2008
Jorge Barbosa
http://web.mac.com/jbarbo00
07-‐05-‐2008
A Filosofia de Platão
A FILOSOFIA DE PLATÃO http://web.mac.com/jbarbo00
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Índice
A Teoria Platónica das Ideias ........................................................................................................3
As Razões de Natureza Epistemológica ....................................................................................4
As Razões Ontológicas ..............................................................................................................5
Consequências da Teoria das Ideias .............................................................................................6
Conhecimento...........................................................................................................................6
Método e Natureza da Filosofia................................................................................................7
A Ontologia (Teoria do Ser).......................................................................................................8
A Ética e a Política .....................................................................................................................9
A Estética (Filosofia do Belo)...................................................................................................10
Alcance e Limites da Filosofia de Platão .....................................................................................11
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A Teoria Platónica das Ideias
A teoria das ideias é a característica fundamental da filosofia de Platão. É também aquilo que, na sua teoria, parece, aos nossos olhos modernos, mais aberrante. Considera-‐se muitas vezes
a teoria das ideias de Platão uma espécie de alucinação que só tem interesse histórico; todavia, ela desempenhou um papel importante em toda a filosofia ulterior (quanto mais não fosse como obstáculo a evitar), e continua a influenciar a filosofia das matemáticas: um
filósofo moderno como Frege pode muito bem ser considerado platónico. Mais do que criticar essa teoria, tentemos mostrar (pelo menos num primeiro momento) as razões profundas que levaram Platão, e outros depois dele, a defender uma teoria na aparência tão estranha.
Em que é que consiste esta teoria das ideias ? Não é difícil esboçar as suas grandes linhas. Para
Platão, o mundo em que vivemos, contendo os objectos que percebemos, não é o único mundo que existe. Existe igualmente um mundo das ideias, separado do mundo sensível em que nós evoluímos. Este mundo das ideias (como o seu nome indica) é inteiramente composto
por ideias. Mas o que entende Platão por “Ideia”? Não é aquilo que habitualmente designamos por esse termo (chama-‐se geralmente “ideia” ao produto do nosso pensamento: uma ideia só existe em nós e na justa medida em pensamos nela). Para Platão, “Ideia” tem um
sentido totalmente diferente que poderíamos traduzir por Essência. Vejamos um exemplo: há um grande número de cadeiras no nosso mundo; muitas delas são diferentes: umas são grandes, outras pequenas, umas de plástico, outras em madeira… Todavia, apesar destas
diferenças, todas recebem o mesmo nome de cadeira, prova de que são também, de algum modo, semelhantes. É a esta essência da cadeira, aquilo que é idêntico em todas as cadeiras, que Platão chama Ideia, ou “cadeira em si”. Ora, o que caracteriza Platão, é que para ele esta
“cadeira em si”, esta essência da cadeira, existe verdadeiramente num mundo separado, independente do nosso: o mundo das Ideias. Este mundo é, pois, povoado pela ideia de Cadeira, pela ideia de Mesa, mas também pela ideia de Triângulo, de Justo, de Belo,… Em
resumo, tudo o que existe no nosso mundo em numerosos exemplares (cadeiras, mesas, triângulos, acções justas, objectos belos…) existe de maneira única e perfeita no mundo das Ideias.
É fundamental perceber que o mundo das Ideias não resulta da actividade da nossa razão. Ele
existia antes mesmo da existência do ser humano. É precisamente isto que parece um pouco estranho para a nossa mentalidade moderna (com efeito, pensamos geralmente que o que une, por exemplo, as múltiplas mesas que vemos é aquilo que designamos de conceito, e que
o conceito é o produto da nossa inteligência que compara as mesas, vê o que há de idêntico ou
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diferente nelas…). Para Platão, o mundo sensível (aquele em que vivemos) e o mundo das
ideias existem ambos e são igualmente independentes da nossa razão.
Antes de nos indignarmos com este atrevimento de Platão, tentemos analisar as razões pelas quais Platão entendeu necessária a intervenção deste mundo das Ideias. Podemos apontar essencialmente duas ordens de razões :
1. Uma razão de natureza epistemológica (que diz respeito à filosofia do conhecimento)
2. Uma razão de natureza ontológica (que diz respeito ao Ser em geral)
As Razões de Natureza Epistemológica
Coloquemo-‐nos no plano da filosofia do conhecimento que se questiona: “como é que o conhecimento é possível?”. Existe uma tese muito difundida e aparentemente muito simples que consiste em dizer “o conhecimento resulta da sensação”. Esta tese, a que chamamos
empirismo, defende que o conhecimento resulta da experiência: comparando as nossas sensações entre si, conseguimos descobrir regularidades, leis, normas… Assim, no exemplo da mesa, se tivermos visto cem vezes certos objectos e, ao comparar esses objectos diferentes,
constatarmos que todos tinham quatro pés e um tampo por cima (mesmo que o tamanho, a matéria, a forma variem…), retiramos uma ideia geral a que podemos associar a palavra “mesa”.
