A Representatividade do Índio... – Barbosa et alii.
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A REPRESENTATIVIDADE DO ÍNDIO NO LIVRO DIDÁTICO
UM OLHAR SOBRE UMA COLEÇÃO DE LÍNGUA
PORTUGUESA
d.o.i. 10.13115/2236-1499v2n18p95
Raile Cabral Barbosa1
Francineide Henrique de Vasconcelos2
Djalma Andrade de Melo 3
Oriel Pinto Tenório4
Acauam Silvério de Oliveira5
Resumo: A cultura indígena às vezes é vista como uma
representatividade primitiva dos povos nativos, conforme aponta
Pimentel (2012). Desse modo, estudos relacionados a importância da
valorização da cultura indígena tornam-se imprescindíveis para ampliar
as investigações relacionadas a essa temática na escola. A partir disso,
pretende-se analisar como a figura do índio é retratada no livro didático
de língua portuguesa. Portanto, utiliza-se a coleção de CEREJA e
COCHAR (2015) utilizada na comunidade escolar do município de Bom
Conselho-PE como objeto de estudo para verificação de dados. Ao final
desse trabalho consegue-se perceber uma representação mínima da etnia
indígena nos livros de Português apresentados pela coleção, o que nos
leva a concluir que essa falta de uma maior representatividade do índio
1 Graduanda do curso de Letras – Língua Portuguesa e suas literaturas da Universidade
de Pernambuco. E-mail: [email protected]. 2 Graduanda do curso de Letras – Língua Portuguesa e suas literaturas da Universidade
de Pernambuco. E-mail: [email protected]. 3 Graduando do curso de Letras – Língua Portuguesa e suas literaturas da Universidade
de Pernambuco. E-mail: [email protected]. 4 Graduanda do curso de Letras – Língua Portuguesa e suas literaturas da Universidade
de Pernambuco. E-mail: [email protected]. 5Professor Doutor da Universidade de Pernambuco – Campus Garanhuns
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nos livros didáticos é um dos fatores a partir dos quais construímos a sua
imagem distorcida, o que nos faz perceber que a representatividade da
figura indígena ainda não se tornou objeto de estudo crítico-reflexivo.
Dessa maneira, o índio continua marginalizado socialmente até no livro
didático de língua portuguesa.
Palavras-chave: Índio. Livro. Escola.
ABSTRACT: Indigenous culture is sometimes seen as a primitive
representation of native peoples, as Pimentel (2012) points out. In this
way, studies related to the importance of the valorization of the
indigenous culture become essential to expand the investigations related
to this theme in the school. From this, we intend to analyze how the
Indian figure is portrayed in the Portuguese language textbook.
Therefore, the collection of CEREJA and COCHAR (2015) used in the
school community of the municipality of Bom Conselho-PE is used as
object of study to verify data. At the end of this work it is possible to
perceive a minimal representation of the indigenous ethnicity in the
Portuguese books presented by the collection, which leads us to conclude
that this lack of a greater representativeness of the Indian in textbooks is
one of the factors from which we construct the its distorted image, which
makes us realize that the representativeness of the indigenous figure has
not yet become the object of critical-reflective study. In this way, the
Indian continues to be socially marginalized even in the Portuguese
language textbook.
Keywords: Indian. Book. School.
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Introdução
Nem sempre a questão da cultura indígena foi/é bem trabalhada
nas escolas brasileiras, como realmente deveria ser. Muitas vezes, os
conteúdos e sequências didáticas se encarregam de trabalhar essa
temática de maneira equivocada e maquiada, o que acarreta no
ocultamento dos fatos ocorridos na história dos povos indígenas,
propiciando assim a criação de uma imagem do índio em alguns aspectos
equivocada, prejudicando a formação dos estudantes inseridos no
contexto escolar. Menezes (2014, p. 2), afirma que:
É muito raro, fora de um ambiente de
especialistas na questão indígena, conversar
sobre os índios e não ter que responder a
perguntas como: “Eles andam pelados? Eles
falam tupi?”. A formulação dessas questões nos
remete novamente àquela imagem do índio com
cocar, arco e flecha na mão, similar ao modo
como são retratados nos livros didáticos. São
perguntas, muitas vezes ingênuas e sempre
curiosas em se aproximar dos índios, mas que
confirmam a eficiência da nossa educação
escolar em fazer a manutenção desse imaginário
que trata de um índio genérico, estereotipado,
refletindo a ausência de um estudo sobre a
diversidade étnica e a contemporaneidade dos
povos indígenas no Brasil.
