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Poder Judiciário
10ª Vara Criminal da Comarca de Goiânia (Juiz 2)
Autos nº. 2014.0019.2670
Autor: MINISTÉRIO PÚBLICO
Acusado: ALEXANDRE ALCAZAR FARAH
Incidência Penal: Art. 15 da Lei nº 10.826/2003.
SENTENÇA
I – RELATÓRIO
O Ministério Público do Estado de Goiás ofereceu
denúncia em desfavor de ALEXANDRE ALCAZAR FARAH, devidamente
qualificado nestes autos, imputando-lhe a suposta prática da infração penal
descrita no art. 15 da Lei nº 10.826/2003, narrando ipsis litteris:
“... Extrai-se do incluso inquérito policial que, no dia 19
de janeiro de 2014, por volta das 18h30min, na Rua Ma-
drid 15, Qd. 11, Lt. 08/09, Jardins Madri, nesta Capital,
ALEXANDRE ALCAZAR FARAH disparou, em lugar ha-
bitado, a pistola marca Glock calibre 380, número de
série PYL274.
Segundo apurado no caderno informativo, naquele dia e
horário, o imputado encontrava-se em sua residência,
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quando seu ex-sócio Anderson Ribeiro dos Santos ali
compareceu para resolver pendências do negócio desfei-
to.
Ocorre que, tão logo o imputado viu seu ex-sócio, come-
çou a discutir com ele ainda do lado externo da residên-
cia, ocasião em que o imputado solicitou o apoio do segu-
rança do condomínio onde mora, ordenando que retiras-
se de sua residência Anderson Ribeiro dos Santos, o qual
ofereceu resistência.
Em virtude disso, o imputado entrou em sua casa, pegou
a arma de fogo acima descrita e, da janela de seu banhei-
ro, efetuou o disparo contra o veículo VW/GOL, placa
JPJ- 8148 de Goiânia-GO, de propriedade daquele, atin-
gindo-o no para brisa e no banco do motorista do auto-
móvel.
Logo após os disparos, a Polícia Militar foi acionada e
uma equipe compareceu ao local do fato, abordou o im-
putado, ocasião em que lhe foi solicitada a arma utilizada
no evento delitivo, bem como o registro respectivo, tendo
sido estas prontamente entregues.
Constatada a prática delituosa, foi o imputado preso em
flagrante delito e conduzido à Delegacia de Polícia para
as providências de praxe.” (...)
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A prisão em flagrante foi homologada, ocasião em que foi
mantida a fiança arbitrada pela autoridade policial (fls.46/48), cujo pagamen-
to foi efetuado (fls. 24) e o investigado colocado em liberdade.
A denúncia foi recebida em 21 de fevereiro de 2014 (fls.
50/51), oportunidade em que foi designada audiência para oferecimento de
proposta de suspensão condicional do processo ao imputado (fls.50/51), que,
no entanto, não foi aceita.
O laudo de eficiência da arma de fogo se encontra às fls.
56/59.
Citado pessoalmente (fl. 81), o acusado apresentou res-
posta à acusação por intermédio de defensor constituído (fls.60/70), arrolando
testemunhas (fls. 108/109).
Da análise da peça defensiva, vislumbrei que a excludente
da ilicitude da legítima defesa, sustentada pelo réu, dependia de dilação
probatória, assim, determinei o prosseguimento do feito, designando
audiência de instrução e julgamento.
Na ocasião, foram inquiridas duas testemunhas arroladas
na denúncia, BALTAZAR DE JESUS ARAÚJO e LEANDRO ALVES DE
ARAÚJO, e três arroladas pela defesa, ILIO CAMPOS FERREIRA, JEAN
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FLORÊNCIO DE MENDONÇA e ELVIS DENES FERREIRA (esta através
de carta precatória – mídia de fl. 153), dispensando-se a oitiva da testemunha
ausente ANDERSON RIBEIRO DOS SANTOS, arrolada na denúncia, a
pedido do Ministério público, e concordância da defesa técnica.
Ato contínuo, o acusado foi qualificado e interrogado,
conforme gravação audiovisual constante da mídia de fls. 160/162.
