UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PELOTAS
NÍCOLAS VALLONIS BOTELHO
DIREITOS HUMANOS E CULTURA: A PRÁTICA DA MUTILAÇÃO GENITAL FEMININA
PELOTAS
2010
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NÍCOLAS VALLONIS BOTELHO
DIREITOS HUMANOS E CULTURA: A PRÁTICA DA MUTILAÇÃO GENITAL FEMININA
Trabalho apresentado à disciplina de Direitos
Humanos, da Universidade Católica de Pelotas,
como requisito parcial de avaliação semestral.
Profª. : Ma. Anelize Maximila Correa
PELOTAS
2010
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Sumário
1. Introdução 42. Características dos Direitos Humanos: A universalidade 5
2.1 Relativismo cultural 63. A prática da mutilação genital feminina 8
3.1 Efetividade dos Direitos Humanos frente às práticas culturais 94. Considerações finais 125. Referências bibliográficas 15
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1. Introdução
Quando foi proposto o trabalho para a disciplina de Direitos Humanos,
veio a minha memória as aulas de Antropologia Jurídica, no segundo semestre do
curso de Direito, onde tive o primeiro contato acadêmico com a cultura e sua
relevância para o Direito, realizamos nesta disciplina um extenso trabalho de
pesquisa de campo.
Foi nesse momento que fiz uso do relativismo cultural, percebendo sua
importância ao possibilitar para o pesquisador um distanciamento do tema que
está sendo objeto de pesquisa, de modo a não trazer distorções no resultado
obtido.
Portanto, o relativismo cultural que eu havia aprendido nas aulas de
Antropologia Jurídica, entrava em conflito com o universalismo dos Direitos
Humanos que acabava de me ser apresentado, esse conflito foi o que motivou a
escolha do tema para realização deste trabalho.
O trabalho tem como objetivo, levar a reflexão acerca da universalidade
dos Direitos Humanos, pois em torno deste princípio ocorre uma discussão
bastante presente que coloca em posições diametralmente opostas universalistas
e relativistas.
Num primeiro momento serão tratados os princípios dos Direitos
Humanos, detendo especial atenção a universalidade.
Após isso traremos à visão dos relativistas, que defendem a proteção
das diferentes culturas e suas críticas a universalidade.
Em seguida, será abordada a clitoridectomia, um ritual de passagem
praticado na África, Oriente Médio e sudeste asiático, que consiste em uma
espécie de mutilação sexual, uma questão essencialmente cultural.
Buscamos também trazer os acordos em Direitos Humanos,
pertinentes a esta questão.
Concluindo pretendemos mostrar as possibilidades de superação das
diferenças entre as concepções relativistas e universalistas.
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2. Características dos Direitos Humanos: A universalidade
As principais características dos Direitos Humanos são: a
inalienabilidade, a indivisibilidade, a interdependência e a
universalidade trataremos brevemente cada uma delas, detendo
especial atenção a universalidade que se relaciona diretamente com
este trabalho.
A inalienabilidade significa dizer que os Direitos Humanos são
intransferíveis não é possível vendê-los, doá-los, trocá-los, pois são
direitos inerentes ao ser humano.
Por indivisíveis e interdependentes entende-se que esses
direitos devem ser considerados no seu conjunto, um direito não se
efetiva sem o outro.
Os Direitos Humanos são também caracterizados como universais -
direitos garantidos a toda pessoa em qualquer lugar do mundo - estão
estritamente ligados a dignidade humana, direito fundamental de todo ser
humano. Nancy Cardia, Sérgio Adorno e Frederico Poleto conceituam os Direitos
Humanos da seguinte forma:
Entende-se por direitos humanos o conjunto de princípios, de caráter universal e universalizante, formalizados no contexto do Estado liberal-democrático tal como ele se desenvolveu no mundo europeu ocidental no curso do século XIX, que proclamam como direitos inalienáveis do homem os direitos à vida e às liberdades civis e públicas. Sua efetivação requer ação dos governos no sentido de protegê-los contra qualquer espécie de violação ou abuso (Disponível em: <http://www.hcnet.usp.br/ipq/nufor/pdf/homivi.pdf > Acesso em: 16/10/2010).
