UNIVERSIDADE DE SO PAULO
ESCOLA DE COMUNICAES E ARTES DEPARTAMENTO DE BIBLIOTECONOMIA E DOCUMENTAO
IVETE PIERUCCINI
A ordem informacional dialgica : estudo sobre a busca de informao em Educao
So Paulo 2004
IVETE PIERUCCINI
A ordem informacional dialgica : estudo sobre a busca de informao em Educao
Tese apresentada ao Curso de Ps Graduao em Cincias da Comunicao como requisito parcial para a obteno do ttulo de Doutor em de Cincia da Informao e Documentao pela Escola de Comunicaes e Artes da Universidade de So Paulo.
Orientador: Prof. Dr. EDMIR PERROTTI
So Paulo 2004
A ordem informacional dialgica :
estudo sobre a busca de informao em Educao
Candidata: Ivete Pieruccini
Orientador: Prof. Dr. Edmir Perrotti
Banca
Defendida em 28 de outubro de 2004.
Aos meus filhos Flavia, Franco e Frederico.
memria de meus pais.
AGRADECIMENTOS
Ao professor Edmir Perrotti, pela orientao, generosidade e presena.
Aos meus filhos, pela espera e pela ajuda.
s crianas, professores e coordenao do Colgio Termomecanica, pelo acolhimento e importantes trocas realizadas ao longo da pesquisa.
Aos idosos
meus velhos - da Est ao Memr ia, pelo incent ivo s minhas buscas.
Toninha Ver dini, pela amizade e cooper ao na r eviso gr f ica dest e trabalho.
Aos meus colegas do Depar t ament o de Bibliot ecas I nf ant o-Juvenis, pela torcida.
RESUMO
Este trabalho apresenta um estudo sobre a busca de informao em Educao, tendo em vista requalific-la como parte essencial dos processos de apropriao de conhecimentos, de construo de significados e de identidade na contemporaneidade.Para tanto, defende a necessidade de dispositivos informacionais, constitudos a partir de uma ordem informacional dialgica, em oposio monolgica. Sistematiza referncias tericas e metodolgicas para sua criao, a partir da implantao e acompanhamento de uma biblioteca escolar, para crianas de educao infantil e ensino fundamental, na cidade de So Bernardo do Campo, em So Paulo.
Palavras-chave: dispositivos informacionais; biblioteca escolar; informao;
ordem informacional; mediao; Educao; Conhecimento; biblioteca.
ABSTRACT
This work presents a study about the search for information in education, keeping in mind requalifying it as an essential part of the processes of knowledge acquirement, construction of meaning and it s identity in the contemporary. For in such a way, defends the necessity of informational devices, built from a dialogical informational order, in opposition to monologic. Systemizes theoretic and methodological references for its creation, from the implantation and accompaniment of a school library, for kindergarten and fundamental education children, in the city of So Bernardo do Campo, So Paulo.
Keywords: informational devices, school library, information; informational order;
mediation, education; Knowledge; library.
SUMRIO
Introduo
Busca de informao: da busca vazia busca significativa 01
Metodologia 06
Organizao do trabalho 07
Parte A
A busca de informao
1. A busca 08
1.1 Dos sentidos da busca busca do sentido 08
1.2 Busca e competncia 10
1.3 Busca e significado: os limites da busca competente 25
2. A Informao 28
2.1 Um novo contexto sociocultural 28
2.2 A informao e os dispositivos: mediao e mediatizao 30
2.2.1 A biblioteca como dispositivo 37
2.3 A busca de informao: entre a descontextualizao,
a fragmentao do conhecimento e os dispositivos 42
Parte B
A ordem informacional dialgica 50
1. O espao informacional 55
2. O repertrio informacional 80
2.1 Os usos 84
3. A linguagem informacional 90
3.1 Linguagem documentria modular 93
3.1.1 A ordem fsica dos documentos 93
3.1.2 Os sistemas de classificao 96
3.2 Produtos documentrios 100
3.2.1 Colees em Destaque
100
3.2.2 Sinalizao 103
3.2.3 Base de dados 106
3.2.4 Painis de novidades 111
3.3 Linguagens no-documentrias : mediaes interpessoais 111
3.4 As modulaes dos usos 112
4. As prticas informacionais 125
4.1 As prticas de gesto 125
4.2 As prticas pedaggicas e culturais 136
5. Infoeducao: apropriao do dispositivo,
apropriao da informao 155
6. Os mediadores 162
6.1 O infoeducador 162
6.2 O professor 166
Parte C
Concluses 167
1. Da apropriao do dispositivo construo do conhecimento 167
2. Dispositivo, educao e dialogia: as tramas do significado 183
Parte D
Bibliografia 188
Parte E Anexo 1 - Informaes sobre a instituio Anexo 2 - Programas de Educao para a Informao Anexo 3 - Planta e mobilirio da BECT Anexo 4 - Roteiros dos cursos de pesquisa escolar e prticas culturais
Introduo
Busca de informao: da busca vazia busca significativa
H 25 anos atuo como bibliotecria, em bibliotecas pblicas infanto-juvenis, da
Prefeitura de So Paulo, trabalhando, direta e indiretamente, com prticas
informacionais envolvendo crianas e adolescentes. Em razo disso, mesmo
se minhas funes deixaram-me distante das salas de pesquisa dessas
bibliotecas, tenho presenciado neste quarto de sculo a repetio de uma cena
comum : escolares, com caderno e lpis na mo, vagando procura de algum
livro que fale sobre tal assunto , que atenda ao pedido da professora que me
mandou fazer uma pesquisa... , completamente perdidos, desamparados, sem
saber por onde comear, o que e como procurar. Sua expresso quase
sempre de perplexidade, enfado ou medo, quando no de recusa diante das
interminveis prateleiras cheias de livros, organizadas de modo
incompreensvel, aos que no possuem as senhas de acesso aos mistrios
dos conhecimentos ali armazenados.
Tal descompasso levou-me a refletir sobre essa problemtica que atinge
crianas e jovens nas bibliotecas brasileiras em geral, no apenas na que
trabalho. Enquanto profissional da informao, no poderia ficar indiferente ao
que ocorre, j que a situao mencionada no s frustra esforos, como dilui
esperanas, necessidades e desejos individuais e sociais de conhecimento e
cultura.
Nesse sentido, observando as dificuldades relatadas, v-se claramente
estampado um srio problema educacional que afeta fortemente grande parte
de nossos escolares : apesar do esforo que possam realizar indo at a
biblioteca, no sabem como, onde, por qu, para qu buscar informao; no
tm noo clara do que selecionar, de como tomar notas, registrar, extrair os
dados selecionados, organiz-los, comunic-los; acham-se numa situao em
que tudo lhes estranho, parecendo marinheiros sem bssola, lanados
deriva nos oceanos do conhecimento.
No admira, pois, que acabem sobrevivendo ao naufrgio informacional
somente aqueles que por razes do destino social possuem capital intelectual
prvio e diferenciado, os especialmente talentosos e esforados que, por fora
de aptides pessoais, so capazes de superar as foras contrrias do ambiente
social e cultural, os sortudos que consegue encontrar uma mo amiga que
lhes salva do afogamento: um colega mais experimentado, um funcionrio da
biblioteca com atuao diferenciada e especial, um outro usurio encontrado ao
acaso entre os livros das estantes...
Se a maioria das crianas e jovens encontra-se desarmada para as tarefas
necessrias busca de informao, encontra-se em conseqncia incapacitada
para se apropriar e construir conhecimentos e cultura, uma vez que o domnio
da memria armazenada e de seus instrumentos condio de criao do
novo.
Neste sentido, os projetos contemporneos que aspiram mudar paradigmas
educacionais, substituindo os modelos transmissivistas pelos construtivistas,
acham-se inviabilizados nas bases, ao pretenderem atingir a grande massa
estudantil. Esta no conta nem com os favores da engenharia social, nem com
os da gentica. Depende, assim, de aes sistemticas e consistentes de
incluso nos circuitos de produo e circulao do conhecimento que so
desconsiderados ou no se realizam em nosso pas.
A busca de informao, tal como tratada em nossas bibliotecas e escolas,
coloca-a como processo natural e espontneo, deixado a cargo de um pblico
que no foi ensinado a pesquisar em parte alguma, nem na escola, nem na
biblioteca, nem em casa. o reino do laisser faire, do cada um pra si, do salve-
se quem puder !
Ancorados na compreenso de que o acesso ao conhecimento um percurso
extenso e complexo, implicando competncias e atitudes socialmente
constitudas, pases com polticas educacionais que visam incluso efetiva
das massas excludas historicamente dos circuitos de produo e circulao do
conhecimento, realizam aes de educao para a informao que visam
colocar crianas e jovens em condies de produtores de conhecimento, num
mundo em que a cultura ganha contornos completamente diferenciados,
colocando em crise no apenas contedos, mas tambm formas e modos de
pensar, sentir e atuar.
Ensinar a buscar informao, a pesquisar, a desenvolver o esprito e a
autonomia investigativos so aspectos centrais includos nos programas de
educao para a informao. Tal fato decorre da compreenso de que sem tais
competncias e atitudes o sujeito no consegue apropriar-se das informaes
necessrias construo do conhecimento, nem desenvolver atitudes de
interesse em conhecer, mesmo se exposto aos diferentes produtos culturais.
Disponibilizar, oferecer simplesmente o acesso s informaes, funciona em
quadros em que o domnio dos instrumentos do conhecimento pelos sujeitos j
se efetivou. Por exemplo, em bibliotecas especializadas, ou, ento, nos casos
excepcionais que comentamos anteriormente. Sem estruturas socioculturais
que lhe d apoio, sem saber buscar informao, a maioria dos sujeitos perde-
se nas tramas do conhecimento, sem condies de apropriar-se nem da
memria, nem dos saberes de seu tempo. Est incapacitado, portanto, para
inventar e projetar o futuro.
