Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XIV Congresso de Ciências da Comunicação na Região Nordeste – Recife - PE – 14 a 16/06/2012
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A Publicidade e o Pink Money1
Francisco Fernando Teixeira Castelo BRANCO2
Helena Martins do Rego BARRETO3
Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, CE
RESUMO
O presente artigo tem como objetivo elucidar o porquê de, cada vez mais, grandes
marcas investirem em peças, propagandas e campanhas publicitárias voltadas ao público
LGBT. O embasamento teórico se dá através de estudos difundidos em artigos e livros
de autores que retratam a homossexualidade no contexto histórico atual e discute como
tem sido criada uma cultura paralela à heteronormativa, cultura que consegue
influenciar e ditar novos padrões culturais. A metodologia empregada consistiu em uma
pesquisa com consumidores ativos desses anúncios gay friendly, junto aos quais
discutimos como eles reagem mediante as informações recebidas desses comerciais e
como se dá a ligação produto e/ou marca-consumidor.
Palavras-chave: pink money; propaganda; gay friendly; publicidade.
Introdução
A homossexualidade, assim como a bissexualidade e todas as outras definições
sexuais fora do padrão heteronormativo construído historicamente, sempre foram alvo
de inúmeras pesquisas cientificas, psicológicas e antropológicas. O que causa esse não
padrão sexual foi o principal questionamento de muitas deles. A resposta, ao certo, não
se sabe. Talvez, a única certeza que se tenha até hoje é a de que os LGBT estiveram
presentes e foram relatados através e ao longo da história. Grandes personalidades
históricas como Alexandre, o Grande; Luís XVI; Sócrates; Platão; Voltaire e Michel
Foucault tiveram sua sexualidade discutida e largamente debatida por fugirem ao padrão
heterossexual, assim como ouros inúmeros pensadores, filósofos e matemáticos que
tanto contribuíram para a construção da cultura ocidental.
Na Grécia Antiga, como trata os estudos de Corino (2006), a
homossexualidade era vista como uma prática comum. Homens adultos iniciavam
sexual e intelectualmente jovens rapazes e, posteriormente, mantinham relações sexuais
1 Trabalho apresentado no DT 2 – Publicidade e Propaganda do XIV Congresso de Ciências da Comunicação na
Região Nordeste realizado de 14 a 16 de junho de 2012.
2 Aluno do 3º semestre do Curso de Publicidade e Propaganda da UFC, e-mail: [email protected]
3 Orientadora do trabalho e professora temporária do Instituto de Cultura e Arte da UFC, e-mail:
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com eles e com moças – apesar de que as mulheres na época eram mais vistas como
fonte de reprodução e nada mais. A moral que era ensinada e repassada dos mais velhos
aos mais novos valorizava o homem que escolhia um parceiro para descobrir com ele os
prazeres carnais e para, juntos, lutarem nas guerras. Assim, você teria não só um
companheiro de guerra, como um amante. Santos (2006) elucida que naquela época, não
havia o conceito de homossexualidade ou bissexualidade como existe hoje. Os homens
que mantinham relações sexuais com outros representavam e exerciam bem sua
masculinidade assim como a sua virilidade. Era muito mais máscula, para os padrões
culturais gregos, a relação entre dois homens, do que a de um homem com uma mulher.
O prazer advindo dessas relações não era condenado na Grécia Antiga, muito pelo
contrário, os gregos cultuavam o prazer das festas e das orgias.
Com o advento das religiões judaico-cristãs e do islamismo, nas quais o sexo
tornou-se prioritariamente fonte de reprodução, portanto algo vinculado apenas ao
matrimônio, a sexualidade passou a ser controlada. Qualquer possibilidade de erotização
ou obtenção de prazer passou a ser considerada suja. O clero cristão-católico perseguiu
aqueles que se entregavam aos prazeres da carne, e puniu com a morte quem praticasse
o adultério, incesto e a sodomização. Com isso, a homossexualidade começou a ganhar
os contornos que tem hoje, assim como a homofobia que nossa sociedade carrega e que
persegue esta parcela da população, chegando a fazer vítimas fatais a cada 36h, apenas
no Brasil, segundo o Relatório Anual de Assassinatos de Homossexuais realizado pelo
Grupo Gay da Bahia (GGB). – dados estes, que põe o Brasil em primeiro lugar no
ranking mundial dos países mais homofóbicos, como informa a Organização Mundial
da Saúde (OMS).
