Analisando indicadores morfológicos de vitalidade urbana em duas Vilas
Olímpicas certificadas pelo selo LEED-ND
Nicholas Martino
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARQUITETURA E URBANISMO
MESTRADO EM ARQUITETURA E URBANISMO
DISSERTAÇÃO DE MESTRADO
LEGADOS URBANOS E SUBURBANOS
Analisando indicadores morfológicos de vitalidade urbana em duas Vilas
Olímpicas certificadas pelo selo LEED-ND
Nicholas Saraiva Martino
NATAL, ABRIL / 2019
3
Nicholas Saraiva Martino
LEGADOS URBANOS E SUBURBANOS
Analisando indicadores morfológicos de vitalidade urbana em duas Vilas
Olímpicas certificadas pelo selo LEED-ND
Dissertação de mestrado apresentada
ao Programa de Pós-Graduação em
Arquitetura e Urbanismo da
Universidade Federal do Rio Grande
do Norte, como requisito para
obtenção do título de Mestre em
Arquitetura e Urbanismo.
Orientadora: Profa. Dra. Edja Trigueiro
NATAL, ABRIL / 2019
4
Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN
Sistema de Bibliotecas - SISBI
Catalogação de Publicação na Fonte.
UFRN - Biblioteca Setorial Prof. Dr. Marcelo Bezerra de Melo Tinôco - DARQ - CT
Martino, Nicholas Saraiva. Legados urbanos e suburbanos: analisando indicadores
morfológicos de vitalidade urbana em duas vilas olímpicas certificadas pelo selo LEED-ND / Nicholas Saraiva Martino. -
Natal, 2019.
89f.: il.
Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Centro de tecnologia, 2019.
Orientadora: Edja Bezerra Faria Trigueiro.
1. Planejamento urbano - Dissertação. 2. Vizinhanças
sustentáveis - Dissertação. 3. Morfologia urbana - Dissertação.
4. Vitalidade urbana - Dissertação. I. Trigueiro, Edja Bezerra Faria. II. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. III.
Título.
RN/UF/BSE15 CDU 711.4
Elaborado por Ericka Luana Gomes da Costa Cortez - CRB-15/344
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Nicholas Saraiva Martino
LEGADOS URBANOS E SUBURBANOS
Analisando indicadores morfológicos de vitalidade urbana em duas Vilas
Olímpicas certificadas pelo selo LEED-ND
BANCA EXAMINADORA:
_______________________________________
Profa. Dra. Edja Bezerra Faria Trigueiro Orientador – PPGAU/UFRN
______________________________________________
Prof. Dr. Márcio Moraes Valença Examinador interno – PPGAU/UFRN
______________________________________________
Prof. Dr. Lucas Figueiredo de Medeiros Examinador externo – PPGAU/UFPB
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AGRADECIMENTOS
A Deus e a minha família, por me proporcionarem todas as condições necessárias
para a produção deste trabalho.
Aos integrantes do grupo de pesquisa em Morfologia e Usos da Arquitetura, MUsA,
em especial a Profa. Dra. Edja Trigueiro – orientadora desta pesquisa e de vida
acadêmica desde meus primeiros contatos com arquitetura – e os mestres Flávia
Lopes e Maurício Martins, por todo o suporte desde o processo seletivo para entrada
na pós-graduação até o dia da defesa final.
A Cynthia Girling e aos integrantes do elementslab da University of British Columbia,
por me acolherem em seu laboratório durante minha estadia em Vancouver, Canadá,
e pelas constantes contribuições para o desenvolvimento desse trabalho.
A Profa. Dra. Ruth Ataíde e a Marcela Scheer, pelas extensas e ricas reflexões sobre
soluções urbanísticas para as cidades brasileiras que certamente permearam o
conteúdo desta pesquisa do início ao fim.
A Coordenação de Aperfeiçoamento do Ensino Superior, CAPES, pelo financiamento
da pesquisa e a todos os amigos, familiares ou trabalhadores que contribuíram, direta
ou indiretamente, para a finalização deste produto.
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RESUMO
As Vilas Olímpicas construídas para os jogos do Rio de Janeiro (Condomínio Ilha Pura, CIP, 2016) e Vancouver (Southeast False Creek, SFC, 2010) receberam a certificação LEED-ND para desenvolvimento de vizinhança sustentável com base em critérios de avaliação pensados para promover comunidades habitáveis e sustentáveis. Considerando que a obtenção dessas qualidades é parcialmente dependente das propriedades morfológicas e funcionais que facilitam movimento, visibilidade e encontros entre sujeitos nos espaços públicos – ingredientes considerados como favorecedores da vitalidade urbana – o objetivo dessa pesquisa foi verificar se o desenho dessas Vilas Olímpicas certificadas pelo LEED-ND facilita ou dificulta essa vitalidade nos espaços públicos, avaliando a incidência de indicadores morfológicos em múltiplas escalas espaciais. Primeiramente analisou-se a relação entre configuração da malha viária e destinos diários (bancos, farmácias, escolas, etc.) em Vancouver e no Rio de Janeiro a fim de entender como essas Vilas Olímpicas estão inseridas no todo urbano em termos do uso do caminhar como um meio de locomoção. Indicadores de acessibilidade, densidade e diversidade, relacionados ao conceito de caminhabiliade, foram agregados em um raio de 800m a partir de cada segmento de rua das vizinhanças e seu entorno imediato. Em segundo lugar, mapas de usos e integração dos espaços abertos foram graficamente justapostos, na tentativa de responder como o desenho de cada empreendimento integra ou segrega diferentes usos. Por fim, mapas de constitutividade de fachadas (acessos aos edifícios), mobiliário e vegetação foram justapostos a modelos georreferenciados de visibilidade e permeabilidade espacial que indicam movimento potencial de pedestres. As diferentes intenções subjacentes aos planos das vizinhanças estão “impressas” na forma urbana em ambos os casos. Enquanto SFC foi construído em terras públicas para conectar a cidade à orla e reabilitar uma área industrial abandonada, o CIP foi construído em terras privadas como uma “ilha” verde e de lazer que pouco contribui para a vitalidade urbana do entorno, deficiente de infraestrutura e cercado por comunidades informais. Padrões que representam um alto potencial de movimento em SFC surgem da sua relação com o todo urbano, da diversidade de usos do solo e da integração entre edifícios, espaços públicos, corredores de transporte e orla. Enquanto isso, o CIP é segregado tanto da cidade do Rio de Janeiro como do seu entorno imediato, resultando em uma distribuição desigual de espaços verdes e de lazer, altamente integrados àqueles que vivem dentro do condomínio e pouco integrados às comunidades do entorno. Os resultados levantam questões sobre a necessidade de aplicar processos de acreditação dispendiosos (como o LEED-ND) com o objetivo de avaliar conceitos amplos e subjetivos de "sustentabilidade" e "smart growth".
Palavras-chave: vizinhanças sustentáveis, morfologia urbana, vitalidade urbana.
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ABSTRACT
The Olympic Villages built for the Olympic games in Rio de Janeiro (Ilha Pura Condominium, IPC, 2016) and Vancouver (Southeast False Creek, SFC, 2010) were both granted LEED-ND certification for sustainable neighbourhood developments based on evaluation criteria devised to foster walkable, livable and sustainable communities. Considering that the attainment of these qualities is partially dependent on morphological and functional properties that facilitate movement, visibility and encounters among people in public spaces – ingredients deemed to favour urban vitality and liveliness – the purpose of this research was to verify how the design of these LEED-ND certified Olympic villages facilitates or hinders the vitality of public spaces, by assessing the incidence of urban vitality indicators across multiple spatial scales. Firstly, the relation between the configuration of the street network and the presence of daily destinations (banks, pharmacies, schools, etc.) were analyzed in Rio de Janeiro and Vancouver in an attempt to to understand how these Olympic Villages are inserted in the urban whole in terms of the use of walking as a mean of transport. Indicators of accessibility, density and diversity, related to the concept of walkability, were aggregated within a radius of 800m of each street segment within the neighborhoods and their immediate surroundings. Secondly, maps of land use and spatial integration were graphically juxtaposed, in an attempt to verify whether the design of each development integrates or segregates different uses. Finally, maps of the constitutivity of form (furniture, vegetation and access to buildings) were compared to potential pedestrian movement patterns, expressed through georeferenced models based on measures of spatial visibility and moveability. The different intentions underlying each neighborhood plan are "printed" in their urban form in both cases. While SFC was built on public lands to connect the city to the waterfront and rehabilitate an abandoned industrial area, IPC was built on private land as a green and leisure "island" that barely contributes to the urban vitality of its surroundings, composed of poor infrastructure and informal communities. Patterns that indicate a high potential of pedestrian movement in SFC arise from its relationship with the urban whole, diversity of land uses and integration among buildings, public transport, transportation corridors and waterfront. Meanwhile, the IPC is segregated both from the city of Rio de Janeiro and from its immediate surroundings, resulting in an unequal distribution of green and leisure spaces, highly integrated to those living inside the condominium and little integrated to the surrounding communities. Findings in this research also raise questions about the suitability of applying expensive accreditation processes (such as LEED-ND) to evaluate concepts as broad and subjective as "sustainability" or "smart growth".
Keywords: sustainable neighbourhoods, urban morphology, urban vitality, urban
liveliness.
