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Universidade de Lisboa

Faculdade de Direito

O Papel das Autoridades Administrativas no Processo

Contraordenacional

Ana Cardoso da Silva Santos

Dissertação de Mestrado em Direito das Contraordenações

no Mestrado em Ciências Jurídico-Forenses, pela

Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, sob a

orientação do Prof. Doutor Augusto Silva Dias.

FDUL

2017

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Universidade de Lisboa

Faculdade de Direito

O Papel das Autoridades Administrativas no Processo Contraordenacional

Ana Cardoso da Silva Santos

Dissertação de Mestrado em Direito das Contraordenações no Mestrado

em Ciências Jurídico-Forenses, pela Faculdade de Direito da

Universidade de Lisboa, sob a orientação do Prof. Doutor Augusto

Silva Dias.

FDUL

2017

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Índice

.Resumo…………………………………………………………………………………..…………4

.Abstract……………………………………………………………………………………..……...5

.Introdução…………………........................................................................................................... 8

I. O Processo de Contraordenação

1. Enquadramento Histórico-Constitucional do Direito de Mera Ordenação Social……………...…10

2. Fases do Processo Contraordenacional…………………………………………………………...14

2.1. Fase Administrativa do Processo de Contraordenação………………………………………… 14

2.2. Fase Judicial do Processo de Contraordenação………………………………………………....15

3. Conclusões do Capítulo………………………………………………………………………..…18

II. A Autoridade Administrativa na Fase Judicial do Processo Contraordenacional

1. O Direito de Participação da Autoridade Administrativa………………………………………....22

2. A Aplicação Subsidiária dos Preceitos de Processo Criminal ao Ilícito de Mera Ordenação Social

– A Figura do Assistente em Especial……………………………………………………………….24

3. O Papel da Autoridade Administrativa na Fase Judicial do Processo de

Contraordenação……………………………………………...……………………………………. 31

3.1. Da Concreta Aplicabilidade Subsidiária da Figura do Assistente ao Regime Geral das

Contraordenações…………………………………………………………………………………...33

3.2. Da Possibilidade de Constituição como Assistente por Parte da Autoridade

Administrativa……………………………………………………………………………………....38

3.3. Da Posição da Autoridade Administrativa na Fase Judicial do Processo de

Contraordenação………………………………………………………………………………….…47

3.4. Da Alteração do Regime Geral das Contraordenações Abrindo a Porta à Constituição como

Assistente por Parte da Autoridade Administrativa – Breve Referência à Posição de Alexandra

Vilela………………………………………………………………………………………………..57

4. Conclusões do Capítulo…………………………………………………………………………...60

III. Conclusão – Posição Defendida……………………………………………………………….68

.Bibliografia………………………………………………………………………………………...77

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Resumo

A dissertação «O Papel da Autoridade Administrativa no Processo Contraordenacional» consiste

numa reflexão sobre os diferentes papeis ocupados pela autoridade administrativa no seio do processo

de contraordenação definido no Regime Geral das Contraordenações.

Trata-se de um processo complexo, com uma primeira fase organicamente administrativa e uma

segunda fase organicamente judicial. Durante a primeira fase, a autoridade administrativa tem a seu

cargo a tramitação do processo, culminando com o proferimento de decisão final que pode ser de

arquivamento ou condenatória. A segunda fase do processo, a denominada fase judicial, inicia-se com

a impugnação dessa decisão final condenatória por parte do arguido.

Na passagem da fase administrativa do processo para a fase judicial, o papel da autoridade

administrativa tem, necessariamente, de se alterar uma vez que passa de entidade instrutora e decisora,

para ver a sua decisão sindicada por um tribunal judicial.

A questão fundamental subjacente a esta dissertação é, então, a de saber qual o papel ocupado pela

autoridade administrativa na fase organicamente judicial do processo de contraordenação e,

concretamente, se a mesma se pode constituir como assistente nessa fase do processo.

Para tanto, assume relevância o estudo da aplicabilidade subsidiária dos preceitos de processo penal

ao regime geral das contraordenações, em especial a possibilidade de importação da figura do

assistente no contexto do Direito de Mera Ordenação Social.

Esse estudo é feito com recurso tanto a posições doutrinárias sobre o tema como decisões

jurisprudenciais. Neste particular, tomarei por base os Acórdãos proferidos pelo Tribunal da Relação

de Lisboa em 11 de novembro de 1997 e em 20 de maio de 1998, cujos relatores foram,

respetivamente SOUSA NOGUEIRA e MIRANDA JONES.

Em ambos os casos, foi levantada a questão sobre a constituição como assistente por parte de uma

autarquia local (a Câmara Municipal do Seixal) em sede da impugnação judicial de decisões por si

proferidas em processos de contraordenação.

No final da presente dissertação apresento a minha posição tanto quanto à possibilidade de

constituição como assistente por parte da autoridade administrativa, como em relação ao papel que

considero que a mesma detém na fase judicial do processo de contraordenação.

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Palavras-Chave: Contraordenações, Autoridade Administrativa, Assistente, Subsidiariedade,

Direito Processual Penal.

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Abstract

The dissertation «O Papel da Autoridade Administrativa no Processo Contraordenacional» consists

of a reflection on the different roles occupied by the administrative authority in the process defined

in the Regime Geral das Contraordenações.

It is a complex process, with a first organically administrative phase and a second organically judicial

phase. During the first phase, the administrative authority is in charge of the process, culminating in

the final decision that can be to file it or to condemn the accused. The second phase of the process,

the so-called judicial phase, begins with the challenging of the final conviction by the accused.

In the transition from the administrative phase of the procedure to the judicial phase, the role of the

administrative authority must necessarily change once it goes from an instructing and decision-maker

to see its decision syndicated by a court of law.

The basic question underlying this dissertation is what role the administrative authority has in the

organically judicial phase of the misconduct process and whether it can play the role of “assistant” at

that stage of the procedure.

Therefore, the study of the subsidiary applicability of the criminal procedure rules to the general

regime of administrative misconduct, in particular the possibility of importing the assistant figure in

the context of the Administrative Infractions, is relevant.

This study is done using both doctrinal positions on the subject and jurisprudential decisions. In this

regard, I shall take as a basis the judgments given by the Tribunal da Relação de Lisboa on 11

November 1997 and 20 May 1998, the rapporteurs of which were, respectively, SOUSA NOGUEIRA

and MIRANDA JONES.

In both cases, the question was raised about the constitution as an assistant by a local authority (the

Municipality of Seixal) in the judicial challenge to decisions handed down in cases of administrative

misconduct.

At the end of this dissertation, I present my position both as to the possibility of being an assistant to

the administrative authority, and to the role that I consider the administrative authority to have in the

judicial phase of the process.

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Keywords: Administrative Misconduct, Administrative Authority, Assistant, Subsidiarity, Criminal

Procedural Law.

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Introdução

O Direito de Mera Ordenação Social surgiu no nosso ordenamento jurídico através do DL n.º

232/79, de 24 de julho, inspirado no regime alemão e associado a um movimento de

descriminalização motivado pela crescente intervenção penal na sociedade.

Este regime foi pensado para existir ao lado do Direito Penal, mas com autonomia em relação

a ele. Tendo uma natureza diferente, assentando em diferentes princípios e protegendo interesses

distintos para que o Direito Penal pudesse assumir verdadeiramente o seu papel ultima ratio da

política criminal, destinando-se a punir as ofensas intoleráveis aos valores e interesses fundamentais

da convivência humana.

Ainda que, hoje em dia, com a evolução deste ramo do direito público sancionatório, não se

possa afirmar que o mesmo se destina à punição de bagatelas penais, o certo é que a sua intenção de

ser um regime mais célere para sancionar condutas que não acarretam a mesma censura ética e que

se prendem mais com a organização da vida em comum e da realização de interesses públicos do

Estado, manteve-se no DL n.º 433/82, de 27 de outubro, que revogou o anterior regime geral e o veio

substituir até aos dias de hoje.

Este regime geral regula o processo das contraordenações, sem prejuízo dos regimes setoriais

que se foram multiplicando ao longo dos anos, complementando ou alterando o regime geral

conforme as necessidades e especificidades técnicas de cada setor.

Na presente dissertação de mestrado pretendo discutir os diferentes papeis ocupados pela

autoridade administrativa ao longo do processo de contraordenação.

Se quanto à sua posição na fase organicamente administrativa do processo não restarão

dúvidas de que é a esta autoridade que cabe tanto a instrução do processo, como a decisão final de

arquivamento ou de condenação, cabendo-lhe simultaneamente a investigação e a decisão final; já

não será tão linear o seu papel no recurso de impugnação da sua decisão.

Com o presente estudo, pretendo contribuir para a análise do papel que deve ser assumido

pela autoridade administrativa acoimante durante a fase de impugnação judicial da decisão

condenatória.

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Para tanto, no Capítulo I, O Processo de Contraordenação, após um breve enquadramento

histórico-constitucional do Direito de Mera Ordenação Social, procedo a uma sucinta exposição sobre

as duas fases do processo contraordenacional e a tramitação do processo em cada uma delas.

No Capítulo II, A Autoridade Administrativa na Fase Judicial do Processo

Contraordenacional, farei uma exposição sobre o alcance e a efetivação do direito de participação da

autoridade administrativa na fase judicial, que lhe é atribuído pelo art. 70.º do Regime Geral das

Contraordenações. De seguida apresento também um estudo sobre a aplicação subsidiária dos

preceitos de processo penal ao Ilícito de Mera Ordenação Social, como especial ênfase na

aplicabilidade do art. 68.º do CPP, ou seja, da figura do assistente.

Neste ponto em específico, tomo como base os Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa

de 11 de novembro de 1997 e de 20 de maio de 1998, cujos relatores foram respetivamente SOUSA

NOGUEIRA e MIRANDA JONES, nos quais foi levantada, por parte de uma autarquia local, a

questão sobre a possibilidade de a autoridade administrativa acoimante se constituir como assistente

na fase judicial do processo de contraordenação. Conduzindo, então, à pergunta: poderá a autoridade

administrativa ocupar a posição de assistente, ou seja, de verdadeiro sujeito processual durante o

recurso de impugnação da sua decisão?

Termino a presente dissertação pela apresentação da minha posição sobre as questões

levantadas, tanto em relação à possibilidade de aplicação da figura do assistente ao Regime Geral das

Contraordenações, a possibilidade de a autoridade administrativa se constituir como assistente e sobre

a posição que a mesma autoridade deve ocupar na fase judicial do processo de contraordenação.

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I

O Processo de Contraordenação

1. Breve Enquadramento Histórico-Constitucional do Direito de Mera Ordenação Social

O Direito de Mera Ordenação Social nasce, entre nós, muito pela mão, desenvolvimentos

doutrinais e anteprojetos de Código Penal do Professor EDUARDO CORREIA (1), manifestando-se

na nossa ordem jurídica através do DL 232/79, de 24 de julho, ainda durante a vigência do Código

Penal de 1886, denotando, no entanto, desde o início um afastamento entre o regime concretamente

criado e os planos do seu maior impulsionador.

Desde logo, EDUARDO CORREIA defendia uma maior aproximação do Direito de Mera

Ordenação Social ao Direito Administrativo, ainda que sancionatório, sendo, por exemplo, avesso à

solução de recurso da decisão administrativa para os tribunais comuns (2). Tendo sido essa a solução

que vingou no diploma concretamente produzido.

Este diploma nascido em julho de 1979, teve difícil acolhimento na ordem jurídica portuguesa,

sendo prontamente alterado, através do DL 411-A/79, de 1 de outubro e pedida a sua declaração de

inconstitucionalidade ao Conselho da Revolução, dando origem ao Parecer n.º 4/81 da Comissão

Constitucional (3), no qual essa inconstitucionalidade não veio a ser declarada.

Em sede do Parecer n.º 4/81 da Comissão Constitucional, a Comissão pronunciou-se sobre

questões relativas à competência para o processamento das contraordenações e aplicação das coimas

por parte das autoridades administrativas, sobre o recurso e o processo judicial, sobre a

1 EDUARDO CORREIA, “Direito Penal e Direito de Mera Ordenação Social” in Boletim da Faculdade de Direito de

Coimbra, Vol. XLIX, 1973, Pp. 257 a 281. 2 EDUARDO CORREIA, “Direito Penal…”, Ob. Cit., Pp. 14 e 15: «Por um lado, uma vez assente que cabe à

Administração a aplicação de tais reações, não se vê por que se deva retirar às instâncias administrativas,

normalmente competentes, o controlo da sua legalidade. […]

[…] Depois, e isso parece decisivo, admitir um recurso para os tribunais comuns, seria, afinal, criminalizar decisões

que, justamente, se quer que não tenham o sentido das sentenças penas criminais. Para além de que se voltaria,

afinal, a massificar a competência destes tribunais, inconveniente que, desde sempre, fomentou a descriminalização

do direito e constituiu ponto de partida das críticas à hipertrofia da legislação criminal extravagante.» 3 Parecer n.º 4/81 da Comissão Constitucional, in Pareceres da Comissão Constitucional, 14.º Vol., INCM, Lisboa,

1983, Pp. 205 a 272.

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constitucionalidade da competência dos tribunais judiciais para conhecer dos recursos interpostos de

decisões de autoridades administrativas, além de eventual inconstitucionalidade orgânica do diploma.

Em relação à competência das autoridades administrativas para o processamento de

contraordenações e aplicação de coimas, pronunciou-se a Comissão Constitucional no sentido de que

não existiria qualquer inconstitucionalidade na assunção dessas funções por parte das autoridades

administrativas, uma vez que, quer o ilícito contraordenacional, quer a coima se tratavam de matérias

do foro administrativo (4). Já no que respeita à constitucionalidade da competência dos tribunais

judiciais para apreciar o recurso das decisões administrativas, a Comissão Constitucional pronunciou-

se no sentido de que tal não configuraria inconstitucionalidade já que não se trataria de um verdadeiro

recurso, mas de uma impugnação de decisão sancionatória sem caráter definitivo, «atribuindo-se

plena jurisdição aos tribunais encarregados de julgar as questões de facto e de direito relativas ao

domínio do ilícito de mera ordenação social» (5). Não tendo esta Comissão encontrado também

qualquer inconstitucionalidade orgânica no DL 232/79, de 24 de julho.

Em síntese, a Comissão Constitucional, entendeu que o referido diploma apenas se encontraria

ferido de inconstitucionalidade caso vedasse o acesso aos órgãos judiciais para controlo da decisão

final condenatória:

«Não obstante todas as dificuldades doutrinais que possam subsistir acerca da natureza do

ilícito de mera ordenação social e todas as dúvidas pertinentes acerca da possibilidade de

encontrar uma diferença de grau entre este ilícito e o ilícito criminal ou penal de justiça – e já

sem aludir à problemática da bondade da solução, do ponto de vista de política legislativa

acerca da autonomização deste ramo de direito – supomos que não há nenhum preceito

constitucional ou de direito internacional convencional que impeça de forma perentória que o

legislador adote como solução a administrativização no âmbito do ilícito de mera ordenação

social, desde que fiquem salvaguardados os recursos aos órgãos judiciais.» (6)

No plano da doutrina, refiro apenas a título de exemplo que TEREZA BELEZA salientava

que sendo o Direito de Mera Ordenação Social um «sistema sancionatório que põe em causa, da

mesma forma que o direito penal, os direitos e garantias individuais» (7), deveriam ser transportados

4 Parecer n.º 4/81 da Comissão Constitucional, Ob. Cit., Pp. 254 e 255. 5 Parecer n.º 4/81 da Comissão Constitucional, Ob. Cit., Pp. 259. 6 Parecer n.º 4/81 da Comissão Constitucional, Ob. Cit., Pp. 255. 7 TEREZA BELEZA, Lições de Direito Penal, I, Ap. Ud., ALEXANDRA VILELA, O Direito de Mera Ordenação

Social, Entre a Ideia de “Recorrência” e a de “Erosão” do Direito Penal Clássico, 1.ª Ed., Coimbra Editora,

Coimbra, março de 2013, Pp. 338.

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para este tipo de Ilícito os princípios constitucionais do direito penal, com especial ênfase para a

aplicação de sanções pelos tribunais e a proibição de responsabilização objetiva.

Em 1982, a Lei Constitucional n.º 1/82, de 30 de setembro, veio alterar o então art. 168.º da

CRP, que corresponde ao atual art. 165.º, introduzindo na reserva de competência relativa da

Assembleia da República os atos de ilícito de mera ordenação social e o seu processo.

Também em 1982, o DL 232/79, de 24 de julho, viria a ser revogado pelo DL 433/82, de 27

de outubro, por aquele que é, ainda atualmente, o Regime Geral das Contraordenações ou Ilícito de

Mera Ordenação Social. Este diploma conheceu, ao longo do tempo, desenvolvimentos específicos,

setoriais, de acordo com as diferentes áreas e domínios da sua aplicação, como por exemplo no

domínio fiscal, estradal, laboral, ambiental, entre muitos outros.

O Ilícito de Mera Ordenação Social, nasceu no contexto do movimento de descriminalização,

como alternativa à excessiva intromissão do Direito Penal na sociedade, de forma a que este pudesse,

de facto, ocupar o seu papel de ultima ratio. Foi, muito sumariamente, neste contexto e com este

objetivo, que nasceu este tertium genus de direito público sancionatório cuja natureza ainda hoje

suscita discussões doutrinárias e jurisprudenciais.

Trata-se de um processo complexo, com uma estrutura organicamente administrativa na sua

primeira fase e judicial no momento de impugnação da decisão condenatória. Encontrando-se a

sindicância desta decisão nas mãos dos tribunais judiciais e não no foro administrativo. Não sendo o

escopo deste trabalho a discussão da distinção entre o Direito Contraordenacional e o Direito Penal,

é, no entanto, útil referir que se tratam, de facto, de ramos diferentes dentro do direito público

sancionatório. Considero, portanto, conforme mencionado acima e na senda de MÁRIO GOMES

DIAS (8) que o Direito de Mera Ordenação Social não é nem Direito Administrativo, nem Direito

Penal, mas sim uma terceira via, um verdadeiro Tertium Genus dentro do Direito Público

Sancionatório.

É de salientar que, através da Lei Constitucional n.º 1/89, de 8 de julho, o legislador

constitucional veio assumir uma maior aproximação do Direito de Mera Ordenação Social à ciência

do direito penal através do aditamento, à data, do n.º 8 ao art. 32.º da CRP, que corresponde hoje ao

n.º 10 do mesmo artigo, no qual se pode ler que nos processos de contraordenação, são assegurados

ao arguido os direitos de audição e defesa, tendo mantido como epígrafe desse artigo «Garantias

8 MÁRIO GOMES DIAS, “Breves Reflexões Sobre o Processo de Contraordenação”, in Contraordenações, Notas e

Comentários ao DL n.º 433/82, de 27 de outubro, Escola Superior de Polícia, Lisboa, 1.ª Ed., outubro de 1985.

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de Processo Criminal». Sem que essa “maior aproximação” signifique identidade de natureza, não se

aplicando ao Direito de Mera Ordenação Social todos os princípios constitucionais da constituição

penal.

Quanto aos princípios constitucionais aplicáveis no processo de contraordenação, começa por

escrever JOÃO SOARES RIBEIRO (9):

«A primeira e fundamental razão por que se não podem considerar em vigor na fase

administrativa do processo contraordenacional as regras dominantes no processo de tipo

inquisitório é porque a tanto se opõe a Constituição através das suas normas, designadamente

as constantes do artigo 32.º, e dos princípios que as regem.»

Desde logo, tem de se considerar que ao processo de contraordenação, na fase administrativa

se aplica o Princípio da Constitucionalidade, estribado no art. 266.º da CRP que determina que a

Administração Pública prossegue um interesse público, respeitando os direitos e interesses

legalmente protegidos dos cidadãos, sendo esse princípio diretamente aplicável a toda a sua atuação

por ação do art. 18.º da CRP, e ao Princípio da Igualdade, plasmado no art. 13.º da CRP. Encontra-se

a Administração também vinculada ao Princípio da Legalidade, previsto também no art. 266.º e no

art. 3.º da CRP, significando este princípio que, no âmbito do processo, tem a Administração de

respeitar todas as normas jurídicas que limitam os seus poderes, estando este princípio expressamente

consagrado no Regime Geral das Contraordenações, no seu art. 43.º, não se permitindo, portanto, à

Autoridade Administrativa qualquer juízo de oportunidade na instauração ou não de procedimento de

contraordenação quando a infração seja conhecida. Enquadram-se também aqui os Princípios da

igualdade e imparcialidade que se devem encontrar subjacentes a toda a atuação da Administração.

