Anais Eletrônicos
01 a 04 de março de 2016
Recife - Pernambuco
2016. Anais Eletrônicos do Encontro de Combinatória, Estatística e Probabilidade dos Anos Iniciais.
Recife, Pernambuco, Brasil. ENCEPAI.
A MULTIPLICAÇÃO COMBINATÓRIA NA EDUCAÇÃO INCLUSIVA
Vera Lucia Ferreira1
UNIRIO – Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro
Ana Maria Carneiro Abrahão2
UNIRIO – Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro
RESUMO
O texto que aqui apresentamos reflete parte de um estudo investigativo realizado por Vera,
professora de Classe Especial e de Sala de Recursos, para uma monografia de conclusão do
curso de Pedagogia. Com o objetivo de procurar entender como alunos com necessidades
especiais podem compreender as diferentes ideias do campo multiplicativo e apresentar
reflexões sobre alternativas possíveis para a ampliação da ação pedagógica de professores de
alunos especiais incluídos nos anos iniciais do Ensino Fundamental, Vera estudou um caso,
um aluno da sua classe especial. Vergnaud e Vigostki fundamentaram a base teórica desse
estudo. Essa investigação mostrou que a multiplicação combinatória teve um grande apelo
reflexivo ao caso estudado. O aparato lúdico e manipulativo e as possibilidades de
representações significativas proporcionadas pelas atividades de combinatória indicaram
fortes indícios de favorecimento à memorização reflexiva de eventos de aprendizagem
vivenciados em sala de aula. O ambiente de aprendizagem favorável associado às atividades
desafiadoras e à afetividade presente na relação professor-aluno podem trazer contribuições
pedagógicas na qualidade da aprendizagem matemática de alunos com necessidades especiais.
Palavras chave: Multiplicação combinatória. Matemática inclusiva. Anos iniciais.
Introdução
Este trabalho traz parte de uma investigação desenvolvida em uma monografia de conclusão
do curso de graduação em Pedagogia, na cidade do Rio de Janeiro. O objetivo dessa pesquisa
foi procurar entender como alunos com necessidades especiais compreendem as diferentes
ideias do campo multiplicativo. O que aqui apresentamos tem foco na ideia de multiplicação
combinatória, ideia que se evidenciou no processo de aprendizagem desenvolvido pelo aluno
especial que chamaremos de João. Ao focar no raciocínio combinatório desenvolvido por
A Multiplicação Combinatória na Educação Inclusiva Encontro de Combinatória, Estatística e Probabilidade dos Anos Iniciais
01 a 04 de março de 2016
ENCEPAI – Recife, 2016
João com a mediação de sua professora Vera, objetivamos apresentar reflexões sobre
alternativas possíveis para a aprendizagem da multiplicação e de ampliação da ação
pedagógica de professores de alunos especiais incluídos nos anos iniciais do Ensino
Fundamental. Essa proposta se justifica porque Vera, estudante, pesquisadora e também
coautora desse texto é professora de escola pública no Rio de Janeiro e atua junto à Classe
Especial3 e à Sala de Recursos4, fazendo adaptações para os alunos incluídos em turmas
comuns. Nas visitas periódicas que faz às turmas para observar o desenvolvimento dos seus
alunos da sala de recursos, ela tem observado a dificuldade dos professores de turma comum
para estimular os alunos incluídos a questionar problemas, a transformar um dado problema
em uma fonte de novos problemas, principalmente do campo multiplicativo, e a construir uma
via de ação e reflexão para a construção de conhecimento dos alunos especiais. Vera afirma
que com o curso de Pedagogia está aprendendo a articular teoria e prática, principalmente em
linguagem e em matemática e a as aulas de psicopedagogia têm educado seu olhar para as
dificuldades de aprendizagem presentes, sobretudo, nos alunos especiais. Isso tem chamado a
atenção dos professores das turmas que visita, e os mesmos têm lhe solicitado ajuda,
principalmente em matemática, onde os alunos apresentam maiores dificuldades. Em geral
conseguem aprender o campo aditivo, mas o mesmo não acontece com o campo
multiplicativo.
