Departamento de Matemática e Engenharias
Acreção esférica de matéria por buracos negros de
Schwarzschild
José Laurindo de Góis Nóbrega Sobrinho
Fevereiro de 2004
ii
Abstract
Um buraco negro de Schwarzschild isolado no meio acaba sempre por
capturar alguma matéria da vizinhança mediante um processo de acreção
com simetria esférica. Neste trabalho é revista a acreção esférica por
buracos negros de Schwarzschild para as seguintes situações: gás sem
colisões, regime hidrodinâmico adiabático (incluindo o tratamento
relativista), regime quase-adiabático, regime não adiabático e regime não
adiabático na presença de um campo magnético não desprezável.
iii
Índice Lista de Figuras v
Acrónimos vi
Prefácio vii
1 Introdução 1
2 Buracos negros de Schwarzschild 3
3 Acreção esférica de um gás sem colisões 7
3.1 Taxa de captura de partículas.................................................... 7
3.2 Distribuição isotrópica e monoenergética................................. 11
3.3 Exemplo numérico.................................................................... 13
3.4 Considerações finais................................................................. 14
4 Acreção esférica hidrodinâmica em regime adiabático 16
4.1 Taxa de captura de partículas.................................................... 16
4.2 A acreção é máxima no regime trans-sónico............................ 21
4.3 Regimes subsónico, trans-sónico e supersónico....................... 24
4.4 Acreção de um gás ideal de Maxwell-Boltzmann.................... 26
4.5 O caso gama=1.......................................................................... 28
4.6 O caso gama=5/3....................................................................... 29
4.7 Comparação entre a acreção esférica hidrodinâmica e a
acreção esférica sem colisões...................................................
30
4.8 Exemplo numérico.................................................................... 31
5 Equações relativistas para a acreção esférica adiabática 33
5.1 As equações do problema......................................................... 33
5.2 O regime é necessariamente trans-sónico................................. 36
5.3 Taxa de captura de partículas.................................................... 37
5.4 Acreção de um gás de Maxwell-Boltzmann............................. 40
6 Radiação da acreção esférica no caso quase-adiabático 42
6.1 Introdução.................................................................................. 42
6.2 Densidade de energia e pressão do gás..................................... 43
6.3 Índice adiabático efectivo.......................................................... 44
6.4 Equações do fluxo de partículas................................................ 46
iv
6.5 Luminosidade total emitida....................................................... 46
7 Espectro da radiação emergente na acreção esférica 49
7.1 Introdução.................................................................................. 49
7.2 Grau de ionização...................................................................... 50
7.3 Processos de arrefecimento e aquecimento do gás.................... 51
7.4 Pressão e densidade de energia.................................................. 53
7.5 As equações do problema e a sua resolução.............................. 55
7.6 O espectro de frequências observado........................................ 58
7.7 Resultados para a região HII..................................................... 60
7.8 Resultados para a região HI....................................................... 64
7.9 Comparação entre os resultados para as regiões HI e HII......... 67
8 Acreção esférica na presença de um campo magnético 68
8.1 Introdução................................................................................. 68
8.2 Força magnética e componentes do campo magnético............. 69
8.3 Influência do campo magnético na dinâmica do fluxo de
partículas....................................................................................
71
8.4 Equipartição da energia no plasma........................................... 75
8.5 Emissão de sincotrão................................................................ 76
Referências 79
v
Lista de Figuras
2.1 Estrutura do buraco negro de Schwarzschild................................................... 4
4.1 Variação do número de Mach com a distância na acreção esférica................. 25
7.1 Grau de ionização numa região HI.................................................................. 51
7.2 Taxa de arrefecimento do gás numa região HI................................................ 53
7.3 Taxa de arrefecimento do gás numa região HII............................................... 54
7.4 Velocidade radial do gás na acreção esférica.................................................. 61
7.5 Densidade do gás na acreção esférica.............................................................. 61
7.6 Temperatura do gás na acreção esférica.......................................................... 62
7.7 Espectro emitido na acreção esférica numa região HII................................... 63
7.8 Variação do grau de ionização com o raio numa região HI............................. 65
7.9 Espectro emitido na acreção esférica numa região HI..................................... 66
8.1 Velocidade radial do gás na acreção esférica na presença de um campo
magnético.........................................................................................................
73
8.2 Densidade do gás na acreção esférica na presença de um campo magnético.. 74
8.3 Espectro da emissão de sincotrão na acreção esférica na presença de um
campo magnético.............................................................................................
78
vi
Acrónimos
Constantes físicas
Velocidade da luz no vazio c=2.99792458×108ms-1
Constante de Planck h=6.62620×10-34Js
Carga elementar e=1.602189×10-19C
Número de Avogadro No=6.0221367×1023mol-1
Constante universal dos gases R=8.31441Jmol-1K-1
Constante de Boltzmann k=1.380662×10-23JK-1
Constante de Stefan-Boltzmann σ=5.66956×10-8Wm-2K-4
Constante da gravitação G=6.6742×10-11Nm2kg-2
Massa de Planck mp=5.456×10-8kg
Raio Solar R =6.9599×108m
Massa Solar M =1.989×1030kg
Luminosidade Solar L =3.826×1026W
vii
Prefácio Um dos processos que poderá levar à detecção indirecta de buracos negros
consiste na detecção da radiação emitida quando estes acretam matéria do meio
circundante. Se tivermos um buraco negro isolado, mergulhado no meio interestelar,
então o processo de acreção tem simetria esférica. Se o buraco negro fizer parte um
sistema binário então poderá formar-se um disco de acreção de matéria.
São conhecidos actualmente vários candidatos a buraco negro identificados, em
parte, a partir da radiação emitida em discos de acreção de matéria. O primeiro
candidato identificado por este processo, e provavelmente um dos mais bem conhecidos
e estudados, é Cyg X1.
Até a data não há registo de qualquer candidato a buraco negro isolado
identificado a partir da radiação emitida no processo de acreção esférica (foram
identificados alguns candidatos a buraco negro isolado mas pelo efeito de microlente
gravitacional). De qualquer modo o estudo da acreção esférica de matéria por buracos
negros reveste-se de grande importância.
Conhecendo bem o mecanismo da acreção esférica, em diferentes cenários,
poderemos entender melhor como evoluem buracos negros isolados e qual a sua
influência no meio. Além disso o estudo da acreção esférica poderá também ser
encarado como uma introdução para o estudo dos discos de acreção de matéria.
Neste trabalho é feita uma introdução ao problema da acreção esférica de matéria por
buracos negros de Schwarzschild (que são os mais simples). Embora existam modelos
mais recentes o trabalho incide sobre os primeiros modelos desenvolvidos para a
acreção esférica por buracos negros.
Começa-se por descrever os processos de acreção esférica de um gás sem colisões
e de acreção esférica hidrodinâmica em regime adiabático para os quais não há emissão
de radiação. Depois é considerada a acreção esférica em regime quase-adiabático.
Finalmente é discutida a acreção esférica em regime adiabático na presença de um
campo magnético desprezável e na presença de um campo magnético não desprezável.
viii
Este trabalho fazia inicialmente parte dos Anexos da tese que submeti para
satisfação da componente científica das Provas de Aptidão Pedagógica e Capacidade
Científica, intitulada Possibilidade de detecção directa de buracos negros por radiação
electromagnética, realizadas em Novembro de 2003, na Universidade da Madeira, com
vista à habilitação à categoria de Assistente no Departamento de Matemática e
Engenharias da Universidade da Madeira. Seguindo a sugestão apresentada, durante a
discussão das provas, pelo arguente Professor Doutor José Pizarro de Sande Lemos
resolvi apresentar os Anexos referentes à acreção esférica numa monografia em
separado.
José Laurindo de Góis Nóbrega Sobrinho
Fevereiro de 2004
1
Capítulo 1
Introdução
Um buraco negro mergulhado numa nuvem de gás, mais ou menos densa, acaba
sempre por acretar alguma matéria. Se o buraco negro estiver isolado então o processo
de acreção terá simetria esférica.
No Capítulo 2 são introduzidos os buracos negros de Schwarzschild. Os restantes
capítulos são dedicados à acreção esférica de matéria por buracos negros de
Schwarzschild.
Numa primeira abordagem é considerada a acreção esférica de um gás sem
colisões (Capítulo 3). Neste caso as partículas não interactuam entre si, pelo que
também não há emissão de radiação.
A natureza dinâmica do gás no meio interestelar e da matéria trocada entre estrelas
de sistemas binários, levam a crer que a acreção de matéria por objectos compactos,
onde se incluem os buracos negros, tenha natureza hidrodinâmica. No Capítulo 4 é
descrita a acreção esférica hidrodinâmica em regime adiabático. São considerados os
regimes subsónico, supersónico e trans-sónico, verificando-se que a taxa de acreção é
máxima no regime trans-sónico. Além disso, verifica-se que a acreção esférica
hidrodinâmica em regime adiabático é muito mais eficiente que a acreção esférica sem
colisões. O estudo relativista da acreção esférica hidrodinâmica em regime adiabático
(Capítulo 5) revela que quando a massa central é um buraco negro de Schwarzschild a
acreção ocorre necessariamente em regime trans-sónico.
Para que exista emissão de radiação o processo de acreção esférica deverá
decorrer em regime não adiabático. Numa primeira abordagem é considerada a acreção
esférica no caso quase-adiabático (Capítulo 6). Os resultados permitem constatar que a
acreção esférica quase adiabática é um processo muito pouco eficiente de converter
massa em energia.
A acreção esférica, por um buraco negro de Schwarzschild, em regime não
adiabático é discutida no Capítulo 7. É considerada a acreção por buracos negros
mergulhados em regiões HI e HII sendo apresentado, em cada caso, o respectivo
2
espectro de emissão. Verifica-se que no caso da região HI o processo é, em termos de
luminosidade total emitida, muito mais eficiente, que no caso da região HII.
Quando se considera a acreção esférica hidrodinâmica supõe-se a presença de um
campo magnético capaz de manter as partículas juntas. Se esse campo magnético for
fraco então podem ignorar-se outros efeitos do mesmo. No Capítulo 8 é descrita a
acreção esférica por um buraco negro de Schwarzschild, em regime não adiabático, na
presença de um campo magnético não desprezável. Verifica-se que o fluxo de partículas
não é substancialmente alterado havendo um espectro de emissão semelhante ao
verificado na acreção com campo magnético fraco. A novidade é que, para alem dessa
emissão, temos também emissão de sincotrão.
Neste trabalho pretende-se fazer uma introdução ao problema de acreção esférica
de matéria por buracos negros de Schwarzschild tendo por referência principal os
trabalhos pioneiros de Bondi (1952) e Shapiro (1973). A eficiência da conversão entre
massa e energia é nestes modelos relativamente baixa (e.g. Shapiro & Teukolsky 1983).
Ao longo dos últimos anos foram desenvolvidos outros modelos para a acreção esférica
por buracos negros (e.g. Chakrabarti 1996) onde se procuraram atingir eficiências mais
elevadas.
3
Capítulo 2
Buracos Negros de Schwarzschild
A solução de Schwarzschild resulta da resolução das equações do campo no vácuo
para um espaço-tempo com simetria esférica. Esta solução contém a descrição exacta de
um buraco negro sem carga e sem rotação: buraco negro de Schwarzschild. A métrica
correspondente, também conhecida por métrica de Schwarzschild, é normalmente
escrita, em coordenadas esféricas, como se segue (e.g. d' Inverno 1992):
22222222 dsinrdrdr
rm2
1
1dt
r
m21ds ϕθ−θ−
−−
−= (2.1)
onde t é o tempo-coordenada, s representa um intervalo de espaço-tempo e:
2c
GMm = (2.2)
surge como uma constante de integração das equações do campo. Aqui G é a constante
de gravitação universal, c é a velocidade da luz e M é a massa criadora do campo. É
usual o recurso a unidades geometrizadas onde G=c=1. É importante notar que m tem as
dimensões de uma distância.
A métrica (2.1) apresenta singularidades nos pontos r=0 e r=2m. No caso r=2m é
possível mostrar que a singularidade correspondente não é real, ou seja, não é uma
singularidade física (e.g. d' Inverno 1992). De facto, mediante uma transformação
adequada de coordenadas é possível remover esta singularidade. No caso r=0 não é
possível estabelecer qualquer transformação de coordenadas capaz de remover a
singularidade. Estamos perante uma singularidade real. A superfície r=2m corresponde
ao chamado horizonte de acontecimentos do buraco negro. O raio de um buraco negro
deste tipo, também designado por raio de Schwarzschild, é dado por:
4
Figura 2.1 - Estrutura do buraco negro de Schwarzschild
2s c
GM2m2r == (2.3)
Ao ponto r=0 chamamos singularidade do buraco negro. Se extrapolarmos as
soluções das equações do campo para o interior do buraco negro, verifica-se que elas
acabam por quebrar na singularidade. Uma vez desenvolvida uma teoria quântica da
gravitação, talvez se possa substituir a ocorrência de uma singularidade por um estado
da matéria que agora desconhecemos. Seja como for, no presente estudo, estamos
interessados apenas em processos que ocorrem do lado de fora do horizonte de
acontecimentos e, portanto, longe da singularidade, onde a TRG é válida sem qualquer
restrição. Na Figura 2.1 está representada a estrutura do buraco negro de Schwarzschild.
Com os coeficientes da métrica (2.1) construímos o tensor métrico na forma covariante:
ji ,0g ;θsinrg
rg ;r
m21g ;
r
m21g
ij22
33
222
1
1100
≠=−=
−=
−−=−=−
(2.4)
onde os índices 0, 1, 2 e 3 correspondem, respectivamente às coordenadas t, r, θ e ϕ. O
tensor métrico na forma contravariante obtém-se a partir da relação:
( ) ij
3
0α
iαjα δgg =∑
=
(2.5)
onde ijδ representa a função delta de Kronecker. No caso da métrica de Schwarzschild
temos:
5
ji ,0g ;θsinr
1
g
1g ;
r
1
g
1g
;r
m21
g
1g ;
r
m21
g
1g
ij22
33
332
22
22
11
111
00
00
≠=−==−==
−−==
−==−
(2.6)
O trajecto mais curto entre dois pontos do espaço-tempo designa-se por linha
geodésica. As partículas livres deslocam-se sempre seguindo as geodésicas. As
equações das geodésicas podem obter-se a partir do Lagrangeano (e.g. Chandrasekhar
1983):
−
−−
−
−=2
222
2
2
2
gτd
d)θ(Sinr
τd
θdr
rm2
1
τddr
τd
dt
r
m21
2
1L
(2.7)
onde τ corresponde ao tempo próprio (tempo medido por um observador no referencial
da partícula) e t corresponde ao tempo coordenada (tempo medido por um observador
distante). No caso dos fotões τ deverá ser interpretado como um parâmetro afim.