A este leque, acrescem ainda os Princípios da Imparcialidade decorrente do art. 266.º, n.º 2 da

CRP, devendo a atuação da autoridade administrativa ser objetiva e isenta, sem qualquer tipo de

favoritismo; da Oficialidade, devendo a autoridade administrativa atuar de forma oficiosa sempre que

tenha conhecimento de uma infração; do Contraditório, sendo este um dos princípios fundamentais

do direito processual penal, tendo ao longo do tempo passado a integrar o núcleo essencial de qualquer

processo sancionatório, assentando na ideia de que ninguém deve ser condenado sem ter tido

conhecimento dos factos que lhe são imputados e oportunidade de defesa, encontrando-se previsto

no art. 50.º do Regime Geral das Contraordenações; e, finalmente, o da Verdade Material.

9 JOÃO SOARES RIBEIRO, Contraordenações Laborais – Regime Jurídico Anotado Contido no Código do

Trabalho, 2.ª Ed., Almedina, Coimbra, novembro de 2003, Pp. 146.

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Não se encontrando no Regime Geral das Contraordenações muitas regras relativas à

aquisição e produção de prova no processo contraordenacional, concordo com MÁRIO GOMES

DIAS quando refere que «por força do art. 41.º, n.º 1 têm inteira aplicação os preceitos contidos na

legislação processual penal sobre esta matéria.» (10)

Por ação do art. 32.º, n.º 10 da CRP, são aplicáveis, ao longo de todo o processo

contraordenacional, os direitos de audição e defesa do arguido, bem como da jurisdicionalidade,

consagrado no art. 20.º da CRP, que não se encontra violado pela possibilidade de o arguido recorrer

aos tribunais para controlo da decisão sancionatória que lhe seja aplicada, momento em que lhe será

concedido novamente direito de audição e defesa.

2. Fases do Processo Contraordenacional

2.1. Fase Administrativa do Processo de Contraordenação

Dispõe o art. 33.º do Regime Geral das Contraordenações, DL 433/82, de 27 de outubro, na

mais recente redação dada pela Lei n.º 109/2001, de 24 de dezembro, que “o processamento das

contraordenações e a aplicação das coimas e das sanções acessórias competem às autoridades

administrativas, ressalvadas as especialidades previstas no presente diploma” (11).

Conjugando este artigo com o 41.º, n.º 1 e 2 do mesmo diploma legal, depressa se conclui que

a natureza desta primeira fase do processo de contraordenação, apesar de apelidada de

“administrativa” mais se aproxima de um processo de natureza penal, embora não judicial. Tal

conclusão facilmente se extrai da letra do artigo referido, no qual se estabelece que as autoridades

administrativas têm os mesmos direitos e encontram-se sujeitas aos mesmos deveres das entidades

10 MARIO GOMES DIAS, “Breves Reflexões…”, Ob. Cit., Pp. 138. 11 Ou seja, quando se verifique a existência de concurso de crime e contraordenação (art. 38.º), caso em que o

processamento da contraordenação cabe às autoridades competentes para o processo crime, ou quando a autoridade

administrativa considere que a infração constitui um crime (art. 40.º), caso em que o processo deverá ser remetido ao

Ministério Público.

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competentes para o processo criminal (12), sendo, por imposição constitucional, assegurados ao

arguido os direitos de audiência e defesa, logo desde esta primeira fase (13).

Este procedimento tem início oficiosamente, com a participação das autoridades policiais ou

fiscalizadoras, ou ainda através de denúncia particular, terminando com a decisão final que pode ser

de arquivamento ou condenatória. No caso desta última devem ser respeitados os requisitos

plasmados no art. 58.º do Regime Geral das Contraordenações, podendo haver lugar à aplicação de

sanções acessórias além da aplicação de coima.

Assim, cabe à autoridade administrativa nesta primeira fase toda a investigação e

instrução do processo. Ou seja, toda a tramitação conducente à formação da decisão final de

arquivamento ou condenação é efetuada pela autoridade administrativa, sem prejuízo da possibilidade

dessa autoridade confiar, totalmente ou em parte, a investigação e instrução às autoridades policiais

ou contar com a colaboração de outras autoridades ou serviços públicos, de acordo com o estipulado

no art. 54.º do Regime Geral das Contraordenações. Não lhe sendo, portanto, aplicável a estrutura

acusatória associada a um processo de natureza penal, nem o princípio da judicialização da instrução

plasmado no n.º 4 do art. 32.º da CRP.

Em suma, a Autoridade Administrativa assume a posição de dominus do processo de

contraordenação nesta primeira fase.

2.2. Fase Judicial do Processo de Contraordenação

Outro argumento no sentido de, em processo de contraordenação, o papel da autoridade

administrativa mais se assemelhar ao das entidades competentes para o processo criminal é que da

decisão condenatória, bem como dos despachos e demais medidas tomadas pela autoridade

administrativa no decurso do processo, cabe recurso para os tribunais judiciais e não para os

tribunais administrativos, conforme estipulado no art. 59.º do referido diploma legal. Assim se

iniciando a denominada fase judicial do processo de contraordenação.

12 No mesmo sentido, ALEXANDRA VILELA; O Direito de Mera Ordenação Social…” 13 Art. 32.º, n.º 10 da Constituição da República Portuguesa (CRP). Artigo este que trata das Garantias do Processo

Criminal, tendo o legislador constitucional optado por regular os direitos do arguido em processo de contraordenação

(e processos sancionatórios em geral) sob esta epígrafe e não no Título dedicado à Administração Pública.

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Nesta fase, o recurso de impugnação deve ser apresentado à autoridade administrativa que

aplicou a coima, devendo esta proceder ao envio dos autos ao Ministério Público que os tornará

presentes ao juiz (14). Este ato vale como acusação. Ou seja, não é atribuído o valor de acusação

apenas à decisão condenatória proferida pela autoridade administrativa, mas sim a todo o processo

coligido durante a fase administrativa do processo. (15)

Ao receber os autos, o Ministério Público deve proceder ao saneamento do processo:

«– [...] nomeadamente, apreciar alguma questão que considere relevante para o processo. Ex:

solicitar à autoridade administrativa elementos sobre a notificação do arguido de modo a

apreciar se o recurso está em prazo, solicitar a indicação de provas ou de outros elementos que

entenda faltar na decisão administrativa;

– Indicar as provas, caso remeta o processo para julgamento – art. 72.º, n.º 1. “Compete ao

Ministério Público promover a prova de todos os factos que considere relevantes para a

decisão.» (16)

Quando exista interposição de recurso de impugnação da decisão condenatória proferida pela

autoridade administrativa (17), deve essa autoridade proceder ao envio dos autos ao Ministério Público

junto do tribunal competente para conhecer do recurso no prazo de 5 dias. Até ao momento desse

envio, a autoridade administrativa tem a faculdade de revogar a decisão de aplicação da coima.

Ao receber os autos, o Ministério Público torná-los-á presentes ao juiz, sendo que este ato vale

como acusação. Ou seja, todo o processo tramitado pela autoridade administrativa tem o valor

de acusação na fase judicial e não apenas a decisão final condenatória, embora seja esta que

encerra o conteúdo recorrível.

Poderá então o juiz rejeitar, por meio de despacho, o recurso caso o considere intempestivo,

ou com fundamento em desrespeito pelas exigências de forma. Quando o recurso seja aceite, pode o

14 Tendo a autoridade administrativa, até ao envio dos autos ao Ministério Público, a possibilidade de revogar a decisão

impugnada. 15 No mesmo sentido, ALEXANDRA VILELA; O Direito de Mera Ordenação Social…”, Ob. Cit., Pp. 386. 16 ANA CRISTINA AFONSO; Aspetos Práticos Sobre Processo de Contraordenação; Sindicato dos Magistrados do

Ministério Público; disponível em: http://www.smmp.pt/ 17 Que deve ser interposto por escrito, apresentado à autoridade administrativa acoimante, no prazo de 20 dias úteis

após o conhecimento da decisão pelo arguido.

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16

juiz proferir a sua decisão por simples despacho nos casos em que a tal possa haver lugar (18) ou, em

regra, deve proceder à marcação de audiência de julgamento.

É estabelecido no art. 65.º-A do Regime Geral das Contraordenações que, até à sentença em

1ª instância, ou até ser proferido o despacho previsto no art. 64.º, n.º 2, pode o Ministério Público

retirar a acusação bastando para tal que obtenha o acordo do arguido. No n.º 2 do artigo é referido

que a autoridade administrativa deve ser ouvida, no entanto não se postula uma obrigatoriedade de o

fazer, podendo preterir essa formalidade quando considere que tal não é indispensável a uma

adequada decisão. Não se prevendo, em ponto nenhum do Regime Geral das Contraordenações,

que a autoridade administrativa possa reagir quanto a esta preterição.

Por seu lado, é também permitido ao arguido a retirada do recurso até à sentença em 1ª

instância ou até ao despacho que decida a causa, sendo que após o início da audiência de julgamento

se exige o acordo do Ministério Público.

Quanto à participação do arguido na audiência, o mesmo não é obrigado a comparecer a menos

que o juiz considere que a sua presença é necessária ao esclarecimento dos factos. Caso o arguido

não compareça na audiência, nem se faça representar por advogado, serão tomadas em conta as

declarações já prestadas na fase administrativa do processo de contraordenação, ou será registado que

o arguido nunca se pronunciou sobre a matéria dos autos e julgar-se-á a causa.

Em relação ao papel do Ministério Público, o mesmo deve estar presente na audiência

de julgamento, sendo a esta entidade que cabe promover a prova de todos os factos que

considere relevantes para a decisão (19).

Já no que respeita às autoridades administrativas, estabelece o art. 70.º do Regime Geral das

Contraordenações que «o tribunal concederá às autoridades administrativas a oportunidade de

trazerem à audiência os elementos que reputem convenientes para uma correta decisão do caso,

podendo um representante daquelas autoridades participar na audiência», o mesmo acontecendo

quando o processo seja arquivado. Estabelece-se igualmente que a data da audiência, a sentença e

demais decisões finais lhe devem ser comunicadas.

Assim, da letra da lei, retira-se apenas que é dada à autoridade administrativa a

possibilidade de trazer à audiência os elementos que considere necessários para a produção de

uma correta decisão do caso. Não lhe sendo atribuído qualquer papel em concreto no decorrer dessa

18 Nos casos previstos no art. 64.º, n.º 2 do Regime Geral das Contraordenações. 19 Representando o Estado, conforme determinado no Estatuto do Ministério Público, Lei n.º 47/86, de 15 de outubro,

nos seus artigos 1.º e 3.º, n.º 1, al. a).

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17

audiência, nem se especificando se os tais “elementos que reputem convenientes para uma correta

decisão do caso” deverão ser distintos dos já constantes dos autos, ou seja, da acusação, ou se, por

outro lado, se poderão restringir ao reforçar dos elementos já obtidos na primeira fase do processo

contraordenacional ou a esclarecimentos técnicos.

3. Conclusões do Capítulo

Em relação ao contexto histórico e constitucional do Direito de Mera Ordenação Social, este

surgiu em 1979 através do DL 232/79, de 24 de junho cuja aceitação não foi pacífica. Este diploma

vinha incorporar no âmbito no Ilícito de Mera Ordenação Social as contravenções e transgressões

vigoravam no nosso ordenamento jurídico, retirando-as do domínio penal em que se inseriam.

Esse diploma foi prontamente alterado e teve a sua constitucionalidade escrutinada logo em

1981, através de Parecer da Comissão Constitucional que, apesar dos argumentos apresentados nesse

sentido, não declarou a inconstitucionalidade do diploma.

Veio o mesmo a ser revogado em 27 de outubro de 1982 pela publicação do DL 433/82 que

regula ainda hoje o Ilícito de Mera Ordenação Social.

Os princípios que deram origem à primeira versão do Direito de Mera Ordenação Social entre

nós não abandonaram este ramo do Direito Público Sancionatório neste segundo diploma. Manteve-

se o propósito de autonomia deste ramo face ao Direito Penal e Processual Penal, por forma até a

garantir que a intervenção penal do Estado se manteria, conforme desejável, numa lógica de garantia

do mínimo ético e da intervenção mínima na vida em sociedade.

Este Ilícito de Mera Ordenação Social, como o próprio nome indica, visa essencialmente

salvaguardar aspetos da vida coletiva que foram, ao longo do tempo, ganhando relevância nas

sociedades modernas, como sejam a cultura, o ambiente, o sistema financeiro, o trabalho, entre outros.

Delineou-se então este processo de contraordenação como uma forma mais célere de sanção

de comportamentos indesejáveis, mas sem dignidade penal, tendo como escopo a defesa de interesses

coletivos do Estado e não se coadunando, portanto, com a defesa de interesses particulares.

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18

A nível constitucional, na Revisão Constitucional de 1982 foi o então artigo 168.º da CRP

(atual 165.º) alterado de modo a introduzir na reserva de competência relativa da Assembleia de

República os atos relativos ao Ilícito de Mera Ordenação Social.

Já na revisão constitucional de 1989 houve uma aproximação do Direito de Mera Ordenação

Social ao Direito Criminal, enquadrando-o como constitucionalmente mais próximo deste do que do

Direito Administrativo, através da introdução do n.º 8 do art. 32.º da CRP (atual n.º 10 do mesmo

artigo), no qual se consagram os direitos de audição e defesa do arguido em qualquer fase do processo

de contraordenação, bem como em qualquer processo público de caráter sancionatório, mantendo-se

a epígrafe desse artigo «Garantias do Processo Criminal».

No que concerne os princípios constitucionais aplicáveis ao processo de contraordenação, de

forma sumária, os mesmos serão o Princípio da Constitucionalidade; da Igualdade; Legalidade;

Imparcialidade; do Contraditório; da Verdade Material e da Jurisdicionalidade.

O Regime Geral das Contraordenações, trouxe ao nosso ordenamento jurídico um processo

complexo que assenta na fusão entre duas fases distintas, uma fase organicamente administrativa, no

âmbito da qual o processo é tutelado pela autoridade administrativa a que a lei confira competência

para o processamento da contraordenação e uma segunda fase organicamente judicial que

corresponde à possibilidade de impugnação dessa decisão condenatória administrativa para os

tribunais comuns.

Em suma, na fase denominada de “administrativa” do processo de contraordenação, cabe à

autoridade administrativa toda a tramitação do processo, desde o seu início, toda a investigação e

instrução do processo. O que compreende, necessariamente, a audição de testemunhas e do próprio

arguido. Terminando esta fase com o proferimento de decisão final pela mesma entidade que é a

titular do processo de contraordenação.

A autoridade administrativa goza dos mesmos direitos e deve obedecer aos mesmos deveres

que as entidades competentes para o processo penal, nos termos do art. 41.º, n.º 2 do RCGO, o que,

aliado à competência dos tribunais judiciais para a interposição do recurso da decisão daí resultante,

contribui para o entendimento de que a primeira fase do processo contraordenacional se aproxima

mais do direito sancionatório de natureza penal do que do direito administrativo, embora não se

identifique com nenhum deles.

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19

O ato de envio dos autos ao Ministério Público após a interposição de recurso de impugnação

vale como acusação. Ainda que com especial incidência na decisão final condenatória, não deixa de

se entender como acusação todo o processo coligido pela autoridade administrativa e não apenas à

decisão final recorrida, o que reforça a posição de investigador e decisor na primeira fase atribuída à

autoridade administrativa.

O Regime Geral das Contraordenações atribui à autoridade administrativa o direito de

participar na audiência na fase judicial, não mencionando outro tipo de intervenção por parte desta

entidade durante essa fase do processo. É certo que se determina que esta autoridade deve ser ouvida

nos casos em que o Ministério Público decida retirar a acusação, no entanto não existe qualquer

consequência para a preterição dessa formalidade, não podendo a autoridade administrativa reagir

contra essa preterição, estando-lhe vedado o direito de recurso.

Sendo o Ministério Público o representante do Estado, é a este que cabe a produção de prova

no contexto da fase judicial do processo, concedendo-se à autoridade administrativa o direito de

participação na audiência, nos termos do art. 70.º do DL 433/82, de 27 de outubro.

Esta possibilidade de participação na audiência por parte da autoridade administrativa traduz-

se na possibilidade de a mesma poder trazer à audiência os elementos que considere necessários à

boa decisão do caso, não especificando a lei em que se materializa essa participação.

Tem sido defendido que a autoridade administrativa, na audiência de julgamento, não será

equiparada a uma testemunha, não depondo como tal nem tendo as mesmas obrigações legais,

podendo ser apresentado um funcionário dessa autoridade como “representante” e um outro como

testemunha. Entendendo-se que a sua participação na audiência de julgamento visa o auxílio técnico

ao Ministério Público e ao Tribunal pelos conhecimentos técnicos e capacidades profissionais que a

mesma em princípio terá.

No entanto, a configuração exata dessa participação da autoridade administrativa não se

encontra cabalmente definida no Regime Geral das Contraordenações, abrindo-se, assim, a porta para

diferentes entendimentos, desde a equiparação desta ao mandatário do arguido à possibilidade da sua

constituição como assistente, já que a lei diz-nos apenas que é dada à autoridade administrativa a

possibilidade de trazer à audiência os elementos que considere necessários à produção de uma correta

decisão do caso.

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20

Assim, fica por saber qual será concretamente a posição ocupada pela autoridade

administrativa na fase judicial do processo de contraordenação. Questão a que procurarei responder

infra.

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21

II

A Autoridade Administrativa na Fase Judicial do Processo Contraordenacional

1. O Direito de Participação da Autoridade Administrativa

ANTÓNIO BEÇA PEREIRA (20), na anotação ao art. 70.º do Regime Geral das

Contraordenações, sob a epígrafe «Participação das Autoridades Administrativas», entende que da

primeira parte do n.º 1 resulta que a faculdade conferida à autoridade administrativa para

oferecimento de prova deverá ser tida como análoga ao estabelecido no art. 315.º, n.º 1 do Código de

Processo Penal. O que significa que a autoridade administrativa deverá, querendo, apresentar a prova

pretendida no prazo de 20 dias contados do despacho que designou data para a audiência. Entendendo,

também, que a participação em sede de audiência deve ocorrer de forma equiparada ao mandatário

do arguido, ou seja, podendo o representante da autoridade administrativa inquirir testemunhas e

produzir alegações.

FREDERICO COSTA PINTO, entende que, em regra, os interesses representados pela

autoridade administrativa e pelo Ministério Público são coincidentes, sendo desejável uma

colaboração recíproca. No entanto, na audiência de julgamento, defende que o papel da autoridade

administrativa é mais específico, podendo oferecer elementos que considere relevantes para a boa

decisão do caso, colaborando tanto com o Ministério Público como com o Tribunal. Concordando

com ANTÓNIO BEÇA PEREIRA no tocante à equiparação da autoridade administrativa ao

mandatário do arguido em termos de direitos e deveres, discordando apenas quanto à produção de

alegações finais. Neste particular, considera o Autor que as alegações finais ficarão a cargo do

Ministério Público, podendo, de todo o modo, a autoridade administrativa expor ao Tribunal a sua

apreciação das questões que consideres relevantes para a decisão da causa, nomeadamente, quanto à

área técnica da sua competência (21).

20 ANTÓNIO BEÇA PEREIRA, Regime Geral das Contraordenações e Coimas Anotado, 8.ª Ed., Almedina, Coimbra,

setembro de 2009, Pp. 176 21 FREDERICO LACERDA DA COSTA PINTO, “A Jurisprudência Sobre Contraordenações no Âmbito dos Mercados

de Valores Mobiliários”, in Direito dos Valores Mobiliários, Vol. II, Coimbra Editora, Coimbra, junho de 2000, Pp.

164 e 165.

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22

Por seu lado, também na anotação ao art. 70.º, PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE (22)

refere que a autoridade administrativa não tem o estatuto de testemunha, não depondo como tal, nem

tendo as mesmas obrigações legais. O que conduz à conclusão que a autoridade administrativa poderá

indicar um seu funcionário como “representante”, ao mesmo tempo que apresenta outros funcionários

que tenham assistido à infração como testemunhas.