Todavia, o século XXI trouxe mudanças profundas no campo sexual das
sociedades ocidentais. A luta pela igualdade sexual tornou-se uma das mais ferrenhas e
resistentes das últimas décadas do século XX. Porém, as mudanças não ficaram só nesse
campo. O mercado financeiro mundial percebeu que a população LGBT vem se
destacando no consumo de objetos, bens e serviços caros e de luxo. Com isso, o
dinheiro proveniente desse público passou a ser denominado pink money (dinheiro rosa,
em português).
Neste turbilhão de mudanças, o público GLS veio à tona, se
impulsionando dia-a-dia como um foguete em direção ao futuro e ao
progresso, exigindo cada vez mais respeito, direitos e deveres. Talvez
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por conta desta adversidade toda enfrentada pelos homossexuais, estes
mesmos se profissionalizaram mais, se especializaram mais, se
esforçaram mais, sempre em busca de uma imagem social impecável,
justo por ter o “fardo” gay apregoado GLS a sua testa. E justamente
este fator que foi o crucial para o público g, gerador de um target
especial e exigente. Por conta disto, gerado após os empecilhos
históricos, a publicidade teve que se renovar, se revigorar para atender
suas necessidades, seus desejos, seus padrões de vida, suas
extravagâncias. (GUAZINA, 2007, p.10).
Com a ascensão do movimento dos direitos gays, o pink money passou de um
mercado marginalizado para uma próspera indústria no mundo ocidental. Muitas
empresas vêm se especializando em atender ao público homossexual, nos mais diversos
setores. Quando começou a ser levado em consideração, em meados de 2001, o pink
money movimentou em todo o mundo cerca de US$ 2,6 bilhões. Hoje, esse valor chega
anualmente a US$ 700 bilhões, segundo o World Travel Market. E de acordo com dados
da ABRAT-GLS (Associação Brasileira de Turismo GLS), a Parada do Orgulho Gay
realizada anualmente em São Paulo, tornou-se o segundo evento mais importante da
cidade – superando o dia dos namorados, dia dos pais e das mães, natal e eventos
religiosos. –movimentando cerca de R$ 200 milhões no período da sua realização. O
poder econômico desse segmento tem sido visto como uma força positiva por parte da
comunidade gay, criando uma espécie de "auto identificação financeira". A força
proveniente desse poder econômico vem ditando os caminhos das artes, música – em
especial a pop – e do entretenimento em geral. As empresas ou marcas que vem focando
neste segmento foram sendo denominadas de gay friendly, nome que já expressa a
fidelização pretendida junto ao público alvo. O fato de a maioria dos casais gays não
terem filhos – e, consequentemente, uma renda menos comprometida do que os casais
hetero – permite que esse público gaste mais com lazer e entretenimento.
O poder e a força do pink money se torna muito mais visível nesses segmentos
citados. Isso tudo, é claro, sem mencionar que além de gastarem até 30% a mais que um
heterossexual, o público gls viaja em média 6 vezes ao ano em viagens de longa-
distância, enquanto que o público hetero viaja apenas 1,4 vezes. Outro ponto muito
ressaltado, é que o cliente homossexual é muito mais fiel à marca do que o cliente
heterossexual. – Segundo dados da Gay Travel Brasil e da CMI (Community Markting
Inc.). São por esses motivos, entre outros, que o mercado GLS vem sendo apontando
como o pote de ouro de muitas empresas que só tendem a lucrar com esse público,
valendo-se de publicidade para alcançar seus objetivos de venda e lucro, usando de
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referências ao apelo homossexual presente nos anúncios dos mais variados produtos,
serviços e marcas.