Encerrada a instrução processual, na fase oportunizada
pelo artigo 402 do Código de Processo Penal, nada foi requerido pelo
Ministério Público, ao passo que a defesa técnica requereu a oitiva de uma
testemunha referida pelo acusado em seu interrogatório, o que foi indeferido,
por se tratar de requerimento fulminado pela preclusão temporal, sem nenhum
elemento concreto apto a embasar a excepcionalidade.
Em sede de debates orais, o Ministério Público requereu a
condenação do acusado como incurso nas sanções do artigo 15 da Lei nº
10.826/2003, sustentando que “da prova trazida aos autos não se vislumbra a
presença de nenhuma excludente de ilicitude da conduta praticada”.
A defesa técnica do acusado, por seu turno, apresentou
alegações finais por escrito às fls. 165/177, sem nenhuma oposição do Minis-
tério Público, requerendo o reconhecimento da excludente de ilicitude da le-
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gítima defesa ou que seja excluída a culpabilidade do agente por inexigibili-
dade de conduta diversa.
Vieram-me os autos conclusos para prolação de sentença.
II – FUNDAMENTAÇÃO
O processo teve tramitação normal, inexistindo quaisquer
vícios ou nulidades a serem declaradas, estando preservados os interesses dos
sujeitos da relação processual quanto à observância do devido processo legal,
contraditório e ampla defesa.
DOS BENS JURÍDICOS PROTEGIDOS
A presente ação penal visa à proteção da segurança e in-
columidade públicas, objetos tutelados pela norma penal em análise.
Estatui o artigo 15 da Lei nº 10.826/03, ao tipificar a con-
duta atribuída ao denunciado que:
“Art. 15. Disparar arma de fogo ou acionar munição em
lugar habitado ou em suas adjacências, em via pública ou
em direção a ela, desde que essa conduta não tenha como
finalidade a prática de outro crime: Pena – reclusão de 2
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(dois) a 4 (quatro) anos, e multa. (...).”
A Lei 10.826, de 22 de dezembro de 2003, popularmente
conhecida como Estatuto do Desarmamento, ao tratar do delito em tela,
conforme se infere, prevê que configura a infração penal em análise o disparo
de arma de fogo ou o acionamento de munição em lugar habitado ou nas
adjacências, em via pública ou na sua direção, desde que tal conduta não
tenha como fim específico a prática de outro delito.
Acerca do delito em comento, salutar a lição de Gilberto
Thums:
“(..) Considerando que o bem jurídico objeto de tutela doEstatuto do Desarmamento é a incolumidade pública, nãoé possível disparar arma de fogo em locais ondepossivelmente podem encontrar-se pessoas – dentro decasa, no pátio, no quintal, em qualquer local onde hajaou possa haver pessoas, na rua, nas estradas, ouqualquer via pública, ou em direção à via pública. Osimples disparo da arma nesses locais caracteriza ocrime, porque a conduta cria uma situação de perigopresumido à coletividade (...)”. (in Estatuto doDesarmamento – Fronteiras entre Racionalidade eRazoabilidade, Editora Lúmen Júris, 2ª edição, págs.35/36).
Os doutrinadores Alexandre de Moraes e Gianpaolo
Poggio Smanio discorrem a respeito da objetividade jurídica do referido
delito:
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“A incolumidade pública. Trata-se de delito de perigoabstrato, em que não é necessário que pessoa ou pessoasdeterminadas tenham sido expostas concretamente arisco. A lei penal presume o perigo porque o disparo emvia pública ou em direção a ela, por si só, coloca emrisco a coletividade...”. (in Leis penais e processuaispenais comentadas, 2ª ed. Rev., atual. e ampl. - São Paulo:Ed. RT, 2007, pág. 336).
O delito aqui analisado é classificado como de perigo
abstrato, ou seja, não busca punir determinado dano ou prejuízo social
realizado, mas sim evitar a conduta do agente, a fim de proteger o bem
jurídico de uma provável lesão, antes mesmo de sua exposição a um perigo
efetivo de dano.
Em outras palavras, o delito é punível pela mera conduta
do agente em realizar uma ação proibida pela lei, independentemente da
constatação física de lesão ao bem juridicamente tutelado.
No caso do disparo de arma de fogo em local habitado, é
suficiente a realização voluntária da conduta para que haja violação ao
principal objeto jurídico protegido pela norma, qual seja, a segurança pública,
concluindo-se, então, que o sujeito passivo do crime de disparo de arma de
fogo é, na verdade, a coletividade, e, de forma secundária, os direitos
fundamentais do homem, como vida, saúde e integridade física.
