MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA
EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ DE DIREITO
2ª VARA DA COMARCA DE XANXERÊ
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA
O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA
CATARINA, pelo Promotor de Justiça titular da 2ª Promotoria de Justiça de
Xanxerê, com fundamento nos arts. 127, 129, III e 225 da Constituição da
República, e no art. 5º da Lei nº 7.347/85, e no Inquérito Civil Público nº
06.2013.00003158-7 propõe AÇÃO CIVIL PÚBLICA (com pedido de
liminar) em face de:
CEREALISTA FAXINAL LTDA, pessoa jurídica de direito
privado, inscrita no CNPJ sob o nº 83.077.495/0001-84, com domicílio na rua
Rua 21 de Abril, 401, Centro - CEP 89694-000, Faxinal dos Guedes-SC,
representada por seu sócio-gerente, o senhor Angelo João Aléssio.
1. Objetivo da ação
Esta ação civil pública tem por objetivo proteger o meio ambiente
ecologicamente equilibrado, coibindo a poluição sonora e atmosférica praticada
pela Cerealista Faxinal Ltda., no município de Faxinal dos Guedes.
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Objetiva também obter provimento liminar que, diante da
gravidade dos fatos e do desrespeito à população, determine a suspensão das
atividades até que o problema seja efetivamente corrigido.
Por fim, postula-se indenização pelos danos extrapatrimonais
sofridos pela população afetada com a poluição praticada.
2. Síntese fática
Há longa data vem o Ministério Público tentando de forma
consensual obter da Cerealista Faxinal Ltda. a adequação de seu parque
industrial para respeitar minimamente o direito dos moradores vizinhos.
Como se pode observar dos documentos inclusos, cópias de
inquérito civil e ação penal que já tramitaram na Comarca, a empresa mantém
silos para estocagem de milho e soja em área central de Faxinal dos Guedes.
Além dos silos já antigos, nos últimos quatro anos foram construídos outros
dois si los de grande porte.
No processo de transporte para dentro dos silos, os grãos são
secados por meio de grandes e potentes ventiladores e exaustores, sendo
agitados no interior de dutos e depois depositados, já secos, na ala principal.
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Dois problemas ambientais fundamentais emergem deste
processo: o pó e o barulho. A absurda falta de vedação adequada dos silos
da Cerealista Faxinal faz com que a casca do milho e da soja, que podem ser
distinguidas pela cor (amarelo e branco), escape dos dutos e atinja
praticamente o bairro inteiro (Bairro Ozelame) em que está instalada a
empresa.
Pede-se que neste momento Vossa Excelência folheie os autos e
constate pelas fotografias trazidas a gravidade da situação. Lá Vossa
Excelência verá automóveis cheios de poeira, piscinas inutilizadas, área de
varanda de residências infestadas pela poeira e até mesmo os telhados dos
silos, cheios de pó. As ruas do bairro, como se constata por fotografias mais
recentes, mesmo em dias de chuva, quando a água leva o pó pelas galerias
subterrâneas, mesmo nestes dias ainda estão cheias de pó de milho e soja. O
telhado dos silos, depois de providências alegadamente adotadas pela
Cerealista Faxinal, continua cheio de poeira, demonstrando cabalmente o quão
ineficiente é o sistema de filtragem.
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Com o objetivo de compreender melhor a aflição diariamente
relatada pelos cidadãos nesta Promotoria de Justiça, no último dia 11 de março
de 2013 este promotor realizou audiência pública com outros 38 moradores do
bairro, reunião realizada numa residência vizinha à Cerealista. Conforme
praticamente a unanimidade dos presentes (exceção aberta aos funcionários e
prestadores de serviços da Cerealista, que se fizeram presentes), confirmou-se
que a casca do milho e da soja simplesmente invade casas, quintais, piscinas,
telhados, calhas, hortas, varais de roupa, isso sem falar em diversos
problemas de saúde de fundo alérgico e pulmonar, tornando a vida
insuportável na região.
Além disso, o barulho gerado pelos exaustores e secadores de
grãos, aliado ao ruído provocado pelo choque dos grãos nos dutos, torna as
noites absurdamente insalubres.
