Eni de Faria Sena A SELEÇÃO DOS CONTEÚDOS ESCOLARES:
DA PRESCRIÇÃO À AÇÃO DOCENTE
Belo Horizonte
Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais
Faculdade de Educação
2002
1
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS ENI DE FARIA SENA A SELEÇÃO DOS CONTEÚDOS ESCOLARES:
DA PRESCRIÇÃO À AÇÃO DOCENTE
Dissertação apresentada ao curso de
Pós-graduação em Educação da
Pontifícia Universidade Católica de
Minas Gerais, como requisito para a
obtenção do título de mestre em
Educação.
Área de concentração: Sociologia e
História da Profissão Docente e da
Educação Escolar.
Orientadora: Profª. Dr.ª Maria Inêz
Salgado de Souza
Belo Horizonte
Fevereiro de 2002
2
Dissertação defendida e aprovada em 15 de Fevereiro de 2002, pela banca
examinadora constituídas pelas professoras:
Profª. Dr.ª Maria Inêz Salgado de Souza – Orientadora
Profª. Dr.ª Anna Maria Salgueiro Caldeira
Profª. Dr.ª Ângela Imaculada de Freitas Loureiro Dalben
3
AGRADECIMENTOS
Agradeço a todos que, direta ou indiretamente, contribuíram para que esta
dissertação acontecesse e de forma especial:
À Maria Inêz Salgado que, além de orientadora, apoiou-me durante todo o
processo, contribuindo para o meu crescimento.
A Patrícia Lins que, durante minha trajetória profissional, tem me apontado
valiosas pistas.
A Roseli Silva uma importante auxiliar.
Aos meus alunos e alunas, professores e professoras, cujas vozes sempre me
trouxeram alertas e indicaram a busca de novas descobertas.
4 Para Remir, meu companheiro e Kátia Carolina, minha filha. Meus grandes amigos e cumplices
“[...] Penso que a liberdade, como gesto necessário, como impulso fundamental, como expressão de vida, como anseio quando castrada, como ódio quando explosão de busca, nos vem acompanhando ao longo da história. Sem ela, ou melhor, sem luta por ela, não é possível criação, invenção, risco, existência humana”
Paulo Freire
RESUMO
Este estudo teve como objetivo investigar as opções de que se servem os
docentes ao depararem com o currículo estabelecido oficialmente, verificando
ao mesmo tempo em quais fatores objetivos e subjetivos o professor e a
professora se sustentam, para fazer a seleção dos conteúdos escolares.
Para contemplar este objetivo tivemos que analisar a presença em uma escola
pública, do currículo prescrito, do currículo em ação, até chegar em sala de
aula e ser revestido de um novo significado tornando-se o currículo
operacional.
Para realização desse trabalho, elegemos o estudo do cotidiano de duas salas
de aula de uma escola da rede Estadual de Ensino de Belo Horizonte, onde
acompanhamos a ação de dois docentes de duas áreas do currículo prescrito:
História e Matemática.
Ficou evidenciado o desconhecimento dos educadores quanto aos Programas
Curriculares oficiais - os Parâmetros Curriculares Nacionais e o Programa da
Escola Sagarana, e que o principal mapa curricular que os docentes utilizam é
o livro didático.
Constatou-se, também que existem vários fatores que interferem no caráter
seletivo do currículo escolar e que o livro didático, como recurso pedagógico
tem um papel de destaque nesta seleção, sem contudo obscurecer a ação dos
docentes, pois como mediadores do processo ensino/aprendizagem eles
também realizam esta seleção.
As conclusões dessa investigação indicam que mesmo havendo uma
obediência passiva a um currículo prescrito que chega a escola através de
diferentes mapas curriculares, o professor e a professora detêm a relativa
1
autonomia de interpretar, modificar e ressignificar os conteúdos na interação
com seus alunos e alunas em sala de aula.
Palavras chaves: Currículo Prescrito, Currículo Operacional, Seleção de
Conteúdos, Livro Didático.
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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
CQT Controle de Qualidade Total
FCO Fundação Cristiano Ottoni
PAME Plano de Ação para melhoria da escola
PBQP Plano Brasileiro de Qualidade e Produtividade
PCNs Parâmetros Curriculares Nacionais
PMDI Plano Mineiro de Desenvolvimento
PQTE Plano de Qualidade total em Educação
SIND-UTE Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação
SEE Secretaria do Estado de Educação.
SUMÁRIO
RESUMO ...............................................................................................005
LISTA DE ABREVIATURAS..................................................................007
INTRODUÇÃO .......................................................................................011
1 A PESQUISA E SEU SUPORTE METODOLÓGICO..........................014
1.1 Caracterização da escola................................................................021
1.2 A escola..........................................................................................021
1.3 A diretora ........................................................................................023
1.4 As funcionárias e funcionários auxiliares de serviço ......................025
1.5 As funcionárias e os funcionários administrativos ..........................026
1.6 A orientadora educacional e a supervisora pedagógica .................027
1.7 Os professores e as professoras....................................................032
1.8 A biblioteca e as bibliotecárias .......................................................033
1.9 Os sujeitos da pesquisa..................................................................034
1.9.1 A professora de Matemática .......................................................034
1.9.2 O professor de História ...............................................................036
1.9.3 Os alunos e alunas......................................................................037
2. A CONCEITUAÇÃO DE CURRÍCULO COMO PRESCRIÇÃO .........040
2.1 Origem...........................................................................................040
2.2 A tradição curricular, sua evolução e suas diferentes concepções no
Brasil................................................................................................042
2.3 A prescrição curricular no Sistema Educacional de Minas Gerais
....................................................................................................056
2.4 O papel do currículo oficial nas escolas investigada ....................070
10
3 A SALA DE AULA .............................................................................076
3.1 Perfil das turmas ..............................................................................077
3.2 Disciplina..........................................................................................079
3.3 Os docentes, sua formação e a interação com
os alunos e alunas ..........................................................................085
3.4 Organização do trabalho escolar e suas condições.........................091
3.5 Autonomia do professor e da professora.........................................093
3.6 A seleção e distribuição dos conteúdos escolares ..........................096
3.7 Avaliação .........................................................................................101
4 O LIVRO DIDÁTICO COMO MAPA CURRICULAR ...........................107
4.1 Protagonismo do livro didático na definição dos
conteúdos escolares .....................................................................109
4.2 Trajetória histórica do livro didático no Brasil................................114
4.3 Uma nova política .........................................................................118
4.4 O livro didático como recurso........................................................120
4.5 O livro didático de História ............................................................122
4.6 Interação do professor de História com o livro didático ................126
4.7 A relação dos alunos e alunas com o saber histórico....................134
4.8 O livro didático de Matemática.......................................................137
4.9 A ação da professora de matemática ............................................144
4.10 A relação dos alunos e alunas com o saber matemático..............147
4.11 A mediação dos docentes.............................................................151
11
CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................153
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ......................................................163
ABSTRACT...........................................................................................170
ANEXO A...............................................................................................172
ANEXO B...............................................................................................173
ANEXO C...............................................................................................174
11
INTRODUÇÃO O presente estudo partiu das inquietações e questionamentos que
acumulamos ao longo de nossa trajetória profissional. Por trabalharmos na
área educacional e nos envolvermos com a prática educativa, essa trajetória
permitiu-nos construções e reflexões a respeito do cotidiano escolar, que nos
levaram à elaboração dessa dissertação.
Vivemos oportunidades de ampliar nosso processo de formação de diferentes
formas e, principalmente, através de uma militância constante nos movimentos
sociais. Neste processo, identificamos vários problemas referentes à escola
que freqüentemente passam despercebidos pelas autoridades educacionais.
Uma dessas questões tem sido a ampliação das discussões sobre o currículo e
a necessidade de reestruturação dos serviços educacionais que favoreçam
novas formas de entender e trabalhar as conseqüências das relações entre
sociedade e escola, entre poder e o currículo.
Este trabalho tem como objeto de estudo a seleção dos conteúdos escolares,
da prescrição à ação docente. A opção por realizar a pesquisa evidenciando o
cotidiano da ação docente, permitiu-nos analisar o percurso e o impacto do
currículo prescrito, na escola e na sala de aula e identificar o significado de um
novo currículo, o operacional, aquele que de fato expressa o que ocorre em
sala de aula.
12
Dessa forma, destacamos, também, alguns mapas curriculares e identificamos
que os docentes utilizam intensivamente o livro didático, como recurso auxiliar
para seleção dos conteúdos escolares.
Para a análise dos dados, inspiramo-nos, principalmente, nos construtos
teóricos da teoria crítica do currículo e, particularmente, nos autores Apple e
Freire; segundo os autores um currículo oficial, comumente, representa uma
forma autoritária e mecânica de organizar o ensino, e que os professores têm
uma longa história de mediar e transformar o material dos textos quando os
empregam em sala de aula.
No primeiro capítulo, apresentamos a pesquisa e o suporte teórico
metodológico da dissertação, elaborada a partir de observação de aulas de
dois professores de (História e Matemática) em duas turmas de 8ª série, de
uma escola da rede pública estadual.
No segundo capítulo, buscamos conceituar alguns temas utilizados no estudo
e contextualizar historicamente o campo do currículo e suas relações com a
escola. Identificamos também as principais concepções estrangeiras que têm
influenciado o currículo no Brasil e principalmente em Minas Gerais.
Ao problematizarmos alguns aspectos desses estudos, estaremos situando o
ponto de vista assumido nessa pesquisa: a concepção de que existe
determinação de um currículo oficial e, conseqüentemente, a imposição de um
conhecimento hegemônico.
No terceiro capítulo, analisamos a concretização na sala de aula do currículo
prescrito através das ações dos docentes, dos alunos e alunas e identificando
alguns fatores do cenário pedagógico que têm interferência no processo
ensino/aprendizagem.
13
No quarto capítulo, analisamos o significado que o livro didático assume na
prática docente e escolar, constituindo-se em um dos principais canais
curriculares com grandes influências na determinação da seleção dos
conteúdos escolares.
Queremos destacar que, dentro dos limites de nossa investigação, este estudo
de caso qualitativo não pretende generalizar os resultados encontrados, mas
sobretudo esperamos contribuir para o desvelamento dos conflitos produzidos
por uma prescrição e uma seleção de conteúdos escolares desvinculadas dos
principais sujeitos do cenário educacional: professores, professoras, alunos e
alunas.
Ao realizarmos esta pesquisa, verificamos a necessidade de se buscarem
novas pistas que indiquem a capacidade do docente, enquanto sujeito de seu
conhecimento, interferir no processo pedagógico de forma a ressignificar e
modificar as prescrições curriculares distanciadas da sala de aula.
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1 A PESQUISA E SEU SUPORTE METODOLÓGICO
Neste capítulo, descreveremos o quadro teórico-metodológico utilizado nesta
pesquisa, bem como o universo de onde partiu nossa análise. Nossa atenção
se voltou para a investigação do currículo na sala de aula, para evidenciarmos
quais são os fatores objetivos e subjetivos sobre os quais o professor e a
professora se sustentam para fazer a seleção dos conteúdos escolares.
Tomamos como referência á concepção de que o currículo é toda ação
pedagógica refletida, que se realiza na escola e fora dela, para que se
concretize a aprendizagem.
A pesquisa empírica, vivenciada no interior da sala de aula, possibilitou
explicitar que, mesmo havendo uma sacralização de um currículo prescrito que
chega à escola através de diferentes mapas curriculares, o professor e a
professora detêm a autonomia de interpretar, modificar e ressiginificar os
conteúdos na interação com seus alunos e alunas em sala de aula.�
�
Sabe-se que o currículo prescrito, determinado por uma instituição normativa,
de que são exemplos os diferentes guias curriculares elaborados pelos estados
e municípios brasileiros, ao adentrar a escola confronta-se com o currículo em
ação - entendido e trabalhado como o conjunto de aprendizagens vivenciadas
pelos alunos ao longo de sua trajetória escolar, planejadas ou não pela escola,
dentro ou fora da aula e da escola, mas sob a responsabilidade desta
Geraldi,C. (1993).
�
O currículo em ação, por sua vez, ocorre no interior da sala de aula, através da
mediação dos docentes, e é permeado pelas influências de diferentes fatores
15
subjetivos e objetivos1 traduzindo desta forma o currículo prescrito em currículo
operacional entendido como:
“[.....] aquele que de fato representa o que ocorre nas aulas e nas atividades pedagógicas cotidianas, nas situações típicas e contraditórias vividas pelas escolas, com suas implicações e concepções subjacentes e não o que era desejável que ocorresse e/ou que era institucionalmente prescrito”. (Geraldi, 1993: 3-6)
Entendemos também, que a prática docente é construída através de múltiplas
experiências vivenciadas pelo professor e pela professora, que têm tanto seus
atributos pessoais como as determinações sociais. Entretanto, observamos que
os professores possuem autonomia para reestruturar as prescrições
curriculares.
�
Neste trabalho, adotamos um estudo de caso de cunho descritivo e analítico,
com uma abordagem qualitativa. Optamos por esta metodologia porque ela
possibilita a imersão do pesquisador em uma unidade social, estudada como
um todo, seja uma pessoa, uma família, um grupo, um programa, um evento,
ou uma instituição na qual se centra a sua observação. Merrian (1988) citado
por Bogdan (1994 p. 89), assim define esta metodologia:
�
“[...] o estudo de caso consiste na observação detalhada de um contexto, ou indivíduos, de uma única fonte de documentos ou de um acontecimento específico”.(Bogadan, 1994: 89)
Apontamos, neste estudo, a importância de destacar o papel central que o
professor e a professora ocupam na ação pedagógica, pois, como mediadores
do processo ensino/aprendizagem, particularizam a seleção dos conteúdos
escolares em decorrência do que supõem ser legítimo, importante e de fácil
transmissão. Nesse sentido, Forquin (1993), analisa a relação dos docentes
com o conhecimento escolar destacando que:
1 Entendemos por aspectos objetivos as orientações emanadas pelo currículo prescrito traduzidas pelos diferentes mapas curriculares e subjetivos a formação inicial, os cursos, valores, relações e a bagagem pessoal do docente enquanto sujeito social.
16
[....] O problema da legitimidade dos conhecimentos escolares interpela diretamente a identidade dos professores, pois não há ensino sem o reconhecimento por parte dos atores sociais envolvidos, da legitimidade da coisa ensinada. (p.9)
Para a realização desse trabalho, elegemos o estudo do cotidiano de duas
salas de aula de uma escola da rede Estadual de Ensino de Belo Horizonte.
Esta escolha deu-se, em primeiro lugar, pelo fato da escola ser voltada para o
ensino fundamental (5ªa 8ª séries), ciclo para qual se volta meu interesse, e
também porque a escola é considerada “modelo” na percepção da
comunidade e dos profissionais das diferentes instâncias educacionais que
nela atuam.
�
O segundo motivo da escolha foi á constatação de que existem poucos estudos
sobre o trabalho dos professores e das professoras da rede pública estadual de
Minas Gerais.
Para a realização desse estudo, participamos do cotidiano de duas salas de
aula, durante 5 meses, no período matutino. Participamos de algumas
atividades como “reuniões”, conselhos de classe e também de alguns
momentos informais da escola como atividades extras classe. Procuramos,
sobretudo, conversar e ouvir os diferentes sujeitos da instituição.
Centralizamos, entretanto, a maior parte do tempo em sala de aula, pois o
nosso objetivo era analisar como o professor e a professora selecionam os
conteúdos alterando, desta forma, o currículo prescrito.
Entre os procedimentos utilizados nesta pesquisa, inclui-se a observação que
permitiu-nos captar uma variedade de dados. Para esse registro, utilizamos um
caderno de anotação.
Como os dados eram inúmeros, descrevemos tudo que foi possível captar do
cotidiano da sala de aula destacando os aspectos que nos parecia mais
17
significativos para a seguir analisarmos confrontando teoria e empiria,
encontradas no contexto.�
��
No princípio, centralizamos as análises em aspectos que se evidenciavam mais
críticos. Entretanto, à medida que fomos identificando nas leituras teóricas,
reflexões mais amplas do processo� educativo� passamos a relativizar esses
aspectos e a captar ações cotidianas que possibilitam tanto aos docentes
quanto aos discentes produzirem novos saberes.��
�
As entrevistas realizadas podem ser caracterizadas como semi-estruturadas e
semi-diretivas. Semi-estruturada porque foram utilizados temas- chave, que
orientaram a condução da mesma, oportunizando que os entrevistados e as
entrevistadas se expressassem livremente. No entanto, a entrevistadora pode
intervir para solicitar algum esclarecimento que justifica a técnica semi-diretiva.
A possibilidade da intervenção da entrevistadora é assim interpretada por
Goulart (1989):
[.....] a escolha de um instrumento com tais características assegura a vantagem no contexto da descoberta, pois o entrevistador pode ser estimulado pelas respostas do entrevistado a desenvolver novas idéias sobre o fenômeno pesquisado, indo além da formulação inicial do problema. Além disso pode ser mais flexível, adaptando a abordagem àquilo que pareça mais proveitoso para uma dada situação ou para certa pessoa. Por outro lado, uma certa diretividade na condução do trabalho e um pouco de estruturação da entrevista trazem vantagens no contexto da justificação, pois asseguram relativa uniformidade no comportamento do entrevistador e evitam digressões desnecessárias. (p. 26)
As entrevistas foram gravadas e não tivemos nenhum problema na utilização
do gravador. Em alguns casos foi solicitado pelo entrevistado que fossem
repassadas as perguntas antes do início da gravação.
18
Após as entrevistas, trabalhamos em sua transcrição, construímos categorias
articuladas as informações obtidas através das observações e dos fragmentos
com a teoria.
Outro procedimento utilizado foi á análise documental de diferentes mapas
curriculares: os livros didáticos utilizados pelo professor e pela professora, os
Programas adotados pela Secretaria de Educação do Estado de Minas Gerais
– Escola Sagarana e os Parâmetros Curriculares Nacionais, bem como, o
antigo programa desta mesma secretaria (Programa para o Ensino
Fundamental de 1996).
Também foram analisados o manual do livro didático elaborado pelo MEC, os
diários de classes e os cadernos de aula dos alunos. A utilização desses
mapas tornou-se necessária para confrontar as determinações de um currículo
prescrito com as articulações docentes na ação do currículo operacional.
Na utilização do uso de documento, constatamos um fator de grande
importância, por serem estas fontes informações preciosas no entendimento da
natureza do contexto que nunca deve ser ignorado, mesmo que o pesquisador
faça uso de outros métodos.
Não temos a pretensão de generalizar os resultados deste estudo, pois as
análises aqui desenvolvidas se referem a sujeitos e a instituição que devem
ser entendidos em sua singularidade. Destacamos que as turmas pesquisadas
ainda que apresentassem as mesmas características do enquadramento
escolar, como série, idade entre outros, mantinham suas especificidades.
A partir do momento em que se passou a entender a escola como um espaço
de ação e de significados que reflete as contradições vividas pela sociedade,
19
intensificaram-se as discussões em torno do currículo ideal, aquele que busca
responder as necessidades contemporâneas.
Mediante complexidade desta questão, vários questionamentos ainda
permanecem sem respostas, tais como: que tipo de sociedade e de pessoas
queremos formar? O que o professor e a professora devem considerar na hora
de planejar as situações de ensino/aprendizagem? Como ensinar aos
diferentes sujeitos? Como e o que avaliar? O que ensinar? Quais os critérios
que devem ser utilizados na seleção dos conteúdos curriculares? Qual é a
proposta curricular adequada?
Estas questões, que mesclam as subjetividades e os conflitos produzidos na
sociedade e no interior da escola, constituem mediações entre o currículo e sua
tradução operacional, entre a teoria educacional e a prática pedagógica, entre
o planejamento e a ação, entre o que é prescrito e o que realmente sucede na
escola e na sala de aula.
Identificamos que, ao optar sobre o que trabalhar e como trabalhar a
distribuição do conhecimento escolar, o professor e a professora apoiam-se em
aspectos objetivos e subjetivos que serão definidores para esta seleção.
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Estes aspectos, que traçam normas para o trabalho docente, impõem uma
nova relação com currículo prescrito, representado pelos diferentes mapas
curriculares (Programas de Ensino, Diretrizes Curriculares, Planejamento,
Livros Didáticos, Projeto Pedagógico e outros), conflitando com as
subjetividades que moldam as práticas (formação acadêmica, valores, relações
interpessoais, experiências resultantes da bagagem pessoal do sujeito social).
�
Nesta perspectiva esta investigação procura realçar a ação docente, e destacar
que as dificuldades e imposições que o professor e a professora enfrentam em
sua prática impulsionam a criação de mecanismos que são utilizados como
20
superação dos limites impostos, contribuindo, desta forma, para o
processamento de produção dos saberes escolares.
Tendo em vista o papel central que o currículo detém no campo pedagógico,
procuramos oferecer uma contribuição para se entender o processo de
interação estabelecido entre os docentes e o currículo, bem como suas
percepções e formas particulares para colocarem em ação as prescrições
curriculares mediante estratégias que os auxiliam na superação das
dificuldades. Para tanto, escolhemos duas disciplinas (História e Matemática)
trabalhadas por um professor e por uma professora respectivamente.�
�
A diversificação do gênero ocorreu por mero acaso. Entretanto, nossa
intencionalidade na seleção das diferentes áreas do conhecimento se deu em
decorrência dos seguintes objetivos:
discutir as ações pedagógicas produzidas pelos docentes em contraposição às
prescrições recomendadas ou advindas de suas respectivas áreas
acadêmicas.
analisar as práticas dos professores mediante os esteriótipos difundidos de que
os docentes titulados em História são “críticos e questionadores”. Ao contrário
os professores e professoras da área de Matemática “sustentam o trabalho
pedagógico através de um conhecimento pronto e formalizado, de verdades
definitivas, infalíveis e imutáveis cuja exigência determina um rigor metódico de
um ordenamento hierárquico.” ( Hoff et al 1996:76 )
21
1.1 CARACTERIZAÇÃO DA ESCOLA
Caracterizaremos em seguida, o contexto da instituição pesquisada, bem como
as ações dos diferentes sujeitos que nela atuam, por apresentarem elementos
importantes que nos permitiram ter uma visão global da escola e da sala de
aula, bem como captar, a complexidade do desenvolvimento dos três
currículos: o prescrito, o em ação e o operacional.�
�
1.2 A ESCOLA
A escola, foco de nossa pesquisa, é do sistema público estadual mineiro, está
organizada em três turnos, oferece o ensino básico (5ª a 8ª) e o ensino médio.
Isso possibilita o atendimento de 1600 (um mil e seiscentos alunos). Ela está
localizada em um bairro de classe média e atende alunos e alunas de
diferentes regiões de Belo Horizonte, e sua clientela atinge diferentes níveis
sociais.
Existe, por parte da comunidade, uma percepção positiva da instituição,
reconhecida como “Escola Modelo”, ou como “melhor escola pública” da
região, reputação esta conquistada ao longo de sua história como uma
instituição que se destacava entre outras, por seu papel pioneiro. Hoje se
referem ao aspecto físico da instituição. Seu prédio é amplo, tem boa aparência
externa, seus jardins são bem cuidados, revelando um modelo de “boa
administração.”
Esta avaliação superficial construída e sustentada nos discursos da
comunidade escolar é confirmada pelos docentes e discentes pesquisados
que, no entanto, apontam um distanciamento dos pais e mães da realidade
22
escolar; característica que não reforça o título de “escola modelo”. Segundo o
professor pesquisado:
“[...] os pais não vêm a escola, isto se dá porque a vida é muito agitada, são muitos compromissos e existe a falta de receptividade da escola, a escola nem sempre está preparada para receber os pais. Há falta de mobilização, falta de interesse com a educação dos filhos. A partir do momento que os pais descobrirem que eles são responsáveis pela educação de seus filhos eles participarão mais da escola”. (Professora de Matemática)
Além de não contar com a participação da comunidade, os professores e
professoras também questionam que a escola não oferece um ambiente
agradável de trabalho. Falam também sobre a irreverência e o desprezo dos
alunos e alunas pela instituição e o total isolamento que são relegados.
Eles realçam, entretanto, que o nível social dos estudantes em se tratando do
ensino público é muito bom, o que diferencia na escola, classificando-a como
“modelo”. O professor de História faz sua crítica em relação a este rótulo
devido às novas características dos estudantes:
“[...] esta escola é rotulada como modelo, talvez ela já tenha sido modelo, mas o modelo ficou só no nome porque ela fica muito a desejar nesse ponto aí (a classe social), já que ela recebe muitos alunos de diversas realidades, o que é muito difícil de trabalhar. Pelo fato da escola ter alguns alunos de um meio social melhor, eles acham que podem manter o rótulo para se auto-protegerem”. (Professor de História)
Curiosamente, até mesmo para este professor, o que define o rótulo de escola
modelo é a classe social, a homogeneidade da clientela e a ausência de
problemas.
23
Também os alunos e as alunas fazem críticas em relação ao sistema escolar e
às condições de trabalho da escola principalmente na falta de diálogo com os
pais que interfere na aprendizagem.
“[...] eu acho que a escola deveria trabalhar inclusive com os pais, pois o que acontece é que muitas vezes os pais não entendem a linguagem da escola e os alunos acabam fracassando. (aluna da 8ª E )
A classificação da escola como “modelo” parece se limitar às características do
prédio. A recepção da escola encontra-se no prédio administrativo onde uma
sala de estar muito confortável é destinada ao recebimento de visitas. Há
também toda uma preocupação, por parte do porteiro ou da auxiliar de
serviços, de encaminhar as pessoas no momento certo e para as pessoas
“certas”.��
�
Esta seleção desloca as demandas da diretora, pois não existe possibilidade
de que ela atenda alguém da comunidade sem que haja agendamento prévio
de horário.
1.3 A DIRETORA:
Essa profissional, cujo cargo de origem é de professora da disciplina
Geografia, alterna a função de direção com o cargo de professora em um
conceituado colégio da rede particular. Ela “divide” suas tarefas com dois
vices (diretor e diretora). Cada um fica responsável por um turno e a diretora
alterna sua presença na escola e nos turnos. Ela vai muito pouco no turno da
manhã e se mostra muito distante dos docentes e dos discentes.
24
Esse distanciamento também é conseqüência do processo de disputa eleitoral
para o cargo no qual foi eleita. Ela recebe uma forte oposição de alguns
professores e professoras, inclusive foi afastada por um tempo da função para
apuração de uma sindicância administrativa. Como a Secretaria de Estado da
Educação detectou que não havia procedência nas denúncias a mesma foi
reconduzida à função.
No tocante às dificuldades estabelecidas por divergências que interferem
diretamente no processo de organização escolar, a professora de Matemática
faz a seguinte avaliação:�
�
“[...] a escola tem muita divisão muita disputa. Entendeu? É uma escola totalmente dividida em grupos. A diretora foi eleita, pelos pais alunos e professores. Se formos olhar a parte do direito, ela tem, mas com o processo de eleição, com a disputa política começou uma briga entre grupos. Quem sai prejudicados são os professores que não têm nada a ver com isto e os alunos também. Apesar da diretora não se colocar, eu acho que a responsabilidade não é só dela.” (Professora de Matemática) �
As ações da diretora são de caráter exclusivamente técnicas. Não se envolve
com as atividades pedagógicas e quando se dirige à comunidade escolar é
com o restrito objetivo de repassar as determinações advindas das instâncias
superiores. Observamos também que é muito rara sua presença nas salas de
aula e na sala dos professores.
Esta falta de diálogo se traduz em ações isoladas, que não são aceitas pelo
coletivo da escola. Um exemplo desta questão foi a apresentação de uma peça
de teatro, contratada exclusivamente pela diretora sem nenhuma discussão
com a comunidade escolar. A conseqüência desta iniciativa foi á rejeição dos
25
alunos e das alunas da escola que vaiaram o grupo teatral e não permitiram a
apresentação da peça.
Por comparecer raramente no turno da manhã e ter pouco envolvimento com
as questões pedagógicas, a autorização para a pesquisa empírica não passou
por ela e sim pela orientadora educacional e pela vice-diretora.
Não tentamos nenhuma aproximação com a diretora, pois avaliamos que
nessas condições teríamos maiores possibilidades de capturar as questões
mais concretas do cotidiano da escolar. Muitos espaços na escola, inclusive
sua sala, estavam sempre com a porta fechada.
�
�1. 4 AS FUNCIONÁRIAS E FUNCIONÁRIOS AUXILIARES DE SERVIÇO
Estes profissionais trabalham organizados pela distribuição de tarefas e são
padronizados pelo uniforme e distinguidos pelo status que ocupam na esfera
de poder.
No turno da manhã, existe uma disciplinaria que goza de prestígio, respeito e
admiração, principalmente, por parte dos alunos e das alunas. Eles a chamam
de tia. Percebi muita importância em seu papel, pois ela mantém uma relação
de escuta com os sujeitos. A queixa dos funcionários centra-se, principalmente,
no excesso de trabalho e no rigor de uma escala de turnos que não permite
alterações.
26
1. 5 AS FUNCIONÁRIAS E OS FUNCIONÁRIOS ADMINISTRATIVOS
Estes profissionais com funções variadas advêm de diferentes cargos:
professor, professora (afastados da regência de classe) ou auxiliares
administrativos. Geralmente, eles desenvolvem atividades como levantamento
de freqüência, verificação do livro de ponto e do diário de classe, leitura do
diário oficial, controle de merenda e outras questões burocráticas que acabam
por obsorver um número expressivo desses profissionais.
Não existe sobrecarga de tarefas para os mesmos, pois a distribuição das
atividades é bem delimitada, as condições de trabalho são confortáveis o que
muitas vezes confirma o rótulo de privilegiados. A relação desses funcionários
com a comunidade escolar é formal.
