PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC - SP
ANA CAROLINA DOS SANTOS MARTINS LEITE
ENTRE OS MUROS DA ESCOLA: ANÁLISE DA DIMENSÃO
SUBJETIVA DO ESPAÇO ESCOLAR
DOUTORADO EM EDUCAÇÃO: HISTÓRIA, POLÍTICA, SOCIEDADE
SÃO PAULO
2016
ANA CAROLINA DOS SANTOS MARTINS LEITE
ENTRE OS MUROS DA ESCOLA: ANÁLISE DA DIMENSÃO
SUBJETIVA DO ESPAÇO ESCOLAR
DOUTORADO EM EDUCAÇÃO: HISTÓRIA, POLÍTICA, SOCIEDADE
Tese apresentada à Banca Examinadora da
Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo, como exigência parcial para obtenção
do título de Doutor em Educação: História,
Política, Sociedade sob a orientação do Prof.
Dr. Alda Junqueira Marin.
São Paulo
2016
BANCA EXAMINADORA
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__________________________
Aos meus companheiros de vida,
Anderson e Pedro.
Pesquisa desenvolvida com bolsa CAPES Coordenação
de Aperfeiçoamento de Pessoal do Nível Superior
Agradecimentos
À minha orientadora, Prof.ª Dra. Alda Junqueira Marin, pelo apoio imenso,
orientação dedicada e por acreditar nesse trabalho.
À minha família, especialmente minha mãe, meu companheiro e meu filho, por
estarem sempre ao meu lado em todos os momentos da vida.
Aos queridos amigos e amigas que de diversas formas me ajudaram a
atravessar essa jornada com a confiança e compreensão necessárias.
À instituição de ensino e os sujeitos, sobretudo as crianças, que aceitaram fazer
parte dessa pesquisa, sem os quais nada seria possível.
LEITE, Ana Carolina S. Martins. Entre os muros da escola: análise da dimensão
subjetiva do espaço escolar. Tese (Doutorado em Educação: História, Política,
Sociedade) Pontifícia Universidade Católica de são Paulo, São Paulo, 2016.
Resumo
A presente pesquisa aborda a dimensão espacial como condição básica para a
efetivação do ensino com foco nas diferentes representações de professores e
alunos acerca dos espaços escolares. Propõe-se a responder o questionamento:
quais as relações de simbolização entre sujeitos/lugares/territórios dentro desse
prédio escolar? Qual a representação dos sujeitos sobre o espaço? Como se
configuram esses elementos? A hipótese estipulada é de que existem visões
diferentes desses sujeitos a respeito dos espaços dentro da escola. Essas
divergências dependem tanto do lugar que o indivíduo ocupa, quanto do ambiente a
que se refere, indicando que os espaços têm exercido poderes simbólicos. Desse
modo, e como base para a análise, a pesquisa tem como principal objetivo analisar e
compreender a subjetividade do espaço da escola, investigando como professores e
alunos se manifestam sobre os ambientes. Para tanto, foi selecionada uma unidade
educacional pública municipal da Zona Oeste de São Paulo, caracterizada como
campo empírico para a investigação e coleta de informações. Foram realizadas
observações in loco, entrevistas, questionários e desenhos, com alunos do primeiro
e quinto ano do Ensino Fundamental. Foram realizadas entrevistas com professores
desses anos escolares que também responderam questionários. Os principais
conceitos utilizados foram os de espaço, lugar e território com base em vários
autores principalmente Viñao Frago e Bourdieu. Os dados permitiram compreender
a influência dos diferentes lugares/territórios do edifício escolar sobre esses
estudantes e seus professores cotidianamente Foram percebidos espaços
preferidos, espaços não lembrados, regras de utilização desses ambientes numa
relação com a posição dos sujeitos no próprio espaço social da escola. A partir dos
dados coletados a hipótese foi confirmada, pois a análise evidenciou diferentes
manifestações de professores e alunos sobre os espaços da escola.
Palavras-chave: educação fundamental, espaço escolar, lugar, território,
subjetividade, representação.
LEITE, Ana Carolina S. Martins. Entre os muros da escola: análise da dimensão
subjetiva do espaço escolar. Doutorado em Educação: História, Política, Sociedade.
PUC, 2016.
Abstract
This research addresses the spatial dimension as a basic condition for the
effectiveness of teaching with focus on different representations of teachers and
students about the school spaces. It is proposed to answer the question: what are
the relations between subject’s symbolization / places / territories within that school
building? What is the representation of the subject of the space? How to configure
these elements? The hypothesis is stipulated that there are different views of these
subjects concerning the areas within the school. These differences depend on both
the place the individual occupies, as the environment referred to, indicating that the
spaces have exercised symbolic powers. Thus, and as a basis for analysis, the
research aims to analyze and understand the subjectivity of school space,
investigating how teachers and students are manifested on the environment. To this
end, we selected a municipal educational unit of the West Zone of São Paulo,
characterized as empirical field for research and information gathering. On-site
observations were conducted, interviews, questionnaires and drawings, with students
in the first and fifth grade of elementary school. Interviews were conducted with
teachers of these school years also completed questionnaires. The main concepts
used were the space, place and territory based on several authors mainly Viñao
Frago and Bourdieu. The data allowed us to understand the influence of different
places / areas of the school building on these students and their preferred spaces
were routinely perceived teachers, unremembered spaces, usage rules of these
environments in relation to the position of the subjects in their own school social
space. From the data collected hypothesis was confirmed, as the analysis showed
different manifestations of teachers and students on school spaces.
Keywords: basic education, school space, place, territory, subjectivity,
representation.
Lista de Tabelas
Tabela 1. Contém os resultados agregados de todas as questões sobre os espaços que mais gostam
............................................................................................................................................................. 103
Tabela 2. Contém as manifestações de professores e alunos sobre a importância dos espaços ....... 105
Tabela 3. Dados agregados das respostas sobre destinação dos espaços da escola .......................... 133
Lista de Figuras
Figura 1 – Visão da Fachada .................................................................................................................. 44
Figura 2 – Detalhes no portão de entrada ............................................................................................ 46
Figura 3 – Visão geral do pátio da escola. ............................................................................................. 46
Figura 4 – Entrada das salas da direção, coordenação e secretaria. .................................................... 47
Figura 5 – Estante de livros no hall das salas da coordenação, direção e secretaria............................ 47
Figura 6 – Janela para atendimento ao público na secretaria .............................................................. 48
Figura 7 – Solário da sala dos professores ............................................................................................ 48
Figura 8 – Visão da sala dos professores ............................................................................................... 49
Figura 9 – Visão da sala de reuniões ..................................................................................................... 49
Figura 10 – Detalhe ao fundo da sala de reuniões: mimeógrafo .......................................................... 50
Figuras 11, 12 e 13 – Lavanderia. .......................................................................................................... 50
Figura 14 – Visão da área externa a partir do barranco ........................................................................ 51
Figura 15 – Horta no alto do barranco da área externa ........................................................................ 51
Figuras 16 e 17 – Escadas e elevador .................................................................................................... 52
Figuras 18 e 19 – Corredores do primeiro e segundo pavimentos, respectivamente. ......................... 53
Figuras 20 e 21 – Salas ambientes de inglês e história. ........................................................................ 54
Figuras 22 e 23 – Sala ambiente de artes .............................................................................................. 54
Figura 24 – Cortina da sala do primeiro ano ......................................................................................... 55
Figura 25 – Mobiliário da sala do primeiro ano .................................................................................... 55
Figura 26 – Estande da sala do primeiro ano ........................................................................................ 55
Figura 27– Brinquedoteca ..................................................................................................................... 56
Figura 28– Brinquedoteca. .................................................................................................................... 56
Figuras 29 e 30 – Detalhes da brinquedoteca ....................................................................................... 56
Figura 31 - Quadra ................................................................................................................................. 57
Figura 32 – Visão da lateral da quadra .................................................................................................. 70
Figuras 33 e 34 – Desenho da quadra representando crianças jogando futebol. ................................ 74
Figura 35 – Desenho feito pela criança C8 – da esquerda para a direita: quadra, elevador, corredor
das salas de aula. Abaixo: portão de entrada. ...................................................................................... 75
Figura 36 – Desenho da quadra representando uma aula de Ed. Física ............................................... 76
Figura 37 – Desenho da quadra: crianças jogando basquete ............................................................... 82
Figura 38 – Vista do parque .................................................................................................................. 84
Figura 39 – Desenho do parque ............................................................................................................ 85
Figura 40 – Brinquedos do parque ........................................................................................................ 86
Figuras 41 e 42 – Desenhos do parque ................................................................................................. 89
Figura 43 – Detalhe da brinquedoteca .................................................................................................. 90
Figura 44 – Vista do fundo do pátio ...................................................................................................... 93
Figura 45 – Parte interna do elevador .................................................................................................. 94
Figura 46 – Vegetais da horta ............................................................................................................... 97
Figura 47 – Desenho em que aparece a horta ...................................................................................... 99
Figura 48 – Sala de aula ....................................................................................................................... 110
Figura 49 – Desenho da sala de aula ................................................................................................... 111
Figura 50 – Desenho das carteiras da sala de aula ............................................................................. 113
Figura 51 – Desenho da sala de aula em uma aula de português ....................................................... 114
Figura 52 – Desenho da sala com os materiais dos alunos sobre as carteiras.................................... 116
Figura 53 – Detalhe da sala de História. Figura 54 – Porta da Sala de Ciências. ................................ 118
Figura 55 – Visão da escola do outro lado da Rodovia. ...................................................................... 137
Figura 56 – Desenho da fachada da escola ......................................................................................... 138
Figura 57 – Desenho da fachada e parque da escola .......................................................................... 140
Figura 58 – Desenho da fachada da escola com flores ....................................................................... 140
Figura 59 – Desenho da fachada com chaminé e corações ................................................................ 141
Figura 60 – Desenho da fachada com detalhes e descrições .............................................................. 141
Figura 61 – Desenho colorido da fachada da escola ........................................................................... 142
Figura 62 – Desenho do portão de entrada ........................................................................................ 142
Figura 63 – Desenho da escola com o parque dentro do prédio ........................................................ 143
Figura 64 – Desenho que tenta representar a escola inteira .............................................................. 143
Sumário
Introdução ............................................................................................................................................ 14
1. Perspectiva histórico-social do espaço escolar......................................................................... 19
2. O campo empírico: a escola, os sujeitos e o bairro. ............................................................... 38
2.1 A definição do campo empírico. ............................................................................................ 38
2.2 Procedimentos de pesquisa ................................................................................................... 39
2.2.1 As questões ....................................................................................................................... 41
2.2.2. Objetivos ........................................................................................................................... 41
2.2.3. Hipótese ............................................................................................................................ 41
2.2.4 Detalhamento dos procedimentos utilizados na pesquisa. ........................................ 42
2.3 Caracterização da escola ....................................................................................................... 44
2.4 Sujeitos da pesquisa ............................................................................................................... 58
2.4.1 Os alunos ........................................................................................................................... 58
2.4.2 As professoras .................................................................................................................. 61
2.5 Caracterização do bairro ........................................................................................................ 62
3. Manifestações de estudantes e professores sobre preferências no espaço escolar. ....... 66
3.1 Abordagem dos elementos constitutivos das preferências dos estudantes com relação
ao espaço escolar. ......................................................................................................................... 66
3.2 Desenhos sobre a escola: as representações dos estudantes. ....................................... 67
3.3 A quadra como ambiente de predileção dos estudantes: território construído
coletivamente. ................................................................................................................................. 70
3.4 O parque, a brinquedoteca e o pátio: oposições entre os espaços destinados a brincar.
........................................................................................................................................................... 83
3.5 Elevador e horta: ambiguidade entre distinção e distanciamento nos ambientes da
escola. .............................................................................................................................................. 94
4. Usos considerados corretos e cuidados com os ambientes. ................................................ 109
4.1 As salas de aula: exigências de controle no espaço ....................................................... 109
4.2 As salas ambientes e o conceito de aprendizagem na escola. ...................................... 118
4.3 A sala da direção: lugar da punição? ................................................................................. 125
4.4 O cuidado com os ambientes da escola. ........................................................................... 129
4.5 Os dados da escala de preferências: finalidades dos espaços na escola ................... 133
5. Estética e socialização nos ambientes escolares ................................................................... 137
5.1 A fachada da escola e sua importância na percepção do espaço pelas crianças. ..... 137
5.2 Espaços de socialização: a dicotomia entre aproximação e distanciamento entre as
crianças .......................................................................................................................................... 144
Considerações Finais ...................................................................................................................... 146
Referências ....................................................................................................................................... 152
Anexos ............................................................................................................................................... 155
14
Introdução
Ao longo da trajetória como profissional do ensino, muitos elementos do
universo escolar são cotidianamente observados, vistos, evidenciados tornando-se
muitas vezes intrigantes. “Olhar para a educação” revela uma enormidade de
aspectos sobre os processos de ensino e aprendizagem, as relações entre os
sujeitos, etc... Entre esses aspectos, um espaço dentro da escola obteve destaque
convertendo-se em objeto de estudo que resultou na Dissertação de Mestrado. Após
o período de realização da pesquisa, concluída em 2009 com o título “O lugar da
Sala de Leitura na Rede Municipal de Ensino de São Paulo” algumas considerações
emergiram e em decorrência delas muitas indagações. Dentre as considerações
importantes, a ênfase para a dimensão espacial dentro da dimensão educativa. Os
estudos da dissertação revelaram que as Salas de Leitura, ambiente comum nas
escolas municipais, constituem espaços que vão além das paredes e livros e
expressão marcas culturais dos sujeitos que o habitam.
As constatações decorrentes do estudo mencionado ampliaram ainda mais o
interesse em “olhar para a educação” tendo como base o aspecto físico. As leituras
realizadas sinalizavam a importância do espaço escolar evidenciando que a temática
poderia ser ainda mais explorada.
Diante de tais informações iniciais uma pergunta foi tomando forma: que
aspectos, portanto, podem pressupor “olhar para a educação” ou “olhar para
escola”? Certamente a um pesquisador atento ou mesmo a qualquer pessoa que
tenha passado pelos bancos escolares, a resposta a essa questão encontra eco em
uma enormidade de dimensões ou focos que podem (e são) considerados
relevantes dentro do contexto do ensino ou educação escolar. Materiais, métodos,
filosofia, pressupostos teóricos, sujeitos envolvidos, políticas públicas, influências
são alguns dos exemplos de resposta ao questionamento acima. Entretanto, todas
essas possibilidades convergem, para muitos autores, em algum momento, a
direção que constitui a sua materialidade com seu significado, dimensão que lhes
atribui corpo e forma: a dimensão espacial. Pode-se, portanto, ousar afirmar que
todo e qualquer ensino, de qualquer natureza ocorre em algum espaço, seja ele
destinado, ou não, propriamente para este fim. Essa materialidade está também
presente em muitas pesquisas empíricas sem que haja análise dela mesma.
15
Em outros termos, “olhar para a escola” muitas vezes, começa pelo olhar para
o espaço que dá forma a essa escola tornando-a uma realidade. Ao abrirem-se os
portões, transpondo-se os cercados e muros é que se tem acesso ao universo de
relações que se estabelecem no contexto escolar. Assim, pode-se inferir que os
prédios escolares, a distribuição, organização e utilização espacial, bem como todas
as características adjacentes ao aspecto físico, certamente têm grande relevância
entre os temas educacionais de estudo e pesquisa.
A partir de então, algumas novas leituras foram agregando novas
informações. Foi um roteiro necessário para focalizar especificamente a escola no
que tange à sua existência material.
Alguns autores da área da História permitiram compreensão da inserção
dessa instituição na sociedade. Faria Filho (2000) e Faria Filho e Vidal (2000)
contribuíram com estudos sobre a história das escolas na realidade brasileira tanto
no início do período republicano com os suntuosos prédios para abrigar os grupos
escolares recém-criados para agregar as salas esparsas, quanto no período de 1930
com os novos padrões arquitetônicos mais simples e funcionais. Também Dorea
(2003) abrange esse período ao apontar a influência de Anísio Teixeira e Wolff
(2010) descrevendo e analisando a interferência da arquitetura europeia na
construção de escolas no período inicial da república. Grande parte desses estudos
dedica-se a análises do foco na arquitetura escolar.
Em outra vertente encontramos estudos que se voltam para o interior das
escolas focalizando aspectos históricos, ainda, na perspectiva da cultura, mas
articulado com questões sociais: materiais e espaços passam a ser objeto de
estudo, como as pesquisas de Antunes e Gairín (2002), Viñao Frago (1995,
1996,1998) e Escolano: “o espaço escolar tem que ser analisado como um
constructo cultural que expressa e reflete, para além da sua materialidade
determinados discursos” (Escolano, 2001, p. 26. Esses estudos permitiram
compreender características das edificações assim como as relações com as
sociedades das épocas abrangidas pelos textos até o momento recente.
A perspectiva social com leituras envolvendo espaços e lugares foi
fundamental na perspectiva de Pierre Bourdieu ( 1998, 2003, 2004, 2007, 2008,
2009 e 2011) ao fornecer base para a compreensão dos significados simbólicos
16
relativos aos diferentes espaços tanto para professores quanto para alunos. Essa
leitura permitiu perceber e subsidiar o encaminhamento do restante da pesquisa.
Há muito para evidenciar! A questão do espaço escolar é observada pelos que
defendem o ensino, mais frequentemente nos aspectos ligados à infância ou tendo o
espaço como perspectiva tangencial. No que se refere ao campo da pesquisa existe
muito para explorar acerca do espaço escolar. A temática voltada à construção e
organização dos equipamentos educacionais esteve por muito tempo à margem dos
temas de predileção dos pesquisadores. Contudo, o espaço escolar permanece
presente na educação atuando como base para todas as demais questões intra-
escolares. Recentemente pôde-se notar um considerável aumento no interesse dos
estudiosos por esse tema. Mas, para compreender como o espaço escolar se
constituiu como área de estudos foi necessário um mergulho pela história que
remete ao final do século XIX e início do século XX, período de grande relevância
para a consolidação da arquitetura escolar, considerando que a arquitetura tem sido
o foco mais presente quando se trata de estudos sobre o espaço escolar.
A conceituação histórica é acompanhada pela busca de conceituação social
explicitando os instrumentos de conhecimento e de construção do mundo objetivo
que compõem estruturas estruturantes no conjunto dos instrumentos simbólicos. Há
uma significação que leva em conta a objetividade como concordância dos sujeitos,
o que parece ser o caso do uso dos espaços escolares em todas as suas
dimensões, acrescido dos dados de cultura escolar conceituada como as práticas
sedimentadas existentes e coletivas, aceitas tacitamente pelos sujeitos.
Dessas constatações foi possível aceitar que e explicitar a grande questão
que delimita essa pesquisa: quais as relações de simbolização entre
sujeitos/lugares/territórios dentro desse prédio escolar? Qual a representação dos
sujeitos sobre o espaço? Como se configuram esses elementos?
A hipótese que pareceu ser plausível para essa indagação, então, advém da
noção de que existem diferentes visões dos sujeitos a respeito da escola e dos
espaços dentro dela. Essas divergências dependem tanto do lugar que o indivíduo
ou grupo – turma de alunos ou professores, por exemplo – ocupa, quanto do
ambiente a que se refere: quadra, sala de aula, pátio, corredor.
17
O objetivo geral do estudo voltou-se à detecção das manifestações de
representações que professores e alunos possuem sobre os diferentes
lugares/territórios do espaço escolar com objetivos específicos, auxiliares às
análises dessas manifestações.
Este estudo, portanto, utilizou diferentes fontes de informação necessárias à
captação das manifestações dos sujeitos que ali vivem muitas horas diárias.
Documentos escolares foram auxiliares na compreensão da organização
institucional. Registros gráficos de sessenta e três alunos, entrevistas com duas
professoras e onze alunos, quatro professoras e seis alunos que também
responderam a questionários com escalas de preferências, além da observação do
edifício e do bairro foram fundamentais. A observação do edifício ocorreu durante
cerca de um mês, já a observação do bairro se deu durante duas semanas de visitas
regulares. Os dados obtidos com a análise organizada a partir das informações
foram alocados em eixos de acordo com referencial já apresentado nessa
introdução: preferências dos sujeitos no espaço escolar, usos considerados corretos
e regras nos ambientes, estética e socialização (estes considerados a partir das
informações). Foi escolhida uma escola da municipal da Zona Oeste da cidade de
São Paulo caracterizada como campo empírico para a coleta das informações. A
escola selecionada é uma construção arquitetônica recente (inaugurada no ano de
2010) decorrente de uma planta-tipo utilizada pela Rede Municipal em várias
construções escolares nos últimos anos. É considerada por moradores e
educadores na região como “uma escola bonita”, um dos fatores que acentua o
interesse deste estudo na subjetividade das marcas impressas pelo espaço escolar
nos sujeitos.
Como decorrência de todo esse procedimento a tese se organiza em cinco
capítulos apresentando o aporte teórico, o detalhamento do campo empírico e as
análises.
No primeiro capítulo está a fundamentação teórica decorrente do
levantamento bibliográfico que incidiu sobre aspectos históricos acompanhada dos
conceitos centrais norteadores da pesquisa.
No segundo capítulo estão relatados os passos da realização da investigação
empírica dos procedimentos realizados, e a caracterização da escola, dos sujeitos e
do entorno.
18
Já no terceiro capítulo iniciam-se as análises organizadas em torno dos eixos.
Nesse capítulo apresentam-se os dados relacionados ao eixo “preferências dos
sujeitos no espaço escolar” que são discutidos a partir dos autores da base
conceitual.
O quarto capítulo expõe o eixo relacionado aos “usos considerados corretos e
regras dos ambientes”, também analisado a partir da teoria.
No ultimo capítulo estão explicitados os eixos “estética” e “socialização”
fazendo-se uso da mesma base de análise como um acréscimo a partir dos dados
obtidos.
Por fim, o texto encerra-se com as considerações finais acerca deste estudo
retomando a confirmação da hipótese elaborada sobre as representações diversas
que os sujeitos têm dos espaços da escola.
19
1. Perspectiva histórico-social do espaço escolar
Este capítulo relata o material coletado a partir de um estudo com alguma
base histórica sobre o espaço escolar, suas criações arquitetônicas e significados ao
longo do tempo, sobretudo no Brasil com o advento da República. Traz também
contribuições de um levantamento bibliográfico de pesquisas e artigos nacionais
recentes, ao início dos anos 2000 e autores com conceitos acerca dos aspectos
sociais de simbolismo relativos aos espaços escolares habitados por professores e
alunos.
Há mais de um século, no Brasil, de modo crescente, o destino de crianças e
jovens tem sido frequentar os bancos escolares. Divulgou-se, ao longo desse
período, e acredita-se que essas instituições sejam os espaços adequados para
ensiná-los, abrigá-los, prepará-los para a vida adulta... Vincent, Lahire e Thin (2001)
nos trazem as informações de que desde o século XVI a escola surge na França
com configurações presentes até hoje, onde o espaço ganha relevo para que se
instaure a relação pedagógica; um lugar específico cuidadosamente concebido, um
espaço fechado e ordenado para a função educativa (p. 13). Salas de aula, pátios e
carteiras são os lugares mais comuns e mais conhecidos por todos os que por ali
circulam, e por todas as gerações que um dia também passaram pela escola. De
fato, uma escola é um lugar comum! Facilmente reconhecível em uma fotografia
antiga, rapidamente identificável por um estrangeiro! Qualquer um em qualquer
situação é capaz de perceber características de seus ambientes: contornos retos,
muros altos ou grades, corredores de salas de aula ornamentadas com uma lousa e
muitas carteiras, normalmente há um pátio destinado aos momentos de recreio e
descanso... Salvo uma ou outra adaptação, geralmente com esses poucos
elementos já se construiu uma escola! Um tipo de espaço que permanece
majoritário ao longo de muitos anos.
Mas, que relevância pode existir em paredes de concreto, carteiras de
madeira, muros, grades ou outros elementos físicos? A resposta a essa questão
esbarra em uma enormidade de outras dimensões consideradas relevantes dentro
do contexto do ensino ou educação escolar. Materiais, métodos, filosofia,
pressupostos teóricos, sujeitos envolvidos, políticas públicas, influências... São
alguns dos exemplos.
20
Entretanto, todas essas dimensões, somadas às outras tantas, convergem,
em algum momento, para uma direção que constitui a sua materialidade: a
dimensão espacial.
Desse modo, pode-se inferir que os prédios escolares, a distribuição,
organização e utilização espacial, bem como todas as características adjacentes ao
aspecto físico, têm grande relevância entre os temas educacionais de estudo e
pesquisa.
Recentemente, pôde-se notar um aumento no interesse dos estudiosos pelo
tema, no entanto, currículos, processos de ensino, relações interpessoais e
subjetivas, poder, sucesso e fracasso escolar ainda são questões que aparecem
com muito mais frequência nas pesquisas e trabalhos desenvolvidos sobre a escola.
Para compreender como o espaço escolar se constitui como área de estudos
faz-se necessário um mergulho por suas esferas histórica e social. Essa primeira
parte do capítulo decorre de um estudo de base bibliográfica. Encontra-se, no Brasil,
ao final do século XIX e início do século XX, grande relevância para a consolidação
da arquitetura escolar, tornando-a o foco mais presente quando se trata de espaço
escolar.
Anne-Marie Châtelet (2006), no artigo “Ensaio de Historiografia I: a arquitetura
das escolas no século XX” aponta que a história da arquitetura da escola primária,
após longo período de marginalidade, inicia seu desenvolvimento a partir da década
de cinquenta do século XX, logo após um período de grande relevância na
ampliação da construção de escolas com as exigências por democratização do
ensino. Basicamente essa história da arquitetura escolar era descrita por
historiadores da educação, da arte e da arquitetura. Os historiadores ligados à
educação, em suas pesquisas, tinham as teorias pedagógicas como foco, enquanto
os arquitetos e historiadores da arte se interessavam pela estética das construções.
Ao longo do texto a autora expressa o surgimento de estudos sobre a arquitetura
das escolas em diversos países, sobretudo na Europa, enfatizando a temática
escolhida em cada um deles, de acordo com a formação de origem dos autores. O
estudo conclui que a história da arquitetura das escolas primárias foi basicamente
constituída de interferências da história da pedagogia e da história da arte, e
posteriormente da história da arquitetura. Nos anos de 1980 um aumento
considerável nesses estudos estimulou o discurso da constituição de uma área da
21
história da arquitetura escolar. Arquitetos, historiadores da arte e pedagogos
passaram a aproximar suas discussões e surgiram as primeiras pesquisas
empreendidas por mulheres nessa área, até então dominada por homens, ainda
segundo observações de Châtelet. Outros avanços passaram a ser evidenciados,
muitos escritos ampliaram suas análises para além do edifício, abarcando também o
local onde as escolas estavam inseridas, mergulhando-se na história cultural e
social. Debates arquiteturais passaram a incidir sobre a concepção de construção
adotada nas escolas. Em alguns países observa-se até a influência de certas
correntes estilísticas que conferiam certos elementos decorativos e programas
iconográficos.
O debate sobre o tema tornou-se ainda mais intenso com o questionamento:
a arquitetura escolar deveria compor matéria da história da arquitetura ou da história
da educação? O fato é que a temática passou a despertar interesse em arquitetos e
pedagogos conferindo maior diversidade às discussões.
Todo o levantamento bibliográfico apresentado por Anne-Marie Châtelet
descreve essencialmente países europeus, como Alemanha, França, Suíça e
Inglaterra, acrescentando-se os Estados Unidos. Mas, como a história dos espaços
escolares se desenvolve no Brasil? Que influências o aumento dos estudos nesses
países, a partir dos anos cinquenta do século XX, exerce sobre a realidade
brasileira? Os historiadores brasileiros, da educação e da arquitetura, apresentaram
o mesmo aumento de interesse pelo tema?
No contexto nacional, as pesquisas acerca da história da arquitetura escolar
estão basicamente voltadas para o início do período republicano, ou seja, primeiras
décadas do século XX – 1ª República. Tal fato explica-se, pois o advento do regime
republicano proporcionou um aumento considerável na construção de escolas no
Brasil, sobretudo nas grandes capitais, começando por São Paulo e espalhando-se
por todo o país (FARIA FILHO, 2000). Antes da Proclamação da República a
educação era empreendida por escolas isoladas e mestres-escola, em condições
físicas geralmente precárias. Com a nova forma de governo surgiram novas formas
de compreensão da sociedade, baseadas no capitalismo e na modernidade, e as
escolas isoladas não eram mais capazes de refletir a nova mentalidade. Muitos
inspetores de instrução pública desse período passaram a sinalizar para a
necessidade de construção de grupos escolares capazes de formar o cidadão que a
22
República necessitava. Grande parte da inspiração para a construção dos grupos
escolares vinha dos países desenvolvidos economicamente, como os países
europeus e os Estados Unidos descritos na pesquisa de Châtelet.
Se as escolas isoladas não traduziam mais o espírito da nação e não
condiziam com os modelos estrangeiros era preciso empreender uma nova forma de
organização escolar que abarcasse as novas exigências. O “grupo escolar”,
baseado nos moldes de escola graduada, passou a cumprir essa função.
Segundo Faria Filho (2000), em seu estudo detalhado sobre a cultura das
construções escolares em Belo Horizonte no início do período republicano,
considera que o grupo escolar passou a designar a educação do mundo capitalista
fabril, inspirando progresso e supressão do atraso através da aproximação com a
divisão do trabalho fabril, uniformizado e metódico. Essa nova modalidade de escola
surgiu no Brasil na década de 1890, em São Paulo, e representou uma das mais
relevantes transformações na educação. Bencostta (2005) sinaliza que o grupo
escolar, além de representar a expressão da nova nação que se desejava ter, era
também um benefício financeiro aos cofres públicos ao reunir várias escolas
isoladas em um único prédio e, em contrapartida, facilitava também a fiscalização do
trabalho dos docentes. A educação passou a ser estruturada com várias classes e
vários professores abrigados em um único prédio.
Mas, certamente não era qualquer prédio. A criação dos grupos escolares
proporcionou o surgimento de uma nova concepção arquitetônica. Souza (1998)
aponta que surge pela primeira vez a concepção da escola como lugar (p. 17), ou
seja, o edifício escolar tornou-se imprescindível ao plano de educação.
