8/7/2019 ABORDAGEM FENOMENOLOGICOEXISTENCIAL DO TEMPO A PARTIR DO LIVRO XI DE CONFISSOES DE SANTO AGOSTIN
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Existncia e Arte - Revista Eletrnica do Grupo PET - Cincias Humanas, Esttica e Artes daUniversidade Federal de So Joo Del-Rei - Ano II - Nmero II janeiro a dezembro de 2006
ABORDAGEM FENOMENOLGICO-EXISTENCIAL DO TEMPO A PARTIR DO LIVRO XI DE
CONFISSES, DE SANTO AGOSTINHO
Dr. Joo Bosco BatistaDepartamento das Filosofias e Mtodos DFIME / UFSJ
Resumo: Santo Agostinho, no sculo V, expressou muito bem o seu sentimento de ambigidade
diante da noo de Tempo, ao dizer: O que ento o tempo? Enquanto no me perguntam, eu sei; se me
perguntam e quero explicar, no sei. Na filosofia contempornea, principalmente com o surgimento da
fenomenologia existencial, o tempo ocupa um lugar privilegiado ao ser tratado como uma dimenso
humana essencial. O tempo sempre intrigou e deixou estupefatos os filsofos da Antiguidade grega, assim
como povos de outras civilizaes. Ele personificado no mito grego como o deus Chronos. Isso retrata o
sentimento de estranheza e reverncia do homem antigo diante do tempo, como uma dimenso sagrada.
No apenas aos filsofos e s civilizaes antigas criadoras de mitos o tempo exerceu o sentimento de
perplexidade, mas tambm aos cientistas e, tanto mais, aos telogos e msticos de todos os tempos.Palavras-chave: Tempo. Agostinho. Fenomenologia. Existncia.
niciaremos nossa reflexo com uma citao do captulo 3 do livro de Eclesiastes, versculos
de 1-8, que ao abordar o tema da morte propicia-nos um mergulho no mistrio do tempo e da
temporalidade como categoria fundamentalmente humana. Assim diz o Eclesiastes, isto ,aquele que fala Assemblia:
Tudo tem o seu tempo, o momento oportunoPara todo propsito debaixo do sol.Tempo de nascer,tempo de morrer;tempo de plantar,tempo de arrancar a planta.Tempo de matar,tempo de sarar;tempo de destruir,tempo de construir.Tempo de chorar,
tempo de rir;tempo de gemer,tempo de bailar.Tempo de atirar pedras,tempo de recolher pedras;tempo de abraar,tempo de se separar.Tempo de buscar,tempo de perder;tempo de guardar,tempo de jogar fora.Tempo de rasgar,tempo de costurar;tempo de calar,tempo de falar.
Tempo de amar,tempo de odiar;tempo de guerra,
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tempo de paz. (BIBLIA de Jerusalm,1981)
No Livro XI das Confisses, Agostinho apresenta o tempo como uma criatura de Deus. Ele surge
simultaneamente com a criao do mundo; logo, tempo e mundo constituem termos
inseparveis. Por sua vez, o mundo sempre mundo do homem, pois ele quem confere
significado a este. O tempo encontra-se entranhado na estrutura prpria da conscincia. Ele
expresso do acontecimento existencial no mundo. o prprio homem acontecendo, isto ,
sendo em sua facticidade. Tal estrutura do tempo, como expresso do mistrio do acontecimento
da conscincia, levou o filsofo de Hipona a questionar:
Que , pois, o tempo? Quem poder explic-lo clara e brevemente? Quem o poderapreender, mesmo s com o pensamento, para depois nos traduzir por palavras o seuconceito? (AGOSTINHO,1992, p.278)
Heidegger aborda com profundidade o mistrio do tempo por meio da estrutura temporal do serdo homem (Dasein). Explica o filsofo alemo que o homem, enquanto Dasein, existe como um
ente que est em jogo seu prprio existir. Em sua essncia, ele precede a si mesmo, o que o
possibilita ser como projeto, isto , ser para seu poder-ser. como lanado que ele se
desentranha no projeto. Lanado, ele se entrega ao mundo e de-cai, ocupando-se dele.
