ANÁLISE E PROPOSIÇÃO DE MELHORIAS PARA
UMA STARTUP DE VENDING MACHINES E
MICRO MARKETS SOB A ÓTICA DO PROCESSO
DE EMPREENDEDORISMO
Pedro Cunha Schittini
Projeto de Graduação apresentado ao Curso de
Engenharia de Produção da Escola Politécnica,
Universidade Federal do Rio de Janeiro, como
parte dos requisitos necessários à obtenção do
título de Engenheiro.
Orientador: Édison Renato Pereira da Silva
Rio de Janeiro
Janeiro de 2020
ii
ANÁLISE E PROPOSIÇÃO DE MELHORIAS PARA
UMA STARTUP DE VENDING MACHINES E
MICRO MARKETS SOB A ÓTICA DO PROCESSO
DE EMPREENDEDORISMO
Pedro Cunha Schittini
PROJETO DE GRADUAÇÃO SUBMETIDO AO CORPO DOCENTE DO CURSO DE
ENGENHARIA DE PRODUÇÃO DA ESCOLA POLITÉCNICA DA UNIVERSIDADE
FEDERAL DO RIO DE JANEIRO COMO PARTE DOS REQUISITOS NECESSÁRIOS
PARA OBTENÇÃO DO GRAU DE ENGENHEIRO DE PRODUÇÃO.
Examinado por:
_______________________________________________
Prof. Édison Renato Pereira da Silva, D. Sc.
_______________________________________________
Prof. Leonardo Luiz Lima Navarro, D. Sc.
_______________________________________________
Prof. Marcus Augustus Lessa, M. Sc.
Rio de Janeiro, RJ, Brasil
Janeiro de 2020
iii
Schittini, Pedro Cunha
Análise e proposição de melhorias para
uma startup de vending machines e micro
markets sob a ótica do processo de
empreendedorismo/ Pedro Cunha Schittini –
Rio de Janeiro: UFRJ/Escola Politécnica,
2020.
XIII, 103 p.: il., 29,7 cm.
Orientador: Édison Renato Pereira da Silva
Projeto de Graduação – UFRJ/ POLI/ Curso de
Engenharia de Produção, 2020.
Referências Bibliográficas: p. 100-103
1. Empreendedorismo; 2. Startup; 3. Customer
Discovery; 4. Tração; 5. Vending Machines e Micro
markets.
I. Silva, Édison Renato Pereira da. II.
Universidade Federal do Rio de Janeiro. III. Análise e
proposição de melhorias para uma startup de vending
machines e micro markets sob a ótica do processo de
empreendedorismo.
v
AGRADECIMENTOS
É engraçado olhar para trás e comparar o Pedro que entrou na faculdade com o Pedro
que saiu dela. O Pedro de hoje tem uma visão mais ampla do mundo ao seu redor e
entende melhor a si mesmo; e desenvolveu o vocabulário e a gramática para descrever,
explicar e predizer esses dois mundos (o exterior e o interior).
Agradeço aos meus pais, que sempre pensaram no meu bem e me deram apoio, amor,
carinho e educação. A minha irmã Dani, que permitiu que eu entendesse o limiar entre
o que é meu e o que não é meu, e os conceitos de trocas e favores na prática. Ao meu
avô Antônio, que sempre adorou me contar histórias sobre minha avó e que ficou
orgulhoso de mim por ser seu primeiro descendente a fazer faculdade na mesma escola
de engenharia na qual ele se formou em 1950. A imagem que tenho de você sempre
permanecerá viva em mim.
Aos professores que passaram pela minha vida: os do jardim de infância e ensino
fundamental que me aturaram, porque eu era um pestinha; os do ensino médio, que me
prepararam para o vestibular; e os universitários, que me formaram como engenheiro.
Um agradecimento especial à três professores. Ao Édison Renato, meu orientador, que
me mostrou a porta de entrada para o conhecimento enquanto trabalhávamos em
projetos e na Garagem GetUp. Muitas de nossas conversas me deixaram com uma
pulga atrás da orelha, por exemplo: como adquirir mais conhecimento por meio da leitura
e como falar em público. E essas pulgas deixadas ao longo dos anos de convívio me
levaram ao segundo professor, Domício Proença Jr. Se com Édison eu enxerguei a
porta e dei meus primeiros passos em direção a ela, com o Domício eu entrei na porta
do conhecimento e descobri que era um caminho sem volta. Fazer IOA em 2019 me
tornou uma pessoa qualitativamente diferente e eu tenho muito a agradecer pela grande
mudança que esse tempo com o Domício fez e continuará fazendo na minha vida. O
impacto dessa mudança não teria sido o mesmo se não fosse por Marcus Lessa, o
terceiro professor. As aulas e o convívio com o Marcus me ajudaram a dar sentido sobre
a aproximação ao estado da arte dentro de um campo e também à aplicação dos
métodos de leitura e fala. Além disso, tenho aprendido com o Marcus como é estar do
outro lado da sala de aula. Você é uma forte inspiração para mim sobre como conduzir
aulas.
Agradeço aos meus amigos, que tornaram a faculdade uma experiência ainda melhor.
Aos meus amigos de anos do Colégio Militar e do pH, muitos anos de amizade ainda
estão por vir. Aos meus amigos da Fluxo Consultoria, pela minha primeira experiência
profissional, especialmente Aramys que acreditou em mim lá no início e me ajudou na
vi
jornada. Aos meus amigos da Garagem GetUp, pelos aprendizados sobre
empreendedorismo, especialmente Eduardo, Flórido e Renan (que time!). Aos meus
amigos de estágios e trabalhos que realizei ao longo da faculdade, especialmente
Beneson, que algum dia irá ter sucesso em sua própria startup! Agradeço à Marina, que
participou dessa jornada de conhecimento em 2019 comigo e tornou tudo mais
agradável. Ao Thiago, mais novo professor do DEI, pelas conversas aleatórias e
engraçadas nesse ano.
Por fim, mas não menos importante, obrigado Carol por estar ao meu lado me apoiando
e me ajudando a me tornar uma pessoa e um namorado melhor. Esse ano de 2019 não
teria sido o mesmo sem sua companhia.
vii
Resumo do Projeto de Graduação apresentado à Escola Politécnica/UFRJ como parte
dos requisitos necessários para obtenção do grau de Engenheiro de Produção
Análise e proposição de melhorias para uma startup de vending machines e
micro markets sob a ótica do processo de empreendedorismo
Pedro Cunha Schittini
Janeiro/2020
Orientador: Édison Renato Pereira da Silva
Curso: Engenharia de Produção
Esse projeto de graduação apresenta um estudo de caso da aplicação do Processo de
Empreendedorismo a uma startup de vending machines e micro markets. Para isso, um
referencial teórico é apresentado contendo inicialmente os conceitos essenciais de
empreendedorismo para em seguida apresentar os modelos de Processo de
Empreendedorismo que serão usados no trabalho, baseado principalmente em Maurya
(2012 e 2016), cujo objetivo é ser um método sistemático de mitigação de riscos e
eliminação de vieses para a criação de startups de sucesso. O modelo de Customer
Discovery elaborado para o presente trabalho é o principal avanço frente a literatura por
se tratar do resultado de uma leitura sintópica de diferentes fontes. Além disso, também
é realizada uma análise do mercado de vending machines e micro markets no Brasil e
nos Estados Unidos. Mais adiante, é apresentada a trajetória da startup analisada,
dividida em três momentos: (1) a concepção do negócio como uma empresa de vending
machines de alimentação saudável, baseado em um plano de negócios; (2) a primeira
pivotagem, com mudança de público e produtos; (3) a segunda pivotagem, com
mudança de vending machines para micro markets. Em seguida, a trajetória da startup
é analisada sob a ótica do processo de empreendedorismo seguindo a estrutura dos
três momentos. Depois, é analisada a situação presente da startup com fins de propor
mudanças para o futuro sob a ótica do processo de empreendedorismo.