Em função desses elementos, os pesquisadores brasileiros têm demonstrado
interesse em abordar a história da arquitetura escolar brasileira, a partir do
surgimento dos grupos escolares, que objetivamente representam os primeiros
sinais de organização escolar sistemática no Brasil.
A fusão de diversas escolas, anteriormente isoladas, em um único instituto,
subordinado a uma única direção (elemento novo na configuração escolar) constituía
uma aproximação clara com os valores da divisão racional do trabalho garantindo
como já mencionado, melhor controle de professores e alunos. Faria Filho (2000)
analisa que a arquitetura escolar desse período manifestava os interesses dos
23
agentes de educação em representar o caráter monumental da República que se
erguia. Assim, as escolas públicas da capital mineira, paulista e de quase todas as
capitais eram prédios evidentes em que a ação do governo era facilmente percebida.
A linguagem arquitetônica era utilizada para materializar as aspirações culturais e
políticas do regime vigente.
O mesmo autor ainda acrescenta que a educação passou a ocupar lugar de
centralidade no interior das cidades: projetada politicamente na nova ordem social
para impor à população, sobretudo aos mais pobres, a modernidade republicana. A
escola era um veículo claro de propaganda do governo: edifícios luxuosos em
regiões centrais da cidade. A arquitetura escolar se baseava nos conceitos de
acomodação confortável e elegância estética que deveriam determinar a nova
maneira de habitar a cidade moderna. Entretanto, o autor destaca que todo esse
requinte, paradoxalmente, ressaltava ainda mais as desigualdades das regiões
distantes das localidades centrais.
Apesar desse aspecto, o grupo escolar produziu um efeito significativo na
história da arquitetura escolar brasileira por auxiliar a criação de uma nova cultura
escolar. Faria Filho (2000, ao citar Vincent, Lahire e Thin, 2001) acrescenta que a
concretização mais visível da constituição da forma escolar foi possível com a
criação do grupo escolar, pois, antes do grupo escolar emergir no cenário social, as
escolas isoladas não permitiam elucidar completamente as características para
compor essa forma. A construção dos grupos escolares permitiu a pedagogia do
olhar através do seu caráter espetacular, aproximando espaço e pedagogia.
Nesse sentido, Faria Filho (2000) recorre aos conceitos de Viñao Frago
(1995) para explicitar que o espaço é uma forma silenciosa de ensino e não apenas
um aspecto tangencial. O espaço se configura num discurso que transmite um
código de condutas e valores, quaisquer mudanças em sua configuração alteram
também a natureza cultural e educativa. Portanto, a migração das classes isoladas
conduzidas pelos mestres-escola para os prédios específicos dos grupos escolares,
que ocorreu no início da República, representou arquitetonicamente o surgimento de
uma nova intencionalidade educativa. Acrescente-se que, com essa nova forma ao
se alterarem aspectos fundamentais de impregnação de outras características ao
novo alunado encontramos o que, posteriormente veio a ser conceituado como
currículo oculto desenvolvido por Jackson (1996).
24
Faria Filho apresenta também alguns detalhamentos da construção dos
prédios escolares desse contexto e suas intencionalidades diretas: o muro tinha a
clara função de separar a rua do interior da escola, demonstrando que o lado
externo poderia ser maléfico às crianças. Já o pátio atuava como espaço de
transição entre a rua e o interior da escola, um lugar de passagem de uma ordem
social para outra. A fila representava a necessidade de controlar o corpo para
atender as normas disciplinares rígidas inspiradas no universo fabril. Além desses
espaços, os grupos escolares descritos no texto de Faria Filho (2000) eram dotados
de outros ambientes específicos do universo do ensino, como bibliotecas, museus,
jardins e salas de aula.
Para realizar essas análises do contexto da arquitetura educacional mineira,
Faria Filho utiliza como um de seus referenciais, além do texto mencionado de Viñao
Frago, um texto de Michel de Certeau em que o teórico conceitua espaço como um
lugar praticado, construído por um sistema de signos.
Assim, a nova forma escolar produzida pelos prédios dos grupos escolares se
materializava a partir da especificidade de um lugar legítimo para a educação
escolar; dotado de maior definição, controle e homogeneização das relações dos
sujeitos. Como em muitos países da Europa e América do Norte, observa-se,
também no Brasil, as primeiras décadas do século XX como momento histórico
privilegiado da instituição e organização dos sistemas escolares e,
consequentemente, da construção de escolas.
Wolff (2010) descreve que o Brasil desejava modernizar-se se inspirando na
arquitetura europeia ao fazer uso de uma nova tipologia que incorporava soluções
espaciais calcadas em conhecimentos científicos a respeito da higiene e do conforto
ambiental (p. 41). O século XIX, ancorado no positivismo de Auguste Comte, atribuía
à arquitetura uma marca de espírito investigativo que se opunha ao dogma da
arquitetura clássica. Por conseguinte, a arquitetura escolar passa também a
representar a mentalidade positivista fazendo uso de extrema racionalidade ao
conferir diferenças espaciais para cada modalidade de ensino, numa atitude
classificatória. Wolff ressalta também que todo o pensamento arquitetônico escolar
da Europa passa a ser utilizado em São Paulo, e copiado no restante do país, no
início da República.
25
Para a construção dos edifícios escolares paulistas, muito se utilizou dos
conhecimentos de arquitetos europeus. Ramos de Azevedo, arquiteto que estudou
na Bélgica, foi pioneiro nessas construções. A tendência de grande parte desses
profissionais, da época inicial aqui abordada, era utilizar a higiene como item básico
para a planta de um prédio escolar. Questão também ligada à racionalidade
positivista, pois a sociedade estava classificando e categorizando doenças e
descobrindo os males dos aglomerados urbanos, do excesso de umidade e dos
microrganismos (WOLFF, 2010). A recomendação de todos os arquitetos passa a
ser a de construir prédios arejados, iluminados e salubres. A autora descreve que os
prédios escolares passam a ter salas de aula organizadas em torno de um eixo de
circulação, acrescidas dos espaços administrativos da escola e das áreas
descobertas que abrigavam o pátio para recreio e exercícios físicos. Quanto mais
avançado fosse o nível de ensino ministrado no prédio, maior seria a quantidade de
salas especializadas, como bibliotecas, salas de música, de trabalhos manuais,
entre outras. Em 1904, na França, foi publicado um guia prático para a construção
de escolas inspirado na arquitetura racional, enquanto que no Brasil, segundo a
mesma autora, além das características já descritas, existia também grande
preocupação do embelezamento da fachada. A maioria dos grupos escolares era
construída segundo plantas tipo, mas com modificações essenciais nas fachadas.
Contudo, de modo geral, todo o conhecimento científico utilizado para
construir escolas no Brasil do século XX era oriundo dos estudos de outros países,
os quais eram incorporados pelos arquitetos brasileiros.
Wolff (2010) delimita, em seu texto, todos os períodos relevantes da história
da arquitetura escolar no Brasil. No período colonial o ensino era basicamente
catequético e ministrado pelos membros da Companhia de Jesus. Durante o
império, a educação foi marcada por desacertos e muitas falhas de estruturação,
período em que se disseminaram as classes isoladas. A partir de 1870 retomou-se o
processo de modernização do país interrompido pela Guerra do Paraguai, e o
imperador determinou a construção de oito prédios escolares específicos no Rio de
Janeiro. No ano de 1874, com a obrigatoriedade do ensino primário, foi construída
uma escola pública em São Paulo. Dois anos mais tarde uma lei determinou que
fossem construídos prédios escolares apropriados para o ensino e surgem escolas
na região da Rua Vinte e Cinco de Março e da Rua da Consolação, em São Paulo.
26
Ressalta-se, ainda, que o grupo escolar teve tanta importância no cenário
educacional brasileiro que sua constituição representou muito mais do que a
construção de belos prédios: representou também a adoção dos mais modernos
métodos de ensino da época com uma novíssima mentalidade pedagógica de
classificação dos alunos, estabelecimento de planos de estudo, jornada escolar,
uniformidade e padronização do ensino. Era considerada a vitória das luzes sobre as
trevas, capaz de regenerar a nação para o projeto liberal republicano (SOUZA,
1998).
Diante de tantas inovações, os anos que se seguiram, no século XX, foram
bastante intensos para o contexto educacional com a construção dos monumentais
e suntuosos grupos escolares. Todavia, em poucos anos percebeu-se o caráter
elitista que essas escolas assumiam, tornando-se luxuosas e caras, inviabilizando a
construção em larga escala, achando-se concentradas nos grandes centros
urbanos, quase sempre inacessíveis às camadas populares. Já nos anos de 1930,
com novas influências pedagógicas oriundas do escolanovismo, o luxo dos primeiros
anos da República deu lugar à luta pela democratização do ensino, fator que
conferiu, à arquitetura escolar, nova constituição baseada na simplicidade e na
economia.
Um artigo, escrito por Luciano Faria Filho e Diana Gonçalves Vidal (2000),
descreve a condição temporal e espacial das escolas no período de
institucionalização do ensino primário no Brasil. O artigo delimita que, a partir da
década de 30 do século XX, Anísio Teixeira, no Rio de Janeiro, e Almeida Junior, em
São Paulo, empreenderam novas políticas de construção escolar baseadas em
prédios mais econômicos e simples. A arquitetura escolar passou a ser funcionalista;
o grande desafio desse momento passou a ser a construção de escolas baratas que
utilizassem recursos da própria região e atendessem as demandas. Nessa
perspectiva, as plantas tipo são ainda mais utilizadas e até mesmo as fachadas, que
eram ponto de diferenciação, passaram a seguir os mesmos padrões. Com todas
essas alterações nas edificações, a escola modificou também o seu lugar na cena
social perdendo seu destaque de glamour e centralidade (FARIA FILHO e VIDAL,
2000).
Nesse período, portanto, as construções escolares apresentaram forte
influência de educadores como Anísio Teixeira, sobretudo nos estados do Rio de
27
Janeiro e na Bahia onde atuou diretamente num período que vai de 1931 a 1951.
Segundo a pesquisa de Dorea (2003), Anísio Teixeira acreditava que a escola
deveria ensinar a viver melhor, fator que passava também pelas condições físicas
dos prédios escolares. Sob essa perspectiva, Anísio Teixeira empreendeu a
classificação dos prédios escolares cariocas e baianos projetando cálculos para a
construção de novos edifícios, tanto de escolas nucleares quanto escolas parque.
Segundo a tese defendida nesse estudo, as escolas nucleares compreendiam os
espaços das salas de aula (estudo). Já na escola parque, que o estudante deveria
frequentar no turno posterior às aulas na escola nuclear, seria desenvolvida sua
educação social, musical, física, sanitária, além de assistência alimentar e da leitura
(DOREA, 2003).
Outras pesquisas também relatam as alterações significativas na arquitetura
escolar brasileira após os anos de 1930. A dissertação de mestrado de Oliveira
(2007) aponta para a feição moderna que passou a caracterizar a arquitetura escolar
paulista nos anos 30 do século XX. Segundo o texto, a arquitetura escolar assume
feições modernas marcadas por linhas simplificadas, formas e volumes geométricos,
ornamentos despojados e intensa verticalização, sem mencionar o uso racional de
estruturas de concreto armado que conferiam funcionalidade aos prédios. Esse
caráter, segundo a dissertação mencionada, refletia o espírito de modernidade que
tomava conta da cidade de São Paulo que, à época, buscava espelhar-se no padrão
dos arranha-céus, um modelo de urbanização norte-americano. São Paulo buscava
criar uma imagem de metrópole, tal e qual as grandes cidades dos Estados Unidos.
As décadas seguintes continuaram refletindo as mesmas características e
tendências nas construções escolares, especialmente na capital paulista, como
apontam as pesquisas relatadas: funcionalidade e simplicidade na construção de
escolas. Notadamente essa tendência reflete questões sociais e políticas do
período. Os grupos escolares não eram suficientes para atender a crescente
demanda educacional. Após a assinatura do Manifesto dos Pioneiros da Educação
Nova1 era crescente o clamor pela construção de mais escolas, portanto era
absolutamente necessário criar mecanismos para possibilitar um aumento maciço na
criação dessas escolas. Esse mecanismo foi à adoção de plantas simples e bem
mais baratas que os monumentais grupos escolares (OLIVEIRA, 2007).
1 Manifesto assinado por diversos intelectuais de grande relevância no país no ano de 1932. O documento
evocava a reconstrução do país através da educação pública, laica, de qualidade, obrigatória e gratuita.
28
Diniz (2009) explorou o período de 1949 a 1954 em que, um convênio
escolar, de responsabilidade de Hélio Costa, atrelava o estado e o município de São
Paulo buscando suprir a demanda na escassez de escolas. O artigo retrata que o
crescimento populacional dos anos 1940 impunha a necessidade de construir mais
escolas. Para o autor, inspirado também no ideário de Anísio Teixeira, a solução era
construir escolas pequenas para se construir mais escolas. Ele seguiu os princípios
escolanovistas, ou seja, os prédios primavam por: funcionalidade, racionalidade e
economia com o uso de materiais regionais. As inovações desse período
compreendiam, ainda, a extinção da separação entre meninos e meninas, a
utilização de horários flexíveis e a grande novidade material: uso de carteiras móveis
(até o momento o mobiliário das salas de aula era fixo) que possibilitavam o
rearranjo da organização espacial da classe de acordo com o trabalho pedagógico a
ser realizado pelo professor.
Todas essas mudanças estavam alicerçadas no princípio pedagógico da
criança como centro da atividade educacional, na ideia de desenvolvimento científico
e no pragmatismo. Nos anos de 1950\60 essa tendência arquitetônica continuou
acentuando-se consideravelmente. Definitivamente um novo cenário foi instaurado
na cena nacional e a escola passou a ocupar um novo lugar na sociedade, bem
diferente da centralidade obtida com o advento da República por meio do grupo
escolar. Faria Filho e Vidal (2000) apontam, nas considerações finais do artigo, que
o prédio escolar passou a assemelhar-se aos espaços de reclusão com uma
arquitetura adornada por grades e muros de contenção. Os edifícios padronizados
não têm mais destaque no contexto arquitetônico social. Os autores destacam que,
atualmente, é comum observar escolas depredadas, sujas ou carecendo de
manutenção física. O texto das autoras Diniz e Lima (2009) demonstra, por meio de
fotografias, que os edifícios escolares construídos na cidade de São Paulo, no
período do convênio escolar (1949-1954) encabeçado por Hélio Costa, continuam
todos existindo atualmente, entretanto, grande parte deles está deteriorado pela
ação do vandalismo.
Os dados apontados nas pesquisas demonstram que a arquitetura escolar sai
do lugar de centralidade e admiração do início do século, em que o edifício escolar
era um dos símbolos do regime republicano, para o lugar de desdém atual em que
os prédios escolares sofrem com fatores como depredação e ausência de reformas.
29
Essa condição passa necessariamente pela análise de fatores que vão além
da arquitetura escolar em seu percurso histórico e abarca um conceito maior, a
noção de espaço escolar. Grande parte das pesquisas desenvolvidas nas últimas
décadas, tanto no Brasil quanto em países europeus e nos Estados Unidos, referem-
se mais detalhadamente à arquitetura das escolas; contudo, a dimensão espacial da
educação contempla muitos aspectos que vão além do modelo arquitetônico.
Mobiliários, aspectos materiais, organização, distribuição e usos dos diversos
ambientes são alguns dos exemplos de situações que integram a questão espacial
da educação, sem mencionar a utilização que os sujeitos fazem dos ambientes, as
tensões e disputas que se estabelecem na relação entre sujeitos e
espaços\construções (ANTÚNEZ e GAIRÍN, 2002).
A pesquisa de Ribeiro (2004) sinaliza para a relevância do espaço escolar
para a prática pedagógica por ser visto como fonte de experiências e aprendizagens
por meio de sua materialidade. A autora argumenta que o espaço transcende a
geometria e assume condição social atuando como sistema de valores. Nesse texto
o espaço escolar é conceituado como constructo gestado por múltiplos interesses
que servem de base para a pedagogia. O artigo explora também a condição das
construções arquitetônicas escolares no Brasil no período que se inicia na década
de 1960. Nesse período, o crescimento demográfico considerável e a necessidade
da indústria em relação à mão-de-obra qualificada proporcionaram artimanhas
políticas que levaram à proliferação de salas de aula em contêineres e barracões de
madeira. Os prédios escolares tornaram-se precários e de má qualidade física. Para
a autora, as decisões tomadas em relação ao espaço acabam promovendo um
prejuízo à educação.
Toda essa conjuntura histórica, iniciada simultaneamente com a organização
do sistema primário de ensino no final do século XIX e começo do século XX
constitui a base que ancora os espaços escolares da atualidade. A problemática
atual, que envolve a precariedade dos prédios e o excesso de grades e reclusões,
certamente promove efeitos sobre os sujeitos que habitam esses espaços e sobre a
educação que é empreendida. Esse é um fator que pode justificar a execução de
uma pesquisa que fixe a atenção para dentro da escola na tentativa de compreender
de que modo seus agentes se apropriam dos espaços que se estabelecem dentro
da construção arquitetônica. Muitos textos como os mencionados, têm colaborado
para o entendimento da escola a partir da questão arquitetônica, delimitando sua
30
história e suas condições sociais. Mais recentemente, por volta dos anos 2000,
essa colaboração tem avançado com uma variedade de pesquisas e artigos
publicados tendo o espaço escolar como tema, como indica verificação datada de
Julho de 2016 nas plataformas da CAPES (Sucupira), Universidade de São Paulo,
Scielo e PUC-SP. Há um destaque para pesquisas preocupadas com o espaço
escolar na educação infantil ou o espaço da infância, como as pesquisas da autora
Rivania Kalil Duarte (2000, 2015) que se debruçam sobre a dimensão espacial da
educação infantil na Rede Municipal de Ensino de São Paulo. Outras pesquisas e
artigos também fazem referência à arquitetura dos Grupos Escolares em diversos
Estados e Cidades reforçando a importância dessas construções na História da
Educação Brasileira. Há ainda textos que utilizam o espaço escolar como alicerce
para o estudo: espaço escolar para a Educação de Jovens e Adultos, espaço para a
inclusão, violência no espaço escolar. São alguns exemplos de temas encontrados.
Nesses estudos a dimensão física tangencia o foco da discussão. Por fim, nas
pesquisas que abordam o espaço como foco central, uma participação de
pesquisadores da área da arquitetura e urbanismo é verificada, como o trabalho de
Claudia Loureiro (2000) uma tese de doutorado, em Arquitetura e Urbanismo,
defendida na Universidade de São Paulo com o título: Classe. Controle. Encontro: o
espaço escolar. A pesquisa desenvolvida em uma escola da rede pública do Recife
discute a relação do espaço arquitetônico e o comportamento dos sujeitos. As
tensões e complexidades nessas relações.
Quanto aos pesquisadores diretamente ligados à educação, também existem
trabalhos que abordam o aspecto físico da escola diretamente, não obstante aos
trabalhos que utilizam como campo empírico instituições de educação infantil e que
são mais recorrentes outros trabalhos têm relevância. A pesquisa “Tempo e espaço
no currículo escolar” (Brandão, 2009) é uma Dissertação de Mestrado em Educação
da Universidade do Vale do Rio dos Sinos. O estudo problematiza o papel do
tempo-espaço na formação dos sujeitos. As investigações foram realizadas em uma
escola de tempo integral do Rio Grande do Sul e discutem espaço e tempo como
constituidores de praticas curriculares. Outro estudo relevante intitulado “A simbólica
do espaço escolar: narrativas topoanalíticas” (ASSUNÇÃO, 2011), da Universidade
Federal de Pelotas, é uma tese de doutorado que investiga o simbolismo do espaço
escolar sob o aporte da fenomenologia e antropologia. Utiliza desenhos e escritas
para discutir os sentidos desse simbolismo entre professores, alunos, arquitetos e
31
designers. A base teórica são os autores Gaston Bachelard e Gilbert Duran. Conclui
que as representações do espaço escolar são processos culturais e simbólicos e
que o próprio espaço transcende os projetos pedagógicos e arquitetônicos.
Viñao Frago (1996) deflagra a relevância desse tipo de estudo do espaço
escolar ao afirmar que o espaço não é um meio objetivo dado de uma vez por todas,
mas sim uma realidade psicológica viva. Enquanto realidade psicológica viva infere-
se que a ação dos atores que habitam um espaço pode modificá-lo
consideravelmente. Isso pode significar que, mesmo escolas construídas a partir de
plantas tipo, completamente iguais arquitetonicamente, tenham grandes diferenças
nos usos e configurações dos seus ambientes de acordo com a atuação humana. O
autor conceitua o espaço delimitando, e ao mesmo tempo ampliando a conceituação
para as dimensões de lugar e território. O conceito de território é apontado como
uma noção mais objetivo\subjetiva de extensão variável podendo ser individual e
grupal. O conceito de lugar para o autor representa um salto qualitativo do espaço
que parte da projeção imaginativa para a construção real. Segundo ele todo espaço
está disponível a se converter em um lugar (1996, p. 63). Portanto, a atuação
humana dentro da arquitetura escolar (entendida como espaço projetado) pode
construir diferentes lugares, dependendo da situação cultural, social, econômica e
até mesmo emocional dos que habitam o espaço. Território e lugar são signos,
construções sociais (VIÑAO FRAGO, 1996, p. 64).
Na perspectiva apresentada por esse autor, o espaço implica total ausência
de neutralidade, porque sua projeção como lugar e território lhe conferem
posicionamentos, perspectivas. Em outros termos, as construções humanas são
sempre dotadas de intenções. O autor acrescenta que, nessas condições, o espaço
escolar sempre educa, mesmo quando não está intencionalmente disposto para este
fim. O espaço de uma escola pode educar deliberadamente quando sua
configuração, enquanto lugar é disposta para atender a demandas pedagógicas
específicas, mas ele continua educando mesmo quando não se tem consciência
desse fim; ou mesmo quando ele não é estruturado para atender a um modelo
explicitado de educação.
Nessa direção, em outro trabalho, Viñao Frago (2005) explora a localização e
disposição física dos espaços dentro das escolas dependendo da finalidade e
importância que é dada para cada um deles. O espaço como um elemento chave na
32
configuração da cultura escolar é capaz de se moldar de acordo com a atuação que
lhe é imposta. Nesse artigo, o autor analisa o posicionamento da sala da direção
escolar dentro dos prédios. Dependendo da posição que esta sala ocupa percebe-se
a visão educacional e política que um grupo tem sobre a educação. Em algumas
situações, a sala da direção é próxima dos demais ambientes escolares estando
imbricada na vida cotidiana da escola. Em outras escolas tem-se a sala da direção
em espaços separados, distante dos demais. Ele conclui que, socialmente, o espaço
escolar possui uma lógica própria derivada da sua condição de lugar e território.
Com efeito, a análise aprofundada do espaço escolar depende dos aspectos:
estruturais, usos e funções, organização e relações existentes (2005, p. 44). A partir
das reflexões apresentadas pelo autor, nesse artigo, torna-se ainda mais pertinente
a ideia de estruturar uma pesquisa buscando uma investigação da relação entre
sujeito e espaço dentro do contexto escolar.
Na realidade brasileira, um estudo ainda merece destaque por se tratar de
texto relacionado com as questões pedagógicas de interesse desta pesquisa. Trata-
se do trabalho de Alves (1998) em que a autora aborda o espaço escolar como
dimensão material do currículo. Trata-se de uma pesquisa realizada no Rio de
Janeiro, em que foram investigados documentos de diversas fontes acrescidas de
entrevistas com professores que trabalharam nos períodos estudados: 1947-1951,
1960-1965, 1981-1983. O estudo traz contribuições significativas para o tema,
todavia, volta-se mais detidamente para os documentos e entrevistas com
professores, não abordando a perspectiva de alunos ou mesmo a observação in loco
de espaços escolares.
Outro estudioso, que também se debruçou sobre a tarefa de investigar o
espaço da escola defendendo a importância de sua análise como uma das
dimensões fundamentais para que o ensino ocorra, reforça a notoriedade da
estruturação do ensino em torno de espaços e tempos, para posteriormente
implantar concepções didáticas. Trata-se do estudo do pesquisador Laurentino
Heras Montoya (1997) que apresenta no prólogo, escrito por Santos Guerra, a
expressão “nós construímos o espaço e ele nos constrói”. O texto reforça que somos
o resultado do espaço que habitamos e, em alguma medida, também o construímos.
Nota-se, na realidade escolar, grande esforço na tentativa de adequar os
alunos às exigências disciplinares utilizando o espaço como elemento estruturador
33
dessa busca. Os professores buscam impor aos alunos limites espaciais e corporais
através da configuração dos ambientes. Em cada lugar da escola exige-se dos
alunos determinado tipo de conduta corporal que atenda as funções e objetivos
colocados pelos professores. Em contrapartida, existem ambientes em que a
circulação é predominantemente dominada por alunos, como o pátio onde ocorrem
os horários de recreio ou lazer, e outros habitados pelos professores, como a sala
dos professores. São muitos lugares com muitas finalidades: secretaria, sala de
aula, depósito, refeitório, pátio, corredor, sala da direção\coordenação, biblioteca ou
sala de leitura. Essas situações criam, dentro da escola, diversos territórios em
muitos lugares em que ocorrem disputas e conflitos entre os interesses de
professores e alunos e nos quais a educação se processa. Em algumas situações
isso ocorre de acordo com um projeto pedagógico que está intimamente ligado às
escolhas que levam à estruturação do espaço; porém, em muitos casos, a educação
ocorre sem uma definição clara da contribuição do espaço, ou mesmo do projeto
que se pretende adotar. Mesmo nesses casos, o espaço continua sendo decisivo na
influência direta na educação escolar.
Bourdieu (2008) denomina a sociedade de espaço social apresentando-a
como um conjunto de posições distintas que coexistem e que se definem umas em
relação às outras através de distanciamentos ou aproximações. Para ele, o espaço
social é uma realidade invisível que possibilita a existência das classes, uma vez
que as pessoas são mais, ou menos, próximas dependendo do lugar que ocupam
dentro desse espaço. Ainda acrescenta que apesar de uma realidade invisível o
espaço social organiza as práticas e as representações das pessoas. As
distribuições e posicionamentos dentro do espaço social geral obedecem a duas
diferenciações principais: capital econômico e capital cultural. Além disso, tais
localizações são caracterizadas por relações de ordem como: acima, abaixo, entre.
Os sujeitos no espaço, portanto, terão mais em comum quando suas posições se
aproximarem nessas dimensões, fator que traz outras perspectivas à análise das
manifestações de alunos e professores sobre o espaço escolar e suas relações
sociais dentro da escola.
As diferenças produzidas pelos distanciamentos dentro do espaço social
criam uma linguagem simbólica: pessoas próximas dentro do espaço social tendem
a ter os mesmos gostos, pois o próprio espaço social favorece essa aproximação e
criação de habitus, sendo entendido como gerador e unificador de características
34
intrínsecas e relacionais, um sistema de disposições inconscientes, frutos da
interiorização das estruturas objetivas vivenciadas (BOURDIEU, 2004).
Dentro dessa conjectura, ainda segundo Bourdieu (2004, p.215) a escola
cumpre o papel de instituição organizada para transmitir, de modo explícito ou
implícito, as formas de pensamento da cultura erudita (acumulada e cumulativa). A
escola é o espaço da constituição de habitus, propiciando aos que se encontram
direta ou indiretamente submetidos a ela (pode-se considerar alunos e professores)
o que o autor denomina habitus cultivado: disposições capazes de serem aplicadas
em diferentes campos do pensamento e da ação (p.211). A escola define itinerários,
métodos e programas de pensamento cumprindo a função de consagrar a distinção
das classes mais abastadas.
A escola, dentro do espaço social é um micro espaço que reproduz cultural e
socialmente o conjunto de diferenças sociais sistêmicas, funcionando como um
agente socializador que transmite e ao mesmo tempo reforça a identidade intelectual
de uma sociedade. Sua arquitetura, traços e linhas, ambientes e materiais compõem
e corroboram com esse fim.
Na abordagem sociológica é possível pensar, então, ainda com Bourdieu,
sobre a influência do poder simbólico desses espaços, sobre os sujeitos, pois,
segundo o autor:
“[...]é necessário saber descobri-lo onde ele se deixa ver menos, onde ele é mais completamente ignorado, portanto, reconhecido: o poder simbólico é, com efeito, esse poder invisível o qual só pode ser exercido com a cumplicidade daqueles que não querem saber que lhe estão sujeitos ou mesmo que o exercem” ( BOURDIEU, 1998, p. 7-8).
Tal conceituação é acompanhada pela explicitação de que os instrumentos de
conhecimento e de construção do mundo objetivo constituem estruturas
estruturantes no conjunto dos instrumentos simbólicos. Há uma significação que leva
em conta a objetividade como concordância dos sujeitos, o que parece ser o caso do
uso dos espaços escolares em todas as suas dimensões, acrescido dos dados de
cultura escolar conceituada como as práticas sedimentadas existentes e coletivas,
aceitas tacitamente pelos agentes das escolas (GIMENO, 1998), portanto parte dos
habitus dos mesmos agentes cujas disposições estruturam suas ações nesses
lugares e territórios. Como afirma também Escolano “o espaço escolar tem que ser
35
analisado como um constructo cultural que expressa e reflete, para além da sua
materialidade determinados discursos” ( 2001, p. 26).
Como gerador de habitus, o espaço escolar faz com que práticas sejam
condicionadas e consideradas condutas razoáveis ao senso comum, dentre essas
se podem localizar na escola práticas como fazer a fila ao sair no corredor, sentar-se
ao entrar na classe ou correr quando se está no pátio. Grande parte das ações
conhecidas e reconhecidas dentro dos espaços escolares são padronizadas e
consideradas corretas ou adequadas e, são variáveis de acordo com o lugar,
ambiente ou posição ocupada. São, portanto, fruto de uma força que é invisível,
mas, tão atuante quanto à força física ou econômica. O poder simbólico é capaz de
produzir mobilização e ser reconhecido; em outros termos, os sujeitos submetidos a
esse poder não o consideram como arbitrário e assim, ele consegue contribuir
fundamentalmente para a manutenção da ordem social (BOURDIEU, 2011).