O Autor enquadra a participação da autoridade administrativa na audiência como tendo uma

“atividade processual acessória do Ministério Público”:

«O representante da autoridade administrativa tem uma atividade processual acessória do

Ministério Público, uma vez que a “acusação” assenta na decisão da autoridade administrativa

e, portanto, o Ministério Público assume a defesa dos interesses públicos tutelados pela

administração pública e cristalizados na “acusação”. Destarte, cabe ao Ministério Público

definir a estratégia da “acusação” na fase judicial do processo contraordenacional, o que

também significa que o representante da autoridade administrativa não pode ter uma

atividade processual autónoma do Ministério Público na fase judicial do processo

contraordenacional, desempenhando antes um papel de assessoria técnica, dada a

especialidade dos seus conhecimentos e capacidades profissionais.» (23)

Parece, então, que o legislador pretendeu atribuir à autoridade administrativa, que, recorde-

se, se trata do julgador da primeira fase deste processo, o papel de mero coadjuvante do tribunal e

não a qualidade de sujeito processual como o são o Arguido e o Ministério Público.

Todavia, este entendimento não é pacífico, surgindo, assim, a questão sobre qual é, de facto,

o papel da autoridade administrativa nesta fase judicial do processo de contraordenação.

Poderá esta autoridade constituir-se como assistente e assumir, deste modo, o papel de

verdadeiro sujeito processual?

22 PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, Comentário do Regime Geral das Contraordenações à Luz da Constituição

da República e da Convenção dos Direitos do Homem, Universidade Católica Editora, Lisboa, outubro de 2011, Pp.

284 – 288. 23 PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, Comentário…, Ob. Cit., Pp. 285.

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23

2. A Aplicação Subsidiária dos Preceitos de Processo Criminal ao Ilícito de Mera Ordenação

Social – A Figura do Assistente em Especial

Nos termos do art. 41.º do Regime Geral das Contraordenações, o direito subsidiariamente

aplicável a este processo é o direito processual penal. No entanto, o referido preceito legal não

determina uma aplicabilidade em bloco do Código de Processo Penal, mas apenas na parte que não

contrarie o Regime Geral das Contraordenações. Tal entendimento encontra-se, além da consagração

legal, também plasmado na jurisprudência constitucional, por exemplo, no Acórdão do Tribunal

Constitucional n.º 659/2006 (24):

«Dentre os processos sancionatórios é o processo contraordenacional um dos que mais se

aproxima, atenta a natureza do ilícito em causa, do processo penal, embora a este não possa

ser equiparado.

Constitui afirmação recorrente na jurisprudência do Tribunal Constitucional a da não

aplicabilidade direta e global aos processos contraordenacionais dos princípios constitucionais

próprios do processo criminal, desde logo o princípio da judicialização da instrução

consagrado no n.º 4 do artigo 32.º (neste sentido Acórdão n.º 158/92). A diferença de

“princípios jurídico-constitucionais, materiais e orgânicos, a que se submetem entre nós a

legislação penal e a legislação das contraordenações” reflete-se no “regime processual próprio

de cada um desses ilícitos”, não exigindo um “automático paralelismo com os institutos e

regimes próprios do processo penal, inscrevendo-se assim no âmbito da liberdade de

conformação legislativa própria do legislador”, por exemplo, a não atribuição ao assistente

(admitindo que a lei consente em processo contraordenacional esta figura) de legitimidade

para recorrer, legitimidade que o artigo 73.º, n.º 2 do Regime Geral das Contraordenações

apenas reconhece ao arguido e ao Ministério Público (Acórdão n.º 344/93).»

Também no sentido da autonomia entre o Direito de Mera Ordenação Social e o Direito Penal

se pronunciou o Tribunal da Relação do Porto, no Acórdão de 11 de abril de 2012, cujo relator foi

JOAQUIM GOMES, no qual se defende que em consequência desta diferente natureza, não são os

princípios e as regras de processo penal automaticamente aplicáveis ao Direito das Contraordenações,

estribando este entendimento nas posições veiculadas pelo Tribunal Constitucional nos seus diversos

24 Disponível em http://www.tribunalconstitucional.pt

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24

acórdãos (25), bem como no Assento do Supremo Tribunal de Justiça n.º 1/2003, de 28 de novembro

de 2002, publicado no DR n.º 21/2003, Série I-A, em 25 de janeiro de 2003.

Nesta fase judicial o processo de contraordenação conduzido anteriormente pela autoridade

administrativa vale, no seu todo, como acusação. Ou seja, o juiz irá avaliar não apenas a decisão

condenatória, mas todo o processado. O que acaba por ultrapassar os poderes normais de cognição de

um tribunal de recurso. É neste contexto que se determina nova produção de prova, nos termos do

art. 72.º do Regime Geral das Contraordenações. Podendo o resultado final da audiência de

julgamento ser de arquivamento ou absolvição do arguido e não apenas de manter ou revogar a

decisão proferida pela autoridade administrativa.

Determina o art. 41.º do Regime Geral das Contraordenações que as disposições reguladoras

do processo penal são aplicáveis ao processo contraordenacional, mutatis mutandis e sempre que o

contrário não resulte do próprio Regime Geral das Contraordenações. Ou seja, as disposições de

processo penal serão aplicáveis ao Ilícito de Mera Ordenação Social sempre que nele existam

omissões e não haja motivo que obste a essa aplicação e não de forma automática.

Importa, na presente Dissertação, fazer uma breve exposição sobre a figura do Assistente no

Processo Penal português de modo a aferir, adiante, se essa subsidiariedade do Direito Processual

Penal permite o acolhimento da figura do assistente no âmbito do Ilícito de Mera Ordenação Social.

No processo penal, o assistente surge como sujeito processual, sendo o seu regime regulado

nos artigos 68.º a 70.º, desde as pessoas e entidades com legitimidade para se constituir como

assistentes, a sua posição processual e atribuições, à representação judiciária. Sendo que ao longo do

diploma legal existem várias referências e normas quanto a este sujeito processual.

Dispõem os artigos 68.º e 69.º do CPP, referentes, respetivamente, à legitimidade para

constituição como assistente e sua posição processual e atribuições:

«Art. 68.º (Assistente):

1 - Podem constituir-se assistentes no processo penal, além das pessoas e entidades a quem

leis especiais conferirem esse direito:

25 Dos quais salienta, a título de exemplo, os Acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 344/93, 278/99, 160/2004,

537/2011 e 85/2012, todos disponíveis em http://www.tribunalconstitucional.pt

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a) Os ofendidos, considerando-se como tais os titulares dos interesses que a lei

especialmente quis proteger com a incriminação, desde que maiores de 16 anos;

b) As pessoas de cuja queixa ou acusação particular depender o procedimento;

c) No caso de o ofendido morrer sem ter renunciado à queixa, o cônjuge sobrevivo não

separado judicialmente de pessoas e bens ou a pessoa, de outro ou do mesmo sexo, que com

o ofendido vivesse em condições análogas às dos cônjuges, os descendentes e adotados,

ascendentes e adotantes, ou, na falta deles, irmãos e seus descendentes, salvo se alguma

destas pessoas houver comparticipado no crime;

d) No caso de o ofendido ser menor de 16 anos ou por outro motivo incapaz, o representante

legal e, na sua falta, as pessoas indicadas na alínea anterior, segundo a ordem aí referida,

ou, na ausência dos demais, a entidade ou instituição com responsabilidades de proteção,

tutelares ou educativas, quando o mesmo tenha sido judicialmente confiado à sua

responsabilidade ou guarda, salvo se alguma delas houver auxiliado ou comparticipado no

crime;

e) Qualquer pessoa nos crimes contra a paz e a humanidade, bem como nos crimes de

tráfico de influência, favorecimento pessoal praticado por funcionário, denegação de

justiça, prevaricação, corrupção, peculato, participação económica em negócio, abuso de

poder e de fraude na obtenção ou desvio de subsídio ou subvenção.

2 - Tratando-se de procedimento dependente de acusação particular, o requerimento tem

lugar no prazo de 10 dias a contar da advertência referida no n.º 4 do artigo 246.º

3 - Os assistentes podem intervir em qualquer altura do processo, aceitando-o no estado em

que se encontrar, desde que o requeiram ao juiz:

a) Até cinco dias antes do início do debate instrutório ou da audiência de julgamento;

b) Nos casos do artigo 284.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 287.º, no prazo estabelecido

para a prática dos respetivos atos.

c) No prazo para interposição de recurso da sentença.

4 - O juiz, depois de dar ao Ministério Público e ao arguido a possibilidade de se

pronunciarem sobre o requerimento, decide por despacho, que é logo notificado àqueles.

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5 - Durante o inquérito, a constituição de assistente e os incidentes a ela respeitantes podem

correr em separado, com junção dos elementos necessários à decisão.»

E

«Art. 69.º (Posição Processual e Atribuições dos Assistentes):

1 - Os assistentes têm a posição de colaboradores do Ministério Público, a cuja atividade

subordinam a sua intervenção no processo, salvas as exceções da lei.

2 - Compete em especial aos assistentes:

a) Intervir no inquérito e na instrução, oferecendo provas e requerendo as diligências que se

afigurarem necessárias e conhecer os despachos que sobre tais iniciativas recaírem;

b) Deduzir acusação independente da do Ministério Público e, no caso de procedimento

dependente de acusação particular, ainda que aquele a não deduza;

c) Interpor recurso das decisões que os afetem, mesmo que o Ministério Público o não tenha

feito, dispondo, para o efeito, de acesso aos elementos processuais imprescindíveis, sem

prejuízo do regime aplicável ao segredo de justiça.»

Tendo em conta que as alíneas c) e d) do n.º 1 do art. 68.º do CPP representam apenas uma

extensão de competência para os casos em que o ofendido ou o titular do direito de queixa se

encontrem impossibilitados de se constituir como assistente pessoalmente, temos então que essa

faculdade assiste: ao ofendido, às pessoas de cuja queixa ou acusação particular dependa o

procedimento, ou qualquer pessoa, no leque de crimes previsto na al. e) do n.º 1 do art. 68.º.

A figura que assume maior relevância discutir é a do ofendido, prevista na al. a) do art. 68.º,

n.º 1, à luz do qual se considera como ofendido o titular dos interesses que a lei especialmente quis

proteger com a incriminação.

A qualidade de assistente no processo penal adquire-se através do ato de constituição, que

pode ser requerido por quem se integre em qualquer das categorias referidas no art. 68.º, bem como

quando tal direito seja conferido por legislação especial.

Com maior ou menor autonomia, dependendo se se trata de crime público, semipúblico ou

particular, o papel do assistente é de colaborador do Ministério Público, conforme expressamente

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estipulado pelo legislador no art. 69.º do CPP, sendo, por isso, a atividade daquele sempre

subordinada à atuação deste. (26)

Duma forma muito sumária, por não ser esse diretamente o objeto do presente estudo, importa,

neste ponto, densificar um pouco o conceito de ofendido, entendido pelo art. 68.º, n.º 1, al. a) do CPP

como sendo «o titular dos interesses que a lei especialmente quis proteger com a incriminação».

Pela definição legal é possível perceber de imediato que não é ofendido qualquer pessoa

que tenha sido prejudicada com o crime, mas apenas quem seja o titular do interesse que

constitui o objeto jurídico imediato do crime, uma vez que o objeto mediato será sempre de

natureza pública (27).

No entendimento de alguma doutrina, é através da norma incriminadora que é possível

entender qual o interesse que a lei quis proteger com a tipificação de um determinado comportamento

como crime (28).

Esta necessidade de uma relação especial entre o particular e o bem jurídico que a norma

incriminatória visa proteger determina necessariamente que nem todos os crimes permitem a

constituição de assistente, uma vez que nem todos os crimes têm ofendido particular.

«Só o terão aqueles cujo objeto imediato da tutela jurídica é um interesse ou direito de que é

titular um particular. Assim, ninguém poderá constituir-se assistente quando o interesse

protegido pela incriminação é, a qualquer luz, exclusivamente público, como sucede v.g.,

com os crimes contra o Estado, o crime de desobediência, de violação de providências

públicas.» (29)

Tal entendimento é acompanhado, a título de exemplo, por GERMANO MARQUES DA

SILVA (30), encontrando-se também plasmado no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência do

Supremo Tribunal de Justiça n.º 1/2003 (31), segundo o qual quando o interesse imediatamente

26 No mesmo sentido, a título de exemplo: HENRIQUES GASPAR, Anotação ao art. 69.º do CPP, Código de Processo

Penal Comentado, Almedina, Coimbra, fevereiro de 2014, Pp. 246; M. SIMAS SANTOS e M. LEAL-HENRIQUES,

Anotação ao art. 68.º do CPP, Código de Processo Penal Anotado, Vol. I., 2ª Ed. (reimpressão), Editora Rei dos

Livros, Lisboa, agosto de 2004, Pp. 354; GERMANO MARQUES DA SILVA, Curso de Processo Penal I Noções

Gerais, Elementos do Processo Penal, 6.ª Ed., Verbo – Babel, novembro de 2010, Lisboa, Pp. 352. 27 JORGE REIS BRAVO, “O Assistente em Processo Penal – Subsídios para o Estudo das Formas de Intervenção dos

Particulares no Processo” in Scientia Iuridica, Tomo XLV, n.º 262/264, julho – dezembro de 1996, Universidade do

Minho, Pp. 247 e 248. 28 M. SIMAS SANTOS e M. LEAL-HENRIQUES, Anotação ao art. 68.º do CPP, Código…, Ob. Cit., Pp. 356. 29 JORGE REIS BRAVO, “O Assistente…”, Ob. Cit., Pp. 248. 30 GERMANO MARQUES DA SILVA, Curso…, Ob. Cit., Pp. 357. 31 Publicado no Diário da República n.º 49, de 27 de Fevereiro, Série I-A, disponível em http://www.dre.pt

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protegido pela norma incriminatória pertença, ao mesmo tempo, ao Particular e ao Estado, pode o

Particular constituir-se como assistente. Já se o interesse for apenas público não existe

legitimidade para constituição como assistente.

O assistente surge no CPP, conforme foi já referido, como colaborador do Ministério Público,

subordinando à atividade daquele a sua intervenção no processo.

Tal subordinação implica que:

«(…) a iniciativa, projeto, estratégia e direção da investigação permanece intacta na

titularidade do MP (arts. 48.º a 53.º, 262.º e 267.º do CPP). Assim, o assistente pode ter uma

pretensão processual autónoma, independente, porventura diferente ou antagónica

relativamente à do MP, a quem, no entanto estará em princípio subordinado.» (32)

No contexto da fase de julgamento, que é o momento que maior relevância assume na presente

dissertação, o assistente tem o direito de oferecer provas e requerer diligências que considere

necessárias para o apuramento da verdade material, ocorrendo a sua produção de prova após o

Ministério Público nos termos do art. 341.º do CPP. Cabendo-lhe, também, interpor recurso das

decisões que o afetem, ainda que o Ministério Público não o faça, mesmo que de sentenças

absolutórias.

Nas palavras de GERMANO MARQUES DA SILVA:

«O assistente não exerce autonomamente a ação penal e mesmo quando a sua atuação

condiciona o exercício da ação penal pelo MP não lhe cabem nunca, para além do direito

de acusar, os poderes ou funções do Ministério Público, nomeadamente, os de

investigação na fase de inquérito para fundamentar a acusação.» (33)

É consensual na doutrina que a posição do assistente no processo penal é de colaboração com

o Ministério Público e não de seu par, sendo que os poderes e atribuições que lhe assistem servem

precisamente o propósito de auxílio direto ao Ministério Público, no inquérito, e na apresentação

de outra perspetiva do objeto do processo, participando na discussão, no debate instrutório, no

julgamento e nos recursos, ou seja, de «colaboração indireta com o Ministério Público na busca da

solução justa para cada caso» (34). Ainda que lhe assistam poderes de conformação autónomos, sendo

32 JORGE REIS BRAVO, “O Assistente…”, Ob. Cit., Pp. 249. 33 GERMANO MARQUES DA SILVA, Curso…, Ob. Cit., Pp. 352. 34 Por todos: GERMANO MARQUES DA SILVA, Curso…, Ob. Cit. Pp. 353.

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possível que o assistente divirja do Ministério Público (35), tal não bule com a sua posição de

colaborador.

Destarte, GERMANO MARQUES DA SILVA, numa definição possível de assistente

apresenta-o como:

«(…) o sujeito processual que intervém no processo como colaborador do Ministério Público

na promoção da aplicação da lei ao caso e legitimado em virtude da sua qualidade de ofendido,

de especiais relações com o ofendido pelo crime ou pela natureza do próprio crime.» (36)

A legitimidade para constituição como assistente é hodiernamente alargada, compreendendo

a vítima de crimes difusos, além da vítima/ofendido tout court, conforme resulta da al. e) do n.º 1 do

art. 68.º do CPP.

No entanto, este conceito amplo de ofendido acolhido no art. 68.º do CPP, acaba por não

abandonar a ideia de quase identidade entre assistente e particular (pessoa singular ou pessoa

coletiva) enquanto vítima, em paridade com o arguido, na busca de justiça. (37)

«Os assistentes estão materialmente legitimados pela existência subjacente de interesses,

próprios no caso dos ofendidos, ou de cidadania nos casos referidos na al. e) do n.º 1 do

art. 68.º ou em outras disposições avulsas, a realizar no processo penal; sendo o MP o órgão

constitucional a que compete a realização dos interesses a prosseguir através do exercício

da ação penal – a efetivação da pretensão punitiva do Estado, segundo critérios de legalidade

e por meios processualmente adequados – a intervenção do assistente, que representa

interesses convergentes, só se compreende como auxiliar e colaborador do MP na

prossecução, pelo processo, de interesses que, no rigor, são comuns. Por isso, a intervenção

e a atuação do assistente está subordinada à atividade do MP.» (38)

Em suma, ainda que se tenha vindo a alargar o leque de entidades com legitimidade para

constituição de assistente nalguns tipos de crime, nomeadamente no que toca à defesa de interesses

difusos (39), é importante chamar a atenção para que essas entidades não foram, em momento

35 AUGUSTO SILVA DIAS, “A Tutela do Ofendido e Posição do Assistente no Processo Penal Português” in Jornadas

de Direito Processual Penal e Direitos Fundamentais, Coord. Maria Fernanda Palma, Almedina, Coimbra, junho de

2004, Pp. 55. 36 GERMANO MARQUES DA SILVA, Curso…, ob. Cit., Pp. 355. 37 AUGUSTO SILVA DIAS, “A Tutela…”, Ob. Cit., Pp. 65. 38 HENRIQUES GASPAR, Anotação ao art. 69.º do CPP, Código…, Ob. Cit., Pp. 246. 39 PAULA ARGAÍNHA FONSECA, Sujeitos Processuais e Reforma – A Posição Processual do Assistente, Relatório

de Mestrado em Direito Processual Penal, Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, 2005.

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algum, titulares do processo em que se constituem como assistentes. Ou seja, não procederam à

instrução do mesmo, recolhendo prova e proferindo decisão final condenatória. É-lhes permitida a

colaboração subordinada ao Ministério Público na tutela de interesses difusos.

Portanto, da breve exposição ora apresentada importa reter que o art. 41.º do Regime Geral

das Contraordenações não determina a aplicabilidade automática de todos os preceitos processuais

penais no contexto do Regime Geral das Contraordenações, ainda que de forma adaptada, mas apenas

daqueles que não o contrariem.

3. O Papel da Autoridade Administrativa na Fase Judicial do Processo de Contraordenação

Neste ponto, cumpre apreciar da concreta aplicabilidade subsidiária dos arts. 68.º e 69.º do

CPP ao Ilícito de Mera Ordenação Social e, em concreto, se a autoridade administrativa se pode

constituir como assistente na fase judicial deste processo.

Com esse fim, tomarei por base os acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa, de 11 de

novembro de 1997 (40), cujo Relator foi SOUSA NOGUEIRA e de 20 de maio de 1998 (41), cujo

relator foi MIRANDA JONES. Este último acórdão foi alvo de um comentário por parte de

FREDERICO COSTA PINTO (42), que serve também de alicerce ao presente estudo.