No espaço-tempo de Schwarzschild as geodésicas são descritas num plano
invariante (e.g. Chandrasekhar 1983). Vamos escolher, por exemplo, o plano θ=90º.
O facto do Lagrangeano (2.7) não depender explicitamente das coordenadas t e ϕ
conduz aos seguintes integrais do movimento:
Eτd
dt
r
m21
τddt
LP g
t =
−=
∂
∂=
(2.8)
Lτd
dr
τdd
LP 2g ==
∂
∂−=
(2.9)
Podemos interpretar E como sendo a energia da partícula e L como a componente
do momento angular segundo um eixo normal ao plano invariante (tudo por unidade de
massa). Considere-se também o momento radial:
6
τd
dr
rm2
1
1
τddr
LP g
r
−=
∂
∂−=
(2.10)
O facto do Hamiltoneano coincidir com o Lagrangeano (e.g. Chandrasekhar 1983)
e não depender explicitamente do tempo coordenada conduz a um terceiro integral do
movimento, δ, tal que:
δτd
drP
τd
dL
τd
dtE r =−−
(2.11)
O valor de δ pode ser escalonado de forma a ser zero para o movimento de fotões
e igual à unidade para o movimento de partículas materiais (e.g. Chandrasekhar 1983).
Substituindo (2.8), (2.9) e (2.10) em (2.11) obtemos a seguinte equação radial:
+
−−=
2
22
2
r
Lδ
r
m21E
τd
dr
(2.12)
Se, nesta equação, interpretarmos o membro do lado esquerdo como sendo a
energia cinética da partícula e E2 como a sua energia total, então:
( )
+δ
−=2
22
r
L
r
m21rV (2.13)
será a respectiva energia potencial (tudo por unidade de massa). O movimento só será
permitido quando for E2≥V2. A partir desta condição podemos tirar uma série de
conclusões sobre o tipo de geodésicas permitido, tanto aos fotões como às partículas
materiais, nas imediações de um buraco negro de Schwarzschild (e.g. Schutz 1985).
7
Capítulo 3 Acreção esférica de um gás sem colisões
3.1 Taxa de Captura de Partículas
Consideremos uma nuvem de gás, cujas partículas, supostamente idênticas e de
massa mo, não colidem entre si. Vamos determinar a taxa de acreção desse gás por um
buraco negro de Schwarzschild, de massa M e em repouso no centro dessa nuvem. Para
isso vamos seguir a abordagem feita por Shapiro & Teukolsky (1983).
Seja t),v,rf(rr
a função de distribuição das partículas de gás no espaço de fases. O
número de partículas por elemento de volume vrdd 33 , centrado em rr
evr
no instante t, é
dado por:
( ) ( ) vd rdt,v,rft,v,rdN 33rrrr= (3.1)
A densidade do número de partículas no espaço de coordenadas é dada por:
( ) ( )∫=v o todo
3vdt,v,rft,rnr
rrr (3.2)
e a velocidade quadrática média por:
( ) ( ) ( )∫=v o todo
322 vdt,v,rfvt,rn
1t,rv
r
rrr
r (3.3)
Como não existem colisões, podemos considerar cada partícula de gás como um
subsistema fechado dentro do sistema global que é a nuvem. O teorema de Liouville
garante que para cada um desses subsistemas a função de distribuição é constante, no
8
tempo, ao longo da respectiva trajectória no espaço de fases. A função de distribuição é
então determinada pela equação de Boltzmann, para um gás sem colisões, também
conhecida por equação de Vlasov:
0f.dt
vdf.v
t
fvr =∇+∇+
∂∂
rr
rr
(3.4)
Estamos interessados no caso em que a aceleração é derivada de um potencial
gravitacional Φ:
Φdt
vd −∇=r
Para o potencial contribuem a massa central, M, bem como a massa total das
próprias partículas de gás. Atendendo que esta última contribuição é muito pequena,
vamos considerar:
r
GM−=Φ (3.5)
onde r é a distância à massa central.
Se considerarmos que a nuvem de gás tem simetria esférica, e que o fluxo de
partículas é estacionário, somos levados a concluir que a função de distribuição não
deve depender do tempo ( 0/ =∂∂ tf ). Para sistemas com estas características a função
de distribuição deve depender apenas das constantes dinâmicas do movimento. Neste
caso, essas constantes dinâmicas, são a energia E e a amplitude do momento angular L.
Os valores de E e L, por unidade de massa, são dados pelas expressões:
( ) ( ) ( )rvv2
1rv
2
1E 2
t2r
2 Φ++=Φ+=
trvL = (3.6)
onde vr e vt representam as velocidades radial e tangencial das partículas. Dados E e L
as trajectórias das partículas ficam completamente determinadas.
9
Se, por outro lado, admitirmos que a distribuição de velocidades é isotrópica,
então a função de distribuição não pode depender de L pois este é proporcional à
componente transversal da velocidade. Temos, portanto, f=f(E). Assim, para uma
distribuição estacionária, esfericamente simétrica e com isotropia de velocidades, as
equações (3.2) e (3.3) escrevem-se como:
( )[ ] ( )dEEfE24)r(n2/1
∫∞
Φ
Φ−π= (3.7)
( ) ( ) ( )[ ] ( )dEEfE2rn
4rv
2/3
2∫∞
Φ
Φ−π= (3.8)
A condição para que uma partícula vinda do infinito seja capturada por um buraco
negro é que a sua energia E seja superior ao valor máximo do potencial efectivo V
imposto pelo buraco negro. No caso de um buraco negro de Schwarzschild o potencial
V é dado por (2.13).
Se considerarmos que as partículas de gás permanecem sempre não relativistas
então E2 é aproximadamente igual à unidade (em unidades geometrizadas), pelo que, a
condição de captura pode escrever-se como 1V 2máx > . Verifica-se que Vmáx=1 quando
L=4m. Podemos assim escrever a condição de captura como se segue:
c
GM4L <
Partículas cuja amplitude do momento angular seja inferior a 4GM/c não têm
velocidade tangencial suficiente para escaparem sendo por isso "consumidas" pelo
buraco negro.
O número de partículas por unidade de volume do espaço de fases com
velocidade radial vr dirigida para dentro é dado por:
( ) vd rd f2
1v,rdN 33= (3.9)
10
Esta expressão resulta de (3.1), quando consideramos um sistema com simetria
esférica no caso estacionário. O factor 1/2 resulta de estarmos a tomar em conta apenas
as partículas que caem para o buraco negro central (vr dirigida para dentro). Como
f=f(E) e a captura de partículas depende do valor de L é conveniente alterar (3.9) para
que esta descreva o número de partículas por unidade de r, E e L.
O elemento de velocidade d3v será escrito, com a ajuda de (3.6) e (3.7), como:
r2rtt
3
vr
LdLdE4dvdvv2vd
π=π= (3.10)
onde aparece um factor extra, igual a 2, que reflecte o facto de para um dado E, vr poder
ser negativo ou positivo. Por sua vez o elemento de volume d3r será escrito como:
drr4rd 23 π= (3.11)
Substituindo (3.10) e (3.11) em (3.9) vem:
( ) ( )drdEdLEfv
L8L,E,rdN
r
2π=
Para sabermos a taxa total de acreção de partículas, por unidade de tempo,
dividimos ambos os membros da expressão anterior por dt, o que nos permite eliminar
vr, e integramos de forma a obter-se:
∫∫∞
=C/GM4
0Φ
2 L f dLdEπ8dt
dN (3.12)
Como estamos a considerar um gás de partículas idênticas e de massa mo então a
taxa total de acreção de massa, por unidade de tempo, é:
dt
dNm
dt
dMo=
11
3.2 Distribuição isotrópica e monoenergética
Suponhamos que a distribuição de partículas de gás na nuvem que circunda o
buraco negro é isotrópica e monoenergética. Para pontos muito distantes do centro a
densidade é uniforme e será representada por n∞. Para essas regiões podemos escrever a
função de distribuição em termos da função delta de Dirac:
( ) ( )∞−= EEδKEf
onde ∞E é a energia cinética, por unidade de massa, de uma partícula de gás no infinito.
A constante de normalização K pode ser determinada com a ajuda de (3.7) ficando:
( ) ( )∞
∞∞ π
−δ=E24
EEnEf (3.13)
Embora a função de distribuição tenha sido deduzida para regiões muito distantes
da massa central, pode aplicar-se, pelo teorema de Liouville, em qualquer ponto. A taxa
total de acreção de partículas, por unidade de tempo, é obtida substituindo (3.13) em
(3.12):
( ) 212 cvnGMπ16dt
dN −−∞∞=
podendo a taxa de acreção de massa, por unidade de tempo, ser escrita como:
( ) 212 cvρGMπ16dt
dM −−∞∞= (3.14)
onde ∞∞ =ρ nmo é a densidade volúmica para regiões distantes.
O resultado (3.14) é aplicável quando existe um banho infinito de partículas
monoenergéticas, não relativistas e não ligadas a circundar o buraco negro.
12
Vamos agora determinar, de acordo com a distribuição (3.13), as expressões para
a densidade, velocidade quadrática e temperatura como funções da distância r ao centro.
Consideraremos apenas o caso r>>2m de forma a evitar as correcções relativistas com a
aproximação ao horizonte de acontecimentos. Assim, substituindo (3.13) em (3.7), e
tendo em conta as propriedades da função delta de Dirac, obtemos para a densidade:
( ) 2mr, rv
GM21nrn
2>>+=
∞∞ (3.15)
Analogamente, substituindo (3.13) e (3.15) em (3.8), obtemos para a velocidade
quadrática:
( ) 2mr, rv
GM21vrv
222 >>
+=
∞∞ (3.16)
A expressão para a temperatura pode ser obtida substituindo este último resultado
na relação 2/vm2/kT3 2o= (onde k é a constante de Boltzmann) resultando:
( ) 2mr, rv
GM21TrT
2>>
+=
∞∞ (3.17)
As equações (3.14) a (3.17) dão uma ideia geral acerca da acreção de matéria por
um buraco negro central. Relembre-se, no entanto, que as mesmas são válidas para um
gás sem colisões e cujas partículas são não relativistas. Além disso só são aplicáveis em
regiões bastante distantes do horizonte de acontecimentos.
Define-se raio de captura, ou raio de acreção, como sendo o raio para o qual a
energia potencial da partícula iguala o valor da respectiva energia cinética no infinito:
2a v
GM2r
∞
= (3.18)
Note-se que, por ser v∞<<c, o raio de acreção é muito superior ao raio do
horizonte de acontecimentos (equação 2.3) pelo que os resultados anteriores são
13
também aplicáveis para r<<ra, desde que se mantenha r>>2m. Para r>>ra o potencial
criado pela massa central é muito pouco significativo. Nessas regiões temos n(r)≈n∞,
v(r)≈v∞ e T(r)≈T∞. Quando r<<ra o potencial gravitacional faz sentir o seu efeito
actuando sobre a distribuição de partículas. A densidade e temperatura do gás
aumentam.
3.3 Exemplo numérico Vamos tomar como densidade média do meio interestelar o valor
321m mkg10ρ −−= , o que equivale a termos cerca de 600 átomos de hidrogénio por dm3, e
como velocidade média desse meio o valor 14m ms10v −= . Defina-se densidade relativa
ρr, velocidade relativa vr e massa relativa Mr como se segue:
mr ρ
ρ=ρ ∞
mr v
vv ∞= (3.19)
rM
MM r =
onde M representa a massa do Sol. Com estas definições podemos escrever a equação
(3.14) na forma:
rMMvρKdt
dM 2r
1rr0−=
onde a constante K0 é dada por:
123131
m
m220 ano 1056.1 s 1095.4M
v
ρcGπ16K −−−−− ×=×== r
14
Se tivermos um buraco negro de Schwarzschild de massa igual a 5M (Mr=5),
mergulhado no meio interestelar galáctico (ρr=vr=1) a correspondente taxa de acreção
tem o valor:
122 ano M1090.3 dt
dM −−×= r
Para termos uma ideia de quanto este valor é pequeno, note-se que seria
necessário um tempo muito superior à idade (estimada) do Universo para que a massa
capturada fosse da ordem de 0.01M . Mais concretamente seriam necessários cerca de
2.5×1019 anos. Mesmo que o buraco negro fosse supermassivo, com uma massa da
ordem de 106M , continuaria a ser necessário um intervalo de tempo extremamente
longo (cerca de 6.4×108 anos) para que fosse atingido o mesmo efeito.
O raio de Schwarzschild (2.3), para o buraco negro em consideração, vale 14.7km.
A relação entre o raio de captura (3.18) e o raio de Schwarzschild é de ≈9×108. Temos,
portanto, que sa rr >> , pelo que, podem aplicar-se, sem grande incorrecção, as equações
não relativistas (3.15), (3.16) e (3.17) para pontos bastante inferiores a ra, desde que os
mesmos se situem também bastante aquém de rs.
As equações (3.15) a (3.18) permitem determinar os valores da densidade,
velocidade e temperatura das partículas de gás em arr = . Verifica-se assim que, em
arr = , densidade e velocidade correspondem aos respectivos valores no infinito
afectados do factor 2 , ao passo que a temperatura corresponde ao dobro do seu valor
no infinito.
3.4 Considerações Finais As equações anteriores para dM/dt, n(r), v2(r) e T(r) aplicam-se apenas a
partículas não ligadas (E>0) que se aproximem do buraco negro central. Considerando
que não existem colisões podemos ter um número infinito de partículas ligadas (em
orbitas elípticas em torno do buraco negro). Na função de distribuição (3.13) não existe
15
qualquer informação acerca das partículas ligadas, uma vez que, na ausência de
colisões, estas não têm qualquer influência sobre as não ligadas e vice-versa.
Para um gás sem colisões o livre percurso médio λlpm das respectivas moléculas é
infinito. Quando λlpm é muito superior à escala de comprimento r, característica do
sistema, mas finito, então ocorrem algumas, embora poucas, colisões. Nesse caso a
equação de Vlasov (3.4) deve escrever-se na forma:
cvr t
ff
dt
vdf.v
t
f
∂∂=∇+∇+
∂∂
rr
rr
(3.20)
Contrariamente ao que acontecia para o gás sem colisões agora o lado direito da
equação não é nulo. O termo do lado direito reflecte a variação da função de
distribuição no espaço de fases em consequência das colisões.
