Download - A natureza jurídica da Reclamação

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INTRODUO

Dada a previso pela Carta Magna, a reclamao reconhecida como um instituto constitucional para a preservao de competncia dos tribunais, garantia de autoridade de suas decises e, a partir da Emenda Constitucional n. 45, garantia da efetividade e aplicao das smulas vinculantes.

Ocorre, porm que tanto a doutrina quanto a jurisprudncia divergem a respeito de sua natureza jurdica.

Primeiramente, faz-se necessria uma anlise prvia e sucinta dos conceitos e principais apontamentos sobre o direito de petio, o direito de ao, recurso e a correio parcial, estudando-se cada um destes institutos do Direito Processual Civil tomados como compatveis com a natureza da reclamao, para que se possa tentar definir a natureza a ser atribuda reclamao.

O direito de petio constitucionalmente previsto, no artigo 5, XXXIV, a, constitui a forma genrica de manifestao do particular frente ao Poder Pblico, para a defesa de seus direitos, contra a ilegalidade e abuso de poder.

O direito de ao, o qual tem por escopo invocar a prestao da tutela jurisdicional por parte do Estado, tambm est previsto na Constituio Federal, em seu artigo 5, XXXV, o qual prev que a lei no excluir da apreciao do Poder Judicirio leso ou ameaa a direito.

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O direito ao recurso ser exercido com fundamento do inconformismo da parte sucumbente, no intuito de se ver modificada ou desconstituda uma deciso judicial. Tratase da expresso do duplo grau de jurisdio, permitindo que a matria decidida seja revista, desde que no tenha havido o trnsito em julgado.

Tendo em vista a sinonmia, que muitas vezes feita entre correio parcial e reclamao, essencial o estudo daquele instituto, conceituando-o e caracterizando-o. Objetiva evitar erros, omisses ou abusos que possam ser cometidos pelo juiz e que causem inverses tumulturias dos atos e gravames s partes

Adiante, faz-se a anlise do instituto da reclamao, observando-se sua origem, finalidade, cabimento e processamento.

Sendo a reclamao a medida destinada preservao da competncia do Tribunal e garantia da autoridade de sua deciso, tem este instituto grande importncia no ordenamento jurdico brasileiro, principalmente no que tange segurana jurdica.

Tendo em vista as divergncias encontradas na doutrina a respeito da natureza jurdica atribuda reclamao, necessrio se faz o apontamento acerca das principais correntes doutrinrias relativas sua natureza jurdica.

Analisando-se as principais correntes a respeito da natureza jurdica a ser atribuda reclamao adotadas pela doutrina brasileira, quatro delas merecem ser ressaltadas: a da reclamao como sendo decorrente do direito de petio; a da reclamao

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expresso do direito de ao; a da reclamao como uma espcie de recurso e da reclamao como sinnimo de correio parcial.

Da mesma maneira, ser observado como o instituto em tela tem sido tratado nos Tribunais Superiores, e qual natureza jurdica tem sido atribuda ao mesmo e, finalmente ponderar sobre a concluso assumida como produto do estudo empreendido.

Ressalta-se que para a elaborao do presente trabalho, fora utilizado o mtodo de pesquisa e anlise doutrinria, jurisprudencial e legal a respeito do tema.

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1. DO DIREITO DE PETIO

1.1. DA ORIGEM DO DIREITO DE PETIO

O Direito de Petio teve surgimento durante a Idade Mdia, na Inglaterra, a partir do Right of Petition, posteriormente concretizado no Bill of Rigths (1689), dando aos sditos permisso para se dirigirem ao Rei.

Em 1791, verificou-se tambm o direito do cidado de manifestar-se perante s autoridades atravs de peties individualmente assinadas, na Constituio Francesa, em seu artigo 3.

Da mesma forma andou a primeira emenda Constituio Norte Americana quando disps sobre o direito do povo de dirigir peties ao governo e reparao de suas leses 1.

J no Brasil, a Constituio Poltica do Imprio de 1924 trazia a previso que possibilitava a qualquer cidado a apresentao de reclamaes, queixas ou peties, ou ainda, exposio de infraes Constituio, aos Poderes Legislativo e Executivo, desde que por escrito. Esta previso constava de seu artigo 179, XXX.

Nas Constituies Republicanas de 1891 e 1934, o Direito de Petio est regulado de maneira semelhante, garantindo o direito de qualquer cidado representar,1

BASTOS, Celso Ribeiro. Comentrios Constituio do Brasil, p. 181.

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mediante petio, aos Poderes Pblicos, denunciar abuso das autoridades e promover a responsabilidade dos culpados.

Em 1937, o texto Constitucional garantia o direito de representao ou petio perante as autoridades, em defesa de direitos ou do interesse geral.

A respeito das Constituies de 1946 e 1967, aponta Celso Ribeiro Bastos que: bom notar, no entanto, que na Constituio de 1967 distingue-se o direito de representao do de petio, enquanto na Constituio de 1946 a petio era um instrumento pelo qual se exercia o direito de representar 2.

Desta forma, o Direito de Petio no est presente apenas em no ordenamento jurdico nacional, tendo sua origem no Direito Ingls, e esteve presente, tambm, nas Constituies anteriores de 1988, como uma forma dos cidados manifestarem a sua insatisfao provocada por alguma ofensa a direito.

1.2. DO CONCEITO E FINALIDADE DO DIREITO DE PETIO

Elevado categoria dos Direitos e Garantias Fundamentais atravs do artigo 5, XXXIV, a, da Constituio da Repblica, o Direito de Petio consiste em um instrumento de defesa de direitos contra a ilegalidade ou abuso de poder.

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Id.ibid., p.181.

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O referido inciso do artigo 5, da Constituio Federal assegura a todos, independentemente do pagamento de taxas, direito de petio aos Poderes Pblicos em defesa de direitos ou contra a ilegalidade ou abuso de poder.

Desta forma, possvel conceituar o Direito de Petio como o direito de invocar a ateno do Poder Pblico para um assunto ou acontecimento, para que sejam providenciadas as medidas adequadas. Atravs deste Direito, so oferecidas reclamaes e reivindicaes, so apresentadas pretenses e so denunciados os abusos de poder por conta das autoridades pblicas e ilegalidades e irregularidades da administrao pblica.

O Direito de Petio pode objetivar a defesa de interesses pessoais, caracterizando-se como um direito individual, bem como poder servir de instrumento Constituio, leis e ao interesse geral. Podendo-se, portanto, enquadr-lo tanto entre os direitos individuais quanto entre os direitos de participao poltica.

Este direito permite que qualquer cidado possa se dirigir formalmente a uma autoridade do Poder Pblico a fim de reivindicar, informar, queixar-se ou opinar a respeito de um interesse prprio, de um grupo ou de toda a coletividade.

Destarte, plausvel concluir que o Direito de Petio gnero, do qual o Direito de Ao espcie, uma vez uma ao poder versar sobre a mesma matria e poder visar os mesmos objetivos, atraindo os olhares do Judicirio para uma situao de ilegalidade ou abuso de poder, porm de uma forma mais especfica e definida. Deste modo, o Direito de Petio no garantir o direito de postular em juzo, no se confundindo com o Direito de

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Ao, mesmo porque este somente poder ser exercido na presena de um advogado que represente o postulante.

O direito de se manifestar perante os Poderes Pblicos pressuposto para a existncia do Direito de Ao. Trata-se de uma tentativa de solucionar um conflito existente, sobre o qual o Estado responsvel, atravs da manifestao e requerimento de resposta por parte daquele ente que esteja ligado ao fato que gerou a ofensa ao direito, a ilegalidade ou do abuso de poder.

1.3. DO EXERCCIO DO DIREITO DE PETIO

Para seu exerccio no exigida uma forma definida em lei, basta a manifestao do interessado por escrito, interessado este que poder ser qualquer pessoa fsica ou jurdica, e, sendo fsica, poder ainda ser incapaz civil ou politicamente.

Ensina Alexandre de Moraes a respeito do exerccio coletivo do Direito de Petio: A constituio Federal de 1988 no obsta o exerccio do direito de petio coletiva ou conjunta, por meio da interposio de peties, representaes ou reclamaes efetuadas conjuntamente por mais de uma pessoa 3.

Observa-se, conforme claramente expresso no texto constitucional, que o exerccio deste direito independe, tambm, do pagamento de taxas.

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Constituio do Brasil interpretada, p. 292.

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No tocante a quem ser dirigida a manifestao, entender-se- por Poder Pblico qualquer rgo ou instituio pblica, tanto do Poder Judicirio como do Poder Legislativo ou Executivo. Englobando-se tambm os rgos da Administrao Direta e Indireta.

A respeito do tema, Alexandre de Moraes aponta que:

Desta forma, como instrumento de participao poltico fiscalizatrio dos negcios do Estado que tem por finalidade a defesa da legalidade constitucional e do interesse pblico geral, seu exerccio est desvinculado da comprovao de qualquer leso a interesses prprios do peticionrio 4.

Ainda acerca do tema, os Professores Nelson Nery e Rosa Maria de Andrade Nery:

(...) No preciso obedecer-se forma rgida de procedimento para fazer-se valer, caracterizando-se pela informalidade, bastando a identificao do peticionrio e o contedo sumrio do que se pretende do rgo pblico destinatrio do pedido. Poder vir exteriorizado por intermdio de petio (no sentido estrito do termo), representao, queixa ou reclamao .5

O rgo pblico no poder escusar-se de receber ou tomar conhecimento da petio, porm, pode indeferi-lo no caso de no versar sobre a defesa de direitos, contra ilegalidade ou abuso de poder. O indeferimento poder versar tanto sobre seu aspecto formal, quanto sobre seu aspecto material, todavia o exerccio do Direito de Petio no poder jamais ser obstado.

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Id.ibid. p. 292. Constituio Federal comentada, p. 130.

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Deste modo, esto as autoridades pblicas obrigadas ao exame, bem como, se for o caso, de responder a manifestao em prazo razovel, sob pena de violao de direito lquido e certo, dando margem impetrao de mandado de segurana.

No h a possibilidade de obrigar-se o Poder Pblico a tomar as medidas necessrias a fim de sanar a ilegalidade ou abuso de poder, ser, porm, possvel a responsabilizao do servidor pblico omisso, na esfera cvel, administrativa e penal.

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2. DA AO

2.1. DO CONCEITO DE DIREITO DE AO

De um modo geral, pode-se dizer que o Processo composto por trs elementos fundamentais, quais sejam: a ao, a jurisdio e o processo.

Diversas teorias foram sendo levantadas ao longo do tempo, com a finalidade de definir o Direito de Ao. Destacam-se como as principais a teoria imanentista, a teoria da ao como direito autnomo concreto, a teoria ao como direito potestativo e a teoria da ao como direito abstrato.

A teoria imanentista (ou ainda teoria clssica ou civilista) define a ao como o direito que tem o titular de um direito material de ir a juzo pedir aquilo que lhe devido. A ao seria imanente ao direito material. Parte-se do pressuposto de que no plo ativo de um processo judicial figura somente aquele que detentor do direito material. De acordo com esta teoria, a ao est submetida natureza do direito material, no existindo sem ele. Pode-se verificar que esta teoria falha, pois se este fosse o caso, haveria apenas sentenas de procedncia, j que o direito de ao estaria atrelado ao direito material do autor.