No sem razo, desse modo, que a literatura internacional que trata da
educao para a informao volta-se com interesse crescente para a
problemtica da busca da informao. Encontra-se a, nessa dimenso prtica
e concreta, uma das chaves que definem os destinos dos sujeitos na ordem
informacional de nossa poca. Face exploso informacional, tal expropriao
tender a passar cada vez menos pela falta de acesso aos documentos para
localizar-se mais e mais na incapacidade de lidarmos com o excesso de
informaes que nos assalta e ofertada diariamente. Transformadas em
produto, estas tendem a estar cada vez mais expostas e acessveis no
mercado rentvel dos signos, oferecendo-se como bens de consumo nos
diferentes emprios culturais da contemporaneidade. Sendo assim, o
verdadeiro problema a ser enfrentado em quadros como o da biblioteca infantil
a que nos referimos inicialmente, ser o de oferecermos a crianas e jovens,
alm do acesso biblioteca, condies para a transformao de seus produtos
em bens simblicos, de seus materiais informacionais (livros, jornais, revistas,
cds, slides, dvds, cd-roms, sites) em processos de construo de significados.
Se a educao para a informao condio a novas prticas, h que se
considerar, todavia, que a questo mais complexa e que limitar-se
formao, significa localizar o problema e sua soluo apenas nos sujeitos que
buscam, sem considerar nem a ordem informacional contempornea nem a
ordem de seus dispositivos1. , portanto, transferir para a recepo um
problema que certamente a afeta, mas afeta tambm os processos de produo
e circulao cultural.
As dificuldades vividas na biblioteca levaram-me a participar de um programa
de pesquisas, na ECA-USP, voltado ao estudo das relaes entre a Informao
e a Educao, sob coordenao do Prof. Dr. Edmir Perrotti.
Tais pesquisas, ao articularem educao e ordem informacional, num mesmo e
novo campo de estudo e ao
a Infoeducao -, permitiram a reflexo e a
sistematizao de dados que sero expostos ao longo desta tese que defende
a necessidade de criao de programas voltados s aprendizagens
informacionais na atualidade, articulados reordenao dos dispositivos de
informao em Educao. A ressignificao do conceito de busca de
1 Conforme Peraya, o termo dispositivo aqui tomado em acepo especfica e ser objeto de consideraes na Parte A (item 2), em que apresentado o quadro terico desta investigao.
informao, nos termos considerados pelo cognitivismo cultural de Bruner2 - ou
seja, ato e matria cognitivos que mobilizam diferentes faculdades e dimenses
do sujeito e da sociedade - passa, ao que parece, pela articulao em questo,
j que buscar no simplesmente ato de localizao e processamento de
matria cuja dimenso simblica e destinos so indiferentes aos sujeitos e aos
contextos de que participam. , antes, movimento duplo e dinmico de
construo de identidade e de criao de significados para o mundo.
No quadro dessas pesquisas, participei, no perodo de 2002 a 2004, de um
grupo3 interdisciplinar responsvel pela criao de uma biblioteca escolar, no
municpio de So Bernardo do Campo4. Tal engajamento permitiu-me vivenciar
uma rica e diversificada experincia, relatada nesta tese, possibilitando-me
sistematizar questes que, espero, possam contribuir efetivamente para a
superao do problema que motivou este trabalho.
2 Ver a respeito BRUNER, J. Atos de significao, 1997. 3 O projeto foi criado e coordenado pelo Prof. Dr. Edmir Perrotti; a Profa. Dra. Cibele Haddad Taralli (FAU/USP) elaborou o projeto arquitetnico. O projeto do sistema documentrio e informacional foi de minha responsabilidade. 4 Ver anexo 1
Metodologia
Os objetivos desta investigao exigiram a opo pela pesquisa participante,
como mtodo de trabalho. S a atuao direta no terreno permitiria-nos
capturar o conjunto necessrio de elementos constitutivos das diferentes
instncias que atuam na problemtica de que nos ocupamos. Tal opo,
todavia, completou-se com o estudo de literatura selecionada da rea,
indispensvel ao delineamento de questes essenciais implicadas na temtica
em causa.
O trabalho desenvolveu-se, assim, a partir de:
1. Pesquisa bibliogrfica, incluindo:
a)- reviso de literatura sobre o contexto sociocultural da informao da
contemporaneidade;
b)- reviso de literatura sobre os conceitos de busca, pesquisa, dispositivos,
educao para a informao (e correlatos) como ferramentas para a anlise do
objeto em suas diferentes dimenses operacionais e terico-conceituais.
2. Pesquisa de campo
A pesquisa de campo foi desdobrada em:
a)- participao direta do pesquisador no processo de planejamento e
implantao do dispositivo;
b)- participao em atividades de formao dos educadores;
c)- participao em programa de acompanhamento aos professores e
coordenao pedaggica, por meio de reunies mensais, duante os meses de
junho de 2003 a abril de 2004, aps abertura da biblioteca.
Alm da participao direta, a pesquisa incluiu depoimentos gravados e escritos
de educadores e alunos. Os dados resultantes dessas diferentes estratgias
foram sistematizados e constituem o corpus de anlise da tese.
Organizao
Este trabalho est organizado em cinco partes: Parte A - apresenta o Quadro
referencial, tendo em vista a abordagem da problemtica da busca de
informao e do contexto sociocultural da informao; Parte B - apresenta a
pesquisa de campo, a anlise e sistematizao dos dados da investigao;
Parte C- apresenta as concluses, com os resultados educacionais da
pesquisa; Parte D - inclui a bibliografia utilizada e as referncias bibliogrficas
das fontes citadas; Parte E- rene os Anexos.
1. A busca
1.1 Dos sentidos da busca busca com sentido
De acordo com o Dicionrio Bsico da Lngua Portuguesa5, busca significa
procura com um fim de encontrar alguma coisa; investigao cuidadosa;
pesquisa; movimento ntimo para alcanar um fim. Trata-se de palavra que
implica ao externa e interna de movimento em direo a algo necessrio ou
desejado por algum, com a finalidade de responder a uma necessidade
pessoal de satisfao. O termo busca possui, assim, tanto uma dimenso fsica
quanto simblica e encontra seu correspondente no termo apropriao,
entendido como processo pelo qual nos apoderamos, para dele fazer nossa
propriedade individual, do que no pertence a ningum ou a toda gente 6, ou
seja, de transformao do que comum (a memria, o conhecimento) em algo
que seja prprio e nico, constitudo no jogo entre o particular e o universal, o
subjetivo e o objetivo.
Nesse sentido, vale a pena abordar a literatura especializada para verificar a
dimenso em que a questo vem sendo tratada, uma vez que a disseminao
do termo, promovida por seu uso freqente aps o advento da internet, alterou-
lhe o sentido, ao introduzir novas dimenses aos processos nele implicados.
Hubert Fondin7, da Universidade de Bordeaux III, considera que as
investigaes em torno da busca de informao
a recherche
documentaire so cada vez mais numerosas nas comunidades escolares em
diferentes lugares (Frana, Blgica, Quebec), uma vez que se inscrevem num
5 FERREIRA, A. B. de H. Dicionrio bsico da lngua portuguesa. p. 109 6 LALANDE, A. Vocabulrio tcnico e crtico da filosofia, p.83 7 FONDIN, H. La recherche documentaire dans les tablissements scolaires franais. Disponvel em: [http://www.ulb.ac.be/project/learnet/Coll/#Heading105] Acesso em: 25 maio 2003
http://www.ulb.ac.be/project/learnet/Coll/#Heading105]
contexto muito atual na sociedade da informao, onde todos tm necessidade
de saber encontrar informao. Porm, esta competncia documentria no
difundida. Trata-se de desenvolver, ao mesmo tempo, uma competncia tcnica
para a localizao de documentos e a habilidade de lidar com um saber, uma
informao e todos os elementos teis contidos nesses documentos. Neste
sentido, a pesquisa documentria/bibliogrfica/informacional refere-se ao
processo necessrio para encontrar suportes com contedos pertinentes (que
informam), conservados em uma memria pessoal ou coletiva (colees,
bancos, fichrios), em resposta a uma necessidade informacional expressa por
uma pessoa8.
O termo pesquisa informacional, segundo Morizio9, aplica-se tambm a
documentos, mas documentos em mutao, s formas mltiplas, que se
misturam s fronteiras entre emissor, difusor e receptor. Segundo ele, a rede
das redes Internet trouxe para os domnios pblicos e o ciberespao novo
emblema do enciclopedismo universal 10. A pesquisa documentria, acrescenta,
aplica-se a documentos estruturados, editados dentro de um circuito de
distribuio controlada por especialistas, diferindo da situao informacional
que sufoca o usurio, colocando em evidncia a necessidade de aproximar as
relaes entre acesso informao e construo de saberes.
Dentro de tal quadro, evidencia-se, portanto, a necessidade da interveno de
mediaes, tendo em vista a formao de competncias informacionais, nos
termos propostos por Perrenoud11. Buscar no um gesto simples, mera
habilidade, mas competncia, capacidade operatria complexa, que contempla,
pelo menos:
a)- identificao do tema e formulao de uma pergunta: abordagem lexical,
temtica e contextual do problema e definio do interesse do pesquisador;
b)- a busca das fontes e localizao da informao;
c)- seleo e elaborao da informao;
d)- produo/criao de novas informaes.
8 FONDIN, H. Op. Cit. 9 MORIZIO, C. La recherche dnformation. 10 Idem, ib. p.6 (Nossa traduo) 11 PERRENOUD, P. Construir as competncias desde a escola, p.7
1.2 Busca e competncia
Segundo Perrenoud, medida que as aes humanas tornam-se mais
complexas, abstratas, mediatizadas por tecnologias (e) apoiadas em modelos
sistmicos da realidade (exigem) conhecimentos aprofundados, avanados,
organizados e confiveis 12. Assim, define o conceito de competncia como
capacidade de agir eficazmente em um determinado tipo de situao, apoiado
em conhecimentos, mas sem limitar-se a eles 13. A chamada evoluo do
mundo requer uma flexibilidade e criatividade crescentes dos seres humanos,
no trabalho e na cidade. Nesta perspectiva, confere-se escola a misso
prioritria de desenvolver a inteligncia como capacidade multiforme de
adaptao s diferenas e mudanas. A inequvoca importncia da
interconexo entre conhecimentos, tendo em vista a construo e criao de
conhecimento, vem sendo abordada a partir da teoria de educao por
competncia, desenvolvida, especialmente em pases anglo-saxes (sobretudo
Inglaterra, Estados Unidos, Canad) e Frana.