Ambos os acórdãos referidos têm origem em processos de contraordenação instruídos pela

Câmara Municipal do Seixal por violação de legislação relativa ao licenciamento de obras, tendo

sido, na fase administrativa do processo, aplicadas coimas aos arguidos que recorreram dessas

decisões finais condenatórias. Em sede desses recursos, a Câmara Municipal do Seixal requereu ao

Tribunal a sua constituição como assistente de modo a participar da fase judicial do processo na

qualidade de verdadeiro sujeito processual. Também em ambos os casos essa pretensão foi indeferida

pelo tribunal de 1.ª Instância, o que conduziu aos subsequentes recursos para o Tribunal da Relação

com o fundamento de que a autoridade administrativa teria a posição de ofendido e, por isso,

40 Coletânea de Jurisprudência, ano XXII, 1997, Tomo V, Associação Sindical dos Juízes Portugueses. 41 Coletânea de Jurisprudência, ano XXIII, 1998, Tomo III, Associação Sindical dos Juízes Portugueses. 42 FREDERICO LACERDA DA COSTA PINTO, “A Figura do Assistente e o Processo de Contraordenação, Anotação

ao Acórdão da Relação de Lisboa de 20 de maio de 1998” in RPCC, Ano 12 (1-2), 2002, Pp. 105 a 128.

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legitimidade para a constituição como assistente já que os interesses tutelados pela lei do

licenciamento de obras públicas seriam interesses próprios da Câmara Municipal.

A resposta dada à questão por parte do Tribunal da Relação de Lisboa foi idêntica nestes dois

casos, quer no Acórdão relatado por SOUSA NOGUEIRA, quer no Acórdão cujo relator foi

MIRANDA JONES, considerou o Tribunal da Relação que a autoridade administrativa não tem

legitimidade para se constituir como assistente em processo contraordenacional.

Essa conclusão é alcançada tanto com fundamento no próprio Regime Geral das

Contraordenações e no facto de o mesmo não prever a figura do assistente, devendo essa omissão ser

considerada como intencional por parte do legislador, não sendo de importar para esse Regime Geral

a figura do assistente por via da subsidiariedade do processo criminal prevista no art. 41.º do DL

433/82, como com fundamento na falta de interesse em agir que a Câmara Municipal do Seixal teria

nessa constituição como assistente, uma vez que os interesses em causa não seriam diretamente dessa

autoridade administrativa, mas sim interesse público que a mesma prossegue enquanto parte do

Estado e não em nome próprio, não podendo, assim, ser considerada ofendido para os efeitos de

constituição como assistente.

Destarte, os acórdãos sumariamente descritos levantam, essencialmente, duas questões a que

cumpre dar resposta sobre a fase judicial do processo contraordenacional:

A primeira questão prende-se com a possibilidade de importação da figura do assistente para

o processo comum de contraordenação por via da subsidiariedade do processo penal prevista no

Regime Geral das Contraordenações.

A segunda questão é a de saber se, em caso de aplicação da figura do assistente em sede do

Ilícito de Mera Ordenação Social, a autoridade administrativa poderá ocupar esse lugar.

Existe, no entanto, uma terceira questão a que cumpre responder em sede da presente

dissertação: a de saber qual o concreto papel ocupado pela autoridade administrativa na fase judicial

do processo de contraordenação.

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3.1 Da Concreta Aplicabilidade Subsidiária da Figura do Assistente ao Regime Geral das

Contraordenações

Conforme expendido supra (43), o assistente em processo penal é uma figura com contornos

muito próprios e uma posição processual singular. Enquadrado enquanto colaborador do Ministério

Público, o assistente acaba por ter um papel de especial relevo nos crimes particulares, já que neste

caso o próprio Ministério Público depende da sua constituição e acusação particular, sem as quais

não tem legitimidade para prosseguir a ação penal (44).

O assistente é mais do que um participante processual, é um sujeito processual a par com o

arguido e o Ministério Público. A legitimidade para constituição como assistente assenta, conforme

já referido, quase em exclusivo na qualidade de ofendido. Ou seja, de titular do interesse que a lei

especialmente quis proteger com a incriminação, o que, apesar do desenvolvimento e alargamento

do conceito, não deixa de traduzir uma quase identidade entre o ofendido e a vítima (45).

Complementando este quadro geral, é conveniente também salientar que o assistente não

assume nunca os poderes e funções do Ministério Público no contexto do processo penal,

mantendo-se sempre a instrução do processo no domínio do Ministério Público. Mesmo nos casos

em que ao assistente é permitido deduzir acusação particular, sublinhe-se que nunca a decisão final

do processo cabe ao assistente.

Ambos os acórdãos citados, acabam por resolver a questão da possibilidade de constituição

como assistente por parte da autoridade administrativa pela apreciação dos pressupostos de

legitimidade para constituição como assistente e pela decisão no sentido de que a autoridade

acoimante não se poderá constituir como assistente por não preencher esses requisitos.

No entanto, concordo com FREDERICO DA COSTA PINTO (46) quando considera que, antes

mesmo de analisar tais pressupostos e o seu preenchimento pela autoridade administrativa, tem de

43 Ponto 2 deste Capítulo II. 44 Por todos, HENRIQUES GASPAR, Anotação ao art. 68.º do CPP, Código…, Ob. Cit., Pp. 240. 45 «(…) a sua participação ativa [dos particulares, na posição de assistente] no processo permite dar-lhe satisfação pela

ofensa sofrida, convencendo-o da efetivação da justiça no caso e trazer ao processo a sua colaboração.», GERMANO

MARQUES DA SILVA, Curso…, Ob. Cit., Pp. 353 46 FREDERICO LACERDA DA COSTA PINTO, “A Figura do Assistente…”, Ob. Cit., Pp. 112 ss.

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ser discutida a concreta aplicabilidade da própria figura do assistente no âmbito do Regime

Geral das Contraordenações.

Em primeiro lugar, devem ser tidos em conta os critérios para a aplicação subsidiária do direito

processual penal ao processo de contraordenação.

Foi já largamente demonstrado que existe consenso quanto à não aplicação dos preceitos de

direito processual penal em bloco e de forma automática, mas antes precedida de interpretação no

sentido de determinar da necessidade e admissibilidade de recurso ao regime subsidiário e

posteriormente da adaptação dos preceitos ao contexto ilícito de mera ordenação social.

«Na primeira operação decide-se sobre a possibilidade de aplicar o Direito subsidiário,

enquanto na segunda se decide sobre o conteúdo do Direito subsidiário aplicável. Os dois

momentos são essenciais, mas o primeiro é prejudicial ao segundo: se o aplicador do Direito

chegar à conclusão que não é necessário recorrer ao Direito subsidiário ou que do Regime

Geral das Contraordenações resulta que um certo regime processual penal não é aplicável, a

questão fica resolvida por aí quanto à invocação do Direito subsidiário.» (47)

Ou seja, antes de proceder à “importação” de qualquer figura prevista no processo penal para

o processo de contraordenação, é conveniente saber se a sua não previsão será intencional e se o

preceito em causa se coaduna com a natureza e valores do ilícito de mera ordenação social, de forma

a não o descaraterizar enquanto Direito sancionatório público autónomo do processo penal (48), tendo

presente que o Direito de Mera Ordenação Social nasceu, precisamente, com a ideia de garantir que

o Direito Penal poderia ocupar o seu lugar como ultima ratio de intervenção.

O legislador determina que um determinado conjunto de regras será aplicável a um outro ramo

de direito quando reconhece que existe aproximação entre ambos, tanto a nível estrutural como

material, assumindo, independentemente da verificação de qualquer lacuna, que o corpo de um dos

ramos do Direito pode ser integrado através de outro. É este o caso entre o Direito de Mera Ordenação

Social e o Direito Penal (para a parte substantiva do Regime Geral das Contraordenações, através do

47 FREDERICO LACERDA DA COSTA PINTO, “A Figura do Assistente…”, Ob. Cit., Pp. 113. 48 Também no sentido da preservação da autonomia do Direito de Mera Ordenação Social: JORGE FIGUEIREDO

DIAS, “O Movimento de Descriminalização e o Ilícito de Mera Ordenação Social”, in CEJ, Jornadas de Direito

Criminal, Vol. I, Lisboa, 1983 e FREDERICO LACERDA DA COSTA PINTO, “O Ilícito de Mera Ordenação Social

e a Erosão do Princípio da Subsidiariedade da Intervenção Penal”, in RPCC, ano 7, 1997, Pp. 7 a 100. e “Acesso de

Particulares…”, Ob. Cit.

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art. 32.º) e o Direito Processual Penal. Sendo essa afinidade decorrente de ambos constituírem direito

sancionatório público.

No caso concreto da figura do assistente, coloca-se a questão de saber se a sua omissão do

Regime Geral das Contraordenações constitui uma intencionalidade do legislador, ou se, por outro

lado, poderá encontrar ali aplicação por via do art. 41.º do Regime Geral das Contraordenações.

Ora, o Regime Geral das Contraordenações prevê as figuras e papéis do Tribunal, Ministério

Público, Arguido, Defensor, Testemunhas, Perito e até a Autoridade Administrativa. Não se

encontrando no seu seio qualquer referência ao Assistente ou ao Lesado.

É certo que simples não previsão de um instituto, por si só, não mata a questão já que se

poderia considerar que o legislador não o havia previsto especificamente precisamente por se lhe

aplicarem subsidiariamente as disposições de processo penal, de onde se retira essa figura.

No entanto, creio que tal omissão foi intencional por parte do legislador, não sendo a sua

intenção que o processo contraordenacional comportasse as figuras acima referidas.

Este ponto de vista é sustentado, além da posição expressada por FREDERICO DA COSTA

PINTO (49), na própria natureza do Ilícito de Mera Ordenação Social, cuja estrutura não se encontra

pensada para garantir direitos e interesses particulares, daí não comportar a tutela de qualquer lesão

civil, ao contrário do Direito Processual Penal.

Tal intenção de tutelar apenas interesses coletivos, do Estado, é expressa logo nos preâmbulos

dos diplomas legais do Regime Geral das Contraordenações. No caso do DL n.º 232/79, de 24 de

julho, aí se podia ler que:

«(…) Ora, nenhum Estado que promova a justiça social e que, portanto, desenvolve nesse

sentido uma larga intervenção da Administração, pode atingir os fins que se propõe sem

uma aparelhagem de ordenação social a que corresponde um ilícito e sanções próprias.

É certo que da intervenção do Estado nos domínios da economia, saúde, habitação, cultura,

ambiente, etc., pode resultar a conformação de infrações tão socialmente danosas e tão

eticamente censuráveis que em tudo se justifique o seu tratamento como autênticos crimes.

Ao que de modo algum se opõe o facto de o direito criminal se destinar reconhecidamente

49 FREDERICO LACERDA DA COSTA PINTO, “Acesso de Particulares…”, Ob. Cit., Pp. 619.

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a tutelar o mínimo ético-social da vida em comum. Tal circunstância não pode fazer

esquecer nem a historicidade dos valores criminais, nem a possibilidade de aquele «mínimo

ético ser enriquecido com a descoberta de novos valores incarnados na prossecução de

certos interesses sociais» (Eduardo Correia, «Direito penal e direito de mera ordenação

social», in Boletim da Faculdade de Direito, Coimbra, 1973, p. 266).

Não é, por isso, admissível qualquer forma de prisão, preventiva ou sancionatória, nem

sequer a pena de multa ou qualquer outra que pressuponha a expiação da censura ético-

pessoal que aqui não intervém. A sanção normal do direito de ordenação social é a coima,

sanção de natureza administrativa, aplicada por autoridades administrativas, com o sentido

dissuasor de uma advertência social, pode, consequentemente, admitir-se a sua aplicação às

pessoas coletivas e adotar-se um processo extremamente simplificado e aberto aos

corolários do princípio da oportunidade.

Para obviar, contudo, a quaisquer perigos ou abusos, submete-se a aplicação da coima a um

estrito princípio de legalidade e ressalva-se, sem reservas, um direito de defesa e audiência e

um inderrogável direito de recurso para as instâncias judiciais.

(…)

A consagração do regime geral relativo às contraordenações tem como finalidade

imediata permitir à Administração recorrer à cominação de uma coima para garantir a

eficácia dos comandos normativos nos domínios já mencionados.»

Desejando-se desde o início que este regime geral viesse trazer um processo mais simples e

célere que o processo penal atendendo à diferente natureza das suas infrações. Intenção que se

manteve com a revogação daquele primeiro Regime Geral das Contraordenações e sua substituição

pelo atual DL n.º 433/82, de 27 de outubro:

«(…). Resumidamente, o aparecimento do direito das contraordenações ficou a dever-se ao

pendor crescentemente intervencionista do Estado contemporâneo, que vem progressivamente

alargando a sua ação conformadora aos domínios da economia, saúde, educação, cultura,

equilíbrios ecológicos, etc. (…). A necessidade de dar consistência prática às injunções

normativas decorrentes deste novo e crescente intervencionismo do Estado, convertendo-as

em regras efetivas de conduta, postula naturalmente o recurso a um quadro específico de

sanções. Só que tal não pode fazer-se, como unanimemente reconhecem os cultores mais

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qualificados das ciências criminológicas e penais, alargando a intervenção do direito criminal.

Isto significaria, para além de uma manifesta degradação do direito penal, com a

consequente e irreparável perda da sua força de persuasão e prevenção, a

impossibilidade de mobilizar preferencialmente os recursos disponíveis para as tarefas

da prevenção e repressão da criminalidade mais grave. Ora é esta que de forma mais

drástica põe em causa a segurança dos cidadãos, a integridade das suas vidas e bens e, de um

modo geral, a sua qualidade de vida.»

Também FREDERICO DA COSTA PINTO (50), evidencia que o legislador, no Regime Geral

das Contraordenações, não se refere em nenhum momento à existência de lesados civilmente. O que

é demonstrativo de que este processo se encontra pensado ab initio para garantir em exclusivo

interesses públicos e não interesses particulares cumulativamente, acrescentando:

«Os poucos casos em que se conjuga de forma explícita interesses públicos e interesses

privados no processo de contraordenações encontram-se nos regimes especiais de suspensão

da execução da sanção que surgem em legislação contraordenacional do setor financeiro, na

exata medida em que aceita que a reparação ao ofendido pode ser uma das formas de

prosseguir as finalidades das sanções do DMOS. Mas trata-se de soluções especiais,

formuladas com base em lei expressa, pois o RGCords [Regime Geral das Contraordenações]

não contém soluções equivalentes.» (51)

Na esteira de MÁRIO GOMES DIAS (52), entendo também que, enquanto que a fase

organicamente administrativa do Ilícito de Mera Ordenação Social traduz uma forma de

realização da função administrativa do Estado e que a fase organicamente judicial, de que me

ocupo neste ponto, representa a realização da sua função jurisdicional, na primeira fase a

prossecução do interesse público compete à autoridade administrativa, na segunda fase essa função

passa para as mãos do Ministério Público.

Até pela apresentação que foi feita no Ponto 2. do presente capítulo, é possível verificar que

a posição ocupada pela figura do assistente no processo penal não encontra paralelo no Regime Geral

do Processo de Contraordenação, tanto porque não existe, em regra, interesse particular a tutelar,

50 FREDERICO DA COSTA PINTO, “Acesso de Particulares a Processos de Contraordenação Arquivados – Um

Estudo Sobre o Sentido e os Limites da Aplicação Subsidiária do Direito Processual do Direito Processual Penal ao

Processo de Contraordenação” in Estudos em Homenagem à Professora Doutora Isabel de Magalhães Collaço, Vol.

II, Almedina, Coimbra, novembro de 2002, Pp.602 a 624. 51 FREDERICO DA COSTA PINTO, “Acesso de Particulares…”, Ob. Cit., Pp. 614. 52 MÁRIO GOMES DIAS, “Breves Reflexões…”, Ob. Cit., Pp. 32.

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como porque o controlo da decisão administrativa se encontra previsto através de outros mecanismos,

concretamente, pela impugnação judicial por parte do arguido, prevista no art. 59.º, como pela

possibilidade de retirada da acusação pelo Ministério Público até à decisão por parte do Tribunal de

1.ª instância, conforme previsto no art. 65.º-A.

Outro ponto a favor da tese de que a omissão da figura do assistente no processo

contraordenacional é deliberada prende-se, precisamente, com a data de surgimento do novo regime

geral das contraordenações. Caso fosse intenção do legislador a introdução dessa figura, já o teria

feito, até em face das sucessivas decisões jurisprudenciais que lhe negam essa aplicabilidade.

Assim, é forçoso concluir pela impossibilidade de aplicação subsidiária da figura do

assistente ao Regime Geral das Contraordenações, tratando-se de uma omissão intencional do

legislador e, portanto, não suscetível de integração pela via da aplicação do Direito subsidiário.

3.2. Da Possibilidade de Constituição como Assistente por Parte da Autoridade Administrativa

Desde a publicação do DL n.º 433/82, de 27 de outubro, o Direito de Mera Ordenação Social

conheceu um largo desenvolvimento e um verdadeiro “boom” de legislação especial nascida para

regular ilícitos contraordenacionais específicos.

Existem hoje em dia diferentes regimes e adaptações do Regime Geral das Contraordenações

pensados de acordo com o seu setor de ilícito contraordenacional e consoante as suas próprias

especificidades técnicas e interesses que visam assegurar, de que são meros exemplos o Regime Geral

das Infrações Tributárias, Lei n.º 15/2001, de 5 de junho; a Lei Quadro das Contraordenações

Ambientais (Lei n.º 50/2006, de 29 de agosto), o regime relativo ao ilícito de mera ordenação social

contido no Código dos Valores Mobiliários e o regime das contraordenações laborais e de segurança

social, que se divide entre o Código do Trabalho e a Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro.

Ora, no âmbito deste último, o regime aplicável às contraordenações laborais, encontra-

se expressamente prevista a figura do assistente. O que parece vir contrariar tudo o que foi dito

anteriormente.

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Assim dispõe o art. 23.º do regime processual aplicável às contraordenações laborais e de

segurança social, Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro, sob a epígrafe “Legitimidade das Associações

Sindicais como Assistentes”:

«1 - Nos processos instaurados no âmbito da presente secção, podem constituir-se assistentes

as associações sindicais representativas dos trabalhadores relativamente aos quais se verifique

a contraordenação.

2 - À constituição de assistente são aplicáveis, com as devidas adaptações as disposições do

Código de Processo Penal.

3 - Pela constituição de assistente não são devidas quaisquer taxas.»

Sendo também previsto que este assistente se pode opor à decisão da impugnação judicial por

simples despacho em caso de impugnação judicial, no art. 25.º, n.º 2, al. b).

Daqui se retira que o diploma em causa, além de prever expressamente a figura do assistente,

determinando que à mesma se aplicam as regras constantes no Código de Processo Penal, reconhece

que esse direito existe desde a fase administrativa do processo. E é precisamente que reside a questão

fundamental.

Não só a previsão expressa desta figura num dos regimes especiais face ao Regime Geral

das Contraordenações significa precisamente que o legislador do Regime Geral não pretendeu

que essa figura aí encontrasse aplicação, suportando, portanto a tese da omissão intencional

dessa figura no DL n.º 433/82, de 27 de outubro; como a possibilidade de constituição de

assistente desde a fase administrativa do processo exclui, liminarmente, a possibilidade de

recurso a essa figura por parte da autoridade administrativa.

No âmbito do processo das contraordenações laborais e de segurança social é reconhecida

expressamente a existência da figura do assistente a legitimidade para se constituir como tal às

associações sindicais e unicamente às associações sindicais.

Este direito é reconhecido àquelas entidades uma vez que no caso específico do Direito do

Trabalho e do Direito da Segurança Social os interesses protegidos pelas normas determinantes das

contraordenações não pertencem apenas ao Estado, sendo tutelados também direitos e interesses dos

trabalhadores, pela sua natural posição de fragilidade.

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O reconhecimento deste direito não contende com o que foi atrás exposto sobre a figura do

assistente e do ofendido já que o próprio art. 68.º do CPP prevê a sua aplicação, além dos casos

previstos naquele artigo, aos demais que se encontrem previstos em legislação especial. Que é o que

acontece no caso vertente.

E mesmo assim, mesmo não sendo o órgão decisor a ter a faculdade de se constituir como

assistente, existe na doutrina quem defenda a cautela na aplicação deste instituto:

«O que significaria que, numa interpretação puramente literal, sempre que se iniciasse um

qualquer processo por contraordenação teria de se dar conhecimento ao sindicato ou sindicatos

para efeito de se constituírem assistentes.

Pensamos não ser esta, porém, a melhor interpretação.