A teoria da ao como direito autnomo concreto, muito semelhante teoria acima, prope a autonomia do direito de ao ante o direito material. No seria necessria, para o exerccio do direito de ao, a violao ou ameaa ao direito material. A ao seria dirigida tambm contra o Estado, dado o direito de se exigir uma proteo jurisdicional e,

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assim, de se obter uma sentena favorvel. Portanto depreende-se que, como a existncia da tutela jurisdicional s pode ser satisfeita atravs da proteo concreta, o direito de ao s existiria quando a sentena fosse favorvel 6. Falha a teoria em tela, tambm, pois preconiza que, embora de natureza diversa do direito material lesado, s existiria o direito de ao quando fosse possvel a prolao de sentena de procedncia, ou seja, quando existisse o direito material. Ante isso, caracterizar-se-ia o direito de ao como um direito pblico e concreto.

A teoria ao como direito potestativo, tambm preconizava que a ao seria autnoma, contudo dirigida contra o adversrio, no contra o Estado, uma vez que em face daquele que o direito ser exercido, produzindo seus efeitos jurdicos, no se tratando de um direito pblico, mas tratando-se de um direito concreto. Seria necessrio, desta forma, para o exerccio do direito de ao a existncia de um direito que somente seu titular pudesse postular e que este titular possusse interesse na prolao de uma sentena de procedncia. Assim, entendem Antnio Carlos de Arajo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cndido Rangel Dinamarco:

Mais precisamente, a ao configura o poder jurdico de dar vida condio para a atuao da vontade da lei. Exaure-se com o seu exerccio, tendente produo de um efeito jurdico em favor de um sujeito e com nus para o outro, o qual nada deve fazer, mas tambm nada pode fazer a fim de evitar tal efeito 7.

Opondo-se s teorias citadas, surge a teoria da ao como direito autnomo e abstrato. De acordo com esta teoria a ao seria o direito do cidado a uma composio do litgio pelo Estado, no dependendo do direito material que ser discutido. O Estado estaria obrigado a decidir, de forma favorvel ou no, solucionando a lide. Trata-se de um direito6

CINTRA, Antonio Carlos de Arajo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cndido Rangel. Teoria geral do processo, p. 267. 7 Op.cit., p. 267.

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genrico e incondicional. Esta a teoria com o maior nmero de adeptos na doutrina brasileira.

Desta forma, correta a posio defendida por Cndido Rangel Dinamarco, que aponta que: tanto atende o direito de ao a sentena que acolhe a pretenso do autor, dando-lhe tutela jurisdicional, como a que a rejeita, tutelando o ru 8.

Segundo Vicente Greco Filho, (...) a ao o direito subjetivo pblico, autnomo e abstrato de pleitear ao Poder Judicirio deciso sobre uma pretenso, conexo a ela, para a atuao da jurisdio e por intermdio do processo 9.

O Direito de Ao est entre os Direitos e Garantias Fundamentais, sendo um direito pblico e de natureza constitucional que assiste todo cidado. O artigo 5 da Constituio Federal, em seu inciso XXXV, garante aos cidados o acesso justia diante de uma leso ou ameaa a direito.

No s o direito de ao est garantido, mas tambm o devido processo legal. Trata-se da possibilidade de se invocar a tutela jurisdicional tanto na sua forma preventiva, no sentido de evitar um dano prestes a ocorrer, quanto na sua forma reparatria, quando o direito tutelado j fora ofendido.

A ao , portanto, o direito ao exerccio da atividade jurisdicional, ou ainda, o poder de exigir este exerccio, uma vez que desta forma que a jurisdio ser provocada. Por este motivo o direito de ao dirigido contra o Estado. Ressalte-se que, aps8 9

Instituies de direito processual civil, p.301. Direito processual civil brasileiro: teoria geral do processo a auxiliares da justia, p. 77.

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provocado o exerccio da jurisdio, estar tambm o autor submetido aos efeitos da atividade jurisdicional, ainda que sejam estes desfavorveis ao seu interesse, seja em parte ou em sua totalidade.

No que tange ao ru, o direito de ao estar ligado ao direito de defesa, que tambm ser protegido pelo direito processual, mediante princpios como o Contraditrio e a Ampla Defesa.

2.2. DAS CONDIES DA AO

Sendo o Direito de ao exercido atravs do processo, para o seu exerccio faz-se necessria a presena de determinados requisitos, as Condies da Ao. Desta maneira, devem estas condies estar presentes para que sejam possvel a prestao da tutela jurisdicional de forma integral.

Trs so as Condies da Ao: o interesse processual, a legitimidade de partes e a possibilidade jurdica do pedido.

Dada a sua imprescindibilidade, a ausncia de qualquer uma delas levar decretao de carncia da ao e prolao de sentena de extino do processo sem a apreciao do mrito, conforme indica o artigo 267, VI, do Cdigo de Processo Civil.

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O interesse processual pode ser definido sob dois aspectos, que podem ser observados no binmio necessidade-utilidade, que tambm poder ser traduzido em necessidade-adequao.

Destarte, o interesse processual ser a necessidade de se recorrer ao Judicirio para a obteno do resultado pretendido, independentemente da legitimidade ou legalidade da pretenso 10.

Ele estar presente quando, para se alcanar o resultado pretendido, o exerccio do direito de ao faa-se necessrio, mesmo quando esta necessidade decorre de uma imposio legal, e, simultaneamente, aquilo que se pretende seja til no plano concreto. Passa, ento, o interesse processual a existir diante da resistncia oferecida por aquele que figurar no plo passivo da ao, pois no admitido ao autor a autotutela. A necessidade, portanto, decorre da impossibilidade de se ver o direito alegado satisfeito sem a intercesso do Poder Judicirio.

O provimento jurisdicional deve, ainda, ser apto a produzir o resultado esperado pelo autor.

No tocante legitimidade de partes, ou ainda, legitimatio ad causam, cumpre esclarecer que esta se refere necessidade que se tem de que o autor seja aquele a quem a lei assegura o direito de invocar a prestao jurisdicional e o ru, aquele contra o qual o autor pode pretender algo 11. Verificar-se- se aquele que demanda realmente sujeito da relao jurdica de direito material levada discusso em juzo.10

GRECO FILHO, Vicente Greco. Direito processual civil brasileiro: teoria geral do processo a auxiliares da justia, p.82. 11 ALVIM, Jos Eduardo Carreira. Teoria geral do processo, p.140.

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A necessidade da presena desta Condio da ao est prevista no art. 6 do Cdigo de Processual Civil, que prev que ningum poder pleitear, em nome prprio, direito alheio, salvo quando autorizado por lei.

No se pode olvidar, porm, que ser imprescindvel que a legitimidade seja observada tanto no plo ativo quanto no plo passivo da ao. De forma geral, a legitimidade ativa caber quele que tem interesse na prestao da tutela jurisdicional e est legitimado a agir em relao ao objeto que ser discutido, enquanto a legitimidade passiva caber quele que resiste a essa pretenso e que poder sofrer as conseqncias do resultado da ao. Essa forma de legitimao recebe a denominao de legitimao ordinria.

A legitimao extraordinria, como o nome induz, ocorrer nos casos em que a prpria lei autoriza a propositura de ao por aquele que no participa da relao jurdica de direito material. Neste caso outra pessoa, que no aquela que pelas regras gerais deveria figurar no plo da ao, adquire legitimidade para litigar em nome prprio, em defesa dos interesses de outra pessoa. Ela ocorrer, por exemplo, nos casos de ao popular e ao civil pblica.

A legitimao extraordinria poder, ainda, apresentar-se sobre duas formas: sob a forma exclusiva, quando por fora da lei aquele que seria o legitimado ordinrio no poder figurar no plo da ao de maneira alguma perdendo a sua legitimao, e sob a forma concorrente, quando por lei admitida a propositura da ao tanto pelo legitimado ordinrio quanto pelo extraordinrio de forma alternativa.

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No que tange possibilidade jurdica do pedido, esta condio refere-se viabilidade daquilo que o autor da ao pretende no ordenamento jurdico, devendo, assim, haver uma previso da providncia almejada ou, ainda, no haver uma vedao pretenso.

Esta condio ser observada de diferentes formas no direito privado e no direito pblico. Isto porque a legalidade princpio bsico deste direito sendo permitido apenas aquilo que est expressamente autorizado por lei. Ser, ento, juridicamente possvel o pedido do autor, quando se tratar de matria de direito pblico, somente se houver lei que o autorize expressamente. 12

Acerca da possibilidade jurdica do pedido, aponta Arruda Alvim:

Assim, se o autor objetiva, pela ao, uma providncia jurisdicional, para a qual no existe previso no ordenamento jurdico positivo, necessariamente inepta a petio, pois no poder atingir o seu objetivo, sequer de instaurar o processo, com citao do ru etc. A ausncia de previso jurdica, em abstrato, da providncia solicitada verificada desde logo, in limine.(...) Quando h referncia previso isso no pode ser entendido de uma maneira rgida, pois h aes possveis, menos em face de previso especfica, seno em face do sistema jurdico, v.g., como a ao de enriquecimento ilcito. Se, todavia, houver veto do sistema jurdico, esse incontornvel 13.

Destarte, incontestvel o fato de que a presena das condies da ao no somente permitem a existncia de uma ao, mas como tambm fazem parte dos requisitos para que se obtenha uma sentena de mrito.

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WAMBIER, Luiz Rodrigues. Curso avanado de processo civil: teoria geral do processo e processo de conhecimento, p. 130. 13 Manual de direito processual civil, p. 416.

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2.3. DOS ELEMENTOS DA AO

O artigo 301, 2 do Cdigo de Processo Civil dispe que uma ao ser idntica outra quando tiver as mesmas partes, a mesma causa de pedir e o mesmo pedido. Diante do referido artigo, nota-se a existncia de trs elementos atravs dos quais uma ao ser identificada, possibilitando, assim, a distino entre uma ao e outra que j exista ou que venha a existir.

Primeiramente, as partes que compes a demanda sero analisadas. O autor ser aquele que vai a juzo, via de regra, em nome prprio, formular o pedido, fazendo cessar a inrcia da jurisdio e exigindo o seu exerccio. O ru ser aquele que resiste pretenso do autor, formulando a sua defesa. As partes so os sujeitos parciais do processo.

A partir do momento em que os sujeitos figuram como partes em uma demanda, estaro eles submetidos quilo que for decidido pelo Poder Judicirio, pois ao Estado fora entregue a lide, para que fosse possvel obter uma soluo justa. Por este motivo a caracterizao de suma importncia, por so elas os sujeitos que sofrero os efeitos da sentena a ser proferida.

Ressalte-se que, enquanto no for excluda da lide ou enquanto o processo no for extinto sem julgamento do mrito, a parte ilegtima ser parte e dever submeter-se s regras processuais.