Basta ler a ata da audiência pública para constatar que os
aproximadamente 30 vizinhos que se manifestaram informaram ocorrerem os
seguintes problemas: "barulho incomoda bastante, atrapalha para dormir,
perdura a noite toda" (Justina); "o que mais atrapalha é o pó da casquinha do
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milho, pois a família tem problemas de alergia" (Maricélia); "barulho durante a
noite" (Leni); "o barulho atrapalha durante a noite, pois não há como descansar
bem, inclusive sábados e domingos. Seus filhos já estão com problemas de
alergia" (Daniela); "a poeira atrapalha, especialmente na limpeza; roupa no
varal fica cheia de pó" (Cassilda); "as casquinhas do milho entram na casa e
causam problemas como entupimento de calha" (Juliana); "tem um comércio
(mercado Crusaro) e o pó acaba ficando depositado nos produtos" (Adriane);
"ficou oito dias sem dormir, há uns 15 dias. Os dois últimos silos construídos
(há 4 anos) que causam maior problema" (Iraci).
Excelência, são aproximadamente 30 depoimentos de vizinhos
relatando o mesmo problema. Excesso de ruído e de poeira (casquinhas),
que praticamente inviabiliza o descanso noturno e a vida no bairro nesta época
de safra, que dura aproximadamente 60 dias.
Nesta mesma audiência pública estiveram presentes os
representantes da empresa, que prestaram informações ao público, e
apresentaram detalhes da produção. Apesar das justificativas apresentadas, a
gravidade do problema levou os presentes, em votação, a decidirem que
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enquanto não houvesse adequação, a empresa deveria suspender as
atividades pelo menos das 22h às 5h para evitar a perturbação do sossego
noturno. O acordo, objeto inclusive de votação, foi registrado na ata da
audiência pública, assinada também pelo representante da empresa, que a
tudo assentiu, lavrando-se na ata que "ficou convencionado que a empresa
não funcionará das 22h às 5h"; "o sr. Ângelo compromete-se a reduzir as
emissões atmosféricas (poeira do milho e da soja) mediante a adoção das
medidas indicadas pela empresa Strong".
Todavia, conforme as certidões anexas, colhidas na data de hoje,
nem mesmo o acordo vem sendo respeitado. Em verdade, Excelência, o
proprietário da empresa, senhor Ângelo João Aléssio, um dos homens mais
ricos da região, parece não ter grande senso de consideração para com a
Justiça, os vizinhos ou o meio ambiente. Além de continuar permitindo ruídos
excessivos e altamente perturbadores do sossego no bairro inteiro, o
sistema de filtragem das emissões atmosféricas não vem se mostrando
suficiente para impedir que a poluição continue acentuadíssima.
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Note-se, Excelência, que Ângelo João Aléssio já aquiesceu em
reduzir as emissões atmosféricas e sonoras, na audiência preliminar do TC nº
080.11.004089-9, em que se constatou que o ruído era praticamente 10 dB
acima do tolerável para o período noturno (fl. 57 do TC); já se comprometeu
neste mesmo TC a não permitir mais a fuga de poeira da empresa; já foi
multado pelo descumprimento da composição civil no valor de R$ 6.000,00; e,
finalmente, há menos de 20 dias, comprometeu-se perante a comunidade a
limitar o horário de funcionamento da empresa, sem contudo, cumprir sua
própria palavra. O que se vê, portanto, é um absurdo e inimaginável
desrespeito ao Judiciário e ao Meio Ambiente, típico de pessoa que, pela força
do patrimônio, imagina sobrepor-se a tudo e a todos.
Convém lembrar que o Ministério Público não está aqui buscando
tutelar apenas conforto. As residências, como narrado pelos mais de trinta
vizinhos que estiveram presentes à audiência pública, são invadidas pelo pó a
ponto de serem as donas de casa obrigadas a manter as janelas fechadas
neste período quente de fevereiro a abril, período de safra. Os carros não
ficam limpos um dia sequer; as roupas têm que ser estendidas dentro de casa,
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porque no varal, dependendo de uma única lufada, pode-se perder o serviço
doméstico de uma manhã inteira.
