como, a partir do texto literário, a apropriar-se de
“formas instituídas do imaginário coletivo” do “patrimônio representativo da cultura” e das
“classificações preservadas e divulgadas, no eixo temporal e espacial”. Também a forma
como seriam trabalhados os conteúdos visa desenvolver uma série de habilidades, conforme
destacamos acima.
Na Escola Renailda Sousa, os planos curriculares não são individuais, pois são
assinados por mais de uma docente. Assim, inferimos que, para cada série, há um plano
construído coletivamente por professores que lecionam naquelas turmas. No plano da segunda
série, constam os nomes de três professoras, embora nenhuma delas seja a professora
participante desta pesquisa, o que confirma nossa suposição. No plano da terceira série,
constam os nomes de duas docentes, sendo uma delas, participante da nossa investigação.
Do plano curricular da segunda série, referente à professora Hilda, extraímos como
unidades temáticas os itens: Competências e Habilidades, Conhecimento/ Conteúdos,
Metodologia, Transversalidades/Diálogos possíveis. Do plano curricular da terceira série,
referente à professora Betina, destacamos como unidades temáticas Competências,
Habilidades e Aspectos cognitivos e Sócio-Formativos, Conhecimento/ Conteúdo,
Metodologia, Transversalidades/temas geradores. Os dois planos apresentam conteúdos
tanto da Gramática da Língua Portuguesa quanto da Literatura. Por não estarem contemplados
em nosso objeto de estudo, os conteúdos referentes à Gramática não foram extraídos para
análise e interpretação.
Quadro 7 – Plano de curso da professora Hilda
Unidades
temáticas
Dados encontrados
Competências e
Habilidades
- Compreender, analisar textos informativos e literários
- Ler, interpretar e analisar diversos textos e estabelecer relações
entre o Romantismo e o Realismo/Naturalismo
- Situar o Parnasianismo e entender suas influências
- Situar essas fases literárias e entender suas influências
Conhecimento/ - Texto literário e não literário; Revisão de Arcadismo;
170
Conteúdo Romantismo
- Prosa de Ficção; Realismo; Naturalismo
- Parnasianismo
- Simbolismo
Metodologia - As aulas serão ministradas através de exposições do professor
sobre os temas e de debates sobre o conteúdo de textos
selecionados, análises de poemas, exercícios e leitura de textos
do livro didático e de outros materiais que se mostrarem
convenientes combinados nos primeiros dias de aula.
- A segunda unidade comportará pesquisa bibliográfica;
seminário, exposições do professor sobre os temas e de debates
sobre o conteúdo de textos selecionados, análises de poemas,
exercícios e leitura de textos do livro didático e de outros
materiais que se mostrarem convenientes combinados nos
primeiros dias de aula.
Transversalidades/
Diálogos possíveis
- O papel da mulher na sociedade
A unidade temática Competências e Habilidades nos leva a inferir que houve, por
parte da docente, uma preocupação em relacionar os conteúdos programáticos, para serem
trabalhados em suas aulas, às competências e habilidades a serem desenvolvidas pelos alunos
para se apropriarem do que lhes seria apresentado. Ao analisarmos os dados Ler, interpretar
e analisar diversos textos e estabelecer relações entre o Romantismo e o
Realismo/Naturalismo, Situar o Parnasianismo e entender suas influências, Situar essas
fases literárias e entender suas influências constantes na unidade temática em estudo,
percebemos que, os conteúdos serão extraídos dos períodos literários Romantismo,
Realismo, Naturalismo e Parnasianismo, Em relação ao dado – Compreender, analisar
textos informativos e literários, entendemos que o aluno possa apresentar competência para
compreender e analisar o que lê, sem necessariamente associar o texto aos períodos literários
mencionados nos outros dados.
171
A unidade Conhecimento/conteúdo revela que os conteúdos programáticos foram
construídos à luz do livro didático da segunda série do ensino médio. Portanto, como já
observamos na unidade temática anterior, trata-se de um processo de ensino-aprendizagem de
literatura inspirado no livro didático, de acordo ao planejamento docente.
A unidade temática Metodologia indica como os conteúdos serão trabalhados. Em
princípio, o documento expõe de que modo serão veiculados os conteúdos programáticos:
aulas expositivas, debates, análises de poemas, exercícios e leitura de textos. Também indica
que serão utilizados outros suportes além do livro didático (outros materiais que se
mostrarem convenientes combinados). A partir da segunda unidade programática, além dos
procedimentos metodológicos já mencionados, são inseridos, também, pesquisa bibliográfica
e seminários para trabalhar os conteúdos.
A unidade Transversalidades/diálogos possíveis relaciona os temas que poderão
dialogar com os conteúdos selecionados no plano. O tema transversal escolhido é O papel da
mulher na sociedade.
Verificamos que o plano da professora Hilda segue a organização sequencial do livro
didático da segunda série do ensino médio adotado por sua escola, em relação ao conteúdo de
literatura (Romantismo, Realismo, Naturalismo, Parnasianismo e Simbolismo). Estes
conteúdos são trabalhados em seu processo de ensino-aprendizagem mediante a exposição da
docente e de debates promovidos em classe sobre o conteúdo dos textos, além do próprio livro
didático. Esses conteúdos deverão se relacionar com o tema transversal indicado no
planejamento: O papel da mulher na sociedade.
Quadro 8 – Plano de curso da professora Betina
Unidades
temáticas
Dados encontrados
Competências
- Utilizar linguagens nos três níveis de competência: interativa,
gramatical e textual
- Ler, interpretar e analisar textos dos diferentes estilos
- Analisar as linguagens como fontes de legitimação de acordos
sociais
- Conhecer os principais traços dos estilos de época estudados
172
- Identificar a motivação social dos produtos culturais na sua
perspectiva sincrônica e diacrônica
- Contextualizar e comparar o patrimônio cultural respeitando as
visões de mundo nele implícitas
Habilidades/
Aspectos
cognitivos e
Sócio-Formativos
- Colocar-se como protagonista na produção e recepção de textos
- Emitir juízo sobre as manifestações culturais estudadas
- Aplicar o conhecimento apreendido em situações relevantes
- Associar conteúdos literários a fatos atuais
- Entender, analisar criticamente contextualizando a natureza, o uso
e o impacto das tecnologias de informação na busca do
conhecimento
- Usufruir do patrimônio cultural nacional e internacional
Conhecimento/
Conteúdo
- Revisão do Quinhentismo ao Simbolismo
- Pré-modernismo: Vanguardas europeias
- Modernismo: 1ª fase no Brasil e em Portugal
- 2ª fase: poema
- A prosa regionalista de 30
- 3ª fase do modernismo no Brasil
- Tendências contemporâneas e literatura africana
- Poesia concreta
- Aprofundamento da literatura contemporânea
Metodologia - Leitura crítica de textos de época, levando o aluno a observar a
visão de mundo do escritor.
- Exposição de trabalhos dos alunos
- Leitura e análise de textos, levando o aluno a postura de
observador
- Atividade programada
173
- Estudo dirigido
- Aula expositiva
- Painel ilustrativo de aspectos linguísticos e literários
Transversalidades
/Temas geradores
- Ética: respeito mútuo, justiça, diálogo e solidariedade;
- Preservação do meio ambiente;
- Respeito às diversidades;
- Identidade cultural.
A unidade temática Competências é inspirada nos PCN de Língua Portuguesa para o
ensino médio. A primeira competência e a primeira habilidade constam nos parâmetros como
Competências e Habilidades, mas não da forma como apresentadas no documento escolar.
Em relação à análise e interpretação das competências apresentadas, inferimos que a
docente segue as orientações dos PCN e propõe um ensino cuja ênfase seja a contextualização
de linguagens (interativa, gramatical e textual), leitura, interpretação e análise de textos.
Também propõe que o aluno aprenda a relacionar as linguagens aos acordos sociais, conhecer
os estilos de época, identificar a motivação social dos produtos culturais e contextualizar e
comparar o patrimônio cultural.
A primeira competência – Utilizar linguagens nos três níveis de competência:
interativa, gramatical e textual – tem em vista um estudante fluente no uso das formas da
linguagem apresentadas no decorrer do processo de ensino-aprendizagem. A segunda, Ler,
interpretar e analisar textos dos diferentes estilos, amplia a primeira, pressupondo um
sujeito letrado no seu idioma e capacitado a lidar com a diversidade textual ofertada pela
Língua Portuguesa. A terceira, Analisar as linguagens como fontes de legitimação de
acordos sociais, implica o reconhecimento, pelo estudante, dos contratos sociais responsáveis
pela legitimidade do idioma, ou seja, que se aproprie de informações referentes às diversas
manifestações da linguagem e de como os acordos sociais promovem a legitimidade de uma
determinada forma linguística. A quarta, Conhecer os principais traços dos estilos de época
estudados, centra-se no estudo de características de estilos de época ou escolas literárias. Na
quinta, Identificar a motivação social dos produtos culturais na sua perspectiva
sincrônica e diacrônica, e na sexta – Contextualizar e comparar o patrimônio cultural
respeitando as visões de mundo nele implícitas, percebemos uma preocupação com as
174
questões culturais (como patrimônio cultural e diversidade social e cultural), que podem ser
trabalhadas a partir dos conteúdos da disciplina através das aulas e dos textos discutidos.
A unidade temática Habilidades/Aspectos cognitivos e Sócio-Formativos revela um
conjunto de habilidades que a professora Betina espera que os seus estudantes desenvolvam.
A primeira habilidade, Colocar-se como protagonista na produção e recepção de textos, é
extraída dos PCN de Língua Portuguesa buscar desenvolver um estudante capaz de
protagonizar o seu processo de ensino-aprendizagem. A segunda, Emitir juízo sobre as
manifestações culturais estudadas, também posiciona o aluno como protagonista ao indicá-
lo como sujeito crítico de temáticas referentes às manifestações culturais. A terceira
habilidade, Aplicar o conhecimento apreendido em situações relevantes, indica que o
estudante deve se tornar hábil a utilizar o que aprendeu em situações propostas pela professora
regente ou por aquilo que a escola julgar relevante. A quarta habilidade, Associar conteúdos
literários a fatos atuais, tanto pode se referir a um sujeito capaz de entender a literatura como
produto social e, como tal, identificar no texto literário elementos que justifiquem tal
associação, ou pode acabar formando um sujeito que, ao menor sinal de identificação do texto
com a realidade, extrapole os limites e os protocolos ficcionais, conforme denominação de
Umberto Eco (2004), e encontre explicação para os fenômenos literários apenas na realidade
em que vive, ao invés de buscá-la, também, no próprio texto.
A quinta habilidade – Entender, analisar criticamente contextualizando a
natureza, o uso e o impacto das tecnologias de informação na busca do conhecimento –
pretende um aluno capaz de utilizar as tecnologias da informação para se apropriar do
conhecimento proposto no processo de ensino-aprendizagem. Significa que, de acordo ao
plano curricular, haverá momentos durante o ano letivo em que se fará uma reflexão a respeito
da temática acima mencionada de modo a preparar o aluno para empregar criticamente as
tecnologias da informação em sua formação escolar. A sexta habilidade, Usufruir do
patrimônio cultural nacional e internacional, não estabelece relação com as propostas
apresentadas pelo plano. Sendo assim, não fica claro de que modo o aluno poderá desenvolver
tal habilidade.
A unidade temática Conteúdos apresenta, assim como os planos analisados
anteriormente, a sequência historiográfica da literatura conforme disposição no livro didático
da terceira série do ensino médio, mas não contempla todos os conteúdos do LD, além de
incluir revisão de estudos das primeira e segunda séries do ensino médio. Os conteúdos
programáticos são, na ordem de apresentação: Revisão do Quinhentismo ao Simbolismo
175
(referente à primeira unidade programática); Pré-modernismo: Vanguardas europeias;
Modernismo: 1ª fase no Brasil e em Portugal; 2ª fase: poema (referente à segunda unidade
programática); A prosa regionalista de 30; 3ª fase do modernismo no Brasil; Tendências
contemporâneas e literatura africana (referente à terceira unidade programática); Poesia
concreta, Aprofundamento da literatura contemporânea (referente à quarta unidade
programática).
A unidade temática Metodologia indica como os conteúdos serão viabilizados. De
acordo ao plano, o processo de ensino-aprendizagem será viabilizado a partir dos seguintes
métodos: Leitura crítica de textos de época, levando o aluno a observar a visão de mundo
do escritor; Leitura e análise de textos, levando o aluno à postura de observador;
Atividade programada; Estudo dirigido; Aula expositiva e Painel ilustrativo de aspectos
linguísticos e literários.
A unidade temática Transversalidades/Temas geradores apresenta os seguintes
temas: Ética: respeito mútuo, justiça, diálogo e solidariedade; Preservação do meio
ambiente; Respeito às diversidades e Identidade cultural. Os temas geradores propostos no
plano em estudo estão contemplados nos documentos oficiais e indicam que os conteúdos
trabalhados devem se relacionar com os referidos temas a fim de que os estudantes se formem
cidadãos identificados com esses valores.
6.4. A Observação simples
O instrumento de coleta de dados acima descrito responde, inicialmente, à categoria de
análise “apropriação”, pois se refere ao processo em que o pesquisador realizou as
observações de aulas das professoras participantes desta pesquisa. Esse processo teve como
finalidade entender como seria realizada a prática de cada uma das docentes no tocante ao
ensino da literatura, e a consequente apropriação, por parte dos alunos, dos conteúdos
trabalhados. Foi também a partir desse instrumento que pudemos atender ao nosso objetivo
específico de “analisar o processo de ensino-aprendizagem de Literatura a partir dos registros
realizados durante as observações das aulas”.
Por outro lado, as observações também nos remetem à categoria “representação”, pois,
ao catalogarmos todas as informações decorrentes das aulas observadas, entendemos que ali
havia, mais de um modelo de educação literária. Destacamos dois momentos distintos para
ilustrar nossa observação: o primeiro consiste na ação de duas professoras quando
provocavam os seus alunos a associarem o texto ao contexto e também solicitavam reflexões
176
quanto às práticas sociais, a partir do objeto artístico. O outro se reporta à sequência
historiográfica e as explicações de fenômenos literários a partir dos estilos de época ou
escolas literárias, mediante o uso do livro didático. Assim, foi possível perceber uma
representação do ensino de literatura praticado naquelas instituições e responder ao nosso
objetivo específico de “identificar e analisar, a partir das observações das aulas, o conceito de
literatura delineado na prática pedagógica das professoras participantes da pesquisa”.
As observações das aulas aconteceram no ano de 2014, na Escola Heurisgleides
Ferreira, e nos anos de 2014 e 2015 na Escola Renailda Sousa. Conforme mencionado, da
primeira escola, registramos as aulas da professora Cleusa Regina (responsável pela turma da
2ª série do ensino médio) e da professora Maria Cecília (responsável pela turma da 3ª série do
ensino médio). Na segunda escola, observamos as aulas da professora Hilda (docente da turma
da 2ª série do ensino médio), em 2014. As aulas da professora Betina (responsável pela turma
da 3ª série do ensino médio) foram observadas em 2015. De cada docente, foram observadas
seis aulas, conforme descrito na metodologia desta pesquisa.
6.4.1. Observando as aulas
O período em que realizamos as observações das aulas permitiu-nos traçar um perfil
das turmas participantes da nossa pesquisa. Em comum, as quatro turmas tiveram momentos
de interrupção das aulas pelas professoras, por causa do barulho provocado tanto pelos alunos
da sua própria classe quanto por pessoas externas àquele espaço. A professora Cleusa, por
exemplo, em algumas situações, seguia o seu planejamento sem se incomodar com os ruídos,
o que demonstrava já estar habituada àquela situação. As outras professoras repeliam o
barulho interno com reclamações inflamadas. A seguir, destacamos alguns registros
constantes no Relatório de observações, onde demonstramos casos em que os ruídos
aconteciam:
- Um trio de alunos conversava [...]. Outro grupo também conversava sobre assuntos
alheios à aula (Aula da professora Cleusa Regina);
- [...] os alunos provocavam muito barulho, conversando alto demais ou executando
outro tipo de atividade (Aula da professora Maria Cecília).
- [...] as conversas se proliferavam. A professora reprimia com broncas os alunos que
conversavam, mas não adiantava muito (Aula da professora Hilda).
- A professora reclamava do barulho e pedia silêncio para que a aula pudesse
acontecer (Aula da professora Betina).
177
Os telefones celulares eram outros provocadores de atritos entre os professores e os
alunos. Com exceção da professora Betina, em cujas aulas não observamos o uso dos
aparelhos pelos alunos, nos demais casos, era constante a sua utilização. A professora Maria
Cecília, durante uma aula, nos revelou que enfrentava graves problemas em suas turmas por
causa desse costume dos seus alunos. Cabe ressaltar que houve casos em que os estudantes
utilizavam o aparelho como suporte, ora para acessar a internet a fim de consultar algum
conteúdo desconhecido no momento da aula, ora para fotografar os cadernos de colegas que
haviam realizado as atividades, e também para fotografar a lousa onde constavam os assuntos
de uma prova, escritos pela professora. Por outro lado, na maioria das vezes, esse “suporte”
servia mesmo era para entreter quem o utilizava. A seguir, apresentamos os registros que
apontam os usos variados dos telefones celulares durante as aulas:
- [...] alunos usavam aparelho celular. Dentre eles, um aluno fazia fotos, uma aluna
conferia a maquiagem e outra ouvia mensagem de voz (Aula da professora Cleusa
Regina);
- [...] outros ouviam músicas e cantavam junto com a música executada, a partir de
um aparelho celular (Aula da professora Cleusa Regina);
- Outros dois alunos [...] passavam a dividir um fone de ouvidos conectados a um
aparelho celular (Aula da professora Cleusa Regina).
- Uma aluna ouvia músicas a partir de um aparelho celular com fones de ouvido [...]
(Aula da professora Maria Cecília);
- Uma aluna ouvia músicas no celular, sem fone de ouvido (Aula da professora Maria
Cecília);
- Alguns alunos acessavam a internet pelo celular para buscar o significado dos
vocábulos por eles desconhecidos; Outros (que não quiseram copiar nos seus próprios
cadernos) faziam fotos dos cadernos dos colegas, nas páginas onde se encontrava a
atividade passada pelo professor (Aula da professora Hilda);
- Outros alunos faziam selfie (Aula da professora Hilda);
- Um aluno tirou foto do quadro, alegando que não iria copiar aquilo. A professora
chamou a atenção desse aluno, alegando que ele deveria copiar no caderno, pois
poderia perder o aparelho e perderia, assim, o assunto da prova (Aula da professora
Hilda).
Já dissemos que não houve casos de uso do aparelho celular pelos alunos nas aulas da
professora Betina. No entanto, durante uma aula em que observávamos, acessamos o nosso
178
próprio aparelho por conta de uma situação que envolvia a realização de uma atividade e sua
posterior leitura, por uma aluna:
[...] uma aluna apresentou um poema (“Estrelas”) afirmando ser de autoria do
escritor Euclides da Cunha. A professora questionou a autoria do poema e pediu
cuidado com as pesquisas em sites mentirosos. Eu pedi à aluna o texto que ela
portava, li e, como não o conhecia, pedi licença à professora e acessei a internet do
meu celular para pesquisar a autoria daquele texto. Para nossa surpresa, a autoria do
texto era atribuída a Euclides da Cunha em sites considerados confiáveis como Jornal
da poesia. Comuniquei o fato à professora. Ela admitiu não conhecer o lado poeta do
autor e também não conhecia aquele poema. Seguiu concluindo a sua explicação a
partir de “Os sertões” do mesmo autor. Ao final, pediu que a aluna lesse a sua
atividade e em seguida, falasse sobre o poema lido. A aluna, após o episódio,
agradeceu-me pela interferência, assim como a professora53.
Também registramos, nas quatro turmas observadas, que era prática constante a
interrupção das aulas por pessoas que não faziam parte daquele espaço. Eram alunos de outras
turmas que chegavam para chamar algum amigo que ali se encontrava. Além disso, houve um
caso em que uma funcionária da secretaria de uma das escolas pediu licença para cobrar
documentos que alguns estudantes deviam à instituição. Um caso que merece destaque é o da
professora Cleusa, quando um grupo de alunos solicitou que ela adiantasse a aula em sua
turma, pois estavam com o horário vago. A professora retirou uma atividade (xerox de um
livro didático) da sua bolsa e entregou ao grupo de alunos. Aquela atividade seria a aula de
Língua Portuguesa e Literatura daquela turma, naquele dia.
- Os alunos de outra turma adentraram a sala e pediram que a professora passasse
uma atividade para a turma deles, pois estavam com aula vaga. A professora retirou
uma atividade da bolsa e entregou aos alunos, atendendo àquela solicitação (Aula da
professora Cleusa Regina).
- Uma funcionária da escola entrou na sala, nesse momento, e pediu para que os
alunos respondessem a uma chamada específica: os que deviam documentos à
instituição deveriam se manifestar e, em seguida, procurar a secretaria da escola para
apresentar a documentação devida (Aula da professora Maria Cecília).
53 Relatório de observação da Escola Renailda Sousa
179
- Um aluno da escola, mas não daquela turma, chegou à porta da sala e, sem pedir
permissão à professora, chamou outro aluno que se encontrava naquela turma. A
professora não permitiu que o seu aluno saísse e reclamou com o outro (Aula da
professora Hilda);
- Uma aluna de outra turma invadiu a sala e foi expulsa pela professora (Aula da
professora Hilda).
- Alguém chamou um aluno do lado de fora. A professora não permitiu a saída do seu
aluno e fechou a porta da sala (Aula da professora Betina).
A mudança no roteiro das aulas também foi registrada durante o processo de
observação. Em um dia agendado para duas observações na Escola Heurisgleides Ferreira, o
pesquisador passou metade da manhã naquele espaço e não conseguiu coletar os dados nas
turmas que seriam observadas. No primeiro caso, a professora Cleusa passou um filme para os
seus alunos, o que, segundo ela, impossibilitaria o trabalho de observação. Questionamos se o
filme teria alguma relação com o conteúdo disposto no seu planejamento e ela respondeu que
não, mas não revelou o título do filme e nem o objetivo daquela atividade. No segundo caso, a
professora adiantou as aulas e saiu sem que o pesquisador a tivesse encontrado:
Cheguei à escola por volta das 8h10min e fui à procura da professora Cleusa. Ao
encontrá-la, ela me disse que mudara o planejamento. Ao invés de aula de literatura
passaria um filme e, portanto, eu não poderia realizar a observação. Acrescentou que
achava que eu não precisava mais fazer nenhuma observação, pois eu já havia
sentindo como é que funcionava a sua aula. Falei-lhe da natureza etnográfica da
minha pesquisa e que, portanto, precisava realizar mais observações. Ela me pediu
desculpas e me disse que voltasse à escola semana seguinte. Esperei as aulas da outra
professora. Como não chegou ao local onde eu me encontrava no horário do intervalo
e já estava no horário da sua aula, procurei por ela. Uma secretária me informou que
ela adiantara as aulas e fora embora54.
Por fim, mais um fato que destacamos: durante uma das visitas para realizar
observação das aulas, o pesquisador e a professora Hilda chegaram à sala onde dar-se-ia a
referida observação. Porém, a realização da coleta de dados não foi possível naquele dia, pois
a aula não aconteceu:
54 Relatório de observação da Escola Heurisgleides Ferreira
180
A professora chegou comigo à sala de aula, cumprimentou os alunos e percebeu que
eles estavam reunidos em grupos formados por cinco ou seis pessoas. Perguntou o que
estava acontecendo e eles disseram estar realizando uma atividade de geografia. A
professora disse que não permitia aquilo, uma vez que não fora acertado nada
anteriormente com o docente daquela disciplina e pediu que eles guardassem o
material. Eles reclamaram e explicaram que só tinham aquele momento para finalizar
a atividade iniciada na aula anterior. A professora, então, concedeu um tempo não
determinado para a finalização do trabalho, apesar de protestar. A aula chegou ao
final e a professora não pode realizar o que havia proposto, apenas escreveu no
quadro o assunto que seria trabalhado naquele dia e passou uma atividade no livro
didático para casa. Tanto eu quanto a professora Hilda ficamos na sala durante o
período que seria da sua aula55.
Os relatos acima descritos não estão relacionados, diretamente, aos nossos objetivos de
pesquisa, mas são cruciais para entendermos como se constroem as práticas docentes e os
processos de apropriação por parte dos estudantes. Ao realizarmos as observações,
percebemos que eram constantes as interrupções. Pelas reações da professora Cleusa e da
professora Maria Cecília e também dos estudantes, percebemos que todos conviviam e
estavam habituados àquela situação. Por isso, tivemos, em alguns momentos, a aula expositiva
ou descritiva (com a professora escrevendo no quadro), os ruídos internos (conversas paralelas
e uso de aparelhos celulares) e o barulho externo (pessoas que interrompiam as aulas por
alguma razão) acontecendo ao mesmo tempo.
Esses fatores estão diretamente relacionados ao processo de ensino-aprendizagem
praticado pelas professoras observadas. Por essa razão, ampliaram a nossa percepção para
além do que buscávamos coletar. E também nos fizeram perceber que o processo de ensino-
aprendizagem empenhado pelas docentes, independentemente do valor agregado, recebia
“contribuições”, ainda que informalmente, tanto dos seus alunos quanto dos alunos de outras
turmas e de pessoas estranhas àquele contexto. Sendo assim, verificamos que todos os ruídos
destacados das observações estão contidos na prática pedagógica e, por isso, contribuíram
para uma ampla e reflexiva coleta de dados, uma vez que não descartamos os registros que
não respondessem, diretamente, aos nossos objetivos específicos. Ao final, concluímos que
55Relatório de observação da Escola Renailda Sousa
181
não só respondem, por vias indiretas, como amplificam as possibilidades de interpretação
daquelas realidades escolares.
A seguir, apresentamos três quadros identificados com as unidades temáticas criadas, a
partir do relatório de observações, para analisarmos e interpretarmos os dados deste
instrumento de coleta. Para auxiliar a identificação dos dados, nomeamos as referidas
unidades temáticas como: “Usos do livro didático”, “Processo de ensino-aprendizagem” e
“Visões da literatura”.
Quadro 9 – Usos do livro didático
Docentes Dados Encontrados
Cleusa
Regina
1 - A professora entregou aos alunos uma xerox de um livro didático, na qual
constava um fragmento do capítulo “Virgília?” (aulas 1 e 2, em 13/10/2014);
2 - A professora entregou uma atividade para os alunos, no formato de Xerox,
de um livro didático (aulas 3 e 4, em 25/11/2014);
3 - Em seguida, explicou o assunto em linhas gerais e passou uma atividade
contida em uma xerox de livro didático (aulas 5 e 6, em 9/12/2014).
Maria
Cecília
1 - Apenas um aluno estava com o livro em mãos. A professora pediu para
que alguns alunos fossem buscar os livros didáticos da secretaria da escola
(aulas 3 e 4, em 01/12/2014);
2 - A professora [...] perguntou se os alunos estavam com os seus livros
didáticos. Alguns responderam que não e ela pediu que estes se juntassem aos
que haviam levado o referido LD (aulas 5 e 6, em 08/12/2014);
3 - A professora pediu que os alunos abrissem o livro didático no capítulo que
cita o poeta Murilo Mendes e que um deles lesse o que se dizia sobre ele. Um
aluno atendeu à solicitação e efetuou a leitura. A professora, então,
comentou o texto, em seguida (aulas 5 e 6, em 08/12/2014);
4 - Outro aluno assumia a função de continuar a leitura. Após, outra aluna
passou a ler o texto poético “pré-história”, destacado no livro didático. A
professora comentou o texto e o relacionou ao contexto de produção. A aula
seguiu com alunos e alunas lendo as questões de interpretação de texto do
182
livro didático (aulas 5 e 6, em 08/12/2014);
5 - O assunto avançou para Cecília Meireles. Ao voltar-se para o texto do
livro didático, percebeu que o poema “Reinvenção” não se encontrava na
íntegra. Pediu que os alunos o procurassem na internet também (aulas 5 e 6,
em 08/12/2014).
Hilda 1 - A professora passou uma atividade no livro didático. Pediu também que
os alunos que estivessem com o livro didático naquele momento se sentassem
próximos a alguém que portasse o manual para que pudessem realizar a
atividade. Em seguida, organizou a turma de modo que todos os alunos
trabalhassem com o LD (aula nº 1, em 3/12/2014);
2 - A professora corrigiu a atividade da aula anterior, utilizando as respostas
fornecidas pelo livro do professor (aulas nº 2 e 3, em 5/12/2014);
3 - Em seguida, passou mais uma atividade constante do livro didático sobre
o Simbolismo no Brasil (aulas 2 e 3, em 5/12/2014);
4 - A professora deu início a uma estudo do poema “nell mezzo del camin” de
Olavo Bilac, constante no livro didático. A professora pediu que os alunos se
revezassem na leitura do texto (aulas 5 e 6, em 12/12/2014);
5 - Perguntou quantos alunos portavam o livro didático naquele momento.
Apenas três alunos disseram que estavam com os LD em mãos (aulas 5 e 6,
em 12/12/2014).
Betina 1 - Passou como atividade para casa uma atividade contida no livro didático
na página 16. A seguir, pediu que os alunos abrissem o livro na página em
que constava o assunto da aula (aula 1, em 10/06/2015);
2 - A professora fez um apanhado geral sobre os principais autores do início
do século XX, no Brasil. Avisou que as atividades do livro didático seriam
sempre às quartas-feiras (aula 2, em 11/06/2015);
3 - A professora explicou passo a passo o que seriam as vanguardas artísticas
europeias, a partir do livro didático [...]. Complementou com outras
informações e pediu que os alunos, após a explicação, lessem cada um dos
textos constantes no referido LD (aula 6, em 16/07/2015);
183
A professora Cleusa Regina utilizou os seguintes suportes para apoiar sua prática
docente: o livro didático Novas Palavras (FTD), folhas xerografadas de livro didáticos de
anos anteriores, lousa e aulas expositivas. Durante as observações, registramos que o livro
didático foi utilizado em todas as seis aulas observadas; quando não era o do PNLD vigente,
eram folhas xerografadas de outros livros didáticos oriundos de PNLD anteriores.
As aulas da professora Maria Cecília foram totalmente amparadas no livro didático de
Língua Portuguesa Novas Palavras (FTD), embora tenha anunciado nas duas últimas aulas
observadas que havia preparado um material (não especificou qual seria), e que não ficou
pronto a tempo de ser apresentado à turma naquela data. O livro didático, portanto, foi
utilizado em todas as seis aulas observadas.
Percebemos que o livro didático é tão essencial nas aulas da professora Maria Cecília,
que mesmo quando os alunos não os portavam (alegando que era muito pesado para carregá-
lo), ela remediava a situação, solicitando que os estudantes se dirigissem à secretaria da escola
para buscar alguns exemplares para que, assim, pudessem trabalhar. Em outro momento, ao
perceber que havia uma quantidade considerável de manuais didáticos na turma, pediu que os
alunos formassem grupos para que todos tivessem acesso ao referido LD. Percebendo que
uma aluna não portava o LD, a professora a repeliu. Ao ouvir da estudante que já estava
aprovada e, portanto, não precisava mais trazer o LD para escola, a professora lhe disse que
quanto mais pontos aquela aluna fizesse, mais chance teria de ser aprovada no ENEM.
As aulas da professora Hilda também foram apoiadas, exclusivamente, no livro
didático de Língua Portuguesa Novas Palavras (FTD). Nas seis aulas observadas, a prática
docente foi construída a partir dos fragmentos de textos literários lidos pelos discentes e
comentados pela referida professora; atividades de interpretação de textos também foram
extraídas do mesmo LD. Assim, o processo de ensino-aprendizagem, nesta turma, foi todo
construído a partir do livro didático. Registramos que as contribuições da professora, no
tocante aos esclarecimentos quando os alunos apresentavam dúvidas em relação ao conteúdo,
foram realizadas a partir de consultas ao manual do professor. A exceção se deu pela
explicação de sentido de alguns vocábulos desconhecidos pelos estudantes e uma atividade
sobre o poeta Cruz e Souza, em que ela solicitou que os alunos pesquisassem, além dos livros
didáticos, também, na internet. Mas não explicou como deveria ser realizada essa pesquisa,
apenas disse que se tratava de uma pesquisa sobre o poeta.
Por sua vez, a professora Betina, em suas aulas, utilizou os seguintes suportes: o livro
didático do ano de 2015 (Ser Protagonista, da Edições SM), folhas xerografadas contendo
184
recortes de outros livros didáticos, atividades sobre o conteúdo trabalhado, lousa e aulas
expositivas. Pela dinâmica empreendida, entendemos que as aulas dessa docente, embora siga
as orientações do livro didático no tocante à sequência temporal dos temas, não são apoiadas
exclusivamente no referido suporte. Percebemos que a exposição da professora se baseava, na
maioria dos casos, nas leituras prévias que possuía. Como consequência, também percebemos
uma considerável participação por parte dos alunos.
O lugar ocupado pelo livro didático nas aulas foi o de orientar a ordem dos assuntos
trabalhados pela professora Betina. Assim, cada temática explorada coincidia com a sequência
apresentada pelo LD. Também desse suporte foram extraídas imagens, conceitos e atividades.
No entanto, a prática docente não se resumiu à utilização dos recursos acima mencionados,
conforme registramos.
Quadro 10 – Processo de ensino-aprendizagem
Docentes Dados Encontrados
Cleusa
Regina
1 - Após escrever os enunciados da aula no quadro, a professora introduziu
a temática expondo as especificidades da escrita do poeta português.