A partir disso, percebe-se que mesmo em um período
contemporâneo ainda existem ideologias e ideias equivocadas a respeito
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da cultura indígena e do índio em suas peculiaridades culturais. A própria
escola contribui para essa visão ao cultivar uma imagem do índio como
“selvagens” e “primitivos”, esquecendo-se de considerá-los como
integrantes contemporâneos da nossa sociedade, em alguns casos.
Nesse cenário, temos uma história que representa os povos
indígenas apenas como figurantes do ato da colonização sem levar em
consideração os seus costumes, crenças e valores. As escolas assim
tornam-se um espaço especifico para a (des)construção de conhecimento,
e informações esclarecidas com relação as especificidades advindas da
cultura indígena.
Com a Lei nº 11.645/08 assim sancionada abriu-se o espaço para
que houvesse a necessária representação e construção sociocultural e
histórica dos povos indígenas. Porém, as maneiras pelas quais muitas
escolas abordam a representatividade do índio é ainda bastante
homogênea, os alunos em muitos casos criam um conceito de que os
índios vivem todos da mesma forma, compartilhando a mesma cultura,
partilhando das mesmas crenças e hábitos; contudo sabemos que a
realidade não é essa. Para Menezes (2014), o surgimento dessa lei
implanta uma nova forma de relacionamento do índio com o Estado e
com a sociedade como um todo, oferecendo assim, um novo modo de
pensar das futuras gerações a respeito da imagem dos povos indígenas,
reconhecendo os valores dos mesmos.
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Diante de todo esse contexto vivido ao longo do tempo chega-se
a conclusão de que é preciso pregar uma política igualitária e justa com
relação aos povos indígenas, integrantes importantes da nossa sociedade.
É necessário analisar e avaliar o modo como as escolas estão trabalhando
e quais políticas sociais e ideologias estão sendo usadas na instrução dos
estudantes no que diz respeito à cultura indígena. É necessário que o
indivíduo em formação se depare com a realidade desses povos e
compreenda todos os aspectos da cultura desses, para que só assim possa-
se formar cidadãos conscientes e conscientizadores do papel e
importância, como também do respeito que se deve ter para com os povos
indígenas.
Reflexões acerca da Lei 11645/2008
A lei 11645/2008 surge com o objetivo de instaurar a
obrigatoriedade do estudo da história e cultura indígena no ensino
fundamental e médio, no setor público e privado, considerando o fato de
que a cultura indígena foi historicamente marginalizada na educação e
história brasileira, conforme afirmam Martins e Soares (2015).
Essa Lei busca constituir-se como um mecanismo de combate ao
preconceito, à discriminação étnico-racial, e a invisibilidade a qual os
povos negros e indígenas foram submetidos, possibilitando reflexões
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mais profundas acerca da diversidade cultural que compõe o país, como
afirmam BERGAMASCHI e GOMES (2012); NEVES (2009).