Veja, Excelência, que os moradores não conseguem dormir uma
boa noite de sono, e não são apenas um ou dois vizinhos, mas quase quatro
dezenas de pessoas (fora os que não puderam comparecer, por compromissos
ou por medo de retaliações). A situação fica ainda mais grave se observarmos
que muitos vizinhos são operários, que levantam-se às 3h ou 4h da manhã
para o trabalho e que, por isso, nestas poucas horas de sono noturno que têm,
precisam realmente de descanso.
Some-se tudo isso ao fato de que, embora seja verdade que a
empresa está instalada no local há anos, também é fato que os problemas só
começaram realmente a incomodar recentemente, nos últimos quatro anos,
quando uma ampliação exagerada com a instalação de outros dois imensos
silos passou a perturbar toda a vizinhança.
Todavia, apesar das multas já impostas, apesar dos inúmeros
alertas pessoalmente realizados por este promotor de justiça ao proprietário da
Cerealista Faxinal, apesar inclusive do compromisso por ele assumido perante
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outros trinta e oito vizinhos, o ruído e a poeira continuam poluindo o meio
ambiente no bairro Ozelame, em Faxinal dos Guedes.
Nesta situação, não há outra alternativa que não recorrer ao
Poder Judiciário, último guardião dos direitos dos cidadãos, para requerer
sejam as atividades da empresa suspensas até que laudo pericial, realizado
por perito imparcial, sem o prévio contato com o proprietário da empresa,
ateste que o ruído e a poeira encontra-se em patamares toleráveis.
3. Fundamentos jurídicos.
3.1. Conceito de poluição. Lei, doutrina e jurisprudência
O direito ao meio ambiente sadio, no dizer de José Afonso da
Silva, não pode ser mais considerado mero interesse difuso, mas forma de
direito humano fundamental, dito de terceira geração1. Isto porque
questionando-se a razão da tutela ambiental, chega-se facilmente à
constatação de que esta está intimamente ligada à sobrevivência de todos os
seres humanos.
1 Direito Ambiental Constitucional. Malheiros, 1997, p. 221
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Ainda assim, não são raras as agressões sofridas pelo meio
ambiente, decorrentes de atividades destruidoras realizadas pelo homem.
Estes processos de alteração desfavoráveis das propriedades ambientais,
denominados poluição, afetam profundamente o solo, a água e o ar, portanto o
próprio meio ambiente, causando repercussões danosas à saúde, à segurança
e ao bem-estar da população.
A Lei 6.938, de 31 de agosto de 1981, que dispõe sobre a Política
Nacional do Meio Ambiente, trata do tema de forma eficiente, ditando
definições básicas que devem ser observadas. Em seu artigo 3º, lança os
conceitos de meio ambiente, degradação da qualidade ambiental e de
poluição, verbis:
Art. 3º - Para os fins previstos nesta Lei, entende-se por:
[...] III � poluição, a degradação da qualidade ambiental
resultante de atividades que direta ou indiretamente :
a) prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da
população;
b) criem condições adversas às atividades sociais e
econômicas;
c) afetem desfavoravelmente a biota;
d) afetem as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente;
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e) lancem matérias ou energia em desacordo com os
padrões ambientais estabelecidos;
Sobre os conceitos legais, José Afonso da Silva ressalta
�Agentes poluidores são todas as pessoas, entidades ou instituições que,
consciente ou inconscientemente, direta ou indiretamente, provocam a
presença, o lançamento ou a liberação, no meio ambiente, de poluentes.
Poluentes, assim, são toda e qualquer forma de matéria ou energia que, direta
ou indiretamente, causa poluição no meio ambiente. São aquelas substâncias
sólidas, líquidas, gasosas ou em qualquer estado da matéria, que geram a
poluição�2.
Veja-se, portanto, que não basta que o lançamento de
matérias ou energia esteja de acordo com os padrões ambientais
estabelecidos. Esta adequação técnica cumpre apenas o disposto no art. 3º,
III, �e�, da Lei nº 6.938/81.