A universalidade sempre se fez presente nos documentos que
tratam acerca de Direitos Humanos, o artigo 1º da Declaração dos
Direitos do Homem e do cidadão proclama “os homens nascem e
permanecem livres e iguais em direitos”.
Mas foi com a Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU de
1948 que a universalidade ganhou maior relevância e notoriedade, em
seu art. I estabelece que “Todos os seres humanos nascem livres e iguais em
dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em
relação uns aos outros com espírito de fraternidade”.
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Para Flavia Piovesan, esta declaração inova a gramática introduzindo
expressamente os conceitos de universalidade e também indivisibilidade dos
Direitos Humanos:
A declaração de 1948 inova a gramática dos direitos humanos, ao introduzir a chamada concepção contemporânea de Direitos Humanos, marcada pela universalidade e indivisibilidade destes direitos.Universalidade por que clama pela extensão universal dos Direitos Humanos, sob a crença de que a condição de pessoa é requisito único para titularidade de Direitos, considerando o ser humano como um ser essencialmente moral, dotado de unicidade existencial e dignidade (PIOVESAN, 2006, p. 18).
A universalidade dos direitos humanos permitiu a existência de um
sistema internacional de proteção através de tratados, convenções e pactos
internacionais, nos quais os países-membros comprometem-se com a efetivação
destes direitos, em linhas gerais trata-se de um sistema que surgiu a partir da
criação da ONU – Organização das Nações Unidas em 24 de Outubro de 1945, e
do conseqüente estabelecimento de órgãos e instâncias voltadas à proteção dos
direitos humanos. Nesse sentido:
O processo de universalização dos direitos humanos permitiu a formação de um sistema internacional de proteção destes direitos. Este sistema é integrado por tratados internacionais de proteção que refletem, sobretudo, a consciência ética contemporânea compartilhada pelos Estados (PIOVESAN, 2006, p. 19).
A teoria universalista surge então para proteger o ser humano,
independente de sua raça, sexo, religião e nacionalidade.
2.1 Relativismo cultural
Entretanto, existem muitas críticas a universalidade dos Direitos
Humanos, principalmente por parte dos defensores do relativismo cultural, Ana
Keila Mosca Pinezi o conceitua:
O relativismo cultural é uma teoria que implica a idéia de que é preciso compreender a diversidade cultural e respeitá-la, reconhecendo que todo sistema cultural tem uma coerência interna própria (Disponível em: <http://www.pucsp.br/revistaaurora/ed8_v_maio_2010/artigos/download/ed/2_artigo.pdf> Acesso em: 16/10/2010).
O relativismo tem sua origem como princípio metodológico
fundamental, pensado para que o pesquisador antropológico, realize em culturas
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diferentes da sua um trabalho sério e isento, promovendo uma distância entre a
sua própria cultura e a cultura pesquisada.
Um dos temores levantados é que a defesa dos Direitos
Humanos Universais pode levar ao “imperialismo cultural”, a imposição
de uma cultura dominante – a ocidental – sobre as demais. Nesse
sentido:
(...) pode-se perceber que muitas práticas culturais ao redor do mundo são incompatíveis com os direitos humanos proclamados, o que demonstra o viés cultural ocidental predominante. Exemplos disso são o fato de que, em muitas culturas, são legítimos, por exemplo, os casamentos arranjados, a desigualdade de sexos e a clitorectomia, valores que não se coadunam com a proposta dos documentos internacionais vigentes. O choque cultural torna-se inevitável (Disponível em: http://www.fdc.br/Arquivos/Mestrado/Revistas/Revista10/Discente/EricaPeixoto.pdf> Acesso em: 16/10/2010).
O relativismo busca combater o chamado etnocentrismo, isto é, evitar
que a outra cultura seja julgada pelo nosso modo de ver o mundo, pois temos a
tendência de recriminar o outro, o diferente, e acreditarmos fazer parte de uma
cultura evoluída, superior.
Etnocentrismo é uma visão de mundo onde nosso próprio grupo é tomado como centro de tudo e todos os outros são sentidos e pensados através de nossos valores, nossos modelos do que é a existência. (..) A sociedade do “eu” é a melhor a superior . É representada como espaço da cultura e da civilização por excelência. É onde existe o saber, o trabalho, o progresso. A sociedade do “outro” é atrasada (ROCHA, 2006, p. 7-9).