As concepes que embasam a formao para o aprendizado de competncias
defendem que mais significativo ensinar a agir que simplesmente ensinar, por
isso o aprendizado de conhecimentos vem sendo substitudo pela prtica da
ao com a informao. Embora constituindo um desafio enorme, quase utopia,
os partidrios desta linha entendem que seria um caminho para sair da atual
crise educacional experimentada em diferentes partes do mundo. Em sua
perspectiva, a aposta no ensino por competncias poder atuar no sentido de
estabelecer um outro paradigma eficaz contra a crise de aprendizagem , que
atinge segmentos diversificados. O desenvolvimento de uma prtica de ensino
por competncias atuaria contra a descontextualizao do conhecimento e a
favor da participao do aluno em seu prprio processo de ensino-
aprendizagem, possibilitando-lhe, sobretudo, aprender a identificar e a
12 Idem, ib. p7 13 Idem, ib. p.7
encontrar os conhecimentos pertinentes, necessrios formulao das ligaes
que atuam nos processos de compreenso e reinveno dos fenmenos14.
Perrenoud considera que, para solucionar problemas, a mente humana faz uso
de vrios recursos complementares entre si, conhecimentos elementares e
esparsos, articulados a outros mais complexos e organizados, todos atuando a
partir de circuitos mentais em rede. Neste sentido, desvincula a noo de
competncia da idia de implementao racional e direta dos conhecimentos,
dos modelos de ao ou de procedimentos15, esclarecendo que no se trata de
desenvolver competncias na escola, mas constituir um novo programa de
conhecimento, no qual se incluem os conhecimentos disciplinares, porm
gerenciados por competncias que ponham os conhecimentos a favor do
esclarecimento de questes de interesse do sujeito.
Para Perrenoud, a articulao entre determinados tipos de conhecimentos
(declarativos, que descrevem a realidade; procedimentais ou metodolgicos;
condicionais, que determinam condies de validade dos conhecimentos
procedimentais), tal como os classifica a cincia cognitiva, adquire significado
por meio da ativao de esquemas lgicos de alta abstrao, postos em prtica
pelo sujeito no momento de solucionar determinada situao-problema16. A
formao da competncia seria, ento, resultado da execuo de aes que
mobilizam conhecimentos e outros elementos de ordem cognitiva como
atitudes e posturas mentais, curiosidade, paixo, busca de significado, desejo
de tecer laos, relao com o tempo, maneira de unir intuio e razo, cautela e
audcia 17. O processo, segundo ele, produz a formao de esquemas
mentais, a servio de uma ao eficaz. Os esquemas de mobilizao de
diversos recursos cognitivos, ao serem ativados diante de uma ao complexa,
desenvolvem-se e estabilizam-se conforme a prtica em causa e a postura
reflexiva a ela associada. A mobilizao de conhecimentos e de diferentes
elementos, tanto psicolgicos quanto socioculturais, resulta, assim, de
aprendizagens construdas em situaes de interao, aleatrias, em
14 Idem, ib., p.22 15 Idem, ib., p.8 16 Idem, ib., p.9 17 Idem, ib. p.8
diferentes graus de repetio e de variao (...) graas a um engajamento
pessoal em
seguidos intercmbios e um forte desejo de entender e fazer-
entender 18.
A formao da competncia estvel ocorre somente quando a mobilizao dos
conhecimentos aciona/transforma esquemas mentais constitudos. Para
explicar o fenmeno, o autor recorre a Piaget, segundo o qual, os esquemas
mentais so estruturas invariantes de uma operao ou de uma ao,
adquiridos pela prtica, mas tambm a partir de conceitos19. Um conjunto de
esquemas constitudos forma o habitus, que se constitui num sistema de
disposies durveis e transponveis que, integrando todas as experincias
passadas, funciona a cada momento como uma matriz de percepes,
apreciaes e aes e torna possvel a execuo de tarefas infinitamente
diferenciadas, graas s transferncias analgicas de esquemas que permitem
resolver os problemas da mesma forma 20 . Assim, uma competncia orquestra
um conjunto de esquemas e envolve diversos esquemas de percepo,
pensamento, avaliao e ao, que suportam inferncias, antecipaes,
transposies analgicas, generalizaes, apreciao de probabilidades,
estabelecimento de um diagnstico a partir de um conjunto de ndices, busca
das informaes pertinentes, tomadas de deciso.
O desenvolvimento de competncias exige recursos mobilizveis, dentre eles
informaes, saberes, acrescidos e amalgamados a outros recursos presentes
no indivduo. Este, por sua vez, tendo em vista desenvolver uma ao eficaz em
determinada situao complexa, mobiliza, relaciona, funde os recursos
disponveis em uma totalidade mais rica do que sua simples unio aditiva21.
Um dos papis fundamentais da competncia consiste em detectar analogias,
nem sempre evidentes primeira vista, superando automatismos e
desenvolvendo o uso da razo crtica, meios capazes de estabelecer ligaes
entre situaes especficas e pontuais a um conjunto lgico de anlise. As
18 Idem, ib. p.21 19 Idem, ib. p.23 20 BOURDIEU, P. Esquisse dune histoire de la pratique. Genebra : Droz, 1972, apud, PERRENOUD, P. Construir as competncias desde a escola, p.24 21 PERRENOUD, P.Op. cit. p.28
analogias resultam de uma elaborao e de uma busca, portanto, e,
principalmente, do desejo de mergulho na complexidade das questes, porque
somente em casos mais simples que as analogias se mostram
instantaneamente.
Perrenoud esclarece ainda que uma competncia se constitui a partir da
constatao da capacidade de relacionar pertinentemente conhecimentos
prvios a problemas. Este processo, desenvolvido a partir de determinado
modo de funcionamento cognitivo, implica igualmente repetio e criao de
novas solues: a competncia, ao mesmo tempo em que mobiliza a
lembrana das experincias passadas, livra-se delas para sair da repetio,
para inventar solues parcialmente originais, que respondem, na medida do
possvel, singularidade da situao presente 22. Neste ponto, o autor identifica
a importncia das informaes e conhecimentos recebidos pelos indivduos, na
escola, os contedos disciplinares e transversais, a partir dos quais as
estruturas cognitivas operam. Segundo ele, a dificuldade no est nos
contedos, uma vez serem imprescindveis s competncias, porque oferecem
e alimentam as representaes, a partir das quais os recursos cognitivos so
mobilizados. Sua crtica aos contedos, entretanto, quanto falta de
objetivao do aprendizado de contedos disciplinares, a favor de um processo
de formao que vise construir conhecimentos significativos necessrios
soluo de problemas concretos na vida, ou seja, que encontrem eco na mente
do aprendiz 23. Dado o quadro apresentado, o autor entende que preciso
investir em mtodos ativos e diferenciados, respeitando novos preceitos
educativos que considerem: incluir os conhecimentos como recursos a serem
mobilizados; trabalhar regularmente por problemas; criar ou utilizar outros
meios de ensino; negociar e conduzir projetos com os alunos; adotar um
planejamento flexvel e indicativo e improvisar; implementar e explicitar um novo
contrato didtico; praticar uma avaliao formadora em situao de trabalho;
caminhar em direo a uma menor compartimentao disciplinar 24.
22 Idem, ib. p.31 23 Idem, ib. p.45 24 Idem, ib. p.53
Considerando tais critrios, Perrenoud entende ser possvel superar o
paradigma de formao como transmisso e transferncia de conhecimentos
que visam ao desenvolvimento de algumas capacidades intelectuais gerais e a
aprendizagem como exerccio repetitivo para consolidao de conhecimentos.
Esta tendncia de trabalhar para a formao geral, separada e abstrata, com
capacidades descontextualizadas como saber comunicar, raciocinar,
argumentar, negociar, organizar, aprender, procurar informaes, conduzir uma
observao, construir uma estratgia, tomar ou justificar uma deciso deveria
ser substituda, conforme Perrenoud, por um outro enfoque, no-quantificvel,
ou seja, de vinculao com o conhecimento, sob a perspectiva de
comportamento e atitude de vida: um novo habitus indispensvel
sobrevivncia da espcie humana. Tal processo, entretanto, demanda uma
outra natureza de relaes dos educadores com o conhecimento e com o
saber, bem como do seu ofcio de dar aula , da reviso do papel e
competncias profissionais, de identidade do professor.
As articulaes entre processos cognitivos e conhecimento, formuladas por
Perrenoud indicam que o resultado da aplicao do ensino por competncia
no s tem em vista a substituio do paradigma de transmisso de contedos
entre professor-aluno, mas a implantao de um novo mtodo capaz de atuar
sobre os processos de apropriao do conhecimento, na medida que coloca em
jogo o indivduo em toda sua complexidade em relao direta com o universo
cultural dos meios com que convive.
O conceito de ensino por competncia emerge da crtica ineficcia, portanto,
das formas e das dificuldades de aprendizado diante do desinteresse do aluno
pela memria social registrada, embora no objetivamente considerado pelo
autor, tendo-se estabelecido como referncia em diferentes pases de lngua
francesa e anglo-saxnica, do ensino fundamental ao ensino mdio, no mbito
dos currculos de educao geral, profissionalizante e aprendizado dos saberes
elementares como ler, escrever.25
25 PERRENOUD, P. Op. cit p.12
A educao por competncia, de que trata Perrenoud, tem correlao com a
educao para a informao (information literacy ou ducation a linformation),
que surgiu a partir do final da dcada de 1980, sobretudo na Inglaterra, Frana,
Estados Unidos e Canad.
A American Library Association (ALA), por meio do Comit Presidencial de
Educao para a Informao, apresentou Relatrio Final, em 1989, no qual
estabeleceram-se alguns conceitos relacionados problemtica da informao
na atualidade, com vistas a orientar novos paradigmas em educao. O
relatrio indicava que todo ser humano pensante precisa ser ensinado a lidar
com informao, sendo necessrio desenvolver nos alunos the skills to be able
to locate, evaluate, and effectively use information for any given need"26. A
capacidade de lidar com a informao, acrescentava o relatrio, no deveria
restringir-se unicamente palavra impressa, devendo incluir a competncia
para o uso da informao visual, computacional, das mdias em geral, de redes,
alm das competncias bsicas. Em razo disso, o conceito de information
literacy 27 faz parte de um campo conceitual mais amplo, incluindo outros
conceitos28, como information competence, media literacy, computer literacy,
visual literacy, lifelong learning, resource-based learning.