Enquanto cuidado (Sorge), ou seja, existindo na unidade do projeto lanado na de-cadncia,
ele o ente que se abriu como a (Da-Sein). Sendo com os outros, ele se mantm numa
interpretao mediana, que se articula no discurso e se pronuncia na linguagem. Como ser-no-
mundo sempre j se pronunciou e, enquanto ser junto aos entes que vm ao encontro dentro domundo, ele se anuncia, continuamente, na interpelao daquilo de que se ocupa. A ocupao,
para Heidegger, funda-se na temporalidade. Sendo que a ocupao se pronuncia no ento,
retendo que ele se pronuncia no outrora e atualizando que o faz no agora. O outrora
abriga em si o agora no mais. O ento e o outrora so compreendidos na perspectiva de
um agora.
Todo ento um ento, quando..., todo outrora, um outrora, quando..., todo agora, um
agora em que.... Chamamos a essa estrutura remissiva do agora, do outrora e do ento de
possibilidade de datao. Essa dinmica temporal s se viabiliza devido abertura eksttica
da temporalidade, na qual passado, presente e futuro constituem uma unidade existencial,
atravs da qual o homem ek-siste; essa a condio de sua datao ou databilidade no mundo
circundante. Na abertura constitutiva, o homem existe de fato no mundo do ser-com os outros.
Ele se mantm numa compreensibilidade pblica e mediana. Lanado, o existente s pode
ganhar tempo e perder tempo, porque por meio da abertura do Da (a), fundado na
temporalidade, o Dasein , entendido como temporalidade ekstaticamente es-tendida, recebe a
concesso de um tempo (trata-se aqui do tempo pblico das ocupaes. O homem desse
modo se ocupa explicitamente do tempo, conferindo-lhe uma contagem. Do ponto de vista
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Abordagem fenomenolgico-existencial do tempo a partir do livro XI de Confisses, deSanto Agostinho
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ontolgico-existencial, porm, o decisivo na contagem do tempo no deve ser considerado na
sua quantificao; deve, ao contrrio, ser concebido na sua originariedade a partir da
temporalidade como estrutura do Daseinque conta com o tempo.
Vimos que para Heidegger o tempo entendido primeiro como tempo mundano (Weltzeit), otempo da cotidianidade, das colheitas e das refeies, encontros e tarefas, de levantar-se da
cama e ir dormir. Assim falamos que quando o homem nasce, tempo de tempo...., ou seja, o
tempo datado, o tempo de uma biografia. Ele se define para o homem pelo nascer e pr do sol,
como sucesso de agoras. Em contrapartida, o fenmeno da morte que revela o homem
essencialmente como ser-para-a-morte revela ao homem a finitude do tempo. Surge a
possibilidade de compreenso da temporalidade autntica; esta no uma realidade estranha e
exterior ao homem (o tempo natural), mas o modo pelo qual a existncia se temporaliza a si
mesma e a seu mundo. No uma seqncia infinita de agoras pontuais uniformes, mas umaestrutura finita de momentos diferenciados. O tempo, concebido fenomenologicamente
anterior a toda subjetividade e objetividade porque constitui a prpria possibilidade desse
anterior. Por meio de uma interpretao ontolgica e existencial, a temporalidade o
fundamento das possibilidades da existncia prpria e imprpria. Ela tem seu sentido mais
profundo na constituio do homem como cuidado. O tempo a prpria manifestao do ser a
ser interpretado em suas mltiplas variaes que constituem o mistrio da existncia. O homem
no tem controle ou domnio sobre o tempo, somente por meio do fenmeno do cuidado, o
homem capaz de vislumbrar o ncleo ontolgico do tempo. Dessa forma, podemos dizer que o
homem no tem o tempo, ele se temporaliza medida que existe no e com o tempo. Indagar
pelo tempo, indagar pelo mistrio da existncia finita do homem no mundo como ser-para-a-
morte.