Nobert Rouland, em sua obra “Nos confins do Direito – Antropologia
Jurídica da Modernidade” também faz críticas à existência de um “homem
pretensamente universal” em uma referência direta aos Direitos Humanos:
Quanto aos direitos do Homem, antes é mal visto expressar reservas a seu respeito. No entanto distanciando-se demais o homem das culturas às quais pertence, não se correrá o risco de forjar um homem pretensamente universal, que seja apenas o reflexo de nossa cultura e um instrumento de sua expansão? Cuidemos para não cometer de novo os erros do século XIX (ROULAND, 2003, p. 23)
A Universalidade dos Direitos Humanos estaria então ligada a uma
visão ocidental de mundo, uma vez que o ocidente foi berço da conquista desses
direitos, neste sentido as palavras de Flávia Piovesan (2006, p. 60): “[o
universalismo] simboliza a arrogância do imperalismo cultural do mundo ocidental,
que tenta universalizar suas próprias crenças”.
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Os relativistas criticam a universalidade, enquanto uma imposição dos costumes e direitos ocidentais ao resto do mundo. Já os universalistas tem a adoção do relativismo cultural como forma de justificar eventuais violações aos direitos humanos (PIOVESAN, 2006, p. 65).
Logo argumentos de ambos os lados denotam a polêmica do tema e a
dificuldade de superação dessa dicotomia.
3. A prática da mutilação genital feminina
Por mais que a globalização tenha trazido consigo uma maior
homogeneização da cultura, tornando possível a identificação entre pessoas que
estão cada uma em um lado do globo é impossível negar a riqueza cultural
existente no mundo.
Existem nos Estados diversas manifestações culturais, múltiplas
formas de expressar a cultura, cada qual com seus conceitos próprios, o que nos
faz questionar um homem universal.
Porém, isto não nos permite inferir que toda prática cultural é valiosa e
contribui para a dignidade humana, o relativismo cultural exacerbado nos levaria a
legitimar as desigualdades e atrocidades que ocorrem no mundo.
É o caso da clitoridectomia, uma forma de mutilação genital feminina,
que consiste na extirpação parcial ou total dos órgãos genitais femininos,
praticada nos países da África, oriente médio e sudeste asiático.
Tal prática é antiga – estima-se que 135 milhões de mulheres já a sofreram em todo o mundo e que, a cada ano, 2 milhões de meninas corram o risco de passar por isso. Há distintos tipos de mutilação: a clitoridectomia (retirada de parte ou de todo o clitóris), a excisão (que inclui a extirpação parcial ou completa dos lábios pequenos) e a infibulação ou circuncisão faraônica (que inclui, além dos dois procedimentos mencionados, o corte dos lábios grandes para criar superfícies em carne viva que depois são costuradas ou mantidas unidas para que tapem a vagina ao cicatrizar; este tipo constitui 15% das mutilações). Em algumas regiões, é aplicado um procedimento menos extremo que consiste na ablação do prepúcio do clitóris ou na raspagem da zona genital(Disponível em: <http://www.buscalegis.ufsc.br/revistas/index.php/buscalegis/article/viewFile/22441/22004 > Acesso em 16/10/2010).
A prática é realizada de forma precária colocando em risco a saúde da
mulher, e não há nenhum benefício comprovado.
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Às vezes se recorre a alguém com conhecimentos para aplicar um anestésico ou se ordena à menina que se sente em água fria para intumescer a região e reduzir o sangramento. No entanto, o mais freqüente é que não se tome nenhuma medida para diminuir a dor. A mutilação se leva a cabo com um vidro quebrado, a tampa de uma lata, tesouras, uma navalha ou outro instrumento cortante.Está provado também que a prática não traz nenhum benefício para o organismo feminino. (..) É uma prática ligada aos costumes dos povos, sem relação direta com a religião. Não é verdade que o Alcorão (a bíblia islâmica) defenda o costume. (Disponível em: <http://www.buscalegis.ufsc.br/revistas/index.php/buscalegis/article/viewFile/22441/22004 > Acesso em 23/10/2010).