Regra geral, esta equação é muito difícil de resolver. Quando o membro do lado
direito é aproximadamente zero, podemos tratá-lo como uma perturbação de primeira
ordem. Neste regime o tempo orbital de uma partícula é muito inferior ao tempo
característico entre colisões. Podemos, assim, continuar a aplicar (3.4) em primeira
aproximação. O teorema de Liouville continua a ser respeitado e para sistemas com
simetria esférica continua a ser f=f(E,L). No entanto f sofre alterações seculares em
resultado das colisões. Quando tomamos intervalos de tempo superiores ao tempo
característico entre colisões, devemos escolher, de entre as várias soluções possíveis da
equação de Vlasov (3.20), uma que satisfaça as condicionantes impostas pelas colisões.
Quando o livre percurso médio é muito inferior à escala de comprimento
característica (λlpm<<r), passam a existir colisões entre as partículas de gás. Nesse caso
o fluxo torna-se hidrodinâmico e deve ser analisado a partir das equações do movimento
para os fluídos. Julga-se ser este o cenário mais provável relativamente à acreção
esférica de matéria por buracos negros.
16
Capítulo 4
Acreção esférica hidrodinâmica em regime adiabático
4.1 Taxa de captura de partículas A natureza dinâmica do gás no meio interestelar e da matéria trocada entre
estrelas de sistemas binários, levam a crer que a acreção de matéria por objectos
compactos, onde se incluem os buracos negros, tenha natureza hidrodinâmica. Embora
as colisões entre partículas de gás não sejam, muitas vezes, suficientes para as juntar,
existem outros processos (e.g. instabilidade do plasma, campos magnéticos, ...) que
asseguram que o fluxo assuma características hidrodinâmicas (e.g. Shapiro &
Teukolsky 1983). Vamos considerar o estudo da acreção esférica hidrodinâmica em
regime adiabático segundo Bondi (1952).
Consideremos um buraco negro de massa M, sem rotação e em repouso numa
nuvem de gás infinita. Vamos supor que no infinito as partículas de gás estão em
repouso (v∞=0) e que nessas paragens a nuvem é caracterizada por uma densidade
uniforme, ρ∞, e uma pressão p∞. Vamos supor também que o gás é adiabático em
primeira aproximação, ou seja, que a respectiva perda de entropia devida à radiação não
é mais do que uma pequena perturbação. Nesse caso a equação de estado do gás pode
ser escrita na forma:
γρKp = (4.1)
onde K e γ são constantes. A constante γ é o chamado índice adiabático do gás e deve
ser tal que 3/51 ≤γ≤ . Podemos escrever a equação de estado na forma adimensional:
γ
∞∞
ρρ=
p
p (4.2)
17
desembaraçando-se assim da constante K. A velocidade do som no gás, que
desempenhará um importante papel neste estudo, é dada por:
ργ=
ρ= p
d
dpa (4.3)
Para descrever o movimento do gás em direcção ao buraco negro utilizaremos as
equações da mecânica dos fluídos, nomeadamente a equação da continuidade:
( ) 0v.t
=ρ∇+∂ρ∂ r
(4.4)
e a equação de Euler ( 2ª lei de Newton para os fluídos):
Φ∇−∇ρ
−= p1
dt
vdr
(4.5)
onde o potencial gravitacional Φ é da pela expressão (3.5). Se considerarmos que o
fluxo de partículas é simetricamente esférico e constante no tempo podemos escrever as
equações (4.4) e (4.5) na forma:
( ) 0urdr
d
r
10u. 2
2=ρ⇔=ρ∇
r (4.6)
2r
GM
dr
dp1
dr
duu −
ρ−= (4.7)
onde u é a componente radial da velocidade (dirigida para dentro). A integração da
equação da continuidade (4.6) conduz a uma constante:
uρrC 2=
18
Verifica-se facilmente que esta constante tem as dimensões kgs-1, ou seja,
corresponde a uma taxa de acreção. Assim, vamos substituir C por dM/(4πdt), com o
factor 4π introduzido por conveniência. Ficamos então com:
uρrπ4dt
dM 2= (4.8)
A expressão obtida para dM/dt depende implicitamente de r através das funções ρ
e u. O passo seguinte será determinar uma expressão para dM/dt que dependa apenas
das características do gás (já que dM/dt é constante).
A equação de Euler (4.5) pode ser integrada, em ordem a r, de forma a obter-se a
equação de Bernoulli:
222
a1
1
r
GMa
1
1
2
u∞−γ
=−−γ
+ (4.9)
Podemos tratar as equações (4.6) e (4.7) de forma a obter-se:
0r
2
u
'u' =++ρρ
(4.10)
0r
GM'a'uu 2
2 =+ρρ+ (4.11)
onde a pelica denota a derivação em ordem a r. Resolvendo o sistema formado por estas
duas equações em ordem a ρ' e u' obtemos:
D
D'u 1=
D
D' 2−=ρ
onde:
19
ρ
−= /
r
GM
r
a2D
2
2
1
u/r
GM
r
u2D
2
2
2
−= (4.12)
( ) ( )ρu/auD 22 −=
Para garantir o aumento de u, à medida que r decresce, evitando a existência de
singularidades no fluxo de partículas de gás, a solução deve passar por um ponto crítico:
0DDD 21 ===
Quando uma partícula de gás cai em direcção ao buraco negro a sua velocidade
radial, u, aumenta. Quando u iguala a velocidade local do som, a, temos D=0. O raio
correspondente a esse ponto diz-se raio sónico, será representado por rsn e pode ser
determinado a partir de D1 ou D2.
sn
2sn
2sn r
GM
2
1au == (4.13)
Substituindo (4.13) na equação de Bernoulli (4.9) resulta:
2sn a
GM
4
35r
∞
γ−= (4.14)
Substituindo este último resultado em (4.13) vem:
22sn
2sn a
35
2ua ∞
γ−==
20
Obtivemos assim expressões para r e a (=u) no ponto sónico em termos de
parâmetros conhecidos. Note-se que os dois últimos resultados requerem 3/5<γ .
O nosso objectivo consiste em determinar a taxa de acreção dM/dt ( em termos
dos parâmetros conhecidos). Como dM/dt é uma constante, o seu valor pode ser
determinado em qualquer ponto, por exemplo, no ponto sónico. Assim, podemos
escrever (4.8) na forma:
snsn2sn uρrπ4
dt
dM = (4.15)
A expressão para ρsn pode ser determinada a partir das expressões (4.2) e (4.3)
obtendo-se:
12
a
a −γ
∞∞
ρ=ρ (4.16)
Substituindo (4.16) em (4.15) temos:
1γ
2
sn2snsn a
araπρ4
dt
dM −
∞∞
=
ou ainda:
∞∞∞
= aρ
a
GMπλ4
dt
dM2
2sn (4.17)
onde λsn é o chamado parâmetro adimensional da acreção para a solução trans-sónica. O
seu valor é dado pela expressão:
( )( )( )12
35
12
1
s 435
21 −γ
γ−−−γ
+γ
γ−
=λ (4.18)
21
Tabela 4.1 - Alguns valores do parâmetro λλλλsn.
γγγγ λλλλsn
5 / 3 4/1 0.250
3 / 2 2/1 0.500
5/7 8/5 0.625
4 / 3 2/1 0.707
1 4/e 2/3 1.120
e depende apenas, como podemos constatar, do índice adiabático do gás. Na Tabela 4.1
são apresentados alguns valores para este parâmetro.
Considerámos a acreção no regime trans-sónico, ou seja, o caso em que a
velocidade das partículas, a partir de um certo ponto chamado raio sónico, ultrapassa a
velocidade do som. Também poderíamos ter falado nos regimes subsónico, em que a
velocidade das partículas é sempre inferior à do som, e supersónico, em que a
velocidade das partículas é sempre superior à do som. No entanto ao tratar o problema
com base na teoria da relatividade geral (Capítulo 5) verifica-se que a acreção esférica
por um buraco negro, que é o que nos interessa, é sempre trans-sónica.
4.2 A acreção é máxima no regime trans-sónico Vamos mostrar que a acreção é máxima quando o regime é trans-sónico que é o
que acontece quando a massa central é um buraco negro (e.g. Bondi 1952). Defina-se
raio adimensional x, velocidade adimensional y e densidade adimensional z como se
segue:
2a
GMxr
∞
=
∞= yau (4.19)
∞ρ=ρ z
Substituindo estas grandezas adimensionais em (4.8) obtemos:
22
( ) yzxρaGMπ4
dtdM
2
32 =∞
−∞
Notando que, todo o lado esquerdo da equação anterior representa uma constante,
designaremos essa constante por λt. Diremos que λt é o parâmetro adimensional para a
taxa de acreção. Podemos então escrever a taxa de acreção (4.8), na forma
adimensional, como se segue:
t2 λyzx = (4.20)
A equação de Bernoulli (4.9) também pode ser escrita na forma adimensional
obtendo-se:
x1
11z
2y 12
=−γ−+
−γ
(4.21)
A resolução das equações (4.20) + (4.21) em ordem a y e a z não é possível, a não
ser que seja introduzida uma variável auxiliar w tal que:
( )2
1γ
yzw−−
= (4.22)
É interessante notar que esta variável introduzida por questões meramente
matemáticas tem um significado físico específico. De facto temos a/uw = que é o
número de Mach. Substituindo (4.22) em (4.20) e resolvendo em ordem a z obtemos:
1γ
2
2t
wx
λz
+
= (4.23)
Se, por outro lado, resolvermos em ordem a y vem:
23
1γ
1γ
2t1γ
2
x
λwy
+−
+
= (4.24)
Com estes dois últimos resultados a equação de Bernoulli pode ser escrita na
forma:
( ) ( )( )
( )xgλwf 1γ
1γ2
t +−−
= (4.25)
onde as funções f e g são dadas por:
( )
−γ+= +γ
21
4
w1
11
21
wwf
( )( )
( )1γ
γ351γ
1γ4
x1γ
xxg +
−−+−
+−
=
O estudo das funções f e g permite determinar w como função de λt e x. Para
encontrar y e z basta substituir w em (4.23) e (4.24) respectivamente.
Quando 3/51 <γ< (deixaremos para depois os casos limite 1=γ e 3/5=γ )
ambas as funções, f e g, consistem na soma de uma potência positiva com uma potência
negativa das respectivas variáveis. Assim sendo ambas devem ter um mínimo. No caso
de f temos:
( )1
1
2
11f)w(ff minmin −γ
+γ=== (4.26)
e no caso de g é:
( ) ( )( )
1γ
γ35
minmin γ354
1
1γ
1γ
4
1γ35
4
1g)x(gg
+−−
−−+=
−== (4.27)
24
O valor mínimo que o lado direito de (4.25) pode tomar ocorre quando mingg = .
Quando isso acontece é também minff = . Para um regime onde são atingidos estes
valores, o correspondente parâmetro λt é máximo, sendo o seu valor dado por:
( )1γ2
1γ
min
minmaxt f
gλ
−+
= (4.28)
Substituindo (4.26) e (4.27) em (4.28) verificamos que snmaxt λλ = , onde λsn, é o
parâmetro adimensional para a acreção para a solução trans-sónica (4.18). Concluímos
assim que a acreção é máxima no regime trans-sónico. A taxa de acreção dada por
(4.17) corresponde à acreção máxima.
4.3 Regimes subsónico, trans-sónico e supersónico O regime de acreção trans-sónico é aquele no qual as partículas de gás começam
por ter velocidades inferiores à velocidade (local) do som e à medida que se aproximam
do centro a sua velocidade é, a partir de um determinado ponto, superior à velocidade
(local) do som. A acreção esférica por buracos negros ocorre sempre neste regime
(Capítulo 5). Isso significa que a acreção esférica por buracos negros é máxima.
Convém aqui, contudo, situar o regime trans-sónico relativamente aos regimes
subsónico e supersónico. Para isso consideremos o gráfico w=w(x), representado na
Figura 4.1, onde estão contemplados os casos:
(1) λt < λsn sub-sónico ou super-sónico
(2) λt = λsn trans-sónico
(3) λt > λsn não tem significado (pois snmaxt λλ = )
Analisemos os casos (1) e (2):
25
Figura 4.1 - Variação do número de Mach, w, com o raio x, para γ =7/5 (adaptado de Bondi 1952)
Caso (1): Vamos começar pela curva AB4. Quando ∞→x , ou seja, quando
∞→r , o número de Mach, w, e, portanto, a velocidade das partículas tende para zero.
É a situação no ponto A. À medida que a partícula cai em direcção ao centro, w aumenta
até que é atingido o máximo 3. Este pico será tanto mais alto, quanto mais λt se
aproximar de λsn. Continuando a aproximação ao centro, w diminui tendendo para zero
(ponto C). O fluxo de partículas é obstruído pela pressão resultante do elevado gradiente
de densidade que surge com o acumular de matéria junto da massa central. A velocidade
das partículas é sempre inferior à do som. Este é o caso típico da acreção esférica por
estrelas de neutrões e anãs.
O ramo A'B'C' não tem significado para o presente estudo pois não respeita as
condições de fronteira no infinito ( 0v ≠∞ ). Este ramo representa um fluxo de partículas
para o exterior resultante de uma aceleração não hidrodinâmica das mesmas. Este tipo
de movimento não pode ser descrito pelas equações consideradas anteriormente. Neste
ramo a velocidade das partículas é sempre superior à do som (regime supersónico).
Note-se ainda que uma partícula não pode saltar do ramo ABC para o ramo A'B'C' pois
tal implicaria uma aceleração infinita.
26
Caso (2): Este caso tem a particularidade de ambas as curvas (ABC e A'B'C') se
intersectarem num ponto, mais exactamente no ponto B=B'. Neste ponto o número de
Mach é igual à unidade, ou seja, a velocidade da partícula iguala a velocidade local do
som. Neste ponto é snrr = . Consideremos uma partícula que parte do repouso no infinito
(ponto A). À medida que a partícula cai para o centro a sua velocidade aumenta
igualando a velocidade do som quando atinge o ponto 3. A partir daqui existem dois
caminhos possíveis: a partícula pode continuar até o ponto C ou então até ao ponto C'.
Se a partícula continuar em direcção ao ponto C, então estamos perante o caso limite do
fluxo subsónico descrito no caso (1). Esta curva (ABC) tem uma tangente descontínua
em B o que implica um salto finito na aceleração ao cruzar esse ponto. Portanto, o mais
provável será a partícula evitar este salto, o que acontece se continuar em direcção a C'.