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DA MATERIALIDADE DELITIVA
A materialidade do delito em questão está satisfatoriamen-
te provada através do termo de exibição e apreensão (fl. 14), e do Laudo de
Exame Pericial (fls.56/59), bem como da prova testemunhal colhida nos au-
tos, que atestam a ocorrência do delito em apuração.
DA AUTORIA DELITIVA
A autoria do fato delituoso apurado neste processo, de
igual forma, está induvidosamente comprovada dos elementos probatórios co-
lhidos aos autos, os quais apontam o acusado ALEXANDRE ALCAZAR FA-
RAH como autor da infração penal em tela.
A respeito da questão, noto que o acusado ALEXANDRE
ALCAZAR FARAH, nas duas oportunidades em que foi interrogado, na De-
legacia de Polícia e em juízo, confessou a autoria delitiva, sustentando, no en-
tanto, que agiu em legítima defesa própria e de terceiros, no caso, de sua fa-
mília.
Confira trechos de seu interrogatório judicial:
“(...) que efetuei o disparo; que eu estava na minha resi-
dência (...) quando este cidadão adentrou o condomínio e
mandou uma mensagem do celular para mim, falando
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“estou na porta da sua casa”; que eu não acreditei, (...)
foi quando eu fui à janela, o vi lá em baixo; que a casa
que eu moro é um sobrado e o banheiro dá para a rua;
que liguei para a segurança do condomínio; que daí fi-
quei vigiando, (...) ele desceu do carro (…) forçou a por-
ta, daí eu peguei minha pistola e fiquei vigiando (…); que
eu indaguei o que ele queria; acho que ele não estava so-
mente bêbado, tinha ingerido algum tipo de droga; que
ele começou a me desacatar, xingar, eu falei para ele sair
da porta da minha casa (...); que ele não chegou a entrar
na minha casa; que quando pedi para ele ir embora, che-
gou o vigilante; (…) que eu não o vi armado, mas algu-
mas vezes ele levou a mão nas costas, dando a entender
que possuía alguma arma de fogo; que infelizmente o vi-
gilante não tomou nenhuma postura na força para tirá-lo,
só pediu para ele sair; (...) que ele dizia que eu não era
homem, para eu descer e encarar ele frente a frente, que
eu era um “bosta”; (...) que a única maneira que vi de
tirá-lo da porta da minha casa, foi atirar; que eu tinha a
preocupação de que ele entrasse na minha casa; que en-
tendi que era necessário atirar para que ele fosse embo-
ra(...); que atirei na quina do para-brisa do carro dele;
quando efetuei o disparo, ele e o vigilante do condomínio
assustaram; (…)que ele é mais forte e uns dez centímetros
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mais alto que eu; (...) que tivemos um negócio juntos, mas
não devia mais nada para ele e nem ele pra mim; que ele
queria voltar a trabalhar comigo (...); que ele esteve na
minha empresa dias antes, conversando normal, depois
apareceu na porta da minha casa, bêbado e drogado,
querendo me matar; (...) que o ex cunhado dele avisou
para o meu pai me falar que ele estava alcoolizado e dro-
gado e disse que iria me dar um tiro na cara; (...); que ele
forçou o portão da garagem para entrar; que a casa não
possui muros; a porta de entrada é de vidro; que AN-
DERSON sempre andou armado; que ele respondia ação
penal por homicídio; (...) que fiquei sabendo que ele ex-
torquiu a mulher de um primo, exigindo pagamento de di-
nheiro, para não contar uma traição dela para o marido;
(...)”. (Trechos do interrogatório judicial de ALEXAN-
DRE ALCAZAR FARAH)
Em reforço às declarações do imputado, as testemunhas
BALTAZAR DE JESUS ARAÚJO GODINHO, policial militar, ANDER-
SON RIBEIRO DOS SANTOS, indivíduo que esteve na porta da residência
de ALEXANDRE no dia do fato, e o vigilante LEANDRO ALVES DE
ARAÚJO, confirmaram o disparo de arma de fogo em comento, efetuado
pelo imputado, no interior do condomínio residencial Jardins Madri, nesta ca-
pital.