A clitoridectomia não tem relação com a religião, o nível de educação
nas tribos é baixo, o que nos faz acreditar que mais importante do que leis
proibindo a prática, são políticas de conscientização:
Para o Ocidente essa prática é chocante. Mas não é assim nas regiões onde é praticada. A mulher é totalmente submissa e os povos que fazem a clitoridectomia acreditam que ela ajuda a manter a virgindade das solteiras. Além disso, reforçaria a identidade do grupo. Apesar da dor após a operação e da humilhação, as mulheres não se atrevem a reclamar. Quando perguntadas sobre o conhecimento das leis dos Direitos Humanos, elas respondem que apenas conhecem as leis dos maridos, diz a queniana Wanjira Muigai, advogada do Sindicato das Liberdades Civis Americanas, que hoje reside nos Estados Unidos. O nível de educação nas regiões onde há clitoridectomia é muito baixo. Por isso é praticamente impossível convencer as mulheres, e principalmente os homens, de que essa prática prejudica a saúde. Tentativas já foram feitas. Os colonizadores cristãos do Quênia, em 1930, criaram leis proibindo o ritual. Foi em vão. A legislação que continuou a ser obedecida foi a da tribo (Disponível em: <http://www.pime.org.br/mundoemissao/mulhersempre.htm> Acesso em 23/10/2010).
Ocorre nesses países nitidamente, uma grave violação aos direitos
humanos, porém a todo o momento em qualquer lugar do mundo ocorrem as mais
diversas violações aos Direitos Humanos, no entanto quando se envolvem
questões culturais o grande entrave e a maior perplexidade é que, assim como, a
mutilação genital feminina, tais práticas são legitimadas pela cultura local, que
dificulta avanços na garantia dos Direitos Humanos.
A batalha contra essas mutilações ainda é difícil porque, além delas serem defendidas como tradições culturais e tribais arraigadas há séculos, defronta-se, também, com o silêncio, o medo e a reticência das mulheres africanas. A solução, portanto, está condicionada a uma tomada de consciência das mulheres-vítimas <http://www.pime.org.br/mundoemissao/mulhersempre.htm> Acesso em 23/10/2010).
3.1 Efetividade dos Direitos Humanos frente às práticas culturais
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Um importante passo já foi dado, os países Africanos são signatários
do Protocolo sobre os Direitos das Mulheres Africanas, nesse protocolo a
proibição da prática foi colocada em discussão, entrando em vigor em 24 de
novembro de 2006. Segundo reportagem da Folha de S. Paulo, “é a primeira
vez que a mutilação genital feminina é abordada de forma explícita em
um texto legal cujo âmbito é o continente africano, onde a prática
continua sendo realizada em mais de 28 países”
No artigo 5º deste Protocolo, ficou estabelecido que, os
estados-membros proibirão e castigarão ''toda forma de mutilação
genital feminina'' e ''protegerão as mulheres para que elas não corram
o risco de ser submetidas a esta prática''.
Trata-se de um grande avanço em matéria de Direitos
Humanos das mulheres, contudo é preciso ocorrer uma mudança
cultural, e não se trata aqui de subjugar a cultura desses povos.
Vale lembrar que aqui mesmo no Brasil mudanças de
mentalidade trouxeram avanços nos Direitos das mulheres, por
exemplo, o Código Civil de 1916, tratava as mulheres casadas como
relativamente incapazes, para atos da vida civil, tornando-as
dependentes dos maridos em diversos aspectos, em flagrante
contradição com os Direitos Humanos hoje defendidos.
Para exemplificar, descrevemos o art. 242 do Código Civil de
1916, que é um dos dispositivos que limitava a prática de determinados
atos da mulher sem autorização de seu marido:
Art. 242 - A mulher não pode, sem o consentimento do marido:I. Praticar atos que este não poderia sem o consentimento da mulherII. Alienar, ou gravar de ônus real, os imóveis do seu domínio particular, qualquer que seja o regime dos bens.III. Alienar os seus direitos reais sobre imóveis de outrem.IV. Aceitar ou repudiar herança ou legado.V. Aceitar tutela, curatela ou outro múnus públicos.VI. Litigar em juízo civil ou comercial, a não ser nos casos indicados nos arts. 248 e 251.VII. Exercer profissão.VIII. Contrair obrigações, que possam importar em alheação de bens do casal.IX. Aceitar mandato.