O mesmo acontece com as propriedades dos objectos: assim, conhecemos a propriedade de
cair que têm os objectos pesados quando os largamos, porque já vimos dezenas de vezes este fenómeno a acontecer, e daí inferimos que isso deve acontecer todas as vezes.
Ora, Platão vai mostrar que certos conhecimentos não podem manifestamente ter origem na experiência ou na sensação. O platonismo começa, portanto, por refutar o empirismo. É o caso
essencialmente das ideias matemáticas, como a ideia de triângulo ou de igualdade… Com efeito, o mundo sensível em que vivemos é imperfeito: se pensarmos bem, constataremos que não existe no mundo um único triângulo verdadeiro (mesmo um triângulo desenhado a régua
e esquadro é irregular, os seus lados são imperfeitos), ou dois objectos absolutamente idênticos. Nestas condições, como podemos adquirir a ideia de triângulo, uma vez que, em boa verdade, não há nenhum triângulo no mundo? Do mesmo modo, como podemos adquirir a
ideia de igualdade se todos os objectos que vemos são desiguais?
A única forma de acedermos aos conhecimentos matemáticos consiste em admitir que existe um verdadeiro triângulo, uma verdadeira igualdade (num outro mundo, num mundo ideal) e que é através do conhecimento das Ideias que podemos dizer que este ou aquele objecto se
assemelha a um triângulo ou que é quase idêntico a um outro.
Como se está a ver, é sobretudo no domínio das matemáticas que Platão põe em evidência as insuficiências do empirismo e da sensação. Posteriormente vai alargar esta teoria a todo o
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conhecimento, incluindo o das cadeiras e mesas… De facto, o platonismo ainda tem adeptos
na filosofia das matemáticas e da lógica, mas ninguém no domínio da filosofia do conhecimento em geral.
As Razões Ontológicas
A ontologia é a teoria do Ser em geral; responde à questão: “O que é o Ser?”. Ora, para Platão, a primeira maneira de definir o Ser é distinguindo-‐o da aparência e portanto da sensação.
Assim, não basta ver um elefante cor-‐de-‐rosa para que esse elefante exista, para que tenha Ser. Se o Ser não é o que vemos, o que é que pode ser? Parece ser necessária uma certa estabilidade, uma certa perseverança no Ser, para que possamos falar de Ser e não de
aparência. Assim, como podemos reconhecer que um elefante cor-‐de-‐rosa não passa de uma ilusão? Pelo facto de acabar por desaparecer, de não perdurar. Assim, o Ser é o estável, o durável, enquanto o que flui ou se transforma não é mais do que o que parece.
Ora, como disse Heraclito, no mundo em que vivemos, “tudo flui”, tudo muda, nada
permanece idêntico a si mesmo; em bom rigor, não deveria haver Ser neste mundo. Vejamos um exemplo: imaginemos o corpo de um animal; dizemos que este animal é, e, no entanto, se pensarmos bem, a cada segundo, este animal já não é o mesmo: as células que constituem o
seu corpo morrem e são substituídas, ele está em mudança… Como poderemos dizer que há um Ser? Tudo se passa como se, a cada instante, os seres desaparecessem para se transformarem em outros. Tudo isto, para Platão, não é verdadeiramente Ser, pois isso
significaria que não há nenhuma diferença entre ser e ilusão ou aparência.
No entanto, nem por isso deixamos de falar do Ser das coisas: devem, portanto, adquirir o ser de fora delas, e este “de fora delas” é o mundo das ideias. A Ideia assegura a estabilidade das coisas, é a forma, a essência da coisa que perdura nela e através da mudança. Assim, se
retomarmos o exemplo do animal, vemos que o que faz com que possamos falar de um animal é uma certa forma, certas relações entre os elementos do animal (as células, os órgãos) que não mudam, embora todos esses elementos estejam em permanente mudança.