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A testemunha BALTAZAR DE JESUS ARAÚJO GODI-
NHO, policial militar, responsável pela prisão do acusado, ao ser ouvida, em
juízo, ratificou o depoimento prestado na fase inquisitorial, sustentando que,
naquele dia, foi chamado para atender uma ocorrência no interior do condo-
mínio Jardins Madri, nesta capital, onde foi informado pelo segurança LEAN-
DRO que o acusado havia efetuado disparo de arma de fogo em direção ao
veículo VW GOL, do indivíduo ANDERSON, que já se encontrava na porta-
ria, e que o acusado confessou ter efetuado o disparo com a própria arma.
Confira:
“(...) conversamos com o chefe da segurança e ele infor-
mou que tiveram que conter o rapaz; que falaram que ha-
via sido feito um disparo com arma de fogo; que nós des-
locamos até a casa de ALEXANDRE, o convidamos a nos
acompanhar até a DP; que ele saiu de boa, tranquilo,
sem alteração; que ele confirmou que tinha efetuado os
disparos; que a arma foi apreendida (...)”. Mídia gravada
no CD acostado à fl. 110)
ANDERSON RIBEIRO DOS SANTOS, inquirido apenas
na Delegacia de Polícia (fl. 06), relatou que montou uma empresa com ALE-
XANDRE, mas que não deu certo e fechou, remanescendo algumas pendên-
cias, uma delas perante a Receita Federal, por isso, resolveu procurar ALE-
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XANDRE em sua residência para resolver a questão. Indagado sustentou que
teve a entrada permitida, sem que fosse identificado, sendo que ALEXAN-
DRE assim que o viu, iniciou uma discussão, e do interior de sua residência,
mais precisamente do banheiro, efetuou um disparo de arma de fogo em dire-
ção ao veículo do depoente com a intenção de fazê-lo sair dali, tendo o dispa-
ro acertado o para-brisa e o banco do motorista.
Nessa mesma linha de raciocínio, o vigilante do condomí-
nio, LEANDRO ALVES DE ARAÚJO, confirmando o depoimento prestado
na fase administrativa, em juízo, reafirmou que ALEXANDRE efetuou o dis-
paro em direção ao veículo de ANDERSON, de cima do banheiro de seu so-
brado, quando este estava conversando com o depoente, do lado de fora do
carro, perto da porta do motorista.
Questionado, LEANDRO afirmou que ANDERSON não es-
tava armado, apenas visivelmente embriagado, e “xingava” ALEXANDRE.
Afirmou, ainda, que teria condições e preparo adequado para retirá-lo do local
como auxílio de seus colegas de trabalho, sem nenhum dano à integridade
física dos moradores, porque a situação estava controlada, e ALEXANDRE
estava dentro de casa, no andar superior, e a residência estava fechada. Note:
“(...) que é vigilante no Condomínio Jardins Madri, nesta
capital (...); que ANDERSON se aproveitou de uma falha
no sistema de segurança do condomínio, que não estava
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funcionando, para entrar sem ser identificado; (...) que
ele entrou na portaria que estava com problema, que era
a portaria dos moradores; que faltando uns dez minutos
para encerrar o expediente, ouvir falar no rádio que era
para um vigilante acompanhar o visitante; que entrou e
não conseguiu localizar a residência de ALEXANDRE;
que foi o depoente que acompanhou ANDERSON até a
porta da casa de ALEXANDRE; que cerca de uns cinco
minutos depois, ouviu dizer, via rádio, que era para ir lá
rápido, porque ALEXANDRE não havia autorizado a en-
trada do visitante; que chegando ao local, deparou-se
com ANDERSON ao lado de seu carro, xingando ALE-
XANDRE; que ALEXANDRE dizia que era para ele ir
embora; que ANDERSON estava em frente a um lote va-
zio, na calçada, perto do carro, e ALEXANDRE em seu
sobrado, em uma janela do banheiro; que ANDERSON
estava bêbado e alterado, tanto que solicitou o apoio de
outro vigilante para auxiliá-lo a retirá-lo dali; que estava
conversando com ANDERSON para que ele saísse, quan-
do ALEXANDRE atirou, acertando o carro, no para- bri-
sa, do lado do passageiro; que após o disparo, ficou ner-
voso e determinou que ANDERSON o acompanhasse até
a portaria (...); que no momento do disparo ANDERSON
estava fora do carro, perto da porta do motorista, conver-
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sando com o depoente; (...) que ANDERSON xingava
ALEXANDRE (...); que a agressão verbal realizada por
ANDERSON era só contra ALEXANDRE; que é prepara-
do para esse tipo de abordagem; que não anda armado
nas rondas, só na portaria; que talvez não conseguisse
retirar ANDERSON de lá sozinho, sem prejuízo para a
integridade física de ALEXANDRE, mas tinha chamado o
reforço para auxílio; que ANDERSON fazia menção de ir
à residência de ANDERSON; (...) que ANDERSON não
tinha condições de entrar na casa; que a casa estava fe-
chada, mas a porta é toda de vidro; que não viu se AN-
DERSON estava armado (...); que conseguiria retirar
ANDERSON de lá com o auxílio de seus companheiros;
que ANDERSON é forte e gordo, e deve ter em torno de
110 quilos.”. (Depoimento do vigilante LEANDRO AL-
VES DE ARAÚJO, em juízo, mídia de fl. 163)
Nesse descortino, convém salientar que o artigo 25 do
Código Penal, estabelece que age em legítima defesa aquele que, usando mo-
deradamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminen-
te, a direito seu ou de outrem.