O que justifica o “interesse em agir” do sindicato é, não a aplicação duma qualquer sanção a

uma entidade patronal, designadamente quando estejam em causa deveres para com a

Administração do Trabalho, como acontecia com todas as contraordenações previstas no Dec-

Lei n.º 491/85, já que a pretensão punitiva aí pertence ao Estado, através da Administração,

mas apenas e só quando estiverem em causa contraordenações por direta violação de direitos

dos trabalhadores (v.g. falta de pagamento de salários), pelo que há que fazer uma

interpretação restritiva da norma em apreço.» (53)

Por seu lado, e já sobre a norma do art. 23.º do novo regime processual aplicável às

contraordenações laborais e de segurança social, Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro, ainda que

sublinhando o caráter sumário da concretização desse direito por parte do regime processual,

MANUEL M. ROXO e LUÍS C. OLIVEIRA (54), adiantam algumas ideias de força para delimitar o

direito à constituição como assistente por parte das associações sindicais:

«– O âmbito da legitimidade para as associações sindicais reporta-se a todos os processos em

que a contraordenação se verifique relativamente aos trabalhadores que representem (art.

23.º/1 do RPCOLSS) o que, tendencialmente, abarca todos os processos de todas as infrações

53 JOÃO SOARES RIBEIRO, Contraordenações Laborais – Regime Jurídico…, Ob. Cit., Pp. 370. Ainda que o Autor

se refira ao art. 26.º do DL 116/99, de 4 de agosto, este preceito foi transposto para o novo Regime Processual

Aplicável às Contraordenações Laborais e de Segurança Social sem qualquer tipo de alteração, pelo que considero

que esta afirmação se mantém ainda atual, considerando que só faz sentido a constituição como assistente por parte

de uma associação sindical quanto estiver em causa uma contraordenação que bula com direitos dos trabalhadores. 54 MANUEL M. ROXO e LUÍS C. OLIVEIRA, O Processo de Contraordenação Laboral e de Segurança Social,

Almedina, Coimbra, novembro de 2009, Pp. 71 e 72.

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respeitantes a todos os diplomas que preveem sanções aplicáveis de acordo com o regime do

CT ou do CRCSS;

– Esta delimitação de âmbito é congruente com o disposto na norma constitucional sobre os

direitos das associações sindicais (art. 56.º/1 e art. 20.º/1 da CRP) e a jurisprudência do TC

sobre a promoção de procedimento administrativo;

– Não está previsto qualquer dever de dar a conhecer espontaneamente às associações

sindicais do impulso processual contraordenacional, pelo que a intervenção sindical como

assistente supõe a iniciativa desta;

– A constituição de assistente pode acontecer após a notificação ao arguido, em qualquer altura

do processo, devendo aceitá-lo no estado em que se encontrar (art. 68.º/3 do CPP) e opera-se

por despacho sobre requerimento da associação sindical interessada, depois de ouvido o

arguido, sendo-lhe notificado o despacho (art. 68.º/4 do CPP e art. 46.º do RGCO);

– O assistente não intervém pessoalmente no processo e a sua intervenção faz-se através de

mandatário judicial – advogado ou advogado-estagiário – e, sendo vários os assistentes são

representados por um só advogado (art. 70.º/1 do CPP);

– A posição processual do assistente é colaborativa da atividade de instrução da ACT ou do

ISS na promoção da aplicação da lei (art. 68.º/1 do CPP), oferecendo provas e requerendo as

diligências que se afigurem necessárias (art. 69.º/2-a do CPP) e interpondo recurso das

decisões que sejam contrárias às pretensões por ele sustentadas no processo (art. 69.º/2-c do

CPP), não fazendo sentido falar-se de “dedução de acusação independente” (art. 69.º/2-b do

CPP);

– Para o efeito, o mandatário constituído tem acesso ao processo e devem, também, ser-lhe

comunicadas as decisões relevantes (art. 46.º do RGCO).»

Pela contextualização e exercício de adaptação das disposições do Código de Processo Penal

ao Regime das Contraordenações Laborais, mantenho a posição de que a figura do assistente não é

passível de importação no contexto do Regime Geral das Contraordenações.

Recorde-se que este reconhecimento desta figura no seio deste setor das contraordenações não

é feito através de um exercício integrativo de uma omissão do legislador e da sua remissão para o

regime subsidiário, como seria o caso no Regime Geral das Contraordenações. Pelo contrário, é uma

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figura reconhecida expressamente, à qual são expressamente aplicadas pelo legislador as disposições

do Código de Processo Penal. Rememore-se também que o regime subsidiário do processo aplicável

às contraordenações laborais, de acordo com o art. 60.º do referido diploma, não é o Direito

Processual Penal, mas sim o DL 433/82, de 27 de outubro. Enquanto regime subsidiário, os preceitos

processuais penais só encontram acolhimento no âmbito do processo das contraordenações laborais

por aplicação do art. 41.º do Regime Geral das Contraordenações, ou seja, só quando o regime geral

também não seja suficiente.

Não vindo, de modo nenhum, esta previsão legal infirmar a posição de que o Regime

Geral das Contraordenações não permite a aplicação da figura do assistente.

Ainda quanto à questão da aplicabilidade subsidiária desta figura ao regime do Ilícito de Mera

Ordenação Social, chamo a atenção para o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, proferido

em 3 de maio de 2011, no processo n.º 3056/10.4TBBCL.G1, cujo juiz Relator foi PAULO

FERNANDES DA SILVA (55). No sumário da referida decisão pode ler-se:

«I- No âmbito do regime geral do processo contraordenacional, aprovado pelo Dec.-Lei n.º

433/82, não é admissível a constituição de assistente.

II- Ao contrário do que sucede no domínio relativo às contraordenações laborais, onde se

admite a constituição de assistente por parte das associações sindicais, o que igualmente revela

que o legislador não o admite no respetivo regime geral, inexiste norma especial que

contemple tal faculdade no que respeita a contraordenações atentatórias do princípio da

igualdade de tratamento entre as pessoas, sem distinção de origem racial ou ética.»

No caso em apreço nos autos, houve pedido de constituição como assistente por parte do

Movimento S.O.S. Racismo num processo de contraordenação despoletado por uma participação

daquela associação à Comissão para a Igualdade e Contra a Descriminação contra a Escola EB1 de

Lagoa Negra pela criação de uma turma especial composta apenas por alunos de etnia cigana.

Tendo os autos de contraordenação assim iniciados sido arquivados, veio o Movimento S.O.S.

Racismo impugnar judicialmente aquela decisão, solicitando a sua constituição como assistente.

Ambos os pedidos foram indeferidos pelo tribunal de 1.ª instância, com base, em suma, na não

55 Disponível em http://www.dgsi.pt

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aplicabilidade da figura do assistente no Regime Geral das Contraordenações e na falta de

legitimidade da associação para o recurso.

No recurso para a Relação de Guimarães, veio aquela associação invocar a sua legitimidade

para a constituição como assistente, alicerçando-a na inconstitucionalidade de tal decisão pela

violação de legislação internacional que determina que os Estados-Membros devem conferir às

associações e organizações que prossigam os interesses determinados da Diretiva 2000/43/CE do

Conselho, de 29 de junho de 2000, a legitimidade para intervir em processos judiciais ou

administrativos nos quais estejam em causa violações ao princípio da igualdade com base em

distinções étnicas ou raciais. No entender desta associação a aplicabilidade da figura do assistente ao

Regime Geral das Contraordenações suporta-se na previsão no Código de Processo Penal da

legitimidade para constituição como assistente no caso de crimes de índole racista ou xenófoba,

devendo esse preceito encontrar acolhimento no âmbito contraordenacional.

Na sequência deste recurso, e com relevância para o presente estudo, veio o Tribunal da

Relação de Guimarães considerar que aquela legitimidade para constituição como assistente se

aplicaria apenas e só aos processos de índole penal e não ao processo contraordenacional, não

constituindo esse não reconhecimento uma inconstitucionalidade, pronunciando-se o Tribunal deste

modo:

«(…). Ora, no processo penal o assistente figura como um sujeito processual.

Com efeito, a par de outros sujeitos processuais, os artigos 68.º as 70.º do Código de Processo

Penal, sucessivamente, indicam as pessoas e entidades que podem aí constituírem-se

assistentes, a posição processual e atribuições destes, assim como a sua representação

judiciária, sendo que amiúde, ao longo do aludido Código de Processo Penal, encontramos

diversas normas quanto ao assistente.

Debalde se encontra qualquer referência ao assistente no RGCO.

Embora aquele diploma legal se refira ao Tribunal, ao Ministério Público, ao Arguido, ao

Defensor, à Autoridade Administrativa, às Testemunhas, aos Peritos, nada refere quanto ao

Assistente.

Tal emudecimento exprime o propósito de obstar à intervenção do assistente no processo

contraordenacional, o que bem se compreende atentos os interesses públicos subjacentes

a este e a natureza diversa própria do interesse do assistente.

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(…)

Tal propósito resulta muito nítido quando no artigo 59.º, n.ºs 1 e 2, do RGCO se refere como

recorrível a «decisão administrativa que aplica uma coima» e se confere legitimidade para tal

tão-só ao «arguido» e «seu defensor».

Fosse outro o desiderato do legislador e por certo também mencionaria aí a recorribilidade da

decisão administrativa que determina o arquivamento do processo de contraordenação e a

legitimidade para tal do seu participante, como assistente ou não.»

Neste acórdão refere-se também o caso especial da previsão do assistente no processo de

contraordenações laborais como sendo um caso especial que vem ainda reforçar a ideia de a mesma

figura não se coaduna com o Regime Geral, não integrando o núcleo dos preceitos processuais penais

aplicáveis ao processo de contraordenação.

Quanto ao argumento sobre a não previsão do direito ao recurso por parte do participante, irei

retomá-lo adiante, em relação à concreta posição da autoridade administrativa no processo

contraordenacional.

Em ambos os casos ora analisados, seja no regime processual aplicável às contraordenações

laborais e de segurança social, seja no caso do acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, a

questão sobre a constituição como assistente encontra-se colocada não do prisma da própria

autoridade administrativa com competência para a tramitação do processo na fase administrativa, mas

do ponto de vista de particulares.

Sem embargo de considerar que a figura não encontra aplicação no processo geral das

contraordenações, considero relevante para o presente estudo a discussão sobre os pressupostos

para a sua legitimidade caso essa figura pudesse ser importada para o Regime Geral das

Contraordenações pela via do direito subsidiário.

E no âmbito da questão sobre a concreta legitimidade da autoridade administrativa para se

constituir como assistente, à luz do art. 68.º do CPP importa discutir o interesse em agir da autoridade

administrativa.

Acima foi já referido que os interesses do assistente se prendem com a realização de justiça

no caso concreto, pela violação dos seus interesses especialmente protegidos pela norma

incriminadora. Ora, neste contexto, poderá afirmar-se que a autoridade administrativa tem interesses

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próprios? E se sim, serão esses os interesses que a lei especialmente visou proteger com a sanção

contraordenacional?

Nos processos contraordenacionais em discussão nos Acórdãos da Relação de Lisboa já aqui

apresentados (11 de novembro de 1997 e 20 de maio de 1998), a ambos os arguidos foi aplicada

coima pela violação de um regime relativo ao licenciamento municipal de obras. Pugnando a Câmara

Municipal do Seixal que, sendo a autoridade competente para o licenciamento das obras e decidir

os processos de contraordenação instaurados pela violação dessas regras, seria ofendida pela

infração praticada por esta lesar interesses da sua esfera jurídica própria, tendo, portanto,

legitimidade para se constituir como assistente.

Será, no entanto, correto enquadrar os interesses protegidos pelo ilícito de mera ordenação

social como interesses próprios das autoridades administrativas? A imposição por parte do legislador

de regras para o licenciamento de obras e de sanções para o seu incumprimento poderá ser enquadrada

como tendo em vista interesses diretos da autoridade administrativa com legitimidade para o

processamento da contraordenação?

Entendo que a resposta terá, fatalmente, de ser em sentido negativo. Não se poderá considerar

que a autoridade administrativa, seja ela qual for, prossegue, em sede de Direito de Mera Ordenação

Social interesses próprios seus, mas sim os da coletividade, tanto por força do art. 266.º da CRP,

como pela estrutura do próprio ilícito de mera ordenação social que tem sempre como objeto imediato

a proteção de interesses públicos.

A posição da autoridade administrativa não se coaduna com a ideia da prossecução de

interesses próprios no âmbito de um processo sancionatório de caráter público, muito menos

quando o seu papel inicial foi o de decisor.

E que “interesse próprio” da Câmara Municipal do Seixal seria concretamente lesado pela

violação do regime de licenciamento de obras públicas? Qualquer benefício resultante da boa

aplicação deste regime se traduziria em benefício coletivo, sendo, aliás, esse o fito do legislador.

Mesmo que da infração do particular faça parte o não pagamento de uma qualquer taxa inerente ao

pedido de licenciamento, não se poderá considerar que essa receita seja um interesse próprio da

autoridade administrativa, ou que seja esse o interesse principal que o legislador visou acautelar com

a norma.

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No entanto, esta é uma questão pertinente: qual poderia ser o interesse próprio de qualquer

autoridade administrativa com competência para tramitar processos contraordenacionais? Descortina-

se apenas um: o do recebimento das coimas concretamente aplicadas.

Em sede de Direito Contraordenacional, os diferentes diplomas que estabelecem as diferentes

contraordenações determinam a distribuição do produto das coimas aplicadas, sendo que é comum

uma percentagem desse montante reverter a favor da autoridade com competência para o

processamento da contraordenação (56).

No entanto, tal interesse não pode ser considerado como o interesse que a lei

especialmente quis proteger através do mecanismo da contraordenação, logo jamais seria esse

o objeto imediato da norma.

Para efeitos do art. 68.º do CPP, o que conta é o interesse que a norma quis proteger e não o

benefício que a sua aplicação poderia trazer para a autoridade administrativa. Além de que a

finalidade da contraordenação e da coima não é a obtenção de receita, apesar de parte do seu montante

ser entregue à autoridade administrativa competente para autuar. Pelo que este “interesse” não poderia

ser ponderado como objeto, nem sequer mediato, do Ilícito de Mera Ordenação Social.

Deste modo, concluo pela inexistência de interesses da autoridade administrativa

(qualquer que seja, não apenas no caso dos municípios) compatíveis com a constituição como

assistente na fase organicamente judicial do processo de contraordenação uma vez que os

interesses que lhes cabe defender e que constituem o objeto imediato da incriminação

contraordenacional são públicos, do Estado e, portanto, não compatíveis com a figura do assistente

(57).

56 Refira-se, a título de exemplo, o estipulado no art. 98.º, n.º 11 do DL n.º 555/99, de 16 de dezembro, Regime Jurídico

da Urbanização e Edificação: «O produto da aplicação das coimas referidas no presente artigo reverte para o

município, inclusive quando as mesmas sejam cobradas em juízo.» 57 Como também o não seriam mesmo no âmbito do processo penal, conforme referido no Acórdão de Uniformização

de Jurisprudência n.º 1/2003 proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, no qual de determina que quando o interesse

protegido com a incriminação for apenas público não existe lugar à constituição como assistente.

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3.3. Da Posição da Autoridade Administrativa na Fase Judicial do Processo de

Contraordenação

Neste ponto do presente estudo assume relevância saber qual o estatuto processual da

autoridade administrativa e qual a sua relação com o Ministério Público na fase de impugnação

judicial da decisão.

Ao Ministério Público cabe, nos termos do art. 219.º da Constituição da República Portuguesa,

a representação do Estado em sentido amplo, bem como o exercício da ação penal orientada pelo

princípio da legalidade. Sendo também seu o papel de representação do Estado em juízo.

Ao nível da doutrina corre o entendimento geral de que, na fase judicial, a atividade da

autoridade administrativa é subordinada à do Ministério Público (58).

A questão sobre a posição da autoridade administrativa no contexto da segunda fase do

processo de contraordenação, mais do que a análise quer da aplicabilidade do art. 68.º do CPP a este

regime geral, quer dos seus pressupostos de aplicação caso se decida que há essa possibilidade,

prende-se com a necessidade de levar a cabo tal exercício de integração.

Será que é possível considerar que há uma verdadeira omissão no regime legal em relação à

posição ocupada pela autoridade administrativa em sede de recurso?

Já referi que considero que a omissão da figura do assistente neste diploma legal é intencional.

No entanto, seria necessário sequer colocar essa questão? Ou será que, por outro lado, a questão a

colocar é precisamente se existe uma omissão em relação à posição ocupada pela autoridade

administrativa?

Penso que, no caso do regime geral das contraordenações, é esta última a questão que deve

ser respondida e analisada uma vez que o cerne do dilema é, justamente, qual a veste da autoridade

administrativa nesta segunda fase do processo.

Ora, no âmbito da fase judicial do processo de contraordenação foram já avançadas duas

possíveis roupagens para a autoridade administrativa: a de assistente, ou seja, verdadeiro sujeito

58 Veja-se, a título de exemplo, JORGE ALVES COSTA, “Contraordenações Laborais – Da Lei e da Prática: A

Representação do Estado Recorrido e a Autonomia do MP”, in Prontuário de Direito do Trabalho, CEJ, n.º 93,

setembro-dezembro de 2012.

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processual a par com o arguido e o Ministério Público e a de participante processual. Sem qualquer

tipo de surpresa posso desde já revelar que perfilho a segunda posição.

E tal acontece, desde logo, pelo primeiro argumento avançado: considero que não existe

qualquer omissão que seja necessário suprir através da aplicação dos preceitos processuais penais.

Aliás, pelo contrário, o legislador regulou, no art. 70.º do Regime Geral das Contraordenações, o

papel da autoridade administrativa através da previsão do seu direito de participação.

Fica claro, pela estrutura do Regime, que nunca foi intenção do legislador conferir à

autoridade administrativa uma posição de paridade com o Ministério Público e com o arguido, sendo,

por isso o art. 70.º incompatível com o art. 68.º do CPP quando aplicado à autoridade administrativa,

o que determina, por imposição do art. 41.º do Ilícito de Mera Ordenação Social a sua

inaplicabilidade.

Na primeira fase do processo, conforme já foi diversas vezes referido, a autoridade

administrativa procede à instrução e decisão do processo. Ou seja, encontra-se a seu cargo todo o

trabalho de investigação, produção de prova, interpretação dos elementos recolhidos e decisão da

causa.

Na impugnação da decisão por si proferida, vê os autos de contraordenação serem remetidos

ao Ministério Público e presentes a Juiz, assumindo o valor de acusação, pelo que não se pode

enquadrar a autoridade administrativa como entidade recorrida. O que deixaria o arguido numa

posição desproporcionalmente fragilizada caso ainda lhe fosse possível participar da audiência e

produzir prova em paridade com o Ministério Público e o próprio arguido.

No art. 65-A, sob a epígrafe “Retirada da Acusação”, estipula o legislador que o Ministério

Público tem a faculdade de retirar a acusação até à sentença em 1.ª instância, desde que com o acordo

do arguido. É certo que refere também que a autoridade administrativa deve ser ouvida, no entanto

não só tal audição não é obrigatória, como não é conferido a essa autoridade qualquer mecanismo de

reação contra a preterição da consulta.

Também não é reconhecido à autoridade administrativa a possibilidade de se pronunciar

quanto à decisão da causa através de simples despacho, ao contrário do que se passa com o Ministério

Público e o arguido, conforme determinado pelo art. 64.º.

Não lhe assistindo também direito de recurso para o Tribunal da Relação nos termos do art.

73.º do regime geral das contraordenações.

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Perante este quadro, como seria possível defender-se ocupação da posição de assistente por

parte da autoridade administrativa? Claramente não era essa a intenção do legislador.

Sobre a posição ocupada pela autoridade administrativa e a sua possibilidade de recurso, veja-

se, a título de exemplo, o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido no processo n.º

00130725, em 4 de janeiro de 2002, cujo juiz relator foi SILVA BAPTISTA (59).

Neste caso trata-se da Câmara Municipal de Sintra que veio reclamar do despacho que não

admitiu o recurso interposto, invocando a sua legitimidade para recorrer independentemente do

Ministério Público, pela aplicação do art. 401.º do CPP, tendo interesse em agir, e visto que o art. 70.º

do Regime Geral das Contraordenações não fornece solução para os casos em que existe divergência

entre a autoridade administrativa e o Ministério Público. No caso em análise, após a impugnação

judicial da aplicação de coima por parte do arguido teve o seu recurso provimento, vindo o mesmo a

ser absolvido. Decisão com a qual a Câmara Municipal não se conformou. No sumário do acórdão

pode ler-se:

«I - Não cabe na competência das autoridades administrativas impondo uma coima o direito

de interposição autónoma de recurso de decisão proferida pelo Tribunal.