A busca por um reconhecimento dos negros e indígenas como
sujeitos que fizeram e fazem parte da construção social de nossa história
e também da economia do país, desencadeou várias campanhas como
também propiciou o desenvolvimento de projetos de leis. Tudo acontece
devido a uma notável marginalização desses povos, uma vez que desde a
época da colonização temos no Brasil uma história de exploração onde o
colonizador impõe sua cultura e se apropria bruscamente do espaço físico
sem permitir que os verdadeiros “donos da terra”, os indígenas, possam
ter voz e vez. A partir disso, o índio sempre teve que lutar tanto pelo
território quanto pela afirmação de sua identidade negada historicamente
por uma sociedade mercantilista e exploradora. Por conseguinte, a lei
11.645/08 é considerada o marco de uma das grandes conquistas dos
direitos sociais dos negros e indígenas. É o que aponta o parágrafo 1 do
artigo 26-A da Lei 11.645/08:
§ 1º O conteúdo programático a que se
refere este artigo incluirá diversos aspectos
da história e da cultura que caracterizam a
formação da população brasileira, a partir
desses dois grupos étnicos, tais como o
estudo da história da África e dos africanos,
a luta dos negros e dos povos indígenas no
Brasil, a cultura negra e indígena brasileira
e o negro e o índio na formação da
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sociedade nacional, resgatando as suas
contribuições nas áreas social, econômica e
política, pertinentes à história do Brasil.
(BRASIL, 2008.).
É comum perceber que em algumas escolas não existem
mudanças significativas em relação ao ensino da temática indígena, já
que, a maioria dos profissionais não estão capacitados para trabalhar tais
temáticas e por isso acabam perpetuando a imagem marginalizada e
folclórica que a cultura indígena recebe do senso comum. Quando a
temática é trabalhada geralmente incorpora uma metodologia bem
arcaica, através de pesquisas sem análise ou reflexão ou ainda por meio
de práticas de pintura que não condizem com a realidade e cultura
indígena. Isso acaba inviabilizando a devida representação da figura dos
povos indígenas, uma vez que nessa atividade não há reconhecimento e
preparo dos alunos na compreensão e valorização dessa cultura. Tudo
isso acontece, principalmente, devido a falta de formação continuada dos
professores que desde sua formação acadêmica não são estimulados a
refletir sobre a temática étnico-racial, a não ser nos cursos de licenciatura
em história, que em sua grade curricular exige essa formação. Na
obrigatoriedade da Lei 11.645/08 também não aparece a formação de
professores com relação ao estudo da didática e ao desenvolvimento de
atividades pertinentes em sala de aula como uma exigência da mesma lei,
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constando somente a obrigatoriedade da inserção do trabalho reflexivo
com relação à figura indígena na grade curricular de ensino.
Análise Da Coleção De Língua Portuguesa - Cereja E Cochar (2015)
O Livro Didático (LD) é uma das principais ferramentas para o
desenvolvimento das atividades em sala de aula. Em alguns casos, é o
único auxílio disponibilizado ao professor para que ele consiga ensinar
seu conteúdo com o mínimo de eficiência e qualidade. O LD é ainda um
recurso de letramento social, uma vez que permite o encontro do
estudante com as mais diversas culturas, religiões, crendices e com uma
ampla gama de gêneros textuais. Tudo isso faz com o estudante tenha
uma visão abrangente da constituição das diversas comunidades sociais
difundidas pelo mundo.
Com relação a aprovação e aquisição das coleções de livro didático
temos O FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação) que
funciona como um órgão do governo federal destinado especificamente
a disposição de recursos para atendimento à educação básica. É por meio
desse programa que os livros didáticos são adquiridos pelas escolas da
rede pública de ensino depois de serem aprovados e selecionados
conforme critérios de avaliação do MEC (Ministério da Educação e
Cultura).
Considerando a importância do LD para o processo de ensino-
aprendizagem dos nossos estudantes resolvemos avaliar a coleção de
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Cereja e Cochar (2015) da comunidade escolar do município de Bom
Conselho-PE, situado no agreste meridional com a finalidade de
investigar como a coleção do ensino fundamental II que compreende as
etapas de ensino do sexto ao nono ano do município constroem a figura
indígena em seu material didático.