Palavras Chaves: Empreendedorismo, Startup, Customer Discovery, Tração, Vending
Machines e Micro Markets.
viii
Abstract of Undergraduate Project presented to POLI/UFRJ as a partial fulfillment of
the requirements for the degree of Industrial Engineer.
Analysis and propositions of improvements for a startup of vending machines
and micro markets from the perspective of the entrepreneurship process.
Pedro Cunha Schittini
January/2020
Advisor: Édison Renato Pereira da Silva
Course: Industrial Engineering
This undergraduate project presents a case study on the application of the
Entrepreneurship Process to a startup of vending machines and micro markets. For this,
a theoretical framework is presented containing initially the essential concepts of
entrepreneurship and then presenting the Entrepreneurship Process models that will be
used in the work, based mainly on Maurya (2012 and 2016), whose objective is to be a
systematic method of risk mitigation and bias elimination for creating successful startups.
The Customer Discovery model elaborated for the present work is a main advance on
the literature because it is the result of a syntopic reading from different sources. In
addition, an analysis of the vending machines and micro markets in Brazil and the United
States is also performed. Further, the trajectory of the startup analyzed is presented,
divided into three stages: (1) the conception of the business as a healthy eating vending
company, based on a business plan; (2) the first pivot, with change of customers and
products; (3) the second pivot, moving from vending machines to micro markets. Then,
the startup's trajectory is analyzed from the perspective of the entrepreneurship process
following the structure of the three moments. Then, the present situation of the startup is
analyzed in order to propose changes for the future from the perspective of the
entrepreneurship process.
Key words: Entrepreneurship, Startup, Customer Discovery, Traction, Vending
Machines e Micro Markets.
ix
Sumário
1. Introdução.................................................................................................................. 1
1.1. Contextualização ............................................................................................... 1
1.2. Objetivos e Relevância ...................................................................................... 2
1.3. Método de Pesquisa, Estrutura do Projeto e Limitações .................................. 3
2. Referencial Teórico ................................................................................................... 8
2.1. Empreendedorismo em startups ....................................................................... 8
2.1.1. Conceitos essenciais .................................................................................. 8
2.1.2. Processo de Emprendedorismo ............................................................... 21
2.1.2.1. Lean Canvas ..................................................................................... 23
2.1.2.2. Modelo de Tração ............................................................................. 28
2.1.2.3. Customer Factory Blueprint .............................................................. 33
2.1.2.4. Customer Discovery .......................................................................... 37
2.2. Análise do Mercado de Vending Machines e Micro Markets .......................... 49
2.2.1. Mercado dos Estados Unidos .................................................................. 49
2.2.2. Mercado Brasileiro .................................................................................... 56
3. Trajetória da Startup ............................................................................................... 61
3.1. Concepção do Negócio ................................................................................... 63
3.1.1. Fundação .................................................................................................. 63
3.1.2. Início da Operação seguindo o Plano de Negócios ................................ 63
3.2. Primeira Pivotagem: Mudança de Público e Produtos.................................... 65
3.2.1. Período de Transição: 2017-04 a 2017-07 .............................................. 65
3.2.2. Consolidação de pontos e de mix de produtos ........................................ 66
3.2.3. Crise societária ......................................................................................... 67
3.2.4. Testagem “automatizada” do mix de produtos e nova otimização dos
pontos 67
3.3. Segunda Pivotagem: Micro Market ................................................................. 70
3.3.1. Oportunidade e início da operação de micro markets ............................. 70
3.3.2. Expansão da Equipe e aceleração das mudanças ................................. 71
4. Análise da trajetória da startup sob a ótica do processo de empreendedorismo .. 73
4.1. Análise da Concepção do Negócio ................................................................. 73
4.1.1. Lean Canvas ............................................................................................. 75
4.2. Análise da Primeira Pivotagem ....................................................................... 77
4.2.1. Lean Canvas ............................................................................................. 81
4.3. Análise da Segunda Pivotagem ...................................................................... 82
4.3.1. Lean Canvas ............................................................................................. 83
5. Presente e Futuro da Startup .................................................................................. 86
x
5.1. Customer Factory Blueprint ............................................................................. 86
5.2. Lean Canvas .................................................................................................... 88
5.3. Customer Discovery......................................................................................... 90
5.4. Estratégia de Saída ......................................................................................... 95
6. Conclusão................................................................................................................ 97
Referências ................................................................................................................... 100
Anexos .......................................................................................................................... 104
Anexo 1: Manual da planilha de otimização de mix ................................................. 104
Anexo 2: Plano de Negócios elaborado pelas fundadoras ...................................... 106
xi
LISTA DE FIGURAS
Figura 1: Método geral de pesquisa utilizado. ................................................................. 3
Figura 2: Exemplo extraído da base de dados bruta utilizada no trabalho. .................... 6
Figura 3: O ciclo de feedback Build-Measure-Lean ........................................................ 9
Figura 4: Curva Revisada do Ciclo de Vida de Adoção de Tecnologia. ....................... 12
Figura 5: Pirâmide da dor. .............................................................................................. 13
Figura 6: Idade dos fundadores de startups e de startups de alto crescimento. .......... 20
Figura 7: Ilustração do teste sistemático do modelo de negócios.. .............................. 22
Figura 8: Lean Canvas. .................................................................................................. 24
Figura 9: A história sobre como o modelo de negócios cria, entrega e captura valor. . 27
Figura 10: Os três estágios do modelo de tração. ......................................................... 28
Figura 11: Os três tipos de riscos localizados no Lean Canvas. .................................. 29
Figura 12: O conceito de oferta de Maurya. .................................................................. 30
Figura 13: O crescimento acontece como uma série de passos. ................................. 32
Figura 14: Os estágios do modelo de tração ao longo do tempo. ................................ 33
Figura 15: Customer Factory Blueprint. ......................................................................... 34
Figura 16: As áreas principais da Customer Factory Blueprint ..................................... 35
Figura 17: As engrenagens de crescimento. ................................................................. 37
Figura 18: As etapas do processo de Customer Discovery .......................................... 38
Figura 19: Receita da Indústria de Vending Machines e Micro Markets em Bilhões de
Dólares............................................................................................................................ 51
Figura 20: Número de locais com Micro Markets Ativos. .............................................. 51
Figura 21: Percentual de Micro Markets por número de funcionários do local.. ........... 52
Figura 22: Vendings Machines por tipo de local em 2017. ........................................... 53
Figura 23: Micro Markets por tipo de local em 2017. .................................................... 53
Figura 24: Formas de pagamento e coleta de dados em 2016. ................................... 54
Figura 25: Formas de pagamento e coleta de dados em 2017. ................................... 54
Figura 26: Participação dos tipos de produtos em Vending Machines em 2017. ......... 55
xii
Figura 27: Participação dos tipos de produtos vendidos em Micro Markets em 2017. 55
Figura 28: Habitantes por Vending Machine em Brasil, Europa, EUA e Japão. ........... 57
Figura 29: Linha do tempo dos períodos do negócio. ................................................... 61
Figura 30: Faturamento Mensal da startup. ................................................................... 62
Figura 31: Faturamento médio por ponto da startup. .................................................... 62
Figura 32: Quantidade de pontos por perfil. .................................................................. 64
Figura 33: Faturamento Médio por perfil de ponto. ....................................................... 65
Figura 34: Número de Produtos no Mix da startup. ....................................................... 66
Figura 35: Quantidade de vendas média por perfil de ponto. ....................................... 69
Figura 36: Ticket Médio da venda por perfil de ponto. .................................................. 69
Figura 37: Lean Canvas do periodo de concepção do negócio. ................................... 76
Figura 38: Quantidade de Pontos por Perfil. ................................................................. 79
Figura 39: Faturamento médio por perfil de ponto.. ...................................................... 79
Figura 40: Quantidade de Vendas Média por perfil de ponto........................................ 80
Figura 41: Ticket Médio da Venda por perfil de ponto................................................... 80
Figura 42: Lean Canvas após a primeira pivotagem do negócio (alterações em
vermelho). ....................................................................................................................... 81
Figura 43: Lean Canvas após a segunda pivotagem do negócio (alterações em
vermelho). ....................................................................................................................... 83
Figura 44: Customer Factory Blueprint da Startup ........................................................ 86
Figura 45: Lean Canvas da análise do presente e proposta de futuro (alterações em
vermelho).. ...................................................................................................................... 90
xiii
LISTA DE TABELAS
Tabela 1: Os nove pecados capitais da introdução de novos produtos ao mercado. .. 10
Tabela 2: Participação de vendas separados por tamanho dos operadores do mercado
de vendings e micro markets. ........................................................................................ 50
Tabela 3: Percentual de vendas por categoria de serviço. ........................................... 56
1
1. Introdução
1.1. Contextualização
O Brasil é considerado um país empreendedor, com altas taxas de criação de novos
negócios ano após ano, mas, ao mesmo tempo, pouco mais de 60% das empresas
abertas em 2010 já haviam fechado portas em 2015 segundo o IBGE (Valor 2017). Essa
taxa de mortalidade de empresas antes dos 5 anos é grande, mas o perfil delas explica
parte dessa mortalidade.