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LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1: SFC antes (2006) e depois (2015) do projeto. ........................................... 15
Figura 2: CIP antes (2008) e depois (2018) do projeto.............................................. 15
Figura 3: Southeast False Creek (esquerda) e Condomínio Ilha Pura (direita). ........ 17
Figura 4: Entorno urbano de SFC (1:10,000). ........................................................... 17
Figura 5: Entorno urbano de SFC (1:10,000). ........................................................... 17
Figura 6: Relação entre o todo urbano, Vilas Olímpicas e “Downtown” conforme o
Google Maps. ............................................................................................................ 18
Figura 7: Southeast False Creek (esquerda) e Condomínio Ilha Pura (direita). ........ 18
Figura 8: Plano para o Condomínio Ilha Pura. .......................................................... 22
Figura 9: Plano para Southeast False Creek............................................................. 22
Figura 10: Classificação dos critérios de avaliação do selo LEED-ND. ..................... 38
Figura 11: Grafo representando relação de simetria e assimetria. ............................ 40
Figura 12: Medidas de Integração/Proximidade e Escolha/Intermediação em uma
malha hipotética. ....................................................................................................... 42
Figura 13: Integração/Proximidade e Escolha/Intermediação na malha de Londres. 43
Figura 14: Espaços públicos com alta vitalidade urbana em Vancouver. .................. 47
Figura 15: Objetos de pesquisa. ................................................................................ 49
Figura 16: Mapa de destinos diários sobreposto ao mapa de acessibilidade topológica
local, conforme a medida de Integração/Proximidade (Integration/Closeness) com raio
de 800m, modelo rodado no Depthmap. ................................................................... 51
Figura 17: Mapa de usos que possivelmente indicam centralidade global sobreposto
a um mapa que representa as vias estruturantes da cidade como um todo, conforme
a medida de Integração/Proximidade (Integration/Closeness) com raio métrico n,
modelo rodado no Depthmap14. ................................................................................ 51
Figura 18: Diferentes raios da medida de Escolha/Intermediação sobrepostos no Rio
de Janeiro (esquerda) e Vancouver (direita). ............................................................ 53
Figura 19: Porcentagem de destinos diários localizados a 100m da rede de primeiro
plano (25 % maior Escolha/Intermediação) em diferentes raios métricos. ................ 54
Figura 20: Contorno de CIP e SFC em termos de configuração e usos. ................... 55
Figura 21: Raio de alcance da coleta de dados para um segmento de via. .............. 56
Figura 22: Raio caminhável (800m) a partir de um ponto central. ............................. 56
10
Figura 23: Fontes de dados e ferramentas utilizadas na análise. ............................. 58
Figura 24: Vitalidade da vizinhança em SFC e CIP. .................................................. 59
Figura 25: Arredores de SFC predominantemente industrial..................................... 60
Figura 26: Técnicas de representação da configuração do espaço visível. .............. 61
Figura 27: Técnicas de representação da configuração do espaço permeável. ........ 61
Figura 28: Área de Isovista + Centralidade Convexa = Permeabilidade Visível. ....... 62
Figura 29: Integração entre espaços, usos do solo e corredores de transporte. ....... 65
Figura 30: Constitutividade, equipamentos para pedestres e tendências de
movimento. ................................................................................................................ 66
Figura 31: Constitutividade das fachadas em SFC. .................................................. 68
Figura 32: Relação apartada dos edifícios com a rua dentro do CIP. ........................ 68
Figura 33: Amplo campo visual e pobre infraestrutura para pedestres em CIP. ........ 69
Figura 34: Amplo campo visual e infraestrutura para pedestres em SFC. ................ 69
11
LISTA DE TABELAS
Tabela 1: Tabela comparative entre SFC e CIP. ........................................................ 18
Tabela 2: Categorias e atributos do espaço construído avaliados pelo LEED-ND. ... 23
Tabela 3: Princípios de desenvolvimento sustentável para vizinhanças e aspectos
analisados pelo LEED-ND. ........................................................................................ 26
Tabela 4: Descrição dos aspectos morfofuncionais avaliados pelo LEED-ND à luz do
framework função-estrutura-contexto. ....................................................................... 33
Tabela 5: Estudos que analisam qualidades urbanas em múltiplas escalas. ............ 44
Tabela 6: Indicadores e métricas analisadas para o entorno caminhável de cada
segmento................................................................................................................... 57
Tabela 7: Medidas de configuração espacial a partir dos grafos de visibilidade e
permeabilidade. ......................................................................................................... 62
Tabela 8: Relações que potencialmente favorecem a vitalidade da rua. ................... 63
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LISTA DE SIGLAS
CIP – Condomínio Ilha Pura
LEED-ND – Leadership in Energy and Environmental Design for Neighborhood
Development
PPGAU/UFRN – Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da
Universidade Federal do Rio Grande do Norte
PVV – Potencial de Vitalidade da Vizinhança
SFC – Southeast False Creek
SSW – Space Syntax Walkability
QGIS – Quantum Geographic Information Systems
VGA – Visibility Graph Analysis
13
SUMÁRIO
1. LEGADOS OLÍMPICOS (INTRODUÇÃO) .......................................................... 14
Empreendimentos Sustentáveis (?) ............................................................. 14
Analisando Qualidades Urbanas .................................................................. 18
Escopo da Pesquisa..................................................................................... 19
Estrutura da Dissertação .............................................................................. 20
2. SUSTENTABILIDADE, FORMA E FUNÇÃO ...................................................... 23
LEED-ND, Forma e Função ......................................................................... 23
Princípios de Sustentabilidade ..................................................................... 25
Visão Sistêmica da Vizinhança Sustentável ................................................. 31
Indicadores Espaciais de Sustentabilidade .................................................. 39
Vitalidade como Qualidade das Vizinhanças Sustentáveis .......................... 44
3. FORMA, FUNÇÃO E VITALIDADE NAS VILAS OLÍMPICAS ............................. 50
Contexto Urbano .......................................................................................... 50
Espaços Públicos ......................................................................................... 60
4. AVALIANDO COMPLEXIDADES URBANAS ...................................................... 70
5. REFERÊNCIAS .................................................................................................. 73
6. APÊNDICES ....................................................................................................... 79
14
1. LEGADOS OLÍMPICOS (INTRODUÇÃO)
A vizinhança de Southeast False Creek, SFC, em Vancouver, Canadá, 2010, e
o condomínio Ilha Pura, CIP, no Rio de Janeiro, 2016, foram dois empreendimentos
planejados para abrigar atletas durante os jogos olímpicos de inverno (2010) e verão
(2016) nas respectivas cidades. Ambos os projetos receberam a certificação de
vizinhança sustentável Leadership in Energy and Environmental Design for
Neighbourhood Development, LEED-ND – “pensada para inspirar a criação de
vizinhanças melhores, mais sustentáveis e bem conectadas” (GBC, 2014) – mesmo
que aparentem ter desenhos distintos em tipo de ocupação e localização na cidade.
A ideia desta pesquisa é explorar algumas destas diferenças, em termos de espaço e
forma construída, e discutir se e como o desenho dos empreendimentos contribui para
lugares com mais vitalidade urbana, qualidade definida pela intensidade e diversidade
de pessoas interagindo nos espaços públicos em vários horários do dia.
Empreendimentos Sustentáveis (?)
Os esforços para o desenvolvimento de SFC começam em 2003 com o anúncio
de que a localidade seria terreno para o desenvolvimento da Vila Olímpica dos atletas
nos jogos de inverno de 2010. A vizinhança foi construída sobre uma área industrial
abandonada de propriedade pública (Figura 1) com o objetivo principal de criar uma
comunidade urbana sustentável e um parque na frente d’água (CITY OF
VANCOUVER, 2003). Depois de três anos de consultas públicas, o Plano Oficial de
Desenvolvimento foi aprovado pelo conselho municipal em 2006 (CITY OF
VANCOUVER, 2007), mesmo ano em que a Millennium Development Corporation foi
escolhida pelo município para tocar as obras. Em 2009 as obras foram completadas
e o projeto recebeu diversos prêmios de desenho sustentável – incluindo a maior
pontuação do LEED-ND até então e o UN Livability Award – apesar de ter sido
criticado por exigir que a prefeitura investisse uma quantia inesperada de dinheiro para
que o projeto fosse terminado a tempo dos jogos (MCCARTHY, 2012). Apesar das
críticas, o município afirma ter pago as dívidas causadas pelo projeto da Vila Olímpica
em 2014 (CITY OF VANCOUVER, 2014) e a vizinhança é elogiada por críticos e por
seus habitantes (CTV NEWS, 2010).
15
Figura 1: SFC antes (2006) e depois (2015) do projeto.
Fonte: (CITY OF VANCOUVER, 2018).
Figura 2: CIP antes (2008) e depois (2018) do projeto.
Fonte: Google Earth.
A história do CIP está longe de representar um projeto bem sucedido. Apesar da
sugestão do Instituto dos Arquitetos do Brasil, IAB, para locar algumas das instalações
em galpões abandonados no centro do Rio (GISMONDI, 2010). Em 2010 o poder
público decidiu que a Vila Olímpica seria construída no vetor de crescimento da cidade
em um terreno privado da empresa Carvalho Hosken (Figura 2), posteriormente
acusada de oferecer propina para o governador do estado do Rio na época (LIMA,
2017). Essa decisão levou à desapropriação de 900 imóveis de comunidades de baixa
renda para construção de vias de acesso à nova vizinhança (ARAUJO; TORRES;
WALDRON, 2014). As construções começaram em 2013 e só foram finalizadas após
o início dos jogos. O término das olimpíadas de 2016 coincidiu com uma das maiores
recessões econômicas do país e o projeto foi fechado pelos baixos índices de vendas,
recomeçadas ao final de 2017.
Em termos de desenho, ambos os projetos incluem um parque público,
proximidade de acesso a corredores de trânsito rápido e edifícios residenciais de alta
densidade, eficientes energeticamente; mas a localização dos empreendimentos no
todo urbano difere significativamente. Enquanto SFC está localizado próxima ao
16
centro de Vancouver em uma região facilmente acessível por diferentes meios de
transporte, CIP localiza-se a quase 35km do centro do Rio em um terreno acessado
principalmente por carros ou por uma linha de ônibus de trânsito rápido, apesar de
‘comunidade bem conectada’ aparecer como um pré-requisito para a certificação do
projeto (WELCH; BENFIELD; RAIMI, 2012). O marketing de vendas do CIP está
baseado no discurso da sustentabilidade e qualidade de vida, mas a vila foi construída
em uma vizinhança segregada, com baixa densidade populacional e espaços públicos
com pouca vitalidade (Figura 3 e Tabela 1), aspectos frequentemente relacionados a
habitações suburbanas e que não atendem requisitos inerentes à noção de
“sustentabilidade”.