Professores e alunos têm historicamente se posicionado nos diferentes
espaços das escolas influenciados por esse poder de simbolismos que os comunica
e impõe pensamentos e ações. E, ao mesmo tempo esses sujeitos constituem
territórios, lugares, a partir de seus modos de se relacionar com esses mesmos
espaços. Essa conjectura cria nesses sujeitos sociais (professores e alunos) dentro
do espaço da escola representações acerca desse mesmo espaço. Bourdieu (2009),
afirma que o mundo social ou espaço social, tratando-se da amplitude da sociedade
oferece-se como uma representação, tanto no sentido da filosofia idealista, quanto
no sentido do teatro, pintura ou espetáculo. Dentro dessa proposição as práticas dos
indivíduos são representações, ou execução de partituras assumidas e constituídas
pelo habitus, sistema de disposições estruturadas e estruturantes. O que se vê,
conhece e percebe do mundo é baseado nessas estruturas fundamentais e ao
mesmo tempo as reforça. O habitus fabrica coerência e a necessidade no
entendimento do mundo social.
Voltando-se novamente para ação dos sujeitos dentro da parcela do espaço
social denominada de escola é possível inferir que movimentos, gestos, ações,
ocupações/desocupações, conforto ou desconforto; ou quaisquer relações
estabelecidas por eles dentro dos ambientes dessa construção são perpassadas
pelo modo como esses sujeitos representam esses espaços a partir de suas
condições objetivo/subjetivas construídas ao longo de suas vidas a partir da posição
36
que estes também ocupam no espaço social geral (sociedade) incluindo-se o capital
econômico e cultural.
Bourdieu (2011) explicita a abrangência da representação ao afirmar que,
De fato, os esquemas de percepção e de apreciação estão na origem da nossa construção do mundo social são produzidos por um trabalho histórico coletivo, mas a partir das próprias estruturas desse mundo: estruturas estruturadas, historicamente construídas, as nossas categorias de pensamento contribuem para produzir o mundo, mas dentro dos limites da correspondência com estruturas preexistentes. É na medida e só na medida em que os atos simbólicos de nomeação propõem princípios de visão e de divisão objetivamente ajustados às divisões preexistentes de que são produto, que tais atos têm toda a sua eficácia de enunciação criadora que, ao consagrar aquilo que enuncia, o coloca num grau de existência superior, plenamente realizado que é o da instituição instituída. Por outras palavras, o efeito próprio, quer dizer, propriamente simbólico, das representações geradas segundo esquemas adequados às estruturas do mundo de que são produto é o de consagrar a ordem estabelecida: a representação justa. (BOURDIEU, p. 238)
Portanto, ao se constituírem, as representações acabam por cumprir o papel
de confirmação da ordem social que está estabelecida e instituem os princípios da
relação com o mundo nas práticas, palavras, objetos e manifestações. Ao observar
e coletar o que os sujeitos manifestam sobre a escola, através da fala ou de registro
gráfico, por exemplo, tem-se um mecanismo para acessar as representações destes
sobre esse espaço. O que pensam e como agem, professores e alunos, ao
adentrarem uma escola, tudo é o produto dessas representações. Se andam ou
correm, sentam-se ou permanecem em pé, se adotam determinada postura
corporal... O fazem porque se valem na noção enraizada do que esses ambientes
representam. E no cotidiano as marcas simbólicas que esses mesmos ambientes
imprimem reforçam essa noção.
Definitivamente não há neutralidade ou irrelevância no espaço escolar. Mais
do que base para a materialização dos processos de ensino e relações entre
sujeitos, mais do que lugar para abrigar práticas pedagógicas, o espaço escolar é
elemento educativo objetiva e subjetivamente, constituído e constituidor dos que o
ocupam exercendo poder e criando marcas. Tais quais os grupos escolares do
início da República brasileira, que com sua imponência, tamanho e traços,
carregavam a ideologia da modernidade que a República desejava inculcar, e ao
mesmo tempo oprimiam ainda mais os que já eram oprimidos, as escolas de hoje
37
continuam deixando suas marcas no contexto social. Hoje, em sua maioria, as
escolas públicas da Rede Municipal de Ensino, não ocupam mais os centros
urbanos, situam-se nas periferias com o intuito de atender as demandas
populacionais dos mais pobres por educação, segundo dados da Secretaria
Municipal de Educação. Os prédios geralmente não contam com luxo em seus
elementos arquitetônicos, as construções são quase sempre quadradas e parecidas:
cheias de muros, grades e portões de ferro. Em algumas situações há, ainda, o
acréscimo da depredação e sujeira em torno das construções.
A posição e a condição da escola mudaram ao longo dos anos; é preciso
debruçar-se atentamente sobre seu espaço habitado para entender as disposições
objetivo-subjetivas que têm se constituído na atualidade sobre os sujeitos que a
frequentam diariamente. Deter-se para a observação e tentar desnudar o seu
interior, com o estranhamento necessário, suas relações, as consideradas mais
comuns e corriqueiras, é fundamental à sua compreensão, pois é justamente nelas
que estão as expressões simbólicas. Assim, o objeto desta pesquisa define-se como
sendo a detecção das manifestações de representações que professores e alunos
possuem sobre os diferentes lugares/territórios do espaço escolar. Ou seja, que
espaço é esse e que estruturas simbólicas tem forjado? Como são representadas?
As manifestações de tais simbolismos podem ocorrer por diferentes meios,
seja pelas condutas, pelas expressões verbais ou pelos grafismos, entre eles o
desenho. Por esses meios é possível detectar os significados atribuídos aos
espaços pelos que convivem no interior da escola.
38
2. O campo empírico: a escola, os sujeitos e o bairro.
Neste capítulo apresenta-se a pesquisa realizada, bem como os elementos
necessários à sua compreensão.
Como já mencionado, a intenção expressa dessa pesquisa foi detectar as
representações que professores e alunos manifestam sobre diferentes espaços
dentro da escola. Na direção do atendimento a esse objetivo se impunha a
necessidade de entrar na escola e aproximar-se dos sujeitos em sua relação com os
lugares que ocupam. Trata-se, portanto, de uma pesquisa de natureza qualitativa,
conceituada como a investigação cujos dados são “ricos em pormenores descritivos
relativamente a pessoas, locais e conversas” (BOGDAN E BIKLEN, 1994, p. 16).
Para tanto se utiliza, para sua fonte, o ambiente natural, com o investigador sendo
seu instrumento principal. Isso não significa, entretanto, que não tenhamos a
possibilidade de quantificar algumas informações transformando-as em tabelas, pois
em algumas partes isso foi possível, e desejável, dada a natureza do instrumento. A
coleta das informações deve prover elementos para descrição de cenas, pessoas e
ambientes, focalizando com ênfase os significados das informações encontradas.
Desses autores também foram muito úteis às consultas às indicações de pautas
investigativas sobre ambientes físicos escolares e alunos. Além desses autores, os
conceitos de Bourdieu (1997) em coletânea por ele organizada focalizando
pesquisas diversas, com vários capítulos fornecendo roteiros teóricos preciosos para
a organização da pesquisa, sobretudo com relação à entrevista, cuidados a serem
tomados antes, durante e após a realização da mesma. Outros cuidados, agora
diferentes, com relação à técnica de questionário com escala, foram obtidos junto à
obra de Selltiz et al (1965) permitindo a obtenção da posição de sujeitos em
conjunto de dados objetivamente dispostos à escolha.
2.1 A definição do campo empírico.
Para começar a cumprir o compromisso com o estipulado nos objetivos, foi
selecionada uma Unidade de Ensino Fundamental da Rede Municipal de São Paulo,
localizada na região Oeste da Cidade (Distritos: Butantã e/ou Raposo Tavares), para
a realização da coleta de dados, cuja concordância da direção foi concedida após
39
consulta. As razões dessa consulta estão diretamente vinculadas às características
explicitadas a seguir. A escolha foi feita mediante solicitação na Diretoria Regional
de Educação do Butantã e autorização para a realização do estudo, posteriormente
foi requisitada também autorização da direção da escola e dos sujeitos participantes
mediante uso Termo de Consentimento Livre Esclarecido.
Trata-se de uma Unidade de ensino com uma construção arquitetônica
recente (prédio inaugurado no ano de 2010) que possui o mesmo padrão estrutural
de outras construções escolares da Rede Municipal na ultima década. Está
localizada em um bairro periférico dentro da Zona Oeste da cidade, à beira da
Rodovia Raposo Tavares e próxima da divisa com dois municípios da grande São
Paulo: Osasco e Cotia. Mesmo possuindo uma planta que segue um perfil de
construção que se repete em outros edifícios é considerada na região uma escola
“bonita”, sobretudo, pelos próprios professores e alunos. A “beleza” da escola é
expressão recorrente entre esses sujeitos dando possibilidades de levantamento de
possibilidades analíticas acerca da relação simbólica que se estabelece nesse
espaço.
Após a definição do campo empírico deu-se prosseguimento aos
procedimentos de pesquisa com algumas visitas para apresentação à gestão da
escola quanto ao projeto de pesquisa e conhecimento e reconhecimento do espaço
físico escolar. Essa caracterização foi construída a partir de um período de um mês
de observação dos ambientes escolares e por meio de fotografias tiradas pela
autora com o consentimento da direção, dos espaços (vazios ou sem a possibilidade
de identificação dos sujeitos presentes). As primeiras visitas realizadas
concentraram-se nessas ações de coleta de dados fundamentais para a composição
das demais ações a serem desenvolvidas, como entrevistas, proposição de
desenhos e levantamento documental.
2.2 Procedimentos de pesquisa
O interesse pelo tema exposto ou as inferências realizadas sobre ele
representam mera especulação se não forem seguidos das técnicas de investigação
capazes de atender aos objetivos. Uma vez que se trata de uma pesquisa sobre a
relação dos sujeitos com o espaço da escola, pareceu bastante razoável observar
40
como se dá essa relação. Para fugir da visão ingênua, a observação foi orientada
por questões que auxiliem o direcionamento do olhar e da crítica. Uma ideia inicial
se estruturou em torno da elaboração de questões com base nos espaços mais
relevantes da escola: pátio, quadra, salas de aula, sala de leitura, corredor, sala da
diretoria, portões de entrada e saída. Os ambientes foram selecionados seguindo o
critério de uso dos sujeitos: professores e alunos. A observação de espaços
frequentados por ambos em diferentes situações favoreceu a possibilidade de
realizar futuras comparações e análises.
Tendo sido definidos os espaços e sujeitos a serem observados, foi
fundamental determinar quais situações seriam observadas dentro dos objetivos da
pesquisa e, estabelecer mais questões, tais como: movimenta-se livremente pelo
espaço? Demonstra satisfação ou insatisfação ao ser direcionado para o espaço?
Apresenta inquietação ao permanecer? A disposição do espaço aproxima ou
distancia os sujeitos? Estas são algumas questões que direcionaram a observação,
com a ajuda de Bogdan e Biklen (1994).
Todavia, para que a problematização fosse o mais aprofundada possível,
outras técnicas de investigação estiveram aliadas à observação: desenvolvimento de
entrevistas e escalas afirmativas com professores e alunos, seguindo a orientação
de Selltiz et al.(1965) e Bourdieu (1997) conforme apontado anteriormente. Da
mesma forma que a observação essas técnicas devem atender aos objetivos da
pesquisa. As perguntas e/ou afirmativas transmitiram os objetivos sem constranger
ou embaraçar o entrevistado, criando possibilidades para o favorecimento da
comunicação e interesse do entrevistado em responder de forma satisfatória. As
perguntas (entrevista) e afirmativas (escala) direcionaram o entrevistado a pensar
sobre sua relação com os ambientes da escola: de que espaços “gosta ou não
gosta” de estar? Qual acredita que seja a finalidade desses espaços? Foram onze
entrevistados entre os alunos, seis do primeiro ano e cinco do quinto ano e duas
professoras. Com relação às escalas de afirmativas participaram dez sujeitos, sendo
quatro professores e seis alunos, três do primeiro ano e três do terceiro ano. Entre
as professoras duas lecionam no primeiro ano e duas lecionam no quinto ano.
41
2.2.1 As questões
Após as constatações adquiridas com o período de um mês de observação do
espaço e dos sujeitos reafirmou--se a grande questão que delimita a problemática a
ser explorada: quais as relações de simbolização entre sujeitos/lugares/territórios
dentro desse prédio escolar? Enquanto elemento do currículo, o que o espaço dessa
escola tem ensinado a alunos e professores? Qual a representação dos sujeitos
sobre o espaço? Como se configuram esses elementos?
Decorrente desse questionamento maior, algumas questões subsidiárias
também foram reafirmadas: qual a destinação oficial de cada um dos ambientes?
Como se dá a ocupação do espaço escolar? Quais as manifestações de professores
e alunos sobre os diferentes lugares da escola? Há lugares preferidos? Há lugares
não lembrados? Qual a participação de alunos e professores na construção objetiva
desses lugares escolares?
2.2.2. Objetivos
O objetivo geral do estudo voltou-se à detecção das manifestações de
representações que professores e alunos possuem sobre os diferentes
lugares/territórios do espaço escolar. São objetivos específicos, auxiliares às
análises dessas manifestações:
Verificar como está estruturado o edifício escolar e quais as destinações oficiais
de cada um dos ambientes.
Comparar as destinações oficiais com os usos e ocupações de cada ambiente.
Identificar as manifestações, de professores e alunos, sobre o uso das diferentes
dependências da escola e da possível participação deles na sua constituição.
Identificar as marcas que os ambientes escolares produzem em professores e
alunos.
2.2.3. Hipótese
A hipótese estipulada diante dos estudos teóricos é que existem diferentes
visões dos sujeitos a respeito dos espaços dentro da escola. Essas divergências
dependem tanto do lugar que o indivíduo ou grupo (turma de alunos ou professores,
42
por exemplo) ocupa, quanto do ambiente a que se refere (quadra, sala de aula,
pátio, corredor...).
2.2.4 Detalhamento dos procedimentos utilizados na pesquisa.
Como apontado anteriormente, trata-se de pesquisa de natureza empírica
baseada em informações coletadas junto aos sujeitos da escola.
Para a obtenção das informações foram delineados vários procedimentos que
estão descritos a seguir.
2.2.4.1 Observação dos sujeitos (professores e alunos) nos ambientes da escola.
Observação realizada durante cerca de um mês de visitas semanais a escola
e norteada pelas questões a seguir em cada ambiente (sala de aula, pátio, sala dos
professores, corredor, sala da direção, sala de leitura, sala de informática, quadra,
banheiros, área externa, entre outros).
a) Frequentam o ambiente? Com que regularidade?
b) Existe conforto ou desconforto em permanecer no ambiente?
c) Procuram o ambiente livremente ou são direcionados para ele?
d) Como se relacionam com outros sujeitos nesse ambiente? A relação se dá
de modos diferentes?
e) Cuidam do ambiente? Zelam por ele ou apresentam ações de vandalismo
ou descuido (quebra de objetos, desorganização, sujeira...).
f) Participam da limpeza ou organização do ambiente? Com que frequência?
g) Movimentam-se pelo ambiente livremente?
h) Demostram satisfação ao ser direcionado/convidado para estar nesse
ambiente? Apresentam inquietação em permanecer?
i) A disposição de mobiliários e objetos no ambiente aproxima-os ou afasta-
os uns dos outros?
j) Como professores se relacionam com alunos em um mesmo ambiente?
As relações mudam quando muda o ambiente?
Para que a problematização fosse aprofundada da melhor maneira possível,
outras técnicas de investigação estão aliadas à observação: desenvolvimento de
entrevistas e escalas afirmativas com professores e alunos. Da mesma forma que a
43
observação essas técnicas visaram atender aos objetivos da pesquisa. As perguntas
(entrevista) e afirmativas (escala) ajudaram o entrevistado a pensar sobre sua
relação com os ambientes da escola: de quais espaços “gosta ou não gosta” de
estar? Qual acredita que seja a finalidade desses espaços?
2.2.4.2 Entrevistas, questionário com escala de afirmativas e solicitação de
desenhos: como professores e alunos se manifestam sobre os espaços da
escola?
Após a realização de um teste com crianças e professoras de outras escolas,
os instrumentos foram adequados aos objetivos da pesquisa favorecendo a
obtenção das informações necessárias à análise. Onze alunos participaram da
entrevista, sendo seis do primeiro ano e cinco do quinto ano, além de duas
professoras, uma de cada turma do quinto ano e primeiro. Com relação ao
questionário de escalas a participação foi de dez sujeitos, seis alunos e quatro
professoras. Entre os alunos respondentes ao questionário da escala três eram do
primeiro ano e três estavam no quinto ano. Dentre as professoras duas atuavam no
quinto ano e duas no primeiro ano. A diferença na quantidade de sujeitos
participantes nos instrumentos se deve ao fato de terem sido desenvolvidos em dias
distintos, desse modo, não foi possível contar com a participação de todos os
sujeitos em todas as datas (ausência de alguns alunos e duas professoras). Outro
fator preponderante está relacionado à rotina de atividades da escola, com isso, em
determinados momentos alguns alunos não foram autorizados a participar por
estarem na aula de informática, parque ou inglês, por exemplo.
2.2.4.3 Desenho do espaço escolar (para os alunos do primeiro e quinto ano):
Solicitação e disposição do material para que as crianças das turmas do
primeiro e quinto anos fizessem, livremente, um desenho da escola.
2.2.4.4. Consulta documental
Foram efetuadas consultas ao Projeto Pedagógico da Unidade, análise da
planta baixa do prédio, documentos da Secretaria de Educação referentes às
normatizações para as construções escolares. Comparar as informações contidas
44
nesses documentos com os usos e ocupações que os sujeitos fazem dos espaços.
Buscou-se, também, informações e/ou registros sobre reformas e adequações no
prédio, na tentativa de encontrar informações nos documentos oficiais sobre quem
determina as mudanças/reformas/alterações: grupo de professores, alunos, direção
ou órgão superior? Essas mudanças são justificadas por quais critérios: desgaste da
estrutura, demanda por vagas, violência no bairro, etc.?
2.2.4.5 Procedimentos para a análise dos dados pesquisados
As escalas de afirmativa e entrevistas foram utilizadas, bem como a
observação, com os estudantes recém-chegados na escola, ou seja, os do primeiro
ano do Ensino Fundamental e seus professores. Também foram foco do estudo os
professores e alunos que estejam há mais tempo na escola: professores e alunos do
quinto ano do Ensino Fundamental. As mesmas perguntas e as mesmas questões
orientadoras de observação foram desenvolvidas com os dois grupos: professores e
alunos do primeiro ano e professores e alunos do quinto ano do Ensino
Fundamental.
Com a coleta de todas essas informações, em duas turmas diferentes,
tornou-se possível realizar cruzamentos e comparações entre as informações
obtidas. Evidenciando diferenças ou semelhanças nas respostas dadas, ou
manifestações observadas, estas, em seguida foram analisadas detalhadamente a
luz dos teóricos que compõem a base desta pesquisa: Viñao Frago (1996, 1998),
Bourdieu (1998, 2003, 2004, 2007, 2008, 2009 e 2011), Gimeno (1998),
transformando-as em dados.
2.3 Caracterização da escola
Figura 1 – Visão da Fachada
45
Antes mesmo da chegada, o prédio já se impõe: alto e com linhas visíveis,
retas e marcantes. Localizada à beira de uma rodovia de intensa movimentação,
dentro do perímetro urbano na Zona Oeste da cidade de São Paulo, a escola é vista
e revista diariamente por centenas de motoristas que trafegam pela região todos os
dias. Apesar da marca contundente de concreto, existem detalhes coloridos que
também chamam a atenção no edifício de grandes proporções. Trata-se de uma
construção relativamente nova, datada de fevereiro do ano de 2010. Por esse
motivo, as condições físicas mostram-se adequadas: não existem rachaduras, vidros
quebrados ou outros tipos de deterioração aparentes.
No projeto pedagógico há uma indicação de que a escola pretende fortalecer
os vínculos com a comunidade por meio da participação de todos, sem distinção,
para promover a construção de uma sociedade menos individualista tendo a escola
como lugar da produção e distribuição do conhecimento universal historicamente
construído e que deve ser aplicado para formar cidadãos éticos. No projeto também
existe a indicação dos problemas causados pelo ruído da Rodovia e falta de
tratamento acústico, obrigando o constante fechamento das janelas. O projeto ainda
apresenta o quadro de funcionários da Unidade: um diretor, uma assistente de
diretor, duas coordenadoras pedagógicas, um secretário, quatro auxiliares técnicos,
uma agente escolar, quinze professoras de Ensino Fundamental I que lecionam do
primeiro ao quinto ano e vinte e cinco professores do Ensino Fundamental II os
quais lecionam do sexto ao nono ano, dentre eles três estão readaptados nas
funções por problemas de saúde.
A escola atende 151 alunos em sete classes do sexto ao nono ano no período
da manhã, das 7h às 12h, e 245 alunos em onze classes do primeiro ano quinto ano
no período da tarde, das 13h30 às 18h20.
Depois do primeiro impacto da grandiosidade do prédio e das informações
iniciais sobre o Projeto Pedagógico, os primeiros detalhes começam a ganhar
destaque, tais como, os adornos pendurados sob o toldo que antecede o portão de
entrada, conforme se verifica na Figura 2, que são um convite a pensar sobre os
sujeitos que habitam aquela escola e suas relações de cuidado com esse espaço.
46
Figura 2 – Detalhes no portão de entrada
Ao entrar percebe-se um amplo pátio, visivelmente limpo e dividindo espaço
entre um ambiente para as refeições, com cadeiras e mesmas coletivas e outro
ambiente vazio (Figura 3), utilizado para o recreio e atividades coletivas da escola.
Em algumas ocasiões é colocada uma mesa de pingue-pongue nesse ambiente,
conforme foi observado. Também existe um projetor fixado próximo ao teto e em
frente a uma parede branca, dando sinais de que aquele espaço ainda é utilizado
para outras finalidades como reuniões e apresentações de projeções.
Figura 3 – Visão geral do pátio da escola.
Do pátio, tem-se a visão de grades que separam ambiente interno e externo
de um lado, e, do outro lado a visão do corredor que dá acesso a outros espaços. O
primeiro deles, bem próximo do pátio e da cozinha é um hall que agrega: a
secretaria, a sala da direção, a sala da coordenação e uma sala destinada à rádio
47
escolar. É notório observar que nessa construção escolar a “janela” de atendimento
à comunidade, na secretaria, fica na parte interna da escola e não do lado de fora,
como em outros tipos de construção (Figuras 4 e 6). Portanto, as pessoas que
procuram a escola adentram pelo mesmo portão no pátio, para acessarem o
atendimento da secretaria. Nesse espaço há, ainda, algumas cadeiras para uso dos
que aguardam para serem atendidos.
A sala da coordenação e da direção são dois espaços pequenos, lado a lado,
e em frente existe uma pequena estante de ferro com livros de literatura infantil
(conforme Figura 4).
Figura 4 – Entrada das salas da direção, coordenação e secretaria.
Figura 5 – Estante de livros no hall das salas da coordenação, direção e secretaria.
48
Figura 6 – Janela para atendimento ao público na secretaria
Seguindo um pouco mais por esse corredor encontram-se banheiros à direita,
uma sala de professores e outra sala de reuniões à esquerda. Tanto uma sala
quanto a outra são bem parecidas no que se refere às proporções espaciais,
organização e usos que os professores, frequentadores desses espaços, fazem
deles. Em ambos há uma grande mesa central ocupando grande parte da sala,
rodeada por cadeiras e alguns materiais escolares. Existe um vidro que permite que
de uma sala se visualize a outra. Porém, o vidro também é utilizado como painel
para a colocação de cartazes com avisos da coordenação pedagógica para os
professores. A sala do lado esquerdo, dos professores, possui alguns armários
pequenos e ao lado deles algumas carteiras de sala de aula são utilizadas para
apoiar dois fornos de micro-ondas, um forno elétrico e algumas garrafas de café.
Ainda existe nesse espaço um filtro de água fixado na parede do fundo, ao lado da
porta que dá acesso ao solário. Nas salas da parte térrea no lado esquerdo do
prédio existem portas com vidros nos fundos que dão acesso a solários
arredondados, uma das poucas linhas curvas na construção. Em cada um dos
solários existem pequenos jardins (Figura 7).
Figura 7 – Solário da sala dos professores
49
Ao olhar para a sala dos professores, percebe-se certa desorganização, com
bolsas e objetos pessoais jogados sobre a mesa ou nas cadeiras dado que
evidencia o tipo de apropriação que os docentes fazem no uso do lugar,
caracterizando-o como seu território (Figura 8).
Figura 8 – Visão da sala dos professores
Logo ao lado, na sala de reuniões, a desorganização permanece, porém,
nesse ambiente existem menos objetos pessoais e mais objetos pedagógicos, como
livros didáticos empilhados e até um mimeógrafo, equipamento utilizado para
produzir cópias a partir do carbono, deixado no chão. As Figuras 9 e 10 representam
o território muito mais caracterizado como depósito de materiais do que como sala
de trabalho, ainda que utilizado esporadicamente para reuniões.
Figura 9 – Visão da sala de reuniões
50
Figura 10 – Detalhe ao fundo da sala de reuniões: mimeógrafo
Em frente a essas duas salas povoadas por professores, majoritariamente,
tem-se dois banheiros e uma lavanderia que possui uma porta com acesso à parte
externa. Dentro desse espaço há um armário de ferro fechado e identificado como
“armário para o projeto horta”, também uma geladeira, uma pia e alguns utensílios
de cozinha; outros armários e materiais para prática de esportes dentro de uma
cesta de plástico sinalizando que apesar da sala ser identificada como lavanderia, os
usos são diversos e alheios à destinação oficial. É a situação típica de como o
espaço se transforma em lugar, quando de fato seu uso é definido.
Figuras 11, 12 e 13 – Lavanderia.
51
Logo após a segunda porta aberta da lavanderia é inevitável não olhar para a
grande área externa, composta por um terreno acidentado. Parte do espaço é plano
e se transformou em lugar de lazer, pois acomoda um parque com brinquedos de
madeira (eucalipto tratado) e alguns de ferro (balanço, trepa-trepa e escorregador),
um quiosque construído em alvenaria e algumas mesas e bancos de cimento. A
outra parte do terreno é um barranco alto, com uma escada no canto construída
para dar acesso a uma horta que fica no alto do barranco.
Figura 14 – Visão da área externa a partir do barranco
Figura 15 – Horta no alto do barranco da área externa
52
O ambiente é povoado por crianças de vários grupos e suas professoras
ocupam as mesas de cimento enquanto eles brincam. As crianças se movimentam
com liberdade pelo espaço e utilizam-se, ou não, dos brinquedos e do quiosque. O
chão é predominantemente de terra com vegetação apenas no barranco. A escada
que dá acesso à horta é próxima. No entanto, as crianças que brincam não sobem.
O alto do barranco permanece vazio.
Seguindo o contorno dessa área externa é possível chegar a um espaço ao
lado do prédio, onde ficam os veículos dos professores, também não há crianças
acessando esse espaço, embora seja possível vê-lo a partir do parque.
Retornando à parte interna da construção encontram-se três pavimentos
superiores onde se pode chegar por escadas curvas que ficam nas laterais do prédio
quadrado ou pelo elevador (Figuras 16 e 17). Entretanto, o acesso a uma das
escadas possui grades com cadeados que permanecem trancadas
permanentemente e o elevador é, prioritariamente, utilizado para os alunos com
dificuldade de mobilidade, permanecendo desligado ou inacessível aos outros
alunos ou funcionários da escola. Desse modo, a grande maioria das pessoas que
utiliza o prédio sobe pelas escadas do lado esquerdo a todos os demais pavimentos.
Para chegar ao ponto mais alto do edifício é preciso subir três lances dessas
escadas.
Figuras 16 e 17 – Escadas e elevador
Ao entrar no primeiro piso superior, depara-se com um grande corredor
repleto de portas de diferentes salas de aula. É notório também observar a presença
de painéis, desenhos e cartazes de alunos de diferentes anos e turmas. É possível
aqui apontar a definição desse espaço como lugar da produção dos alunos (Figuras
53
18 e 19). Em cada uma das portas uma identificação explicita a destinação do
espaço: sala de artes, sala de inglês, sala de matemática, sala de leitura, sala de
informática. A escola possui salas chamadas de “ambientes”, espaços separados
destinados para cada um dos componentes curriculares. Na sala ambiente de um
determinado componente encontram-se os livros didáticos e materiais que a escola
possui relacionados à área. A cada aula, de acordo com o horário estabelecido, os
alunos se deslocam à sala que corresponde às atividades que irão acontecer.
Todavia, essa organização funciona apenas para os alunos do turno da
manhã, a partir do sexto ano. Os alunos do turno da tarde, do primeiro ao quinto
ano, utilizam as salas ambientes apenas nas aulas ministradas por especialistas
(inglês, educação física, artes, informática, leitura). Quando a aula ocorre com a
professora polivalente, a turma permanece em um único espaço. No caso específico
do quinto ano, as duas turmas estudam em uma única sala, mas, com duas
professoras, pois, existe um rodízio dos componentes curriculares feito pelas duas
professoras polivalentes. Uma professora leciona língua portuguesa, história e
geografia enquanto a outra leciona matemática e ciências para todos os alunos do
quinto ano.
Figuras 18 e 19 – Corredores do primeiro e segundo pavimentos, respectivamente.
Dentro das salas ambientes, existem algumas diferenças de organização, as
salas de artes, informática, leitura são mais equipadas e mais organizadas de
acordo com o “ambiente” de aprendizagem a que se propõem. São territórios mais
definidos conforme as figuras 22 e 23. Nos espaços das demais disciplinas:
matemática, história, geografia, ciências, língua portuguesa e inglesa, os espaços
são parecidos entre si: carteiras organizadas em fileiras, lousa e paredes brancas,
com alguns materiais da disciplina, sobretudo livros didáticos e alguns mapas ou
54
atlas. Há poucos elementos que diferenciem as salas ou façam referências às
disciplinas. De fato constituem-se como espaços, ou seja, são ocupados de acordo
com as finalidades para as quais foram definidos no projeto arquitetônico (Figuras 20
e 21).
Figuras 20 e 21 – Salas ambientes de inglês e história.