Temos que 42% dos negócios abertos em 2016 se enquadram na categoria
“empreendedorismo por sobrevivência” – empresas criadas por falta de emprego e
renda – enquanto o resto são negócios abertos por seus fundadores enxergarem uma
oportunidade de mercado (Global Entrepreneurship Monitor Brasil, 2016). Negócios
iniciados para sobrevivência – como venda de refeições e de doces caseiros – tendem
a ter uma mortalidade alta em função de serem fechados quando seus fundadores
conseguem oportunidades melhores. Ainda assim, a categoria de empreendedorismo
por sobrevivência não explica sozinha toda a mortalidade de negócios.
Dentro do perfil de negócios abertos por seus fundadores enxergarem uma
oportunidade de mercado, temos o caso da criação de negócios inovadores que se
enquadram na categoria de startups1. A criação de startups se dá em ambientes de
extrema incerteza (Ries, 2011) no qual os métodos tradicionais de plano de negócios
não são suficientes para garantir o sucesso da empresa. Com isso, a chance de startups
não obterem sucesso e fecharem as portas é alta.
Nesse cenário surgem inúmeros autores que propõe métodos de validação de hipóteses
em startups que buscam mitigar os riscos inerentes ao negócio, que podem ser
chamados de Processo de Empreendedorismo (Blank & Dorf, 2012; Ries, 2011; Maurya,
2012 e 2016; Aulet 2013). O foco é gastar o mínimo possível para entender a viabilidade
do negócio e assim decidir se vale a pena investir mais tempo e dinheiro na startup e
para entender isso é preciso “sair do escritório e ir para a rua” (Blank & Dorf, 2012).
1 A definição de startup adotada no presente trabalho se encontra no referencial teórico de empreendedorismo em startups.
2
Com o objetivo enriquecer o entendimento do Processo de Empreendedorismo, o autor
optou por analisar a startup de vending machines e micro markets2 na qual trabalhou no
final de 2018 e início de 2019, que teve o início da trajetória baseado na execução de
um plano de negócios e que depois passou a utilizar indicadores financeiros sem uma
estrutura formal de organização.
Assim, pretende-se: descrever o processo de empreendedorismo e os conceitos
essenciais do universo de empreendedorismo em startups; mostrar a trajetória da
startup até o modelo atual e analisar seus estágios sob a ótica do processo de
empreendedorismo; e analisar a situação presente da startup e fazer propostas para o
futuro com base nas análises feitas com o processo de empreendedorismo.
1.2. Objetivos e Relevância
O objetivo do presente trabalho é avaliar a trajetória empreendedora de uma startup de
vending machines e micro markets à luz da literatura do Processo de
Empreendedorismo, identificando lacunas e propondo soluções que o Processo de
Empreendedorismo adotaria para mitigar essas lacunas. Os objetivos específicos são:
• Reunir os conceitos essenciais sobre o universo do empreendedorismo em
startups;
• Descrever o Processo de Empreendedorismo delineado por Ash Maurya
(2012 e 2016);
• Definir um processo de Customer Discovery a partir das contribuições vindas
principalmente de Maurya (2012), Fitzpatrick (2013) e Constable (2014);
• Fazer um levantamento do mercado de vendings e micro markets dos EUA
e as oportunidades no Brasil;
• Apresentar a trajetória da startup ao empreender inicialmente baseado em
um plano de negócios e depois sem nenhuma estrutura organizada e
analisar esse histórico sob a ótica do processo de empreendedorismo;
• Analisar a situação atual da startup e fazer propostas para o futuro da startup
sob a ótica do processo de empreendedorismo.
2 Vending machines são máquinas automáticas que fornecem diferentes tipos de produtos como cafés, doces, salgados e bebidas sem contato manual para a liberação dos consumíveis. Micro markets são uma solução de autoatendimento focado principalmente para escritórios de empresas na qual o consumidor consegue tocar nos produtos antes de comprar e ele mesmo escaneia os produtos no totem de autoatendimento antes de realizar o pagamento.
3
1.3. Método de Pesquisa, Estrutura do Projeto e Limitações
A figura abaixo ilustra a estrutura da obra e o método de pesquisa. Os círculos ao lado
dos retângulos indicam o capítulo e seção onde cada etapa está detalhada e os números
entre parênteses indicam a ordem temporal do método.
Figura 1: Método geral de pesquisa utilizado. Fonte: Elaboração própria.
A partir de disciplinas da graduação e de um grupo de estudos de empreendedorismo
sob orientação do professor Édison Renato Pereira da Silva, o autor teve contato com
um conjunto de livros que enxergam o empreendedorismo como um processo
sistemático de validação de hipóteses que buscam mitigar as incertezas intrínsecas a
criação de novos negócios. Com isso, a maior parte dos livros usados no presente
trabalho já haviam sido lidos pelo autor antes do início da pesquisa.
Ao mesmo tempo, o autor do presente trabalho começou a trabalhar em uma startup
que enfrentava dificuldades para crescer e que não havia aplicado métodos do processo
de empreendedorismo ao longo de sua trajetória.
Juntando o contato com os livros de processo de empreendedorismo e a motivação
particular em aplicar esse processo na startup, foi despertada a motivação para o início
do presente trabalho.
4
Os livros motivadores apresentam diferentes modelos para o processo de
empreendedorismo. Alguns modelos possuem a mesma finalidade, mas outros
possuem objetivos distintos. Com isso, foi preciso decidir quais modelos seriam
utilizados (momento 1 na figura) e o autor optou por utilizar três modelos propostos por
Maurya (2012 e 2016) como base para o trabalho, junto com o modelo de Customer
Discovery para interação com clientes (Blank 2013; Blank & Dorf 2012; Maurya 2012;
Fitzpatrick 2013; Constable 2014). O motivo da escolha foi a maior familiaridade do autor
com esses métodos, por já ter aplicado os mesmos diversas vezes no passado com
resultados positivos.