Atualmente os projetos apresentam características distintas em termos de
ocupação e localização. Enquanto SFC apresenta uma alta densidade populacional,
CIP possui pouco mais de 200 unidades vendidas (DINIZ, 2018). O baixo número de
moradores e a segregação do todo urbano (Figura 5 e Figura 6) possivelmente
contribuem para a baixa vitalidade da rua no CIP, uma vez que “vizinhanças centrais
são mais habitáveis em detrimento de suas contrapartidas periféricas” (SAITLUANGA,
2014) e relações espaciais de centralidade ou periferia aparentam desempenhar um
papel importante na vitalidade urbana de uma vizinhança (ESTÉVEZ-MAURIZ et al.,
2017; HILLIER, 2009; LYNCH; MOSBAH, 2017; ZAKO, 2015).
Ainda assim, a região é dita como sustentável e ganhou pontos no processo de
certificação do selo LEED-ND por ter sido requalificada a partir de um antigo sítio
industrial e por integrar espaços verdes com vias de transporte público,
desenvolvimento compacto e orientado para o pedestre (GIRLING; KELLETT, 2005).
O projeto da Vila dos Atletas em SFC foi elogiado pela mídia e pela academia,
principalmente, por apresentar indicadores de forma e usos do espaço que incentivem
a vida pública no lugar como alta densidade, mescla de usos comercial e residencial
e proximidade ao centro da cidade (CTV NEWS, 2010).
17
Figura 3: Southeast False Creek (esquerda) e Condomínio Ilha Pura (direita).
Fonte: acervo dos autores.
Figura 4: Entorno urbano de SFC (1:10,000).
Fontes: Open Street Maps e Google Maps, modificado pelos autores.
Figura 5: Entorno urbano de SFC (1:10,000).
Fontes: Open Street Maps e Google Maps, modificado pelos autores.
18
Figura 6: Relação entre o todo urbano, Vilas Olímpicas e “Downtown” conforme o Google Maps.
Fonte: Google Maps e Open Street Maps, modificado pelos autores.
Figura 7: Southeast False Creek (esquerda) e Condomínio Ilha Pura (direita).
Fontes: e .
Tabela 1: Tabela comparative entre SFC e CIP.
SFC CIP
Propriedade do Terreno Pública Privada Total de Unidades Habitacionais 1100 3604
Área Destinada para Varejo 6400 m² 0 m² Densidade Populacional Projetada 579 hab/ha 818 hab/ha Densidade Populacional Realizada 185 hab/ha 15 hab/ha
Fontes: (CITY OF VANCOUVER, 2009; DINIZ, 2018; MCCARTHY, 2012; PASCHOAL, 2012).
Analisando Qualidades Urbanas
A ideia de que relações espaciais afetam qualidades dos espaços públicos está
implícita em conceitos clássicos nos estudos urbanos como os ‘olhos da rua’ de Jane
Jacobs (1961) ou o ‘movimento natural’ de Hillier e Hanson (1984). Relações espaciais
têm sido interpretadas como indicadores de qualidades do lugar com base em
possíveis efeitos sociais e ambientais de determinadas formas urbanas (BOURDIC;
19
SALAT; NOWACKI, 2012; HOLANDA, 2013; NETTO et al., 2017). Esses indicadores
apontam propriedades espaciais mais ou menos favoráveis à ocorrência de encontros
e copresença entre sujeitos no espaço público e não previsões exatas sobre a
situação de um lugar, uma vez que não se consegue prever com precisão resultados
da dinâmica de sistemas complexos que são os assentamentos urbanos (MORONI,
2015).
O selo LEED-ND busca mensurar a sustentabilidade de um projeto de
vizinhança planejada com base em princípios de “smart growth” (GBC, 2014) que
definem 41 critérios de avaliação, baseados em princípios do New Urbanism
(CONGRESS FOR THE NEW URBANISM, 2000). A arbitrariedade no peso de
categorias de naturezas distintas (SZIBBO, 2016); as maneiras com que certos
indicadores podem ser mascarados (STANGL; GUINN, 2011) e o fato de vizinhanças
bem-sucedidas não se enquadrarem na certificação (ARANOFF et al., 2013) permite
aferir que o selo, por si só, não garante a qualidade de um projeto. No caso do conjunto
Ilha Pura, a localização do projeto na cidade – não considerada na avaliação do selo
LEED-ND, apesar de “vizinhança bem-conectada” ser um pré-requisito para obter a
certificação – pode ter contribuído para a baixa densidade de moradores (Tabela 5),
vez que vizinhanças periféricas tendem a ser menos habitáveis do que vizinhanças
centrais (SAITLUANGA, 2014).
Escopo da Pesquisa
Esse trabalho investiga a vitalidade urbana, aspecto essencial da
sustentabilidade (HILLIER, 2009), a partir de aspectos de forma e usos do espaço,
considerando tanto relações da vizinhança com o entorno quanto relações entre os
elementos internos às vizinhanças.
Reflete-se sobre limites e possibilidades da utilização de atributos de forma e
usos (ou morfofuncionais) como indicadores de vizinhanças sustentáveis. O estudo
tangencia a discussão sobre o uso de selos de certificação de vizinhanças na
avaliação do desempenho do espaço construído. De maneira geral, a avaliação de
projetos a partir de aspectos morfofuncionais do ambiente construído permite que uma
série de efeitos sociais, econômicos e ambientais da arquitetura possam ser avaliados
ainda em fases iniciais da concepção projetual, contribuindo para a concepção de
projetos urbanos mais sustentáveis.
20
Objetiva-se explorar a presença de atributos morfofuncionais indicadores de
vitalidade urbana nos casos estudados. Para isso, propõe-se: (1) compreender o que
foi produzido sobre a relação entre forma, usos, sustentabilidade e vitalidade urbana
– uma qualidade de vizinhanças sustentáveis que pode ser examinada a partir de
atributos morfofuncionais – a fim de (2) definir uma matriz de indicadores do espaço
construído que represente aspectos morfofuncionais relacionados a princípios de
sustentabilidade abordados na literatura e (3) avaliar os dois casos à luz dessa matriz.
Vizinhanças com centralidades acessíveis, densas e diversas e espaços
públicos integrados, visíveis e dotados de infraestrutura apresentam alto potencial de
vitalidade urbana. Analisa-se a relação entre usos e acessibilidade em diferentes
escalas na cidade como um todo; a relação entre os empreendimentos e seus
entornos a partir de indicadores de diversidade, densidade e acessibilidade; a relação
entre os diferentes tipos de usos em termos de integração espacial e a relação entre
constituição da forma construída e visibilidade dos espaços públicos dentro dos
empreendimentos. Busca-se responder:
Como a relação dos empreendimentos com o contexto exige, potencialmente,
maior ou menor gasto de energia nas locomoções diárias, através da locação do
projeto em áreas mais caminháveis, ou seja, áreas acessíveis ao pedestre e com
alta incidência e diversidade de usos que representem destinos diários;
E como a relação entre configuracao de espaços livres e usos (em termos de
visibilidade e permeabilidade) dentro dos empreendimentos favorece um potencial
de copresença entre diferentes sujeitos.
Os dados foram interpretados a fim de discutir de que maneira o desenho dos
empreendimentos contribui ou não para a vitalidade dos espaços públicos, e se os
casos evidenciam o potencial de aplicação de atributos morfofuncionais como
indicadores de vizinhanças sustentáveis.
Estrutura da Dissertação
O trabalho estrutura-se em três partes:
1. Reflexão sobre atributos avaliados pelo LEED-ND e revisão da literatura sobre
forma, usos e vizinhanças sustentáveis a fim de delinear princípios, conceitos e
atributos morfofuncionais que fundamentam o desenvolvimento de uma matriz de
indicadores para analisar os projetos em questão (capítulo 2);
21
2. Análise dos casos baseada em indicadores morfofuncionais de vitalidade urbana
avaliados em distintas escalas espaciais (contexto urbano do entorno e espaços
públicos dentro dos limites dos empreendimentos) a fim de entender como a
incidência dos atributos indicam um empreendimento com, potencialmente, mais
ou menos vitalidade (capítulo 3);
3. Discussão sobre como as diferentes intenções subjacentes aos planos dos
empreendimentos estao “impressas” na forma urbana e interpretação dos
resultados delimitando problemas e potencialidades na aplicação de atributos
morfofuncionais como indicadores de vitalidade e sustentabilidade (capítulo 4).
Enquanto o desenho de SFC (Figura 9) reabilita uma área industrial
abandonada em terras públicas, conecta a cidade à orla e utiliza esta conexão para
integrar corredores de transporte metropolitano a uma localidade com diversidade de
usos (Figura 24) e equipamentos para pedestres (Figura 30); o CIP (Figura 8) foi
construído em terras privadas como uma “ilha” de lazer, segregada das comunidades
informais (Figura 29) e dos grandes campos visuais, deficientes de equipamentos para
pedestres, voltados à orla no entorno do empreendimento (Figura 33).
22
Figura 8: Plano para o Condomínio Ilha Pura.
Fonte: Paschoal (2012).
Figura 9: Plano para Southeast False Creek.
Fonte: Freilicher (2007).
23
2. SUSTENTABILIDADE, FORMA E FUNÇÃO
Com este capítulo, busca-se relacionar os atributos avaliados pelo LEED-ND
às considerações da literatura sobre forma, usos e vizinhanças sustentáveis a fim de
delinear princípios, conceitos e atributos morfofuncionais que fundamentam o
desenvolvimento de uma matriz de avaliação para os projetos em questão. Discute-
se o papel dos atributos morfofuncionais no processo de avaliação do LEED-ND; de
que maneira estes atributos estão relacionados à ideia de vizinhanças sustentáveis
abordada na literatura; como esses princípios e atributos consideram a complexidade
das cidades na relação entre as partes e o todo urbano e como indicadores
morfofuncionais de vitalidade urbana em diversas escalas espaciais estão
relacionados a modos de morar potencialmente mais sustentáveis.