Destacou a heteronímia e apresentou cada um dos heterônimos de Pessoa
(aulas 1 e 2, em 13/10/2014);
2 - Após uma atividade dirigida aos alunos, copiada no quadro, a professora
pediu que eles registrassem nos cadernos e, em seguida, deveriam responder
as questões propostas sobre literatura brasileira (aulas 1 e 2, em 13/10/2014);
3 - Os alunos, após copiarem as respostas do quadro, levavam os cadernos
até a professora e ela carimbava cada um dos cadernos (aulas 1 e 2, em
13/10/2014);
4 - [...] solicitei o livro fonte da xerox utilizada na aula. A professora me
respondeu que era de um livro didático, mas que, por usá-la há muito tempo,
não se lembrava mais de qual livro era (aulas 1 e 2, em 13/10/2014);
5 – A professora copiou no quadro as respostas da atividade passada em aula
anterior, baseada em um texto extraído da música “Eu sou negão”. Logo
após, escreveu o roteiro da aula daquele dia. Literatura: Simbolismo (aulas
3 e 4, em 25/11/2014);
185
6 - A professora seguiu escrevendo no quadro e, ao terminar, passou a
explicar o assunto abordado, a obra de Paul Verlaine. Destacou a relação
afetiva de Verlaine com Rimbaud. Alguns alunos riram, outros não
esboçaram reação mas deram mais atenção ao que era dito pela professora
(aulas 3 e 4, em 25/11/2014);
7 - Enquanto os alunos ainda respondiam a atividade, a professora já copiava
as respostas no quadro. Enquanto copiava, a professora ia explicando as
respostas que fornecia às questões da atividade executada (aulas 3 e 4, em
25/11/2014);
8 - Duas alunas conversavam enquanto os demais prestavam atenção ao que
era dito pela professora, inclusive participando com algumas tímidas
contribuições (aulas 5 e 6, em 09/12/2014);
9 - A professora [...] escreveu na lousa o título do assunto daquelas aulas:
Simbolismo. Alguns minutos após, passou à correção daquela atividade, o
texto “Canções” de Cecília Meirelles e discutiu as respostas oferecidas pela
turma. Comentou o significado das palavras apresentadas pelo texto (aulas 5
e 6, em 09/12/2014);
10 - Após a correção, a professora questionou os alunos sobre a participação
deles em uma feira que a escola estaria organizando. Em seguida, a
professora explicou novamente as características do movimento simbolista,
apresentando-lhes exemplos do movimento artístico em outros textos como a
música popular brasileira, por exemplo. Na sequência, nova atividade
extraída de livro didático. Dessa vez, a professora permitiu que os alunos
tivessem um tempo maior para responder à atividade proposta (aulas 5 e 6,
em 09/12/2014).
Maria
Cecília
1 - [...] os alunos deveriam ler e responder questões do livro didático Novas
Palavras (FTD), da página 185 à 189 [...] sobre um fragmento do romance
Grande sertão: veredas, de Guimarães Rosa (aulas 1 e 2, em 24/11/2014);
2 - A professora, a pedido de um grupo de alunos, explicou uma questão do
livro didático (aulas 1 e 2, em 24/11/2014);
3 – A professora [...] cumprimentou a turma e deu prosseguimento ao assunto
186
abordado na aula anterior, copiando-o no quadro: “Modernismo – 3ª
geração” (aulas 3 e 4, em 01/12/2014);
4 – Os alunos reclamavam que a atividade do dia tinha “muita coisa”, mas
não se negaram a executá-la. Uma aluna disse que não havia trazido o livro
porque era muito pesado para carregar (aulas 3 e 4, em 01/12/2014);
5 - A professora reclamou com uma aluna que não estava com o livro
didático. A menina retrucou que já estava aprovada, por isso não estava mais
trazendo o livro para a escola. A professora lhe disse que seu pensamento era
um equívoco, pois ela precisaria de uma nota para ser aprovada no vestibular
que utiliza o ENEM e, quanto maior a média geral, maior a chance de ser
aprovada (aulas 3 e 4, em 01/12/2014);
6 –A professora justificou que alterara o planejamento da aula pois havia
solicitado xerox de um material que não ficou pronto porque não havia papel
na escola (aulas 5 e 6, em 08/12/2014);
7 - Voltando à aula, a professora citou os poetas cujas poesias seriam lidas.
Eis os poetas: Carlos Drummond de Andrade, Murilo Mendes, Cecília
Meireles, Vinicius de Moraes e Jorge de Lima. Informou que fariam uma
reflexão sobre a temática, a linguagem o estilo e o engajamento ou não dos
referidos poetas (aulas 5 e 6, em 08/12/2014);
8 - A professora, após as leituras efetuadas a partir do livro didático,
continuava a comentá-las. Ao final, perguntou aos alunos o que eles
entendiam sobre a temática do poema lido anteriormente. Houve um silêncio
e, em seguida, uma aluna respondeu. A professora comentou a resposta e logo
depois passou a outra questão, solicitando uma passagem do texto em que se
comprovasse a temática. Como não houve resposta, a professora assumiu o
discurso e respondeu à turma (aulas 5 e 6, em 08/12/2014);
9 - À medida que as leituras avançavam, os alunos iam apresentando dúvidas
em relação ao vocabulário do texto. A professora respondia a todas as
questões, contextualizando cada conceito em relação aos poemas
apresentados (aulas 5 e 6, em 08/12/2014);
10 - Em seguida, a professora comentou cada um dos poemas, destacando o
187
que ela considerava elementos-chave para o entendimento da obra poética de
Cecília. Na sequência, reforçou as atividades para casa. Uma aluna
questionou se precisava trazer o poema para a escola. A professora
respondeu que somente deveriam lê-lo para comentarem na aula seguinte
(aulas 5 e 6, em 08/12/2014);
Hilda 1 – A professora escreveu o assunto no quadro (Parnasianismo brasileiro).
Pediu também que os alunos que estivessem com o livro didático naquele
momento sentassem próximos a alguém que não portasse o manual para que
pudessem realizar a atividade (aula 1, em 3/12/2014);
2 - A professora se deslocava na sala, adequando os alunos de acordo à
quantidade de LD na turma. [...] passava de grupo em grupo auxiliando os
alunos na execução daquela atividade (aula 1, em 3/12/2014);
3 – Mesmo conversando muito, era possível perceber que alguns alunos se
dedicavam à feitura da atividade proposta. Em determinado momento,
apresentavam dúvidas em relação ao vocabulário do texto. A professora lhes
pediu que lessem o fragmento do texto que antecedia as questões do LD para
que compreendessem o sentido das palavras pelo contexto. Alguns alunos
acessavam a internet pelo celular para buscar o significado dos vocábulos
por eles desconhecidos (aula 1, em 3/12/2014);
4 – A professora copiou o assunto da aula no quadro: Simbolismo brasileiro.
Em seguida efetuou a correção da atividade passada na aula anterior. A
correção durou praticamente toda a primeira aula, pois os alunos
conversavam bastante e a professora parou a correção durante vários
momentos para reclamar com a turma (aulas 2 e 3, em 5/12/2014);
5 - A professora pediu que os alunos lessem as questões da aula anterior
sobre o parnasianismo no Brasil. Uma aluna pediu para ler e depois
respondeu à questão por ela lida. Outra aluna pediu para ser a próxima. E
assim, a cada nova questão, novo(a) aluno(a) faria o que a professora havia
solicitado. A professora fez comentários, a partir das respostas dos alunos,
embasados pelo livro didático do professor (aulas 2 e 3, em 5/12/2014);
6 – A professora copiou o assunto da aula (Olavo Bilac – Parnasianismo
brasileiro) no quadro. Em seguida, pediu que os alunos se revezassem na
188
leitura do poema “nell mezzo del camin” de Olavo Bilac. Após, comentou a
leitura destacando a influência do movimento parnasiano no Brasil (aulas 5 e
6, em 12/12/2014);
7 - Voltando-se à atividade, a professora propôs debater as possíveis
respostas dos discentes. Alguns apresentavam dúvidas em relação ao
vocabulário de alguns termos. A professora respondeu e contextualizou as
palavras no texto lido. Em seguida, reiterou uma explicação sobre os aspectos
formais do poema (aulas 5 e 6, em 12/12/2014).
Betina 1 - A professora pediu que os alunos interpretassem uma figura constante em
uma página do LD (Caipira picando fumo, 1983) (aula 1, em 11/06/2015);
2 - Em seguida, a professora pediu que uma aluna fizesse a leitura de um
fragmento do texto e depois formulou questões a respeito do que havia sido
lido. Um aluno respondeu à professora, enfatizando o contexto histórico do
período pré-modernista (aula 1, em 11/06/2015);
3 - A leitura continuava a ser executada pelos alunos, oscilando com questões
elaboradas pela própria professora. [...]Logo após, a professora trabalhou o
vocabulário do texto (aula 1, em 11/06/2015);
4 - Um grupo de alunos se empolgou com a temática e passou a comentar,
somente entre eles, sobre a ascensão da mulher pelo casamento. A professora
repreendeu aquele grupo e o convidou a participar das discussões em
conjunto (aula 2, em 11/06/2015);
5 – A professora passou um trabalho, valendo pontos quantitativos, no
quadro: pesquisar um fragmento de texto. As alunas deveriam buscar
fragmentos de textos, em livros ou na internet, sobre Lima Barreto e Euclides
da Cunha; os alunos pesquisariam nos mesmos suportes os fragmentos de
textos sobre Graça Aranha e Augusto dos Anjos. A atividade consistia em
extrair o fragmento de um texto de um desses autores e em seguida os alunos
deveriam proceder a uma análise temática daquele texto. A professora
perguntou, após explicar sua proposta, se os alunos haviam entendido o que
deveriam fazer. Alguns tiveram dúvidas e ela explicou novamente (aula 3, em
12/06/2015);
189
6 - A professora, a seguir, trabalhou a ortografia do texto, explicando que
algumas palavras mudaram a grafia, com o passar do tempo, a partir de uma
imagem apresentada no final da atividade, uma propaganda do “Bentônico
Fontoura”, de 1935, onde aparecia Monteiro Lobato dialogando com Jeca
Tatu (aula 3, em 12/06/2015);
7 - Prosseguindo, a professora pediu que outra aluna realizasse a leitura de
sua atividade. A aluna assim o fez, mas disse não se lembrar do nome do texto
do qual extraíra o fragmento. A professora supôs que seria Triste fim de
Policarpo Quaresma e passou a explicar a obra. Uma aluna perguntou se
Lima Barreto conheceu Policarpo Quaresma. A professora, então, explicou a
diferença entre autor, narrador e personagem (aula 4, em 09/07/2015);
8 - A professora começou a explanar o assunto da aula enquanto os alunos
iam chegando e se arrumando no recinto [...] Uma aluna, a pedido da
professora, leu a sua atividade. A professora comentou, a seguir, explicou as
dúvidas apresentadas e pediu, ao final, que outro aluno prosseguisse com a
leitura. A professora comentava a leitura, reforçando a presença do pré-
modernismo na obra do escritor Graça Aranha. Explicou em seguida, o
conceito de “fazer literário”, a partir de suas leituras (aula 5, em
10/07/2015);
9 – A professora formulou questões sobre as vanguardas artísticas europeias
com base em sua explicação e no conteúdo do livro didático. Os alunos iam
respondendo e a professora complementava com suas impressões (aula 6, em
16/07/2015).
O processo de ensino-aprendizagem nas turmas observadas se realizava da seguinte
forma: todas as quatro docentes iniciavam seus trabalhos escrevendo no quadro o assunto da
aula; As professoras Cleusa Regina, Maria Cecília e Betina expunham os assuntos, destacando
as informações que julgavam relevantes ao conhecimento dos estudantes. A professora Hilda
passava a atividade para a sua classe e, após sua realização, comentava ou explicava o que
havia sido solicitado nas questões. A professora Cleusa Regina utilizou como suporte, para
aplicar suas atividades, folhas xerocadas de livros didáticos de anos anteriores. As professoras
Maria Cecília e Hilda utilizaram apenas o livro didático vigente naquele ano letivo. A
190
professora Maria Cecília, ao realizar a leitura de um poema e perceber que este se encontrava
fragmentado, pediu que os seus alunos pesquisassem na internet e o lessem na íntegra. A
professora Betina utilizou o livro didático, folhas xerografadas de outros livros didáticos,
textos extraídos da internet, além de, mesmo quando utilizou textos do LD, elaborou questões
diferentes das oferecidas pelo referido manual, além de sugerir pesquisa na internet sobre as
temáticas pertencentes ao seu plano de disciplina.
As professoras Hilda e Betina corrigiam as atividades oralmente junto com os alunos,
efetuando comentários e/ou considerações. A professora Cleusa Regina escrevia as respostas
das atividades passadas aos estudantes no quadro enquanto explicava cada questão
respondida. A professora Maria Cecília realizou correção, oral, das atividades somente nas
duas últimas aulas observadas.
Sobre a atuação da professora Cleusa, registramos que as suas aulas ganharam atenção
maior dos alunos quando ela falava de suas experiências como leitora. Ao realizar uma
atividade sobre a obra do poeta Paul Verlaine, os alunos ficaram curiosos com a história
narrada pela professora do francês com outro poeta, também francês, Arthur Rimbaud.
Do lado dos alunos, poucos eram aqueles que se aventuravam a participar das aulas.
Não porque fossem tímidos, afinal a maioria conversava bastante, sobre todos os assuntos,
menos o da aula. Ainda assim, foi possível perceber participações, a pedido da professora, de
alguns discentes, com destaque para um aluno que protestou quando a professora decidiu
realizar a correção de uma atividade que poucos responderam.
Quanto à professora Maria Cecília, nas quatro primeiras aulas, a dinâmica foi a
mesma: escrita no quadro com a temática do dia, atividades no LD para que os discentes
respondessem. Enquanto os alunos executavam as atividades, a professora circulava pela
turma, verificando se os estudantes se empenhavam na realização do que lhes fora solicitado.
Em outros momentos, a professora se deslocava até o pesquisador para revelar o seu
descontentamento com o uso de aparelho celular durante as aulas pelos alunos, ou para revelar
a sua insatisfação frente ao desinteresse desses mesmos alunos pelo aprendizado. Também
registramos o momento em que, a pedido de um aluno que não compreendia um enunciado, a
professora realizou uma explanação referente àquela situação.
Nas duas últimas aulas, a professora, ao mudar o seu planejamento em razão de uma
atividade não ter sido providenciada pela escola, efetuou uma dinâmica diferente da observada
nas quatro aulas anteriores. Optou pela exposição ao comentar os assuntos propostos e chamar
os alunos a participarem da aula. Também, nessas aulas, houve exposição quando os alunos
191
foram orientados a realizarem leituras de fragmentos dos LD e ainda comentários da
professora sobre o que foi lido. Ao comentar as leituras realizadas pelos estudantes, a
professora fez relações com outros textos e contextos não contemplados pelo LD, naquele
momento. Quando solicitou que os alunos buscassem, na internet, um poema de Cecília
Meireles, posto que o mesmo não se encontrava na íntegra no LD, a professora antecipou
considerações acerca daquele texto. Em relação aos alunos, como já dissemos, percebemos
que as conversas paralelas e uso de aparelhos celulares eram práticas constantes durante as
aulas.
Quanto à professora Hilda, a dinâmica sempre foi calcada na seguinte prática: a
professora escrevia o título do assunto a ser trabalhado naquele dia, no quadro; pedia que os
alunos abrissem o LD na página onde constava aquele assunto e dessem início à leitura dos
fragmentos ali dispostos; após a leitura, os estudantes deveriam responder às questões
propostas naquele LD. Durante o exercício, a professora circulava pela turma de modo a
auxiliar o trabalho dos discentes. No final, a professora realizava a correção das atividades e
nesse momento realizava a exposição, ora comentando as respostas fornecidas pelo manual do
professor, ora provocando os alunos para que os mesmos explicassem como chegaram às
respostas fornecidas. Em relação aos estudantes, registramos que a maioria acatava as
deliberações da professora, havia empenho para responder às questões propostas nas
atividades e algumas conversas paralelas e usos de aparelhos celulares completavam aquele
contexto. Quando a conversa aumentava, a professora chamava atenção e, logo, os estudantes
se voltavam à realização da atividade que deveriam realizar.
Quanto à atuação da professora Betina, mesmo antes de adentrarmos à turma, ela já
revelava, em conversas com o pesquisador, sua paixão pela literatura e pela docência.
Narrava, com riqueza de detalhes, suas experiências em outras escolas e também naquela onde
nos situávamos. Na sala de aula, o seu desempenho foi visualizado a partir de três momentos:
no primeiro, destacamos a habilidade em lidar com os recursos dos quais dispunha. O quadro
e o livro didático foram utilizados para marcar os assuntos e as sequências da apresentação
dos conteúdos à turma. Essa apresentação contou, inicialmente, com a exposição da docente e,
a pedido dela, posteriormente, com a participação dos alunos, os quais faziam comentários,
mediante a leitura dos fragmentos de textos disponibilizados e também de suas vivências,
conforme orientava a professora.
O segundo momento foi marcado pelo nível de conhecimento demonstrado pela
professora, não somente dos conteúdos como também da finalidade dos textos extraídos do
192
livro didático e trabalhados com os seus alunos. Como já destacamos, o LD foi um dos
suportes e, como tal, orientava a cronologia das exposições. Mesmo assim, percebemos certa
consciência crítica em relação ao uso do referido suporte, sobretudo quando chamou a atenção
dos estudantes para as limitações do enquadramento historiográfico dos movimentos artísticos
constantes no LD.
O terceiro momento compreendeu o processo de ensino-aprendizagem empenhado
naquela turma. Por parte da professora, verificamos que, mesmo quando utilizava o conteúdo
do livro didático, realizava inferências ao elaborar questões a partir de fragmentos e/ou
imagens contidos naquele suporte. Também incentivava os seus alunos a lerem durante as
exposições. Isso foi notado em todas as aulas observadas. Também registramos a associação
do texto literário, embora fragmentado, ao contexto e, em alguns casos, a discussão avançou
para os dias atuais, fazendo associações às práticas da política brasileira e também aos papéis
determinados aos homens e às mulheres na sociedade.
Por parte dos estudantes, percebemos que muitos deles participavam das aulas e
realizavam todas as atividades que lhes eram confiadas. Havia pouca conversa durante a
realização das atividades e praticamente nenhum barulho quando a professora falava. Durante
as seis aulas observadas, registramos a prática de leitura por parte dos alunos a partir das
proposições da docente. As leituras, geralmente realizadas a partir do livro didático ou de
similares, eram acrescidas de comentários dos próprios estudantes (também sob a orientação
docente) e complementadas com as considerações da professora.
Em outra situação, ao trabalhar uma propaganda do Biotônico Fontoura, datada de
1935, em que apareciam Monteiro Lobato e Jeca Tatu, além da exposição sobre o autor e do
personagem de Urupês, teceu comentários sobre a ortografia do texto, informando aos alunos
sobre as modificações na grafia da Língua Portuguesa ao longo do tempo. Além disso, quando
um aluno perguntou se Lima Barreto havia conhecido Policarpo Quaresma, a professora
ampliou a discussão sobre a obra literária, explicando a diferença entre autor, narrador e
personagem.
Quadro 11 – Visões da literatura
Docentes Dados Encontrados
Cleusa 1 - Um aluno pediu licença e perguntou se era verdade que Machado de Assis
193
Regina focava a traição e a burguesia, fazendo uma crítica aos seus valores. A
professora respondeu que, no primeiro caso, a traição era uma das temáticas.
[...] (aulas 1 e 2, em 13/10/2014);
2 - Em seguida, a professora falou sobre o Simbolismo no Brasil, destacando
[...] Cruz e Souza. [...] e Alphonsus de Guimarães, [...]. Logo após, a
professora escreveu, no quadro, as características do movimento artístico
(aulas 3 e 4, em 25/11/2014);
3 - A professora seguia copiando as respostas das atividades no quadro. Em
seguida, explicou novamente as características do movimento simbolista,
apresentando-lhes exemplos do movimento artístico em outros textos como a
música popular brasileira [...] (aulas 5 e 6, em 09/12/2014).
Maria
Cecília
1 – O assunto da aula foi “3ª geração modernista brasileira” (aulas 1 e 2, em
24/11/2014);
2 – A professora informou o assunto da aula: Leitura e interpretação de
poesias de autores representativos da segunda geração modernista brasileira
(aulas 5 e 6, em 08/12/2014);
Hilda 1 – [...] passou mais uma atividade constante do livro didático sobre o
Simbolismo no Brasil. Também passou um trabalho sobre o poeta Cruz e
Souza. Pediu que os alunos pesquisassem sobre o autor na internet e/ou livros
didáticos (aulas 2 e 3, em 5/12/2014);
2 - A professora pediu que os alunos se revezassem na leitura do texto. Em
seguida, comentou a leitura destacando a influência do movimento
parnasiano no Brasil (aulas 5 e 6, em 12/12/2014);
3 – [...]Em seguida, reiterou uma explicação sobre os aspectos formais do
poema (aulas 5 e 6, em 12/12/2014).
Betina 1 - A professora explicou que estava retomando o assunto “Pré-modernismo”
para contextualizar o novo assunto “Surrealismo” (aula 1, em 10/06/2015);
2 - [...] A professora fazia associações com aspectos políticos, ilustrando com
críticas às práticas políticas do Brasil” (aula 1, em 10/06/2015);
3 - Retomando o assunto anterior, a professora fez associações das questões
194
levantadas na aula anterior a partir do texto lido e das políticas públicas
brasileiras: as práticas do passado foram contrapostas com os modelos
familiares, o papel do homem e da mulher no contexto social” (aula 2, em
11/06/2015);
4 - A professora comentava a leitura, reforçando a presença do pré-
modernismo na obra do escritor Graça Aranha. Explicou, em seguida, o
conceito de “fazer literário”, a partir de suas leituras. Pediu, em seguida, que
outro aluno procedesse à leitura de sua atividade. Ninguém se manifestou
(aula 5, em 10/07/2015);
5 - Pediu que os alunos dissessem o que consideravam modernismo. Eis as
respostas: temas atuais, transformação, tecnologia, televisão, arte, futuro,
crítica ao passado e ao presente. A professora contribuiu com um termo,
vanguarda. A partir daí, a professora passou a explicar as vanguardas
artísticas europeias (aula 5, em 10/07/2015);
6 - Solicitou aos alunos que mencionassem quais foram os principais
movimentos literários. Acrescentou que, apesar disso, os movimentos não são
inertes no tempo, pois era possível encontrar, em outras épocas, marcas de
um determinado período literário noutro (aula 5, em 10/07/2015);
7 - Para explicar o assunto, a professora fazia uma exploração sobre a Carta
de Pero Vaz de Caminha, destacando a visão do colonizador. Em seguida,
citou o Romantismo como uma espécie de nacionalismo ufanista. Contrapôs
ao nacionalismo de Lima Barreto. Afirmou que o modernismo uniu o
nacionalismo ufanista e o crítico (aula 5, em 10/07/2015);
8 - Perguntou à turma o porquê de se estudar as vanguardas. E ela mesma
respondeu, mostrando uma tela, representando um movimento de vanguarda
futurista. Disse que na aula seguinte, os alunos trabalhariam com ela. A
seguir, falou do Cubismo e perguntou aos alunos o que aquele termo lhes
lembrava. Depois falou de Dadaísmo. Destacou que o Cubismo se
relacionava com as formas geométricas e o Dadaísmo não significava nada.
Afirmou que os movimentos tiveram representação na literatura e nas outras
artes (aula 5, em 10/07/2015).
195
As visões sobre a literatura apresentadas pelas quatro docentes revelou os seguintes
dados: A professora Cleusa Regina descreveu sua paixão pela literatura clássica/canônica. Em
diversos momentos nas aulas e em conversas com o pesquisador, citava trechos de obras
clássicas, associava a literatura a outras artes, como a música e o cinema; ostentou, em um
dia, uma camiseta onde se lia: “O Machado era de Assis, A Rosa do Guimarães, A Bandeira
do Manuel. Mas feliz mesmo era o Jorge, que era Amado”. Além disso, mesmo anunciando
um assunto no quadro – Realismo – pôs-se a falar sobre Fernando Pessoa, alegando que
Pessoa é o seu escritor preferido e, portanto, foi utilizado para “destacar a beleza do texto
literário”.
Em relação às docentes Maria Cecília e Hilda, por se pautarem exclusivamente pelo
livro didático, só foi possível perceber a sua relação profissional com a literatura, ou seja, a
visão das professoras de Literatura, que trabalhavam os assuntos previstos nos seus planos de
disciplinas, apoiados pelo LD. Quanto às mediações percebemos que as professoras as
realizavam mediante apropriação dos conteúdos dos LD, de modo a auxiliar os discentes na
feitura dos exercícios propostos. A professora Betina, por sua vez, entendia a literatura como
uma construção social, além de arte, inclusive dizia isso aos seus alunos. Definiu o papel da
literatura nas aulas, sobretudo a partir dos seus conhecimentos sobre a arte. A prática docente
revelou a habilidade da professora em associar o texto literário ao contexto, o que demonstrou
que sua visão da literatura contemplava a relação entre literatura e sociedade.
6.5. A entrevista
Esse instrumento de coleta de dados respondeu às duas categorias de análise do nosso
projeto. Da “representação”, conseguimos extrair conceitos relevantes ao desenvolvimento da
pesquisa, tanto dos estudantes quanto das professoras. Da “apropriação”, obtivemos respostas
referentes às práticas e técnicas usadas pelas professoras e também como os alunos se
apropriavam dos conteúdos apresentados nas aulas.
As entrevistas com as docentes Cleusa Regina e Maria Cecília, no ano de 2014,
ocorreram nas dependências da Escola Heurisgleides Ferreira, no mesmo dia, após a
conclusão das observações de aulas. Todas consentiram em se deixar gravar e não pediram
acesso ao roteiro de entrevistas antecipadamente. Também, no ano de 2014, foi realizada a
entrevista com a professora Hilda, da escola Renailda Sousa, nos mesmos moldes da escola
anterior. Nesse caso, a docente solicitou o roteiro de entrevistas com uma semana de
196
antecedência, alegando que precisava se preparar para responder às questões. Foi atendida no
seu pleito. Aguardamos o contato dessa professora para procedermos com a tarefa de
entrevistá-la. Por essa razão, em alguns momentos foi preciso interromper sua fala, uma vez
que as respostas oferecidas, em alguns casos, foram extraídas de autores como Marisa Lajolo,
Umberto Eco, dentre outros que embasaram a professora naquela tarefa. Durante a entrevista,
a professora respondeu as questões lendo suas anotações, que continham respostas
previamente formuladas. A professora Betina foi entrevistada em 2015, uma vez que as
observações de suas aulas também foram realizadas neste ano, nos mesmos moldes que as
anteriores. Nesse caso, a professora não solicitou o roteiro de entrevista antecipadamente.
6.5.1. Entrevistando as professoras
Formulamos um roteiro de entrevistas para as docentes com onze questões. Dentre
elas, oito respondiam diretamente ao nosso objetivo específico de “identificar e analisar, por
meio de entrevistas, as concepções de literatura, leitura literária, prática docente, políticas
públicas voltadas à promoção da leitura no Brasil e usos do livro didático apresentadas pelos
professores das escolas selecionadas para a pesquisa”. Dessas oito, verificamos que metade
respondia à categoria “representação” e a outra metade estava associada à categoria
“apropriação”. As outras três, inicialmente descartadas, foram utilizadas para traçarmos um
perfil de cada uma das docentes em relação às práticas desenvolvidas e às visões de cada uma
delas sobre o processo de ensino-aprendizagem da literatura, o que passamos a descrever a
seguir.
Ao elaborarmos uma questão sobre a adoção do livro didático pelas professoras,
tencionávamos entender quais critérios foram utilizados para justificar as escolhas. No
entanto, com o desenvolvimento das investigações e posteriores leituras dos dados,
verificamos que, por ser uma escolha coletiva (trabalhamos com dois professores de séries
diferentes em cada escola), os dados revelados nessa questão não compreendiam nenhuma das
nossas categorias, embora se aproximassem do nosso objeto. Por essa razão, decidimos
manter os referidos dados a fim de enriquecer o nosso trabalho etnográfico.
A questão proposta às professoras foi a seguinte: Em relação à escolha do livro
didático, como avalia o processo? Quais critérios você utilizou para realizar sua escolha? O
livro que escolheu coincidiu com o que foi adotado pela escola? Todas as professoras
197
responderam que o processo que elege o LD a ser adotado foi decidido coletivamente. As
editoras, a cada três anos, visitam as escolas divulgando os LD aprovados pelo PNLD para o
ano letivo seguinte. Após a divulgação, alguns exemplares, manuais do professor, de todas as
disciplinas, são deixados para análise do corpo docente. Em reunião, os docentes de cada área
(a delas é a de Linguagens, códigos e suas tecnologias) votaram e decidiram o LD que iriam
adotar. No entanto, cabe registrar algumas informações que nos ajudaram a compreender não
somente o perfil das participantes desta pesquisa, mas da área que selecionou o LD e quais as
razões, de acordo ao que foi revelado pelas docentes.
As justificativas apresentadas foram bem próximas. A professora Cleusa Regina
propôs a adoção de um LD que contemplasse os conteúdos selecionados para cada série
escolar e que fosse mais acessível, em relação à linguagem, para os alunos, que não possuem
“vocabulário muito bom”. A professora Maria Cecília justificou a sua escolha apenas
revelando que “devemos verificar a necessidade da nossa clientela”; e lamentou o fato de não
poder usar o livro didático digital, uma vez que a sua escola não fornece condições para tal
uso. A professora Hilda, expressando-se no plural, respondeu que a escolha se deu a partir de
“um estudo cuidadoso e comparativo, é que optamos em usá-los no colégio”. Também
acentuou as qualidades do LD escolhido, sobretudo como um importante instrumento, tanto
para a aprendizagem quanto para a formação cidadã do estudante.
A professora Betina reforçou a informação sobre o processo de seleção do LD e trouxe
novas informações sobre os bastidores do referido processo. Detalhadamente, revelou o
porquê da sua recusa e também o porquê da escolha do seu grupo de colegas. Além de se
interessarem pelos boxes e pela relação com a internet constantes no LD, “o pessoal se
entusiasmou com os brindes que a editora deu [...]”. Também contou que “[...] teve o negócio
de um churrasco que ela deu ali, até eu fui, [...] mas continuei dizendo que não era o livro da
minha escolha esse”. Isso revela o lobby praticado pelas editoras quando vão às escolas para
divulgarem os seus LD. Nas palavras da professora Betina, o processo de seleção se justificou
não pelo que o LD representava para o projeto de ensino-aprendizagem empenhado por aquela
instituição, mas pela sedução dos brindes disponibilizados àqueles docentes e pela pressão
exercida pelos divulgadores em relação aos professores. E ilustrou as suas considerações ao
revelar que alguns colegas, após a escolha, queixaram-se do LD escolhido, qualificando-o
como “o pior” e afirmando que não o suportavam e, por isso, não o utilizavam mais em suas
aulas.
198
A segunda questão que nos auxiliou na construção do perfil das docentes teve como
objetivo entender como seria uma aula de literatura que tivesse atendido aos seus objetivos.
As professoras Cleusa Regina e Maria Cecília apenas relembraram aulas de literatura que
tivessem atingido os seus objetivos, mas não descreveram nenhuma dessas aulas. Tanto a
primeira quanto a segunda professora se lembraram apenas dos escritores trabalhados nessas
aulas. Mais uma vez, as professoras justificam as dificuldades em relação ao estabelecimento
de suas práticas docentes na falta de conhecimento prévio dos alunos (Maria Cecília) e na
incapacidade dos estudantes ao acessarem uma linguagem mais elaborada, recorrendo aos
textos adaptados para a televisão a fim de compreenderem o texto original (Cleusa Regina).
A professora Hilda descreveu como seria uma aula de literatura considerada ideal para ela e
não uma aula que já tenha ministrado. Ao citar o LD Novas Palavras, inferimos que, para esta
professora, as propostas apresentadas por aquele LD deverão nortear a sua prática no tocante
ao ensino da literatura, pois trata-se de uma atividade recorrente nos mais diversos manuais
didáticos, incluindo aquele citado pela docente.
A única que descreveu uma aula de literatura foi a professora Betina, que se lembrou
do contexto em que se encontrava, narrou todo o processo de elaboração da atividade aplicada
durante a aula de literatura, relatou passo a passo a proposta apresentada aos alunos e a
execução daquela atividade. Ao final, revelou-se contente com o resultado e a manifestação de
um aluno que a procurou para lhe agradecer pela aula.
As declarações das docentes nos permitiram entender como cada uma delas procede
em suas práticas de ensino e o que consideram relevante no processo de ensino-aprendizagem
dos conteúdos de literatura. Também percebemos que, com exceção de Betina, as professoras
apresentaram posturas lineares em relação ao tratamento do literário. Cleusa Regina exaltou o
cânone Machado de Assis e Maria Cecília destacou a importância de João Ubaldo Ribeiro e
Ariano Suassuna, achando absurdo que os seus alunos não os conhecessem. Hilda não
mencionou um autor específico mas referendou as indicações do livro didático. E apenas
Betina descreveu o tratamento de um texto literário (Antífona, de Cruz e Souza) com uma
posterior atividade desenvolvida por seus alunos a partir do referido texto.
A terceira questão apresentada às docentes se referia à relação que elas mantinham
com a leitura literária. Pedimos que elas avaliassem essa relação. Solicitamos que avaliassem,
também, a relação dos seus alunos com a leitura literária. Elaboramos essa questão porque
tencionávamos saber como as professoras avaliavam o seu nível de leitura de literatura e o dos
seus alunos.
199
Verificamos, a partir das respostas, que a relação com a leitura literária se configurou
de diferentes maneiras no cotidiano das professoras. A professora Cleusa Regina revelou que
a sua relação com a referida leitura é antiga. Em relação aos seus alunos, afirmou que eles
precisam de incentivo, pois alguns são resistentes a essa prática. Complementou afirmando
que “através da literatura, através do conhecimento dos grandes escritores [...] você pode
partir para muitas coisas”. Mas não especificou quais seriam essas coisas. Ao mencionar os
grandes escritores, associou a leitura literária à escrita canônica. A professora Maria Cecília
revelou que a sua relação com a leitura literária é “boa”. No entanto, ela afirmou que os seus
alunos careciam de entendimento sobre as configurações do texto literário e de conhecimento
de figuras de linguagens, por exemplo, para que conseguissem interpretar os textos literários.
Concluiu, em resumo, que o problema era “leitura e vocabulário”.