Observamos que os espaços ocupados por eles não são utilizados pelos
docentes, pelos discentes e pelos auxiliares de serviços. Um exemplo deste
aspecto que pudemos observar é a colocação de um aviso ao lado de uma
porta, cuja sala serve ao serviço administrativo estampando, os seguintes
dizeres: “Aqui não damos informações, favor não insistir.”
A hierarquia nessa escola é fundamental e mostra que cada um “reconhece” o
seu lugar nela. Esse fenômeno aliás foi notado em estudos sobre a
organização escolar:
�
[....] é histórica a organização do trabalho escolar que às vezes se assemelha ao modelo fabril. Estes funcionários tornam-se figuras imprescindíveis neste processo. Encontrei na escola características da organização taylorista, que no Brasil começou a ser implantado nos sistemas de ensino a partir da década de trinta (Cardoso,1991:270).
27
Por organização do trabalho escolar, entende-se o processo através do qual os
sujeitos (professores, técnicos, alunos, pessoal de apoio e pais) utilizam os
meios de trabalho (recursos materiais e didáticos, as instalações físicas,
recursos da comunidade), se relacionam entre si e com os órgãos gestores da
escola -Ministério da Educação, Secretaria Estadual de Educação. Cardoso, T.
(1991).
Entre fragmentações de um espaço escolar que deveria existir em função de
relações coletivas, também constatei os excessos de comunicações nos
quadros de avisos cujo teor é sempre proibitivo como: “É proibido.”
1. 6 A ORIENTADORA EDUCACIONAL E A SUPERVISORA PEDAGÓGICA
A escola tem como especialistas a Orientadora Educacional e a Supervisora
Pedagógica. No turno onde a pesquisa foi realizada existem duas profissionais.
Ambas mantêm atuações distintas em decorrência das funções e ações
políticas e pedagógicas desenvolvidas.
A Orientadora Educacional, em fase de aposentadoria, tem uma atuação mais
dinâmica junto a alunos e professores, embora a demanda de trabalho seja
intensa; pois de acordo com as determinações da Secretaria de Educação esta
profissional deve ter sua ação concentrada estritamente no ensino médio2.
2 Resolução da SEE 151/2000
28
Embora haja esta restrição ela atende a escola tanto no turno da manhã
quanto à noite. Essa abrangência de ação possibilita que ela tenha
conhecimento dos problemas da escola, dos alunos e das alunas.
A orientadora administra questões que passam por uma simples dor de
cabeça, até casos de indisciplina, uso de drogas, gravidez de alunas etc. Sua
sala, rigorosamente, está sempre cheia, seja de pais, de alunos, de alunas ou
de professores e professoras. Sua ação é mais técnica, existe uma relação de
confiança entre ela e os sujeitos da escola.
Ela coordena o Conselho de Classe, entretanto suas intervenções nas
discussões pedagógicas junto aos docentes é mais limitada, ao contrário do
trabalho que desenvolve junto aos mesmos quando se trata de ouvir os
docentes em suas questões pessoais.
O distanciamento das questões pedagógicas se concretiza no
desconhecimento das Propostas Pedagógicas implementadas pela Secretaria
Estadual de Educação. Constatamos que sua familiaridade com as políticas
curriculares é pouca: seja a Escola Sagarana3, sejam os Parâmetros
Curriculares Nacionais4 Esta realidade se concretiza através dos seguintes
trechos de sua entrevista quando foi indagada se a escola se orientava por
algum currículo oficial:
�
‘[....] professor tem que seguir o Programa porque ele é lei. Ele vai ter que adaptar a realidade do aluno. Eu discordo dos professores que dizem que não sabem sobre o que significa os Parâmetros; pois a secretaria mandou para todas as escolas e eles poderiam levar para suas casas. A metade deste livros está aqui no armário da supervisora (....). Quanto a Escola
3 Política educacional constituída por um conjunto de planos e atitudes implementada no Estado de Minas Gerais à partir de 1999. “Fonte Caderno nº 1 Escola Sagarana. 4 Referencial Curricular elaborado sob a coordenação do Ministério da Educação.
29
Sagarana todos acham lindo e maravilhoso, só que não é colocado em prática.” (Orientadora Educacional)
Os profissionais, no seu cotidiano, agem e sofrem as influências de um modelo
de educação fragmentada, que pode conduzi-los para objetivos conservadores.
Ainda, na avaliação da orientadora educacional, o conceito de currículo e
seleção de conteúdos é expresso da seguinte forma:
�“[....] a seleção dos conteúdos é feita pela supervisora. Eu participo com algumas opiniões, como por exemplo o livro de Português adotado este ano tem vários textos sobre a orientação sexual isto eu acho maravilhoso e por isto sugeri sua adoção.[...] o currículo já vem pronto do MEC, tem certos conteúdos que os alunos aprendem que não são necessários. Quando tivemos que fazer mudanças no currículo ouvimos os pais, e eles optaram pela introdução do espanhol, eu acho isto importante porque estamos vivendo o Mercosul. Nesta escola a comunidade insiste para que seja colocado o ensino profissionalizante.” (Orientadora Educacional)
�
�Ela também compartilha com a idéia de cursos profissionalizantes na escola, e
enumera os cursos que avalia que sejam importantes como: computação,
contabilidade, auxiliar de escritório e secretária.
Por solicitação de algumas empresas como: Instituto Evaldo Lodi ou o CIEE –
Centro de Integração Empresa Escola de Minas Gerais a escola encaminha
alguns alunos e alunas para o trabalho Esta profissional, que se responsabiliza
por este encaminhamento, orienta os pretendentes a vaga seguindo os
princípios das empresas.
“[....] o Serviço de Orientação Educacional orienta como o aluno deve comparecer: bem vestido, sem piercing, roupa social, postura, maneira como se senta, como levanta, estar
30
sempre olhando para a pessoa que está entrevistando, não mentir, não ir de roupa transparente, não ir de esmalte e ir de roupa limpa.” (Orientadora Educacional)
�As questões acima colocadas e outras ações demonstram que a prática desta
profissional está vinculada à idéia de que este serviço tem por objetivo o
atendimento de todos os sujeitos que apresentam “problemas” ou precisam de
conselhos. Para ela, ao nosso ver, as questões que emergem das dificuldades
pedagógicas são resultados de questões familiares e o serviço de orientação
tem por objetivo “adaptar” os alunos e alunas a escola.
A supervisora Pedagógica desenvolve suas funções em duas redes públicas: a
estadual e municipal. Ela tem um trabalho burocrático, cuja ênfase é na
disciplina.
Suas orientações aos docentes limitam-se às solicitações organizativas e
burocráticas como: escrita dos diários, os dados estatísticos exigidos pela
secretaria, a organização do calendário de provas, a emissão de ocorrências
de documentos que registra as indisciplinas dos alunos e alunas.
Ela não tem envolvimento com as questões pedagógicas que resultam das
demandas dos sujeitos da escola. Sua ação, muitas vezes, é confundida com a
da disciplinaria.
Os docentes e os discentes sujeitos desta pesquisa chegaram inclusive a
afirmar que a escola não tinha supervisora e nem o serviço de supervisão,
embora a supervisora fosse assídua. Foi necessário lembrar-lhes o nome da
profissional desta área.
31
A inexistência na prática pedagógica desse serviço traduz-se em lacunas, que
são agravadas pela ausência de projetos e de discussões coletivas que
tornariam o trabalho do professor e da professora menos solitário. Em conversa
com os sujeitos assim eles expressaram descontentamento com este serviço:��
�
“[...] a escola se preocupa com as questões burocráticas e fica pouca atenta às questões pedagógicas. Existe muita picuinha. Eu já vi a supervisora pedagógica conversando com pai de aluno porque ele foi mandado embora da sala de aula em vez de ajudar incrementar o programa curricular”. (Professor de História)
No transcorrer da nossa observação, houve um fato de extrema gravidade
envolvendo a Supervisora, em decorrência disto ela “desapareceu” da escola,
o que impossibilitou que a entrevistássemos.
A situação a que nos referimos foi marcada de extrema violência e foi
manchete dos principais jornais da cidade. Tudo isso provocou burburinho
entre os docentes e gritos de revolta dos alunos e das alunas. Muitos deles
atribuíam o fato ao tratamento que ela dispensava aos alunos, o que teria
proporcionado o desejo de algum tipo de revanche na comunidade.
Entretanto, o problema não foi discutido pela escola realçando, mais uma vez,
que os grandes muros da escola a impedem de enxergar o mundo não dando
ao currículo a riqueza da realidade. Nesse sentido o professor de História fez a
seguinte observação:�
“[...] este caso e outros também poderiam ser explorados, mas terminaram um dia após o acontecido. Acho que a escola quer continuar mantendo o rótulo de modelo para se auto proteger, dentro de uma esfera que os coloque em um nível melhor e desta forma poderem galgar alguma coisa melhor.” (Professor de História)
32
1. 7 OS PROFESSORES E AS PROFESSORAS
A escola conta com um grande número de professores e professoras; por ser
bem localizada não tem o grave problema da falta desses profissionais. O
mesmo não se pode dizer quanto ao contrato de trabalho a que são
submetidos; uns são contratados e os outros efetivos o que resulta em
diferenças quanto ao tratamento dispensado aos mesmos.
O meu contato com os demais docentes, na maior parte do tempo, se deu na
sala dos professores em decorrência do processo de organização do trabalho.
Existe unanimidade no que se refere a insatisfação quanto ao salário, à
indisciplina dos alunos e das alunas, e à relação com as diferentes esferas do
poder da escola e das instâncias educacionais. É muito grande a falta de
comunicação entre eles.
Isso se agrava pela inexistência de um projeto pedagógico coletivo. Somente
os docentes da área de Biologia têm um projeto de Orientação Sexual
coordenado por uma professora muito dinâmica. Apesar do desenvolvimento
desse projeto o número de alunas que engravidam é muito grande.
Outro aspecto importante destacado na dinâmica escolar é um clima de
desconfiança, resultando em retraimento dos docentes com os outros sujeitos
que não são da “escola”. Nossa presença na escola foi notada. No dia que
chegamos informamos nosso propósito à aqueles que estavam presentes.
Depois, fomos conversando individualmente com os docentes que se
interessaram em conhecer os objetivos de nossa pesquisa.
33
�
���� A BIBLIOTECA E AS BIBLIOTECÁRIAS
As docentes que ocupam este espaço são professoras afastadas da sala de
aula em decorrência de diferentes situações tais como: laudo médico,
aposentadoria iminente e outros.
Elas também são percebidas como privilegiadas, pois trabalham em atividades
burocráticas, como empréstimos de livros tanto para os profissionais da escola,
alunos e alunas, quanto para a comunidade externa, pois essa biblioteca é
comunitária.
Com objetivo de analisar O Guia do Livro Didático, publicado pelo MEC e o
Programa da Escola Sagarana, da Secretaria Estadual de Educação,
recorremos à biblioteca. Torna-se importante descrever o lugar e as condições
deste espaço.
A biblioteca está no último bloco da escola, em frente às quadras de futebol. É
tão escondida que chegar lá só foi possível através das orientações de três
alunos. Em nossa primeira visita consideramos o espaço árido, frio e sem
nenhum encantamento.
Ao solicitar o Guia do Livro Didático, a professora mostrou desconhecer este
material. Após alguns minutos foi buscar algo. Voltou com os Parâmetros
Curriculares, pois era “aquilo” que alguns professores consultavam.
Perguntamos se a presença de alunos, alunas e docentes era constante na
biblioteca, ela respondeu-nos que pouquíssimas pessoas faziam uso daquele
espaço. Como não achamos o que procurávamos. Solicitamos o Programa da
34
Escola Sagarana. Também recebemos uma resposta negativa, pois a
bibliotecária informou-nos que, na biblioteca, não havia este material.
A bibliotecária sugeriu-nos procurar a orientadora, pois possivelmente este
material estaria com ela. Ao conversar com a mesma, ela informou não ter
nenhum dos dois manuais e que o “Guia do Livro Didático, aquele livro grosso,
ficava guardado na sala da diretora”.
Encontramos dificuldades para achar o Guia do Livro Didático, editado pelo
MEC até em outras escolas às quais recorri, pois as mesmas ou não tinham,
ou estava guardado no armário da diretora, muitos docentes afirmaram que
este material não chega às mãos dos mesmos.
Observamos, com esse episódio, a anulação da biblioteca no contexto da
escola, uma vez que ela fica muito “longe da sala de aula.” Procurei conversar
com as professoras e elas disseram que não participam de nenhum curso da
Secretaria de Educação que auxilie o trabalho da biblioteca.
1. 9 OS SUJEITOS DA PESQUISA
1.9.1 A PROFESSORA DE MATEMÁTICA
É jovem, dinâmica e muito agradável. Pudemos perceber muita disponibilidade,
de sua parte, para receber a pesquisadora. Nossa presença foi articulada pela
orientadora educacional que não fez os esclarecimentos necessários a respeito
de nosso objetivo e com isso esta professora achava que minha participação
seria no sentido de ajudá-la a resolver os problemas de (in) disciplina. Esclareci
35
os objetivos de nossa presença na escola tanto para ela, quanto para a turma e
todos se mostraram interessados.
A professora é formada em Ciências (licenciatura curta) e tem habilitação para
lecionar matemática e ciências na educação fundamental (5ªa 8ª). Formou-se
em uma cidade do interior. Fez, recentemente, a complementação dos estudos
cujo término se deu no primeiro semestre 2000, em uma faculdade de uma
cidade vizinha a Belo Horizonte.
Ela também é formada em Direito, exerce a advocacia em um escritório que
divide com um outro profissional da área. Confidenciou-me que não se mostra
disposta a fazer cursos de especialização. Esta grávida e mantém muita
disposição para o trabalho.
É efetiva no Estado e tem doze anos de profissão. Gosta da disciplina com que
trabalha e da turma na qual foi desenvolvida a pesquisa (8ª série). Conhece
muito bem os alunos e alunas pois foi professora deles na 7ª série. Esta
seqüência nas séries possibilitou-lhe uma melhor organização com os
conteúdos da disciplina. Esta questão não interfere em sua competência
técnica. Avalio que a pouca consistência de um discurso crítico, esteja
relacionado com a secundarização da teoria e a ênfase na prática à qual parte
dos docentes estão submetidos.
Queixa-se das inúmeras carências materiais e físicas da escola pública. Sua
relação com os alunos e as alunas se dá num clima de amizade e
solidariedade.
Observei, entretanto, que sua experiência docente aliada a competência do
domínio do conteúdo matemático, possibilita-lhe a construção de saberes que
36
têm facilitado sua prática e a compreensão dos alunos e alunas quanto ao
conhecimento desta disciplina escolar.
Percebi que ela está no grupo de matemáticos que compartilha com a
concepção do ordenamento hierárquico dos conteúdos de sua disciplina.
Entretanto, no desenvolvimento da aula não obedece o rigor determinado pelo
livro didático, pois ela seleciona, suprime, introduz, avança, altera e dá ênfase
a alguns conteúdos.
Apesar de algumas posturas que refletem uma prática tradicional em sala, o
seu dinamismo, a sua experiência e o conhecimento da disciplina contribuem
para um clima propício à produção de novos saberes.
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1.9.2 O PROFESSOR DE HISTÓRIA
Formado, recentemente, por uma instituição de Belo Horizonte, ele vive o
conflito entre a necessidade de uma prática crítica e a pouca experiência no
magistério. Enfrenta, ainda, precárias condições de trabalho. Por ser jovem,
tem uma identidade de linguagem com os alunos e alunas o que facilita a
interação através do diálogo.
Queixa-se de um trabalho que é demarcado pelas ausências de discussões
coletivas, a inexistência de um projeto pedagógico, a precariedade de recursos
físicos e materiais. Essas carências proporcionam, segundo ele, a realização
de atividades isoladas em decorrência das características do processo de
organização da escola.
37
Ele alterna seu trabalho entre duas escolas públicas estaduais, atuando na 8ª
série e no ensino médio. Possui o regime de trabalho em contrato, e só
conseguiu ser contratado no mês de abril, em substituição a uma professora
que entrou de licença.
Por esta condição, vive com a incerteza da possibilidade ou não da
continuidade de seu trabalho nesta escola ou até mesmo em outra, pois este
caráter contratual reforça a perversidade da exploração do trabalhador em
nossa sociedade.
Ao contrário da professora de matemática, este professor pretende dar
continuidade aos seus estudos em nível de mestrado, embora não saiba qual
questão gostaria de investigar. Tem hábitos de leitura, possui uma página na
internet que tem por objetivo ampliar as relações com os profissionais da área
e o conhecimento histórico.
Admitiu ter dificuldades para trabalhar com a turma em decorrência da faixa
etária dos alunos e disse que gostaria de atuar no ensino médio por considera-
lo mais fácil. Também disse ter muita vontade de buscar uma escola particular
alternativa, pois avalia que as condições de trabalho são melhores.
�
1.9.3 OS ALUNOS E AS ALUNAS
A escola atende os alunos e alunas da educação básica, abrange turmas do
ensino fundamental(5ªa 8ª) e do ensino médio, embora o projeto previsto pela
Secretaria de Educação seja torná-la um pólo exclusivo do ensino médio.
38
As turmas estão divididas em três turnos, sendo que o diurno conta com um
número maior de alunos e alunas provenientes da classe média. Esta
proporção também se diferencia quando comparamos o turno da tarde com os
outros turnos.
Existe uma grande diferenciação no tratamento, por parte da comunidade, aos
alunos e alunas que estão no turno da tarde. A argumentação se sustenta no
seguinte discurso: “Este turno parece escola particular, isto porque o nível
social e a aprendizagem dos alunos e alunas, correspondem às expectativas
de uma proposta que atenda apenas os representantes de uma certa camada
social.”
A escola apresenta como trunfo alguns alunos e alunas em (média uns oito)
que foram aprovados na primeira etapa do vestibular da universidade federal
ou que passaram direto em instituição superior privada.
Alguns adolescentes vieram de escolas particulares, e procuraram esta
instituição por dois motivos: o alto valor da mensalidade das escolas em que
estudavam ou porque tiveram repetências sucessivas e os pais deram como
“castigo” a matrícula na escola pública. Porque, segundo os pais, a instituição
pública é lugar de quem não gosta de estudar.
Alguns alunos e alunas chegam a afirmar que a escola particular é melhor e
que inclusive muitos professores que são muito bons, não mereciam estar na
escola pública.
Eles fazem críticas ao trabalho de alguns docentes. Alegam que reclamar com
a direção da escola não adianta porque a resposta que recebem de volta se
resume na confirmação de que é impossível mandar um professor efetivo
embora.
39
Os alunos e alunas do ensino médio organizam festas durante todo o ano letivo
através do grêmio, com o objetivo de arrecadar dinheiro para a formatura. Suas
características são semelhantes aos jovens desta idade de qualquer área
urbana de uma grande cidade.
O quadro acima descrito não é circunscrito apenas a esta escola, pois
podemos encontrar outras escolas públicas ou privadas com alunos e alunas
adolescentes que vivem o mesmo tipo de relação com a instituição,
professores, professoras e colegas.
No caso em análise, a escola é bem instalada, bem organizada e possui um
ambiente que seria propício à aprendizagem, embora as propostas curriculares
aí não tenham relevância aparente, como se dá a relação do currículo prescrito
com o currículo em ação na escola.
40
2 A CONCEITUAÇÃO DE CURRÍCULO COMO PRESCRIÇÃO
2.1 ORIGEM
Este capítulo busca conceituar e contextualizar, historicamente, o campo do
currículo e suas relações com a escola. O ponto central da análise é o
significado do currículo oficial. Segundo Sílvio Gallo (2000), este é “o currículo
produzido pelas autoridades educacionais, legitimamente constituídas” ou seja,
pelas autoridades governamentais.
As propostas curriculares oficiais se expressam por políticas do Estado, são
prescritas por uma instituição normativa e difundidas através dos guias
curriculares elaborados pelos estados ou municípios brasileiros. O currículo
oficial também se inscreve como um currículo ideal, aquele que um grupo de
especialistas propõe como desejável. Geraldi, C. (1993 ).
Sendo o currículo oficial explicitamente aquele que é estabelecido por
autoridades ou emanado delas, expilicitaremos o vínculo entre currículo e
prescrição ao longo da história.
Goodson (1999:31) citando Hamilton e Gibbons (1980) mostra que tanto as
noções de classe na escola como a de currículo, surgem com a escolarização
de massa. O ensino e aprendizagem passam a ser abertos ao escrutínio e ao
controle externo. A ordem estrutural absorvida no currículo, estabelece relação
entre conhecimento e controle. Essa ação política, se desenvolve tendo como
sustentação dois aspectos: a produção do conhecimento no contexto social e a
tradução deste conhecimento para o ambiente educacional.
41
Ainda se referenciando nos teóricos acima citados, Goodson (1999), conclui
que, na trajetória da escolarização, o currículo passa a determinar e a
diferenciar o que deveria ser processado em sala de aula. Há um
fortalecimento do seu vínculo prescritivo, emergindo daí os padrões
seqüenciais da aprendizagem. Pedagogia e currículo demarcam o período
moderno, definindo a transição do sistema de classe para a sala de aula,
transição esta forjada pelo trunfo do sistema industrial.
Pressupõe-se que, com a mudança na composição social na sala de aula,
instala-se uma pedagogia de grupos sociais ligada ao currículo e ele passa a
funcionar, como o principal identificador e mecanismo de diferenciação social.
Esse poder de determinar e aplicar a diferenciação conferiu ao currículo uma
posição definitiva na epistemologia da escolarização. Goodson, I. (1999:34).
No começo do século XX a combinação da trilogia currículo, pedagogia e
avaliação caracterizam a escolarização do Estado, originando, assim, uma
tríplice aliança entre matérias acadêmicas, exames acadêmicos e alunos aptos.
Nesta perspectiva identificamos o vínculo prescritivo do currículo, tendo como
eixo as matérias e realçando, desta forma, o controle do conhecimento e sua
fragmentação.
E ainda observamos que o currículo, nas diferentes épocas, sempre foi definido
através de uma estruturação seqüencial rígida do conhecimento legitimado.
Essa estruturação tem relação direta com as relações de poder entre as
diferentes classes sociais e destas com a elite que detém o saber legitimado.
Para se entender hoje, o papel da prescrição curricular no Brasil deve-se
analisar como essa idéia de currículo se disseminou no meio educacional
brasileiro. Entretanto, realçamos que não é objetivo desta dissertação efetuar
42
um estudo da evolução do currículo no Brasil, mas identificar, nos períodos
mais significativos desta evolução os modelos curriculares adotados e os,
aspectos sobre os quais se observam diferentes concepções.
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2.2 A TRADIÇÃO CURRICULAR, SUA EVOLUÇÃO E SUAS DIFERENTES
CONCEPÇÕES NO BRASIL
�Após a Primeira Grande Guerra, no Brasil se prenunciam novos tempos: Com
a industrialização e a urbanização, forma-se uma a nova burguesia urbana;
novos estratos de uma pequena burguesia exigem o acesso à educação
respaldados nos valores da oligarquia, aspiram à educação acadêmica, elitista
e não técnica (considerada inferior).
Descrevendo o contexto brasileiro após a primeira guerra, um pesquisador
(Moreira et al, 1999), realça que o operariado começou a exigir um mínimo de
escolarização, e daí vieram pressões sobre o governo para a expansão da
oferta de ensino. O índice de analfabetismo então atingia a cifra de 85%.
Importantes transformações econômicas, sociais, culturais, políticas e
ideológicas são processadas a partir dos anos 20. No contexto pedagógico, a
literatura da época era inspirada nas idéias de autores americanos
pragmatistas ou nas teorias elaboradas por diversos autores europeus.
43
O pensamento educacional advindo da América do Norte fundamenta-se,
principalmente, na Teoria da Administração Científica5, mais conhecida como
Taylorismo, que tem estreitas relações com a organização fabril. Segundo Silva
(1997):
“[....] em conexão com o processo de industrialização e os movimentos imigratórios, que intensificavam a massificação da escolarização, houve um impulso por parte de pessoas ligadas sobretudo à administração da educação, para racionalizar o processo de construção, desenvolvimento e testagem de currículos. As idéias desse grupo encontram sua máxima expressão no livro de Bobbit, The Curriculum.” (p.12)
Assim como Taylor, Bobbitt considerou como elemento central na teoria do
currículo a responsabilidade das escolas em determinar cientificamente os
aspectos biográficos, psicológicos e sociais dos seres humanos, a fim de
prepará-los para exercer funções muito específicas em nossa sociedade.
Taylor também considerava que no cerne do currículo escolar as disciplinas
passariam para a órbita da eficiência burocrática.
No modelo de currículo de Bobbitt, os estudantes devem ser processados
como um produto fabril e efetivamente aqueles princípios destacados acima
passam a ser adotados por um número considerável de escolas. Aquilo que
Bobbit definiu como currículo tornou-se uma realidade.
5 Administração Científica, ou Escola Clássica, pode ser definida como um modo de organização racional do trabalho, fruto da sistematização de engenheiros, tendo como expoentes FrederiK Winslow Taylor e Henri Fayol. O pensamento central dessa Escola pode ser resumido, conforme Prestes Motta (1992:3-4), “na afirmação de que alguém será bom administrador na medida que planejar cuidadosamente seus passos, que organizar e coordenar racionalmente as atividades de seus subordinados e que souber comandar e controlar tais atividades”. (SILVA, 1997).
44
A transposição dos princípios da administração científica para a área do
currículo transformou a criança no objeto de trabalho da engrenagem
burocrática da escola. Essa concepção, originária do mundo do trabalho, ainda
exerce influência pois é aceita até hoje, segundo Moreira (1999).
A partir da década de vinte, alguns estados brasileiros empreendem reformas
pedagógicas à partir das tradições curriculares fundamentadas em uma base
filosófica híbrida que combinava os princípios da pedagogia Herbartiana, de
Pestalozzi e ainda a dos jesuítas. Moreira, A. F. (1999, p. 85)
Torna-se forte a influência escolanovista, trazendo a esperança de
democratização e de transformação da sociedade por meio da escola. Os
Pioneiros da Escola Nova buscaram superar as limitações da antiga tradição
pedagógica Jesuítica e da tradição enciclopédica que teve origem com a
influência francesa na educação brasileira. Segundo Figueiredo(1981), citado
por Moreira (1999), o currículo brasileiro era caracterizado:
a) pela ênfase em disciplinas literárias e acadêmicas
b) pelo enciclopedismo
c) pela divisão entre o trabalho manual e intelectual
Assim como Dewey, Anísio Teixeira, influente reformador educacional, define
currículo como: “O conjunto de atividades nas quais as crianças se engajarão
em sua vida escolar. Currículo é um processo educativo que dura para toda a
vida”. (Moreira,1999, p. 93)
Em Minas Gerais, o pensamento da Escola Nova é sistematizado com clareza.
Pela primeira vez aparece a abordagem técnica de questões educacionais no
45
Brasil e isso resulta na utilização de princípios definidos de elaboração de
currículos e programas.
Com a reforma Francisco Campos, no plano federal o ensino secundário tem o
currículo rigidamente prescrito e todas as escolas são equiparadas ao Colégio
Pedro II até então considerado modelo.
O ideário escolanovista expande através da divulgação do pensamento de
Dewey e Durkheim que determinava “a consistência do caráter social da
educação e do dever do estado em instaurar uma escola para todos.”
Nessa perspectiva, a orientação para professores e especialistas era no
sentido de se voltarem para construção de programas que não tivessem
preocupação com quantidade, mas sim com a qualidade do conhecimento a
ser aprendido.
Com a criação do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais
(INEP) o enfoque curricular brasileiro é basicamente composto pelas idéias
progressivistas derivadas do pensamento de Dewey e Killpatrick e nas idéias
de autores europeus como Claparède, Decroly e Montessori. Segundo Saviani
(1983) estas idéias continuam influentes até o início dos anos sessenta.
�
O primeiro diretor do INEP foi Lourenço Filho. Ele publica um artigo intitulado
“Programa Mínimo”, cujo teor enfatiza a importância da elaboração de
currículos e programas, processo que deve incluir a definição de objetivos a
serem atingidos e das estratégias a serem adotadas. Esse modelo de
construção curricular foi assimilado pelos pioneiros.
Á partir de 1956, um acordo entre Brasil e Estados Unidos cria o Programa de
Assistência Brasileiro Americano ao Ensino Elementar (PABAEE) responsável
46
pela introdução do modelo tecnicista6 nas escolas brasileiras. Esse modelo terá
grande influência no país em decorrência da assessoria de técnicos
americanos que foram os primeiros a tratar desse assunto no Brasil.
Geraldi,C.(1993) citando Saul, (1991).
“[...] a tradição educacional brasileira, em torno de currículo, é presidida pela lógica do controle técnico. Currículo tem sido tratado, inspirado no paradigma técnico-linear de Ralph Tyler (1949 ), como uma questão estrita de decisão sobre objetivos a serem atingidos, “ grades curriculares “ que definem as disciplinas, tópicos de conteúdo, carga horária, métodos e técnicas de ensino e avaliação de objetivos pré estabelecidos. Desse entendimento, a construção e reformulação de currículo tem se reduzido a um conjunto de decisões técnicas supostamente “ neutras ” (...), Tais decisões passam a construir a “ Pedagogia dos diários oficiais.” (Saul, A. M,1991: 55)
Para Tyler, um dos primeiros teóricos a expor uma definição para o currículo
este é composto pela experiência de aprendizagens planejadas e dirigidas pela
escola, a fim de conseguir os objetivos educativos. Ele confirma esta postura
pragmática ao afirmar conforme apud Paixão (1981:18) que:
“[....] o desenvolvimento do currículo é uma tarefa prática, não um problema teórico, cuja pretensão é elaborar um sistema para conseguir uma finalidade educativa e não-dirigida para obter a explicação de um fenômeno existencial. O sistema deve ser elaborado para que opere de forma efetiva numa Sociedade onde existe numerosas demandas e com seres humanos que tem intenções, preferências (...). (p.18).