LEED-ND, Forma e Função
A certificação LEED-ND foi desenvolvida para avaliar os principais aspectos de
uma vizinhança sustentável (WELCH; BENFIELD; RAIMI, 2012). Os critérios de
avaliação estão organizados em três categorias principais que compreendem cerca
de 91 % da pontuação – Localização Inteligente e Conexões (onde construir),
Desenho de Vizinhança (o que construir) e Infraestrutura Verde e Edificações (como
construir) – que avaliam aspectos morfológicos, funcionais, tectônicos e ambientais; e
duas categorias secundárias – Inovação e Processo de Projeto e Créditos Regionais
– que avaliam aspectos regionais e inovadores das propostas. Nas três categorias
principais são avaliados 40 critérios, dos quais 25 relacionam-se a atributos
morfofuncionais do espaço construído (em negrito na Tabela 2).
Tabela 2: Categorias e atributos do espaço construído avaliados pelo LEED-ND.
Categoria Atributo do espaço construído
Onde
Localização
Reurbanização de áreas contaminadas
Localização com redução da dependência de automóveis
Rede e infraestrutura cicloviária
Proximidade à habitação e trabalho
Proteção de encostas íngremes
Concepção de projetos para conservação de habitat ou várzea e corpos d’água
Restauração de habitat ou várzeas e corpos d’água
Gestão da conservação do habitat ou várzea e corpos d’água
O quê
Vias para pedestre
Desenvolvimento compacto
Diversidade de usos em centros de vizinhanças
Comunidade de renda diversificada
Reduzida área para estacionamento
Comunidade conectada
24
Categoria Atributo do espaço construído
Rede de vias
Instalações de transporte
Gestão da demanda de transporte
Acesso a espaços públicos
Acesso a áreas de lazer
Acessibilidade universal
Alcance e envolvimento da comunidade
Produção local de alimentos
Ruas arborizadas
Escolas na vizinhança
Como
Edifícios certificados
Eficiência energética das edificações
Eficiência hídrica das edificações
Paisagismo com uso eficiente de água
Utilização de edifícios existentes
Preservação do patrimônio histórico e adaptação ao uso
Projetar e construir com o mínimo de impacto no terreno
Gestão de águas pluviais
Redução de ilhas de calor
Orientação solar
Fontes de energia renováveis no local
Sistemas urbanos de aquecimento e resfriamento
Infra estrutura energicamente eficiente
Gestão de águas residuais
Uso de materiais recicláveis na infraestrutura
Gerenciamento de resíduos sólidos
Fonte: Welch, Benfield e Raimi (2012), modificado pelo autor.
Algumas críticas ao processo de certificação relacionam-se ao quão esses
aspectos de fato cumprem seu objetivo. Stangl e Guinn (2011) demonstram como os
requisitos de conectividade baseados em densidade de interseções exigidos pelo
LEED-ND podem ser atingidos mesmo limitando o movimento de carros e pedestres.
O cumprimento dos critérios de localização do projeto também não significa que os
habitantes utilizarão menos o carro (GARDE, 2009). Além disso, esses aspectos não
levam em consideração a inserção do projeto no restante da cidade, aspecto essencial
no potencial de escolha de trajetos e na quantidade de energia gasta para
deslocamentos em determinado sistema espacial.
Outras críticas relacionam-se aos efeitos sociais dos projetos em questão. O
processo de certificação não oferece incentivo suficiente para superar os riscos de
aplicar parâmetros relacionados a princípios da sustentabilidade social, como
habitações a preços acessíveis (SZIBBO, 2016). Ademais, é difícil relativizar a
importância de cada critério em qualquer sistema de avaliação do espaço construído
e os pesos acabam sendo decididos de maneira subjetiva (GARDE, 2009).
Apesar das críticas, os atributos avaliados pelo LEED-ND abarcam uma
25
quantidade significativa de aspectos morfofuncionais, muitos dos quais enquadram-
se em princípios de sustentabilidade assinalados pela literatura, o que indica que há
uma relação entre sustentabilidade, forma e usos do espaço.
Princípios de Sustentabilidade
Uma vez que não há consenso com relação à definição de sustentabilidade na
escala da vizinhança, estudos que abordam a relação entre forma da cidade e
sustentabilidade baseiam-se em princípios utilizados para guiar a escolha de atributos
urbanos que supostamente contribuem para lugares mais sustentáveis (KELLETT;
FRYER; BUDKE, 2009). Luederitz, Land e Wehrden (LUEDERITZ; LANG;
WEHRDEN, 2013) avaliam o estado da pesquisa sobre princípios guia para o
desenvolvimento de vizinhanças urbanas sustentáveis através da classificação de 515
estudos produzidos de 1990 a 2012 e da análise detalhada de 21 destes artigos.
Os autores questionam: (1) se os critérios básicos para a sustentabilidade
apontados pela literatura estão refletidos em princípios para o desenvolvimento
sustentável urbano e (2) como um conjunto de princípios, desenvolvidos de acordo
com a literatura, pode ser incrementado (LUEDERITZ; LANG; WEHRDEN, 2013). Os
autores definem 9 princípios integrados que podem ser relacionados a aspectos
morfofuncionais do espaço construído avaliados pelo LEED-ND.
26
Tabela 3: Princípios de desenvolvimento sustentável para vizinhanças e aspectos analisados pelo LEED-ND.
Princípios indicados pelos autores
Objetivos de cada princípio Aspectos morfofuncionais avaliados pelo LEED-ND
Ilha Pura
(Rio de Janeiro)
Southeast False Creek
(Vancouver)
Desenvolvimento de sistemas humanos-ambientais integrados e humanizados;
- Criar sistemas urbanos e ecológicos integrados;
- Harmonizar a vizinhança em acordo com as condições climáticas, paisagísticas, sociais, históricas, políticas e econômicas;
- Prover espaços verdes e espelhos d’água;
- Prover oportunidades para produção local de alimentos.
- Localização; - Ruas arborizadas; - Produção local de
alimentos.
- Localização; - Ruas arborizadas.
- Localização; - Ruas arborizadas; - Produção local de
alimentos.
Metabolismo urbano sustentável;
- Compreender os fluxos de energia, materiais e nutrientes;
- Evitar poluição; - Eliminar materiais tóxicos; - Reduzir o desperdício; - Garantir materiais de construção
sustentáveis e estratégias para resíduos;
- Garantir a gestão da água, coleta e drenagem de águas pluviais e infraestrutura para reciclagem de orvalho;
- Garantir o uso eficiente dos recursos hídricos; melhorar a qualidade da água;
- Implementar sistemas energéticos ecologicamente responsáveis e resilientes;
- Reduzir o consumo de energia; - Considerar diferentes fontes
energéticas; - Introduzir tecnologias de geração
de energia in loco para prover os
27
Princípios indicados pelos autores
Objetivos de cada princípio Aspectos morfofuncionais avaliados pelo LEED-ND
Ilha Pura
(Rio de Janeiro)
Southeast False Creek
(Vancouver)
habitantes de fontes de energia renovável;
- Transformar a vizinhança de consumidora para produtora de energia.
Construções ambientalmente benignas com materiais locais e sustentáveis;
- Criar estruturas com materiais locais e sustentáveis;
- Aplicar projetos que reduzam a demanda de água e energia;
- Implementar projetos com zero emissão de carbono;
- Utilizar materiais com baixa energia embutida;
- Reutilizar, renovar ou reciclar estruturas existentes;
- Minimizar o uso de materiais tóxicos;
- Utilizar formas que se adaptem a mudanças no estilo de vida dos residentes;
- Refletir o comportamento dos residentes e mudanças de comportamento ao longo do tempo;
- Utilizar o desenvolvimento de brownfields e grayfields para redesenvolver estruturas ineficientes.
- Orientação solar; - Preservação do
patrimônio histórico e adaptação ao uso;
- Utilização de edifícios existentes.
- - Utilização de edifícios
existentes
Acesso a vizinhanças habitáveis e vibrantes;
- Desenvolver vizinhanças de usos mistos;
- Reanimar centralidades; - Qualificar espaços públicos; - Revigorar a economia local; - Promover oportunidades de
negócios;
- Diversidade de usos em centros de vizinhanças;
- Acesso a espaços públicos;
- Acesso a áreas de lazer;
- Desenvolvimento
- Acesso a espaços públicos;
- Acesso a áreas de lazer;
- Desenvolvimento compacto.
- Diversidade de usos em centros de vizinhanças;
- Acesso a espaços públicos;
- Acesso a áreas de lazer;
- Desenvolvimento
28
Princípios indicados pelos autores
Objetivos de cada princípio Aspectos morfofuncionais avaliados pelo LEED-ND
Ilha Pura
(Rio de Janeiro)
Southeast False Creek
(Vancouver)
- Incentivar iniciativas de consumo local;
- Encorajar produção local de alimentos;
- Projetar para comunidades de renda mista;
- Evitar gentrificação; - Considerar mudanças
demográficas e necessidades de residentes futuros;
- Manter e criar características culturais únicas;
- Considerar a dinâmica de uma comunidade do lugar;
- Encorajar diversos tipos habitacionais;
- Prover densidade, gabarito e tamanho da quadra que permita interação social.
compacto. compacto.
Desenvolvimento compacto e sistemas integrados de mobilidade;
- Reduzir a necessidade dos residentes se transportarem;
- Criar vizinhanças que providenciem necessidades diárias, espaços de educação e instituições públicas a uma distância caminhável;
- Prover acesso a transporte coletivo de qualidade para qualquer classe social;
- Reduzir transporte motorizado individual;
- Projetar ruas como espaços públicos incentivando o uso da bicicleta através de espaços bem conectados;
- Localização com redução da dependência de automóveis;
- Rede e infraestrutura cicloviária;
- Proximidade à habitação e trabalho;
- Vias para pedestre; - Reduzida área para
estacionamento; - Comunidade
conectada; - Rede de vias; - Meios de transporte; - Gestão da demanda
- Vias para pedestre;
- Meios de transporte.
