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Ricardo Sílvio de Andrade
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Ricardo Sílvio de Andrade
A metáfora do amor mortal
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Ricardo Sílvio de Andrade
RICARDO SÍLVIO DE ANDRADE
A metáfora do amor mortal
PETROLINA
2009
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Ricardo Sílvio de Andrade
Dedico este livro à minha família que – entre outros – me
proporcionou a maioria das impressões aqui registradas.
Dedico este livro também aos meus amigos. Tanto os da minha terra
natal – Orocó – quanto os de Petrolina.
Ele também vai para meu referencial de Poesia: Tiago Teixeira, o
primeiro grande poeta que Orocó já viu.
Ah, não poderia jamais esquecer duas pessoas importantíssimas na
minha história: a Alessandra Pires Sales – Leka – , e Luciana Santos – a
minha primeira fã!
Adoro vocês.
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Ricardo Sílvio de Andrade
Buscar ao amor às vezes parece uma infinita. Buscar ao amor ficou
para os realmente obstinados. O amor – esse estranho – infelizmente
não manda aviso de sua chegada, nem garante partida. Se fica, cresce e
floresce, construindo as mais belas obras que a mente – o coração –
humano pode criar. Mas se parte, não parte para outro local, nem para
outro coração que não seja aquele em que se originou. Quando parte,
transcende esse universo e inspira a criação de novas estrelas.
O amor quando parte não é mais que uma metáfora, uma vez que não
se vai, mas fica sepultado no coração amante. Nesse ponto, o amor é
humano, portanto, mortal.
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Ricardo Sílvio de Andrade
VIDA
O vento varria as folhas,
O vento varria os frutos,
O vento varria as flores...
E a minha vida ficava
Cada vez mais cheia
De frutos, de flores, de folhas.
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Ricardo Sílvio de Andrade
VIDA
Vida,
É plantar muito
Pra colher quase nada
Mas, mesmo assim,
É ter certeza de que
No pouco que se colheu
Compensou-se tudo
O que
Durante esse tempo
Se perdeu.
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Ricardo Sílvio de Andrade
FRANQUEZA
Me disseram para ser bom
E só me fizeram o mal.
Me disseram pra ser eu mesmo
E me ridicularizaram.
Eles me dizem que sou agradável
Mas não me permitem estar por perto.
- E quem está certo?
Me disseram um dia pra ganhar o mundo
E num segundo
Me prenderam.
Eles disseram que precisava me encontrar
E me perderam
Nesse deserto.
- E quem está certo?
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Ricardo Sílvio de Andrade
ATÉ QUANDO?
Até quando você vai continuar me ouvindo desfiar
Todo o meu rosário de histórias
Cada uma mais diferente que a outra
Porém, de igual chatice
Sobre como consertar o mundo?
Até quando vou te ter aqui por perto
Pra censurar minhas palavras,
Pra estragar minhas tentativas
De descobrir teus segredos?
Até quando vai continuar me entendendo
Me didatizando na sua filosofia de vida
Mais inventada que vivida
Mais colorida que devia
Mais sincera que podia
Dentro do eco das nossas risadas?
- Até quando?
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Ricardo Sílvio de Andrade
Faz tempo que ninguém me abraça
(nem que seja em pensamento).
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Ricardo Sílvio de Andrade
?
Andei muito buscando algo
Pra satisfazer minhas necessidades
E preencher os espaços na minha alma.
Corri ruas, bairros,
Cidades.
E nunca que encontrei
Pois nunca que tive coragem de procurar
Além do que
Meus defeitos me deixaram.
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Ricardo Sílvio de Andrade
CEP
Em uma carta te enviei
Todos os meus sinceros sentimentos
E você me devolveu
Um vazio interminável
Dentro de um envelope marrom.
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Ricardo Sílvio de Andrade
OUTONO
No outono os dias são mais tristes
E as dores mais sentidas
E caem as folhas das árvores.
Também o frio traz consigo
As pesadas mãos do vindouro inverno.