Consequências da Teoria das Ideias
Conhecimento
Vejamos resumidamente o que já foi dito. Para tratar do
fenómeno do conhecimento, tal como para distinguir o Ser da aparência, Platão é obrigado a postular um mundo das ideias, distinto do mundo sensível em que vivemos,
povoado por ideias que são os equivalentes ideais, perfeitos e imutáveis dos objectos que povoam o mundo em que vivemos. Tentemos agora aprofundar esta tese e
mostrar em que é que ela permite realmente esclarecer o mecanismo do conhecimento.
Esclareçamos desde já que Platão utiliza muito frequentemente o mito para clarificar as suas afirmações: estes mitos não são para levar à letra, são um instrumento para nos aproximarmos
da verdade.
Vejamos, então, como, nas suas grandes linhas, se apresenta a teoria platónica do conhecimento: O mundo das ideias, perfeito e imutável existe antes do mundo sensível; este é uma cópia imperfeita do mundo das ideias. Lá, no mundo das ideias, só existe uma Ideia
perfeita de triângulo (por exemplo); aqui, no mundo sensível, existe uma infinidade de triângulos particulares, sendo que nenhum deles esgota a essência do triângulo. Como podemos, então, adquirir a noção de triângulo? Para isso, precisamos (porque, como vimos, a
sensação não basta) de ter acesso, de uma forma ou de outra, ao mundo das Ideias.Ora, esta relação com o mundo das Ideias coloca muitos problemas, porque elas não são visíveis, estão fora do mundo em que vivemos. A solução proposta por Platão para estes problemas
encontra-‐se na Teoria da Reminiscência.
Antes de nascermos, antes de a nossa alma se associar a um corpo, teve a possibilidade de contemplar o mundo das Ideias, com os olhos do espírito. Mas no momento do nascimento, a nossa alma esqueceu tudo. No entanto, quando contemplamos objectos sensíveis, somos
capazes de nos recordar da Ideia que lhes serve de modelo: é o fenómeno da reminiscência. O conhecimento verdadeiro é, portanto, uma recordação.
Falta saber o que é exactamente uma Ideia. Poder-‐se-‐ia caracterizá-‐la como a forma geral de um objecto, uma espécie de esquema de um objecto (de uma cadeira, por exemplo). Mas
Platão não se fica por aqui, pois, para ele, as ideias não estão isoladas, mantêm também relações entre si: relações de participação ou de não participação. Com efeito, algumas ideias têm mais dignidade do que outras porque contêm um maior número delas. Assim a ideia de
móvel contém as de cadeira, mesa… tal como a ideia de cadeira contém todas as cadeiras
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particluares que nos rodeiam. Esta relação dita de participação (a ideia de cadeira participa da
de móvel) constitui verdadeiramente o conhecimento, segundo Platão.
Assim, para conhecer um objecto particular (por exemplo, uma cadeira) é preciso, claro, aceder à ideia de cadeira, mas, depois, temos também de descobrir (sempre por reminiscência) as ligações que esta ideia estabelece com as outras ideias (de móvel, de banco,
etc.). Deste modo o conhecimento, por mais simples que seja, acaba sempre por se alargar ao conhecimento de todo o mundo das ideias, de todas as ideias e de todas as relações entre ideias.
Em conclusão, podemos ver que o conhecimento assume a forma de uma pirâmide, com, na
base, um número infinito de objectos particulares, depois ideias próximas dos objectos sensíveis (cadeira…), depois ainda ideias cada vez mais abstractas (móvel…), até se chegar, no cimo da pirâmide, à ideia que não participa de nenhuma outra ideia e de que todas as outras
participam: a ideia de Bem ou de Uno. Filosofar consistirá precisamente, segundo Platão, em tentar conhecer esta pirâmide do conhecimento com as suas ideias e as suas articulações.
Método e Natureza da Filosofia
A filosofia é uma tarefa complexa. Obviamente, o seu fim último consiste no conhecimento da ideia de Bem (na contemplação desta ideia, de preferência, uma vez que não a podemos
conhecer a partir de outra ideia), e das outras grandes ideias (o Belo, o Justo…). Este conhecimento resulta da actividade filosófica, mas há um longo caminho a percorrer antes de lá chegar.