6 Por tecnicismo entendemos a organização e o planejamento racional do trabalho pedagógico, a operacionalização dos objetivos, o parcelamento do trabalho com a especialização das funções e a burocratização visando a eficiência e a produtividade.
47
Assim como Tyler, Hilda Taba foi extremamente importante no campo do
currículo no Brasil. Ela propõe um modelo de organização curricular que
envolve as seguintes questões:
a) objetivos a serem alcançados;
b) experiências curriculares;
c) centros de organização do currículo;
d) esquema de abrangência e seqüência.
Seu modelo, no qual se integrariam tanto o conteúdo como as experiências de
aprendizagem, pretende superar os problemas dos modelos de organização
curricular existentes, inclusive o currículo centrado na disciplina. Segundo
Moreira ( 1999 ):
�
“[....] não podemos dizer que o campo do currículo no Brasil emergiu do controle técnico, pois os teóricos americanos que representam intensas influências no pensamento curricular brasileiro, tinham como pressupostos a mesclagem do progressivismo e o tecnicismo”. ( p. 67)
Com o golpe militar de 1964 e as conseqüentes transformações sócio-políticas
e econômicas, apesar das resistências, tomam lugar novamente os enfoques
tecnicistas do pensamento pedagógico, ocasionados pelo aumento da
influência americana no ensino.
O tecnicismo acabou por se tornar dominante no pensamento brasileiro e muito
estreitamente no campo do currículo, pois a maioria dos autores dos anos
sessenta e setenta aceitam os princípios estabelecidos por Tyler.
De acordo com Silva (1992), citado por Geraldi (1993), esse paradigma
curricular sobrepõe-se ao movimento produzido pela Nova Sociologia da
48
Educação (NSE), cujas discussões produzem intensas reflexões na Europa e
nos Estados Unidos nos anos 70. �
��
“[...] durante anos absorvemos e consumimos de forma constrangedoramente acrítica, as formulações americanas sobre o currículo (representado pelo modelo de Tyler), mas presunçosamente ignoramos os desenvolvimentos posteriore.” (Silva,1992:75)
Com o objetivo de implementar uma reforma educacional no país, diversos
acordos foram selados entre o MEC e a USAID7 pelos quais o Brasil passou a
receber assistência técnica e cooperação financeira. O treinamento de nossos
técnicos tinha em vista a adaptação do ensino à concepção taylorista típica da
mentalidade empresarial tecnocrática.
Com a promulgação da lei 5692/71 e através de diversos pareceres o
currículo8 passou a ser articulado com uma parte da educação geral e outra de
formação especial. Esta última deveria ser programada conforme a região,
tendo sido sugeridas diversas habilitações correspondente às três áreas
econômicas: primária (agrícola), secundária (industrial) e terciária (serviços ).
Esse modelo curricular se sustentou até os anos 80, entretanto, o seu fracasso
foi reconhecido e com a promulgação da lei 7.044/82 as escolas são
7 Ministério da Educação e Cultura e United States Agency for Internacional Development 8 Para o 2º grau havia uma lista de sugestões de 130 habilitações. Foram incluídas matérias obrigatórias como Educação Física, Moral e Cívica, Educação Artística, Programa de Saúde e Religião. Com essas alterações curriculares, algumas disciplinas desaparecem “ por falta de espaço”, como a Filosofia no 2º grau, ou são aglutinadas, como a História e Geografia, que passam a constituir os Estudos Sociais no 1º grau.
49
dispensadas da obrigatoriedade da “profissionalização”, voltando a ênfase para
a formação geral.
Tendo em curso o lento processo de democratização do país, a crise
econômica, o desgaste do governo, são organizados seminários e debates
sobre os principais problemas da educação brasileira. É intensificada a luta
pelo retorno da Filosofia, excluída do Currículo, e ela ressurge como matéria
optativa no ensino médio.
Educadores exilados pelos militares retornam ao Brasil possibilitando o
florescimento da literatura pedagógica crítica9. A partir de então o foco das
discussões pedagógicas sustenta-se em Marx e Gramsci. Entretanto, a prática
pedagógica bem como os discursos têm características liberais.
Com a difusão da Sociologia do Currículo no Brasil e partindo de reflexões
teóricas sobre a mesma, os educadores brasileiros voltam-se para duas
tendências: a Pedagogia Crítico-Social dos Conteúdos10, que é absorvida no
currículo oficial e a Educação Popular11 que encontra ressonância entre os
educadores da linha crítica como Demerval Saviani, na primeira e Paulo Freire
e discípulos, na segunda. Segundo Moreira (2000:118), o caráter complexo e
9 Literatura que tem como base principal “A Nova Sociologia da Educação” (NSE) cujo movimento nasce, na Inglaterra, em 1971, sob a liderança de Michael Young, com a publicação do livro” Knowledge and Control. A tarefa dessa sociologia consiste em destacar o caráter socialmente construído das formas de consciência e de conhecimento, bem como suas estreitas relações com as estruturas sociais, institucionais e econômicas. 10 Pedagogia Crítica que enfatiza a necessidade do aluno da classe popular ter acesso aos conteúdos do saber da classe dominante como condição de sua emancipação. 11 Concepção Crítica que determina o caráter político da educação, tornando-a accessível às camadas populares dela excluída. Nesta educação o espaço da discussão e da problematização serão suportes para transformação da realidade social.
50
abstrato do discurso da tendência crítica dificulta a elaboração de propostas
que viabilizam ações mais concretas para novas práticas.
Esta crítica aliás vai acompanhar as tentativas de mudanças que ocorrem
durante a década de 80; até mesmo o discurso a favor das classes populares
é incorporado nos pronunciamentos oficiais das autoridades do ensino.
Destacamos aqui os princípios destas duas tendências pois ambas são
tomadas como referência para os educadores da linha crítica e exercem fortes
influências no contexto educacional.
O que temos observado é que toda prática escolar a partir dos anos 80 contém
implícita ou explicitamente os pressupostos teóricos dessas duas tendências.
Entretanto, as divergências se acentuam em decorrência de diversos fatores
que envolvem desde a formação dos sujeitos até as condições de trabalho que
são oferecidas aos mesmos.
Os vários aspectos que estão sendo objetos de nossa análise sustentam-se
na articulação entre a prática e os discursos destas tendências, analisadas
exaustivamente por vários autores, dentre os quais se destaca Antônio Flávio
Barbosa Moreira (2000). O referido autor explicita os princípios que
fundamentam essas duas escolas: Educação Popular e Pedagogia Crítico
Social dos Conteúdos que resumimos a seguir:
Educação Popular
• O eixo organizador dos currículos são as necessidades e as exigências
da vida social, não as disciplinas tradicionais.
51
• Os temas geradores trabalhados em sala de aula devem ser codificados
e decodificados por meio de diálogo entre professores e alunos.
• A organização criativa do currículo a partir de uma pedagogia que
considere os temas, as necessidades e a linguagem dos alunos.
• A reinvenção do conhecimento e sua utilização no desvelamento das
relações de poder na sociedade.
• Os Currículos devem ser definidos em cada local, ao invés de decididos
em instâncias centrais do sistema escolar.
Pedagogia Crítico Social dos Conteúdos
• O Estado deve definir uma base comum de conhecimentos que organize
o sistema de ensino e favoreça a unificação nacional e o
desenvolvimento cultural da sociedade.
• Os Programas oficiais devem ser elaborados pelos professores
considerando-se as condições da escola, as experiências dos alunos,
bem como as situações didáticas específicas às diferentes séries e
matérias.
• Os conteúdos escolares são resgatados e devem ser ensinados
criticamente principalmente aos estudantes das classes populares.
• A função básica da escola é a transmissão do saber sistematizado.
Assim o conhecimento científico universal deve ser dominado por todos
os estudantes.
• Aceitação sem questionamento tanto da organização curricular quanto
os conteúdos das próprias disciplinas.
Esta Pedagogia ainda realça a importância da garantia de um bom ensino
através da apropriação dos conteúdos escolares básicos que tenham
ressonância na vida dos alunos e alunas. E que a mediação da educação se dá
pela intervenção do professor e pela participação ativa dos discentes.
52
Segundo a pesquisadora, Geraldi,C. (1993), os primeiros esforços no Brasil no
que se refere ao pensamento curricular propriamente brasileiro foram
produzidos a partir de 1988, através de Paulo Freire, que passa enfocar
Conhecimento e Currículo na perspectiva de emancipação, postulações estas
que têm semelhanças com o trabalho de Habermas12
Surge em algumas regiões do Brasil (sudeste e sul) o movimento de renovação
curricular13. Ele nasce de fatores prioritariamente educativos, das lutas de
oposição do regime militar e acenava para a construção de uma sociedade e
de uma escola democrática.
Segundo Alves (1984),citada por Moreira (1999), a tarefa dos curriculistas
críticos é superar o vocabulário curricular especializado importado dos Estados
Unidos. Os estados Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro, empreendem
reformas educacionais que se articulam com os princípios da Pedagogia
Crítico-Social dos Conteúdos.
Em Minas Gerais, Neidson Rodrigues conclama os professores, alunos e pais a
participarem das mudanças pretendidas. É proposto um diagnóstico da
situação das escolas, o conhecimento dos projetos pedagógicos em
desenvolvimento e a sistematização das propostas para uma nova política de
12 Para Habermas, o saber é o resultado da atividade humana motivada por necessidades naturais e interesses. Com base nisso, sustenta que este saber se constitui em virtude de três interesses constitutivos: o técnico, o prático e o emancipatório. O interesse emancipador exige que se ultrapassem quaisquer interpretações estreitas e acríticas para com os significados subjetivos a fim de alcançar uma conhecimento emancipador que permite avaliar as condições/determinações sociais, culturais e políticas em que se produzem a comunicação e ação social. 13 Movimento ocorrido na década de 80, liderado por estados que elegeram governos de oposição ao regime militar.
53
educação. Foi também organizado o Congresso Mineiro de Educação com a
participação de 5 mil escolas estaduais
Guiomar Namo de Mello coordena a refomulação implementada em São Paulo.
A mudança curricular prevista não chegou a ser concretizada, mas extingue-se
a disciplina Estudos Sociais na 5ª e 6ª séries, voltando a se ensinar as
tradicionais História e Geografia.
Ainda neste estado e em Minas Gerais destaca-se o pressuposto de que a
escola deve transmitir a todos que a ela tivessem acesso, sem discriminação,
“O saber universal historicamente acumulado necessário à formação dos
cidadãos”. (Cunha,1999, p.174).
No entanto Minas, manteve a preservação das disciplinas tradicionais,
enfatizando a necessidade de renovação no ensino principalmente em
Ciências, História, Geografia e Educação para o Trabalho com os seguintes
enfoques:
a) o domínio da linguagem científica;
b) a compreensão da realidade cultural como produto histórico das ações
humanas;
c) a compreensão do espaço como realidade viva;
d) a compreensão das condições da vida do homem e da sociedade em suas
determinações fundamentais e representações culturais.
De acordo com Cunha (1991), citado por Moreira (2000), nesse período, muito
claramente a escola unitária14 de Gramsci também inspirou na busca de
14 Concepção educacional que determina uma “escola única” de cultura geral, humanística, formativa, capaz de equilibrar o desenvolvimento da capacidade de trabalhar manualmente (tecnicamente, industrialmente) com o desenvolvimento das capacidades de trabalho intelectual. Esta concepção critica o fato de na sociedade atual, existir uma “escola clássica”, para a elite e uma “escola profissional” para o povo.
54
solução dos problemas que dificultavam o cumprimento da função da escola
pública.
Nessa conjuntura, renomados teóricos da educação passam a ocupar espaços
nos partidos políticos de oposição, criando possibilidades para alteração do
paradigma educacional vigente. As implantações de idéias pedagógicas mais
progressistas em diferentes estados e municípios neutralizam posições mais
conservadoras e avançam nas reflexões da questão do ensino básico.
Nos conteúdos discursivos ganha ênfase a avaliação emancipatória15e o
resgate da autonomia do professor e da professora. Verifica-se, ainda, a busca
de uma orientação mais autônoma e a desvalorização dos modelos
educacionais associados ao governo militar.
Na década de 90, assistimos reflexos de uma intensa teorização das
discussões sobre o currículo com o acréscimo de novas influências
protagonizadas pelos estudos culturais, pelos pós-modernismo e pelo pós-
estruturalismo. A Sociologia do Currículo preserva a preocupação com o
conhecimento escolar colocando como foco de reflexões o saber e o poder. A
importância social e política do currículo em sua implementação deve facilitar a
socialização do saber sistematizado. A Sociologia do conhecimento permeia
análises do cotidiano escolar e da história do currículo.
Os aspectos teóricos acima constituem eixos centrais da Sociologia do
Currículo cuja expansão aguça novas formas de entender as conseqüências
das relações entre sociedade e escola, entre poder e currículo.
15 Concepção de controle social enfocada por Giroux que consiste no compromisso com a emancipação do homem cujo enfoque aponta para condições nas quais aprendizagem e práticas críticas possam ocorrer.
55
Essas tendências, que possibilitam novas propostas de organização curricular,
não foram suficientes para encurtar o distanciamento entre a produção “teórica”
e a realidade vivida no cotidiano das escolas, segundo análise de Souza
(1993), citado por Moreira (1998, p. 19).
A influência da pedagogia crítica, o caráter diverso de grandes cidades e a
eleição da oposição em quatro capitais do país nos anos 90 determinaram a
organização de propostas curriculares a partir de princípios mais integradores,
visando a propiciar aos grupos subalternos da população uma aprendizagem
mais significativa e mais bem sucedida. Segundo Barreto (1998):
“[...] as propostas pautaram-se na “idéia” de integração do currículo como recurso facilitador da postura reflexiva em relação ao saber constituído, reiterando o propósito de inserção do aluno na sociedade como cidadão autônomo, consciente e crítico”. No entanto, as referidas propostas não ignoraram as determinações legais que prescrevem as disciplinas a serem ensinadas na escola.” ( p.27)
Em São Paulo (1989-1992), Porto Alegre a partir de (1994) definiram o
Currículo pelo viés da interdisciplinaridade, já Belo Horizonte (1996) optou
pelos eixos transversais e norteadores e o Rio de Janeiro optou pelos
princípios educativos e núcleos conceituais.
Essas propostas distanciaram-se da concepção de que uma proposta curricular
deve corresponder a uma lista detalhada de conteúdos, procedimentos e
avaliação para todas as escolas.
Para os defensores dessas propostas o Projeto Pedagógico de cada escola
deve nortear estas definições, sendo competência dos órgãos centrais o
estabelecimento de objetivos gerais norteadores dos projetos.
56
O foco destas orientações centra-se na integração dos conhecimentos
localmente escolhidos em contraponto ao saber universal sistematizado. Esse
pressuposto se contrapõe a postulações da pedagogia dos conteúdos. Temos
aqui uma significativa influência de Paulo Freire em quase todas as
reformulações.
Em diferentes cenários históricos, vamos constatar o poder de controle do
Estado através do currículo oficial. Moreira (1999) analisa que nem sempre o
controle social através do currículo tem o caráter conservador. Ele confirma
este aspecto através da seguinte constatação:�
�
“[...] o controle social não envolve, necessariamente, orientações conservadoras, coercitivas e de conformidade comportamental, pois no discurso curricular crítico, encontra-se uma noção de controle social orientado para emancipação.” (p.59)
Desse modo, o controle pode tomar um aspecto crítico, até mesmo
antecipatório de novas formas de pensamento curricular.
2.3 A PRESCRIÇÃO CURRICULAR NO SISTEMA EDUCACIONAL DE MINAS
GERAIS
Historicamente, a educação brasileira orienta-se pela tradição da prescrição do
currículo oficial, currículo esse, determinado por um ideário curricular que
permeia a sociedade e tem sido elaborado por instituições e grupos sociais
57
dominantes. Esse ideário curricular porém, às vezes, avança a interpretação
particular que fazem os segmentos no poder.
Cury, J. (1996), adverte que: Parâmetros Curriculares Nacionais, currículos
mínimos, currículos básicos, currículos unificados, conteúdos mínimos,
diretrizes comuns nacionais são denominações para propostas concretas da
política educacional que acabam sendo incorporadas nas políticas
governamentais para a educação.
Este teórico ainda complementa que, historicamente sabemos que os graves
problemas da educação básica brasileira por vezes servem de justificativa para
iniciativas governamentais isoladas que não têm continuidade e pouco impacto
provocam na realidade vivida nas escolas.
Essa realidade confirma-se com a implementação do “CQT”, Controle de
Qualidade Total16 na Educação, em 1992, em algumas escolas estaduais
mineiras. Apesar de Minas Gerais ser o primeiro estado a adotar este programa
é sabido que o Ministério da Educação tinha intenção de recomendar o seu
emprego quando formulou o “Plano de Qualidade Total em Educação”
(PQTE,1990), que é derivado do “Plano Brasileiro de Qualidade e
Produtividade (PBQP,1990).
A concepção destes planos nasceu com a participação do Brasil na
“Conferência de Educação para Todos” em Jomtien, Tailândia. Estavam
presentes nessa conferência países17 cujas populações estão entre as maiores
16 Segundo o Presidente da Fundação Cristiano Ottoni a Qualidade Total é uma estratégia que consegue levar as empresas, as instituições, os serviços e as escolas a obtenção de níveis crescentes de qualidade e produtividade. 17 Os países que tiraram posições consensuais foram: Bangladesh, Brasil, China, Egito, Índia, Indonésia, México, Nigéria e Paquistão.
58
do mundo. Naquela oportunidade adotaram posições consensuais como: a
universalização da educação básica até o final do século e o estabelecimento
de programas que alcançassem maior produtividade escolar. Essas propostas
são sintetizadas na Declaração Mundial de Educação para Todos. O governo
brasileiro assumiu o compromisso de garantir a satisfação das necessidades
básicas de educação de seu povo, como signatários das resoluções então
propostas.
O governo brasileiro tendo como suporte as orientações da conferência,
elaborou o Plano Decenal de Educação para Todos, cujo objetivo mais amplo
assegura, até o ano de 2003, a crianças, jovens e adultos, conteúdos
mínimos18 de aprendizagem que atendam às necessidades elementares da
vida contemporânea. Nessa perspectiva são formulados os Planos Decenais
de Educação cujas metas são semelhantes para todos os estados do país.
De acordo com Oliveira (1998), em Minas este plano define as seguintes
ações:�
�
[...] Universalização do ensino fundamental; para 100% das crianças e jovens do Estado, ensino para crianças de seis anos, garantido para 50% da população carente, ampliação do atendimento aos jovens e adultos, com o propósito de oferecer oportunidade de ensino fundamental a 80% do analfabetos e subescolarizados, priorizando a faixa etária compreendida entre 15 a 17 anos; aperfeiçoamento das condições materiais e
18 O Plano Decenal, à luz da Constituição de 1988, reafirma a necessidade e a obrigação do Estado de elaborar parâmetros claros no campo curricular, capazes de orientar o ensino fundamental de forma a adequá-lo aos ideais democráticos e à busca da melhoria da qualidade do ensino nas escolas brasileiras. A Lei Federal nº 9.394, de 20/12/96, Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, também determina como competência da União estabelecer em colaboração com estados, distrito federal e municípios, diretrizes que nortearão os currículos e seus conteúdos mínimos, de modo a assegurar uma formação básica comum.
59
pedagógicas no nível de 100% dos docentes em exercício nas escolas normais; garantia de habilitação mínima para 100% dos professores do ensino fundamental; implantação de um modelo de avaliação sistêmica para 100% das escolas públicas estaduais e, pelo menos, para 80% das escolas municipais; redução em 20% dos atuais índices de repetência escolar para viabilizar, pelo menos, 80% de conclusão de ensino médio; garantia dos padrões necessários ao desenvolvimento do processo de ensino em pelo menos 80% das escolas municipais estaduais de ensino fundamental (Plano Decenal de Educação de Minas, 1993:15).
O então vice governador Walfrido Mares Guia,19 que também dirigia a política
educacional mineira20, com o objetivo de operacionalizar as diretrizes acima
descritas opta pela implementação do “CQT.”
A utilização desse modelo empresarial japonês serviu de estratégia para tentar
acabar com o fracasso escolar no sistema estadual de ensino de Minas Gerais,
numa iniciativa inédita em termos nacional e mundial.
O Projeto Piloto de implantação do “CQT” foi elaborado pela Secretaria do
Estado de Educação de Minas Gerais e seu assessoramento coube a
Fundação Cristiano Ottoni, da Escola de Engenharia de Minas Gerais. Para sua
viabilização também foram firmados convênios com a Secretaria Nacional de
Ensino Tecnológico, o Banco Mundial21 e o Governo de Minas22.
19 Vice-governador que também acumulou o cargo de secretário de educação de M.G. nesta época era empresário educacional proprietário do Sistema Pitágoras de Ensino, um dos maiores “conglomerados” de educação do país. 20 Esta decisão nasceu durante a realização do 1º Congresso do Pitágoras de Educação, quando este secretário entusiasmou-se com a fala do Presidente da FCO. 21 O Banco Mundial emprestou 2,5 milhões de dólares, e o governo de Minas entrou com idêntica quantia Oliveira (1998). Segundo Tommasi havia uma influência crescente deste organismo sobre a definição das políticas educativas nos países em desenvolvimento argumentando-se que a Educação é o instrumento fundamental para promover o crescimento econômico e a redução da pobreza.
60
Na implementação do referido projeto o governo argumenta que: “Os princípios
que fundamentam o Gerenciamento de Qualidade Total nos conduzem a um
plano de ação semelhante” (Oliveira,1998). Isso porque, na visão dos
defensores da Qualidade Total em Educação, essa metodologia gerencial
favorece os cinco pontos programáticos do governo.
Essas prioridades definidas pelo governo mineiro, em 1991, são incorporadas
ao “QTC” e se traduzem nas seguintes ações:��
�
1. autonomia escolar e gestão democrática;
2. avaliação das unidades escolares;
3. capacitação e aperfeiçoamento dos profissionais;
4. integração com os municípios.
�
As escolas escolhidas para implementação do programa foram submetidas a
um diagnóstico que resultou na criação do Plano de Ação Para a Melhoria da
Escola (PAME, 1992). Os dados obtidos nos levantamentos detectaram as
seguintes questões:
a) Professores - Falta de treinamento, falta de tempo para dar mais atenção
aos alunos, desatualização da matéria, falta de cobrança por parte do
supervisor, falta de conhecimento dos métodos pedagógicos, desmotivação
pelos baixos salários;
b) Método - Ensino inadequado à realidade do aluno;
22 O governo de Minas Gerais, através da Secretaria de Educação, desenvolveu o referido Projeto, sem obedecer aos trâmites tradicionais e, embora tenha recebido incentivos principalmente de Cosete Ramos, responsável pelo “ Plano de Qualidade Total ” do MEC, não contou com o assessoramento deste órgão federal.
61
c) Alunos indisciplinados, falta de acompanhamento em casa, má formação
anterior, desmotivação e problemas psiconeurológicos;
d) Currículo e Programas inadequados;
e) Carência do coordenador de área.
A equipe da Secretaria Estadual da Educação também argumenta que a
identificação de tais falhas possibilitou a “construção de uma nova proposta,
em parte baseada na anterior, porém mais ampla e aliada a mecanismos
novos de implantação”.
�
As propostas acima mencionadas entretanto não se efetivaram em decorrência
de várias questões como: os supervisores não promoveram os treinamentos
docentes em virtude da falta de tempo, pois estavam�sobrecarregados com as
excessivas tarefas administrativas exigidas pela FCO em decorrência da falta
de professores; as trocas de experiências foram inviabilizadas e o treinamento
com os especialistas externos não aconteceu. De concreto só se efetivou a
construção da sala de aula.
O Projeto que a princípio teve adesão quase que total nas escolas em que foi
implantado passa a ter resistências da comunidade escolar em função das
condições estruturais de trabalho e da concepção pedagógica que o
acompanha. O Sindicato dos Trabalhadores em Educação – SIND UTE teve
um papel decisivo nas discussões sobre a política transformada em rigoroso
programa a ser seguido pelas escolas. A orientação repassada definia que a
proposta curricular deveria uniformizar os conteúdos e a maneira certa de
trabalhar (lecionar) poderia ser conseguida através da padronização.
62
Essa orientação, se justificava porque, segundo os consultores da FCO, os
métodos, os processos, as ferramentas, as técnicas de treinamento, a
avaliação, o controle estatístico do processo, tudo é muito semelhante ao que é
feito nas empresas. Educação e treinamento são termos que se confundem no
TQC23.
A meta da “Qualidade” de educação para todos construída no discurso do
governo, a partir de 1991, sustentou a elaboração de um Programa de�Ensino
para a educação fundamental e o 2º grau colocado em prática, no ano� ���
������Essa proposta inclui, segundo os seus articuladores, os seguintes pontos
básicos:
1º) Avaliação das propostas curriculares anteriores e, mais especialmente, a
análise das dificuldades encontradas na proposta de 1986 e que foram:
• o fato de que nas escolas muitos professores não tiveram acesso ao texto
da proposta curricular;
• a falta de adequação da proposta curricular às condições regionais ou
locais.
• a ausência de um plano de capacitação docente, capaz de preparar os
professores para ensinar os conteúdos previstos;
• a não definição clara dos conteúdos básicos, já que em algumas disciplinas
a sugestão era metodológica;
• a falta de escolas equipadas com livros, laboratórios e outros recursos
didáticos destinados a viabilizar o modelo de ensino proposto.
23 Segundo o consultor da Fundação para o alcance dos resultados desejados necessita-se do envolvimento de todos, isto é que todos se sintam irmanados, em sintonia, buscando conjuntamente as mesmas metas.
63
2º) Garantia a todas as escolas públicas estaduais de padrões básicos de
funcionamento, quais sejam: os equipamentos de laboratórios, biblioteca e
salas de aula e os recursos humanos devidamente capacitados para ensinar o
que se propõe.
3º) Observância dos conteúdos básicos, apresentados no atual Programa e
que deverão ser ensinados a todos os alunos da escola pública estadual,
qualquer que seja seu nível sócio-econômico. A avaliação sistêmica, realizada
pela Secretaria de Estado da Educação, permitiu a avaliação da aprendizagem
desses conteúdos básicos e permitirá a correção, em processo, das
deficiências identificadas.
4º) Treinamento intensivo de professores e especialistas em educação para se
tornarem profissionais capazes de superar o fracasso escolar.
5º) Enriquecimento do currículo da escola com atividades e conteúdos
considerados pela comunidade e pelos educadores como relevantes para a
localidade ou para região,desde que respeitados os conteúdos básicos.
Conforme sustenta a Secretária Coordenadora da Subsecretaria de
Desenvolvimento Educacional Íris Barbosa Goulart (1995], são considerados
conteúdos básicos:
“[...] Os conhecimentos considerados indispensáveis ao convívio do sujeito com sua realidade, ao enfrentamento dos desafios que lhes são apresentados no cotidiano e à promoção de mudança em seu meio. O domínio desses conhecimentos é, pois, condição fundamental para a construção da cidadania. Os conteúdos básicos a serem aprendidos pertencem à realidade concreta; constituem o real significativo para os alunos e devem estar ligados a seus interesses. Por outro lado, esses conteúdos devem propiciar aos alunos meios de ultrapassar a sua própria experiência e até mesmo sua condição de vida.” (p. 16-17)
64
Podemos observar que no processamento das orientações desse projeto
resgatam-se assim elementos já disseminados pelo pensamento educacional
tecnicista dos anos 70, mas sobre eles, tenta-se erigir uma proposta
alimentada por novos princípios traduzidos por um projeto empresarial que
camufla as reais questões pedagógicas e que impossibilita a construção de
uma proposta curricular crítica.
Em 1996, o Ministério da Educação apresenta ao professorado brasileiro a
definição dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) para o ensino
fundamental. A temática do Currículo tornou-se o centro das discussões e
rapidamente a proposta dos PCNs se transformou em polêmica nacional.
Algumas questões são colocadas como foco de contestações, como:
a) a concepção pedagógica inspiradora do documento;
b) as estratégias utilizadas em sua elaboração (alijamento dos professores e
professoras da escola pública brasileira de todo processo que culminou na
composição da versão atual);
c) contratação de um consultor espanhol na elaboração dos trabalhos,
deixando à margem a fecunda reflexão que pesquisadoras e pesquisadores
brasileiros vêm desenvolvendo nesta área.
A formulação da referida proposta curricular, inicialmente implantada nas
quatro primeiras séries da educação fundamental, conforme Moreira, está
fundamentada em três razões :
a) cumprimento o artigo 210 da Constituição de 1988, que determina a fixação
dos conteúdos mínimos para o ensino fundamental, a fim de assegurar
65
formação básica comum e respeito aos valores culturais e artísticos, nacionais
e regionais;
b) promoção do aumento da qualidade do ensino fundamental, cuja
necessidade foi enfatizada no Plano Decenal de Educação para Todos
(1993-2003).
c) articulação dos diferentes esforços de reformulação curricular que vêm
sendo desenvolvidos nos diferentes estados e municípios.
Para o processo inicial de elaboração, ocorrido antes da posse do atual
Presidente da República, foram convidados 60 estudiosos da educação
brasileira e mais representantes da Argentina, Colômbia, Chile e Espanha,
países estes que tinham promovido reformas curriculares. Essa proposta
curricular teve como fonte inspiradora o pensamento pedagógico espanhol
através do professor César Coll, catedrático de Psicologia Educacional da
Universidade de Barcelona.
A Fundação Carlos Chagas trabalhou na análise das propostas curriculares
dos estados brasileiros bem como dos municípios de São Paulo, Rio de Janeiro
e Belo Horizonte.
Professores e professoras ligados à Escola da Vila, situada em São Paulo,
responsabilizaram-se pela elaboração dos PCNs (nesse conjunto não se
incluíram professores universitários). No início de 1996, cerca de 400 docentes
de diferentes áreas do conhecimento e especialistas em educação receberam
essa versão para exame e parecer.