E no ar que eu respiro
As saudades da primavera.
Ao amigo Humberto Del Maestro.
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Ricardo Sílvio de Andrade
CONSELHO
Nunca leve preocupação pra cama
(é uma péssima companhia).
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Ricardo Sílvio de Andrade
OLHAR DE MIM
Tenho visto coisas demais.
Mas as coisas que hora vejo
Não me trazem nada senão
Uma
Gota
A mais de
Tédio
Pra dentro de minha casa
Vazia
Vazia
Vazia.
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Ricardo Sílvio de Andrade
LEMBRANÇAS
Há muito tempo atrás
Coisa que nós – jovens – não lembramos mais,
Perdeu-se nas brenhas da civilização
E da modernização
Sob a luz de neon
E do reflexo do computador
A magia do dia-dia,
O desapego de um sorriso,
A generosidade do olhar.
Perdeu-se em meio as lembranças
De senhas e novos códigos
De telefones DDD e DDI,
Perdeu-se.
Nas discagens dos números
E cumprimentos de horários,
Em meio a vida comum
Sem assunto concreto.
Perdeu-se nos telejornais.
Perdeu-se no fundo das gavetas
(das muitas que temos hoje),
A felicidade simples
Das lembranças de criança
Dos brinquedos também simples,
Toscos
Sem aquela bobagem tecnológica.
Perdeu-se e, desde então, o homem,
O homem de hoje,
Não se conhece mais.
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Ricardo Sílvio de Andrade
INVERNO
A felicidade é como um sopro
Que mal entra pela porta e a gente sente,
Logo, logo vai embora.
A tristeza é como uma tempestade
Que chega apressada e se instala
Sem ter hora de dizer adeus.
Ao amigo Humberto Del Maestro.
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Ricardo Sílvio de Andrade
FUGA
Doeu, mas foi necessário
Te dizer adeus.
“Adeus” para que amanhã pudesse
Abrir minhas janelas
E, ao olhar o sol nascer
Saber que em nada há graça
Se nela não estiver você.
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Ricardo Sílvio de Andrade
FUNERAL
Agora guardo nossas coisas,
Nossas roupas
(aquilo que restou de nós).
E é madrugada
Enquanto espero o amanhecer
Queimar o que restou do meu coração.
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Ricardo Sílvio de Andrade
TESTAMENTO
Aos belos,
A certeza de que um dia
Serão feios.
Aos feios,
Um longo legado
Trazido pelas justas
E velhas mãos do tempo.
Aos feios,
A certeza de que continuarão
A sê-lo.
Aos belos,
Os feios grisalhos no cabelo.
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Ricardo Sílvio de Andrade
CD PLAYER
Escuto no ar a nossa música
E cada nota que ela contém vem
Falar a minha mente que você não está aqui.
Dizer aos meus olhos que não te verei,
Escrever na minha alma o mal que tua ausência faz,
Gritar no meu coração que se acabou tudo.
Escuto no ar a nossa música
E cada nota que ela contém vem
Me dizer que
Quisera eu ter nascido surdo
Ou nunca ter encontrado
No mundo
Alguém.
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Ricardo Sílvio de Andrade
A TARDE
A tarde caiu marrom
Tingindo o mundo da sua cor.
Pintou as águas, o ar, as rochas,
Tingiu o céu de marrom e lhe tirou todo o azul
- maculou-o.
A tarde aqueceu o clima e arrepiou
Todas as estéreis areias;
A tarde modificou o mundo.
Transformou as brancas flores em
Flores marrons, sépias tingidas,
E deitou cálidos pensamentos em mim
A tarde.
Pensei no poder que tem essa tarde
E na sua sinuosidade
Que tudo transformou
E desvirginou
Da pureza da manhã.
Só que a mesma tarde
Que modificou o mundo
O céu,
A água,
As rochas,
As flores,
As areias,
Não pôde modificar meus olhos quando prendem tua imagem
Tingida no branco da manhã.