Tais referenciais constituram parmetros29 que identificam as competncias
necessrias para a information literacy , reunidas em trs grandes blocos:
26 Ver documento Disponvel em:[http:// www. ala.org/.../ACRL/Publications/White_Papers_and_Reports/ Presidential_Committee_on_Information_Literacy.htm] Acesso em 1 jul. 2003 27 WORK GROUP ON INFORMATION COMPETENCE. Commission on Learning Resources and Instructional Technology (CLRIT), California State University (CSU) system. Information Competence in the CSU: A Report. Dec. 1995.Disponvel em [http://www.csupomona.edu/~library/InfoComp/definition.html] Acesso em 1 jul. 2003 28 information competence: the ability to find, evaluate, use, and communicate information in all of its various formats the fusing or the integration of library literacy, computer literacy, media literacy, technological literacy, ethics, critical thinking, and communication skills media literacy the ability to decode, analyze, evaluate, and produce communication in a variety of forms computer literacy the ability to use a computer and its software to accomplish practical tasks" ( )"the regular use of a major microcomputer application, such as word processing visual literacy the ability, through knowledge of the basic visual elements, to understand the meaning and components of the image lifelong learning ...the deliberate and intentional efforts of learners themselves, consciously planned, self-managed, and generally in proportion to their motivation, their ability and the opportunities available to them ... [that is] deliberate self-directed learning resource-based learning the achievement of both subject and information literacy objectives through exposure to and practise with diverse resources. 29MORIZIO, C. Op. cit. p.93-4
http://www.csupomona.edu/~library/InfoComp/definition.html]
a)- saber acessar a informao com eficcia e pertinncia, incluindo o
reconhecimento da necessidade de informao, o reconhecimento de que uma
informao adequada e exaustiva permite tomar boas decises, o saber
formular perguntas que traduzem a necessidade pessoal de informao, a
identificao da diversidade de fontes informacionais potenciais e o saber
desenvolver estratgias de busca eficazes para localizar a informao;
b)- capacidade crtica em relao informao, incluindo saber determinar o
nvel de adequao, pertinncia e exaustividade da informao, distinguir entre
dados fatuais e pontos de vista, saber identificar informao inadequada ou
errnea e saber selecionar a informao adequada para responder
necessidade de informao demandada;
c)- capacidade de uso pertinente e criativo da informao, especialmente a
capacidade de organizao da informao para uma aplicao concreta, o
saber integrar uma nova informao ao conjunto de conhecimentos pr-
existentes, utilizar a informao para resolver problemas ou discutir questes e,
finalmente, publicar os conhecimentos, produzindo e comunicando uma
informao e idias sob uma forma adequada.
Por sua vez, A IFLA
International Federation of Library Information and
Institutions - estabeleceu para sua Seo Information Literacy, no binio 2001-
2002, dar enfoque a todos os aspectos da information literacy, incluindo
educao de usurios, ensino de biblioteca, ensino bibliogrfico. Do ponto de
vista de prioridades profissionais, prope a promoo da alfabetizao e leitura,
desenvolvimento de profissionais de bibliotecas; promoo de padres,
orientao e melhoria das prticas30. Seu enfoque muito mais quantitativo,
com ampliao de aes que do suporte implementao da leitura, porm de
carter mais amplo.
Nos Estados Unidos, M. Eisenberg e R. Berkowitz (The Information School
University of Washington) desenvolveram um programa denominado The Big
30 Cf. documento IFLA disponvel em[http:// www.ifla.org/VII/s42/sil.htm] Acesso em 1 jul 2003
http://www.ifla.org/VII/s42/sil.htm]
Six Skills (As seis grandes habilidades)31, que inclui um programa, a definio
de um processo aplicado resoluo de problemas de informao e um
conjunto de habilidades a serem desenvolvidas pelos alunos para a efetivao
da busca e atendimento s necessidades informacionais. Voltado, sobretudo,
para alunos do ensino secundrio e superior, esse programa pode ser usado
sempre que os alunos estiverem numa situao, de estudo ou pessoal, em que
for necessrio resolver um problema, tomar deciso ou realizar uma tarefa .
The Big 6 (como tratado o programa) prope seis reas bsicas, necessrias
ao desenvolvimento das competncias informacionais:
a)- definio da tarefa (problema e necessidade de informao);
b)- estabelecimento de estratgias de pesquisa de informao (determinao
de fontes potenciais e seleo das melhores fontes);
c)- localizao e acesso (localizao das fontes e descoberta da informao);
d)- uso da informao (tomada de conhecimento da informao pela leitura e
escuta e extrao da informao);
e)- sntese (organizao e apresentao da informao);
f)- avaliao (apreciao da produo final e do processo da pesquisa de
informao)32.
O BIG6 estabelece estratgias de pesquisa, incluindo todas as etapas desde a
definio de um tema de interesse produo de um trabalho escolar. Inclui
estratgias de busca, cujo objetivo tentar que o aluno procure descobrir uma
relao entre o que foi pedido pelo professor e algo de seu universo referencial.
Para que o trabalho no se torne mera reproduo dos fatos, o programa
orienta que o aluno deve aprender a desenvolver uma questo essencial a ser
pesquisada. Se as anotaes estiverem correta e suficientemente escritas, os
autores consideram que a tarefa essencial ser redigir e processar crtica e
criativamente a informao encontrada.
31 QUS4PER: Self Questioning Model for Resource Based Learning. Disponvel em [http://www.adelaidehs.sa.edu.au/rblweb/rblsue.html] Acesso em 1 jul 2003. O termo habilidade corresponde aqui s competncias na acepo de Perrenoud. 32 MORIZIO, C. Op.cit. p.72
http://www.adelaidehs.sa.edu.au/rblweb/rblsue.html]
Para a realizao das tarefas em cada etapa, BIG6 apresenta um extenso,
complexo e trabalhoso roteiro a ser preenchido pelo aluno-pesquisador no
desenvolvimento de seu trabalho.33
Um outro programa em vigncia tambm nos Estados Unidos o de Caroline
Kulthau, cujos pontos principais: preparao para a ao, escolha de um objeto
de pesquisa, explorao preliminar, formulao de objetivos, coleta,
apresentao e avaliao do resultado e do processo, incorporam categorias
afetivas do processo de aprendizagem, em especial a incerteza e apreenso
prprios da relao com o novo , com a informao, com o desconhecido.
Segundo as orientaes estabelecidas neste modelo, aparecero sentimentos
de ansiedade, dvida, de consolo e de confiana, inerentes prtica de
pesquisa informacional, gerando mudanas no sujeito, tanto de ordem
emocional quanto de carter cognitivo34.
Um dos trabalhos mais completos encontrados, dentro do quadro de orientao
ao uso da informao para projetos de pesquisa com alunos, desenvolvido
pela EBSI (cole de Bibliotheconomie et Sciences de Information), de Montreal.
Disponvel na web, concebido por Guertin e sob a superviso geral de Paulette
Bernhard35, coloca em rede informaes sobre concepes, procedimentos,
processos e tcnicas necessrios explorao dos recursos da biblioteca e da
internet. Apresenta etapas do trabalho de pesquisa informacional, remetendo,
por meio de links, aos objetivos e requisitos ao desenvolvimento de cada
atividade. A partir das etapas abaixo, uma srie de outras informaes
interligadas oferecem um plano de todo circuito de informaes a que o
interessado tem acesso:
Etapa 1: Compreenso do assunto
Etapa 2: Pesquisa de informao
Etapa 3: Seleo dos documentos
Etapa 4: Seleo da informao
33 Ver anexo 2 34 MORIZIO, C. Op. cit. p.73 35 Pginas do site, com traduo nossa, esto no Anexo 2.
Etapa 5: Tratamento da informao
Etapa 6: Comunicao da informao
Na Frana, a idia da educao (ou formao) para a informao se
desenvolve paralelamente ao crescimento das concepes de prticas de
trabalho autnomo, do controle permanente dos conhecimentos e dos savoir-
faire. O objetivo, no quadro francs, sobretudo, o desenvolvimento de prticas
de formao eficazes, acompanhadas de mecanismos de avaliao.
A FADBEN - Fdration des enseignants documentalistes de l Education
nationale - realizou trabalho detalhado, incluindo capacidades especficas,
dedicadas ao atendimento a alunos do ensino secundrio francs. O quadro,
tambm apresentado por Morizio36, indica sete blocos de operaes, cujo
domnio revelam a competncia de informar-se e informar. O processo inicia-se
com:
a)- saber elaborar um projeto, incluindo a definio do objetivo de pesquisa e
tarefa, a elaborao do cenrio da pesquisa e a determinao dos passos da
aprendizagem;
b)- questionar, incluindo o saber mobilizar as idias e os conhecimentos para
fazer a investigao do objeto de estudo, enunciar uma lista de perguntas
acerca do objeto, agrup-las por temas, enunciar, listar e agrupar os conceitos,
estabelecer um campo semntico relativo ao assunto, ligar campos de
conhecimento relacionados, formular hipteses, colocar em relao os recursos
informacionais e o tema da pesquisa;
c)-identificar os recursos, em especial saber identificar as fontes informacionais,
orientar-se nos ambientes informacionais, orientar-se nos sistemas de
informao, saber distinguir os documentos de acordo com sua natureza e
especificidade do suporte e conhecer a estrutura dos diferentes tipos de
documentos;
d)- saber recuperar dados, especificamente saber interrogar uma base de
dados e/ou saber acessar diretamente as fontes informacionais, saber
36 MORIZIO, C. Op. Cit., p.95-6
selecionar as referncias obtidas em funo de critrios de atualidade,
procedncia, pertinncia, produo esperada, pluralidade de informaes;
e)- ter capacidade de leitura e escrita de informaes, em termos de saber
reconhecer e apropriar-se do contedo dos dados; saber recuperar e selecionar
dados; tratar os dados e apropriar-se da informao; saber apreender a
subjetividade da informao; saber tomar notas a partir de documentos de
todas as naturezas, saber passar de um cdigo a outro;
f)- saber produzir e comunicar implica saber identificar e caracterizar os
diferentes modos de comunicar uma informao, saber escolher um modo de
produo conforme o contexto comunicacional desejado, saber definir critrios
para realizar uma produo e saber comunicar a produo;
g)- saber avaliar, especificamente, saber realizar uma auto-avaliao da prpria
produo, como tambm da produo dos demais, saber avaliar o processo em
termos da estratgia de pesquisa, saber avaliar os resultados em termos das
dificuldades e conquistas, saber colocar em questo a representao inicial
mobilizadora da pesquisa.