Figuras 22 e 23 – Sala ambiente de artes
Apesar das muitas semelhanças entre os dois corredores, do primeiro e
segundo andares, algumas singularidades são bastante notórias. No segundo andar
existem banheiros e salas com destinações diversas das do primeiro andar: uma
brinquedoteca e salas do primeiro ano. Nos dois espaços do primeiro ano há
mobiliário para alunos em tamanho menor e em cores diferentes, brinquedos, livros
infantis, alfabetos e objetivos decorativos que não estão presentes em outras salas
do prédio. Essa disposição é representativa de sua conceituação como território
próprio para os pequenos como nota-se nas figuras 24, 25 e 26.
55
Figura 24 – Cortina da sala do primeiro ano
Figura 25 – Mobiliário da sala do primeiro ano
Figura 26 – Estande da sala do primeiro ano
56
Perto das duas salas do primeiro ano, está a brinquedoteca, uma sala de aula
com brinquedos organizados sobre carteiras.
Figura 27– Brinquedoteca
Figura 28– Brinquedoteca.
Figuras 29 e 30 – Detalhes da brinquedoteca
57
Os brinquedos são separados em grupos: bonecas, panelinhas e carrinhos e
não se evidencia outros tipos de brinquedos ou objetos, a não ser por alguns cones
empilhados na sala.
Chegando ao último pavimento do edifício encontra-se a quadra, grande, mas
sem dispor de arquibancada ou bancos. Existe apenas um armário de ferro em um
canto, com objetos de esporte e um bebedouro na entrada, próximo à escada e ao
elevador. O ambiente é coberto e gradeado, mas é possível enxergar a rodovia de
um lado e do outro o ambiente externo, o barranco e o parque lá em baixo.
Figura 31 - Quadra
A quadra é o ponto alto da construção, ocupando o último andar e chamando
a atenção por estar em um lugar alto e separado da área externa. Compõe uma
espécie de interno-externo, pois, ao mesmo tempo em que é construída dentro do
prédio traz caracteres de ambiente externo: mais aberta, mais arejada e povoada
por iluminação natural; porém, para acessá-la é preciso entrar e transpor dois
pavimentos e seis lances de escadas, dois em cada andar (Figura 31).
Após um período de observação do espaço da escola e do pequeno bairro, o
interesse em explorar os outros procedimentos de pesquisa aumentou diante dos
58
elementos instigantes que integram esse espaço social e escolar. A continuidade da
pesquisa se deu na busca do conhecimento dos sujeitos que habitam o prédio da
escola: professores e alunos, quem são? A primeira observação deu lugar à
investigação e busca de informações acerca desses sujeitos.
2.4 Sujeitos da pesquisa
2.4.1 Os alunos
É uma escola jovem localizada em um bairro pequeno e com poucos
recursos. Os alunos são, em sua expressiva maioria, moradores do próprio bairro e
deslocam-se poucos metros a pé para acessarem a escola. Já os professores, em
sua maioria, deslocam-se de carro e não residem nas imediações, exceto uma
professora do quinto ano, entrevistada nesta pesquisa, mora no bairro no último
conjunto habitacional da via principal destinado a funcionários públicos estaduais;
porém, mesmo essa professora declarou deslocar-se de carro pelo bairro e para o
acesso à escola. Nesse condomínio muitos moradores são policiais militares,
trabalhadores da área da saúde e professores da rede estadual.
As informações sobre os alunos e suas famílias constantes no Projeto
Pedagógico da escola indicam que grande parte da população é oriunda de
movimentos populares por moradias que resultaram na construção dos conjuntos
habitacionais, inaugurados no período próximo ao da construção da escola. O
documento da escola também aponta que os familiares dos alunos atuam como
profissionais de serviços gerais, com renda baixa e pouca qualificação profissional e
que a condição socioeconômica dessas famílias atrapalha o acompanhamento
adequado da vida escolar de seus filhos. Segundo a apresentação da escola
existem conflitos entre os moradores dos conjuntos habitacionais. Os que
conseguiram a moradia através de luta popular são apelidados de maneira hostil de
sem-terra. E há um distanciamento com relação aos moradores do conjunto de
funcionários públicos.
O Projeto da escola reforça, ainda, que alguns alunos oriundos dos prédios
destinados aos funcionários públicos são influenciados na escola pela aproximação
com os alunos dos outros prédios mais simples no que denominam “clima de
descompromisso com certos valores” e que alguns pais desses alunos referidos,
59
funcionários públicos considerados de classe média baixa, declaram arrepender-se
de ter se mudado para o bairro. Essas questões são apresentadas como
justificativas para a escola desenvolver projetos de “interação entre os segmentos
socioculturais para combater os conflitos”
Além de moradores da localidade a maioria dos alunos reside nos prédios
populares sem acesso a bens culturais e de consumo e vulnerabilidade social
entendida como exposição à violência e a entorpecentes no bairro e nas famílias,
também segundo dados da escola. Muitas das crianças são negras e a escola é um
dos poucos espaços que acessam fora da casa e da rua. O prédio da escola possui
dimensões colossais se comparado às proporções de suas moradias. Os alunos
entrevistados nesta pesquisa, crianças do primeiro ano do Ensino Fundamental,
recém-chegadas à escola, e crianças do quinto ano da escolarização apresentam
em comum grande demonstração de satisfação e alegria em estar no espaço da
escola.
Somando-se a essas características gerais dos alunos da escola, algumas
questões mais específicas dos participantes da pesquisa tornam-se relevantes. As
crianças do primeiro ano aqui denominadas como: C1, C2, C3, C4, C5 e C6
afirmaram morar pertinho da escola. A criança C5, ao ser abordada sobre a horta da
escola informou que nunca esteve lá e que não sabe para que uma horta serve, mas
acrescentou, conforme transcrição da entrevista que:
C5: Meu pai trabalhava lá.
L1: Na horta da escola? É? Seu pai fazia o que lá?
C5: Ele trabalhava...
L1: Mas, ele não trabalha mais?
C5: Ele morreu.
L1: O seu pai é? Ele morreu? Ah... que pena...que pena. E você mora com quem?
C5: Com a minha mãe.
L1: Com a sua mãe?
C5: E com as minhas irmãs.
L1: Com as suas irmãs também, elas também estudam aqui?
C5: Só uma que chama M.
60
Dos alunos do quinto ano entrevistados, os cinco também residem na rua da
escola. Dois declaram que estudaram em outra escola. O aluno C8, que possui uma
deficiência física e utiliza cadeira de rodas estudou até o terceiro ano em uma
escola, também municipal em outro bairro próximo, mas, segundo ele, não gostava
da escola, prefere a escola do bairro porque estuda com “mais primos”. A criança
C9, na época da entrevista havia mudado de escola há cerca de cinco meses e
também disse que essa escola era melhor e mais bonita que a anterior. Os demais,
estudantes da escola estavam desde o primeiro ano. Ainda sobre o aluno C8, com
deficiência física a professora falou:
P2: Ele é, mas assim, o potencial que ele tem poderia ser desenvolvido. Eu percebi
que assim que a semana que a gente deixou ele de recuperação foi quando a gente
viu que ele tem capacidade. Acredito que ele tenha, mas a gente evidenciou isso...
Ele tem uma resistência, uma falta de vontade. Esses dias não, ele se dedicou ao
máximo e fez as atividades. Mas, ele tem preguiça. Uma preguiça... Ah G.! Um
menino tão bonito!
Na entrevista a professora também argumentou sobre características mais
gerais de seus alunos:
P2: Eu vejo assim, se não for aqui a oferecer... Lá fora, eu vejo um ou outro... Quando a gente conversa no parque, que tem a oportunidade que os pais levam para fazer atividades em outros espaços. Eles ficam muito limitados aqui. É um ou outro que faz viagens para fora, entendeu? Então, é assim a comunidade em que eles estão tem uma quadrinha pequenininha. E o que oferece mais coisas diferentes para eles é a própria escola.
L1: O bairro que você falou é pequeno?
P2: É só rua. Só tem uma rua e tem umas entradinhas assim.
L1: Não é um bairro grande, então, não tem muito comércio?
P2: Tem aquele comércio assim local que é o que, não chega a ter uma padaria, tem mercadinho. Aí recentemente tem uma pizzaria, tem um cabelereiro lá, um salãozinho...
L1: Não tem muita coisa.
P2: Mesmo porque não tem espaço.
L1: É bem pequeno mesmo.
P2: É bem pequeno, é só a rua.
61
L1: Então, a escola é algo que se destaca.
P2: Então é o que eu estou dizendo para você, porque eles veneram a escola. Você
os vê falando com tanto entusiasmo, realmente...
A professora acrescentou mais alguns aspectos:
P2: Então, o que a gente percebe pela própria história da escola e o pessoal que
conhece mais, tem muita criança muito carente. Aquela criança que é filho de pais
alcoólatra e tem problema com droga. Mas, também tem muito filho de pessoas
trabalhadoras. Eu vejo pela reunião de pais, pela conversa. Então, nós temos de
todos os casos. A gente vê mais complicações no nível dois e como tem familiares
no nível um, são casos mais... E também têm esses problemas, esses agravantes
de pais com problemas de drogas e bebida. E a gente vê pela criança. A J. que eu
dei aula ano passado, as ideias dela são meio desorganizadas. Ela pôs na
produção de texto dela que gostaria que a mãe parasse de beber. E você vê uma
criança escrever isso gente.
Pelas particularidades expostas percebe-se que a maioria dos alunos da
escola e, especialmente os participantes da pesquisa, possuem uma condição de
vida que combina baixo capital econômico e cultural, residindo em uma rua que os
leva até a escola.
2.4.2 As professoras
As professoras destes alunos, pedagogas polivalentes, tanto as do primeiro
quanto as do quinto ano, são profissionais efetivas na Rede Municipal e com um
tempo longo de carreira (superior a quinze anos). A professora do primeiro ano,
identificada como P1, leciona há dezoito anos. Começou na docência no ano de
1997 aos vinte anos de idade. Na escola pesquisada, trabalha há um ano. A
professora P2, do quinto ano, está no magistério há vinte e seis anos, começou a
dar aulas aos dezoito anos de idade para alunos reprovados que, segundo ela,
tinham quase a mesma idade que ela na época. Nessa escola trabalha há três anos.
Também leciona na Rede Estadual de Ensino e reside no bairro dos alunos, porém,
no conjunto de prédios destinado aos funcionários públicos. Na entrevista relatou
que se locomove pela rua de carro porque vem direto da outra escola em que
trabalha pela manhã e que procura controlar o assédio dos alunos sobre sua vida
particular pelo fato de ser vizinha deles. Acrescentou que existe muita curiosidade,
62
por parte dos alunos, em entrar em sua casa e saber detalhes de sua vida. Ela disse
procurar tratá-los bem, porém, explicitando que não devem invadir sua vida.
Por se tratar de uma escola nova, estão lecionando, nesse espaço, há pouco
tempo e carregam consigo referências de outros ambientes escolares em que
trabalharam. Assim como as crianças, também consideram o espaço da escola
bonito, limpo e organizado.
2.5 Caracterização do bairro
Bourdieu (2003) afirma que tanto os seres humanos, quanto os objetos estão
sempre situados em um lugar ocupando um espaço, uma vez que não podem estar
em vários lugares ao mesmo tempo. Para ele o lugar pode ser definido como “o
ponto do espaço físico onde um agente ou uma coisa se encontra” (p.160). A escola,
campo empírico desta pesquisa, constitui-se um lugar em si e encontra-se
circunscrita em um espaço (bairro), que por sua vez integra o espaço social.
Localizado em um dos extremos da Zona Oeste da Cidade de São Paulo, à beira de
uma rodovia, o bairro, ao qual a escola pertence é bastante modesto. Caminhando
pela rua principal, que é também a rua que abriga a escola, torna-se visível que o
bairro é pequeno e com poucos recursos, sejam eles públicos ou comerciais. De um
lado as moradias são conjuntos de prédios construídos a partir de programas
habitacionais (CDHU – Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano do
Estado de São Paulo). Do outro, pequenas ruas transversais, todas sem saída
terminando em uma mata ao fundo, possuem casas de alvenaria simples, sendo que
algumas são sobrados.
Entre os prédios há uma quadra pequena e aparentemente aberta a todos, ao
lado da quadra um pequeno bar e em frente o ponto final da única linha de ônibus
que chega até o bairro. Nas garagens de algumas das casas alguns pequenos
comércios improvisados.
A rua principal é longa, mas termina sem saída em outro conjunto de prédios
do Programa CDHU. Todavia, esse conjunto possui edifícios mais altos e com
estrutura arquitetônica mais elaborada que a dos demais. É um conjunto
63
habitacional destinado a funcionários públicos do Estado de São Paulo, no qual
mora a professora do quinto ano, sujeito da pesquisa:
P2: Então, quando teve um programa, porque eu sou funcionária publica do Estado,
e teve um programa chamado THAI, que é a integração, eles querem favorecer o
funcionário pra ficar próximo do lugar onde ele trabalha. E como e u trabalho aqui no
quilometro treze, do lado de você ali no V (...) Ai tinha vários locais para você poder
escolher, mas o mais perto aqui da região Oeste de conjunto habitacional era aqui.
Aí eu vim para cá. Mas, eu trabalhava na Prefeitura em Paraisópolis.
O bairro se encerra ao final dessa via principal que começa com o prédio da
escola. No começo da rua, ao lado e em frente à escola, respectivamente, ainda
existe o pátio de uma empresa e um motel. É notório destacar que, apesar de todos
esses elementos constituírem uma mesma rua, diferenças se processam na
ocupação do espaço. O começo da rua, próximo à rodovia e onde estão a escola, a
firma e o motel, é mais vazio e silencioso. O silêncio é quebrado eventualmente com
a saída dos alunos da escola, o com a passagem dos ônibus. A partir das moradias
das pessoas a rua torna-se agitada e bastante povoada, ressaltando-se que a
observação sempre foi realizada em dias úteis. A quadra é ocupada, o bar é cheio e
a circulação de adultos, crianças e jovens é grande pela rua. Os outros pequenos
comércios também são frequentados. Tem-se a impressão que em um bairro tão
pequeno os moradores utilizam a rua como extensão de suas casas e como espaço
de lazer. A escola é o único equipamento público dessa comunidade, não existem
equipamentos de saúde ou cultura dentro do bairro. A única conexão do bairro com
outros elementos ou espaços externos é a linha de ônibus que leva à região central
e ao lugar de trabalho. O lugar evidencia em suas estruturas físicas as estruturas do
espaço social atuando como uma simbolização espontânea deste em suas
exclusões e distinções. O espaço físico representa o espaço social reificado
(BOURDIEU, 1997).
Nesse sentido, o espaço onde está inserida a escola revela, para além das
construções, as estruturas sociais e a exclusão, traduzidas pelo afastamento de
regiões centrais, ausência de serviços públicos, equipamentos de lazer ou cultura.
Bourdieu esclarece que:
64
“... os que não possuem capital são mantidos à distância, seja física, seja simbolicamente dos bens considerados mais raros e condenados a estar ao lado das pessoas e dos bens mais indesejáveis e menos raros. A falta de capital intensifica a experiência da finitude: ela prende a um lugar” (1997, p. 164).
A falta de capital econômico atua como limitador da mobilidade dos sujeitos
tornando a escola um dos poucos lugares A que as crianças e jovens têm acesso.
Porém, apesar de pequeno e com muitas limitações, o bairro reproduz distinções do
espaço social também dentro de sua estrutura interna. A existência de um conjunto
de prédios que se diferencia das demais construções pela presença de elementos
mais sofisticados na arquitetura. Impõe ao bairro tal distinção revelada também pelo
depoimento da professora:
P2: “Você parece uma celebridade passando. Mas, eu faço assim, eu estou
passando. Porque embora eu more aqui do lado, eu venho da outra escola, já venho
e fico por aqui(...)Eu vou de carro, passo. Se eu estou passando eu os levo, adoram
entrar no carro! Eu paro... Porque o chato é você não dar atenção para eles. Eles
são muito dóceis, muito amigáveis...os outros que moram aqui falam “professora
posso ir à sua casa” e eu respondo claro que não! Vocês me veem aqui todos os
dias, a gente se atura toda hora, já está bom. E eu corro o dia inteiro, sábado eu
estudo, faço curso. E outra, quando estiver nas férias e vocês estiverem com
saudades. Mas, nem vai dar tempo, porque logo volta. Mas, já foram, um ou outro,
não os que moram lá. Eu acho engraçado assim, essa questão da família que não
dá umas coordenadas “você não vai sem ser convidado”. Os daqui mais pertinho da
comunidade, da mesma comunidade, mas já estavam aqui. Gente, eles... Eu
cheguei lá um dia estavam lá e queriam conversar. E eu falei criançada a professora
trabalha o dia inteiro e chego super cansada. Duas ainda entraram, eu falei vamos
entrar e vamos comer um chocolatinho, mas, vamos fazer um combinado, a
professora está muito cansada, eu trabalho o dia inteiro. Eu chego ou eu vou
estudar, vou fazer curso ou eu tenho o terceiro turno que é aqui em casa. Então, a
professora não vai poder dar atenção. E sem contar que a professora precisa
descansar. Então, nosso combinado é lá na escola, tudo bem? Porque se não... Não
tem condições, você entendeu? “
As distinções e diferenças de posição no espaço social são retraduzidas na
arquitetura que diferencia esteticamente o prédio da escola, prédios da maioria dos
alunos e prédios dos funcionários públicos, onde moram a professora e alguns
65
alunos. Mas também são significadas pelos documentos da própria escola que
mencionam os conflitos entre os moradores e a problemática com “valores” que os
impulsionam a desenvolver projetos para minimizar os conflitos. Na verdade um
bairro com um espaço físico tão pequeno evidencia ainda mais as tensões
provenientes do espaço social.
A partir dessas informações, já conhecendo que escola é essa, com alguns
simbolismos representados nos depoimentos, podemos iniciar a apresentação dos
dados obtidos com a organização das informações dispostos nos próximos
capítulos.
66
3. Manifestações de estudantes e professores sobre preferências
no espaço escolar.
Neste capítulo apresenta-se a análise dos dados obtidos na pesquisa a partir
da sua organização em eixos, os quais foram extraídos das respostas dos sujeitos
nas entrevistas, relacionando-os com os desenhos produzidos pelas crianças
participantes e abordados à luz dos conceitos referidos no capítulo inicial. Entre os
eixos estabelecidos o capítulo mostra o que se refere às preferências dos sujeitos
em relação ao espaço escolar.
3.1 Abordagem dos elementos constitutivos das preferências dos
estudantes com relação ao espaço escolar.
Ao entrevistar crianças questionando-as sobre seus gostos ou desgostos e
preferências dentro do espaço da escola abre-se a possibilidade de coletar
informações importantes acerca da constituição desse espaço e suas influências nos
sujeitos que o habitam. Essa coleta é fundamental para a compreensão dos
discursos incutidos na materialidade da escola, que contempla sistemas de valores,
símbolos culturais e ideológicos e compõe o ensino fazendo do espaço escolar um
constructo cultural (ESCOLANO, 1998). Diversos conteúdos, mesmo não
declarados, são aprendidos e apreendidos na relação com o espaço, desde controle
do corpo, disciplina, modos de ser, até regras de utilização e circulação. Todos
esses elementos são acrescidos da ação humana sobre os ambientes capaz de
constituir marcas significativas reafirmando ou transformando o que
arquitetonicamente foi colocado. A escola é, portanto, um espaço ocupado e
utilizado de diferentes modos, por diferentes sujeitos: funcionários, professores,
estudantes de diversas turmas. Na ocupação e uso, paredes, portas, corredores,
objetos e quaisquer materiais ou ambientes tendem a se converter, como destaca
Frago (1998), em lugar e território. Esses conceitos são entendidos pelo autor como
saltos de qualidade na constituição do espaço por indicarem a construção humana
numa noção objetivo-subjetiva. Por isso, acrescenta que:
“... o espaço não é um meio objetivo dado de uma vez por todas, mas uma realidade psicológica viva. Em certo sentido, o espaço objetivo –
67
para denominá-lo de alguma maneira – não existe. E se existe não conta – salvo como possibilidade e como limite. O que conta é o território, uma noção subjetiva, ou caso se prefira, objetivo-subjetiva - de índole individual ou grupal e de extensão variável. Uma extensão que vai desde os limites físicos do próprio corpo - ou de determinadas partes do mesmo – até o espaço mental dos projetos, ali até onde chega o pensamento que prenuncia a ação e o deslocamento” (FRAGO, 1998, p.63).
Nessa perspectiva, indagar crianças sobre o que gostam nos aspectos físicos
da escola significa também desvelar que lugares e territórios são construídos por
elas explicitando que tal construção é essencialmente cultural. Portanto, o gosto ou
não por determinado ambiente, é fruto da cultura do indivíduo, da sua posição no
espaço social, de seu habitus que lhe propõe certos hábitos de vida e tendências a
determinadas escolhas. Em suma, a preferência de um sujeito por determinado lugar
escolar e sua atuação dentro dele passam tanto pelas disposições materiais quanto
pelas estruturas estruturantes ou princípios geradores que compõem esse sujeito
(BOURDIEU, 2004). É nessa relação densa entre o que o sujeito é (estruturas que o
compõe) e o que a dimensão física oferece que lugares e territórios são constituídos,
preferências são selecionadas e o espaço escolar influencia e interage com o
ensino.
3.2 Desenhos sobre a escola: as representações dos estudantes.
As crianças participantes desta pesquisa, além de terem sido entrevistadas,
foram antes convidadas a desenhar a escola livremente representando o espaço
físico em uma folha de papel sulfite sem nenhum tipo de marcação. Somente após o
desenho ocorreram as entrevistas sobre o que pensam em relação a esse espaço,
suas escolhas no desenho e seus interesses na relação com a escola. Sessenta e
três crianças (63) de turmas do primeiro (1º) e quinto (5º) anos fizeram o desenho, e
destas, onze (11) participaram da entrevista. Não possível contar com a participação
de todas as crianças que realizaram o registro gráfico na entrevista, pois, no dia da
sua realização além de algumas não estarem presentes na escola, outras não forma
autorizadas a se ausentarem das atividades.
68
Na turma do quinto ano A, muitos questionamentos seguiram após a
solicitação do desenho: “Qual parte da escola é pra desenhar? É pra pintar? Precisa
ficar tudo reto?” A média de idade nessa turma era de dez (10) anos de idade,
havendo apenas um aluno com onze (11) anos completos. Treze (13) meninas e dez
(10) meninos, sendo um com deficiência física e utilizando cadeira de rodas. Apenas
uma menina não utilizava o uniforme fornecido pela Prefeitura de São Paulo.
Os alunos começaram a fazer os desenhos sentados nas carteiras
enfileiradas da classe, alguns se levantavam para ir até a janela contar a quantidade
de vidros para reproduzir no papel, outros utilizavam réguas com o cuidado de
manter os traços retos, sem dúvida um elemento forte nesse prédio. Na porta da
sala havia uma inscrição indicando que aquela era a sala ambiente de geografia.
Encontravam-se dentro do espaço alguns mapas, um relógio de parede, cortinas
amarelas nas janelas, um ventilador, certa quantidade de livros didáticos de
geografia, um globo terrestre; mapas do continente africanos desenhados e pintados
em papel vegetal colados nas paredes do fundo e uma tabuada colada na parede
sobre a lousa branca.
Enquanto desenhavam, os alunos conversavam também sobre quem iria ficar
em recuperação, pois, segundo a professora, seria quase metade da classe.
Algumas meninas comentavam que a escola deveria ter as “cores roxo e rosa” nas
paredes. Todos se empenharam bastante na execução do desenho e levaram cerca
de mais de uma hora para executá-lo. Ao recolher já foi possível perceber que
muitos dos alunos desenharam ou deram destaque à quadra.
Na turma do quinto B, havia vinte dois (22) alunos: doze meninas, dez
meninos. Uma das crianças estava acompanhada de uma estagiária estudante de
pedagogia por apresentar deficiência intelectual, segundo a professora. A média de
idade do grupo também se encontrava em torno dos dez anos. As mesmas cortinas
amarelas estão presentes nas janelas, o mesmo tipo de lousa branca. Dois
armários, livros didáticos empilhados, cartazes sobre a língua portuguesa, carteiras
em fileiras. Nessa classe não existe o relógio de parede.
Esse era um grupo bem mais agitado e falante, questionaram o que iria ser
feito com o desenho deles e mostravam os desenhos uns aos outros durante o
processo. Paralelamente, alguns lideravam a organização de uma festa de
encerramento do ano que iria ocorrer no dia seguinte, na classe. Novamente a
69
quadra aparece em destaque entre as escolhas nos desenhos, além da fachada da
escola. Ambas as professoras do quinto ano, durante o período de coleta dos
desenhos, estiveram preocupadas em corrigir atividades para avaliar os alunos
atentando para o final do ano letivo. Devido à ocupação intensa das professoras,
todos tiveram bastante tempo livre para desenhar. E de maneira geral, no quinto
ano, demostraram gostar muito da proposta de desenhar a escola.
Ao entrar na classe do primeiro ano B, algumas diferenças são perceptíveis.
As turmas do primeiro ano localizam-se em outro andar, muitos desenhos e enfeites
são encontrados nas paredes, as mesas e cadeiras são pequenas, as cortinas
amarelas desse espaço possuem desenhos também. A disposição não é em fileiras
como no andar inferior, e sim, em grupos com potes com giz e lápis de cor no centro
de cada grupo. Há calendário, relógio, cartazes com as sílabas e cartazes com
dizeres como: “ajudante do dia, combinados da classe e jogue o lixo no lixo”. As
paredes são repletas de informações. Ao fundo, uma bancada com papeis, livros e
revistas. Na ocasião eram sete meninos (7) e sete meninas (7), uma criança com
deficiência física e intelectual. Todos se mostraram animados com a proposta do
desenho, e novamente a quadra aparece de forma marcante ao lado do parque.
No primeiro ano A, mais elementos que diferenciam o espaço das classes do
quinto ano: uma lousa quadriculada, uma bandeira do Brasil na parede sobre a
lousa, um jarro grande com água sobre uma mesa próxima à professora, nessa
mesa também havia lenços de papel e um sabonete. As paredes repletas de
elementos decorativos em E.V.A., cartazes sobre a água, um rádio portátil e uma
estante com livros infantis. Mais uma vez a proposta de desenhar foi bem recebida
pelos alunos que destacaram espaços considerados por eles “lugares de brincar”
como o parque e a quadra. Nesse grupo havia sete (7) crianças; contudo, apenas
quatro (4) participaram da proposta, pois, os demais não tinham terminado uma
atividade proposta pela professora e não foram autorizados.
Ao final do dia, entre os desenhos das sessenta e três crianças
participantes, trinta e três haviam representado a fachada da escola; vinte, do total,
desenharam a quadra, onze desenharam o parque e oito a sala de aula. Apenas
uma criança incluiu a horta da escola em seu desenho. Apenas uma criança também
representou a secretaria e o espaço do refeitório. O corredor e a lousa apareceram
duas vezes. Outros lugares não receberam destaque: a brinquedoteca, a sala da
70
rádio, a diretoria, a sala dos professores, sala de informática e de leitura... Nenhum
desses espaços foi lembrado revelando pistas da baixa relação que essas crianças
possuem com eles. Cabe ressaltar, nesses destaques, que várias crianças
representaram mais de um ambiente no desenho.
3.3 A quadra como ambiente de predileção dos estudantes:
território construído coletivamente.
Figura 32 – Visão da lateral da quadra
Uma quadra simples e com poucos elementos, não possui arquibancadas na
construção, apenas um alambrado lateral, traves e tabela de basquete e um armário
de ferro para materiais. Entretanto, como já mencionado na descrição do segundo
capítulo, ocupa um lugar de destaque no prédio, pois está localizada no topo do
prédio, podendo ser vista por quem passa na rua e compondo parte da fachada.
Essa projeção dada pela estrutura da construção já poderia ser considerado um
fator explicativo da preferência pela quadra apontada por vários estudantes.
Contudo, outros aspectos ainda são necessários para explicar o gosto das crianças
pela quadra.
Durante a entrevista, mesmo crianças que desenharam outras partes da
escola, como a fachada do prédio, por exemplo, ao serem questionadas sobre qual
o lugar da escola mais gostava responderam: a quadra. Das onze (11) crianças
entrevistadas, seis (6) pertenciam ao primeiro ano e as outras cinco (5) do quinto
ano. Entre as crianças do primeiro ano, duas: C2 e C4, afirmaram a quadra como
71
lugar favorito na escola. No que tange ao quinto ano, todos os entrevistados (5)
elegeram a quadra como lugar favorito. Dados que indicam que esse espaço supera
a construção de concreto sendo parte da construção cultural da relação dessas
crianças com a escola.
Entre as crianças menores do primeiro ano ao longo da entrevista a
demonstração do gosto e admiração pela quadra aparece em diversas falas, como é
possível observar nos trechos extraídos da transcrição apresentados a seguir:
L1: Qual que é lugar de todos da escola que você mais gosta?
C2: Quadra.
L1: Oi minha linda porque você desenhou essa parte da escola?
C4: Ó...
C4: Eu só desenhei o gol.
L1: Hum, você desenhou a quadra da escola.
C4: Eu desenhei a janela.
C4: Eu desenhei a educação física.
L1: A educação física? É. Você gostou...
C4: Essa é a professora.
L1: É a professora de educação física essa daqui? Hum muito bem! Por que você desenhou a quadra?
C4: Eu desenhei a quadra.
L1: Mas por que você desenhou essa parte, a quadra, por quê?
C4: Por quê?
L1: É. Você gosta da quadra? Qual é o lugar da escola que você mais gosta?
C4: Eu gosto de fazer exercício.
L1: É você gosta de fazer exercício. Qual que é o lugar da escola que você MAIS gosta de todos?
C4: Exercício.
L1: É da quadra? É? Hum...
C4: E eu gosto de jogar bola.
C3: A gente dança, a gente dança.
C3: A gente dança né A..
72
C1: É. Joga bola...
C1: (...) joga bola, nóis brinca de pato-ganso.
C3: De pega-pega, esconde-esconde.
C1: Pega-pega maçã.
Há uma ênfase para as atividades que são realizadas nesse lugar numa
associação positiva do tipo de atividade realizada e o ambiente físico, tal como a
resposta da criança C4 que afirma que o lugar que mais gosta na escola é
“exercício”. Também são consideradas com admiração características desse
espaço, demonstradas em outro trecho extraído da transcrição:
C1: Eu tenho até medo de olha para baixo.