A M e t á f o r a d o A m o r M o r t a l | 23
Ricardo Sílvio de Andrade
PERDÃO
No dia em que quiseres voltar,
Vem.
Silenciosamente usa teus passos suaves,
E me tira do sono profundo
Sussurrando aquilo que me negaste ontem:
- Sim!
A M e t á f o r a d o A m o r M o r t a l | 24
Ricardo Sílvio de Andrade
AGONIA
Queimando nas chamas do esquecimento,
Os restos do amor ao próximo
Reclamam ainda um túmulo
A quem interessar possa.
A M e t á f o r a d o A m o r M o r t a l | 25
Ricardo Sílvio de Andrade
IDEAL
Sempre me disseram
Que na vida,
O importante é ser feliz.
Pena que
Nunca me avisaram
Que a felicidade
Está sempre em falta
No mercado.
A M e t á f o r a d o A m o r M o r t a l | 26
Ricardo Sílvio de Andrade
POBREZA
É fácil
Dizer
Que
A
Vida
É
Um
Barato
Quando não se vive feito uma barata.
A M e t á f o r a d o A m o r M o r t a l | 27
Ricardo Sílvio de Andrade
LIBERTINAGEM
Libertinagem é olhar as pernas das garotas.
É olhar os olhos,
Olhar o corpo.
Libertinagem é acordar cedo e de mau humor,
É acordar dolorido
Depois da noitada.
Libertinagem é dar duro de dia,
De noite,
Todas as tardes
Sem nunca perder o sorriso.
- ...
Libertinagem é viver.
A M e t á f o r a d o A m o r M o r t a l | 28
Ricardo Sílvio de Andrade
HEAVY METAL
Às vezes,
A melhor melodia
Para bailar
É o ressonante som
De um silêncio resignado.
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Ricardo Sílvio de Andrade
BRASIL
A vida
É muito curta.
A felicidade
É muito pouca.
O dinheiro
Está muito difícil.
A velhice
Será muito sofrida.
Mas a esperança,
- Ah, maldita!
Esta insiste
Em não morrer em mim.
A M e t á f o r a d o A m o r M o r t a l | 30
Ricardo Sílvio de Andrade
SERTÃO
Ar estático,
Suor, calor,
Cabeça solta
Pensando besteira.
Muriçocas voejando sobre a cabeça
E a tolinha da vida,
Seca,
Dura,
Áspera como o solo em que piso.
A M e t á f o r a d o A m o r M o r t a l | 31
Ricardo Sílvio de Andrade
OFFBEAT
Depois de esgotadas as forças
Que me moviam adiante
E acabados os bons motivos,
Depois de colher os poucos frutos
Da minha ociosidade produtiva
E rever minhas velhas revistas
Esperando pela boa vontade do tempo
Em se apressar na sua caminhada,
Foi que vi que realmente não é mito bom
Tentar mudar muito as coisas que incomodam:
É tentar secar o mar,
É polir areia.
Todavia o tempo ainda me diz
Que há uma esperança para mim:
Pode ser um cataclisma
Ou uma revolução
Talvez uma lágrima
Ou mágoa.
Queria, Deus meu,
Que das duas uma:
Que se diminua o sofrimento,
Ou a expectativa de vida no Brasil.
A M e t á f o r a d o A m o r M o r t a l | 32
Ricardo Sílvio de Andrade
ESPERANÇA
Eu só tenho dó porque
Hoje em dia esperança
É moda
É religião
É opção sexual
É dinheiro no banco
É carro do ano.
Esperança hoje em dia
É trocada
É vendida
É emprestada.
E eu só tenho pena porque
Hoje em dia, esperança é tudo,
Exceto o que deveria ser:
Esperança.
A M e t á f o r a d o A m o r M o r t a l | 33
Ricardo Sílvio de Andrade
CARNAVAL BLACK
Choram ainda cinzas as ruas estéreis
Numa quarta ensolarada
Esperando o vento dissipar
O trêmulo pavor que ficou:
Sobejos de sua partida.