No contexto de programas visando as aprendizagens informacionais em
bibliotecas escolares, M. Butlen, M. Couet e L. Dessailly publicaram no Savoir
lire avec les bibliothques centres documentaires (1996), editado pelo CRDP
Acadmie de Crteil, um estudo reunindo diversos trabalhos voltados
problemtica do desenvolvimento de competncias desejveis e indispensveis
aos jovens leitores do sculo XXI e descrio das funes das Bibliotecas
escolares para crianas e jovens a partir das questes que envolvem a leitura e
as novas formas de ler na atualidade. A publicao apresenta e discute
questes envolvendo, portanto, biblioteca, leitura e competncias
informacionais, agregando contribuies da produo canadense, cujas
preocupaes afinam-se fortemente ao paradigma francs.
Um quadro37, includo no trabalho por Butlen et alii, denominado Apprendre
sinformer, demonstra o nvel de especificidade que as prticas informacionais
37 O quadro, produzido por Luce Marquis, Qubec, encontra-se no Anexo 1. A traduo do texto de nossa autoria e, por escapar ao nosso interesse nesse momento, no inclumos a tabela constante do quadro original, referente aos nveis escolares mais propcios para o incio e reforo dessas aprendizagens, uma
devem alcanar, tendo em vista o objetivo de desenvolver as habilidades
informacionais nos alunos, entre 6 a 12 anos de idade.
A problemtica da educao para a informao ainda nova nos circuitos
acadmicos nacionais. Em levantamento efetuado na rede USP, foi encontrada
apenas uma dissertao de mestrado38 , tratando especificamente da temtica.
Neste trabalho, basicamente elaborado a partir da discusso da literatura em
lngua inglesa, so ressaltadas a problemtica da avalanche informacional
contempornea e a urgente necessidade de transformar o papel das bibliotecas
e bibliotecrios, na perspectiva do desenvolvimento de um novo paradigma
para a formao e educao de alunos e forma ttica para lidar com os dados
em circulao. Os objetivos do trabalho visam, sobretudo, levantar e
sistematizar a literatura sobre o tema e sensibilizar para o conjunto de novas
necessidades que tanto as instituies de informao e educao, quanto seus
profissionais precisam suprir face problemtica informacional contempornea.
No entanto, a expresso busca, ou mais comumente a busca de informao ,
pesquisa , dentro do quadro geral da literatura da rea, est referida,
sobretudo, apenas a procedimentos de identificao, localizao,
processamento e comunicao de informaes, tendo em vista o estudo ou a
tomada de deciso sobre algum problema, previamente identificado e definido
pelo interessado. A busca, nesta perspectiva, constitui-se, ento, simplesmente
em etapa da pesquisa documentria ou informacional que se segue
formulao do questionamento pelo pesquisador. Nesse sentido, a realizao
da busca pressupe uma srie de passos articulados e organizados e o
domnio de ferramentas indispensveis ao aceso das informaes
armazenadas nos dispositivos especializados, como condio necessria
obteno de resultados satisfatrios. Na prtica, ela implica atividades de
identificao das fontes locais ou distncia, domnio das estruturas e
ferramentas para o dilogo com elas. Objetivamente, na prtica informacional, a
busca refere-se :
vez que seria essencial um estudo rigoroso para a definio de correspondncias em relao aos parmetros brasileiros. 38 DUDZIAK, E.A. A Information Literacy e o papel educacional das bibliotecas. So Paulo, 2001 (Dissertao de mestrado apresentada ECA/USP)
1. localizao dos recursos informacionais, nos quais est armazenada a
memria social: fontes locais, sob diferentes suportes (impressos,
audiovisuais e multimdia); fontes eletrnicas remotas na web; fontes
orais vivas (humanas). A busca em cada natureza de recurso implica o
domnio de competncias especficas, tanto de ordem tcnica, quanto
relacional e cognitiva, sem perder de vista a problemtica dos
dispositivos informacionais j levantada.
2. localizao das informaes no interior da fonte informacional:
reconhecimento de sua estrutura, lgica de organizao, linguagens e
interaes especficas.
No mundo contemporneo, diante da avalanche de informaes, chegar s
fontes , todavia, um complexo percurso que implica:
3. reconhecer a existncia de um dispositivo capaz de fornecer o que se
deseja;
4. poder acessar e saber articular-se no interior do dispositivo, familiarizar-
se com ele;
5. dominar o funcionamento das ferramentas nas quais a informao est
guardada;
6. saber como perguntar ao dispositivo;
7. saber ler a resposta;
8. saber combinar perguntas e respostas para continuar o percurso no
dispositivo at atingir o objetivo almejado.
Alm disso, dentro do quadro de nossa investigao, em que colocamos em
foco a problemtica da construo de conhecimentos e de criao de
significados, a busca de informao no se restringe simplesmente aos
processos indicados, mas apresenta uma dimenso operatria complexa,
constituda tanto de aspectos prticos como subjetivos e culturais. Para a
apropriao das representaes, no basta somente atuar. preciso, tambm,
saber, querer, poder. Dado o contexto informacional vigente, poder apropriar-se
implica competncia de busca dos e nos dispositivos e formao de atitudes
que levem o sujeito a lanar-se de modo ativo sobre o conhecimento. Dentre
essas competncias identificamos: domnio de ferramentas tcnicas e
tecnolgicas; capacidades cognitivas compatveis com a natureza das relaes
materiais e simblicas em articulao nos dispositivos; domnio de linguagem;
comportamentos e atitudes de recepo interessada e ativa, iniciativa e
capacidade de julgar e tomar decises apropriadas com o fim desejado.
A construo do conhecimento, finalidade ltima do processo de busca de
informao, implica, citando Burke39, a participao do sujeito no processo de
transformao do que relativamente `cru naquilo que foi `cozido,
processado ou sistematizado pelo pensamento . O conhecimento resulta da
capacidade de realizar atos, tais como perceber, lembrar, imaginar, falar, refletir
e pensar a partir de contedos concretos e, ao mesmo tempo, estabelecendo
vinculaes de sentido entre eles e a realidade, mantendo relaes
indissociveis e permanentes entre conhecer e agir.
Conforme alerta Hannah Arendt: o fio da tradio est rompido, e temos de
descobrir o passado por ns mesmos
isto , ler seus autores como se
ningum os houvesse jamais lido antes 40. Nesta perspectiva, a busca e a
pesquisa transformam-se em instrumentos indispensveis que se desenvolvem
no sentido de recompor o quadro de relao com a memria social, uma vez
que os circuitos de transmisso alteraram-se e no h como reestabelecer os
nexos, as interaes, o dilogo com o patrimnio acumulado, seno pela
procura de significados, juntando informaes e conhecimentos na tentativa de
compreender e dar sentido existncia. O que buscar, como buscar, por que
buscar so interrogaes necessrias em nosso tempo, marcado pela
mobilidade e instabilidade das rpidas mudanas que a circulao planetria
das informaes faz gerar. Uma verdade, reconhecida universalmente, pode vir
por terra em frao de segundos por meio de uma informao emitida a
milhares de quilmetros de distncia, a bilhes de pessoas simultaneamente. O
mundo gira em torno desta natureza de sociabilidade globalizada. As distines
entre o certo ou o errado, o verdadeiro ou o falso, no mais so referncias
herdadas por transmisso de valores passados de gerao a gerao, mas
refeitas permanentemente no fluxo cotidiano de interaes de todas as ordens.
39 BURKE, P. Uma histria social do conhecimento: de Gutenberg a Diderot, p.19 40 ARENDT, H. A crise na cultura: sua importncia social e poltica. In: ______. Entre o passado e o futuro, p.257
Se a busca sempre foi condio de sobrevivncia, como instrumento
descoberta das coisas necessrias satisfao de necessidades humanas
mais imediatas, como alimentar-se e procriar, hoje ela assume contornos que
parecem escapar ao mbito da natureza. As novas condies de
desenvolvimento, contudo, no eliminaram a luta pela sobrevivncia, apenas a
deslocaram.
A mitologia nos ensina a importncia da busca para a construo dos sujeitos.
Contam as histrias que o heri se constitui sempre a partir de uma busca que
ele empreende no intuito de encontrar a soluo para algum problema, que no
seu somente, mas de seu grupo. Para enfrentar o desafio, preparado
recebendo instrues de pessoas experientes ou de entidades mgicas que o
alertam e o orientam sobre os perigos de seu trabalho; de sua parte, o heri
vasculha, dentre seus pares, buscando quem possa ensinar-lhe algo novo, uma
habilidade especial; observa como se comportam os melhores, os mais hbeis
e inteligentes de seu grupo; mantm guardado um segredo ou talism para
ajud-lo em momento crtico; reflete muito; imagina sadas ou solues
mirabolantes; concentra-se; desconfia das possibilidades ilimitadas de suas
faculdades/capacidades; treina e confere tudo o que sabe e que tem
acumulado. Depois sai e pe em prtica o que aprendeu para enfrentar os
perigos. Seu percurso marcado por inmeros percalos que vo sendo
vencidos, ou parcialmente perdidos, at a concluso de sua tarefa. Ao trmino
da saga, retorna finalmente transformado pelo processo que o faz detentor de
um conhecimento, um saber que to somente ele possuidor, mas que
compartilha com os seus ao voltar. A luta com o desconhecido tratada como
um momento de intensa produo, quando os sentidos, a cognio, o
raciocnio, a imaginao, os afetos, as destrezas fsicas so postas em
funcionamento para enfrentar e chegar ao alvo desejado. A busca , portanto,
um procedimento fundamental do conhecimento em todas as suas dimenses,
propiciando a apropriao do mundo e seus segredos pelo heri, bem como a
constituio do heri como sujeito nico e singular. O eu e o mundo se integram
na e pela busca.