- Localização com redução da dependência de automóveis;
- Vias para pedestre; - Comunidade
conectada; - Meios de transporte.
29
Princípios indicados pelos autores
Objetivos de cada princípio Aspectos morfofuncionais avaliados pelo LEED-ND
Ilha Pura
(Rio de Janeiro)
Southeast False Creek
(Vancouver)
- Desenvolver vizinhanças compactas e contínuas ao redor de nodes de diferentes tamanhos evitando o sprawl urbano.
de transporte.
Provisão de vizinhanças resilientes;
- Ajustar soluções a processos internos e externos aceitando incertezas e surpresas através da adaptação aos processos urbanos para manter sua funcionalidade;
- Desenvolver a habilidade para transformar e mudar utilizando as crises como janelas de oportunidade fazendo uso de recursos para navegar a transição.
Garantir governança democrática e empoderamento dos residentes;
- Integrar e utilizar administração e esforços de mercado para endereçar desafios da vizinhança;
- Desenvolver esquemas de governança adaptativos empoderando todas as camadas sociais a participar do processo de tomada de decisões;
- Estabelecer metas claras e mensuráveis para atingir mais sustentabilidade;
- Evitar desenvolvimentos que possam resultar em danos irreversíveis;
- Permitir com que as partes interessadas compreendam características ambientais, enfatizem a transparência de dados e permitam deliberações mais informadas;
- Prover espaços educacionais;
- Alcance e envolvimento da comunidade;
- Escolas na vizinhança.
30
Princípios indicados pelos autores
Objetivos de cada princípio Aspectos morfofuncionais avaliados pelo LEED-ND
Ilha Pura
(Rio de Janeiro)
Southeast False Creek
(Vancouver)
- Garantir a continuidade da educação provendo oportunidades de cursos para troca de conhecimento entre os residentes e empreendedores locais.
Satisfação de necessidades humanas;
- Garantir que todos habitantes possuam acesso a recursos que permitam a qualidade de vida;
- Atingir a exclusão social garantindo a integração de partes marginalizadas no desenvolvimento;
- Mitigar impactos adversos em grupos desavantajados;
- Refletir sobre o status legal da vizinhança e como afeta a autonomia dos residentes.
Consideração do impacto da vizinhança no ambiente de maneira mais ampla.
- Reduzir os impactos negativos da vizinhança no entorno;
- Investigar os padrões de vida, o consumo dos residentes e o tipo de construção e resíduos do ambiente construído;
- Incentivar o potencial das vizinhanças de se tornarem incubadoras de mudanças que possam espalhar a sustentabilidade na cidade como um todo;
- Introduzir o estilo de vida a distritos adjacentes;
- Usar as unidades operacionais da vizinhança para espalhar medidas de sustentabilidade à cidade como um todo.
Fonte: Luederiz, Lang e Wehrden (2013) e Welch, Benfield e Raimi (2012), modificado pelo autor.
31
Muitos dos atributos morfofuncionais avaliados pelo LEED-ND se relacionam a
princípios e objetivos encontrados na literatura. Porém, a avaliação de determinados
atributos pode não cumprir os objetivos pretendidos. Por exemplo, Stangl e Guinn
(2011) afirmam que a métrica de medição de tendências de movimento utilizada no
processo de avaliação do LEED-ND – baseada na densidade de interseções – apesar
de apresentar uma maneira objetiva de medir a conectividade da rede viária e de ser
efetiva na maioria das situações, pode ser “burlada” através de tipos de parcelamento
que podem ser replicados em diferentes contextos urbanos com tendências de
movimento distintas. Além de tudo, essa medida não leva em consideração a relação
espacial da vizinhança com a cidade, aspecto essencial na correspondência entre
forma urbana e padrões de movimento.
Luederitz, Lang e Wehrden (2013) enfatizam a necessidade dos princípios
guias para desenvolvimento de vizinhanças sustentáveis considerarem dimensões
sistêmicas do objeto por se tratarem de partes em um sistema mais amplo e complexo.
Portanto, essa relação das partes (vizinhança) com o todo (cidade) é aspecto
essencial da sustentabilidade urbana e deve ser incorporada no processo de
elaboração de uma matriz de análise para os casos em questão.
Visão Sistêmica da Vizinhança Sustentável
Luederitz, Lang e Wehrden (2013) desenvolvem uma estrutura conceitual para
verificar se e como características sistêmicas são consideradas em processos de
avaliação. Essa estrutura propõe responder em que medida esses processos de
avaliação consideram a relação entre as partes e o todo de um determinado sistema.
A proposta baseia-se em três dimensões essenciais que caracterizam qualquer
sistema: função, estrutura e contexto. Lang et al. (2007) argumentam que essa
abordagem “tem se provado adequada para avaliar de forma abrangente os sistemas
e suas dinâmicas” (LANG et al., 2007)1. As dimensões foram definidas baseadas em
métodos de abordagens sistêmicas em diferentes disciplinas, como a física, a
matemática (SNEED, 1979), a sociologia (PARSONS, 1964) e disciplinas ligadas à
ecologia (SCHOLZ; TIETJE, 2002).
Scholz e Tietje (2002) definem: (1) função – interrelações funcionais entre
1 Tradução livre.
32
processos e componentes naturais e necessidades e atividades humanas (i.e.,
as relações entre os usos do solo para os quais os espaços de uma determinada
vizinhança foram destinados); (2) estrutura – relações entre as partes de um
determinado sistema, (i.e., relações espaciais entre edifícios e espaços públicos) e
(3) contexto – entidades externas que impactam no sistema (i.e., a pressão da
configuração espacial da malha urbana sobre o sistema espacial da vizinhança).
Scholz e Tietje (2002) utilizam o framework função-estrutura-contexto para
desenvolver um meio de avaliar a “performance e vitalidade de um sistema ecológico
ou organísmico no que concerne a possibilidades e limitações atuais com relação a
certas funções em uma dinâmica evolucionária sustentável” (SCHOLZ; TIETJE, 2002,
p. 305). Os autores afirmam que esse método permite a análise de diversos sistemas
cujas estruturas são organísmicas, tais como “cidades, organizações ou indivíduos”
(SCHOLZ; TIETJE, 2002, p. 305).
Partindo do pressuposto de que vizinhanças são sistemas dinâmicos e
organísmicos, o método permite estimar de que maneira aspectos avaliados pelo
LEED-ND consideram uma perspectiva sistêmica, ou seja, em que grau estes
atributos consideram a função, estrutura e/ou contexto da vizinhança.
Na Tabela 4, os critérios de avaliação do LEED-ND que envolvem
características morfofuncionais são enquadrados nas dimensões do framework
função-estrutura-conceito com base nas relações entre variáveis analisadas por cada
critério. Será avaliado se os critérios consideram: (1) interrelações funcionais entre
elementos ou processos naturais e necessidades humanas, função; (2) relações entre
as partes dentro da própria vizinhança, estrutura e (3) ou relação com entidades
externas que impactam no sistema, contexto. Uma vez que as três dimensões
consideram relações entre variáveis, os critérios que se referem apenas à presença
de uma variável no projeto não foram considerados dentro do framework função-
estrutura-contexto.
33
Tabela 4: Descrição dos aspectos morfofuncionais avaliados pelo LEED-ND à luz do framework função-estrutura-contexto.
Princípios indicados pela literatura
Critérios avaliados pelo LEED-ND relacionados a
aspectos morfofuncionais
Descrição Variáveis
Framework Função-
Estrutura-Contexto
Desenvolvimento de sistemas humanos-ambientais integrados e humanizados;
Localização
(Pré-requisito e mais 26 pontos)
Avalia se o projeto: localiza-se em áreas de aterro sanitário; está bem conectado com desenvolvimentos adjacentes por uma rede viária e está bem servido de instalações de trânsito e de vizinhança; é rodeado por uma rede viária existente e bem conectada; providencia habitação social.
Presença de uso do solo anterior ao projeto – aterro sanitário.
-
Relação entre rede viária da cidade e rede viária do projeto.
Contexto
Presença de equipamentos – instalações de trânsito.
-
Presença de uso do solo – habitação social.
-
Ruas arborizadas
(2 pontos) Avalia o quão uma via é sombreada.
Relação entre comprimento de via e área sombreada por vegetação.
Estrutura
Produção local de alimentos
(1 ponto)
Avalia se há locais destinados a produção de alimentos
há aproximadamente 800 m das residências do projeto.2
Relação entre uso e localização das unidades residenciais.
Função
Construções ambientalmente benignas com materiais locais e sustentáveis;
Orientação solar
(1 ponto)
Avalia se ao menos 75 % dos edifícios estão orientados a no máximo 15 graus do eixo leste-oeste.
Relação entre direção do norte e orientação dos edifícios.
-
Preservação do patrimônio histórico e adaptação ao uso
(1 ponto)
Avalia se o projeto inclui ou reabilita edifícios históricos. Presença de uso do solo – reuso de edificações históricas.
-
2 As medidas foram aproximadas do padrão imperial para o padrão métrico.
34
Princípios indicados pela literatura
Critérios avaliados pelo LEED-ND relacionados a
aspectos morfofuncionais
Descrição Variáveis
Framework Função-
Estrutura-Contexto
Utilização de edifícios existentes
(1 ponto)
Avalia se ao menos 20 % das edificações são restauradas ou reutilizadas.
Presença de uso do solo – reuso de edificações existentes.
-
Acesso à vizinhanças habitáveis e vibrantes;
Diversidade de usos em centros de vizinhança
(4 pontos)
Avalia a quantidade de diferentes tipos de usos a cada 400 m.