Com efeito, o nosso olhar é, de certo modo, obscurecido pelo mundo sensível em que
vivemos. Em vez de nos elevarmos das coisas particulares às suas ideias, e, depois, destas ideias às ideias mais nobres, ficamos limitados pelo mundo sensível, se só adquirimos conhecimentos através da experiência: conhecimentos aproximativos e insuficientes. Platão
ilustra isto através da alegoria da caverna. Na entrada desta caverna, estão dispostos objectos, e por detrás desses objectos, uma tocha acesa.Os homens da caverna podem ficar dentro da caverna e contentar-‐se em conhecer as sombras dos objectos projectadas na parede do fundo
da caverna, ou, então, podem sair e contemplar os verdadeiros objectos, de que as sombras são simplesmente uma cópia imperfeita. O mesmo se pode dizer a respeito do mundo sensível e do mundo das ideias: contentarmo-‐nos com os objectos sensíveis, de fácil acesso, mas
imperfeitos, ou, então, fazermos um esforço de “conversão”, e virarmo-‐nos para o mundo das ideias, de acesso mais difícil, mas perfeito.
O esforço do filósofo consistirá, num primeiro momento, em libertar-‐se das ilusões e das
falsas opiniões resultantes do mundo sensível. Só tomando consciência da falsidade de todas as opiniões que consideramos verdadeiras, conseguiremos realizar esta conversão do olhar e virar-‐nos verdadeiramente para o mundo das ideias. É para isso que servem os diálogos e a
ironia socrática. Sócrates coloca questões do tipo “o que é a virtude”, sem ele próprio lhes
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responder, espera respostas que são precisamente opiniões falsas inspiradas no mundo
sensível, e dedica-‐se a demonstrar a sua insuficiência. Assim, pouco a pouco, os seus interlocutores são obrigados a abandonar as suas crenças, a desviar-‐se do mundo sensível e a virar-‐se para o mundo das ideias (que, não esqueçamos, está contido em nós sob formas de
recordações apagadas mas sempre reactualizáveis).
A Ontologia (Teoria do Ser)
Como já foi dito (cf. as razões ontológicas para crer na teoria das Ideias), a ontologia tenta responder à questão “o que é o ser”. Ser deve entender-‐se aqui no seu sentido geral: uma cadeira é um ser, tal como o homem, a água, uma cidade são seres: todos têm em comum
(apesar das suas diferenças) o Ser. Mas o que é o Ser? Por outras palavras, como distinguir o Ser do não-‐Ser ?
Ora, para Platão, o que caracteriza o não-‐Ser é a sua inconstância: as ilusões, as aparências, não sendo, também não permanecem. O Ser, pelo contrário, é o que dura, é o estável, o
durável. Esta concepção não é completamente estranha às nossas intuições do quotidiano: que diríamos, se víssemos um objecto aparecer e depois desaparecer subitamente? Não seríamos tentados a dizer que se tratava de uma ilusão? Ou então talvez procurássemos nas
redondezas para ver se reencontrávamos o objecto. Mas teríamos dificuldade em admitir que um ser desaparecesse subitamente, e continuar a chamá-‐lo de ser.
No entanto, à nossa volta, todos os objectos são instáveis. No nosso mundo em mudança, as coisas mudam sem cessar, os átomos de que são feitos alteram-‐se e deixam de ser os
mesmos… Parece, portanto, que não há nenhuma estabilidade no mundo sensível, que tudo é aparência que sucede a outras aparências, uma sucessão de imagens todas diferentes umas das outras, uma sucessão sem fim de aparições e desaparições… Em resumo, parece que o
mundo sensível não merece o nome de Ser.
Pelo contrário, o mundo das Ideias, constituído por ideias fixas e imutáveis merece ser designado de Ser.
O nosso mundo merece o Ser na justa medida em que participa do mundo das Ideias. Com efeito, uma cadeira num instante t2 já não consegue ser a mesma que era no instante t1 (os
átomos que a constituem mudaram, ela própria pode deformar-‐se…), mas tanto no instante t1 como no instante t2 ela participa da Ideia de cadeira, e é esta participação de uma Ideia perfeita e estável que constitui o Ser de um objecto sensível. Assim, o Ser de um objecto é
precisamente a sua essência, isto é, aquilo que, nele, não muda com o tempo, a sua forma geral (um homem pode levantar os braços, crescer, correr… nunca é o mesmo, todavia tem
sempre a forma de homem e é por isso que podemos dizer que ele é, e não que não é ou que só é aparência, ilusão, não-‐Ser…).