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O pedido se refere quilo que pretendido pelo autor, ao objeto sobre o qual ser exercida a atuao da jurisdio. Ele dever ser formulado de maneira objetiva e clara na petio inicial, pois ele o que limitar a deciso a ser proferida. Atravs do pedido, ser fixado o objeto litigioso sobre o qual recair a discusso e a sentena, que no poder ser proferida de forma ultra, extra ou infra petita.

O ru, em sede de contestao, no interferir neste elemento da ao, mesmo porque, a regra geral dispe que o pedido no passvel de alterao. Ele somente poder ser alterado em dois casos, em primeiro lugar, antes da citao do ru; e em segundo, com a autorizao do ru, depois de citado e at a fase de saneamento do processo.

Embora seja o fixo o pedido, poder ele, em casos excepcionais, elencados pela Lei Processual Civil, ser alternativo (artigo 288, CPC) ou subsidirio (artigo 288, pargrafo nico, CPC).

O objeto ou pedido poder, ainda, ser observado sob dois aspectos: sob a forma mediata, que se traduz no bem da vida, no bem jurdico em si, e sob a forma imediata, que ser o tipo de providncia jurisdicional postulada.

O terceiro elemento identificador de uma ao a causa de pedir, ou causa petendi, que ser demonstrada por meio de dois fundamentos, um de ordem jurdica, ou seja, o fundamento legal, e o outro com base nos fatos, que geram conseqncias no mundo jurdico, justificando a sua ida ao Judicirio.

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O artigo 282, do Cdigo de Processo Civil, traz em seu inciso III a necessidade de estarem presentes na petio inicial os fatos e os fundamentos jurdicos do pedido, corroborando, a idia de que a causa de pedir no ser formada somente pelas causas prximas, ou seja, os fundamentos jurdicos, mas como pelas causas remotas, que so os fatos jurdicos. Esta a teoria da substanciao.

A causa de pedir ser, assim, examinada como um conjunto de fundamentos que demonstrem a coerncia e a lgica existente entre o pedido do autor e os fatos apresentados e juridicamente relevantes.

Jos Carlos Barbosa Moreira aponta a respeito da causa petendi: Constitui-se a causa petendi do fato ou do conjunto de fatos a que o autor atribui a produo do efeito jurdico por ele visado 14.

Est este elemento, fortemente ligado ao interesse de agir, isto porque faz, necessariamente, parte da causa de pedir, o ato ou omisso do ru, que seja contrrio ao direito e que levou o autor a socorrer-se do Judicirio, por conta de uma ameaa ou de sua violao.

Assim como as condies da ao so indispensveis para a existncia de uma ao, os elementos o so para a sua a identificao, principalmente no que diz respeito litispendncia e coisa julgada, constituindo, tambm, em requisitos que necessariamente devem estar previsto na petio inicial (artigo 282, II, III e IV, CPC).

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O novo processo civil brasileiro: exposio sistemtica do procedimento, p. 17.

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2.4. DA CLASSIFICAO DAS AES

Tradicionalmente, as aes eram classificadas de acordo com o direito material em que eram baseadas e visavam defender de ameaa ou violao. Desta forma, as aes eram divididas em pessoais quando tinham por fundamento um direito pessoal, reais quando o fundamento repousava sobre um direito material, possessrias quando o que se defende a posse, entre outras. Ocorre, porm, que esta classificao no mais adequada, uma vez que, por meio dela esto classificadas so as pretenses, no as aes 15.

As aes sero classificadas em um primeiro plano de acordo com a natureza do provimento requerido pelo autor e, em um segundo plano, em uma subdiviso, de acordo com a tutela pretendida no processo de conhecimento.

A classificao das aes de acordo com o provimento requerido resultar em trs tipos de aes: a ao de conhecimento, a ao de execuo e a ao cautelar.

Ser ao de conhecimento quando o autor pleitear o julgamento de procedncia do pedido, o julgamento da causa, para que seja declarado um direito e as conseqncias desta declarao sejam aplicadas. Desta maneira, haver um reconhecimento por parte do Poder Judicirio sobre qual das partes dever resultar como vencedora e qual delas dever sair como sucumbente, seja no caso de procedncia, como no caso de improcedncia do pedido.

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CINTRA, Antonio Carlos de Arajo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cndido Rangel. Teoria geral do processo, p. 282.

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Nesta modalidade de ao, o juiz ter uma larga cognio sobre todos os fatos alegados pelas partes e pelas provas por elas produzidas, podendo analis-los e ponder-los de acordo com a sua livre convico. Aps esta anlise e formada a sua convico, o juiz aplicar o direito, prolatando uma sentena de mrito, decidindo pela procedncia ou no do pedido.

A ao de Execuo, por outro lado, tem a satisfatria, ou seja, nela, o exeqente (autor) visa realizao de uma obrigao que estabelecida por um ttulo executivo extrajudicial.

No haver, na ao de execuo, uma cognio to ampla por parte do juiz, como a que ocorre nas aes de conhecimento, isto por que no se tem por objeto a prolao de uma sentena de procedncia ou improcedncia. O que se visa, no caso, a extino do processo, seja pelo cumprimento da obrigao que o autor visa satisfazer ou pela declarao de invalidade ou inexistncia do ttulo executivo extrajudicial.

Humberto Theodoro Jnior ensina sobre tema:

Quando h certeza prvia do direito do credor e a lide se resume na insatisfao do crdito, o processo limita-se a tomar conhecimento liminar da existncia do ttulo do credo, para, em seguida, utilizar a coao estatal sobre o patrimnio do devedor, e, independentemente da vontade deste, realizar a prestao a que tem direito o primeiro 16.

As aes cautelares so caracterizadas por serem aquelas nas quais o autor pleiteia a concesso de uma medida cautelar que garantir o resultado eficaz de uma outra ao, principal, a qual poder ser de natureza cognitiva ou executiva. Este tipo de ao tem16

Curso de direito processual civil: teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento, p.50. v.1.

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como caractersticas principais a urgncia e a provisoriedade e como requisitos o periculum in mora e o fumus boni iuris.

Sero divididas, ainda, em cautelares nominadas, que so aquelas especificadas e reguladas no Cdigo de Processo Civil e inominadas, aquelas submetidas ao procedimento comum cautelar.

No tocante classificao das aes de acordo com a tutela pretendida no processo de conhecimento, existem as aes declaratrias, as aes condenatrias e as aes constitutivas.

Sero declaratrias as aes que tm como objetivo a declarao de existncia ou inexistncia de uma relao jurdica ou de autenticidade ou falsidade de um documento, conforme depreende da leitura do artigo 4 do Cdigo de Processo Civil.

Por outro lado, de natureza condenatria sero as aes nas quais os autores tenham o escopo obter a imposio de uma sano, ou seja, uma determinao cogente, sob pena de execuo ou de cumprimento coativos 17.

A ao constitutiva, por sua vez, ser aquela na qual o autor visa constituio, modificao ou desconstituio de uma relao jurdica. Ela no tem por objetivo a condenao do ru a pagar, fazer ou no fazer algo e tampouco limita-se uma mera declarao.

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GRECO FILHO, Vicente Greco. Direito processual civil brasileiro: teoria geral do processo a auxiliares da justia, p.95.

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Tem se observado que, na prtica, as aes mesclam os provimentos (de declarao, condenao e constituio), pois, no mundo dos fatos, infinitas so as possibilidades de pedidos e, tambm pelo fato de que a ao de conhecimento tem como caracterstica uma ampla declarao, estando ela presente tambm nas aes condenatrias e constitutivas.

3. DO RECURSO

3.1. DO CONCEITO DE RECURSO

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Diante do inconformismo da parte que resta como sucumbente em uma deciso e com a finalidade de evitar ou corrigir erros por parte do magistrado, pois so inerentes ao ser humano, no sistema processual brasileiro, h o duplo grau de jurisdio.

No sentido de evitar erros ou mesmo abuso de poder por parte do magistrado, possibilita-se parte de dirigir-se a outro rgo, via de regra colegiado, no sentido de evitar equvocos, para requerer uma nova deciso.

Neste passo, aponta Antnio Cludio da Costa Machado:

A palavra recurso em direito processual pode ser compreendida em quatro sentidos diferentes. Em primeiro lugar, recurso um dos meios de impugnao de decises judiciais (...). Em segundo, recurso o direito subjetivo processual que a parte tem de impugnar decises. Em terceiro, a palavra que identifica cada um dos recursos em espcie (...). E, finalmente, em quarto lugar, recurso instituto jurdico processual que torna concreto o princpio do duplo grau de jurisdio 18.

O recurso ser, portanto, o meio pelo qual a parte inconformada com uma deciso judicial se utiliza para requerer dentro do mesmo processo, a reforma ou desconstituio da referida deciso.

Na j clssica definio de Jos Carlos Barbosa Moreira, o recurso pode ser conceituado como o remdio voluntrio idneo a ensejar, dentro do mesmo processo, a reforma, a invalidao, o esclarecimento ou a integrao de deciso judicial que se impugna.19

18 19

Cdigo de processo civil interpretado: artigo por artigo, pargrafo por pargrafo, p. 596. Comentrios ao Cdigo de Processo Civil, p. 233, v. V.

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Trata-se, assim, de garantia de que a matria possa ser reapreciada por rgos diferentes do Poder Judicirio, desde que a deciso recorrida no tenha transitado em julgado, pois o recurso no configura uma ao autnoma e sim uma continuidade do processo no qual fora proferida a deciso recorrida.

Alm da finalidade de desconstituir ou reformar uma deciso, o recurso pode, ainda, ter a finalidade de esclarecer ou sanar obscuridades e contradies ou de integrar matria no apreciada nas hipteses de omisses, este ser o caso dos Embargos de Declarao.

Esto sujeitos aos recursos apenas os atos praticados pelo juiz e que tenham cunho decisrio, ou seja, apenas as sentenas, aquelas proferidas com julgamento do mrito ou no, e as decises interlocutrias. Restam os despachos como irrecorrveis, pois apenas impulsionam a marcha do processo, no causando prejuzos a qualquer uma das partes20.

Importante salientar que, nos termos do artigo 499, do CPC, no apenas a parte vencida ter legitimidade recursal. O terceiro prejudicado, desde que demonstrado o nexo de interdependncia entre o seu interesse de intervir e a relao jurdica submetida apreciao judicial, tambm ter legitimidade. E igualmente poder o Ministrio Pblico recorrer, independentemente da forma em que participou do processo, seja como parte ou fiscal da lei.

20

THEODORO JNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil: teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento, p.556. v.I.

34

Ao juzo que proferiu a deciso recorrida, d-se o nome de juzo a quo, enquanto o juzo ao qual se recorre ser o juzo ad quem. Este aquele que far o reexame da matria recursal e, via de regra, a ele a quem o recurso ser dirigido.

O recurso um instrumento processual voluntrio, ou seja, a parte sucumbente ter a opo de recorrer ou no, no havendo recurso ex officio. O que se observa, atualmente, o instituto do reexame necessrio, que ocorre somente nos casos estabelecidos pela lei, objetivando-se a segurana jurdica.