Relação entre uso do
solo e espaço métrico3.
Função
Estrutura
Acesso a espaços públicos
(1 ponto)
Avalia se há espaços abertos (praças, parques e promenades) a cada 400 m.
Relação entre uso do solo e espaço métrico.
Função
Estrutura
Acesso a áreas de lazer
(1 ponto)
Avalia se há áreas de lazer a cada 200 m. Relação entre uso do solo e espaço métrico.
Função
Estrutura
Desenvolvimento compacto
(Pré-requisito e mais 6 pontos)
Avalia se atende ao pré-requisito de, no mínimo, sete unidades por acre residencial. Pontua ainda se houver dez unidades por acre residencial.
Relação entre número de unidades e área do empreendimento.
Estrutura
Desenvolvimento compacto e sistemas integrados de mobilidade;
Localização com redução da dependência de automóveis
(14 pontos)
Avalia se o terreno está a 400 m de pontos de ônibus e
se está a 400 m de pontos de VLTs4, ferryboats ou
corredores de trânsito rápido.
Relação entre rede urbana de transporte coletivo e espaço métrico.
Contexto
Rede e infraestrutura cicloviária
(1 ponto)
Avalia se o projeto localiza-se a 400 m de uma rede cicloviária com, no mínimo, 8 km ou que conecta 10 tipos de usos diferentes.
Relação entre usos, rede cicloviária e espaço métrico.
Função
Contexto
3 Um conjunto onde as distâncias entre seus elementos é definida (BOLDT, 2003). 4 Veículo Leve sobre Trilhos.
35
Princípios indicados pela literatura
Critérios avaliados pelo LEED-ND relacionados a
aspectos morfofuncionais
Descrição Variáveis
Framework Função-
Estrutura-Contexto
Proximidade à habitação e trabalho
(4 pontos)
Avalia o número de empregos a 800 m das unidades residenciais e se os projetos incluem habitação a preços
acessíveis5
Relação entre uso do solo, preço da terra e espaço métrico.
Função
Estrutura
Vias para pedestre (Pré-requisito e mais 12 pontos)
Avalia se o projeto inclui: entradas voltadas para espaços públicos em ao menos 90 % da fachada; razão altura da edificação para largura da rua de no mínimo 1:3 em ao menos 15 % do comprimento da via; calçadas ao longo de 90 % do comprimento da via em ambos os lados; portas de garagem com no máximo 20 % do comprimento da via; distância mínima entre calçada e edificações; acesso a edificações a cada 20 m; estacionamento em, no mínimo, 70 % das ruas; calçadas em ambos os lados da via em 100 % do comprimento da via; pavimento pilotis na metade das unidades habitacionais; desenhos de tráfego lento para a maioria das vias; cruzamentos para entradas de automóveis em no máximo 10 % das calçadas.
Relação entre número de acessos e comprimento da fachada.
Estrutura
Relação entre gabarito, largura da via e comprimento da via.
Estrutura
Relação entre largura de acessos a garagens e comprimento da via.
Estrutura
Relação entre limite da calçada e limite da edificação.
Estrutura
Relação entre posição dos acessos às edificações e espaço métrico.
Estrutura
Presença de calçadas em todas as vias.
-
Relação entre altura do térreo e número de unidades habitacionais.
Estrutura
Presença de elementos de diminuição da velocidade do tráfego.
-
5 Tradução livre, do termo em inglês affordable housing.
36
Princípios indicados pela literatura
Critérios avaliados pelo LEED-ND relacionados a
aspectos morfofuncionais
Descrição Variáveis
Framework Função-
Estrutura-Contexto
Relação entre a localização dos cruzamentos
Estrutura
Reduzida área para estacionamento
(1 ponto)
Avalia se o projeto: minimiza a superfície de estacionamentos a no máximo 20 % da área do empreendimento; localiza qualquer estacionamento fora das vias na lateral ou nos fundos dos edifícios; providencia estacionamento para bicicletas para moradores e visitantes e espaços para veículos compartilhados.
Relação entre área de estacionamento e área total do empreendimento.
Função
Estrutura
Relação entre posição do estacionamento e orientação dos edifícios.
Função
Estrutura
Presença de estacionamento para bicicletas.
-
Presença de espaços para veículos compartilhados.
-
Comunidade conectada
(Pré-requisito)
Avalia se o projeto inclui ao menos uma via a cada 250 m e possui ao menos 140 cruzamentos para cada 2.6 km². Caso o projeto não possua ruas internas, avalia se está localizado a 400 m de uma rede viária com ao menos 90 cruzamentos para cada 2.6 km².
Relação entre número de vias e espaço métrico.
Estrutura
Relação entre número de cruzamentos e espaço métrico.
Estrutura
Rede de vias
(3 pontos)
Avalia se o projeto: não inclui cul-de-sacs; inclui uma via a cada 120 m; apresenta mais de 300 cruzamentos para cada 2.6 km².
Presença de cul-de-sacs.
-
Relação entre número de cruzamentos e espaço métrico.
Estrutura
37
Princípios indicados pela literatura
Critérios avaliados pelo LEED-ND relacionados a
aspectos morfofuncionais
Descrição Variáveis
Framework Função-
Estrutura-Contexto
Instalações de transporte
(1 ponto)
Avalia se o projeto inclui abrigos, iluminação e paineis de informação em todos os novos pontos de transporte público.
Presença de equipamentos – instalações de transporte.
-
Garantir governança democrática e empoderamento dos residentes;
Escolas na vizinhança
(1 ponto)
Avalia se há uma escola de ensino fundamental a 800 m do projeto, uma escola de ensino médio a 1.6 km do projeto. Novas escolas inclusas no projeto não podem ser maiores do que 5 acres (ensino básico), 10 acres (ensino fundamental) ou 15 acres (ensino médio).
Relação entre uso do solo e espaço métrico.
Função
Estrutura
Fontes: Luederitz, Lang e Wehrden (LUEDERITZ; LANG; WEHRDEN, 2013) e Welch, Benfield e Raimi (2012), modificado pelo autor.
38
Dos 41 critérios avaliados pelo LEED-ND nas três categorias principais foram
identificados 19 com aspectos morfofuncionais. Destes 19 critérios, 23 relações entre
variáveis podem ser classificadas de acordo com o framework função-estrutura-
contexto. A maioria dos critérios avalia a presença de um tipo de uso em um padrão
geométrico. Apenas 4 critérios consideram o contexto (relações com variáveis
externas que impactam no sistema): (1) O critério “Localização” considera a relação
entre rede viária da cidade e rede viária do projeto, porém não indica uma maneira
objetiva de medir essa relação; (2) “Orientação solar” avalia a relação entre a direção
do norte e orientação dos edifícios; (3) “Localização com redução da dependência de
automóveis” avalia a relação entre rede urbana de transporte coletivo e espaço
métrico e (4) “Rede e infra-estrutura cicloviária” avalia a relação entre usos, rede
cicloviária e espaço métrico. A relação espacial da vizinhança com a cidade, de
maneira geral, é pouco considerada na avaliação do LEED-ND (Figura 10).
Figura 10: Classificação dos critérios de avaliação do selo LEED-ND.
Fonte: Acervo do autor.
A definição de indicadores objetivos para avaliar qualidades urbanas sempre
será limitada pelo fato da cidade ser um sistema complexo (BLEČIĆ; CECCHINI,
2017; HILLIER, 2009; LUEDERITZ et al., 2013; MORONI, 2015; RAUWS, 2017;
WOHL, 2018). É difícil modelar com precisão as múltiplas relações entre o grande
número de componentes com interações “iterativas e recursivas (i.e. não-linear) com
39
inúmeros loops de retroalimentação diretos ou indiretos” (MORONI, 2015) a fim de
prever os efeitos de uma ou outra variável sobre o sistema como um todo.
Indicadores Espaciais de Sustentabilidade
A visão da cidade como partes separadas do todo tem obstruído um debate
necessário acerca da contribuição da forma de redes espaciais na sustentabilidade
(HILLIER, 2009). O autor afirma que a análise espacial da malha viária em diferentes
escalas pode ser uma ferramenta relevante para analisar a cidade como um sistema
complexo. Hillier (2009) argumenta que a configuração espacial está relacionada a
sustentabilidade de determinados sistemas urbanos, visto que a malha urbana é a
estrutura espacial primária da cidade que resulta de forças ambientais, econômicas e
socioculturais (os três pilares da sustentabilidade conforme o relatório de Brundtland6).
Nesta dissertação, relações entre elementos morfológicos que compõem essa
rede de espaços urbanos em diversas escalas serviu como base para a criação de
uma matriz de análise para os casos no intuito de estudar os objetos sob uma
perspectiva sistêmica, levando em consideração função, estrutura e contexto dos
empreendimentos analisados.
Hillier (2009) sugere que “conceitos sintáticos de estrutura agora necessitam
ser muito mais explícitos a fim de abordar a chave do problema da cidade do século
vinte e um, o da sustentabilidade”7 (HILLIER, 2009). O autor relata como a
complexidade do problema urbano foi provocada através de descrições baseadas
apenas no senso comum, descrições ingênuas da cidade (HILLIER, 2009). As
análises da configuração da malha urbana baseadas na teoria da sintaxe do espaço
conseguiram trazer à tona estruturas subjacentes à complexidade real das cidades
desenvolvendo métodos de análise que mostram como as partes estão conectadas
na formação de padrões locais e globais. Essas propriedades espaciais são universais
(HILLIER; HANSON, 1984).
Hillier (2009) abstrai a cidade a um sistema de padrões configuracionais
correlacionados com diferentes tipos de movimento do indivíduo na cidade. A partir da
6 Documento elaborado e publicado em 1987 pela Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, onde define-se o conceito de desenvolvimento sustentável e os três pilares fundamentais da sustentabilidade: meio ambiente, sociedade e economia.
7 “The aim of this paper is to suggest that syntactic concepts of structure now need to be brought much more explicitly to bear on the key problem of the twenty-first century city, that of sustainability.” (HILLIER, 2009).