As discussões com professores e professoras de diferentes estados do país
ocorridas no primeiro semestre do referido ano, objetivaram oferecer subsídios
66
para reformulação e melhoria dos Parâmetros. A composição dos documentos
que serviram de análise para os PCNs de 1ª 4ª séries foram:
a) documento introdutório;
b) documento de apresentação das discussões das propostas curriculares de
estados e alguns municípios;
c) documento intitulado Convívio Social e Ética, que justificam a importância
do desenvolvimento na escola de temas que possam favorecer a vida
democrática (temas transversais);
d) documentos referentes a alguns desses temas (orientação sexual, ética,
saúde, meio ambiente);
e) documentos que abordam o tratamento a ser dado às diferentes disciplinas
curriculares.
No documento introdutório é realçado que os PCNs constituem instrumentos
promotores da qualidade do ensino, pois seu objetivo é a orientação e
aperfeiçoamento do trabalho pedagógico nas escolas. Os Parâmetros são
formulados também através de objetivos, conteúdos essenciais, critérios de
avaliação e de orientações didáticas.
O debate curricular sobre o que deve ser ensinado na escola, para que deve
ser ensinado, como deve ser ensinado, quem deve decidir o que ensinar não
envolve somente decisões técnicas e, rememorando Paulo Freire (1998),
confirmamos que: “Todo ato pedagógico é político e não neutro” Essa
perspectiva se contrapõe aos “ esforços ” empreendidos pelas diferentes
instâncias educacionais no sentido de consumar os PCNs como uma proposta
alternativa e não como uma ”imposição” oficial ao sistema escolar brasileiro.
67
Sílvio Gallo (2000) destaca que: “Mediante as conveniências que se contrapõe
entre as contradições do oficial e do alternativo24, existe uma preocupação
exarcebada do governo em apresentar os PCNs como mais uma “opção”, pois
desta forma é possível atenuar as resistências dos educadores que podem
inviabilizar sua adoção por considerá-lo de fato oficial.
Em 1998, no calor do processo de eleições para o governo do estado, é
realizado o Fórum Mineiro de Educação. Este evento sintetiza como resultado
a elaboração da Carta25 dos Educadores Mineiros (2.9.1998).
�
Após seis meses na Secretaria Estadual de Educação, o secretário Murílio de
Avellar Hingel apresenta uma primeira proposta de diretrizes e prioridades
elaboradas a partir dos eixos definidos na referida carta. As comissões
criadas, assim como os grupos de trabalho, estabeleceram parâmetros
básicos, fixaram objetivos e diretrizes operacionais que nortearam ações com
vistas a reestruturação do quadro administrativo, financeiro e pedagógico do
sistema público estadual.
Nessa perspectiva, segundo o secretário, esse passo inicial no campo da
Educação, estreitava-se com o Plano Mineiro de Desenvolvimento Integrado -
(PMDI),em preparação pela Secretaria de Planejamento e Coordenação Geral,
permitindo, desta forma, a construção coletiva do Plano Mineiro de Educação,
de caráter decenal, privilegiando o conceito de “Educação para todos durante
toda a vida.”
24 Por alternativo entende-se o currículo produzido como opção ao currículo oficial, às vezes, em franca oposição a esse (Gallo, 200:2). 25 Esta carta foi subscrita pelo então candidato ao governo de Minas, Itamar Franco. Fonte: (Caderno Escola Sagarana, volume II,p.5).
68
Ainda de acordo com o secretário de educação, o Governo de Minas Gerais se
mantém fiel aos compromissos assumidos pelo Brasil em 1990, durante a
Conferência Mundial de Educação para Todos realizada em Jomtien, na
Tailândia que definiu como objetivo primordial a universalização da educação e
a democratização pelo tratamento diferenciado aos desiguais. Assim, Hingel
(1999) justifica a construção de um Plano Estadual de Educação para a Vida :�
�
“[...] Um Sistema que promova a nucleação da ação pedagógica a partir da identidade regional, sempre assentada no Humanismo e voltada para o desenvolvimento harmônico do Estado. Que dê atenção à diversidade criadora de modo que, opondo-se à padronização técnica de viés autoritário, estimule as diferenças e as contribuições do rico universo cultural mineiro, que articule as atividades educacionais com o setor produtivo, envolvendo a participação das famílias, de instituições sociais e comunitárias, das empresas e de organizações não governamentais; que seja capaz de organizar conteúdos curriculares inteligentes e atraentes, voltados para : aprender a aprender, aprender a fazer, aprender a viver e a conviver, aprender a ser.” (Fonte: Caderno Escola Sagarana, volume II, p. 8-9, 1999).
Com base nesses pressupostos, surge o programa Escola Sagarana25, que
vislumbra os seguintes objetivos:
��
1º) Promover a estruturação e a articulação entre os programas e projetos
setoriais da Secretaria da Educação e de outros órgãos do governo estadual
visando ações que possam refletir e viabilizar as estratégias, diretrizes e metas
da política educacional de Minas Gerais.
26 Termo utilizado para denominar a política educacional implantada em Minas Gerais. O termo é retirado do primeiro livro do escritor João Guimarães Rosa lançado em 1946, que resulta da união do radical germânico SAGA – que significa narrativa épica em prosa, ou acontecimentos marcantes ou heróicos – com o elemento RANA, que é de origem tupi e representa a idéia de “ à maneira de”, “típico ou próprio de”. Segundo o crítico Sami Sirihal, o escritor quis deixar a ”sugestão de histórias em que o elemento local, regionalista, se associa a uma dimensão maior de interesse universal”.
69
2º) Implantar e desenvolver a política de educação de qualidade para todos os
mineiros, contribuir para a formação do cidadão do próximo século com
educação integral voltada para o exercício da cidadania e o desenvolvimento
pessoal, profissional, da comunidade, do estado e da nação.
3º) Desenvolver, implementar e divulgar, por todos os meios possíveis, idéias,
propostas e ações que visam o fortalecimento da escola pública em Minas
Gerais, a valorização da cultura mineira, com o fortalecimento da mineiridade a
partir da atuação das escolas nos campos pedagógico, científico, cultural,
social e econômico.
4º) Implantar o Sistema Mineiro de Educação, implantar o Sistema Estadual de
Avaliação do Desempenho Escolar, implantar o Sistema Estadual de Controle e
Avaliação da Qualidade da Educação, implantar o Instituto Superior de
Educação.��
�Além destes objetivos e metas, a escola Sagarana contempla um programa de
Ação Permanente, que se desdobra em 27 programas. (Coleções de Minas –
volume II,1999).
No tocante às determinações das Políticas Públicas previstas para
consolidação deste programa, entre outros aspectos, são destacados os
seguintes objetivos para a determinação de Currículo e Cultura:
�
• redefinição do papel da escola como agência de promoção cultural;
• revisão dos currículos e projetos pedagógicos, à luz das tradições histórico-
culturais de Minas, atentando para as especificidades regionais;
70
• incentivo às universidades para que produzam materiais didáticos baseados
na cultura mineira;
• estabelecimento de parcerias entre escola museus, bibliotecas, arquivos e
outras instâncias de referências, visando à promoção conjunta de projetos
educativos e culturais��
�
�
2. 4 O PAPEL DO CURRÍCULO OFICIAL
�
Verificamos que a Escola Sagarana traz como proposta implícita de currículo a
mesma dos Parâmetros Curriculares Nacionais, cujas bases estão
determinadas pela Constituição de 1988, pelo Plano Decenal de Educação
para Todos que assegura a fixação dos conteúdos mínimos de aprendizagem.
O que detectamos, entretanto, é que os docentes desconhecem o currículo
oficial, apesar dos apelos, sugestões e determinações estabelecidas pelas
políticas públicas educacionais.
Percebemos, durante a pesquisa, um desconhecimento, alheamento e pouca
sustentação das práticas do professor e da professora nas propostas oficiais.
Através dos pressupostos teóricos da Educação Popular, defendida por Paulo
Freire, os setores populares atuantes no meio educacional têm encontrado
mais afinidade ideológica e sugestões para a prática, propondo sérias críticas
às reformas curriculares de caráter centralizador tais como as descritas na
seção anterior. Nesta perspectiva Freire e Shor (1987) destacam que:
71
“[...] um currículo oficial comum representa uma forma autoritária e mecânica de organizar o ensino, pois expressa desconfiança em relação à habilidade dos estudantes e à competência dos professores, assim como constitui uma tentativa de manipulação de suas atividades.” ( p. 7-8)
Entretanto, verificamos que, a partir das prescrições institucionais, há um longo
caminho a ser percorrido para as determinações dos programas elaborados no
âmbito das diferentes instâncias, chegam às escolas através dos diferentes
mapas curriculares definidos como política educacional pelos estados e
municípios brasileiros.
Apesar das determinações das políticas públicas no sentido de unificar uma
base mínima curricular e da tentativa de assegurar a distribuição dos
conteúdos da maneira uniforme, nada garante que isso vá ocorrer, pois nesse
processo detectamos um distanciamento entre o currículo prescrito, o currículo
em ação e o currículo operacional.
Sabemos que no espaço escolar o currículo ganha vida pois é ele que de fato
representa o cotidiano das escolas, traduzido pelas contradições e, muitas
vezes, marcado pela ruptura entre a teoria e a prática.
O que temos observado é que o professor e a professora, na busca de
soluções para os problemas cotidianos, escoram-se em aspectos subjetivos e
objetivos para a operacionalização de sua prática pedagógica.
Essa prática em sala de aula reflete as contradições, mescladas pelas
subjetividades e diferentes conflitos, traduzindo desta forma o currículo
72
operacional26 sendo este, aquele que representa o que de “fato” ocorre nas
aulas.
Se o currículo é sempre uma construção coletiva, na qual os professores
desempenham um papel fundamental, é possível uma proposta curricular, em
qualquer nível administrativo, em que a legitimidade da proposta não passe
pela subjetividade dos profissionais da educação?
Ao longo da história da educação brasileira, o currículo tem sido construído sob
influências de diferentes concepções, cujos pressupostos se balizam através
das seguintes concepções:
1. Ser um instrumento regulador do comportamento do professor e da
professora, definindo o que os mesmos podem ensinar em sala de aula.
2. Ser um mecanismo de controle da aprendizagem do aluno e da aluna,
determinando o que ele/ela pode e tem o direito de conhecer
Isso imprime ao seu conteúdo um caráter político e ideológico, cujas influências
estão impressas pelos contextos nacional e internacional, sendo esses
indicadores de aspirações e intenções de uma análise pública da
escolarização. �
�
27 Conceito elaborado por Goodlad, após a observação de centenas de salas de aula. Ele procurou descrever a compreensão de currículo para além do nível prescritivo, até então predominante nos estudos sobre currículo. Ele concluiu que existe um currículo ideal (o que um grupo de especialistas propõe como desejável); um currículo formal (prescrito por uma instituição normativa, de que são exemplos os diferentes guias curriculares elaborados pelos estados e municípios brasileiros); um currículo operacional, um currículo percebido (que explicita o que o professor diz estar fazendo, e o porquê de sua ação, segundo sua percepção) e um currículo experenciado ( que é a percepção e reação que os alunos têm do que está sendo oferecido pela escola). (Apud Messik et all,1980).
73
Nessa perspectiva, sua análise não envolve apenas a possibilidade de
entendimento conceitual, mas sobretudo a clareza de intenções sustentada
pelas experiências e reflexões teóricas.
Estamos longe de superarmos os conflitos em torno do currículo escrito, cujo
valor simbólico reflete-se na prática. As diferentes concepções, quer seja na
visão tradicional que não vê na relação cultura/educação/currículo um terreno
conflitivo ou quer seja na concepção crítica, que afirma que não existe uma
cultura de sociedade unitária, homogênea e universalmente aceita, mostram o
currículo tem um papel importante na orientação do ensino.
Em seu caráter de seletividade que obedece critérios bem definidos, pois estes
são impressos pelos valores momentâneos de uma sociedade, e no
reconhecimento de que o currículo é perpassado por relações de poder,
identificamos como sua fonte a cultura, mas sabendo que nem todo
conhecimento disponível em uma determinada cultura pode estar incluído
nele. Apple (1999), assim, analisa esta questão:�
�
“[....] a educação esta intimamente ligada à política da cultura. O currículo nunca é apenas um conjunto neutro de conhecimentos, que de algum modo aparece nos textos e nas salas de aula de uma nação. Ele é sempre parte de uma tradição seletiva, resultado da seleção de alguém, da visão de algum grupo acerca do que seja conhecimento legítimo. É produto das tensões, conflitos e concessões culturais, políticas e econômicas que organizam e desorganizam um povo. ( p.59)
É flagrante a preocupação dos governantes que assumem o poder em adotar
como uma de suas investidas políticas a reestruturação de programas ou
74
implementação de novos projetos que possibilitem a população ter acesso ou
ser informada dos conhecimentos que eles consideram importante.
Nesse aspecto, o que temos assistido à partir dos anos 90, é que com a
expansão do neoliberalismo, os currículos voltaram a ocupar lugar de destaque
como instrumentos de divulgação dos conhecimentos socialmente aprovados e
capazes de promover o desenvolvimento social. Apple (2000) analisa a
justificativa governamental para a exigência de um currículo nacional atrelada a
um processo “rigoroso” de avaliação:
“[...] mesmo com a suposta ênfase em avaliações abrangentes e outras formas mais flexíveis de avaliação defendida por algumas pessoas, nada há que justifique a esperança de que, o que será finalmente e permanentemente instalado- mesmo que somente em razão do tempo e dos custos – será algo diferente de um sistema massificado e padronizado de provas de lápis e papel.” (p.75)
Sua preocupação vem com a advertência de que, devido às desigualdades
sociais, o currículo nacional e as avaliações centralizadas não conduzirão à
coesão social, mas se prestarão para realçar as diferenças de classe social, de
gênero e de raça existentes numa sociedade heterogênea. Quanto à relação
entre o currículo oficial e o sistema de avaliação nacional, ele faz a seguinte
reflexão:
“[...] o currículo oficial, atrela-se a um sistema de avaliação nacional, e que por trás de algumas justificativas educacionais está uma perigosíssima investida ideológica; pois ele pode se configurar como um dispositivo de prestação de contas, que nos ajude a estabelecer marcos que permitam aos pais avaliar a escola. Mas também põe em movimento um sistema no qual as próprias crianças serão classificadas e ordenadas como nunca foram antes: um de seus papéis primeiro será o de agir como um mecanismo para diferenciar mais rigorosamente as crianças em relação a normas fixadas das quais os significados
75
e decorrências sociais não se encontram disponíveis para verificação”. (p.75)
�
Para esse teórico, o que na realidade se oculta é a imposição de uma cultura
comum que, na verdade, realça os interesses dos grupos hegemônicos,
deixando de levar em consideração a cultura e os interesses dos grupos
minoritários.
Com igual importância deve se constituir foco de análise a relação do currículo
com o Projeto Político Pedagógico da escola pois ambos devem expressar o
desenvolvimento das relações sociais de produção articulados por diferentes
sujeitos através da organização do trabalho de uma instituição educacional.
Consideramos que seja imperativo realçar a importância da gestão participativa
para garantir a autonomia e o fortalecimento do poder dos diferentes
segmentos da escola e da comunidade, bem como, dos diferentes sujeitos
envolvidos no processo de elaboração e implementação de um currículo.
76
�
3 A SALA DE AULA
O presente capítulo versa sobre a realização do currículo prescrito pela escola
na sala de aula, tal como foi observado pela autora no período de agosto a
dezembro de 2000 em que registrou o desenvolvimento de aulas de 2 turmas
de 8ª série a de História e de Matemática. A análise foi constituída a partir da
categorização das informações coletada durante o trabalho de campo que
considerou:
1º) perfil das turmas;
2º) disciplina da sala de aula;
3º) os docentes: sua formação e a interação com os alunos e alunas;
4º) organização do trabalho escolar e suas condições;
5º) autonomia do professor e da professora;
6º) seleção e distribuição dos conteúdos curriculares;
7º) avaliação.�
��
Como esse trabalho envolveu a análise do currículo em sala de aula, e por
entendermos que ele é mais do que a soma de atividades educacionais de
professores, professoras, alunos e alunas, procuramos fugir de uma
abordagem linear. Para tanto foi necessário que algumas categorias
trabalhadas neste capítulo também fossem discutidas no capítulo que trata do
livro didático e de sua função na escola.
77
3.1 PERFIL DAS TURMAS
�
As turmas pesquisadas são duas e pertencem às oitavas séries. Têm em
média 45 alunos e alunas, cujas idades variam entre 14 e 16 anos o que nos
permite observar que nestas classes registram-se histórias de repetências.
A escola preserva a cultura da organização das turmas utilizando os critérios
de idade, tempo de escolarização e aproveitamento, tendo como referência os
resultados quantitativos. Em conseqüência, as classificações das classes são
representadas por letras correspondendo à hierarquia do alfabeto.
Com base nessa mesma lógica, a instituição ainda faz uma outra divisão, que
permite ver diferenças nítidas de classes sociais. Trata-se da distribuição dos
alunos por turmas, concentrando no turno da tarde os alunos de nível social
econômico mais alto obedecendo à lógica da hierarquização social. Essa
organização reforça a idéia de que o turno da tarde é muito melhor, mais se
parecendo com um “Colégio Particular”. O foco desta pesquisa, entretanto,
centralizou-se no turno da manhã, nas turmas E e F. Percebemos semelhanças
nos perfis das duas turmas, embora existiam especificidades no desempenho
da cada uma.
Existe um clima de amizade entre os alunos e alunas, entretanto são
desorganizados, gritam, falam palavrões e não apresentam nenhuma
responsabilidade com a conservação do ambiente escolar. Escrevem nas
carteiras, picham as paredes externas e internas dos ambientes da escola,
fazem pontas de lápis no chão, jogam bolinhas e aviões de papel na sala de
aula.
78
O que mais nos chamou a atenção foi, de início, o grande poder de
argumentação dos alunos e alunas, principalmente no que se refere às
justificativas de ações que estão fora das “normas” escolares. Muitos
apresentam uma relação de desdém com o conhecimento escolar.
Coexistem nas mesmas turmas aqueles que foram aprovados por
apresentarem bom rendimento escolar e aqueles reprovados no ano anterior.
Estes últimos, por determinação da Política Educacional do Estado (aprovação
automática), implementada no governo Azeredo em 1997, foram promovidos
para a 8ª série.
Para resolver as “defasagens” que os professores e professoras julgam ser
provenientes da aprovação automática, a escola optou por estabelecer uma
recuperação paralela que consta de uma série de exercícios, elaborados pelos
professores e professoras de todas as disciplinas, a serem realizados pelo
alunos.
Existe uma data estipulada para desenvolver as atividades em casa, e devolvê-
las. Os alunos e alunas que encontram dificuldades, recorrem à família ou
contratam professores particulares. Detectamos que alguns desses alunos
sequer tomaram conhecimento do conteúdo que deveria ser trabalhado, pois
puderam contar com outras pessoas na solução dessa tarefa.
Tanto os docentes quanto os discentes queixam-se da ingerência do governo
na escola, e alegam que esse processo anulou a autoridade dos professores e
professoras, acentuou o descompromisso de alguns alunos e alunas que
chegaram a nova série sem domínio do conteúdo, agravando a qualidade do
ensino e da aprendizagem.
79
3.2 DISCIPLINA
A disciplina em sala de aula e fora dela aparece como a preocupação mais
mencionada pelos professores e professoras. É difícil conceituar o que seja
“disciplina”, pois as características dadas a ela dependem das exigências e dos
níveis de tolerância construídas por cada sujeito.
Neste trabalho estamos considerando como indisciplina, os comportamentos
que os docentes genericamente classificam como aqueles que não se
enquadram às exigências definidas pela instituição como a conduta
desordenada dos alunos e alunas, sendo traduzida como: bagunça, tumulto,
falta de limite, maus comportamentos, desrespeito às figuras de autoridade que
às vezes até incluem discordâncias de idéias. Segundo Aquino, J. (1996):
“[...] a indisciplina seria talvez, o inimigo número um do educador atual cujo manejo as correntes teóricas não conseguiram propor de imediato, uma vez que se trata de algo que ultrapassa o âmbito estritamente didático pedagógico, imprevisto ou até insuspeito no ideário das diferentes teorias pedagógicas”. (p.40)
Acreditamos ser necessário, ao invés de se enquadrar os sujeitos no acervo
das teorias é entendê-los em suas múltiplas dimensões e nesse intuito
recorremos a Dayrell , J. (2000):
[...] os alunos chegam à escola marcados pela diversidade, reflexo dos desenvolvimentos cognitivo, afetivo e social, evidentemente desiguais, em virtude da quantidade e qualidade de suas experiências e relações sociais, prévias e paralelas à escola. O tratamento uniforme dado pela escola só vem consagrar a desigualdade e as injustiças das origens sociais dos alunos”. (p.30)
80
Se avaliarmos o comportamento dos alunos e alunas somente pelo ângulo da
aparência física da escola, obviamente eles seriam rotulados como
indisciplinados, pois o espaço escolar tanto interno como externo é demarcado
pelas pixações. Nesse sentido, a professora de Matemática fez a seguinte
observação:
“[...] quando eu cheguei aqui a escola era limpa e organizada, somente de três anos para cá é que começou isto; em cada canto que você olha tem uma pixação por menor que seja o espaço; na porta, no rodapé em qualquer canto. Isto é reflexo de um grupo que está revoltado com o ambiente que ele está vivendo. O aluno que gosta da escola não pixa a escola”. (Professora de Matemática)
Constatamos que estas pixações que expressam os sentimentos dos
educandos em relação à instituição, não se constitui em objeto de reflexões
coletivas. Existe, sim, uma preocupação acentuada da direção em punir os
responsáveis pelos chamados atos de vandalismo. Entretanto, a escola não
percebe que a ausência de um projeto pedagógico que esteja articulado com
os projetos dos alunos e alunas seja um dos principais fatores que impulsionam
os jovens a desprezarem a sua escola. E nessa direção que Dayrell (2000:31)
propõe a questão que segue:
“[...] se partíssemos da idéia de que a experiência escolar é um espaço de formação humana ampla, e não apenas transmissão de conteúdos, não teríamos de fazer da escola um lugar de reflexão (re-fletir, ou seja, voltar sobre si mesmo, sobre sua própria experiência) e ampliação dos projetos dos alunos?” (p.31)
Existem indicadores de que a nossa cultura escolar entende a disciplina como
uma forma de disposição dos alunos e alunas na qual esses devem
permanecer obedecendo a um certo ordenamento que implica poucos
movimentos e, também, manifestações verbais reduzidas.
81
A própria distribuição dos lugares dentro da sala de aula induz a uma
concepção de disciplina: alunos enfileirados, uns atrás dos outros, sentados em
carteiras individuais, de frente para o quadro negro e para o espaço onde
melhor se posiciona o professor e a professora. Em sala de aula, a relação dos
docentes com as turmas se estabelecem num clima de “intimidade” muitas
vezes no mesmo patamar de igualdade. Na avaliação da escola e nas
referências construídas pelo professor de História e a professora de
Matemática, estas turmas são “difíceis” e uma de suas características
marcantes é a dificuldade de concentração de alguns alunos e alunas.
Não existe por parte dos docentes rigor quanto às determinações de limites,
embora a falta destes sempre apareça como justificativa das “dificuldades de
aprendizagem” apresentadas por alguns alunos . Observei diferenças de
posturas entre o professor e a professora que podem estar ligados aos
seguintes fatores:
1º) experiência na profissão e tempo de trabalho com suas turmas.
2º) representação que alunos e alunas têm das disciplinas e dos
docentes.
3º) representação dos docentes quanto à sua disciplina (área do
conhecimento).
4º) desenvolvimento das práticas e competência para ensinar.
O ritual das aulas destas disciplinas são bem semelhantes.É marcado tanto por
desorganização do espaço físico (sala suja, carteiras fora dos lugares, mesas e
quadros rabiscados) quanto pela ação dos alunos e alunas (gritos, correrias,
palavrões, chutes e pontapés). Geralmente, os docentes levam um bom tempo
nesta organização.
82
Entretanto, as orientações da professora de matemática são atendidas mais
rapidamente, principalmente, porque ela utiliza os exercícios como recurso
regulador da disciplina e da aprendizagem.�
��
Ao entrar em sala são repassadas tarefas que sempre vêm acompanhadas
das seguintes “advertência”: “Quem não entregar a atividade pronta até o final
não sairá de sala de aula”, ou “esta atividade vale pontos”, “já comecei a
anotar os nomes daqueles que não querem participar” ou, ainda, “vou dar uma
avaliação”.
�
�Já o professor de História, nem com estas ameaças, consegue a organização
dos alunos e alunas. Isso se explica porque ele tem uma certa dificuldade de
definir os limites, talvez por possuir pouca experiência no magistério, uma vez
que é recem-formado. Ele acha mais difícil trabalhar com o ensino fundamental
do que com o ensino mádio. Os alunos e alunas, por sua vez, alimentam a
concepção de que História é uma matéria que não precisa estudar, somente
decorar, ao contrário da Matemática.
As aulas de História são iniciadas entre 15 a 20 minutos após a entrada do
professor. Isto significa uma drástica redução no tempo de trabalho com esse
conteúdo. Esta demora reflete a desorganização tanto do docente quanto dos
discentes. Estes últimos gritam, falam palavrões, assobiam, cantam e correm,
enquanto o professor tenta controlar e acalmar o ambiente.
�
As atividades pedagógicas das duas áreas do conhecimento é afetado pelas
condições físicas e materiais do contexto escolar, cuja realidade compõe o
seguinte cenário: sala de aula muito cheia, ambiente sem nenhuma
organização estética, pouca conservação e ausência significativa de recursos
materiais.
83
Nas turmas observadas, a professora e o professor, na maior parte do tempo,
trabalhavam com a organização de grupos. Percebemos uma interação
afetuosa, amiga e embasada no diálogo entre os docentes e seus alunos e
alunas.
Algumas posturas dos docentes entretanto, reforçam contradições entre a
teoria e a prática, apontando relações autoritárias que os professores e
professoras são levados a estabelecer em decorrência das condições
estruturais da organização do trabalho escolar.
Os docentes consideram que os determinantes dessa relação autoritária são
elementos externos, alheios à sua vontade e competência e mencionam como
responsáveis os seguintes aspectos: as classes numerosas, os alunos e alunas
desinteressados e sem “base”, o programa extenso,a falta de apoio dos pais e
da própria escola, entre outros.
A estruturação das atividades escolares acentua a concepção de que a
autoridade docente relaciona-se com o poder que certas pessoas têm de
controlar comportamentos individuais e coletivos. Nesse sentido, podemos
observar já que não há negociação entre professores e alunos, não há
participação dos alunos nas decisões relativas ao seu processo de
aprendizagem, que os docentes se colocam diante dos estudantes, com o
propósito de conduzi-los em várias tarefas o que exige desses alunos, uma
concordância e aceitação para tal condução.
Tal comportamento dos professores pode ser compreendido pela influência de
seu próprio processo de formação reproduzida em sua prática, suas
experiências enquanto alunos. Para melhor compreendê-las, recorremos a
Martins (1997), que assim analisa os componentes das relações:
84
1º) Teoria da Escola Tradicional; essa relação é vertical e autoritária. O
professor transmite o conteúdo como verdade absoluta, tendo o aluno um
papel passivo-receptivo. “O princípio básico desta relação é que o professor
detém o saber e o aluno não. A disciplina é entendida como sinônimo de
silêncio e ordem na sala de aula, para facilitar a transmissão do saber.” (p. 141)
2º) Teoria da Escola Nova; “a relação é democrática. O professor assume o
papel de orientador das atividades do aluno e este tem um papel ativo,
participativo no processo de ensino” ( p. 141).
O pressuposto básico dessa relação é que os alunos têm necessidades e
interesses próprios, são diferentes uns dos outros cabendo ao professor o
atendimento das diferenças individuais. Assim, o aluno disciplinado é aquele
que é solidário, participante, ativo e conhecedor das regras de convívio com o
grupo.
3º) Teoria da Escola Tecnológica, “tanto o professor como os alunos
desempenham o papel de executores de tarefas programadas por um grupo de
especialistas” ( p. 141).
A relação é vertical e autoritária, com agravante de o professor não participar
da concepção de seu trabalho. O aluno disciplinado é aquele que faz todas as
tarefas conforme os objetivos operacionais. Evidenciamos que os docentes por
nós observados, com maior ou menor preponderância apresentam em suas
práticas elementos destas concepções.
�
Notamos que embora os docentes estabelecessem uma relação amiga e, às
vezes, até afetuosa com os alunos e alunas, a professora de matemática, às
85
vezes, deixava realçar atitudes como a ameaça de utilização de uma prova
quando a turma estava muito agitada ou com a anotação dos nomes (para tirar
pontos), daqueles ou daquelas que não queriam obedecer. Observamos que
esta postura faz parte do ritual escolar e não apenas desta professora.
3.3 OS DOCENTES, SUA FORMAÇÃO E A INTERAÇÃO COM ALUNOS E
ALUNAS
Analisaremos aqui aspectos mais evidentes da prática docente, pois sabemos
que essa questão exige análises mais aprofundadas constituindo-se em objeto
de pesquisas que vão abrir um leque para diferentes interpretações.
Têm sido intensas as queixas dos docentes em relação o seu declínio de poder
diante dos alunos, apesar de ser atribuídos aos mesmos um papel de
autoridade.
Este declínio pode ser entendido pela desvalorização do profissional da
educação em nossa sociedade, desvalorização reconhecida pelos docentes e
que acabam por influenciar na representação que os alunos e alunas
constroem de seus professores e professoras. A esse fator soma-se o grau de
maior ou menor importância que os professores e professoras, alunos e alunas
atribuem à determinada área do conhecimento.