Poder, ainda, o recurso se apresentar sob a forma adesiva, nos termos do artigo 500, do CPC, quando forem vencidos o autor e o ru e um deles optar por aderir ao recurso interposto pela outra parte. Neste caso, ficar o recurso adesivo subordinado ao principal, e ser regido de acordo com os incisos I, II e III do referido dispositivo legal.

3.2. DOS PRINCPIOS NORTEADORES DOS RECURSOS

Alm dos princpios processuais imprescindveis para a formao do processo e seu correto desenvolvimento, existem alguns princpios que so inerentes aos recursos, e que da mesma forma devero ser respeitados. Os mais importantes princpios aplicados aos recursos so: o princpio do duplo grau de jurisdio, o princpio da singularidade, princpio da taxatividade e a proibio da reformatio in pejus.

O princpio do duplo grau de jurisdio estabelece a necessidade de, diante da interposio de um recurso, uma deciso ser analisada por um rgo de grau superior.

35

Existem, porm, excees a este princpio, como por exemplo as aes de competncia originria dos tribunais.

A respeito do tema, Jos Carlos Barbosa Moreira:

Com o propsito de assegurar, na medida do possvel, a justia das decises, contempla a lei a realizao de dois ou mais exames sucessivos, ao passo que, por outro lado, a fim de evitar que se sacrifique a necessidade de segurana, cuida de limitar o nmero das revises previstas 21.

De acordo com princpio da singularidade, ante cada deciso, caber apenas um recurso, no havendo a cumulao de recursos.

Desta maneira, no configura exceo a este princpio, o disposto no artigo 498 do Cdigo de Processo Civil. Isto porque, primeiramente haver a interposio dos Embargos Infringentes e somente aps o decurso do prazo e seu julgamento, ser possvel a interposio do Recurso Especial, no tocante matria infra-constitucional abordada pelo acrdo, e do Recurso Extraordinrio, relativamente parcela da deciso que infringir disposio constitucional. Neste caso, primeiro ser apreciado o Recurso Especial. No se admitir a interposio simultnea de dois recursos.

O princpio da taxatividade, ou legalidade estrita, determina que somente podero ser empregados os recursos estabelecidos pela lei processual e somente nas hipteses por ela enumeradas, sem a existncia de analogia.

21

O novo processo civil brasileiro: exposio sistemtica do procedimento, p. 113.

36

O artigo 496, do Cdigo de Processo Civil, traz oito dos dez recursos previstos: a apelao, o agravo (que poder apresentar-se sob a forma retida ou de instrumento), os embargos infringentes, os embargos de declarao, o recurso ordinrio, o recurso especial, o recurso extraordinrio e os embargos de divergncia em recurso especial e em recurso extraordinrio. O artigo 544, do mesmo diploma legal, possibilita a interposio do agravo de instrumento contra deciso denegatria de recurso especial ou recurso ordinrio. E por fim, os artigos 557, 1, 545 e 532, trazem o agravo interno.

Partindo-se do pressuposto de que ter legitimidade para recorrer aquele que fora, de certa forma, prejudicado pela deciso proferida, obtendo menos do que aquilo que era pretendido, vigora a proibio da reformatio in pejus, que nada mais do que a proibio da reforma para pior. Desta forma, o recorrente no correr o risco de ver a sua situao piorada, ou ela ser mantida ou melhorada. 22

3.3. DA CLASSIFICAO DOS RECURSOS

Os recursos podem ser classificados em dois grupos: os recursos ordinrios e os recursos extraordinrios.

Nos recursos ordinrios (apelao, agravo, embargos infringentes e recurso ordinrio) tanto matria de fato quanto matria de direito podero ser levadas discusso. So os recursos que tero por finalidade a resoluo do conflito de acordo com a situao concreta e especfica de um direito subjetivo violado.22

WAMBIER, Luiz Rodrigues. Curso avanado de processo civil: teoria geral do processo e processo de conhecimento, p. 586.

37

J nos recursos extraordinrios (recurso especial, recurso extraordinrio e embargos de divergncia) somente matria de direito ser discutida. Tratam-se de recursos que tm por funo a uniformidade de interpretao da legislao federal e a eficcia e integridade das normas da prpria Constituio 23.

3.4. DO JUZO DE ADMISSIBILIDADE E DO JUZO DE MRITO

Aps a interposio do recurso, para que ele seja conhecido e seu mrito seja examinado, deve ser feito uma primeira anlise, o juzo de admissibilidade. Verificar-se- a presena dos requisitos legais exigveis para que se possa apreciar as razes recursais.

Os requisitos so divididos em dois grupos: requisitos intrnsecos, que dizem respeito existncia do direito de recorrer, e requisitos extrnsecos, que se referem ao exerccio do direito de recorrer 24.

Dentre os requisitos intrnsecos ser analisada a legitimidade para a interposio do recurso, o cabimento do recurso, o interesse em recorrer e a inexistncia de fato que seja impeditivo ou extintivo do poder de recorrer.

J entre os requisitos extrnsecos, a tempestividade da interposio do recurso, a sua regularidade formal e o preparo devem estar presentes.

23

GRECO FILHO, Vicente Greco. Direito processual civil brasileiro: atos processuais a recursos e processos nos tribunais, p.273. 24 O novo processo civil brasileiro: exposio sistemtica do procedimento, p. 116.

38

O juzo de admissibilidade ser, ainda, examinado sob duas formas, primeiramente ser ele provisrio e, somente se este for positivo, far-se- o juzo de admissibilidade definitivo.

O juzo de admissibilidade provisrio ser feito no momento em que o juzo a quo recepcionar o recurso e as contra-razes.

Restando positivo, a deciso que admite o recurso no ser recorrvel e no vincular o juzo ad quem quando do juzo de admissibilidade definitivo.

Exceo regra so os embargos de declarao, pois neste caso, o juzo de admissibilidade e o juzo de mrito sero feitos pelo prprio rgo que emitiu a deciso, e o agravo, na hiptese de retratao.

O juzo de admissibilidade definitivo ser feito pelo juzo ad quem quando da apreciao do recurso, dizendo-se se o recurso ser conhecido ou no.

Conhecido o recurso, o mrito passar a ser apreciado, tambm, pelo juzo ad quem. No juzo de mrito, apreciar-se- o objeto do recurso (o pedido de reforma, anulao, modificao, complementao ou esclarecimento), ou seja, as razes de inconformismo.

39

Cumpre ressaltar, que o mrito do recurso no se confunde com o mrito da causa determinado pelo pedido do autor formulado na petio inicial e que envolve uma questo de direito material 25.

Estaro envolvidas, no juzo de mrito, as questes tanto de direito material, quanto as questes de direito processual. Haver error in iudicando, quando uma questo de fato ou de direito no foi corretamente apreciada pelo juzo que proferiu a deciso recorrida, e neste caso o que se objetiva com o recurso a sua modificao. Por outro lado, haver error in procedendo quando houve erro de ordem processual no julgamento da causa, e, assim, o recurso visar invalidao da deciso recorrida.

Ao fim, o recurso ser provido ou no-provido.

3.5. DOS EFEITOS DA INTERPOSIO DOS RECURSOS.

Diversos so os efeitos produzidos diante da interposio de um recurso.

Primeiramente, h um efeito de ordem material, uma vez que a interposio de recursos leva a uma dilao do processo. Assim, o processo, que at ento teria fim com a sentena, ser estendido, perdurando por um perodo de tempo maior do que na hiptese da no interposio do recurso.

25

THEODORO JNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil: teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento, p.560. v.I.

40

Um segundo efeito observado o impedimento da precluso, isto porque o recurso impede que a deciso se torne estvel. Evita-se o trnsito em julgado da deciso proferida.

H ainda, o efeito suspensivo, pois a interposio do recurso suspende os efeitos da deciso. Quando ausente este efeito, a deciso poder ser executada como se no houvesse recurso interposto.

O efeito devolutivo o efeito pelo qual uma nova atividade jurisdicional ser liberada, para que sejam apreciadas as razes do recurso. Este efeito informado por dois princpios, pelo tantum devolutum apetalutm e pela proibio da reformatio in pejus. o efeito comum a todos os recursos.

Estar o efeito devolutivo limitado a dois aspectos, um subjetivo e um objetivo. O primeiro se refere parte que ser atingida pelo reexame da deciso, ser beneficiado exclusiva e restritamente aquele que recorreu, exceto no caso de litisconsrcio. O aspecto objetivo trata da matria que poder ser reexaminada. Somente poder ser objeto de novo julgamento aquilo que foi objeto das razes de inconformismo, dentro de seus limites.

3.6. DOS EFEITOS DO JULGAMENTO DOS RECURSOS

Interpostos os recursos e realizados os juzos de admissibilidade, determinados efeitos sero produzidos.

41

Primeiramente, se do juzo de admissibilidade resultar o no conhecimento do recurso, o qual era inadmissvel, a deciso objeto de impugnao ter transitado em julgado.

O trnsito, diante do no conhecimento do recurso, poder ocorrer em dois momentos: na data da publicao, se a inadmissibilidade decorreu por se tratar de deciso irrecorrvel, sendo, desta forma, originria; ou no momento em que o fato causador da inadmissibilidade tenha ocorrido, como o decurso in albis do prazo de interposio, renncia ao direito de recorrer ou aceitao da deciso. Cumpre lembrar que no que tange segunda hiptese, esta somente ter aplicao quando no houver qualquer outro obstculo ao trnsito em julgado da deciso, como a aplicao do artigo 475, do Cdigo de Processo Civil, por exemplo.26

No entanto, quando do exame de admissibilidade resultar o conhecimento do recurso, a este poder ser dado o provimento ou poder ser negado o provimento.

O recurso ser provido quando fundadas as suas razes, reconhecendo-se o error in iudicando ou o error in procedendo, e a partir de ento ter-se- a reforma ou a anulao da deciso recorrida.

Desta maneira, ser negado provimento ao recurso quando as razes trazidas pela parte recorrente forem infundadas. Neste caso, ser mantida a deciso recorrida.

26

MOREIRA, Jos Carlos Barbosa, O novo processo civil brasileiro: exposio sistemtica do procedimento, p. 127 e 128.

42

Pode, assim como no caso do julgamento das aes, ocorrer o parcial provimento ao recurso. Caso este que ocorrer quando apenas parcela da impugnao for entendida como fundada.

Por fim, sabiamente aponta Jos Carlos Barbosa Moreira:

Sendo o recurso julgado no mrito, a deciso recorrida jamais chega a transitar em julgado; nem mesmo quando o rgo ad quem nega provimento ao recurso, confirmando (como vulgarmente se diz) aquela deciso. O que poder transitar em julgado , sempre, o pronunciamento do rgo ad quem.27

Desta forma, sempre que conhecido o recurso e seu mrito analisado, seja para dar-lhe ou negar-lhe provimento, a deciso que transitar em julgado ser aquela proferida em instncia superior e no aquela recorrida, que teve p seu trnsito obstado.

27

O novo processo civil brasileiro: exposio sistemtica do procedimento, p. 128.

43

4. DA CORREIO PARCIAL

4.1. DO CONCEITO E FINALIDADE DA CORREIO PARICIAL

Tendo origem nas leis estaduais de organizao judiciria, a correio um remdio utilizado para sanar dano ou prejuzo que um juiz tenha causado em um processo, por meio de um ato irrecorrvel, ou seja, por meio de um despacho. Visa regularidade do processo.