Alguns autores têm se dedicado na análise do pink money e da publicidade gls,
como Iribure (2008), que trabalhou para esclarecer o uso da propaganda voltada para os
homossexuais. Segundo ele, a orientação sexual se torna relevante na delimitação do
perfil do consumidor, embora pesquisas de mercado, em geral, não incluam esse tipo de
categoria. Com isso, tem se mostrado necessário definir e utilizar mais um critério de
segmentação mercadológica, o da orientação sexual, para adequar linguagem e
estratégias de marketing ao novo perfil de consumidor que se delineia.
Outro importante trabalho que segue nessa direção é o de Botti (2003), autor
que pesquisa as propagandas com conteúdo sexual e como elas influenciam o público a
se identificar com o produto, criando um laço inconsciente do consumidor e seus
desejos íntimos com a marca na propaganda. Em contrapartida, Severiano (2001) faz
uma importante observação: a incorporação do fetichismo em nossa sociedade está
ligada à era das motivações íntimas e existenciais, da gratificação psicológica, do prazer
para si mesmo, da qualidade e da utilidade das coisas. Muitas vezes, consumimos
determinado produto por uma ação inconsciente que o mesmo nos provoca, pois mexe
com nossos desejos e anseios íntimos e sexuais.
O consumidor reconhece em uma determinada marca seu “autêntico”
estilo e personalidade latentes, e assim se torna inteiro. O consumidor
se reconhece nesse produto. Esse mecanismo do reconhecimento,
segundo Adorno, se dá na “transformação da repetição em
reconhecimento e do reconhecimento em aceitação”. Ou seja, tudo não
passa de uma estratégia de repetição do produto/imagem tão
intensamente, que termina por se tomá-lo como algo originalmente
seu, quando de fato ele lhe é imposto de fora, justamente, com
propósitos de padronização. A ironia de tudo isso, é que tal
mecanismo é tomado por seu sentido contrário: indica uma
possibilidade de diferenciação. (SEVERIANO, 2001, p.215).
Diante das considerações até aqui expostas, devemos problematizar como a
crescente força da cultura gay e do pink money a ela vinculado vem influenciando o
mundo sob os mais diversos aspectos – música, cinema, artes, literatura, gastronomia,
política, etc. Tal discussão dialoga com o desejo de responder à seguinte questão de
pesquisa: como essas campanhas com teor homoerótico ou simpatizante tem
influenciado e manipulado o consumidor LGBT, levando-o às compras? Como eles são
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capazes de moldar e de reafirmar condutas existentes na sociedade, como o padrão
heternormativo e o machismo? Sendo assim, iremos trabalhar com a hipótese de
identificação e fidelização entre o consumidor e a marca gay-friendly, questionando
como a sociedade vem percebendo essa mudança de comportamento.
Para tanto, dividirei a distribuição das informações neste trabalho da seguinte
maneira. Em primeiro lugar, apresentarei outros estudos a respeito do tema aqui
proposto ou de temas correlatos, a fim de decodificar e explanar o porquê do sucesso
dessa publicidade voltada ao público LGBT. Na sequência, trabalharei com uma
pesquisa realizada junto ao público consumidor dessas campanhas publicitárias,
elencando quais as suas reações a despeito delas. Finalmente, analisarei os dados
obtidos e farei uma “mescla” dos estudos anteriormente citados, contrapondo-os ao que
observei em meu próprio estudo e com as pesquisas de campo, de modo a me aproximar
de uma conclusão acerca da crescente demanda do pink money e da sua influência tanto
na publicidade como na sociedade.