É preciso mais: que a atividade não cause prejuízo à
saúde e ao bem-estar da população e não crie condições adversas
2 Direito Ambiental Constitucional. Malheiros, 1997, p. 221
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às atividades sociais (art. 3º, II I, �a� e �b�, da Lei nº
6.938/81).
No caso dos autos, o que se vê é que as emissões
atmosféricas da empresa requerida a um só tempo causam
prejuízo à saúde e ao bem-estar da população local, além de
criarem condições adversas às atividades sociais . Os autos narram,
como se viu, o caso de diversos moradores que têm o direito sono negado, que
vêem suas casas serem invadidas pela poeira e até mesmo uma comerciante
que tem de manter as portas do mercado fechadas para que a poeira não
prejudique os alimentos expostos. Na verdade, toda a população de um bairro
vem experimentando terrível sensação de mal-estar e, como visto, as
atividades sociais (comércio, aulas, e até mesmo o assistir televisão) são
totalmente prejudicadas pelo ruído e pela poeira emanada da empresa.
Além da Lei nº 6.938/81, diversos outros diplomas legais tratam
do assunto da mesma forma: informando que não basta a conformação a
parâmetros técnicos se ocorre qualquer forma de prejuízo à saúde e ao bem-
estar da população.
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O Decreto n° 76.389/75, por exemplo, ao tratar da medidas de
prevenção e controle da poluição industrial prevê:
Art. 1° - Para as finalidades do presente Decreto considera-se
poluição industrial quaisquer alterações das propriedades físicas,
químicas ou biológicas do meio ambiente, causadas por qualquer
forma de energia ou substância sólida, líquida ou gasosa, ou
combinação de elementos despejados pelas indústrias, em níveis
capazes, direta ou indiretamente de:
I - prejudicar a saúde, a segurança e o bem-estar da população;
De igual maneira, o art. 25 do Decreto Estadual nº 14.250/1981
dispõe que: �É proibida a queima ao ar livre de resíduos sólidos, líquidos ou
de qualquer outro material combustível, desde que cause degradação da
qualidade ambiental, na forma estabelecida no artigo 3º�.
O art. 3º do citado diploma legal estabelece que �degradação da
qualidade ambiental é a alteração das propriedades físicas, químicas e
biológicas do meio ambiente, causada por qualquer forma de energia ou
substâncias sólidas, líquidas ou gasosas, ou a combinação de elementos
produzidos por atividades humanas ou delas decorrentes, em níveis capazes
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de direta ou indiretamente: - prejudicar a saúde, a segurança e o bem estar
da população�.
Para a doutrina de Direito Ambiental é unânime o entendimento
de que é possível a responsabilização do poluidor pelos danos ambientais
mesmo que detenha todas as licenças ambientais, já que, como esclarecido,
os incisos e alíneas do art. 3º da Lei nº 6.938/81 são independentes e
autônomos entre si.
Da doutrina podem-se colher os seguintes excertos:
A existência licenciamento ambiental e a observação dos limites
emissão poluentes, bem como outras autorizações
administrativas, não terão o condão excluir a
responsabil idade pela reparação 3.
O autor do dano não se exime do dever reparar, ainda que
possua autorização administrativa . É oportuno reafirmar
que a responsabilidade subjetiva, por culpa, limita a aplicação do
regime da responsabilidade civil por dano ambiental,
considerando que boa parte das condutas lesivas ao meio
ambiente não são contra legem, pois contam, muitas vezes, com
3 Steigleder, Annelise Monteiro. Responsabilidade Civil ambiental: as dimensões do dano
ambiental no Direito Brasileiro. Porto Alegre : Livraria do Advogado Editora, 2004, p. 209.
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a autorização administrativa requerida, o que elimina a existência
culpa4.
Os danos ambientais decorrentes do exercício de atividade
operante em conformidade com a licença ambiental obtida
deverão ser reparados, posto que a existência de licença
ambiental e o exercício em conformidade com ela não
são excludentes de responsabil idade consoante o melhor
entendimento, exceto se provado que os danos provenham de
forças alheias e que a atividade não provoque riscos de danos
ambientais. A responsabilização pelos danos cometidos ao
ambiente é objetiva, neste sentido basta o nexo causal e o dano
ou risco de dano5.