�
Nesse aspecto observamos que, em muitas circunstâncias, alguns docentes
revelam através de suas posturas, diferentes concepções em relação às
disciplinas para os quais foram habilitados. Alguns professores reproduzem
status que a sociedade atribuiu a seu campo de conhecimento. É o que
acontece com a Matemática, por exemplo.
86
Ao conversarmos com os alunos e alunas de ambas as turmas, ouvimos dos
mesmos que os docentes são muito “ legais, pois não são caretas”. Procurando
entender o significado desses adjetivos obtivemos como resposta que são
considerados “legais” aqueles adultos que os entendem bem.
�
Eles destacaram também, que, embora a Matemática seja difícil, a professora é
diferente de outros docentes da mesma disciplina, pois ela é brincalhona e
ensina muito bem. Isto torna a compreensão dos conteúdos mais fácil.
Os alunos, no entanto, reforçam o esteriótipo de que Matemática é para
pessoas inteligentes e que só é aprovado os estudantes que são mais
“inteligentes”, ou aqueles que estudam muito. Uma aluna da turma observada
assim interpreta esta questão:�
�
“[...] eu considero que a professora de Matemática é uma das melhores, ela explica a matéria, muito bem de acordo com o nosso grau de aprendizagem, ela não deixou ninguém malandrar, mas às vezes temos alunos que não se interessam, eu acho que é porque eles não gostam de estudar mesmo.” (aluna 8ª E)
Já a professora reforça esta opinião, apresentando exemplos, mas ressalva�
���aqueles alunos ou alunas que apresentam muitas dificuldades, mas que
se esforçam estudando, de maneira lenta vão conseguindo ultrapassar as
dificuldades. Segundo D’Ambrósio (1999 ) :
�
“[...] na sociedade, a Matemática usufrui de um status privilegiado em relação a outras áreas do conhecimento, e isso traz como conseqüência o cultivo de crenças e preconceitos. Muitos acreditam que a Matemática é direcionada às pessoas mais talentosas e também que essa forma de conhecimento é produzida exclusivamente por grupos sociais ou sociedades mais desenvolvidas”. (p.6).
87
É ainda D’ Ambrósio que complementa que, embora equivocadas, essas idéias
geram preconceitos e discriminações, no âmbito mais geral da sociedade, e
também se refletem fortemente no convívio da escola, fazendo com que a
Matemática acabe atuando como filtro social: de um modo direto, porque é uma
das áreas com maiores índices de reprovação no ensino fundamental e,
indiretamente, porque seleciona os alunos que vão concluir esse segmento do
ensino e, de certa forma, indica aqueles que terão oportunidade de exercer
determinadas profissões.
Observamos que o trabalho educativo que ocorre na escola é sempre marcado,
por preconceitos concepções, valores e atitudes, mesmo que não-explicitados
e, muitas vezes, contraditórios.
Desse modo, é fundamental que os professores e professoras planejem não
apenas como as questões sociais vão ser abordadas nos diferentes contextos
de aprendizagens das várias áreas do conhecimento, mas também como elas
serão tratadas no convívio escolar.
Em relação ao professor de História, alguns alunos e alunas disseram que ele
é pouco exigente, não consegue “colocar moral” na turma. Eles e elas atribuem
esta dificuldade ao fato de considerarem esta matéria fácil, portanto não
precisam estudar. Uma aluna faz a seguinte observação:
�
�
“[...] eu acho que os alunos brincam muito, eles fazem muita bagunça, não querem prestar atenção. Eu acho que é por causa da matéria, ela não dá bomba mesmo, agora eu acho que ela tem muitas coisas importantes”. (Aluna da 8ª F)
88
Segundo Rocha (2001), no entendimento de um grande número de pessoas,
dar aula de História é algo muito simples de se fazer. Poucos se apercebem,
entretanto, das inúmeras questões teóricas e ideológicas presentes a cada
passo da narrativa da História.
O professor, entretanto, atribui suas dificuldades às limitadas condições
materiais e ao excesso de burocracia que tomou conta da escola. Ele assim
interpreta essa questão:
“[...] o excesso de burocracia atrapalha o avanço e dificulta para todo mundo. É muito chato trabalhar em um ambiente como este. Tem muitas coisas para serem discutidas em sala de aula: aspectos do cotidiano do aluno e de forma geral, mas a burocracia atrapalha. Eu, por exemplo, tenho que dar aulas expositivas porque não existem recursos pedagógicos. O estado não está nem aí, ele não se preocupa com a escola e muito menos com a formação do professor”. (Professor de História)
Rocha (1996) confirma que:
“[...] a ação do professor no espaço do estabelecimento de ensino é de importância fundamental, já que a produtividade da sala de aula está intimamente ligada à organização da escola.” (p.53)
Nas situações concretas de sala de aula, um aspecto que tem sido motivo das
queixas dos professores e das professoras, relaciona-se com o “direito” dos
docentes aprovarem ou reprovarem os seus alunos e alunas. Mas, o que
observamos, é que as políticas educacionais oriundas, dos programas e das
leis, não incorporam os sujeitos às discussões o que resulta em sentimentos de
exclusão dos profissionais que estão no interior da escola.�
���
89
Um aspecto que tem sido discutido exaustivamente no espaço escolar é a
resolução que instituiu a progressão continuada28, estabelecendo a passagem
de uma série para outra sem interrupção. Os docentes entenderam esta
determinação como uma “aprovação automática”, e, segundo os profissionais,
após estas orientações a escola não é mais a mesma.
Segundo o professor e a professora investigados, os alunos e alunas perderam
o respeito, o estímulo para estudar e a indisciplina aumentou. Isso porque a
ausência do instrumento de avaliação que valida ou não a aprovação ou
reprovação não existe mais. Essa argumentação encontra respaldo na
comunidade escolar que aponta que o declínio da escola pública está ligado a
esse aspecto.
De fato, o nó da questão hoje na escola pública consiste na busca de um
ensino capaz de dar conta das diferenças de aprendizagem dos alunos para
que eles passam avançar no processo de aprendizagem e isto tem tudo a ver
com a proposta curricular e com o trabalho do professor.
Mas outros problemas parecem também impossibilitar uma ação docente mais
eficaz, na visão dos professores. Eles avaliam que o aumento dos direitos dos
discentes assegurados pelo Estatuto da Criança e do Adolescente “invadiu” os
direitos dos professores e professoras uma vez que cabe a estes tomar todos
os cuidados para não infringir as normas que dão proteção ao aluno e à aluna.
Entretanto, Arroyo (2001:31) também analisando este conflito, pela perspectiva
da não redefinição da formação profissional, destaca que com a anuência dos
centros de formação e dos profissionais teimosamente “profissionais” de suas
áreas; ficou o vácuo de um saber profissional capaz de dar conta da educação
28 Resolução 80/86, editada em 1997, durante o governo de Azeredo que instituiu o ciclo básico
90
e da formação cognitiva, ética, estética, cultural etc. da adolescência e da
juventude. Este autor, aponta a defesa que entre a legislação em vigor, voltada
para os jovens e a formação precária:
“[...] nas últimas décadas, a adolescência e a juventude se afirmaram como tempos com traços mais presentes na mídia, na literatura, no cinema e na música. Se afirmaram nos diversos espaços sociais, embora estejamos celebrando uma década do Estatuto da criança e do adolescente, lamentavelmente, os avanços sociais e culturais havidos na configuração dessas temporalidades humanas não repercutiram no perfil dos profissionais da educação, nos seus saberes e na sua formação.” (p.31)
Segundo os docentes pesquisados, os recursos utilizados pelas autoridades
educacionais para diminuir os altos índices de evasão e repetência resultaram
em normas e regulamentos que vieram facilitar, em demasia, a vida escolar do
aluno e da aluna.
O que constatamos é que não existe, por parte da escola e nem das diferentes
instâncias educacionais, um projeto que de fato trabalhe o processo de
formação docente em serviço, que possa auxiliar os profissionais na
compreensão de análises mais críticas do processo ensino/aprendizagem. Os
pacotes educacionais produzidos nos gabinetes têm sido as respostas mais
concretas às inúmeras questões demandadas pelas escolas.
Doll (1997) confirma a dificuldade da escola e dos professores lidar com o que
foge do controle:�
��
“[...] provavelmente nenhuma questão é mais importante para os professores, especialmente os professores iniciantes, do que a questão de quem tem autoridade, de quem está com o
de formação, bem como a progressão automática.
91
controle. Embora um grupo, classe ou sociedade fora de controle seja uma coisa assustadora – como o presente século demonstra tão amplamente – também é verdade que nós adotamos uma visão particular em relação ao controle, uma visão que supõe que o controle deve ser definido em termos de imposição externa.” (p.83)
3.4 ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO ESCOLAR E SUAS CONDIÇÕES
A escola em questão não tem a cultura do trabalho coletivo, não existe reunião
pedagógica e os professores e professoras se encontram apenas no intervalo
de recreio que é de 15 minutos.
Não existe um projeto pedagógico explícito. As recomendações pedagógicas
limitam - se ao conteúdo definido pelo Programa da Secretaria Estadual de
Educação, cuja referência são os Parâmetros Curriculares Nacionais; mas
alguns docentes consultam o antigo Programa para o Ensino Fundamental,
formulado em (1996 ) pela S.E.E. Nenhum profissional fez qualquer menção à
Escola Sagarana.
Essa realidade agrava-se com a ausência de discussões pedagógicas mais
aprofundadas. As “reuniões” existentes utilizam o tempo do recreio e são, em
geral, a respeito do rigor administrativo de uma legislação que em nada
contribui para formação dos docentes e discentes.
O professor e a professora pesquisados queixam-se do abandono em um
trabalho solitário e reclamam da falta de “espaço” para discutir a situação
pedagógica concreta da escola, dos alunos e das alunas. As conseqüências
92
estruturais ocasionadas pela inexistência de um projeto explícito de trabalho, é
assim interpretada por Dalben (1992):��
�
“[...] a organização do trabalho escolar tem-se apresentado como um fator determinante nas relações estabelecidas entre professores X alunos X conteúdos escolares. Entendendo como organização do trabalho escolar as condições objetivas presentes no cotidiano da escola estas acabam determinando a forma de relação dos sujeitos com o seu objeto de trabalho. Nesta perspectiva pode-se afirmar que muitas vezes a organização do trabalho coloca-se acima dos sujeitos que nela vivem o seu cotidiano.” (p.31)
Durante o período de observação constatamos a precariedade de recursos
materiais e pedagógicos, questão que tem sido motivos de queixas por parte
tanto dos docentes quanto dos discentes.
As aulas são desenvolvidas em salas com paredes pouco conservadas e conta
basicamente com um quadro negro, giz e apagador. Essa precariedade “exige”
que o professor e a professora reafirmem a cultura do livro didático.
A escola oferece poucas opções de recursos pedagógicos. Existe uma sala de
vídeo onde os alunos são levados esporadicamente, os filmes são locados
pelos docentes e as cópias xerográficas têm que ser custeadas por eles.
Os docentes queixam-se das dificuldades no cotidiano, afirmam que é difícil
enfrentar, no dia-a-dia, a falta de recursos materiais. O salário baixo, recursos
humanos mal distribuídos ou espaços físicos mal adequados, além da falta de
assistência aos alunos e alunas que apresentam problemas, foram apontados
como dificultadores para um trabalho pedagógico de qualidade.
As condições físicas e materiais do trabalho do professor e da professora
apontam para uma prática transmissiva, onde os docentes são considerados�
comunicadores do saber.
��
93
O profissional do ensino, mais disposto a despertar seus alunos e alunas para
uma constante construção do conhecimento, muitas vezes se vê impedido de
acompanhar e estimular o uso de recursos tecnológicos mais avançados. Em
alguns casos sentem-se constrangidos ou pelo desinteresse dos alunos e
alunas ou pelo desestímulo recebido dos colegas.
3.5 AUTONOMIA DO PROFESSOR E DA PROFESSORA
Embora a escola pública tenha inúmeras questões a resolver, o professor e a
professora analisam que as lacunas estruturais não interferem na autonomia
docente. Estas argumentações foram constatadas na observação das práticas
e nas entrevistas formuladas. O professor de História assim define autonomia
em relação o trabalho pedagógico:
�
“[...] autonomia é a capacidade de você mesmo conseguir explorar a realidade da sala de aula em proveito da melhoria da educação, em proveito do aluno a nível, da inserção dele na sociedade”. (Professor de História)
�
Ele considera que a autonomia do professor vem preencher a lacuna da
inexistência de um trabalho coletivo. Ele atribui aos docentes a
responsabilidade pelo compromisso político de ser professor
:
��“[...] eu acho que o professor tem autonomia na sala de aula
para definir o conteúdo, apesar do plano político pedagógico
estar em cima dele, vindo do estado de cima para baixo, se
aquele professor não tem um grupo que discuta com ele, ele
tem autonomia para dar o que quiser. Ele pode dar História,
94
pode não dar História ele pode dar o conteúdo que quiser tem
esta autonomia que eu acho que deve estar ligada à
responsabilidade.” (Professor de História)
Temos, entretanto, que ter um olhar crítico para essa questão porque a
definição de autonomia aqui apresentada tem um enfoque negativo, a medida
que trata de uma estrutura escolar isolacionista e que tende a transformar
cada docente num solitário no sentido de planejar suas ações, analisar
situações pedagógicas, refletir sobre objetivos de ensino e até mesmo avançar
nas práticas reflexivas.
Fiorentini, et al (2000) destacam os dois extremos da ação dos docentes
quanto às inovações curriculares:
“[...] o papel atribuído ao professor do ensino fundamental e médio, nos processos de inovação curricular, tem oscilado, historicamente, entre dois extremos: num, o professor vê-se reduzido à condição de técnico que apenas toma conhecimento, por meio de cursos de atualização, do que foi produzido/pensado pelos especialistas; noutro, temos o professor que luta por autonomia intelectual/profissional que o habilite a atuar como agente ativo/reflexivo que participa das discussões/investigações e da produção/elaboração das inovações curriculares que atenda aos desafios socioculturais e político do seu tempo.” (Fiorentini p.310)
Para que a escola, através do currículo, possa ajudar na tarefa de desvendar
as manifestações ideológicas não explícitas que estão presentes em seu
interior e na sociedade, é importante que os profissionais avancem na
perspectiva da construção de um projeto pedagógico que permita aos sujeitos
usarem mecanismos que facilitem a visão crítica de suas mensagens.
95
A professora de matemática explica autonomia como algo auto sustentável, ou
seja, aquilo que não depende dos outros ou melhor, independência. Ela
confirma o caráter de independência com a seguinte reflexão:�
��
“[...] se o professor se acomoda, se ele não tem consciência de que ele é educador, que ele precisa fazer alguma coisa, que ele tem uma geração que está sendo formada, que ele precisa passar alguma coisa, ele não passa nada. Porque ele não é cobrado pela a escola, pelo estado ou por ninguém; o estado não cobra nada. O estado está cheio de profissionais péssimos, que não fazem nada, muitos são efetivos, não vão perder o cargo; outros são contratados.” (Professora de Matemática)
�
Embora faça essa análise, ela relativiza a amplitude de suas ações:
“[...] eu como professora tenho autonomia de fazer o planejamento e discutir o que eu quiser. Mas na verdade você tem que cumprir um cronograma de conteúdo, nem sempre você tem de cumprir obrigatoriamente este programa, pois na hora que você esta desenvolvendo o conteúdo você vê o que é necessário”. (Professora de Matemática )
Apesar de todos os limites de uma prática docente mais autônoma e a tentativa de controle dos professores e professoras pelas instituições, percebemos que esse controle não é total, esses profissionais mantêm margens de autonomia em relação à sua profissão.
Freire (1998) realça que a autonomia está intimamente relacionada com a
experiência dos sujeitos e que o respeito à autonomia e à dignidade é um
imperativo ético e não um favor que podemos conceder uns aos outros. Para
ele:
��
“[...] a autonomia, enquanto amadurecimento do ser para si, é processo, é vir a ser. Não ocorre em data marcada. Ninguém é autônomo primeiro, para depois decidir, a autonomia vai se
96
constituindo na experiência de várias, inúmeras decisões, que vão sendo tomadas.” (p.66)
Acreditamos que são vários os fatores que permitem aos docentes, em suas
prática,s se apropriarem mais ou menos de sua autonomia. Acreditamos que
os diferentes tipos de atuação ocorram em virtude das diferentes condições
sócio históricas individuais a que foram sujeitos, ao longo de sua prática
docente. Parece-nos correto afirmar que essas formas de controle e autonomia
se modificam ao longo da trajetória e da prática profissional dos professores e
das professoras.
3.6 SELEÇÃO E DISTRIBUIÇÃO DOS CONTEÚDOS ESCOLARES
�
Os programas “oficiais” adotados na escola investigada são estabelecidos
pelos governos do Estado e Federal através da Escola Sagarana29 e dos
Parâmetros Curriculares Nacionais respectivamente. Entretanto, no âmbito
dessa escola não se faz menção a ambos pois poucos profissionais os
conhecem e o professor e a professora pesquisados “só ouviram falar”. O que
constatei é que o programa oficial desenvolvido em sala de aula concretiza via
o livro didático, ao qual os docentes não se preocupam em manter fidelidade.
Apple (1999), referindo-se a esta veiculação de um currículo prescrito, via os
livros textos observa:
�
“[...] é fundamental percebermos que já temos um currículo nacional, com a diferença de que o nosso é determinado pela complicada inter-relação entre as políticas de adoção de livros didáticos do Estado e o mercado editorial que publica esses livros.” (p.63)
29 Política Educacional constituída por um conjunto de planos e atitudes implementada no Estado de Minas Gerais à partir de 1999. “ Caderno Nº 1 Escola Sagarana “
97
Encontramos na escola a forma mais tradicional de organização do conteúdo: o
modelo disciplinar. O conhecimento disciplinar, segundo Santomé (1998),
apresenta um conjunto de disciplinas justapostas, na maioria das vezes de
forma bastante arbitrária.
��
O referido autor complementa que nesse modelo os alunos e alunas costumam
considerar os conteúdos escolares como um elemento a mais a ser consumido.
Os alunos e alunas apontam a necessidade de um novo significado para os
conteúdos conforme depoimento de um aluno:
�
“[...] eu acho que a escola deveria aprofundar nos conteúdos mais práticos: isto é porque na 1ª a 4ª séries a gente passa muito rápido pelos conteúdos. Se eu pudesse manteria alguns conteúdos que são dados hoje, mas eu reforçaria as quatro operações, ou então aqueles que os alunos iriam de fato usar.” (Aluno 8ª E)
Nessa direção, entretanto Apple e King (1983), citados por Santomé (1998), advertem que:
“[...] os conhecimentos, tanto o manifesto como o encoberto, que se encontram nos ambientes escolares, bem como os princípios de seleção, organização e avaliação destes conhecimentos, constituem opções dirigidas por valores dentro de um universo muito mais extenso de possíveis conhecimentos e princípios de seleção.” (p.38-39)
O professor de História revelou que a seleção dos conteúdos com os quais
trabalha é feita através de diferentes livros e de questões cotidianas. Ele ainda
avalia que existem outros conteúdos que devem ser trabalhados pela escola,
98
que vão além daqueles que estão prescritos; e que o trabalho interdisciplinar
tem que estar presente nas práticas pedagógicas. Ele assim expressa o seu
pensamento:
�
“[...] eu não acho que é só o conteúdo que vale neste mundo globalizado. O conteúdo não interfere tanto, tem que se ter uma base do conteúdo, mas temos que estar mais preparados para lidarmos com várias situações diferentes. Não adianta o professor só pegar o livro e tentar cumpri-lo do início ao fim, passar o texto sem que os alunos consigam captar nem a metade disso”. (Professor de História)
�
�Santomé (1998), utilizando conceito do currículo oculto, aponta alguns
pressupostos que contemplam uma seleção embasada na teoria crítica de
currículo. Segundo ele é preciso analisar o conhecimento selecionado, ver a
que interesses ele serve, que linha científica representa. É preciso analisar,
também, as ausências temáticas, os temas ou parcelas da realidade que são
ocultados, pois também se ensina através daquilo que se oculta.
�
Nessa perspectiva a decisão sobre o que e como ensinar deveria levar em
conta o que a sociedade quer e demanda daquele sujeito, o que esse
conhecimento particular requer para ser ensinado e o que os alunos e alunas
estão em condições de aprender de acordo com seu desenvolvimento.
À concepção acadêmico–escolar tradicional é atribuída a responsabilidade de
ter depositado na lógica interna das disciplinas o peso fundamental na
organização do currículo. Em termos operativos, o problema central do
currículo se coloca em relação à seleção, organização, apresentação e
seqüência do conhecimento.
�
99
Na escola pesquisada a organização curricular é rigidamente estabelecida por
bimestres, com uma superficial distribuição eqüitativa pela “grade”. Os
docentes em sala de aula orientam-se de forma parcial pelos livros didáticos.
Apple apud et al (1989) recomenda que se examinem adequadamente as
contradições entre forma e conteúdo nos materiais curriculares de modo que se
possa descobrir o que está presente e o que se está ausente no conteúdo. Que
estruturas fornecem parâmetros para as possíveis leituras, que dissonâncias e
contradições existem em seu interior que podem proporcionar leituras
alternativas e as interações entre o conteúdo e a cultura vivida pelo aluno.
Os conteúdos curriculares, prescritos pelo livro didático, sofrem alterações em
sala de aula, em diferentes aspectos. Na escola em questão foi necessária
uma reorganização desses conteúdos em função da greve que se iniciou no dia
05 de maio e só terminou no dia 26 de junho. Em decorrência desse fato a
organização do tempo foi assim constituída:
1º) bimestre – fevereiro, março e abril
2º) bimestre maio, junho, julho agosto
3º) bimestre – setembro e outubro
4º) bimestre novembro e dezembro
Os meses de maio e junho aparecem nos dados da escrita escolar para o
cumprimento dos aspectos “legais “. O nosso trabalho de campo teve início no
mês de agosto, portanto no segundo bimestre. A “grade” curricular para a 8ª
série estava assim organizada:
Português: 5 aulas;
Matemática: 5 aulas;
100
História: 3 aulas;
Geografia: 3 aulas;
Inglês: 2 aulas;
Ciências: 3 aulas
Educação Física: 2 aulas;
Espanhol: 2 aulas.�
�
Segundo Arroyo (2001:212), nas mais diferentes esferas educacionais, existem
aqueles ou aquelas que resistem a toda inovação. Protegem-se como podem.
Para ele esse é um dos sentidos das “grades”, proteger os saberes escolares,
as disciplinas e os seus docentes da contaminação dos questionamentos sobre
os valores e saberes sociais.
Ele avalia que os PCNs, quando propõem a discussão dos temas da
atualidade, refletem essa função d preservação dos saberes escolares e que a
hierarquia de conteúdos e de docentes30 refletem valores que estão sendo
questionados pela sociedade.
�
Embora as instâncias educacionais não estejam sensíveis às dimensões
formadoras, alguns docentes sim, pois na verdade a seleção e a distribuição
dos conteúdos nas salas observadas, estão ligadas às questões de
organização estrutural do tempo escolar, disciplina ou indisciplina dos alunos e
alunas e às contínuas ausências e greves de professores e professoras, mas
sobretudo,a um olhar muito atento dos profissionais, às necessidades de seus
alunos e alunas.
30 A hierarquização de conteúdos e docentes expressa-se pelo teor valorativo que se atribuí as diciplinas. Esta concepção tem reflexos na organização da “grade” curricular influenciando na distribuição dos tempos e nas escolhas dos chamados horários nobres pelos docentes.
101
Através da interpretação das informações obtidas durante a permanência no
campo, onde detectamos a concretude do cotidiano e das práticas escolares,
nos remetemos a Ezepeleta & Rockwell citados por Dayrell (1986:58)�
�
“[...] o cotidiano das escolas vive uma lógica não percebida pelos burocratas e mesmo pela pesquisa acadêmica, na qual entre o prescrito e o realizado há um abismo que separa o documentado e o não documentado.” (p.58)
3.7 AVALIAÇÃO
Embora os docentes insistam em fazer sobressair, ao menos nos discursos,
práticas de concepção progressistas, os instrumentos de avaliação ainda
permanecem tradicionais ou seja, os recursos utilizados pelo professor e pela
professora são provas escritas, exercícios e pesquisas. Não existe nenhuma
discussão na escola, em relação à concepção crítica da avaliação31. A
professora de matemática faz críticas a proposta de avaliação da escola:
“[...] em relação a avaliação a única coisa que a escola fala é o seguinte: olhe, o bimestre vale tantos pontos, só isto. A escola, também baseada em seu regimento, diz que nenhuma prova pode valer a metade do bimestre. No final do ano tem uma prova valendo 100 o professor pode dar somente uma prova ou prova e trabalho. (Professora de Matemática)
31 Por concepção crítica de avaliação tomamos como referência o conceito desenvolvido no Programa da Escola Plural que traduz este processo como uma forma de atividade humana formadora, que tem a função básica de situar algo em um contexto amplo que permita tomadas de decisões ou criação de situações que vão levar ao desenvolvimento dos indivíduos. Nesta perspectiva ela deve ser contínua, pois tem que ser permanente no processo de aprendizagem do aluno, levantando seu desenvolvimento através de avanços, dificuldades e possibilidades; dinâmica, pois utiliza diferentes instrumentos na reflexão dos seus resultados e inclui a participação dos alunos, dos pais e de outros profissionais; investigativa, pois visa mapear dados para compreensão do processo de aprendizagem do aluno e oferece subsídios para os profissionais refletirem sobre a prática pedagógica que realizam. ( Fonte: Cadernos Escola Plural: nº 4, e 6, 1996)
102
Tanto o professor de História, quanto a professora de Matemática afirmaram ter
muita preocupação com a avaliação qualitativa. Entretanto ficou evidente que
no caso de Matemática. o peso dos aspectos quantitativos tem o mesmo valor
dos qualitativos. Ainda assim, pode-se perceber que a professora mostrou-se
muito preocupada com a linha de raciocínio dos alunos e alunas e sempre
fazia questão de explicar aquilo que eles ou elas não tinham entendido.
Segundo ela:
“[...] eu opto por provas, trabalhos e exercícios de casa. Eu só posso falar no meu caso. Eu avalio meus alunos continuamente. Faço trabalho todos os dias, neste bimestre eu dei duas provas uma valendo 7 e outra valendo 10, dei 10 pontos para os trabalhos diários; os alunos reuniam em grupo e eu os avaliava diariamente. Isto faz com que a presença seja muito boa, pois os alunos sabem que aqueles que faltam acabam perdendo notas nos trabalhos.” (Professora de Matemática)
O professor de História faz muitas críticas ao sistema de avaliação, dizendo
que ele representa só um registro para entregar à secretaria. Apesar disso
processava suas avaliações com pouco rigor pedagógico, o que muitas vezes
despertava críticas da turma. Pelo que observamos, a formação bem como ás
práticas destes docentes não são sustentadas por reflexões consistentes
relativas a um conceito crítico de avaliação.
Esta lacuna na formação dos docentes interfere na concepção mais
abrangente do ato de avaliar. Consideramos que atualmente os modelos de
avaliação são vários mas, independentemente da teoria avaliativa, eles devem
ser consistentes com o processo de ensino e aprendizagem. Reafirmamos que
a avaliação deve ser um dos aspectos da prática pedagógica fundamental no
processo de ensino e aprendizagem, tanto para os docentes quanto para os
discentes e seus pais, uma vez que ela deve estar intrinsecamente coerente
com a definição da proposta político-pedagógica da instituição.
103
É importante que o professor perceba que o ato de avaliar não deve
contemplar somente os aspectos quantitativos e qualitativos da aprendizagem
dos alunos, mas incorporar a contribuição de Freire (1983), quando reitera que
avaliar a prática é analisar o que se faz, comparando resultados obtidos com a
finalidade que procuramos alcançar com a prática. Nesse sentido a avaliação
da prática revela acertos, erros e imprecisões e a avaliação de aprendizagem
não envolve apenas o aluno, mas também o professor.
Segundo Luckesi (2000:95), é de grande necessidade que o professor entenda
que “não há como tomar decisões sem clareza de diagnóstico. Para se agir
com objetividade é preciso ter ciência da situação como ela é”.
Existe por parte dos docentes a convicção de que dentro dos limites
estabelecidos eles fazem o melhor, mas observamos que eles fazem muitos
esforços para evidenciar os discursos de um conteúdo crítico com suas
práticas pedagógicas.
A idéia de que o fracasso escolar é advindo, sobretudo, das questões
exteriores à escola como desinteresse, dificuldades familiares, de
aprendizagem e outros, é muito presente na fala dos professores . Na análise
dessa questão recorremos a Martins (1997) quando afirma que:�
�
“[...] existe em nossas escolas uma certa penetração da proposta pedagógica de Paulo Freire, enfatizando a relação professor-aluno como vínculo libertador e criticando a transmissão do conhecimento por ele denominada “educação bancária”. Nesta proposta, a relação professor-aluno se baseia no diálogo, em que ambos se posicionam como sujeitos do ato de conhecer. O que vem ocorrendo, no entanto, é uma mudança de discurso, sem alterar a relação pedagógica prática em que esse discurso se dá.” (p.50)
104
Existe uma diferença substancial no tempo de trabalho do professor e da
professora. Este aspecto tem grande influência nas práticas pedagógicas. O
professor conta com 2 anos de profissão, enquanto a professora trabalha
desde que formou, isto é, há 15 anos.
Parece que tempo de experiência resultante da prática adquirida no exercício
da profissão é de grande importância na autonomia dos docentes, conforme
afirma Morais (1991), citado por Giestas:
“[...] é através da prática docente que esse se molda como professor. A profissionalização, através da prática no magistério, constitui o terceiro estágio qualitativo na formação e profissionalização do professor, quando este tem condições de sintetizar e globalizar as influências anteriores sobre sua educação derivando daí, gradualmente uma forma característica de agir.” (Giesta 2000:102)
Observamos que as opções adotadas pelos docentes em sala de aula,
estavam relacionadas ao tempo de experiência, que moldam o perfil do
profissional.