Entretanto, a cultura da sociedade brasileira em constante
mudança, foi evoluindo desta forma extremamente patriarcal, e hoje o
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Código Civil de 2002 reflete essas mudanças. Sobre essa evolução na
sociedade brasileira:
(..) a família de 1916 seria praticamente inconcebível hoje, e a de hoje, por certo, na mesma quadra, inconcebível em 1916. O homem verdadeiramente é um
animal do seu tempo (Disponível em: < http://www.tex.pro.br/wwwroot/02de2004/ostrespilares_felipecamilo.htm> Acesso em 23/10/2010.
Mudanças culturais não ocorrem de uma hora para outra, por
isso é importante a discussão e reflexão destes temas buscando a
melhor forma de não apenas proibir, mas de principalmente criar uma
conscientização dos malefícios desta prática nas mulheres.
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4. Considerações Finais
Não temos como objetivo esgotar a discussão sobre o tema,
mas incitar a reflexão a respeito, a pluralidade cultural deve ser
respeitada, porém, além disso, está Direitos Humanos fundamentais,
como a dignidade humana, direitos estes que devem fazer parte de
qualquer cultura.
Estes ideais de Direitos Humanos são a nosso ver universais, e
o relativismo desenfreado não pode ocorrer para legitimar práticas que
violam flagrantemente os direitos humanos mais básicos.
Num século que já se iniciou com o horror dos ataques terroristas e da guerra, imprescindível reafirmar valores universais protetivos da pessoa humana que sirvam de parâmetros mínimos para as relações sociais. Não se trata da defesa de uma imposição da perspectiva ocidental sobre o resto do mundo, mas da crença das vantagens que o diálogo intercultural pode proporcionar à efetividade dos direitos humanos. O que não se deve admitir é a possibilidade de, com base no argumento do relativismo cultural, permitir que direitos humanos sejam violados e a dominação seja legitimada (Disponível em: http://www.fdc.br/Arquivos/Mestrado/Revistas/Revista10/Discente/EricaPeixoto.ppd Acesso em: 23/10/2010).
Dessa reflexão mostra-se importante o princípio da adesão
dos países voluntariamente a comprometer-se a cumprir os tratados e
convenções internacionais.
O que em um primeiro momento pode parecer apenas um
entrave ao avanço dos direitos humanos, se afirma como importante
caraterística que garante que o pluralismo cultural, será respeitado e
que apenas direitos fundamentalmente universais serão discutidos
frente às culturas de determinados povos.
Então, universalismo e relativismo cultural dos Direitos Humanos se
compatibilizam? Conforme Cançado Trindade:
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As culturas não são pedras no caminho da universalidade dos direitos humanos, mas sim elementos essenciais ao alcance desta última. A diversidade cultural há que ser vista, em perspectiva adequada, como um elemento constitutivo da própria universalidade dos direitos humanos, e não como um obstáculo a esta. Não raro a falta de informação, ou o controle – e mesmo o monopólio – da informação por poucos pode gerar dificuldades, estereótipos e preconceitos. Não é certo que as culturas sejam inteiramente impenetráveis ou herméticas. Há um denominador comum: todas revelam conhecimento da dignidade humana. (TRINDADE 2003, p. 301-349.)
Na sua obra Direitos Humanos: temas e perspectivas, Regina
Novaes, aponta que o problema não é o relativismo como princípio metodológico,
mas sim como ideologia.
O problema não parece ser, no entanto, o relativismo cultural como uma perspectiva metodológica de apreensão da realidade, mas o relativismo como uma ideologia que justifica as diferenças em termos culturais, ou seja, que assume as premissas culturais como verdadeiras. Passou-se assim, do relativismo como método, para o relativismo como uma ideologia (NOAVES, Regina (org), p. 60, 2001).
A obra vai além e compara a mutilação genital feminina com a
ideologia nazista, e a escravatura, nos fazendo refletir sobre os limites da
tolerância das práticas culturais:
A ideologia do nazismo deve ser respeitada como um valor cultural de uma nação que defende o nazismo? A escravatura deve ser considerada como valor cultural? O fato é que essas perguntas apontam para a questão de se é possível e desejável num mundo que exercita ou defende a tolerância radical. É possível a tolerância do tudo vale? O tudo vale é um princípio ético? Minha resposta é não. E não é apenas por achar que os nazistas são maus ou porque mulheres mutiladas são sofredoras. A tolerância radical é impossível por que como seres humanos, moralizados que somos, não conseguimos suporta-lá (NOAVES, Regina (org), p. 61, 2001)
Os questionamentos acima, nos fazem ter a certeza que não
podemos tolerar essas práticas que agridem o direito à saúde e a integridade
física das mulheres, a cultura não deve ser uma forma de legitimação de
atrocidades contra os seres humanos.