Agostinho j havia intudo o que viria a ser tematizado, alm de Heidegger, por Husserl, Bergson
e Freud: o tempo como dimenso formadora do campo onde a vida psquica (a conscincia) se
desdobra. Estes autores, na linha de pensamento do autor medieval, apresentam o tempo em
sua ntima conexo com a realidade humana. O tempo sempre o tempo da existncia humana
isto o que vimos em Ser e Tempo, de Heidegger. O tempo de vida expressa a essncia do
homem como ser-no-mundo. Numa leitura freudiana do tempo, pode-se afirmar que o tempo da
vida o tempo que corre entre o nascimento e a morte, e neste prazo o sujeito depara-se com o
limite e a possibilidade para seus desejos e para o encontro com aquilo que se lhe apresenta.
Neste sentido que, segundo Heidegger, o homem ser de projeto que busca sua
essencializao (wesen).
O tempo, entendido como passagem (o tempo do tempo), apresenta-se como oportunidade de
elaborao criativa da existncia, no apesar de sua fluidez, mas principalmente devido a ela.
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Em outras palavras, este estado de passagem do tempo ativamente constitudo pelo trabalho
de elaborar os limites sempre fugidios da existncia. O assim chamado curso da vida no se
nos apresenta como um curso de tempo regular, ante o qual o homem um mero espectador.
Segundo a anlise freudiana, a experincia psicolgica do tempo no exterioridade, mas
produto de labor psquico, estruturante de identidade. Desta forma, envelhecer no seguir umcaminho j traado, mas constru-lo. Eis a funo do tempo: a construo da subjetividade.
Em outras palavras e em sentido, Santo Agostinho falava dos trs momentos interiores atravs
dos quais se dava o tempo: expectao, ateno e memria. Com genialidade, o filsofo cristo
j intua a sntese do tempo no fenmeno da temporalidade. O tempo que se d no esprito
humano unificado e no compartimentado entre passado, presente e futuro. Os trs momentos
ou manifestaes do tempo acontecem na vida do esprito por meio da dinmica existencial.
O bispo de Hipona foi capaz de perceber e de tematizar o problema da unidade do ser do
homem. Para ele, evidentemente, como filsofo cristo, tal unidade encontrava-se no encontro
com Deus. Mas o que importa salientar aqui insightque permeia a questo: o homem se v um
ser dividido, ambguo, ambivalente e anseia por alcanar sua unificao. Encontramos, pari
passu, tambm em Heidegger tal anelo, quando afirma que o homem existe temporalizando-se;
sem a temporalizao, nenhum Daseinseria, e, sem o Dasein, o mundo tambm no seria. O
homem transcendncia no movimento ekstticoda temporalidade. O homem temporalizando-
se expresso da sntese ekstticade passado, presente e futuro. Assim como em Agostinho o
esprito humano encontra-se na dinmica que busca alcanar o porvir, em Heidegger a
temporalidade, enquanto condio da existncia como poder-ser a possibilidade da
possibilidade. O homem existe temporalizando-se entre nascimento e morte. Vemos a tambm
uma propulso para o porvir (este o sentido do ser-projeto do homem). O tempo eksttico
opera sua temporalizao em vista do futuro. H uma primazia do futuro como condio de
possibilidade do projeto e do poder-ser que constituem a estrutura temporal da existncia.
Referncias Bibliogrficas
AGOSTINHO, Santo. Confisses. Petrpolis: Vozes, 1992.DARTIGUES, Andr. O que fenomenologia?So Paulo: Centauro, 2002.FOGHIERI, Yolanda Cintro (Org.) Fenomenologia e Psicologia. So Paulo: Cortez & Autores Associados,
1984.HEIDEGGER, Martin. Ser e Tempo. II. Petrpolis: Vozes, 1989.NUNES, Benedito. Heidegger & Ser e Tempo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2002._______. Passagem para o potico:filosofia e poesia em Heidegger. So Paulo: tica, 1992.RE, Jonathan. Heidegger:histria e verdade em Ser e Tempo. 2000. UNESP, So Paulo.Bblia de Jerusalm, So Paulo: Paulinas, 1981, p.838.