Apesar de no contemplada pelo CPC, a correio parcial tem a funo de evitar erros, omisses ou abusos por parte do juiz, que influenciem na marcha processual de forma negativa, resultando em inverses tumulturias dos atos e gravames s partes. Visa, desta maneira, evitar erros procedimentais.

Guarda semelhanas com o instituto do recurso, mas no pode de forma alguma ser confundida com ele, isto porque a correio parcial no est dentre as hipteses enumeradas pela Lei Processual Civil Brasileira. Como bem sabido, o princpio da taxatividade norteador e essencial no sistema recursal brasileiro.

Resta evidente, destarte, a natureza de remdio processual da correio parcial.

Sua finalidade de forma bem explicitada no artigo 250 do Regimento Interno do Tribunal de Justia do Paran, ao dispor que a correio parcial visa emenda de erros ou abusos que importem na inverso tumulturia de atos e frmulas legais, na paralisao

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injustificada dos feitos ou na dilatao abusiva de prazos, quando, para o caso, no haja recurso previsto em lei.

4.2. DA PREVISO LEGAL

O instituto da correio parcial no est previsto no Cdigo de Processo Civil, tampouco na Constituio Federal. Ela est prevista nas leis estaduais de organizao judiciria e na lei que organiza a Justia Federal de primeira instncia (Lei n.5.010/66).

Neste passo, os Regimentos Internos dos Tribunais Regionais Federais tambm trazem esta previso, como o caso do Regimento Interno do Tribunal Regional Federal da 3 Regio, em seu artigo 23, I, e o Regimento Interno do Tribunal Regional Federal da 4 Regio, em seus artigos 70, I e 171 a 174.

Est prevista tambm no Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, quando se estabelece, no artigo 201, II, que no caber mandado de Segurana quando estiver em causa despacho ou deciso judicial, de que caiba recurso, ou que seja suscetvel de correio. Ocorre, porm, que o texto do referido artigo encontra correspondente no artigo 5 da Lei n. 1.533/51, que disciplinava o mandado de segurana individual e coletivo at sete de agosto de dois mil e nove.

A nova lei a respeito da disciplina do mandado, no traz em seu bojo a mesma previso que a antiga, dispondo que no se conceder mandado de segurana quando se tratar de deciso judicial da qual caiba recurso com efeito suspensivo. Desta maneira,

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verifica-se a necessidade do ajuste do texto do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, para que esteja em harmonia com a legislao vigente.

O Regimento Interno do Tribunal de Justia de So Paulo dedica o Captulo IV do Ttulo VI correio parcial, em seus artigos 830 a 837.

Da mesma forma, a correio parcial disciplinada no Regimento Interno do Tribunal de Justia do Rio Grande do Sul, em seus artigos 19, I, g e 251 a 254 e no Regimento Interno do Paran, nos artigos 140, XXVII e 250 a 252.

No Regimento Interno do Tribunal de Justia do Rio de Janeiro, utilizou-se o verbete reclamao para designar a correio parcial, em seus artigos 210 a 215.

4.3. DAS HIPTESES DE CABIMENTO

Humberto Theodoro Jnior enumera os pressupostos para a correio parcial:a) existncia de um ato ou despacho, que contenha erro ou abuso, capaz de tumultuar a marcha normal do processo b) o dano, ou a possibilidade de dano irreparvel, para a parte; c) inexistncia de recurso para sanar o error in procedendo. 28

De acordo com o artigo 830 do Regimento Interno do Tribunal de Justia de So Paulo, ser cabvel a correio parcial quando ocorrerem erros ou abusos que importem em inverso tumulturia dos atos e frmulas da ordem legal do processo civil28

THEODORO JNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil: teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento, p.560. v.1

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ou criminal, quando para o caso no houver recurso especfico. O pargrafo nico, do referido artigo, traz mais dois casos que comportam a correio parcial, a ttulo exemplificativo: a deciso que nega seguimento a agravo, ainda que intempestivo, ressalvado o caso de desero e a deciso de saneamento do processo, sem a prvia apreciao de pedido formal de sua extino ou de julgamento antecipado da lide.

Igualmente prev o Regimento Interno do Tribunal de Justia do Rio de Janeiro em seu artigo 210, ao dispor que so suscetveis de correio, mediante reclamao da parte ou do rgo do Ministrio Pblico, as omisses dos Juzes e os despachos irrecorrveis por eles proferidos que importem em inverso da ordem legal do processo ou resultem de erro de ofcio ou abuso de poder.

4.4. DO PROCEDIMENTO A SER ADOTADO

O procedimento a ser adotado pela correio parcial depender das leis de organizao judiciria de cada Estado e dos regimentos internos de cada tribunal, dada a ausncia de previso legal a respeito de seu procedimento.

O artigo 831, do Regimento Interno do Tribunal de Justia do Estado de So Paulo, dispe que o procedimento utilizado para a correio parcial ser o mesmo do agravo de instrumento, disciplinado pelos artigos 523 a 527 do Cdigo de Processo Civil.

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Assim sendo, a correio parcial dever ser dirigida diretamente ao tribunal competente, contendo a exposio do fato e do direito, as razes do pedido e da reforma da deciso e o nome e endereo completo dos advogados constantes do processo. Dever, tambm, ser instruda com as peas elencadas no artigo 525, do Cdigo de Processo Civil.

Dispe, ainda, o artigo 833 do Regimento Interno do Tribunal de Justia de So Paulo que o relator poder suspender liminarmente a deciso que deu motivo ao pedido correicional, se relevante o seu fundamento, quando do ato impugnado puder resultar a ineficcia da medida.

O Procurador Geral de Justia ser, nos termos do artigo 834 do mesmo regimento, sempre ouvido.

J o Regimento Interno do Tribunal de Justia do Estado do Paran, diferente mente de So Paulo, no prev a aplicao do procedimento do agravo de instrumento para a correio parcial, mas a disciplina em seus artigos 250 a 252.

Dispe o referido regimento que o pedido de correio parcial poder ser formulado pelos interessados ou por rgo do Ministrio Pblico no prazo de cinco dias contados a partir da data em que se teve cincia do ato ou despacho que lhe d causa. A petio de correio parcial, a ser apresentada em duas vias, dever ser instruda com documentos e certides, comprovando, inclusive a tempestividade da medida.

Distribuda a petio, o relator poder tomar trs diferentes posicionamentos: poder deferir liminarmente a medida acautelatria do interesse da parte ou da exata

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administrao da Justia, se forem relevantes os fundamentos e se houver probabilidade de prejuzo com o retardamento, podendo ordenar a suspenso do feito; poder rejeitar de plano o pedido, diante de intempestividade ou deficincia de instruo, de inpcia ou do cabimento de recurso; e, poder requisitar informaes ao juiz, conferindo-lhe um prazo de dez dias para a sua prestao.

No que tange s partes, ser o juiz Corrigido, enquanto o Ministrio Pblico ou qualquer outra das partes poder ser o Corrigente.

4.5. DA COMPETNCIA PARA O JULGAMENTO

A competncia para o julgamento da correio parcial, da mesma forma que o seu procedimento, est definida nas leis de organizao judiciria de cada Estado-Membro.

A Lei n. 5.010/66, em seu artigo 6, I, ao tratar da competncia do Conselho da Justia Federal, dispe que a este compete conhecer de correio parcial requerida pela parte ou pela Procuradoria da Repblica contra ato ou despacho do juiz de que no caiba recurso ou que importe em erro de ofcio ou abuso de poder. O despacho quando impugnado por meio da correio parcial ainda poder ser suspenso por at trinta dias, quando de sua execuo possa decorrer dano irreparvel, conforme artigo 9 da mesma lei.

O artigo 832, do Regimento Interno do Tribunal de Justia de So Paulo, determina que a correio parcial ser julgada por cmara civil ou criminal, segundo a matria controvertida.

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J o artigo 19, I, g, do Regimento Interno do Tribunal de Justia do Rio Grande do Sul traz dentre as competncias das Cmaras Separadas o processamento e julgamento da correio parcial.

4.6. DO JULGAMENTO DA CORREIO PARCIAL

O artigo 836 do Regimento Interno do Tribunal de Justia do Estado de So Paulo determina que, julgada a correio, o acrdo ser conferido e ter suas concluses publicadas em prazo no superior a dez dias, e ser remetido por cpia ao juzo de origem, dentro de quarenta e oito horas, para os fins de direito.

O artigo 837, do mesmo regimento, prev a eventualidade do caso comportar penalidade disciplinar, hiptese em que a turma julgadora determinar a remessa dos autos ao Conselho Superior da Magistratura, para as providncias pertinentes.

No caso do Regimento Interno do Tribunal de Justia do Rio Grande do Sul, nos termos do seu artigo 253, julgada a correio, far-se- imediata comunicao ao Juiz, sem prejuzo de posterior remessa de cpia do acrdo. Dispe, ainda o artigo 254, que quando deferido o pedido e este envolver matria disciplinar, os autos sero encaminhados ao Conselho da Magistratura.

Desta forma, julgada improcedente a correio parcial, a deciso a qual se objetivava invalidar, torna-se definitivamente vlida e o processo principal continuar a se

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desenvolver. J no caso de procedncia da correio parcial, o juiz corrigido ter seu ato anulado ou modificado, para que o processo torne-se, novamente, regular.

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5. DA RECLAMAO

5.1. BREVE RELATO HISTRICO

O instituto da reclamao tem origem jurisprudencial. O Supremo Tribunal Federal passou a adotar a referida medida com a finalidade de solucionar diversos problemas operacionais29

e com base na teoria dos poderes implcitos do direito norte

americano (implied powers)30 .

Este o entendimento trazido pelo Min. Rocha Lagoa na Rcl. n 141, de 1952, citado por Gilmar Mendes:A competncia no expressa dos tribunais federais pode ser ampliada por construo constitucional. Vo seria o poder, outorgado ao Supremo Tribunal Federal de julgar em recurso extraordinrio as causas decididas por outros tribunais, se lhe no fora possvel fazer prevalecer os seus prprios pronunciamentos, acaso desatendidos pelas justias locais. A criao dum remdio de direito para vindicar o cumprimento fiel das suas sentenas, est na vocao do Supremo Tribunal Federal e na amplitude constitucional e natural de seus poderes. Necessria e legtima assim a admisso do processo de Reclamao, como o supremo Tribunal tem feito. de ser julgada procedente a Reclamao quando a justia local deixa de atender a deciso do Supremo Tribunal Federal.31

A reclamao foi legitimada em carter constitucional e definitivo em 1967, quando passou a estar prevista na Constituio Federal a possibilidade do Supremo Tribunal Federal estabelecer o processo e o julgamento dos feitos de sua competncia originria ou recursal e da argio de relevncia da questo federal.

29

MENDES, Gilmar, A reclamao constitucional no Supremo Tribunal Federal, p. 94. DANTAS, Marcelo Ribeiro Dantas, Reclamao constitucional no direito brasileiro, p.30 31 Rel. Min. Rocha Lagoa apud Gilmar Mendes, A reclamao constitucional no Supremo Tribunal Federal, p. 94.30

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Em 1969, o Cdigo de Processo Penal Militar introduziu o instituto da reclamao em seus artigos 584 a 586.