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A Ética e a Política
Até agora, interessámo-‐nos pela ciência, pelo conhecimento, pelo que é. Agora temos de
avançar um pouco mais para falar a respeito do que deve ser, dos valores. Ao nível do indivíduo, este problema dos valores recebe o nome de ética. A ética procura responder às questões : “O que é que devo fazer? “, “Que tipo de vida devo levar ?” ou ”O que é o soberano
Bem?”. Ao nível da colectividade, da sociedade, o problema dos valores chama-‐se política. Esta tenta responder às seguintes questões: “Qual é a melhor cidade possível?”, “Qual deve ser a forma de governo de uma cidade para que seja justa?” .
Estes dois problemas estão estreitamente ligados entre si, e veremos que são a aplicação de
um mesmo princípio a dois domínios diferentes. Ora, este princípio só pode ser encontrado no mundo das Ideias. Com efeito, se há uma ideia de cadeira, ou de móvel, há também as ideias de Bem, de Justo… e é a estas ideias que deve recorrer, para seu modelo, o homem que deseja
ser virtuoso, e o governante que quer tornar a sua cidade justa. A este propósito, compreende-‐se que a filosofia conduza à virtude e à justiça, segundo Platão.
No entanto, isto não basta: falta determinar o conteúdo destas ideias, pois como vimos, as Ideias relacionam-‐se umas com as outras. Qual é então o conteúdo das Ideias de Virtude e de
Justiça ?
Para o sabermos, temos de tentar compreender o que é um homem e o que é uma cidade. Para Platão, o Homem é um corpo associado a uma alma, ou melhor, a três almas: uma alma do desejo, que busca o prazer do corpo, uma alma do coração, da coragem, que busca a glória,
e enfim uma alma intelectual que busca a razão e o conhecimento. Estas três almas, tendo objectos diferentes, estão em permanente conflito entre si, sempre que é necessário decidir o que se deve fazer. O mesmo se diz da cidade, que é dividida em “classes sociais” (filósofos,
guerreiros e artesãos…). Neste caso também, cada classe (e mesmo cada indivíduo) tem o seu próprio interesse que não é o de nenhum outro. Daqui resulta que o Homem, tal como a cidade, vive em permanente conflito, num movimento perpétuo.
Ora, como já foi dito, as Ideias são fixas e imutáveis e, de maneira geral, só podemos falar de
um objecto (seja uma mesa, um homem ou uma cidade) na medida em que tem estabilidade, unidade. Daqui resulta que a Virtude não é mais, para o Homem, do que a unificação e a pacificação dessas três almas que devem falar a uma só voz e assim alcançar a estabilidade que
caracteriza a Ideia. A Cidade Justa, do mesmo modo, será aquela onde as classes sociais e os indivíduos, longe de se oporem, agem harmoniosamente no interesse da unidade da cidade. Finalmente, o Bem é a unidade do diverso, tal como a Ideia do Bem é a ideia unificadora das
outras Ideias. A virtude é, portanto, a unidade no indivíduo, enquanto a justiça é a unidade na cidade.
Como é que esta unidade se realiza concretamente? No que diz respeito ao indivíduo, um dos
grandes princípios de Platão (que vai buscar a Sócrates) é que “ninguém faz o mal, sabendo-‐o”, isto é, basta saber o que é o bem para desejar fazê-‐lo. Pelo contrário, se alguém for mau, não
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se dará conta disso: só por ignorância se pode fazer o mal (acreditando sempre estar a fazer
bem). Isto quer dizer que ser virtuoso é o mesmo que dar prioridade à alma intelectual que é aquela que, de algum modo, nos permite agir razoavelmente, dando inclusive a cada uma das outras duas a correspondente importância de acordo com uma medida equilibrada.
No domínio político, Platão reforça as suas convicções no domínio da ética. Seria, pois,
necessário colocar um rei-‐filósofo a governar a cidade, que perseguisse a Ideia de justo, de unidade na cidade. Todavia, ao nível político, as coisas são um pouco mais complicadas, pois não basta conhecer a cidade ideal; é preciso também realizar esta Ideia na cidade imperfeita
dos homens, e isso exige um outro tipo de conhecimento, um conhecimento das imperfeições dos homens, das limitaçõees da sua natureza… por isso, o rei deve tornar-‐se artesão, como o fabricante de sapatos, que, tendo em mente a ideia de sapato, deve prestar atenção à
qualidade do couro, às suas imperfeições… Por outro lado, é delicado pôr em marcha semelhante monarquia filosófica. Com efeito, aos olhos do cidadão comum, ela dificilmente se distingue da tirania que é o pior regime possível, na opinião do próprio Platão.