A M e t á f o r a d o A m o r M o r t a l | 34
Ricardo Sílvio de Andrade
A METÁFORA DO AMOR MORTAL
É o diabo que nos move e até nos manuseia!
Em tudo que repugna uma jóia encontramos;
Dia após dia, para o inferno caminhamos,
Sem medo algum, dentro da treva que nauseia.
Assim como um voraz devasso beija e suga
O seio murcho que lhe oferta uma vadia,
Furtamos ao acaso uma carícia esguia
Para espremê-la tal qual laranja que se enruga.
A M e t á f o r a d o A m o r M o r t a l | 35
Ricardo Sílvio de Andrade
A UM DESAVISADO QUALQUER
Não existe saída
Se você não sabe qual o seu problema.
Não há meios de se definir
Aquilo que não se quer ver.
Não tem como se encontrar,
Se não houver consciência de que se está perdido.
Não há meios de se sentir feliz
Se você não buscar em si mesmo a felicidade
No caminho haverá sempre dificuldades
Mas não é desistindo que elas cessarão.
Pois, no sofrimento da busca
Estará o sabor da conquista
E o sorriso que se dá
Tem o dom de trazer a você
Riquezas inestimáveis
Porque sempre é bom ser amável,
É a melhor defesa de quem não sabe lutar
E é a única forma de romper a pedra
Em que se transformou o coração humano.
Mudar é sempre necessário
E o novo pode trazer sofrimento,
Principalmente se você está preso
Às suas coisas antigas,
Pois o novo
É o único meio de se saber
Se houve valor
Naquilo que se acumulou.
A M e t á f o r a d o A m o r M o r t a l | 36
Ricardo Sílvio de Andrade
ANDRÓGINA
Quando é inverno
Eu sou o descanso,
Sou um longo romance
Lido ao alvorecer.
E passa-se o dia,
A tarde, a noite,
Muda-se a luz, não muda o que ver.
Quando é inverno, eu sou o sono
Esperando relapso o amanhecer,
Mas se é verão, eu sou o fruto,
O mistério no ponto, pronto pra colher.
A M e t á f o r a d o A m o r M o r t a l | 37
Ricardo Sílvio de Andrade
DO SONHO
O que nos consome,
Nos come, descome,
Viceja, voeja
Torpe varejeira
Que, ora despeja e sobeja,
Ora almeja e deseja,
Às vezes duplica e multiplica
Modifica, recicla e edifica
E por fim replica.
Depois, insiste, resiste,
Persiste,
Mas também sente que se ressente
E finalmente,
Desiste.
A M e t á f o r a d o A m o r M o r t a l | 38
Ricardo Sílvio de Andrade
RESPOSTA
Das paixões,
Só as inalcançáveis me interessam.
O resto me será acrescentado
Bem à moda poética.
A M e t á f o r a d o A m o r M o r t a l | 39
Ricardo Sílvio de Andrade
ANGÚSTIA
Me esprema a garganta
E me solte um grito
Aflito.
Me assuste e me observe
Depois me abrace.
Me sufoque e me remoce,
Me embarroque,
Depois me arcade.
Mas me toque,
E no toque, um tapa:
Me acorde.
A M e t á f o r a d o A m o r M o r t a l | 40
Ricardo Sílvio de Andrade
ALANA
Uma vez eu vi uma flor
E Alana pra mim era ela.
Alana pra mim era tudo,
Era o meu mundo às vésperas do apocalipse.
A M e t á f o r a d o A m o r M o r t a l | 41
Ricardo Sílvio de Andrade
O ESPÍRITO
O espírito cobra
Da carne, as carícias.
Dos ossos, o seu sustento.
Do cérebro, os maus pensamentos
Para acalentar.
O espírito exige
Dos olhos, a triste vigília.
Das mãos, punhos às velas trêmulas.
Da boca a língua ferina.
Das velas, luz para guiar.
Me cobra o sangue o espírito,
Da pobre carne, o fraco hálito,
Da grande morte o sono.