40
análise desses padrões, o autor afirma que dois tipos principais de rede interagem
entre si: uma rede de centralidades em diversas escalas interconectadas entre si por
vias com alto potencial de movimento sobreposta a uma rede de fundo
predominantemente residencial. Parte da complexidade do problema urbano pode ser
compreendida pela maneira como essas redes interagem entre si e com outras partes
do todo urbano (HILLIER, 2009). A relação entre essas interfaces configuracionais
permitem indicar um grau de sustentabilidade espacial (HILLIER, 2009) de
determinada vizinhança a partir de propriedades configuracionais.
As propriedades espaciais mencionadas por Hillier (2009) – que representam
a acessibilidade de cada espaço no sistema como um todo – oferecem meios para
medir a configuração da malha de uma localidade com a cidade como um todo e
também entre a configuração de espaços internos aos limites da localidade, servindo,
portanto, tanto para avaliar a relação de determinada vizinhança com seu contexto
espacial, quanto para avaliar sua própria estrutura espacial. Essas propriedades
representam potenciais de movimento e copresença entre sujeitos no espaço público
e são calculadas a partir da decomposição do espaço em partes interconectadas.
Hillier (2009) refere-se à teoria e aos métodos de análise sintática do espaço,
desenvolvidos por pesquisadores do University College London nos anos 1970 e
amplamente disseminados nos anos 1980 por Hillier e Hanson (1984). As técnicas de
análise sintática do espaço decompõem o contínuo espacial em partes
interconectadas entre si e quantificam a relação entre essas partes em termos de
simetria e assimetria topológica. Estes conceitos tornam-se esclarecidos quando
representados em grafos de acesso (Figura 11).
Figura 11: Grafo representando relação de simetria e assimetria.
Fonte: Hillier e Hanson (1984, p. 94).
A relação topológica entre dois espaços A e B pode ser definida como simétrica
quando a relação AB é a mesma que a relação BA. Por exemplo, no primeiro
41
grafo da Figura 11 a relação entre A e B é simétrica – e ambas são simétricas com
relação a C. Já no segundo grafo a relação AB com relação a C não é a mesma que
BA, uma vez que, para acessar ao espaço C, deve-se passar por B, mas não vice-
versa. Este tipo de relação é assimétrica e envolve uma noção de profundidade, já
que se deve passar por um terceiro espaço para chegar a outro (HILLIER; HANSON,
1984, p. 94). Esta noção de profundidade que surge a partir destes padrões de acesso
pode ser calculada para cada um dos espaços de um sistema a partir de um
determinado espaço raiz.8 A teoria da sintaxe espacial auxilia, portanto, na
identificação de espaços mais rasos ou mais profundos em determinados sistemas
espaciais. Essa noção de profundidade está relacionada a possíveis gastos de
energia para locomoção na cidade como um todo.
Este tipo de representação das relações espaciais em um determinado sistema
pode ser aplicado à cidade como um todo, permitindo aferir um potencial de
movimento natural9 em cada segmento de via da cidade e/ou relacionar estas medidas
configuracionais com outras variáveis quantitativas. Duas medidas principais que
indicam diferentes tipos de movimento pela malha urbana:
A medida de Integração/Proximidade10 calcula a proximidade de um espaço
para todos os outros do sistema, espaços com alta integração são lugares fáceis de
chegar a partir de qualquer espaço do sistema, na cidade geralmente são centros
cívicos e de negócios. Neste estudo, foi interpretada como indicador de vitalidade no
entorno imediato dos empreendimentos (800m, distância caminhável, conforme
Kellett et al., 2009, ver Figura 24); e foi aplicada aos modelos de permeabilidade dos
espaços livres internos aos limites das Vilas Olímpicas a fim de compreender que tipos
de usos a configuração espacial dos empreendimentos integra (Figura 29).
A medida de Escolha/Intermediação11 calcula a probabilidade de um espaço
ser passado durante os trajetos origem-destino, espaços com alta escolha são lugares
8 Por exemplo, no primeiro grafo, se C for o espaço raiz, A e B possuem profundidade 1; já no segundo caso, se C for o espaço raiz, B possui profundidade 1 e A possui profundidade 2.
9 “A proporção do movimento pedonal urbano determinado pela própria configuração da malha”. Tradução livre, do original em inglês “Natural movement is the proportion of urban pedestrian movement determined by the grid configuration itself.” (HILLIER et al., 1993).
10 Tradução livre, do original em inglês “Integration” (HILLIER; HANSON, 1984). Equivalente a medida de Closeness Centrality na teoria dos grafos (CRUCITTI; LATORA; PORTA, 2006).
11 Tradução livre, do original em inglês “Choice” (HILLIER, 1987). Equivalente a medida de Betweeness Centrality na teoria dos grafos (CRUCITTI; LATORA; PORTA, 2006).
42
fáceis de serem passados, com alta tendência de movimento e usos não residenciais,
na cidade geralmente são as grandes vias que conectam as diferentes partes da
cidade. Refere-se ao potencial do espaço de ser uma espécie de corredor através do
qual se chega aos destinos finais. Nesta dissertação, foi utilizada para analisar a
relação entre centralidades e usos em diferentes escalas espaciais no Rio de Janeiro
e em Vancouver como um todo (Figura 18) a fim de entender em que escalas
concentram-se a maior quantidade de destinos diários, escalas mais caminháveis
(200, 400, 800m) ou escalas menos caminháveis (1600, 3200, 6400m).
A Figura 12 ilustra os conceitos de Integração (esquerda) e Escolha (direita)
em uma malha hipotética. Os segmentos realçados em vermelho no lado direito da
Figura 12 (maior Escolha/Intermediação) representam linhas que são inevitáveis de
serem passadas quando se movimenta pelo sistema como um todo. Enquanto isso,
os segmentos no lado esquerdo da Figura 12 (maior Integração/Proximidade)
representam as linhas com posição privilegiada para acessar o sistema como um todo.
Figura 12: Medidas de Integração/Proximidade e Escolha/Intermediação em uma malha hipotética.
Fonte: Elaborado pelo autor.
Por um lado, todos segmentos dos círculos “a, b” apresentam maior Integração
do que todos os segmentos dos círculos “c, d, e, f”, pois “a, b” estão mais próximos do
restante do sistema – em termos de passos topológicos – do que “c, d, e, f”. Mesmo
“d, f” estejam próximos de “a, b”, estão distantes do restante do sistema. Vias com alta
integração aproximam o sistema como um todo e vias com baixa integração
distanciam o sistema como um todo. Por outro lado, apenas um segmento de cada
Menor Integração
Maior Integração
Menor
Escolha
Maior Escolha
a c e
b d
f
a c e
b d
f
Integração/
Proximidade
Escolha/
Intermediação
43
círculo apresenta maior Escolha. Isso ocorre porque tais segmentos são
indispensáveis para acessar cada um dos círculos interconectados e, portanto, o
sistema como um todo. Vias com alta escolha intermediam fluxos através do sistema.
Assim, tornam-se mais claras as relações de proximidade (esquerda) e intermediação
(direita) das vias na malha como um todo.
A configuração espacial define padrões de movimento em potencial que
apresentam papel crucial na formação e manutenção da vitalidade em centros
urbanos (HILLIER, 1999). A malha de Londres, onde essa relação entre configuração
da malha e vitalidade já foi extensamente analisada, ilustra relações de proximidade
e intermediação de uma cidade “auto-organizada” (HILLIER, 2009).
Figura 13: Integração/Proximidade e Escolha/Intermediação na malha de Londres.
Fonte: .
No tocante à relação entre configuração da malha e sustentabilidade, Hillier
(2009) encontra algumas lacunas na literatura na construção da ideia de uma
“sustentabilidade espacial”. Relata que a definição aparece em estudos regionais
sobre a distribuição de atividades econômicas e que a ideia de que existem formas
mais sustentáveis do que outras está implícita no conceito de pegada ecológica
(WACKERNAGEL; REES, 1996), porém menos ligada a características formais da
cidade e mais à demografia e padrões de vida. Segundo Hillier (2009), até a data do
artigo, não há estudo afirmando que determinada configuração da malha urbana pode
ser mais sustentável do que outra, uma vez que a visão da cidade como partes
separadas do todo – sob uma perspectiva não sistêmica – tem obstruído um debate
necessário acerca da contribuição da forma de redes espaciais na sustentabilidade.
44
A questão central apontada por Hillier (2009) gira em torno das estruturas
urbanas realçadas pela sintaxe espacial que aparentam ser produto da interação entre
fatores econômicos e sociais e estar relacionadas à quantidade de energia necessária
para se movimentar através do sistema viário (HILLIER, 2009). O objetivo do autor é
trazer à tona e evidenciar que propriedades espaciais da cidade contribuem para a
sustentabilidade (HILLIER, 2009).
Vitalidade como Qualidade das Vizinhanças Sustentáveis
Propriedades espaciais mensuradas em múltiplas escalas espaciais têm sido
relativamente bem aceitas como uma maneira de abstrair a complexidade urbana nos
estudos da relação entre forma urbana e sustentabilidade (BOURDIC; SALAT;
NOWACKI, 2012; HILLIER, 2009; KELLETT; FRYER; BUDKE, 2009; RAMILLER,
2018). Boeing (2018a) define uma série de indicadores quantitativos que podem ser
utilizados para analisar a complexidade da forma urbana, reconhecendo os limites de
descrever sistemas complexos – “Cidades são ecossistemas humanos complexos:
população, densidade, emprego, riqueza, volume de tráfego, etc. podem ser
(potencialmente) identificados e (potencialmente) calculados em várias escalas para
descrever o estado de evolução do sistema” (BOEING, 2018a).