Portanto, para a superação do conflito entre essas duas correntes, é
preciso à construção de um dialogo intercultural, que colabore para chegarmos à
universalidade dos direitos humanos.
Boaventura de Sousa Santos propõe a utilização da teoria da
hermenêutica diatópica, um método que visa facilitar o contato entre culturas:
Contudo, tal diálogo somente torna-se possível se houver uma mudança na conceituação de direitos humanos, passando da noção de universalidade imperialista, imposta pela globalização hegemônica, para uma noção de
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universalidade construída de baixo para cima, o cosmopolitismo. Contudo, há cinco requisitos para que os direitos humanos possam ser teorizados e aplicados como multiculturais: (i) superação da tensão universalismo-relativismo; (ii) ter em mente que, por mais que todas as culturas tenham concepções de dignidade humana, nem todas as percebem em termos de direitos humanos; (iii) constatação de diferentes conceitos de dignidade humana; (iv) percepção da incompletude das culturas; (v) aproximação das políticas de diferença e de igualdade Disponível em : <http://academico.direitorio.fgv.br/ccmw/Aula_4:_Universalidade_e_relatividade_cultural_dos_direitos_humanos:_conceitos> Acesso em 23/10/2010).
Logo, deve ocorrer a superação dos discursos extremamente
“fundamentalistas” de ambos os lados, para que assim seja oportunizado o
diálogo, levando a efetividade dos Direitos Humanos.
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5. Referências Bibliográficas
CARDIA Nancy, ADORNO Sérgio e POLETO Frederico. Homicídio e violação
de direitos humanos em São Paulo. Disponível em:
<http://www.hcnet.usp.br/ipq/nufor/pdf/homivi.pdf > Acesso em: 16/10/2010).
PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos Vol. 1. Curitiba, 2006.
PINEZI Ana Keila Mosca. Infanticídio indígena, relativismo cultural e direitos
humanos: elementos para reflexão.
http://www.pucsp.br/revistaaurora/ed8_v_maio_2010/artigos/download/ed/
2_artigo.pdf> Acesso em: 16/10/2010).
Universalismo E Relativismo Cultural (Disponível em:
http://www.fdc.br/Arquivos/Mestrado/Revistas/Revista10/Discente/EricaPeixoto.pd
f> Acesso em: 16/10/2010).
ROCHA, Everardo. O que é etnocentrismo? São Paulo, Brasiliense, 2006.
ROULAND, Nobert. Nos Confins do Direito. São Paulo, Martins Fontes, 2003.
TRINDADE, Antonio Augusto Cançado. Tratado de direito internacional de
direitos humanos. Vol. III. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2003. Capítulo
XIX. pp. 301-349.
SANTOS, Boaventura de Sousa. Por uma concepção multicultural de Direitos
Humanos. Revista Lua Nova. n. 39, p. 105-124, 1997.
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PIACENTINI, Dulce de Queiroz. DIREITOS HUMANOS E
INTERCULTURALISMO: ANÁLISE DA PRÁTICA CULTURAL DA MUTILAÇÃO
GENITAL FEMININA. (Disponível em:
<http://www.buscalegis.ufsc.br/revistas/index.php/buscalegis/article/viewFile/
22441/22004 > Acesso em 23/10/2010).
COSTANTINI, Laura. Feridas para sempre. Disponível em:
<http://www.pime.org.br/mundoemissao/mulhersempre.htm> Acesso em
23/10/2010).
CAMILO, Felipe. Os três pilares do Código Civil de 1916: a família, a
propriedade e o contrato. (Disponível em:
<http://www.tex.pro.br/wwwroot/02de2004/ostrespilares_felipecamilo.htm>
Acesso em 23/10/2010.
NOVAES, Regina (org). Direitos Humanos: temas e perspectivas. Rio de
Janeiro. Mauad, 2001. (Disponível em:
<http://academico.direitorio.fgv.br/ccmw/Aula_4:_Universalidade_e_relatividade_c
ultural_dos_direitos_humanos:_conceitos> Acesso em: 23/10/2010.
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