Entende-se por agressão injusta a conduta humana que põe
em perigo um interesse juridicamente protegido. No caso em tela, percebe-se
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claramente que ALEXANDRE se encontrava diante uma injusta agressão à
sua honra, pois ANDERSON foi até sua residência, em um condomínio fe-
chado, onde se encontrava descansando com sua esposa e filhos, proferir xin-
gamentos em seu desfavor.
Acontece que ALEXANDRE não agiu moderadamente dos
meios necessários, ou seja, não agiu com moderação dos meios de que dispu-
nha para repelir a injusta agressão, vez que, de dentro de casa, a salvo de
qualquer perigo, efetuou disparo de arma de fogo em direção ao veículo de
seu desafeto, que estava visivelmente embriagado, na rua, conversando com o
segurança, ou seja, quando a situação conflituosa já havia se normalizado, e
dispensava qualquer reação violenta.
A conduta perpetrada por ALEXANDRE, conforme se in-
fere dos elementos de convicção acima cotejados, não encontra guarida na ex-
cludente da ilicitude da legítima defesa, vez que se afigura imoderado repelir
agressão verbal com disparo de arma de fogo.
A alegação de que o recorrente atirou para "espantar", e
de agiu de forma moderada, por medo de que ANDERSON estivesse armado,
não afasta a ilicitude da conduta, tendo em vista que: "Não há legítima defesa
contra uma agressão futura, remota, que pode ser evitada por outro meio. O
temor, embora fundado, não é suficiente para legitimar a conduta do agente,
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ainda que verossímil (...)." (MIRABETE, Júlio Fabbrini, Manual de Direito
Penal, 16 Ed., São Paulo, 2000, p. 183).
Além disso, naquela situação, era possível exigir de ALE-
XANDRE comportamento diverso (exigibilidade de conduta diversa), mais
consentâneo com as regras de convivência em sociedade, até mesmo porque
ele afirmou em juízo que possui habilidade com armas e que, de onde estava,
observava os movimentos de ANDERSON, ou seja, que detinha total domí-
nio da situação de tensão, tanto que, se quisesse, poderia acertá-lo na cabeça.
A situação, conforme acima destacado, não estava fora da
esfera de controle do vigilante LEANDRO, tanto é que não houve agressão
física contra este, tão somente resistência por parte de ANDERSON em per-
manecer no local. Agiu ALEXANDRE de modo precipitado e imoderado,
portanto.
Feitas essas considerações, a conclusão que se extrai é que o
disparo não era necessário para a proteção da integridade física, patrimonial
ou à vida de ALEXANDRE ou sequer de seus familiares, revelando-se imo-
derado o meio utilizado, situação configuradora de excesso danoso, que ultra-
passa o limite razoável da repulsa, e descaracteriza a excludente de ilicitude
da legítima defesa.
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Ademais, a existência de condenações ou as supostas
ameaças proferidas em desfavor do imputado, embora pudessem impingir te-
mor, não são suficientes para demonstrar a periculosidade social de ANDER-
SON e, assim, justificar a medida extrema.