L1: Você tem medo de olhar para baixo. Mas, tem uma grade, não tem?
C3: É muito alto!
L1: Ainda bem que tem uma grade para a gente não cair.
C3: Tem uma portinha.
C2: Também lá na quadra tem pombos, muitos pombos.
C3: Tem uma portinha.
C2: Tem um monte de pombos dormindo.
C3: Tem uma portinha.
L1: Tem uma portinha na quadra?
C1: Duas. Duas.
A altura da quadra e até a presença dos pombos são lembradas por eles com
admiração. Fica evidente o interesse e a apropriação do espaço onde são realizadas
brincadeiras coletivas e que pressupõem movimentos e expansão do corpo, tais
como as citadas no trecho da transcrição: pega-pega, esconde-esconde, pato-
ganso, jogos com bola e dança. A quadra converte-se em um território de
construção grupal cuja extensão começa no corpo das crianças que brincam e
integra todo o espaço, até mesmo as pombas fazem parte do cenário. FRAGO
(1998) considera que:
73
“... todo espaço é um lugar percebido. A percepção é um processo cultural. Por isso, não percebemos espaços senão lugares, isto é, espaços elaborados, construídos. Espaços com significados e representações” (p.78).
Portanto, a quadra é a representação que se faz dela. A dimensão da construção
ganha interpretação a partir da dimensão simbólica dos indivíduos que a
frequentam, utilizam e se apropriam. Ao se tornar o lugar onde brinco com outras
crianças e me sinto bem, a dimensão simbólica estabelece outros constituintes
desse ambiente: alegria, prazer, satisfação... Que dão certo colorido simbólico ao
alambrado de metal e piso de concreto.
Nas figuras 33 e 34, dois desenhos da quadra apresentando, em ambos, um
grupo de crianças jogando futebol revelam práticas comuns exercidas nesse espaço.
Muito embora as crianças do primeiro ano tenham listado brincadeiras coletivas
tradicionais praticadas na quadra, o futebol se sobressai como prática mais comum
e mais identificada com a preferência pelo espaço da quadra.
74
Figuras 33 e 34 – Desenho da quadra representando crianças jogando futebol.
L1: E qual que é o lugar da escola entre todos que você mais gosta?
C7: A quadra.
L1: Ah é? Por quê?
C7: Porque nóis joga bola e eu gosto de jogar bola.
L1: Você gosta muito? O que mais você gosta de fazer? O que mais rola lá na quadra?
C7: Campeonato.
L1: É? Vocês fizeram um campeonato aqui na escola? É? E aí, ficou em que lugar?
C7: Segundo.
L1: Segundo? Oh, jogou bem?
C7: Sim.
No trecho acima, extraído da transcrição da entrevista, a criança C7 declara
gostar da quadra mais do que outros espaços da escola e associa ao interesse pelo
futebol e a realização de um campeonato. A criança C8, garoto também do quinto
75
ano, e que possui uma deficiência física fazendo uso de cadeira de rodas, ao ser
questionado sobre o desenho afirmou:
C8: Quadra, a quadra da escola e... Aí eu desenhei o elevador. Eu desenhei as salas... E aqui é o portão da escola.
L1: Por que você desenhou essas partes?
C8: Por causa que é as partes que eu mais uso.
L1: É. As partes que você mais usa? Ah, legal! Você usa o elevador todos os dias, né? As salas e a quadra? Você curte a quadra? É? Fala para mim, qual é o lugar da escola entre todos que você mais gosta?
C8: Jogar futebol.
Novamente o futebol aparece como prática esportiva em destaque mesmo em
se tratando de uma criança com limitações físicas. Na figura 35, apresentada a
seguir, está o desenho feito por ele.
Figura 35 – Desenho feito pela criança C8 – da esquerda para a direita: quadra, elevador, corredor das salas de aula. Abaixo: portão de entrada.
Na figura 36, mais um desenho da quadra; contudo, nesse desenho, existem
mais detalhes. Ao lado esquerdo está escrito “aula de educação física” seguida pelo
desenho da professora e ao lado direito uma criança torcendo enquanto os demais
jogam futebol. Estão presentes as marcações da quadra, as traves e a bola além
76
das várias crianças jogando. Mais um detalhe interessante do desenho: a criança
que está chutando a bola em direção ao gol tem o número dez (10) na camiseta e
está com uma expressão alegre, representada pelo formato do traço da boca,
enquanto a criança representada no gol está com uma expressão triste ou
aborrecida. O desenho faz alusão a um jogo do campeonato que ocorreu na escola.
Figura 36 – Desenho da quadra representando uma aula de Ed. Física
Outras crianças participantes: C9, C10 e C11 também enfatizaram o gosto pela
quadra e pelo futebol em suas respostas apresentadas nesses trechos da
transcrição:
L1: Dos lugares dessa escola aqui, qual o lugar que você mais gosta?
C9: Ah, a quadra.
L1: A quadra, por quê?
C9: Porque nós joga bola.
L1: Você gosta de jogar futebol? Mas lá na quadra só tem futebol ou tem outras coisas?
C9: Só futebol e vôlei.
L1: Futebol e vôlei. Mas, não tem mais nada além de futebol e vôlei?
C9: Não só isso.
L1: Qual é o lugar que vocês mais gostam de todos os lugares que tem aqui na escola?
77
C11: Da quadra.
C10: A quadra.
L1: Por que a quadra os dois concordam assim?
C10: Porque nóis joga futebol.
L1: Você também curte futebol?
C11: Sim.
L1: E o que rola lá na quadra, só futebol ou tem outras coisas?
C11: Futebol, campeonato.
Nesses diálogos expostos mais uma vez fica manifesto o tipo de apropriação
feita do espaço da quadra pelas crianças e a relação direta entre a preferência pelo
espaço e as atividades desenvolvidas nele, sobretudo, o futebol.
No entanto, algumas situações relacionadas a esse espaço não os agradam.
Apesar da relação positiva com a quadra, existem regras de uso determinadas pelos
adultos e que se distanciam dos interesses das crianças. Como esse espaço se
localiza no topo do prédio de dois andares, compondo um terceiro andar, para
acessá-lo existem duas únicas maneiras: fazer uso do elevador e subir direto ao
terceiro piso ou subir os lances de escadas passando pelos dois andares inferiores
que compreendem os corredores das salas de aula. O elevador é utilizado apenas
para a locomoção das crianças com deficiência física e seu acompanhante ou
cuidador, não sendo liberado para os demais que fazem o uso cotidiano da escada,
mesmo para subir até a quadra. A norma da escola determina que para não
atrapalhar os alunos que estão em aula, como os horários de recreio são separados,
só é permitido subir ao terceiro andar nas aulas de educação física ou em situações
autorizadas para alunos, como festas e eventos da escola. Portanto, o espaço
preferido dos estudantes só pode ser utilizado nos momentos de aula, no horário
destinado ao lazer e a brincadeira livre, com menor intervenção dos adultos – o
recreio, os espaços disponíveis são os localizados no piso térreo: pátio e
parque/área externa. Como no pátio também funciona o refeitório para alimentação,
com várias mesas e bancos, costuma-se jogar futebol na área externa que abriga o
parque, sobretudo, os alunos do quinto ano.
78
Sobre o descontentamento em não poder subir à quadra nos recreios, a criança
C8, o garoto do quinto ano com deficiência física, ao ser entrevistado para esta
pesquisa apresentou uma proposta:
L1: Ah, o que você faria no parque?
C8: Faria uma quadra pequeninha...
L1: Ah, e cabe ali naquele espaço? Você acha que cabe?
C8: Aqui, sabe tem a entrada, aí quando você entra não tem um lugarzinho assim do lado?
L1: Tem, sei.
C8: Então, é ali da pra fazer...
L1: Ali dá pra fazer uma mini quadra?
C8: É. Aí do outro lado, lá no fundão assim, lá onde acaba o parque...
L1: Ah, então você faria umas obrazinhas lá no parque. Você já deu essa ideia para o diretor para quando ele tiver um dinheiro? Dá a ideia para o diretor! Tem grêmio nessa escola?
C8: Só às vezes.
L1: Então, monta um grêmio, dá a ideia para o diretor. Aí, você mudaria só o parque, faria isso? Por que você queria ter uma mini quadra lá em baixo?
C8: Para nóis quando tiver no recreio nóis jogar bola. Por que é ruim, né ficar jogando bola na areia suja tudo a roupa...
L1: É depois a mãe briga que sujou a roupa.
C8: Não é nem questão isso. É que rasga o tênis, rasga a calça...
L1: É verdade. Deixa eu te perguntar: quando está lá em baixo no recreio não pode subir lá na quadra, né? Eles não deixam?
C8: Não.
Para ele a solução ao problema de não acessar a quadra o quanto desejariam
seria a construção de uma nova quadra no piso térreo. Até mesmo as professoras
fazem inferências à relação de seus alunos com a quadra, as aulas de educação
física e o futebol. A professora do primeiro ano aqui identificada como P1,
argumentou que procura levar seus alunos à quadra em outras situações:
L1: ... Disseram até que gostariam que tivesse outra quadra, porque na hora do recreio eles não podem subir lá, não é?
P1: Não, não podem. Só no horário de educação física.
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L1: É o único momento que eles acessam a quadra mesmo? Tem outras atividades que são feitas lá na quadra além da educação física?
P1: ((...))Dia das crianças a gente sobe...
L1: Festas?
P1: Quando a quadra está desocupada eu subo com eles. Então tem alguns momentos que...
A professora P1 também demonstra concordar com o fato de que os alunos
da escola gostam muito de futebol, mas, segundo, ela a professora de educação
física desenvolve também outras atividades:
P1: É porque eles adoram jogar bola.
L1: É, eu percebi isso muito forte aqui.
P1: Eles amam jogar bola e, na educação física não é só jogar bola, tem outras
atividades.
L1: Tem outras atividades e o forte deles é o futebol. Eu percebi isso pela fala deles,
eles até mencionaram um campeonato.
P1: Pros quintos teve.
A professora do quinto ano, P2, justificou o interesse pela quadra e pelo futebol
com a participação da escola em campeonatos esportivos:
P2: São demais. Porque eles tem ido muito a campeonatos.
L1: É?
P2: E tem trazido assim os troféus. Aí eu não sei se por conta disso sabe, criou mais gosto ainda. Tanto de meninas, quanto de meninos. Só que os meninos ano passado ganharam, esse ano não, foram desclassificados cedo, não fizeram um trabalho de equipe, queriam se sobressair. As meninas não. Fizeram um trabalho melhor e trouxeram medalhas esse ano. Então, acho que por conta disso também, eles querem muito assim... Porque segundo a professora de... Ela fala não é só jogar. Tem que entender todo o procedimento, é um trabalho de equipe. Então é assim, eles escolhem os que se destacam em tudo, não só quem joga bola.
L1: Não só no esporte.
P2: Isso. E aí eu percebi assim, que por conta disso... Nossa! Eles estão assim entregues.
L1: Isso tem aumentado ainda mais o gosto...
P2: Tem, tem!
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É possível notar, até mesmo no depoimento dessa professora, um tom
positivo e de valorização da participação nos campeonatos mencionados e do
trabalho realizado com o esporte. Ao reforçar que as meninas trouxeram medalhas
esse ano porque fizeram um trabalho melhor, entendido como trabalho em equipe, a
professora do quinto ano referenda a presença do futebol no universo da escola e,
sobretudo, de seus alunos.
Contudo, cabe indagar, para além das alegações das professoras e até dos
depoimentos das próprias crianças, as origens da valorização do espaço da quadra
e do futebol como prática desse espaço. Para tal, é preciso analisar o contexto em
que as crianças e a escola estão inseridas. Retomando o item sobre a
caracterização do bairro, apresentado no segundo capítulo desta pesquisa, tem-se
informações importantes sobre o contexto social desses indivíduos. Um bairro
pequeno e desprovido de grandes comércios, equipamentos públicos, equipamentos
de lazer ou cultura. Não existem praças ou parques, unidade de saúde ou pronto
socorro. A presença do poder público é pouco percebida exceto por três elementos:
a escola, o prédio grande construído na entrada do bairro; o ponto final de uma linha
de ônibus, que vai em direção a uma estação de metrô e transporta os moradores
aos locais de trabalho; e grande parte das moradias do bairro, pequenos edifícios
construídos a partir de um programa habitacional denominado CDHU. O nome do
conjunto nomeia também a linha de ônibus, a escola e o próprio bairro.
Junto aos edifícios está a pequena quadra, único equipamento de lazer
construído no bairro. Com moradias pequenas, a rua e a quadra são espaços
comunitários de lazer: pessoas circulam, crianças brincam... Brincam e jogam
futebol. Até mesmo os adultos o fazem. Em dois dias de observação fora da escola,
na extensão da rua principal, foi possível perceber a intensa circulação na rua e a
grande movimentação na quadra. Portanto, ao ingressarem na escola, no início do
ensino fundamental, as crianças participantes da pesquisa, conforme também foi
destacado no segundo capítulo, em sua maioria moradoras desse bairro, já
possuem alguns anos de vivência nesse ambiente.
Bourdieu destaca que espaço social, entendido como as estruturas de posições,
exclusão e distinção da sociedade e espaço físico estão imbricados. O físico é a
tradução difusa do social e a posição ocupada no espaço social se apresenta no
81
lugar ocupado no espaço físico (BOURDIEU, 2003). A escassez de recursos sejam
eles econômicos ou culturais, se reflete nas condições do bairro. O cruzamento de
baixo capital econômico e baixo capital cultural engendra a posição de exclusão dos
indivíduos nesse bairro e não se expressa apenas no aspecto do lugar, mas
também, e principalmente, no habitus constituidor desses mesmos indivíduos:
“Ou seja, sendo o produto de uma classe determinada de regularidades objetivas, o habitus tende a engendrar todas as condutas “razoáveis”, do “senso comum”, que são possíveis nos
limites dessas regularidades.” (BOURDIEU, 2009, p. 92).
As disposições que são criadas pelo habitus são duráveis e predispostas
a funcionar como estruturantes que geram e organizam práticas e criam
representações. Compondo uma homogeneização de grupo que foge à referência
consciente. Desse modo, uma comunidade pequena e pobre, em um dos extremos
da cidade de São Paulo tende a apresentar costumes e modos de vida parecidos
entre seus habitantes. Mesmos interesses e mesmas práticas, explicitando a
presença marcante da prática do futebol.
Cumpre enfatizar mais uma vez que a quadra do bairro foi construída junto
aos prédios e no mesmo período, dada como área de lazer. Essa construção pode
ser compreendida a partir da noção socialmente construída do futebol como parte
importante da cultura nacional, ou da cultura do brasileiro. Uma prática
esportiva/lazer acessível e difundida em todo o país, reforçada pelos veículos da
mídia nas propagandas, transmissões de jogos e campeonatos, programas de
televisão e rádio.
Toda essa conjectura exposta cria nos estudantes dessa escola pesquisada
uma forte tendência a gostar da quadra como espaço instituído para o futebol, isto,
pois,
... o habitus é uma capacidade infinita de engendrar em toda liberdade (controlada) produtos – pensamentos, percepções, expressões e ações – que sempre têm como limite as condições historicamente e socialmente situadas de sua
produção...” (BOURDIEU, 2009, p. 91)
Ademais, a quadra da escola é maior e melhor estruturada que a quadra do
bairro. E na quadra do bairro as crianças disputam o espaço das brincadeiras com
82
os outros moradores: jovens, adultos, crianças mais velhas. Já a quadra da escola
parece ser um espaço mais exclusivo das crianças no período em que estão
estudando. Esse fator explica o incomodo em não poder acessá-la em todos os
momentos desejados e a necessidade apresentada por uma das crianças de que
mais uma quadra fosse construída organizando mais um espaço par jogar futebol.
Curiosamente, uma criança entre as que desenharam a quadra, expressou
uma atividade esportiva diferente da maioria e colocou em seu desenho outros
elementos.
Figura 37 – Desenho da quadra: crianças jogando basquete
Na figura 37 a quadra aparece representada por um jogo de basquete, nas
traves de futebol dão lugar a tabela e as cestas. Dois times jogam: um de meninas e
outro de meninos. O time feminino aparece lançando a bola para a cesta com uma
expressão feliz representada pelo formato da boca desenhada. Já o time masculino
está com a expressão oposta. Há uma figura feminina próxima ao centro do desenho
com um apito na boca, sinalizando o que pode ser o ato da professora de educação
física encerrando o jogo. Um desenho diferente dos demais, porém, ainda é a
quadra o lugar escolhido.
Todos esses aspectos ressaltam e reforçam a presença marcante da quadra no
imaginário das crianças. Um espaço emblemático dentro do prédio escolar. Ao
mesmo tempo imponente por estar construído no alto, cercado de regras e
limitações instituídas por esse motivo. Usado quando acessado para as aulas de
educação física e para as festas da escola, mas também usado e desejado pelo
83
imaginário das crianças. Portanto, sempre lembrado, admirado. Dialeticamente
fechado e aberto. Fechado por estar dentro do prédio sendo totalmente coberto e
gradeado, e aberto por ser amplo espaço de movimento do corpo, onde se pode
correr, gritar comemorar.
De fato, a quadra apresentada na figura 32, vazia, não passa de um espaço de
concreto, ou como afirma Frago (1998), sequer existe, é apenas uma possibilidade.
E como tal se acha transformada em lugar: lugar da festa, lugar da brincadeira, lugar
do futebol, do campeonato. E território grupal das crianças onde elas se identificam
e se aproximam em relações espaciais que extrapolam o físico e integram seus
próprios corpos.
3.4 O parque, a brinquedoteca e o pátio: oposições entre os
espaços destinados a brincar.
Três ambientes distintos com um ponto de aproximação em comum: espaços
coletivos para brincar. A brinquedoteca, o parque e o pátio cumprem a função de
atuarem como espaços para as brincadeiras das crianças dentro da escola, sejam
elas direcionadas pelos adultos ou mais livres, como as que ocorrem no recreio.
Todavia, para além dessas funções expressas, ao se aproximar desses ambientes é
possível perceber outros modos de apropriação de crianças e adultos.
No tocante ao parque tem-se um ambiente aberto, amplo com brinquedos de
madeira que não ocupam toda a extensão do espaço e com um piso quase todo de
terra, com exceção de algumas partes em cimento mais próximas ao prédio e no
quiosque. Na figura 38 é possível observar essas características: os brinquedos em
madeira (casinha, ponte, escorregador, trepa-trepa, dois balanços feitos com pneus),
o quiosque e o chão de terra. Ao fundo um morro com pequenas árvores e
vegetação, encerrado por um alambrado no topo que circunda a horta.
84
Figura 38 – Vista do parque
A utilização desse espaço se dá no horário do recreio, momento em que muitas
crianças jogam futebol nesse ambiente, uma vez que não podem acessar a quadra;
e também em momentos específicos para cada turma de acordo com um recurso da
rotina da escola chamado de linha do tempo. Esse recurso estabelece um quadro
semanal de horários para cada turma do primeiro ao quinto ano utilizar o parque
com o acompanhamento da professora. Nessa organização todas as turmas do
período utilizam o parque ao menos uma vez por semana.
Dentro do universo das predileções dos alunos o parque aparece logo depois da
quadra, foi lembrado nos desenhos e enfatizado nas falas das entrevistas. As
crianças do primeiro ano listam os brinquedos do parque e ressaltam gostar dele
porque é possível brincar tanto nos brinquedos disponíveis, quanto de outras
brincadeiras que envolvem correr, como pega-pega. As falas das crianças C3, C4,
C5 e C6, todas do primeiro ano, expostas a seguir reforçam essa ideia:
L1: No parquinho? O parquinho é o lugar favorito?
C3: É... E lá atrás.
C3: E no parque nóis fica brincando de pega-pega
L1: É
L1: Que mais tem aqui na escola?
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C4: Também tem roda-roda, daí senta no roda-roda.
L1: É. Que legal. Qual o lugar da escola que você MAIS gosta entre todos, todos, todos?
C6: O pátio.
L1: O pátio, por que hein? O que tem lá de tão bom? O que você faz...
C6: Não é o parque.
Na figura 39, uma criança do primeiro ano faz uma representação do
parque com muitas cores, árvores frutíferas e flores, céu azul, grama e sol numa
grande valorização desse ambiente. Uma curiosidade interessante do desenho é
que é possível notar que outro desenho foi feito na folha e apagado, no entanto seus
traços ainda podem ser vistos no papel. Nas linhas apagadas há um tracejado do
que parece ser a quadra com a linha central e as traves do gol. Ao final a criança
acabou optando pelo parque. Reforçando que esses dois lugares da escola com
seus elementos são os preferidos e os mais lembrados por eles.
Figura 39 – Desenho do parque
86
Em outro desenho do parque (Figura 40) os brinquedos: balanço, trepa-trepa
e escorregador aparecem grandes ocupando toda a extensão do papel. No desenho
não há presença de outros elementos desse espaço físico.
Figura 40 – Brinquedos do parque
Os alunos do quinto ano dão ênfase ao parque e muitos declaram ser o segundo
espaço favorito dentro da escola. Tal como na relação com a quadra, no quinto ano
aparecem, mais uma vez, apontamentos de aspectos que para eles poderiam
melhorar o ambiente. A criança C7, ao ser perguntado se mudaria algum lugar na
escola, respondeu:
L1: Se você pudesse, tivesse poder assim de mudar algum lugar da escola, fazer diferente, você mudaria alguma coisa? O quê?
C7: O parque.
L1: Ah é? Você faria o que no parque de diferente?
C7: Colocar muitas coisas... Ia colocar...
L1: Hum, dá uma exemplo aí...
C7: Ia colocar um balanço mais grande.
L1: Ah, por que só tem balanço pequenininho?
C7: E o escorregador mais grande também, para escorregar mais.
L1: É.
C7: Ia mudar também...
L1: Quem que usa o parque? Sua sala vai no parque?
87
C7: Sexta-feira.
A questão colocada está no tamanho dos brinquedos, que segundo essa
criança não se adequa ao tamanho deles, com brinquedos maiores poderiam brincar
mais. A criança C9 enfatiza que gosta de utilizar o balanço e as crianças C10 e C11
afirmam que melhorariam a escola construindo, no parque, um campo gramado e
uma piscina:
C9: Aí no parque só tem (...) lugar para se balançar.
L1: Você gosta do balanço?
C9: É.
L1: É. Ah, e o parque você gosta também?
C9: Gosto.
L1: E além da quadra vocês gostam de mais alguma coisa aqui? Do quê?
C11: Do parque, do pátio.
C10: Da mesa de pingue-pongue que tem lá no pátio.
C11: Eu ia por uma piscina na escola.
C10: Colocar um campo de...
L1: E um campo de grama? E onde ia caber tudo isso?
C10: Lá no parque.
L1: E onde ia ficar a piscina? Ia construir a piscina onde?
C11: Tem a horta lá em cimão. Então, nóis diminui a horta.
Acerca dos depoimentos dos alunos, a professora do primeiro ano intervém
apontando que estes valorizam muito a brincadeira e que a escola é um lugar de
diversão, para ela: “eles se cansam muito rápido de ficar dentro da sala, então,
esses ambientes (externos) são totalmente, muito importantes, fazem muita
diferença”. E acrescenta que: “a característica dos nossos alunos é gostar muito da
escola como se só tivesse ela de diversão”. (Professora P1). Já a professora do
quinto ano endossa a ideia de seus alunos ao pontuar que o parque só não é mais
prestigiado por eles porque os brinquedos ofertados já não estão de acordo com o
tamanho ou idade deles. Essa perspectiva da professora está no trecho da
transcrição abaixo:
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L1: Quadra disparado e o parque vem em segundo lugar.
P2: O parque só não é mais sabe por quê? Os brinquedos para eles que já estão no quinto ano... Assim, eles curtem só o fato deles irem lá, porque eles fazem brincadeiras também. Fazem campinho, correm daqui e dali. Mas, pelos brinquedos ainda serem mais infantis... Se fossem oferecidas mais coisas talvez...
L1: Eles gostariam mais...
P2: É, porque aí tem os balanços: e aí não vai balançar? Eles ficam resistindo, porque não quer ser a criança...
L1: Que vai balançar...
P2: Isso!
L1: A vergonha não deixa!
P2: Tem hora que eles resistem um pouco.
L1: Mas, você sabe que, um menino seu disse o seguinte para mim, que ele tinha uma crítica ao parque. Eu falei “o quê?” Ele falou: “Eu gostaria que os brinquedos fossem maiores e tivesse balanço de menino grande”.
P2: É isso que eles pensam, sim.
P2: Quando a gente tem o nosso... Eles falam linha do parque, então, cada professor tem um horário de parque. Como eles são quinto ano, a gente vai menos vezes. Ai eles, tipo assim, eles fazem um campinho ali na frente. E realmente é terra, no dia que chove...
L1: É lama.
P2: É lama e não dá pra ir e eles ficam bem tristes... E a questão do brinquedo maior, você falando assim, eu observo que quem brinca exatamente nos balanços, escorrega assim são aqueles mais infantis. Naquela fase bem infantil mesmo. Porque a gente tem uns naquela transição de pré-adolescente e tem aqueles ainda mais infantis. E a gente percebe que esses se entregam.
L1: Se entregam e balançam e brincam sem...
P2: Agora pros maiores...
L1: Ficam mais receosos.
P2: É. Mais resistentes. Eu falo vão lá aproveitar e eles ficam com o foninho “não professora”. E ao mesmo tempo tem horas que eu pego aí estão lá balançando.
Apesar das limitações no parque, ele ainda é um espaço de prestígio entre
as crianças. Um lugar ocupado, segundo Viñao Frago, pelas brincadeiras e
interação e com extensões grandiosas se comparado ao tamanho das moradias dos
alunos. Como grande parte reside em apartamentos pequenos ou casas que
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também possuem dimensões modestas e quase nenhum espaço aberto como
quintais, por exemplo, o parque é, junto com a rua, os maiores espaços ao ar livre
que eles podem acessar para brincar e o único espaço que possui brinquedos.
Brinquedos esses que são valorizados pelos alunos, como nos desenhos a seguir
das Figuras 41 e 42.
Figuras 41 e 42 – Desenhos do parque
Ainda sobre o parque a professora do quinto ano pontuou outros aspectos na
entrevista:
P2: Mas, com certeza esse ano eles tiveram um problema com o horário deles lá do parque, não poder fazer por causa da chuva. Aí eu lamento esse dia que eles não podem ir. Até eu lamento! (risos da professora)É porque para eles é um premio esse
90
dia chegar para ir entendeu? A gente faz esse combinado. Faz parte do brincar, é dez, eu também no dia que eles estão lá não se preocupe que eu não vou privar nenhum. Aliás, eles têm uma aula de projeto com a P. que não é parque, eles sabem bem disso. Mas, o dia que ela falta eu aproveito essa aula também e levo, entendeu? Mas, para eles... A gente tem esse combinado, lá vocês podem ficar à vontade. Qualquer professor que tem o dia do parque deles respeita muito, porque para eles...
L1: É um momento de liberdade?
P2: Sim. Eu fico pensando, a gente é adulto, Deus, quando tem cinco aulas na sequência fica aquela coisa meio maçante. É cansativo, não produz tanto quanto, entendeu?
L1: É. De ficar sentado...
P2: Então, tem que dar uma descontraída, de sair e dar uma arejada. Eu acho que isso os desenvolve bastante. E lá é bom porque a gente os observa brincando, essa coisa dos combinados deles. Aí você quer ver se um se sobressai em relação ao outro, ou você entra para conversar. Uns que têm sérios problemas em sala de aula de extremo ou muito calado ou muito assim, você sugere uma brincadeira que poderia estar junto. Funcionam coisas que eles podem se desenvolver.
Nesses trechos fica notória a ideia de que a professora, por razões que
podem ser diversas, valoriza também a ida dos alunos ao parque. Para as crianças
um momento para brincar, e para ela uma oportunidade de modificar a dinâmica
estabelecida na sala de aula.
Aproximando-se dos outros ambientes da escola destinados às brincadeiras
das crianças, existe a brinquedoteca. Uma sala de aula ociosa adaptada pelos
professores para funcionar como brinquedoteca. As carteiras da sala estão
dispostas ao redor do espaço junto às paredes e abrigam os brinquedos que estão
separados por categorias: ursos de pelúcia, bonecas, carrinhos, e acomodados em
caixas ou caixotes. Alguns brinquedos maiores como geladeira de plástico e carrinho
de bonecas estão no chão.
Figura 43 – Detalhe da brinquedoteca
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Nenhuma criança desenhou a brinquedoteca. A ausência nos desenhos em si
já constitui um fator intrigante. Se os alunos dessa escola valorizam tanto os
ambientes em que podem brincar como a quadra e o parque, porque se
esqueceriam da brinquedoteca? Ao longo das entrevistas as crianças do primeiro
ano não lembraram nem mencionaram a brinquedoteca quando questionadas sobre
ou lugares que gostam, ou não; sobre os ambientes que conhecem na escola, sobre
os lugares em que consideram que ficam mais juntos. A brinquedoteca não
apareceu em nenhum de seus depoimentos. A professora deles demonstrou certo
espanto ao saber da ausência: eles não falaram da brinquedoteca. (Trecho extraído
da transcrição da entrevista com a professora P1). E na sequência da entrevista
essa professora explicou o funcionamento da brinquedoteca da escola:
L1: E como funciona o uso da brinquedoteca aqui? Você tem uma coisa, um horário
programado?
P1: Faz parte da linha do tempo. As crianças vão para a brinquedoteca duas vezes
na semana, sendo que na segunda eles ficam duas aulas, mas a gente percebe que
eles se agitam mais, aí perde o foco. E o ano que vem a gente vai mudar isso, mas
oferecer todos os dias.
L1: Vocês vão oferecer todos os dias um pouco?
P1: Porque a brinquedoteca, se você reparou, ela fica bem pertinho da nossa sala.
Quando a professora afirma que ficando mais tempo na brinquedoteca as
crianças perdem o foco e ficam agitados pode-se inferir que na expectativa das
professoras os alunos devem brincar nesse espaço fazendo uso dos brinquedos
disponíveis, de maneira calma. As crianças do quinto ano foram questionadas a
respeito desse espaço, e a criança C7 respondeu:
L1: Dia de sexta-feira é o dia de vocês irem no parque? E na brinquedoteca vocês
vão?