A professora Hilda respondeu que a sua relação com o texto literário é ótima.
Justificou a sua resposta a partir dos cursos de qualificação dos quais participou e de sua
participação em congressos e seminários. Em relação aos alunos, revelou que muitos têm
oportunidade de se dedicarem à leitura de literatura, mas muitos também são “analfabetos
funcionais”. A professora Betina se assumiu leitora, mas revelou que precisava ler mais. Por
falta de tempo, havia uma série de livros “esperando” para serem lidos por ela. Em relação aos
alunos, afirmou que acredita que eles estão lendo, inclusive mais do que ela própria. Citou que
eles leem best-sellers e “literatura fofoqueira”, por conta da publicidade desse tipo de
literatura, mas entende que se trata de leitura, independente do gênero e do status atribuído a
esse tipo de texto.
Na sequência, apresentamos os dados extraídos das entrevistas com os docentes,
dispostos em quadros comparativos. As quatro primeiras questões correspondem à categoria
“Representação” e as quatro seguintes à “Apropriação”.
Quadro 12 – Conceito de literatura segundo as professoras.
Docente Dados encontrados
Cleusa
Regina
Literatura pra mim antes de tudo é prazer, é arte, é você... pra dar um
mergulho, não é? em uma outra dimensão. Eu amo literatura, então pra mim,
literatura... sem literatura eu não existo (risos). Agora o difícil é transmitir... às
vezes você até consegue transmitir essa paixão para os alunos que eles
200
percebem, né? Que você é apaixonado por sua disciplina, então até contamina,
muita gente. Isso aí é o lado bom, né? Você contaminar os alunos com sua
paixão. (risos).
Maria
Cecília
Peraí... (risos). Literatura eu defino como... uma parte muito importante pra
Língua Portuguesa e pra História também, né, porque partindo da literatura...
antigamente... os grandes escritores, aqui, faziam protestos, encabeçavam todos
os movimentos não é isso? Se não fosse a literatura, o Brasil estaria bem pior,
né, aqui pra nós.
Hilda (lendo) É... a leit... hã... De acordo com o livro didático “Novas palavras”, da
autora Emília Amaral e outros, a literatura é a arte da palavra. Além disso, a
arte faz história, isto é participa do processo de pré-formação e motivação do
movimento social, até porque existe uma preocupação da literatura, ehh. (dá
um pause aí). Vou repetir, Além disso, a arte faz história, isto é participa do
processo de pré-formação e motivação do movimento social, até porque existe
uma preocupação da literatura em relação ao relacionamento com o leitor.
Pesquisador: certo, com base na...
Professora: no livro didático e em outros conhecimentos também.
Pesquisador: certo, e a sra concorda com o conceito da autora Emília
Ferreira?
Professora: (silêncio)
Pesquisador: Assim... Com base no que a sra entendeu a respeito do
posicionamento da autora e com base na forma como a sra trabalha, é possível
conceber uma visão sobre a literatura?
Professora: Bem, eu me recordo do Quinhentismo. De acordo com o que eu
estava fazendo no terceiro ou quarto semestre, mais ou menos se não me falha a
memória, a literatura é a arte de escrever e falar corretamente, foi uma
definição que eu achei super importante na época e continua sendo, mas a nível
de teoria, eu tinha essa concepção. Hoje eu tenho teoria e prática, tenho essa
visão mais de consciência em relação ao que vem a ser literatura de uma forma
ampla.
201
Betina Literatura para mim é a possibilidade que o aluno tem de conhecer a ele
mesmo, conhecer o mundo ao redor dele, conhecer as pessoas com as quais ele
vive, porque é através da literatura, é... dos textos, dos grandes autores que a
gente vai, né? refletindo sobre todas as nossas vivências aqui nessa terra, então
é uma definição minha.
Ao elaborarmos a questão acima descrita, buscávamos entender a concepção de
literatura de cada uma das docentes, a fim de ampliarmos o nosso olhar para o contexto em
que se trabalhava a literatura. Pelo exposto, percebemos que as visões apresentadas para
definir o termo em questão diferem entre elas. A professora Cleusa Regina assumiu sua
posição de leitora apaixonada pela literatura, extremamente voltada ao prazer estético que o
texto artístico pode proporcionar ao leitor. Em seguida, afirmou que “o difícil é transmitir”,
mas que, quando isso acontece, é muito gratificante, pois “é bom contaminar os alunos com a
sua paixão”. A professora Maria Cecília associou a literatura à Língua Portuguesa e à
História. Ao fazer referência aos “grandes escritores”, lembrou-se de que eles, “antigamente”,
se envolviam nos “protestos” e também nos “movimentos”
A professora Hilda, por ter “se preparado” para a entrevista, formulou suas respostas
com base na autora do livro didático do ano vigente, Novas Palavras, Emília Amaral. O
pesquisador a interrompeu e pediu que ela fizesse uma reflexão sobre as palavras da autora e
sua prática, uma vez que ela havia afirmado seguir aquele LD. Após um silêncio e nova
interferência do pesquisador, a professora se reportou às suas memórias literárias, citou o
Quinhentismo e revelou a sua visão sobre a literatura. Acrescentou que, no presente, tem
teoria e prática e uma visão mais ampla do que seja literatura. Nesse caso específico, cabe
ressaltar que em contatos anteriores, a professora demonstrou preocupação com a entrevista,
afirmando querer “fornecer a resposta correta” para cada pergunta, e por isso, precisava
conhecer o roteiro de entrevistas antecipadamente. Explicamos que eram questões pessoais e
até conversamos sobre o que tratavam as principais questões. Nesse momento, a professora,
talvez por não estar diante de uma gravação, mostrou-se à vontade e não se utilizou de
nenhum suporte para dizer como concebia a literatura. Naquele instante, nos disse que
compreendia a literatura como possibilidade de crescimento pessoal e profissional.
A professora Betina associou a sua concepção ao desempenho dos seus alunos quanto
ao modo como eles se relacionam com o texto literário. E, assim como as suas colegas,
202
associou também a literatura aos “grandes autores”. Também fez questão de destacar que
aquela era a sua definição, pois não queria copiar o que já havia sido dito sobre o tema.
Quadro 13 – Definição de “leitura literária” pelas professoras
Docente Dados encontrados
Cleusa
Regina
Leitura literária seria ler romances, não é? Os grandes nomes da literatura.
Eles às vezes reclamam porque eu boto muito Machado de Assis, que eles
acham que é um escritor muito antigo, mas eles não veem que é preciso partir,
não é, desses grandes nomes para poder chegar em literatura atual, é uma
viagem no tempo, né? A gente sempre faz essa viagem ao passado para poder
vivenciar melhor o presente.
Maria
Cecília
Ah, eu entendo como uma parte muito importante para o ensino, para a
educação, e a leitura tem que ser incentivada. E a parte literária tem a parte
lúdica, e a parte da poesia, das crônicas, e ajudam bastante eles a
desenvolverem a leitura, apesar deles não gostarem, a literatura é muito
importante, porque incentiva, né? Serve de incentivo muito grande pra... pra
ver se eles leem, porque é complicado, viu? Eles não querem ler nem o
enunciado das questões, quanto mais ler um texto. Eu passei uma atividade
essa semana do livro didático de literatura, sobre “Grande sertão: veredas”,
um texto de uma página e meia e foi a maior guerra. Eles não querem ler, é
muito grande o texto, é grande, reclama, aí... mas eu acho que a literatura é
muito importante para incentivar a leitura.
Hilda (lendo) A leitura literária visa desenvolver no leitor a construção de sentidos,
pois esta é a palavra-chave. Além disso, o educando precisa adquirir
competências e habilidades para produzir seus próprios textos ao enfrentar
um exame do enem ou para sua própria vida. Eu vejo nesse aspecto aí, que
vem a ser a definição de leitura literária.
Pesquisador: A sra vê diferença entre a leitura de jornais, de livros de auto-
ajuda, de receitas, dentre outros e um livro de Machado de Assis?
Professora: claro, claro, com certeza, não é? Cada leitura tem seu objetivo.
203
Tem leitura que é para instruir, para orientar, é o caso dos jornais, dos livros
de autoajuda, de receitas. Outras têm como objetivo o prazer de ler. É... no
caso dos clássicos, como por, exemplo Machado de Assis, que você citou, né?
tem... ainda... de acordo com a visão de mundo de quem está lendo. Então,
claro que há diferença, porque ler um texto, por exemplo, um texto... digamos
assim... não literário ou um texto... utilitário é bem diferente, cada um tem seu
objetivo.
Betina [...] a leitura literária ela requer do aluno uma certa fluência que ele, às vezes,
não tem. Porque, como literatura é também a expressão do sentimento, ele
precisa fazer essa leitura impondo sentimento. Acho que a leitura literária é
essa, é aquela que ele consegue passar de alguma forma o que o escritor do
texto tentou passar nos seus escritos. Então essa é expressão maior do
sentimento. Expressar isso.
A questão acima buscou conhecer as concepções de leitura literária das docentes. A
professora Cleusa Regina respondeu com uma indagação e associou leitura literária à leitura
de romances. Também ressaltou os “grandes nomes da literatura”, ao revelar a sua paixão e,
por isso, trabalhar os textos do escritor Machado de Assis. Segundo sua concepção, seria
necessário “partir dos grandes nomes” para poder chegar à “literatura atual”, ainda que sob os
protestos dos seus alunos.
A professora Maria Cecília destacou a importância da leitura literária para o ensino e
para a educação. Associou a literatura ao lúdico, às poesias e às crônicas. Ressaltou que todas
as áreas por ela mencionadas são importantes para o aprendizado dos discentes. Acrescenta
que os estudantes não gostam de ler literatura e conclui sua fala afirmando que que a literatura
é “é muito importante para incentivar a leitura”, apesar das resistências dos alunos.
A professora Hilda leu a sua resposta embasada nos documentos oficiais do MEC.
Assim como aconteceu na questão anterior, percebemos que ela queria fornecer “a resposta
correta” e por isso, citava documentos. Por isso, reformulamos a questão, a fim de que ficasse
mais claro para a professora o que estávamos perguntando. Assim, obtivemos uma resposta
mais condizente ao que fora proposto e coerente com o que a professora já havia revelado em
contato anterior à entrevista. Para ela, a leitura de livros de autoajuda, e de receitas ou jornais
204
tem o objetivo de “instruir, orientar”. A leitura de literatura tem como objetivo “o prazer de
ler”.
A professora Betina, mais uma vez, associou a sua resposta ao aluno. No entanto,
apresentou outro conceito para literatura, diferente do apresentado na questão anterior. Aqui
ela falou em “expressão do sentimento”, estendendo para a leitura literária uma prática que
contempla a “leitura do sentimento”. Por outro lado, revelou certo biografismo ao associar a
leitura de literatura a uma suposta tentativa do aluno em entender o que o autor de um texto
“tentou passar nos seus escritos”.
Quadro 14 – Professoras avaliam a leitura literária pelo livro didático
Docente Dados encontrados
Cleusa
Regina
Fraquinha... não tem muita coisa, é tudo muito resumido, então é difícil até
para entusiasmar o aluno com aquele pouquinho, não é? Então é necessário
que se façam outras pesquisas para poder se aprofundar.
Maria
Cecília
Eu analiso... importante, eles colocam os tópicos principais, agora eu acho
que já está muito repetitivo. Você pega um livro de 1999 e um livro de 2014
e têm os mesmos textos, os mesmos poemas, acho que precisavam explorar
os outros autores e os outros tipos de leitura porque eles ficam repetindo
muito, precisamos mudar.
Hilda (pausa para consultar o seu material) terceira questão, não é isso? Eu acho
que a leitura do livro didático, especialmente o que estamos trabalhando em
sala de aula, que é Novas palavras, eu acho uma leitura boa. É isso.
Betina [...] o livro didático ele traz o texto...[...]uma orientação, uma atividade
escrita para você fazer do texto. Ele não faz assim, uma motivação, porque
eu já usei livros didáticos que faziam essa motivação, preparava o aluno,
[...] mas o livro não me sugere isso, entendeu? Aí, cabe ao professor fazer a
leitura, utilizando o livro didático de forma que ele, como é que se diz,
realmente motive o menino, prepare o menino para fazer a leitura do texto
que está no livro. Então, Magda Soares vem a fazer assim: Ele tinha todo um
trabalho pré-leitura. O título sugere o que, essa gravura, tal e tal,
preparava os meninos, vamos ver agora depois da leitura, se as hipóteses
205
que vocês levantaram fazem sentido. Entendeu? Então tinha uma pré-leitura.
Esse livro (folheando o livro didático do momento) não tem. Não sei se vc
olhou, mas não tem. Ele não tem uma pré-leitura. Ele tem um texto aqui,
Romantismo, uma explicação sobre os textos e pronto. Tem uma tela aqui,
mas não fala leitura de tela, ok? aí contexto histórico, aí já vem o conteúdo
em si, outro texto, os boxezinhos, mas não faz a pré-leitura, entendeu?
Assim, o que é que você acha? Há uma taça feita de um crânio humano? Sei
lá, o que o texto sugere a você? O título sugere o quê? Tal e tal... O texto vai
falar sobre o quê? Não faz esse trabalho. Magda Soares faz isso, perfeito! E
eu acho que William Cereja também faz, da Saraiva. Ele também faz umas
pré-leituras.
Com essa questão, obtivemos a visão das docentes sobre o trabalho com o texto
literário formulado no livro didático. A professora Cleusa Regina qualificou a leitura literária
no LD como “fraquinha”, tudo muito “resumido” e que é necessário utilizar outras fontes. A
professora Maria Cecília respondeu que acha “importante”, mas ressaltou que no LD tudo é
“muito repetitivo”. A professora Hilda se pautou no LD que trabalhava naquele ano letivo e
qualificou a leitura proposta por aquele suporte como “boa”. A professora Betina respondeu
que o LD com que trabalhava “traz o texto” e uma “orientação”, mas não motiva. Relembrou
de outros LD com que já trabalhou e exemplificou como seria um trabalho de motivação;
como resolução, afirmou que cabe ao professor realizar o trabalho de motivar o seu aluno.
Quadro 15 – A leitura literária como instrumento de socialização na visão das
professoras entrevistadas
Docente Dados encontrados
Cleusa
Regina
Muito importante, muito... fundamental. A pessoa cresce muito. Quem lê
bastante tem uma outra visão de mundo. Olha, nós temos o Pacto, né, para o
ensino médio que está no início ainda, mas o que gente tem uma esperança,
né, de que haja uma luz no fim do túnel e que a partir desse PACTO do
ensino médio, que a gente vá melhorar o ensino público de uma maneira
geral. Mas ainda estamos, né, vivenciando esse processo, eu tenho esperança
de que vá melhorar. O PACTO é um programa do governo federal, é para
206
todo o Brasil. Então a gente tem esperança de que isso venha a ser um
incentivo, não é... um suporte para que os professores do ensino médio
tenham uma dimensão melhor do seu trabalho em sala de aula.
Maria
Cecília
Acredito sim, com certeza. Não tenho a menor dúvida. Menino, no momento,
eu acho que a coisa não tá boa não. Tá precisando ter mais... ter mais
influência. Mais assim... mais... mais técnica, mais suporte, mais material,
pra montar assim, peças de teatro, incentivo para melhorar, porque se não,
vai ficar no esquecimento. Você agora, tem gente que tá escrevendo sobre a
história do Brasil, sobre os ex-presidentes. Mas aqui no colégio quando eu
falo ninguém sabe de nada, porque não divulgam, só divulgam mais
futilidades, infelizmente, né?
Hilda (pausa para consultar o seu material), Claro, pois a função da escola é
ensinar, isto é, alfabetizar e promover o letramento acadêmico. Por isso, ela
funciona como uma comunidade de leitores. Além do mais, segundo Marisa
Lajolo (1993), muito embora a escola tenha que fazer a sua parte, em
relação ao ato de ler, é necessário que o leitor dê continuidade, que busque
esse desejo de ler fora do ambiente escolar. Sim, mas temos... eu gostaria de
acrescentar. Com relação também a essa pergunta, poderia também, sugerir
o seguinte... que tratasse a leitura como se trata também a saúde pública. O
mesmo... ou seja, levar mais adiante, mais a sério a leitura. Então, se...
comparado com relação à saúde pública, a leitura deveria ser mesmo, nessa
mesmo, com essa mesma... digamos assim...
Pesquisador: (importância?).
Professora: Não eu não queria dizer essa palavra, vou rever aqui.
Deveriam... é, rever a leitura como uma saúde pública no Brasil. Então é
essa a frase que eu queria refazer.
Betina Com certeza... olha, a leitura literária, ela é assim... eu.. essa crença.. eu
penso que é partir da literatura que a gente pode transformar, inclusive, o
mundo. Porque eu fiz um trabalho, tá aqui... não, tá lá. Os dois lados da
vida, foi um trabalho de literatura que eu fiz com os meninos, leitura
literária. Era fazer... era Romantismo e Realismo. Que Romantismo era tudo
de bom e o realismo... Era numa turma de segundo ano colegial. Os dois
207
lados da vida. E aí a menina falou assim: professora, a senhora, através da
literatura, a senhora acordou o ser humano que está em mim. Foi uma frase
de uma aluna. Meu Deus do céu, que coisa linda, isso, né? Como é que a
literatura faz isso? A literatura acorda a pessoa que está em você, né? O ser
humano como disse a menina, ela disse isso num depoimento que ela deu
aqui no lançamento do livro “Os dois lados da vida”, a gente fez livro, fez
tudo, premiou os alunos, foi lindo o trabalho, em 2008. E a escola, eu não
tenho nenhum entrave. Eu acho que a política do governo mudou um bocado.
Eu acho que desde Paulo Souto, porque não foi só no PT não. Eu vi a
mudança da educação no governo de Paulo Souto. Deu uma guinada grande
para trabalhar essa questão do livro. E o PT quando entrou fez essa coisa de
trazer o livro didático, tudo, de apoiar mais, eu acho que foi assim, crucial,
para a gente ter mais subsídios para trabalhar literatura, porque o livro
didático, por pior que ele seja, é uma ótima ferramenta, porque vai precisar
de quê? Do professor. Como é que ele vai trabalhar isso? Você já viu como
eu trabalho. Se o livro dá uma orientação ou não, a gente também deve ter o
lado professor. Então eu acho que o governo de certa forma tem feito
alguma coisa, poderia fazer mais. Mas, tem feito. Mas já foi um avanço. Nos
outros governos, a gente não tinha nenhum livro didático, não tinha nem
uma apostila. Eu me lembro como era que eu fazia... trabalhava aqui.
Imprimia a apostila e dava uma na sala e dizia assim: vê se você consegue
fazer dez cópias. Nos governos passados. Era assim que a gente trabalhava,
mas trabalhava literatura. Trazia... fazia o material e dava dez cópias, e a
escola fazia dez cópias por turma, entendeu? Só era assim que trabalhava
literatura. Não tinha o livro didático. E agora tá voltando de novo né?
Porque a recessão do governo tá grande. E a escola disse que não é para
trabalhar nada além... a não ser a prova. Você não pode trabalhar outro
texto que não esteja no livro, porque a escola não tem material para
trabalhar fora do livro. Então, todo material que eu trago digitado é da
minha casa. Eu imprimo na minha impressora, trago dez, quinze cópias,
vinte, recolho, trabalho na outra, você já viu, né? Então, melhorou, mas
precisa melhorar mais ainda.
208
Essa questão nos revelou como as professoras entendem a leitura como instrumento de
socialização e também como analisam as políticas públicas voltadas à promoção da leitura no
país. A professora Cleusa Regina disse achar “importante” e “fundamental” o processo de
socialização a partir da leitura. Em relação às políticas públicas, citou o Pacto pela Educação,
programa do governo federal que visa ampliar o acesso à educação bem como a melhoria do
ensino, como uma “esperança”, que possa “melhorar o ensino público de uma maneira geral”.
A professora Maria Cecília “acredita, com certeza,” que a leitura literária é um instrumento de
socialização. Quanto à avaliação das políticas públicas voltadas a esta finalidade, afirmou que
“a coisa não tá boa, não”, que é preciso haver mais “técnica, mais suporte, mais material”.
Sugeriu também a montagem de peças de teatro como incentivo à melhoria do ensino.
A professora Hilda referenciou a socialização a partir da leitura literária como tarefa da
escola, alegando que a “função da escola é ensinar”. Acrescentou que a leitura deveria ser
tratada como a saúde pública, pois, em sua visão, a saúde pública goza de um status superior
ao tratamento com a leitura. A professora Betina respondeu “com certeza”, para a primeira
questão, complementando que através da literatura é possível “transformar o mundo”.
Ilustrou sua resposta com uma passagem extraída de uma de suas práticas docentes. Em
relação às políticas públicas, relembrou a inserção do livro didático em escolas estaduais da
Bahia e de como realizava o seu trabalho antes dessa inserção. Afirmou que, apesar das
limitações, o LD se configurou como uma importante “ferramenta” para a tarefa de ensinar e
que cabe ao professor saber como utilizá-lo.
Quadro 16 – O papel do livro didático nas aulas de literatura das professoras
entrevistadas
Docente Dados encontrados
Cleusa
Regina
Não, não... ele ajuda, ele ajuda, é de grande ajuda, não vamos menosprezar,
porque realmente ajuda, agora a gente tem de pesquisar em outras fontes,
porque é insuficiente. Porque é muito resumido, é muito... eles inclusive dão
sugestões de outros... de outras fontes de pesquisa, né? Internet... vários...
filmes, né?
Maria
Cecília
Não, não... o meio eletrônico também. As pesquisas eletrônicas e as revistas
educativas. Aquela Escola, Escrita que é revista língua e... pesquiso muito na
209
internet também e... as editoras... é... distribuem também um material muito
bom. Eu não uso só o livro didático, porque é muito restrito o livro didático.
É como eu estava dizendo, eles usam os mesmos textos que eu já sei de cor
desde não sei quando. Até os módulos de cursinhos também são repetidos.
Você pega um módulo de cursinho, 3% é daquele módulo, só muda a capa,
os textos são os mesmos, você já deve ter visto isso, é complicado.
Hilda Olha, o livro didático... ele é muito importante. Porém, eu recomendo e
adoto.
Betina [...] O livro didático não é o único suporte. Primeiro por conta da
dificuldade do aluno trazer um livro que ele acha que é pesado e que ele já
tem outros livros para trazer durante a aula. Então eu, no meu caso, eu
determino apenas um dia para trabalhar em sala de aula esse livro didático,
por essa dificuldade. O livro tem umas orientações, tem o manual do
professor, tem sugestão de atividades que às vezes eu acato, que às vezes eu
complemento[...]. Agora uma das coisas que eu gosto muito desse livro, [...]
é que ele não traz a resposta do texto, então de certa forma, pede que o
professor trabalhe o texto antes, porque ele não tem a resposta lá, porque no
caso dele não ter lido o texto, não ter conhecido o texto, ele pode “pescar” a
resposta na hora. Então isso já é uma coisa boa que eu acho dele, ele obriga
o professor, de certa forma, porque a resposta vem no final, no manual do
professor. O professor tem que se preparar porque senão ele pode ser pego
de surpresa. O menino perguntar: professor, o que significa tal palavra, tal e
tal, e não tá ali. Ele tem que ler. Agora, eu complemento, eu trago listas, eu
trago outros livros, como eu já disse no começo da nossa fala, eu tenho uns
vinte livros, tenho duas relações de vinte livros de anos anteriores que, de
vez em quando, eu levo para sala, para trabalhar outros textos que não estão
nesse livro. E ainda assim, eu pego textos atuais de provas ou textos que
estão sendo muito utilizados em ENEM e tudo para poder trazer para os
meninos. Eu complemento demais. Eu acho que você, como meu observador,
já deu para perceber isso. Que eu trabalho pouco o livro, porque o livro é só
uma vez na semana. Eu complemento muito o livro.
210
As respostas fornecidas pelas docentes para essa questão se assemelharam em relação
ao uso do livro didático. Com exceção da professora Hilda, que referendou o seu uso, as
demais assumiram que o LD não se sagra como suficiente para o exercício das práticas
docentes referentes ao ensino de literatura. Também a professora Hilda apenas afirmou que
recomenda e adota o LD e não efetuou mais nenhuma consideração quanto a isso. As demais
também negaram que o LD seja suficiente para que os alunos entendam o conteúdo
trabalhado. A professora Cleusa Regina, apesar de classificá-lo como “insuficiente”, elogiou
as seções do LD que propõem outros suportes para a apropriação dos assuntos, como a
internet e os filmes. A professora Maria Cecília o classificou como “muito restrito” e citou o
“meio eletrônico” e as “pesquisas eletrônicas”, como outras possibilidades de suporte à sua
prática docente. A professora Betina apresentou duas justificativas para não usar o LD como
único suporte em suas aulas. Primeiro pela dificuldade em convencer o aluno a levá-lo às
aulas diariamente. Segundo porque organiza a sua prática docente com outros suportes, como
textos utilizados em provas do ENEM, por exemplo. Ressaltou que nem sempre executa uma
indicação do LD inteiramente, preferindo complementar a atividade ou realizar outra, quando
não acata as sugestões daquele suporte. Apesar de ter algumas ressalvas, elogiou também o
LD que utilizava naquele ano, por ele não conter as respostas das questões de interpretação no
manual do professor (neste caso, as respostas, ao invés de dispostas ao lado das questões, são
apresentadas no final do LD). A professora considerou esse dado importante porque obriga o
professor a se preparar antes, lendo as questões e os textos, e não repetindo as respostas como
fariam se elas fossem disponibilizadas ao lado das questões.
Quadro 17 – A prática de leitura e os suportes utilizados pelas docentes em suas salas de
aula
Docente Dados encontrados
Cleusa
Regina
É... e não é, (risos). Porque a gente faz o que pode não é? O tempo é
limitado e tudo mais... mas a gente faz o que pode. Eu costumo passar livros
para eles lerem, lerem em casa, discutirem em sala, fazerem às vezes até
uma prova sobre o livro, a gente faz dessa forma, né?
Maria
Cecília
É... porém tem que ser aos trancos e barrancos porque eles não querem ler
de jeito nenhum. Às vezes eu chamo para ler na mesa junto comigo porque a
maioria também não sabe ler direito, fica com vergonha, com medo dos
211
colegas fazerem gozação, aí fica tudo dizendo que tá com a garganta
doendo, tá com isso e aquilo, aí eu coloco junto de mim e quando eu vou ver,
é porque não sabe ler mesmo. Eu uso...eu tiro xerox de textos, de revistas, de
internet, eu imprimo, tiro cópia, trago para ler e do próprio livro didático.
Mas o livro eles não querem trazer, porque dizem que é pesado. Aí eu uso
muita xerox, muita cópia. Atualmente não uso meio audiovisual, porque só
tem um... A tv pen-drive, eu nunca utilizei, porque quando eu tentei utilizar,
eu tive um trabalho, eu botei no pen-drive, mas não funcionou de jeito
nenhum. E o data-show só tem um e tem um professor que usa direto, quando
a gente vai ver tá na mão dele, é complicado, eu não vou me atrasar por
causa de um data-show. Nós estamos até pedindo agora no PACTO, estamos
colocando no projeto pra ver se eles compram para melhorar, e o wi-fi
também a gente tá pedindo na escola, não sei se vão aprovar, né, com essa
mudança de governo aí, a gente nunca sabe, ne?
Hilda (pausa para consultar o seu material) Com certeza, pois segundo Umberto
Eco, o texto é uma máquina preguiçosa esperando que o leitor faça a sua
parte. O suporte são livro didático “Novas Palavras”, da autora Emília
Amaral, poesias, crônicas, internet e diversas outras pesquisas.
Betina Eu acho que a prática de leitura é assim muito... eu valorizo essa prática de
leitura, ela é muito relevante, ela é muito... ela é usada diariamente, porque
até quando eu vou fazer uma atividade que não seja especificamente de
leitura, ele precisa da leitura. Se eu mando fazer um questionário, uma vez
eu mando fazer um questionário, eu sei que é uma atividade um pouco
retrógrada, o pessoal diz que não se dá mais questionário, mas eu acho que
tudo bem utilizado é apropriado. De vez em quando eu pego assim e digo
você vai ler da página tal a tal, vai ler e fazer x questões com respostas. Vou
obrigar ele a ter coerência, elaborar, ele fazer isso, pode ser que não seja o
melhor, mas às vezes, funciona. Nessas aulas que a gente adianta, eu dou
livro, eu mando fazer pergunta, então é uma prática bem efetiva na sala de
aula, leitura de modo geral, de tela, de textos, de questões, tudo isso é muito,
eu faço muito. Utilizo outros textos como suportes, textos mimeografados, de
outros livros, e eu... uma coisa que... ninguém... eu faço, todo dia na semana,
eu até deixei de fazer... cinco minutos ou dez da minha aula para curiosidade
212
literária. O menino traz o texto que ele leu, que ele gostou, ele traz, lê, às
vezes é uma música, ele canta, e a gente discute nesses cinco minutos, e eu
sempre faço isso para atribuir eu dou um crédito, que eu digo a ele que é um
crédito, às vezes décimos, na nota, mas é uma forma de estimulá-lo também
a participar dessa leitura.
Todas as professoras responderam que a prática de leitura era uma realidade em suas
aulas. No entanto, apresentaram suas ressalvas. A professora Cleusa Regina respondeu “é e
não é”. Isso porque entende que o tempo “limitado” das aulas dificulta que ela ponha em
prática suas propostas. Mesmo assim, ressaltou que “faz o que pode”. A professora Maria
Cecília respondeu “É...” e complementou: “aos trancos e barrancos”, ou seja, a prática de
leitura ocorre em suas aulas, porém com muitas dificuldades. Nesse caso, atribuiu a essas
dificuldades o fato de a maioria dos seus alunos não saberem ler e ficarem com vergonha
quando são chamados a este tipo de exercício. A professora Hilda respondeu “com certeza” e
citou Umberto Eco para embasar a sua resposta. A professora Betina afirmou que, em suas
aulas, a prática de leitura é usada cotidianamente, até mesmo quando a atividade não é
específica de leitura.
Quanto aos suportes que as docentes utilizavam para viabilizar o exercício da leitura,
todas apresentaram seus exemplos. Cleusa Regina respondeu que passava “livros” para que os
alunos lessem em casa e, posteriormente, discutissem nas aulas. Maria Cecília citou “xerox de
textos de revistas e da internet [...] e do próprio livro didático. Hilda citou o livro didático que
utilizava, “poesias, crônicas e diversas outras pesquisas”. Betina citou “questionários, leitura
de tela, de textos, de questões [...] textos mimeografados e de outros livros”. Acrescentou que
costumava utilizar cinco minutos de suas aulas para que um aluno, diariamente, levasse para a
aula um texto que tivesse gostado e lesse para a turma. Nomeou essa prática de “curiosidade
literária”.
Quadro 18 – Professoras analisam o ensino de literatura através da sua prática docente
Docente Dados encontrados
Cleusa
Regina
Eu procuro fazer o melhor possível dentro das limitações que nós temos. O
livro didático com pouca informação, os alunos sem interesse em comprar
213
livros, a biblioteca da escola tem, mas não tem tudo necessário, né? Então a
gente faz...na medida do possível.
Maria
Cecília
Eu analiso... meio complicada, como eu disse, eles não gostam de ler,
quando faz algum cartaz, faz assim de qualquer jeito, tira da internet, copia
e cola, se fizer um trabalho escrito é pior, que eles não querem ter trabalho,
até a barra da internet eles deixam, a gente faz mas não é assim... eu mesma
me sinto como se eu não tivesse feito nada, entendeu? A gente tem o trabalho
de... programar, planejar, quando traz... às vezes tenho a impressão de que o
trabalho é nulo, que não fez nada, porque eles mesmos não querem. E aquela
sala que você foi é uma das melhorzinhas, porque a sala 1 e as outras... a
que eu consigo trabalhar melhor atualmente é a 6, porque eles brigam,
brigam mas na hora... a coisa muda de condição... dá pra fazer um trabalho
bom, mas nas outras... é complicado.
Hilda (pausa) Ao meu ver, o ensino da literatura na minha prática docente é
fundamental, porque creio que faço isso a fim de que o aluno se prepare
para o ENEM, vestibular, bem como para a vida.
Betina Eu não queria que eu fizesse essa análise. Eu gostaria que outra pessoa
fizesse isso (risos)... porque eu tento acertar, quando eu trabalho literatura
dessa maneira, eu tento realmente fazer o que deve ser feito, o que eu
acredito que é o melhor para o meu aluno, mas entre eu dizer que é o melhor
é complicado [...]. Às vezes eu chegava na sala e dizia assim: poxa, hoje eu
vou dar uma aula nota dez, aí preparava tudo, transparência, naquele tempo
das transparências. Aí, eu fazia a aula, preparava a aula, tudo e tal. Aí
chegava na sala e... legal, não sentia o envolvimento. E às vezes não
preparava nada, fazia uma coisa assim, e surtia muito mais efeito. [...] na
primeira unidade foi toda revisão [...]. Eu fiz um mapa conceitual. [...] [um
aluno] disse: Professora, [...]... literatura vai ser assim o ano todo? Porque
eu não sei como é que eu vou estudar. Foi uma crítica. E é um bom aluno.
Então às vezes pensa que está acertando e não está acertando, entendeu?
Agora, na medida do possível, eu tento diversificar o material, eu tento fazer
o que eu acho que deve ser certo, tá sempre aquela leitura crítica,
relacionando com o dia a dia [...].