As testemunhas arroladas pela defesa, ILIO CAMPOS
FERREIRA, JEAN FLORÊNCIO DE MENDONÇA e ELVIS DENES FER-
REIRA, apenas falaram da conduta social do imputado, nada acrescentando
ao objeto da apuração.
Assim, comprovadas satisfatoriamente a materialidade e a
autoria delitiva, bem como o nexo causal entre a conduta do acusado e o re-
sulto lesivo, além de ausentes causas excludentes de ilicitude e culpabilidade,
vez que o agente é imputável, detinha potencial consciência da ilicitude e ou-
tra conduta lhe era exigida, a condenação é medida imperativa.
DA ATENUANTE DA CONFISSÃO ESPONTÂNEA
Segundo recente entendimento do Superior Tribunal de
Justiça, no caso da “confissão qualificada”, a invocação de teses defensivas
excludentes ou descriminantes não pode obstar a incidência da atenuante da
confissão. Desse modo, é possível reconhecer em favor do acusado a confis-
são espontânea.
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Dessa forma, tendo em vista que o acusado confessou es-
pontaneamente a autoria delitiva e que esta serviu para embasar a condena-
ção, deverá ser reconhecida a atenuante da confissão espontânea, prevista no
artigo 65, inciso III, ‘d’ do Código Penal.
III- PARTE DISPOSITIVA
ANTE O EXPOSTO, julgo procedente o pedido formu-
lado na denúncia para o fim de condenar ALEXANDRE ALCAZAR FA-
RAH como incurso nas penas do artigo 15 da Lei nº 10.826/2003.
DA DOSIMETRIA DA PENA
Atenta às circunstâncias judiciais dos artigos 59 e 68, am-
bos do Código Penal, e ao princípio constitucional da individualização da
pena, passo à dosagem da pena:
Considero normal a culpabilidade, não vislumbrando re-
provação maior no comportamento do agente do que previsto pelo legislador
ao tipificar o ilícito penal, permanecendo neutra aludida circunstância judici-
al. O acusado é primário, não possuindo antecedentes criminais. Possui boa
conduta social, segundo relatado pelas testemunhas ouvidas em juízo. Não
há elementos nos autos que permitam avaliar a sua personalidade. Os moti-
vos, as circunstâncias e as consequências do crime são inerentes à espécie
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delitiva. O comportamento da vítima (segurança pública-coletividade), não
contribuiu para a prática delitiva, o que, por ser normal, não influenciará no
processo dosimétrico da pena.
Assim, em face das circunstâncias judiciais analisadas,
para prevenção e reprovação do crime, fixo a pena-base no mínimo legal, ou
seja, em 02 (dois) anos de reclusão. A atenuante da confissão espontânea
não importará modificação da pena, porque não é possível fixar a pena abaixo
do mínimo legal (Súmula 231 do STJ). Desse modo, torno a sanção penal
definitiva em 02 (DOIS) ANOS DE RECLUSÃO, em face da ausência de
outras causas que possam alterá-la.
DA PENA DE MULTA: Considerando as mesmas cir-
cunstâncias judiciais analisadas e a situação financeira do acusado (aufere
mensalmente aproximadamente R$40.000,00), condeno-o ao pagamento de
10 (dez) dias-multa, no valor de 3/30 (três trinta avos) do salário mínimo vi-
gente ao tempo do fato. A atenuante da confissão espontânea não importará
modificação da pena fixada no mínimo legal. Assim, torno definitiva a sanção
pecuniária em 10 (DEZ) DIAS-MULTA, no valor de 3/30 (três trinta avos)
do salário mínimo, cada, vigente à época do fato.
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DO REGIME E DO LOCAL DE CUMPRIMENTO DA PENA
Nos termos do artigo 33, § 2º, alínea “c”, do Código Pe-
nal, a pena privativa de liberdade deverá ser cumprida no regime ABERTO,
na Casa do Albergado ou em qualquer outro estabelecimento prisional ade-
quado a ser indicado pelo juízo da execução penal competente.
DA SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR
RESTRITIVAS DE DIREITOS
Considerando que a pena privativa de liberdade aplicada
não excede a 04 anos e que o crime não foi cometido com violência ou grave
ameaça, hei por bem, com supedâneo no artigo 44, incisos I a III e § 2º do
Código Penal, substituir a pena privativa de liberdade imposta por duas
restritivas de direitos.
