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A REABILITAÇÃO DE FRENTES DE ÁGUA COMO MODELO DE VAL ORIZAÇÃO
TERRITORIAL
Ana Estevens
Centro de Estudos Geográficos, Faculdade de Letras, Universidade de Lisboa
“El rio fuye sin alterar su forma, o sin necesidad de alterarla; es
distinto siendo aparentemente el mismo…Cada momento el rio es
otro.
...
Si el rio es lo fugaz o huidizo, porque se mueve cambiando, es
perfectamente explicable que se le compare a la vida, que fluye
sin retorno. Es una de las imágenes más humanistas del paisaje.
Nuestras vidas son los rios.
...
De esto se deduce que el rio debe fluir. Si no, es una cinta verde;
puro elemento estético de color y varidad. No es menester que
lleve mucho agua, sino que fluya. Aunque nadie navegue por él,
ha de ser un camino en movimiento. Los rios excesivamente
mansos tienen el alma muerta de los canales, los estanques y las
charcas. La fauna de éstas es la rana; la de rios, el pez.”
Munian, 1945
Introdução
A relação entre a cidade e o porto sempre foi muito estreita. Na sequência da
capacidade de atraírem diferenciadas actividades económicas, os portos desencadearam
formas de povoamento específicas diferentes de todo o processo de urbanização do litoral.
Neste contexto, os portos foram durante um longo período o centro geográfico e funcional
da cidade, tendo-se estruturado o tecido urbano a partir do cais.
Contudo, a partir da segunda metade do Século XX, mudanças económicas
associadas ao declínio da actividade portuária enfraqueceram a tradicional relação entre
cidades e portos (VAN DER KNAAP and PINDER, 1992). Com a desactivação e relocalização
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industrial associadas à diminuição das actividades portuárias e logísticas afins e o
desenvolvimento de novas tecnologias, libertaram-se importantes áreas ribeirinhas, tendo
muitas destas estruturas dado origem a espaços obsoletos e inúteis e muitas vezes
perigosos.
Neste sentido, um pouco por toda a Europa assiste-se ao alastrar do movimento de
reabilitação de áreas ribeirinhas desactivadas, numa tendência crescente de (re)desenhar a
cidade a partir da sua valorização. Assim, o alastrar desta tendência a par da qualidade e do
impacto estruturante dos projectos e acções desenvolvidos, levam muitos especialistas a
falar da aproximação à água como um novo modelo de intervenção a partir da lógica de
intervenção assumida na reabilitação das frentes de água.
Pretende-se com a presente comunicação discutir todo o processo reabilitação de
frentes ribeirinhas no contexto da Península Ibérica, analisando-se as principais tendências
de evolução do processo de reabilitação no contexto europeu. Dois case studies - Área
Metropolitana de Lisboa e Área Metropolitana de Barcelona - serão apresentados como
projectos de intervenção da Península Ibérica, demonstrando a importância deste modelo
para a valorização de áreas em decadência, e a sua capacidade para atraírem e
concentrarem novas funções actividades.
1. A reabilitação de frentes de água
A reabilitação das frentes de água é um processo que se generalizou nas áreas
urbanas norte-americanas e que se difundiu pela Europa e pela Ásia. É um processo de
substituição das antigas áreas industriais e comerciais ribeirinhas por novos espaços de
serviços, habitação, áreas de lazer e equipamentos (HOYLE, 1992).
A implantação dos grandes projectos de reabilitação teve origem nos Estados Unidos
da América no final dos anos 50, nas cidades de Baltimore e Boston. Seguidamente foi nas
cidades canadianas de Toronto e Montreal que se desenvolveram projectos semelhantes, e
só mais tarde, nos anos 80, se implantou em Londres o conhecido projecto das Docklands.
HOYLE (1992) afirma que “mais cedo ou mais tarde todas as cidades norte-
americanas com uma frente de água urbana… vêm intervindo no sentido de uma
redescoberta e de uma reestruturação das zonas de referência (cidades portuárias e frentes
ribeirinhas) ”.
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É importante começar por conhecer as mudanças estruturais que se registaram na
economia durante o século XX, para melhor se compreender todo o processo de reabilitação
de frentes de água.