C7: Só quando eu era do quarto ano.
L1: Ah é, no quinto ano não vai mais. Mas, você gostaria de ir ou não? Não? Por quê?
92
C7: Porque eu não brinco mais.
L1: Você não brinca mais? Você acabou de falar que gosta de ficar no pátio para brincar!
C7: De boneco, porque lá é de boneco.
L1: Ah, lá na brinquedoteca é com brinquedo. Você não brinca mais com brinquedo? Com nenhum brinquedo? Nem na tua casa?
C7: Só jogo bola.
A própria rotina da escola, ou linha do tempo segundo a professora, criou uma
separação no uso do ambiente, determinando que somente alunos até o quarto ano
possam brincar nesse espaço. Na entrevista, C7 reforça essa perspectiva ao dizer
que não brinca mais com boneco. As crianças C10 e C11 também compactuam da
mesma ideia a respeito da não presença do quinto ano na brinquedoteca e trazem
indícios que podem explicar o desinteresse pelo ambiente, mesmo daqueles que o
utilizam duas vezes por semana:
L1: Vocês gostam de brincar, né?
C11: Ah e a gente não gosta da biblioteca.
L1: Onde fica a biblioteca?
C11: Lá em cima no terceiro andar.
L1: Por que não?
C11: Muito brinquedo.
L1: Ah é brinquedoteca.
C11: É.
L1: Mas, vocês não são crianças?
C10: Somos, mas, a gente não brinca mais de carrinho, boneca.
C11: Só os pequenininhos.
L1: E do parque vocês gostam? E por quê? Qual é a diferença?
C11: Porque no parque nóis pode correr, pode brincar de pega-pega. A gente brinca
de futebol lá em baixo também. Lá tem balanço. E lá tem casinha.
93
A definição da diferença entre a brincadeira do parque, prestigiada por eles, e
a brincadeira da brinquedoteca, desprestigiada, atrelada ao depoimento da
professora do primeiro ano preocupada com a perda de foco na brinquedoteca
permitem afirmar que esse espaço não é lembrado pelos alunos por se tratar de um
ambiente onde somente são autorizadas brincadeiras controladas. Não pode correr,
não pode fazer pega-pega. Apenas é permitido pegar um brinquedo e brincar em um
lugar bastante semelhante à sala de aula: cercado de paredes, com janelas e uma
porta; as mesmas carteiras, as mesmas cores. Além disso, eles já são maiores,
quase adolescentes, e carrinhos e bonecas não são mais adequados à idade e nível
de escolarização deles. Verifica-se, nestas manifestações que os alunos se colocam
em outro lugar no espaço social da escola: a brinquedoteca é um bem e um serviço
mais adequado aos pequenos; eles já se situam em outro lugar no espaço social da
escola (BOURDIEU, 1997).
Por esses motivos, a brinquedoteca se distancia muito do parque e da
quadra, não é um espaço apropriado pelos alunos, aliás, muito mais apropriado
pelas professoras: que pensaram a organização do ambiente juntaram os
brinquedos e determinaram as maneiras de utilização. Surpreendentemente a
brinquedoteca da escola é um lugar mais das professoras do que dos alunos.
Quanto ao pátio, à identidade como espaço para brincar é permeada por
nuances e ambiguidades. Isto porque o pátio tem dupla função, atuando como
refeitório da escola. Parte do ambiente está ocupada com as mesas e cadeiras para
as refeições das crianças, o restante do espaço que fica vazio, é utilizado no recreio
para brincar.
Figura 44 – Vista do fundo do pátio
94
No tocante às preferências das crianças, o pátio é lembrado depois da quadra e
do parque. Os que o mencionam sempre apontam que nos horários de recreio uma
mesa de pingue-pongue é montada nesse espaço. As crianças C10 e C11, além da
mesa de pingue-pongue enfatizaram a comida servida, considerada muito boa por
eles. Entre os entrevistados, apenas o aluno C8 fez uma crítica ao pátio porque,
segundo ele, as mesas para refeição não acomodam bem sua cadeira de rodas e
ele se sente desconfortável para se alimentar. A respeito das refeições a professora
P1 informou:
L1: E o momento da refeição como funciona? Eles comem sozinhos ou
acompanhados por vocês?
P1: Tem o projeto né, “Na mesma mesa2”. A gente desce uns quinze minutos antes
do nosso com eles que é o tempo que tem para ficar junto ver quem come e quem
não come e fazer as correções, porque depois a gente vai pro no nosso lanche.
De acordo com o exposto pela professora, as crianças possuem um tempo maior
de recreio com um momento exclusivo para a alimentação e acompanhado pelas
professoras e depois o momento para brincar no pátio e no parque.
3.5 Elevador e horta: ambiguidade entre distinção e distanciamento
nos ambientes da escola.
Figura 45 – Parte interna do elevador
2 Referência ao Programa da Secretaria Municipal de Educação de São Paulo “Na mesma Mesa” instituído em
julho de 2015 com o objetivo de intensificar práticas de alimentação saudável.
95
Um elevador. Para muitas pessoas algo considerado banal, um mecanismo que
facilita o deslocamento entre os andares de um edifício. O que poderia ser notório
nesse equipamento? É possível que um elevador seja considerado como um dos
lugares dentro da escola?
A resposta é afirmativa, para as duas questões. O elevador é notório e lembrado
pelos alunos em oposição a outros espaços que existem, entretanto não são
considerados. A menina do primeiro ano, C2, ao ser questionada se já havia estado
em todos os lugares da escola responde: “sim, eu já fui no elevador com a
professora”. O destaque para o elevador é dado com o olhar encantado. Muitas
crianças contam quantas vezes utilizaram o elevador, porque o uso é restrito aos
alunos com cadeiras de rodas. Os demais acessam apenas em situações
esporádicas. A professora do quinto ano na entrevista explicou o fascínio dos
alunos pelo elevador
P2: Eles não têm... O condomínio que a gente tem aqui, o que eu moro, por
exemplo, tem. Os que eles moram não têm. Esse menorzinho aqui, da COHAB...
Não sei como é que chama, mas ele não tem elevador.
L1: Deve ser CDHU... Não tem elevador.
P2: É. O que eu moro já é CDHU também. Só que o meu tem, porque é para os funcionários públicos. E o deles não tem, então, para eles... A gente até conversou com a menina que ajuda o G. para tá vendo isso. Porque a briga para ir ao elevador é assim, todos de uma vez.
L1: É, o elevador causa esse fascínio neles, né?
P2: Então, justamente. Eles pensam que aquilo ali é um brinquedo.
L1: É um parque de diversão.
P2: É mais um brinquedo, claro, mais atraente dos que os que estão lá no parque de diversão.
L1: Como se fosse um brinquedo eletrônico.
P2: Cada um por dia... Embora a gente queira dar um pouco de autonomia para o G. porque ele é muito preguiçoso. O G. tem um problema...
O aluno mencionado pela professora é o C8, que usa o elevador
cotidianamente em função da sua limitação física. E conforme o depoimento dela, os
demais disputam a possibilidade de acompanhá-lo. Ela também afirma que esse
interesse extremo pelo elevador se deve ao fato de que os prédios em que os alunos
96
moram não possuem esse recurso, apenas os prédios construídos para funcionários
públicos. Ambos são conjuntos habitacionais construídos pelo poder público,
todavia, o conjunto de prédios destinados aos funcionários públicos tem arquitetura
diferente do outro conjunto destinado à população do bairro. O conjunto dos
funcionários públicos é mais alto, localizado ao final da rua, com portões e muro. O
outro conjunto é de prédios mais baixos, mais largos construídos um ao lado do
outro na extensão de um dos lados da rua, com acesso mais aberto e pintura mais
desgastada, com aspecto de menor cuidado.
Qualquer pessoa, ao olhar para os dois conjuntos de edifícios, consegue
inferir sobre onde residem os mais pobres. Mais uma vez voltando-se para a teoria
de Bourdieu, tem-se uma pequena expressão do espaço social na observação dos
prédios. Apesar de o bairro ser tão pequeno, existem elementos de distinção e
diferença dentro dele: a localização ao fundo, as diferenças estéticas deixam
evidente que naquele determinado lugar residem pessoas diferentes das demais.
Um dos pontos dessa distinção é a presença/ausência do elevador. Justificada
inicialmente pela diferença de altura dos prédios, já que o CDHU dos funcionários
públicos tem mais andares que o outro. Contudo, uma análise mais detida indica que
a construção mais baixa e sem elevadores é de custo mais barato e simples, e
geralmente é esse tipo de construção que é ofertada nos programas habitacionais
mais comuns. O outro conjunto é de um programa habitacional diferente e para um
público específico: servidores do Estado de São Paulo. Pessoas que, dependendo
dos cargos, podem ocupar posições mais elevadas no espaço social.
Para essas crianças, filhas de pais trabalhadores e que sobem escadas
diariamente para chegar aos seus apartamentos, deparar-se com um elevador na
escola é a oportunidade de acessar um objeto ao qual eles normalmente não têm
acesso. Ironicamente, novamente o acesso é negado ou restringido. Na perspectiva
das professoras os alunos querem fazer do elevador “um parque” e isso não é
considerado adequado. Certamente as preocupações envolvem o medo de eles
quebrarem o elevador ou se acidentarem ao utilizá-lo. A proibição aumenta ainda
mais o interesse das crianças, que como em suas casas, sobem e descem escadas
na escola.
Se o elevador foi classificado como elemento de distinção dentro do espaço
escolar, a horta pode integrar a categoria do distanciamento. Os alunos pouco
97
sabem, poucos conhecem e poucos foram a esse ambiente. Sabe-se que existe
uma horta, mas, muitos não sabem para que ela serve ou como funciona. Lembram-
se dela como um ambiente destinado aos alunos mais velhos e que não lhes
pertence. Haja vista que a aluna C11 propôs até diminuir o espaço da horta para que
fosse construída uma piscina.
Figura 46 – Vegetais da horta
As perguntas na entrevista: você conhece a horta? Já foi até lá? Geraram muitas
respostas, a maioria deles votada ao desconhecimento, como se pode perceber nos
trechos da entrevista transcritos a seguir:
C3: Eu só não fui na horta.
L1: Você nunca foi na horta?
C3: Não!
L1: E o que tem subindo aquela escada lá perto do parque, que sobe até lá no alto?
Tem o que lá em cima?
C5: É... a horta.
L1: É a horta! Como que é uma horta, me conta D. Ah, você é uma menina esperta acho que você sabe hein?
C5: Não sei.
L1: Não sabe? Tem o que lá em cima? Tem um monte de coisinha verde plantada?
C5: Eu não fui...
L1: Você nunca foi?
C5: Lá em cima não...
L1: Deixa eu te perguntar, e a horta você já foi? Nunca foi?
98
C7: Eu já subi lá pra ver.
L1: Quem plantou os vegetais que tem lá?
C7: Os que é da horta, os que faz a horta.
L1: Ah, só os alunos que é do projeto da horta?
C7: E a professora de horta.
L1: Ah... Mas você... Sua sala não participa não?
C7: Tem gente que ia participar, mas, não participa mais.
L1: Não participa mais?
C7: Tinha também passeio de lá para ir até o lugar que tem planta, (...) vegetais.
Nenhum dos alunos do primeiro e quinto anos participam do projeto da horta
da escola. Sendo assim esse espaço possui poucos significados positivos para eles.
Uma criança evidenciou a horta diretamente em seu desenho. Apresentando a folha
dividida em quatro partes o aluno do quinto ano compôs seu desenho com o parque,
escola inteira, horta e quadra. Cada espaço foi representado em cada uma das
divisões no papel. No desenho da horta aparece a caixa d’ água da escola e os
canteiros dos vegetais (Figura 47).
Sobre o projeto da horta as professoras defendem que solicitam para que a
organização do projeto seja revista e os alunos menores possam participar. O
projeto horta da escola ocorre no período estendido do turno da manhã e é ofertado
aos alunos do sexto ao nono anos interessados em participar. A atividade é opcional
e ocorre duas vezes por semana das 12h às 13h30. A responsável pelo projeto é a
professora de inglês do turno da manhã. Na estrutura da Secretaria Municipal de
Educação os professores possuem a possibilidade de desenvolverem projetos fora
do turno dos alunos recebendo uma remuneração a mais para o trabalho e uma
pontuação, desde que o projeto atenda as exigências estabelecidas. No caso de
escolas que participam do Programa Federal Mais Educação recebe-se uma verba
específica para custear esses projetos que expandem o turno de aula dos alunos e
normalmente são voltados para temas culturais, esportivos, meio ambiente ou
reforço escolar de português e matemática.
99
Figura 47 – Desenho em que aparece a horta
Os depoimentos das professoras sobre a horta da escola e o fato dos alunos
não fazerem parte das atividades:
L1: Eles têm um momento na horta?
P1: Tem um projeto para os maiores, mas isso ano que vem já vai mudar também,
vai ser oferecido porque eles gostam.
L1: Eu percebo que alguns falam, sabem que existe, mas eles não conhecem?
P1: Não, eles não conhecem. Só foi oferecido pros maiores.
L1: Como um projeto?
P1: Sim, mas o ano que vem a gente pretende mudar isso.
P2: Então, porque assim, como que funciona o projeto horta aqui na escola, é até um questionamento que a gente colocou na avaliação, que o mesmo número de vagas que são oferecidas no nível dois, fosse oferecida pro nível um. Porque assim, segundo o que eles explicaram que esses projetos que vem do Federal né?
L1: Do Programa Mais Educação3?
3 Programa Mais Educação-instituído pela Portaria interministerial nº 17/2007 e regulamentado pelo Decreto
7.083/10 e que atua como estratégia do Ministério da Educação na ampliação da jornada escolar e organização curricular na perspectiva da Educação Integral.
100
P2: Sim, seria a prioridade para essa criançada que é do sexto ano, até está dentro do horário deles, porque eles chagam meio dia. Não que eles não contemplem o nível um, mas fica menos vaga, mais limitado. E tem outro agravante...
L1: Por que a horta é no horário do meio dia?
P2: Eles vêm um pouquinho antes e aproveitam essa quantidade de vagas. Porque é só uma professora.
L1: Ah... Então é muito limitado?
P2: É então, ela tem esse grupo que é prioridade e sede algumas vagas para o nível um. Então, não é que eles não sejam atendidos, mas, não na quantidade que eles gostariam. E tem outra questão também que a gente colocou muita criança ali faz parte do reforço. Então, não dá pra contemplar o mesmo horário vários projetos pros mesmos alunos. Então assim, um pouco tá no projeto artes, um pouco tá no projeto.
Conforme as explicações, a oferta do projeto é limitada aos mais velhos e,
portanto, o acesso ao espaço torna-se limitado porque a horta é cultivada sobre um
barranco ao fundo do parque cujo acesso é feito através de uma escada e não é
permitido subir sem autorização. Essas condições somadas fazem da horta da
escola um lugar inacessível, diferente do elevador que é por eles desejado; a horta
não é sequer conhecida.
Analisando-se essas informações sobre a horta na escola é possível
identificar o que Bourdieu (1997) conceitua como efeitos de lugar, pois é nítida a
localização desses alunos abaixo dos “da manhã”. A horta não é para eles, eles
ocupam uma posição na escola que não lhes permite, nesse momento, acessar
esse bem (horta) e os serviços (trabalhar nela). Existe uma distribuição de bens e
serviços internamente a serem utilizados pelos alunos segundo certos critérios que
espelham hierarquização. Como se vê, pelas informações, também, a localização
social desses alunos pode ser temporária, se houver alteração nas regras de uso da
horta.
3.6. Os dados da escala de preferências
Completando as informações sobre tais preferências estão os dados relativos
às respostas dadas às questões dos questionários com escala sobre os espaços
que mais gostam e os que consideram mais importantes.
101
As escalas de preferências apontam tendências nas opiniões dos
participantes da pesquisa. Estão apresentadas com números absolutos, ou seja, dos
participantes da pesquisa dez sujeitos responderam à escala, sendo quatro
professores e seis alunos, três do primeiro ano e três do terceiro ano. Entre as
professoras duas lecionam no primeiro ano e duas lecionam no quinto ano.
3.6.1 Questionário com escala de preferências quanto aos espaços que gostam na
escola
A Tabela 1 apresenta as respostas de tendências de preferências de alunos e
professores quanto aos espaços de que gostam
A escala possibilita o recurso visual das tendências. Na Tabela 1, sobre os
espaços que gosto na escola, há uma concentração grande de respostas no lado
esquerdo da tabela nas primeiras afirmações, o que caracteriza que os sujeitos
gostam muito desses espaços da escola. Ao final da tabela as respostas ficam mais
difusas indicando algumas discordâncias sobre o gosto aos espaços ali indicados. O
gosto maior ou menor sinalizado na escola se aproxima das preferências abordadas
nas entrevistas e nos desenhos reafirmando esses outros instrumentos como será
observado a seguir.
Analisando-se por agrupamento de sujeitos verifica-se, nessa tabela, que a
maior concordância ocorre entre os alunos do 1º ano. Houve apenas uma
concordância parcial ( sala de leitura), uma discordância parcial (relativa ao corredor)
e uma discordância total relativa ao banheiro. Esses alunos realmente “gostam da
escola”, pois o total soma 54 respostas. É a maior tendência de concordância,
porém algumas crianças deixaram de responder sobre alguns espaços: sala de
SAAI, banheiro, área externa, corredor e sala de vídeo, elevador.
No segmento dos alunos mais velhos existe maior distribuição das
preferências. Na concordância plena houve um total de 32 manifestações, sendo
que apenas a sala de aula, a sala de professores e o estacionamento deixaram de
receber respostas nessa categoria. Já na categoria de concordância parcial houve
13 escolhas, na discordância parcial houve quatro escolhas e na discordância total
17 alunos se manifestaram: não gostam da cozinha, da sala de SAAI, refeitório,
brinquedoteca.
102
No grupo dos professores também há dispersão de opção: maior frequência
ocorre na categoria de concordância parcial sendo que na categoria de
concordância total há bom esvaziamento, nenhum professor gosta da “sala de aula”
de modo pleno, mas todos, na categoria parcial, gostam da área externa e da sala
de vídeo. Os espaços que os professores menos gostam são o elevador e o
estacionamento.
103
Tabela 1. Contém os resultados agregados de todas as questões sobre os espaços que mais gostam
Questões
Concordo plenamente Concordo parcialmente Discordo parcialmente Discordo totalmente
Professor Aluno
1°
Aluno
5° Professor
Aluno
1°
Aluno
5° Professor
Aluno
1°
Aluno
5° Professor
Aluno
1°
Aluno
5°
O pátio é o lugar que mais gosto na escola 2 3 1 2 1 1
A sala de aula é o lugar que mais gosto na escola 3 4 3
A sala de leitura é o lugar que mais gosto na escola 1 2 1 2 1 2 1
O parque é o lugar que mais gosto na escola 1 3 2 3 1
A horta é o lugar que mais gosto na escola
1 3 2 3 1
A quadra é o lugar que mais gosto na escola 2 3 3 2
A sala de informática é o lugar que mais gosto na
escola 2 3 3 2
A sala da SAAI é o lugar que mais gosto na escola 2 1 4 1 2
104
A sala dos professores é o lugar que mais gosto na
escola 1 3 3 2 1
O refeitório é o lugar que mais gosto na escola 2 3 1 2 2
A secretaria é o lugar que mais gosto na escola 3 2 1 2 1 1
A sala da coordenação é o lugar que mais gosto na
escola
2 2 1 2 1 1 1
A sala da diretoria é o lugar que mais gosto na
escola 3 1 4 1 1
A cozinha é o lugar que mais gosto na escola 3 1 3 1 2
O estacionamento é o lugar que mais gosto na
escola 3 1 1 1 3 1
O banheiro é o lugar que mais gosto na escola 2 1 2 2 1 2
A área externa é o lugar que mais gosto na escola 2 2 4 1
A sala de vídeo é o lugar que mais gosto na escola 1 3 4
O corredor é o lugar que mais gosto na escola
1 3 3 1 1
105
O elevador é o lugar que mais gosto na escola 2 3 4
A sala da rádio é o lugar que mais gosto na escola 1 2 3 2 1
A brinquedoteca é o lugar que mais gosto na escola 1 2 1 2 1 2
Fonte: Elaboração da autora a partir da análise das respostas aos questionários
3.6.2 Espaços que considero importantes
Tabela 2. Contém as manifestações de professores e alunos sobre a importância dos espaços
Questões
Concordo plenamente Concordo parcialmente Discordo parcialmente Discordo totalmente
Professor Aluno
1°
Aluno
5° Professor
Aluno
1°
Aluno
5° Professor
Aluno
1°
Aluno
5° Professor
Aluno
1°
Aluno
5°
O pátio é o lugar mais importante na escola 2 2 1 2 1 1
A sala de aula é o lugar mais importante na escola 2 2 3 2
A sala de leitura é o lugar que mais importante na escola 1 1 3 3 1
106
O parque é o lugar mais importante na escola 2 2 2 2 1
A horta é o lugar mais importante na escola 2 3 4
A quadra é o lugar mais importante na escola 2 2 3 2
A sala de informática é o lugar mais importante na escola 1 2 3 3
A sala da SAAI é o lugar mais importante na escola 1 2 1 3 1 1
A sala dos professores é o lugar mais importante na escola 1 2 3 2 1
O refeitório é o lugar mais importante na escola
2 2 3 2
A secretaria é o lugar mais importante na escola 1 3 3 1 1
A sala da coordenação é o lugar mais importante na
escola 2 3 2 2
A sala da diretoria é o lugar mais importante na escola 2 3 2 2
A cozinha é o lugar mais importante na escola 2 3 2 2
O estacionamento é o lugar mais importante na escola 1 2 2 2 1 1
O banheiro é o lugar mais importante na escola 1 1 3 3 1
107
A área externa é o lugar mais importante na escola
2 2 4 1
A sala de vídeo é o lugar mais importante na escola 2 2 4 1
O corredor é o lugar mais importante na escola 2 3 4
O elevador é o lugar mais importante na escola 1 1 3 2 1 1
A sala da rádio é o lugar mais importante na escola 1 3 3 1 1
A brinquedoteca é o lugar mais importante na escola 2 2 3 1 1
Fonte: Elaboração da autora a partir da análise das respostas aos questionários
108
.
Já na Tabela sobre os espaços considerados importantes a
concentração à esquerda se mantém do começo ao fim, indicando que, para
esses sujeitos a escola de maneira geral possui ambientes importantes em seu
edifício.
Na Tabela 2, verifica-se, pela análise, que o grupo dos professores já
manifestou maior concordância plena em várias questões, assim como o grupo
dos alunos, tanto os do 1º quanto os do 5º ano. Porém, a maior incidência de
respostas dos professores ainda está na categoria de concordância parcial
incluindo total de respostas para horta, área externa, sala de vídeo e corredor,
pois foram verificadas respostas por unanimidade deles sobre esses espaços.
Verifica-se, nesse grupo, também, boa discordância quanto à importância da
sala dos professores, secretaria, sala de coordenação, da diretoria, cozinha e
estacionamento.
No grupo dos alunos de 5º ano, a mais frequente opção foi na categoria
de concordância plena em quase todos os espaços com pequena tendência à
negação de importância de espaços da escola como parque, sala de SAAI,
banheiro, estacionamento, sala da rádio, elevador, brinquedoteca, coincidindo
com muitas das respostas sobre lugares preferidos.
Sala da SAAI, sala da rádio e elevador também foram escolhidos como
pouco importantes pelos alunos do 1º ano.
109
4. Usos considerados corretos e cuidados com os ambientes.
Neste capítulo continua a apresentação da análise dos dados obtidos na
pesquisa organizados em eixos, os quais foram extraídos das respostas dos
sujeitos nas entrevistas, relacionados com os desenhos produzidos pelas
crianças participantes e abordados à luz do aporte teórico. O eixo destacado
neste capítulo trata dos usos considerados corretos e o cuidado com os
ambientes da escola. Procura atender algumas marcas que os ambientes
escolares produziram em professores e alunos, um dos objetivos do estudo.
4.1 As salas de aula: exigências de controle no espaço
Salas de aula normalmente são os recursos mais comuns dos espaços
escolares. Pode haver vários tipos de construções, muitos ambientes
diferentes, quase sempre a sala de aula está presente. É o espaço para que
alunos aprendam e professores ensinem. Viñao Frago (1998) indica que a sala
de aula atua como a fronteira entre o que está dentro e o que está fora do
espaço escolar. Tradicionalmente composta por linhas retas, compartimentos
retangulares, fechados ao exterior, com uma única saída e janelas
envidraçadas. As salas da escola pesquisada não fogem a essa
caracterização. Existem alguns ornamentos que podem ser considerados
diversos, porém, não modificam a estrutura principal: objetos colados sobre as
mesmas paredes em formato retangular, cortinas sobre as janelas
envidraçadas, livros ou armários dentro do mesmo espaço fechado e separado
do exterior. Não faltam a lousa e as carteiras de madeira individuais, nas
turmas do primeiro ano essas carteiras são menores e dispostas em formatos
grupais. Nas demais salas de aula da escola, as carteiras estão enfileiradas
individualmente. A figura 48, apresentada na sequência, ilustra o perfil da
estrutura física da maioria das salas de aula da escola. É possível ver a
estrutura retangular em alvenaria, o mobiliário limitado ao conjunto de carteiras
para alunos, um armário, uma mesa para professor e as cortinas. Ao fundo os
livros didáticos empilhados.
110
Figura 48 – Sala de aula
Entendida como núcleo da atividade pedagógica, a sala de aula revela
muito do que se pretende ensinar e do que se aprende em uma instituição. Não
apenas pelo que está escrito na lousa ou nos cadernos e livros, mas, também
pelo modo como esse espaço fechado é composto e disposto fisicamente. Ao
que alguns teóricos chamam de currículo oculto ou tácito, na definição também
de Apple (1983), via pela qual são ensinados valores da manutenção da ordem
social e econômica. Bourdieu (2004) define que a escola é uma instituição
organizada com o intuito de transmitir, seja explicita ou implicitamente, formas
de pensamento. A liturgia composta pela atuação do professor, o que está na
lousa e o modo com se encontram os elementos físicos, tudo integra os
conteúdos a serem transmitidos definindo os itinerários de pensamento dos
sujeitos, por que:
“Enquanto força formadora de habitus a escola propicia aos que se encontram direta ou indiretamente submetidos à sua influência, não tanto esquemas de pensamento particulares e particularizados, mas uma disposição geral geradora de esquemas particulares capazes de serem aplicados em campos diferentes do pensamento e da ação aos quais pode-se dar o nome de habitus cultivado.” (BOURDIEU, 2004, p.211).
Portanto, os formatos que integram as salas de aula integram também
as estruturas que são cultivadas nos sujeitos escolares. Os modos de ser e
estar, bem como os usos considerados adequados a esses ambientes também
são ensinados, às vezes, através das regras estabelecidas explicitamente,
outras vezes implicitamente. Na Figura 49, no desenho de uma criança do
quinto ano representando a sala de aula, nota-se a presença da lousa com
111
exercícios de matemática “para casa”, a mesa da professora com alguns
objetos em cima, a porta fechada e sobre ela um cartaz dizendo “proibido ir ao
banheiro no horário da aula”.
Figura 49 – Desenho da sala de aula
No desenho encontramos pistas das regras de utilização dos espaços
da escola, a proibição do uso do banheiro indica a intenção de controlar a
circulação dos alunos e reforça a natureza fechada da sala, ilustrada pela
porta. Durante as aulas, aos alunos cabe permanecer dentro das salas. A
permanência também é permeada por regras, de acordo com a criança C5, do
primeiro ano:
L1: É. A sala de aula você acha que ela serve para estudar. Só pra estudar ou ela serve para mais alguma coisa?
C5: Só pra estudar.
L1: Só estudar aqui na sala. Aqui na sala pode brincar?
C5: Não.
L1: Não, não pode! Aqui só estuda. E como é que estuda? Sentado na mesinha? É? Aqui pode ficar em pé?
C5: Não.
112
L1: Não?
C5: Só pra pegar um livro e depois sentar.
L1: Só pra pegar um livro e depois sentar. Aqui tem que ficar sentadinho. Aqui pode falar alto? E gritar?
C5: Não.
L1: Não! E correr aqui dentro?
C5: Não.
L1: Também não pode. Não pode fazer nada disso? Só ficar sentadinho e estudar? É? E você faz isso todo dia? É? E você gosta?
C5: Gosto.
L1: E tem algum lugar na escola que pode correr e que pode gritar?
C5: Só o parque.
L1: Ah... Legal. E lá no parque pode brincar?
C5: Pode.
L1: E correr lá também pode? A professora deixa? O que mais você faz lá no parque?
C5: Brincar...
Para essa criança, em menos de um ano de escolarização no ensino
fundamental, já ficou evidente que a sala de aula serve para estudar e, estudar
significa manter-se sentada na cadeira, não correr, não gritar ou falar alto e não
brincar. Levantar-se somente para pegar um livro e sentar novamente. A
brincadeira fica reservada ao espaço do parque. A sala de aula controla os
movimentos e restringe os corpos às dimensões da cadeira, como na Figura
50, em que uma das crianças representou a escola desenhando uma grande
quantidade de cadeiras e carteiras da sala, dispostas enfileiradas e sem a
presença de outros aspectos ou objetos no desenho. As cadeiras e carteiras
são grandes e preenchem toda a extensão da folha horizontalmente.
113
Figura 50 – Desenho das carteiras da sala de aula
As visões de outras crianças confirmam a ideia em relação ao uso
autorizado da sala de aula. A criança C6, também do primeiro ano, pontuou em
sua entrevista:
L1: E pra que serve a sala A.? A sala serve para quê? Na sala aqui pode brincar também igual lá no parque?
C6: Não.
L1: Não? Xiii... Pode brincar igual na brinquedoteca aqui?
C6: Não.
L1: E pode fazer o que aqui então?
C6: Lição.
L1: Só lição? E aqui tem que ficar como? Aqui pode ficar...
C6: Sentado.
L1: Ah, aqui tem que ficar sentado na cadeira e fazer lição? Aqui só pode fazer isso?
C6: É.