Não interessa se o autor do dano estava pautando sua conduta
dentro dos padrões ambientais estabelecidos pelos órgãos de
gestão ambiental, se, por exemplo, adotou medidas mitigadoras
além das recomendadas; nada exclui sua responsabilidade, pois
o risco da atividade conduz a imputação do dever de reparar o
meio ambiente degradado... a Constituição e as demais normas
4 LEITE, José Rubens Morato. Dano ambiental: do individual ao coletivo extrapatrimonial. São
Paulo : Revista dos Tribunais, 2000. p. 132-133.
5 HENKES, Silviana Lúcia;SANTOS, Denise Borges dos. Da (im)possibilidade de
responsabilização civil pelo dano ambiental causado por empreendimento operante em
conformidade com a licença ambiental obtida. Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 813, 24 set.
2005. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7329>. Acesso em: 07 jul.
2008.
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ordinárias estabelecem este tipo de responsabilidade que impõe,
como conseqüência, o seguinte: existindo o dano, basta
identificar o autor ou autores e o nexo causal, pois não existirão
excludentes de responsabilidade6.
3.2. Dano ambiental extrapatrimonial
Registra Édis Milaré que o dano ambiental pode se manifestar
sob duas facetas, isto é, seus efeitos podem alcançar não apenas o homem,
mas também o ambiente que o cerca (in Direito do Ambiente: a gestão
ambiental em foco. 5 ed. São Paulo: RT, 2007, p. 812). Por isso é que, embora
o dano dessa natureza incida diretamente sobre o meio ambiente, em certos
casos pode refletir-se material ou moralmente, sobre o patrimônio, os
interesses ou a saúde de determinada pessoa ou de um grupo de pessoas
determinadas ou determináveis (op. cit., p. 812).
Quando, além de atingir o meio ambiente e seus recursos, o dano
recai sobre a esfera patrimonial ou extrapatrimonial de determinada pessoa ou
grupo de pessoas, tem-se o chamado dano ambiental individual, também
conhecido como dano ricochete ou reflexo.
6 MATOS, Eduardo Lima. Dano Ambiental: Uma nova perspectiva de responsabilidade civil, in
grandes temas da atualidade, Forense, 2002.
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Também Paulo Affonso Leme Machado, citando Francisco José
Marques Sampaio, ensina que "'Não é apenas a agressão à natureza que deve
ser objeto de reparação, mas a privação, imposta à coletividade, do equilíbrio
ecológico, do bem-estar e da qualidade de vida que aquele recurso ambiental
proporciona, em conjunto com os demais. Desse modo, a reparação do dano
ambiental deve compreender, também, o período em que a coletividade ficará
privada daquele bem e dos efeitos benéficos que ele produzia, por si mesmo e
em decorrência de sua interação (art. 3º, I, da Lei 6.938/81). Se a
recomposição integral do equilíbrio ecológico, com a reposição da situação
anterior ao dano, depender, pelas leis da natureza, de lapso de tempo
prolongado, a coletividade tem direito subjetivo a ser indenizada pelo período
que mediar entre a ocorrência do dano e a integral reposição da situação
anterior'' (Direito Ambiental Brasileiro. 11ª ed., Malheiros, São Paulo: 2003, p.
341).
No mesmo sentido, Rodolfo de Camargo Mancuso: 'Também nos
parece ser de natureza objetiva a responsabilidade pelos danos morais
(=extrapatrimoniais) infligidos ao meio ambiente, no sentido de que esse dever
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de reparar decorre da configuração, no caso concreto, do binômio dano-nexo
causal".
No caso dos autos, a narrativa e os documentos apresentados
comprovam cabalmente um grave e inadmissível dano extrapatrimonial à
população afetada, que nos últimos quatro anos vem experimentando a
sensação de impotência diante do poder econômico da Cerealista Faxinal.
Além de perder o sono todos os anos durante a safra, a população vê-se às
voltas com a inadmissível poeira de milho e soja invadindo suas residências,
seus quintais, seus veículos, sujando as roupas do varal, entupindo calhas,
prejudicando plantações.