Entre 1950 e 1960 observa-se um crescente abandono dos extensos quilómetros de
frentes urbanas ribeirinhas. Este facto ocorreu com a transição, durante o período pós
Segunda Guerra Mundial, para novas tecnologias de transporte de mercadorias e
contentores, tornando obsoletos os meios de transporte cargueiros tradicionais. Esta
transição foi pioneira nos EUA.
Segundo MOLLENKOPF (1983), é também importante associar a reabilitação de
frentes de água ao facto desta ocorrer em cidades onde se regista uma transição económica
pós-industrial (de indústria pesada para indústria centrada nos serviços, informação e alta
tecnologia), como Boston, S. Francisco, Nova York ou Baltimore.
A partir da II G.M., a indústria e o comércio portuário decresceram, surgindo uma
variedade de sectores de serviços na economia local (serviços comerciais, de saúde, de
educação, de desenvolvimento industrial, turismo e administração local), desenvolvendo-se
assim, um novo conjunto de cidades “pós-industriais”.
H.D.BARATA (1996), citando TUNBRIDGE (1998), refere que a reestruturação dos
antigos portos se integrou nos movimentos ligados à reabilitação dos centros históricos, ao
processo de reorganização da economia urbana orientada para os serviços, à melhoria das
condições ambientais e à despoluição das águas e da atmosfera.
Neste sentido, e de acordo com ROBERT (2000), a reabilitação urbana é conduzida
por (i) uma transição económica, (ii) interesse pelo ambiente social, (iii) obsolescência física
e novas exigências territoriais, (iv) qualidade ambiental e desenvolvimento sustentável.
Fazendo o paralelismo entre o processo de reabilitação de centros históricos e de frentes de
água, o autor refere que a última é forçada pelo encerramento dos portos,
desindustrialização, abandono do solo e desejo de espaços públicos (HOYLE et al., 1992;
BRUTTOMESSO, ed. 1991; BREEN and RIGBY, 1997)
As frentes de água tornaram-se assim, áreas que adjacentes à esfera do comércio
central, estão desocupadas e decadentes, em consequência da obsolescência tecnológica
dos equipamentos portuários e à desindustrialização. Estes locais tornaram-se, assim,
prioritários em todo o processo de reabilitação.
MANN (1988), refere dez tendências que estão na origem do movimento de
reabilitação de frentes ribeirinhas nos EUA:
1. Oferta de grande diversidade de usos;
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2. Forte procura do público de margens livres e acessíveis;
3. Afastamento das infra-estruturas viárias e substituição por usos pedonais;
4. Recuperação de margens de pequenos cursos de água e canais;
5. Recuperação de património cultural e histórico;
6. Criação de espaços públicos de carácter comercial;
7. Sítios de exposições e eventos culturais;
8. Locais de instalação de elementos artísticos;
9. Oportunidade para realização de festivais e outros acontecimentos artísticos;
10. Promoção de regulação urbanística.
As tendências referidas para os EUA ocorrem, também, um pouco por toda a
Europa. Este é o denominado “síndroma Cinderela”, em que se verifica a “manifestação do
interesse público e das autoridades no sentido da requalificação de áreas anteriormente
degradadas, obsoletas ou subutilizadas, tendo em vista o desenvolvimento de um carácter
urbano, paisagístico, cultural e de lazer que responda às novas solicitações que se colocam
à sua fruição” (Urban Wildlife Research Center, 1981).
Segundo H.D.BARATA (1996), a reabilitação dos espaços portuários “foi assumida,
durante os anos 70 e sobretudo 80 em muitas cidades, como a intervenção urbana de maior
vulto, despertando a atenção de muitos agentes com interesses por vezes divergentes:
autoridades públicas, cidadãos – utentes, organismos portuários, grupos profissionais
ligados ao planeamento urbano e investidores privados”.
2. Um novo modelo de intervenção espacial
A reabilitação das frentes de água e dos antigos espaços portuários constitui uma
tendência na transformação das cidades Ocidentais, levando-as, muitas vezes, a um
projecto urbano assente no modelo City Beautiful, como foram na sua época os boulevards
do Século XIX (BRANDÃO, 2004).