Desenvolvimento da pesquisa
A pesquisa desenvolvida por Vera se iniciou com um aprofundamento teórico e a
escolha da opção metodológica para investigar e analisar os dados colhidos no estudo. Em
seguida apresentaremos essas etapas da pesquisa de forma que o leitor possa acompanhar,
mesmo quer sucintamente, o caminhar da pesquisa.
Apoio teórico do estudo
3 Classe Especial é uma sala, em uma escola de ensino regular, em espaço físico e modulação adequada. Nesse
tipo de sala, o professor de educação especial usa métodos, técnicas e procedimentos didáticos e recursos
pedagógicos especializados e, quando necessário, equipamentos e materiais didáticos específicos, conforme
série/ ciclo/ etapa da educação básica que o aluno tenha acesso ao currículo de base nacional comum (BRASIL,
2001, p. 53).
4 Sala de Recursos: É um espaço físico denominado sala de recursos multifuncional. Portanto, é parte
integrante do projeto político pedagógico da escola. São atendidos, nas salas de recursos multifuncionais,
alunos público-alvo da Educação Especial, conforme estabelecido na Política Nacional de Educação Especial na
Perspectiva da Educação Inclusiva e no Decreto N.6.571/2008. (BRASIL, 2008)
FERREIRA e ABRAHÃO
3
ENCEPAI – Recife, 2016
O apoio teórico da pesquisa partiu da busca por entendimento das ideias do campo
multiplicativo e das dificuldades que em geral os estudantes têm ao estudar multiplicação e
divisão. Para pensar sobre o processo de ensino e aprendizagem desse tema, tomamos por
referencia Vergnaud (1988, 2009) por seu desenvolvimento da teoria dos campos conceituais.
Em matemática, ele discute o campo aditivo e o campo multiplicativo como campos
conceituais formados por conjuntos de situações que requerem muitos conceitos de diferentes
naturezas. Vergnaud nos foi de grande referência nesse trabalho por sua teorização do campo
multiplicativo e por defender que se deve desenvolver os algoritmos da multiplicação e da
divisão ao mesmo tempo, como se fôssemos construir e desconstruir os problemas. Outro
autor referência para esse estudo foi Cunha (2013), por apontar a importância da afetividade
como um proeminente valor para a superação das dificuldades dos alunos especiais.
Apresenta também sobre a questão curricular, que deve ser funcional para a vida prática.
Envolvendo o tratamento conceitual e a questão da afetividade não poderíamos deixar de citar
Vigotski (2003) que discute intensamente a mediação entre a dificuldade, o raciocínio do
aluno e o papel do educador. Para refletirmos sobre o raciocínio combinatório tomamos Borba
(2010) por referencia, por suas reflexões sobre a aprendizagem da combinatória por alunos
dos anos iniciais do Ensino Fundamental. Outros autores foram estudados na pesquisa, mas
para esse texto podemos nos prender a essas quatro principais contribuições teóricas.