II - Embora aos municípios lhes caiba o poder de realização de interesses públicos, eles não

são titulares de um interesse subjetivo afetado pela decisão do tribunal em matéria de

contraordenações, situando-se na posição de todos os detentores de poderes

sancionatórios que veem as suas decisões revogadas.

III - As autoridades administrativas, coadjuvando com os tribunais no processo

contraordenacional, detêm uma posição que se não confronte com a de sujeitos

processuais.»

Não só foi considerado pelos Juízes Desembargadores que a posição da autoridade

administrativa não se coaduna com a de sujeito processual, como se reconhece que não lhe assiste, a

nenhum título, o direito ao recurso.

No caso deste acórdão ganha também relevância a argumentação expendida e não apenas o

resultado final espelhado no sumário, assim, do corpo do acórdão sub judice destaco o seguinte:

59 Disponível em http://www.dgsi.pt

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«Como se sabe, compete ao Ministério Público exercer a ação penal que cabe ao Estado, bem

como para recorrer das decisões judiciais proferidas em processo penal (art. 48º e art. 401º, n.

1º, al. a), estes do Cód. Proc. Penal). No processo de contraordenação e por força do disposto

no artigo 41º, n. 1º do Dec. Lei n. 433/82, o Ministério Público tem o mesmo conjunto de

competências.

Mas, salvo o devido respeito, nem o Dec. Lei n. 433/82, nem outras normas legais, conferem

idênticas competências processuais à autoridade administrativa acoimante.

De facto, segundo entendemos, o disposto no art. 70º, n. 1º do Dec. Lei n. 433/82, de 27/10,

ao impor ao juiz que conceda às autoridades administrativas "a oportunidade de trazerem à

audiência os elementos de prova que reputem convenientes para uma correta decisão do caso"

e ao permitir a estas que tenham um representante seu a "participar na audiência" de

julgamento da oposição judicial à coima que impuseram, está a marcar às autoridades

administrativas, que impuseram a coima impugnada, uma posição processual de mero

coadjuvante da justiça, com contornos materiais muito diferentes das concedidas às partes

processuais, designadamente ao acoimado e ao Ministério Público e até ao assistente em

processo penal (que, como é sabido, tem legitimidade para recorrer de algumas decisões

judiciais). Ou seja, entendemos que a posição de coadjuvante do Ministério Público conferida

às autoridades administrativas, salvo melhor opinião, não se coaduna com a possibilidade de

interposição de recurso autónomo.

(…) não há norma legal que atribua aos municípios aquela competência, dentro da área

contraordenacional, semelhante à do Ministério Público ou, sequer, legitimidade para recorrer

das decisões judiciais revogatórias das que tenham proferido.»

Ainda dentro deste tema, regressando ao argumento referido acima, sobre a não previsão do

direito ao recurso por parte do participante, ao qual referi que iria voltar, no Capítulo II, ponto 3.2, a

propósito do acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães:

«Tal propósito resulta muito nítido quando no artigo 59.º, n.ºs 1 e 2, do RGCO se refere como

recorrível a “decisão administrativa que aplica uma coima” e se confere legitimidade para tal

tão-só ao “arguido” e “seu defensor”.

Fosse outro o desiderato do legislador e por certo também mencionaria aí a recorribilidade da

decisão administrativa que determina o arquivamento do processo de contraordenação e a

legitimidade para tal do seu participante, como assistente ou não.»

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Considero que tal linha de argumentação se poderá aplicar também ao papel da autoridade

administrativa, no sentido de que se o legislador pretendesse que a mesma tivesse um papel mais

ativo da fase judicial e de maior controlo sobre a mesma teria, no mínimo, consagrado a sua

legitimidade para recorrer das decisões que a pudessem afetar.

Ao invés, parece-me, que o legislador pretendeu aproximar o papel da autoridade

administrativa daquele de uma qualquer outra entidade decisora cuja decisão se encontra sujeita ao

escrutínio do recurso.

Permitir que a autoridade administrativa ocupasse qualquer outro papel que não o de mero

sujeito processual, por exemplo, concedendo-lhe a faculdade de se constituir como assistente, seria

como conceder essa mesma possibilidade ao juiz de 1.ª instância que vê a sua decisão recorrida para

o Tribunal da Relação.

É certo que o estipulado no art. 70 do Regime Geral das Contraordenações é parco e acarreta

a necessidade de concretização dos direitos e deveres da autoridade administrativa.

À semelhança do que acontece com as Contraordenações Laborais, nas quais é expressamente

prevista a existência da figura do assistente, apesar de a mesma não poder ser acolhida em sede do

regime geral do Ilícito de Mera Ordenação Social, decorrendo essa aplicação da existência de lei

expressa, também no que toca ao direito de participação existem exceções ao regime geral.

Esses regimes especiais verificam-se, tanto quanto à expressa consagração do direito de

participação de outras pessoas ou entidades no processo de contraordenação que, à partida, não teriam

essa possibilidade por não ser um processo próprio para a garantia interesses pessoais, não se

prevendo sequer a intervenção por parte do lesado, bem como do reforço dos poderes da autoridade

administrativa na fase judicial do processo. Acabando estes regimes por fortalecer o caráter especial

deste tipo de legislação e a sua não aplicabilidade ao regime geral estruturado no DL n.º 433/82, de

27 de outubro.

Exemplo do primeiro grupo de exceções é a possibilidade de participação das associações de

consumidores nos respetivos processos de contraordenação, podendo apresentar «memoriais,

pareceres técnicos e sugerir exames ou outras diligências de prova até que o processo esteja pronto

para a decisão final», conforme expressamente consagrado no art. 73.º, n.º 3 do DL n.º 28/84, de 20

de janeiro.

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51

Quanto ao segundo conjunto de exceções, mais relevantes para esta fase do presente estudo,

encontramos as previstas em sede do setor financeiro, como por exemplo, no que respeita à Comissão

de Valores Mobiliários (CMVM). Neste regime específico as autoridades administrativas de

supervisão (Banco de Portugal e CMVM) podem juntar alegações, elementos ou informações que

considerem pertinentes à impugnação efetuada pelo arguido. É-lhe ainda permitido que ofereçam

meios de prova de forma autónoma, sendo também necessária a sua concordância para que o tribunal

possa decidir por despacho e para que o Ministério Público possa desistir da acusação, além de

poderem participar da audiência de julgamento e recorrer de forma autónoma das decisões proferidas

no processo, conforme disposto nos arts. 228.º, 230.º e 231.º do DL n.º 298/92, de 31 de dezembro

que corresponde ao Regime Geral das Instituições de Crédito e ao art. 416.º do DL n.º 486/99, de 13

de novembro que corresponde ao Código dos Valores Mobiliários.

Considera CARLOS ADÉRITO TEIXEIRA que estes poderes das autoridades

administrativas de supervisão se alicerçam no entendimento de que existem outros interesses

relevantes para além dos interesses do Estado que são tutelados pelo Ministério Público, dando como

exemplo desses outros interesses a regulação do mercado, cuja prossecução é assumida a título

próprio pela entidade supervisora (60).

FREDERICO DA COSTA PINTO (61) sustenta esses poderes reforçados que são atribuídos

às autoridades supervisoras com a especial complexidade técnica deste setor de contraordenações,

enquadrando-as como colaboradores tanto do Ministério Público como do Tribunal, posição com a

qual tendo a concordar:

«Em regra, os interesses do MP e das autoridades administrativas são coincidentes e por isso

toda a colaboração recíproca é desejável. Mas no momento da audiência o papel das

autoridades administrativas é mais específico porque, para além de poder oferecer os

elementos que considerar convenientes para a correta decisão do caso, colabora não só com o

Ministério Público, mas também com o Tribunal. A doutrina germânica tem considerado a

este propósito que a autoridade administrativa quando participa na audiência de julgamento

de m processo de contraordenarão fá-lo com um auxiliar do Tribunal, em sentido amplo,

estando por isso vinculada a um dever de objetividade.»

60 CARLOS ADÉRITO TEIXEIRA, “Direito de Mera Ordenação Social: o Ambiente Como Espaço da Sua Afirmação”,

in Revista do Ministério Público, ano 85, 2001, Pp. 88. 61 FREDERICO LACERDA DA COSTA PINTO, “A Jurisprudência Sobre Contraordenações…”, Ob. Cit., Pp. 164.

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52

MANUEL FERREIRA ANTUNES (62) enquadra a autoridade administrativa em sede de

audiência de julgamento como colaborador para a boa decisão da causa e a produção de prova,

aproximando-se mas não se confundindo com a posição do assistente no processo criminal, já que

este em sede criminal é o colaborador do Ministério Público que é o “titular da ação penal”, ao passo

que no processo de contraordenação, considera que este é o “titular da ação contraordenacional” mas

que a autoridade administrativa é colaboradora do Tribunal e não do Ministério Público.

Chama também a atenção para a questão de que, no seio do RJIFNA (Regime Jurídico das

Infrações Fiscais Não Aduaneiras), DL n.º 20-A/90, de 15 de janeiro, era previsto que a

Administração Fiscal ocupasse o lugar de assistente. Tendo esta figura vindo a ser abandonada e

substituída pela de Assistência Técnica no novo diploma fiscal, o RGIT (Regime Geral das Infrações

Tributárias), Lei n.º 15/2001, de 5 de junho.

Quanto ao ponto do enquadramento da participação da autoridade administrativa no Regime

Geral das Contraordenações, existe doutrina que considera que as mesmas devem ser equiparadas ao

mandatário do arguido, como é o caso já citado de BEÇA PEREIRA e quem concordando com esta

abordagem, lhe introduza uma nuance no sentido de não lhe reconhecer o direito a proferir

verdadeiras alegações finais, como é o de caso também já citado de FREDERICO COSTA PINTO.

Devo dizer que, neste particular, discordo de ambos. Na prática, o que acontece nos tribunais

aproxima-se mais do regime delineado por BEÇA PEREIRA, sendo a autoridade administrativa

equiparada ao mandatário do arguido a nível de direitos e deveres, o que equivale a dizer que lhe é

permitido arrolar testemunhas, proceder à inquirição tanto das suas testemunhas, como das restantes,

a par com o arguido e o Ministério Público e, a final, produzir verdadeiras alegações.

Voltando à posição de MANUEL FERREIRA ANTUNES, este Autor considera que a posição

da autoridade administrativa deve aproximar-se do papel do Ministério Público, não defendendo a

sua equiparação porque considera a autoridade administrativa mais como auxiliar do Juiz do que do

Ministério Público, como aconteceria com um verdadeiro assistente. Refere também que é natural

que assim seja uma vez que esta fase do processo não se trata de uma acusação pura ou de um

julgamento criminal, mas antes do regime de impugnação de uma “decisão-acusação”.

62 MANUEL FERREIRA ANTUNES, Contraordenações e Coimas, Anotado e Comentado, Livraria Petrony-Editores,

Lisboa, 2005, anotação ao art. 70.º, ponto 4 a 9, Pp. 461.

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Finaliza a exposição enquadrando a autoridade administrativa com um “assistente sui

generis”:

«Deste modo, parece poder dizer-se que o papel da AA [autoridade administrativa] ou do seu

representante, na audiência de julgamento, é o papel de um assistente sui generis, judicioso,

ordenacional, ad litem, colaborador do juiz. A sua intervenção em audiência, é, nessa medida,

semelhante à do MP.

O representante da AA, como a AA, pode consultar os autos, carrear elementos de prova e

técnicos, requerer e usar da palavra, tal com o assistente em direito criminal; um assistente em

nosso entender, sem qualquer subordinação ao MP e subordinado apenas ao juiz. A

participação da AA constitui um poder-dever, um direito que lhe assiste.»

Parecendo ainda, no ponto 10. do seu comentário preconizar uma solução de iure condendo

no sentido de se vir a permitir o recurso das decisões por parte desta autoridade.

Com o devido respeito, não concordo com Autor neste seu enquadramento da autoridade

administrativa, principalmente quando refere que a mesma é um assistente sui generis por não se

encontrar subordinado ao Ministério Público, mas sim, e apenas, ao juiz. Desde logo porque não me

parece que se possa afirmar que a autoridade não tem qualquer subordinação ao Ministério Público,

quando é a este que compete a defesa dos interesses cristalizados na acusação que é a decisão da

autoridade administrativa e primeira fase. Ou seja, considero que não pode a autoridade

administrativa assumir um papel de mero auxiliar do Juiz quando é o Ministério Público que defende,

em sede de audiência, os mesmos interesses que aquela autoridade.

Noutro ponto, desta feita quanto ao direito de recurso: não considero desejável que, mesmo

numa solução de futuro, venha a autoridade administrativa a poder recorrer das decisões proferidas

em sede de impugnação judicial, já que a sua função anterior foi a de órgão decisor, traduzindo-se

esse direito ao recurso num fortalecimento desnecessário da posição da autoridade administrativa face

ao arguido.

Além de que, caso se pudesse a autoridade administrativa constituir como assistente pela via

do direito subsidiário, também por essa via teria direito ao recurso quanto às decisões que lhe fossem

desfavoráveis, precisamente pela integração e adaptação dos preceitos processuais penais ao regime

geral das contraordenações. O argumento de que o direito ao recurso lhe estaria vedado, mesmo

enquanto assistente, pelo simples facto de não se encontrar previsto no regime geral não pode colher,

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já que essa omissão existe também quanto à figura do assistente em si. Só seria de aceitar a

consideração de que a autoridade administrativa não poderia recorrer das decisões que lhe fossem

desfavoráveis mesmo que ocupasse a posição de assistente, ainda que sui generis, caso se chegasse à

conclusão, através do processo de adaptação do regime subsidiário ao regime geral das

contraordenações, que esse direito não seria compatível com o DL n.º 433/82, de 27 outubro,

conforme plasmado no art. 41.º desse diploma. O que não parece defensável já que o direito ao recurso

é um direito fundamental e característico da posição do assistente, não fazendo sentido adaptar o seu

regime com exclusão desse direito já que assim se descaracterizaria a posição do assistente.

Na jurisprudência, a título de exemplo do tratamento dado ao direito ao recurso por parte da

autoridade administrativa, transcrevo o sumário do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de

Lisboa, em 4 de junho de 2016, no âmbito do processo n.º 308/15.0YUSTR.L1-3, cuja juiz Relatora

foi MARIA DA GRAÇA SANTOS SILVA (63):

1.-O processo de contraordenação um processo de natureza (1) administrativa, iniciada com a

participação da entidade administrativa a quem foi entregue a competência de fiscalização e

ação contraordenacional sobre a matéria e (2) judicial, em que o Ministério Público assume a

qualidade de acusador e de representante dos interesses públicos subjacentes, ainda que

pontualmente coadjuvado pela entidade administrativa, mediante norma expressa que o

determine.

2.-Na ausência de norma específica em contrário, compete exclusivamente ao Ministério

Público a representação do interesse público e o direito de recorrer das decisões

proferidas em sede de impugnação judicial da decisão administrativa, carecendo a

autoridade administrativa de legitimidade para interpor recurso.»

Pessoalmente, considero que a participação prevista no art. 70.º do Regime Geral das

Contraordenações acaba por ter uma aplicação prática demasiado ampla, conferindo-se, no fundo, a

esta entidade uma nova oportunidade de sustentar a tese e os factos que determinaram a condenação,

com o benefício de ter também o Ministério Público a produzir prova no mesmo sentido. O que

redunda, na prática, na existência de dois representantes dos interesses do Estado, produzindo prova

no mesmo sentido e fragilizando bastante a posição do arguido.

63 Disponível em http://www.dgsi.pt

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Penso que a posição da Autoridade Administrativa na fase judicial do processo

contraordenacional deveria ser menos ativa e mais no sentido de auxiliar técnico do Ministério

Público, reconhecendo que, mesmo no âmbito do Regime Geral das Contraordenações, não raras

vezes a autoridade com competência para o processamento das contraordenações está melhor dotada

tecnicamente do que o Ministério Público para defender os concretos interesses públicos que o

legislador quis proteger com a incriminação contraordenacional.

Para o efeito, sou da opinião que a «oportunidade de trazerem à audiência os elementos que

reputem convenientes para uma correta decisão do caso» deve consistir na possibilidade de

apresentação dos esclarecimentos que o tribunal considerar pertinentes, máxime quanto a questões

técnicas e de procedimento aplicado na investigação, e não na possibilidade de a autoridade

administrativa vir apresentar nova prova de forma autónoma.

Já no que caso do direito de participação em sede de audiência previsto no art. 70.º do Regime

Geral das Contraordenações, considero que a mesma deve ser feita numa posição de colaboração com

o Ministério Público, não concordando com a possibilidade de inquirição das testemunhas, que na

maior parte das vezes serão as mesmas, por ambas as entidades. Essa inquirição deve ocorrer numa

lógica de colaboração, podendo a autoridade administrativa assumir essa função por delegação do

Ministério Público, não já em complemento daquele. Não podendo também as autoridades

administrativas produzir alegações.

«A fase judicial do processo de contraordenação não é (…) equivalente à fase de julgamento

do processo criminal que tenha sido antecedida de uma acusação do Ministério Público. Neste

caso, não existe uma decisão autónoma da autoridade administrativa num processo específico

que, de acordo com a lei, se pode tornar definitiva.

Noutros termos: o processo de contraordenação comporta, na sua fase organicamente

administrativa, a investigação, a acusação e a decisão do processo. A audiência de

julgamento em fase de impugnação judicial não se pode passar como se apenas existisse

uma acusação do Ministério Público.» (64)

64 FREDERICO LACERDA DA COSTA PINTO, “A Tutela dos Mercados de Valores Mobiliários e o Regime do

Ilícito de Mera Ordenação Social” in Direito dos Valores Mobiliários, Vol. I, Coimbra Editora, Coimbra, julho de

1999, Pp. 299 e 300.

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3.4. Da Alteração do Regime Geral das Contraordenações Abrindo a Porta à Constituição como

Assistente por Parte da Autoridade Administrativa – Breve Referência à Posição de Alexandra

Vilela

Em sentido contrário ao que acabei de escrever, apresenta-se ALEXANDRA VILELA (65) que

apresenta uma outra forma de encarar o Direito de Mera Ordenação Social e o enquadramento da

autoridade administrativa nesta fase judicial do processo de contraordenação.

Em primeiro lugar, saliento e concordo com a Autora quando refere que na fase judicial do

processo não nos encontramos perante a impugnação de um ato administrativo, mas sim perante a

reavaliação de uma decisão condenatória tomada por uma autoridade administrativa. Autoridade essa

que se encontra investida dos mesmos direitos e obrigada aos mesmos deveres que as entidades

competentes para o processo criminal, vendo os seus poderes instrutórios equiparados aos da polícia

de investigação criminal (66).

A discórdia face à posição sustentada pela Autora prende-se com o seu posicionamento em

relação à constituição como assistente por parte da autoridade administrativa.

ALEXANDRA VILELA preconiza uma equiparação da autoridade administrativa à figura do

assistente em processo penal, entendendo que, para isso, o Regime Geral das Contraordenações terá

de ser alterado.

A Autora considera também que, no atual diploma, o art. 70.º do Regime Geral obsta à

aplicação subsidiária do art. 68.º do CPP já que aquele artigo configura uma posição menos ampla

para a participação da autoridade administrativa do que aquela que lhe competiria enquanto assistente.

A posição sustentada pela Autora não é, então, a da aplicabilidade da figura do assistente ao

processo contraordenacional e a possibilidade dessa constituição por parte da autoridade

administrativa. É, sim, alteração do regime atual contido no DL n.º 433/82, de 27 de outubro no

sentido de comportar essa figura. Mormente a alteração do artigo 70.º do Regime Geral nesse sentido.

65 ALEXANDRA VILELA; O Direito de Mera Ordenação Social…”, Ob. Cit. 66 ALEXANDRA VILELA; O Direito de Mera Ordenação Social…”, Ob. Cit., Pp. 381.

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Como argumentos no sentido da alteração do regime geral das contraordenações,

ALEXANDRA VILELA (67) entende que a autoridade tem a possibilidade de ser entendida como a

titular os interesses subjetivos que a lei quis proteger, sendo os seus próprios interesses da

administração também afetados pelo recurso da decisão.

Para tanto, estriba-se no entendimento também já aqui apresentado de CARLOS ADÉRITO

TEIXEIRA quando o mesmo refere que no âmbito do setor financeiro, subsistem interesses relevantes

cuja prossecução é assumida pela entidade administrativa, como seja o caso da regulação dos

mercados, interesse prosseguido pelo Banco de Portugal e pela CMVM.