No troço AB o movimento é subsónico e em BC' é supersónico. Estames perante o
regime trans-sónico que descreve a acreção de matéria por buracos negros.
Finalmente, uma breve referência à curva C'B'A'. Esta descreve um fluxo de
partículas para o exterior. As partículas são catapultadas com velocidade subsónica,
atingindo depois velocidades supersónicas. É o caso, por exemplo, dos ventos estelares.
Antes de terminar vamos fazer referência a um caso especial: o caso 0λ t = .
Quando isso acontece o lado direito de (4.20) é nulo. Como o raio adimensional x e a
densidade adimensional z são, necessariamente, não nulos, somos levados a concluir
que deve ser y=0. Neste caso o gás está em repouso e não existe qualquer forma de
acreção. Este é o caso em que a nuvem de gás pode ser vista como uma continuação da
atmosfera de uma estrela central.
4.4 Acreção de um gás ideal de Maxwell-Boltzmann A expressão da pressão para um gás ideal de Maxwell-Boltzmann pode ser
escrita, em função da densidade e temperatura, como se segue:
0m
kTρp = (4.29)
27
onde k é a constante de Boltzmann e m0 é a massa média por partícula de gás. A
velocidade do som é obtida substituindo (4.29) em (4.3) ficando:
0
2
m
kTγa = (4.30)
Substituindo este último resultado em (4.16) obtemos a expressão para a
temperatura em função da densidade:
1
TT−γ
∞∞
ρρ= (4.31)
Podemos agora determinar, para este caso específico, a constante de
proporcionalidade K presente em (4.1). Para tal basta substituir (4.31) em (4.1) obtendo-
se:
1γ
0
ρm
kTK −
∞∞=
Quando estamos muito aquém do raio sónico, snrr >> , o potencial gravitacional
imposto pela massa central é muito pouco sentido. Os valores da temperatura, densidade
e velocidade do som permanecem muito próximos dos respectivos valores
assimptóticos. A expressão para a velocidade radial u pode ser obtida relacionando (4.8)
com (4.17), obtendo-se:
sn2-
2
2sn rr ra
GM au >>
λ≈
∞∞ (4.32)
Quando snrr << , ou seja, quando estamos muito além do raio sónico, o potencial
gravitacional imposto pela massa central é fortemente dominante. Na equação de
Bernoulli (4.9) podemos desprezar os termos proporcionais a ( )1/1 −γ em relação ao
termo GM/r. Procedendo deste modo obtemos para a velocidade:
28
<γ≤<<≈3
51 e rr com
r
GM2u sn (4.33)
À medida que r vai diminuindo u tende para a velocidade de queda livre. A perda
de velocidade por efeito da pressão do gás torna-se praticamente nula. O caso 3/5=γ
será estudado mais adiante.
Relacionando (4.8), (4.17) e (4.33) obtemos para a densidade:
<γ≤<<
λρ≈ρ∞
∞ 3
51 e rr com r
a
GM
2 sn
3/2-2
3
2sn (4.34)
Quanto à temperatura, podemos substituir (4.34) em (4.31) obtendo-se:
( )
<≤<<
≈
∞∞ 3
5γ1 e rr com r
a
GM
2
λT T sn
2
1-γ3-1-γ
23
2sn (4.35)
Ao tratar o problema do ponto de vista da teoria da relatividade geral (Capítulo 5)
verifica-se que as equações (4.33), (4.34) e (4.35) estão relativisticamente correctas,
desde que identifiquemos r com a coordenada radial de Schwarzschild, u com a 4-
velocidade radial e ρ com a densidade própria (massa em repouso).
4.5 O caso gama = 1 Quando o índice adiabático do gás é igual à unidade o fluxo de partículas é
isotérmico como se depreende a partir de (4.31). A equação de Bernoulli adimensional
(4.21), para o caso 1=γ , pode ser escrita como:
( )x
1zlny
2
1 2 =+
29
Com a ajuda de (4.19) podemos escrever esta equação na forma dimensional:
( ) ( )∞∞∞ ρ=−ρ+ lnar
GMlnau
2
1 222 (4.36)
Quando 1=γ o raio sónico, rsn, assume o seu valor máximo:
1 com a
GM
2
1r
2sn =γ=∞
Quando r>>rsn os valores da temperatura, densidade e velocidade do som devem
permanecer muito próximos dos respectivos valores assimptóticos. A expressão para a
velocidade u, dada por (4.32), também continua a ser válida.
Por outro lado, quando r<<rsn podemos desprezar, na equação (4.36) os termos
logarítmicos em relação a GM/r. Procedendo deste modo recuperamos para a velocidade
a expressão (4.33) e para a densidade e temperatura as expressões (4.34) e (4.35)
respectivamente.
4.6 O caso gama = 5/3 Quando o índice adiabático do gás toma o valor 5/3 o raio sónico anula-se. O
facto de rsn ser nulo significa que as partículas só atingem a velocidade do som na
origem, decorrendo o processo de acreção sempre em regime subsónico.
Para regiões muito distantes do centro os valores da densidade, temperatura e
velocidade do som permanecem próximos dos respectivos valores assimptóticos, como
de resto acontecia nos dois casos anteriores. Quando r é pequeno, as equações diferem
das consideradas anteriormente para r<<rsn. A velocidade radial u, assim como a
velocidade do som a, podem ser determinadas, de forma aproximada, a partir da
expressão:
35
e a
GMr com
rGM
21
au2
=γ<<≈≈∞
(4.37)
30
Este resultado é obtido de (4.13) e constitui uma boa aproximação quando a
condição 2a/GMr ∞<< se verifica (equação 4.14). A expressão para a densidade pode
ser obtida, a exemplo do que fizemos anteriormente, substituindo (4.37) em (4.8),
conciliando depois o resultado com (4.17). Fica então:
3
5 e
a
GMr com r
a
GM
4
22
3/2-
3/2
2=γ<<
ρ≈ρ
∞∞∞ (4.38)
Substituindo este último resultado em (4.31) obtemos a expressão para a
temperatura:
3
5 e
a
GMr com r
a
GM
2
1TT 2
1-2 =γ<<≈
∞∞∞ (4.39)
As equações (4.37) a (4.39) estão relativisticamente correctas, a menos de um
factor multiplicativo numérico da ordem da unidade.
4.7 Comparação entre a acreção esférica hidrodinâmica e a acreção esférica sem colisões A taxa de captura de partículas para um gás sem colisões é, no caso da
distribuição ser isotrópica e monoenergética, dada por (3.14). Por sua vez, a taxa de
captura de partículas em regime hidrodinâmico é, no caso de um gás ideal de Maxwell-
Boltzmann adiabático, dada por (4.17). Relacionando as duas equações anteriores vem:
2
2sn
a
c
a
v
4
λ
dM
dM
colisões sem
icohidrodinâm
∞∞
∞= (4.40)
31
Para o meio interestelar característico da nossa galáxia podemos tomar para a∞ um
valor da ordem dos 10 kms-1. Recordando que esse foi também o valor tomado para v∞
no caso do gás sem colisões e que 1/4<λsn<1.120 temos que:
92
2
10a
c ≈∞
é o factor dominante em (4.40). Concluímos então que a acreção hidrodinâmica é muito
mais eficiente (por um factor de cerca de 109) do que a acreção de um gás sem colisões.
A explicação é a seguinte: as colisões entre partículas de gás limitam o
movimento tangencial das mesmas. Como resultado temos um afunilamento de
partículas na direcção radial o que vem aumentar significativamente a eficiência na
captura.
4.8 Exemplo numérico Vamos tomar, novamente, como densidade média típica para o meio interestelar,
da nossa galáxia, o valor 321m kgm10ρ −−= e para velocidade típica do som, no mesmo
meio, 14m ms10a −= . Defina-se velocidade do som relativa como se segue
mr a
aa ∞= (4.41)
Com a ajuda de (3.19) e (4.41) podemos escrever (4.17) na forma:
rMλaρMKdt
dMsn
3rr
2r1
−=
onde a constante K1 é dada por:
1151223m
m21 ano1051.3s1011.1
a
ρMGπ4K −−−− ×=×== r
32
Se tivermos um buraco negro de Schwarzschild de massa igual a 5M (Mr=5),
mergulhado no meio interestelar galáctico (ρr=ar=1), temos, para um índice adiabático
igual a 5/3 (λsn=1/4), a seguinte taxa de acreção:
114 ano M1019.2dt
dM −−×= r
Embora este resultado seja muito superior ao registado para o caso do gás sem
colisões (nas mesmas condições), não deixa de ser um valor relativamente pequeno.
Para que a matéria capturada fosse da ordem das 0.01M seriam necessários cerca de
4.5×1011anos. A acreção esférica é, regra geral, um processo de captura de matéria
pouco eficiente.
33
Capítulo 5 Equações relativistas para a acreção esférica adiabática
5.1 As equações do problema
Vamos tratar o problema da acreção esférica adiabática, não dependente do
tempo, por um buraco negro de Schwarzschild, de massa M, de acordo com a Teoria da
Relatividade Geral (e.g Shapiro & Teukolsky 1983). Como elemento de linha será
considerada a métrica de Schwarzschild (2.1). Ao fazê-lo estamos a ignorar o efeito do
gás que circunda o buraco negro bem como o aumento de massa deste último. A
densidade massa-energia total do gás é dada por:
i0 εnmρ += (5.1)
onde n é a densidade bariónica, m0 é a massa bariónica média e εi é a densidade de
energia interna. No infinito o gás é caracterizado por uma densidade bariónica n∞, por
uma densidade de massa em repouso m0n∞ e por uma densidade massa-energia total ρ∞.
Uma das equações chave do problema é a equação que traduz a conservação
bariónica:
( ) 0nuii =∇ (5.2)
onde ui é a 4-velocidade. Esta equação é o análogo relativista da equação da
continuidade (4.4). Quando é considerada a métrica de Schwarzschild a equação (5.2)
pode ser escrita na forma:
0r
2
u
'u
n
'n =++ (5.3)
34
que é o análogo relativista da equação (4.10) onde a pelica representa a derivação em
ordem a r. Outra equação chave do problema é a equação que traduz a conservação do
momento:
( )k
kiiik
k
x
puu
x
puupρ
∂∂−
∂∂−=∇+ (5.4)
Esta equação é o análogo relativista da equação de Euler (4.5). Quando
consideramos a métrica de Schwarzschild a equação (5.4) resulta numa trivialidade para
i=2 ou i=3. Para i=0 ou i=1 obtemos a equação:
22
r
m
r
m2u1
r
p
pρ
1'uu −
−+∂∂
+−= (5.5)
Finalmente, no que respeita à identificação das equações chave do problema,
temos a equação da conservação massa-energia (equação da entropia):
0TdSn
1pd
n
ρd ==
+
(5.6)
O lado direito da equação anterior foi considerado nulo pelo facto de estarmos a
considerar um regime adiabático (a perda de entropia devida à radiação é praticamente
insignificante). Esta equação pode ser escrita numa forma mais simples como se segue:
n
pρ
dn
ρd += (5.7)
Este último resultado permite escrever a velocidade do som (4.3) na forma:
pρ
n
dn
dp
ρd
dpa2
+== (5.8)
35
Substituindo (5.8) em (5.6) vem:
0n
'nau
r
m21
r
m'uu 22
2=
+−++ (5.9)
que é o análogo relativista da equação (4.11). O passo seguinte consiste, como no caso
Newtoniano, na resolução do sistema formado pelas equações (5.3) e (5.9) em ordem a
u' e n'. As soluções podem ser escritas na forma:
D
D'u 1=
(5.10)
D
D'n 2−=
onde:
n/r
m
r
a2u
r
m21D
2
22
1
−
+−=
n/r
m
r
u2D
2
2
2
−= (5.11)
( )un/aur
m21uD 222
+−−=
As expressões anteriores são os análogos relativistas de (4.12), para as quais
tendem no limite Newtoniano.
36
5.2 O regime é necessariamente trans-sónico Quando r tende para infinito a expressão para D pode escrever-se na forma:
nu
auD
22
∞
∞∞∞
−≈
A velocidade do som no infinito tem um valor finito não nulo, a∞, ao passo que a
velocidade das partículas de gás tende para zero (gás em repouso). Assim, deve ser
0D <∞ . Por outro lado, sobre o horizonte de acontecimentos temos:
( )22
m2 a1n
uD −=
Como é necessariamente a2<1, pois estamos a considerar unidades geometrizadas,
resulta 0D m2 > . Concluímos assim que D deve anular-se num determinado ponto rsn
exterior a r=2m.
Quando a massa central é um buraco negro de Schwarzschild a acreção
esférica ocorre sempre em regime trans-sónico.
De forma a evitar a existência de singularidades no fluxo de partículas de gás D1 e
D2 também devem anular-se no ponto r=rsn. Igualando as 3 equações de (5.11) a zero
tiramos as seguintes relações:
2sn
2sn
sn
2sn a31
a
r2
mu
+== (5.12)
Note-se que contrariamente ao que acontecia no caso Newtoniano agora no ponto
crítico, rsn, a velocidade das partículas de gás não iguala a velocidade do som.