Ao fazer um levantamento da literatura brasileira encontramos alguns trabalhos
voltados para a aprendizagem dos números e do campo aditivo por alunos especiais, mas
poucos sobre a aprendizagem do campo multiplicativo. O trabalho mais recente e que nos
trouxe contribuições foi um texto de Magina, Santos e Merlini (2014), sobre o raciocínio de
estudantes do Ensino Fundamental na resolução de situações das estruturas multiplicativas,
mas o foco não era em alunos especiais. Entretanto, a leitura de Campos (2014) nos ajudou a
entender um pouco mais as dificuldades de apreensão do conhecimento por alunos incluídos,
autistas e deficientes intelectuais com dispersão de atenção que Vera encontrou nas suas
visitas às turmas regulares. A dificuldade que alunos especiais têm para lembrar o que não foi
consolidado torna praticamente impossível a aquisição da nova informação. Essa era uma
grande aflição presente em muitos professores diante do desafio em ajudar os alunos
especiais. Normalmente esses alunos, segundo Cunha (2013), não possuem compreensão
intuitiva e não conseguem entender conceitos numéricos simples. Para lembrar, falar e
recordar (evocação), se faz necessário que a leitura tenha significado para eles, caso contrário
o que viu não ficará armazenado. Por esse motivo, o raciocínio combinatório pode aparecer
como de extrema relevância. Como afirma Borba (2010) “este modo de pensar é útil no
A Multiplicação Combinatória na Educação Inclusiva Encontro de Combinatória, Estatística e Probabilidade dos Anos Iniciais
01 a 04 de março de 2016
ENCEPAI – Recife, 2016
cotidiano – por estar presente em situações variadas como organizações de equipes, de
campeonatos esportivos, de cardápios etc. (p.3)” Vem assim, carregado de significado e pode
ser um fator facilitador da aprendizagem.
O raciocínio combinatório é aqui entendido como um modo de pensar
presente na análise de situações nas quais, dados determinados
conjuntos, deve-se agrupar os elementos dos mesmos, de modo a
atender critérios específicos (de escolha e/ou ordenação dos
elementos) e determinar-se – direta ou indiretamente – o número total
de agrupamentos possíveis. (BORBA, 2010, p.3)
Desenvolvimento metodológico da pesquisa
No desenvolvimento metodológico da pesquisa e para alcançar o objetivo de
investigar como um aluno especial pode aprender multiplicação e divisão, Vera decidiu fazer
o estudo de um caso que tivesse similaridades com os alunos incluídos nas turmas regulares.
Assim, selecionou João, um aluno da sua turma de classe especial que apresentava
dificuldades parecidas para aprender o campo multiplicativo com as que ela estava
identificando nos alunos incluídos nas turmas regulares. Como João aprenderia as operações
de multiplicação e de divisão e as ideias presentes no campo multiplicativo? Com isso,
poderíamos descobrir possibilidades para ajudar os alunos incluídos com dificuldades de
aprendizagem nesse mesmo campo. João, apesar de já estar familiarizado com números e com
o campo aditivo, ainda não havia sido transferido para o EJA – Educação de Jovens e
Adultos, caminho natural para os especiais que se alfabetizam e que já estão acima da idade
permitida para continuar no Ensino Fundamental diurno e regular. Vera decidiu investigar
como ele, João, aprenderia multiplicação e divisão.
Para tanto, após conseguir autorização da família para utilizar as produções feitas
pelo aluno, organizou uma sequencia didática que incluiu atividades desde o 2º. ano regular,
mas que acabou por incluir atividades até do caderno pedagógico do 1º. Bimestre do 6º. Ano.
O caderno pedagógico é um caderno de atividades fornecido pela prefeitura aos alunos da
rede municipal de ensino. A sequência pedagógica iniciou com as ideias de multiplicação
aditiva e com a orientação da professora Vera, João foi construindo o quadro multiplicativo
(Figura 1).
FERREIRA e ABRAHÃO
5
ENCEPAI – Recife, 2016
Figura 1 – Quadro multiplicativo Figura 2 – Multiplicação combinatória
Fonte – Arquivo pessoal Fonte – Arquivo pessoal
Aos poucos ele foi percebendo a comutatividade na prática e observando o quadro
identificava no mesmo algumas regularidades. Trabalhou também a multiplicação retangular e
a multiplicação proporcional, mas a que João encontrou mais facilidade foi com a
multiplicação combinatória (Figura 2).