Os critérios de avalição do Livro Didático inferidos pelo MEC
para adequação do material didático seguem noções de caráter comum e
específico. Esses critérios comuns determinam: o respeito e a efetivação
das determinações de todos os documentos destinados ao ensino
fundamental (legislações, diretrizes, normas), a observância dos
princípios éticos na construção da cidadania, a coerência e adequação na
abordagem teórico-metodológica, além de outras noções de igual
importância.
Os critérios específicos de análise e aprovação do LD, por sua
vez, são relativos ao conhecimento e efetivação linguística e dizem
respeito: a natureza do material didático, ao trabalho com a produção
escrita e com a oralidade, além é claro, da observância das
especificidades do Manual do Professor que deve seguir regulamentações
particulares para que este não seja somente a mera cópia do livro do aluno
com o acréscimo de respostas.
A partir disso, entendemos que é importante a propagação de
livros que estejam desvinculados de preconceitos sociais e que
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promovam a disseminação de um material que organize o conhecimento
através de uma perspectiva contextualizada e atual. Isto é, que permita o
encontro do professor e do aluno com todos os avanços científicos
obtidos recentemente através de pesquisa e análise de forma desvinculada
de preconceitos sociais. Vejamos a seguir algumas considerações sobre a
coleção.
Figura 1
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A figura 1 traz uma abordagem da língua e de suas variedades. É
a partir dela que se introduz a questão das várias línguas que circulam
pelo mundo todo. Analisando essa coletânea do sexto ano do ensino
fundamental foi encontrado apenas um caso da representação indígena, e
esse muito restrito, já que se localiza atrelado a outros fenômenos que se
destacam, como a variação linguística. É preciso perceber então que a
compreensão de uma língua difere da percepção de uma variação dessa
mesma língua ou ainda de um dialeto. A “língua do índio”, por assim
dizer representa um idioma e não apenas um dialeto e menos ainda uma
variação da Língua Portuguesa.
Nisso o livro sabe diferenciar bem, uma vez que na figura 2, há
um texto de apoio apontando a extinção das línguas ao longo do tempo e
entre essas extinções encontramos justamente línguas indígenas. É só
nessa passagem, com relação à língua que o índio é de certa forma
mencionado no livro. Mais uma vez é constatada a falta da abordagem da
cultura indígena nos manuais de língua portuguesa do ensino
fundamental. De acordo com os dados oficiais da FUNAI, conforme o
último Censo Demográfico datado do ano de 2010, temos no Brasil a
quantidade de 274 línguas indígenas além da afirmação no próprio site
da confirmação de um percentual de 17,5% de indígenas que não falam
o idioma oficial do território brasileiro, a Língua Portuguesa. Essa
extinção possivelmente deve-se ao fato de a língua e linguagem indígena
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ter sido sempre avaliada a partir de um olhar etnocêntrico oriundo de uma
cultura colonizadora que historicamente tentou apagar todas as
características daqueles que não estavam dentro de seus padrões. É
evidente que a oficialização da Língua Portuguesa é uma questão
capitalista e burocrática, mas isso não significa necessariamente o
apagamento de outras línguas. No entanto, o que percebemos é o
Figura 2
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silenciamento de uma língua que deixa de aparecer por parecer
incivilizada para o colonizador que não tem interesse nenhum em
aprendê-la ou perpetua-la.
De acordo com o exame do livro didático do oitavo ano do ensino
fundamental, ocorre mais um caso de defasagem quanto a presença do
índio. Na figua 3, estão representadas as diversidades culturais do nosso
país. O índio é representado por uma mulher que tem um cocar na mão,
cabe destacar o modo como ela é exibida, a mesma é moderna e se veste
nos padrões da atualidade, o que acaba por determinar sua cultura e etnia
é o fato de possuir o cocar as mãos e alguns colares ao pescoço. Uma
didática eficente na desconstrução desses ideiais distorcidos seria o
estudo de documentários que troxessem a própria fala dos povos
indigenas, ou ainda por meio de visitas as aldeias mais próximas se assim
houver a possibilidade desse encontro. Assim, atividades que viabilizam
a fala e a perspectiva indigena sobre a realidade social são as mais
pertinententes para o estudo e reflexão em sala de aula.