Contribui para essa compreensão um estudo desenvolvido por Hubermam
(1992), que analisa o desenvolvimento da carreira docente, faz uma divisão
desta em ciclos de vida, estruturado pelo tempo, classifica os profissionais com
1 a 3 anos de profissão, como aqueles que estão entrando na carreira e que,
muitas vezes, esta entrada é marcada pelo choque do real, determinado pela
complexidade da situação profissional e pelas dificuldades em dar respostas
aos alunos.
Para os docentes que estão entre 7 e 25 anos, esse tempo, segundo este
teórico, é caracterizado por alguns pelo ativismo e experimentação. Pois, nesse
105
estágio esses profissionais tomam mais consciência dos condicionantes
institucionais, empenham-se mais efetivamente na inovação, contestam as
deficiências do sistema, procuram novos desafios e aspiram cargos que lhes
permitam assumir maior autoridade e responsabilidade. Esse mesmo ciclo
pode ser o reverso das características acima apontadas, ou seja, pode-se viver
crises existenciais ou profissionais, ou estabelecer a monotonia, o
conservadorismo como modo de ação.
Destacamos, entretanto, que tanto a competência técnica na área de formação
do docente (que não significa só conhecer bem os conteúdos), como também o
domínio de diferentes metodologias, (para que se possa escolher a mais
adequada ) são necessários a um ensino de qualidade. No entanto, não
podemos esquecer dos outros fatores limitativos, por parte das políticas
governamentais, que muitas vezes excluem a participação dos docentes e da
organização da escola que deveriam assegurar o trabalho pedagógico coletivo
e as condições físicas e materiais para o desenvolvimento dessas atividades.
Detectamos que a professora de matemática tem um perfil mais dinâmico, faz
duras críticas ao sistema educacional, muitas vezes sob um discurso frágil no
tocante ao aspecto político. Entretanto, secundariza as dificuldades internas e
externas, apoiada pela sua maturidade e experiência o que dá segurança tanto
à turma quanto à escola.
A postura do professor de História não só se enquadra no tempo daqueles
profissionais que estão entrando na carreira (pois só tem um ano de formado
e dois na profissão), como o seu perfil também. Observamos que embora ele
tenha uma formação que o instrumentaliza para uma leitura mais eficaz da
realidade social, ele, muitas vezes, ficava inseguro diante das questões mais
corriqueiras que exigem sua intervenção.
106
Reconhecemos que o tempo de serviço e a experiência constituem aspectos
essenciais nas práticas escolares, entretanto, realçamos a necessidade de
uma revisão profunda na análise não somente dos conteúdos e métodos
utilizados mas também das atitudes que tanto os docentes quanto os
estudantes têm perante as disciplinas, com a finalidade de desenvolver o gosto
e o prazer por sua aprendizagem e aplicação.
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107
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4 O LIVRO DIDÁTICO COMO MAPA CURRICULAR
Neste capítulo analisaremos o significado que o livro didático assume na
prática docente escolar, constituindo-se em um dos principais canais
curriculares com grande influência na determinação da seleção dos conteúdos
escolares.
Pretendemos, ainda, discutir a relação dos sujeitos na produção do saber
escolar através deste “recurso didático”, pois, historicamente, o uso do livro
didático tem sido efetivo no currículo em ação apesar das inúmeras críticas
registradas sobre o mesmo.
Não podemos compreender o ritual das aulas sem analisarmos a centralidade
que o livro didático assume no trabalho docente. Sabemos que esse recurso
passa a cumprir uma parte do trabalho do professor e da professora no
processo pedagógico, quanto à organização ao planejamento do ensino.
É pública a constatação de que o conteúdo escolar, determinado no currículo
prescrito, alcança a escola através do livro didático. Esse conteúdo que
obviamente foi selecionado por alguém, ao ser transportado para sala de aula,
pode estabelecer conflitos pois muitas vezes, esta seleção desconsidera os
saberes de seus usuários.
Segundo Geraldi, C. (1993), é possível a “adoção” do professor pelo livro
didático, e isso retiraria das mãos do docente, o controle do processo
108
pedagógico, evidenciando, desta forma, a tradução de um currículo, cuja
expressão teórica representa o paradigma técnico linear.32
Essas reflexões também analisadas por Mazzotti (1986) e citadas por Geraldi
(1993), evidenciaram através de um estudo sobre o livro didático, que o uso
desse recurso não só determina a direção do processo pedagógico, como
também define o seu significado político:
[...] o livro didático representa para o magistério, a passagem do trabalho artesanal para o trabalho fabril, na medida em que constrói uma expropriação peculiar do professor na condução e controle do processo de produção escolar.” ( p. 10)
Nas observações da escola e da sala de aula, encontramos um cenário
propício para confirmar essa dependência, isto porque o esquema organização
estruturado para que as atividades escolares rotineiras pudessem ser
realizadas, se baseia em um sistema de leis, normas e regulamentos que
controlam as ações de todos os sujeitos que atuam no espaço escolar.
Ao observarmos a ação do professor e da professora, constatamos que, ao
assumirem suas atividades escolares, encontram uma série de formalidades
burocráticas para serem cumpridas. Essas responsabilidades vão desde a
elaboração de um documento no qual deve ser registrado o planejamento da
disciplina, até as rotinas formais diárias como, por exemplo, o preenchimento
do diário, a assinatura do livro de ponto e de todas as demandas que
perpassam a relação professores e professoras, alunos e alunas.
32 Paradigma de uma teoria curricular que tem como pressupostos o controle técnico da aprendizagem através da ênfase nos objetivos, estratégias e controle da avaliação.
109
Como as situações referentes à prática diária dos docentes não são recortadas
em segmentos, pois as demandas acontecem simultaneamente às suas
precárias condições de trabalho / salário elas exigindo dos mesmos uma
racionalização das atividades pedagógicas que pode se concretizar através da
utilização do livro didático.
No entanto, constatamos que a subordinação do professor e da professora ao
livro didático é parcial, porque em sala de aula os sujeitos se fazem singulares
e a utilização desse recurso pedagógico é submetida à mediação docente.
Em nossas observações, constatamos que existem construções próprias e
peculiares, que autorizam o professor e a professora a fazerem uma nova
seleção, organização, inclusão ou exclusão dos conteúdos, caracterizando uma
nova escolha, interferindo, dessa forma, na absorção de uma proposta
curricular homogeneizadora.
4.1 PROTAGONISMO DO LIVRO DIDÁTICO NA DEFINIÇÃO DOS CONTEÚDOS
ESCOLARES
Enquanto recurso didático, recurso de apoio da ação docente, o livro didático
não se constitui em um fenômeno recente, que existe para oprimir professor e
aluno impedindo-os de realizarem a construção do conhecimento.
Na Grécia, Platão aconselhava o uso de livros de leitura que auxiliassem na
seleção dos conhecimentos que um indivíduo deveria saber segundo Magda
Becker Soares (1996). Mas é importante ressaltar que a essência e o
significado, bem como a utilização desse recurso didático naquele período da
história não tinha a mesma representação que tem nos dias atuais.
110
Um dos primeiros livros-texto escrito em 1658, foi de autoria de Juan Amós
Comenio. Ele era ilustrado e conforme argumentava o autor, além das
recomendações didáticas deveria facilitar a compreensão das informações
escritas e sua aprendizagem para os leitores. Destacava-se também como
objetivo desse livro um ensino sem esforço e sem tédio cuja obra deveria
abordar o mundo real. Essa obra foi utilizada por dois séculos como recurso
didático. Santomé, (1998:153).
Historicamente, não podemos ignorar a influência das igrejas católica e
protestante (a partir do século XVI), como uma das principais instituições
responsáveis pelo aparecimento dos livros-texto. Com a difusão dos
catecismos, as duas doutrinas, no afã do proselitismo e do controle, editavam
cartilhas de seus conteúdos doutrinários, imprimindo na educação uma
perspectiva instrumentalizadora da evangelização e do cristianismo.
Nas análises que têm sido produzidas sobre o livro didático são evidenciados
ângulos diferenciados. Isto se explica porque os questionamentos, as
interpretações e as avaliações sobre esse recurso pedagógico têm apontado
os seguintes aspectos:
1º) a questão pedagógica (que avalia a qualidade, a correção e que discute e
orienta a escolha e o seu uso).
2º) a questão política (que formula e direciona processos decisórios de
seleção, distribuição e controle).
3º) a questão econômica (que fixa normas e parâmetros de produção, de
comercialização e de distribuição).
111
Também podemos ampliar essa visão, recorrendo à análise da concepção
tradicional que distingue os livros-texto através dos seguintes objetivos:
1º) como recurso escrito editado para o uso exclusivo de alunos e alunas.
2º) com a finalidade de serem utilizados nas escolas e dirigidos ao corpo
docente.
Avaliamos que esses objetivos têm que ser reexaminados através de novas
reflexões, pois na realidade o que temos observado é que os docentes são os
primeiros a terem acesso a esse recurso didático no interior das escolas, e é
atribuída a eles a competência de definir qual o livro-texto e qual a editora com
os quais pretendem trabalhar, excluindo dessa a participação dos alunos e
alunas.
Por outro lado, não existe por parte das editoras, dos autores e das autoras
nenhum cuidado com a criação de suas obras, pois as mesmas cumprem
uma exigência mercadológica que determina a confecção de um produto que
possa ser vendido ao maior número possível de professores e alunos.
Nessa perspectiva, os textos selecionados para um livro-texto, acabam por
contribuir de forma parcial ou não, com a missão de tornar realidade ás funções
que professores e professoras acreditam que a escolarização deve
desempenhar, distanciando-os, dessa forma, dos lugares concretos no trabalho
com os alunos e alunas.
Durante o período de observação, presenciamos uma relativa autonomia do
professor e da professora quanto à necessidade de ensinar determinados
conteúdos/conhecimentos para seus alunos e alunas.
112
Como neste trabalho discutimos a “Seleção dos Conteúdos Escolares da
Prescrição à Ação Docente”, concentramos nossa análise nos aspectos
políticos e nas reflexões de como esse recurso didático é visto e utilizado em
sala de aula pelo professor e pela professora. Procuramos focalizar pois as
seguintes questões:
1º) Se o sentido e o significado do livro didático foi alterado no decorrer das
aulas, em que medida essas alterações influenciam na relação dos sujeitos
com a produção do saber escolar?
2º) Qual a importância do sentido e do significado construído pelo professor e
pela professora a partir da seleção e reconstrução dos conteúdos das
disciplinas investigadas?
Para discutirmos essas questões precisamos resgatar as discussões sobre o
controle exercido pelo estado em relação à política do livro didático e aos
problemas pedagógicos que cercam sua elaboração.
Em termos políticos constata-se que, no Brasil, é histórica a pouca participação
de instituições fora do Estado que tenham influenciado a formulação, e o
redirecionamento do processo de escolha do livro didático.
Em decorrência disso, podemos dizer que essa é uma política estatal, que tem
se sobreposto às instituições influentes como a igreja, as editoras, as
associações científicas, os sindicatos, o mercado livreiro e as organizações de
pais e alunos.
Esse dado se confirma também com a verificação, de que nem as editoras,
que concentram o poder econômico deste mercado tem controle desta política,
113
ao contrário, elas se mostram tímidas em suas intervenções não tendo
influência quanto à seleção de conteúdo e, até mesmo, quanto à distribuição
desse recurso didático Freitag et al,(1989).
Essa seleção definida pelo Estado tem camuflado o “caráter de
obrigatoriedade” de certos conteúdos culturais que devem ser desenvolvidos
nos diversos cursos, ciclos e níveis do sistema educacional.
Essa função é remetida para os autores, para as autoras ou para as editoras,
que acabam por oferecer os seus livros-texto como um produto que não pode
ser alterado.
Segundo Sacristan (1994), citado por Santomé (1998), essa crença tem o
reforço das campanhas publicitárias, que visam convencer os docentes, de que
os temas contidos nas publicações seguem o programa oficial aprovado pelo
governo de plantão. Tornou-se elemento comum nos registros deste recurso
didático encontrarmos a seguinte observação: “Este livro está de acordo com
o programa oficial”. Situação idêntica é presenciada no Brasil com o
atrelamento do livro didático aos PCNs.
Esse teórico, ainda confirma a relação intrínseca entre poder e saber:
“[...] os livros-texto são, portanto, o meio de produzir aquilo que é considerado cultura valiosa, o “capital cultural” possuído pelas classes e grupos sociais que controlam esferas de poder, porém também significam uma grande fonte de riqueza em termos econômicos.” (p.162)
Essa situação difere da de outros países que na prática utilizam instâncias
mistas como comissões de cientistas, pedagogos, técnicos de editoração,
114
associação de pais e mestres, organizações de alunos, na formulação da
política decisória do livro didático e isto abrange desde a definição do conteúdo
até a forma de organização da distribuição.
Também nesses países é explícito o atrelamento das políticas curriculares
definidas pelos Ministérios da Educação, aos livros didáticos, o que equivale a
dizer que os governantes assumem explicitamente a defesa de suas propostas.
SACRISTAN (1994) argumenta que os materiais curriculares são os meios
pelos quais o Estado recorre para garantir o seu controle e vigilância das salas
de aula e das instituições de ensino e que a mediação relação realça a
dependência aos sistemas hegemônicos em cada sociedade.
4.2 TRAJETÓRIA HISTÓRICA DO LIVRO DIDÁTICO NO BRASIL
Durante a ditadura Vargas, no período do Estado Novo, em 1938, é criada a
Comissão do Livro Didático. Ela surge no rol de medidas de controle ideológico
da política do Estado Novo. Freitag et al (1989).
O então Ministro da Educação, Gustavo Capanema, assim justificava essa
decisão político ideológica que permeava o sistema educacional:
“[...] a educação, longe de ser neutra, precisa tomar partido melhor, partir de uma filosofia e seguir uma escala de valores, ela precisa ser conduzida pelas diretivas morais, políticas e econômicas do sistema que representa as bases de nossa nação e que por isso mesmo está sob a proteção, o controle e a defesa do Estado”. (Ministério da Educação e Saúde, 1937:9).
115
Nesse cenário fica caracterizada a política ideológica do livro didático
estabelecida na Era Vargas. Semelhante concepção é empregada no período
em que o Brasil esteve sob o regime militar.
Nessa perspectiva, destacamos os acordos entre o MEC/USAID que
autorizaram a Comissão do Livro Técnico e do Livro Didático-(COLTED) a
elaboração de cartilhas e livros didáticos, cujos conteúdos, forma e
fundamentação psicopedagógica eram emanadas das orientações de
assessores educacionais americanos. Essas orientações reforçavam o
controle ideológico dos materiais de ensino, definindo, dessa forma, os
conteúdos curriculares dos livros didáticos.
É indiscutível a influência dos livros didáticos no processo de formação dos
sujeitos. Uma expressão dessa influência é representada pelas cartilhas, que
ao longo da história da educação, vêm tendo um papel de destaque tanto no
aspecto pedagógico quanto em relação ao seu tempo de utilização.
Por exemplo, algumas cartilhas publicadas nos anos 20 persistiram por três a
quatro décadas. A “Cartilha do Povo”, de Lourenço Filho, publicada em 1928,
teve 1716 edições persistindo até o ano de 1961. A Nova Cartilha de Mariano
de Oliveira contabilizou 2228 edições e mais de 6 milhões de exemplares.
A evidente importância desse recurso didático tem sido foco de análise de
alguns trabalhos em distintas abordagens. Sem entrarmos no mérito das
valiosas contribuições desses estudos, destacaria apenas uma das muitas
reflexões elaboradas por Paulo Freire quanto ao conteúdo das diferentes
cartilhas que “alfabetizaram” várias gerações.
116
Em relação ao processo de alfabetização, este teórico afirmava ser contra
alguns elementos desse material didático, porque eles não levavam em conta a
realidade dos alunos, abordando somente o aspecto fonético da língua e não
os seus usos.
Ele ainda argumentava que o conhecimento é organizado pelo autor, alguém
de fora e seus exercícios são de memorização, o que impede o aluno de ir ao
encontro do conhecimento e sua proposição metodológica traz um modelo
único de ensino, no qual todos têm que aprender tudo ao mesmo tempo e do
mesmo jeito.
Para esse teórico, ensinar não é transferir conhecimento, pois essa ação deve
expressar interação entre professor e aluno, pois “o ato de ensinar deve deixar
de ser um ato de ensinar alguma coisa para alguém e se transformar em um
ato de conhecer alguma coisa com alguém.” (Freire 1998:52)
Nessa perspectiva, reafirmamos a centralidade dos sujeitos no processo
ensino/aprendizagem e, conseqüentemente, relativizamos o papel que o livro
didático deve ter nesse processo.
Só a partir dos anos 60, verifica-se a redução do tempo de permanência dos
livros didáticos no mercado escolar, multiplicam-se os autores e as obras,
diminuem o número de exemplares vendidos.
O contexto de reformulação do programa e do conteúdo do livro didático no
período da ditadura, está entre o conjunto de alterações propostas pelo
governo militar, que entre outras medidas, edita o texto constitucional de 1967.
117
A política educacional que seria implantada nessa época, ampliava a
obrigatoriedade escolar de quatro para oito anos e a edição de vários decretos-
lei reformula o sistema educacional brasileiro.
A reformulação proposta baseada no modelo norte americano era defendida
pelos dirigentes militares brasileiros com o argumento de que o modelo francês
de educação desenvolvido no país, tinha politizado excessivamente os alunos.
Constatamos que, a política do Livro Didático sempre esteve voltada para
população de baixa renda. Durante o governo militar é colocada ênfase no
caráter assistencialista desse programa. Esse mesmo caráter político é
retomado no período da Nova República e atualmente.
De acordo com diferentes estudos, durante os últimos vinte anos, o setor
livreiro lançou grande quantidade de livros descartáveis e de má qualidade,
prejudicando especialmente os alunos “carentes” para os quais esse recurso
didático é o único instrumento a que têm acesso.
Vários órgãos estatais, com diferentes nomes, foram criados com o objetivo de
centralizar a política do livro didático. O governo argumenta que essa
centralização tem a vantagem de racionalizar o processo de escolha, o
financiamento e a distribuição. Entretanto, estudos promovidos por Oliveira,
citada por Freitag et al (1989), detectaram problemas de todas as ordens que
burocratizam e atrasam a chegada dos livros à escola, resultando em grandes
problemas para os professores e alunos.
Segundo os citados pesquisadores, essas questões se agravam com a
possibilidade de corrupção em todo processo de organização e gestão
administrativa de um livro. Argumenta-se, ainda, que a centralização impede o
conflito ideológico.
118
Segundo Freitag, Costa e Motta (1989), a discussão sobre a política do livro
didático no Brasil pode ser analisada em dois aspectos:
1º) a regulamentação através dos decretos das leis e justificativas divulgadas
pelo governo central para regulamentar o livro didático e assegurar sua
produção e distribuição pelo Brasil.
2º) as críticas produzidas por intelectuais, políticos e cientistas a essa política
do governo. Nesse grupo está incluída a opinião dos parlamentares (deputados
e senadores) cujas discussões sobre essa questão estão registradas em atas
no congresso.
Magda Becker Soares (1996), com base em diferentes estudos, amplia esse
quadro ressaltando que os vários e não muitos olhares investigativos e
descritivos sobre conteúdos programáticos, aspectos psicopedagógicos e
metodológicos, conteúdo ideológico, que têm sido objeto das análises do livro
didático devem ser complementados por uma perspectiva sócio-histórica deste
instrumento pedagógico.
4.3 UMA NOVA POLÍTICA
Outro aspecto de valiosa importância e que merece análise aprofundada é a
introdução de uma sistemática de avaliação do livro didático, implementada
pelo MEC no ano de 1995. É somente nos anos 90, que este órgão vem
119
participar diretamente das discussões sobre a qualidade do livro escolar,
designando, em 1993, uma comissão de especialistas que deveriam responder
por 2 (duas) tarefas:
1º) avaliar a qualidade dos livros mais solicitados ao MEC.
2º) estabelecer critérios gerais para avaliação das novas aquisições.
Todos os livros inscritos no Programa Nacional do Livro Didático ( PNLD) foram
submetidos a esse processo de avaliação. Esse processo teve início em 1996.
Como resultado desse processo de avaliação a escola brasileira passa a contar
com um instrumento para escolha e adoção do livro didático: O Guia de Livros
Didáticos, que inicialmente foi implementado somente nas séries iniciais do
ensino fundamental, mas que, posteriormente, foi ampliado para todo esse
ensino.
Este manual elaborado pelo MEC, através Secretaria de Educação
Fundamental - SEF e da Fundação de Assistência ao Estudante - FAE e do
Centro de Pesquisa para Educação e Cultura - CENPEC, foi distribuído para
todas escolas públicas do país.
O Ministério de Educação e do Desporto assim justifica a elaboração deste
guia:
“[...] este Guia foi elaborado com a intenção de subsidiá-lo na escolha do livro didático, tarefa que, sem dúvida, implica grande responsabilidade. Ele é resultado de um árduo trabalho de análise e avaliação pedagógica a que foram submetidos os livros inscritos para o Programa Nacional do Livro Didático. Assim, além de orientar sua escolha, o Guia tem-se revelado um instrumento norteador para a produção de materiais didáticos, trazendo informações sobre os livros inscritos no programa e contribuindo para o processo de melhoria e qualidade do livro didático” (PNLD, 1999,p.3).
120
Este Guia evidencia um conjunto de medidas que permite aos educadores e às
educadoras avaliar o livro didático brasileiro, quanto às suas características,
funções e qualidade. Essa política de avaliação vem atender as expectativas
de estudos e investigações que desde o ano de 1970, tem denunciado a
qualidade dos livros recomendados pelos docentes e adquiridos pelo MEC.
Observamos que esse processo de avaliação, tem relações íntimas com a
elaboração e a implementação dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs).
Portanto, discutir essa questão é de fundamental importância porque esse
vínculo confere ao livro didático um papel de destaque no desenho da proposta
curricular da escola.
4.4 O LIVRO DIDÁTICO COMO RECURSO
Esse recurso didático representa e traduz teoricamente a visão oficial, a
interpretação autorizada dos requisitos para considerar um cidadão e uma
cidadã educados. Essa ação realça o perigo da imposição de determinados
conhecimentos, conceitos, procedimentos, valores e concepções da realidade
de forma hegemônica.
Por meio do livro-texto, as editoras buscam interpretar os conteúdos
considerados “legítimos”, transferindo-os para sala de aula, conferindo a esse
recurso didático a importância de um instrumento decisivo na legitimação de
uma determinada visão de sociedade, de sua história e de sua cultura.
121
Neste foco, talvez possamos entender as polêmicas que giram em torno de
algumas questões, tais como: manter ou rejeitar o livro didático? Defendê-lo ou
condená-lo? Qual o livro que de fato expressa a realidade e a qualidade?
Essa análise é ampla e complexa e nos exige uma reflexão que ultrapasse a
determinação de que um livro seja bom ou ruim. Sendo o livro didático um
material de apoio que o professor e a professora utilizam para exercer o
trabalho docente, poderíamos tratá-lo como recurso pedagógico. Nesta
perspectiva torna-se difícil discutir um recurso excluindo quem usufrui dele,
pois é exatamente a relação que se estabelece entre o sujeito e o recurso que
é objeto de nossa análise.
É preciso pensar como os sujeitos interagem com esse recurso didático, que
não é neutro e nem isolado da ação docente, dando ênfase à importância de
seu aspecto político e cultural, na medida em que reproduz e representa os
valores da sociedade em relação à sua visão de ciência, da história, da
interpretação dos fatos e do próprio processo de transmissão do conhecimento.
Nas discussões relativas à descentralização do livro didático encontramos
grupos cujas opiniões divergem. Esses grupos se dividem entre os que são
favoráveis ao processo de regionalização do livro didático, opinando que nesse
processo de decisão e escolha devem participar todos os profissionais
envolvidos na escola.
Existe um outro grupo que propõe que se transfira para o professor e para a
professora em sala de aula a confecção do seu próprio material didático. Nas
precárias condições de trabalho impostas aos docentes, avaliamos que temos
muitos complicadores para a consecução desse objetivo.
122
Na escola por nós observada, ficou evidenciado o uso quase constante do livro
didático pela professora de matemática em suas atividades diárias; ao
contrário, o Professor de História somente utilizava o livro de sua área de forma
esporádica. Entretanto, detectamos a autonomia de ambos quanto a utilização
desse recurso, pois os mesmos alteram, excluem, incluem e atribuem novos
significados aos conteúdos por eles selecionados.
4.5 O LIVRO DIDÁTICO DE HISTÓRIA
O professor de História utiliza como roteiro de sua programação o livro didático
“História e Vida” de Nelson Pilleti. Entretanto, este livro não faz parte do Guia
do MEC. A escolha foi determinada em anos anteriores, quando a Secretaria
Estadual de Educação de Minas Gerais responsabilizava-se pelo processo de
seleção.
Esse manual didático estava em consonância com o Programa de História do
Ensino Fundamental versão 1996 proposto pela referida secretaria que ao
explicitar os seus objetivos definia:
“[...] pensou-se o ensino de História tendo por objetivo a compreensão da realidade, a partir de uma postura questionadora (...) Temas e conteúdos foram escolhidos de forma a permitir a apreensão do que no presente se dá de mais significativo no passado. Assim, o estudo de História do Brasil deve conter essa relação de mão dupla entre presente e passado. Entre várias possibilidades de percorrer esse caminho, optou-se pela trilha tensões sociais, liberdade e poder na formação da sociedade brasileira, na sua inserção na história internacional e na sua relação com outros povos e culturas.” (Fonte: Programa de História, Volume I, p.29 SEE,1996)
123
Apesar do que se proclamava no Programa de História da SEE, existem
obstáculos a vencer para se conseguir o objetivo proposto, entre eles a
transposição didática33. Essa transposição não é tarefa simples e mecânica,
pois esse processo não esta relacionado somente com o trabalho seletivo dos
conteúdos com a também na definição de valores, objetivos e métodos, que
conduzem o processo de ensino.
O professor observado por nós classifica o livro didático utilizado por ele como
factual, sintético, pouco reflexivo e que dá ênfase às datas históricas e aos
personagens.
Em um estudo desenvolvido por Souza (1997), na análise do referido livro
didático adotado pelo professor, constatou se discrepância quanto às
denominações utilizadas para apresentação dos capítulos e tópicos e as
ditadas pelo currículo oficial , fato este que é atribuído às características
resultantes de sua formação, que os autores de livros didáticos preservam,
mesmo tentando seguir de perto as sugestões do currículo oficial.
Esta advertência nos permite concluir que os livros-texto não se limitam a fazer
referências aos conteúdos obrigatórios legislados pelo governo, mas também
os interpretam e adequam até compatibilizá-los com os interesses pessoais e
às modas pedagógicas do momento. O livro, cujo conteúdo é muito extenso,
não foi esgotado. Entretanto o professor selecionou os temas considerados
essenciais para trabalhá-los com a turma. O desdobramento dos capítulos
temáticos dos conteúdos proposto no livro da 8ª série, apresenta os seguintes
tópicos:
124
• Capítulo 1 Vencida a ditadura do Estado Novo, voltam as eleições e o povo
conquista alguns avanços
• Capítulo 2 Os militares impõem nova ditadura, anulam as reformas e
submetem o país à mais violenta repressão.
1. O golpe de 1964
2. Castelo Branco, primeiro ditador militar, abre o jogo
3. Com Costa e Silva o jogo endurece
4. Mas é no governo de Médici que a violência chega ao máximo
5. No governo Geisel tem início a abertura política
6. E com o general Figueiredo a ditadura militar chega ao fim
• Capítulo 3 Finalmente, o povo reconquista a liberdade e caminha para a
democracia
• Capítulo 4 Enquanto isso, a riqueza de poucos continua provocando a
miséria de muitos.
• Capítulo 5 No campo, os trabalhadores lutam pela terra
• Capítulo 6 Na cidade grande, o povo procura trabalho, salário justo e
melhores condições de vida
• Capítulo 7 No campo e na cidade, a cultura apresenta várias visões do
Brasil
• Capítulo 8 Nosso país se relaciona com outros países
• Capítulo 9 Muitos brasileiros tentam mudar nosso país por meio da
participação democrática
Outro dado relevante se refere ao fato de que o professor de História não
participou da escolha do livro utilizado, isso porque, na condição de contratado,
33 Conjunto de transformações adaptativas pelas quais um conteúdo do conhecimento passa e que vão torná-lo apto a tomar lugar entre os objetos de ensino. Pais (2001, p.19)
125
só chegou à escola depois que essa decisão havia sido tomada. Essa questão
foi assim explicada por ele:
“[...] eu sou contratado, cheguei na escola depois, portanto os professores já haviam escolhido o livro de História. Eu não gosto dele, mas tenho que usá-lo porque alguns professores acham que ele é bom pois foi usado o ano passado. Se eu pudesse escolheria outro livro, como não posso eu o utilizo menos e tenho outros materiais.” ( Professor de História)
Esse fato com certeza traz sérias implicações pedagógicas, pois na relação
alunos-conhecimento-professor, este último atua como mediador da produção
dos saberes escolares. Assim, é muito importante a avaliação que os docentes
fazem sobre o recurso didático que vão utilizar, relacionando-o com os seus
objetivos. Esta avaliação do professor, por certo não é captada pelas
instâncias que propagam os diferentes mapas curriculares é assim analisada
por Santomé (1998):
“[...] os livros-textos, assim como qualquer outro recurso didático, são produtos políticos, como ressaltam as numerosas pesquisas realizadas tanto neste como em outros países (Torres Santomé,J.,1991; Apple,M.W., 1989; Johnsen, E.B.,1993). Estes recursos pretendem estipular atitudes com relação ao mundo no qual estamos inseridos, e apoiam e defendem determinadas concepções e teorias sobre como e por que a realidade é como é, sobre de que maneira, quem, quando e onde podemos intervir.” (p.169)
Entretanto, as instâncias responsáveis pela política desse recurso, sustentam
que um dos objetivos básicos na escolha do livro didático pelas escolas é o de
melhorar e adequar os recursos que dão sustentação à aprendizagem escolar.