Sempre que se iniciava o estudo de uma ideia do campo multiplicativo, João utilizava
material manipulável. Em outros momentos utilizava desenhos. João adora desenhar. Na
multiplicação combinatória ele mesmo criou os desenhos e ia fazendo as correspondências, as
combinações. Essa foi a atividade que o aluno mais gostou. Vera levou as peças recortadas
em cartolinas coloridas. Ele então formou os pares, depois partiu para o desenho, sua maior
habilidade e para as contas armadas. Vera sempre pedia para que o aluno concluísse com as
continhas referentes às atividades. Mas Vera ficou surpresa que na atividade de combinatória
ele realizou a conta sem a sua ajuda. Depois de trabalhar com materiais concretos, Vera
utilizou folhinhas de atividades complementares e por fim, os cadernos pedagógicos, do 2º. ao
6º. ano. Os cadernos apresentavam atividades mais complexas, variadas e em outros contextos
de problemas, como é o caso do problema das bicicletas (Figura 3). João iniciou com
atividades de multiplicação aditiva presentes no caderno do 2º. ano e caminhou até as
atividades de multiplicação presentes no caderno do 1º. Bimestre do 6º. ano.
A Multiplicação Combinatória na Educação Inclusiva Encontro de Combinatória, Estatística e Probabilidade dos Anos Iniciais
01 a 04 de março de 2016
ENCEPAI – Recife, 2016
Figura 3 – O problema das bicicletas
Fonte – Arquivo pessoal
Apesar de João ter gostado muito da multiplicação combinatória, somente depois do
trabalho com o concreto é que percebeu que poderia resolver o problema aplicando a
operação de multiplicação. Antes ele fazia os desenhos, os pares e contava. Como no
problema do sanduíche (Figura 4) e no problema das agendas (Figura 5). João achou esse
problema das agendas “muito chato”. A descoberta de que poderia resolver o problema com
um algoritmo de multiplicação foi uma percepção dele, como podemos observar na Figura 5,
onde ele marca os sanduiches com 3, os sucos com 2 e as sobremesas com 2 e depois efetua
sozinho a multiplicação (Figura 6). Aqui já não precisou fazer os desenhos para resolver o
problema.
Figura 4 – Problema do sanduiche Figura 5 – Problema das agendas
Fonte – Arquivo pessoal Fonte – Arquivo pessoal
FERREIRA e ABRAHÃO
7
ENCEPAI – Recife, 2016
Figura 6 – Utilizando o algoritmo da multiplicação
Fonte – Arquivo pessoal
No processo de desenvolver o raciocínio multiplicativo por meio da combinatória,
Vera aproveitou para explorar a divisão como operação inversa da multiplicação. João não
encontrou dificuldade para entender a divisão combinatória. Primeiramente ele resolveu por
desenhos, mas depois utilizou o algoritmo como podemos observar na Figura 7.
Figura 7 – O algoritmo da divisão
Fonte – Arquivo pessoal
A Multiplicação Combinatória na Educação Inclusiva Encontro de Combinatória, Estatística e Probabilidade dos Anos Iniciais
01 a 04 de março de 2016
ENCEPAI – Recife, 2016
A ideia de trabalhar multiplicação e divisão simultaneamente partiu da leitura de
Vergnaud (1988). Os alunos podem aprender com mais facilidade se buscam cada vez mais
evidenciar as relações existentes entre as operações, mesmo antes da sistematização de seus
algoritmos. Assim, podem avançar de forma autônoma na resolução de problemas.
Análise de resultados
Ao analisar os resultados desse estudo, chama a atenção o fato de o aluno ter gostado
de trabalhar com a ideia da multiplicação combinatória. Isso pode ter acontecido pelo fato
lúdico de essa ideia explorar as diferentes representações, desenhos, cores e o ato de
combinar, juntar e compor um objeto com outros. Ou seja, o brincar com as combinações
pode ter levado o estudante a compreender as diferentes maneiras em que é possível combinar
objetos, independentes da quantidade, usando o critério de agrupa-los pelo princípio das
características comuns associadas às situações-problemas.