A Constituio Federal de 1988 passou a prever a reclamao, no somente para o Supremo Tribunal Federal (artigo 105, I, l), como tambm para o Superior Tribunal de Justia (artigo 102, I, l), preservando a sua competncia e garantindo a autoridade de suas decises.

O Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal incorporou o instituto da reclamao no texto editado 1957, com a finalidade de preservar a integridade de sua competncia ou assegurar a autoridade de seus julgados. Atualmente, o Ttulo V: Dos Processos sobre Competncia dedica o seu primeiro captulo exclusivamente disciplina da matria relativa reclamao (artigos 156 a 162, RISTF).

Igualmente, o Superior Tribunal de Justia passou a abordar em seu texto a medida em tela no ttulo relativo aos Processos sobre Competncia, nos artigos 187 a 192 de seu Regimento Interno.

Embora o Regimento Interno do Tribunal de Justia do Estado de So Paulo, discipline o instituto de reclamao em seus artigos 659 a 666, no pacfico o entendimento que o instituto possa ter cabimento fora das hipteses previstas na Constituio Federal.

Da mesma maneira, est prevista a reclamao no Regimento Interno do Tribunal de Justia de Minas Gerais, nos artigos 486 a 492.

53

O artigo 21, VI, j, do Regimento Interno do Tribunal de Justia do Cear, atribui ao Tribunal Pleno a competncia para julgar e processar a reclamao para a preservao de sua competncia e garantia de autoridade de suas decises.

O artigo 357 do Regimento Interno do Tribunal de Justia da Paraba determina que nos casos omissos, os regimentos do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justia sejam aplicados de forma subsidiria, permitindo, destarte, a reclamao.

Os Regimentos Internos dos Tribunais Regionais Federais da 1 a 5 Regio no fazem meno ao instituto em tela.

Igualmente, os Regimentos Internos do Tribunal de Justia do Rio Grande do Sul do Tribunal de Justia do Paran no prevem, tampouco disciplinam, o referido instituto; assim como os Regimentos Internos do Tribunal de Justia do Rio de Janeiro, do Tribunal de Justia do Par e do Tribunal de Justia de Santa Catarina, os quais atribuem correio parcial a nomenclatura de reclamao.

Observa-se que as disposies referentes reclamao nos Regimentos Internos dos Tribunais so de contedo muito semelhante, o que tambm ocorre entre os regimentos e o disposto pela Lei n. 8.038/90.

A Lei n. 8.038/90, em seus artigos 13 a 18, regulamentando a previso constitucional, passou a disciplinar o procedimento a ser adotado na reclamao.

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5.2. DA FINALIDADE

A Lei n. 8.038/90, que regula os processos perante o STF e o Superior Tribunal de Justia, dedica seu segundo captulo ao instituto da reclamao e seu procedimento.

Em seu artigo 13, caput, traz esta lei a finalidade precpua da medida em tela, conforme previso constitucional: a preservao da competncia do Tribunal ou garantia da autoridade de sua deciso. Igualmente dispe o artigo 156, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal.

Corroborando esta idia, Humberto Theodoro Jnior aponta que:

Trata-se de remdio processual que, na dico dos arts.102, I, l, e 105, I, f, da Lei Maior, se presta a aparelhar a parte com um mecanismo processual adequado para denunciar quelas Cortes Superiores atos ou decises ofensivas sua competncia ou autoridade de suas decises.32

Com a Emenda Constitucional n. 45, a reclamao passou a ter a finalidade de garantir a observncia e correta aplicao das smulas vinculantes.

Busca-se, desta forma, cassar ou invalidar deciso na qual se verifique a usurpao de competncia ou afronta autoridade de tribunal superior ou validade de smula vinculante.

32

Curso de direito processual civil: teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento, p.559. v.1.

55

5.3. DAS HIPTESES DE CABIMENTO

Prevista nos artigos 102, 103A e 105 da Constituio Federal, a reclamao de competncia do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justia.

Dispe o artigo 102, em seu inciso I, alnea l, que de competncia do Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituio Federal, cabendo-lhe o processamento e julgamento, originalmente, da reclamao para a preservao de sua competncia e garantia da autoridade de suas decises.

Com o mesmo objetivo, o artigo 105, inciso I, alnea f, que trata da competncia do Superior Tribunal de Justia, traz os mesmos termos utilizados pelo legislador constitucional no artigo 102, I, l, para descrever a hiptese de cabimento e competncia para o julgamento e processamento da reclamao.

Logo em seguida promulgao da Constituio de 1988, o Superior Tribunal de Justia j decidia que a reclamao era a medida cabvel no apenas para garantir o cumprimento de sua deciso, mas tambm para impedir a invaso de sua competncia. 33

A autoridade de uma deciso superior necessitar ser garantida quando a instncia inferior, que deveria cumprir o acrdo, recusar-se a faz-lo, resistindo, ou quando esta determine o seu cumprimento de forma diversa daquela que fora estabelecida.

33

STJ, Rcl 3-DF, (199/0009042-9), Rel. Min. Eduardo Ribeiro, Segunda Seo, julgado em 13/09/1989, DJ 02.10.1989.vDisponvel em . Acesso em 19 out. de 2009.

56

Da mesma forma, diante da solicitao de cooperao em carta de ordem, que tem natureza de comando, dever do juiz comunicar-se com o tribunal e dele obter esclarecimentos ou complementaes. Reiterada a ordem, s lhe resta cumprir. Recusando-se incidir em desobedincia, que autoriza a reclamao aos Tribunais 34.

J o artigo 103-A, inserido pela Emenda Constitucional n. 45, de 08 de dezembro de 2004, ao tratar das smulas vinculantes determina, em seu 3, que do ato administrativo ou deciso judicial que contrariar a smula aplicvel ou que indevidamente a aplicar, caber reclamao ao STF que, julgando-a procedente, anular o ato administrativo ou cassar a deciso judicial reclamada, e determinar que outra seja proferida com ou sem a aplicao da smula, conforme o caso.

Desta maneira, quando uma smula no for aplicada quando deveria ser ou quando for aplicada quando no deveria, a reclamao ser o instrumento cabvel. No possvel discutir, em sede de reclamao, a interpretao dada smula vinculante, mas a sua aplicao (seja esta na forma negativa ou de forma equivocada).

Cndido Rangel Dinamarco trata de forma clara as hipteses de cabimento da reclamao:

Quer na hiptese de preservao da competncia invadida, quer na de deciso descumprida ou contrariada, manifesta-se aquela idia superior e ampla, da afirmao da autoridade dos tribunais de superposio sobre os juzos e tribunais aos quais se sobrepem, na estrutura judiciria do pas. Essa autoridade tanto ultrajada quando algum juiz ou tribunal exerce a jurisdio onde somente um dos tribunais de superposio poderia exerce-la, quanto nos casos em que algum rgo judicirio negue cumprimento a um preceito ditado por eles ou profira julgamento destoante desse preceito. 3534 35

DINAMARCO, Cndido Rangel. Instituies de Direito Processual Civil, p. 519, v. II. A Reclamao no processo civil brasileiro, p. 107.

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A respeito do cabimento da reclamao para os tribunais de justia estaduais, a Relatora Min. Ellen Gracie, no julgamento da ADIn 2.212-1, apontou:

A reclamao constitui instrumento que, aplicado no mbito dos Estados-membros, tem como objetivo evitar, no caso de ofensa autoridade de um julgado, o caminho tortuoso e demorado dos recursos previstos na legislao processual, inegavelmente inconvenientes quando j a parte uma deciso definitiva. Visa, tambm, preservao da competncia dos Tribunais de Justia estaduais, diante de eventual usurpao por parte de Juzo ou outro Tribunal. A adoo deste instrumento pelos Estados-membros, alm de estar em sintonia com o princpio da simetria, est em consonncia com o princpio da efetividade das decises judiciais.36

Desta maneira, somada s hipteses de cabimento previstas na Constituio Federal, tem-se a possibilidade de, se prevista no ordenamento estadual, cabimento de reclamao perante os Tribunais Estaduais, como o caso do Tribunal de Justia do Estado de So Paulo (artigos 659 a 666, RITJ-SP).

A competncia que se visa resguardar a competncia jurisdicional do tribunal, uma vez que a sua violao apenas pode se dar por outro juiz ou tribunal.

5.4. DO PROCEDIMENTO ADOTADO

No tocante ao procedimento a ser observado pela reclamao, a Lei n. 8038/90 dedica a este seus artigos 13 a 18, estabelecendo normas que regulamentam o seu desenvolvimento. Tambm devero ser observados os Regimentos Internos do Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justia, no se podendo olvidar de observar do36

STF, ADIn 2.212-1 - CE, Rel. Min. Ellen Gracie, Tribunal Pleno, julgado em 02.10.03, DJ 14.11.2003. Disponvel em . Acesso em 23 ago. de 2009.

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Regimento Interno de cada Tribunal de Justia, os quais trazem adotaram o texto da lei, repetindo as suas palavras.

O artigo 6, I, g, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal (RISTF), traz como competncia do Plenrio, dentre outras, processar e julgar originalmente a reclamao que vise a preservar a competncia do Tribunal, quando se cuidar de competncia originria do prprio Plenrio, ou garantir a autoridade de suas decises plenrias. Da mesma forma, ser competncia das Turmas o processamento e julgamento da reclamao, ressalvado o anteriormente disposto (artigo 9, I, c).

No pargrafo nico do artigo 13, da Lei n. 8038/90, tem-se a determinao de que, sempre que possvel, a reclamao dirigida ao Presidente do Tribunal e instruda com prova documental, ser autuada e distribuda ao relator da causa principal. Determinao semelhante se localiza nos artigos 70, do RISTF, 187, pargrafo nico do RISTJ e 660, do Regimento Interno do Tribunal de Justia de So Paulo (RITJ-SP).

No artigo 14, da lei que regula o prosseguimento da reclamao, tm-se os atos que devero ser praticados pelo relator ao despachar. Determina o referido artigo que o relator requisitar informaes da autoridade a quem for imputada a prtica do ato impugnado, que as prestar no prazo de 10 (dez) dias e ordenar, se necessrio, para evitar dano irreparvel, a suspenso do processo ou do ato impugnado.

Ressalte-se, por oportuno, que qualquer interessado poder impugnar o pedido do reclamante.

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Haver participao no procedimento, ainda, do Ministrio Pblico, o qual ter vista das reclamaes que no houver formulado, por cinco dias, aps o decurso do prazo para informaes. Esta previso, contida no artigo 16, da lei em comento, mantm o Ministrio como fiscal da lei, nas reclamaes em que no for parte.

Uma vez julgada procedente a reclamao, o Tribunal cassar a deciso exorbitante de seu julgado ou determinar que seja tomada a medida necessria para que sua competncia seja preservada, nos termos do artigo 17.