A primeira pena (prestação de serviços comunitários)
consistirá na obrigação de o acusado executar tarefas gratuitas, à razão de 01
(um) hora por dia de condenação, durante 06 (seis) horas semanais, em insti-
tuição a ser designada pelo SIP – Setor Interdisciplinar Penal, situado no Fó-
rum Desembargador Fenelon Teodoro Reis, sala 123, de acordo com as ne-
cessidades da instituição e as aptidões do cumpridor.
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A segunda pena (prestação pecuniária) consistirá na
obrigação de o acusado doar a quantia correspondente a 04 (quatro) salários
mínimos (a renda do acusado é de cerca de R$40.000,00), em favor do PRO-
GRAMA DE PENAS ALTERNATIVAS, do Tribunal de Justiça do Estado
de Goiás. O(s) valor(es) deverá(ão) ser depositado (s) por força da Resolução
154 do CNJ e do Provimento nº 04/2013 da Corregedoria Geral da Justiça, na
conta bancária nº 01551448-3, agência 2535, operação 040, da Caixa Econô-
mica Federal, a ser gerida pela 1ª Vara Criminal (VEP), desta comarca, de-
vendo o(s) depósito (s) ser realizado (s) mediante expedição de guia, confor-
me Manual da Corregedoria-Geral da Justiça.
A forma de cumprimento das penas restritivas de direitos
será explicada durante a audiência admonitória a ser designada futuramente,
após o trânsito em julgado da sentença. Diante da substituição acima especifi-
cada, deixo de suspender a execução da pena, conforme previsão do artigo 77
do Código Penal.
DA POSSIBILIDADE DE O ACUSADO RECORRER EM LIBERDA-
DE
Nos termos da Lei 12.403/2011, que tem como um de
seus objetivos o desencarceramento cautelar, a sentença condenatória recorrí-
vel não mais constitui fundamento para prisão provisória do réu, motivo pelo
qual, não se fazendo presentes os fundamentos da prisão preventiva, permito
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ao acusado aguardar o trânsito em julgado da presente sentença em liberdade
(art. 283 Código de Processo Penal).
DAS DISPOSIÇÕES FINAIS
DA PENA DE MULTA: A pena de multa deverá ser satisfeita
no prazo de 10 (dez) dias, após o trânsito em julgado da presente sentença.
DAS CUSTAS PROCESSUAIS: Condeno o acusado ao paga-
mento das custas processuais.
DOS DIREITOS POLÍTICOS: Os direitos políticos do senten-
ciado ficarão suspensos pelo período de cumprimento da pena. Após o cum-
primento, deverá ser oficiado à Justiça Eleitoral para cancelamento da restri-
ção.
Oportunamente, após o trânsito em julgado da presente sen-
tença, tomem-se as seguintes providências:
1) oficie-se ao cartório distribuidor criminal desta Comarca, for-
necendo-lhe informações sobre a presente condenação, para atualização dos
arquivos pertinentes ao referido sentenciado;
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10ª Vara Criminal da Comarca de Goiânia (Juiz 2)
2) comunique-se a condenação ao Departamento de Polícia Fede-
ral, através de sua Superintendência Regional em Goiás, para o seu devido re-
gistro no Sistema Nacional de Identificação Criminal – SINIC;
3) Oficie-se à Zona Eleitoral em que esteja(m) inscrito(s) o(s)
condenado(s) ou, se esta não for conhecida, ao Tribunal Regional Eleitoral,
para fins de suspensão dos direitos políticos do(s) sentenciado(s), consoante
inteligência do inciso III, do artigo 15, do ordenamento jurídico constitucio-
nal vigente, e;
4) expeça-se a competente guia de recolhimento para encaminha-
mento ao estabelecimento prisional e ao juízo da execução penal competen-
tes.
E ncaminhem-se a arma de fogo e as munições apreendidas ao
Comando do Exército para destruição ou doação aos órgãos da seguran-
ça pública, senão, às Forças Armadas, nos termos da redação do artigo
25 da Lei nº 10.826/2003 (Estatuto do Desarmamento), e restitua ao sen-
tenciante o registro de arma de fogo original, grampeado na capa, certifi-
cando a devolução nos autos. Publique-se, registre-se e intimem-se.
Goiânia, 04 de maio de 2015.
PLACIDINA PIRES
Juíza de Direito da 10ª Vara Criminal (Juiz 2)
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