E meio mundo a cobra-lhe a dor
De um abandono.
A M e t á f o r a d o A m o r M o r t a l | 42
Ricardo Sílvio de Andrade
POÉTICA
A poesia no terreiro:
Tolinha, bobinha, inocente,
Vem despreocupada e
- Zás!
Foi ciscada
(Não existe bicho mais literato que galinha
Caipira).
A M e t á f o r a d o A m o r M o r t a l | 43
Ricardo Sílvio de Andrade
BICHO
Eu jogo lama nas paredes
Eu me escondo
Eu sou menos humano assim.
Na lama e no lodo latente
Eu vejo o mundo demente
E nada faz falta pra mim.
A M e t á f o r a d o A m o r M o r t a l | 44
Ricardo Sílvio de Andrade
POÉTICA II
O sono me acalenta a memória,
Me torra o ânimo
E me sorve – café quente,
Depois fecha meus olhos.
O sono trava meus pensamentos,
Me embala e conforta.
Depois tudo é noite dentro de mim.
A M e t á f o r a d o A m o r M o r t a l | 45
Ricardo Sílvio de Andrade
ESFINGE
Quem nunca está alegre
Prezará sempre a tristeza,
Ou será que aí existe
Algum restinho de beleza?
Quem nunca se apaixonou
Vive sempre amargurado,
Ou amargura e amor
Andam sempre lado a lado?
Quem busca uma verdade
Foge sempre da mentira,
Ou será que a falsidade
Às vezes é a saída?
E quem busca a santidade
Foge sempre do pecado?
Ou à sua castidade
Estará ele amarrado?
A M e t á f o r a d o A m o r M o r t a l | 46
Ricardo Sílvio de Andrade
POÉTICA III
Já busquei muitas verdades
Escondidas entre as mentiras semeadas
No caminho.
Também comprei uns velhos sonhos
De um caixeiro que me cobrou em cruzeiros.
-...
A M e t á f o r a d o A m o r M o r t a l | 47
Ricardo Sílvio de Andrade
DOS VERDADEIROS AMORES
De certos amores,
Só o que sobra
São os presentes.
A M e t á f o r a d o A m o r M o r t a l | 48
Ricardo Sílvio de Andrade
A METÁFORA DO AMOR MORTAL
Eu digo:
O amor existe.
E mesmo que já não existisse,
Ainda persiste
Em manter-se algo pleno
- Eterno.
Ou em manter-se inconstante
- Distante.
E desdigo:
O amor não existe.
E mesmo que ainda existisse
Seria triste.
Algo como o sexo:
- Desconexo.
Ou o casamento:
- Mesmice!
A M e t á f o r a d o A m o r M o r t a l | 49
Ricardo Sílvio de Andrade
AVISO
Nenhuma poesia é coerente
Ao ser lida com os olhos de ver
Tristezas, desgraças e solidão.
Os olhos de ler poesia
- Estes sim!
São os olhos do coração.
A M e t á f o r a d o A m o r M o r t a l | 50
Ricardo Sílvio de Andrade
POÉTICA IV
Mergulhe
No poço da minha vida
E emerge
Embebido em poesia.
A M e t á f o r a d o A m o r M o r t a l | 51
Ricardo Sílvio de Andrade
FILOSOFIA
Adentra
Seu próprio silêncio
Vazio.
Surpreenda
Sua ignorância
Com a sabedoria contida nele.
Finite-se
Tamanha sabedoria não cabe
Em seu vão invólucro humano.
A M e t á f o r a d o A m o r M o r t a l | 52
Ricardo Sílvio de Andrade
INVERNO
Andores
Nos corredores?
Não.
Calores nos cobertores.
A M e t á f o r a d o A m o r M o r t a l | 53
Ricardo Sílvio de Andrade
PELE
Me crescem
Pêlos
Pela
Pele.
Pêlos brancos, pretos, acaju.
Me surgem estampas
E arabescos
Revelando bolas, manchas, desenhos
- Tatuagens de veludo.