37
5.3 Taxa de captura de partículas
A equação (5.3) pode ser integrada, conduzindo a uma constante que corresponde
à taxa de acreção de massa pelo buraco negro, como em (4.8). Neste caso fica:
20nurmπ4
dt
dM = (5.13)
Como equação de estado, do gás, vamos adoptar novamente a equação (4.1), a
qual, na presente notação, se escreve:
γKnp = (5.14)
Introduzindo esta equação de estado na equação da entropia (5.6) e integrando a
mesma resulta:
1γ
Knnmρ
γ
0 −+= (5.15)
onde a constante de integração m0 é obtida por comparação directa com (5.1). Somando
(5.14) a ambos os membros de (5.15) e dividindo por n vem:
1γ0 Kn
1γ
γm
n
pρ −
−+=+
(5.16)
Substituindo (5.14) e (5.16) em (5.5) e atendendo a que, quando r tende para
infinito tanto u como 2m/r tendem para zero, obtemos a seguinte lei da conservação:
2
22
n
pρu
r
m21
n
pρ
+=
+−
+
∞
∞∞ (5.17)
38
Esta é a equação relativista de Bernoulli. Vamos introduzir a velocidade do som
nesta equação, por forma a obtermos o análogo relativista de (4.9). Assim, substituindo
(5.14) e (5.16) em (5.8) tiramos que:
1γ
a1
maKnγ 2
02
1γ
−−
=− (5.18)
Combinando (5.16), (5.17) e (5.18) vem:
2
2
22
2
22
a1
a1
a1
a1u
r
m21
−−γ+=
−−γ+
+−∞
∞ (5.19)
que é o pretendido, ou seja, a forma relativista da equação de Bernoulli (4.9). Invertendo
ambos os membros desta equação e avaliando a mesma no ponto rsn, obtemos:
( )2222
sn2sn 1
a1
1
a1a31
−γ−=
−γ−+ ∞ (5.20)
Tendo em conta que a∞<<1 e admitindo que é também as<<1, vamos expandir esta
última expressão desprezando os termos de ordem superior a (asn)2 e (a∞)2. Obtemos
assim:
3
5, a
35
2a 22
sn ≠γγ−
≈ ∞ (5.21)
Combinando (5.21) com (5.12) obtemos para rsn, nesta aproximação, a expressão:
3
5γ,
a
m
4
γ35r
22sn ≠−≈
∞
(5.22)
que é igual à obtida para o caso Newtoniano (equação 4.14). Avaliando (5.18) no
infinito e em rsn e dividindo as expressões obtidas uma pela outra, vem:
39
1γ
2
snsn
a
a
n
n −
∞∞
≈ (5.23)
Como dM/dt é constante pode ser avaliado em qualquer ponto. Em particular no
ponto sónico, r=rsn, vem:
2snsnsn0 runmπ4
dt
dM =
sendo os valores de asn, rsn e nsn dados pelas expressões (5.21), (5.22) e (5.23)
respectivamente. Sendo asn<<1 podemos escrever:
30
2sn anmmπλ4
dt
dM −∞∞= (5.24)
onde o parâmetro de acreção adimensional λs continua a ser dado pela expressão (4.18).
Comparando (4.17) com (5.24) verifica-se que, na aproximação considerada
(ordem mais baixa), os resultados relativista e Newtoniano (para o caso trans-sónico)
coincidem. Isso deve-se ao facto de a taxa de acreção ter sido determinada, em ambos
os casos, no ponto sónico rsn o qual dista significativamente do horizonte de
acontecimentos (rsn>>2m). Embora tenha conduzido ao mesmo resultado, para a taxa de
acreção, o estudo relativista mostrou que a acreção esférica para um buraco negro é
necessariamente trans-sónica.
Vamos finalizar esta secção calculando os valores de asn e rsn no caso γ=5/3.
Assim, fazendo γ=5/3 em (5.20) e desprezando 6sna face a 4
sna e 4a∞ face a 2a∞ vem:
3
5, a
3
2a2
sn =γ≈ ∞
Substituindo o resultado anterior em (5.12) vem:
40
3
5,
a
m
4
3rsn =γ≈
∞
Note-se que agora o facto de ser γ=5/3 não implica ser rsn=0 como acontecia no
caso Newtoniano. No caso de ser a∞<<1 (como de resto estamos a considerar) rsn é
muito superior a 2m, mesmo no caso γ=5/3.
5.4 Acreção de um gás de Maxwell-Boltzmann A equação de estado para um gás ideal de Maxwell-Boltzmann pode ser escrita,
em função da densidade bariónica n e da temperatura T, como se segue:
nkTp = (5.25)
onde k é a constante de Boltzmann. Combinando (5.14) com (5.25) obtemos a expressão
da temperatura:
1
n
nTT
−γ
∞∞
= (5.26)
Quando r>>rsn, ou seja, quando estamos muito aquém do ponto sónico, o potencial
gravitacional imposto pela massa central é muito pouco sentido e os efeitos relativistas
praticamente nulos. Os valores da temperatura, densidade bariónica e velocidade do
som permanecem muito próximos dos respectivos valores assimptóticos. Uma
expressão para a velocidade radial pode ser obtida relacionando (5.13) com (5.24):
sn22
sn3 rr, rmau >>λ≈ −−
∞
Recuperamos assim o resultado obtido no caso Newtoniano ( equação 4.32).
Quando r<<rsn, ou seja, quando estamos muito além do ponto sónico, o potencial
gravitacional imposto pela massa central torna-se dominante. Na equação de Bernoulli
(5.19) podemos desprezar os termos onde aparece γ, obtendo-se assim:
41
3
5 e rr,
r
m2u sn ≠γ<<≈ (5.27)
Relacionando (5.13), (5.24) e (5.27) obtemos para a densidade bariónica:
3
5 e rr, r
a
m
2nn sn
2/3
2/3
2sn ≠γ<<
λ≈ −
∞∞ (5.28)
Quanto à temperatura, podemos substituir (5.28) em (5.26) obtendo-se:
( )3
5 e rr, r
a
m
2TT sn
2/13
12/3
2sn ≠γ<<
λ≈ −γ−
−γ
∞∞ (5.29)
Os resultados (5.27), (5.28) e (5.29) são idênticos aos obtidos no tratamento
Newtoniano do problema (equações 4.33, 4.34 e 4.35). Assim, na aproximação
considerada no estudo relativista (asn<<1 e a∞<<1), os resultados obtidos são os
previstos pela teoria clássica. O estudo relativista apenas veio revelar que no caso da
massa central ser um buraco negro de Schwarzschild, então, o regime de acreção é
necessariamente trans-sónico.
42
Capítulo 6 Radiação da acreção esférica no caso quase-adiabático
6.1 Introdução O cálculo do montante de radiação emitida durante a acreção esférica de matéria
por um buraco negro não é, no caso geral, trivial. Devem ser resolvidas as equações
hidrodinâmicas para o movimento do gás juntamente com as equações de transferência
radiativa. Além disso, os resultados são fortemente dependentes das condições de
fronteira a que o gás está sujeito no infinito.
Numa primeira abordagem ao problema vamos supor que o fluxo hidrodinâmico
do gás é aproximadamente adiabático. Nesse caso a perda de radiação (por emissão)
pode ser vista como uma pequena perturbação (e.g. Shapiro & Teukolsky 1983).
Continuam a ser aplicáveis as equações de Bondi para a acreção esférica em regime
adiabático (Capítulo 4). A partir destas determinaremos a taxa de emissão de radiação.
Todavia, para que o estudo seja consistente, essa taxa de emissão deve ser muito inferior
à taxa de acreção.
O nosso sistema consistirá num buraco negro de Schwarzschild mergulhado numa
região HII. As regiões HII, típicas no meio interestelar, são compostas por hidrogénio
completamente ionizado. A ionização é geralmente provocada por fotões ultravioleta
provenientes de estrelas jovens situadas na vizinhança. A temperatura típica para uma
região HII é T∞ ≈ 104K e a densidade típica é de 1 átomo/cm3.
Consideremos as relações:
2p
p cm
kTΘ =
43
2e
e cm
kTΘ =
A temperatura do gás que circunda o buraco negro varia desde os 104K até valores
da ordem dos 1011K junto ao horizonte de acontecimentos. Verifica-se que 1p <<Θ para
qualquer temperatura da gama anterior. Isto significa que durante todo o processo de
acreção os protões permanecem não relativistas. No caso dos electrões temos que
1e <<Θ se T << 6×109K, mas 1e >>Θ se T >> 6×109K. Concluímos assim que, embora
os electrões sejam não relativistas para pontos muito distantes do buraco negro, estes
tornam-se relativistas com a aproximação ao horizonte de acontecimentos. O processo
de acreção fica assim dividido em dois regimes: não relativista e relativista.
6.2 Densidade de energia e pressão do gás Para transformações adiabáticas a equação da entropia escreve-se na forma (5.6).
Tendo em conta a equação de estado (4.1) podemos integrar a equação da entropia de
forma a obter para a densidade de energia interna do gás (tanto no regime não relativista
como no regime relativista) o seguinte resultado:
constante γ com 1γ
pε i −
= (6.1)
No regime não relativista ( 1e <<Θ ) a densidade de energia interna do gás é dada
por:
3nkTε i = (6.2)
e a densidade total de massa-energia é dada por:
( ) 3nkTcmmnε 2ep ++= (6.3)
44
Note-se que electrões e protões contribuem da mesma forma, uma vez que as
respectivas densidades numéricas são iguais. Próximo do buraco negro os electrões
tornam-se relativistas ( 1e >>Θ ) enquanto que os protões permanecem não relativistas
( 1p <<Θ ). Para um gás de electrões relativistas a teoria da relatividade especial confere
o seguinte resultado:
( )electrões os para 3nkTεε i ==
Assim, no regime relativista, a densidade de energia interna do gás pode
escrever-se:
nkT2
9ε i = (6.4)
ficando a densidade total de massa-energia dada por:
2pcnmnkT
2
9ε += (6.5)
No que respeita à pressão temos, para ambos os regimes, a expressão:
nkT2p = (6.6)
6.3 Índice adiabático efectivo Substituindo (6.2) em (6.1) obtemos o índice adiabático do gás para o caso não
relativista:
1 , 3
5e <<Θ=γ
Quanto ao caso relativista obtemos, substituindo (6.4) em (6.1), o valor:
45
1 , 9
13e >>Θ=γ
As expressões para a densidade de massa-energia de ambos os regimes igualam-
se no ponto:
2ecm
3
2kT = (6.7)
Claro que a transição, do caso não relativista para o caso relativista, é suave e
gradual, com γ a variar em função da temperatura. No entanto, como as expressões para
a densidade de massa-energia e para a pressão são continuas no ponto descrito
anteriormente, vamos considerar este como um ponto de transição e definir um índice
adiabático efectivo γ* como se segue:
3
2 com
3
5e
* ≤Θ=γ (não relativista) (6.8)
3
2 com
9
13e
* >Θ=γ (relativista) (6.9)
Substituindo (6.6) e (6.8) em (4.3) e tendo em conta que me<<mp obtemos, para
a velocidade do som no infinito, o seguinte resultado:
pm
kT
3
52a ∞
∞ ×= (6.10)
O raio de transição efectivo r* entre os dois regimes pode obter-se substituindo
(6.7) e (6.10) em (4.39), resultando:
e
p
2*
m
m
c
GM
40
9r = (6.11)
46
6.4 Equações do fluxo de partículas
Todas as equações necessárias à descrição do fluxo de partículas, em direcção ao
buraco negro, já foram apresentadas anteriorment6. Apenas temos de ter o cuidado de
escolher as equações apropriadas para cada situação.
Assim, no domínio não relativista (com γ=5/3), em pontos muito distantes do
buraco negro, onde a densidade, temperatura e velocidade do som são praticamente
iguais aos respectivos valores assimptóticos, a velocidade radial das partículas é dada
por (4.32). Continuando ainda no domínio não relativista (com γ=5/3), mas já em pontos
muito mais próximos de r*, são válidas as equações (4.37) a (4.39).
Transpondo r* entramos no domínio relativista, onde devem ser aplicadas as
equações (4.33) a (4.35), com γ=13/9.
A temperatura junto ao horizonte de acontecimentos pode ser estimada a partir da
seguinte relação de proporcionalidade:
3/2*
* r
r
T
T
∝
obtida tendo em conta (6.9), (4.31) e (4.34). De acordo com esta expressão é
Th≈1.4×1011K. Uma integração cuidadosa da equação de Euler utilizando (6.9) conduz
ao valor Th≈1.0×1011K (Shapiro 1973a). Substituindo (6.9) pela função que dá a
dependência exacta de γ com a temperatura então o resultado seria Th≈0.76×1011K
(Shapiro & Teukolsky 1983).
6.5 Luminosidade total emitida Quando o gás emite radiação está a perder energia e, portanto, a sua temperatura
diminui. Designaremos por )T(Λ II a taxa de arrefecimento do gás numa região HII. Os
processos que mais contribuem para a emissão de radiação são:
47
• RRΛ - recombinação radiativa
• peΛ − - bremsstrahlung electrão-protão
• eeΛ − - bremsstrahlung electrão-electrão
As curvas características destas três funções estão representadas no Capítulo 7
(Figura 7.3). Verifica-se que a maior parte da radiação é originada junto ao horizonte de
acontecimentos. Como RRΛ apenas contribui para )T(Λ II em regiões bastante distantes
do horizonte de acontecimentos vamos considerar:
)T(Λ)T(Λ)T(Λ eepeII −− +=
As expressões para peΛ − e eeΛ − podem obter-se a partir da electrodinâmica
clássica. Vamos considerar:
−
+=− 577.0
cm
kT2ln
2
3ckTnnrZα12Λ
2e
pe20
2pe
−
+=− 577.0
cm
kT2ln
4
5ckTnrα24Λ
2e
2e
20ee
onde )c/(eα2
h= é a constante de estrutura fina, )cm/(er 2e
20 = é o raio clássico do
electrão, Z é o número atómico, ne é a densidade numérica de electrões e np é a
densidade numérica de protões. No caso do hidrogénio puro é Z=1 e ne=ni=n.
A luminosidade total emitida é dada pelo integral:
∫∞
=hr
2IIII drrπ4)T(ΛL
Esta expressão não tem em conta os efeitos de relatividade especial, devidos à alta
velocidade de queda do gás, nem de relatividade geral, devidos ao forte campo gravítico
do buraco negro.
48
)T(Λ II é uma função implícita de r através de T. Atendendo a que a emissão é
máxima sobre o horizonte de acontecimentos vamos considerar a seguinte aproximação:
hrr
3IIII rπ
3
4ΛL
=
=
Introduzindo neste resultado os valores de n e T verificados sobre o horizonte de
acontecimentos obtemos o seguinte:
(W) M
M
K10
T
cm1
n108L
3
4313
II
×= ∞−
∞
r
Para termos uma ideia acerca da eficiência da conversão de massa em radiação
durante o processo de acreção podemos avaliar a relação:
2
IIf
cdt
dML
ε =
Para a acreção esférica quase adiabática, por um buraco negro de 1M , o valor de
εf ronda os 6×10-11. Este é, por isso, um processo muito pouco eficiente de conversão
entre massa e energia. Mesmo que o buraco negro estivesse a rodar (com momento
angular máximo) o valor anterior aumentaria apenas em cerca de 15%. Estes resultados
contrastam altamente com a acreção esférica para uma estrela de neutrões onde εf≈0.1
(e.g. Shapiro & Teukolsky 1983). No caso dos discos de acreção de matéria por buracos
negros o valor de εf é bem superior, podendo ir até os 0.42.
49
Capítulo 7
Espectro da radiação emergente na acreção esférica
7.1 Introdução Na acreção esférica o hidrogénio, que circunda o buraco negro, cai radialmente
sob a influência do campo gravítico. Nesse processo o gás é comprimido à medida que
energia gravitacional vai sendo convertida em energia interna e energia cinética do gás.