Estabelece o artigo 18, por fim, que o Presidente determinar o imediato cumprimento da deciso, lavrando-se acrdo posteriormente. Este texto repetido nos artigos 192, do Regimento Interno do STJ, 162, do Regimento Interno do STF e 666, do Regimento Interno do Tribunal de Justia do Estado de So Paulo.

6. DA NATUREZA JURDICA DA RECLAMAO

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6.1. POSIES DOUTRINRIAS

A doutrina, ao mesmo passo da jurisprudncia, tambm diverge quanto natureza jurdica da reclamao.

Para alguns autores a reclamao seria uma espcie de recurso, para outros, uma ao, para outros, ainda, seria equivalente medida administrativa da correio parcial e por fim, h ainda a corrente que defende ser a reclamao decorrente do direito de petio constitucionalmente previsto.

6.1.1. A RECLAMAO COMO RECURSO

Logo primeira vista, afasta-se a idia de que a reclamao constitua uma espcie de recurso. Primeiramente, porque no visa reforma ou desconstituio de uma deciso; tem como finalidade, justamente, assegurar a autoridade das decises proferidas em instncias superiores e a preservao de sua competncia, ou seja, de fazer valer aquilo j fora decidido pelo Poder Judicirio, no atacando o contedo da deciso proferida no processo principal.

No se presume que aquele que figura como autor em uma reclamao seja o sucumbente, o que um requisito para a interposio do recurso, pelo contrrio, h neste caso o xito no processo e a exigncia, agora, do cumprimento e da eficcia desta deciso. Falta no caso da reclamao o interesse de recorrer.

61

A natureza recursal do instituto da reclamao equivocada, tambm, pelo fato de j estarem as espcies de recursos elencadas na Lei Processual Civil Nacional. Desta forma, no h a hiptese de se criar novo recurso fora do sistema j existente.

Da mesma forma, no h prazo fixo para que se possa fazer uso da reclamao, ao revs do ocorre no caso dos recursos.

Cndido Rangel Dinamarco ao tratar da natureza recursal da reclamao aponta que:

Acima disso, decisivo para excluir a natureza recursal da reclamao o modo como seu julgamento pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justia. No se trata de cassar o ato e substitu-lo por outro, em virtude de algum error in judicando, ou cass-lo simplesmente para que outro seja proferido pelo rgo inferior, o que ordinariamente acontece quando o ato contm algum vcio de ordem processual. A referncia ao binmio cassao-substituio, que moeda corrente na teoria dos recursos, apia-se sempre no pressuposto que estes se voltam contra atos dos portadores de algum erro substancial ou processual, mas sempre atos suscetveis de serem realizados pelo juiz prolator, ou por outro ao contrrio dos atos sujeitos reclamao, que no poderiam ter sido realizados (a) porque a matria j estava superiormente decidida pelo tribunal ou (b) porque a competncia para o ato era deste e no do rgo que o proferiu, nem de outro de seu mesmo grau, ou mesmo de grau superior no mbito da mesma Justia, ou ainda de outra Justia. 37

Verifica-se que uma vez julgada procedente uma reclamao contra um ato judicial, este no ser substitudo por outro a ser determinado diante da devoluo da matria, pelo contrrio, reconhecer-se- que o rgo que o produziu no tinha competncia para realiz-lo ou que j se tratava de matria decidida por um Tribunal.

37

A reclamao no processo civil brasileiro, p.105.

62

Fica desta maneira, afastada a natureza jurdica da reclamao como Recurso e evidente tratar-se de posio pacfica da doutrina.

6.1.2. A RECLAMAO COMO CORREIO PARCIAL

Outra natureza atribuda reclamao a de correio parcial.

A correio parcial, porm, somente ter cabimento para impugnar erro ou abuso de juiz de primeira instncia que cause inverso tumulturia dos atos do processo e frmulas legais da ordem do processo. Ou seja, busca-se com a correio corrigir um error in procedendo, quando na houver recurso cabvel.

Ao contrrio da correio parcial, a reclamao ser cabvel para atacar qualquer ato ou omisso de rgo judicial, pertencente a qualquer instncia, que usurpe a competncia ou que v de encontro a uma deciso do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justia. A reclamao, portanto, se destina correo tanto de error in procedendo quanto de error in iudicando, desde que presentes os requisitos necessrios para que se configure o cabimento dentro das hipteses legais.

H, ainda, que se recordar que a correio parcial tem carter administrativo, enquanto a reclamao tem carter jurisdicional.

A matria discutida em sede de reclamao, no se limita a fiscalizar os atos do juiz, exigir sua obedincia ou garantir que a competncia prevista na Constituio para

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cada Tribunal no seja usurpada. Ao decidir pela procedncia da reclamao, o Tribunal cassar o ato, resultando em conseqncias imediatas s partes.

Tanto o artigo 161 do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, quanto o artigo 17 da Lei n. 8.038/90, estabelecem que a deciso exorbitante poder ser cassada pelo Tribunal, o que denota uma atividade jurisdicional, afastando o carter administrativo da reclamao.

6.1.3. A RECLAMAO COMO AO

A favor da corrente que afirma ter a reclamao natureza de ao, trs so os argumentos a serem observados: o primeiro diz respeito existncia de uma provocao da jurisdio, ou seja, trata-se de medida jurisdicional. O segundo argumento est no pedido formulado; o pedido feito no intuito de se obter uma tutela jurisdicional, para que se preserve a competncia usurpada ou se imponha o cumprimento de uma deciso proferida por Tribunal. A existncia de uma lide consiste no terceiro argumento, uma vez ser possvel a distino entre uma pretenso e uma resistncia. Desta forma, seria possvel distinguir na reclamao os trs elementos da ao: partes, pedido e causa de pedir. 38

Para aqueles que defendem esta corrente, a reclamao seria uma ao cujo objetivo estaria na obteno de uma deciso proferida pelo juzo competente e que a referida deciso fosse dotada de eficcia.

38

DANTAS, Marcelo Navarro Ribeiro. Reclamao constitucional no direito brasileiro, p. 460.

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H de se ressaltar que o direito de ao compreende mais do que apenas o direito a obter uma resposta por parte do Estado. Juntamente com o direito de ao est o direito ao contraditrio, ampla defesa e, consequentemente, ao devido processo legal.

Na reclamao, no se visa uma nova prestao jurisdicional, pois esta j foi obtida, procura-se garantir a eficcia da deciso proferida, sem uma nova discusso do mrito.

Outro ponto a ser verificado ao se tratar da reclamao como direito de ao que, se esta for a natureza adotada, seria impossvel a sua adoo pelas Constituies Estaduais e do Distrito Federal, como j decidido pelo Supremo Tribunal Federal39.

Como desdobramento desta corrente, h aqueles que afirmam ser a reclamao um incidente processual. Esta teoria, porm, pode ser afastada pelo fato de que, nos incidentes processuais, pressupe-se, via de regra, a existncia de um processo em curso; o que no ocorre no caso da reclamao, que somente ser cabvel diante de decises definitivas.

O que no poder ser afastada da reclamao, de forma alguma, e esta a posio pacfica da doutrina, o seu carter jurisdicional. Este reside em diversos pontos, como por exemplo, na possibilidade de se alterar uma deciso proferida em processo judicial por meio deste instituto, principalmente na hiptese de usurpao de competncia, e no efeito de coisa julgada material que assume a deciso proferida nos autos da reclamao, aps cognio exauriente.39

STF, ADIn 2.212-1 - CE, Rel. Min. Ellen Gracie, Tribunal Pleno, julgado em 02.10.03, DJ 14.11.2003. Disponvel em . Acesso em 23 ago. de 2009.

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Tambm jurisdicional a reclamao, porque a sua legitimidade ativa fora atribuda parte ou ao Ministrio Pblico, no podendo ela ser provocada de ofcio, conforme o artigo 13, da Lei n. 8038/90, o artigo 156, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, o artigo 187, do Regimento do Superior Tribunal de Justia e o artigo 659, pargrafo nico do Regimento Interno do Tribunal de Justia do Estado de So Paulo.

6.1.4. A RECLAMAO COMO DIREITO DE PETIO

A respeito da natureza a ser atribuda reclamao, Ada Pellegrini Grinover, que adota a posio de que a reclamao estaria inserida dentro do direito de petio constitucionalmente previsto, aponta:

(...) no se trata de ao, uma vez que no se vai discutir a causa com um terceiro; no se trata de recurso, pois a relao processual j est encerrada, nem se pretende reformar a deciso, mas antes garanti-la. Cuida-se simplesmente de postular perante o prprio rgo que proferiu uma deciso o seu exato cumprimento. 40

Uma vez que a reclamao no preenche os requisitos para que seja um recurso, correio parcial ou ao, restaria ser atribuda reclamao a natureza de conceito mais genrico e amplo, ou seja, de mero procedimento que visa possibilitar a defesa e manuteno das decises proferidas por um tribunal.

Desta maneira, o exerccio do direito de petio no d origem a um processo, eis que ausente o litgio. Tem-se, como exposto, um procedimento que visar s medidas que

40

A reclamao para garantia da autoridade das decises dos Tribunais, p. 40.

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se fizerem necessrias para que seja cumprida de forma coercitiva a deciso proferida por tribunal de instncia superior, para que sua autoridade no seja usurpada e para que seja feita a correta aplicao de smula com efeito vinculante.

A parcela da doutrina que no adota esta posio afirma que ao adotar a natureza jurdica de simples direito de petio a reclamao perderia o seu carter jurisdicional, pois o direito de petio estaria calcado em uma natureza administrativa.

Ocorre que, em que pese possa o direito de petio assumir uma natureza administrativa, uma vez que seu escopo justamente a defesa de direitos contra a ilegalidade ou abuso de poder por meio de manifestao ao Poder Pblico, seu conceito amplo o bastante para que se admita que, quando exercido por meio da reclamao, a qual necessariamente dirigida a um tribunal (requerendo-se o exerccio da tutela jurisdicional por parte do Poder Judicirio), o direito de petio assuma um carter jurisdicional.

7. A RECLAMAO PERANTE OS TRIBUNAIS SUPERIORES

7.1. A RECLAMAO NO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIA

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No h no Superior Tribunal de Justia discusso to fervorosa e minuciosa a respeito da natureza jurdica da reclamao como aquela havida no Supremo Tribunal Federal.

Observa-se que a nomenclatura reclamao ora utilizada como sinnimo de correio parcial 41, ora como o instituto destinado preservao de competncia e garantia de autoridade das decises 42.

Firmou o Superior Tribunal de Justia o entendimento que, para que se faa cumprir a deciso do Tribunal no obedecida por juiz a ele subordinado, a medida cabvel a reclamao e no o mandado de segurana, em 1993, no julgamento do Mandado de Segurana n. 2.904-5 DF 43.

O Relator Min. Napoleo Nunes Maia Filho, no julgamento do Agravo Regimental na Reclamao n. 3.497 RN, defende a natureza incidental e excepcional da reclamao:

A Reclamao, em razo de sua natureza incidental e excepcional, destina-se preservao da competncia e garantia da autoridade dos julgados somente quando objetivamente violados, no podendo servir como sucedneo recursal para discutir o teor da deciso hostilizada 44.