Uma análise apenas com variáveis morfofuncionais pode auxiliar a descrever
o estado atual de SFC e CIP, mas não fornece subsídios suficientes para afirmar se
um espaço é sustentável ou não, seja pela complexidade intrínseca aos sistemas
urbanos (BOEING, 2016; MORONI, 2015) ou pela falta de consenso sobre o conceito
de sustentabilidade (LUEDERITZ et al., 2013). Para guiar a construção da matriz de
análise com base em atributos morfofuncionais, buscou-se na literatura uma qualidade
urbana relacionada a modos de vida mais sustentáveis (em termos de mobilidade e
interação social) mensurável em diferentes escalas espaciais. A Tabela 3 sumariza
algumas qualidades urbanas definidas na literatura, as escalas espaciais analisadas
e o tipo de abordagem metodológica.
Tabela 5: Estudos que analisam qualidades urbanas em múltiplas escalas.
Referência Qualidade
Urbana
Escala Espacial e Abordagem Metodológica
Lote/Edifício Vizinhança Cidade
LEED-ND (GBC, 2014) Sustentabilidade Forma e usos
(ZHU; LEE, 2008) Caminhabilidade Forma, usos e levantamento
(HILLIER, 2009) Sustentabilidade Forma e usos
(KELLETT; FRYER; BUDKE, 2009)
Sustentabilidade Forma e usos
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Referência Qualidade
Urbana
Escala Espacial e Abordagem Metodológica
Lote/Edifício Vizinhança Cidade
(MARCUS, 2010) Urbanidade Forma e usos e observação
(FRANK et al., 2010) Caminhabilidade Forma e usos
(BOURDIC; SALAT; NOWACKI, 2012)
Sustentabilidade Forma e usos
(DUNCAN et al., 2011) Caminhabilidade Forma e usos
(NETTO; VARGAS; SABOYA, 2012)
Vitalidade Forma, usos e observação
(PARK; DEAKIN; LEE, 2014) Caminhabilidade Forma, usos, levantamento e
questionário
(ZAKO, 2015) Habitabilidade Forma, usos, levantamento e questionário
(KOOHSARI et al., 2016) Caminhabilidade Forma, usos e questionário
(PALAIOLOGOU; GRIFFITHS; VAUGHAN, 2016)
Comunidade Forma e usos
(MOURA; CAMBRA; GONÇALVES, 2017)
Caminhabilidade Forma, usos e levantamento
(LEFEBVRE-ROPARS et al., 2017)
Caminhabilidade Forma, usos e questionário
(DAVERN et al., 2018) Habitabilidade Forma, usos e questionário
Fonte: elaborado pelo autor, com base nos trabalhos citados na coluna da esquerda.
Os trabalhos indicados na tabela analisam aspectos de forma e usos em
espaços urbanos, alguns complementam a análise com a aplicação de questionários,
observação do movimento de pedestres no local ou um levantamento detalhado da
constitutividade da forma física do lugar analisado.
A ideia de caminhabilidade é frequentemente relacionada a modos de vida mais
sustentáveis do ponto de vista ambiental, uma vez que está diretamente ligada ao uso
de meios de transporte ativo. No entanto, estudos que investigam esse conceito
geralmente enfocam em uma escala metropolitana, medindo o quão uma vizinhança
ou distrito incentiva o uso do caminhar como principal meio de transporte ou a prática
de atividade física em comparação a outros espaços na cidade (FRANK et al., 2010;
KOOHSARI et al., 2016; LEFEBVRE-ROPARS et al., 2017; PARK; DEAKIN; LEE,
2014). Por esse enfoque na locomoção em escala metropolitana, a ideia de
caminhabilidade abordada nesses estudos está distante de atributos morfológicos que
indicam aspectos socioeconômicos da sustentabilidade, como a formação de
comunidades com base nas relações edifício-rua (HILLIER, 2009; PALAIOLOGOU;
GRIFFITHS; VAUGHAN, 2016).
A ideia de habitabilidade aparenta ser uma qualidade urbana representativa de
diversas dimensões de sustentabilidade, mas uma análise da habitabilidade do lugar
envolve aspectos socioeconômicos de igualdade e qualidade de vida muitas vezes
46
não diretamente relacionados a características morfofuncionais.
Não há consenso na literatura quanto a uma definição de urbanidade. Alguns
autores relacionam urbanidade à ideia de civilidade, “uma forma de vida assentada
em um espírito de coletividade – não só idealmente, mas como um requerimento
prático: uma urbanidade como ethos do convívio” (NETTO, 2013). Holanda e Marcus
relacionam o conceito a medidas mais objetivas como:
“a) minimizar espaços abertos em prol de ocupados; b) menores unidades de espaço aberto (ruas, praças); c) maior número de portas abrindo para lugares públicos (jamais paredes cegas); d) minimizar espaços segregados, guetizados (becos sem saída” (HOLANDA et al., 2003)
ou “a definição genérica de urbanidade aqui proposta é a seguinte: urbanidade, social
e espacial, é constituída primeiramente por alta acessibilidade e alta diversidade”
(MARCUS, 2010). Já Pereira (2003) afirma que urbanidade é um conceito subjetivo e
intangível.
O conceito de vitalidade urbana, no sentido de espaços públicos com
intensidade, diversidade de pessoas (SABOYA, 2016), animação e vida da rua, é
menos controverso e mais objetivo do que a ideia de urbanidade. As quatro condições
para gerar vitalidade urbana definidas por Jacobs (1961) – blocos curtos, construções
compactas, diversidade de edifícios, densidade de pessoas – envolvem atributos
morfológicos com uma gama de efeitos sociais e ambientais. O conceito pode ser
mencionado como sinônimo de presença de pessoas.
47
Figura 14: Espaços públicos com alta vitalidade urbana em Vancouver.
.
Fonte: acervo do autor, 2018.
Um potencial de vitalidade urbana pode ser mensurável em diferentes escalas
espaciais a partir de atributos mencionados por Jacobs (1961) e complementados por
outros teóricos do urbanismo. Estes atributos morfofuncionais estão relacionados a
indicadores urbanos de sustentabilidade, tanto ambientalmente quanto socio-
economicamente (BOURDIC; SALAT; NOWACKI, 2012; FRANK et al., 2010; HILLIER,
2009; KOOHSARI et al., 2016; LEFEBVRE-ROPARS et al., 2017; SABOYA; NETTO;
VARGAS, 2013).
No geral, vizinhanças acessíveis, densas e diversas sustentam a vitalidade
urbana, enquanto que espaços segregados, dispersos e homogêneos (MORONI,
2016) prejudicam a vitalidade urbana e exigem mais energia nos deslocamentos
diários (HILLIER, 2009; KELLETT et al., 2013). Avaliam-se aqui características
morfofuncionais relacionadas a vitalidade urbana, qualidade de espaços urbanos
vivos e animados, em três objetos distintos relacionados ao framework contexto-
estrutura-função (LUEDERITZ et al., 2013). Analisa-se o contexto urbano dos projetos
(contexto), a incidência de destinos diários no entorno das vias (função) e a
constitutividade dos espaços públicos (estrutura) dentro das Vilas Olímpicas.
A relação entre habitações e centralidades urbanas pode indicar o potencial
com que cidadãos utilizam o caminhar como meio de transporte (HILLIER, 2009). Mais
48
pessoas caminhando para chegar a diferentes localidades das cidades indica mais
vitalidade na cidade como um todo. Indicadores de densidade, diversidade e
acessibilidade das vizinhanças com relação à cidade como um todo podem ser
calculados para entender um potencial de vitalidade urbana a partir da relação de uma
vizinhança com seu contexto urbano, sob a perspectiva de uma “performatividade
social da forma urbana” (MARCUS, 2010). No entanto, esses fatores representam um
potencial de vitalidade a partir da relação dos espaços com seu entorno que pode ser
sustentado ou prejudicado por fatores locais que contribuem ou dificultam movimento
e interação entre diferentes sujeitos, tais como permeabilidade das fachadas,
visibilidade ou infraestrutura para pedestres (PALAIOLOGOU; GRIFFITHS;
VAUGHAN, 2016). Esses atributos representam um potencial de vitalidade urbana de
acordo com a forma dos espaços internos aos limites dos empreendimentos. Busca-
se responder como os desenhos de SFC e CIP contribuem, potencialmente, para
lugares com mais ou menos vitalidade urbana levando em consideração o contexto
urbano das vizinhanças e a forma dos espaços públicos.
A relação de uma vizinhança com seu contexto pode favorecer ou dificultar o
quão os moradores utilizam o caminhar como principal meio de transporte através da
locação do projeto em áreas mais próximas a centralidades (HILLIER, 2009). Grande
quantidade e diversidade de destinos diários – habitação, varejo, escritórios, espaços
de lazer, etc. – acessíveis a uma distância caminhável indicam um potencial do uso
do caminhar como meio de locomoção para acessar estes destinos.
A configuração entre espaços e usos dentro das próprias vizinhanças favorece
ou dificulta movimento de pedestres e a copresença entre diferentes sujeitos nos
lugares urbanos através da integração ou segregação de diferentes usos e espaços.
A análise das ruas relaciona-se aos conceitos de vida pública – “o conjunto de ações,
programadas ou não, protagonizadas por indivíduos no espaço público” (TENORIO,
2012) – e comunidade virtual – o quão o espaço favorece a formação de futuras
comunidades (HILLIER, 1987; LOPES; TRIGUEIRO; DONEGAN, 2017;
PALAIOLOGOU; GRIFFITHS; VAUGHAN, 2016). Analisou-se aspectos de
visibilidade, permeabilidade espacial e constitutividade da forma (aberturas,
mobiliário, vegetação, etc.) dos espaços caminháveis a fim de aferir o potencial do
quão as pessoas usam os espaços públicos da vizinhança.
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Figura 15: Objetos de pesquisa.
Fonte: elaborado pelo autor.
Considerando que a escala de um sistema está relacionada à sua complexidade
(TALEB, 2014), a fragilidade de modelos matemáticos que representem ou simulem
sistemas urbanos é, teoricamente, proporcional à escala de análise definida – vez que
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