Na combinatória é viabilizado o levantamento de todas as possíveis
relações de uma situação e a análise – pela combinação de
procedimentos de experimentação e de análise lógica – da validade
das possibilidades. Desse modo, o raciocínio combinatório – como
um dos componentes do pensamento formal – possui um caráter
fundamentalmente hipotético-dedutivo, sendo, portanto, base de
raciocínio científico, no qual é possível isolar variáveis, manter
algumas constantes e variar outras. Sendo o raciocínio combinatório
alcançado mais plenamente em estágios avançados de
desenvolvimento cognitivo, não se deve desconsiderar que a gênese
desta forma de pensamento pode iniciar-se antes do alcance do
período do pensamento operacional formal. Também é preciso
considerar que o raciocínio combinatório pode desenvolver-se por
meio de uma interação entre maturação cognitiva e experiências
sociais – tantos as ocorridas fora da escola quanto as que se vivenciam
em contextos escolares. (BORBA, 2010, p.4)
As possibilidades de aprendizagem, mesmo por alunos com comprometimento
neurológico e com sérias dificuldades cognitivas, são surpreendentes quando se estabelecem
entre professor e aluno um clima de confiança e uma mediação reflexiva. Vera esperava que
pela sua explicação para a combinação de 2 saias com 3 blusas, João daria como resposta
2X3, mas ficou surpresa quando ele me apresentou a resolução 3X2. Ela lhe perguntou: Mas
porque você não fez 2X3? E ele lhe disse: Ué! Mas não dá a mesma coisa? Vera então
confirmou que realmente combinar blusas com saias seria o mesmo que combinar saias com
blusas. Logo isso poderia ser expresso por 2X3 = 3X2 e seria uma sentença verdadeira. Vera
FERREIRA e ABRAHÃO
9
ENCEPAI – Recife, 2016
aproveitou o momento para fortalecer a tradicional frase: “A ordem dos fatores não altera o
produto”.
Em geral, alunos como João não lembram no dia seguinte o que estudaram no dia
anterior. Entretanto a aprendizagem com a combinatória lhe ficou registrada na memória. O
processo de multiplicar utilizando a combinatória o levou a transferir esse conhecimento para
a sua vida real. Isso porque passados uns dias ele chegou contando a seguinte história:
“Professora, em casa descobri que somente posso fazer 6 combinações de roupa porque, sem
contar a bermuda da escola, eu só tenho 2 bermudas e 3 camisas no armário”!
A análise de situações e de esquemas mostram que o processo de
conceptualização acontece nas mais simples formas de atividades
(mesmo sem uso da linguagem): a razão é que nenhuma ação pode ser
eficiente sem a identificação de alguns objetos e suas propriedades.
Mesmo os mais complexos conceitos, para ganhar sentido e
operacionalidade, precisam ser contextualizados e exemplificados em
situações. Assim, a partir do ponto de vista de desenvolvimento, um
conceito é um conjunto: um conjunto de situações, um conjunto de
invariantes operacionais (combinados em esquemas) e um conjunto de
representações linguísticas e simbólicas. (VERGNAUD, 2009, p.94)
Pudemos observar que João fazia a multiplicação combinatória por contagem. Como
ilustramos na Figura 4, após desenhar e fazer os pares, ele contava quantos pares havia feito.
O fato de ele ter superado essa fase em alguma outra atividade e ter utilizado o algoritmo
como ilustrado na Figura 5 não quer dizer que ele não voltará a fazer a contagem em outros
momentos posteriores. Mesmo assim, ele terá avançado no seu raciocínio combinatório.
A combinatória é conhecida como a arte de contar, pois nas situações
combinatórias são enumeradas maneiras possíveis de combinar dados
e objetos. Dessa forma, a combinatória se constitui num ramo da
matemática que estuda técnicas de contagem - direta e implícita de
agrupamentos possíveis, a partir de elementos dados, que satisfaçam a
determinadas condições. (BORBA, 2010, p.4)
.