Para SIEBER (1999), as novas estéticas ambientais e de planeamento estabelecem a
água como um elemento central, que muitas vezes serve de pano de fundo na paisagem
urbana.
Assim, têm-se registado esforços de reabilitação das frentes de água, sendo na Era
pós-industrial que este facto ganha importância. O declínio de indústrias pesadas e a
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transição para uma economia com base nos serviços fazem com que estas preocupações
se tornem evidentes.
A redescoberta do valor paisagístico e ambiental das frentes de água, associada à
possibilidade da aproximação da população à “água”, tem-se convertido num novo modelo
de urbanização contemporânea. Neste contexto, muitas têm sido as cidades que nos últimos
anos têm desenvolvido estratégias de ordenamento territorial nestes espaços. Nesta
perspectiva, há uma nova forma de “olhar” para o espaço existente, mais atenta à paisagem
e aos processos de sustentabilidade do território.
Os actuais projectos urbanos em diversas cidades demonstram que a reabilitação
das áreas ribeirinhas é um “guia” chave para interpretar a lógica sobre a qual se apoia a
“reconstrução” destes espaços europeus.
Actualmente, o novo papel económico deste espaços reflecte-se nas novas
iniciativas da sua gestão. A reabilitação ribeirinha atrai progressivamente a população,
surgindo novas actividades. Através deste processo é possível satisfazer os desafios de
reestruturação económica e ambiental, melhorar a qualidade da água, gerindo as ameaças
colocadas pela poluição da água, implementar novas estratégias de ordenamento, melhorar
a extensão do acesso público à área ribeirinha e encorajar a participação pública no
processo de gestão desta áreas.
3. A Área Metropolitana de Lisboa e a reabilitação de frentes de água
Este ponto tem como objectivo dar uma visão geral da dinâmica do desenvolvimento
urbano e da reabilitação de frentes de água na Área Metropolitana de Lisboa (AML).
Contudo, são necessárias algumas observações introdutórias para clarificar a relação entre
estes pontos.
A AML é constituída por 18 municípios e, de acordo com os Censos de 2001, tem
uma população residente de 2.682.687 habitantes, cerca de 27,18% da população do
Continente (INE, 2001). Tem uma área de costa com importantes características naturais,
culturais e paisagísticas. De um modo geral, a costa Atlântica é composta por arribas,
formações dunares e extensos areais, com perto de 20 Km de comprimento, incluíndo os
dois estuários, do Tejo e do Sado, que gozam de uma considerável biodiversidade.
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Fig. 1 – A Área Metropolitana de Lisboa
Apesar da elevada concentração populacional na AML observa-se que na cidade de
Lisboa propriamente dita se tem vindo a verificar uma perda de população. A diminuição da
população teve início com o processo de suburbanização, que a crescente terciarização da
cidade veio reforçar, remetendo para as periferias a sua função residencial. As estatísticas
apontam para um acentuar dos níveis de envelhecimento demográfico nos bairros mais
centrais da cidade. Por outro lado, assiste-se a um aumento populacional nos concelhos
periféricos na sequência do desenvolvimento do sistema de transportes e de redes viárias.
Esta tendência de crescimento urbano “macrocéfalo” emergiu no pós-guerra nas
grandes cidades dos países industrializados, tendo sido desencadeada pela concentração
das actividades económicas nos centros urbanos. Ao processo de terciarização corresponde
uma dinamização do emprego, um deslocamento da função residencial para a periferia e a
um abandono de diversos espaços, nos quais encontramos as frentes urbanas ribeirinhas.
Emergem assim, concelhos “dormitório”: primeiro na margem Norte (a partir dos anos
40), ao longo dos eixos ferroviários; e mais tarde (anos 60) na margem Sul, com a abertura
da Ponte 25 de Abril, com a auto-estrada do Sul e com as vias rápidas da Caparica e do
Barreiro.
Contudo, a elevada e crescente densificação de construção residencial nova nas
periferias, não foi acompanhada por quaisquer políticas de reconstrução e reabilitação dos
espaços e dos edifícios abandonados, ao contrário do que já se verificava entre os parceiros
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europeus ao nível do investimento na criação de uma dinâmica de desenvolvimento urbano
sustentável.