A Estética (Filosofia do Belo)
A estética de Platão procura responder à questão “O que é o Belo?” e interessa-‐se também pelos problemas ligados à arte. Neste caso também, a resposta dve ser procurada no mundo
das Ideias: é a Ideia de Belo que é necessário encontrar.
Tal como nos casos da Virtude e da Justiça, é a unidade que caracteriza a Ideia do belo, só que, desta vez, trata-‐se da unidade formal do objecto, da unidade da sua aparência. Assim, uma bela música é uma música em que cada nota tem o seu lugar e está no seu lugar, em que
existe uma relação regular entre cada nota, onde reina a harmonia.
O papel da arte, tal como o da política face à ética, é mais complexo. A arte é imitação: imitação das formas, das acções… Mas percebe-‐se facilmente que, por exemplo, no caso da música, é muito difícil atribuir um modelo à arte, algo que a música possa imitar. É portanto
necessário aprofundar o conceito de imitação: através de uma forma sensível, é a própria alma que a arte procura imitar.Os estilos artísticos correspondem a diferentes estados de alma possíveis: uma música harmoniosa e regular imita a alma do sábio virtuoso, uma música
majestosa e impressionante imita a alma do bravo, do guerreiro, uma música rápida e louca imita a alma do homem atraído pelos prazeres sensíveis. Do mesmo modo, o prazer que se
experimenta ao contemplar uma obra de arte corresponde aos prazeres destas diferentes formas de almas. Só as obras que imitam uma alma sábia e virtuosa são belas, pois a sua unidade é a da alma que elas imitam, o que não quer dizer que só delas possa resultar prazer:
o Belo não é necessariamente agradável.
Esta inconveniência, que resulta de o agradável poder não ser Belo, não seria problemática se a obra de arte não tivesse a propriedade de envolver e de transportar aquele que a contempla. Assim, uma obra guerreira incita à coragem, uma obra bela incita à sabedoria e uma obra viva
incita aos prazeres dos sentidos. Compreende-‐se então por que razão Platão desconfiava tanto
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da arte e do seu poder, o que o fazia sustentar a ideia de que, na cidade ideal, a arte deveria
estar sob o controlo do rei-‐filósofo, ideia que, de uma forma ou de outra, nos tempos modernos, correspondeu sempre a modalidades diversas de tirania.
Alcance e Limites da Filosofia de Platão
Sob muitos pontos de vista, a filosofia de Platão parece-‐nos hoje estranha ou até mesmo um pouco esquisita. No entanto, ela serve de inspiração para muitas teorias contemporâneas. Nem sempre da melhor forma…
* A teoria das Ideias foi abundantemente criticada logo a partir de Aristóteles. Pensou-‐se
que seria exagerado supor a existência de um outro mundo, paralelo ao nosso. À excepção dos filmes de ficção, o que foi conservado da Teoria das Ideias por um grande número de filósofos foi a ideia de que os sentidos são claramente insuficientes para estarem na origem do
conhecimento. Assim, o próprio Aristóteles distingue dois elementos nas coisas : a matéria e a forma; esta forma, embora seja inseparável da matéria, está muito próxima da Ideia de Platão. De igual modo, Descartes recorreu ao conceito de “ideia inata” para designar os
conhecimentos que não têm origem na experiência, renovando, à sua maneira, as intuições de Platão.
* No domínio da ontologia, Platão, o pai da filosofia, será severamente criticado no século XX por Heidegger, que lhe reprova o ter reduzido o Ser ao estável, ao permanente,
esquecendo o seu carácter fluido de acontecimento. Mas esta crítica limita-‐se a sublinhar o facto de a concepção de Platão do Ser como estabilidade ter dominado toda a história da filosofia, pelo menos, até Nietzche.
* Talvez tenha sido na ética e na política que o platonismo (e de maneira geral, o
pensamento grego) menos envelheceu. Com efeito, pode-‐se criticar-‐lhe a sua ingenuidade em acreditar que “ninguém faz o mal voluntariamente, sabendo-‐o”, esquecendo aquelas vezes em que se faz o mal com pleno conhecimento de causa. No entanto, ele é o pai do cognitivismo,
isto é, da ideia segundo a qual se deve agir de acordo com a razão. Esta ideia voltará a ser encontrada, muito renovada e transformada, em Kant e em filósofos contemporâneos como Habermas e Rawls.
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