Para descrever e explicar os modelos do processo de empreendedorismo, o autor
percebeu que precisaria antes apresentar alguns dos conceitos essenciais de
empreendedorismo em startups (momento 2). Esse momento gerou contato com textos
complementares aos livros lidos anteriormente.
Em paralelo, o autor investigou em mais detalhes a trajetória da startup (momento 3),
por meio de conversas com os sócios e análise do banco de dados3 do negócio, para:
entender o contexto das principais decisões tomadas no passado; determinar quais
decisões levaram a pivotamentos no modelo de negócios da startup; e estabelecer com
precisão a temporalidade das mudanças no modo de operação da startup. Essa
trajetória está apresentada no capítulo 3 do trabalho. O negócio foi dividido em três
períodos:
• Concepção do negócio: uma empresa de vending machines de alimentação
saudável que coloca as máquinas em locais de grande circulação de
pessoas
• Primeira Pivotagem – mudança de público e produtos: uma empresa de
vending machines de snacks que coloca máquinas dentro de empresas com
o mínimo de 150 pessoas.
• Segunda pivotagem – micro market: uma empresa de alimentação em geral
que coloca micro markets dentro de empresas com o mínimo de 100
pessoas.
Antes de examinar a trajetória da startup sob a ótica do processo de empreendedorismo,
o autor precisava conhecer mais sobre o setor de vending machines e micro markets, e
por isso realizou uma análise sobre esse setor no mercado brasileiro (momento 4). Com
isso, veio a descoberta de que existe muito pouca informação disponível sobre esse
3 A estrutura da base de dados utilizada será explicada mais a frente neste item.
5
setor no Brasil (momento 5). Dessa forma, o autor optou por utilizar dados do mercado
de vending machines e micro markets dos Estados Unidos, pois o mercado americano
possui relatórios específicos sobre esse setor (momento 6). Todos os dados de
referencial teórico apresentados até o momento estão concentrados no capítulo 2.
Assim, o autor passou a possuir a base teórica – tanto do processo de
empreendedorismo, quanto do setor de vendings e micro markets – para analisar a
trajetória da startup (momento 7). Essa análise está apresentada no capítulo 4 e está
dividida nos mesmos três períodos da trajetória que o capítulo 3. A análise da
Concepção do Negócio foi feita com base principalmente no documento de Plano de
Negócios ao qual o autor do presente trabalho teve acesso e se encontra no Anexo 2,
mas a base de dados do negócio e entrevistas com sócios e funcionários auxiliaram no
entendimento e análise desse período. A análise da Primeira Pivotagem foi feita
principalmente em cima da base de dados do negócio, mas as entrevistas com sócios
e funcionários foram importantes para esclarecer dúvidas que a base de dados sozinha
não poderia responder. Por exemplo, foi possível notar algumas mudanças de pontos
físicos e de queda ou aumento de número de vendas, que posteriormente foram
investigados por meio de entrevistas com os sócios e funcionários que estavam
presentes nesta época da startup. Na análise da Segunda Pivotagem o autor do
presente trabalho já estava trabalhando na startup, então pode observar o modelo de
negócios da startup em execução, ainda assim, a base de dados e entrevistas com
sócios e funcionários auxiliaram na análise desse período.
Na sequência, o autor percebeu que precisava diferenciar dois tipos de análise sobre a
startup: (1) a análise das decisões tomadas pelos sócios no passado sob a ótica do
processo de empreendedorismo; e (2) a análise do presente e do futuro da startup pelo
autor sob a ótica do processo de empreendedorismo. Com isso, surgiu o capítulo 5, que
consiste na aplicação dos modelos para analisar a situação atual da startup a fim de
propor mudanças para o futuro da startup. O capítulo 6 traz a conclusão do trabalho.
A base de dados bruta utilizada para as análises do presente trabalho possui
informações sobre as vendas individuais de cada produto (Figura 2). A base possui a
data e hora de cada venda realizada, o cliente do ponto de venda, o local em que a
máquina (ou totem) fica instalada, o número da máquina (ou totem), o produto vendido,
a quantidade vendida e o preço de venda. Com essa base de dados, foi possível realizar
análises por mês, por produto, por valor, por quantidade, por ponto de venda etc. As
colunas de Cliente e Máquina não precisaram ser utilizadas durante o presente trabalho,
pois a coluna Local foi suficiente para identificar cada ponto de venda. Algumas colunas
6
foram adicionadas para auxiliar as análises, como uma coluna para o perfil de ponto
(academia, escritório de empresas, faculdade particular e grande circulação).
Figura 2: Exemplo extraído da base de dados bruta utilizada no trabalho. Fonte: Elaboração Própria.
Segundo a classificação dos projetos de pesquisa proposta por LACERDA et al (2007),
a presente pesquisa pode ser classificada, em termos de natureza, como uma pesquisa
aplicada, pois se trata de aplicação de um referencial teórico a um caso específico. A
abordagem adotada foi qualitativa, pois se procurou interpretar os fenômenos
observados e atribuí-los significado (SILVA & MENEZES, 2001 apud LACERDA et al,
2007). O objetivo desse estudo foi exploratório visto que procurou entender melhor o
problema ao explicitá-lo (GIL, 1999 apud LACERDA et al, 2007). O método utilizado
para a formação das conclusões foi de caráter indutivo, pois parte-se das observações
(individuais) realizadas sem a formação de hipóteses prévias ou construções lógicas a
partir da teoria. Em termos de procedimentos técnicos, utilizou o Estudo de Caso como
fonte de dados.
A área de pesquisa em startups e em Processo de Empreendedorismo ainda não está
consolidada como conhecimento científico em termos Lakatianos e no momento se
encontra em estágio de protociência – ainda não é ciência mas busca atender os
requisitos para se tornar ciência (Lakatos, 1980; Silva & Proença Jr, 2015). Além disso,
esse campo de pesquisa ainda possui poucos relatos qualitativos sobre startups. Dessa
forma, um estudo de caso com relato em primeira pessoa, como o presente trabalho, é
uma contribuição válida para essa área de pesquisa.
Como limitações, é válido destacar:
• A base de dados disponível para análise das vendas da startup tem início
em novembro de 2016 e fim em janeiro de 2019, enquanto a operação iniciou
em fevereiro de 2016. Apesar disso, considerou-se que foi possível analisar
o desempenho do negócio em seus momentos iniciais a partir dos dados
disponíveis e conversas com os sócios da empresa.
Data Cliente Local Máquina Produto Quantidade Valor (R$)
21/06/2018 06:40 RioGaleão RioGaleão Eixo 16_01 1026 Açai Amazoo Banana 200ml 1 6,10R$
18/06/2018 10:07 RioGaleão Rio Galeão Eixo 7_01 1025 Amma 75% 1 7,10R$
16/06/2018 15:09 RioGaleão RioGaleão Eixo 16_01 1026 Agua de Coco Kero Coco 200ml 1 4,90R$
16/06/2018 15:08 RioGaleão RioGaleão Eixo 16_01 1026 Agua de Coco Kero Coco 200ml 1 4,90R$
15/06/2018 06:09 RioGaleão RioGaleão Eixo 16_01 1026 Agua de Coco Kero Coco 200ml 1 4,90R$
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7
• Ainda que a base de dados seja suficiente para entender o desempenho da
startup, o número baixo de pontos de vendas e as diferenças existentes entre
eles impede que se façam correlações com validade estatística.