114
Mais uma vez, é destacada a necessidade de “permanecer sentado”
dentro da sala de aula para fazer lição exclusivamente. As “lições”
mencionadas pelos alunos também aparecem explicitadas nos desenhos de
sala de aula, na Figura 51 tem-se uma representação de sala numa aula de
língua portuguesa. As carteiras dispostas perfiladas em direção à lousa que
está dividida em três partes: a primeira delas com a data, a indicação do
componente curricular e identificação da escola; na segunda parte aparece a
descrição “texto reescrita” seguida de uma sequência numérica; na terceira
parte está escrito “aula livre”. O desenho ainda possui o alfabeto sobre a lousa
e a mesa da professora com um livro.
Figura 51 – Desenho da sala de aula em uma aula de português
O conceito “aula livre” é exposto pelas crianças do quinto ano como um
benefício concedido dentro do espaço da sala de aula. Entendida como uma
quebra na rotina da lição:
115
L1: E na sala de aula pode fazer essas coisas, brincar, correr e tal?
C7: Só lição.
L1: Só lição? Na sala é só lição?
C7: Às vezes tem aula livre.
No trecho abaixo, as crianças C10 e C11 defendem também a existência
da “aula livre”:
L1: E na sala de aula tem alguma coisa que vocês gostam?
C11: Tem. Lição.
C10: É aula livre.
C11: É aula livre.
O aluno C8 também relata que em algumas situações a brincadeira
pode ser permitida na sala, sob autorização e coordenação da professora:
L1: E a sala de aula serve para quê?
C8: Pra aprender a ler e a escrever... E a fazer lição direito.
L1: Só serve para isso? Não pode brincar na sala?
C8: E serve pra quando a professora faz uma brincadeira.
L1: Ah, de vez em quando dá pra brincar também, né?
C8: Sim.
Apesar da existência prestigiada pelos alunos do quinto ano da “aula livre”,
os desenhos de sala de aula mantiveram a estrutura espacial comum e
ressaltaram a “lição” em detrimento de outra possibilidade de atividade.
Na figura 52 mais uma sala enfileirada, o detalhe acrescentado nesse
desenho são os materiais dos alunos sobre as carteiras, desenhos que
representam estojos coloridos e cadernos cheios de “lição”. Ainda que haja
outras propostas nesse ambiente, a marca deixada sobre as crianças refere-se
à postura disciplinada considerada adequada para esse lugar. A “aula livre”
funciona como um mecanismo escasso, concedido em situações específicas e
mais raras. É notório observar que as crianças do primeiro ano não mencionam
a “aula livre” ou mesmo qualquer tipo de brincadeira desenvolvida dentro do
espaço da sala de aula, chegam a ser mais categóricos que os alunos do
quinto ano ao afirmar que “a sala serve para fazer lição”.
116
Figura 52 – Desenho da sala com os materiais dos alunos sobre as carteiras
A conformação e aceitação de que, embora goste de brincar, correr ou
mesmo gritar, na sala de aula devo ficar sentado e em silêncio faz parte do
habitus que vai sendo complementado, com disposições cultivadas pela
117
instituição escolar. Como visto, desde muito cedo aprende-se os modos
corretos de comportar e os usos adequados aos espaços da escola, sobretudo
a sala de aula, um ambiente emblemático dentro da estrutura da escola por ser
considerado o centro do fazer educativo. Criam-se hierarquias entre os
espaços, uma vez que, mesmo que as crianças gostem mais da quadra, do
parque ou do pátio, lugares dos quais se apropriam e onde lhes é permitido
brincar, é na sala de aula que se aprende. E na sala de aula a brincadeira ou é
limitada ou não é permitida. As crianças entendem através da simbologia do
espaço que são alunos e como tal, devem sentar-se para aprender.
O poder simbólico do espaço da sala de aula está presente em todos os
seus elementos e instrumentos: nas fileiras de carteiras que limitam os olhares,
na lousa grande a frente de todos, na porta fechada para separar o interno
(importante) do externo (distração). Está também no conteúdo escrito na lousa,
nos cadernos, nos mecanismos utilizados pela professora para controlar as
tentativas de transgressão. Esse poder é invisível e exercido com a conivência
dos que lhe são sujeitos e dos que o exercem (BOURDIEU, 2011). Quando a
professora reclama com um aluno que está em pé dentro da sala de aula,
ambos concordam que o ato é legitimo, já que nesse ambiente os alunos não
podem permanecer em pé. O poder simbólico constrói a realidade e estabelece
sentidos ao mundo social, não são necessários muitos anos para entender
como portar-se em uma sala de aula. O espaço físico cumpre a função de
estruturar esse entendimento: suas paredes, as carteiras e o modo como estão
organizadas e outros de seus dispositivos disciplinam a estrutura corporal dos
sujeitos que a frequentam. Mesmo os alunos transgressores das regras, que se
levantam ou falam , possuem essas regras internalizadas e por vezes,
concordam que estão transgredindo.
Por todas essas características, as salas de aula da escola pesquisada,
como tradicionalmente ocorre, representam espaços de controle e atrelam a
ideia de que ensino e aprendizagem estão diretamente ligados à necessidade
do controle. Entretanto, na hora da opção pelo lugar que mais gosta, não é a
sala de aula o lugar escolhido! Como foi visto no capítulo anterior, eles sabem
que é importante, mas esse não é o espaço preferido, e sim, os espaços em
que podem falar alto, brincar, movimentar-se.
118
4.2 As salas ambientes e o conceito de aprendizagem na
escola.
Além das salas de aula, o prédio da escola possui diversas outras salas,
com finalidades ligadas a componentes curriculares e atividades específicas.
Entre as próprias salas de aula, algumas são denominadas como “salas
ambientes”. De acordo com a organização da escola, as classes do corredor
do primeiro andar, são divididas e denominadas segundo os componentes
curriculares: sala de matemática, sala de português, sala de ciências. A
intencionalidade é a de que em cada uma das aulas os alunos utilizem a sala
ambiente correspondente. A justificativa é que os espaços são organizados de
acordo com as necessidades curriculares de cada componente. Ao observar as
salas nota-se basicamente um pequeno cartaz na porta que indica a qual
componente se destina e do lado interno existem livros didáticos, cartazes com
trabalhos de alunos e a mesma infraestrutura básica: carteiras em fileiras,
lousa e um armário. A sala de geografia possui, além dos objetos descritos,
mapas e um globo terrestre. Todas as salas têm um ventilador ao fundo. Nas
Figuras a seguir, 53 e 54 respectivamente, detalhes da sala de história, com
cartazes dos alunos sobre períodos históricos e a porta da sala de ciências.
Figura 53 – Detalhe da sala de História. Figura 54 – Porta da Sala de Ciências.
A utilização desses ambientes é feita de modo diverso entre os alunos do
sexto ao nono ano, que estudam no período da manhã e as turmas do primeiro
119
ao quinto, no período da tarde. A respeito dessa diferença a professora do
quinto ano, P2, explicou:
L1: Tem salas ambientes, mas, é só para o pessoal do sexto em diante?
P2: Então, ano passado nós tínhamos o... A gente tentou trabalhar com rodízio nos quartos e quintos nessas salas ambientes. Uma das vantagens que a gente vê, porque tem vantagens e desvantagens. Seria aproveitar melhor esses espaços. Aí como a gente... Os dois quartos anos, que são esses dois quintos que você pegou que já melhoraram bastante, dá pá virada, que Deus do céu, muito agitados!
L1: Com a coisa da troca?
P2: É e também assim, não pela troca. Eles em si já são muito agitados, aquele perfil bem agitado. Então a gente questionou. Teve professores que foram contra, outros foram a favor. Eu penso que tem os prós e os contras, mas, eu prefiro trabalhar com o rodízio. Eu particularmente, porque a gente tem crianças muito complicadas na sala de aula. Daí eu fiquei pensando o que seria trabalhar, entre outras coisas, a questão... Quando você é professor de uma única turma, você fica muito preocupada com a alfabetização, claro, e na matemática. Com relação às outras matérias não tem o mesmo olhar, se deixa assim um pouco.
L1: Você acaba dando menos ênfase.
P2: E eles que estão indo pro sexto ano, o professor lá fica assim, você viu isso? E tá faltando isso? Sabe?
L1: Como se não tivesse feito o trabalho.
P2: E a gente acaba ficando... Então a vantagem seria por conta disso, de usar o material... Mas, tem a resistência de alguns colegas. Muitos colegas não queriam. Outra justificativa foi essa questão da agitação deles, realmente, eles eram muito agitados.
L1: Por conta da circulação a cada aula?
P2: Não por causa da circulação, é isso que eu estou falando para você. Eles já tinham feito terceiro ano agitados. Aí no ano passado nós pegamos em quatro, português, matemática e história e geografia. O que é ruim também no rodízio, quando o professor falta.
L1: Quebra o esquema todo.
P2: O de matemática faltava demais. Isso era muito rim. Péssimo. Mas aí, reavaliamos e o quinto ano eu acho bem viável também por conta deles já estarem indo para o outro ciclo, já estarem com essa rotina. Aí a gente mantem no quinto ano. Aí, mesmo que a gente não vá a todas as salas, mas, a gente pega o material das outras salas. Mas, a gente tem alunos, é que você não entrevistou, sabe aquela que desenhou o casal no corredor.
120
Na entrevista, a professora conta que os alunos do turno da tarde, no
ano anterior, participaram da rotina organizada pelas salas ambientes.
Entretanto, a maioria dos docentes avaliou negativamente. Sobre as
dificuldades dessa forma de organização, a professora menciona por várias
vezes que o fato dos alunos serem “agitados” prejudicava muito. Ao ser
perguntada se a preocupação com a agitação estava no momento da troca
entre as salas ambientes, mais de uma vez afirma que esse não é o problema,
mas, continua alegando que os alunos são muito agitados. Também indica a
falta de certos professores como uma condição que prejudicou o uso das salas
ambientes. Sobre os aspectos positivos, sinalizou que a utilização dos
materiais ajuda no trabalho e declarou-se defensora dessa forma de estrutura.
Fica evidente, no depoimento da professora, que a ideia de alunos em agitação
e trabalho em sala de aula são consideradas incompatíveis. E, ainda que não
tenha declarado abertamente, seu posicionamento aponta para a dificuldade do
controle dos alunos com o deslocamento provocado a cada aula para uso das
salas ambientes. Ficou a noção de que quanto maior o deslocamento, maior a
agitação dos alunos e menor o controle. E, para a professora, menor controle
significa menos aula, como no trecho da transcrição apresentado a seguir:
P2: Eu acho, dá uma melhorada. Agora, como eles são assim muito imaturos e
agitados, a gente estava pensando, por isso que a gente achou que o quarto
ano poderia esperar um pouquinho mais. O que é ruim? Ao mesmo tempo em
que é bom eles saírem e ter um espaço diferente, a gente concorda o que, e é
uma coisa lógica, quanto mais agitada, até essa criança se deslocar, chegar
e...
L1: Tem esse complicador.
P2: Precisava ver o reboliço no corredor. Até chegar ali, o que se perdia de
aula não era brincadeira. Porque pensa numa criançada bem agitada, falante,
não era nem só falante... Essa menina mesmo gritava pelo corredor e corriam
pelo corredor, enfim. Então, a gente viu que eles precisam amadurecer um
pouquinho para isso. Ter essa postura também de deslocar de uma sala, não
que os outros vão que nem um anjinho, mas, ao menos o andar. Mesmo que
demore uns cinco minutinhos, mas que você não perca quinze pedindo, por
favor, com licença. Então, por conta disso, porque a gente percebeu que os
imaturos em relação a isso perdiam tempo de aula.
L1: Acabavam perdendo tempo de aula nesse...
121
P2: Porque não era só pra uma sala que eles tinham que ir e as aulas são de
quarenta e cinco minutos. E uma coisa ruim que eu também achei, do rodízio
que não é bom, tem as vantagens como eu falei, criança que tem dificuldade
de aprendizagem. Gente, esse deslocar, essa criança, porque fica menos aula.
Eles eram muito agitados, até chegar lá, a gente ia dar o conteúdo. Tentamos
priorizar dobradinha, nem sempre foi possível, por causa do especialista. No
dia que tinha uma aula. O G é um que chega à sala de aula, além de não ter
interesse, vontade, tem a questão da mobilidade dele que não é tão assim...
Mas, eu estou falando de um caso isolado, a gente tem muitos casos de
crianças que não acompanham o ritmo. O rodízio para isso já não é bom,
entendeu? Porque você estando na sala de aula como professor de uma turma,
essa criança, eu vejo assim, você dá mais tempo para ele, você vai esperar
mais, você vai ter... Vai desenvolver mais o ritmo. Porque quando fica mudando
de sala, não faz nem uma coisa aqui e nem lá. Sabe?
L1: Fica meio perdido trocando de...
P2: Eu não digo que não vai ter um avanço, mas, é mínimo do mínimo,
entendeu? Fica sempre assim aquém dos demais... É no período da manhã
eles circulam, é sala ambiente mesmo entendeu? Agora, no período da tarde
eles circulam assim, entre as salas dos especialistas e os quintos anos. Porque
a gente tem lá a professora que dá matemática para eles e geografia. Ela dá na
sala de geografia ou é de história, uma dessas. E eu trabalho na sala de
português que é onda a E trabalha de manhã, que é a de português.
Mais uma vez ela enfatiza com veemência que se trata de crianças
agitadas, e acrescenta a expressão “imaturos”. Nesse trecho assume que
considera a troca de salas um problema para controlar as crianças e que
resulta na perda de tempo da aula. Afirma que os alunos com mais dificuldades
na aprendizagem não se beneficiam desse modelo das salas ambientes nas
condições apresentadas.
A solução encontrada pelos professores da escola, com relação aos
alunos do turno da tarde, primeiro ao quinto ano, foi mantê-los em salas fixas,
uma sala de aula para cada turma, utilizando as salas ambientes apenas nas
aulas dos especialistas: artes, inglês, educação física, sala de leitura e
informática. Apenas os alunos das duas turmas do quinto ano possuem um tipo
de organização intermediária: as duas professoras ministram aulas para as
duas turmas dividindo entre si os componentes curriculares de: português,
história, geografia, matemática, ciências. Essa decisão, apesar das
122
discordâncias entre as professoras, foi tomada com base em um reinvindicação
dos alunos:
C8: Ano passado foi os alunos que decidiram tipo assim sabe ficar com uma professora só ou toda hora trocar de aula assim. Aí nóis escolheu trocar de aula.
L1: Ah, essa troca que vocês têm no quinto ano, foram vocês que decidiram?
C8: Foi.
No entanto, na “troca de aula” estabelecida para o quinto ano, as
professoras se deslocam e levam os materiais das salas ambientes, que são
basicamente os livros didáticos de cada componente curricular, e os alunos
ficam nas salas fixas como os demais do turno da tarde. A utilização de todas
as salas ambientes ficou limitada às classes do período da manhã.
Quando a aula é ministrada pelo professor especialista, todos os alunos
se deslocam: artes, inglês, leitura, informática e a educação física. Contudo,
esse deslocamento é feito com o acompanhamento da professora da turma ou
do professor especialista. Nessas salas também são identificadas algumas
alterações mais expressivas no ambiente. Na sala de informática, além da
presença de vinte computadores, a disposição das mesas não é enfileirada, os
computadores estão dispostos lado a lado. Na sala de leitura, muitas estantes
com livros e mesas redondas para sentar em grupo. A sala de artes, também
nomeada na escola como ateliê, apresenta uma bancada de cimento, uma pia
e grande quantidade de materiais de pintura e recicláveis. Na sala de inglês
existe a disposição um aparelho de som que não é visto em outras salas.
Apesar desses espaços não estarem evidenciados nos desenhos, as
crianças os mencionam na entrevista. Uma aluna do primeiro ano destaca que
gosta da sala de artes e lembra-se de um trabalho desenvolvido:
C2: Nóis pinta, nóis desenha, nóis faz... Nóis desenha pérola.
L1: Mas, a sala é igual a essa daqui ou é diferente?
C2: Hum... Mais ou menos.
123
L1: E o que tem de diferente mais ou menos?
C2: Diferente tem as luzes, que as luzes é a mesma da aula de artes e também... a lousa.
L1: A lousa lá é diferente dessa? Como que é a lousa lá?
C2: A lousa é a mesma da professora, que essa daqui.
L1: Entendi. Tem outras coisas lá?
C2: Hum... lápis...
L1: Por exemplo, aqui na sua sala tem livros, aqui na sua sala tem letrinhas...
C2: Alfabeto.
L1: É. Lá tem o que?
C2: Lá?
C2: Lá tem, lá tem aqueles negocio lá de pintar.
L1: Hum... Tem material de pintura lá.
C2: Mas, nóis pinta, nóis faz obra de artes. Eu já fiz uma obra de artes. Eu já fiz uma flor igualzinha dessa daí.
Ainda sobre a ambientação dos espaços das salas e a relação com o
conceito de aprendizagem na escola, existe uma separação intencional das
classes do primeiro ano. Elas ficam localizadas em uma das pontas do corredor
do segundo andar, no lado esquerdo do edifício. Estão em frente a dois
banheiros e próximas da brinquedoteca. O mobiliário é menor, as cortinas são
mais coloridas e os objetos presentes mais abundantes, desde alfabetos,
cartazes e desenhos. Em nenhuma das duas salas as carteiras são
enfileiradas. As disposições mais corriqueiras são grupos de quatro, duplas ou
formato em U. A justificativa pedagógica apresentada é a preocupação com a
criação de um ambiente favorável à alfabetização. Outro elemento exclusivo
dessas salas, por exemplo, são os gibis. Ficam em caixas e pequenas
prateleiras à disposição dos alunos que “terminam a lição”.
É notório entre os educadores dessa escola o estabelecimento da
relação entre o conceito adotado por eles de “ambiente” e a aprendizagem dos
alunos. Observa-se que, objetos e elementos colocados nas paredes são, para
esses professores e professoras, constituidores do ambiente indicado para a
aprendizagem. Para a alfabetização e para algumas áreas do conhecimento, a
124
composição do ambiente é mais abundante em objetos e mobiliário. Para as
áreas do conhecimento mais comuns, como português, matemática, história,
geografia e ciências, os objetos são mais escassos e os ambientes são
praticamente iguais, muito embora sejam denominados como ambientes
distintos pela equipe da escola. A professora do primeiro ano, P1, na
entrevista concluiu que:
P1: Eu acho que é uma escola bem... Que proporciona vários momentos em
vários lugares, né. Por que, por exemplo, você pode usar o parque para fazer
outra atividade também que não necessariamente seja brincar na balança. Isso
a gente costuma fazer. Vou contar história ali na sombra. Eu acho legal esse
movimento das crianças aqui dentro da escola. Acho bem bacana e acho que
para eles faz bem, principalmente para os menores... Eles se cansam muito
rápido de ficar dentro da sala, então esses ambientes são totalmente, fazem a
diferença... Eu acho que em cada espaço dá pra fazer algo diferente, dá pra
alfabetizar.
A despeito dessa afirmativa da utilização de vários lugares em outras
finalidades, durante o período de observação da pesquisa essas práticas não
foram presenciadas. Os espaços estavam sempre sendo utilizados de acordo
com suas funções consideradas básicas: parque para brincar, sala de aula
para fazer lição, e assim sucessivamente. Quanto à movimentação dos alunos
sendo vista como positiva, essa perspectiva se torna diferente com relação aos
maiores do quinto ano, considerados agitados.
O que existe de fato na escola são ambiguidades: ao mesmo tempo
em que existe a intenção de tornar o ambiente facilitador da aprendizagem,
também existe a intenção do controle disciplinar dos corpos. Ao mesmo tempo
em que a escola possui um prédio grande repleto de muitas salas e espaços,
há uma tentativa de limitar e ordenar a circulação dos alunos pelo prédio.
Desse modo, por vezes não ficam claros quais são as orientações pedagógicas
adotadas, mas é sabido que o destaque maior está na perspectiva tradicional
do ensino pautado no professor que fala e no aluno que ouve e escreve, pois a
organização da maioria dos chamados “ambientes” aponta para essa visão.
Como Viñao Frago define sobre essas ambiguidades:
125
“Entre a função produtivo-educativa ou de ensino e a função de vigilância e controle. Assim enquanto a ultima exige transparência e visibilidade, as duas anteriores tendem a segmentar os tempos, as matérias os conteúdos e as pessoas. O espaço escolar torna-se, assim, no seu desenvolvimento interno, um espaço segmentado no qual o ocultamento e o aprisionamento lutam com a visibilidade, a abertura e a transparência.” ( VIÑAO FRAGO, 1998, p.80).
4.3 A sala da direção: lugar da punição?
Ao desenhar a escola, as crianças não desenharam a sala do diretor
ou da coordenadora, que fica ao lado. Exceto, por uma criança de desenhou a
secretaria, nenhuma delas lembrou-se desses lugares da escola ao desenhar.
Aliás, parte do piso térreo foi “esquecida nos desenhos”. Alguns indicaram o
portão de entrada, o pátio, as mesas da refeição próximas à cozinha. Todavia,
o andar térreo não termina nesses espaços. Existe um hall que agrega a
secretaria, direção e coordenação e a sala da rádio da escola, mais uma sala
destinada a um projeto que aos alunos menores há pouco acesso. E o
pavimento termina com um pequeno corredor com a sala dos professores e
sala para reuniões de professores.
Nesses espaços a circulação de alunos é reduzida e controlada, embora
não seja expressamente proibida. A criança C7, na entrevista, afirmou que
entrou na sala dos professores uma única vez para pegar água para o colega
deficiente físico. Isto ocorreu porque dentro da sala dos professores existe um
bebedouro elétrico, não encontrado no restante da escola, além de forno micro-
ondas e objetos pessoais dos professores, indicando que o território é dos
professores e não dos alunos.
Mas, a respeito da sala da direção, muitos deles, ainda que não tenham
desenhado, possuem uma história sobre as funções desse espaço. A criança
C5 do primeiro ano alega que a sala do diretor serve apenas para quando uma
criança fica doente e é preciso ligar para a mãe, contudo, destaca que nessa
sala existem câmeras.
126
L1: Conta pra mim! Você acha que a sala do diretor serve para criança que faz bagunça? Não? Serve para quando criança fica doente? Serve para nada?
C5: Só para ligar para a mãe.
L1: É só para ligar para a mãe. Criança pode entrar lá? Não?
C5: Tem câmera.
L1: Ih! Tem câmera. Se a gente entrar lá vão ver a gente, né? Então criança não pode entrar lá... Então, só quem entra lá?
C5: Professor e tia.
L1: Professor e tia. Só adulto. E serve para ligar pra mãe. Quando que tem que ligar pra mãe?
C5: Só quando alguém tá doente.
L1: Ah... Então, quando alguém tá doente vai lá na sala do diretor e liga pra mãe. Ah... E a secretaria, você já viu onde é? Já? Você sabe o que tem lá? Tem o quê?
C5: Tem... Tem as tias...
L1: Ah, e elas ficam fazendo o que lá dentro essas tias?
C5: Elas ficam pegando as pastas, para quando a gente chega entregar para as professoras.
L1: Ah, elas pegam pastas, entregam para professor. Muito bem. É um serviço importante, né?
C5: É.
Já o aluno C7, do quinto ano, diz que o lugar que não gosta na escola é
justamente a diretoria:
L1: É? E tem algum lugar na escola que você não gosta?
C7: Sim.
L1: Qual?
C7: A diretoria.
L1: Por quê? O que rola lá? O que tem lá?
C7: Muita briga.
L1: É. Mas, a briga acontece na diretoria ou quem briga vai para a diretoria?
C7: Na diretoria sim. Por causa que...
127
L1: Hum, explica para mim...
C7: Começa a zoar, aí depois espera um pouco e vai para a diretoria.
L1: Você já foi para a diretoria alguma vez? O que aconteceu no dia que você foi? Por que levaram você para lá?
C7: Tava dando laranja, aí o L. tacou e o menino olhou para mim e falou: “é esse daqui tia”. Aí a tia pegou e foi comigo na diretoria.
L1: Mas, foi você que tinha tacado a laranja nele, ou não? Ele te confundiu com alguém? E aí você foi parar na diretoria. E o que acontece quando vai lá para a sala da diretoria?
C7: Nóis vai para sala dela...
L1: Hum e faz o que lá?
C7: Às vezes ela manda fazer lição.
L1: É? Ela passa lição lá? É a mesma coisa que fazer lição na sala ou não?
C7: Lá é mais difícil.
L1: Lá é mais difícil?
C7: Lá é matemática. Não é o mesmo jeito, mas é matemática.
Ele apresenta o simbolismo da diretoria como o lugar para receber
“bronca” e punição. Nesse trecho a lição perde o sentido da aprendizagem e
ganha o sentido do castigo para o aluno que bagunça. Essa perspectiva
aparece também na entrevista do aluno C8, também do quinto ano:
L1: Outros lugares que tem aqui na escola.
C8: Diretoria.
L1: Você foi fazer o que lá? O que tem lá?
(risos)
C8: Nada.
L1: Não foi fazer nada? Tava de bobeira...
C8: Levar uma advertência. Umas três advertências.
L1: Ah, você levou umas três advertências. O que você fez? Por quê?
C8: Porque eu fiquei bagunçando na sala.
L1: Rapaz bagunçando na sala. Mas, a sala da diretoria só serve para ir lá levar advertência?
C8: Não.
128
L1: Serve para mais o quê?
C8: Serve para pedir as coisas que precisa na escola, serve para falar com o diretor sobre o que tem que mudar na escola.
Como visto, esse aluno agrega outra função para a diretoria, a função
de cuidar da escola e de interpelar o diretor sobre as mudanças necessárias. A
perspectiva desse aluno difere dos demais entrevistados. Em geral, os alunos
do primeiro ano falam da diretoria como lugar para onde vai quem está doente
ou fez bagunça. Os alunos do quinto ano abordam os atos cometidos e as
punições recebidas: advertência, fazer “lição difícil”. Apenas esse estudante
apresenta outra possibilidade. A criança C9, inclusive, acrescenta que a
diretoria não é um lugar para todos dentro da escola:
L1: Ah, legal. Você acha que na escola tem lugar que é só para aluno e tem
lugar que é só para professor? Ou não, todo lugar é para todo mundo?
C9: Para todo mundo. Quase para todo mundo, menos a diretoria.
L1: A diretoria é para quem?
C9: É só para os professores e para a diretoria, só.
L1: Só. Não é para os alunos lá não?
C9: Não.
C9: Só quando dá bronca que vai na diretoria.
L1: É, e você já foi lá alguma vez aqui nessa escola?
C9: Só uma vez.
L1: É? O que aconteceu?
C9: Porque eu tava jogando pingue-pongue, aí o menino veio, o da minha sala lá, ele veio e pensou que eu roubei porque eu ganhei dele. Ai depois ele veio, aí me bateu. Aí depois nós brigamos aí nós fomos para a diretoria.
A diretoria é marcada como o lugar indesejável, frequentado apenas em
situações ruins: ou você está doente ou você vai ser punido. Numa instituição
segmentada e parcelada como a escola, a vigilância e o controle são exercidos
pela visibilidade espacial, mas também pela constituição de elementos
simbólicos e ritos. A ideia de ir até a diretoria, e o que pode acontecer com o
aluno nesse espaço, atua como poder simbólico para coibir as ações que
infrinjam as normas. Se é indesejável ir para a diretoria, o aluno deve, então,
129
seguir as regras da escola, ou estará sujeito às sanções e suas consequências.
É na execução dessa violência simbólica que adultos mantêm o controle sobre
as crianças, uma violência simbólica, mas que, muitas vezes, está circunscrita
a atos físicos, como gritos, advertências e exclusões. A diretoria, como todo o
prédio escolar, cumpre essa função de manutenção da ordem estabelecida.
4.4 O cuidado com os ambientes da escola.
O cuidado com os ambientes da escola, ou mesmo a noção de cuidado
que se possui estão ligados ao grau de pertencimento e satisfação que os
indivíduos têm nesse espaço. Aos entrevistados nessa pesquisa, cuidado com
a escola refere-se diretamente as condições físicas e situação dos ambientes.
E para eles, professores e alunos, a escola sob esse aspecto é bem cuidada.
A professora do quinto ano P2 atribui o gosto dos alunos e a visão de que a
escola é bonita ao fato de considerá-la bem cuidada e, define o cuidado como:
P2: E outra, o fato de ela ser assim limpinha. Eles toda hora estão vendo as
moças da limpeza cuidando. E toda vez que tem um trabalho deles, a questão
de exposição, eles tem um cuidado, se envolvem. Então eu acho assim, que
essa organização também nos ajuda.
Limpeza e valorização dos trabalhos dos alunos são expostos como
fundamentais para que considerem a escola bonita. Para as crianças do
primeiro ano, o cuidado com a escola contempla também a segurança. Não
deixar pessoas estranhas entrarem e manter o portão fechado são
mencionados pelas crianças C2 e C1 como cuidado:
L1: Vocês ajudam a cuidar da escola?
C2: Sim!
L1: O que vocês fazem?
C1: A gente não deixa ninguém entrar.
C2: É nóis não deixa ninguém entrar.
L1: Não deixa ninguém entrar que horas?
C1: Entrar quem é desconhecido.
L1: Ah quem é desconhecido não pode entrar? Só conhecido?
C2: Quem não mora aqui né, quem vem nessa escola, quem não sabe (...).
130
C1: Mas, quem vem na nossa escola pode. Mas quem vem sem pedi não pode não. Ai o moço vai e tranca o portão.
L1: O portão fica trancado?
C1: O tio L. ele vai e...
Para o aluno C7 do quinto ano o diretor é o responsável por cuidar dos
ambientes da escola de acordo com as opiniões das professoras:
L1: Você sabe quem é que decide como que arruma e organiza os espaços da
escola?
C7: Diretor.
L1: É só o diretor? Não pergunta para ninguém?
C7: A professora fala “aquilo, isso” e ele faz.
L1: Ah... As professoras dão ideias e aí o diretor faz.
Os alunos C10 e C11 identificam que existem espaços na escola que
poderiam ser mais bem cuidados, como o banheiro que eles utilizam:
L1: Deixa eu perguntar a última pergunta. Se vocês pudessem mudar alguma coisa aqui da escola, algum lugar, vocês mudariam?
C11: Sim.
L1: O quê?