214
As docentes analisaram o ensino de literatura a partir das suas práticas docentes a
partir de considerações do movimento diário de suas aulas. Cleusa Regina afirmou que
procura “fazer o melhor possível” e, por conta da “pouca informação” contida no LD, dos
alunos não comprarem livros indicados e da insuficiência do acervo da biblioteca escolar, só
pode realizar uma prática “na medida do possível”. Maria Cecília avaliou sua prática apenas
como “meio complicada”. Em seguida, responsabilizou os alunos, que “não gostam de ler”,
ilustrando que quando pedia um trabalho, eles plagiavam da internet, sem ao menos retirar a
barra de endereços das impressões. Também mostrou-se revoltada por “programar, planejar” e
os alunos não valorizarem o seu trabalho. Hilda apenas respondeu que acredita que o seu
trabalho é de fundamental importância para que os seus alunos “se preparem para o ENEM,
vestibulares” e “para a vida”. Betina revelou que tenta acertar ao trabalhar a literatura da sua
maneira. Ao citar passagens de suas aulas, demonstrou que se preocupa com o planejamento,
com a execução e com o resultado das suas práticas, citando como exemplo uma crítica de um
dos seus alunos sobre a metodologia aplicada em algumas de suas aulas. Por fim, acrescentou
que tenta “diversificar o material”, através de leituras críticas associadas ao dia a dia e, ainda,
que faz “auto e hetero-avaliação” em todos os anos letivos.
Quadro 19 – Professoras avaliam a prática de leitura literária em suas escolas
Docente Dados encontrados
Cleusa
Regina
A própria linguagem, porque a linguagem do aluno é muito pobre. Hoje em dia
as pessoas não procuram, né, desenvolver uma linguagem formal culta... muita
gíria. Então às vezes vem dificultando o entendimento da literatura. Mas a
gente procura, né, mostrar que é necessário, né? Nem que seja com o uso do
dicionário do lado, (risos). Muito vocabulário, aulas de vocabulário, pesquisas
de vocabulário, uso do dicionário para o aluno ver que realmente existe a
linguagem literária e a linguagem do cotidiano, né, que a gente utiliza.
Maria
Cecília
[...] acham que aquilo não serve para nada. O que eu poderia sugerir? É que
fosse utilizada na escola a internet, o wi-fi, tivesse assim... tipo um laboratório,
como eu já propus, uma sala de leitura para cada matéria, com todos os
215
recursos audiovisuais, internet porque agora eles só vivem na internet, no
celular, no tablet... porque a tendência é essa senão a escola vai... o livro vai
ficar obsoleto, não vai ficar totalmente porque o livro não pode deixar de
existir. Mas eu digo assim... se não colocar alguma coisa pra era deles, aí vai
ser pior, eles não vão... a prova do ENEM mesmo tá a maior confusão porque
eles não entendem... “ah, é muito besta”.... eles não gostam de ler, é o
resultado. Aí ficam reclamando. Eu digo, ah, não é comigo não, vão reclamar
lá com o MEC. Mas MEC? Porque se a UFBA aderiu também ao ENEM, as
universidades federais... você sabe que prova das federais são todas com texto,
maiores atualistas do ENEM, por que pormenorizar? Eu acho que é também
para cobrar a atividade de leitura, aí como o povo não gosta de ler... vai
dificultando mais ainda, né? Tem a Revista Mundo Jovem, também. A revista
Mundo Jovem que é muito boa, traz todos os temas da atualidade, eu... eu tinha
cancelado minha assinatura, esse ano vou renovar, já renovei, já paguei o
boleto porque é muito boa, inclusive o tema do ENEM, eles foram...
publicaram, comentaram, é mole? Se eu tivesse trabalhado com eles... seria
ótimo, porque desde o começo do ano eu trabalhei até junho com a xerox da...
você conhece a revista Mundo jovem? Muito boa. aí eu já vou renovar a minha
assinatura porque aí eu já vou... já vai servindo de suporte também.
Hilda (pausa) em relação à sala de aula, é necessário que o aluno saiba usar o livro
didático em seu favor como um meio de conhecimento, pois ele só tem a ganhar,
porém muitos não têm essa consciência e nem também obedecem a respeito do
que lhes é orientado. Por isso, as dificuldades são grandes em relação à leitura
e à escrita. Além disso, eu queria acrescentar também... ele precisa adquirir
sabedoria... sabedoria de querer fazer por prazer também...então, se ele parte
do prazer e não porque estão impondo... vai ajudar ele.
Betina Meu Deus do céu, que coisa difícil isso... leitura literária... Normalmente, a
gente usa, a maioria dos professores da escola, vou falar, não sei... mas eu vejo
os professores utilizando o livro didático. Usa o livro didático, aula expositiva,
não tem muito um incentivo à leitura, certo? E toda vez que a gente traz uma
coisa diferente pro menino, ele recebe bem, você viu. Eu entreguei a lista e eu
recebo. A menina perguntou: professora, a senhora me dá um, eu queria tanto
esse texto. Aí de vez em quando eu digo, quando eu trabalhar todo mundo eu
216
dou, deixo x em cada sala. Encontro muitas dificuldades porque os colegas, eles
me acham assim... os colegas não querem ter trabalho. A questão que você ouve
muito aqui falar é: ah, já vem ela dando trabalho. Então, fazer um projeto de
leitura é procurar sarna para se coçar, entendeu? Então o professor reage a
esse tipo de trabalho. E a dificuldade é justamente por isso. Então, se tem um
projeto, não pode ter outro. Que agora mesmo, eu não sei se vou fazer isso
antes do ENEM por causa da gincana. Eu nem apresentei isso hoje sabe por
quê? Porque eu devo esperar acontecer a gincana, que depois que acontecer a
gincana eu faço isso no final de setembro ou no início de outubro. Aí vai ficar
em cima do ENEM. Eu não vou ter meu objetivo atingido. Eu queria estar com
esses esquemas todos discutidos, trabalhados, antes do ENEM. Um mês é muito
pouco. Porque aí seria um trabalho de redação, de produção de textos, não é
nem de literatura. Olha eu nunca tive...se eu quiser fazer sozinha, peitar... eu
tenho todo apoio da direção. Porque todos os projetos que eu fiz aqui na escola,
eu tive um apoio de sessenta por cento, não tem cem por cento, porque a escola
não tem microfone, não tem... não consegue uma mesa de som, ainda tem muito
entrave, a parte física da escola. Mas o apoio, professor, direção, eu tenho
todo, tenho todo, tenho apoio, muito apoio dele. Tanto que o projeto Jovem
senador era para professor de redação. Eu só tenho três turmas de redação e
ele me deu o projeto. Porque ele sabe como eu gosto de projeto, sou a
professora certa para trabalhar isso, por incrível que pareça. Aí agora, eu fui
um pouquinho... Não fui modesta. Mas é essa imagem que passa, entendeu?
Faltou um pouquinho a modéstia, me desculpe. Me desculpe... que ele me
pegou, podia ter feito com Cassandra, tem tanto professor aí que trabalha
redação, tem Natasha, tem Haydée Bandeira, que é professora do terceiro ano,
que deveria estar trabalhando projeto, tem Felícia, tem todo mundo, mas ele
pediu para mim, trabalhar, porque ele acha que eu tenho perfil, eu me envolvo
mais com as coisas, eu fiz pesquisa para esse projeto jovem senador, mandei
pesquisar, dei roteiro de pesquisa para trabalhar, para usar internet, rede
social, fiz debate, uma semana de debate e uma semana de produção de textos
na sala, olhando, corrigindo, não, copiou da internet, essa linguagem não é
sua, devolvendo texto, para escolher o texto que vai para Brasília e o texto que
vai para Brasília é do meu aluno, tenho certeza disso.
217
As respostas oferecidas pelas professoras apontaram que elas reconhecem dificuldades
para o estabelecimento da prática de leitura literária em suas escolas, com exceção da
professora Hilda, que preferiu se reportar à sua sala de aula. A professora Cleusa Regina citou
como obstáculo a “própria linguagem do aluno, que é muito pobre”. E que o uso da gíria tem
afastado as pessoas da linguagem formal. Para resolver o problema, sugeriu “muito
vocabulário, aulas de vocabulário, uso do dicionário”. Isso seria necessário para que o aluno
tivesse a dimensão da diferença entre a “linguagem literária” e a “linguagem do cotidiano”.
A professora Maria Cecília respondeu que existem “muitos obstáculos”. E citou como
exemplos “a falta de material, de suporte”. Também, nesse caso, a professora responsabilizou
os seus alunos pela “falta de perspectiva e desinteresse” pela leitura de literatura. Para resolver
o problema, sugeriu que toda a escola tivesse internet e wi-fi, “um laboratório [...] uma sala de
leitura para cada matéria, com todos os recursos audiovisuais”. Revelou preocupação pelo fato
de a escola não acompanhar a era das tecnologias da informática, onde o aluno se enquadra, e
ainda considerou que o livro impresso vai ficar obsoleto.
A professora Hilda se referiu “à sala de aula”, para contextualizar sua resposta.
Afirmou que é “necessário que o aluno saiba usar o livro didático em seu favor”. Acrescentou
que a desobediência dos estudantes em relação às orientações que recebem implica as
dificuldades em relação à leitura e à escrita. Por fim, ressaltou que o aluno precisa ter
“sabedoria de querer fazer por prazer” e “não porque estão impondo”.
Quanto à professora Betina, pelo seu relato, a sua escola encontra dificuldades para o
estabelecimento da leitura literária. Dentre eles, citou o uso do livro didático nas aulas
expositivas que, segundo ela, “não tem muito um incentivo à leitura”. Citou também como
obstáculo os seus colegas, que “não querem ter trabalho” e, por isso, quando ela propôs algum
projeto de leitura, afirmaram que ela estava criando um problema para si mesma. Acrescentou
que o novo faz bem ao aluno, pois quando levava algo diferente do habitual para as suas aulas,
os alunos recebiam bem.
6.5.2. Entrevistando os alunos
Elaboramos doze questões, as quais compõem o roteiro de entrevistas para os oito
alunos da segunda e os sete alunos da terceira série do ensino médio. Destas, selecionamos
218
seis que responderiam diretamente ao nosso objetivo específico de “Identificar e analisar, por
meio de entrevistas, as concepções e práticas de leitura, literatura, aulas de literatura, relação
com a leitura e usos do livro didático apresentados pelos alunos das escolas selecionadas para
a pesquisa”. As outras seis foram utilizadas para criarmos um perfil dos discentes em relação
aos hábitos de leitura dos brasileiros, os problemas enfrentados no quesito formação de
leitores e as sugestões que apresentaram para uma possível resolução das questões levantadas.
Dentre os alunos da segunda série, quatro da Escola Heurisgleides Ferreira e quatro da
Escola Renailda Sousa, seis disseram que não acreditam que o Brasil seja um país de pessoas
que têm o hábito de ler. Destes seis, três de cada escola. Quando indagamos o porquê de suas
opiniões, as respostas se dividiram: dois alunos alegaram falta de gosto pela leitura por parte
dos brasileiros; os demais citaram os índices de analfabetismo, a carência geral de leitura no
país, o hábito das pessoas em permitir que outras decidam por elas; uma não soube responder.
Os dois alunos que responderam “sim” à questão (um de cada escola) justificaram suas
respostas alegando a vendagem de livros, sobretudo para os adolescentes, e a utilização em
massa da internet, principalmente pelos aplicativos para aparelhos celulares.
Os alunos da terceira série foram mais cautelosos e não apresentaram respostas tão
diretas quanto os da segunda. Foram três alunos da Escola Heurisgleides Ferreira e quatro da
Escola Renailda Sousa. Os três alunos da primeira escola responderam que “sim”, isto é,
acreditam que os brasileiros têm o hábito de ler. Dentre os da segunda escola, três estudantes
responderam “não”, e um aluno afirmou que apenas trinta por cento dos brasileiros devem ler.
As justificativas apresentadas pelos alunos que responderam “sim” se pautaram nos seguintes
argumentos: Tânia alegou que “muita gente lê jornal”; Marcos se reportou ao tempo às vezes
tão exíguo que as pessoas acabam por ler apenas o básico, mas leem; Gláucia defendeu que
tanto “os meninos” quanto “as meninas” leem “livros de ajuda” e as sessões de autógrafos de
escritores têm demonstrado que o hábito de leitura está crescendo no país. Luiz apresentou
uma porcentagem dos leitores que gostam de ler e disse que “o resto não se interessa”. Os que
responderam “não” também apresentaram suas justificativas: Daniela se reportou à sua
própria escola para afirmar que as pessoas não têm o hábito de ler. Ana Cláudia atribuiu sua
resposta à utilização desenfreada da internet através das redes sociais e dos aplicativos.
Alegou que as pessoas não buscam a internet para ler ou para se instruir, mas apenas para
divertimento. Flor apontou o desinteresse das pessoas e citou a sua sala de aula como
exemplo; afirmou que a sua professora de literatura estimula os alunos a lerem, mas que eles
resistem.
219
A segunda questão focou os problemas existentes em relação à formação de leitores no
Brasil e o que os estudantes sugeririam para a resolução desses problemas. Todos os oito
alunos da segunda série e os sete da terceira série das duas escolas responderam “sim”,
concordando que existem problemas na formação de leitores. As sugestões apontaram saídas
variadas para sanar as dificuldades. Os quatro alunos da segunda série da Escola
Heurisgleides Ferreira atribuíram à família o papel de contribuir para a resolução do problema
acima mencionado. Dentre esses quatro estudantes, Jéssica também responsabilizou o ensino
básico, Bruno citou a falta de interesse dos próprios indivíduos e Clô apontou o custo dos
livros, a falta de incentivo, sobretudo na mídia, em comparação com entretenimentos como
novelas e jogos.
Dentre os quatro estudantes da segunda série da Escola Renailda Sousa, dois se
reportaram à família como uma das responsáveis pelo incentivo à leitura, além de
apresentarem outros elementos que, em suas visões, teriam a mesma função. Ricardo entendeu
que formação de leitores e alfabetização são coisas similares e, portanto, sugeriu que a
solução está em alfabetizar as pessoas; e atribuiu essa função à sua professora, que deveria
entender que “cada pessoa é diferente de estudo”. Wellington ressaltou que “a culpa não é só
da escola” e que as pessoas deveriam se preocupar mais com a leitura; acrescentou que a
família também é responsável por incentivar as crianças à leitura. Mariana relacionou a
formação de leitores ao ofício do professor e do escritor, afirmando ter consciência da
dificuldade das atribuições docentes e da falta de espaço para se discutir esses problemas.
Sugeriu que a solução, talvez, viesse de fora, dos Estados Unidos, por exemplo. Também
responsabilizou a família por incentivar os seus filhos à leitura, ainda que muitas vezes “nem
tenha condições de cobrar”. Júlio, por sua vez, responsabilizou o sujeito coletivo “povo” que,
em sua visão, “deveria se dedicar mais aos estudos”, e relacionou esse fato à política no país.
Os alunos da terceira série da Escola Heurisgleides Ferreira apresentaram as seguintes
propostas: Marcos responsabilizou as redes sociais que, em sua visão, tomam muito tempo das
pessoas, as quais, ao invés de lerem, “batem papo” e, por isso, não encontram condições de se
dedicar à leitura. Não apontou sugestão. Gláucia citou a internet como responsável pelo
problema que, em razão do seu fácil acesso, dificulta a leitura de jornais, por exemplo. Além
disso, citou que as pessoas estão habituadas a se informarem pela leitura do outro, o que
dificulta um posicionamento crítico. Sugeriu que a solução estivesse na inserção de novas
“matérias interessantes” para chamarem a atenção do leitor.
220
Dentre os quatro estudantes da Escola Renailda Sousa, um aluno e uma aluna
responsabilizaram a escola pela formação leitora: Luiz e Flor; e duas alunas atribuíram aos
próprios sujeitos a responsabilidade de se dedicarem à leitura: Daniela e Ana Cláudia. Luiz
afirmou que a escola deveria estimular os alunos desde cedo, pois, na fase adulta, as
dificuldades seriam insuperáveis. Daniela sugeriu que houvesse mais “palestras e
ensinamentos sobre a leitura”. Ana Cláudia apontou que “as pessoas poderiam incentivar as
outras a ler mais [...] mas de um jeito dinâmico”. Flor sugeriu que o incentivo à leitura fosse
extensivo a outras disciplinas, além de Português, pois em casa já não há esse estímulo.
A próxima questão – “A sua relação com a leitura se dá exclusivamente na escola? Por
quê?” – foi elaborada com o intuito de conhecermos os locais onde os estudantes praticam a
leitura, e se a praticam fora da escola. Todos os estudantes afirmaram que liam além dos
domínios de suas escolas. Dentre os alunos da segunda série, todos da escola Heurisgleides
Ferreira afirmaram que liam em casa. Davi lê livros, Jéssica lê livros de autoajuda, Bruno não
especificou o suporte, apenas afirmou gostar de ler, e Clô disse que tem muitos livros e os que
menos lê são os que a escola indica. Os da Escola Renailda Sousa, também da segunda série,
afirmaram que liam fora da escola; além disso, dois estudantes ressaltaram que liam em vários
lugares. Ricardo revelou que lê em vários lugares e momentos, quando está “descansando”,
quando “não tem nada para fazer”, “um livro, uma história”. Júlio também afirmou que lê “na
escola, na rua, em casa”, pois sempre há algo que chama a sua atenção, um jornal, por
exemplo. Wellington lê em casa, quando está na internet e quando há alguma atividade
escolar, e livros também. Mariana lê mais fora da escola do que na própria escola, pois
escreve para um blog e escreve poesias.
Os alunos da terceira série apresentaram respostas diversificadas. Os da Escola
Heurisgleides Ferreira se posicionaram da seguinte forma: Tânia gosta de ler “por fora” da
escola, livros didáticos. Marcos gosta de ler em casa livros “que contam histórias de
superação”, livros religiosos, evangélicos, revistas, atualidades e, sobretudo, História da
Grécia e de Roma. Gláucia gosta de ler “livros de jovens” isto é, “livros de autoajuda”. Os
estudantes da Escola Renailda Sousa, da mesma série, assim responderam: Luiz lê fora da
escola, pois lá só “estudam mais o livro didático”. Em casa, ele lê livros de Pedro de Andrade
Caminha e “outros tipos de literatura que, aqui na escola, a gente não é permitido”. Daniela lê
os livros da escola e também livros de História. Ana Cláudia lê fora da escola porque acha
“importante” e, por isso, sempre tira “um tempo para ler um pouco”. Flor atribuiu seu gosto
221
pela leitura ao fato de sua mãe também gostar de ler. Disse que lê muitos romances “mesmo
que não sejam livros muito... de literatura”, até manuais de instruções.
A próxima questão pediu que os estudantes citassem livros que já tivessem lido por
sugestão de alguém próximo, como membros da família, amigos e professores. Elaboramos
essa questão com intuito de verificarmos se as sugestões apresentadas pelos livros didáticos,
geralmente indicando os cânones, estão contempladas nas escolhas dos estudantes. Do total,
foram citadas vinte e seis obras. Destas, sete são produções de autores que compõem o cânone
(26,9%) e dezenove (73,1) de autores que não compõem o cânone. Destes, considerando os
autores revelados pelos estudantes, doze são produções de autores estrangeiros (63,1%).
Os livros citados pertencentes ao cânone foram: Capitães da areia (Jorge Amado),
“um livro de Manuel Bandeira”, “um livro de Augusto dos Anjos”, “Machado de Assis”; três
foram indicados pela professora: A Moreninha (Joaquim Manuel de Macedo), A escrava
Isaura (Bernardo Guimarães) e A morte e a morte de Quincas Berro d’água (Jorge Amado).
Na relação dos livros que não compõem o cânone brasileiro foram citados: Anastra (o
estudante não soube informar o autor), A culpa é das estrelas (John Green), O código Da
Vinci (Dan Brown), A garota da capa vermelha (Sarah Blakley-Cartwright), A menina que
roubava livros (Markus Frank Zusak) – citado por dois estudantes, A guerra do gelo (a
estudante não soube informar quem era o autor), Diário de uma paixão (Nicholas Sparks), O
pequeno príncipe (Antoine de Saint-Exupéry), A Bíblia Sagrada, “um livro também sobre
matemática”, Crepúsculo (Stephanie Meyer), “o livro de Ivete Sangalo”, Harry Potter (J.K.
Rowling), O pão diário (segundo o estudante, uma produção cristã), “um livro espírita de
Mônica Castro”, Percy Jackson (Rick Riordan), Cidade de papel (John Green), A seleção
(Kiera Cass), A cabana (William P. Young). Destes, quando mencionadas, as indicações
foram de amigos.
A questão seguinte se referiu aos assuntos que seduzem os estudantes, ou seja, o que
eles gostam de ler em um livro. Dentre os oito alunos da segunda série (contando com as duas
escolas), predominou o gosto quando o assunto é “romance”, com quatro citações. As outras
temáticas citadas foram ação, fantasia e suspense (cada uma com duas citações), Biografia,
drama, sagas, trilogias, aventura e história antiga (cada uma com uma citação). Dentre os sete
alunos da terceira série (somando as duas escolas), três citaram “aventura” como assunto
predileto. Também foram citados romance, história e ficção científica (cada um com duas
citações); esportes, histórias de superação, espiritismo, matemática, engenharia e atualidades
(cada um com uma citação).
222
A última questão desse bloco foi a seguinte: “Acredita que a prática de leitura literária
tem alguma importância em sua vida escolar? E fora da escola?”. Buscamos, com essa
questão, entender se a leitura de literatura possuía alguma relevância para aqueles estudantes.
Todos os quinze participantes responderam “sim” às perguntas. Desses, quatro alunos da
segunda série (Davi, Jéssica, Bruno e Mariana) e uma aluna da terceira série (Ana Cláudia)
responderam apenas “sim”, sem justificativas. Clô apresentou a seguinte justificativa “[...]
porque eu acho que é um meio de escrever melhor, falar melhor, ter uma visão ampla do
mundo melhor”; Ricardo considerou: “[...] porque ajuda a ser uma pessoa pensante, uma
pessoa melhor”; Wellington completou: “O que a gente aprende na escola vai aproveitar na
vida” e Júlio finalizou: “Porque sem leitura hoje a gente não vive. Porque tudo hoje envolve a
leitura, sabedoria, tudo hoje é movido à leitura”. Todos esses eram alunos da segunda série
das duas escolas.
Com relação aos alunos da terceira série que justificaram suas respostas, Tânia afirmou
que os livros cujos gêneros lhe interessam são levados para fora da escola: “Porque alguns
livros assim, tipo aventura, eu gosto de levar pra fora do mundo da escola”; Marcos
acrescentou que a leitura literária tem importância “[...] também na vida pessoal e
profissional”; Luiz se alongou na justificativa para apresentar a sua visão sobre a questão:
“[...] tem alguns textos, como Navio negreiro de Jorge Amado,56que é muito interessante, que
retrata sobre os escravos. É muito interessante. E eu vejo... e quando eu comecei a ler, eu
comecei a perceber o sofrimento o qual os escravos passaram, comecei a ver... e isso que nós
sofremos hoje em dia não é nem a metade. Então isso me ajuda. [...] os escravos estavam ali
sendo massacrados e mesmo assim não disseram não, mesmo assim não desistiram... por que
eu vou desistir?”; Daniela associou a relevância da referida leitura ao ENEM: “[...]
principalmente que no Enem eles cobram muito isso. Então... sim, porque é um preparatório,
você tem que tá lendo constantemente [...]; Flor concluiu afirmando que a leitura de literatura
[...] Aumenta o vocabulário, dá uma fluidez de falar, tudo mais”.
Traçado o perfil dos estudantes em suas relações com a leitura, passamos ao
tratamento dos dados que respondem ao nosso já mencionado objeto específico de pesquisa.
Esse tratamento está representado em um quadro que contém as respostas formuladas pelos
alunos às questões propostas. As questões 1 a 5 correspondem à nossa categoria de análise
“representação”, pois apresentam as concepções dos estudantes sobre leitura, literatura e usos
do livro didático. As questões 6 e 7 correspondem à categoria “apropriação”, uma vez que se
56 Trata-se da obra do poeta Castro Alves
223
reportam aos modos de apropriação de conteúdos sugeridos pelas aulas expositivas e pelos
livros didáticos.
Ao final de cada quadro, apresentamos uma tabela em que expomos quantitativamente
os conceitos formulados pelos estudantes e a porcentagem de cada uma das ocorrências em
que foram mencionados. Esses conceitos se configuraram como indicativos para a nossa
interpretação dos dados.
Quadro 20 – O conceito de leitura na visão dos estudantes
Aluno Dados encontrados
Davi Ler é entender o que está lendo...
Jéssica Acho que é importante, né? Ler sempre é bom. Jornal, seja o que for.
Bruno Leitura... acho que é essencial para todos os alunos, até para quem não
estuda, que a leitura, além de aumentar o seu conhecimento, faz muito bem
pra gente.
Clô É... (risos) todo material que serve para a gente ler sobre qualquer tipo de
assunto, qualquer tema.
Ricardo Leitura... eu entendo como... é como você vê uma coisa que você gosta.
Wellington Leitura... leitura é um modo de você... também de você... é um modo de você
aprender as coisas que você...é... que quem não sabe ler, aprende.
Mariana Leitura... é tudo que a gente lê... que a gente tem a noção das palavras, tem
todo um contexto, sabe?
Júlio Leitura pra mim é tudo aquilo que a gente possa expressar, entender...tipo
uma interpretação. Tudo aquilo que a gente pode ver, identificar, demonstrar
alguma coisa, pensar em alguma coisa, fazer algo.
Tânia [...]eu penso que leitura pra mim não é só um ato assim, como um
conhecimento porque só não aprende novos vocabulários como você aprende
o que o livro lhe informa [...].
224
Marcos Leitura... é conhecimento, informação, um lazer, leitura também é uma forma
de lazer... é isso.
Gláucia Leitura... é uma coisa muito importante para a gente aprender e ler sobre
outras coisas que a gente não está acostumada, repetir as coisas que o livro
passa.
Luiz Leitura... leitura seria você ler algum livro e entender o que se trata. Seria
praticamente você fazer... saber diferenciar o título do tema. [...] leitura seria
isso, desvendar a mensagem que o texto quer passar.
Daniela Leitura é ler e compreender, ou seja, você tem que interpretar.
Ana
Cláudia
Leitura é... uma forma de comunicação também. É... você aprende, [...] acho
que leitura é uma forma de comunicação, através do... da... visualização e...
acho que é isso.
Flor [...] parar pra pensar e ver assim como é que você se liga com a realidade,
ver... discutir... ver além do que está escrito.
As respostas obtidas revelaram os seguintes dados: Davi defende que ler é “entender o
que está lendo”; Wellington concebe o termo como “um modo de você aprender as coisas”;
Mariana associa a leitura a uma espécie de “noção das palavras” dentro de um contexto; Júlio
define o seu conceito a partir da interpretação: “leitura pra mim é tudo aquilo que a gente
possa expressar”. Todos esses alunos são estudantes da segunda série. Dentre os alunos da
terceira série que consideram os mesmos conceitos, Marcos acredita que além de proporcionar
o conhecimento, a leitura também “é uma forma de lazer”; Daniela relaciona a leitura com
interpretação: “leitura é ler e compreender”; Ana Cláudia concebe leitura como comunicação
a partir da “visualização”; Flor acredita que ler é “ver além do que está escrito”.
Em outro indicador, Jéssica, Bruno e Clô (segunda série) associam a leitura a algo
importante. Jéssica não soube precisar onde reside essa importância; Bruno entende que “além
de aumentar o seu conhecimento, faz muito bem pra gente”; e Clô acredita que leitura se
refere a todo “material que serve para a gente ler sobre qualquer coisa”. Também 20%
concebem a leitura como tributária do livro ou do texto. Para essas pessoas, ler significa
compreender o que o texto ou o livro querem dizer. Tânia concebe a leitura como os
ensinamentos transmitidos pelos livros: “[...] livro de biologia ele traz tudo de biologia, livro
225
de sociologia ele traz atualidades, essas coisas”; Gláucia acredita que, além de aprender coisas
das quais não se está acostumado, leitura significa, também, “repetir as coisas que o livro
passa”; Luiz acredita que ler significa “desvendar a mensagem que o texto quer passar”.
Todos estes eram alunos da terceira série. Apenas um estudante associou a leitura ao gosto:
Ricardo (segunda série) compreende a leitura “[...] como você vê uma coisa que você gosta”.
Quadro 21 – O conceito de literatura segundo os alunos
Aluno Dados encontrados
Davi Ler um livro, talvez... não sei
Jéssica O ensino da história também. A gente também aprende a ler.
Bruno Acho que a gente aprende. Literatura é leitura.
Clô [...] uma base que os livros representam para a cultura. [...] que envolve
todos os temas abordados é... todos os tipos, como romance...
Ricardo Literatura são... os trabalhos dos autores que passaram através do tempo.
É... a literatura de várias... de várias culturas...
Wellington [...] literatura tem mais... é... tem mais a ver com história, literatura eu não
conheço muito, não. A professora dá aula de literatura, eu vejo que ela fala
de história.
Mariana Acho que literatura é uma coisa mais complexa, alguma coisa assim... que
não sei... que nos encanta... são pessoas que transmitem alguma coisa, acho
que é isso.
Júlio Literatura é o nosso movimento de tentar escrever, tentar fazer alguma
coisa, pra tentar se expressar através da escrita, de um diálogo.
Tânia Literatura, eu defino como... ler. É, literatura é ler um certo tipo de leitura,
literatura aventura, literatura clássica.
Marcos A literatura também é uma forma de conhecimento e lazer também. É algo
assim mais abrangente, envolve mais a história, acontecimentos, fatos
marcantes. Um hobby, literatura também é um hobby, arte, cultura, e vários
226
outros assuntos.
Gláucia Eu acho que literatura fala mais sobre as coisas do passado. As coisas que a
gente não sabia e que a gente sabe agora, que vai ensinando...
trovadorismo...
Luiz Literatura seria como se fosse um local em que armazena diversos tipos de
conhecimentos na área da leitura, mas que grandes homens escreveram.
Daniela Literatura ... literatura é uma... é um tipo de leitura também desde o
passado... é isso.
Ana
Cláudia
Literatura... acho que é... tem... é interligada à história, eu acho. E... eu não
sei explicar.
Flor Literatura... Eu vejo literatura como uma forma de arte. Assim... só que uma
arte escrita. Que assim... na maioria das vezes, a literatura, ela visa é
criticar a sociedade ou alguma coisa do tipo. Aí eu vejo a literatura como
uma forma de crítica.
Verificamos que a maioria dos participantes entende literatura como leitura. Dentre os
que justificaram o seu conceito, Tânia, aluna da terceira série, citou dois gêneros da literatura:
aventura e literatura clássica. Daniela, também aluna da terceira série, associou a literatura à
leitura “[...] desde o passado”. Na sequência, três alunos relacionaram a literatura com o
ensino da história, dentre esses, Wellington, aluno da segunda série, justificou sua resposta
afirmando que, nas aulas expositivas, a professora o levou a ter esse entendimento. Ana
Cláudia, da terceira série, não soube explicar a sua resposta.
Também três alunos entendem literatura como Produções literárias ou local que
armazena conhecimentos na área de leitura produzidos por grandes homens. No primeiro
caso, Clô, da segunda série, entende a literatura como “uma base que os livros representam
para a cultura [...]”, e citou o gênero romance como exemplo. Ricardo, da mesma série,
concebe o termo como “o trabalho dos autores que passam através do tempo”. No segundo
caso, Luiz, da terceira série, acredita que “grandes homens” escreveram “diversos tipos de
conhecimentos”, os quais estariam armazenados em um local. Em seguida, temos hobby, arte,
cultura, crítica. Marcos justificou a sua resposta afirmando que a literatura “também é uma
forma de conhecimento” e Flor entende a literatura como arte escrita, que tem a função de
227
criticar a sociedade. Completando o quadro, Mariana, da segunda série, considera a literatura
“complexa”, mas que “encanta”, e a conceitua como “pessoas que transmitem alguma coisa”.
Júlio, também da segunda série, defendeu que a literatura “é o nosso movimento de tentar
escrever”, enquanto Gláucia, da terceira série, entende literatura como “coisas do passado” e
citou a escola literária Trovadorismo como exemplo.
Quadro 22 – Estudantes avaliam o papel do livro didático no seu processo de ensino-
aprendizagem
Aluno Dados encontrados
Davi Tenho. Não.
Jéssica Não, porque eu acho que seria mais interessante se tivesse um livro só de
literatura, só mesmo, como matéria. E aqui não tem.
Bruno Tenho. Não acho que seja suficiente. É preciso aprimorar, se aprofundar
mais nos assuntos, além do livro.
Clô Sim. Não, eu acho que os livros têm uma vibe mais de conteúdo, que às
vezes a gente acaba não usando, que a gente nem vê o que é que tem, mas
tem.
Ricardo Tenho... não acredito... porque é uma coisa que eu não entendo, aí eu
procuro outras fontes para entender melhor o assunto.
Wellington Sim... Não, acho que não...
Mariana Sim. Não acho. Aí seria... formal... se tivesse mais sobre os escritores, sabe?
Ia ficar bem mais legal a gente aprender também.
Júlio Sim. Não, eu acho que não é suficiente. Tem que preparar mais coisas,
assim... outros livros, através de bibliotecas e outras coisas a mais [...].
Tânia Sim. Não acredito, porque literatura tem sempre muito mais além do livro.
Tem a história do autor e tem autor que muda o tipo de literatura.
228
Classicismo, Neoclassicismo, então é muito mais.
Marcos Não acho que seja suficiente. A gente tem sempre que tá buscando a
informação na internet e em outros livros.
Gláucia Eu não tenho. Quer dizer, uma galera do colégio não recebeu esse livro
porque ficou faltando. É e não é suficiente. Eu mesmo não tenho o livro.
Então, é preciso procurar os assuntos na internet...outros livros também de
literatura... (Pesquisador interrompe: Mas quando acontece isso de você não
ter o livro, a professora leva outros livros da escola? Você tem acesso às
atividades através desses livros?) Sim, a professora leva; tenho acesso.
Luiz Sim, tenho. Não é suficiente. [...] não adianta ter um livro, não adianta ter
todos os livros de literatura sendo que eu não leio, sendo que eu não busco
mais conhecimentos.
Daniela Sim, tenho. Eu acho que sim, porque a professora... o que a professora fala
tem base no que está no livro mesmo. Às vezes ela dá algo a mais, fala de...
poeta de, de escritores, atividades, mas... dá pra ter uma base.
Ana
Cláudia
Sim. Acho que não... ainda precisa basear muitas coisas ainda, não só no
livro, tem... tem... internet também, ensina várias coisas de literatura, não só
o livro.