• Não existe no brasil uma divulgação anual sobre o desempenho do mercado
de vending machines e micro markets, o que dificulta o entendimento sobre
o setor. Por esse motivo, analisou-se o mercado americano, que possui
resultados setoriais divulgados anualmente, para buscar identificar
oportunidades no Brasil.
8
2. Referencial Teórico
Nessa parte do texto, será feita uma revisão bibliográfica da literatura de
empreendedorismo em startups e em seguida será feita uma análise do mercado de
vending machines e micro markets.
2.1. Empreendedorismo em startups
O referencial teórico sobre empreendedorismo em startups foi dividido em duas apartes:
conceitos essenciais sobre empreendedorismo em startup que são a base para a
explicação do Processo de Empreendedorismo; e o Processo de Empreendedorismo
que será aplicado na análise do presente trabalho.
2.1.1. Conceitos essenciais
Segundo Blank & Dorf (2012, p. xvii), startups são organizações temporárias em busca
de um modelo de negócios escalável, repetível e lucrativo.
Elas são temporárias pois quando encontram um modelo de negócios que seja
simultaneamente escalável, repetível e lucrativo, o foco deixa de ser a busca e passa a
ser a execução. A partir de então, o negócio passa a ter um funcionamento similar ao
de grandes empresas. É importante entender que startups não são pequenas versões
de grandes empresas e que, portanto, os métodos tradicionais de administração não
devem ser aplicados a uma startup, pois grandes empresas executam um modelo de
negócios e startups estão à procura de um (Blank & Dorf, 2012, p. xiv).
O modelo deve ser escalável: ter um crescimento rápido da base de usuários com as
receitas aumentando proporcionalmente mais que os custos; repetível: uma vez que o
modelo de operação, aquisição de clientes e vendas esteja definido, seja possível de
ser replicado de forma previsível; e lucrativo: que seja financeiramente vantajoso,
sustentável e atrativo (Blank & Dorf, 2012; Nigri & Monteiro, 2014).
Blank & Dorf (2012, p. 16, 54) também afirmam que nenhum plano de negócios (PN)
sobrevive à primeira interação com o cliente. Essa constatação é relevante pois o PN é
um método tradicional de empreendedorismo de grandes empresas que ainda é
9
utilizado, equivocadamente, para a criação de startups. Por esse motivo, Blank & Dorf
(2012) recomendam que os empreendedores “saiam do escritório”, pois a interação com
os clientes é fundamental para o entendimento e ajustes no modelo de negócios.
Nesse cenário, outra contribuição importante para o empreendedorismo é Eric Ries
(2011), que cunhou e popularizou o termo “Lean Startup”. Para desenvolver seu
conceito de Startup Enxuta, Ries uniu duas abordagens: a de metodologias ágeis; e a
de interação com clientes desenvolvidos por Blank (2013) no livro chamado The Four
Steps to Epiphany – que teve sua primeira edição lançada em 2006.
Uma Startup Enxuta deve realizar interações seguindo o ciclo de feedback Build-
Measure-Learn (Figura 3) com o objetivo de encurtar cada vez mais o tempo de um
ciclo. O conceito por trás disso, é que tempo é mais valioso que dinheiro e quanto menor
for a duração do ciclo, mais hipóteses sobre o modelo de negócios poderão ser testadas
no mesmo espaço de tempo (Ries, 2011).
Figura 3: O ciclo de feedback Build-Measure-Lean. Fonte: Ries 2011, p. 75.
As ideias geradas devem ser testadas com a construção de um mínimo produto viável
(MVP), que permita validar as hipóteses no menor custo possível com as
funcionalidades necessárias. Depois, são gerados dados mensuráveis sobre o teste,
que devem ser analisados para gerar aprendizado sobre os consumidores e para gerar
novas ideias (Ries, 2011). Com os resultados, é possível tomar uma decisão mais
assertiva se vale a pena perseverar nesse caminho, se é melhor pivotar alguma parte
do modelo de negócios, ou se é o momento de desistir do negócio (Ries, 2011).
10
Os 9 pecados capitais da introdução de novos produtos ao mercado
Planos de negócios falham em guiar startups para o sucesso porque o produto e os
consumidores são desconhecidos. Blank & Dorf (2012, p. 8-18) reuniram nove
pressupostos falhos que levam startups a cometerem (Tabela 1)4.
Tabela 1: Os nove pecados capitais da introdução de novos produtos ao mercado.
Pecado Capital Explicação
1.Assumir que “Eu
sei o que os
consumidores
querem”
“Essa é a crença inabalável do fundador de que ele ou ela entende
quem serão os clientes, o que eles precisam e como vender a eles.
Qualquer observador atento reconheceria que, no início uma startup
não tem clientes e, a menos que o fundador seja um verdadeiro
especialista no campo, ele só pode adivinhar o cliente, o problema e o
modelo de negócios. No início, uma startup é uma iniciativa baseada
em saltos de fé construída a partir de suposições. No entanto, a
metodologia tradicional de introdução de produtos faz com que os
fundadores considerem esses fatos como modelo e criem um produto e
comecem a gastar dinheiro para construí-lo em uma corrida para o
“primeiro cliente” - antes de falar com um único cliente.”
2.A falha de “Eu sei quais funcionalidades construir”
“A segunda suposição falha é implicitamente impulsionada pela
primeira. Os fundadores, presumindo que conhecem seus clientes,
assumem que conhecem todas as funcionalidades que os clientes
precisam. Esses fundadores especificam, projetam e constroem um
produto com todos os recursos, usando métodos clássicos de
desenvolvimento de produtos, sem sair do prédio. Mas espere - não é
isso que as startups devem fazer? Não, isso é o que empresas com
clientes existentes fazem.”
3.Foco na data de lançamento
“As datas de lançamento do produto e da entrega para o primeiro cliente
são apenas as datas em que uma equipe de desenvolvimento de
produto acha que a primeira versão do produto está “acabada”. Isso não
significa que a empresa entende seus clientes ou como vender ou
vender para eles, mas em quase todas as startups, pronto ou não, os
departamentos se programam para aquela data. Ainda pior, os
investidores da startup estão gerenciando suas expectativas financeiras
por esta data também... Obviamente, toda startup ou empresa quer
colocar um produto no mercado e vendê-lo, mas isso não pode ser feito
até que a empresa entenda para quem está vendendo e por que vai
comprar.”
4.Ênfase em
execução em vez
de hipóteses,
testes, aprendizado
e iteração
“Embora as empresas estabelecidas executem modelos de negócios
em que clientes, problemas e funcionalidades de produtos necessárias
sejam conhecidos, as startups precisam operar em um modo de
“pesquisa” à medida que testam e comprovam cada uma de suas
hipóteses iniciais. Startups aprendem com os resultados de cada teste,
refinam as hipóteses e testam novamente, tudo em busca de um
modelo de negócios repetitivo, escalável e lucrativo. Na prática, as
startups começam com um conjunto de hipóteses iniciais (suposições),
a maioria das quais acabará sendo errada. Portanto, concentrar-se na
execução e entregar um produto ou serviço com base nessas hipóteses
iniciais, não testadas, é uma estratégia de sair do negócio.”
4 A explicação dos pecados capitais contida na Tabela 1 é uma tradução feita pelo autor.
11
Pecado Capital Explicação
5.Planos de
negócios
tradicionais
presumem não
haver testes e nem
erros
“A única grande vantagem do modelo tradicional de desenvolvimento
de produtos: fornece aos diretores e fundadores um caminho
inequívoco com marcos claramente definidos que os diretores
presumem que serão alcançados... O progresso financeiro é
monitorado usando métricas como demonstração de resultados,
balanço e fluxo de caixa mesmo quando há nenhuma receita a medir.