126
4.6 INTERAÇÃO DO PROFESSOR DE HISTÓRIA COM O LIVRO DIDÁTICO
Observamos que o professor ao utilizar o livro, altera a seqüência do conteúdo,
para inserir algumas questões da atualidade. Ele determina como atividade
complementar extra-classe a pesquisa. Percebemos nesse processo uma
fragilidade metodológica nas orientações. O que propicia aos alunos e alunas a
oportunidade de recorrerem aos computadores para cópias dos temas
pesquisados.
Em sala de aula, presenciamos o desenvolvimento de diferentes conteúdos,
entretanto selecionamos o tema “Nova Ditadura no Brasil” porque sua
introdução coincidiu com o início do trabalho empírico.
O conteúdo desse bloco relata o período da ditadura militar, em um texto que
destaca diferentes fatos da história brasileira após o golpe. A linguagem
utilizada é muito clara e com várias ilustrações de gravuras ou fotos que
identificam o movimento desse período.
Os autores do livro (Pilleti & Pilleti ) utilizam narrativas diversificadas e isto
resulta em excesso de informações que são bem elementares. Nas atividades
sugeridas estão letras de músicas, sugestões de filmes, leitura do texto em
pequenos grupos, pesquisas diversas, elaboração de slogan, interpretações de
frases, debate, reflexão, expressão plástica e “questões de estudos” que,
apesar desse nome, se reduz ao tradicional questionário.
127
Souza (1998)34, ao analisar este livro didático de História lembra que:
“[...] Ao enfatizar e caracterizar o processo histórico brasileiro, por meio de recursos jornalísticos, tentando talvez uma história presencial, os autores propiciaram a tomada do viés ideológico como pano de fundo que ocultaria outro problema mais sério: a precariedade e dificuldade da transposição didática no ensino de História afinado com a produção historiográfica corrente.”(p.302)
Essa educadora complementa suas reflexões teóricas argumentando que a
produção historiográfica, as propostas curriculares que se pretendem
inovadoras e o livro didático que viabiliza a transposição do conteúdo produzido
nos circuitos de pesquisa para o cotidiano da sala de aula, podem trazer sérios
problemas não só de ordem didático-metodológica, como também de natureza
político-ideológica.
Nesse sentido,o ela ressalta que: “É preciso se apossar de novos códigos
lingüísticos, novos códigos de pensamento e de uma nova filosofia da História”.
Á partir dessa reflexão torna-se importante discutirmos sobre os processos de
constituição do conhecimento escolar, analisando as formas por meio das
quais a escola se apropria de diferentes saberes, transformando-os em
saberes escolares.
Tomamos como referência ás reflexões produzidas por Lopes (1997), que
analisa o conhecimento escolar como sendo um conhecimento imerso na
contradição e que tem como objetivo a socialização do conhecimento científico
e/ou erudito, ao mesmo tempo em que constrói o conhecimento hegemônico.
34 A educadora Maria Inêz Salgado de Souza realizou uma avaliação do livro didático de história em questão por solicitação da Secretaria Estadual de Educação de Minas Gerais, no ano de 1996.
128
Ela realça que o conhecimento hegemônico tem relação intrínseca com os
interesses da classe dominante e sua seleção está intimamente ligada à
cultura que esta classe considera como válida.
Isso sugere que temos que ir ao encontro de investigação mais aprofundada
sobre a natureza desse tipo de conhecimento, através do estabelecimento de
relações e de diferenças entre o senso comum e o conhecimento científico, a
cultura popular e a cultura erudita. Nessa perspectiva, Forquin (1993:9)
argumenta em relação o conhecimento escolar que:
“[...] a legitimidade deste conhecimento interpela diretamente a identidade dos professores, pois não há ensino sem o reconhecimento por parte dos atores sociais envolvidos, da legitimidade da coisa ensinada”.
Não podemos nos esquecer, todavia, de que uma sociedade dividida em
classes como a nossa, também usa a lógica de estratificação de culturas, esta
lógica é definidora da divisão social do saber e da cultura, constituindo desta
forma rótulos culturais, estabelecendo diferenças entre os que não têm cultura
e os que a têm.
As classes dominantes constroem a idéia de que sua cultura é erudita, com
isso, permitem mais facilmente a desvalorização de outras culturas,
notadamente as das classes dominadas. Para se contrapor a esta concepção
excludente, Freire (1998:140) argumenta que:
“[...] uma das tarefas essenciais da escola, como centros de produção sistemática do conhecimento, é trabalhar criticamente a integibilidade das coisas e dos fatos e sua comunicabilidade.” (p.140)
129
Ele ainda complementa que a escola e o professor têm o dever de não só
respeitar os saberes que os educandos, sobretudo os das classes populares
trazem para ela, mas também discutir com os alunos a relação de alguns
desses saberes com os conteúdos curriculares possibilitando desta forma,
tornar o senso comum como ponto de partida em busca da necessária
superação.
Assim sendo, cabe explicitar quais são os interesses dos saberes dominantes
e não considerá-los como os únicos saberes válidos. A conceituação de saber
assumida nesse trabalho se refere, como aquele que está no plano histórico de
uma produção da área das disciplinas e cuja validação não está na
dependência de uma visão pessoal e subjetiva, mas sim associado ao contexto
histórico e cultural.
Nesse sentido, entendemos que estas reflexões nos permitem reafirmar que
a escola não apenas transmite saberes, mas também os produz. Isto posto,
avaliamos que é importante analisar a mediação didática como um dos
aspectos de grande relevância no processo ensino/ aprendizagem.
Na ação docente observada detectamos alguns aspectos que favoreciam a
produção do saber escolar, embora algumas ações evidenciassem rotinas que
aparentemente são óbvias.
O professor de História explicava o conteúdo em uma linguagem muito clara,
dava ênfase a alguns aspectos que só eram mencionados no texto e procurava
ordenar os fatos históricos, insistia na análise e na relação dos fatos históricos
do passado com o presente.
130
Ele não utilizava todas as orientações e sugestões produzidas pelos autores do
livro didático. Suas ênfases eram dadas aos aspectos que ele considerava
importante. Isto possibilita novas interpretações e questionamentos, com
possibilidades de mudança de focos e interpretações. As prioridades definidas
pelo professor eram originadas através do livro didático, embora com pouca
ênfase na utilização deste recurso adotado pela escola. Ao que parece o
próprio livro escolhido pela escola, não é um instrumento eficiente:
[...] eu não tive nenhuma orientação da escola para fazer meu plano de curso, eles apenas passaram para mim o livro de cada série e a única exigência que fizeram é que eu deveria entregar os meus planos. Quando olhei o conteúdo do livro vi que não dava, daí eu peguei outros recursos que eu tinha em minha casa e fiz meus planos de curso”. (Professor de História)
O professor utiliza para preparar suas aulas um outro livro: “História do Brasil”,
de Boris Fausto. Ele argumenta que este acréscimo compensa as dificuldades
do livro adotado no tocante ao conteúdo proposto, e os parcos recursos físicos
e materiais da escola.
Existe um esmero nas atividades que ele considera que sejam significativas. As
mesmas são mais detalhadas, exemplificadas e ilustradas. Essa relação dos
docentes com os recursos didáticos é assim interpretada por Apple citado por
Souza (1997), realçando a relativização do suposto poder do livro didático:
“[...] não podemos afirmar que, o que está nos textos, é realmente ensinado. Nem podemos achar que o que é ensinado é realmente aprendido. Como mostro, na descrição que faço de algumas salas de aula,[...] os professores/as têm uma longa história de mediar e transformar o material dos textos quando os empregam na sala de aula.” ( p. 7)
131
Na exposição do tema pelo professor ele transmitia informações, opiniões ou
idéias. Isto proporcionava atitudes reflexivas por parte dos alunos e das alunas
que estavam envolvidos com a aula.
Numa aula por nós assistida, o professor ilustrava a discussão com exemplos
concretos (fatos atuais) ou utilizava algum recurso didático, como a projeção de
um filme sobre a vida de Lamarca. Isso suscitava o interesse de alguns alunos
e alunas dando margem para várias atividades como: debate, dramatizações,
pesquisa, entrevistas e a busca de informações mais detalhadas destes fatos
históricos. A narrativa dos autores do livro didático torna-se fria diante do
movimento articulado pela ação do professor.
O professor procurava estabelecer a organização do trabalho na sala de aula
através dos grupos, que eram definidos de acordo com a proposta dos próprios
alunos e alunas. Nem todos se envolviam com o trabalho, pois uma
característica da turma é a dispersão. Ao final do processo, eles apresentavam
um produto como resultado da síntese do tema elaborada pela turma.
A interação desordenada entre os alunos e alunas no espaço escolar era
perceptível. Mas, a mediação pedagógica também estabelecida pelo professor
através do diálogo se constituía como eixo norteador da aprendizagem. As
perguntas ao professor e aos colegas eram constantes, muitas vezes
produzidas por reflexões que alteravam o curso da aula apontando que o
conhecimento não é linear.
Esse diálogo permanente e necessário no trabalho pedagógico permite uma
maior participação nos trabalhos da sala de aula o que fica, às vezes, confuso.
A ação do professor era questionada pela equipe pedagógica, que avalia que
faltava ao docente “postura” para o trabalho pedagógico.
132
Essa análise da escola, não levava em consideração a precariedade das
condições físicas e materiais, às quais o professor quanto a turma eram
submetidos. Como exemplo, podemos citar o fato de que qualquer reprodução
de material pedagógico xerografado tinha que ser custeada pelo professor. Em
decorrência disso, em uma parte do tempo, sua metodologia concentrava-se na
exposição oral do conteúdo e nas atividades que exigiam debates.
O professor propôs uma excursão, ao perguntar-lhe sobre o objetivo desse
trabalho de campo disse que gostaria que a excursão pudesse possibilitar a
turma o conhecimento do patrimônio histórico, mas que achava muito difícil
conseguir que alunos e alunas aceitassem visitar museus ou igrejas.
Para convencer os alunos e alunas, o professor argumentou, que esta visita
seria uma atividade de confraternização pela finalização do ensino
fundamental. Esperava, entretanto que, ao chegar a cidade, iria “convencê-los”
da importância de conhecerem algum patrimônio histórico. Essa atividade não
estava prevista no livro, foi uma proposta surgida espontaneamente.
Outras dificuldades que se somam à ação docente está ligada à burocracia
institucional, isto porque autorizar a turma a ir a excursão, passava pela
decisão exclusiva da Diretora da escola. Ela, contudo, não tinha conhecimento
de qualquer intenção pedagógica dos docentes. Várias são as questões que
interferem no processo ensino/aprendizagem, principalmente aquelas que
estão ligadas aos interesses dos sujeitos. O conhecimento não pode ser
imposto e muito menos apenas ser transmitido em obediência a um programa.
Nesta perspectiva, MacLaren citado por Moreira (1995), assim interpreta esta
questão:
133
“[...] julgo em afirmar que o conhecimento é construído socialmente é dizer, em primeiro lugar, que o conhecimento é o produto da concordância e do consentimento de indivíduos que vivem determinados tipos de relações sociais como de (classe social, raça e gênero por exemplo).” ( p. 2)
O professor de História tem uma concepção de currículo como sendo
conteúdos, conceitos, e dados relevantes que devem ser transmitidos de forma
minimamente compreensível para os alunos e alunas. Ele acha que nem o
currículo nem o conteúdo do livro têm que ser cumprido à risca. E ainda
complementa: o currículo tem que ser flexível. Ele assim se expressa:
“ [...] não adianta você pegar um livro e tentar cumpri-lo do início ao fim, isto para mim significa somente passar um texto sem que o aluno consiga captar nem a metade disto. Neste mundo globalizado, não é só o conteúdo que interfere, nós temos que ajudar o aluno a saber lidar melhor com várias situações diferentes.” (Professor de História)
Ele aponta que um trabalho pedagógico bem estruturado seria assegurado pela
ação interdisciplinar o que possibilitaria um diálogo entre as áreas e o aluno
teria uma formação mais global.
Esse aspecto nos remete a um estudo de Amorim (2000), cujos resultados
indicam que “As atividades organizadas em sala de aula, pelo professor e pela
professora, têm marcas que se relacionam à forma como os docentes vêm a
disciplina”. Nesse sentido o professor de História sempre incentivava o debate
em sala de aula, argumentando que esta ação metodológica favorecia uma
visão mais crítica dos alunos e alunas.
A escola como um todo camuflava qualquer situação que destacasse o conflito
ou que pudesse desmistificar o seu rótulo de “Escola Modelo”. Mas, o professor
sempre recortava o tema com alguns fatos do cotidiano, ou questões pontuais
tendo clareza de que o docente tem que ir além das prescrições:
134
“[...] eu sei que tem muitas questões que podem e devem ser discutidas em sala de aula, aspectos do cotidiano do aluno e de uma forma geral. Por isto não dá para utilizar só o livro didático. E tem mais, os livros didáticos são impostos pelo governo.” (Professor de História)
Nesta perspectiva nos remetemos a Nikitiuk (1996) que afirma:
“[...] o poder socializador da escola não deve ser buscado tão-somente naquilo que é oficialmente proclamado como sendo seu currículo explícito, mas também no currículo oculto expresso pelas práticas e experiência que ela propicia. ( p.17)
Vemos assim, o exemplo de uma atuação do docente que não se limita
apenas à sala de aula, pois sua ação política é de importância fundamental
para mudanças sociais.
4.7 A RELAÇÃO DOS ALUNOS E ALUNAS COM O SABER HISTÓRICO
A participação dos alunos e das alunas nessa disciplina expressa o vínculo
estabelecido pela interação com o professor e pela concepção de História
construída no espaço escolar.
Quando os indagava sobre qual a importância dessa matéria em suas vidas
eles afirmavam que era importante porque este conteúdo contribuiria para
analisar a situação do país. Os alunos e alunas alimentavam a idéia de que é
nessa disciplina que se forma o aluno crítico.
Nessa perspectiva, constatamos entre eles que o sentimento de descrédito
com a classe política é muito intenso, alguns destacam a opinião de que os
políticos são corruptos e que à nossa realidade atual atrela-se também a
135
nossa história no passado. Devido as crítica aos políticos, os discentes são
unânimes em afirmar a necessidade do exercício do voto consciente, conforme
depoimento de um aluno:
“[...] eu acho que o conteúdo de História ajuda você a ficar sabendo das coisas de seu país e de outros países, isto dá uma base melhor para a gente viver. Eu gosto principalmente quando discutimos política, pois podemos ver o quanto estes políticos são sem vergonhas; eu posso dizer lá em casa para os meus pais que devem tomar cuidado em quem eles vão votar.” (Aluno da turma F)
Os alunos e as alunas concretizam o conceito de que História, Geografia e
Ciências são matérias que não precisam ser estudadas; o aluno tem que
apenas decorar. Os alunos e alunas acham dispensável a utilização constante
do livro didático:
“[...] em História não precisa de livros, é só você ver as anotações de seu caderno, aquilo que você escreveu. Eu utilizo o meu livro somente na escola”. (aluna turma F)
Nas aulas de História as perguntas dos alunos apareciam em momentos
pontuais, principalmente nas questões a que o professor deu ênfase, as
“questões de estudos” são respondidas em grupo por alguns alunos e alunas.
As respostas escritas não expressavam a riqueza de detalhes da formulação
oral.
Existia interesse por parte dos alunos e alunas no detalhamento de alguns
fatos históricos, principalmente aqueles que serviam de base comparativa para
análise de questões referentes a escola ou a aspectos políticos atuais.
Constatamos que as interpretações elaboradas pelos autores do livro
desempenham exclusivamente o papel de informar, isto porque as análises
136
críticas dos alunos e das alunas eram construídas com base nas interpretações
do professor, sendo que alguns alunos ou alunas apenas repetiam o seu
discurso, mas aqueles mais identificados com a disciplina faziam reflexões
mais aprofundadas. Esta influência do professor ou da professora como
mediadores e orientadores da aprendizagem é assim analisada por Sánchez
Miguel (1993), citado por Libedinsky (1997) :
“[...] um texto escolar é uma comunicação a distância, às vezes muito distante, e é dirigida a um interlocutor impreciso; necessita da mediação de alguém que se interponha mais globalmente entre o texto e o leitor, para que este complete as informações e apele para as coisas que o aluno sabe.” ( p.136)
Esse teórico confirma o resgate do papel fundamental que cumpre o docente
em favorecer os processos de compreensão genuína do estudante tanto na
ampliação dos temas tratados como na recuperação do conhecimento prévio
do aluno sobre o tema em questão. Um aluno assim define o seu interesse pela
disciplina:
“[...] eu passei a gostar de História este ano, depois que chegou professor novo. A aula de História é boa, a gente conhece um pouco do passado, coisa que a gente nunca viu. Mas o que eu acho mais importante é saber do presente as coisas que a gente está vivendo.” (Aluno da turma F)
Uma questão identificada pelo professor como dificultadora do trabalho
pedagógico é o fato da clientela desta escola ser oriunda de vários bairros da
região metropolitana de Belo Horizonte e da grande BH. Esse dado para o
docente vem se constituindo como empecilho para a aproximação da escola
com a comunidade, impedindo, dessa forma, projetos de intervenção na
realidade dos sujeitos. Essa diversidade dos estudantes que, na percepção do
137
professor compromete um trabalho de relação com a comunidade, é assim
interpretada por Apple (2000):
“[...] um currículo e uma pedagogia democráticos devem começar com o reconhecimento dos “diferentes posicionamentos sociais e repertórios culturais nas salas de aula, e das relações de poder entre eles.” Se estivermos, então preocupados com “um tratamento realmente igual” – como acho que devemos estar – é preciso basear um currículo no reconhecimento daquelas diferenças que dão ou tiram poder de nossos alunos de modos identificáveis.” ( p.68)
Alguns conteúdos trabalhados pelo professor eram sintetizados em atividades
que nem sempre tinham o caráter avaliativo. Essa ação que não caracterizava
“controle” muitas vezes fazia com que alguns alunos e alunas apresentassem
um certo descompromisso em relação à tarefa determinada.
Não havia nenhum tipo de sanção do professor em relação a estes alunos ou
alunas. Um dado importante é que muitos desempenhavam a tarefa solicitada
e tinham a preocupação de discutir com o docente a qualidade dos trabalhos
elaborados.
Partindo do pressuposto de que o que é definido como saber ou conhecimento
escolar, na verdade, constitui uma seleção particular e arbitrária de um
universo muito mais amplo de possibilidades, que merece ser analisada.
4.8 O LIVRO DIDÁTICO DE MATEMÁTICA
A professora de matemática tinha como roteiro o livro didático “Matemática”
dos autores Imenes & Lellis. Esse livro está incluído na relação do Guia do
138
Programa Nacional do Livro Didático - PNLD (1999). Era recomendado com
“distinção” conforme a classificação de três estrelas, referência máxima deste
programa.
Esta categorização é assim definida pelo MEC: “recomendados com distinção
são os livros que se destacam pelo esforço em aproximar-se o mais possível
do ideal representado pelos princípios e critérios”. Estes estão pautados
através de princípios que são norteados pelos seguintes questionamentos:
• Que concepções de Língua Portuguesa, Matemática, Ciências, Geografia e
História os livros manifestam?
• Quais os conteúdos privilegiados?
• Com que rigor e acerto tais conteúdos são tratados?
• Que metodologia é empregada e preconizada?
• Como todos estes aspectos se articulam numa proposta global?
• Há coerência entre essas propostas e o projeto gráfico?
• O livro didático contempla diferentes linguagens e códigos existentes na
sociedade?
• As ilustrações, diagramas, tabelas, mapas, contribuem para a construção
dos significados dos textos?
• Que valores e atitudes são preconizados?
• Existe preocupação em relacionar o saber que os alunos trazem do mundo
e o saber sistematizado pelas pesquisas científicas?
• O Manual do Professor orienta o processo de ensino?
A partir desses princípios foram estabelecidos três grupos de critérios que
representam um padrão consensual mínimo de qualidade para o ensino
escolar, determinando que o não cumprimento dos mesmos significa
eliminação do livro didático ou uma avaliação pouco satisfatória:
139
1º) Critérios Comuns:
• correção dos conceitos e informações básicas;
• correção e pertinência metodológicas;
• contribuição para a construção da cidadania;
• critérios de classificação comuns;
• estrutura editorial – aspectos gráfico-editoriais;
• aspectos visuais;
• ilustrações;
• manual do professor.
2º) Critérios para análise:
• correção dos conteúdos e informações básicas;
• correção e pertinência metodológicas;
• formação para a cidadania.
3º) Critérios classificatórios:
• adequação dos conteúdos;
• atividades propostas;
• integração entre temas nos capítulos;
• valorização da experiência de vida do aluno;
• aspectos visuais;
• manual do professor.
Com base nesses critérios, o livro utilizado pela professora de matemática, foi
recomendado pela comissão autorizada pelo MEC, que trabalhou em sua
análise nos seguintes termos:
140
“[...] sua proposta metodológica é inovadora, coerente com o posicionamento apresentado no manual do professor: os alunos precisam compreender aquilo que aprendem e essa compreensão é garantida quando eles participam da construção das idéias matemáticas e são engajados em atividades que estimulam atitudes críticas e a autonomia de pensamento. Concluindo, a proposta do livro é excelente, podendo subsidiar um trabalho didático profícuo e criativo com a Matemática”. (Comissão analisadora MEC, 1999)
Apesar dessas recomendações verifiquei rejeição por parte do coletivo dos
professores e professoras da escola em relação à adoção desse livro didático.
Sua escolha foi definida pelos docentes dessa área, entretanto, todos (com
exceção da professora pesquisada), sem uma discussão com seus pares, o
abandonaram e passaram a fazer uso do livro utilizado nos anos anteriores, por
considerá-lo “mais fácil” e por exigir dos alunos e alunas apenas
“memorização.”
O livro selecionado é utilizado somente pela professora observada e chegou à
escola sem o manual do professor. Isto causou muita insegurança nos
educadores.
Outro aspecto de fundamental importância, é que o livro faz parte de uma
coleção e supõe uma organização de conteúdos, que implica numa
continuidade ao longo das quatro últimas séries conforme avaliação da
Comissão Avaliadora. Esta orientação não se viabilizou em decorrência
daquele ser o primeiro ano da implementação do programa pelo MEC na
educação fundamental (5ª a 8ª) coincidindo com a seleção do livro. Assim, a
equipe do Programa do Livro Didático realça a importância da adoção dessa
coleção:
“[...] o livro faz parte de uma coleção destinada às quatro últimas séries do Ensino Fundamental, cuja principal
141
característica está na abordagem de um currículo em espiral. Isto significa que um mesmo assunto é tratado numa determinada série e revisto ao longo das séries seguintes, o que permite em cada retomada, um aprofundamento natural do tópico estudado, bem como novas descobertas.” (Comissão avaliadora do MEC, 1999)
Essa análise pode ou não ter se constituído em fator de sua aceitação ou
rejeição por parte dos docentes, ainda que, como mostra LIBEDINSKY (1997),
citando VENEZKY (1992) contribui com a seguinte reflexão:
“[...] o livro é um currículo, sub-arrogante ou substituto isto é, uma reflexão possível sobre o currículo prescrito, às vezes não documentado”. (p.137)
A professora observada avalia que o livro atual é “muito bom”, é completo em
termos de conteúdo. Entretanto, segundo ela, esse livro exige uma preparação
prévia do professor e da professora, pois muitas atividades propostas requerem
o domínio por parte dos docentes dos conteúdos propostos. Ela tem uma
interpretação para explicar a resistência de alguns docentes em relação ao
livro:
“[...] eu acho, que às vezes, o professor não está preparado para trabalhar com o conteúdo, isto porque ele tem problemas de formação, eu já vi aluno ensinando o conteúdo para o professor”. (Professora de Matemática)
Shulman, citado por Fiorentini et al (2000), chama atenção para “a importância
da reflexão teórica e epistemológica do professor sobre as matérias de ensino”.
Ele defende que o domínio deste tipo de conhecimento não seja apenas
sintático (regras e processo relativos) do conteúdo, mas, sobretudo substantivo
e epistemológico (relativo à natureza e aos significados dos conhecimentos, ao
desenvolvimento histórico das idéias). Ele ainda acrescenta que este domínio
profundo do conhecimento é fundamental para que o professor tenha
142
autonomia intelectual para produzir o seu próprio currículo. Fiorentini et al,
(2003)..
Fiorentini ainda destaca que:
“[...] a forma como conhecemos e concebemos os conteúdos de ensino tem fortes implicações no modo como selecionamos e os reelaboramos didaticamente em saber escolar, especialmente no modo como os exploramos, problematizamos em nossas aulas.” (p.317)
Observamos que o tempo de experiência e a identificação da professora de
matemática com sua disciplina potencializavam sua competência no
desenvolvimento do trabalho pedagógico.
Em uma aula observada por nós, ela introduziu o conteúdo de ”Equações e
Sistemas de Equações” da seguinte forma:
1. Equações e sistemas de equações
• Idéias básicas
• Equações resolvidas por fatoração
• Mais resoluções por fatoração
• A fórmula Bhaskara
Os autores do livro “Matemática”, adotado pela professora observada,
elaboraram a apresentação desse conteúdo através de uma linguagem
simples e bem didática que não se resume apenas aos inúmeros exercícios de
fixação, mas incluem também questões que exigem respostas elaboradas por
textos escritos ou invertem a ordem quando elaboram o texto e solicitam que
os alunos criem os exercícios. Existe proposta de aplicação do conteúdo em
143
diferentes situações e alguns exemplos apresentados relacionavam-se com as
atividades do cotidiano dos alunos.
Para a professora as resistências dos colegas ao livro referem-se às
orientações metodológicas determinadas por ele, que exigem alteração na
organização da sala de aula para trabalhar em grupo, o que dificulta mais a
ação dos docentes no “controle” da disciplina.
Detectamos que a resistência em relação ao livro selecionado (e não utilizado)
não ocorre somente nessa escola, pois em debate com professores e alunos
do curso de matemática, por ocasião do encontro da Sociedade Brasileira de
Educação Matemática, observamos que os profissionais que lá se encontravam
reafirmaram a avaliação de que este livro é muito “difícil” de ser trabalhado com
alunos “fracos”. As turmas por nós observadas eram assim classificadas.
Mesmo com uma avaliação positiva sobre o livro, observei que pelo fato da
professora ser mais experiente e estar relacionando com esta turma há dois
anos, ela estabelecia critérios de seleção de conteúdos de uma forma muito
mais segura.
“[...] quando eu vou iniciar uma matéria nova, eu faço uma avaliação para saber aquilo que o aluno aprendeu, às vezes eu faço isto jogando uma situação prática isto ajuda o aluno raciocinar. Eu seleciono o conteúdo de acordo com a turma e isto é fácil pois eu já trabalho com esta turma há dois anos”. (Professora de Matemática)
Ela selecionava, alterava a seqüência dos conteúdos, fazia graduação das
atividades tendo como referencial, diferentes fatores, como por exemplo: o
levantamento dos conhecimentos prévios dos alunos e alunas, a verificação
dos pré-requisitos defendidos por alguns profissionais e pelas exigências
144
determinadas pelo processo de seleção em outras instituições a que alguns
discentes deveriam se submeter ao final do ano entre outros.
A professora não usava nenhum recurso físico ou material, com exceção do
livro didático, cujo uso era constante. Entretanto, ela desdobrava as atividades
propostas, possibilitando o deslocamento de algumas orientações propostas
pelos autores dos autores do livro. Essas constatações coincidem com
reflexões produzidas por Willis (1982), citado por Silva (1997:68) confirmam:
“[...] as pessoas não recebem simplesmente os materiais simbólicos e culturais tais como são transmitidos. Existe um espaço cultural na qual elementos e materiais simbólicos são transformados, reelaborados e traduzidos de acordo com parâmetros que pertencem ao próprio nível cultural das pessoas envolvidas. Não existe reprodução pura.” ( p.68)
Outro aspecto que ilustra a busca diversificação das atividades era constituído
por exercícios mimeografados ou de pequenas avaliações. Existe consenso por
parte dos educadores e educadoras desta área de que é muito importante a
prática exaustiva da resolução de exercícios escritos, pois isso assegura o
desenvolvimento do raciocínio. Essa metodologia centra-se no paradigma da
concepção tecnicista cuja ênfase sustenta-se no saber fazer.
4.9 A AÇÃO DA PROFESSORA DE MATEMÁTICA
A professora dessa disciplina chega pontualmente na sala de aula no horário,
cumprimenta a turma e é recebida de forma agitada. Os alunos gritam, correm,
145
provocam uns aos outros, mas pudemos perceber que eram carinhosos e
gostavam muito dela.
A professora explicava o conteúdo antes de os alunos e alunas lerem o livro.
Geralmente ela o relacionava a um outro tema estudado naquele ano ou no
ano anterior. Eram utilizados alguns exemplos do cotidiano dos alunos. A
seguir, a professora solicitava aos alunos que se organizassem em grupo e
resolvessem alguns “problemas práticos”. Essa metodologia, utilizada por ela é
explicada como uma forma de tornar acessível o saber matemático, através da
situação problema:
“[...] eu sempre jogo um problema prático para o aluno, geralmente eu faço isto com uma historinha, eu deixo que ele tente tente, aí eu jogo a teoria eu mostro que a matemática é uma coisa prática”. (Professora de Matemática).