Pêlo
Pela
Pele
Expõe a estampa da alma!
A M e t á f o r a d o A m o r M o r t a l | 54
Ricardo Sílvio de Andrade
MUNDO
De gota em gota, pratica-se a generosidade
Mas verte-se em grossas cachoeiras a necessidade.
Dia após dia sonha-se com a felicidade
Mas o que realmente falta é força de vontade.
A M e t á f o r a d o A m o r M o r t a l | 55
Ricardo Sílvio de Andrade
VERDADES
Se lhe disserem que você é um nada,
Admita.
Somos reles nada destruindo o universo.
Mas se lhe disserem que você é tudo,
Assine embaixo
(falsa modéstia não cai bem em ninguém).
A M e t á f o r a d o A m o r M o r t a l | 56
Ricardo Sílvio de Andrade
OUTONO II
Doce
No ponto?
É ponto
Pro doce!
A M e t á f o r a d o A m o r M o r t a l | 57
Ricardo Sílvio de Andrade
O LUCRO
O lucro do rico
É inalcançável.
Mas o rico não o é
Por ser durável.
O lucro do triste é
Um grito
- aflito?
Por que não?
Mas o lucro do pobre
É um gemido
Triste e espremido
Na escuridão.
A M e t á f o r a d o A m o r M o r t a l | 58
Ricardo Sílvio de Andrade
PRAZER
Procure no mundo,
No fundo
Do poço no fim da estrada.
Procure nas flores,
Nos doces
Nos fins de jornada.
Procure no nada
Na palma
Das mãos de um anjo.
Procure em encantos
Nas preces,
Nas velhas quermesses.
Procure nos fins,
E quando encontrares, perca
Para depois recomeçares.
A M e t á f o r a d o A m o r M o r t a l | 59
Ricardo Sílvio de Andrade
PRIMAVERA
Nervos
À flor da pele?
Flores
Aos nervos dela.
A M e t á f o r a d o A m o r M o r t a l | 60
Ricardo Sílvio de Andrade
VERDADE CRUA
Eu fico com raiva,
Eu sou destrutivo agora,
Pura poesia em meio a ignorância.
Quero que me digam que a intenção
Não é ser cético quanto a isso
Ou que o lado triste do mundo
É o que o deixa mais poético.
Não sei usar figuras
Pois o que digo, é o que é.
- Problema?
Não se você sabe onde está
O centro do seu mundo.
Não se deixe arrastar pela minha órbita confusa
Não se deixe esquivar pela minha verdade crua.
A M e t á f o r a d o A m o r M o r t a l | 61
Ricardo Sílvio de Andrade
QUESTÃO
Ser ou renascer?
-Eis a questão
Tão contrária quanto a luz
É à escuridão.
Renascer ou não ser?
Qual a solução?
Tão contrária quanto a razão
É ao coração.
Tentar e sofrer quanto ser
Cobra muito da coragem,
Da vontade de vencer.
Mudar o destino – renascer:
Um caminho, uma verdade
Ou um risco de perder.
A M e t á f o r a d o A m o r M o r t a l | 62
Ricardo Sílvio de Andrade
VERÃO
Somar:
- Sol + Mar.
A M e t á f o r a d o A m o r M o r t a l | 63
Ricardo Sílvio de Andrade
DE VERSOS
Já não me cabe ser vaso com conteúdo.
O mundo acabou...
Eu busco minha busca infame.
Me consumo,
Revejo versos.
É triste olhar as mãos e nada ver,
É triste apalpar o ar
E congelá-lo no coração.
Já não me convém a beleza do beija-flor
Nem a dignidade da abelha
Rainha,
Doce fonte de mel
Ressurreição do espírito.
A M e t á f o r a d o A m o r M o r t a l | 64
Ricardo Sílvio de Andrade
CIRANDA
Eu me confundo
Você me acode.
Eu me perco
Você me encontra.
Eu me desespero
Você me consola.
Eu sou o rio
Você sempre o meu mar.