Na realidade, nada disso é útil para startups.”
6.Confundir títulos
de empregos
tradicionais com o
que uma startup
precisa realizar
“A maioria das startups simplesmente pegou emprestados cargos de
empresas estabelecidas. Mas lembre-se de que esses são cargos em
uma organização que está executando um modelo de negócios
conhecido. Como clientes-alvo, especificações de produtos e
apresentações de produtos podem mudar diariamente, os executivos
de startups em fase inicial precisam de habilidades drasticamente
diferentes dos executivos que trabalham em uma empresa estabelecida
que vende produtos estabelecidos ou extensões de linha. As demandas
da descoberta do cliente exigem pessoas que se sintam à vontade com
a mudança, o caos e o aprendizado com o fracasso, e que estejam à
vontade trabalhando em situações arriscadas e instáveis sem um
roadmap.”
7.Vendas e
Marketing
executam um plano
“Contratar vice-presidentes (VP) e executivos com os títulos certos, mas
com as habilidades erradas, leva a mais problemas na startup, pois
esses altos executivos de vendas e marketing chegam à folha de
pagamento para executar o "plano", mesmo antes de compreenderem
quem são os clientes e o que eles querem comprar.”
8.Presunção de
Sucesso leva a
escalar
prematuramente
“O plano de negócios, sua previsão de receita e o modelo de introdução
de produtos pressupõem que, a cada etapa, a startup prossegue de
forma perfeita e sem problemas para a próxima. O modelo deixa pouco
espaço para erro, aprendizado, iteração ou feedback do cliente. Nada
diz “pare ou diminua a contratação até entender os clientes” ou “pause
para processar o feedback dos clientes”. Mesmo os executivos mais
experientes são pressionados a contratar funcionários pelo plano,
independentemente do progresso. Isso leva ao próximo desastre de
startups: escalar prematuramente. As contratações e os gastos devem
ser acelerados apenas depois que as vendas e o marketing se tornarem
processos previsíveis, repetíveis e escaláveis, não quando o plano diz
que eles estão programados para começar.”
9.Gerenciamento
por crise leva a
uma espiral da
morte
“A história geralmente se desenrola assim: o VP de vendas executa um
plano baseado em hipóteses não testadas e as metas não são
atingidas. Após alguns meses sem atingir metas, ele é demitido e outro
VP é contratado para executar um novo plano de vendas baseado em
hipóteses não testadas. Novamente, as metas não são batidas e a
startup perde credibilidade frente aos investidores.
Às vezes, é necessário apenas uma ou duas iterações para encontrar
o roteiro de vendas correto e o posicionamento para atrair clientes
exuberantes. Em tempos de crise, quando conseguir capital está mais
difícil, a próxima rodada de investimentos pode nunca chegar.”
Fonte: Blank & Dorf 2012, p. 8-12.
12
Early Adopters5
Outro conceito relevante é o de early adopters, introduzido por Geoffrey Moore (2014)
no livro Crossing the Chasm6, cuja primeira edição foi em 1991. Ele revisou o conceito
da Curva do Ciclo de Vida de Adoção de Tecnologia, que divide a adoção da tecnologia
em cinco fases caracterizadas pelo tipo de comprador:
• Inovadores: procuram novas tecnologias de forma agressiva, normalmente por
puro interesse em tecnologia;
• Early Adopters: os primeiros a comprar uma tecnologia pelos seus benefícios
intrínsecos;
• Maioria Inicial: contam com os benefícios da nova tecnologia, mas esperam
que outros resolvam os defeitos iniciais;
• Maioria Tardia: não interessados na tecnologia em si. Esperam o líder de
mercado surgir e compram o que se tornou padrão;
• Retardatários: não querem nada com tecnologia. Usam tecnologia sem saber
de sua existência.
A ação de mudar de uma fase para outra é limitada pela diferença entre os requisitos e
hábitos de compra dos consumidores de cada etapa. Moore foca seu livro na lacuna
existente entre os early adopters e maioria inicial, afirmando que a lacuna é tão grande
que pode ser chamada de abismo. A curva pode ser observada na Figura 4.
Figura 4: Curva Revisada do Ciclo de Vida de Adoção de Tecnologia. Fonte: Moore 2014, p. 21.
5 O conceito de early adopters é utilizado do modelo Lean Canvas, que será utilizado na análise da trajetória da startup. 6 Em tradução livre seria “atravessando o abismo”.
13
Pirâmide da dor7
A pirâmide da dor (Figura 5) categoriza o grau da dor do cliente com um problema em
cinco níveis (Blank 2013, p. 46; Blank & Dorf 2012, p. 58-60; Fitzpatrick 2013, p. 83-84):
• O consumidor possui uma dor;
• O consumidor está consciente de que tem uma dor;
• O consumidor está ativamente procurando uma solução e possui um prazo para
encontrá-la;
• A dor é grande o suficiente para o consumidor juntar partes para construir uma
solução provisória;
• O consumidor providenciou orçamento ou facilmente consegue adquirir
orçamento para resolver a dor.
Essa categorização é útil para identificar se um problema é must-have para um potencial
consumidor ao conversar com ele. Ao definir o perfil de early adopters da startup deve-
se ter em mente que eles geralmente se encontram nos dois níveis superiores da
pirâmide.
Figura 5: Pirâmide da dor. Fonte: Adaptado de Blank 2013, p. 46.
7 O conceito de pirâmide da dor auxilia nas explicações sobre o processo de Customer Discovery.
14
Segmentação de Mercado8
Também é possível estruturar a oportunidade pela segmentação do mercado. Bill Aulet
(2013, p. 45) enumera três condições que definem um mercado:
• Todos os clientes do mercado compram produtos similares.
• Os consumidores do mercado possuem ciclos de compra similares e esperam
que os produtos forneçam valores de modo semelhante. Assim, seus
vendedores podem seguir o mesmo processo de vendas com bons resultados.
• Existe “boca a boca” entre os consumidores no mercado, então eles podem
servir como referencias confiáveis uns aos outros na hora da compra. Caso os
consumidores do mercado não conversem entre si, fica mais difícil para a startup
conseguir tração9.
Beachhead market10
Após segmentar algumas opções de mercado, é preciso ranquear as oportunidades
para selecionar o beachhead market, o mercado no qual o negócio irá entrar primeiro,
e também os mercados adjacentes. Bill Aulet (2013, p. 44) fornece perguntas que
ajudam nessa tarefa:
• O consumidor alvo possui fundos?
• O consumidor alvo é acessível à sua força de vendas?
• O consumidor alvo possuí um motivo convincente para comprar?
• Você consegue hoje, com ajuda de seus parceiros, entregar um produto
completo?
• Existe competição entrincheirada que pode bloquear você?
• Se você venceu nesse segmento, você consegue alavancar a entrada em outros
segmentos?
• O mercado é consistente com os valores, paixões e objetivos do time fundador?
Ter um alvo específico é necessário principalmente nos estágios iniciais de uma startup,
pois ter foco em apenas um tipo de cliente facilita o aprendizado nas interações do
8 O conceito de segmentação de mercado é necessário para explicar o conceito de beachhead market. 9 O conceito de tração está definido no item 2.1.2.2. do presente trabalho. 10 O conceito de beachhead market (mercado cabeça de praia) tem origem em estratégias de guerra. Em uma invasão pelo mar, é preciso conquistar uma cabeça de praia primeiro para utilizar como base de operações, para então expandir o território dominado por terra, pois sem o domínio de um território inicial, é difícil conquistar outros territórios.