1. Fundamentação teórica
As propagandas voltadas ao público LGBT ganhado cada vez mais notoriedade
na mídi, uma expressão da própria projeção que esse segmento tem adquirido na
sociedade. O uso da publicidade para atingir a esta parcela da população ganhou mais
força na última década, tendo se tornado um meio forte de lucro. Nos últimos anos, esse
tema se tornou objeto de estudos de inúmeras pesquisas realizadas por instituições de
marketing e turismo – como a pessoas que investigam o real motivo desse apelo sobre o
público e o porquê da funcionalidade e da garantia de venda de certas marcas que
associam seus produtos a comunidade LGBT. Maria de Fátima (2001) ressalta que este
tipo de visibilidade da comunidade gay se dá através da identificação. Identificação esta
que vai muito além do que uma mera adoção de comportamentos, conjunto de valores,
ou de um modelo. O que ocorre, de acordo com a autora, é um “encontro” entre os
desejos até então “desconhecidos” do consumidor e o objeto/imagem de sua satisfação.
A partir desta identificação, a marca cria um Ethos, uma imagem acerca de si e de seus
produtos que “casa” com o público alvo. Devido a isso, esse público passa a ser fiel
comprador dos produtos da marca, gerando-se, então, uma necessidade (costume de
ter/usar isso ou aquilo). É devido a essa necessidade que o consumidor fica “preso” – e
é isso o que vem acontecendo ao público gls, conforme temos observado.
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É como afirma Beleli (2010): esse novo tipo de propaganda mostra que a
publicidade começa a prestar atenção nesse público consumidor, em conexão com o que
é cada vez mais visível nas novelas, mas também na própria sociedade, vide a
possibilidade de união entre pessoas do mesmo sexo ter sido aprovada recentemente.
Há, pois, certa regulação para demonstrar a normalização desse sujeito em contraponto
à marginalização anteriormente sofrida com mais ênfase. A partir desses dois estudos,
vemos que deve ser feito uma ressalva a respeito da retratação do consumidor
homossexual nas campanhas publicitárias. Pois em grande parte dessas retratações, o
público LGBT muitas vezes é exposto na mídia mediante dois padrões: em um, como
uma pessoa “feliz”, afeminado e extremamente festivo. E em outro, como capaz de
manter uma relação monogâmica, se casar e adotar um ou mais filhos e estabelecer uma
vida heterossexual. A publicidade passa a retratar de forma não estereotipada o
homossexual tornando-o muitas vezes semelhantes aos heterossexuais. Todavia, E que é
trabalhando essa normatização da homoafetividade que muitas empresas fidelizam o
público LGBT, pois ocorre uma identificação desse público com a marca ou o produto
exposto na propaganda. E, assim, esse novo consumidor acabará usando todo o seu
poder financeiro para fazer aquela empresa se manter no auge e para continuar
repassando à sociedade essa imagem “positiva” acerca da homossexualidade ou
bissexualidade.
Sobre tais questões, Iribure (2010) afirma que o consumidor GLS atrai as
marcas, as quais garantem viabilidade financeira com produtos voltados a esse
segmento e o reconhecimento social das minorias. A lógica sugere a inserção social pelo
consumo. Então, as minorias estariam se distanciando da luta política e da busca de
reconhecimento, integrando-se à sociedade de consumo, apoiando sua alteridade no
segmento GLS. O que, de fato é perceptível, visto que se, por um lado, há uma
diminuição das ações coletivas desse setor, por outro, cada vez mais, as grandes marcas
investem em propagandas que possuem um viés homoerótico, como é o caso da Dolce
& Gabbana, que produziu inúmeras peças publicitárias voltadas ao público LGBT.
Todavia, há de se observar certo remanejamento na posição social das empresas que,
como ressalta Guazina (2007), não se sabe ao certo, se elas estão adotando essa postura gay
friendly devido a uma necessidade mercadológica ou por conscientização social. E que, as que o
fazem pela primeira opção, só buscam tornar seu produto vendável entre o target
homossexual, valendo-se em suas campanhas publicitárias, muitas vezes, de forma
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“escancarada”, de forte apelo sexual a fim de despertar o desejo de “possuir e tornar-
se”, sem relevar o impacto negativo dessa exposição na sociedade, que se apregoa a
preconceitos enraizados envolvendo promiscuidade e os homossexuais. Uma situação
que só estigmatiza ainda mais a população LGBT. Que, observa-se levianamente
despreocupada quanto a essa representação na mídia devido aos inúmeros eventos que
movimenta, e a aparentemente evolução que esse tipo de publicidade vem causando ao
público GLS, o que muitas vezes satisfaz a necessidade de direitos como cidadão dessa
parcela da população.