Pela metfora do mito somos ajudados a compreender que busca de
informao em educao deve opor-se ao automatismo dos comportamentos
prprios de um mundo anestesiado pela velocidade, imediatismo, excesso de
informao, devendo ser tomada em dimenso que transcende a natureza
instrumental e pragmtica do acesso a registros. Neste sentido, estamos
entendendo que ela possa constituir-se em recurso que permite localizar e
apropriar-se de contedos necessrios realizao de trabalhos, ao mesmo
tempo que promove a formao de vnculos ativos e positivos do aluno face ao
conhecimento, memria social, num movimento de atuao no mundo e na
cultura, paralelo constituio de sua identidade.
1.3 Busca e significado: os limites da busca competente
A anlise da literatura sobre os programas que tratam da educao para a
informao enfatizam, de um lado, a necessidade do aprendizado ativo e
autnomo, com nfase sobre o pensamento crtico, o aprender a aprender e o
aprendizado permanente e, de outro, a importncia do processo de
pesquisa/busca/investigao, cruzando orientaes de cunho prtico, sobre
procedimentos e tcnicas de trabalho pedaggico com a informao. Tais
estudos consideram que se trata de um processo, a ser ensinado no contexto
geral de todo processo educativo, devendo a formao das competncias ser
integrada ao currculo, porm reforada dentro e fora da formao
escolar/educacional. Todavia, a educao para a informao enfatiza
sobremaneira a importncia do domnio e desenvolvimento de operaes para
o uso da informao e de seus dispositivos, tendo em vista a otimizao do uso
dos recursos informacionais disponveis.
Por outro lado, a emergncia desta rea no mbito mundial deve-se, entre
outras razes, aparente falta de sentido para as aplicaes da memria social
e do conhecimento no mbito do cotidiano da vida das novas geraes. Tal
fenmeno gerou uma crise que tanto se reflete na falta de rumos gerais e que
se revela no microcosmos da biblioteca... Ser competente razo suficiente
para enfrentar a crise do conhecimento em nossa poca, quando ele parece
no fazer sentido, quando a tecnologia parece resolver tudo? Nesse contexto,
qual o significado do esforo de ler os autores por ns mesmos , de buscar os
elos rompidos com a tradio? (Arendt). Neste aspecto, restringir-se na
educao para a informao, ao enfoque exclusivo das competncias, poder
significar o abandono da interrogao sobre o sentido da informao, os
significados sociais e pessoais do conhecimento, inclusive enquanto condio
ao desenvolvimento das prprias competncias. Na concepo de Perrenoud,
por exemplo, ensinar a ser competente passa a se constituir em finalidade da
educao. Desse modo, o conhecimento acumulado, ou a ser construdo,
parece ser tratado quase como acidente no processo educativo. O ato de
conhecer, no paradigma da competncia (ao para resolver um problema
concreto), enseja, sem dvida, a noo de processo, articulao fundamental
idia de construo de conhecimento. Entretanto, a nfase na competncia
acaba entrando em competio com o objeto a ser conhecido, esvaziando o
sentido das vinculaes necessrias que a educao deve objetivar com sua
matria
o conhecimento -, fonte a partir da qual os sujeitos devem ser
convidados a buscar caminhos de reinveno da vida. Vincular a relao de
conhecimento prtica pedaggica para a soluo de problemas, sem
articulaes objetivas e explcitas quanto ao valor e significado das questes,
sem sua contextualizao, reduz, instrumentaliza a noo de competncia,
indispensvel atuao nos dispositivos, tornando-a mero mecanismo, conduta
formalista.
Sob certa perspectiva, ao se ler a literatura especializada, tem-se a dimenso
dos esforos e prticas no sentido de ensinar a usar o dispositivo, por meio de
atividades que colocam o aluno em relao com o ambiente, as linguagens, as
tcnicas, os recursos, num processo permanente de produo e reelaborao
de informaes, em permanente avaliao. Contudo, da literatura, depreendem-
se aspectos que se aproximam de aes muito prximas s concepes das
prticas ligadas educao de usurios, em voga no discurso biblioteconmico,
especialmente nos anos 80, definidas enquanto atividades envolvendo o
ensino do usurio acerca dos modos sobre como melhor usar os recursos,
servios e facilidades da biblioteca, incluindo instrues formais e no-formais
por parte do bibliotecrio ou demais funcionrios, individualmente ou em grupos
(...) incluindo tambm orientao on line, materiais audiovisuais, guias
impressos, dentre outros 41.
Se a literatura especializada que trata da educao para a informao supera a
viso instrucional da educao do usurio, insistindo corretamente no papel
essencial de programas educacionais de desenvolvimento de competncias
informacionais, de forma orgnica e sistemtica, por meio de processos formais
de ensino-aprendizagem, abstrai contudo os quadros socioculturais em que tais
processos ocorrem. Desse modo, exceo do enfoque dado por Butlen,
Couet e Dessailly, os dispositivos aparecem como instrumentos neutros, pano
de fundo, circunstncia factual. Subtrai-se, com isso, a problemtica dos
dispositivos, sua ordem e aes, sua condio de signo. Em decorrncia, o
modo como so concebidos, organizados, suas formas de atuao no so
postos em questo, enquanto instncias de significao que atuam na ordem
do conhecimento.
, pois, nessa perspectiva crtica que a Infoeducao, tal qual vem sendo
tratada no grupo coordenado pelo Prof. Perrotti, distingue-se das linhas
epistemolgicas referenciadas, aproximando-se das propostas defendidas por
Butlen et alii, na medida em que articula os quadros educativos aos contextos
informacionais, constituindo, assim, o campo referido da Infoeducao, de
natureza tanto terica como prtica, voltado ao estudo das relaes cada vez
mais complexas entre informao e educao.
41 REITZ, J.M. ODLIS: Online Dictionary of Library and Information Science. Western Connecticut State University. Disponvel em: [http://www.wcsu.edu/library/odlis.html] Acesso em: 25 out. 2003.
http://www.wcsu.edu/library/odlis.html]
2. A informao
2.1 Um novo contexto sociocultural
O novo e inusitado quadro planetrio de produo, circulao e recepo da
informao, definido como sociedade da informao ou do conhecimento ,
era da informao (Castells), cibercultura (Lvy) , ou, ainda, cibermundo
(Virilio), recoloca questes de todas as ordens, envolvendo o conhecimento e a
cultura.
Marcada pela presena macia das tecnologias da informao, das
organizaes que veiculam e distribuem em escala planetria e em tempo real
informaes de todos os tipos e naturezas, em quantidades avassaladoras, a
nova era muda radicalmente representaes de mundo, de tempo, de espao,
as sociabilidades, modos de produzir, distribuir, receber e participar da cultura.
Nessas circunstncias, os modos de apropriao do conhecimento e de
construo de sentidos so afetados diretamente pelos novos contextos
socioculturais, obrigando-nos a repensar os processos a implicados. Assim,
uma marca distintiva importante da nova era a acelerao42. Estamos
submetidos a um bombardeio cada vez mais impressionante de novas
informaes, sem tempo para seu processamento e insero em quadros
referenciais, que lhes dem significado43. A ruminao , enquanto estratgia
intelectual, perde, por exemplo, espao para formas mais eficazes de produo
de conhecimento. Da mesma forma, as memrias e saberes locais acham-se
42 VIRILIO, P. Velocidade e poltica, 1996. 43 BOSI, A. Consideraes sobre tempo e informao. Disponvel em: [http://www.cidade.usp.br.arquivo/artigos/index0401.php] Acesso em: 25 mar. 2003.
http://www.cidade.usp.br.arquivo/artigos/index0401.php]
em crise, face s memrias mediatizadas e mediatizveis, em escala universal.
Se o local apareceu freqentemente como categoria forte e definidora face ao
universal, na nova condio as posies se invertem, quando no, se
aniquilam. Vivemos um tempo maniquesta de globalizao desenraizada ou de
localismo impermevel, situao que afeta no s a geopoltica internacional,
mas tambm processos de apropriao do conhecimento e da construo das
significaes.
Apesar de preocupante, no causa estranheza, portanto, estudantes
encontrarem-se deriva em nossas bibliotecas. Tanto estas como eles
protagonizam essa crise que a contemporaneidade imps a relaes
tradicionais entre informao e cultura, deixando-nos em estado de
perplexidade, quando no atnitos e imobilizados.
No novo contexto, as formas de transmisso direta de informao concorrem,
cada vez mais, com formas indiretas, mediadas por instncias de naturezas e
dinmicas diversificadas, definidas por estudiosos da nova cultura como
dispositivos44, qualificao que indicaria a existncia de uma nova e atuante
fonte de produo de significao e de conhecimento, em nosso mundo, de tal
ordem surpreendente e singular que, segundo Peraya, do ponto de vista
epistemolgico, torna-se extremamente necessrio, na poca atual, distinguir
mediao e mediatizao , j que o primeiro termo coloca em pauta instncias
semiticas e relacionais, enquanto o segundo acrescenta a estas a instncia
tecnolgica que marca a contemporaneidade.
Torna-se necessrio, assim, precisar aqui tal questo, uma vez que o conceito
de dispositivo (informacional) parece-nos essencial compreenso, no mundo
atual, da problemtica da informao e de sua busca.
44 PERAYA, D. Mdiation et mdiatisation: le campus virtuel. Herms. Disponvel em[http://www.wolton.cnrs.fr/hermes/b_25fr_sommaire.htm] Acesso em: 14 jun. 2003.
http://www.wolton.cnrs.fr/hermes/b_25fr_sommaire.htm]
2.2 A informao e os dispositivos: mediao e mediatizao
Plato45, no dilogo Fedro, alertava para conseqncias polticas provocadas
pelo advento da escrita, uma vez que este procedimento, ao separar o
enunciador do enunciatrio, separa tambm o enunciado do quadro da
enunciao, conferindo-lhes autonomia e colocando em risco os destinos da
Repblica. Liberados da presena do outro, enunciador e enunciatrio estariam
impossibilitados de ajustar o enunciado, que lhes escapa, s condies da
emisso e da recepo, lanando as relaes criadores/criao num verdadeiro
impasse.