Não há dúvida de que os danos extrapatrimoniais sofridos pela
população mereçam ser reparados, com no mínimo a compensação pecuniária
pelo sofrimento de tantos anos.
4. Necessidade de liminar
A atividade da Cerealista Faxinal Ltda. vem gerando poluição
ambiental em níveis atualmente insuportáveis pela população local. Apesar de
inúmeras vezes alertado sobre o fato, de multado, e de inclusive dar sua
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palavra ao Judiciário, ao Ministério Público e aos moradores de que
regularizaria a empresa, o responsável não demonstrou até o momento
interesse em adequar de maneira eficiente as emissões atmosféricas e
sonoras.
Nessa situação, não se pode mais exigir paciência ou tolerância
da população afetada pela empresa. Não se pode admitir, por outro lado, que a
empresa continue fumegando poeira e ruído enquanto alega se adequar
lentamente. É preciso postura enérgica que a obrigue a, de imediato, iniciar
obras para adequação completa.
Por isso o embargo da atividade até que se resolvam
todos os problemas apontados é postura bastante ponderada e
razoável. Aliás, é o mínimo que se pode exigir: se a indústria não está
plenamente adequada à legislação sanitária e ambiental, deve parar de operar
até completar todos os requisitos legais necessários. Da mesma forma que um
veículo com motor defeituoso não pode transitar expelindo fumaça, também
uma empresa não pode lançar poeira e ruído contra tudo e todos. As
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providências necessárias, enfim, devem ser adotadas antes de iniciar a
operação, e não depois dela, como preferiu a Cerealista Faxinal fazer.
O mecanismo sugerido é que a suspensão dure até que perito a
ser nomeado pelo juízo ateste a regularidade das emissões. É preciso, como já
inclusive convencionou o Ministério Público com o proprietário da empresa,
que o perito seja pessoa totalmente desvinculada da empresa ou até mesmo
da cidade de Faxinal dos Guedes, de modo a preservar-lhe a imparcialidade.
A verossimilhança das alegações está bem caracterizada nos
documentos juntados, que comprovam à saciedade o terrível ruído e a
excessiva poeira produzida pela empresa, além dos danos causados à
vizinhança. Note-se que são mais de dois anos de coleta de dados, laudos,
pareceres e de tentativas vãs de adequação consensual.
A situação tornou-se inadmissível e requer a pronta intervenção
do Poder Judiciário, sob pena de perdurarem os danos ambientais causados e
gerar mais sofrimento nas famílias que residem nas proximidades. Aqui está
demonstrando, por sua vez, o periculum in mora.
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Há que se recordar que em casos como o dos autos prepondera
sempre o interesse público sobre o particular. Em caso semelhante, versando
sobre poluição sonora, o Tribunal de Justiça Catarinense já decidiu:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DECISÃO
LIMINAR QUE DETERMINOU A SUSPENSÃO IMEDIATA
DAS ATIVIDADES DA RECORRENTE EM VIRTUDE DE
PRÁTICA DE POLUIÇÃO SONORA E PELA FALTA DE
LICENÇAS AMBIENTAL E DE LOCALIZAÇÃO. ADEQUAÇÃO.
PRESENTES OS PRESSUPOSTOS DO FUMUS BONI IURIS E
DO PERICULUM IN MORA EM FAVOR DA COLETIVIDADE.
SUPREMACIA DO INTERESSE PÚBLICO AO
PARTICULAR. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.
Agravo de instrumento n. 2004.001655-7, de Joinville. Relator:
Des. Vanderlei Romer.
A necessidade de suspensão das atividades até completa
adequação é abonada pela jurisprudência do Tribunal de Justiça de Santa
Catarina:
Melhor que permaneça fechada até outra solução , pois a
rigor, se de sua responsabilidade é eliminar o dano, a degradação
ambiental lesiva aos interesses sociais, e tendo conhecimento
desde seu primeiro dia de atividade ou mesmo desde os projetos
de instalação de que se constituiria numa fonte fortemente
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poluidora, a rigor já iniciou suas atividades em débito, em atraso
na preservação dos direitos alheios... Está muito atrasada, agora,
para reclamar dilargação do tempo necessário para a correção de
sua falha (AI nº 2008.047747-0, de Seara, rel. Domingos Paludo,
despacho negando a liminar).