Flor Sim. É... mais ou menos. Eu acho que é bom o conteúdo do livro, mas você
sempre tem que buscar algo para complementar. [...] porque talvez você
encontre de forma mais explicada em outro lugar... que você não consegue
achar no livro.
De acordo às proposições dos discentes, percebemos que a maioria deles é favorável à
utilização de outros suportes, além do livro didático, pois acreditam que este instrumento é
insuficiente para atender às demandas do processo de ensino-aprendizagem, conforme as
justificativas apresentadas. Da segunda série, Bruno, Ricardo e Júlio, e da terceira série,
Marcos, Gláucia, Luiz, Ana Cláudia e Flor apontaram essa sugestão. Bruno acredita que o LD
seja insuficiente e, por isso, precisa de algo mais “além do livro” para se aprofundar nos
assuntos. Ricardo afirma que quando não entende algo, procura “outras fontes”. Júlio sugere a
pesquisa em bibliotecas. Marcos sugeriu a internet como fonte de pesquisa. Gláucia revelou
229
que não possuía o LD daquele ano, pois faltaram exemplares para muitos alunos; mesmo
assim, afirmou que, nas aulas, tinha acesso ao referido suporte porque a professora
providenciava exemplares junto à secretaria da escola; completou sugerindo a utilização da
internet e de outros livros como complementares ao LD. Luiz afirmou que não basta ter o
livro, mas é preciso que as pessoas o leiam. Ana Cláudia também citou a internet como
suporte auxiliar ao trabalho docente. Flor acredita que o conteúdo do LD seja “bom”, mas
defende a busca por outros suportes para complementar o aprendizado.
Além disso, três estudantes da segunda série e uma da terceira apresentaram outras
sugestões em suas críticas ao uso exclusivo do LD. Jéssica sugeriu um livro didático apenas
de literatura, “como matéria”. Segundo ela, isso seria “mais interessante”. Clô considera o LD
como “uma vibe mais de conteúdo que às vezes a gente acaba não usando”; Mariana sugeriu
que houvesse mais abordagens “sobre os escritores”; Tânia acrescentou que há muito mais
“além do livro” e citou a “história do autor” e escolas literárias como “Classicismo e
Neoclassicismo”. Dois alunos da segunda série não justificaram suas respostas; apenas
afirmaram que entendem o LD como insuficiente em relação ao processo de ensino
aprendizagem. Apenas uma aluna, da terceira série, acha o livro didático suficiente como
suporte ao ensino: Daniela justificou sua resposta afirmando que “[...] o que a professora fala
tem base no que está no livro mesmo”.
Quadro 23 – A prática de leitura nas escolas segundo os estudantes entrevistados
Aluno Dados encontrados
Davi Sim. Talvez se os professores se esforçassem mais junto com os pais em
casa, os alunos se comportassem melhor.
Jéssica Mais ou menos. Incentivar os meninos à leitura, incentivar mesmo.
Bruno Não, eu acho que é mais a preguiça dos alunos para ler as coisas (risos).
Meio difícil, viu? Acho que vem de cada um
Clô Sim, tem [...]. Não mais incentivo, porque querendo ou não, os professores
incentivam. [...] acho que programas de leituras, valendo ponto, que acho
que tem que ter isso; valendo nota, as pessoas vão fazer. Incentivo em casa
também, mais acesso a livros, porque eu realmente não leio aqui. Aqui é um
230
colégio grande, deveria ter uma biblioteca com livros legais, aqui não tem,
que eu saiba.
Ricardo Não... acho que não...
Wellington Ah, tem. Não seja nem pelos professores, mas pelos alunos mesmo que não
gostam de ler.
Mariana Sim, bastante. Acho que incentivando, sabe? Acho que essa monotonia de
todo dia, ah... tem atividade... acho que deveriam colocar mais livros nas
nossas mãos, sabe? mas não é qualquer livro, é livro que faça com que a
gente aprenda, tá faltando. (Pesquisador interrompe: E esses livros seriam
quais?) ah, tipo assim, Jorge Amado, essas coisas, tem muitos escritores
bons, Fernando Pessoa, Clarice Lispector... tem muitos escritores.
Júlio Eu acho que não, porque pelo que eu vejo muito incentivo hoje à leitura na
escola. Acho que não tem problemas.
Tânia Sempre tem. Eu vejo pouca gente aqui gostando de ler. [...] Acho que uma
oficina de literatura, a biblioteca funcionando também seria legal, porque a
biblioteca daqui não funciona.
Marcos Eu diria que é regular, entendeu? Uma maneira de resolver... Acho que
incentivando mais os alunos a ler, ou seja, colocando, sei lá, uma olimpíada
de leitura. Assim...os professores de português... assim, pelo menos os que
eu já tive, eles incentivam bastante a leitura.
Gláucia Eu acho que não, todo mundo tem lido assim... quando não tem, um vai lá na
sala, um amigo e ajuda. Então... acho que não tem problema nenhum.
Luiz Acho, acho. Poderia ser incentivado mais e mais. Os alunos poderiam ter
um incentivo a mais acerca da leitura. Porque eu vejo a leitura aqui na
escola... são poucos os alunos que se preocupam em ler, [...] E isso é muito
ruim, porque uma vez que a gente lê, a gente melhora o vocabulário, fica
mais informado e tudo.
Daniela Sim, nem todos os alunos gostam de ler. Seria uma forma mais dinâmica,
né? Ter mais dinamismo para que eles possam querer ler mais. Talvez,
histórias com mais contextos de atualidades com que eles possam se
231
interessar.
Ana
Cláudia
Muito problema. Eu acho que tinha que ser... assim, mais dinâmico a
prática de leitura, não só dentro da sala. Tinha que ter alguma coisa
dinâmica assim pra incentivar os alunos pra ler mais.
Flor Nos jovens, principalmente. Eu acho que perdeu-se aquela coisa de a pessoa
ler, chegar... agora o é tudo o mais... o povo perde mais tempo em rede
social e tudo mais, mas eu acho que uma prática boa seria ser como era...
que minha mãe falava pra mim que antigamente as provas, principalmente
de português e literatura, eram baseadas em livros. Aí era estimulado o
aluno a ler o livro para fazer a prova, né? Mesmo que seja um estímulo meio
que forçado, mas depois alguns acabavam até tomando gosto e passando a
ler por conta própria.
As respostas fornecidas pelos estudantes revelam que a maioria deles percebe que há
problema em suas escolas em relação à prática da leitura e apresentaram suas sugestões para
solucionar o problema. No tratamento desses dados, analisaremos não por série, mas pelas
escolas nas quais os alunos estudam, em razão de a questão se referir diretamente ao trabalho
desenvolvido nessas instituições. Da escola Heurisgleides Ferreira, os alunos da segunda série
assim se pronunciaram: Davi acredita que os professores deveriam “se esforçar mais junto
com os pais”; assim, talvez, os alunos “melhorassem”. Jéssica acredita que a solução estaria
no incentivo à leitura, mas não revelou de onde partiria esse incentivo e nem como ele poderia
ocorrer. Clô afirmou que os estudantes não precisam de incentivo, pois isso os professores
fazem. A sua sugestão é a de que a escola adotasse programas de leituras, valendo pontuação,
nota, pois somente assim os alunos leriam. Também reclamou da falta de biblioteca na escola,
afirmando que esse é um dos motivos pelos quais ela não lê na escola.
Os alunos da terceira série da Escola Heurisgleides Ferreira e que sugeriram soluções
foram Tânia e Marcos. A primeira sugeriu “oficinas de literatura” e também reclamou da falta
de biblioteca, pois, apesar de existir uma na sua escola, não funciona. Marcos sugeriu uma
“olimpíada de leitura”, pois acredita que, como há incentivo dos professores de português,
isso seria uma maneira de “resolver os problemas” da leitura em sua escola.
Os demais estudantes da Escola Heurisgleides Ferreira se posicionaram da seguinte
forma: Bruno, da segunda série, e Gláucia, da terceira, afirmaram que não há problemas em
232
relação à prática da leitura em sua escola. Bruno atribuiu a responsabilidade aos próprios
alunos, que, em sua visão, não leem por “preguiça”. Gláucia acredita que pode haver
problemas, mas são pontuais e podem ser resolvidos com uma simples ajuda de algum colega:
“[...] quando não tem, um vai lá na sala, um amigo e ajuda. Então... acho que não tem
problema nenhum”.
Os estudantes da Escola Renailda Sousa também se dividiram em relação às sugestões
apresentadas para solucionar o problema anteriormente mencionado. Da segunda série,
Wellington e Mariana acreditam que sim, há problemas. Wellington responsabilizou os
alunos. Afirmou que eles não gostam de ler. Mariana considera o ensino, da forma como
acontece, monótono. Para ela, os alunos deveriam ter mais contato com os livros, citando
como exemplo “escritores bons”, como Jorge Amado, Fernando Pessoa e Clarice Lispector.
Os outros dois alunos da segunda série, Ricardo e Júlio, acreditam não haver problemas em
relação à prática de leitura em sua escola. Júlio justificou sua resposta afirmando que há
“muito incentivo” à leitura naquela instituição, enquanto Ricardo não justificou sua resposta.
Todos os estudantes da terceira série da Escola Renailda Sousa entendem que há
problemas em sua escola frente à prática de leitura. Luiz defende que a solução estaria em
incentivar mais o aluno à leitura, pois, segundo suas observações, “são poucos os alunos que
se preocupam em ler”; além disso, com a leitura, segundo ele, “[...] a gente melhora o
vocabulário, fica mais informado e tudo”. Daniela aposta no dinamismo como solução e
também “[...] histórias com mais contextos de atualidades com que eles possam se interessar”.
Ana Cláudia também acredita que deveria haver uma prática mais dinâmica de incentivo à
leitura para os alunos. Flor acredita que os tempos modernos são responsáveis pelo
distanciamento da prática de leitura e responsabiliza as redes sociais; para ela, a solução
estaria nos métodos do passado, à época de sua mãe, que lhe narrou histórias de como eram
realizadas as provas antigamente: todas baseadas nos livros; para ela, isso seria um “[...]
estímulo, ainda que forçado”, mas que provocaria o gosto pela leitura, no final.
Quadro 24 – Grau de satisfação dos estudantes em relação às aulas de literatura
Aluno Dados encontrados
Davi Mais ou menos... porque não dá pra entender todo o assunto, né?
233
Jéssica Não. Porque a gente não tem muitas aulas de literatura aqui, a gente não
tem.
Bruno Não. Porque as únicas aulas de literatura que a gente tem é tudo tirado do
livro.
Clô Não, porque a gente tem duas ou três aulas de Português na semana, não
sei, e só uma é exclusiva para a literatura. Então eu acho bem pouco,
comparada a outros colégios particulares e até públicos, que têm mais, aqui
não tem. E é bem rápida a aula.
Ricardo Sim, porque... eu gosto do momento da história do Brasil no passado...
Wellington Não... porque eu acho que... não foi suficiente ainda, entendeu? Pra poder
ter esse conhecimento, até mesmo se eu tivesse algo... assim... um
conhecimento da literatura, eu sabia responder a pergunta anterior.
Mariana Sim, porque a professora é bem diversificada nos assuntos. O texto, ela foca
no livro e ela é muito fã. Então, isso é muito bom pra gente.
Júlio Sim, porque de todos os professores de português que eu já tive até hoje,
todos tinham formação em português mesmo, todos sabiam ensinar.
Tânia Como eu tive poucas aulas de literatura, algumas aulas foram bem
agradáveis, bem dinâmicas, eu gostei.
Marcos Não. Não satisfeito. Porque deveria ter mais. Acho que o número de aulas é
insuficiente.
Gláucia Sim, porque é bom, é bom, eu gosto porque tem os textos líricos, eu lírico...
eu gosto.
Luiz Me considero satisfeito. Porque eu vejo que o empenho da professora que eu
tenho é muito alto. E ela se preocupa em sempre estar trazendo conteúdo... o
melhor conteúdo para a gente e tirar nossas dúvidas.
Daniela Eu me considero satisfeita porque é uma aula aberta, dinâmica e que a
professora dá oportunidade a todos para que se expressem, para que
possam perguntar, tirar todas as dúvidas, então... em relação a isso eu estou
satisfeita... (pesquisador interrompe: a professora atual?) sim, a professora
atual.
234
Ana
Cláudia
Sim... porque... várias coisas que eu não sabia que... nunca imaginava que
era do assunto de literatura, eu aprendi bastante.
Flor Sim, porque a professora, ela consegue assim, mostrar... faz a gente
enxergar coisas que a gente não vê. É... tipo assim... nos pequenos detalhes,
ah, quando ele cita tal coisa, ele tá se referindo a isso, ao que acontece com
tal gente, ao que acontece com o negro, aconteceu com o índio. Coisa que a
gente lendo assim, a gente passa desapercebido. Isso com a professora
Betina. As aulas anteriores [...] eram aulas mesmo assim de esquemas. E
antes disso, sempre foi mais gramática. Português era Gramática.
De acordo às respostas dos estudantes, percebemos que a maioria deles está satisfeita
com as aulas de literatura das quais participaram. Dentre os satisfeitos, todos os quatro alunos
da terceira série da Escola Renailda Sousa e dois dos três alunos da Escola Heurisgleides
Ferreira. Dentre os quatro estudantes da segunda série da Escola Renailda Sousa, três deles
responderam que estão satisfeitos com as aulas. Entre os da Escola Heurisgleides Ferreira,
também da segunda série, não houve nenhum aluno totalmente satisfeito. Um deles respondeu
“mais ou menos satisfeito” e os outros três se disseram insatisfeitos com as aulas. Nesse caso,
todos apresentaram suas justificativas.
Os satisfeitos apresentaram as seguintes justificativas: Ricardo por gostar de “História
do Brasil”; Mariana, em razão da paixão de sua professora pela literatura, por ser “bem
diversificada nos assuntos” e por focar no livro didático; Júlio pela formação de seus
professores de português: “todos sabiam ensinar”; Tânia pelas aulas dinâmicas, as quais já
assistiu, apesar de terem sido poucas; Gláucia “[...] porque tem os textos líricos”; Luiz pelo
empenho de sua professora; Daniela em razão da dinamicidade das aulas, sobretudo pelo
espaço permitido pela professora para que os alunos se expressem; Ana Cláudia por ter
conhecido assuntos que não sabia que eram de literatura; Flor pela dinamicidade e pela
autoridade da professora Betina. Segundo a estudante, as aulas com outros professores “[...]
sempre foi mais gramática”.
Os insatisfeitos justificaram suas respostas da seguinte forma: Jéssica credita sua
insatisfação ao número insuficiente de aulas de literatura; Bruno reclamou que “[...] as únicas
aulas de literatura que a gente tem é tudo tirado do livro”. Clô também reclamou da
quantidade de aulas de literatura na semana, apenas uma, segundo a aluna; comparou com
235
outras escolas, inclusive particulares, que teriam uma quantidade maior de aulas; além disso,
reiterou que a única aula semanal acaba muito rápido. Wellington afirmou que as aulas de
literatura das quais participou ainda não foram suficientes para que ele pudesse aprender “esse
conhecimento”. Marcos também reclamou da quantidade de aulas, que seria insuficiente. E
Davi se disse “mais ou menos satisfeito”, por não conseguir entender todos os assuntos.
Quadro 25 – Estudantes revelam como se preparam para participar das aulas e para
responder às atividades propostas
Aluno Dados encontrados
Davi Não. Tento ver os assuntos que a professora tem dado e tento entender para
depois responder.
Jéssica Não. Eu leio livros.
Bruno Livros. Aí já vem da facilidade que eu tenho para entender os assuntos.
Clô Sim, a professora, ela consegue, ela passa materiais falando sobre o livro e
mandando a gente ler. O último que ela passou foi o de Machado de Assis,
que agora eu não lembro, é um bem famoso, mas eu não me lembro. E aí ela
manda a gente falar, entender o livro, fazer um resumo... e isso é bom,
porque a gente aprende e tem uma aula legal. Eu estudo com base nos
assuntos que ela dá e o que eu já tenho em casa, no livro de Português.
Ricardo Não... não leio nada. Para responder os questionários eu estudo o que a
professora passou.
Wellington Não me preparo... não leio nada antes.
Mariana Normalmente pelos textos que ela coloca, como eu falei. Ela coloca muitos
textos. Então a gente faz o que a gente interpreta pelos textos.
Júlio Assim, porque quando o professor entra na sala para dar uma aula, a gente
ainda não tá preparado para aquela aula. Ele começa a dar a aula dele, e
naquela hora aula a gente começa a se entrosar, começa a bater papo, aí
começa a discussão da aula. Aí, eu me entroso mais na hora. Pra mim me
preparar para um tipo de prova, alguma coisa assim, eu preciso me
236
preparar, agora na aula, é na hora. Para as questões, tem que ter um
preparo também. Tem que aprender um pouco para fazer as atividades.
Tânia Não, não... base eu só tenho assim... o que os professores indicam livros, eu
leio. Os questionários... como eu te disse, eu tive poucas aulas de literatura,
em alguns tipos de literatura eu sei identificar, eu me baseio pelas aulas
para estudar. Pelo livro didático também.
Marcos Baseado... procuro me basear no conhecimento geral que eu já tenho e em
algumas coisas assim... que eu li.
Gláucia Ela passa um texto e a gente lê e responde o que tem a ver com livro, tipo
assim. Aí com base no que a gente leu, a gente responde.
Luiz Antes eu procuro ver qual assunto ela vai estar trabalhando. Pra em cima
desse assunto eu desenvolver uma espécie de mapa que eu vou me localizar
quando ela estiver fazendo as aulas. Aí através desse mapa que eu fiz meu
próprio conhecimento, o conhecimento que eu desenvolvi em cima do
assunto dela. Aí eu vou poder responder as perguntas.
Daniela Sim, eu leio o que ela passou a cada dia que ela passa algo; assim inclusive
eu leio em casa já pra ter uma base pra quando chegar em sala de aula
puder... introduzir melhor. Eu me baseio mais no livro didático.
Ana
Cláudia
Eu não me preparo não... para responder os questionários também não.
(Pesquisador interrompe: E como é que você responde os questionários?)
Assim... tem explicações que a professora dá; às vezes tem alguma coisa
que eu já fiz antes... (pesquisador interrompe: então você se prepara de
algum modo, né?) Sim...
Flor Eu geralmente me baseio na leitura do livro e também por ver videoaulas na
internet.
As respostas dos estudantes nos mostram dados divergentes em relação à preparação
dos alunos para participarem das aulas e das atividades propostas pelas professoras. Em
relação às aulas, 46,67% não se prepara. Quanto aos questionários, apenas um aluno afirmou
que não se baseia em nada, nem para as aulas e nem para responder aos questionários.
237
Entre os alunos que se preparam para as aulas e para as atividades, Bruno se utiliza de
livros e, por isso, afirma ter “[...] facilidade [...] para entender os assuntos”. Clô se baseia em
livros que a professora passa e no seu livro didático. Mariana se prepara a partir dos textos
fornecidos pela professora. Marcos se baseia no seu próprio conhecimento. Gláucia se baseia
em textos que a professora passa. Luiz, a partir da criação de um mapa com o qual ele garante
conseguir se apropriar dos conteúdos apresentados pela professora e, assim, construir seu
próprio conhecimento. Daniela afirmou que lê em casa e se baseia “[...] mais pelo livro
didático”. Flor se baseia na leitura do livro didático e nas videoaulas da internet.
Dentre os que se preparam apenas para as atividades, encontram-se: Davi, Jéssica,
Ricardo, Júlio, Tânia e Ana Cláudia. Davi se baseia nas aulas; Jéssica estuda pelos livros;
Ricardo se prepara pelos assuntos trabalhados pela professora; Júlio apenas disse que se
prepara, mas não especificou através de quê; Tânia estuda pelo livro didático; Ana Cláudia se
baseia nas aulas de sua professora. Apenas Wellington revelou que não estuda para responder
aos questionários e nem para participar das aulas.
6.6. Aproximação dos dados
Por meio da aproximação dos dados descritos, analisados e interpretados através de
documentos (PPP, planos de disciplinas e observação simples) e conteúdo dos discursos
(docentes e discentes), pudemos compor uma síntese da representação dos modelos de
educação literária existentes nas escolas pesquisadas. Para tanto, os resultados aqui expostos
expressam aproximações e distâncias entre os dados coletados constituintes das análises
realizadas.
O PPP da Escola Heurisgleides Ferreira tem como missão “assegurar a formação
integral do aluno [...] para desenvolver o cidadão do Século XXI que atende às exigências
da sociedade globalizada do trabalho no seu contexto sócio-político, econômico e cultural”.
Já o PPP da Escola Renailda Sousa apresenta como principal objetivo “[...] educar para
superar desafios e exigências da sociedade, oportunizando, ao estudante, o exercício da
cidadania através da construção do conhecimento crítico contextualizado, alicerçado na
reflexão de seus direitos e deveres”. Ao relacionarmos esses dados com os planos de
disciplinas das professoras, reportamo-nos ao que Cyana Leahy-Dios discute quando
menciona a existência de uma autoridade que direciona os modos sobre como se ensinam e se
testam os conhecimentos sobre literatura nas escolas. As exigências mencionadas nos PPP, em
238
relação ao trabalho com a literatura, estariam relacionadas à obtenção dos resultados
alcançados pelas escolas. Lembramos que são também “comandos de autoridade”
responsáveis por exigir que o processo de ensino-aprendizagem se realize a partir da
memorização de datas, obras, autores e principais características. De igual modo, os planos
das professoras assim também se apresentam: todos eles seguem a periodização da literatura
defendida no livro didático. Trata-se de atender às exigências de instâncias superiores às
escolas, as quais prescrevem aquele tipo de ensino.
Em relação às observações, registramos que o livro didático foi o suporte mais
utilizado e o que mais embasou as aulas assistidas. Daí, percebemos uma sequência entre o
que defendem os PPP e o conteúdo previsto nos planos em diálogo com o conteúdo
apresentado pelo LD. Ainda sobre as observações, os processos de ensino-aprendizagem de
três professoras também dialogavam com os PPP. Cleusa Regina, Maria Cecília e Hilda
passavam atividades extraídas dos LD aos estudantes e as respostas às questões formuladas
também saíam do próprio LD. Por fim, as visões sobre a literatura apresentaram, novamente,
postura semelhante entre as três professoras mencionadas anteriormente. Cleusa apresentava,
como no LD, um conhecimento da literatura canônica e defendia o seu estudo. Hilda e Maria
Cecília compreendiam o ensino de literatura como um meio para que os seus alunos
lograssem aprovação nos vestibulares e no ENEM. Por sua vez, nas aulas de Betina, apesar de
o LD se fazer presente, não foi o único suporte utilizado e os assuntos apresentados, quando
trabalhados, foram acrescidos de contribuições por parte da professora.
Sobre o papel do professor, os PPP o consideram agente articulador57 (Escola
Heurisgleides Ferreira) ou mediador58 (Escola Renailda Sousa). Nos planos de disciplinas
analisados, percebemos que todos eles indicam o que prega o PPP, pois os professores
apresentam os conteúdos e como serão trabalhados cada componente dos assuntos propostos,
divididos em unidade, relacionando-os com temas transversais, considerando as competências
e habilidades dos estudantes. Quanto às observações, registramos aproximações e
distanciamentos entre o PPP e as práticas docentes das professoras também. A professora
Cleusa Regina ministrava aulas, propunha atividades, comentava conteúdos trabalhados e
também copiava as respostas às questões extraídas do LD sem discuti-las ou considerar as
57 O professor é um agente articulador do processo de construção do conhecimento que possui a função de
despertar, provocar e estimular nos alunos o interesse pelo aprender, sem perder de vista a finalidade do
conhecimento historicamente acumulado. 58 O educador (mediador) tem o papel neste processo de conhecimento. A tarefa dos educadores é desenvolver,
ao máximo, aptidões, capacidades e habilidades no educando [...] Fica evidenciado o papel do professor como
mediador de novos conhecimentos, através daquilo que o estudante já sabe ou é capaz de saber com o auxílio de
outros.
239
respostas dos discentes. De acordo com o PPP da sua escola, as descrições acima não se
encaixam no perfil de agente articulador. No entanto, registramos momentos em que a
referida docente “despertou” e “estimulou” os seus estudantes a se interessarem por suas
considerações a respeito do assunto que trabalhava.
A professora Maria Cecília, nas aulas observadas, teceu comentários e apresentou
argumentos frente aos assuntos trabalhados por ela em sua turma. Também se destacou por se
manter fiel ao livro didático e às suas questões de interpretação apresentadas por aquele
manual, sem apresentar suas considerações frente aos assuntos trabalhados. Segundo o PPP da
sua escola, isso não a qualifica como agente articuladora. No entanto, ao serem
entrevistados, dois dos três estudantes de sua classe responderam que estavam satisfeitos com
as aulas de literatura. As justificativas foram: aulas agradáveis e dinâmicas e porque a
professora trabalhava com textos líricos. Quanto ao que se disse insatisfeito, a justificativa foi
pela insuficiência do número de aulas da disciplina. Portanto, mesmo não sendo possível
registrar nas seis aulas em que estivemos presentes algum movimento que se aproximasse do
que o PPP conceituava como agente articulador, de algum modo, em outras aulas, a professora
poderia estimular, provocar e despertar o interesse do seu aluno pelo conteúdo que lhe
apresentava.
A professora Hilda realizou o papel de auxiliar os estudantes a responderem às
atividades propostas pelo livro didático. Suas explicações eram pautadas exclusivamente pelo
discurso contido no LD, pois não havia espaço para as considerações da docente a respeito do
assunto que trabalhava com a sua classe. Nesse caso, registramos, nas aulas observadas,
apenas distanciamentos entre o que a escola considerava como mediador e como se
desenvolvia a prática da referida professora. Ao relacionarmos as observações com as
entrevistas dos alunos, percebemos que três dos quatro estudantes se disseram satisfeitos com
as aulas de literatura. Porém, suas justificativas estavam também distantes do que o PPP
defendia como mediação. Para um, sua satisfação consistia na abordagem histórica efetuada
pela professora. Para outro, o fato de a professora focar no LD e ser muito fã do manual era o
que se destacava. E o terceiro se pautou na formação “em português” de todos os professores
com os quais já havia estudado. Não foi possível registrar em nenhum momento das seis aulas
observadas alguma prática que denotasse a mediação de “novos conhecimentos” apresentados
pelos estudantes.
A professora Betina realizou em sua prática o papel de discutir o conhecimento
apresentado pelo livro didático ou por outros suportes que levava consigo às aulas, tecendo
240
considerações e estimulando a participação discente. Nesse caso, registramos que a referida
professora se destacava por complementar o que julgava ausente no LD. Como mediadora,
foi possível registrar, durante as aulas observadas, que a professora buscava “desenvolver
aptidões, capacidades e habilidades” no seu estudante. Também mediava “novos
conhecimentos”, ao permitir que os seus alunos não apenas lessem o que trazia o LD mas
comentassem, discutissem os textos de acordo com suas experiências leitoras. Quanto aos
alunos entrevistados, todos os quatro se disseram satisfeitos com as aulas da referida docente.
As justificativas foram: por apresentar “o melhor conteúdo” e “tirar as dúvidas”, por ser uma
aula dinâmica em que “a professora dá oportunidade a todos para que se expressem”, porque
foi possível aprender várias coisas que “nunca imaginava que era conteúdo de literatura” e
pelas conexões que a professora fazia entre o texto e os contextos.
Sobre a construção do currículo59, de acordo com o que lemos em seu PPP, a Escola
Heurisgleides Ferreira considera o contexto do estudante para defini-lo. Percebemos
aproximação entre o que defende o documento acima e o plano de disciplina da professora
Cleusa Regina, quando nos deparamos com a habilidade proposta “Revelar interesse no
assunto e interagir com os colegas”. Nesse caso, a aproximação acontece a partir da proposta
do currículo participativo de que “todos os atores” daquela escola atuem em conformidade
com o PPP. Nas transversalidades “Direitos humanos, Educação ambiental, Educação
especial, Educação das relações ético-raciais” (sic), percebemos também aproximações por
serem esses temas relevantes para aquela comunidade escolar quando, na sua proposta
curricular, propõe um “projeto pedagógico contextualizado com a sua realidade e a realidade
do aluno”.
Também registramos aproximações do PPP com o plano da professora Maria Cecília,
quando este concebe, através da competência, a discussão de “[...] opiniões e pontos de vista
sobre as diferentes manifestações da linguagem”, e a habilidade de “compreender a realidade
nas suas dimensões sociais, éticas, políticas e econômicas”, amparadas na descrição do
currículo, que se compromete a realizar um trabalho que contemple a realidade do aluno.
59 Entendemos que um currículo participativo religa as atividades de tal forma que todos os atores envolvidos no
processo trabalhem relacionando os tópicos constantes de seu projeto pedagógico contextualizado com a sua
realidade e a realidade do aluno.
241
Na escola Renailda Sousa, no currículo60, segundo o PPP, importa a relação entre o
estudante e o mundo do trabalho como garantidora do exercício da cidadania. No plano de
disciplina da professora Betina, isso é percebido na competência “Analisar as linguagens
como fontes de legitimação de acordos sociais”, assim como nas habilidades “Associar
conteúdos literários a fatos atuais” e “Entender, analisar criticamente contextualizando a
natureza, o uso e o impacto das tecnologias de informação na busca do conhecimento”. Todos
os destaques acima estão contemplados na descrição do currículo “preparação do aluno para o
exercício da cidadania”. Além disso, as transversalidades previstas no plano também dialogam
com o PPP: Ética, Preservação do meio ambiente, Respeito às diversidades, Identidade
cultural se relacionam com a “educação como prática social” e “exercício da cidadania”
também. No plano da professora Hilda, não conseguimos estabelecer uma relação entre o
referido documento e o que propõe o PPP da sua escola nesse quesito. Percebemos que todo o
plano está voltado para o ensino de literatura (e da gramática da Língua Portuguesa). As
habilidades e competências (Compreender, analisar, textos informativos e literários, dentre
outros), os conteúdos, a metodologia e a avaliação concorrem para a realização das atividades
propostas aos estudantes, de modo que estes possam lograr êxito nas avaliações.
Por outro lado, não foi possível perceber aproximações entre os conteúdos
programáticos dos planos analisados e o contexto do aluno. Não havia registros em nenhum
deles sobre esse quesito. Nos quatro planos, os assuntos seguiam a sequência dos livros
didáticos, identificados com a historiografia literária nacional. Quanto às aulas observadas,
com exceção de Betina, que buscava aproximar o texto que trabalhava com a realidade de
seus estudantes, não foi possível perceber, nas demais práticas, qualquer aproximação entre os
conteúdos trabalhados e os contextos do público discente.
Sobre o tratamento da literatura através dos documentos, das observações simples, e
das entrevistas, percebemos o seguinte quadro: Pelos Planos curriculares de disciplinas, as
professoras esquematizam o roteiro dos conteúdos que deveriam ser trabalhados em sala de
aula. O plano da professora Cleusa Regina constrói uma representação da literatura
identificada com as escolas literárias, conforme disposição no livro didático, embora este não
seja o único suporte utilizado pela docente, conforme descrição no próprio plano. Em sua
prática, foi possível perceber que a Literatura teve dois momentos distintos: um em que ela
apresentou o seu gosto pela literatura canônica (daí a sua satisfação em relatar ao pesquisador
60 O currículo do Colégio é composto de uma Base Nacional Comum e de uma parte diversificada e é organizado
em atendimento ao que sugere a lei L.D.B., tendo em vista a educação com o mundo do trabalho e a prática
social, bem como a preparação do aluno para o exercício da cidadania e para o mercado de trabalho.
242
suas experiências como leitora, ouvinte e espectadora) e outro em que ela seguia o plano da
disciplina ao trabalhar os conteúdos e as questões de interpretação de textos contidos nos
livros didáticos e/ou folhas xerografadas utilizados. Os alunos, por sua vez, desempenhavam o
papel de transcrever as atividades copiadas no quadro, ouvir as exposições da professora
(poucos o faziam; a maioria fazia outras coisas durante a exposição), responder às questões
das atividades e corrigi-las quando a professora transcrevia as respostas no quadro.
A entrevista com a professora Cleusa Regina nos revelou: O seu conceito de
literatura está associado ao prazer e à arte, enquanto a leitura de literatura se relaciona
à leitura de romances. Sobre a literatura veiculada pelo livro didático, a professora a
considera resumida. Também acredita que a leitura literária é fundamental como instrumento
de socialização e, em relação às políticas públicas voltadas a esse fim, referenciou o PACTO,
programa do governo federal, como incentivo ao trabalho de professores do ensino médio.
Revelou não utilizar o livro didático como único suporte em suas aulas, embora reconheça a
sua importância, pois o julga insuficiente. Sobre a prática de leitura em suas aulas, a
professora revelou que fazia o que podia para que ocorresse a referida prática, sobretudo,
indicando leituras para casa, mas lidava com contratempos, como o tempo limitado, por
exemplo. Sobre a sua prática, a professora considerou que, dentro das limitações com as quais
havia de lidar, buscava fazer o melhor possível. Dentre as limitações, reafirmou a
insuficiência do livro didático, a falta de interesse dos estudantes e também a insuficiência de
referências na biblioteca da escola. Por fim, sugeriu como solução para se resolverem os
problemas referentes à prática de leitura na escola, trabalhos voltados à instrumentalização
dos estudantes frente ao conhecimento da linguagem. Para a docente, o aluno utilizava uma
linguagem muito pobre, gírias e não “desenvolve a linguagem formal, culta”, o que
dificultaria o entendimento da literatura. Acrescentou que o uso de dicionário e pesquisa com
muito vocabulário poderia servir para o estudante perceber a diferença entre a linguagem
literária e a linguagem do cotidiano.