Figura 3. Livro do 8° ano - Representação de etnias.
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Figura 3
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A figura 4, aborda uma atividade sobre as etnias e na primeira
alternativa dessa página se pede para localizar uma índia na imagem e
descrever o modo como ela é representada. Bem como trabalha com as
características das diferentes etnias e ainda ressalta que a sociedade
brasileira é formada por três etnias, o índio, o branco europeu e pelo
negro.
Figura 5. Livro do 9° ano - A concordância na construção do texto. Texto base: Papo de índio.
Figura 4
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Ao analisar a coleção do nono ano do ensino fundamental de
Cereja e Cochar (2015), percebe-se certa carência no que tange a
presença da temática indígena no livro didático. Ao examinar a coleção
não houve o encontro de uma abordagem mais específica ou mesmo uma
parte dedicada à cultura indígena no material.
Como é possível notar na figura 5, tem-se a representação da
imagem do índio, porém não se trata aqui de falar ou apresentar algo
Figura 5
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sobre sua cultura, mas sua figura é utilizada apenas como complemento
do texto “Papo de Índio”, que tem como finalidade trabalhar o conteúdo
- Concordância Verbal, apresentando pequenos “erros” de concordância
como sendo uma marca do dialeto dos povos indígenas, o índio é usado
como representante das marcas linguísticas utilizadas pelos falantes no
dia a dia. Nesse caso, o indígena só aparece como um artifício para se
trabalhar determinada temática no material didático. Assim, podemos
entender qualquer tipo de discriminação com relação à língua indígena
como a configuração de um preconceito linguístico que segundo Scherre
(2008, p. 12) é “o julgamento depreciativo, desrespeitoso, jocoso e
consequentemente humilhante da fala do outro ou da própria fala”. Além
disso, a língua indígena sempre foi avaliada a partir de uma cultura
etnocêntrica que a despreza, pois conforme. Os PCN´s (1998, p. 82) de
Língua Portuguesa:
A discriminação de algumas variedades linguísticas,
tratadas de modo preconceituoso e anticientífico, expressa
os próprios conflitos existentes no interior da sociedade.
Por isso mesmo, o preconceito linguístico, como qualquer
outro preconceito, resulta de avaliações subjetivas dos
grupos sociais e deve ser combatido com vigor e energia.
Então, percebe-se que a atribuição do título “papo de índio” com
o estudo da concordância verbal e nominal mostra ao aluno uma visão de
índio que não conhece a língua padrão e que faz uso somente da
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variedade não padrão língua, o que não condiz com a realidade social
atual.
Já a figura 6, cabe destacar a resolução do exercício sobre o texto
“Papo de índio”, realizando reflexões sobre determinadas práticas
linguísticas que pecam quanto a sua concordância. O quarto quesito traz
toda uma reflexão a respeito dessas práticas, se elas pertencem aos povos
indígenas ou se é uma questão da variedade não padrão da língua
portuguesa. Ainda nessa questão, é feita uma espécie de assimilação ou
metáfora entre as situações vívidas pelos povos indígenas em momentos
Figura 6
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da história, já que trata do processo de colonização e da dominação desse
povo para abordar o “índio”, personagem do texto, como devorador e
dominador do colonizador, devido a seus equívocos quanto à
concordância verbal. Dessa forma, fica claro o não direcionamento na
coleção sobre a cultura indígena e seus aspectos.