Ademais, convém ressaltar que em decorrência da supremacia
do interesse público, a coletividade não pode esperar para ver
garantido seu direito a um meio ambiente equilibrado (art. 225 da
Carta Magna) e continuar sofrendo as consequências da incúria dos
representantes legais da Requerida.
Vê-se, pois, conforme já demonstrado nesta inicial, que tudo está
a recomendar o deferimento da medida liminar como garantia, não somente da
preservação da qualidade do meio ambiente, mas, sobretudo, da saúde e do
bem estar da população residente no local e também da ordem pública.
Convém ressaltar que o Ministério Público está atento também à
função social da empresa e aos problemas decorrentes da suspensão das
atividades da fábrica. No entanto, conforme já ponderado inclusive na
audiência pública realizada, a suspensão das atividades da empresa até
adequação não será longa, de modo que é plenamente suportável a
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suspensão até que o meio ambiente seja novamente respeitado. Os
investimentos, está evidente no caso dos autos, serão prontamente realizados
em caso de suspensão. Do contrário, como já se demonstrou em anos
anteriores, a Cerealista Faxinal aguardará até a própria safra, em fevereiro de
2014, para só então voltar suas preocupações para os problemas ambientais
gerados pelos silos.
5. Conclusão e pedidos
Ante o exposto, o MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE
SANTA CATARINA requer:
a) o recebimento, registro e autuação da presente ação civil
pública;
b) a concessão de liminar para determinar a imediata suspensão
das atividades da empresa Cerealista Faxinal Ltda., em Faxinal dos Guedes,
sob pena de multa diária de R$ 5.000,00, suspendendo qualquer atividade de
industrialização, recebimento, armazenamento e transporte de grãos, insumos
ou produtos; a suspensão deverá durar até que seja instalado sistema eficiente
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de controle de emissões atmosféricas e sonoras, eficiência que deverá ser
atestada por perito nomeado pelo juízo;
b2) instale no local, em 24h, placa metálica de pelo menos 2,5 m
por 2 m, com os seguintes dizeres, legíveis: "Atividades paralisadas por força
de liminar deferida pelo Juízo de Direito Xanxerê, em ação movida pelo
Ministério Público"7;
c) a citação da requerida para, querendo, apresentar a defesa
que entender pertinente;
d) a produção de todos os meios de prova admitidos,
notadamente a prova pericial, depoimento pessoal, prova documental e
testemunhal, se for necessário;
e) ao final:
e1) a confirmação da liminar para condenar a requerida a instalar
definitivamente sistema eficiente de controle de emissões atmosféricas e
sonoras;
7 A placa indicativa tem por finalidade tornar pública a decisão judicial e minorar o dano
extrapatrimonial experimentado pela população; tem também nítido caráter de prevenção geral.
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e2) a condenação da requerida ao pagamento de indenização
pelos danos extrapatrimoniais aos moradores presentes à audiência pública de
11 de março de 2013, no valor de R$ 5.000,00 cada um, além de indenização
ao Fundo de Reconstituição de Bens Lesados (relativamente às pessoas
atingidas e não identificadas), no valor de R$ 30.000,00;
e3) a condenação da requerida a limitar seu horário de
funcionamento em dias úteis das 7h às 21h e a deixar de operar em sábados
depois das 12h, e domingos e feriados nacionais e municipais durante todo o
dia (obrigação de não-fazer), sob pena de multa diária de R$ 50.000,00 (veja-
se que a multa de R$ 6.000,00 já aplicada não surtiu efeito dissuasor);
f) a condenação da requerida em custas, despesas processuais e
honorários advocatícios (estes conforme art. 4º do Decreto Estadual nº
2.666/04, em favor do Fundo de Recuperação de Bens Lesados do Estado de
Santa Catarina).
Dá-se à causa o valor de R$ 150.000,00 (cento e cinquenta mil
reais).
Xanxerê, 22 de março de 2013
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA
Eduardo Sens dos Santos
Promotor de Justiça
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