O elevado crescimento urbano, a par da ausência ou da fraca qualidade de
planeamento, deu origem a uma paisagem urbana desequilibrada e desqualificada no que
se refere à qualidade de vida urbana, à degradação de recursos e dos processos naturais e
paisagísticos.
No seguimento de toda esta dinâmica, colocaram-se e colocam-se alguns problemas
no espaço urbano, podendo-se referir, para exemplo, a carência de espaços verdes urbanos
de recreio e lazer para exemplo. Neste contexto, os municípios, a Administração do Porto de
Lisboa e o Governo têm procurado dar resposta a todas estas preocupações. Têm
desencadeado diversas acções e projectos de reabilitação urbana e ambiental, visando
devolver o rio à população.
Contudo, o planeamento municipal é muitas vezes feito de “costas voltadas” para os
concelhos contíguos, não tendo em conta aspectos de complementaridade e/ou
continuidade territorial. Deste modo, é necessário desenvolver e ter em conta estudos
básicos e processos de planeamento integrado, a nível municipal e supramunicipal, para o
estabelecimento de um lógica de ordenamento com vista a alcançar um desenvolvimento
sustentável do território.
Como foi referido anteriormente, o processo de reabilitação das frentes de água,
inserido num movimento internacional, surgiu para dar resposta às modernas exigências de
compatibilização entre os efeitos espaciais negativos da evolução económica e a
necessidade da salvaguarda da qualidade urbana e ambiental. Neste contexto, assistimos,
actualmente, em todo o território ribeirinho metropolitano a diversas mudanças urbanas e as
áreas ribeirinhas são de certo modo o seu case study. Numa tentativa de devolver o rio à
população têm-se desenvolvido projectos de intervenção urbanística enquadrados em
princípios de sustentabilidade, respeitando o ambiente e as especificidades das áreas
ribeirinhas.
A paisagem da AML permite-nos encontrar os elementos e os sistemas básicos
necessários para a recriação duma nova paisagem cuja sustentabilidade dependerá de
princípios, valores, formas e recursos, também presentes na relação de proximidade com a
natureza e na dinâmica próprias de todo o território.
Seguindo de certa forma este princípio os municípios da AML têm desenvolvido
esforços com o objectivo de (re)criar novos espaços. Nesta perspectiva, torna-se de extrema
importância saber conjugar o desenvolvimento dos modos de vida emergentes na sociedade
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contemporânea com as condições ambientais e com os recursos ambientais que respondem
aos novos consumos urbanos, de cultura, lazer e recreio.
Neste contexto, as frentes de água ganham uma crescente importância social,
cultural e económica, e ganham uma posição central nas estratégias e políticas territoriais
das cidades costeiras europeias.
Dos municípios que constituem a AML, 16 têm frentes de água, 6 com frentes
costeiras e 10 com os estuários dos rios Tejo ou Sado. Daqui se pode depreender a
importância que a “água” deverá adquirir nas políticas municipais e metropolitanas.
Em Portugal, a “redescoberta” das frentes de água como espaços de valorização
urbana, deu-se a partir do final dos anos 80. Contudo, o grande impulso verificou-se com a
realização da EXPO’98 e com o projecto do Parque das Nações.
Fig.2 – EXPO’ 98 (Lisboa)
A EXPO’98 serviu, de certo modo, de alavanca para o projecto do Parque das
Nações. Este espaço estende-se por 5 km ao longo da frente ribeirinha do estuário do Rio
Tejo.
Pretendeu-se revalorizar a relação da cidade com o Rio, recuperarando o ambiente e
a paisagem, reconverteendo os usos desta área, assegurarando a integração deste espaço
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no tecido da "cidade" e a participação na sua identidade, de forma a constituir uma nova
centralidade na área metropolitana de Lisboa.
Este projecto constituiu assim, não só uma oportunidade de reabilitação urbanística e
ambiental, mas também de modernização e internacionalização da Área Metropolitana de
Lisboa.