Quando as partículas de gás colidem, inelasticamente, parte dessa energia é libertada,
escapando sob a forma de radiação. Vamos centrar a nossa atenção no espectro de
emissão resultante da acreção esférica por um buraco negro de Schwarzschild (e.g.
Shapiro 1973a).
O gás deverá ser considerado como um meio fluído, e não como um meio
continuo, pois à medida que nos aproximamos do horizonte de acontecimentos o livre
percurso médio das partículas, com respeito às colisões Coulombianas, torna-se superior
à dimensão característica da região. Assim, as colisões junto ao horizonte de
acontecimentos são, em geral, pouco frequentes. No entanto, a presença de um campo
magnético, mesmo fraco, no plasma de hidrogénio, é suficiente para aglomerar
partículas e provocar colisões. Esse campo pode ser mesmo várias ordens de grandeza
inferior ao campo magnético interestelar médio o qual ronda os 10-6G.
Vamos supor a existência de um campo magnético suficientemente forte para
manter as partículas juntas, mas também suficientemente fraco para que possam ser
ignorados os efeitos dinâmicos e radiativos do mesmo. Serão consideradas duas
situações:
• buraco negro mergulhado numa região HI
• buraco negro mergulhado numa região HII
50
À região HI corresponde uma temperatura característica de 100K (longe do buraco
negro). A ionização do hidrogénio neutro é provocada predominantemente pela colisão
entre electrões e átomos neutros. A ionização por raios cósmicos e pela radiação
emergente (do processo de acreção) é considerada insignificant6.
Numa região HII a temperatura característica é de 104K (longe do buraco negro)
apresentando-se o gás completamente ionizado. A ionização é provocada por fotões
ultravioleta provenientes de estrelas vizinhas.
Os processos de aquecimento e arrefecimento do meio dependem do tipo de
região. A reabsorção e dispersão da radiação emergente (raios X e raios gama), bem
como a produção de pares electrão-positrão são pouco importantes.
7.2 Grau de ionização Numa região HI à medida que o hidrogénio vai caindo, em direcção ao buraco
negro, é aquecido e ionizado. O grau de ionização x, em cada ponto, é apenas função da
temperatura, e pode escrever-se como se segue:
( ) ( ) HI Região T/T1
1x →
ζα+=
A função ( )Tζ corresponde à taxa de ionização por colisão electrónica e a função
( )Tα corresponde à taxa de captura de electrões livres para todos os níveis do
hidrogénio ionizado, ou seja, traduz a taxa de recombinação radiativa (e.g. Tucker &
Gould 1966). No gráfico da Figura 7.1 está representada a variação do grau de ionização
com a temperatura.
Numa região HII o hidrogénio apresenta-se completamente ionizado pelo que
temos:
HII Região 1x →=
51
Figura 7.1 - Grau de ionização (por colisão e recombinação radiativa) numa região HI (adaptado de
Shapiro 1973a).
7.3 Processos de arrefecimento e aquecimento do gás O arrefecimento do gás consiste na perda de energia ao ser emitida radiação. A
taxa de arrefecimento, por unidade de volume e de tempo, será descrita por uma função
( )TΛ . Por sua vez o aquecimento do gás é provocado por radiação proveniente do
exterior. A taxa de aquecimento, por unidade de tempo e de volume, será descrita por
uma função ( )TΓ .
Consideremos separadamente cada uma das regiões em estudo:
Região HI
Designaremos a taxa de arrefecimento do gás, numa região HI, por ( )TΛ I .
Indicam-se de seguida os vários processos que contribuem mais significativamente para
o arrefecimento do gás:
52
• EXΛ - excitação por colisão
• RRΛ - recombinação radiativa
• IZΛ - ionização por colisão
• peΛ − - bremsstrahlung electrão-protão
• eeΛ − - bremsstrahlung electrão-electrão
O processo de aquecimento, para uma região do tipo HI, é devido aos raios
cósmicos, os quais provocam a ionização dos átomos. No entanto este mecanismo é,
para uma região deste tipo, praticamente insignificant6. Assim consideraremos ( )TIΓ
aproximadamente zero.
No gráfico da Figura 7.2 estão representadas as curvas características para os
cinco processos de arrefecimento indicados. Verifica-se que a ionização por colisão,
excitação por colisão e recombinação radiativa são processos que ocorrem apenas para o
domínio não relativista (T<6×109K) contrariamente ao que acontece com a
bremsstrahlung electrão-electrão e bremsstrahlung electrão-protão, que pontificam no
domínio relativista e são claramente dominantes a partir dos 107K. A tracejado está
representada a função ( )TΛ I que traduz a taxa de arrefecimento global do gás.
Região HII
Designaremos a taxa de arrefecimento do gás numa região HII por ( )TΛ II . Os
processos que contribuem mais significativamente para esta função são os indicados na
Secção 6.5. Note-se que, no caso de uma região HII, não temos o arrefecimento por
excitação ou ionização. Isso deve-se ao facto de os átomos de gás estarem
completamente ionizados.
O processo de aquecimento numa região HII é provocado sobretudo pela
fotoionização, dos átomos de hidrogénio, por fotões ultravioleta provenientes de estrelas
vizinhas. A taxa de aquecimento, por unidade de tempo e de volume, é dada pela função
( )TIIΓ .
No gráfico da Figura 7.3 estão representadas as curvas características para as
funções IIΓ , RRΛ , eeΛ − , peΛ − e IIΛ . A taxa de aquecimento IIΓ foi traçada para uma
temperatura de 10600K. Note-se que o comportamento desta função é praticamente
53
xxxxx
Figura 7.2 - Curvas características para a taxa de arrefecimento do gás, por unidade de tempo e de
volume, numa região do tipo HI. As diferentes curvas (linha contínua) correspondem aos vários processos
responsáveis pelo arrefecimento: ΛEX - excitação por colisão, ΛRR - recombinação radiativa, ΛIZ -
ionização por colisão, Λe-p - bremsstrahlung electrão-protão, Λe-e - bremsstrahlung electrão-electrão. A
curva ΛI (a tracejado) representa a taxa de arrefecimento global (Shapiro 1973a).
linear e apenas se faz sentir no domínio não relativista. O aquecimento afecta apenas as
regiões mais exteriores da nuvem. As funções eeΛ − e peΛ − são praticamente idênticas
às suas congéneres para a região HI (Figura 7.2).
7.4 Pressão e densidade de energia A temperatura do gás que circunda o buraco negro varia entre 100K (região HI) ou
10000K (região HII) até valores da ordem dos 1011K junto do horizonte de
54
xxxxxxxxxxx
Figura 7.3 - Curvas características para a taxa de arrefecimento e de aquecimento do gás, por unidade de
tempo e de volume, numa região do tipo HII. As diferentes curvas (linha contínua) correspondem aos
vários processos responsáveis pelo arrefecimento: ΛRR - recombinação radiativa, Λe-p - bremsstrahlung
electrão-protão, Λe-e - bremsstrahlung electrão-electrão. A curva ΓII (a ponteado) corresponde à taxa de
aquecimento do gás e a curva ΛII (a tracejado) à taxa de arrefecimento global (Shapiro 1973a).
acontecimentos. Para esta gama de temperaturas os protões permanecem sempre não
relativistas. Quanto aos electrões começam por ser não relativistas, para pontos muito
distantes do buraco negro, mas acabam por tornar-se relativistas com a aproximação ao
buraco negro.
Quando os electrões são não relativistas, a densidade de energia é dada por:
( ) ( ) ( ) 1Θ ,cmmnnIx1nkTx12
3ε e
2epH <<++−−+= (7.1)
55
onde IH é a energia de ionização do hidrogénio neutro no estado fundamental (13.59eV)
e x o grau de ionização. Estamos a adoptar para densidade bariónica a notação
nnn eH += e xnnn pe == , onde nH, np e ne são as densidades respectivas dos átomos
de hidrogénio, protões e electrões.
A pressão do gás no regime não relativista é dada por:
( )nkTx1p +=
As duas expressões anteriores são válidas, no regime não relativista, tanto para a
região HI como para a região HII. No caso da região HII não devemos esquecer que
x=1, recuperando-se, neste caso, as expressões (6.3) e (6.6).
Em pleno regime relativista o gás está completamente ionizado, mesmo no caso
de uma região HI. Neste caso a densidade de energia é dada por (6.5) e a pressão por
(6.6).
As equações (7.1) e (6.5) coincidem para 32e =Θ (Secção 6.1) e x=1. Embora a
transição entre os regimes não relativista e relativista não seja abrupta, no presente
estudo, vamos considerar que a transição ocorre nesse ponto como de resto já o
havíamos feito anteriormente para o caso quase adiabático (Secção 6.3). Assim, para
32e ≤Θ , utilizaremos a equação (7.1) e para 32e >Θ a equação (6.5).
7.5 As equações do problema e a sua resolução
Vamos tratar o problema da emissão de radiação de acordo com TRG. Como
elemento de linha será considerada a métrica de Schwarzschild (2.1). As equações
relativistas para os fluídos serão as mesmas que foram consideradas na Secção 5.1.
Recorreremos assim à equação da conservação bariónica (5.2) e à equação de Euler
(5.4). A juntar a estas duas temos a equação da entropia que, neste caso, será escrita na
forma:
( ) ( )u
TΓTΛ
dr
dn
n
p
dr
dn
n
ρ
dr
ρd −=−− (7.2)
56
Note-se que, no caso não adiabático, o lado direito da equação da entropia já não é
igual a zero. No regime não adiabático não podemos desprezar a perda de entropia
devida à emissão de radiação.
Sejam τ, η e s três quantidades adimensionais definidas do seguinte modo:
∞
=τT
T
∞
=ηn
n
cr
rs= (7.3)
onde crr = é um nível de referência acima do buraco negro que pode ser definido
arbitrariament6. Vamos considerar:
2c a
GM2r
∞
= (7.4)
A resolução do sistema composto pelas equações (5.2), (5.4) e (7.2) deve ser
levado a cabo, substituindo nas mesmas as características internas do gás, ou seja, a
pressão e a densidade de energia. Não deve ser esquecida a variação do grau de
ionização x com a temperatura (o que ocorre no caso de uma região HI).
Dadas condições de fronteira para a velocidade radial, temperatura e densidade,
num determinado ponto, por exemplo no ponto rc, a solução do sistema é única. Essas
condições de fronteira devem ser consistentes com o facto de no infinito o fluxo ser
nulo e que à medida que ∞→r devemos ter 0u → , 1→τ e 1→η .
A solução de maior interesse é aquela que corresponde a uma taxa de acreção
máxima. Será essa a solução que iremos considerar. As condições de fronteira podem
ser extraídas a partir dos resultados obtidos para o estudo não relativista (Capítulo 4).
Consideraremos assim, novamente, a equação de estado (4.1) e a taxa de acreção (4.17)
onde foi introduzido o parâmetro adimensional λ. São assim obtidas as soluções:
( ) ( )43
2 ss4s
ξλ=η (7.5)
( ) ( ) 32ss η=τ (7.6)
57
onde ( )sξ é a relação entre a velocidade do fluxo u(s) e a velocidade do som a(s), sendo
esta última dada pela expressão (4.3). O valor de ( )sξ é obtido a partir da equação
paramétrica:
( ) ( ) λ+=
ξ+ξ 2s6
s
3s 21
23 (7.7)
O lado esquerdo desta equação tem um mínimo igual a 4 em 1=ξ enquanto que o lado
direito tem um mínimo de valor λ/2 quando 0s= . Somos assim levados a concluir
que o valor máximo que o parâmetro λ pode assumir é 0.25.
Quando crr = a energia potencial gravítica das partículas é comparável à
respectiva energia térmica, pelo que esta distância é normalmente designada por raio de
captura. O respectivo valor numérico pode ser calculado a partir de:
)m( x1
2
M
M
K000 10
T1082.4
a
GMr
111
2c
+
×==∞
−∞
∞ r
(7.8)
onde 0x =∞ , no caso de uma região HI, e 1x =∞ , no caso de uma região HII.
Na região crr ≥ a temperatura do gás difere apenas ligeiramente do seu valor no
infinito. Assim, podemos considerar que nesta região, o gás é não relativista e
adiabático. Os efeitos de relatividade geral não têm qualquer relevo nesta região
suficientemente distante do horizonte de acontecimentos do buraco negro. As equações
(7.5), (7.6) e (7.7) representam a solução exacta para a acreção máxima nesta região.
Para crr << o valor de λ permanecerá próximo de 0.25 se o gás mantiver
características aproximadamente adiabáticas. De uma forma geral o parâmetro λ é um
valor da ordem da unidade que deve ser determinado numericament6. Entre crr = e o
horizonte de acontecimentos as soluções analíticas (7.5) a (7.7) já não são válidas. Há
que integrar numericamente as equações. As condições de fronteira a impor são os
valores correspondentes ao ponto crr = .
58
7.6 O espectro de frequências observado Vamos agora determinar o espectro de emissão continuo registado por um
observador distant6. Dados n(r), T(r) e u(r), a partir da integração numérica das
equações dos fluídos, a computação da luminosidade observada, ∞νL , é imediata.
Nos casos em estudo a maior parte da radiação observada deverá estar na banda
dos raios X e raios gama. A contribuição de cada elemento do fluído para a radiação
deve ser calculada a partir dos coeficientes de emissão conhecidos para o hidrogénio
gasoso. As várias contribuições individuais devem ser somadas ao longo de todo o
volume de gás, em acreção, de forma a obter-se ∞νL .
De forma a obter ∞νL a partir da emissividade (isotrópica) do fluído, νj , medida
no referencial local, há que proceder do seguinte modo:
i) obter a emissividade do plasma ''j ν , como se fosse medida, por um observador
estacionário, no referencial de Schwarzschild. Isso consiste na transformação de
relatividade especial:
( )2
2
2
ν'ν
'θcoscv
1
cv
1j'j
−
−= (7.9)
( )'θcoscv
1
cv
1ν'ν
2
2
−
−= (7.10)
onde v é a velocidade própria do fluído medida por um observador estacionário. Essa
velocidade é dada pela expressão:
( ) ( )( )
rm2
1c
ru
ru
rm2
1
1
dt
drrv
2
2
−+=
−=
(7.11)
59
onde 'θ é o ângulo entre a velocidade v, que aponta radialmente para dentro, e a linha
de visão.
ii) considerar o montante de energia recebido no infinito, no intervalo de tempo
∞δt e no intervalo de frequência ∞δν , de um elemento de gás, com volume próprio
'Vδ , emitindo num período 'tδ , no intervalo de frequência 'δν e no ângulo sólido 'Ωδ .