Os destinos das significaes, nesta nova situao, sairiam do mbito do
dilogo para se situarem na relao dos sujeitos com os textos, os artefatos, os
objetos. No seria mais a relao direta entre os cidados que definiria a
construo, a circulao e a recepo dos discursos e das significaes, mas a
relao com um suporte material, erigido em objeto portador-produtor de
sentidos. Face a isso, Plato apontava para um fenmeno que o
desenvolvimento da tcnica s realou: os objetos semiticos, com o avano da
tcnica, passam a ter papel cada vez mais central no quadro geral da
construo das significaes, alterando nossas relaes com o conhecimento, a
cultura e conosco mesmo.
Desse modo, ao se oferecer, por exemplo, um livro de histrias a uma criana,
no se oferece apenas um conto de fadas; junto, ofertado todo um quadro de
valores, de representaes, de contedos culturais que historicamente se
agregaram ao objeto livro. Tal objeto atua, portanto, na relao com a magia
dos contos, tornando-se um elemento da significao. Genette46 referiu-se ao
paratexto, conjunto de signos inscritos nos livros pelo circuito editorial.
Escarpit47 foi, talvez, mais longe ao distinguir o ato de ler do gesto de ler .
45 PLATO. Dilogos. 46 GENETTE, G. Nouveau discours du recit. 47 ESCARPIT, R. Hbitos de leitura. In: BARKER, R., ESCARPIT, R. A fome de ler, p. 115-147.
Para ele, na contemporaneidade, o ato no est inscrito na ordem social
somente por se tratar de um fenmeno de natureza lingstico-comunicacional;
alm disso, ele insere-se num contexto de produo e circulao de discursos
que implica diferentes aspectos da realidade, em especial os tecnolgicos.
Assim, o desenvolvimento da tecnologia, que permitiu o aparecimento do livro
de bolso, alterou de tal modo a produo, a circulao e a recepo da escrita
que esta pde, em pases do hemisfrio norte, se disseminar em propores
antes inexistentes, produzindo a revoluo do livro 48.
O aparecimento de tcnicas e tecnologias de registro, como a escrita e a
imprensa, por exemplo, alteraram, no s a memria enquanto matria, mas a
natureza, propriedade e caractersticas dos processos de sua transmisso e
troca entre as pessoas. A inveno de suportes de inscrio das
representaes, concedendo-lhes possibilidades de circulao para alm do
mbito imediato dos produtores, instituiu um novo paradigma de mediao, no
mais exclusivamente natural, dependente do aparato biolgico dos sujeitos. O
corpo, como instrumento de transferncia e recepo de signos ganhou
extenso, prolongamentos que os meios tcnicos de registro propiciam. No
quadro da produo-recepo da memria e do conhecimento, aps, por
exemplo, a inveno por Gutenberg do revolucionrio mecanismo de
reproduo, possibilitado pela criao de tipos mveis, a viso (e depois o tato,
com o sistema Braille) e o pensamento tiveram que adequar-se s novas
formas de produo e circulao da memria, em especial o livro. Voz e escuta
ganharam aliados dentro da nova ordem de acesso e comunicao cultural, que
ampliou a autonomia da escrita em relao ao contexto que a produziu.
Incorporando tais fenmenos, a mediao da informao, na
contemporaneidade, passa por processos to revolucionrios quanto aqueles
originados pelo advento das antigas tecnologias de registro e circulao, no
apenas com intensidade certamente mais contundente, em razo da natureza e
da abrangncia que as tecnologias eletrnicas permitiram, (sobretudo depois da
48 ESCARPIT, R. La rvolution du livre.
Segunda Guerra), mas tambm face s estruturas e circuitos pelos quais a
informao passa a ser organizada e mediada.
O advento das novas tecnologias eletrnicas de comunicao vem associado
ao da modernizao da sociedade contempornea do ps-guerra de 1945, com
interferncias sobre os modos de relao sociocultural, econmica e poltica,
em especial o crescimento do controle do mercado e do Estado sobre a vida da
cidade e dos cidados. O novo quadro de desenvolvimento de tecnologias,
portanto, no significa to somente a concorrncia de novos meios de
transporte de informao distncia. Trata-se do estabelecimento de uma nova
ordem histrica mundial, de novas concepes, modos e recursos de
configurao da sociedade e da informao, transformada em produto no
mercado internacional, ou em armas ideolgicas dos Estados. Mediatizada por
meio das novas tcnicas e tecnologias eletrnicas de registro, circulao e
recepo, a informao ganhou territrios antes inalcanveis, lanando mo
dessas instncias de mediao que modificam extraordinariamente a relao
entre sujeitos, conhecimento e memria social.
No novo quadro, portanto, o conhecimento e a memria no contam apenas
com mais um simples recurso tcnico de mediao. Por isso, Peraya prefere
falar hoje em mediatizao, j que esto em pauta novas propriedades de
regulao da produo, organizao, circulao e distribuio da informao:
os dispositivos, cuja configurao atua na natureza e nos processos da
mediao. Atualmente, a informao no s uma realidade autnoma, como
lastimava Plato: ela tcnica e tecnologia. Os signos, como a Repblica,
mudaram de natureza, no apenas de circunstncias.
Mediao e mediatizao so, portanto, conceitos distintos que, apesar de
tangenciais, no podem ser confundidos ou substitudos, em razo da natureza
e capacidades de interveno que operam sobre a relao sociocultural com o
conhecimento e com a memria social.
Face a isso, o conceito de dispositivo nuclear a este trabalho, uma vez que
ele aponta para condies que afetam os procedimentos de busca de
informao. Generalizando-se na atualidade, muito empregado no campo da
formao e da autoformao, da mediao, da comunicao, da arte, do direito
e da tecnologia, o conceito de dispositivo foi prioritariamente desenvolvido por
Foucault49 para o campo das Cincias Sociais, implicando noo de
intencionalidade, de ao realizada por pessoas ou materiais, tendo em vista
um objetivo a ser atendido50.
Em razo de seu amplo uso e do seu carter hbrido, o conceito foi posto em
discusso no Colquio Dispositifs & Mdiation des Savoirs (Louvain-la-Neuve),
em abril de 1998, a partir do qual Lameul51 apresentou estudo que serviu de
base s consideraes aqui formuladas, por reunir abordagens que
consideramos de interesse para a compreenso das questes ligadas
problemtica da busca de informao.
Dispositivo, lembra Lameul, em concepo tcnica, foi entendido como
conjunto de peas que constituem um mecanismo, um aparelho qualquer 52.
Posteriormente, o conceito foi ampliado para a noo de toda ao, de
elementos humanos ou materiais, realizada em funo de um objetivo a ser
atendido. Deste modo, um dispositivo uma instncia, um local social de
interao e de cooperao com suas intenes, seu funcionamento material e
simblico, enfim, seus modos de interao prprios53.
A noo de dispositivo incorporou o conceito de prticas particulares que se
desenvolvem em meio dirigido, organizado, que invadiu o campo das Cincias
Sociais, a partir dos anos de 1970. A autora faz referncia concepo de
dispositivo definido por Foucault, segundo a qual, trata-se de mecanismo que
atua sobre a organizao da sociedade, agindo sobre o discurso. Mesmo
abarcando uma noo proveniente do campo tcnico, esta perspectiva introduz
49 PAQUELIN, D. Du dispositif accompagn au dispositif accompangnant Disponvel em: [http://membres.lycos.fr/autograf/Dispositif3.htm] Acesso em: 14 jun. 2003. 50 PERAYA, D. Vers les campus virtuels. Principes et fondements techno-smio-pragmatiques des dispositifs de formations virtuels. In: Colloques dispositif s&mdiation des savoirs. Louvain-la Neuve, avril, 1998 Disponvel em [http://www.comu.ucl.ac.be/reco/grems/agenda/ dispositif/resumes/peraya.html] Acesso em 12 jun. 2003 51 LAMEUL, G. Questionnement relatif a la notion de dispositif Disponvel em: [http://www.educagri.fr/reseaux/cdr/colloq2001/contrib.htm] Acesso em 12 jun. 2003 52 LAMEUL, G.op. cit. 53 FERREIRA, J. Le dispositif de communication e information. Disponvel em: [http://www.tecfa.unige.ch/~ferreira/staf15/ideiageral2f.html] Acesso em 15 jun.2003
http://membres.lycos.fr/autograf/Dispositif3.htm]http://www.comu.ucl.ac.be/reco/grems/agenda/http://www.educagri.fr/reseaux/cdr/colloq2001/contrib.htm]http://www.tecfa.unige.ch/~ferreira/staf15/ideiageral2f.html]
uma viso simblica noo de dispositivo. Nesta concepo, dispositivo passa
a ser considerado em duas dimenses - material e simblica - da mediao e,
se aplicado ao campo da informao e do conhecimento, permite constatar que
o indivduo no mais o centro exclusivo dos processos de significao do
mundo, passando a partilh-los com os objetos, os artefatos, as ferramentas, e
os no-humanos em geral. Segundo as consideraes da autora, os discursos
no podem tornar-se operantes sem a colocao dos objetos dispostos
segundo uma ordem, um arranjo eficaz . O dispositivo, ento, aparece como
ocasio de uma distribuio inteligente, que se articula ao sujeito do
conhecimento.
Esta abordagem acerca dos dispositivos pe em questo, portanto, a dicotomia
da oposio simblico-material, tanto quanto a de sujeito-objeto, dentro-fora,
humano-no-humano, liberdade-determinao, conduzindo percepo da
relao entre sujeitos e objetos, muito mais de modo interdependente que
dual 54.
Como o dispositivo traz consigo uma noo de racionalidade instrumental, de
eficcia, de otimizao de condies de realizao, de aplicao de estratgias,
a instrumentao da autonomia dos atores no processo passa do deslocamento
da problemtica do conhecimento e da lgica da transmisso do saber, para a
lgica da experimentao ou de experimentao do saber55. O indivduo
autnomo algum que se orienta no dispositivo, a partir de sua vontade e
intencionalidade e do acmulo de conhecimentos prprios. Esta noo introduz
a perspectiva de construo na relao de aprendizagem por meio do
dispositivo tcnico, idia que se ope noo de recepo passiva de
conhecimentos. Por isso, entendem os autores que os dispositivos podem ser
percebidos como espao transacional, organizador da ao, fazendo parte dos
modos de regulao da sociedade e componentes de um quadro
contemporneo de mecanismos de fabricao da identidade dos sujeitos.