Eu sou o pássaro
Você um terno céu.
A M e t á f o r a d o A m o r M o r t a l | 65
Ricardo Sílvio de Andrade
MÃE
Figura pálida e cansada
Sofrida
Da lida diária.
Desespero profundo
Em forma de cuidados.
E nos olhos,
Jeito de amar desconsertado.
Figura prestes a se apagar.
A M e t á f o r a d o A m o r M o r t a l | 66
Ricardo Sílvio de Andrade
DA FÍSICA
Os homens pensam e transformam o mundo.
Os homens se escondem.
Invadem o céu, as águas, o ar e o infinito
Esses homens.
Os homens se transformam também:
Atraem, distraem, constroem, desconstroem.
Humanos – pólos iguais
Repelem-se.
A M e t á f o r a d o A m o r M o r t a l | 67
Ricardo Sílvio de Andrade
SATÂNICA IN POETRY
Consuma o sangue
Digira vida
Transforme-se
Ou transfigure-se
Mude
O ser
Desnude:
Revire-se
- louca tripa - .
Transforme o meio
E, entrementes
Descanse.
Depois
Na chuva,
Deitado em campo aberto
Deixe um raio despertar o seu ser
À prova de qualquer coisa.
A M e t á f o r a d o A m o r M o r t a l | 68
Ricardo Sílvio de Andrade
DAS PESSOAS FRÍVOLAS
Diz que incorporava múltiplas personalidades.
- Era médium?
- Pai-de-santo?
- Ator de sucesso?
Não. Era mentiroso, mesmo.
A M e t á f o r a d o A m o r M o r t a l | 69
Ricardo Sílvio de Andrade
FIM
As palavras não me saem mais
(fazer o quê?).
Hoje amanheci em fogo criador
Mas me falta o fundamental:
Palavras.
Voaram dessa ilha
Deixando tudo no escuro
Sem a luz das idéias
- Negra epiderme.
E a dúvida a consumir tudo
Na recriação
Deste universo.
A M e t á f o r a d o A m o r M o r t a l | 70
Ricardo Sílvio de Andrade
MÃOS LIMPAS
A lâmpada
Uma lâmpada bem abastecida de óleo e ostentando chama bem
luminosa, gabava-se de iluminar mais que o sol. Mas logo soprou um
forte vento, que a apagou. E alguém, enquanto a acendia de novo, lhe
disse: “Ó lâmpada, ilumina sim, mas fica calada. A luminosidade dos
astros jamais se apaga”.
Moral: Que as glórias e os esplendores da vida não nos ofusquem, pois
tudo que temos é transitório.
Esopo
A M e t á f o r a d o A m o r M o r t a l | 71
Ricardo Sílvio de Andrade
QUINTETO
Agora sou cinco
Eu era sete – um pouco mais.
Mas hoje sou apenas cinco
Cinco mentes como as pontas de uma estrela
Espetando-me
Consciência aguda
Agora sou cinco.
E todas as músicas me fazem sentido.
A M e t á f o r a d o A m o r M o r t a l | 72
Ricardo Sílvio de Andrade
EXPLICAÇÃO
Sempre ouvi músicas românticas.
E se me pegam no meio da melodia
(olhos perdidos longe no horizonte),
Me perguntam se estou apaixonado,
Ao que respondo:
- Estou poeta.
A M e t á f o r a d o A m o r M o r t a l | 73
Ricardo Sílvio de Andrade
GEOCÊNTRICO
Estou sozinho e deitado
Imóvel na minha sala
No meio do mundo.
Agora
Me dói o peito e movo a mão:
Estou trinta centímetros mais próximo
De algum lugar.
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Ricardo Sílvio de Andrade
IDADE
Talvez o mundo não seja tão cinza, de fato.
Talvez minha sede de olhar
Já tenha passado.
Pode ser
Os meus olhos, afinal,
Depois de certa idade é difícil conjugar
Rugas e risos.