15
processo de Customer Discovery (item 2.1.2.4. do presente trabalho), pois torna mais
fácil a identificação de padrões quando os dados forem compilados (Etapa 5 do
processo de Customer Discovery). Além disso, devido ao “boca a boca” existente em
um segmento de mercado, ao focar somente no beachhead market, a dominação desse
segmento se torna mais rápida.
Com o beachhead market definido, é importante entender o tamanho da oportunidade
do segmento e isso pode ser feito por meio do cálculo do Total Addressable Market
(TAM). Maurya (2016, p. 49-72) sugere um método de cálculo de TAM por meio de uma
estimação bottom-up que será abordado no próximo item.
Decision Making Unit (DMU)11
Para realizar a venda de um produto ou serviço é preciso entender o processo de
compra de seus consumidores em potencial e é nesse momento que se torna
necessário entender conceito de Decision Making Unit (Unidade Tomadora de Decisão)
(Aulet 2013, p. 141). A DMU engloba todas as pessoas que estão envolvidas no
processo de aquisição do produto. Aulet (2013, p.141-142) divide a DMU em papeis
primários e secundários e nos dá alguns exemplos de perfis:
• Papeis primários na DMU:
o Campeão: O campeão é a pessoa que quer comprar o produto.
Geralmente ele também é o usuário final.
o Usuário Final: Essa é a pessoa que de fato irá utilizar o produto e com
isso possui um papel significante no processo de compra.
o Comprador Econômico Primário: É o tomador de decisões principal,
pois é preciso sua autorização para a utilização da verba de compra. O
processo se torna mais fácil quando o comprador econômico primário é
também o campeão e/ou o usuário final.
• Papeis secundários na DMU:
o Influenciadores Primários e Secundários: Indivíduos que
frequentemente possuem experiência no assunto em questão e podem
influenciar o resto da DMU. Os influenciadores primários desempenham
um papel importante no processo de decisão, enquanto os
11 O conceito de DMU é necessário para explicar o processo de Customer Discovery (item 2.1.2.4.), pois é preciso entrevistar pessoas com todos os perfis envolvidos na tomada de decisão.
16
influenciadores secundários desempenham algum papel no processo de
decisão.
o Pessoa com Poder de Veto: Esses indivíduos possuem a capacidade
de rejeitar uma compra por alguma razão. Em um ambiente B2B
geralmente essa pessoa está em uma posição hierarquicamente
superior ao usuário final.
o Departamento de Compras: Esse departamento lida com o processo
da compra. Ele pode ser um obstáculo adicional por querer abaixar os
preços ou desqualificar a venda por alguma regra da empresa, ainda que
o comprador econômico primário já tenha decidido realizar a compra.
Investimento em startups e estratégia de saída12
De um modo geral, o principal motivo para os empreendedores criarem startups é o
retorno financeiro. Ao mesmo tempo, startups possuem um alto risco de não darem certo
e com isso dar um retorno negativo ou zero no final – depois de todo o tempo e dinheiro
investidos em desenvolver o empreendimento. Desse modo, é preciso pensar sobre a
estratégia de saída do negócio desde o início para construir uma empresa que tenha o
potencial de dar um retorno que justifique o risco que se está correndo.
Para desenvolver uma startup num primeiro momento é preciso ter dinheiro suficiente
para bancar seus custos de operação enquanto o negócio não gera receitas suficientes
para cobri-los, ou seja, enquanto a startup ainda não atingiu o ponto de break even – no
qual as receitas mensais são iguais aos custos mensais e o negócio deixa de dar
prejuízo mensal. Em um momento seguinte, é preciso ter o dinheiro necessário para
acelerar o crescimento da startup, ou seja, se capitalizar para fazê-la ter um crescimento
maior do que se fosse expandir o negócio apenas com reinvestimento dos lucros. Esse
segundo momento é especialmente importante em mercados do tipo “o vencedor leva
tudo”, no qual é preciso crescer rápido para dominar o mercado, mesmo tomando
prejuízos na casa de milhões ou bilhões, pois só o negócio dominante do mercado gera
lucros atrativos no futuro (Feigelson, Nybo & Fonseca 2018, p. 69 e 79).
O dinheiro para operação e crescimento pode ser financiado com capital próprio dos
empreendedores – o bootstrap é comum especialmente no início – ou de investidores
externos. Os empreendedores precisam ponderar o momento certo de captar
12 Termos relativos a investimento em startups são utilizados ao longo do trabalho e a última análise feita é relativa a estratégia de saída da startup analisada no presente trabalho.
17
investimento externo e o percentual da empresa que será vendido, pois o investimento
é uma ocasião de diluição da participação dos fundadores na startup e a participação é
um dos principais elementos considerados na estratégia de saída – que é o momento
do retorno financeiro do investimento de tempo e dinheiro dos fundadores. Os
investidores externos podem ser FFF (Friends, Family and Fools), Investidores Anjos,
fundos de Venture Capital (early e late stage), fundos de Private Equity e a bolsa de
valores por meio de Oferta Pública Inicial (IPO). Outro possível caminho é a venda ou
fusão da startup com outro negócio – que é um momento também de estratégia de saída
dos fundadores e investidores. O aporte geralmente se organiza na forma de
rodadas/séries de investimento no qual o risco ao investidor diminui e o valor do aporte
aumenta conforme a evolução das rodadas (Feigelson, Nybo & Fonseca 2018, p. 84-
93):
1. Bootstrap: É financiar a startup com capital próprio enquanto o negócio não
alcança maturidade e base de clientes que permitam que se sustente sozinho –
enquanto ainda não alcança o ponto de break even.
2. FFF (Friends, Family and Fools): É levantar capital com família, amigos,
pessoas próximas e idiotas13 para viabilizar a startup e tirar a ideia do papel.
3. Investimento Anjo: Esse investimento acontece normalmente quando a startup
precisa de capital externo para tirar sua ideia do papel, mas já possui alguns
indícios verificáveis14 sobre a existência de mercado para o negócio suficientes
para atrair o interesse de um Investidor Anjo. Os Investidores Anjos no Brasil
geralmente utilizam contratos de mútuo conversível ao aportar dinheiro nas
startups para diminuir seu risco15.
4. Capital Semente: De modo semelhante aos anteriores, também ocorre quando
a startup precisa de investimento para tirar sua ideia do papel. É organizado por
fundos de Venture Capital de early stage, que têm um capital disponível para
investir geralmente maior que o de Investidores Anjos e também possuem uma
13 Idiotas por não conhecerem sobre startups ou sobre o mercado e por tomarem atitudes prejudiciais a si mesmo, como: pagar um valor muito mais alto que o real; acreditarem nas palavras do empreendedor sem entender se são verdades ou não; investir em um negócio no qual os empreendedores não possuem as capabilidades necessárias para tocar o negócio; etc. 14 Um evento ou indício verificável são aqueles que podem ser percebidos tanto pelos agentes que são partes da transação quanto por terceiros. 15 Os contratos de mútuo conversível caracterizam uma dívida que a startup gera com o investidor anjo que possui a opção de conversão da dívida em participação societária após a decorrência de um certo prazo ou ocorrência de determinados eventos previstos contratualmente. A vantagem do mútuo conversível é a diminuição do risco do investidor, pois uma vez que ele não integra o quadro social da empresa, o investidor tem sua figura física ou jurídica protegida em casos de situações que comprometam os bens pessoais de sócios de empresas limitadas. (Feigelson, Nybo & Fonseca 2018, p. 129-132)
18
estrutura de governança maior para auxiliar no crescimento, assessoria e
mentoria da startup. Pode acontecer como um passo depois do investimento
anjo.