Para isso temos a expressão:
r
m21't''V'jtL ' −δΩδδ=δνδδ ν∞∞ν∞
(7.12)
onde o último factor se deve ao desvio para o vermelho de origem gravitacional (e.g.
d'Inverno 1992) experimentado pela radiação emitida.
iii) considerar que existe simetria esférica e que são válidas as relações de
transformação:
rm2
1
'tt
−
δ=δ ∞
r
m21' −δν=δν∞
rm2
1
rr4'V
2
−
δπ=δ
que ao serem substituídas em (7.12) conduzem à expressão:
'rr4'jL 2' Ωδδπ=δ νν∞
iv) integrar o resultado anterior sobre r e 'Ω , tendo em conta (7.9) e (7.10),
resultando:
60
( )( )
( )( )( )∫∫−
−
−=
∞
*c θcos
12
2
2
ν
r
m2
22ν 'θcosd
'θcoscv
1
cv
1Tjdrrπ8L (7.13)
onde:
( )'θcoscv
1
rm2
1cv
1
νν
2
2
−
−
−
=∞
A integração com respeito a r é feita entre os limites m2r = , uma vez que para
valores menores a radiação já não escapa, e crr = , uma vez que para valores superiores
a emissão é praticamente nula. Ao efectuar a integração sobre o ângulo sólido, foi tido
em conta que os raios de luz que emergem num ângulo θ' inferior a um determinado
ângulo crítico θ* (e.g. Shapiro & Teukolsky 1983), são capturados pelo buraco negro.
7.7 Resultados para a região HII Foi considerada a acreção de hidrogénio ionizado, com 3cm1n −
∞ = e K10T 4=∞ ,
para um buraco negro de Schwarzschild com 1M . Nos gráficos das Figuras 7.4, 7.5 e
7.6 estão representadas as funções u(r), n(r) e T(r) respectivamente, tanto para a região
HII, como para a região HI.
Aquém do raio de captura, rc≈5×1011m, o campo gravítico é pouco sentido e, por
isso, é n(r)≈n∞ e T(r)≈T∞. A velocidade u(r) varia, nesta região, como r-2, de acordo com
a equação da continuidade, e é subsónica.
Entre o raio de captura rc e o raio r*, dado por (6.11), para o qual, relembre-se, os
electrões tornam-se relativistas, u(r) assume valores próximos da metade da velocidade
de queda livre:
61
Figura 7.4 - Velocidade radial do gás em acreção para um buraco negro de Schwarzschild, com 1M , em
função do raio, numa região HI (T∞=100K) e numa região HII (T∞=104K) ambas com n∞=1cm-3 (Shapiro
1973a).
Figura 7.5 - Densidade do gás em acreção para um buraco negro de Schwarzschild, com 1M , em função
do raio, numa região HI e numa região HII (Shapiro 1973a).
( ) c* rrr,
r
GM2
2
1ru <<≈ (7.14)
O fluxo do gás permanece subsónico, embora, u(r) se aproxime lentamente da
velocidade do som à medida que r tende para r*. A densidade do gás é, nesta região,
62
dada por:
Figura 7.6 - Temperatura do gás em acreção para um buraco negro de Schwarzschild, com 1M , em
função do raio, numa região HI e numa região HII (Shapiro 1973a).
( )2/3
c
r
rnrn
≈ ∞ (7.15)
Nesta região intermédia o aquecimento do fluido domina o arrefecimento causado
pelos processos inelásticos. A temperatura aumenta adiabaticamente com a densidade,
ou seja, T(r)∼n(r)γ-1, com o índice adiabático γ=5/3, pelo que fica:
( ) c*c rrr,
r
rTrT <<
≈ ∞ (7.16)
Na região entre r* e o horizonte de acontecimentos os electrões tornam-se
relativistas, o índice γ cai abaixo dos 5/3 e u(r) torna-se supersónica. Aqui a pressão do
gás desempenha um papel diminuto. A velocidade das partículas de gás tende para a
velocidade de queda livr6. A densidade continua a ser dada por 7.15.
Agora é γ=13/9, valor apropriado para um plasma no qual os protões são não
relativistas e os electrões são ultra-relativistas, e a temperatura varia com n(r)4/9, pelo
que fica:
63
Figura 7.7 - Espectro continuo emitido na acreção esférica, numa região HII, com um buraco negro de
Schwarzschild de 1M . Alem da luminosidade total são indicadas as luminosidades parciais devidas aos
processos da recombinação radiativa (curva RR), bremsstrahlung electrão-electrão (curva e-e) e
bremsstrahlung electrão-protão (curva e-p) (adaptado de Shapiro 1973a).
( ) *
2/3** rr,2m
r
r)r(TrT <<
≈ (7.17)
Sobre o horizonte de acontecimentos a temperatura do gás é Th=1011K, a
densidade é nh=4×1011cm-3 e a velocidade radial é uh=2.8×108ms-1. Note-se que a
velocidade própria do fluido sobre o horizonte de acontecimentos é, de acordo com
(7.11), igual à velocidade da luz.
Substituindo em (7.13) as emissividades (e.g. Shapiro & Teukolsky 1983)
relativas aos vários processos responsáveis pela emissão de radiação na região HII,
podemos computar o espectro emitido. No gráfico da Figura 7.7 estão representados os
espectros de cada um dos três processos bem como o espectro total. Verifica-se que este
tem uma curva característica de bremsstrahlung com T≈1011K e uma luminosidade total
L≈2×1014W.
A fonte dominante na opacidade do gás, relativamente aos fotões X e gama, é a
dispersão de Thomson. Para buracos negros de massa estelar e condições interestelares
típicas, a profundidade óptica do gás, entre r=2m e r=rc, é sempre muito inferior à
64
unidade (e.g. Shapiro & Teukolsky 1983). Temos assim que o gás é opticamente fino
para o fluxo de radiação emergent6.
Apenas uma pequena fracção da energia térmica disponível é radiada no decurso
da acreção, sendo a maior parte perdida para o buraco negro. A taxa de arrefecimento,
num dado ponto r do fluído, pode ser escrita na forma:
( )ΓΛrπ3
4
dt
dE 3a −≈
e a taxa de transporte de energia térmica na forma:
( )kTx12
3nurπ4
dt
dE *2t +≈
onde x*=x, no domínio não relativista, e x*=2x, no domínio relativista. Os resultados
mostram que é sempre:
1dE
dE
t
a << (7.18)
Na região de alta temperatura e alta densidade, junto ao horizonte de
acontecimentos, apenas uma fracção igual a 10-9 da energia térmica disponível é emitida
como radiação. A acreção esférica, numa região HII, nas condições consideradas,
revela-se como um processo pouco eficiente, no que respeita à libertação de energia
para o exterior. O resultado (7.18) permite justificar o facto de o gás apresentar um
comportamento tipicamente adiabático.
7.8 Resultados para a região HI Foi considerada a acreção de hidrogénio neutro, com n∞≈1cm-3 e T∞=100K, para
um buraco negro de Schwarzschild com 1M . Nos gráficos das Figuras 7.4, 7.5 e 7.6
estão representadas as funções u(r), n(r) e T(r) respectivamente, tanto para a região HI,
como para a região HII (já considerada anteriormente). A juntar a estes temos o gráfico
65
da Figura 7.8 onde está representada a curva para o grau de ionização, x, em função do
raio.
Figura 7.8 - Variação do grau de ionização com o raio, na acreção esférica, para um buraco negro de
Schwarzschild de 1M , mergulhado numa região HI (adaptado de Shapiro 1973a).
Aquém do raio de captura, rc≈ 9.65×1013m, o campo gravítico é pouco sentido,
sendo por isso n(r)≈n∞ e T(r)≈T∞. A velocidade u(r) varia, nesta região, como r-2, de
acordo com a equação da continuidade, e é subsónica.
Vamos tomar como raio de início da ionização ri'=4×1011m, o que está de acordo
com o gráfico da Figura 7.8. Entre rc e r i' a velocidade do gás cresce até valores
próximos da metade da velocidade de queda livre, permanecendo o fluxo ligeiramente
subsónico. Nesta região voltam a ser válidos os resultados (7.14) a (7.16). Em toda a
região r>ri' o gás comporta-se adiabáticamente com γ≈5/3.
A partir de r=ri' o gás começa a ionizar-se em virtude das colisões electrónicas. A
zona de ionização estende-se desde ri' a ri''≈2×108m. Ao longo de toda esta zona a
temperatura do gás aumenta muito lentamente indo dos 104K aos 3×105K (Figura 7.6).
Isto significa que, nesta zona, a energia gravitacional é convertida muito mais em
energia de ionização do que em energia térmica. O facto de o processo de ionização ser
aproximadamente isotérmico leva a que o índice adiabático do gás seja aqui bastante
próximo da unidad6. É ainda nesta zona que a velocidade do fluxo de partículas fica
supersónica com valores próximos da velocidade de queda livr6.
No sector compreendido entre r i'' e o horizonte de acontecimentos, no qual o gás
está já completamente ionizado, voltamos a ter γ≈5/3. Na região HI, contrariamente ao
66
que acontece na região HII, os electrões permanecem sempre não relativistas. Sobre o
horizonte de acontecimentos temos Th=1.5×109K, nh=1.1×1015cm-3 e uh≈4.
Fígura 7.9 - Espectro continuo emitido, na acreção esférica, numa região HI com um buraco negro de
Schwarzschild de 1M . Alem da luminosidade total são indicadas as luminosidades parciais devidas aos
processos da recombinação radiativa (curva RR), bremsstrahlung electrão-electrão (curva e-e) e
bremsstrahlung electrão-protão (curva e-p) (adaptado de Shapiro 1973a).
Os processos que mais contribuem para o espectro de emissão na região HI
voltam a ser os mesmos que considerámos anteriormente no caso da região HII. Assim,
substituindo as respectivas emissividades em (7.13), podemos calcular os vários
espectros individuais bem como o espectro total para a região HI. Os resultados são
apresentados no gráfico da Figura 7.9.
Verifica-se que o espectro apresenta uma curva característica de bremsstrahlung
com T≈109K e uma luminosidade total L=3.2×1018W
A relação ta dE/dE , praticamente nula na zona neutra, cresce até aos 5×10-2 a
meio da zona de ionização. Este crescimento fica a dever-se à grande taxa de
arrefecimento provocada pela excitação por colisão quando T≈104K, como se pode
constatar pela Figura 7.2. Depois deste pico, temos um decréscimo progressivo à
medida que nos aproximamos de r=2m onde a relação em causa é cerca de 6×10-7.
Concluímos assim que, o modelo de acreção esférica numa região HI é muito pouco
eficaz, quando visto como uma fonte de energia.
67
7.9 Comparação entre os resultados para as regiões HI e HII Comparando os gráficos das Figuras 7.7 e 7.9 verificamos uma clara diferença no
espectro de frequências continuo emitido para cada uma das regiões. A luminosidade
total emitida é, na região HI, muito superior (por um factor de ≈104) à luminosidade
total emitida na região HII.
A temperatura é comparativamente mais baixa para a região HI (Figura 7.6). Isto
acontece assim porque, na região HI, uma parte significativa da energia gravitacional é
utilizada na ionização do hidrogénio neutro, havendo assim menos energia disponível
para aquecer o gás. O raio de captura para as partículas de gás é, por isso, numa região
HI cerca de 200 vezes superior ao verificado para uma região HII.
Numa região HI a densidade de partículas junto ao horizonte de acontecimentos é
muito superior (por um factor de 2500) à verificada no caso da região HII, sendo no
entanto a temperatura mais baixa.
68
Capítulo 8 Acreção esférica na presença de um campo magnético
8.1 Introdução No Capítulo 7 foi desenvolvido o estudo da acreção esférica, do material do meio
interestelar, por um buraco negro de Schwarzschild. Foi assumida a existência de um
campo magnético, capaz de manter as partículas de plasma juntas num fluído,
proporcionando assim uma acreção de matéria mais eficiente. No entanto, esse campo
magnético foi suposto bastante fraco, por forma a que se pudessem ignorar outros
efeitos do mesmo.
Vamos proceder ao estudo da acreção esférica, não dependente do tempo, por um
buraco negro de Schwarzschild, mergulhado numa região HII com um campo
magnético não desprezável (e.g Shapiro 1973b). Teremos assim que considerar os
efeitos desse campo magnético na dinâmica do fluxo de partículas e na radiação
emitida, para além do efeito de coesão de partículas de plasma.
Tomaremos para a região HII os valores n∞≈1cm-3 e T∞≈104K para a densidade
bariónica e temperatura no infinito. Para intensidade do campo magnético interestelar,
longe do buraco negro, vamos considerar B∞≈3×10-68. Atendendo ao facto de numa
região HII a condutividade eléctrica ser bastante elevada, uma vez que o gás está
completamente ionizado, vamos considerar, de forma a facilitar os cálculos, que a
condutividade eléctrica é infinita.
Foram propostos, por diversos autores, vários modelos para o campo magnético
interestelar. Esses modelos visavam, sobretudo, explicar a isotropia observada nos raios
cósmicos. Como estamos a considerar a condutividade eléctrica infinita, o campo
magnético deve ficar, aparte ligeiras instabilidades, pregado (ou congelado) nas
partículas de gás. De acordo com Jokipii & Parker (1969) o campo de velocidades do
gás no meio interestelar é turbulento e aleatório. Assim, o próprio campo magnético
69
interestelar, deve ser aleatório. No entanto, para que o campo magnético se possa
considerar aleatório no âmbito da acreção esférica, deve ser respeitada a relação:
c.coer rL <<
onde Lcoer. é o comprimento de coerência do campo magnético e rc é o raio de captura
de partículas pelo buraco negro (7.8). O valor de Lcoer. varia consoante a região.
Observam-se flutuações significativas do campo magnético interestelar, em escalas que
vão desde 1pc até distâncias da ordem das centésimas da unidade astronómica (e.g.
Spapiro 1973b). No caso dos buracos negros supermassivos a condição anterior é
sempre satisfeita. No caso de buracos negros estelares a condição será válida para
regiões relativamente densas e com campos de velocidades turbulentos.