Ao relacionarmos as respostas fornecidas pela professora Cleusa Regina aos registros
de observação e à análise documental, percebemos aproximações e distanciamentos. Assim
como revelou na entrevista, o seu conceito de literatura foi contemplado em sua prática
docente. Quanto ao plano de disciplina, a literatura estava representada através das escolas
literárias, transformadas em conteúdos. Apesar de considerar a literatura apresentada pelo LD
como resumida e afirmar que utiliza outros suportes além do LD, este foi o único suporte
utilizado nas aulas observadas, fosse através do LD vigente, fosse através de xerox de outros
243
LD. Em relação ao plano de disciplina, isso também foi perceptível: a sequência de assuntos
apresentada pelo referido suporte estava contemplada tanto no plano quanto nas aulas
observadas. Também destacamos o ponto em que a professora diz acreditar que a leitura
literária se configura em importante instrumento de socialização. Ao considerar “pobre” a
linguagem do aluno, verificamos que a leitura literária à qual a professora faz menção é a
literatura dos clássicos ou a literatura escrita sob as rédeas da gramática normativa. Ao sugerir
o dicionário como meio para que o estudante perceba a diferença entre a linguagem literária e
a linguagem do cotidiano, confirmamos a nossa hipótese. Nas aulas observadas, isso fez
sentido quando a professora reverenciou os seus principais autores, todos considerados
canônicos, como Fernando Pessoa e Machado de Assis. Sobre a prática da leitura em suas
aulas, a professora afirmou que havia uma série de limitações que impediam a consolidação
da referida prática e que fazia o melhor possível. Não foi possível perceber atividade de
leituras de literatura durante as seis aulas observadas, embora a professora tenha mencionado
na entrevista que indicava essas leituras para casa. Também o plano de disciplina da
professora mencionava nas habilidades “leitura comentada” e na metodologia “leitura de
romances”.
O plano da professora Maria Cecília nos trouxe uma representação da literatura
identificada com a periodização apresentada pelo livro didático vigente. Destacamos que a
cada unidade programática, os conteúdos se relacionam com habilidades, as quais indicam a
finalidade do trabalho com as temáticas tratadas durante o curso. O processo de ensino-
aprendizagem nos revelou dois momentos em relação à atuação da professora Maria Cecília
nas seis aulas observadas: no primeiro, referente às quatro primeiras aulas, prevaleceu o uso
do livro didático através de atividades de interpretação de texto passadas aos estudantes, sem
comentários por parte da referida professora. No segundo, referente às duas últimas aulas, a
professora manteve o uso do livro didático, mas ao contrário das aulas anteriores, efetuou
comentários e considerações acerca das temáticas presentes no LD, bem como das respostas
encontradas pelos estudantes. Também, nas primeiras aulas observadas, os estudantes apenas
transcreviam escritos no quadro para o caderno e respondiam atividades do LD, embora nem
todos realizassem essa tarefa. Somente nas duas últimas aulas foi possível perceber um maior
envolvimento por parte daquele grupo, a pedido da professora, quando esta solicitou leituras
de fragmentos do LD.
A entrevista com a professora Maria Cecília evidenciou: O seu conceito de literatura
está associado à importância que a literatura tem em relação à Língua Portuguesa e à
244
História, enquanto leitura de literatura se relaciona ao ensino e à educação. Acrescentou
que a parte lúdica, a poesia e as crônicas contribuem para incentivar o estudante a desenvolver
a leitura. Sobre a literatura veiculada pelo livro didático, a professora a considerou importante,
embora tenha ressaltado que tudo ali era muito repetitivo, citando exemplos de suas
experiências com o LD. Disse acreditar que a leitura literária era importante como
instrumento de socialização e, em relação às políticas públicas voltadas a esse fim, afirmou
que não encarava com esperanças o que estava sendo feito. Disse que era preciso fazer mais,
ter mais incentivo. Revelou não utilizar o livro didático como único suporte em suas aulas,
pois também utilizava o meio eletrônico. Sobre a prática de leitura em suas aulas, a professora
revelou que ela ocorria com dificuldades, em razão das limitações e/ou imposições
apresentadas pelos seus alunos. Sobre a sua prática, a professora considerou “meio
complicada”, em razão da resistência dos seus alunos em realizar as tarefas por ela solicitadas.
Por fim, sugeriu, como solução para se resolverem os problemas referentes à prática de leitura
na escola, modificações na estrutura e no planejamento escolar a partir da utilização da
internet, criação de laboratórios, salas de leitura para cada matéria com todos os recursos
audiovisuais.
Ao confrontarmos os dados extraídos da entrevista de Maria Cecília com os registros
de observação e com a análise documental, também percebemos aproximações e
distanciamentos. Conforme revelou na entrevista, o seu conceito de literatura estava contido
em sua prática docente. Não foi possível perceber a “parte lúdica”, “a poesia” ou “as crônicas”
mencionadas nas entrevistas nas aulas observadas. Quanto ao plano de disciplina, a literatura
foi contemplada através das escolas literárias trabalhadas como assuntos da disciplina. Em
relação à literatura apresentada pelo LD, considerou-a importante, mas teceu críticas quanto à
condensação dos assuntos naquele suporte e afirmou que utilizava em suas aulas outros
suportes, pelas razões apresentadas. Nas aulas observadas, o LD foi o único suporte utilizado
pela docente. No plano de disciplina, a sequência dos assuntos se assemelhava ao conteúdo
programático do livro didático indicado para aquela série naquele ano letivo. Além disso, nas
aulas observadas, todos os assuntos trabalhados constavam no plano e no LD vigentes. A
professora disse acreditar que a leitura literária é um importante instrumento de socialização.
No plano de disciplina, isso apareceu, dentre as várias habilidades, em: “compreender a
realidade nas suas dimensões sociais, éticas, políticas e econômicas” e “Atuar, de maneira
criativa, na melhoria do mundo em que vivemos”. Durante as aulas observadas, o que mais se
aproximou do que entendemos por socialização foi quando a professora reiterou a importância
245
de se estudar literatura com a finalidade de aprovação nos exames de vestibulares e ENEM.
Sobre a prática da leitura em suas aulas, a professora mencionou uma série de dificuldades
para que isso se realizasse, mas que, ainda assim, ela acontecia. Foi possível perceber
atividade de leituras de literatura durante as duas últimas aulas observadas. Nas quatro
anteriores, a prática contemplou atividades de interpretação de texto trazidas pelo LD para
serem respondidas pelos estudantes. Quanto ao plano de disciplinas, isso aparecia nas
habilidades “Ler e interpretar textos literários e não-literários escritos na língua materna”,
“Ler, interpretar textos da atualidade” e “Oficina de Leitura”.
O plano da professora Hilda nos trouxe uma representação de literatura identificada
com a periodização da literatura, conforme disposição no livro didático e mediado por sua
exposição e pelos debates empreendidos em sala de aula. Nas aulas, registramos que ela
utilizou apenas o livro didático para desenvolver a sua prática docente, uma vez que todos os
temas e todas as atividades foram extraídos do LD. As abordagens tinham o referido suporte
como base e as respostas fornecidas aos alunos também, embora explicadas e comentadas pela
docente. Quanto aos alunos, percebemos que, embora conversassem e utilizassem o aparelho
celular durante as aulas, essas práticas não superavam os momentos em que executavam as
atividades propostas pela professora. Quando a docente solicitava, os alunos sempre se
dispunham a participar do desenvolvimento de uma atividade através da leitura de fragmentos
e de enunciados dos LD.
A entrevista com a professora Hilda apresentou: O seu conceito de literatura estava
relacionado ao entendimento da autora do LD Novas Palavras, Emília Amaral, para
quem a literatura é a arte da palavra. Com interferência do pesquisador, a docente
forneceu outra definição: a arte de escrever e falar corretamente. Fora da entrevista,
falou na possibilidade de crescimento pessoal e profissional. Sobre leitura de literatura, a
professora entende que esta objetiva desenvolver a construção de sentidos no leitor,
reconhecendo dois tipos de leitura, o que instrui e orienta e o que se relaciona ao prazer
estético. Sobre a literatura veiculada pelo livro didático, a professora a considerou boa. Disse
acreditar que a leitura literária é importante como instrumento de socialização e, em relação às
políticas públicas voltadas a esse fim, reivindicou que a educação fosse tratada do mesmo
modo que a saúde é tratada. Revelou que utilizava e recomendava o livro didático por
considerá-lo muito importante. Sobre a prática de leitura em suas aulas, a professora garantiu
que ela ocorria, “com certeza”, justificando com citações de Umberto Eco. Acrescentou que
utilizava como suportes, além do livro didático vigente, poesias, crônicas, internet e outras
246
pesquisas. Sobre a sua prática, a professora a considerou “fundamental”, em razão do seu
empenho em capacitar o seu aluno para enfrentar os vestibulares e ENEM e para a própria
vida. Por fim sugeriu, como solução para se resolverem os problemas referentes à prática de
leitura na escola, que o estudante soubesse utilizar o livro didático como um meio de
conhecimento, pois ele precisaria ter sabedoria para não aceitar aquilo que lhe era imposto.
Como nos casos anteriores, na associação dos dados captados na entrevista da
professora Hilda, verificamos aproximações e distanciamentos. Na própria entrevista, já
houve distanciamento em relação aos três conceitos para literatura fornecidos pela referida
professora. Nas aulas observadas, acreditamos que esse problema foi sanado, uma vez que
confirmamos certa fidelidade da docente em relação ao LD da autora Emília Ferreira. Quanto
ao plano de disciplina, a literatura se fez presente através das escolas literárias, tratadas como
conteúdos da disciplina Língua Portuguesa. Sobre leitura literária, Hilda destacou dois pontos:
o que instrui e o que se relaciona ao prazer estético. Nas aulas observadas, prevaleceu o
primeiro desses pontos. No plano de disciplinas, na metodologia, destacavam-se “[...]
exercícios e leitura de textos do livro didático e de outros materiais [...]”. Sobre a literatura
apresentada pelo LD, a professora a considerou “boa”, na entrevista. Nas aulas observadas,
isso foi constatado diante da utilização do LD em todas as atividades propostas aos estudantes
nas seis aulas em que participamos, embora a docente tenha mencionado na entrevista que
também utilizava outros suportes em sua prática docente e também tenha passado como
atividade para casa um trabalho de pesquisa na internet sobre um dos autores trabalhados
naquela unidade.
Ao trazermos a campo o plano de disciplina, percebemos que também nesse
documento havia marcas do LD vigente, através dos assuntos propostos correlatos à sequência
conteudista apresentada no referido suporte. A professora disse acreditar que a literatura era
um importante instrumento de socialização. Nas aulas observadas, a professora se dedicava ao
trabalho da literatura com o livro didático e buscava auxiliar todos os alunos para que
respondessem às atividades propostas. Em sua fala, assim estaria instrumentalizando os seus
estudantes para encararem os exames de vestibulares e ENEM. Nesse quesito, o seu plano de
disciplina corroborava com a sua prática em relação ao que ela entendia como socialização,
sobretudo no processo avaliativo: “Trabalho em grupo, avaliação qualitativa, participação,
interesse, responsabilidade nas atividades desenvolvidas [...]”. Sobre a prática da leitura em
suas aulas, a professora respondeu afirmativamente que, sim, ela ocorria. Foi possível
perceber atividades de leitura de fragmentos de textos literários ofertados no livro didático
247
durante as aulas observadas. No plano de disciplina, a leitura de textos do livro didático
também estava contemplada.
Quanto à professora Betina, verificamos que o plano focava o trabalho com os
conteúdos referentes à terceira série do ensino médio, com inspiração na periodização da
literatura brasileira contemplada no livro didático. A metodologia utilizada pela professora
indicava o modo como os conteúdos deveriam ser trabalhados ao longo do curso.
Entendemos, por conseguinte, que o plano da professora Betina trazia uma representação da
literatura identificada com a periodização das escolas literárias, apresentada pelo livro
didático vigente. Quanto às aulas, o processo de ensino-aprendizagem de literatura
contemplou uma prática docente diversificada, na qual pudemos perceber a utilização de
vários suportes, os quais foram aplicados nas situações que se apresentavam, contando com a
habilidade docente em empregá-los, de acordo às necessidades do contexto. A professora não
desacreditou o livro didático, mas também não o elegeu como único apoio à sua prática.
Houve momentos em que, mesmo quando fez uso de alguns fragmentos, elaborou outras
propostas de atividade que não as já contidas no LD. Quanto aos estudantes, o seu papel no
processo de ensino-aprendizagem foi o de participante/colaborador na construção do referido
processo. Percebemos que, por serem incentivados à participação oral, as suas contribuições,
até mesmo em algumas conversas paralelas, deram-se a partir das temáticas apresentadas
durante as aulas.
A entrevista com a professora Betina expôs: O seu conceito de literatura estava
relacionado ao conhecimento que o estudante poderia ter de si mesmo e do seu contexto.
Sobre leitura de literatura, a professora a associou à fluência que o estudante deveria ter, a fim
de perceber a literatura como expressão do sentimento. Sobre a literatura veiculada pelo livro
didático, a professora revelou que faltava motivação, pois o LD trazia orientação e atividades,
ao contrário de outros LD com os quais já trabalhou. Ressaltou que, nesse caso, o professor
deveria entrar com a motivação ausente no LD. Acreditava que a leitura literária fosse
importante como instrumento de socialização, pois entendia que a literatura poderia
transformar o mundo. Em relação às políticas públicas voltadas a esse fim, fez uma
retrospectiva de governos, anteriores a 2015, considerando as mudanças como positivas em
relação à ampliação do PNLD para o PNLEM, o que fortaleceu o trabalho dos professores de
literatura, especialmente. Revelou que não utilizava o livro didático como único suporte,
utilizava-o em apenas um dia da semana e complementava com outros materiais. Sobre a
prática de leitura em suas aulas, a docente a considerou muito relevante, pois a leitura,
248
segundo o seu relato, se encontrava em qualquer atividade, mesmo quando se referia a essa
finalidade. Para viabilizar sua prática, além do LD, utilizava como suportes textos
mimeografados de outros livros, curiosidade literária, momento em que o estudante traz o seu
texto, em suporte que achar adequado, para ser discutido em sala. Sobre a sua prática, a
professora disse que tentava acertar, fazer o mais adequado possível para a formação do seu
aluno. Por fim, sugeriu, como solução para se resolverem os problemas referentes à prática de
leitura na escola, que o novo devesse ser experimentado, como projetos e oficinas de leitura.
Exemplificou com suas experiências “bem sucedidas” em relação aos projetos que sugeriu.
Ao equipararmos os dados extraídos da entrevista de Betina aos registros de
observação e à análise documental, percebemos aproximações e distanciamentos. Conforme
revelou na entrevista, o seu conceito de literatura dialogava com sua prática docente, uma vez
que havia participação discente em todas as aulas observadas. Quanto ao plano de disciplina, a
literatura foi contemplada através das escolas literárias trabalhadas como assuntos da
disciplina e também na habilidade “Associar conteúdos literários a fatos atuais”. Em relação à
literatura apresentada pelo LD, apontou falhas no LD vigente e ressaltou que cabia ao
professor preencher os vazios daquele suporte. Nas aulas observadas, a docente
complementava os assuntos trazidos no LD com contribuições de suas próprias leituras, além
de provocar os seus estudantes a também contribuírem com suas impressões. No plano de
disciplina, a sequência dos assuntos se assemelhava ao conteúdo programático do livro
didático indicado para aquela série naquele ano letivo. Nas aulas observadas, todos os
assuntos trabalhados constavam no plano e no LD vigentes. A professora disse acreditar que
concebia a leitura literária como um importante instrumento de socialização. No plano de
disciplina, isso apareceu, nas competências “Analisar as linguagens como fontes de
legitimação de acordos sociais”, “Identificar a motivação social dos produtos culturais na sua
perspectiva sincrônica e diacrônica” e “Contextualizar e comparar o patrimônio cultural
respeitando as visões de mundo nele implícitas”. Também nas habilidades “Emitir juízo sobre
as manifestações culturais estudadas”, “Aplicar o conhecimento apreendido em situações
relevantes” e “Entender, analisar criticamente contextualizando a natureza, o uso e o impacto
das tecnologias de informação na busca do conhecimento”.
Durante as aulas observadas, percebemos movimentos por parte da professora em
trabalhar a leitura literária como meio para promover a socialização do seu aluno através das
considerações que fazia sobre a literatura e sua aplicabilidade na vida cotidiana, sobre temas
como as políticas públicas do Brasil, direitos da mulher, dentre outras temáticas provocadas
249
pelas discussões dos textos trabalhados em sala. Sobre a prática da leitura em suas aulas, a
professora a considerou importante, pois isso acontecia mesmo quando a atividade não era
especificamente sobre leitura. Também ressaltou que não utilizava o livro didático como
único suporte em suas aulas. Foi possível perceber atividade de leituras de literatura durante
as seis aulas observadas. Também foi possível perceber que o livro didático não era,
realmente, o único suporte utilizado nas aulas, conforme registro de observações e da própria
entrevista. Quanto ao plano de disciplinas, isso aparecia na competência “Ler, interpretar e
analisar textos dos diferentes estilos” e na metodologia “Leitura crítica de textos de época,
levando o aluno a observar a visão de mundo do escritor” e “Leitura e análise de textos,
levando o aluno à postura de observador”.
Os conteúdos dos discursos apresentados pelos estudantes através das entrevistas
trouxeram outras possibilidades de associação com o que já havíamos coletado por meio dos
instrumentos mencionados anteriormente. Optamos por realizar essa etapa da pesquisa
separando os estudantes por escolas. No primeiro caso, destacamos a escola Heurisgleides
Ferreira, representada aqui por sete alunos, sendo quatro da segunda série e três da terceira
série do ensino médio. Ao solicitarmos o conceito de literatura, três deles o associaram a
Leitura, um aluno respondeu que era Ensino de História, outro aluno falou em produções
literárias, mais um mencionou conhecimento e lazer e o último relacionou a leitura às
escolas literárias. Ao contrapormos as respostas dos discentes ao que já havíamos registrado
através dos outros instrumentos, percebemos aproximações e distâncias entre os dados. Nas
aulas observadas das professoras Cleusa Regina e Maria Cecília, foi possível perceber todos
esses conceitos levantados pelos estudantes. No caso da professora Cleusa Regina, não foi
possível verificar atividades de leitura nos momentos de observação. Mas, em sua entrevista,
ela afirmou que passava essas atividades para casa, o que pôde ser verificado na resposta dos
alunos. No seu plano de disciplina também foi possível perceber que havia atividade de leitura
de romances, por exemplo, prevista como conteúdo. Quanto à professora Maria Cecília,
registramos atividades de leitura de literatura em suas aulas; no seu plano de disciplinas,
também foi possível perceber propostas de leitura de literatura nas habilidades que deveriam
ser desenvolvidas pelos estudantes.
Quanto aos estudantes que entenderam a literatura como Ensino de História e escolas
literárias, isso encontra respaldo na historiografia da literatura constante nos seus livros
didáticos, nos planos de disciplinas (através da periodização da literatura) e nas
contextualizações apresentadas pelas professoras durante suas aulas expositivas. Quanto aos
250
estudantes que mencionaram conhecimento e lazer, destacamos a paixão pela literatura
demonstrada em sala de aula pela professora Cleusa Regina, por exemplo. No seu plano de
disciplina, também registramos como metodologia a realização de um sarau poético, o que,
dependendo da forma como se realizou essa atividade, pode ter influenciado as respostas dos
seus alunos. No caso da professora Maria Cecília, não foi possível perceber algum movimento
que se relacionasse a lazer, mas ao conhecimento sim. Em sua entrevista, porém, ela falou em
“parte lúdica”, o que pode ter acontecido em outro momento que não as aulas observadas para
este estudo. No seu plano de disciplinas, nas habilidades da quarta unidade, estavam previstas
atividades como “oficina de leitura” e “participação de seminários, projetos, etc”.
Sobre os usos ou visões do livro didático, os estudantes apresentaram críticas ao
suporte e fizeram sugestões para aperfeiçoar as propostas do LD. Dentre os que estavam na
segunda série, apenas um não sugeriu nada. Os demais sugeriram um livro didático exclusivo
de literatura e outros suportes além do LD. Dentre as críticas, uma aluna reclamou do
aspecto conteudista do manual. De modo semelhante, os três estudantes entrevistados da
terceira série também fizeram críticas e sugestões. Dois se disseram favoráveis à utilização de
outros suportes, além do LD, e uma sugeriu a realização de estudos biográficos sobre os
autores mencionados no referido suporte. Ao contrapormos as respostas dos estudantes com as
de suas professoras, percebemos que os dois grupos demonstraram insatisfação em relação ao
LD. As professoras o qualificaram como de uma “literatura fraquinha” ou “muito repetitivo”.
Ambas sugeriram outros estudos para o aperfeiçoamento dos assuntos ali explorados. Nas
aulas observadas das duas professoras, os alunos realizaram todas as atividades a partir do
livro didático ou de similares, embora nas entrevistas as duas professoras dissessem que
também trabalhavam com outros suportes. Já os planos de disciplinas “mencionaram” o LD
ao seguir a sequência historiográfica da literatura quando exibiram os conteúdos
programáticos.
Sobre os problemas referentes à prática de leitura na escola e as possíveis soluções
para resolvê-los, os estudantes assim se portaram: dois alunos da segunda e dois da terceira
série reconheceram problemas em relação à prática de leitura e sugeriram incentivo à leitura
a partir de oficina de literatura, uso da biblioteca escolar e olimpíadas de leitura. Um
aluno da segunda série sugeriu que houvesse esforço conjunto de pais e de professores
como solução para aquele problema. Apenas uma estudante da terceira série disse que não
havia problemas de leitura em sua escola e um da segunda série, apesar de reconhecer a
ocorrência daquele problema, não sugeriu soluções. Nas falas das professoras, a prática de
251
leitura era uma realidade em suas aulas, porém, com ressalvas. No caso da professora Cleusa
Regina, o tempo limitado foi descrito como uma das causas para aquele problema. O tempo
também foi citado como uma das justificativas apontadas pelos estudantes dessa professora.
Dois dos quatro alunos entrevistados reclamaram da quantidade de aulas de literatura. Os
outros dois se queixaram da quantidade de assuntos e da totalidade dos conteúdos extraídos do
livro didático.
Já a professora Maria Cecília elencou uma série de contratempos, dentre eles a falta de
disposição dos estudantes para a leitura e a falta de recursos didáticos, como responsáveis pelo
referido problema. Do lado dos estudantes, apenas um se disse totalmente insatisfeito em
relação às aulas de literatura, em razão do tempo de aula. Segundo este aluno, a quantidade de
aulas de literatura é insuficiente. Um estudante se disse satisfeito com algumas aulas e outra
estudante se disse totalmente satisfeita. Quanto às aulas observadas, as atividades de leitura
realizadas naquelas datas foram praticadas a partir de textos constantes no LD, a fim de que os
alunos respondessem as atividades propostas por aquele suporte. Já os planos de disciplinas,
indicavam atividades de leitura como metodologia (professora Cleusa Regina) ou no quesito
habilidades (professora Maria Cecília).
Quanto aos suportes utilizados pelos estudantes para participarem das aulas e para
responderem aos questionários propostos, dois estudantes da segunda e uma estudante da
terceira série disseram que liam livros. Uma aluna da segunda e outra da terceira
mencionaram livros didáticos como resposta. Um estudante da segunda série respondeu que
se baseava a partir do assunto da aula e um da terceira série disse que era a partir do próprio
conhecimento que possuía. Quando questionamos as professoras sobre os suportes que
costumavam utilizar em suas aulas e se consideravam o LD como suficiente, as respostas
foram: Cleusa Regina reconheceu a importância do LD, mas o classificou como insuficiente.
Por isso, sugeria outros suportes para que o estudante ampliasse seu aprendizado. Maria
Cecília também revelou que não utilizava apenas o LD, mas também o “meio eletrônico”. Nas
aulas observadas, não foi possível perceber outro suporte utilizado pelos estudantes que não o
LD no tocante à realização das atividades propostas por suas professoras. Porém, conforme
descrito anteriormente, tanto nas entrevistas das docentes quanto nas dos discentes, foram
mencionados outros suportes utilizados no processo de ensino-aprendizagem daquela escola.
Em relação aos planos de disciplinas, tanto o da professora Cleusa Regina quanto o da
professora Maria Cecília, através das competências e/ou habilidades, previam que os
estudantes deveriam se preparar para a realização das atividades propostas.
252
Da Escola Renailda Sousa, os conteúdos dos discursos surgiram representados pelas
entrevistas realizadas com oito alunos, sendo quatro da segunda série e quatro da terceira série
do ensino médio. Quando indagamos sobre o conceito de literatura, os estudantes
apresentaram uma variedade de conceitos. Dois estudantes (um de cada série) relacionaram a
literatura com o ensino da História; três (dois da segunda e um da terceira série) falaram em
produções literárias, local que armazena conhecimentos na área de leitura produzidos
por grandes homens, pessoas que transmitem algo; uma da terceira série conceituou
literatura como leitura; outra também da terceira série definiu literatura como forma de arte,
crítica; da segunda série, um aluno considerou a literatura como expressão através da
escrita.
Ao contrapormos as respostas fornecidas pelos estudantes aos outros dados coletados
anteriormente, verificamos os seguintes movimentos: nas aulas observadas das professoras
Hilda e Betina, o contexto histórico das obras mencionadas nas exposições de cada docente
pode ter sugerido essa visão aos estudantes. De igual modo, o plano das professoras, alinhados
com o livro didático, também apresentavam uma visão historiográfica da literatura que
apresentavam. Por parte das professoras, associando o conceito a uma lembrança de quando
estudou o Quinhentismo, Hilda falou em “arte de escrever e falar corretamente”. No segundo
caso, também foi possível perceber diálogos com outros dados fornecidos por outros
instrumentos. Começando pelas entrevistas com docentes, Betina disse que entendia a
literatura como a possibilidade que o estudante teria de se conhecer através dos grandes
autores, por exemplo. Nas aulas observadas, as duas professoras trabalharam com produções
literárias canônicas (escritas por grandes homens na fala dos estudantes) referenciadas no LD
ou em outros suportes. Nos planos de disciplinas, os conteúdos apresentados também seguiam
nessa mesma linha, uma vez que as indicações ali mencionavam as escolas literárias e o livro
didático trazia, além disso, os principais autores de cada período, conforme trabalhado em
cada aula observada.
Pelos conceitos apresentados isoladamente, uma aluna da terceira série apenas
relacionou a literatura à leitura. Mesmo assim, encontramos aproximações com o plano da
professora Betina, a qual mencionava em sua metodologia “leitura crítica de textos de época
levando o aluno a observar a visão do escritor”. Também verificamos que a mesma professora
realizava, nas aulas observadas, tarefas que envolviam leitura de textos literários, como
exercício em sala de aula e também como atividade para casa. Quanto à aluna que falou em
forma de arte e crítica no plano de disciplina, encontramos respaldo no mesmo item
253
apresentado na metodologia, citado no caso anterior. Nas aulas observadas, isso também foi
verificado no discurso da professora que referenciava tanto a natureza artística da literatura
quanto o seu papel crítico-social. Quanto à literatura vista como expressão através da escrita,
temos o conceito da professora Hilda, apresentado em sua entrevista, que dialoga com o
pensamento do estudante; temos também a prática dessa professora, verificada nas aulas que
observamos, quando foi possível perceber a realização de atividades de escrita pelos
estudantes. No plano de disciplina, por sua vez, não foi possível perceber qualquer menção à
literatura como escrita.
Sobre os usos ou visões do livro didático, cinco estudantes (dois da segunda série e
três da terceira série) se disseram favoráveis à utilização de outros suportes para auxiliar no
processo de ensino-aprendizagem. Uma aluna da segunda série sugeriu uma abordagem
biográfica dos autores como estudo; um aluno da segunda série revelou que considerava o
livro didático insuficiente mas não quis ou não soube apresentar sugestões, e apenas uma
estudante da terceira série considerou o LD como suficiente ao processo, embora tenha
reconhecido a contribuição da professora nas abordagens que envolviam o referido LD. Ao
contrapormos as respostas dos estudantes com as de suas professoras, percebemos que elas
diferem em relação ao que pensava a maioria dos estudantes. A professora Hilda, divergindo
dos seus alunos, disse que considera a leitura apresentada pelo LD como “boa”. Além disso,
considera o LD “muito importante” e, portanto, o adotava e o recomendava. A professora
Betina, por sua vez, apesar de reconhecer a importância do suporte, disse que faltava
motivação ou um trabalho de pré-leitura no LD com o qual trabalhava naquele período. Nas
aulas observadas, a utilização do LD também se deu de modos diferentes. Enquanto Hilda fez
uso do LD em todas as aulas observadas, Betina utilizou o manual em apenas uma aula por
semana de um total de três. Nas entrevistas, as duas professoras disseram que utilizavam
outros suportes nas aulas além do LD. Hilda citou poesias, crônicas, internet, dentre outros,
enquanto Betina mencionou telas, textos mimeografados, questões, outros livros, etc. Já os
planos de disciplinas consolidaram o LD ao seguir a sequência historiográfica da literatura,
quando evidenciaram os conteúdos programáticos.
Sobre os problemas e as possíveis soluções para se resolverem os problemas referentes
à prática de leitura na escola, os estudantes revelaram: três alunas (uma da segunda e duas da
terceira série) reconheceram que havia problemas em sua escola e sugeriram dinamizar as
aulas de literatura. Dois alunos da terceira série também reconheceram problemas em
relação à prática de leitura e sugeriram incentivo à leitura como solução para o problema.
254
Um aluno da segunda série reconheceu que havia problemas mas não sugeriu soluções.
Dois estudantes da segunda série disseram que não havia problemas quanto à prática de
leitura em sua escola. Nas falas das professoras, as visões eram diferentes em relação à
questão proposta. Para Hilda, o ensino de literatura através da sua prática era fundamental,
pois ela acreditava que seus ensinamentos eram direcionados à preparação dos seus alunos
para o ENEM e vestibulares. Além disso, revelou que participou de muitos cursos a fim de se
qualificar para o trabalho docente. Quanto aos seus alunos, disse acreditar que muitos deles
tinham oportunidade de “fazer a diferença”, mas “infelizmente, eram analfabetos funcionais”,
lamentou. Já a professora Betina revelou que tentava acertar em cada prática que realizava,
pois o seu maior objetivo era fazer o melhor para o seu aluno. Além disso, revelou que
precisava ler mais, pois o tempo não permitia que ela lesse tanto quanto gostaria. Concluindo,
disse que o seu aluno estava lendo mais do que ela, independente do suporte e do status da
literatura, fato era que o seu aluno estava lendo.
Nas aulas observadas, o trabalho com a leitura nas aulas de Hilda aconteceu
exclusivamente através dos fragmentos de textos literários contidos no livro didático vigente.
A finalidade era responder às questões também apresentadas no LD. Nas aulas de Betina, o
trabalho de leitura incluía o LD e outros suportes que a professora utilizava. A finalidade das
leituras, além de responder às atividades do LD, também contemplavam discussões sobre os
textos, contando com a participação dos estudantes nas discussões. Nos planos de disciplinas,
o trabalho com a leitura foi percebido de modos diferentes. No plano da professora Hilda, a
leitura foi mencionada na metodologia quando previa “debates sobre o conteúdo de textos
selecionados” e “exercícios de leitura de textos do livro didático e de outros materiais que se
mostrarem convenientes”. Já no plano da professora Betina, a leitura foi mencionada nas
competências “ler, interpretar e analisar textos dos diferentes estilos” e na metodologia
“leitura crítica de textos de época, levando o aluno a observar a visão de mundo do escritor”.
Quanto aos suportes utilizados pelos estudantes para participarem das aulas e para
responderem aos questionários propostos, três estudantes da segunda série e uma estudante da
terceira disseram que não utilizavam suportes para se prepararem para as aulas. Desses,
apenas um disse que também não utilizava suportes para responder aos questionários
propostos. Em relação aos que se preparavam para as aulas e utilizavam suportes, foram
citados: Textos, Construção de método próprio, Ler o que a professora passa, Livro
didático e videoaulas na internet. Já entre os que se preparavam para responder aos
questionários, os suportes mencionados foram: Textos e assuntos trabalhados pela
255
professora, Pelo livro didático, Construção de método próprio, Livro didático e
videoaulas na internet. Quando comparamos as respostas dos estudantes ao que as
professoras revelaram sobre os suportes que costumavam utilizar em suas aulas e se
consideravam o LD como suficiente, obtivemos o seguinte quadro: Hilda, em princípio,
revelou que recomendava e adotava o LD. Em seguida, ao ser questionada sobre os suportes
que costumava utilizar em suas aulas, mencionou “poesias, crônicas, internet e diversas outras
pesquisas”. Nas aulas observadas, não foi possível verificar a utilização desses suportes
mencionados pela professora. Apenas o LD foi utilizado naqueles momentos. Quanto à
professora Betina, esta declarou em sua entrevista que não considerava o LD como suficiente
e, portanto, utilizava-o apenas em um dia da semana e costumava complementar o conteúdo
do manual com suas impressões e conhecimentos sobre os assuntos apresentados. Revelou
que utilizava suportes complementares, como textos mimeografados, de outros livros, além de
uma atividade nomeada por ela como “curiosidade literária”. Nas aulas observadas dessa
professora, foi possível perceber a utilização de outros suportes além do LD no trabalho com a
literatura em sala de aula. Em relação aos planos de disciplinas, tanto o da professora Hilda
quanto o da professora Betina, através das competências e/ou habilidades, previam que os
estudantes deveriam se preparar para a realização das atividades propostas.
256
VII – RESULTADOS E DISCUSSÕES
7.1 Minha relação com a educação literária
A literatura dá ao leitor o gosto de certos valores, assim como o valor de
certos gostos; porém, ainda aí, é o leitor que decide e escolhe – primeiro, se
aprende ou não, depois, o que aprende. E quando toma a educação como
tema, a literatura também a trata com ambigüidade e ironia [...] (GOTO,
2006, p.152).
Desenvolver um trabalho sobre um tema tão importante para este pesquisador, a
educação literária, significou realizar aprendizados diários sobre o mesmo tema em mundos
diversos, desafiadores e certos de sua relevância político-social. O aprendizado ao qual me
refiro pôs em cheque certezas de um professor graduado em Letras no ano 2000, com
passagem pelo ensino médio de escolas públicas estaduais e particulares de Ilhéus (BA),
docente no ensino superior no curso de Letras (UNEB, Campus XX) e mestre em Letras pela
UESC. De uma trajetória iniciada em 2003 como professor e pesquisador sobre o livro
didático de literatura em 2008, o caminhar deste aprendiz passou por algumas importantes
transformações ao longo de quatro anos, a partir de 2013.