2. Metodologia
2.1. Caracterização da Pesquisa
Para o desenvolvimento desta pesquisa, busquei como referencial
metodológico, a abordagem qualitativa, pois esta me permite trabalhar em prol de uma
análise compreensiva acerca do fenômeno estudado, isso é, o apelo sexual homoerótico
nos anúncios publicitários, o que entendo ser inviável de ser feito através do uso de uma
abordagem quantitativa, afinal esta não conseguiria acessar os significados construídos
pelos publicitários ao propor os seus anúncios, nem mesmo como esses significados
chegariam até o público alvo. Ademais, optar pela pesquisa qualitativa é relevante para
o artigo porque me interessa analisar as diferentes percepções e entendimento da
natureza do empenho da publicidade em se utilizar desse novo público consumidor –
composto por homossexuais das mais diferentes faixas etárias, que gastam mais,
buscam objetos de luxo, serviços de ponta e que se fideliza a uma marca muito mais
recorrentemente que o público hetero – com veiculações de propagandas do gênero em
contraponto à homofobia presente na nossa sociedade machista e patriarcal, que aceita
veladamente a homossexualidade, mas ainda a recrimina e persegue, gerando um
paradoxo social. Também optei por uma pesquisa de campo, uma vez que a melhor
maneira de saber a opinião do público é estar próximo dele, observando os fatos e
fenômenos que regem essa ligação produto-consumidor. Por isso, fui a um ambiente
GLS – um bar especializado em atender o segmento – onde a concentração desse
público alvo é intensa, no qual observei como eles consomem o que é vendido pelas
propagandas ditas gay-friendly, e como eles lidam com as representações de valores e
ideais embutidos nelas.
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2.2. Os sujeitos da pesquisa
Os participantes da pesquisa foram abordados em um ambiente GLS e, após
uma conversa com eles, expliquei do que se tratava a pesquisa, tendo o cuidado para
evitar que as informações conduzissem as respostas dos entrevistados. Muitos deles se
recusaram, a princípio, em participar da pesquisa. Outros se dispuseram de imediato em
colaborar Ressalto, aqui, que deixei claro aos informantes que eles não precisariam se
identificar no questionário com nomes ou dados pessoais, assim como as respostas
dadas e os comentários realizados após a amostragem dos anúncios publicitários não
seriam gravados, mas sim manuscritos para uso deste artigo.
Ao todo, somei um grupo de cinquenta pessoas que concordaram em participar
da pesquisa como informantes. Sendo vinte e cinco homens e vinte e cinco mulheres,
com faixa etária entre 16 a 49 anos – considerada a mais consumista. São pessoas de
classe A, B e C; com renda estável, moradia fixa e nacionalidade brasileira. Destes
cinquenta, 72% se declara homossexual (sendo dezoito homens e dezoito mulheres) e
28% como bissexual (sendo sete homens e sete mulheres). Logo, os informantes de
nossa pesquisa abrangem um público bastante diversificado. Eu tiraria essa ressalva, pq
50 não é um número ruim não.