8.2 Força magnética e componentes do campo magnético Estando o campo magnético primorosamente emaranhado e aleatoriamente
orientado no gás, são válidas, para qualquer par de componentes do campo, as
expressões:
2jijji BBB δ= (8.1)
k
2j
ijk
ji x
B
2
1
x
BB
∂∂
δ=∂∂
(8.2)
onde as médias espaciais são tomadas ao longo do interior de um pequeno elemento de
fluído, com escala característica d, centrado no ponto rr
. Para que as duas expressões
sejam válidas, as linhas de campo devem mudar de direcção bastantes vezes no interior
desse elemento. Na acreção esférica, desde que a condição Lcoer<<rc se verifique, é
sempre possível encontrar um elemento de fluído pequeno (d<<r), interior ao raio de
captura, onde (8.1) e (8.2) são válidas.
70
A força magnética média, que actua sobre um elemento de fluído, é dada por:
( ) ( )[ ] ( )tt
rrm rBdr
d
4
BBB
4
1BJ
2
1F
π−=⊗⊗∇
π=⊗=
rrrr (8.3)
onde:
222tt BBBB ϕθ +== (8.4)
é a componente transversal do campo magnético. Note-se que, por questões de simetria,
a Bθ e Bϕ correspondem valores médios iguais.
Para um plasma perfeitamente condutor temos pelas equações de Maxwell, no
caso não dependente do tempo, que:
( ) 0Bu =⊗⊗∇rr
pelo que podemos escrever:
( )[ ] 0BuB =⊗⊗∇⋅rrr
Considerando esta última expressão em coordenadas esféricas e atendendo a que
ruu −=r, obtemos, com a ajuda de (8.1) e (8.2) o seguinte resultado:
***tt ruBurB = (8.5)
cujo lado direito é uma constante avaliada num dado nível de referência aqui denotado
por * . Tendo em conta que a divergência do campo magnético é nula, podemos
escrever:
( ) 0BBr =⋅∇r
que com a ajuda de (8.1) e (8.2) dá:
71
2**r
2r rBrB = (8.6)
cujo lado direito consiste, como em (8.5), numa constante.
As equações (8.5) e (8.6) reflectem a conservação do fluxo magnético nas
direcções transversal e radial. Durante a queda cada elemento de fluído é esticado
radialmente e comprimido transversalmente ocorrendo assim um processo de
afunilamento. Em cada ponto o estiramento radial é proporcional à velocidade radial u.
Por seu turno, a compressão ao longo das direcções azimutais, num dado ponto, é
proporcional a r.
É interessante notar que para r pequeno é Br>>Bt. No entanto, como a força
magnética (8.3) não depende de Br este facto não tem qualquer efeito restritivo sobre o
fluxo de partículas. O plasma desliza livremente pelas linhas de campo radiais, sendo
apenas restringido pelas linhas de campo transversais.
8.3 Influência do campo magnético na dinâmica do fluxo de partículas Vamos agora estudar a dinâmica do movimento de um plasma de hidrogénio,
fluindo adiabáticamente, na presença de um campo magnético interestelar aleatório, em
direcção a um buraco negro de Schwarzschild. Consideraremos que o fluxo é não
dependente do tempo e que as instabilidades hidromagnéticas do plasma são
desprezáveis.
A relação entre pressão e densidade no gás é dada pela equação de estado (4.1) e a
taxa de acreção de matéria, constante para o caso não dependente do tempo, volta a ser
dada por (4.8). A equação de Euler (4.7) adquire agora a forma:
m2F
1
r
GM
dr
dp1
dr
duu
ρ+−
ρ−= (8.7)
onde aparece uma parcela adicional correspondente à força magnética média.
Recorrendo a (4.1), (4.8), (8.3) e (8.5) podemos integrar (8.7) de forma a obter:
72
*
2*t
**
*2*
2t
2
4
B
r
GMp
12
u
4
B
r
GMp
12
u
πρ+−
ρ−γγ+=
πρ+−
ρ−γγ+ (8.8)
Esta é simplesmente uma generalização da equação de Bernoulli (4.9) por forma a
incluir os efeitos de um campo magnético congelado no gás.
Defina-se raio adimensional x, velocidade adimensional y e densidade
adimensional z como se segue:
2*a
GMxr =
*yau =
*zρ=ρ
onde a velocidade do som a* é determinada de acordo com (4.3). Substituindo estas
grandezas adimensionais em (4.8) voltamos a obter a equação (4.20) onde surge o
parâmetro adimensional para a acreção λ. Se as substituirmos na equação de Bernoulli
(8.8) obtemos:
*
2*
*
1γ2
x
1
2
y
y
1
y
1F
x
1
1γ
1z
2
y −+
−−=
−−+
−
(8.9)
onde F é uma constante adimensional que pode ser escrita como:
2
*
*
2**
2*t
rGM
u21
8B
4F
ρ
ρ
πλ
= (8.10)
No ponto r=rc as densidades de energia gravitacional, térmica e cinética são
comparáveis. Assim, se fixarmos o ponto de referência r* em rc, verificamos que F é
xxxx
73
Figura 8.1 - Velocidade radial y do gás em acreção para um buraco negro na presença de um campo
magnético. A constante F é a relação densidade de energia magnética/densidade de energia térmica. O
raio de captura está localizado em x=1 e o horizonte de acontecimentos aproximadamente em 0.6×10-8
(Shapiro 1973b)
uma medida da razão entre a densidade de energia magnética e a densidade de energia
térmica do meio interestelar.
Dados valores a λ e F resolve-se o sistema constituído pelas equações (4.20) e
(8.9) em ordem a y e z como funções de x. Estamos interessados, para cada valor de F,
na solução que corresponde à taxa de acreção máxima. As soluções y=y(x) e z=z(x)
correspondentes à acreção máxima, com γ=5/3, estão representadas no gráficos das
Figuras 8.1 e 8.2 respectivamente. Foram considerados vários valores de F entre 0 e
104. Dentro desta gama, verifica-se que λtmax.≈0.25 pelo que podemos considerar λtmax
independente de 7. A taxa de acreção máxima não é assim afectada pela presença de um
campo magnético.
Ainda para a mesma gama de valores de F temos a relação:
F22.2kTn3
π8/B
ε
ε
**
2*t
*t
*m ==
onde εm* é a densidade de energia do campo magnético transversal, avaliada em r*=rc, e
εt* é a densidade de energia térmica total (protões + electrões), avaliada no mesmo
ponto. Valores de F superiores a 104 conduzem a campos magnéticos pouco comuns
para regiões do tipo HII.
74
Figura 8.2 - Densidade radial z do gás em acreção para um buraco negro na presença de um campo
magnético. A constante F é a relação densidade de energia magnética/densidade de energia térmica. O
raio de captura está localizado em x=1 e o horizonte de acontecimentos aproximadamente em 0.6×10-8
(Shapiro 1973b)
O caso F=0 corresponde à acreção esférica na ausência de um campo magnético
significativo, surgindo assim nos gráficos das Figuras 8.1 e 8.2 como termo
comparativo. Verifica-se que quanto maior F, mais lento é o aumento na velocidade de
queda do gás e mais rápido é o aumento da densidade do mesmo. O campo magnético
actua assim como um travão sobre o fluxo de plasma para o interior. Contudo, à medida
que se dá a aproximação ao horizonte de acontecimentos este efeito acaba por
desaparecer. Quando x tende para zero, as curvas correspondentes aos vários valores de
F convergem, muito antes de ser atingido o horizonte, tornando-se assim, tanto a
velocidade y como a densidade z, independentes de 7. Esta convergência é uma
consequência da diminuição da importância do termo magnético da equação de
Bernoulli (8.8), em relação aos restantes termos, à medida que r decresce.
O fluxo dinâmico do plasma de hidrogénio, para um buraco negro de
Schwarzschild, numa região HII típica, não é substancialmente alterado pela presença
de um campo magnético. A taxa de acreção máxima é semelhante à verificada para o
caso não magnético. Para r<<rc a velocidade e densidade do gás são comparáveis ao
caso não magnético.
75
8.4 Equipartição da energia no plasma No regime de acreção considerado a densidade total de energia magnética é dada
por:
π=ε
8
B2
m
e a densidade de energia gravítica por:
r
GMg
ρ=ε
Para r pequeno (r<<rc) é Br>>Bt pelo que tiramos, com a ajuda de (8.6) que, nesse
caso, é εm∝r-4. Por outro lado temos que εg∝r-5/2. Isto significa que para r pequeno a
densidade de energia magnética é muito superior à densidade de energia gravítica.
quando isto acontece, como no presente caso em que temos um campo magnético
congelado num plasma, o meio torna-se instável.
As instabilidades no plasma dão lugar a uma rápida reconexão de linhas de campo
radiais com direcções opostas (Parker 1973). Geram-se correntes transversais de plasma
instáveis, em termos da escala de tempo característica para a queda de partículas td≈r/u.
A escala de tempo característica para o crescimento das instabilidades é dada por
tm≈r/vA, onde vA=(B2/(4πρ))1/2 é a velocidade de Alfvén. Verifica-se que, quando r<<rc,
temos tm<<td uma vez que nessa região a velocidade de Alfvén é muito superior à
velocidade de queda livre do gás.
Resulta assim que o fluxo de partículas, para r pequeno, é instável e turbulento. O
estudo rigoroso da turbulência na presença de um campo magnético reveste-se de
alguma complexidade matemática. A turbulência presente no plasma resulta numa
equipartição aproximada entre energia magnética, cinética turbulenta e gravítica.
podendo escrever-se:
c2
.turb
2
rr, r
GMu
2
1
8
B <<ρ≈ρ≈π
(8.11)
76
Devemos no entanto ter em mente que este modelo, que adoptaremos na secção
seguinte por forma a estimar a radiação emitida no processo de acreção do gás, constitui
apenas uma primeira aproximação ao problema.
8.5 Emissão de sincotrão No caso da acreção esférica, por um buraco negro, na presença de um campo
magnético, os electrões tornam-se ultra-relativistas para r<<rc. É assim de esperar que
uma fracção da luminosidade total corresponda à radiação de sincotrão. O cálculo do
espectro de emissão de radiação de sincotrão pode ser feito seguindo os 4 passos
indicados na Secção 7.6.
A função n(E), correspondente ao espectro de energia dos electrões, pode ser dada
por uma distribuição de Maxwell no limite ultra-relativista, mesmo que o livre percurso
médio entre colisões Coulombianas seja superior à dimensão característica da região. As
ondas de plasma e instabilidades promovem as colisões entre partículas e conduzem
electrões e protões para um equilíbrio Maxwelliano.
As equações relativistas voltam a ser as mesmas dos caso não magnético, aparte a
inclusão de um termo adicional ΛS na taxa de arrefecimento. Substituindo a distribuição
de Maxwell no limite ultra-relativista na expressão da emissividade do sincotrão e
integrando em relação ao ângulo sólido obtemos:
( ) 13-
2
2e
2
e
2
s scm ergs ncm
kT
cm
eB
c
e
3
16TΛ
−
= (8.12)
No modelo considerado a radiação de sincotrão por electrões relativistas é pouco
afectada pelo plasma circundante. Por sua vez a radiação de ciclotrão, emitida por
electrões não relativistas é pouco significativa e pode ser ignorada.
Seja:
rM
M
000K 10
T
cm1
nβ
2/3
3
−∞
−∞
=
77
Tendo em conta (8.11) e (8.12) integram-se numericamente as equações dos
fluídos com vista a determinar a velocidade, densidade e temperatura do gás, em função
da distância radial ao centro. Verifica-se que para β<<103 os resultados não diferem
muito dos obtidos para o caso não magnético (Capítulo 7). Isto acontece porque, embora
exista uma fonte adicional de radiação, continua a ser apenas uma pequena fracção da
energia térmica disponível a ser emitida. Junto ao horizonte de acontecimentos, a
relação entre a taxa de arrefecimento por radiação de sincotrão e a taxa de transporte de
energia térmica é de apenas 2×10-3β. Concluímos assim que a acreção esférica, na
presença de um campo magnético, é um processo muito pouco eficiente, quanto visto
como uma fonte de energia.
O espectro resultante da emissão de sincotrão incide sobretudo na região do
infravermelho. No gráfico da Figura 8.3. estão representadas várias curvas para este
espectro, correspondentes à acreção de hidrogénio ionizado para um buraco negro de
1M , com T∞≈10000K e para vários valores de n∞. A luminosidade correspondente à
radiação de sincotrão é:
(W) cm1
n
M
M
000K 10
T105L
2
3
3318
s
×≈ −∞
−∞
r
desde que seja β<<103.
A juntar ao espectro de radiação de sincotrão temos, naturalmente, o espectro
resultante da radiação dos processos bremsstrahlung electrão-electrão, bremmsstrahlung
electrão-protão e da recombinação radiativa. Este, cuja linha pode ser observada na
Figura 7.7, e que incide sobretudo nos raios gama e raios X, tem uma luminosidade total
dada por:
(W) cm1
n
M
M
000K 10
T102L
2
3
3314
f
×≈ −∞
−∞
r
As duas expressões anteriores são válidas para buracos negros estelares
mergulhados em regiões HII típicas. Verifica-se que Ls>L7.
78
Figura 8.3 - Espectro continuo da emissão de radiação de sincotrão resultante da acreção de gás para um
buraco negro de 1M mergulhado numa região HII. O valor indicado sob cada uma das linhas
corresponde a n∞ em cm-3 (adaptado de Shapiro 1973b).
O plasma foi considerado opticamente fino para a radiação emergente das regiões
mais interiores. Esta consideração é válida para os fotões de raios X e de raios gama de
(alta energia), bem como para os fotões infravermelhos (baixa energia). Também foi
considerado que os efeitos do stress magnético são desprezáveis pois, como vimos, a
dinâmica do fluxo de partículas não é muito alterada pela presença de um campo
magnético.
79
REFERÊNCIAS
Bondi H., 1952, MNRAS, 112, 195
Chakrabarti S. K., 1996, astro-ph/9605015v1
Chandrasekhar S., 1983, The Mathematical Theory of Black Holes, Clarendon Press,
Oxford
d'Inverno R. A., 1992, Introducing Einstein's Relativity, Oxford University Press, New
York
Jokipii J. R., Parker E. N., 1969, ApJ, 155, 777
Parker E. N., 1973, ApJ, 180, 247
Shapiro S. L., 1973a, ApJ, 180, 531
Shapiro S. L., 1973b, ApJ, 185, 69
Shapiro S. L., Teukolsky S. A., 1983, Black Holes White Dwarfs and Neutron Stars,
John Wiley & Sons, New York
Tucker W. H., Gould R. J., 1966, ApJ, 144, 244