A M e t á f o r a d o A m o r M o r t a l | 75
Ricardo Sílvio de Andrade
ENTREVISTA
Estou na sala
Sentado
E tenho medo do silêncio das pessoas.
Na minha cabeça,
Uma pergunta:
- Onde será que eles escondem
A verdade?
A M e t á f o r a d o A m o r M o r t a l | 76
Ricardo Sílvio de Andrade
OFÍCIO
Eu me equilibro
No tênue fio poético,
Fecundando letras,
Cruzando vocábulos,
Gerando frases.
Se caio
Desse fio ao esmo
Sou texto.
Se recobro meus sentidos
Sou verso.
Se me fio nesse nexo,
Sou homem.
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Ricardo Sílvio de Andrade
RISO DO RIO
De repente em meu sono um murmúrio
Teu sorriso alado no escuro.
Pra me acalantar
Nos momentos de frio,
Um pouco da calma em seu perfil.
Na desordem
Me colhe em seus braços, feito um polvo com mil tentáculos,
Despedaçando meu peito em ternura
Dorso firme
Na água escura...
Cessado o tempo das águas,
Antes eu não imerso!
Teu sorriso agora se afasta
Qual resquício de sonho,
Pele branca na areia.
E o tempo do rio me faz lembrar:
Perdidas,
As horas não contam
Assim como não contam as dúvidas:
Onde estarás agora?
Não sei.
As águas do rio não me contam mais...
A M e t á f o r a d o A m o r M o r t a l | 78
Ricardo Sílvio de Andrade
CONFISSÃO
Dizem que minha mãe
Soube bem criar os filhos dela.
De fato,
Nunca me envolvi com álcool
Nem drogas.
Aprendi sozinho
A me meter em outras confusões.
A M e t á f o r a d o A m o r M o r t a l | 79
Ricardo Sílvio de Andrade
PRESSA
Dias
Cheios,
Vida
Vazia.
A M e t á f o r a d o A m o r M o r t a l | 80
Ricardo Sílvio de Andrade
CHEGADA
Passa das onze e chego em casa.
Todos dormem.
Tomo meu banho, assisto
E me deito.
Espero o dia trazer a próxima ferida.
A M e t á f o r a d o A m o r M o r t a l | 81
Ricardo Sílvio de Andrade
VERDADE
Não
Entendo,
Sub-entendo
O que pretendo
A fim de esconder
O óbvio.
A M e t á f o r a d o A m o r M o r t a l | 82
Ricardo Sílvio de Andrade
FANTASIA SOCIAL
Me visto
Como um homem
Rico.
Me arrisco
Exibindo risos
Me perco
Na busca de mim.
Vigio
O meu semelhante
Mantendo-o seguro
(distante)
Me
Escondendo
Assim.
A M e t á f o r a d o A m o r M o r t a l | 83
Ricardo Sílvio de Andrade
DESCULPAS
Não posso ter
Dinheiro
Não posso ser
Inteiro
Não posso ser
Mundo
Não sou
Tudo.
A M e t á f o r a d o A m o r M o r t a l | 84
Ricardo Sílvio de Andrade
HUMANIDADE (ADJETIVO)
Não sei se o que quero
É o que eu não penso
Ou o que não posso.
Sou hipertenso
Hiper tenso
Hiper penso
E pretenso
Homem.
A M e t á f o r a d o A m o r M o r t a l | 85
Ricardo Sílvio de Andrade
O SEU POEMA
O seu poema é branco, denso
É forte, sofrido
É mármore.
O seu poema tem a matéria
Dos grandes risos
E breves choros...
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Ricardo Sílvio de Andrade
BIOGRAFIA
Eu,
Homem de papel,
Resolvi viver
De letras.
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Ricardo Sílvio de Andrade
NONSENSE
Alguém me disse
“ - hey, tua poesia é uma merda”.
Você leu? – perguntei.
“Sim – ele me disse”.
Deveras é mesmo.
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Ricardo Sílvio de Andrade
Petrolina, verão de 2009.
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