Diante disso, pode-se inferir a variação linguística não como um
problema ou déficit, mas como um fenômeno natural apresentado por
toda e qualquer língua, uma vez que até o falante mais culto de um idioma
apresenta variações em sua fala conforme os diferentes contextos
comunicativos. Para Gnerre (1998, p. 4), “uma variedade linguística
“vale” o que “valem” na sociedade os seus falantes, isto é, vale como
reflexo de poder e autoridade que eles têm nas relações econômicas e
sociais.” Isso nos faz pensar porque determinadas formas linguísticas são
elogiadas ou estigmatizadas conforme o poder social que exercem em sua
comunidade de fala.
No livro do 9° ano de Língua Portuguesa da coleção analisada
temos a “linguagem do índio” trabalhada através de um poema de Chacal
(1982) intitulado com o nome “Papo de índio”. Esse poema está inserido
no estudo da concordância textual e pretende, portanto, discutir os
aspectos relacionados a concordância nominal e verbal.
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A aparição da figura do índio exatamente nesse trecho nos leva a
refletir porque o “papo de índio” seria pertinente para iniciar a discussão
acerca da concordância no texto, e para além disso nos leva ao
questionamento de como foi e de como é a linguagem do índio na
sociedade.
É notório que durante toda a discussão da coleção de Cereja e
Cochar (2015) a representatividade do índio é mínima, uma vez que não
há um texto especificamente escolhido e/ou selecionado para discutir e
refletir sobre essa etnia na sociedade, ou mesmo no mundo material em
que o estudante está inserido. Assim, o alunado não consegue despertar
o olhar de maneira crítica e real com relação à etnia indígena
considerando o fato de que o livro didático não tem essa reflexão como
um de seus objetivos.
Portanto, ao avaliar todos esses volumes da coleção de Cereja e
Cochar (2015), a conclusão que se chega é surpreendente, de certa forma,
pois é perceptível a carência da presença da cultura indígena em todos
os volumes. A cultura indígena é parte da constituição da sociedade
brasileira e tem grande mérito em ser abordada, além de ser importante
na constituição do entendimento da figura do índio para o alunado
contemporâneo, visando desconstruir determinadas imagens equivocadas
a respeito desses povos que merecem todo respeito e admiração de todos
aqueles que fazem parte da sociedade como um todo
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Considerações finais
Nota-se através desse trabalho acerca da coleção analisada que os
livros não dão conta de abordar a figura do índio de uma forma que rompa
com os preconceitos existentes, o que percebe-se é uma manutenção da
figura folclórica, distante e silenciada. Não vimos abordagens que
relatassem a visão dos próprios índios sobre a história dos seus povos,
não se tem uma representação de escritores, poetas, pintores indígenas.
A coletânea não possibilita uma reflexão sobre a atual situação desses
povos, entendendo a pluralidade dos mesmos, para que os usuários do
material didático também compreendam que alguns povos vivem como
seus antepassados e outros são modernos. É necessário que os órgãos
selecionadores desses livros busquem de fato se adequar aos critérios
postos pela lei 11.645/08 e dessa forma possam efetuar o processo
seletivo de escolha dos livros, sabendo que muitos estudiosos, inclusive,
indígenas estão produzindo conhecimento para desmistificar o que se
tinha construído em relação aos povos indígenas, compreendemos que
seria relevante a participação dessas pessoas para dar um suporte na
escolha de tais materiais.
REFERÊNCIAS
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NEVES, I. A invenção do índio e as narrativas orais Tupi. Tese
(doutorado) - Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Estudos
da Linguagem. Campinas, SP: 2009.
SCHERRE, M. M. P. Doa-se lindos filhotes de poodle – Variação
linguística, mídia e preconceito. São Paulo. Parábola, 2005.
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ANALISADOS
CEREJA, W. R; MAGALHÃES, T. C. Português: linguagens, 6. 9° ed.
reform. São Paulo: Saraiva, 2015.
________. Português: linguagens, 7. 9° ed. reform. São Paulo: Saraiva,
2015.
________. Português: linguagens, 8. 9° ed. reform. São Paulo: Saraiva,
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________. Português: linguagens, 9. 9° ed. reform. São Paulo: Saraiva,
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