54 LAMEUL, G. op. cit 55 Conforme indicam Verhagen e Weissberg, apud LAMEUL, G. op.cit.
Peraya56 adota o termo genrico de dispositivo de comunicao e de formao
mediatizada para designar a dupla natureza comunicativa e formativa dos
dispositivos tcnicos. Os dispositivos, incluindo as tecnologias de informao,
articulam trs nveis de interao: a semitica, a social e a tcnica. O chamado
dispositivo tcnico-semio-pragmtico (TSP) pode ser definido como o conjunto
de interaes entre esses trs universos, realizadas a partir de uma tecnologia
de informao, de um sistema de representao ou, ainda, de uma mdia
pedaggica ou no.
Se, de modo abrangente, entende-se o conceito de dispositivo de informao
enquanto todo e qualquer mecanismo (tcnico e simblico) capaz de promover
a relao, organizar a realidade e fornecer um instrumento para o pensamento
(um texto, uma mensagem fotogrfica, cinematogrfica, um ambiente, uma
prtica), possvel caracteriz-lo como um quadro semitico que produz
significados, no interior do qual o sujeito opera.
O dispositivo , portanto, signo, mecanismo de interveno sobre o real, que
atua por meio de formas de organizao estruturada, utilizando-se de recursos
materiais, tecnolgicos, simblicos e relacionais, que atingem os
comportamentos e condutas afetivas, cognitivas e comunicativas dos
indivduos. Dessa forma, os efeitos dos dispositivos, ou seja, dos meios
dirigidos, ultrapassam os limites tcnicos visveis para tornarem-se, em nossa
sociedade, instrumento da relao conosco, com os outros e com o mundo.
Nesta perspectiva, os comportamentos culturais contemporneos (como visitar
museus, navegar na internet, ir biblioteca) so formas de atuao com e nos
dispositivos, orientadas por regras e leis prprias dos meios em que se
encontrem.
Os dispositivos informacionais, ao interferirem sobre a matria bsica com que
lidam - as informaes, suas linguagens, organizao e interaes -, criam
sistemas que funcionam como cdigos aplicados sua ordenao e
comunicao, ou seja, linguagens especficas, constitudas na tentativa de
ordenao do caos.
56 Apud LAMEUL, G. Op. cit
Dispositivos de transmisso e comunicao, tais como as bibliotecas, que se
utilizam de meios tcnicos, linguagens e formas de interao intencionais, ao
visarem relao entre sujeitos e realidade, no so meros suportes de
informao isentos. Ao contrrio, sua configurao fsica, seus recursos, formas
e prticas transformam seu discurso, sua estrutura e os modos de interao
entre os sujeitos que l atuam em ordem. Os dispositivos, enfim, no apenas
expressam como tambm definem, por meio dos discursos implcitos em sua
configurao, modos de relao entre os sujeitos e o universo simblico
(documentos, registros, informaes, conhecimento) que guardam.
Face a isso, fica claro, como lembra Chartier57, que a viso idealista, segundo a
qual o conhecimento depende exclusivamente do domnio de contedos, no se
sustenta diante das evidncias sobre o papel dos dispositivos na significao do
conhecimento. A passagem de uma condio de mediao para a de
mediatizao em toda a sua diversidade de discursos, altera a natureza do
conhecimento, bem como nossas relaes com ele. E, nesse sentido,
apropriar-se dele apropriar-se tambm dos dispositivos, com seus saberes e
lgicas prprias. Se, de um lado, o desenvolvimento de competncias
informacionais so indispensveis busca e apropriao das informaes, se a
educao para a informao exigncia que a complexidade crescente dos
dispositivos impe, de outro lado, igualmente essencial a criao de
dispositivos a partir de novos referenciais, capazes de se constiturem a partir
de critrios que vo alm do mero processo de assimilao de informaes.
Nos quadros contemporneos, insistir na ordem informacional que caracterizou,
por exemplo, bibliotecas do passado, consistiria em mecanismo mais ou menos
sutil de expropriao sociocultural. A formulao de novos dispositivos,
considerada a perspectiva da apropriao de informaes, e no apenas
assimilao, torna-se essencial reverso dos atuais quadros de participao
sociocultural e ter, necessariamente, que partir de outras bases, nas quais
busca e apropriao de informao sejam elementos de um mesmo processo
de relaes materiais, simblicas e interacionais, tanto com as informaes,
57 CHARTIER, R. Os desafios da escrita.
quanto com suas disposies no ambiente. Desse modo, competncias e
dispositivos integram-se numa mesma problemtica, a ser tratada neste
trabalho que se situa na confluncia de duas disciplinas: a Cincia da
Informao e a Educao. Tal reunio, cada vez mais parece ser indispensvel
no mundo em que vivemos, se quisermos enfrentar realmente questes para as
quais nem nossas universidades, nem nossa Educao atentaram, mas que
toca e aflige a sociedade em seu todo.
2.2.1 A biblioteca como dispositivo
A biblioteca para crianas e jovens um dispositivo complexo, constitudo por
elementos heterogneos: arquitetura e ambiente, tcnicas e tecnologias,
processos e produtos, regras e regulamentos, contedos materiais e imateriais,
responsveis por sobrepor significados aos significados por ela guardados,
constituindo-se elementos de sua natureza.
Na biblioteca em que atuo58, por exemplo, o espao fsico dividido em salas
isoladas por meio de paredes e portas fixas, apresentando-se fragmentado em
territrios que no se comunicam. H uma grande sala para realizao de
pesquisa nos documentos, na internet e emprstimos de livros, na qual existe
um pequeno nicho dedicado s atividades de processamento tcnico de acervo.
H tambm a Sala de Leitura que guarda as obras de fico e na qual se
desenvolvem atividades ligadas, sobretudo, dinamizao dos acervos
literrios e contedos afins. Compe ainda o ambiente, uma outra sala, hoje
dedicada s mais variadas atividades culturais, nascida, entretanto, como Sala
de Jogos e Artes, com a finalidade de entreter e desenvolver habilidades
58 Refiro-me Biblioteca infanto-juvenil lvaro Guerra, uma das 36 unidades localizadas na cidade de So Paulo, coordenadas pelo Departamento de Bibliotecas Infanto-Juvenis, da Secretaria de Cultura do municpio de So Paulo. As bibliotecas da rede tm configurao semelhante e servios-padro, independentemente do tamanho ou localidade onde se situam.
artsticas, em especial pintura, desenho, modelagem em argila, expresso vocal
e corporal. Nesta sala, diferentemente do conjunto da rede de bibliotecas,
funciona a Estao Memria, apresentada adiante.
Na parte central da entrada do edifcio, est a Portaria (assim oficialmente
denominada) e responsvel pela triagem e encaminhamento do usurio para os
diferentes espaos da biblioteca. O controle de acesso aos espaos realizado
por meio de lista de assinatura existente na portaria e controle de freqncia em
cada uma das salas. Originalmente, cada ambiente dispunha de seu prprio
controle, gradativamente abolido a partir da dcada de 80, embora se saiba que
em vrias unidades da Prefeitura de So Paulo, que ainda dispem de grande
freqncia, a prtica mantida, uma vez que no se conta com mecanismos
automticos de registro de entrada de pessoas na biblioteca.
O mobilirio dos respectivos ambientes tambm distinto. Na Sala de
Pesquisa, as cadeiras so altas e as mesas so grandes e pesadas, adequadas
a pblicos com mais idade. As estantes para livros, em geral de cor cinza,
tambm so prprias para indivduos de estatura mdia a alta. A localizao
fsica das estantes est condicionada ao tamanho do espao e quantidades de
mesas, mas, em geral, concentradas em fileiras, separadas dos locais de
leitura.
Na Sala de Leitura, quase sempre dedicada a pblicos infantis, o ambiente
mais descontrado, a ordem dos documentos menos rgida, assim como nos
demais espaos de leitura no dedicados ao apoio a tarefas escolares.
A repartio do espao em salas incomunicveis entre si, condiciona o uso dos
contedos para o trabalho (Pesquisa) ou para o Lazer/Entretenimento
(Artes/Jogos/Leitura). A dicotomia tambm se revela nas formas de
condicionamento do corpo para as funes que cada ambiente prev. Assim, a
dimenso espacial do dispositivo favorece a percepo fragmentria do
conhecimento, enquanto contedos distintos que no se entrecruzam, bem
como do corpo das crianas e jovens: o corpo-trabalho; o corpo-lazer. Tal
configurao, se escapa percepo dos responsveis pelo dispositivo e seu
funcionamento, atua sobre seu pblico, produzindo evidentemente modos de
sentir, de estar, de atuar, de representar.
Como o espao, a organizao dos documentos estabelecida a partir da
aplicao de linguagens artificiais (tabelas de classificao), cuja estrutura e
cdigos tambm fracionam, hierarquizam e ordenam o conhecimento, a partir
de princpios que so arbitrrios, sem uma lgica implcita que possibilite
compreender o sentido da disposio fsica dos registros. Os sistemas de
classificao so utilizados, tradicionalmente, como na biblioteca para adultos,
com a finalidade de organizar os materiais, objetivo prioritrio. A ordem rgida
e fixa, principalmente quando se trata dos espaos de pesquisa, nos quais os
documentos precisam ser localizados para o atendimento s tarefas escolares.
Dada a compreenso reduzida da linguagem documentria como mero
instrumento de guarda dos materiais, observam-se, hoje, rupturas nessas
linguagens que foram, ao longo do tempo, sendo parcialmente adequadas a
necessidades locais de cada unidade, tendo, portanto, se descaracterizado,
tornando-se discurso incompatvel com as finalidades de articulao e
representao do conhecimento a que se destinaria.
Dentro deste ambiente fsico e de linguagem de representao, inserem-se e
organizam-se os recursos informacionais, constitudos pelos acervos
bibliogrficos, computadores com acesso internet, acervo de memria oral,
pequena coleo de vdeos, aparelhos de TV e vdeo/DVD.
Os acervos bibliogrficos so de natureza geral, contemplando livros sobre
todos os domnios do conhecimento registrado: filosofia; religio; cincias
sociais, puras e aplicadas; histria; geografia; artes e literatura, alm de
colees especficas de dicionrios, enciclopdias, guias, bibliografias, mapas,
Atlas e demais materiais disponveis
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