2.3. Procedimentos de Coleta de Dados
Após a escolha dos participantes da pesquisa, uma sequência de quinze
propagandas foi mostrada a eles, que as observaram atentamente. Os anúncios
publicitários foram coletados através de pesquisa prévia sobre campanhas voltadas ao
público LGBT, tendo sido selecionados dez anúncios e cinco propagandas veiculadas na
TV. Sendo entre os anúncioss publicitários: uma da Unimed Fortaleza com um casal
gay; três da linha de roupas da Dolce & Gabbana voltada ao público gay (ver Figura 1);
duas da linha de óculos Tom Ford; uma da Ikea sobre decoração no ambiente familiar; e
três da linha de roupas Armani lançadas no dia dos namorados em 2010. E logo depois
as propagandas, sendo elas: três da campanha publicitária da coleção TIME da Dolce &
Gabbana, veiculada em 2009 na TV; uma propaganda das cuecas Calvin Klein; e uma
propaganda do perfume masculino Aqua de Gio da Armani, ambas também veiculadas
na TV. A escolha desses anúncios se deve ao perceptível uso de entonações
homoeróticas e similares, no discurso publicitário.
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Figura 1. Compacto com as 3 propagandas da D&G apresentadas aos informantes.
Lembrando que a pesquisa acontecia com um informante por vez a fim de
evitar influências externas sobre suas opiniões, como também para evitar que algo ou
alguém interviessem na resposta, quando fossem se pronunciar a respeito das peças ou
das propagandas. Eles viram e assistiram, durante quinze minutos (média de tempo da
pesquisa com cada informante), todo o material e, em seguida, propuseram-se a me
contar como viam essa influência gls nas campanhas publicitárias. Ao término da
exposição das peças e dos vídeos das propagandas, voltei a entrevistar os informantes
para saber a opinião deles sobre como cada propaganda conseguia chamar a atenção do
consumidor LGBT e fidelizar a marcar junto a ele usando de propagandas de cunhos
homoeróticos e com autoafirmação homossexual.
3. Análise e tratamento dos dados
Durante a entrevista com os participantes da pesquisa, apliquei um questionário
aberto, o qual continha as seguintes perguntas:
01. Qual sua idade?
02. Em que classe social você se enquadra?
03. Qual sua condição sexual?
04. Você se considera consumista?
05. Você costuma prestar atenção nas propagandas com teor homoerótico? Se sim,
costuma consumir os produtos exibidos nesses comerciais?
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06. O que te impulsiona e/ou atrai nessas propagandas para que você compre
determinado produto?
07. Se uma marca assume uma postura gay-friendly, e você consome produtos dela, tu
te tornas fiel a esta marca devido a esse posicionamento?
08. Você consome muitos produtos ligados à temática homossexual, seja na música,
moda, vestuário, literatura, jogos, cinema, artes, comida, política etc.?
As cinquenta pessoas – vinte e cinco homens e vinte e cinco mulheres – que
colaboraram com a pesquisa responderam às perguntas descritas acima. Como já dito
anteriormente, 72% se declararam homossexuais e 28% bissexuais. As faixas etárias dos
informantes estão entre 16 a 49 anos, estando eles e elas divididos entre as classes A
(oito dos informantes), B (quatorze dos informantes) e C (vinte e oito dos informantes).
Nos gráficos a seguir, podem-se observar outras informações obtidas sobre os
informantes.
Figura 2. Fidelização a Marca Gay-Friendly.
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Figura 3.. LGBT e o Consumismo dentro da comunidade.
A partir das respostas à quarta questão, foi constatado que o público LGBT
gosta de gastar. A correlação entre preço e qualidade é notória para eles. Logo, muitos
não se importam de consumir um produto de uma marca mais cara, pois estão pagando
por uma qualidade e luxo superiores. Outro ponto notório da pesquisa é o que podemos
ver na Figura 2. Se uma marca demonstra simpatia pelos direitos dos gays ou se assume
uma postura pró-gay ou gay friendly, como é chamado, ela fideliza uma grande parcela
da comunidade GLS. Parcela esta economicamente ativa, que consome e valoriza
produtos ligados à temática LGBT, independente do seu preço.