O ensino, para Vygotsky (2002), deve se antecipar ao que o aluno ainda não sabe e
nem é capaz de aprender sozinho, porque, na relação entre aprendizado e desenvolvimento, o
primeiro vem antes. Saber identificar o que a criança consegue fazer sozinha e o que ela está
perto de conseguir fazer sozinha é fundamental no trabalho de mediação do professor. Jamais
o professor deve privilegiar a pedagogia da negação, ou seja aquela que o professor não
reconhece no aluno as capacidades cognitivas, as quais convém mobilizar para favorecer a
melhor interação com o meio onde ele vive. Mobilizar situações de aprendizagem que tenham
raízes nas experiências vividas pelo estudante pode mobilizar o seu raciocínio. Como
A Multiplicação Combinatória na Educação Inclusiva Encontro de Combinatória, Estatística e Probabilidade dos Anos Iniciais
01 a 04 de março de 2016
ENCEPAI – Recife, 2016
complementa Cunha (2013), é papel da escola e do docente propiciar uma práxis inclusiva,
desenvolver um olhar pedagógico sobre a diversidade discente, contemplando distintas
necessidades educacionais especiais e escolhendo procedimentos metodológicos que deem
autonomia ao estudante, e contribuam para que o aluno possa ser o construtor de suas próprias
ideias.
Conclusões
Algumas implicações pedagógicas podem ser obtidas desse estudo. Percebemos que
foi necessário realizar várias atividades do mesmo processo até que realmente houvesse a
internalização da aprendizagem. Por muitas vezes no dia seguinte João havia esquecido o que
fora aprendido no dia anterior, então novamente Vera fazia explicações e o deixava
livremente para ele encontrar as soluções e chegar a seu novo entendimento. Vera também
percebeu que nos momentos que ele passava por alguma alteração emocional (problemas
familiares ou afetivos) ele se desinteressava do aprendizado. Na verdade a passagem da
aquisição do conhecimento para o desenvolvimento do mesmo não é um processo simples.
Como afirma Cunha (2013), em primeiro lugar, o processo pelo qual de fato ocorre o domínio
de conhecimento, capacidades ou hábitos específicos, não se produz de repente, pelo
contrário, passa por uma série de etapas cujo caráter depende da complexidade do conteúdo
que tem de ser dominado e da receptividade do estudante. Por esse motivo a condição da
afetividade interfere muito no processo de assimilação do deficiente intelectual. Muitas vezes
somos obrigados a recomeçar as orientações das mesmas atividades e fazer as mediações
necessárias, para que quando ele vença a problemática psicológica (o problema afetivo) ele
prossiga na aprendizagem e resolva perfeitamente as atividades apresentadas.
Um recurso importante para fortalecer a multiplicação sem que a mesma se tornasse
apenas uma memorização estilo decoreba da tabuada, foi realizar atividades com o Material
Dourado. A construção dos fatos básicos de forma reflexiva até 5, utilizando a comutatividade
e o preenchimento do quadro multiplicativo foi de grande auxílio para João. Ele ia
preenchendo o quadro. Primeiramente a partir da multiplicação aditiva de 2 e 3. O quadro era
dele, refletia sua identidade. Depois fomos construindo paulatinamente o restante. Todo o
processo com alunos especiais tem que ser cauteloso e baseado na sua própria investigação na
busca de significados e respostas.
Outra conclusão pertinente e que confirma orientações teóricas foi a percepção de
que para o aluno especial chegar ao processo de multiplicação combinatória utilizando o
FERREIRA e ABRAHÃO
11
ENCEPAI – Recife, 2016
algoritmo é necessário que ele tenha obtido o processo de contagem, porque de início ele irá
contar, somar e só depois desses conceitos consolidados e trabalhados irá utilizar do
raciocínio multiplicativo combinatório.