No contexto da AML, nos últimos 10 anos, com o incentivo de programas estatais,
enquadrados no QCA III - como o Programa Polis - surgiram diversos planos e projectos
municipais centrados nas frentes de água. Estes tiveram por objectivo a reabilitação urbana
e ambiental, e a valorização do recreio e do lazer junto à “água”.
Muitos foram os municípios que desenvolveram projectos com uma visão de
conjunto, permitindo uma articulação de temas e conteúdos, e a compatibilização dos
diversos usos e ocupações destes espaços. Estes municípios desenvolveram estudos e
programas para as respectivas frentes de água, permitindo dar uma articulação e equilíbrio
programático aos diversos projectos.
A título de exemplo, podemos referir o plano de conjunto para a Baía do Seixal, o
programa para a Frente Ribeirinha de Mar da Costa da Caparica, ou o programa PROTEJO
para a Orla Ribeirinha do Concelho da Moita.
Fig. 3 – Almada e Cacilhas
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As linhas estratégicas e o modelo territorial do PROTAML são tomados como
referências de partida na medida em que se dá especial importância ao tema da “água”, das
“frentes de água” e ao Estuário do Tejo.
O PROT estabelece nos seus objectivos de estratégia territorial “recentrar a Área
Metropolitana no Estuário do Tejo, salvaguardando os valores naturais e as áreas
protegidas” e “desenvolver a Grande Lisboa, cidade de duas margens”. Assim, observa-se
um “afirmar do Estuário do Tejo como espaço central da estrutura metropolitana”,
valorizando-se “a presença da Água como recurso e como valor ambiental e paisagístico
estratégico, e o Estuário do Tejo como espaço de diferenciação territorial e de identificação
e coesão metropolitanas”, através de instrumentos de gestão territorial.
Neste contexto, a aposta na reabilitação do Estuário do Tejo pode constituir o ponto
chave para a valorização internacional do papel da água e das frentes de água na AML, o
que funcionará como motor de valorização de todas as frentes de água da região (BRANDÃO,
2004). Assim, e perante uma ampla gama de possibilidades e de oportunidades, criam-se
novos espaços de interface entre a vida urbana e os espaços naturais costeiros e
estuarinos.
4. A reabilitação de frentes de água em Espanha: o caso da Área Metropolitana Barcelona
É a partir da finais da década de 1970, início da década de 1980, que se assiste ao
declínio da actividade industrial em Espanha, tal como acontecia um pouco por toda a
Europa e já tinha acontecido uma década mais cedo na América do Norte. A Área
Metropolitana de Barcelona é um exemplo disso.
Nesta década assiste-se em Barcelona ao abandono de vastas áreas, de armazéns,
de equipamentos diversos e das instalações industriais que funcionavam no porto. O
aparelho produtivo desta cidade portuária entrou assim em declínio, originando
paralelamento graves problemas a nível urbanístico. No contexto social, o desemprego
alcança níveis elevados, acentuando os problemas sociais e a exclusão social.
Neste contexto, tornou-se prioritária para a cidade uma estratégia de reorientação
económica que reconvertesse todo esta área abandonada e a devolvesse à cidade e aos
seus residentes. Neste sentido desde 1987 que o centro histórico de Barcelona desenvolve
um Plano de Reabilitação Integral ao nível de vários sectores: urbanismo, habitação,
segurança, bem-estar social, revitalização económica e mobilidade. A par deste plano
muitos outros projectos e parcerias se desenvolveram. A operação Olímpica foi um desses
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projectos. Este proceso constituiu uma reestruturação para toda a Área Metropolitana em
geral e para o litoral em particular. Este processo de reestruturação foi impulsionado,
sobretudo, pelo sector público, nomeadamente pelas entidades nacionais, regionais e locais.
Com este projecto, as entidades promotoras pretenderam “abrir a cidade ao mar”
destruindo a cintura portuária e construindo um passeio marítimo pedonal. Foi criado um
“balcão” sobre o mar, hierarquizando-se subterraneamente o tráfego automóvel. Outras
intervenções são também dignas de nota como a construção da Vila Olímpica, em 1992,
como conceito de “reconstrução da cidade interior”. Pretendeu-se com esta acção recuperar
a fachada litoral de Barcelona transformando a área do Poble Nou em novo quarteirão
marítimo (Vila Olímpica) e distribuindo as instalações olímpicas por quatro sectores distintos
da cidade, no sentido de associar benefícios sociais a todos os cidadão: colina de Montjuich,
parque marítimo, Diagonal e Vall d’Hebron (Malta, 1999).