Quando questionados sobre a quinta pergunta, a resposta foi quase unânime. Os
informantes não só prestam atenção nesse tipo de publicidade, como muitas vezes vão
atrás das empresas que estão direcionando peças e propagandas a eles. Os informantes
ainda explanaram que preferem consumir produtos desse tipo de marca, pois estão
sendo valorizados por ela. Eles consideram que estão sendo retratado de maneira não
estereotipada, como ocorre na sociedade, e isso os agrada. Também foi levantado o que
os atrai: os informantes do sexo masculino, fossem eles gays ou bissexuais, deixam
claro que propagandas onde a conotação sexual é maior são mais bem recebidas, ou
seja, aquelas que se valem de imagens apelativas sexualmente lhes prende mais a
atenção e, consequentemente, leva-os às compras. E numa escala do que mais lhes
prende a atenção, fica a qualidade, o renome da marca, o caimento do objeto em si e o
preço do produto. Enquanto que as mulheres se sentem mais valorizadas e instigadas a
comprar determinado produto do anúncio ao verem propagandas onde elas são
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retratadas como iguais ou superiores aos homens, nas quais houvesse um leve clímax,
sensualidade, mas nada erotizado ou vulgar. Onde elas são elogiadas por sua conduta,
beleza, inteligência e capacidade.
Conclusão
Tenho como objetivo deste artigo, desde o princípio, elucidar o porquê de
grandes empresas virem assimilando visibilidade gay friendly e investindo em
publicidade gls. Durante a pesquisa de campo, constatei, em diálogo com as
considerações que os estudos sobre os temas aportaram à pesquisa em curso, que a
resposta é mais emblemática do que se imaginava.
O mercado LGBT vem crescendo com o passar dos anos e adquirindo uma
força que rege e dita novos caminhos e preceitos na publicidade e, não seria demais
afirmar, na sociedade. Criou-se uma cultura gay de ser e existir que quebra
constantemente paradigmas sociais e religiosos. Cultura essa que muitas vezes dita a
moda, a música e as artes... A estética é um exemplo vivo disso. Os homossexuais, em
busca da sua realização narcisista de uma perfeição no que diz respeito à beleza, buscam
novos métodos e procedimentos que, vez por outra, os homens heterossexuais passam a
copiar com o tempo, como é o caso da depilação total dos pelos retratado em 2003, no
documentário Totally Gay que retratava as mudanças causas pela cultura gls na
sociedade, realizado pela VH1, um canal norte-americano de TV. A influência
homoerótica toma proporções cada vez mais significativas. Essa parte da população
começa a passar de marginalizada e subjugada à valorizada, bem como a ser fonte
eminente de lucros. Deixa-se de generalizar e estereotipar os LGBT e de tratá-los como
cidadãos de segunda classe, a fim de torná-los cidadãos. É claro que devemos ponderar
o fato de que o motivo que rege essa mudança não é o avanço do reconhecimento social
em geral, afinal, boa parte dessa mudança se deve ao poder econômico que os gays vêm
adquirindo aos longos dos anos. Isso deve ser posto em debate, pois, em nossa
sociedade é o poder aquisitivo e não a existência humana que condiciona sua forma de
ser percebido no mundo. A integração via consumo, ademais, não anulou as profundas
desigualdades e o desrespeito sofrido pelos homossexuais, conforme destacamos já no
início deste texto.
O assunto aqui debatido é vasto, portanto, não pode se resumir a apenas o que
foi tratado neste artigo. A influência do pink money e a identificação do público LGBT
com as empresas gay friendly se tornaram “armas” quase que infalíveis da publicidade,
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a fim de vender o que nela é oferecido. Visando a esse público, as grandes marcas e
empresas investem numa conotação, muitas vezes repleta de apelo sexual, o que poderá
ser abordado em estudos posteriores. Afinal, o sexo e a comunidade gay estão
associados quase que unilateralmente. O que se deve levar em consideração é que todo
esse movimento gay friendly vem permitindo uma visível melhoria na qualidade de vida
da comunidade LGBT e uma maior visibilidade no que diz respeito aos direitos desta
parcela da população. Isso, por certo, junto aos movimentos que, historicamente, levam
essas pessoas a lutar pelo seu lugar ao sol, deixando as diferenças do campo sexual de
lado e permitindo aos cidadãos gays uma nova perspectiva de vida.
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