C11: O banheiro.
L1: Você iria mudar o que no banheiro?
C10: As partes que tá toda quebrada.
C11: Pichada.
L1: Tem coisa quebrada e pichada no banheiro?
C11: Tem. As portas
L1: Mas quem quebrou e quem pichou?
C10: Os “de manhã”.
L1: Os “de manhã”? Ah esses de manhã. Quem cuida da escola, que arruma e que faz as coisas ficarem assim do jeito que é? Quem organiza o espaço?
C11: As faxineiras.
131
L1: Só elas, sozinhas?
C10: Também nóis ajuda né. Fazer os trabalhos.
C11: Nóis ajuda a fazer os trabalhos. Foi o professor de artes que fez.
A professora P2, ao relacionar a visão dos alunos e a escola, define que
é um lugar onde eles são cuidados. Esse cuidado dispensado aos alunos,
segundo ela, é importante porque as famílias são consideradas ausentes no
cuidado com os filhos, assumindo a escola essa função:
P2: E eles são cuidados. Você vê se fosse um lugar... Tem hora que você
precisa falar firme com eles, mas eles veem assim, que o cuidar é como se
fosse de um pai e uma mãe mesmo. Que vai dar bronca na hora que precisa,
falar um não. Tem uns que buscam muito limites. Mas, os pais não reclamam,
pelo menos assim, a gente nunca recebeu. Porque a gente percebe que tem
uns com muito problema de relacionamento e você chama os pais e o
problema está na família também. Sabe aquele pai e aquela mãe, que você
percebe na sociedade, muito ausente, e eles ficam sempre por conta deles ou
porque em casa mesmo precisava falar assim, um não. Então, a gente teve
muito problema.
De modo geral percebe-se a valorização do cuidado com a escola
centrado no aspecto da limpeza e, para os professores, estendendo-se a
atenção aos alunos. E para os indivíduos, a escola, nos aspectos
apresentados, é bem cuidada.
Além das entrevistas, os sujeitos da pesquisa responderam, também,
um questionário com escala referente às finalidades dos espaços na escola. A
Tabela 3 apresenta os resultados dessas opções onde podem ser verificadas
as tendências de respostas.
Essa Tabela apresenta grande concentração à esquerda indicando alto
índice de concordância com a função apresentada para os espaços. As
dispersões à direita indicam discordâncias, que são poucas. Nove sujeitos
responderam à escala.
Analisando-se os dados é interessante observar a presença de
dispersão de manifestações tanto de professores quanto de alunos.
132
No grupo dos professores houve maioria de respostas na categoria de
concordância parcial em quase todas as questões. Houve seis manifestações
de discordância parcial e quatro discordâncias totais: sobre os livros na sala de
leitura, área externa para o recreio, projetos de alunos na sala de rádio e
brinquedoteca para os menores. Parte dessas concordâncias parciais e
discordâncias devem ser devida a trechos das entrevistas em que há
depoimentos apontando o uso de outros espaços, além da sala de aula, para
os alunos pequenos. Também é possível que, ao longo dos anos, os
professores tenham utilizado os espaços para outros usos além dos que foram
bem definidos na escala, como o uso do banheiro para uma troca de roupas,
ou a quadra para outras atividades de ensino. Outro fator que deve ter sido
lembrado pelos professores, para discordar dos livros na sala de leitura, é o
fato de haver salas ambiente com materiais específicos para estudo.
No grupo dos alunos, cinco dos que estão no quinto ano se
manifestaram bem discordantes ou concordando parcialmente. Já no segmento
do primeiro ano, apenas dois se manifestaram concordando parcialmente ( um
aluno sobre a sala da diretoria) e um aluno sobre o banheiro. Entretanto
observa-se que houve menor número de respondentes nesta escala dentre os
alunos do 1º ano.
De modo geral pode-se dizer que os significados atribuídos aos espaços
arquitetônicos foram reconhecidos: tem sentido nomear os espaços como eles
são conhecidos para a maioria dos sujeitos da escola. Entretanto, é
interessante identificar outros significados atribuídos genericamente, mas não
aceitos totalmente: o parque é para crianças, mas os do quinto ano não
aceitam pela dimensão dos brinquedos, portanto se excluem de seu uso e de
sua finalidade. Os significados oficiais são mais fortes para os alunos do
primeiro ano, pois apenas um m manifestou não aceitar plenamente ou
discordar de dois espaços nomeados na escala.
Com este capítulo, mais um objetivo foi atingido, qual seja, a busca de
informações junto a professores e alunos sobre as dependências da escola e
sua possível interferência sobre os espaços.
133
4.5 Os dados da escala de preferências: finalidades dos espaços na escola
Tabela 3. Dados agregados das respostas sobre destinação dos espaços da escola
Questões Concordo plenamente Concordo parcialmente Discordo parcialmente Discordo totalmente
Professor Aluno 1° Aluno 5° Professor Aluno 1° Aluno 5° Professor Aluno 1° Aluno 5° Professor Aluno 1° Aluno 5°
O pátio é o lugar
para o recreio na
escola
1 2 2 2 1 1
A sala de aula serve
para estudar 1 2 3 2 1
A sala de leitura é o
lugar onde se
encontram livros na
escola
1 2 3 2 1
O parque é o lugar
para brincar na
escola
1 2 2 3 1
A horta é um espaço
para professores e
alunos
2 2 2 2 1
134
A quadra serve para
prática de esportes 1 2 3 3
A sala de informática
é o lugar onde estão
os computadores na
escola
1 2 3 3
A sala da SAAI serve
para os alunos com
deficiências
3 2 2 1 1
A sala dos
professores é um
espaço apenas para
professor
2 2 3 1 1
O refeitório serve
para a alimentação 3 2 3 1
A secretaria é um
lugar para
documentos
3 2 3 1
A sala da
coordenação serve
para atender alunos
e professores
1 2 3 3
135
A sala da diretoria
serve para atender
alunos com
problemas de
disciplina
1 3 4 1
A cozinha é o espaço
do preparo dos
alimentos
3 2 3 1
O estacionamento é
um espaço para os
professores
guardarem seus
veículos com
segurança
3 2 2 1 1
O banheiro serve
para atender as
necessidades
fisiológicas
3 1 3 1 1
A área externa serve
para os momentos
de recreio
2 3 3 1
A sala de vídeo é um
espaço para passar 3 2 3 1
136
vídeos para os alunos
O corredor é um
espaço que separa os
ambientes da escola
3 2 3 1
O elevador serve
para transportar os
alunos com
mobilidade reduzida
3 2 3 1
A sala da rádio é um
espaço para o
projeto dos alunos
3 2 3 1
A brinquedoteca
serve para os alunos
menores brincarem
1 2 3 1 1 1
137
5. Estética e socialização nos ambientes escolares
Neste capítulo apresenta-se a continuação da análise dos dados obtidos
na pesquisa organizados em eixos, os quais foram extraídos das respostas dos
sujeitos nas entrevistas, relacionados com os desenhos produzidos pelas
crianças participantes e abordados à luz do aporte teórico. Entre os eixos neste
capítulo serão abordados os que se relacionam à estética e socialização dos
alunos no espaço escolar, pois tais aspectos foram muito citados quando os
sujeitos se referiram à escola.
5.1 A fachada da escola e sua importância na percepção do
espaço pelas crianças.
Figura 55 – Visão da escola do outro lado da Rodovia.
A professora do quinto ano expressa durante a entrevista: “Mas, a
escola é bonita, né?” Com essa frase indica o posicionamento comum em
todos os participantes da pesquisa: a escola é bonita. Das onze crianças
entrevistadas, oito fizeram afirmações como essa, com variações: “a escola é
linda’ (criança C4), “a escola é legal demais” (criança C10), “a escola é
cheirosa” (criança C2), “a escola é da hora” (criança C9). A criança C11 ainda
justificou na entrevista:
138
C11: “Bonita. Por que tem escola que não é assim... Tem escola que é menor.
Tem escola que já tá tudo destruído... Essa daqui tá muito boa para nós”.
Não foi somente nas afirmações elogiosas que os alunos declararam a
opinião acerca da beleza da escola. Nos desenhos, além dos espaços favoritos
como a quadra e o parque, a fachada da escola aparece frequentemente.
Figura 56 – Desenho da fachada da escola
A admiração que os indivíduos nutrem pelo prédio da escola, sempre
o definindo com adjetivos positivos como limpo, bonito, cheiroso, está atrelada
às condições de vida desses indivíduos no bairro e à posição ocupada pelo
próprio prédio escolar criando-lhe distinções dentre do microcosmo do espaço
social que é o bairro. Ao olhar mais detidamente para a Figura 55, nota-se a
rodovia de grande movimentação e o edifício escolar à beira da estrada o qual,
com sua altura e dimensões arquitetônicas, esconde aos que passam pela via,
o que existe atrás dele. Atrás da escola está o bairro, já caracterizado nos
capítulos anteriores. Por isso, como já visto, as construções escondidas atrás
do prédio da escola não possuem as mesmas características na arquitetura.
139
São prédios modestos, baixos e com a pintura desgastada, vizinhos de casas e
pequenos sobrados também simples. Os prédios dos funcionários públicos
ficam ao fundo, distanciados. A escola é a construção mais imponente de todo
o pequeno bairro por sua localização geográfica à frente e destacada também
por sua posição simbólica.
O autor Faria Filho (2000), conforme desenvolvido no capítulo inicial, afirma
que, no início da República, as construções dos grupos escolares impunham
elegância estética que deveriam determinar o espírito moderno de uma nova
era. Contudo, o requinte do edifício escolar tornava ainda mais evidente as
desigualdades nas cidades. De modo parecido, a imponência do prédio
escolar da pesquisa ao passo que causa admiração nas pessoas por outro lado
ressalta a pobreza do bairro. Cria uma forma silenciosa ou simbólica de ensino
que comunica sentido e dá reforço ao escalonamento da ordem do mundo
social. Como um sistema simbólico a escola legitima a dominação fazendo com
que os indivíduos acreditem na sua superioridade e distinção: “essa daqui tá
muito boa para nós” (aluna do quinto ano C1 referindo-se a escola).
A relação de simbolismos estabelecida entre as crianças e a construção
escolar está evidenciada nos “retratos” da escola construídos por eles. Em
alguns desenhos percebe-se a tentativa de buscar uma representação muito
aproximada do real nos traços e proporções. Em outros elementos infantis e
lúdicos, ao mesmo tempo em que fogem à realidade exacerbam a admiração
criando uma representação da escola colorida e feliz.
Na figura 57 a estrutura do prédio com os pavimentos e a quadra em
cima se mantem, mas, a fachada e o parque ganham um colorido a mais (azul,
rosa, laranja e roxo) e são acompanhados pelo sol. Já na figura 58, além do
colorido (laranja, rosa e azul) são acrescidas flores azuis ao entorno da escola.
Nesse desenho a estrutura do prédio também é mantida com menor
detalhamento.
140
Figura 57 – Desenho da fachada e parque da escola
Figura 58 – Desenho da fachada da escola com flores
141
Figura 59 – Desenho da fachada com chaminé e corações
Figura 60 – Desenho da fachada com detalhes e descrições
142
Na Figura 59 uma representação bastante lúdica apresenta a escola
com cores vibrantes e chaminé no formato de uma casa. O desenho ainda
apresenta crianças ao lado da escola com corações sobre as cabeças. Ao
contrário, na Figura 60, um desenho que tenta se aproximar da imagem do
prédio com riqueza de detalhes e descrições. Os andares são identificados,
observam-se as cortinas amarelas das classes, o relógio da parede e o
alfabeto, bem como as bolas na quadra. Até mesmo a placa de trânsito que
existe em frente ao portão de entrada foi desenhada.
Figura 61 – Desenho colorido da fachada da escola
Figura 62 – Desenho do portão de entrada
143
Figura 63 – Desenho da escola com o parque dentro do prédio
Figura 64 – Desenho que tenta representar a escola inteira
Nas figuras expostas, de 61 a 64, mais representações da escola. Na
figura 61, um desenho colorido e semelhante ao formato de uma casa,
enquanto que na figura 64 traços e detalhes tornam o desenho uma
144
aproximação interessante da construção. Todos os desenhos dimensionam a
representação que essas crianças possuem do que para eles é a escola onde
estudam. Viñao Frago (1998) alerta que o símbolo possui valor didático, como
um aspecto da dimensão educativa do espaço. A simbologia criada em torno
da beleza dessa escola certamente tem sido uma parte importante do currículo
praticado nesse espaço.
5.2 Espaços de socialização: a dicotomia entre aproximação e
distanciamento entre as crianças
Durante a entrevista, as crianças também foram questionadas sobre em
quais espaços consideram em que podem ficar mais juntas, coletivamente. As
respostas que apareceram foram: parque, pátio e sala. Com mais ênfase para
o parque entre os menores. Uma criança do primeiro ano justificou:
L1: Qual o lugar da escola que você acha que as crianças ficam mais juntas?
C2: Hum... No parque.
L1: No parque, por quê?
C2: Porque o parque é mais legal. Nóis corre, nóis brinca.
A opinião indica que os espaços de lazer e brincadeira são mais
favoráveis à socialização e aproximação entre as crianças. A mesma opinião
foi apresentada também pelo aluno que opinou ser o pátio o lugar onde ficam
mais juntos:
L1: Qual o lugar da escola que você acha que as crianças podem ficar juntas? Em que lugar?
C7: No pátio.
L1: No pátio, por quê?
C7: Porque lá todo mundo brinca, corre...
Curiosamente mesmo sendo respostas de duas crianças de idades,
sexo e turmas diversas (C2 menina do primeiro ano, C7 menino do quinto ano)
145
e que foram entrevistadas em dias e situações diferentes, são duas respostas
muito parecidas. A indicação coincide com alguns dos espaços considerados
favoritos entre eles: parque e pátio. São os espaços onde o recreio acontece,
lembrando que o parque também integra a rotina semanal dos alunos na “linha
do tempo” organizada pelas professoras. Contudo, diferentes da quadra,
campeã das preferências, são espaços em que as regras são mais flexíveis e
existem brechas para maior liberdade. Como já mencionado, as regras
impostas para o uso da tão almejada quadra chegam a frustrar alguns. A
existência de dois lugares em que correr e brincar são permitidos é valoroso
para as crianças.
São dois espaços um semiaberto (pátio) e outro aberto (parque). O
parque é o único espaço aberto ao qual os alunos têm livre acesso, porque na
área externa existe um estacionamento em que não podem circular e uma
horta no alto do morro que só é frequentada por alunos de um projeto
relacionado ao espaço. Nos dois tipos de espaço, citados por eles, diminuem-
se as fronteiras de separação e segmentação entre os corpos, mesas e
paredes, por exemplo, a circulação torna-se mais livre e a possibilidade de
aproximação e contato é maior. Ao correr e brincar as crianças se juntam, se
tocam, se esbarram, se abraçam, brigam. Nas salas de aula e diversas salas
que a escola possui, o mobiliário organizado de maneira rígida e as
segmentações criam um distanciamento entre eles que serve de auxiliar no
controle disciplinar. A organização prezada pelas professoras como
necessárias para acontecer a aula, já que os alunos, sobretudo do quinto ano,
são agitados, é mantida com todos sentados nas carteiras. Cabe lembrar que
não é permitido correr e brincar em nenhum dos outros ambientes do prédio
sejam salas ou corredores. Mesmo na brinquedoteca, correr não é uma ação
permitida.
146
Considerações Finais
O processo de realização desta pesquisa possibilitou um mergulho no
espaço escolar e a percepção de uma grande quantidade de nuances da
relação dos sujeitos, sobretudo alunos, com esse espaço. A primeira grande
constatação, estabelecendo relações entre o aporte teórico e a observação no
campo, foi à verificação de que de fato o espaço não é neutro e atua como um
agente de ensino, tal como os outros elementos dentro de uma escola. Tão
importante e tão contundente quanto os demais o espaço organiza práticas e
representações dos indivíduos. Os ambientes de uma escola podem conter
movimentos, como numa sala de aula fechada com carteiras enfileiradas, ou
mesmo expandi-los, como em espaços abertos: um pátio, parque ou quadra.
Também são capazes de introduzir normas e regras tão bem quanto a fala e a
atuação dos adultos sobre crianças e jovens, na verdade, a organização e
disposição do espaço atuam favorecendo essa fala e atuação. A
compartimentação de salas de aulas em um grande corredor favorece as
divisões e separações baseadas na graduação dos níveis escolares. As formas
como as mesas e cadeiras estão colocadas exprimem se é possível ou não o
diálogo entre os alunos.
Contudo, existem outros fatores que influenciam a relação dos sujeitos
com o espaço e a representação que fazem dele. Esses fatores são sociais e
estão diretamente ligados ao capital econômico e cultural, bem como a posição
do individuo no espaço social. As leituras de Bourdieu ao longo deste estudo
puderam alargar a compreensão do espaço escolar a partir do conceito de que
o espaço físico é, pois, certa tradução do espaço social, trazendo em si
indicativos das posições e distinções da sociedade, além de revelar indícios
dos habitus desses indivíduos. A aproximação com a escola utilizada como
fonte para a investigação trouxe, para a pesquisa, todas essas nuances. Existe,
na região, a divisão social do espaço social, pois foi detectada a diferenciação
de posição social entre professores e alunos expressa, sobretudo, pelos locais
e condições de moradia diferenciada, em locais físicos diversos dos alunos e
na qualidade das moradias em conjuntos habitacionais com características
diversificadas.
147
A escolha se deu a partir de uma curiosidade: uma escola considerada
bonita. Certamente havia perspectivas nessa percepção de beleza que
poderiam estar além do senso estético. E outros fatores também seriam
desvendados além da beleza ao avançar para dentro do prédio escolar. Prédio
localizado na Zona Oeste da Cidade de São Paulo, integrante da Rede
Municipal de Ensino com aproximadamente quatrocentos alunos, quarenta
professores e com funcionamento desde o ano de 2010. Essas foram às
primeiras informações obtidas sobre a escola. Com a observação interna no
prédio e no entorno surgiram outras informações importantes.
A descoberta de um bairro de proporções geográficas pequenas e com
pouquíssimos recursos sejam eles culturais ou econômicos, foi fundamental
para o entendimento da relação estabelecida pelas crianças com a escola.
Uma rua com um conjunto de moradias, de um lado construções de programas
habitacionais e de outro, casas simples e pequenas travessas. Um ponto de
ônibus e uma quadra. Com essas poucas informações descreveu-se o bairro,
acrescido de outro grupo de edifícios para moradores diferentes dos demais.
No inicio dessa rua fica localizada a escola, uma construção de grandes
proporções e que se destaca arquitetonicamente. Nesse sentido, explica-se a
percepção estética positiva que os frequentadores da escola possuem sobre
ela. No contexto social do bairro a escola representa um elemento de distinção,
ao passo que ao exprimir beleza também acentua a pobreza das outras
construções.
Mas, a pesquisa também revelou que a escola é um espaço
multifacetado, são vários ambientes com diversas funções, regras de uso e
ocupações também distintas. Após uma exploração inicial observando o
movimento dos alunos nos espaços, as estratégias de registros gráficos
coletados e todos os demais procedimentos foi possível demonstrar
convergências e divergências na relação com cada um dos ambientes.
Espaços mais lembrados, espaços inacessíveis, espaços com regras mais
rígidas de uso foram detectados. De posse dos dados da investigação e das
leituras, alguns eixos de análise foram construídos: preferências, usos
considerados corretos, regras, cuidado com os ambientes, estética e
socialização.
148
Ficou evidente que as preferências dos alunos entrevistados, tanto no
primeiro ano quanto no quinto, dirigem-se aos espaços com linhas mais
abertas e coletivas. Consequentemente, esses espaços são considerados por
eles também como favoráveis à aproximação e à socialização. Os espaços
prediletos também se destacam pelo lazer e brincadeira, menor imposição de
regras como proibição de correr e gritar. Em destaque, entre esses espaços,
está a quadra, o espaço inicial mais lembrado da escola por todos os alunos
quando solicitados a fazer um desenho da escola. Para as professoras o gosto
pela quadra está direcionado à participação da escola em campeonatos de
futebol e à ausência de espaços para diversão na localidade. De fato, a prática
do futebol para os alunos se confunde com o próprio espaço da quadra, como
pode ser visto nos desenhos de muitos deles. Todavia, o trabalho da
professora de educação física e a participação em campeonatos (do quais
apenas os entrevistados do quinto ano participaram) não são suficientes para
explicar a relação com a quadra e o esporte. A posição ocupada pelas famílias
no espaço social e os habitus decorrentes, ou seja, as estruturas estruturantes
que sendo estruturadas estruturam as ações dos indivíduos, são um
componente importante para a constituição dessa relação. Uma vez que, o
habitus engendra gostos e preferências, o acesso a uma pequena quadra, com
espaço construído exclusivo de lazer na localidade urbana amplia ainda mais a
admiração à quadra da escola, maior e mais estruturada. Até mesmo o
interesse, de meninos e meninas, pela prática do futebol que atua ao mesmo
tempo como esporte/competição e brincadeira está relacionado aos
condicionantes do espaço social. O futebol, incentivado como “esporte
nacional”, caracterizado como parte da identidade do país é, ao mesmo tempo,
é um esporte barato e de fácil acesso em localidades mais pobres. Há também
o cultivo da ideia de ascensão social por meio desse esporte, reforçado pela
divulgação das histórias de jogadores oriundos de comunidades pobres, que
jogavam bola na rua e se tornaram milionários bem sucedidos. Portanto, o
interesse e gosto coletivo das crianças participantes dessa pesquisa pelo
futebol, embora pareça uma escolha pessoal são estruturadas e efeito da
criação de disposições vividas e aprendidas em ambientes que os valorizam.
A aproximação intensa com o futebol aproxima do espaço da quadra e
faz com que essas crianças se apropriem dele. É uma apropriação dinâmica
que vai além da construção física e cria um território, que se estende desde os
149
corpos de meninos e meninas abrangendo todo o espaço da quadra, suas
grades, bolas, traves e linhas. Essa apropriação é também percebida no
parque, visto como um lugar de liberdade, onde as regras são mais flexíveis.
Vários alunos destacam de maneira entusiasmada a possibilidade de correr,
gritar e brincar nesse ambiente. As professoras, por sua vez, reconhecem a
necessidade de um lugar para que as crianças se expressem mais livremente,
pois, elas próprias reforçam as regras contundentes aplicadas a outros
espaços. Na continuidade das preferências infantis, observa-se ainda o pátio,
que apesar de dividir as funções de lugar para brincar e para comer, agrada
aos alunos pela mesma possibilidade de maior liberdade.
A despeito de toda a reconhecida beleza do prédio da escola, e de todas
as afirmações anteriores, outros espaços são consideravelmente controlados,
repletos de regras e limitações para os alunos. As salas de aulas servem para
estudar, e nessa escola estudar limita-se a ficar sentado em silêncio prestando
atenção ao que propõe a professora. Essa visão é apresentada pelos alunos e
também pelas professoras. A maioria das salas tem carteiras organizadas em
fileiras, apresentam poucos materiais além de um armário, livros didáticos e
alguns cartazes. As classes do primeiro ano possuem mais matérias, mais
cartazes e mesas dispostas de outras formas, entretanto, alunos do primeiro
ano dessas classes expõem a mesma visão sobre o uso da sala: lugar para
sentar e estudar, revelando que apesar dos agrupamentos das carteiras e dos
adornos acrescidos ao espaço, a visão dos educadores permanece a mesma.
As duas professoras entrevistadas pontuam, em seus depoimentos, que para
aprender os alunos precisam de concentração, silêncio e pouco ou nenhum
movimento. Esse ponto de vista pedagógico se sobressai diante da presença
de salas ambientes na escola, pois elas existem, porém, não são totalmente
utilizadas pelos alunos do primeiro ao quinto ano, justamente por uma
característica da cultura escolar, qual seja, evitar a alegada intensificação do
movimento e do barulho nos corredores da escola. Além disso, as salas
ambientes em sua maioria são praticamente iguais entre si, quase os mesmos
mobiliários e objetos. Diferenciam-se por algumas referências ao componente
curricular que representam e alguns materiais específicos.
As regras de controle de movimento e contenção se estendem até
mesmo à brinquedoteca que, pelos alunos, não é vista como um lugar de
150
brincar igual aos outros lugares lembrados e considerados. Nenhum deles
desenhou a brinquedoteca e, ao mencionarem, não demonstravam interesse. A
brinquedoteca é um lugar mais considerado pelas professoras do que pelos
alunos, certamente porque, toda a organização e regras foram estabelecidas
por elas sem muita consideração aos interesses dos alunos. A professora do
primeiro ano chegou a mencionar que os alunos “perdem o foco” na
brinquedoteca e que eles gostam muito de “extravasar”, o que não é permitido
dentro da brinquedoteca. Um espaço constituído a partir de uma sala de aula e
que segue o mesmo padrão para utilização, ou seja, não pode se movimentar
em demasia. Para os alunos um tédio!
Outros lugares da escola intrigam pelo esquecimento. Existe uma horta
no espaço externo que é praticamente inexistente para a maioria, pois não está
destinada a eles. Isso se deve ao fato da horta constituir um projeto específico
e direcionado a poucos alunos do turno da manhã. As crianças não utilizam e
não frequentam, nem mesmo como visitantes do espaço. Esse, não é um lugar
“da escola”, embora exista fisicamente, tenha uma superfície, mas,
simbolicamente ele não é.
Ao final das análises detecta-se que a escola é constituída com
tradicionalmente tem se constituído muitos prédios escolares, um edifício
segmentado e compartimentado, cheio de regras instituídas para a vigilância e
controle dos alunos, atrelado à ideia do controle à organização e
aprendizagem. Com linhas retas e rígidas e muito mais espaços fechados do
que abertos. Os professores tendem a valorizar tanto a compartimentação,
quanto a rigidez e fechamento, como fundamentais para a concentração dos
alunos nas aulas. Na contramão, os alunos valorizam os espaços menos
rígidos, mais abertos e fluidos. Um depoimento da professora do primeiro ano
na entrevista chamou atenção, pois, ela se referiu ao fato de que na escola
muitos espaços diferentes podem ser oferecidos aos alunos inclusive para
alfabetizar. Esse depoimento expõe um posicionamento diferente do
apresentado pelas professoras em todo o processo, entretanto, durante o
período da pesquisa não foi observado o uso de nenhum espaço da escola
com atividades diferentes da finalidade oficialmente definida.
Foi possível identificar que os espaços são delineados e distribuídos
pelos sujeitos segundo a definição de valores específicos daquela realidade a
151
cada grupo: o parque constitui um bem da escola, mas para os pequenos; a
brinquedoteca também é para os pequenos, por causa da linha do tempo
definida. Se os maiores quiserem – e há uma disputa real pela possibilidade de
uso do parque - a decisão passou pela sugestão a ser dada à direção.
Toda essa estrutura do espaço físico da escola tem certa equivalência
com a estrutura social: espaços mais específicos para os pequenos; outros
possíveis para os do final do fundamental I e a horta para os do fundamental II.
Os alunos, portanto, ocupam posições diferenciadas: novos na escola (1º ano),
mais velhos do quinto ano e os do fundamental II representam uma hierarquia
que não é só de idade: é de tempo e de experiência de escolarização. E a
escola é representativa dessa condição social marcante: é um grande espaço
hierarquizado e sofre o efeito de naturalização dessa característica em todos
os seus espaços compartimentados.
O poder simbólico de cada ambiente na escola foi percebido nos
depoimentos dos professores e dos alunos. Um exemplo dessa realidade pode
ser vista no que se refere à diretoria: espacialmente separada das salas de
aula foi explicitamente ligada a um local de punição, mas mais do que isso:
relacionou-se tal punição com lição, obrigatória e difícil para quem está na
situação. Como esse exemplo, todos os demais ambientes tiveram escolhas de
concordância com suas funções; simplesmente ao informar que os ambientes
são o que são e a que se destinam, já carregam esse simbolismo poderoso, o
efeito que essa designação atribui ao lugar e sua posição no conjunto.
Considera-se que o objetivo geral colocado foi atingido, pois, mediante
os dados foi possível detectar as manifestações de professores e alunos sobre
os diferentes lugares da escola. Assim, a pesquisa realizada confirma a
hipótese apresentada inicialmente, ou seja, as visões dos sujeitos acerca dos
espaços da escola são diversas e dependem da posição que ocupam na
escola (professor ou alunos) e no espaço social; também dependem do
ambiente a que se referem seja quadra, pátio ou sala de aula.
A pesquisa termina reforçando a ideia do espaço escolar como
importante campo de pesquisa educacional por concluir que o espaço da
escola vai muito além das paredes e do prédio: integra relações e construções
simbólicas.
152
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155
Anexos
Entrevistas e questionários (para professores e alunos do primeiro e
quinto anos)
a) Qual o seu lugar (ou lugares) preferido dentro da escola?
b) Qual lugar (ou lugares) você não gosta?
c) Qual lugar (ou lugares) você considera mais importante? E o menos
importante?
d) Existem lugares que são apenas para professores e lugares que são
apenas para alunos?
e) Você mudaria a estrutura ou organização de algum lugar(s) da escola?
Por quais motivos?
f) Qual você acredita que seja a finalidade desses espaços:
pátio________, sala de aula__________, sala da direção__________,
corredor___________, sala dos professores_________, sala de
leitura________, sala de informática________.
Questionário com escala de preferências (para professores e alunos do
primeiro e quinto ano)
a) O pátio é o meu lugar preferido na escola.
Concordo plenamente ( ) Concordo parcialmente ( ) Discordo plenamente ( )
Discordo parcialmente ( )
b) Não gosto da sala da direção.
Concordo plenamente ( ) Concordo parcialmente ( ) Discordo plenamente ( )
Discordo parcialmente ( )
c) A sala de aula é o lugar mais importante da escola.
Concordo plenamente ( ) Concordo parcialmente ( ) Discordo plenamente ( )
156
Discordo parcialmente ( )
d) Alunos não devem frequentar a sala dos professores.
Concordo plenamente ( ) Concordo parcialmente ( ) Discordo plenamente ( )
Discordo parcialmente ( )
e) O corredor serve apenas para a circulação das pessoas.
Concordo plenamente ( ) Concordo parcialmente ( ) Discordo plenamente ( )
Discordo parcialmente ( )
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