41

STJ, Pet. 4.790 DF (2006 /0097980-3), Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Seo, julgado em 27/08/2008, DJ 15.09.2008. Disponvel em . Acesso em 19 out. de 2009. 42 STJ, AgRg na Recl.3.497 RN (2009 /0079567-4), Rel. Min. Napoleo Nunes Maia Filho, Terceira Seo, julgado em 10/06/2009, DJ 23.06.2009. Disponvel em . Acesso em 09 out. de 2009. 43 STJ, MS 2.904-5-DF (1993/0017802-4), Rel. Min. Adhemar Maciel, Terceira Seo, julgado em 07/10/1993, DJ 22.11.93. Disponvel em . Acesso em 19 out. de 2009. 44 STJ, AgRg na Recl.3.497 RN (2009 /0079567-4), Rel. Min. Napoleo Nunes Maia Filho, Terceira Seo, julgado em 10/06/2009, DJ 23.06.2009. Disponvel em . Acesso em 09 out. de 2009.

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Afasta-se, portanto, a natureza recursal da reclamao, uma vez que esta no tem como objetivo a reviso da deciso prolatada e no se localiza dentre as hipteses legalmente previstas.

No sentido de afastar, tambm, a natureza de recurso da reclamao, no julgamento da Reclamao n. 10, o Superior Tribunal de Justia determinou o no conhecimento da reclamao apresentada contra ato de relator se, no tribunal a que pertence, cabia agravo regimental contra esse ato 45.

O Relator Min. Luiz Fux, no julgamento da Petio n. 4.790 DF, traz em seu voto, primeiramente, a transcrio do artigo 105, I, f, da Constituio Federal e dos artigos 187 a 192, do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justia, e em momento posterior explicita:

Como se observa, no af de preservar a competncia maior desses tribunais, a Constituio assegura eficcia plena reclamao, podendo a mesma ter cunho modificativo, anulatrio ou cassatrio do ato jurisdicional ou do ato administrativo ofensivo, mantendo, sempre, a natureza mandamental, como meio de efetivao do provimento, dispensada qualquer solenidade tradicional execuo de sentena. Anote-se, contudo, que essa reclamao difere de meio de impugnao, que ostenta o mesmo nomen juris encontradio nas leis de organizao judiciria locais com regulamentao nos regimentos internos dos tribunais. A reclamao ou correio parcial das leis de organizao judiciria meio de impugnao que se volta contra as omisses do juzo ou contra despachos irrecorrveis, que alteram a ordem natural do processo, gerando tumulto processual. Assim, v.g., se o juiz no decide determinado incidente, designa vrias audincias, ou marca inmeras purgas de mora etc., lcito parte reclamar 46.

45

STJ, Rcl 10 DF (1989/0012728-4), Rel. Min. Nilson Naves, Segunda Seo, julgado em 25/04/1990, DJ 28.05.1990. Disponvel em . Acesso em 19 out. de 2009. 46 STJ, Pet. 4.790 DF (2006 /0097980-3), Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Seo, julgado em 27/08/2008, DJ 15.09.2008. Disponvel em . Acesso em 19 out. de 2009.

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Verifica-se, diante do posicionamento do Ministro que, em que pese a denominao utilizada para os diferentes institutos seja a mesma, os mesmos no se confundem, tendo finalidade diversa.

Cumpre ressaltar, ainda, o julgamento do Recurso Especial 863055, no qual o Min. Relator Herman Benjamin, analisa o cabimento da reclamao nos Tribunais de Justia e nos Tribunais Regionais Federais:

a) a despeito da competncia da Unio para legislar sobre direito processual, os Estados, com base no princpio da simetria, podem instituir Reclamao no mbito dos Tribunais de Justia, ao menos para preservar a autoridade das decises proferidas no controle abstrato de normas , em virtude de sua eficcia geral e de seu efeito vinculante, deferidos pela Constituio Federal. Esse argumento, como bvio, no autoriza o uso do instituto pelos Tribunais Regionais Federais, j que no exercem controle concentrado de constitucionalidade; b) a possibilidade de o Tribunal de Justia ou Tribunal Regional Federal decidir, em Reclamao, que um outro Tribunal (ou juiz a ele vinculado) estaria usurpando sua competncia ou descumprindo suas decises, poderia resultar em grave risco de ruptura do equilbrio das instituies judicirias. Desse modo, entendo que no cabe Reclamao no mbito dos Tribunais Estaduais e Regionais Federais para preservao de suas competncias (eventuais conflitos devem ser solucionados pelos Tribunais Superiores, nos termos do art. 102, I, "o", e do art. 105, I, "d", ambos da CF). Constituem excees apenas os casos em que a usurpao de competncia se d por juiz de primeiro grau vinculado ao prprio Tribunal , em causas de competncia originria do colegiado (conforme o item seguinte); c) o princpio da efetividade das decises judiciais deve guiar a interpretao conferida ao instituto. Nesse sentido, de se reconhecer que a Reclamao evita, no caso de ofensa autoridade de um julgado por uma interpretao que extravase seus limites, a morosidade e ineficcia relativa das medidas processuais ordinariamente cabveis quando ainda no se tem um provimento judicial definitivo. Assim, parece-me possvel a utilizao do instituto da Reclamao no mbito dos Tribunais Estaduais e Regionais Federais para garantir a autoridade de suas decises, diante de atos de juzes a eles vinculados; e, d) por se tratar de poder implcito dos Tribunais, a Reclamao no demanda expressa previso legal, sendo decorrncia lgica e necessria da competncia dos rgos colegiados para a preservao da autoridade de suas decises.4747

STJ, Resp. 863.055 GO (2006/0142441-8), Rel. Min. Herman Benjamin, Primeira Seo, julgado em 27/02/2008, DJ 18/09/2009. Disponvel em . Acesso em 05 nov. de 2009.

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Observa-se, por fim, que no Superior Tribunal de Justia tem-se por certa a natureza no-recursal da reclamao e a sua diferenciao com a correio parcial, mas no h ainda definio sobre a sua natureza no que tange ao direito de ao ou direito de petio, apenas a sua utilizao no mbito dos Tribunais Estaduais e Regionais Federais para garantir a autoridade de suas decises, diante de atos de juzes a eles vinculados.

7.2. A RECLAMAO NO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

Embora estivesse o instituto de reclamao presente no Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal desde 1957, a natureza jurdica atribuda reclamao no havia se tornado uma matria pacfica. Foi em 2003, alterando o entendimento anterior Constituio de 1988, que o assunto ganhou maior destaque e um novo posicionamento foi adotado.

Isto ocorreu em decorrncia de Ao Direta de Inconstitucionalidade proposta pelo Governador do Estado do Cear (ADIn n. 2.212-1/CE) objetivando a declarao de inconstitucionalidade do artigo 108, VII, i, da Constituio do Estado do Cear e do artigo 21, V, j, do Regimento do Tribunal de Justia deste Estado.48

Sustentou-se que, ao admitir e regular a reclamao no mbito estadual, tais dispositivos legais seriam inconstitucionais frente ao artigo 22, I, da Constituio Federal.

48

STF, ADIn 2.212-1 - CE, Rel. Min. Ellen Gracie, Tribunal Pleno, julgado em 02.10.03, DJ 14.11.2003. Disponvel em . Acesso em 23 ago. de 2009.

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O referido artigo da Carta Federal prev a competncia privativa da Unio para legislar sobre direito processual.

Para uma anlise da constitucionalidade ou no da disposio no mbito estadual sobre a reclamao, fora necessria um profundo estudo sobre a natureza jurdica do instituto.

No seu voto, a Relatora Min. Ellen Gracie, acompanha a posio adotada por Ada Pellegrini, que defende que a reclamao se constitui como instrumento de exerccio do direito de petio constitucionalmente previsto. Acrescenta a Ministra que o histrico e a constitucionalizao da reclamao indicam que esta no constituiu singelo instituto processual, que poder ser utilizada em uma relao processual para que o Estado aplique o direito ao caso concreto. Indica a Ministra que a reclamao constitui:

instrumento destinado a dar efetividade s decises prolatadas em ltima instncia pelas Cortes de jurisdio nacional: o Supremo Tribunal Federal, guardio da Constituio da Repblica, e o Superior Tribunal de Justia guardio da legislao federal, bem como de um instrumento destinado a preservar a competncia de ambos contra usurpao cometida por outro Tribunal ou rgo do Poder Judicirio 49.

Desta feita, a reclamao poderia encaixar-se no conceito de direito de petio, uma vez que visa objetiva permitir que o cidado se manifeste e postule o cumprimento adequado e absoluto de uma deciso proferida perante aquele rgo que a proferiu, impedindo que se ofenda sua autoridade.

Em que pese acompanhe o voto da Ministra, o Ministro Carlos Velloso, no mesmo julgamento, se deu sob fundamento diverso. Para o Ministro, a reclamao no49

STF, ADIn 2.212-1 - CE, Rel. Min. Ellen Gracie, Tribunal Pleno, julgado em 02.10.03, DJ 14.11.2003. Disponvel em . Acesso em 23 ago. de 2009.

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constitui nem direito de ao, nem espcie de recurso, mas sim um mero procedimento que objetiva o cumprimento das decises do Tribunal, podendo ser objeto das normas regimentais.

Posio contrria se encontra no voto do Min. Maurcio Corra, na julgamento da referida ADIn. Sustenta o Ministro que possuindo a reclamao contedo processual, independentemente de sua natureza se pautar no direito de ao ou no direito de recurso, a reclamao no poderia ser disciplinada no mbito estadual.

Diante das posies, o julgamento da ADIn n. 2.212-1/CE resultou em sua improcedncia, por maioria de votos, o que denotou a posio majoritria do Pleno do Supremo Tribunal Federal pela natureza da reclamao fundada no direito de petio.

Nova discusso, no mesmo sentido foi trazida ao Supremo Tribunal Federal em 2007, com a ADIn n. 2.480-9/PB. Da mesma forma que a ao anteriormente trazida baila, esta fora proposta pelo Governador do Estado da Paraba, pretendendo a declarao de inconstitucionalidade do artigo 357 do Regimento Interno do Tribunal de Justia do referido Estado, o qual permite que, nos casos omissos, o tribunal utilize os regimentos do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justia, permitindo, assim a propositura de reclamao para preservao de sua competncia ou da autoridade de seus julgados.

Novamente firmou o Supremo Tribunal Federal o seu entendimento acerca da natureza jurdica da reclamao, julgando improcedente a Ao Direta de

Inconstitucionalidade. Assim, o Relator Min. Seplveda Pertence em seu julgamento:

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O Supremo Tribunal Federal, ao julgar a ADIn 2.212 (Pl. 2.10.03, Ellen, DJ 14.11.2003), alterou o entendimento firmado em perodo anterior ordem constitucional vigente (v.g., Rp 1092, Pleno, Djaci Falco, RTJ 112/504) do monoplio da reclamao pelo Supremo Tribunal Federal e assentou a adequao do instituto com os preceitos da Constituio de 1988: de acordo com sua natureza jurdica (situada no mbito do direito de petio previsto no art. 5, XXIV, da Constituio Federal) e com os princpios da simetria (art. 125, caput e 1) e da efetividade das decises j