Considera a Autora que a autoridade deve então ser colocada no mesmo plano de discussão

que o arguido e não apenas no papel de auxiliar técnico.

Com o devido respeito, que é muito, considero que nesses casos o regime especial vigente

assegura suficientemente a tutela desses “outros interesses relevantes”, até porque prevê a

possibilidade de interposição de recurso por parte da entidade supervisora, que é, no fundo, o direito

fundamental que se indica que devia assistir à autoridade administrativa.

Continuo sem pensar que a entidade que proferiu uma decisão condenatória em processo

sancionatório público deva ser colocada a par com o arguido que veio a condenar na discussão e

renovação da prova que se segue e enquadra como recurso daquela decisão.

Quanto à posição da autoridade administrativa face ao valor dos autos, ALEXANDRA

VILELA considera que a mesma deve ser encarada como entidade recorrida e não como entidade

acusadora, apesar de o próprio Regime Geral das Contraordenações determinar que a apresentação

dos autos ao tribunal vale como acusação. Atribui ainda à autoridade administrativa o interesse em

pugnar pela manutenção da sua decisão em sede do processo judicial, não sendo por isso que deixa

de representar os interesses que a lei lhe confia.

«Bem ao contrário. É justamente porque defende esses interesses que ela possui, à luz do

artigo 68.º do CPP, legitimidade para ser equiparada à figura do assistente. É justamente

porque defende esses interesses, e porque acredita no bem fundado da decisão que tomou, no

exercício do dever de objetividade a que está sujeita, que ela se deve bater pela manutenção

da decisão proferida.» (68)

67 ALEXANDRA VILELA; O Direito de Mera Ordenação Social…”, Ob. Cit., Pp. 472 a 478. 68 ALEXANDRA VILELA; O Direito de Mera Ordenação Social…”, Ob. Cit., Pp. 476.

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Defende também, e por conseguinte, que a decisão recorrida não pode ter o valor de acusação,

delineando que deve existir uma colaboração entre o Ministério Público e a autoridade administrativa,

assumindo o primeiro a pretensão sancionatória, sendo que o nível de colaboração preconizado só

seria possível caso a autoridade administrativa tivesse a qualidade de assistente.

«O que acabámos de afirmar pressupõe, igualmente, (…) a existência de um processo

intermédio, onde a administração possui os poderes de reanalisar a sua decisão de um jeito

bastante amplo, à semelhança do que acontece com a OWiG. Não esqueçamos que, à luz desse

diploma legal, ela pode, inclusivamente, recolher mais provas e voltar a proferir uma decisão

completamente diferente. Logo, daqui poderíamos concluir que, se o arguido ainda tivesse

razões para recorrer, tal aconteceria porque efetivamente teria “escapado” uma questão

importante à administração – a não ser assim o recurso deixaria de fazer sentido – e que, em

consequência, teria todo o interesse não só em assistir – o que já lhe é permitido –, como

também em participar ativamente em todas as diligências que se produzissem a partir daquele

momento.» (69)

Ou seja, não se limita a sugerir uma alteração ao artigo 70.º do Regime Geral das

Contraordenações, por forma a permitir-se a constituição como assistente por parte da autoridade

administrativa, mas acaba por sugerir uma reforma do Ilícito de Mera Ordenação Social, na qual além

de se dar maior poder à autoridade administrativa pela possibilidade de constituição como assistente,

existiria todo um processo intermédio, quase como uma “fase de instrução”, destinada a confirmar

ou infirmar a decisão administrativa antes do julgamento em si. Durante essa fase seria permitido à

autoridade administrativa que recolhesse novos elementos e produzisse nova prova.

Creio que tal solução viria desvirtuar a intenção com a qual foi o Direito de Mera Ordenação

Social introduzido no nosso ordenamento jurídico. Esta alteração viria trazer maior rigidez e tornar

mais formulário um processo que se quer célere e destacado do processo criminal.

É certo que hoje em dia as infrações contraordenacionais já não podem ser definidas como

“bagatelas penais”, até pela gravidade dos interesses em jogo nalguns dos setores que se reflete nos

elevados montantes das coimas concretamente aplicáveis e nas várias sanções acessórias previstas.

No entanto, continuo a considerar que a posição de decisor da autoridade administrativa não

é compaginável com a sua constituição como assistente aquando do recurso da sua decisão.

69 ALEXANDRA VILELA; O Direito de Mera Ordenação Social…”, Ob. Cit., Pp. 476 e 477.

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E tal argumento é válido quer tenham os autos coligidos na fase organicamente administrativa

do processo o valor de acusação na fase organicamente judicial, quer assuma a autoridade

administrativa a posição de recorrida.

Assumindo a posição de entidade recorrida, não deixam os seus interesses de ser idênticos aos

do Ministério Público, assumindo este a pretensão sancionadora em sede da fase organicamente

judicial, podendo concatenar a sua posição com a autoridade administrativa ocupando esta a posição

de sua colaboradora e auxiliar técnica.

A questão da especificidade dos temas tratados, pode ser contornada, precisamente, pela

colaboração entre o Ministério Público e a autoridade administrativa, podendo esta apresentar

memorandos e esclarecimentos técnicos ao tribunal e, até, ajudar o Ministério Público com a

inquirição das testemunhas arroladas nos moldes já anteriormente referidos, ou seja, através de uma

delegação.

4. Conclusões do Capítulo

Do capítulo que ora se conclui, importa reter que existe doutrina, nomeadamente ANTÓNIO

BEÇA PEREIRA e FREDERICO COSTA PINTO que considera que a participação da autoridade

administrativa prevista no art.º 70, n.º 1 do Regime Geral das Contraordenações deve ser equiparada

à participação do mandatário do arguido. Quer no oferecimento de prova anterior à audiência de

julgamento, quer na sua participação no julgamento. Sendo-lhe conferida a possibilidade de arrolar

testemunhas, requerer diligências de prova e inquirir testemunhas. ANTÓNIO BEÇA PEREIRA

enquadra essa equiparação até em moldes que permitem à autoridade administrativa produzir

alegações em sede dessa audiência. Já FREDERICO COSTA PINTO, nesse ponto particular, defende

que não serão alegações propriamente ditas, mas sim a apresentação do seu ponto de vista técnico ao

tribunal.

Uma vez que o artigo 70.º não esclarece cabalmente o alcance dos direitos e deveres

conferidos à autoridade administrativa nesta fase organicamente judicial do processo de

contraordenação, cumpre dar resposta a essa questão.

Do artigo parece ressaltar que o legislador pretendeu que a autoridade administrativa ocupasse

o lugar de coadjuvante do Ministério Público e do Tribunal, no entanto tal entendimento não é

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pacífico havendo quem preconize a possibilidade do seu enquadramento como verdadeiro sujeito

processual.

Surge, assim, a primeira questão de relevo neste estudo: pode a autoridade administrativa

ocupar a posição de verdadeiro sujeito processual?

O que conduz às considerações sobre a aplicação subsidiária dos preceitos de processo

criminal ao ilícito de mera ordenação social.

Nos termos do art. 41.º do Regime Geral das Contraordenações, o direito subsidiariamente

aplicável a este processo é o direito processual penal. No entanto, o referido preceito legal não

determina uma aplicabilidade em bloco do Código de Processo Penal, mas apenas na parte que não

contrarie o Regime Geral das Contraordenações. Tal entendimento encontra-se, além da consagração

legal, também plasmado na jurisprudência constitucional, por exemplo, no Acórdão do Tribunal

Constitucional n.º 659/2006, bem como no Tribunal da Relação do Porto, no Acórdão de 11 de abril

de 2012, cujo relator foi JOAQUIM GOMES, no qual se defende que em consequência desta diferente

natureza, não são os princípios e as regras de processo penal automaticamente aplicáveis ao Direito

das Contraordenações, estribando este entendimento nas posições veiculadas pelo Tribunal

Constitucional nos seus diversos acórdãos e no Assento do Supremo Tribunal de Justiça n.º 1/2003,

de 28 de novembro de 2002, publicado no DR n.º 21/2003, Série I-A, em 25 de janeiro de 2003.

Este o art. 41.º do Regime Geral das Contraordenações que as disposições reguladoras do

processo penal são aplicáveis ao processo contraordenacional, mutatis mutandis e sempre que o

contrário não resulte do próprio Regime Geral das Contraordenações. Ou seja, as disposições de

processo penal serão aplicáveis ao Ilícito de Mera Ordenação Social sempre que nele existam

omissões e não haja motivo que obste a essa aplicação e não de forma automática.

Cumprindo também aqui recordar que, por imposição do Regime Geral das Contraordenações,

os autos coligidos na fase organicamente administrativa assumem a posição de acusação na fase

judicial. Significando que, mesmo existindo renovação da prova e tendo o tribunal judicial jurisdição

plena, toda a prova produzida e a investigação efetuada pela autoridade administrativa integra já os

autos judiciais, valendo para efeitos de prolação de sentença.

Para determinar se os artigos 68.º a 70.º do CPP podem ter aplicação ao Ilícito de Mera

Ordenação Social, foi necessário fazer uma sucinta exposição sobre o assistente, cujos pontos chave

aqui se sublinham

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No processo penal, o assistente surge como sujeito processual, sendo o seu regime regulado

nos artigos 68.º a 70.º, desde as pessoas e entidades com legitimidade para se constituir como

assistentes, a sua posição processual e atribuições, à representação judiciária. Sendo que ao longo do

diploma legal existem várias referências e normas quanto a este sujeito processual.

A figura que assume maior relevância discutir é a do ofendido, prevista na al. a) do art. 68.º,

n.º 1, à luz do qual se considera como ofendido o titular dos interesses que a lei especialmente quis

proteger com a incriminação.

Com maior ou menor autonomia, dependendo se se trata de crime público, semipúblico ou

particular, o papel do assistente é de colaborador do Ministério Público, conforme expressamente

estipulado pelo legislador no art. 69.º do CPP, sendo, por isso, a atividade daquele sempre

subordinada à atuação deste.

Pela definição legal é possível perceber de imediato que não é ofendido qualquer pessoa que

tenha sido prejudicada com o crime, mas apenas quem seja o titular do interesse que constitui o objeto

jurídico imediato do crime, uma vez que o objeto mediato será sempre de natureza pública

Esta necessidade de uma relação especial entre o particular e o bem jurídico que a norma

incriminatória visa proteger determina necessariamente que nem todos os crimes permitem a

constituição de assistente, uma vez que nem todos os crimes têm ofendido particular.

Tal entendimento é acompanhado, a título de exemplo, por GERMANO MARQUES DA

SILVA, encontrando-se também plasmado no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência do

Supremo Tribunal de Justiça n.º 1/2003, nos termos do qual quando o interesse imediatamente

protegido pela norma incriminatória pertença, ao mesmo tempo, ao Particular e ao Estado, pode o

Particular constituir-se como assistente. Já se o interesse for apenas público não existe

legitimidade para constituição como assistente.

A posição do assistente no processo penal é de colaboração com o Ministério Público e não

de seu par, sendo que os poderes e atribuições que lhe assistem servem precisamente o propósito de

auxílio direto ao Ministério Público, no inquérito, e na apresentação de outra perspetiva do objeto do

processo, participando na discussão, no debate instrutório, no julgamento e nos recursos, ou seja, de

«colaboração indireta com o Ministério Público na busca da solução justa para cada caso». Ainda que

lhe assistam poderes de conformação autónomos, sendo possível que o assistente divirja do Ministério

Público, tal não contende com a sua posição de colaborador.

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Ainda que se tenha vindo a venha a adotar um conceito amplo de ofendido acolhido no art.

68.º do CPP, não deixa de existir uma quase identidade entre assistente e particular (pessoa singular

ou pessoa coletiva) enquanto vítima, em paridade com o arguido, na busca de justiça.

Ou seja, a figura do assistente é para garantir a paz, assegurando que os conflitos

emergentes do crime sejam resolvidos no processo crime, não se descolando muito do conceito

de ofendido

Quanto à concreta aplicabilidade das normas contidas no art. 68.º e 69.º do CPP ao processo

de contraordenação, socorri-me dos acórdãos proferidos pelo Tribunal da Relação de Lisboa de 11 de

novembro de 1997 e de 20 de maio de 1998, bem como da anotação de FREDERICO COSTA PINTO.

Em tais acórdãos a Câmara Municipal do Seixal tinha requerido a sua constituição como

assistente na fase judicial de um processo de contraordenação por si decidido, alegando serem os seus

interesses próprios violados pela infração.

O Autor autonomiza dois momentos chave quanto a esse tema: primeiro o de saber se a figura

do assistente encontra aplicação no seio do Ilícito de Mera Ordenação Social, sendo, em suma que a

resposta é não já que não é compatível com este regime geral. Tecendo ainda, num segundo momento,

considerações sobre os pressupostos de legitimidade para constituição como assistente por parte da

autoridade administrativa por ter sido essa a linha de argumentação escolhida pela Relação de Lisboa

para, também por essa via, se decidir que não haveria essa possibilidade.

Levantando-se, neste ponto, três questões:

A primeira questão prende-se com a possibilidade de importação da figura do assistente para

o processo comum de contraordenação por via da subsidiariedade do processo penal prevista no

Regime Geral das Contraordenações.

A segunda questão é a de saber se, em caso de aplicação da figura do assistente em sede do

Ilícito de Mera Ordenação Social, a autoridade administrativa poderá ocupar esse lugar.

Existe, no entanto, uma terceira questão a que cumpre responder em sede da presente

dissertação: a de saber qual o concreto papel ocupado pela autoridade administrativa na fase judicial

do processo de contraordenação.

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Quanto à concreta aplicabilidade da figura do assistente em processo de contraordenações

cheguei à conclusão de que essa figura não poderia ser importada pela via subsidiária por se mostrar

contrária aos princípios e estrutura desse processo, uma vez que o mesmo não foi pensado para

garantir interesses e direitos particulares, mas apenas interesses coletivos, não se prevendo sequer a

figura do lesado civil.

Na esteira de MÁRIO GOMES DIAS (70), entendo também que, enquanto que a fase

organicamente administrativa do Ilícito de Mera Ordenação Social traduz uma forma de

realização da função administrativa do Estado e que a fase organicamente judicial, de que me

ocupo neste ponto, representa a realização da sua função jurisdicional, na primeira fase a

prossecução do interesse público compete à autoridade administrativa, na segunda fase essa função

passa para as mãos do Ministério Público.

Quanto à segunda questão, a de saber se a autoridade administrativa se poderia constituir como

assistente caso essa figura fosse aplicável ao processo de contraordenação, cheguei também à

conclusão negativa.

Apesar de existir em sede de Direito de Mera Ordenação Social a possibilidade de constituição

como assistente no regime especial das contraordenações, esse regime tem de facto de ser tido como

especial, sendo que a sua consagração expressa contribui para fortalecer a ideia de que não tem o

mesmo cabimento no regime geral.

Sendo que, em todo o caso, essa faculdade não é conferida à autoridade acoimante, mas sim

às associações sindicais.

Ou seja, mesmo em sede de regime especial, não é permitido à autoridade que dirigiu o

processo na primeira fase integrar o papel de sujeito processual na subsequente fase de recurso.

Outro ponto a favor da tese de que a omissão da figura do assistente no processo

contraordenacional é deliberada prende-se, precisamente, com a data de surgimento do novo regime

geral das contraordenações. Caso fosse intenção do legislador a introdução dessa figura, já o teria

feito, até em face das sucessivas decisões jurisprudenciais que lhe negam essa aplicabilidade.

70 MÁRIO GOMES DIAS, “Breves Reflexões…”, Ob. Cit., Pp. 32.

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Assim, é forçoso concluir pela impossibilidade de aplicação subsidiária da figura do

assistente ao Regime Geral das Contraordenações, tratando-se de uma omissão intencional do

legislador e, portanto, não suscetível de integração pela via da aplicação do Direito subsidiário.

Importa, assim, saber qual o papel concreto a ser ocupado pela autoridade administrativa na

fase judicial do processo contraordenacional.

Ao Ministério Público cabe, nos termos do art. 219.º da Constituição da República Portuguesa,

a representação do Estado em sentido amplo, bem como o exercício da ação penal orientada pelo

princípio da legalidade. Sendo também seu o papel de representação do Estado em juízo.

A questão sobre a posição da autoridade administrativa no contexto da segunda fase do

processo de contraordenação, mais do que a análise quer da aplicabilidade do art. 68.º do CPP a este

regime geral, quer dos seus pressupostos de aplicação caso se decida que há essa possibilidade,

prende-se com a necessidade de levar a cabo tal exercício de integração, sendo a questão a colocar

precisamente se existe uma omissão em relação à posição ocupada pela autoridade administrativa?

Havendo duas possíveis roupagens possíveis para a autoridade administrativa: a de assistente, ou seja,

verdadeiro sujeito processual a par com o arguido e o Ministério Público e a de participante

processual. Sem qualquer tipo de surpresa posso desde já revelar que perfilho a segunda posição.

Considero que não existe qualquer omissão que seja necessário suprir através da aplicação

dos preceitos processuais penais. Aliás, pelo contrário, o legislador regulou, no art. 70.º do Regime

Geral das Contraordenações, o papel da autoridade administrativa através da previsão do seu direito

de participação.

Na impugnação da decisão por si proferida, vê os autos de contraordenação serem remetidos

ao Ministério Público e presentes a Juiz, assumindo o valor de acusação, pelo que não se pode

enquadrar a autoridade administrativa como entidade recorrida. O que deixaria o arguido numa

posição desproporcionalmente fragilizada caso ainda lhe fosse possível participar da audiência e

produzir prova em paridade com o Ministério Público e o próprio arguido.

Além de que é claro pela leitura do art. 70.º do Regime Geral das Contraordenações que não

foi esse o propósito do legislador.

No art. 65-A, sob a epígrafe “Retirada da Acusação”, estipula o legislador que o Ministério

Público tem a faculdade de retirar a acusação até à sentença em 1.ª instância, desde que com o acordo

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do arguido. É certo que refere também que a autoridade administrativa deve ser ouvida, no entanto

não só tal audição não é obrigatória, como não é conferido a essa autoridade qualquer mecanismo de

reação contra a preterição da consulta.

Também não é reconhecido à autoridade administrativa a possibilidade de se pronunciar

quanto à decisão da causa através de simples despacho, ao contrário do que se passa com o Ministério

Público e o arguido, conforme determinado pelo art. 64.º.

Parece-me, que o legislador pretendeu aproximar o papel da autoridade administrativa

daquele de uma qualquer outra entidade decisora cuja decisão se encontra sujeita ao escrutínio

do recurso.

Permitir que a autoridade administrativa ocupasse qualquer outro papel que não o de mero

participante processual, por exemplo, concedendo-lhe a faculdade de se constituir como assistente,

seria como conceder essa mesma possibilidade ao juiz de 1.ª instância que vê a sua decisão

recorrida para o Tribunal da Relação.

É certo que também quanto ao regime de participação da autoridade administrativa no

processo, à semelhança do que sucede no caso da figura do assistente, há exceções expressamente

admitidas na lei que preveem o reforço dos poderes da autoridade acoimante.

Por norma este reforço prende-se com a elevada especialidade dos regimes e com o grau de

tecnicidade inerente aos menos, casos em que a autoridade administrativa se encontra de facto mais

preparada para defender os interesses em causa do que o Ministério Público. Ainda assim, é bastante

revelador que mesmo nesses casos a autoridade administrativa, por norma uma autoridade de

supervisão como o Bando de Portugal ou a CMVM, não são de qualquer maneira equiparados a

sujeitos processuais.

Passam sim a ter a sua forma de participação reforçada, sendo-lhes reconhecido também o

direito de recorrer de forma autónoma das decisões.

Na prática, no âmbito do Regime Geral das Contraordenações, esta participação da autoridade

administrativa faz-se de modo equiparado ao mandatário do arguido, podendo a mesma arrolar

testemunhas, proceder à inquirição durante a audiência de julgamento e até produzir alegações.

Pretendendo o legislador que a autoridade administrativa, nesta fase, ocupasse o lugar de

coadjuvante do Ministério Público e do Tribunal e não de sujeito processual como o são o arguido e

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o Ministério Público, sendo toda a estratégia definida pelo Ministério Público e a atividade da

autoridade administrativa acessória da daquele, uma vez que é ao Ministério Público que compete a

defesa dos interesses públicos cristalizados na acusação em sede de julgamento.

Conforme exprimi no corpo do estudo, discordo desta forma de participação das autoridades

administrativas, considerando-a ainda bastante ampla, face ao papel que lhe deveria ser cometido.