Destaco, como principal impulsionadora à realização deste estudo, uma paixão pela
literatura criada a partir de leituras de best-sellers de Sidney Sheldon e Agatha Christie, por
exemplo. Mas bem podem ter sido as histórias contadas pela minha avó e que tanto
estimularam a minha capacidade de criar, inferir, inventar histórias, principalmente sobre o
que eu não conhecia. A resistência à literatura canônica, hoje compreendo, foi natural, diante
da forma mecanizada como fui levado a concebê-la pelas minhas professoras do ensino
médio, que se preocupavam em atender aos planos e currículos: privilegiavam a história da
literatura e não o texto literário propriamente dito. Assim, só fui conhecer o Machado de
Assis, a quem tanto odiava no ensino médio por causa dos seus temas, seus finais infelizes e
sua descrença no ser humano (uma típica formação romântica de leitor), no curso de Letras. E
assim, um outro tipo de leitor surgia em mim.
Todo esse revival que me emociona e me apraz se justifica por uma tentativa de
acolher o que me disseram os estudantes participantes da minha pesquisa (como os entendo!)
e também os professores, pois também fui professor do ensino médio e sei das cobranças que
são feitas por um sujeito coletivo (temos de atender às exigências da sociedade e do sistema
escolar). Da minha experiência como aluno à experiência como professor do ensino médio, foi
de onde surgiu uma curiosidade promovida à necessidade de realizar este trabalho, uma vez
257
que empenhava a mesma prática que os meus antigos professores utilizavam em suas aulas de
literatura. Com mais elementos do que eles, eu ousava pedir a leitura de romances, contos,
mas o objetivo principal era sempre o mesmo: uma avaliação. Como resultado, os alunos liam
resumos, buscavam informações sobre os textos na internet e a leitura literária acabava
reduzida a isso. Não realizava nenhuma discussão e seguia à risca a sequência historiográfica
do livro didático.
Insisto em falar sobre o sistema escolar, pois, por mais qualificado e dedicado ao
ensino-aprendizagem que eu fosse, atendia ao plano de disciplina organizado coletivamente
com professores da área e nem me lembrava de que aquilo era para ser considerado flexível,
que havia a liberdade do professor em aprimorar o seu plano e o seu principal suporte, o livro
didático, com outros textos e outros recursos. Em suma, fazia aquilo que a maioria dos meus
colegas também fazia e achava correto. A mudança de postura se deu quando, em conversas
com colegas também insatisfeitos com sua atuação, passamos a refletir sobre a prática docente
em relação ao ensino de literatura. Isso me fez propor um projeto de pesquisa sobre o ensino
de literatura pelo livro didático a um programa de Mestrado em Letras na Universidade
Estadual de Santa Cruz (UESC), em Ilhéus (BA). Como resultado, uma reflexão sobre o que
eu fazia com o livro didático de literatura, nas minhas aulas, e com a própria literatura. Essa
reflexão me abriu caminhos para dialogar com outros colegas professores e estudantes de
escolas públicas estaduais de Salvador (BA) sobre educação literária, a fim de construir novas
reflexões, as quais discuto nesta tese.
7.2. Discutindo os resultados
Os resultados obtidos a partir da análise e interpretação de dados revelaram que, ao
invés de um único modelo de educação literária, existem modelos variados de educação
literária nas escolas participantes desta pesquisa. Esse entendimento tornou-se possível graças
ao trabalho etnográfico desenvolvido nos espaços escolares, através dos instrumentos de
coleta de dados selecionados para esta investigação.
7.2.1. Os modelos de educação literária revelados pela pesquisa
De acordo ao que foi investigado, havia nas escolas dois modelos instituídos: um
prescrito pelos documentos escolares e pelo livro didático de literatura e outro construído
através da experiência docente das professoras que mesclavam os seus conhecimentos aos
258
sugeridos pelo LD. No primeiro caso, nomeei-o modelo de educação literária
historiográfico-literário e no segundo, trata-se de um modelo de concepção pedagógico-
literária. O não instituído é representado pelo modelo concebido.
7.2.1.1. O modelo de educação literária historiográfico-literário
Para chegar a uma definição desse modelo, algumas reflexões foram necessárias.
Assim, foi possível perceber que os documentos visavam a uma espécie de organização ou
padronização do ensino, isto é, um código que deveria embasar o trabalho dos profissionais
das escolas. Não foi possível, por exemplo, identificar qualquer menção no PPP sobre o
ensino de literatura (também não havia nenhuma menção às outras disciplinas do currículo),
uma vez que se tratava de um documento mais geral, relacionado à vida escolar, mas sem
aprofundamento no tocante ao currículo e aos conteúdos das disciplinas. Mesmo assim, pela
redação dos documentos, foi possível perceber que as escolas objetivavam uma educação
articulada/mediada por um professor que priorizasse em sua prática a formação cidadã dos
seus estudantes, de modo a atender exigências da sociedade. Isso dialogava com um currículo
construído a fim de também preparar os discentes para o trabalho.
Os planos de disciplina eram, à primeira vista, independentes dos PPP, pois os
conteúdos seguiam a tradição historiográfica da literatura através do livro didático e não havia
menção alguma ao contexto dos estudantes, conforme defendiam os PPP. Por outro lado, os
planos apresentavam associações no tocante ao preparo do aluno para o mercado de trabalho,
pois os conteúdos referentes à literatura, além de idênticos aos do LD, eram também
semelhantes aos de vestibulares, ENEM e até de editais de concursos que cobram
conhecimentos sobre literatura. Por essa observação, entendi que os documentos objetivavam
que o trabalho desenvolvido pelas professoras de literatura estivesse voltado à preparação dos
estudantes para aprovação nos concursos mencionados anteriormente, o que garantiria sua
entrada no mercado de trabalho. Daí a formação cidadã defendida nos PPP. Por isso, esse
modelo de educação literária é identificado com a formação cidadã do estudante através do
aprendizado de conteúdos e dos modos como esses conteúdos são cobrados nos exames.
Sobre as influências percebidas nesse modelo, é possível perceber a existência de
algumas concepções, as quais auxiliam o entendimento das propostas apresentadas pelas
escolas. As concepções filosóficas surgem quando, através dos PPP, as escolas defendem o
259
que entendem como sendo sua missão ou seu objetivo principal: formar o aluno cidadão de
acordo às suas perspectivas. As concepções sociológicas encontram-se no entendimento que
as escolas apresentam sobre a relação que mantêm com a sociedade e o seu papel como
mediadoras entre os contextos com os quais dialoga. As concepções pedagógicas percebidas
através dos planos de disciplinas revelaram uma forte relação com a periodização da literatura
sugerida pelos manuais didáticos trabalhados naquelas escolas. Desse modo, trata-se de
concepções sobre como educar literariamente o estudante através de conhecimentos
fragmentados, os quais serão cobrados em futuros exames. As concepções políticas são
responsáveis por oficializar esse modelo de educação literária, permitindo uma espécie de
padronização sobre a forma como a literatura se apresenta nos documentos e nos livros
didáticos. Também é responsável sobre como esse conhecimento adquirido pelo estudante
será testado e/ou cobrado em testes, provas e concursos.
Portanto, com base nas reflexões acima, conceituo o modelo de educação literária
historiográfico-literário como um sistema de ensino de literatura com objetivos, métodos e
conteúdos definidos a partir de uma representação do que profissionais do MEC, editores de
livros didáticos, comissões avaliadoras do PNLD, secretarias de educação e professores de
Língua Portuguesa e literatura concebem como literatura. Os conteúdos de literatura
apresentados nesse modelo seguem a historiografia da literatura brasileira e o seu método de
ensino também é sugerido pelo LD. Quanto aos objetivos, pretende-se a formação de
estudantes que sejam capazes de memorizar o conteúdo enciclopédico constante no LD para
que, assim, ocorra a adequação desses estudantes à sociedade.
A representação desse modelo de educação literária é, desse modo, criada pelos grupos
sociais acima mencionados sob a ótica não de uma realidade social extraída de um dado
momento, mas de uma verdadeira realidade criada por eles e fundamentadas em supostas
razões, mas que também são propagadas como verdades incontestáveis. Assim, esse sistema
de ensino de literatura se apoia nas indicações de como se ensinar os conteúdos devidamente
selecionados pelas comissões do PNLD, autores e editores do livro didático. Além disso, além
dos grupos que forjam o modelo em questão, essas indicações revelam conexões entre
vestibulares, livros didáticos e planos de disciplinas de literatura. O aprendizado do estudante
deve ser testado contando com a memorização de períodos, datas, nomes de autores e de obras
e principais características de obras e de períodos. São, portanto, indicações de como o
estudante deve se apropriar do conteúdo ensinado. Como consequência, o modelo
260
historiográfico-literário sagra-se o principal ou talvez o único discurso responsável por
possibilitar o contato do público discente com a literatura.
A consagração do modelo historiográfico-literário através da universalização do seu
discurso confere legitimidade ao que é distribuído como conteúdo e depois socializado por
professores e aprendido por alunos nas escolas. Por outro lado, essa legitimação provoca a
inferiorização, o desprestígio ou até mesmo o desconhecimento de outras formas de
apropriação do texto literário, tamanha é a força dos discursos legitimadores do modelo
instituído. São poderosas representações que atuam no sentido não apenas de defender a
existência do seu modelo, mas de anular outros modelos através de mecanismos capazes de
impor a sua concepção do que seja literatura e de institucionalizar formas para compreendê-la.
Como exemplos do modelo historiográfico-literário encontrados na pesquisa,
destacam-se:
- Os planos de disciplinas das quatro professoras participantes da pesquisa, por
apresentarem conteúdos sequenciais de acordo à historiografia literária brasileira e também
em consonância com o livro didático vigente;
- A supremacia de enciclopédias em relação aos demais títulos, inclusive às disciplinas
constantes nos currículos escolares, nas estantes das bibliotecas das instituições pesquisadas.
Além disso, havia considerável número de títulos de livros didáticos fora do catálogo vigente,
mas expostos nas estantes. Por outro lado, havia exemplares de romances como Memórias do
Cárcere, de Graciliano Ramos e Incidente em Antares, de Érico Veríssimo, e exemplares de
obras teórico-críticas como Formação da literatura brasileira, de Antonio Candido e História
concisa da literatura brasileira, de Alfredo Bosi, todos fora das estantes. Isso significa que
havia uma preocupação daquelas escolas em oferecer um sistema de ensino da literatura mais
identificado com a memorização de conteúdos, através dos significados e sentidos oferecidos
pelas enciclopédias e pelos conceitos formulados e apresentados no livro didático;
- As práticas pedagógicas percebidas nas observações, quando as professoras
passavam atividades constantes no livro didático ou extraídas do manual do professor para os
seus alunos sem contribuírem com os seus conhecimentos ou apenas reproduzindo as
informações contidas no referido manual;
261
- O respeito à tradição historiográfica da literatura brasileira através da associação que
as professoras promoviam entre os conteúdos trabalhados e as escolas literárias, confirmando,
desse modo, a demarcação político-educacional de autores e obras da nossa literatura;
- A exclusividade de textos escritos por autores canonizados pela tradição
historiográfica da literatura brasileira, extraídos do livro didático ou de similares e trabalhados
pelas professoras durante as aulas observadas;
- As respostas dos estudantes sobre o que entendiam como literatura quando realizadas
as entrevistas para a coleta de dados: História, ensino de história, literatura clássica, coisas do
passado etc. São concepções resultantes da legitimação dos discursos contidos no sistema de
ensino de literatura, o qual forja o modelo historiográfico-literário. Este, por seu turno, indica
formas de apropriação de conceitos e modos de se aprender literatura.
7.2.1.2. O modelo de educação literária de concepção pedagógico-literária
Através da vivência escolar, o cotidiano das salas de aulas onde se trabalhava a
literatura e as entrevistas realizadas com as professoras, foi possível estabelecer o conceito
desse modelo de educação literária, também instituído. Para isso, foi necessário extrair das
aulas, dos conteúdos e dos discursos das docentes as suas concepções a respeito do que
defendiam como literatura, ensino de literatura e processos de ensino-aprendizagem de
literatura.
Em princípio, a observação das aulas revelou uma diversidade de concepções
apresentadas pelas docentes. Embora todas as professoras fizessem uso do livro didático em
suas aulas, os modos de apropriação dos conteúdos e de compartilhamento das informações
com os seus alunos possibilitaram diferentes registros. Isso foi possível graças à relação que
as docentes demonstraram manter com a literatura. Na sequência, as entrevistas contribuíram
para ampliar a percepção do pesquisador acerca do entendimento das professoras sobre a
literatura e sobre como realizavam as suas práticas. Assim, sobressaíram-se, por meio das
observações e das entrevistas, concepções identificadas com a literatura canônica, concepções
ligadas ao ensino da literatura com vistas à aprovação nos exames e concepções voltadas ao
letramento literário através de um processo de ensino-aprendizagem que contemplava a
participação dos estudantes.
Trata-se, portanto, de um modelo instituído, de natureza subjetiva, alicerçado nos
discursos apresentados pelas professoras em diferentes momentos da realização de suas
262
práticas. Esse modelo também conta com objetivos, métodos e conteúdos responsáveis por
consolidar a representação de conceitos próprios de literatura, realizados por cada docente.
Por outro lado, o modelo pedagógico-literário também contempla a racionalidade do modelo
historiográfico-literário quando se apoia nas indicações do livro didático para executar as suas
propostas.
Por conseguinte, configura-se como modelo de educação literária pedagógico-literária
um conjunto de práticas pedagógicas voltadas ao ensino-aprendizagem de literatura,
amparadas na subjetividade dos discursos docentes e consolidadas nas exposições, discussões,
explicações e mediações realizadas em salas de aula. Por ser de natureza subjetiva, o presente
modelo de educação literária apresenta três subdivisões: o modelo de inspiração na
literatura canônica, o de inspiração na periodização da literatura com vistas à aprovação
nos exames e o de inspiração no letramento literário.
O modelo de inspiração na literatura canônica traz à cena a identificação docente com
os cânones da literatura ocidental, especialmente a brasileira, cuja finalidade seria, além de se
apropriarem dos clássicos, também de instrumentalizar os estudantes a fim de que
conhecessem e soubessem utilizar a linguagem formal, culta. Como exemplo, destaco alguns
registros realizados durante a observação e a entrevista da professora Cleusa Regina:
A exibição aos alunos de uma camiseta que exaltava os feitos de escritores a partir
dos seus próprios nomes e sobrenomes;
O entendimento de que o aluno precisava conhecer os grandes autores,
compreender a linguagem literária, a qual poderia melhorar, inclusive, a linguagem
“pobre” que está habituado a utilizar;
As associações com outras literaturas, comentários sobre obras e autores, como
visto na primeira aula observada, que tinha como assunto “Realismo Brasileiro”, mas a
professora pôs-se a falar sobre um texto de Fernando Pessoa, alegando que ele era seu
escritor favorito e, por isso, falava da beleza de sua literatura.
O modelo de inspiração na periodização da literatura com vistas à aprovação nos
exames se traduz na finalidade do processo de ensino-aprendizagem empenhado pelas
professoras. Trata-se da efetivação de práticas que reproduzem os conteúdos e as indicações
de como ensinar e de como aprender a literatura ofertada pelo LD. Esse modelo também conta
com a mediação ou articulação das professoras, no sentido de direcionar o referido processo
para instrumentalizar o estudante com conhecimentos que serão testados em futuros exames.
263
Para esse modelo, há exemplos nas práticas e entrevistas de três das quatro docentes
participantes da pesquisa.
No caso da professora Cleusa Regina, quando não era o livro do PNLD vigente, era
utilizada uma xerox de outro LD utilizado nas aulas. Consta ainda uma aula “adiantada” da
referida professora, realizada com total apoio de uma xerox de livro didático. A professora
Maria Cecília, por sua vez, teceu comentários e considerações a respeito dos assuntos
trabalhados totalmente apoiada naquilo que prescrevia o livro didático. Pelo que revelou na
entrevista, a professora entendia que a literatura estava associada à história da literatura e
também à própria Língua Portuguesa. Hilda realizava sua prática totalmente embasada no LD.
Havia, por parte dela, uma crença de que, com aquele tipo de prática, seria possível letrar o
aluno a partir dos conteúdos e sugestões de apropriação contidos no LD, a fim de que pudesse
alcançar os objetivos do seu plano de disciplina. Isso foi percebido a partir da dedicação e do
empenho da professora em exigir o uso do LD, unir os estudantes que não portavam o referido
manual com outros que portavam a fim de executarem as atividades, acompanhar e auxiliar
aqueles que não entendiam os enunciados e realizar a correção das atividades através das
respostas contidas no livro do professor.
A identificação do modelo acima descrito revelou que as professoras, com exceção de
Hilda, eram críticas ao livro didático, pois o consideravam insuficiente. No entanto, pouco foi
observado na prática das três docentes destacadas nesse modelo que fugisse ao domínio do
referido suporte. Por outro lado, percebi a coerência entre o discurso e a prática de Hilda, que
construía sua prática a partir dos ensinamentos do LD e acreditava que o suporte seria
responsável pelo êxito do seu trabalho. A literatura para esta docente correspondia ao que
pensavam escritores de teoria literária e/ou de LD. A sua preocupação em apresentar a
“resposta correta” ao que era questionado me lembrou o que a pesquisadora Cyanna Leahy-
Dios registrou sobre a crença de que os professores da educação básica não produzem
conhecimento e o perigo desses professores aceitarem isso. Quando lhe foi perguntado sobre o
seu conceito de literatura, por exemplo, a entrevistada apresentou três: um da autora do LD,
outro da sua época de estudante e, fora da entrevista, um conceito pessoal (considerei
importante registrar esse terceiro conceito, pois embora não tenha sido coletado na entrevista,
entendi que a professora se continha com medo de errar uma suposta resposta que o
pesquisador esperava). A interferência do pesquisador, durante a entrevista, se deu em
algumas questões pelas mesmas razões descritas acima.
264
Sobre a preparação dos estudantes para os futuros exames, duas professoras foram
explícitas em seus comentários: Maria Cecília e Hilda. Ambas objetivavam a aprovação dos
seus estudantes no ENEM e/ou vestibulares. Para isso, chamavam a atenção dos discentes
para a importância do aprendizado daquilo que era trabalhado em sala de aula, extraído dos
manuais didáticos vigentes.
O modelo de inspiração no letramento literário é definido como um conjunto de
práticas de ensino de literatura apoiadas no conhecimento docente sobre os assuntos
trabalhados e suas conexões com os conteúdos disponibilizados nos livros didáticos. Além
disso, conta com a interlocução desempenhada pelo público discente através da contribuição
dos estudantes nas discussões realizadas durante as aulas. Como exemplos desse modelo,
destaco registros de observações das aulas e da entrevista realizada com a professora Betina.
Primeiro, percebi que a professora apostava na leitura discursiva da literatura, tendo como
objeto o texto literário e não a leitura para responder questões do LD. Mas havia também um
processo de escolarização da literatura que aproximava os estudantes do texto literário, sem
necessariamente autenticá-lo pelo livro didático. A professora assumia o discurso da
autoridade e não permitia que o LD “falasse” por ela. Em suas aulas, o LD foi um dos
suportes e, como tal, estava a serviço do seu processo de ensino-aprendizagem.
Além disso, os textos literários - mesmo quando eram representados por fragmentos do
LD – contavam com a leitura introdutória da docente, uma espécie de preparação que ela
fazia, a fim de chamar a atenção do seu público. A relação que a docente mantinha com a
literatura, como leitora, crítica, engajada na função de formar leitores de literatura também lhe
possibilitava formar cidadãos críticos a partir dos textos literários e das discussões propostas
nos referidos textos. Tanto nas observações quanto na entrevista, a professora defendeu o
aprendizado do estudante a partir do texto literário.
A entrevista com Betina também trouxe à tona a coerência entre a prática diária em
sala de aula e o seu discurso registrado neste instrumento de coleta de dados. As suas
respostas partiram da paixão de leitora e de formadora de leitores de literatura para a atuação
profissional. O seu conceito de literatura contemplou o estudante e o seu contexto; já a leitura
de literatura foi associada à expressão do sentimento. São duas visões que se complementam:
a literatura como produto social e a literatura como impulsionadora da expressividade do
leitor. Essas duas visões, mencionadas em suas respostas, foram também percebidas no
decorrer das aulas observadas, quando os alunos eram estimulados/provocados a se
265
posicionarem diante das leituras propostas. Além disso, havia o cuidado da professora em
relacionar os conteúdos com temas voltados ao contexto sócio-político atual.
A prática acima registrada também foi contemplada quando a professora disse
acreditar que a literatura pode transformar o mundo e, por isso, se configura num importante
instrumento de socialização. E se inseriu como mediadora desse processo quando realizei os
registros das aulas observadas. A mediação foi um dos principais pontos de concordância
entre a observação das aulas e a entrevista, pois, nos dois casos, havia equivalência entre
prática e discurso. O uso do livro didático, por exemplo, realmente, era feito em apenas um
dia de aula na semana; havia complementação tanto no que dizia respeito aos conteúdos
quanto em relação às abordagens do que era tratado em sala. A professora assumia o papel de
principal representante naquele espaço e conferia ao LD o papel de auxiliar ao seu trabalho,
assim como outros instrumentos de que também fazia uso.
7.2.1.2. O modelo concebido de educação literária
Para chegar a este modelo, considerei as representações verificadas nas ações dos
estudantes durante o período de observação de aulas e também no conteúdo dos discursos
apresentados nas entrevistas. Assim, foi possível entender como os modelos de educação
literária verificados nas práticas docentes eram recebidos pelos alunos participantes desta
pesquisa e como eles respondiam com outras formas de apropriação além daquelas indicadas
pelos documentos, pelo livro didático e pelas professoras. Também foi preciso considerar uma
variedade de informações trazidas pelos estudantes que ora se aproximavam das
representações defendidas pelas escolas, ora traziam novas informações e reivindicavam
mudanças no processo de educação literária dos quais eram integrantes.
A diversidade de informações pode indicar tanto a variedade de discursos escolares a
respeito do que concebiam como literatura quanto pode significar a ausência de discussão
sobre o referido tema. Também pode significar a identificação de alguns estudantes com a
literatura, inclusive a que não era veiculada nas escolas, o que teria influenciado algumas
respostas mais reflexivas sobre o que lhes fora questionado. Outra possibilidade para a
variedade de conceitos também poderia resultar dos modelos instituídos de educação literária
ofertados aos estudantes, a partir dos processos de ensino-aprendizagem pelos quais teriam
passado. Na fala dos entrevistados, sobressaíram-se tipos de modelos de educação literária de
266
concepção político pedagógica: o modelo de inspiração na literatura canônica (trabalhos de
autores através do tempo/ grandes homens escreveram), o modelo de inspiração na
periodização da literatura com vistas à aprovação nos exames (tem mais a ver com a
história/é um tipo de leitura desde o passado/interligada à história), e o modelo de inspiração
no letramento literário, identificado com a expressividade através da escrita (é o nosso
movimento de tentar escrever) e também identificado com a crítica social, que vê a literatura
como arte produzida em um contexto social (uma forma de crítica).
Com a reivindicação dos discentes, percebi que, embora constasse nos PPP a
informação de que eles também participavam da construção dos referidos documentos, suas
falas apontavam que muitas de suas escolhas não estavam contidas ali. Eram reivindicações
referentes à quantidade de aulas de literatura, uso da biblioteca escolar (caso da Escola
Heurisgleides Ferreira), utilização de suportes auxiliares ao processo de ensino-aprendizagem
- além do livro didático – como um livro didático exclusivo de literatura e a internet, oficinas
de literatura e aulas mais dinâmicas.
As demandas acima apresentadas revelam que os estudantes também entendiam o
processo educacional do qual faziam parte. Como pertenciam a um contexto diverso, natural
que suas visões também o fossem. Por isso, encontrei associações do público discente com os
modelos de educação literária instituídos, mas também outras representações que se
impunham frente à apropriação da literatura exclusivamente através dos livros didáticos e
também através da literatura canônica. Quando indagados sobre as obras que liam e de quem
partiram as indicações de leitura, a maioria dos alunos citou títulos que não estão
contemplados no cânone do LD e foram indicados por amigos e parentes. E a minoria citou
algumas obras contidas no cânone e indicadas pelos manuais didáticos ou pelas professoras.
Isso me auxiliou a perceber esse modelo de educação literária como um tipo de resistência
formulado por estudantes que liam à revelia das indicações da escola ou do livro didático.
Quando alguns alunos responderam que o conceito de literatura para eles era ensino de
história, ou produções de grandes homens, por exemplo, percebi que, para eles, o que
gostavam de ler (os best-sellers, por exemplo) não era literatura.
As visões que os estudantes construíram, a partir das aulas e do LD, figuravam no
imaginário discente como uma leitura distante de suas ambições leitoras: ler os fragmentos de
livros fornecidos pelo LD, além de contribuir com a visão de que aquilo era história, estava
associado à prática de responder às questões do LD, das provas e de vestibulares. A leitura
que apreciavam era aquela que não tinha objetivos outros que não a própria leitura, o deleite
267
de se apropriar de informações que não demandassem finalidades externas ao que o texto lhes
provocaria. Isso me fez inferir que os estudantes tinham consciência não só do conceito que
atribuíam à leitura literária como também da sua importância e de como relacioná-la à vida
escolar e à vida fora da escola.
Pelo exposto, defino o modelo concebido de educação literária como modos de
apropriação de literaturas diversas que emergem das práticas de leitura adotadas pelos
estudantes a partir de escolhas alheias aos modelos instituídos. Como essas escolhas, de
acordo ao que fora informado, em geral surgem a partir de indicações de amigos e/ou
parentes, percebo nesse contexto a atuação de potenciais mediadores para os mais diversos
tipos de leitura, os quais além de agradar quem os recomenda também passam a criar públicos
de leitores entre os discentes. Por sua vez, esses novos leitores seguem a corrente e também
indicam a outros possíveis leitores as referências das quais se apropriaram.
Por entender que, ao lerem à revelia das escolas, os estudantes criam táticas de
apropriação e elegem a partir de suas escolhas os tipos e gêneros de leitura adequados aos
seus gostos, compreendo que há um mundo de leitura e de leitores que as escolas ignoram ou
desprezam. As escolas participantes da pesquisa ofereciam aos estudantes métodos e
instrumentos de apropriação da leitura literária distantes dos objetivos que eles revelaram
como leitores. O suporte consagrado no processo de ensino-aprendizagem era o livro didático
e os conteúdos também eram extraídos desse manual. Os estudantes, por sua vez,
reivindicavam o uso da internet e, apesar de não terem esse recurso disponibilizado pelas
instituições, houve casos em que alguns consultavam a referida rede, a partir dos seus
smartphones, para responderem a alguma atividade durante as aulas.
Por conseguinte, verifico que as fronteiras entre o que a escola institui e o que desejam
os estudantes cada vez mais se ampliam. Além dos títulos, tipos e gêneros de leituras
escolhidos pelos estudantes não coincidirem com o cânone indicado pelo LD e adotado pelas
escolas, os modos de leitura também fogem ao tradicional escolar. As práticas de ler através
do impresso e a de transcrever o que as professoras copiavam no quadro não foram
substituídas, mas foram acrescidas de outras. Foi possível registrar a fotografia da lousa e a
leitura de textos a partir de aparelhos celulares por alguns estudantes durante as observações
das aulas. Também nas entrevistas alguns estudantes revelaram que liam pelo computador.
Portanto, o modelo concebido de educação literária surge da conformidade entre o
contexto dos estudantes e as leituras que são disponibilizadas e depois adotadas por eles.
Conforme verifiquei, a resistência aos modelos instituídos indica que aqueles alunos estão em
268
constante diálogo com a diversidade de comunicação oferecida pelo mundo a que pertencem.
Os modos tradicionais de apropriação oferecidos pelas escolas são recusados pelos discentes
que, por sua vez, veem na literatura escolarizada apenas um conteúdo para responder às
atividades propostas nas provas e nos exames.
7.3. Respondendo ao problema de pesquisa
Após as discussões dos resultados, que me possibilitaram identificar modelos de
educação literária no contexto das escolas Heurisgleides Ferreira e Renailda Sousa, foi
possível oferecer algumas respostas ao problema de pesquisa desta tese: Como os conteúdos
das representações presentes no contexto de escolas públicas de Salvador (BA) sugerem
formas de apropriação de um modelo de educação literária junto a professores e estudantes
do ensino médio?
Para conseguir estabelecer possíveis argumentos, foram necessárias algumas reflexões.
Primeiro parto do princípio de que as duas instituições escolares eram regidas por documentos
construídos pelas próprias instituições e também por documentos legisladores, como
Parâmetros Curriculares e Lei de Diretrizes e Bases, e instâncias superiores, como Secretaria
de Educação Estadual, Governo do Estado, Ministério da Educação e Governo Federal. Todas
essas instâncias, incluindo as escolas, fundamentam seus discursos a partir de concepções dos
grupos sociais que legislam sobre a educação brasileira. Ao associar essas reflexões ao
conceito de Representação formulado por Roger Chartier, percebo que os discursos escolares
ou os discursos que legislam sobre as escolas reivindicam a universalidade de suas verdades,
os quais teriam como princípio o bem comum.
Evidente que os documentos e as instâncias político-sociais não seguem o mesmo
discurso, sobretudo quando observo as propostas da LDB 5692/96 e sua interpretação pelos
Projetos político-pedagógicos das escolas participantes desta pesquisa. Além disso, as
secretarias de governo e os próprios governos também realizam interpretações ao ajustarem os
preceitos da referida lei às suas propostas. É dessa relação, por exemplo, que emerge aquilo
que propõe Chartier. São representações de educação, escola, ensino-aprendizagem, políticas
públicas, currículo, avaliação, papel do professor, formação cidadã, dentre outros, pensadas a
partir de um discurso fundamentado na razão própria de grupos sociais que aspiram também a
uma representatividade e que os legitimam a falar em nome de outros grupos, os legislados
pela ideia de universalidade imposta pela categoria dominante.
269
Cabe aos grupos de legislados, portanto, o papel de assimilar os discursos advindos
dos grupos dominantes. Nesse caso, tem-se a apropriação. Para Chartier (1988), o conceito de
apropriação contempla a liberdade de que dispõe o leitor para se apropriar de informações a
partir dos diversos contextos em que se encontram. No entanto, ao forjar uma ideia de
universalidade, os legisladores constroem poderosas estratégias de apropriação para os
leitores, as quais seriam responsáveis pelo quase aniquilamento da liberdade de escolha. São
esquemas intelectuais que “pensam” pelos leitores sobre o que deve ser lido, como deve ser
lido, quais contribuições devem acrescentar ao que foi lido, a que conclusões devem chegar de
acordo ao que foi lido, como deve ser interpretado o conteúdo de um determinado texto para
ser reproduzido a outros sujeitos.
Desse modo, a consolidação dos modelos instituídos de educação literária perpassa por
um grupo que se encarrega de pensar a apreensão do mundo social, classificá-lo e depois
delimitá-lo para, somente assim, compartilhar o conhecimento que fora pensado, organizado
para os futuros leitores. Nas escolas investigadas, isso ocorria através dos documentos
escolares, sobretudo dos planos de disciplinas e do livro didático. Foi possível perceber que
um dos modelos instituídos de educação literária, o historiográfico-literário, possuía relevante
status pela ascendência que o regia. As justificativas apresentadas para a predominância desse
modelo podem ser encontradas nas referências que ele traz apoiadas na LDB, nos órgãos
governamentais, nos documentos do MEC para se estabelecer nas escolas. A partir daí, inspira
o PPP e os planos de disciplina até chegar à sala de aula, espaço onde também se desenvolve o
modelo de concepção pedagógico-literária por meio das escolhas e práticas docentes e
também o modelo concebido de educação literária por meio das escolhas dos estudantes.
Os grupos ligados aos órgãos educacionais (MEC, Secretarias de governo e
universidades) pensam a educação literária e a representam através dos Parâmetros
Curriculares de Língua Portuguesa (que inclui a literatura). Eles a solidificam através do livro
didático de Língua Portuguesa e literatura. Assim, o modelo historiográfico-literário se
consolida na prática docente e sugere formas de apropriação dos conteúdos, tanto aos
professores quanto aos estudantes. Nas escolas participantes desta tese, esse foi o modelo que
mais vezes foi registrado pelo pesquisador. Isso ocorria mesmo quando as professoras
demonstravam conhecer outros modelos que pudessem embasar as suas práticas. Do lado dos
estudantes, a consolidação desse modelo também foi percebida a partir das visões
apresentadas através das entrevistas. Havia, entre eles, concepções que dialogavam com o que
270
ensinavam as professoras, com o modo de se aprender literatura e principalmente com as
representações de literatura forjadas pelo livro didático.
Por isso, entendo a predominância do modelo instituído de educação literária,
denominado neste estudo de historiográfico-literário, nas escolas investigadas como uma
poderosa representação alicerçada na construção de mundos idealizados por grupos políticos e
sociais, os quais determinam que a apropriação da literatura, tanto por parte dos professores
quanto por parte dos estudantes, transcorra de acordo às indicações do livro didático, como
consta no registro desta tese. Existe um cenário onde é possível perceber um jogo de forças
entre o modelo historiográfico-literário e o modelo de concepção pedagógico-literária
inspirado no letramento literário e também o modelo concebido. Conforme alerta Chartier
(1988), são lutas de representações. E o grupo mais forte impõe seus valores e suas
concepções, obrigando os grupos minoritários a também os adotarem.