Esta nova paisagem urbana é marcada pela consolidação de Barcelona como cidade
costeira. Esta transformação foi importante para toda a área reabilitada mas também pelo
efeito de contágio que teve em relação às áreas contíguas. Este facto faz com que áreas
históricas, como a parte medieval da cidade (Port Veill), e os bairros antigos de
trabalhadores que se encontravam degradados (Poblenou e Barceloneta) fossem tidos em
conta em todo o processo.
Todo este processo foi apoiado no modelo norte-americano da década de 1940 que
apostava nas actividades culturais e recreativas, no comércio, em edifícios para o sector
terciário, em espaços e passeios públicos. Contudo, e apesar de ser um modelo antigo,
conseguiu que toda a área litoral e portuária fosse reabilitada, sendo ao mesmo tempo
catalizadora da transformação global da cidade (Malta, 1999). Pode mesmo dizer-se que é
um projecto de e para a cidade, revelando um “saber fazer” e constituindo um modelo
possível para muitas cidades europeias.
5. Síntese conclusiva
A valorização da água e das frentes de água numa escala metropolitana exige, no
quadro institucional, a convergência e a concertação de estratégias, políticas, projectos e
procedimentos das diversas entidades que têm a tutela e intervêm nestes espaços.
Contudo, o que se verifica actualmente é que esta situação não se verifica, permanecendo a
ideia de que as áreas ribeirinhas são “áreas de dificuldade” e espaços onde convergem as
divergências institucionais. Contudo, podem tornar-se áreas actractivas, reconquistando os
espaços portuários antes abandonados.
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Os dois casos apresentados são exemplo disso. A par do projecto da Expo’98,
encontrámos no outro caso apresentado a operação Olímpica em Barcelona. Se a Expo’98
conseguiu que uma área obsoleta e degradada fosse reabilitada e requalificada urbanistica
e ambientalmente, o mesmo se pode dizer do que aconteceu na criação da Vila Olímpica de
Barcelona. A criação de Vila Olímpica numa antiga área industrial permitiu a reestruturação
de todo o tecido urbano de Barcelona recuperando-se o traçado de Cerdá.
Em resumo, pode dizer-se que o caso da experiência de Barcelona, ao longo da
década de 1980 e início da década de 1990, pode ser visto como uma nova estratégia de
projecção e gestão urbana, vindo superar o impasse que se criou durante a década de
1990. Lisboa, tal como muitas outras cidades europeias, procuraram ou procuram uma
estratégia similar, um projecto urbano que parte das raízes da própria cidade assegurando
uma visão a longo prazo, contemplando estratégias compatíveis com a cidade tradicional
(Busquets, 2003).
Neste contexto de reabilitação de frentes ribeirinhas, e tendo em conta que a questão
institucional é central no processo de transformação das frentes de água e que actualmente
muitas foram as entidades que desenvolveram projectos nestas áreas, devem ser tidos em
conta alguns pontos:
→→→→ desenvolver programas de reabilitação e de requalificação das frentes de
água;
→→→→ construir a diversidade de espaços ribeirinhos, contrariando a
banalização e a repetição de modelos conhecidos;
→→→→ entender as formas de apropriação e de identificação das populações
com esses espaços, tendo visão dinâmica das mudanças sociais e
culturais;
→→→→ transformar os espaços ribeirinhos através de projectos inovadores,
enquadrados numa visão de conjunto que tenha em atenção todos
factores relevantes para o ordenamento do território- diversidade social,
histórica, cultural, paisagística e biofísica, por exemplo;
→→→→ ter em conta a abordagem a diversas escalas territoriais (metropolitana,
intermunicipal, municipal/ local) e a sua articulação;
→→→→ recuperar de património cultural e histórico;
→→→→ promover a regulamentação urbanística;
→→→→ “ligar” a cidade à água.
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