Ela prestava atendimentos individualizados nas carteiras ou em sua mesa,
solicitava àqueles alunos ou alunas que tinham domínio do conteúdo para
auxiliarem os colegas que apresentassem dificuldades.
Dois ou três discentes, numa turma de 45, não participavam das atividades,
geralmente aqueles que foram “aprovados” pela política da progressão
continuada.
A professora de matemática nos confidenciou que, desde o início do ano,
vinha insistindo em fazer um conselho de classe para discutir as dificuldades
dos alunos e das alunas e que não foi atendida.
“[...] era preciso que todos os professores da área se encontrassem, entretanto a escola não acha tempo para nada.
146
Há muito tempo eu venho pedindo um conselho de classe para discutirmos os alunos que estão defasados e eu não sou atendida.” ( Professora de Matemática).
Para compensar as dificuldades, ela utilizava várias alternativas, entre elas as
atividades extra-classe que eram cobradas, analisadas e corrigidas.
Rigorosamente aplicava as avaliações parciais e todas as atividades de sala de
aula eram valorizados através de notas.
Os problemas disciplinares desta turma eram atenuados através de diferentes
estratégias que a professora lançava mão e também das representações que
tanto ela, como os alunos possuíam da sua interação.
1º) A professora mantinha a turma, o tempo todo envolvida, na resolução dos exercícios. 2º) A professora já tinha experiência com a turma, pois já trabalhava com eles há dois anos. 3º) A turma tem uma imagem positiva de sua competência profissional. 4º) Os alunos e alunas tinham a representação de que essa disciplina é muito difícil, portanto exigia deles prestar muita atenção.
Embora, a professora se esforçasse, a relação teoria e prática se limitava a
alguns exemplos restritos. Existia pouca ênfase nas atividades desenvolvidas
com os fatos concretos do cotidiano.
Suas análises relativas ao currículo se limitavam à concepção de que seja “um
conjunto de disciplinas ou conteúdos desenvolvidos em sala de aula”. No
tocante à seleção dos conteúdos escolares, ela apoiava-se em sua
experiência, na seleção definida pelo livro didático adotado, no tempo que
tinha para o desenvolvimento do trabalho pedagógico e, principalmente, na
147
percepção que tinha sobre a aprendizagem dos alunos e alunas. Ela
secundarizava qualquer outra proposta advinda de outros mapas curriculares.
Em relação a este aspecto, ela assim se manifesta:
“[...] eu faço a seleção de acordo com a turma, eu observo as condições dos alunos, às vezes, eu tenho que cortar muitas coisas, pois tem alunos que têm muitas dificuldades. Em sala de aula e para casa eu dou até exercícios diferenciados”. ( Professora de Matemática).
Mesmo reconhecendo que a professora detém um conhecimento de seus
alunos e alunas e também do conteúdo disciplinar, avaliamos que o processo
de seleção desse conteúdo é sempre arbitrário pois, muitas vezes, este critério
parte sempre de alguém com uma visão particularizada do conhecimento. Em
relação a este aspecto assim se expressa um aluno:
“[...] a maioria das vezes os professores não discutem com a gente aquilo que eles vão dar. A programação não tem nossa participação, são raros os professores que permitem que gente participe desta programação”. (Aluno turma E)
Acreditamos que o desenvolvimento de um currículo e uma pedagogia democrática têm sua matriz no reconhecimento dos diferentes posicionamentos sociais.
4.10 A RELAÇÃO DOS ALUNOS E ALUNAS COM O SABER MATEMÁTICO
Os alunos e alunas dessa disciplina, em sua maioria, acompanhavam com
atenção a explicação da professora, alguns faziam perguntas e muitos iam ao
148
quadro resolver um exercício (geralmente aqueles que apresentavam domínio
do conteúdo). O livro didático é muito utilizado pelos alunos, conforme
depoimentos a seguir:
”[...] eu utilizo o livro de matemática porque muitos exercícios foram tirados dele. Eu tenho que levá-lo para casa, porque de repente pode pintar uma dúvida aí a gente tem que pegá-lo. Também quando não conseguimos terminar um exercício em sala de aula nós temos que terminá-lo em casa.”(aluna turma F).
Em sala de aula, a turma era organizada em grupos ou em duplas, a dois
critérios: afinidade entre os alunos ou de acordo com a orientação da
professora. Sua lógica centrava-se no desempenho dos alunos. Os alunos ou
alunas que demonstravam domínio do conteúdo auxiliavam seus colegas que
apresentavam dificuldades. Sua atenção se concentrava em todos.
Ao final de cada aula eram repassadas tarefas realizadas extra-classe, que
eram cumpridas por todos, pois sabiam que elas seriam valorizadas. Notava-se
um interesse muito intenso dos alunos e das alunas pela disciplina. A
freqüência era quase total e a ênfase dada aos excessos de exercícios era um
fator de contenção da (in) disciplina.
Pudemos observar que, muitas vezes, os alunos e alunas de ambos os
docentes e até mesmos os próprios não vislumbravam as necessidades
práticas dos conteúdos desenvolvidos. Quando percorria a classe, perguntava
tanto para a turma quanto para os docentes onde que eles aplicariam aquele
conteúdo em sua vida prática ? A reposta da professora foi:
“[...] se o aluno optar por um curso superior da área de ciências exatas, como (engenharia, administração) ou se tiver que utilizar uma operação bancária vai precisar deste conteúdo”. (Professora de Matemática)
149
As respostas de alguns alunos e alunas dessa disciplina, coincidiam com a
afirmativa da professora quanto à importância do domínio de conteúdos
necessários a área de Ciências Exatas, e algumas vezes desqualificavam o
conhecimento escolar como por exemplo: “Este conteúdo serve para ganhar
nota”; “não tenho o menor interesse no mesmo”; ou “não vejo nenhuma
necessidade prática”. Um aluno que apresentava um bom desempenho nessa
disciplina confirma esta visão:
“[...] pode ser que mais tarde eu venha descobrir a importância de alguns conteúdos, a equação, por exemplo, eu acho que não influi em nada. No futuro eu pretendo fazer medicina ou turismo e eu não acho que este conteúdo para estes cursos tenha algum significado”. (Aluno da turma F).
Observamos também, que o mito de que a matemática é para alunos muito
inteligentes, pois é uma matéria muito difícil, também permeia estas
concepções. Para esse contexto, Moreno (2000) faz a seguinte reflexão:
“[...] é preciso retirar as disciplinas científicas de suas torres de marfim e deixá-las impregnar- se de vida cotidiana, sem que isso pressuponha, de forma alguma, renunciar às elaborações teóricas imprescindíveis para o avanço da ciência.” ( p. 63)
Detectamos desinteresse e apatia de alguns educandos em relação à escola.
Na turma existiam alunos ou alunas que explicavam a função da escola
baseando-se no senso comum, ou seja, a escola é importante porque garante
o futuro.
Quando indagávamos, sobre quais as disciplinas que eles ou elas
consideravam mais importantes, priorizavam a matemática por avaliarem que
esta é uma matéria cujo valor hierárquico difere das outras, só estando no
mesmo patamar da Língua Portuguesa. A forma como a escola concebe o
150
conhecimento e o organiza só vem reforçar o conceito expresso por seus
sujeitos. Gallo (2000) avalia a fragmentação do conhecimento determinado
pela organização disciplinar.
Acredito que, a ausência de práticas concretas na articulação da produção do
conhecimento causam tédio e rejeição dos sujeitos. Isto se extrapola para a
instituição escola e como respostas os alunos e alunas nos mandam
mensagens de resistência na (in)disciplina. Gallo acrescenta:
”[...] penso ser apropriado afirmar que os alunos aprendem disciplinarmente porque a escola impõe, e não por alguma outra razão. A escola moderna tem sido uma poderosa máquina de disciplinamento, nos vários aspectos e sentido do termo. Um deles é exatamente o epistemológico, através do qual a escola ensina a ver o mundo disciplinar e disciplinadamente, a pensar disciplinar ou disciplinadamente.” (p.7)
Durante o período da pesquisa os conteúdos35 desenvolvidos pela professora
de Matemática foram:
35 Equações e sistemas de equações, idéias básicas, Equações resolvidas por fatoração, fórmula Bhaskara, resolução de equações, sistemas de equações, problemas, Matemática, comércio e indústria, Produção e proporcionalidade, Problemas variados, Juros, Técnica algébrica, Produtos notáveis e fatoração, Equações fracionárias, Funções, Funções, tabelas, fórmulas,Funções e seus gráficos;
151
4.11 A MEDIAÇÃO DOS DOCENTES
Oficialmente a Secretaria Estadual de Educação divulga que vem utilizando
dois programas oficiais – os Parâmetros Curriculares do MEC e ainda a Escola
Sagarana, mas ao perguntar ao professor e à professora se eles faziam uso
dessa proposta curricular, responderam “conhecer” os Parâmetros porque
tomaram conhecimento desse programa nas faculdades, mas que não faziam
uso do mesmo. Quanto à Escola Sagarana somente tinham ouvido falar, pois
sequer tiveram acesso ao livro.
Nas observações desenvolvidas em sala de aula, detectamos uma utilização
diferenciada dos livros didáticos pelos docentes. A professora de Matemática
usava esse recurso em uma boa parte do tempo de suas atividades,
adequando-o segundo as condições de aprendizagem de sua turma.
Por ter mais experiência, competência técnica e uma ótima relação com a
turma, ela conseguia transformar a linguagem matemática bem como os seus
conteúdos em saberes acessíveis aos seus alunos e alunas. Introduzia novos
elementos para garantir esta compreensão, diversificando suas atividades com
base nas suas referências práticas.
Contrariando essa prática, percebemos a fragilidade de sua formação em
termos políticos, o que lhe impedia de desmistificar alguns pressupostos e
preconceitos que foram incutidos na sociedade relativos a representação
dominante a essa disciplina, bem como, aos seus objetivos.
Percebemos que o professor de História tem um comportamento oposto. Ele
utiliza pouco o livro didático, mais como um recurso de leitura, e procura
152
enriquecer o conteúdo com a utilização de outros materiais informativos, como:
jornais, revistas, folhetos, panfletos e outros.
Essa diversificação de recursos instiga a turma no exercício de muitas
reflexões. Entretanto, percebemos que, alguns sentimentos presentes em
nossa sociedade como desdém, desconhecimento em relação à nossa História,
se repete entre os alunos e alunas dessa turma, como presenciamos algumas
vezes.
Percebemos que o excesso de aulas discursivas e algumas posturas do
professor, talvez justificada por sua pouca experiência no exercício da
profissão e com adolescentes tornam as aulas dispersivas, contribuindo para
conclusões apressadas da coordenação pedagógica de que os alunos e alunas
não estão interessados ou não estão aprendendo.
Embora não possamos discutir aqui todos os elementos de análise do
cotidiano escolar, temos que realçar que o processo ensino/aprendizagem
extrapola muitas vezes nossas representações. Pois, mesmo mediante os
inúmeros problemas pelas quais os docentes das escolas públicas passam,
este professor e esta professora, bravamente, têm desafiado as dificuldades, e
possibilitado aos seus alunos e alunas se apropriarem de forma mais acessível
do conteúdo escolar.
Nos aspectos analisados, neste trabalho, no que concerne à seleção dos
conteúdos escolares e à ação docente, a relevância das práticas são
destacadas pela mediação didática. Tanto o professor quanto a professora ao
se utilizarem diferentes mecanismos em suas ações, como por exemplo:
relacionar duas ou mais coisas, servir como intermediários, agem como
“ponte”, aquela que permite a travessia dos sujeitos para a construção do
saber.����
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�
153
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste trabalho, analisamos em que fatores objetivos e subjetivos o professor e
a professora se sustentam para fazer a seleção dos conteúdos escolares.
Tomamos como inspiração os construtos teóricos de Apple e Freire, que nos
possibilitaram interpretar que, mesmo havendo a sacralização de um currículo
prescrito que chega à escola através de diferentes mapas curriculares, os
docentes, em suas práticas, detêm a autonomia de interpretar, modificar e
ressignificar os conteúdos escolares, realçando o autêntico significado do
currículo operacional, aquele que de fato expressa o que ocorre em sala de
aula.
Constatamos que existem diferentes fatores que interferem e possibilitam uma
nova seleção de conteúdos. Esses fatores são traduzidos também pelas
condições externas ou internas à escola e são representados pelos aspectos
políticos, pedagógicos e administrativos.
Para verificarmos como se dá a apropriação do currículo prescrito até chegar
à sala de aula, utilizamos o estudo de caso de uma escola do sistema estadual
onde focalizamos a ação de dois docentes de duas diferentes áreas do
conhecimento: Matemática e História em duas classes de 8ª série.
Acompanhamos o desenvolvimento de suas práticas pedagógicas cotidianas,
fizemos observações e entrevistas, o que nos permitiu desvendar como as
determinações prescritas interferem ou não nos discursos pedagógicos e em
suas práticas.
154
Constatamos que as condições de trabalho às quais os docentes são
submetidos os impelem a irem busca do livro didático como suporte. Ao
verificarmos que esse recurso também é um referencial para seleção dos
conteúdos, tornou-se imperativo analisarmos a sua importância, o seu
significado e sua utilização no processo pedagógico.
Evidenciamos que, apesar de na escola observada, os docentes utilizarem o
livro didático como um referencial de critérios para a seleção dos conteúdos
escolares, tal fator não obscurece a ação dos docentes, porque os mesmos,
em suas práticas, constroem significados que permitem uma nova seleção e
ressignificam esses conteúdos na ação pela mediação pedagógica.
Gostaríamos de finalizar este trabalho, retomando e sintetizando as questões
que consideramos significativas e que discutimos no processo de
desenvolvimento da pesquisa, não como conclusões fechadas, mas como
pistas que nos possibilitam compreender em quais fatores objetivos e
subjetivos o professor e a professora se sustentam para fazer a seleção dos
conteúdos escolares.
As questões aqui discutidas estão contidas em um contexto mais amplo, que
determinaram uma revisão histórica e conceitual do currículo, analisado na
perspectiva da teoria curricular crítica, que confrontou o desenvolvimento dos 3
(três) currículos: o prescrito, o currículo em ação e o currículo operacional,
aquele que de fato é desenvolvido em sala de aula também conhecido como o
currículo real.
Evidenciamos que, ao longo da história da educação, o currículo no Brasil é
demarcado pelas influências de outras culturas e pela prescrição. Esse cunho
prescritivo tem se destacado por meio de uma estruturação rígida, seqüencial,
155
cuja concepção é herdeira dos princípios de uma base filosófica híbrida
(positivismo de Herbart, Pestalozzi e da racionalidade dos Jesuítas) ou do
enciclopedismo da cultura francesa, caracterizado pela divisão do trabalho
manual e intelectual.
Identificamos que outras tendências também influenciam o debate sobre o
currículo no Brasil, entre elas apontamos as idéias progressivistas derivadas
dos pensamentos de Dewey, Kilpatrick e outros autores europeus que
concebiam o currículo como um processo educativo que deveria durar toda a
vida. Essa concepção curricular tem seu auge nos anos setenta.
Entretanto, ainda é muito forte a influência no contexto educacional, da
concepção tradicional que define o currículo como uma tarefa prática e não
como um problema teórico, sendo expresso pelas “grades” curriculares, pelos
tópicos de conteúdos, pela carga horária, pelos métodos, pelas técnicas de
ensino, pela avaliação quantitativa e pelos objetivos pré estabelecidos
conforme constatamos na escola e nas salas de aulas observadas. Esses
pilares que expressam o caráter de racionalidade técnica, presentes no
modelo curricular proposto por Tyler, colocam as disciplinas como definidoras
do conteúdo.
Outro paradigma curricular também presente no cenário educacional brasileiro,
elaborado por Hilda Taba, tem concepção bem próxima a de Tyler. Traduzido
em um formato curricular que vincula a integração dos conteúdos com as
experiências de aprendizagem, resultam, dessa forma, em uma aproximação
do progressivismo e do tecnicismo.
Identificamos que a dominância do paradigma curricular tecnicista, cujo apogeu
se deu nos anos sessenta e setenta, é revigorada nos anos noventa com a
156
implementação, em algumas escolas de Minas Gerais, do Programa de
Qualidade Total em Educação. Esse rigoroso programa que expropria o
docente da função de educar, também enfatiza a uniformização do trabalho
pedagógico e a padronização dos conteúdos.
Com o declínio do modelo político, econômico e educacional implementado
pelo governo militar, à partir dos anos oitenta, torna-se forte o discurso da
“autonomia” no pensamento pedagógico. Através das produções de Paulo
Freire ganha destaque a relação entre conhecimento e currículo na perspectiva
emancipatória, sendo esse movimento identificado por alguns teóricos como o
primeiro esforço de um pensamento curricular propriamente brasileiro.
O processo de abertura democrática, com seus efeitos políticos, têm
ressonância no campo educacional. Surge, assim, o movimento de renovação
curricular com ênfase em alguns estados brasileiros, entre eles, Minas Gerais,
que condensou suas propostas através do Congresso Mineiro de Educação.
Nesse movimento, alguns teóricos renomados fazem opção pelos princípios da
Pedagogia Crítico Social dos Conteúdos.
O currículo oficial que “responde” à constituição de 1988 e que vem atender as
exigências da fixação dos conteúdos mínimos para o ensino fundamental
também tem por objetivo assegurar a formação básica comum.
Essa pedagogia referendada nas políticas educacionais implementadas pelo
governo, seja através dos conteúdos mínimos previstos na legislação ou da
vinculação de diferentes programas educacionais, se concretiza nos
Parâmetros Curriculares Nacionais. Essa política curricular teve como fonte
inspiradora o pensamento pedagógico espanhol, deixando à margem dos
educadores brasileiros renomados bem como as férteis produções teóricas
desse campo pedagógico.
157
O que observamos, todavia, é que estas propostas que chegam à escola
através do currículo prescrito, muitas vezes não são incorporadas, pois causam
estranheza no espaço escolar por não serem consideradas legítimas pelos
docentes, alunos, alunas, pais e mães.
Tornou-se perceptível à indiferença e o desconhecimento das instâncias
governamentais desta realidade. O que presenciamos, são repasses de
medidas burocráticas que, muitas vezes, ignoram os sujeitos e suas
condições concretas de produção, atropelando também a autonomia da escola.
Evidenciamos que é falsa a ingenuidade dos poderes instituídos acreditarem
que seja possível “dialogar” com as escolas, apenas por meio de leis, decretos
ou resoluções, pois esses mecanismos não captam as subjetividades daqueles
que são os principais sujeitos do processo ensino/aprendizagem.
Detectamos que são muitas as questões que levam os docentes a se
adequarem na perspectiva de equacionar as diferentes exigências de uma
prática pedagógica.
Esses fatores objetivos, relacionados aos aspectos externos, internos e
pessoais, se confrontam com as políticas educacionais, com as condições de
trabalho, com a cultura escolar, com os valores, as ações, as intenções e as
opções dos sujeitos que perpassam a sala de aula e que dão uma nova
configuração ao trabalho pedagógico.
Várias questões nos apontaram que são muitas as interferências do sistema no
ritmo de trabalho da escola. Detectamos que a instituição observada também
se organiza de uma forma peculiar para responder às exigências burocráticas
advindas das instâncias governamentais, procurando preservar, de toda a
forma, o rótulo de escola “Modelo” que lhe é atribuído pela opinião pública da
área que atende.
158
Ao mobilizar esforços para o atendimento de diferentes demandas externas e
internas, a escola acaba por dar ênfase somente aos aspectos burocráticos,
secundarizando as questões pedagógicas e estabelecendo uma relação menos
profissional e solidária com todos os sujeitos que fazem parte da mesma.
Encontramos evidências dessa constatação ao depararmos com a nítida
divisão entre aqueles que exerciam tarefas burocráticas e os docentes. A
relação entre esses profissionais se dá em um nível superficial e as poucas
vezes que se aproximam é quando os primeiros devem baixar determinações
que resultam em atividades formais como organização de diário de classe,
preenchimento de fichas, lançamento de reposição de aula e outros, que
sobrecarregam os professores e professoras.
Identificamos que várias iniciativas que poderiam ou deveriam ser
desenvolvidas pela escola não passavam das intenções. Entretanto,
acreditamos que, mesmo que a escola seja “atropelada” por muitas tarefas,
isso não deveria se constituir em impedimento, aos profissionais que lá atuam
por implementações de políticas pedagógicas, que vão fornecer características
curriculares próprias à instituição. Nessa perspectiva, apontamos a importância
da elaboração indissociável entre currículo e Projeto Pedagógico, que devem
ser constituídos pelo coletivo da escola, a partir da explicitação do tipo de
cidadão que se pretende formar.
Evidenciamos que a inexistência de um trabalho coletivo fragmenta as práticas
e impede a relevância do planejamento pedagógico, na medida em que os
problemas educacionais da escola não são objeto de reflexão ou, muitas
vezes, não são sequer detectados. Percebemos, também, que nesse cenário,
sem nenhuma articulação entre o administrativo e o pedagógico, sem
condições físicas e materiais, com o excesso de atividades burocráticas os
docentes se vêem obrigados a criarem mecanismos pautados na racionalidade
para facilitar suas atividades pedagógicas.
159
Esses mecanismos, que se evidenciam por práticas mais corriqueiras, são
incorporados à cultura escolar, expressados por aulas expositivas ou exercícios
de fixação que muitas vezes causam tédio nos alunos e alunas, contribuindo,
dessa forma, para a indisciplina.
As condições de trabalho descritas nesta pesquisa demonstraram que as
mesmas têm uma grande influência nas práticas. Mas sabemos também que a
formação do sujeito contribui, e muito, para suas opções políticas. Entretanto, o
que observamos é que embora o professor e a professora fossem de diferentes
áreas do conhecimento; os dois utilizavam o mesmo enfoque curricular.
Identificamos esse enfoque como uma junção dos pressupostos da pedagogia
dos conteúdos e da pedagogia tradicional, embora tenhamos percebido que os
docentes acreditavam que suas práticas alcançassem plenamente a
concepção crítica. Nesse caso, ficou muito evidente o distanciamento entre o
discurso dos professores e sua prática.
Esse discurso construído de forma fragmentada por ambos os docentes, e com
pouca sustentação teórica por parte da professora de Matemática ao contrário
do professor de História, é calcado em uma prática curricular na qual a ênfase
recai, a maior parte do tempo, na transmissão do conhecimento tanto por parte
do professor quanto da professora.
No tocante aos fatores subjetivos, a observação das aulas do professor e da
professora das disciplinas de História e de Matemática nos levou a confirmar,
parcialmente, a crença pedagógica na diferente relação com o conhecimento
tanto por parte do professor quanto da professora.
160
Tanto o professor de História como a professora de Matemática possuem uma
boa formação conteudista. Já suas qualificações pedagógicas diferem em
decorrência de que, cada docente possui uma maneira própria de ensinar a
qual tem profunda relação com a sua maneira de ser, com o seu eu, com sua
experiência e com sua formação.
No tocante a interação com os alunos e alunas em sala de aula, ambos os
docentes mostraram-se muito abertos e flexíveis. Entretanto, no que se refere
ao professor de História, não se evidenciou que o “rótulo” de questionador ou
de crítico, de fato tenha influência na prática.
Nesse sentido muitas situações que poderiam ser capitalizadas por ele, no
cotidiano da escola, passavam despercebidas ou eram pouco aprofundadas
em suas reflexões. É muito forte o discurso predominante na turma de que
História seja uma disciplina que sustenta posturas questionadoras críticas; mas
detectamos dificuldades dos educandos em questionarem suas próprias
realidades e, por isso, muitas vezes não se colocavam como sujeitos de suas
elaborações.
A professora de Matemática, embora apresentasse pouca consistência política
em seu discurso, tinha uma prática que se preocupava com a
recontextualização do conteúdo, pois tentava relacioná-lo a uma situação que
fosse compreensível para os alunos e alunas Não obedecia o aparente rigor
metódico que faz parte do ordenamento hierárquico dos conteúdos, que é
sustentado por muitos docentes dessa disciplina.
Ela, entretanto, preservava e enfatizava o conceito de que a Matemática é uma
disciplina diferente das outras, por isso os alunos e alunas têm que estudar
161
muito e que os conteúdos dessa disciplina são importantes principalmente para
aqueles que querem ingressar em um curso da área de Ciências Exatas.
Com relação aos mapas curriculares, ambos os professores têm o livro didático
como um importante recurso de referência para seleção dos conteúdos,
embora a professora de Matemática o utilize com maior freqüência. Nota-se
uma diferenciação em relação a diversificação dos suportes de ensino, por
parte do professor de História, o que dá uma abrangência maior às atividades
por ele desenvolvidas em sala de aula, isso confirma a importância do currículo
operacional nas discussões pedagógicas.
Esta argumentação evidencia que, tacitamente, os docentes sabem o que
devem ensinar, seguindo a tradição, o costume e a cultura da escola. Por isso,
eles nem precisam conhecer o currículo oficial. Talvez, se o conhecessem mais
intimamente, poderiam até começar a questionar os porquês de tais recortes.
O que observamos é que o professor e a professora saem “bricolando” e
estabelecendo um currículo por sua conta, que não difere, conceitualmente, do
currículo prescrito oficialmente, e que pode até ser operacionalizado com
alguma originalidade, mas que dá pouca margem para a contestação. Também
detectamos que esse fator pode se constituir em impedimentos para
apropriação de novos paradigmas curriculares.
Apesar das árduas condições de trabalho dos docentes, que nos levam a dar
um destaque ao livro didático como um referencial de apoio (tanto para os
educadores quanto para os educandos ) percebemos que o currículo prescrito,
ao adentrar na sala de aula, é ressignificado em sua operacionalização com
interferência dos principais sujeitos ( professores, professoras, alunos e alunas)
que produzem e constroem novos saberes em suas práticas diárias.
162
Constatamos, por outro lado, o desconhecimento, por parte da escola e dos
docentes observados, das diretrizes traçadas pelos Parâmetros Curriculares
Nacionais e pelo o Programa da Escola Sagarana, concluindo que a seleção
dos conteúdos escolares não termina nas decisões governamentais, mesmo
porque nem sempre ela é conhecida ou porque ela acaba acontecendo dentro
do cotidiano da sala de aula, onde o currículo realmente toma existência.
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170
170
ABSTRACT
The aim of the current study was to investigate the options teachers have to
face when they have to deal with a curriculum offcially established. At the same
time it checks which objective or subjective factors the teachers base
themselves on when working with a selection of the school contents.
In order to contemplate this aim, I had to analyze the official curriculum in a
public school, and the curriculum in action until it gets in the classroom gaining
a new meaning and then becoming a working curriculum.
For the accomplishment of this study, I have selected the observation of two
classrooms of public school in Belo Horizonte, where I accompanied the action
of two teachers from two areas of the official curriculum: History and
Mathematics.
It was evident that the educators did not know about the official programs – the
National Curriculum Guidelines and Sagarana School Program – and that the
most common curricular map used by the teachers is the text book.
There are also several factors that interfere in the selective character of school
curriculum: the textbook as a pedagogical resource has a prominent role in this
selection. However this does not obscure the teacher’s actions, for, as they are
mediators in the learning teaching process, they can also operate this
selection.
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The conclusion of this investigation indicates that even when the teachers have
a passive obedience to the official curriculum which gets to school through
different curricular maps, the teachers hold the autonomy of interfering,
modifying and giving another meaning to the contents during the interactive
process with their students in classroom.
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ANEXO A
ROTEIRO DE ENTREVISTA PARA O PROFESSOR E PARA A PROFESSORA 1º) Esta escola tem Projeto Pedagógico?
2º) Qual a relação do seu trabalho com o Projeto Pedagógico?
3º) Não conhecer um projeto tem interferência em seu trabalho?
4º) Quais os conteúdos, atividades e objetivos você considera que sejam
importantes a escola trabalhar?
5º) Esta escola segue algum programa curricular oficial?
6º) O que você considera no momento que você vai elaborar suas atividades
pedagógicas diárias?
7º) Para você o que significa autonomia?
8º) Para você o que é o currículo?
9º) Como você seleciona os conteúdos com os quais você vai trabalhar?
10º) Você acha que o currículo desenvolvido nesta escola atende às
necessidades dos alunos e alunas?
11º) Como se dá o processo de avaliação nesta escola?
173
ANEXO B
ROTEIRO DE ENTREVISTA PARA ALUNOS E ALUNAS 1º) Esta escola tem um Projeto Pedagógico?
2º) Fale sobre os conteúdos que você estudou este ano na escola.
3º) Os professores e professoras discutem com vocês os conteúdos que vão
ser trabalhados?
4º) Você acha que os conteúdos trabalhados na escola se aplicam em sua vida
prática?
5º) Para você o que é o currículo?
6º) Você utiliza os livros didáticos adotados pela escola em sua casa?
7º) Fale um pouco sobre a disciplina Matemática.
8º) Como você avalia os conteúdos desta disciplina trabalhados este ano pela
professora?
9º) Fale um pouco sobre a disciplina História.
10º) Como você avalia os conteúdos desta disciplina trabalhados este ano pelo
professor?
11º) Como você analisa o processo de avaliação desta escola?
174
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ANEXO C
ROTEIRO DE ENTREVISTA PARA A ORIENTADORA EDUCACIONAL
1º) Esta escola tem um Projeto Pedagógico?
2º) Como se deu a sua elaboração?
3º) Em sua avaliação este projeto atende às demandas desta escola?
4º) É de conhecimento dos profissionais desta escola o Projeto Pedagógico?
5º) O serviço de Orientação Educacional tem um projeto específico?
6º) Para você o que é currículo?
7º) Esta escola segue algum programa oficial?
8º) Quais os conteúdos que você acha que a escola deve trabalhar?
9º) Você acha que o currículo desenvolvido nesta escola atende sua clientela?
10º) Como se dá o processo de avaliação desta escola?
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