Em sentido contrário, numa perspetive de Direito a constituir, ALEXANDRA VILELA, traça

um novo regime geral de contraordenações, que passaria pela introdução de uma fase intermédia e da

equiparação da autoridade administrativa aos sujeitos processuais, enquadrando-a como assistente.

A posição sustentada pela Autora não é, então, a da aplicabilidade da figura do assistente ao

processo contraordenacional e a possibilidade dessa constituição por parte da autoridade

administrativa. É, sim, alteração do regime atual contido no DL n.º 433/82, de 27 de outubro no

sentido de comportar essa figura. Mormente a alteração do artigo 70.º do Regime Geral nesse sentido.

ALEXANDRA VILELA, apoia-se no entendimento apresentado também por CARLOS

ADÉRITO TEIXEIRA quando o mesmo refere que no âmbito do setor financeiro, subsistem

interesses relevantes cuja prossecução é assumida pela entidade administrativa, como seja o caso da

regulação dos mercados, interesse prosseguido pelo Banco de Portugal e pela CMVM.

Entende que a autoridade administrativa tem a possibilidade de ser entendida como a titular

dos interesses subjetivos que a lei quis proteger, sendo os seus próprios interesses da administração

também afetados pelo recurso da decisão, considerando a Autora que a autoridade deve então ser

colocada no mesmo plano de discussão que o arguido e não apenas no papel de auxiliar técnico.

Com o devido respeito, considero que a alteração do Regime Geral das Contraordenações

nesse sentido viria trazer rigidez e complexidade a um processo que se quer simples e célere, com

autonomia face ao Direito Penal e Processual Penal, ainda que, com o passar dos anos, tenha vindo a

tutelar cada vez mais áreas da vida em sociedade e com uma relevância crescente que se verifica quer

pelos valores das coimas em jogo, quer pelas sanções acessórias previstas, não podendo, portanto, ser

apelidado de regime destinado ao garante das bagatelas penais, creio que não lhe deve ser atribuído

um caráter tão complexo como o defendido por ALEXANDRA VILELA.

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III

Conclusão – Posição Defendida

Chegando ao fim desta dissertação, cumpre proceder à síntese das posições que fui

apresentando no corpo do trabalho, de modo a concentrar sob esta epígrafe a minha opinião sobre o

Ilícito de Mera Ordenação Social e as sucessivas posições em que se investe a autoridade

administrativa.

Ao longo desta exposição, surgiram as seguintes questões a que fui tentando responder:

1) Qual o papel da autoridade administrativa na fase organicamente administrativa do processo

de contraordenação;

2) Pode esta autoridade administrativa ser enquadrada como sujeito processual na passagem à

fase judicial do processo do ilícito de mera ordenação social;

3) Pode a figura do assistente ser aplicada de forma subsidiária ao processo de contraordenação?

4) Pode a autoridade administrativa constituir-se como assistente na fase judicial do processo?

5) Existirá necessidade, à luz do direito de participação da autoridade administrativa na fase

judicial do processo de contraordenação de integrar os poderes dessa autoridade com recurso

ao direito subsidiário?

6) Qual a concreta posição da autoridade administrativa na fase organicamente judicial do

processo de contraordenação que defendo?

Questão n.º 1 – Qual o papel da autoridade administrativa na fase organicamente

administrativa do processo de contraordenação?

Quanto à posição da autoridade administrativa na fase organicamente administrativa do

processo, não parece haver qualquer dúvida de que esta ocupa o papel de titular da ação

contraordenacional.

É a esta autoridade que cabe o papel de investigação, instrução e decisão. Desde o momento

da instauração do processo, compete-lhe reunir prova, efetivar o direito de audição e defesa do

arguido e decidir a causa.

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Assim, a sua posição mais se aproxima da investigação em processo penal do que da atividade

normal administrativa que lhe caberia.

Tem, então, a posição de dominus do processo, agindo como instrutor, acusador e decisor.

Na passagem à fase judicial através do recurso de impugnação da sua decisão vê os autos por

si coligidos a ganhar valor de acusação, com especial ênfase para a decisão condenatória proferida.

Quanto à questão n.º 2 – Pode esta autoridade administrativa ser enquadrada como

sujeito processual na passagem à fase judicial do processo do ilícito de mera ordenação social?

Sobre esta questão, cheguei à conclusão de que não é possível o enquadramento da autoridade

administrativa enquanto sujeito processual na fase judicial do processo de contraordenação.

Considero que a sua posição processual de decisor na primeira fase contende diretamente com

a posição de sujeito processual, a par do arguido e do Ministério Público, na fase judicial.

Tanto pela duplicação de interesses em jogo, já que ao Ministério Público compete a defesa,

em juízo, dos interesses do Estado que serão os mesmos que foram defendidos pela autoridade

administrativa na primeira fase.

Da questão n.º 3 – Pode a figura do assistente ser aplicada de forma subsidiária ao

processo de contraordenação?

Também neste ponto considero que a resposta tem de ser forçosamente em sentido negativo

já que a figura do assistente pressupõe a existência de um interesse além do interesse público que

imediatamente tutelado com a incriminação. O que no regime geral das contraordenações não

encontra eco, não sendo este o regime apropriado para a defesa de interesses particulares, daí que não

se preveja sequer a existência de lesados civis

Nesta fase judicial o processo de contraordenação conduzido anteriormente pela autoridade

administrativa vale, no seu todo, como acusação. Ou seja, o juiz irá avaliar não apenas a decisão

condenatória, mas todo o processado. O que acaba por ultrapassar os poderes normais de cognição de

um tribunal de recurso. É neste contexto que se determina nova produção de prova, nos termos do

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art. 72.º do Regime Geral das Contraordenações. Podendo o resultado final da audiência de

julgamento ser de arquivamento ou absolvição do arguido e não apenas de manter ou revogar a

decisão proferida pela autoridade administrativa.

Determina o art. 41.º do Regime Geral das Contraordenações que as disposições reguladoras

do processo penal são aplicáveis ao processo contraordenacional, mutatis mutandis e sempre que o

contrário não resulte do próprio Regime Geral das Contraordenações. Ou seja, as disposições de

processo penal serão aplicáveis ao Ilícito de Mera Ordenação Social sempre que nele existam

omissões e não haja motivo que obste a essa aplicação e não de forma automática.

No processo penal, o assistente surge como sujeito processual, sendo o seu regime regulado

nos artigos 68.º a 70.º, desde as pessoas e entidades com legitimidade para se constituir como

assistentes, a sua posição processual e atribuições, à representação judiciária. Sendo que ao longo do

diploma legal existem várias referências e normas quanto a este sujeito processual.

A figura que assume maior relevância discutir é a do ofendido, prevista na al. a) do art. 68.º,

n.º 1, à luz do qual se considera como ofendido o titular dos interesses que a lei especialmente quis

proteger com a incriminação.

A qualidade de assistente no processo penal adquire-se através do ato de constituição, que

pode ser requerido por quem se integre em qualquer das categorias referidas no art. 68.º, bem como

quando tal direito seja conferido por legislação especial.

Pela definição legal é possível perceber de imediato que não é ofendido qualquer pessoa

que tenha sido prejudicada com o crime, mas apenas quem seja o titular do interesse que

constitui o objeto jurídico imediato do crime, uma vez que o objeto mediato será sempre de

natureza pública

A legitimidade para constituição como assistente é hodiernamente alargada, compreendendo

a vítima de crimes difusos, além da vítima/ofendido tout court, conforme resulta da al. e) do n.º 1 do

art. 68.º do CPP.

No entanto, este conceito amplo de ofendido acolhido no art. 68.º do CPP, acaba por não

abandonar a ideia de quase identidade entre assistente e particular (pessoa singular ou pessoa

coletiva) enquanto vítima, em paridade com o arguido, na busca de justiça.

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Em suma, ainda que se tenha vindo a alargar o leque de entidades com legitimidade para

constituição de assistente nalguns tipos de crime, nomeadamente no que toca à defesa de interesses

difusos, é importante chamar a atenção para que essas entidades não foram, em momento

algum, titulares do processo em que se constituem como assistentes. Ou seja, não procederam à

instrução do mesmo, recolhendo prova e proferindo decisão final condenatória. É-lhes permitida a

colaboração subordinada ao Ministério Público na tutela de interesses difusos.

A figura do assistente pressupõe, portanto a existência de duas posições em conflito: o

assistente que os seus interesses protegidos pela incriminação afetados e o arguido que terá

lesado esses interesses com a sua atuação.

Complementando este quadro geral, é conveniente também salientar que o assistente não

assume nunca os poderes e funções do Ministério Público no contexto do processo penal, mantendo-

se sempre a instrução do processo no domínio do Ministério Público. Mesmo nos casos em que ao

assistente é permitido deduzir acusação particular, sublinhe-se que nunca a decisão final do processo

cabe ao assistente.

No caso concreto da figura do assistente, coloca-se a questão de saber se a sua omissão do

Regime Geral das Contraordenações constitui uma intencionalidade do legislador, ou se, por outro

lado, poderá encontrar ali aplicação por via do art. 41.º do Regime Geral das Contraordenações.

Ora, o Regime Geral das Contraordenações prevê as figuras e papéis do Tribunal, Ministério

Público, Arguido, Defensor, Testemunhas, Perito e até a Autoridade Administrativa. Não se

encontrando no seu seio qualquer referência ao Assistente ou ao Lesado.

É certo que simples não previsão de um instituto, por si só, não mata a questão já que se

poderia considerar que o legislador não o havia previsto especificamente precisamente por se lhe

aplicarem subsidiariamente as disposições de processo penal, de onde se retira essa figura.

No entanto, creio que tal omissão foi intencional por parte do legislador, não sendo a sua

intenção que o processo contraordenacional comportasse as figuras acima referidas.

Concluindo pela incompatibilidade da figura do assistente como regime geral do

processo de contraordenação, pelo que se encontra afastada a sua aplicabilidade subsidiária,

por se mostrar contrária aos princípios e estrutura desse processo, uma vez que o mesmo não foi

pensado para garantir interesses e direitos particulares, mas apenas interesses coletivos, não se

prevendo sequer a figura do lesado civil.

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Questão n.º 4 – Pode a autoridade administrativa constituir-se como assistente na fase

judicial do processo?

Sem prejuízo de já ter sido referido que a figura do assistente não pode ser importada para o

regime do ilícito de mera ordenação social, importa, de todo o modo, responder à questão sobre a

concreta possibilidade de constituição como assistente por parte da autoridade administrativa.

Ainda que no contexto do regime especial do processo aplicável às contraordenações laborais

e de segurança social, ser admitida a constituição como assistente por parte das associações sindicais,

importa sublinhar que esse direito não é nunca conferido à autoridade autuante.

Relevante para a decisão sobre a possibilidade de constituição como assistente por parte da

autoridade administrativa são os critérios de legitimidade para a constituição como assistente, com

especial na figura do ofendido enquanto titular de interesses imediatamente protegidos com a

incriminação.

É possível de enquadrar como interesse próprio da autoridade administrativa qualquer dos

interesses protegidos com a incriminação contraordenacional? Penso que não. Penso que esses

interesses imediatamente tutelados pertencerão sempre à coletividade, não podendo a autoridade

administrativa pretendê-los como seus.

Além destas considerações sobre a legitimidade para constituição como assistente, importa

saber se se pode considerar que existe conflito entre a autoridade administrativa e o arguido, pois que

esse é um dos pressupostos desta figura. A da pacificação social pela realização de justiça entre as

partes em oposição.

Penso que não. Que a posição da autoridade enquanto órgão decisor não pode nunca ser

esquecida, tendo esse papel de se refletir no momento em que a sua decisão é escrutinada pelo tribunal

judicial.

Deste modo, concluo pela inexistência de interesses da autoridade administrativa

compatíveis com a constituição como assistente na fase organicamente judicial do processo de

contraordenação uma vez que os interesses que lhes cabe defender e que constituem o objeto imediato

da incriminação contraordenacional são públicos, do Estado e, portanto, não compatíveis com a figura

do assistente. Pelo que não poderá, de modo algum, esta entidade ocupar essa posição.

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Permitir que a Autoridade Administrativa se constituísse como assistente seria como permitir

que o Ofendido julgasse o arguido. Ou mesmo que o juiz de 1ª instância se constituísse como

assistente no recurso interposto para a Relação da decisão por si proferida.

O ofendido constitui-se como Assistente para ajudar uma 3ª entidade no apuramento da

verdade material e julgamento do arguido.

No caso da Autoridade Administrativa, além de não existir qualquer interesse próprio a tutelar

uma vez que no direito contraordenacional não se pode considerar que exista conflito entre a

autoridade administrativa e o particular, nem interesse próprio da autoridade administrativa, esta

entidade já foi, numa fase anterior, o órgão decisor. Não se trata de auxiliar um 3.º, tendo, aliás, o

poder de proceder a mais produção de prova, ao pedido de mais diligências, trata-se de mais uma

oportunidade de fazer valer a sua posição, defendendo a decisão proferida e deixando o arguido numa

situação desproporcionalmente fragilizada.

Temos uma autoridade administrativa que tem o poder de acusar numa fase não judicial,

decidir ainda nessa fase, vê o processo ter o valor de Acusação na fase judicial (de recurso), sendo

representada pelo Ministério Público, podendo participar na audiência e, ainda, constituir-se como

Assistente.

No fundo, o arguido em processo contraordenacional fica numa situação muito, tendo a

mesma entidade que já o condenou anteriormente duplamente representada em sede de recurso.

O artigo 68.º do CPP não faz parte do núcleo de princípios e normas processuais penais que

se aplicam também ao Direito das Contraordenações sendo rejeitado desde logo pelo Regime Geral.

No âmbito das Contraordenações laborais reconhece-se o direito das associações sindicais se

constituírem como assistentes no processo, no entanto, estes casos constituem derrogações ao regime

geral, são exceções. Além de que as associações sindicais não são autoridade administrativa que

tramitou o processo e aplicou coima na primeira fase. A figura do assistente não se encontra prevista

no Regime Geral das Contraordenações, sendo que o mesmo tem sido alterado ao longo sem nunca

se ter introduzido tal figura. Daqui se pode retirar que o Regime Geral das Contraordenações não

permite que a autoridade administrativa se constitua como assistente.

O legislador não se esqueceu de regular o papel da autoridade administrativa. Regulou-

o enquanto participante processual e não enquanto sujeito processual. Tal opção deve ser

respeitada, tanto pela natureza do processo de contraordenação e os interesses através dele

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tutelados, como pela posição ocupada pela autoridade administrativa enquanto julgador de

primeira fase. Devendo manter, no momento da sindicância da sua decisão, o mesmo papel,

conforme ocorre com qualquer outra entidade chamada a intervir nesse papel.

Questão n.º 5 – Existirá necessidade, à luz do direito de participação da autoridade

administrativa na fase judicial do processo de contraordenação de integrar os poderes dessa

autoridade com recurso ao direito subsidiário?

Neste ponto, entendo que o direito de participação da autoridade administrativa no julgamento

previsto no art. 70.º do Regime Geral das Contraordenações acaba por determinar que não seja

necessário recorrer a qualquer tipo de integração pela via subsidiária da posição a ocupar pela

autoridade administrativa.

Ainda que o concreto regime dessa participação não se encontre exaustivamente definido no

diploma legal, deixando margem a diferentes interpretações sobre o assunto, considero que tal torna

manifesto que a omissão da figura do assistente neste âmbito, e concretamente em relação à

autoridade administrativa, foi intencional. Não havendo qualquer omissão que justifique o recurso ào

direito subsidiário quanto à participação da autoridade administrativa.

Havendo, então, correntes da doutrina que defendem que essa participação deve ser nos

mesmos moldes que a do mandatário do arguido, encontrando-se, não obstante, vedado o direito ao

recurso das decisões.

Questão n.º 6 – Qual a concreta posição da autoridade administrativa na fase

organicamente judicial do processo de contraordenação que defendo?

Ao nível da doutrina corre o entendimento geral de que, na fase judicial, a atividade da

autoridade administrativa é subordinada à do Ministério Público

Fica claro, pela estrutura do Regime, que nunca foi intenção do legislador conferir à

autoridade administrativa uma posição de paridade com o Ministério Público e com o arguido, sendo,

por isso o art. 70.º incompatível com o art. 68.º do CPP quando aplicado à autoridade administrativa,

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o que determina, por imposição do art. 41.º do Ilícito de Mera Ordenação Social a sua

inaplicabilidade.

Considero que caso o legislador pretendesse que a autoridade administrativa tivesse um papel

mais ativo da fase judicial e de maior controlo sobre a mesma teria, no mínimo, consagrado a sua

legitimidade para recorrer das decisões que a pudessem afetar, o que não acontece.

Ao invés o legislador pretendeu aproximar o papel da autoridade administrativa daquele de

uma qualquer outra entidade decisora cuja decisão se encontra sujeita ao escrutínio do recurso.

Permitir que a autoridade administrativa ocupasse qualquer outro papel que não o de

mero participante processual, por exemplo, concedendo-lhe a faculdade de se constituir como

assistente, seria como conceder essa mesma possibilidade ao juiz de 1.ª instância que vê a sua

decisão recorrida para o Tribunal da Relação.

Na prática, o que acontece nos tribunais aproxima-se mais do regime delineado por BEÇA

PEREIRA, sendo a autoridade administrativa equiparada ao mandatário do arguido a nível de direitos

e deveres, o que equivale a dizer que lhe é permitido arrolar testemunhas, proceder à inquirição tanto

das suas testemunhas, como das restantes, a par com o arguido e o Ministério Público e, a final,

produzir verdadeiras alegações.

Noutro ponto, desta feita quanto ao direito de recurso: não considero desejável que, mesmo

numa solução de futuro, venha a autoridade administrativa a poder recorrer das decisões proferidas

em sede de impugnação judicial, já que a sua função anterior foi a de órgão decisor, traduzindo-se

esse direito ao recurso num fortalecimento desnecessário da posição da autoridade administrativa face

ao arguido.

Considero que a participação prevista no art. 70.º do Regime Geral das Contraordenações

acaba por ter uma aplicação prática demasiado ampla, conferindo-se, no fundo, a esta entidade uma

nova oportunidade de sustentar a tese e os factos que determinaram a condenação, com o benefício

de ter também o Ministério Público a produzir prova no mesmo sentido. O que redunda, na prática,

na existência de dois representantes dos interesses do Estado, produzindo prova no mesmo sentido e

fragilizando bastante a posição do arguido.

Entendo a participação da autoridade administrativa mais no sentido de auxiliar técnico

do Ministério Público, reconhecendo que, mesmo no âmbito do Regime Geral das

Contraordenações, não raras vezes a autoridade com competência para o processamento das

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contraordenações está melhor dotada tecnicamente do que o Ministério Público para defender os

concretos interesses públicos que o legislador quis proteger com a incriminação contraordenacional.

Em suma, sou da opinião que a «oportunidade de trazerem à audiência os elementos que

reputem convenientes para uma correta decisão do caso» deve consistir na possibilidade de

apresentação dos esclarecimentos que o tribunal considerar pertinentes, maxime quanto a

questões técnicas e de procedimento aplicado na investigação, e não na possibilidade de a

autoridade administrativa vir apresentar nova prova de forma autónoma.

Já no que concerne ao direito de participação em sede de audiência, entendo que a mesma

deve ser feita numa posição de colaboração com o Ministério Público, não concordando com a

possibilidade de inquirição das testemunhas, que na maior parte das vezes serão as mesmas, por

ambas as entidades.

Essa inquirição deve ocorrer numa lógica de colaboração, podendo a autoridade

administrativa assumir essa função por delegação do Ministério Público, não já em complemento

daquele. Não podendo também as autoridades administrativas produzir alegações.

Finalizando, tendo em conta a posição de decisor ocupada pela autoridade administrativa, não

considero que seja possível enquadrá-la como sujeito processual pelo que, mesmo que não estivesse

afastada a figura do assistente do regime geral do Ilícito de Mera Ordenação pela sua própria natureza,

sempre estaria essa constituição vedada à autoridade administrativa.

Entendo, também, que a participação da autoridade administrativa na fase judicial do processo

deve ser reduzida, sendo enquadrada como auxiliar técnico do Ministério Público, atenta até o valor

de acusação que assumem os autos por si tramitados em primeira fase.

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Toda a jurisprudência dos Tribunais da Relação citada encontra-se disponível em http://www.dgsi.pt

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