No entanto, nas lutas de representações, o grupo dominante não explicita aos demais
quais são os seus reais objetivos. Quando impõe um tipo de representação da literatura e suas
formas de apropriação, esse grupo difunde uma ideia de universalidade, como se aquela fosse
a única possibilidade de acessar um conhecimento considerado importante. São discursos que
se apoiam na conformação dos grupos minoritários, os quais são instruídos a aceitarem
aquelas indicações como discursos de verdade absoluta. Daí a quase ausência, nas escolas
investigadas, de associações da literatura a outros discursos que não o de conhecer para
responder às questões de provas ou de exames. A literatura, sob essa ótica, é um
conhecimento palpável, que pode ser apreendido através da memorização dos principais
pontos de vista trazidos como relevantes ao conhecimento do leitor escolarizado.
Já no modelo de concepção pedagógico-literária com inspiração no letramento
literário, é o professor, através da mediação, que sugere formas de apropriação aos estudantes.
Na pesquisa, esse modelo foi marcado pela reivindicação de autoridade em sala de aula da
professora Betina através daquilo que ela conhecia, ao relacionar o seu conhecimento ao
contexto escolar e também ao que era externo à escola, e ainda por permitir e incentivar a
participação dos discentes. Várias foram as passagens registradas durante as observações e
confirmadas pelas entrevistas da própria docente e também dos seus alunos. Para
exemplificar, destaco a leitura de um fragmento sobre Triste fim de Policarpo Quaresma pela
professora e pelos alunos em uma das aulas observadas. Embora tenha utilizado o LD, a
professora efetuou contribuições e propôs reflexões que não estavam previstas naquele
suporte. Além disso, realizou uma espécie de motivação ao informar aos seus estudantes que
271
Lima Barreto, autor do título em destaque, também escreveu Nova Califórnia, Vida e Morte
de M. J. Gonzaga de Sá, Clara dos Anjos, Numa e Ninfa, O homem que sabia Javanês, dentre
outras, adaptadas em conjunto na telenovela Fera Ferida (originalmente exibida pela Rede
Globo em 1993 e reprisada pelo Canal Viva em 2015), de Aguinaldo Silva.
A relevância dessa passagem está no incentivo praticado pela professora, pois
consciente da influência da telenovela no Brasil, Betina estimulava, de certo modo, a
curiosidade dos seus estudantes em buscar as obras mencionadas ao invés de apenas prepará-
los para os exames escolares. À primeira vista, esse ato pode apresentar pouca relevância, mas
para os estudantes pode significar a possibilidade de ampliar ou modificar a sua visão sobre o
que eles concebiam como literatura. Ao fazer a mediação, além de estimular os seus
estudantes a buscarem as obras mencionadas, a professora também demonstra que é leitora,
que conhece as obras mencionadas no livro didático e possíveis adaptações delas decorrentes.
Por conseguinte, os discentes se familiarizam com possibilidades de leituras diferentes das
previstas no LD e que podem lhes oferecer outras visões da literatura canônica, indo além das
abordagens do referido LD e de outras práticas docentes.
Embora não tenha sido recorrente durante as observações (mas bem marcado nas
entrevistas), o modelo concebido adotado pelos estudantes não apenas sugeria formas de
apropriação como também as criava. Trata-se de um modelo que, embora fosse legítimo em
razão das liberdades de apropriação do conhecimento, soava como marginais para três das
quatro professoras participantes, e também para alguns estudantes, que de tão habituados ao
modelo defendido pelo manual didático, ignoravam a existência de outros modelos
(estudantes) ou apenas perseguiam o ensino enciclopédico para que os estudantes lograssem
aprovação nos exames, desprezando outras formas de apropriação e de práticas de ensino da
literatura (professoras).
A consciência de que havia nas escolas uma reação ao domínio do modelo
historiográfico-literário, fosse através do modelo de concepção pedagógico-literária inspirado
no letramento literário, fosse pelo modelo concebido, me reportou a Chartier (1988)
novamente, quando ele define Apropriação. Essa reação foi se delineando nas observações das
aulas, em que foi possível perceber que, na exposição de Betina, por exemplo, o LD não
falava sozinho, não ditava verdades. Também, na prática docente, mais de uma forma de
leitura da literatura e em mais de um suporte também configuraram reações. Por parte dos
estudantes, as escolhas que fizeram em relação ao tipo de leitura de que gostavam e o que
272
revelaram nas entrevistas sobre suas relações com a literatura apontaram que não havia
consenso acerca do tema em questão.
Havia contrastes entre a ideia de universalidade imposta pelo modelo historiográfico-
literário e a relativização dessa ideia por parte dos outros modelos. Tanto a professora Betina
quanto os estudantes demonstraram que conheciam e praticavam a leitura da literatura de
outras formas, ou seja, se apropriavam dos textos de diversos modos, exercendo a sua
liberdade para se relacionarem com aquilo que liam. Por outro lado, embora não se negue,
essa liberdade não é tão difundida quanto o modelo historiográfico-literário nas escolas. Além
disso, quando as professoras insistiam em seguir o referido modelo, reforçavam ainda mais a
ideia de universalidade inerente ao seu discurso.
Frente ao exposto, entendo que as escolas participantes da pesquisa possuem, sim,
representações do que seja literatura e do que seja o processo de ensino-aprendizagem da
referida arte quando escolarizada. E a partir dessas representações, realizam suas escolhas
combinadas com as instâncias que legislam sobre o contexto escolar, em relação ao
tratamento dispensado ao referido processo. As escolas seriam mediadoras daquilo que foi
pensado para ser ensinado aos estudantes e também aos professores. As representações seriam
criadas nos órgãos governamentais político-educacionais e consolidadas nas instituições de
ensino.
No ambiente escolar, as representações emergiram dos documentos escolares e do
livro didático e atuavam no intuito de conferir à literatura certo caráter científico. Daí a
necessidade de se escolarizar a literatura para instruir os estudantes a se apropriarem de
representações da literatura e não do texto literário, pois a finalidade do trabalho com o
referido texto era muito mais a preparação dos alunos para os exames do que um amplo
letramento literário. Isso é construído, no ensino médio, a partir da historicização do texto
literário, dos fragmentos selecionados pelos editores e autores de livros didáticos, das
questões de interpretação de texto, das imagens literárias, das características de períodos, de
escritores canônicos e das principais datas. Todo esse panorama está contemplado no LD. É
desse modo que o modelo historiográfico-literário pensado para a escola atua no intuito de
promover uma ideia ou uma representação do que seja a literatura e de como transformá-la em
processos de educação literária. E, para alguns estudantes, e também professores, participantes
desta pesquisa, de tão bem estratégico que é esse modelo, torna-se também a única
possibilidade de contato com o texto literário.
273
Por outro lado, conforme já mencionei, no ambiente escolar atuavam também outros
modelos de educação literária. Especificamente o de concepção pedagógico-literária com
inspiração no letramento literário. Nesse caso, eram outras as representações, as quais
sugeriam outras formas de apropriação do texto literário. Destaco o tratamento da literatura
como arte, autores e textos canônicos contidos no próprio LD, trabalhados numa perspectiva
diferente das indicações contidas no manual, uma vez que compreendia o olhar da professora
sobre a literatura e a promoção de debates com os estudantes. Também havia marcas de
pessoalidade ou de intimidade com a literatura através do movimento de ir e vir com o texto
literário. Mesmo quando o texto era uma representação contida no LD, havia o olhar da
professora àquele conteúdo ao realizar a sua prática.
Por esse ângulo, as representações sugeriam, além da amparada pelo LD, formas de
apropriação do texto literário a partir de diversos modelos de educação literária, os quais
contemplavam a autoridade das professoras em abordar os conteúdos de literatura, a
contribuição dos estudantes e a sua consequente autonomia. Nesse modelo, a literatura eram
outras coisas que contemplavam, no caso das professoras, a aproximação com o tratamento
artístico e político-social da literatura, afastando-se do ensino enciclopédico. No caso dos
estudantes, as outras coisas iam desde O pequeno príncipe ao livro de Ivete Sangalo, passando
pela Bíblia Sagrada, por Capitães da areia, Crepúsculo e A menina que roubava livros, por
exemplo. Eram modelos que coexistiam independente dos documentos, das formações e das
escolhas. Por isso, as diversas representações sugeriam formas de apropriação do texto
literário não a partir de um modelo apenas, mas de modelos de educação literária que tanto
correspondiam às exigências da escola, dos governos e da sociedade quanto evidenciavam as
práticas das professoras e dos estudantes que atuavam naqueles contextos tão diversos quanto
as abordagens realizadas a partir do texto literário.
274
VIII – CONSIDERAÇÕES FINAIS
8.1. Reflexões
A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de
liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno
desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e
sua qualificação para o trabalho61
Escolhi o artigo 2º da LDB 9394/96, título II (Dos princípios e fins da educação
nacional), para introduzir as reflexões que me foram provocadas pelo exercício desta
investigação, a fim de relacioná-las ao contexto das escolas participantes da pesquisa e às
novas propostas do governo federal via medidas provisórias ou projetos de lei que propõem
modificações à Constituição Federal do Brasil de 1988 e à própria LDB 9394/96. Pela relação
com o contexto escolar, percebi que as escolas Heurisgleides Ferreira e Renailda Sousa,
contemplam em seus respectivos Projetos político-pedagógicos uma maior preocupação em
formar o estudante para atender às exigências da sociedade, estando a cidadania dos sujeitos a
serviço das tais exigências, do que o “pleno desenvolvimento do educando”, conforme
registrado na LDB.
No entanto, o percurso que realizei nas escolas acima mencionadas me possibilitou
perceber outras representações além do que foi observado na análise daqueles documentos.
Destaco como o passo a passo desse percurso desde os simples telefonemas às escolas em
busca de informações sobre como proceder à realização da investigação que propunha,
passando por várias visitas malsucedidas, esperas nos corredores para ser atendido pelos
gestores e/ou professores, movimento dos corredores de alunos, funcionários e pais de alunos,
conversas com professores e gestores para me apresentar e falar da pesquisa que desejava
realizar, visitas às salas de professores, registros de aulas observadas, visitas às bibliotecas,
conversas com funcionários de bibliotecas, de secretarias, de portarias e dos serviços gerais,
entrevistas com professores e estudantes.
Embora tenha experiência como professor de Língua Portuguesa do ensino médio
público da Bahia durante dez anos e seja, portanto, conhecedor da dinâmica daqueles
ambientes onde lecionei, percebi que as escolas, ainda que regidas por documentos oficiais
61 Disponível em: http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/lei9394_ldbn1.pdf. Acesso em 28 de dezembro de
2016.
275
comuns, possuem sua própria essência: são espaços múltiplos e diversos, os quais interferem,
de algum modo, no processo de ensino-aprendizagem. Foi a partir dessa observação que
entendi quais seriam as contribuições da minha investigação para futuros trabalhos cujos
objetivos contemplassem a temática Educação literária.
Inicialmente, busquei a linha teórica História cultural (Chartier) através dos conceitos
de representação e apropriação, por entender que essa teoria me auxiliaria nas interpretações
dos dados coletados durante o processo investigativo. Na sequência, escolhi a metodologia
(etnografia) e a divisão dos capítulos, que também passaram por modificações à medida que a
análise e a interpretação dos dados revelavam informações que “reivindicavam” referências na
parte teórica ou na parte metodológica do trabalho. Por isso, registro a importância da
realização deste trabalho etnográfico, principalmente pela oportunidade de lidar com o
desconhecido. Ainda que guardasse expectativas, portar-me como o outro significou tentar
entender como os professores e os alunos se notavam nos seus respectivos contextos e, a partir
daí, criar um espectro do que eram os modelos de educação literária coexistentes nas escolas
pesquisadas.
Pelo exposto, percebo que, naquelas escolas, apesar da coexistência dos modelos de
educação literária anteriormente descritos, era necessária uma aproximação entre o que a
escola defendia e precisava ensinar com o que os estudantes pensavam, liam e consideravam
literatura. Evidente que a escola, como instituição pública e político-social, precisa letrar o seu
estudante na literatura canônica, afinal, além da possibilidade de compreender as instâncias de
produção e a história da literatura brasileira, há ainda o prazer estético, as possibilidades de
exploração da linguagem e as referências sociais e políticas que possibilitariam a formação de
futuros leitores críticos de sua literatura. No entanto, é preciso haver diálogo com o público
que se forma. Com a pesquisa, percebi que a construção do projeto político pedagógico de
cada uma das escolas não contempla os estudantes, de acordo com o que foi revelado nas
entrevistas. Suas aspirações em relação à leitura de literatura passam ao largo tanto dos
documentos oficiais quanto das práticas das professoras participantes da pesquisa. A exceção,
nesse caso, coube a Betina que, de acordo ao seu relato, realizava momentos de curiosidade
literária onde os estudantes apresentavam a leitura de um texto de sua escolha durante um
templo estipulado pela docente.
No geral, porém, o distanciamento entre a organização escolar e a realidade dos
estudantes fora da escola talvez tenha sido responsável pelos equívocos percebidos nas
respostas dos estudantes ao conceituarem a literatura. Não defendo que a escola adote as
276
leituras de Harry Potter e Senhor dos anéis, por exemplo, como leituras obrigatórias para os
alunos. Por outro lado, as bibliotecas escolares poderiam conter essas obras e outras como as
citadas pelos entrevistados em substituição às antigas enciclopédias e livros de áreas que não
fazem parte do currículo escolar. Tive a impressão de que as bibliotecas das escolas, ao
insistirem em acervos inspirados em modelos antigos, se veem ainda como aquele espaço da
época em que era comum os estudantes frequentarem apenas para copiar conteúdos de
enciclopédias e livros de pesquisa, a fim de cumprir as tarefas escolares.
A representação de educação literária, baseada no modelo historiográfico-literário,
adotada pelas escolas participantes concebe a literatura ou o estudo que se faz dela como um
instrumento de saber enciclopédico; por isso a coerência entre os documentos, os acervos, as
práticas docentes, as indicações de como alguns estudantes devem se apropriar do texto
literário. Por outro lado, apesar de uma poderosa representação que legitima o modelo acima
descrito, ainda que talvez inconscientemente, também há a resistência por parte dos
estudantes: tanto em relação às escolhas do que leem quanto em relação aos métodos e
suportes auxiliares à apropriação dos conteúdos. Refiro-me às tecnologias percebidas em
vários momentos, utilizadas pelos estudantes, como os smartphones utilizados para acessarem
conteúdos e/ou para fotografarem assuntos escritos na lousa. Entendi esse movimento como
próprio dessa geração de jovens que nasceu com as novas tecnologias. O que o estudante que
pesquisa no Google ou que fotografa a lousa faz é coerente com a sua época. Ele não precisa
ir à Barsa ou à Miradouro para realizar suas pesquisas como as gerações anteriores faziam. Há
outros dispositivos e suportes capazes de auxiliarem tanto o trabalho dos professores quanto
as pesquisas realizadas pelos estudantes.
Se as professoras possuíam conhecimento do mundo diverso em que vivia o estudante,
da dinâmica do texto literário, seja ele canônico ou não, dos variados suportes que carregam o
texto e das muitas possibilidades de apropriação, faltava a adequação dos modelos escolares
de educação literária ao contexto em que se inseria. Digo adequação ao invés de
modernização porque o moderno já se encontrava nas gestões (que dialogavam bastante com a
comunidade escolar), na disposição das salas, em alguns títulos das bibliotecas, na
qualificação docente, na abrangência do PNLD em relação às disciplinas do ensino médio,
dentre outras. Por outro lado, os modelos de educação literária instituídos, salvo o de
inspiração no letramento literário, desprezavam os conhecimentos prévios dos estudantes
sobre o que eles liam. Além disso, a contemplação do cânone apenas por sua posição e da
forma como apresentada pelo LD sem a mediação docente, ao invés de aproximar os discentes
277
dos grandes autores, acabava por conseguir exatamente o contrário: o afastamento desses e a
aproximação dos não-canônicos, que são negados pelas escolas.
Pela experiência que tenho como leitor tanto de best-sellers quanto do cânone,
considero as duas instâncias extremamente relevantes para a minha formação, guardadas as
devidas especificidades. Enquanto as leituras não canônicas me possibilitaram exercitar uma
espécie de rapidez física, pensamentos rápidos, vontade de devorar o livro, tamanha era a
engenhosidade da trama, os canônicos abriram outras possibilidades, como a admiração das
descrições, a configuração dos espaços, a capacidade de inferir, as dúvidas, a constatação de
que eu poderia ser vários leitores de acordo às proposições dos variados narradores, a
identificação com o eu lírico dos textos em verso ou com os narradores em primeira pessoa
etc. Percebi que aqueles estudantes, sobretudo os da professora Betina, também eram capazes
de realizar percursos de leitores, dos não canônicos aos canônicos, e assim, não mais
entenderiam a literatura como ensino de história ou grandes homens do passado, por exemplo.
Desde que respeitado o tempo de cada leitor e realizadas mediações adequadas ao contexto
escolar, as futuras pesquisas poderão encontrar naquelas escolas os mesmos modelos de
educação literária, mas ao invés da predominância de um só deles, que haja interlocução entre
os diversos modelos que coexistem naquelas instituições.
As considerações acima descritas são reflexos das conexões que estabeleci com a
revisão de leitura integrante desta tese, sobretudo as que decorrem do que apontam Cyana
Leahy-Dios, Rildo Cosson e Marisa Lajolo, por exemplo. Ao se posicionar sobre o que
considera “Educação literária” e que esta poderia ajudar na construção da cidadania dos
sujeitos, constatei que essa foi uma das principais motivações ao desenvolvimento da minha
pesquisa, pois na coleta de dados encontrei sujeitos (professora e alunos) que, através de suas
atuações (nas observações e nas entrevistas), contribuíam para a efetivação de um processo de
educação literária mais democrático. Além disso, foi a partir das considerações de Leahy-Dios
(2004) que consegui formular conceitos para os modelos de educação literária encontrados
por esta investigação nas escolas com as quais trabalhei. Portanto, destaco a relação de
conformidade entre a linha argumentativa que desenvolvi ao longo da pesquisa e o apoio que
encontrei nas proposições da referida autora.
Outro ponto que destaco na conexão com a obra de Leahy-Dios (2004), e que aparece
nas reclamações dos estudantes, diz respeito ao tratamento da literatura pelos documentos
oficiais e pela própria escola. Trata-se do rebaixamento da literatura como disciplina escolar.
A autora relata que, desde 1999, a literatura perdeu seu status de disciplina passando a constar
278
como conteúdo da disciplina Língua Portuguesa. Os alunos entrevistados reclamaram da
quantidade de aulas de literatura e da inexistência de um livro didático exclusivo de literatura
em suas escolas. Por isso, as reflexões aqui realizadas se dão no intuito de defender um
trabalho com vistas à formação cidadã dos estudantes, tendo por base também a educação
literária. Com a eliminação da literatura dos quadros de disciplinas do ensino médio, acredito
que o problema se agrave ainda mais, pois quem estabelece a quantidade de aulas que
contemplam conteúdos da referida área são os professores, que podem inclusive não inserir
em suas práticas quaisquer conteúdos literários.
Outro ponto de conexão com a revisão de literatura que me auxiliou a discutir os
resultados encontrados se refere ao conceito de letramento literário formulado por Rildo
Cosson e Graça Paulino (2009). Além de me auxiliar na discussão, também foi crucial para a
definição de um dos modelos de educação literária de concepção pedagógico-literária
encontrados nos resultados. Embora reconheça a dificuldade das escolas em estabelecerem o
letramento literário como uma prática de apropriação da literatura em constante
transformação, consegui registrar, discutir e conceituar um modelo de educação literária
inspirado na definição de letramento literário formulada por Cosson e Paulino. Trata-se de
uma prática que conta com uma espécie de consciência literária da professora, resultante de
sua experiência como leitora, ao permitir as contribuições discentes aos textos que punha em
discussão, inclusive os textos didáticos.
Ouso afirmar que esse foi o modelo de educação literária que mais se aproximou do
que defendo nesta tese: a mediação através do conhecimento docente somada às leituras e/ou
contribuições dos estudantes para um determinado texto, e a possibilidade de trabalho com a
literatura canônica na perspectiva interpretativa e não puramente descritiva. Além disso,
amplio para a inserção da literatura marginalizada pelo livro didático mas que atrai os jovens
estudantes em razão das temáticas, dos gêneros, da identificação etc. Nesse aspecto, retomo a
epígrafe do capítulo II deste estudo na fala de Marisa Lajolo: “Será que é errado dizer que
literatura é aquilo que cada um de nós considera literatura?” (Lajolo, 1982, 10). Eu e os
estudantes que participaram desta investigação concordamos que não, pois a literatura
marginalizada que lemos, em algum momento das nossas vidas, foi a única possível, nem
sempre no sentido físico, mas principalmente no que diz respeito à dificuldade de apropriação.
Inclusive na própria escola parece haver um proposital distanciamento entre a literatura que
goza do status de cânone e o público discente. Portanto, reivindico a cidadania literária a todas
279
as literaturas que, de algum modo, nos ajudam a escrever a nossa história de leitores e de
cidadãos.
8.2. Implicações
À medida que a investigação se consolidava por meio da coleta de dados, e
posteriormente, do tratamento desses dados, não pude ficar alheio aos acontecimentos no
âmbito político brasileiro, sobretudo no que se concretizou como o processo de impeachment
da presidenta Dilma Rousseff, sua substituição pelo então vice-presidente Michel Temer e as
medidas restritivas tomadas pelo novo grupo que compôs o governo brasileiro, a partir de
maio de 2016 (interinamente), e definitivamente em agosto do mesmo ano. Refiro-me
especialmente às propostas direcionadas à educação pública brasileira, através da PEC 241
(como foi identificada na Câmara dos Deputados) ou 55 (como foi identificada no Senado),
aprovada pela Câmara dos Deputados e definitivamente pelo Senado Federal, em 13 de
dezembro de 2016, e a MP 746, de 22 de setembro de 2016, que trata da Reforma do Ensino
Médio.
Sobre a PEC 241/55, destaco o “Art. 101. Fica instituído o Novo Regime Fiscal no
âmbito dos Orçamentos Fiscal e da Seguridade Social da União, que vigorará por vinte
exercícios financeiros, nos termos dos arts. 102 a 109 deste Ato das Disposições
Constitucionais Transitórias”. Com isso, o governo tenciona, dentre outras propostas, congelar
os investimentos em educação por vinte anos, alegando uma necessidade de “cortar gastos” do
governo, a fim de sanar o descontrole nas contas públicas. Como professor e pesquisador de
uma temática oriunda da Educação, sinto-me atingido por tal medida: primeiro por não
considerar os investimentos na referida área como gastos. Além do mais, trata-se de
investimentos essenciais à população em geral, que já conta com um sistema educacional
precário pelas escolhas equivocadas dos nossos governantes.
A PEC 241/55 gerou muitas discussões, não apenas no Planalto Central como também
entre os profissionais de diversas áreas, sobretudo os da educação. Ao estabelecer uma relação
entre o que pesquisei e essa proposta do governo, entendo que, nas escolas participantes da
minha investigação, haverá um retrocesso ou uma estagnação dos poucos avanços
conseguidos pelos gestores a partir das políticas públicas empenhadas por governos anteriores
a este. Segundo uma das professoras entrevistadas, a política para implantação do PNLEM,
280
abrangendo todas as disciplinas do ensino médio, foi vista como um considerável avanço no
âmbito educacional e um poderoso auxílio ao trabalho docente. Com a vigência da PEC
241/55, outros avanços apontados pelas professoras e pelos alunos como essenciais ao
funcionamento das escolas não seriam possíveis de se realizarem.
Além disso, a urgência em aprovar a tal medida desconsiderou a própria consultoria
jurídica do Senado Federal, que considerou a referida PEC como inconstitucional62. Por outro
lado, a alegada necessidade de cortar gastos públicos não contemplou as vantagens de
políticos atuantes e o alto escalão do judiciário, por exemplo63. Ao contrário, para esses
grupos houve aumento de salários e de vantagens, conforme noticiado nas mídias impressas e
digitais64.
Em relação à MP 746, percebo que o problema já começa com o caráter desse
instrumento: Medida Provisória. Ou seja, um dispositivo que se relaciona com matérias
urgentes, as quais dispensam a consulta à sociedade organizada (inclusive, essa foi uma das
alegações do procurador da República Rodrigo Janot para considerá-la inconstitucional65).
Propor uma reforma do EM via medida provisória já representa um ato autoritário. Fora isso,
durante o processo de tramitação, as críticas apontadas por especialistas da educação foram
sistematicamente ignoradas66. Trata-se de uma tentativa de retomar modelos já
experimentados em outros momentos da nossa história e contestados por pesquisadores,
inclusive contrariando o que está regimentado na LDB 9394/96 sobre o papel do estado via
escola em relação à promoção da cidadania ao estudante na escola. Percebo que a plena
formação cidadã, que tem como finalidade um sujeito crítico a partir da instrumentalização
ofertada nas escolas e, portanto, apto para o exercício social e para o mundo do trabalho, se
configuraria em dotar um ser que se dispõe apenas ao trabalho, de acordo à MP aprovada pelo
Congresso Nacional.
Quando a referida Medida Provisória ainda tramitava na Câmara dos Deputados, já
me deparava com as orientações das escolas participantes da minha pesquisa através dos seus
62 Disponível em: http://www.redebrasilatual.com.br/politica/2016/11/consultoria-do-senado-diz-que-pec-55-e-
inconstitucional-5811.html. Acesso em 30/12/2016. 63 Disponível em: http://g1.globo.com/politica/noticia/2016/07/temer-assina-reajuste-de-ate-41-para-servidores-
do-judiciario-diz-stf.html. Acesso em 30/12/2016. 64 Disponível em: http://www.brasil247.com/pt/247/poder/262374/Um-dia-ap%C3%B3s-aprovar-teto-de-gastos-
C%C3%A2mara-aumenta-sal%C3%A1rios.htm. Acesso em 30/12/2016. 65 Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/educacao/2016/12/1842954-medida-provisoria-do-ensino-
medio-e-inconstitucional-diz-procuradoria.shtml. Acesso em 30/12/2016 66 Disponível em: http://g1.globo.com/educacao/noticia/reforma-do-ensino-medio-nao-deve-ser-feita-na-caneta-dizem-especialistas.ghtml. Acesso em 30/12/2016.
281
PPP. Já havia ali um direcionamento do ensino, pelo menos na proposta dos documentos, em
guiar o estudante para atender às exigências da sociedade ou do mercado de trabalho. Esse
quadro se agrava ainda mais quando a propaganda do MEC na televisão brasileira, contando
com jovens sorridentes, tanto os que representam os alunos quanto os que “explicam” as
novas medidas com um falar pausado e articulado, se situa em um cenário impecável,
contando ainda com um providencial fundo musical e que, após as explicações, conseguem a
aprovação daqueles que ouvem as propostas. Cabe ressaltar que a veiculação dessa
propaganda em rede nacional teve início no momento em que as ocupações estudantis
(escolas, institutos federais, universidades) estavam no ápice. A principal pauta das ocupações
era a denúncia da PEC 241/55, MP 746 e PLS 193 (Escola sem partido). Nenhuma dessas
reivindicações apresentadas pelas organizações estudantis foi levada em consideração pelos
proponentes da referida reforma.
Com a aprovação da MP 746, dentre outras reformulações, o novo ensino médio
passaria a funcionar em regime de tempo integral, com currículo flexibilizado, contando com
disciplinas obrigatórias e optativas. Dentre as obrigatórias, Língua Portuguesa, Matemática,
Inglês, Artes, Educação Física, Filosofia e Sociologia. Cabe ressaltar que as quatro últimas só
conquistaram o posto de obrigatoriedade após diversos setores da sociedade se posicionarem
contrários à mudança. No entanto, da forma como fora aprovado o texto, não se trata de
ofertar as disciplinas Filosofias e Sociologia, por exemplo, mas os seus conteúdos, que
poderão ser trabalhados por professores de outras áreas, inclusive67.
Nesse caso, preocupa-me a propaganda e o convencimento dos jovens pela tão
alardeada liberdade de escolha68. Do modo como o ensino médio é configurado no país,
percebo que há, sim, uma necessidade de se reformular suas estruturas, seu currículo,
disciplinas e conteúdos. No entanto, as pesquisas oriundas das diversas áreas do conhecimento
deveriam concorrer para essa finalidade. A alegação de que o currículo está defasado e que os
estudantes de baixa renda não veem relevância no que estudam, apontado por órgãos como o
Centro Brasileiro de Análise e Planejamento - CEBRAP, com o apoio da Fundação Victor
Civita, deveria também refletir sobre o tipo de ensino que é disponibilizado ao estudante, pois
há um considerável distanciamento entre o que propõem os documentos, o que são elencados
como conteúdos, o que o professor ensina e o que o estudante aprende.
67 Disponível em: http://appsindicato.org.br/index.php/especialistas-desconstroem-propaganda-do-mec-sobre-
reforma-do-ensino-medio/. Acesso em: 10/01/2017 68 Disponível em http://www.redebrasilatual.com.br/educacao/2016/12/propaganda-do-mec-esconde-erros-e-
omissoes-da-reforma-do-ensino-medio-8710.html. Acesso em 30/1/2016
282
Nas escolas públicas brasileiras, inclusive nas que já trabalhei, é comum professores
formados em uma área específica assumirem disciplinas pertencentes a outras áreas do
conhecimento. Por isso me detenho sobre o ensino de literatura. O aluno que não vê
relevância no seu processo de ensino-aprendizagem, possivelmente não teve a oportunidade
de participar de uma aula de literatura onde a mediação do professor contemplou o texto e
expectativas dos estudantes. Ao contrário, o ensino enciclopédico, que com a reforma não
deixará de existir, vai continuar, conforme verificado em teses e dissertações consultadas por
mim, provocando o distanciamento entre a escola e o estudante.
8.3. Desdobramentos
Ao concluir o exercício desta tese, percebo que deixo lacunas sobre o tema que me
propus a investigar e, portanto, registro a necessidade de sua continuidade por mim, em
parceria com as instituições que apoiaram a realização deste trabalho (UNEB e UNICAMP)
ou por outros pesquisadores que, assim como eu, se sintam provocados a pesquisarem a
Educação Literária brasileira. Destaco a seguir as lacunas que deixo e que considero
importantes para futuras pesquisas:
Estudos para avançar sobre as características dos modelos de educação literária no
ensino fundamental de escolas públicas brasileiras;
Análise das formas de autoridade que impõem o modelo de educação literária
historiográfico-literário sobre os demais às escolas públicas do ensino médio;
Investigação sobre as causas da consagração do ensino de literatura no ensino
médio que contempla a memorização de autores, obras, datas, características e
escolas literárias;
Análise da relação entre os reais impactos sobre o distanciamento dos currículos
dos cursos de Letras e os currículos de Literatura como componentes do ensino
médio;
Estudos sobre a confecção dos acervos de leitura e literatura das bibliotecas das
escolas participantes desta tese, ou sobre outras que oportunizarem a investigação;
283
Estudos sobre a adequação dos Projetos políticos-pedagógicos ao contexto das
escolas investigadas neste estudo ou em outras escolas que demonstrem interesse
em participar de futuras investigações;
Análise sobre o processo de seleção dos livros didáticos de Língua Portuguesa e
Literatura sob a ótica dos professores e dos estudantes das escolas participantes
desta tese ou de outras que aceitem participar de futuros estudos.
Além das lacunas acima descritas, destaco a relevância desta pesquisa nas seguintes
instâncias:
1 – Pessoal: Como leitor, a realização deste estudo me fez entender os processos pelos
quais passei no que diz respeito à apropriação daquilo que interpretava, muitas vezes
utilizando estratégias consagradas por narradores ou por leitores mais hábeis com os quais
dialoguei ao longo da minha existência leitora. E como tive esse olhar, também a pesquisa
colaborou para um entendimento do mundo do outro, o leitor que eu, como professor, avalio
ou o leitor que se ressente de não ser letrado na literatura canônica. Nesse ponto, o estudo
sobre educação literária me tornou uma “pessoa melhor” no que diz respeito à percepção de
um vasto mundo de leitores que se apropriam de muitos textos ignorados por mim e por
muitos dos meus colegas professores do ensino médio e também do ensino superior.
2 – Epistemológica – Ao realizar este estudo, entendo que contribuo para futuras
reflexões sobre o ensino de literatura no ensino médio, sobretudo no que diz respeito à
autonomia do professor frente ao livro didático. Também destaco a importância deste estudo
no intuito de se perceber o aluno como leitor, independente do que ele lê. Pensemos sobre a
participação dos estudantes em debates sobre suas leituras, pois a efetivação do letramento
literário não ocorre apenas nas escolas e os alunos sabem disso, leem à revelia aquilo que lhes
apraz. Também vale mencionar que este estudo pode inspirar outros pesquisadores a
ampliarem ou confrontarem a tese que aqui defendo sobre os modelos de educação literária
que encontrei nas escolas que investiguei.
3 – Social-política: Por desenvolver uma temática extraída de um contexto social e
político, evidencio a importância do meu trabalho nesse quesito, ao me reportar a questões
como a educação literária em sua relação com a sociedade, a interpretação do projeto político
pedagógico e dos planos de disciplinas das escolas, a prática social da leitura sob a ótica dos
estudantes e dos professores, as condições do ensino de literatura nas escolas e as políticas
284
públicas voltadas à promoção da leitura nas escolas participantes da pesquisa. Além disso,
destaco a importância da educação literária como instrumento de formação cidadã de
estudantes e de professores através da literatura.
4 – Pedagógica: Por ter como foco o espaço escolar, a relevância pedagógica deste
estudo encontra-se na constatação da existência dos modelos de educação literária
encontrados nas escolas investigadas e como eles coexistiam naqueles espaços. Por isso,
acredito que, para os professores, a conscientização de que lidam com diversos modelos de
educação literária em suas salas de aula pode auxiliá-los a estabelecer estratégias para adequar
suas práticas docentes a grupos diversos com os quais trabalham.
Pelo exposto, concluo este trabalho e espero que as reflexões aqui descritas sirvam de
inspiração para outros estudantes de mestrado ou de doutorado que se identifiquem com a
temática trabalhada por mim. E que contribuam para uma reformulação do ensino de literatura
no ensino médio brasileiro ampla, debatida e discutida por quem tem autoridade para tanto, os
pesquisadores.
285
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