Propomos que um aspecto essencial do aprendizado é o fato de ele criar a zona de
desenvolvimento proximal; ou seja, o aprendizado desperta vários processos internos de
desenvolvimento que são capazes de operar somente quando a criança interage com pessoas e
seu ambiente e quando em cooperação com seus companheiros. Uma vez internalizados, esses
processos tornam-se parte das aquisições do desenvolvimento independente da criança.
(VIGOTSKI, 2002, pp.117-118).
Vale ressaltar a importância do trabalho lúdico e manipulativo com alunos que
apresentam dificuldades de aprendizagem. Aproveitar recortes de encartes de lojas para
formar conjuntos de camisas com bermudas ou tipos de meias para tênis de cores diferentes
foi de grande auxílio cognitivo. Aproveitar a capacidade individual de cada aluno, no caso do
João, a aptidão para desenhar e representar as combinações possíveis também trouxe
contribuições para o processo de aprendizagem. Interferir e mediar para que o aluno
construísse uma tabela de combinações de tipo de pães com tipos de recheios com no máximo
dois ou três, para não ficar difícil e ele se estressar também foi positivo. Conduzir o aluno
para que ele percebesse que era capaz de descobrir sozinho que poderia resolver pela
multiplicação permitiu a concluir a caminhada proposta e finalizar com as multiplicações.
Permitiu ainda refletir sobre a divisão como operação inversa da multiplicação combinatória.
Esse estudo possibilitou ainda que nós educadores aprendamos que os especiais
encontram maior facilidade de aprender construindo, percebendo o cálculo pelo material
concreto e pelos materiais manipulativos. Mostrou-se evidente que existem possibilidades dos
especiais desenvolverem a ideia do raciocínio combinatório desde que lhes sejam oferecidas
atividades desafiadoras, não impossíveis e nem tampouco demasiadamente elementares,
obedecendo alguns critérios, já descritos, para o desenvolvimento do processo de
aprendizagem pedagógica da matemática.
REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
BORBA, R. E. S. R. O raciocínio combinatório na educação básica. Anais do X Encontro
Nacional de Educação Matemática. Salvador. 2010, pp.1-16
BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Fundamental. Secretaria de
Educação Especial. Currículo de base nacional comum. 2001.
A Multiplicação Combinatória na Educação Inclusiva Encontro de Combinatória, Estatística e Probabilidade dos Anos Iniciais
01 a 04 de março de 2016
ENCEPAI – Recife, 2016
BRASIL. Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva.
Decreto N.6.571/2008
CAMPOS, Ana Maria Antunes de. Discalculia: superando as dificuldades em aprender
Matemática. Rio de Janeiro: Wak Editora. 2014
CUNHA, Antonio Eugênio. Práticas pedagógicas para inclusão e diversidade- 3ª Ed. Rio
de Janeiro: Wak Ed. 2013
MAGINA, S. M. P., SANTOS, A, MERLINI, V.L. O raciocínio de estudantes do Ensino
Fundamental na resolução de situações das estruturas multiplicativas. In Ciência e Educação.
Bauru, vol. 20, no. 2, 2014. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1516-
73132014000200517&script=sci_arttext
VERGNAUD, G. Multiplicative structures. In Hiebert, H. and Behr, M. (Eds.) Research
Agenda in Mathematics Education. Number Concepts and Operations in the Middle
Grades. Hillsdale, N.J.: Lawrence Erlbaum. 1988. pp. 141-161
VERGNAUD, G. The Theory of Conceptual Fields. Human Development . S. Karger AG.
Paris. France. Pp: 83–94, 2009. Disponível em: http://www.each.usp.br/cmapping/iiciclo/artigo-marco.pdf
VIGOTSKI, Lev S. A Formação Social da Mente. São Paulo. Martins Fontes. 2002.
VIGOTSKI, Lev S. Pensamento e Linguagem. São Paulo. Martins Fontes. 2003.
Top Related