5. Série A: Acontece após as rodadas preliminares de investimento. Na Série A
geralmente são captados recursos para melhorar o produto ou serviço da
startup, remunerar a equipe e criar uma base de clientes. Costumam ser
organizadas por fundos de Venture Capital de late stage.
6. Série B: Essa série costuma acontecer após o Product-Market Fit16 e é focada
na expansão de mercado. Nesse momento, se torna necessário expandir a
equipe e criar processos em áreas como vendas, financeiro, administrativo etc.
Costumam ser organizadas por fundos de Private Equity early stage.
7. Série C, D, E...: Séries com o objetivo de consolidar a startup. O foco passa a
ser dominar o mercado e expandir para outros países. Para isso, é investido na
escala do negócio e na aquisição de concorrentes visando aumento de market
share e aquisição de competências. As séries após a Série C geralmente
acontecem quando a série C não gera captação suficiente para consolidação no
mercado. Costumam ser organizadas por fundos de Private Equity late stage.
8. Oferta Pública Inicial (IPO): É quando o capital da empresa é aberto na bolsa
de valores. Deste momento em diante qualquer pessoa pode comprar ações da
sua empresa e o negócio precisa construir a governança interna necessária para
respeitar as regulações existentes para empresa de capital aberto.
9. Fusões e Aquisições (M&A): É o movimento de unir a operação de duas
empresas – que geralmente são do mesmo setor (Feigelson, Nybo & Fonseca
2018, p. 104). Pode se manifestar, por exemplo, na compra de um concorrente
menor para conquistar market share, ou na venda à uma empresa maior que
enxerga valor nas competências centrais da startup. Pode acontecer ao longo
da evolução das rodadas de a startup atrair uma empresa maior e ser vendida
ou nos estágios finais das rodadas decidir adquirir ou fundir com outra empresa
do mercado (Feigelson, Nybo & Fonseca 2018, p. 86).
Os fundadores ao buscarem investimento externo não devem se preocupar só com o
dinheiro, mas também com quem é que vai fazer o aporte e como essa pessoa ou grupo
de pessoas pode colaborar para o crescimento do negócio. Assim, os fundadores devem
se preocupar com o chamado smart money, que é o dinheiro que vem acompanhado
com competências e conhecimentos que apoiam o desenvolvimento da startup, como
16 O Product-Market Fit é um dos estágios do Modelo de Tração que será explicado no item 2.1.2.2. do presente trabalho.
19
conhecimento do setor, networking, gestão e outros (Feigelson, Nybo & Fonseca 2018,
p. 82).
A equipe da startup é um critério especialmente importante, pois os incentivos de
funcionários, sócios e investidores precisam estar alinhados. Nesse cenário surge o
Vesting e o Cliff. Segundo Feigelson, Nybo & Fonseca (2018 p. 202-209), Vesting
consiste em uma promessa de participação societária para funcionários chave da
startup estabelecida em contrato com um prazo e metas determinados, enquanto o Cliff
é o período probatório necessário para o Vesting começar a valer e o funcionário ter
direito a participação. Caso alguém saia da startup antes do período de Cliff, essa
pessoa não terá direito a nenhuma participação na empresa. Por exemplo, o Vesting
pode ter um período de 2 anos e o Cliff de 1 ano.
Podemos juntar os trabalhos de Lessa (2014), Fiani (2011) e Feigelson, Nybo & Fonseca
(2018) dentro da teoria dos custos de transação para entender o Vesting e o Cliff como
mecanismos de incentivos para criar um arranjo institucional que busca garantir o
alinhamento entre funcionários, sócios e investidores com objetivo do crescimento da
startup.
No que diz respeito às estratégias de saída do negócio, tanto os fundadores quanto os
investidores possuem a preocupação em saber quando e quanto receberão com o
negócio. É comum que em situações de liquidez – como novas rodadas de
investimentos – os investidores de rodadas anteriores vendam parte ou a totalidade de
suas ações a quem está fazendo o novo aporte. Os fundadores e sócios iniciais podem
optar por vender parte de sua participação ao longo das rodadas de investimento e com
isso aumentar a liquidez de seu capital, mas é preciso garantir que os líderes da startup
tenham incentivos suficientes para continuar a tocar a operação de forma dedicada.
Ainda assim, as estratégias de saída que muitos empreendedores e investidores
buscam são o IPO (oferta pública inicial de ações na bolsa de valores) ou a venda da
startup para outra empresa (Azoulay et al, 2018). A venda do negócio é o grande evento
de liquidez no qual todos os sócios conseguem retorno monetário sobre o tempo e
dinheiro investidos na startup e então podem utilizar o dinheiro recebido para fazer o
que julgarem melhor.
20
Idade de fundadores de startups como elemento de sucesso17
Existe um senso comum de que os empreendedores de maior sucesso são jovens.
Alguns grandes casos de sucesso, como Bill Gates, Steve Jobs e Mark Zuckerberg –
que tinham uma idade próxima a 20 anos quando lançaram seus negócios – fazem com
que as pessoas generalizem que ser jovem está atrelado ao sucesso de startups.
Todavia, um estudo realizado em 2018 nos Estados Unidos por Azoulay et al, mostra
que na verdade a maior parte das startups são criadas por quem tem mais de 40 anos.
O estudo mostra ainda as chances de sucesso das startups aumentam conforme a idade
do fundador na época de sua criação pelo menos até pouco antes de 60 anos (Azoulay
et al, 2018). A Figura 6 mostra uma comparação entre todas as startups e as startups
de alto crescimento (1% com maior crescimento) em função da idade de seus
fundadores.
Existem alguns fatores que podem explicar a influência da idade no sucesso da startup,
mas o estudo encontrou que a experiência de trabalho é um fator crítico. Fundadores
com pelo menos três anos de experiência de trabalho no mesmo setor no qual abriram
a startup tem uma chance 85% maior de criar uma startup de sucesso do que
fundadores que não possuem experiência de trabalho relevante no setor da startup
(Azoulay et al, 2018).
Figura 6: Idade dos fundadores de startups e de startups de alto crescimento. Fonte: Azoulay et al, 2018
17 Os sócios atuais da startup analisada no presente trabalho têm menos de 30 anos e não possuem experiência prévia de trabalho no setor de varejo, o que torna esta análise importante.
21
2.1.2. Processo de Emprendedorismo
A partir das contribuições de Steve Blank, primeiro como professor e depois também
como autor na primeira edição do livro The Four Steps to the Epiphany em 2006,
empreendedorismo começou a ser enxergado como um processo sistemático de
validação de hipóteses que buscam mitigar as incertezas intrínsecas a criação de novos
negócios. A definição de processo sistemático utilizada neste trabalho é a dada por Silva
(2019): “um processo é dito sistemático se ajuda a mitigar vieses que podem impedir a
compreensão correta dos fenômenos”.
Desde então, surgiram diversos autores que buscaram criar seus próprios frameworks
sobre como empreender. Esses métodos buscam sistematicamente aumentar as
chances de criar um produto ou serviço de sucesso (Aulet 2013, p. 2). Esses métodos
não garantem que um negócio dará certo, mas ao percorrer os passos prescritos é
possível identificar falhas que certamente levariam o empreendimento a dar errado.
Nesse contexto, o framework utilizado como base nesse trabalho será o de Ash Maurya
(2012 e 2016), tendo em vista que esse foi julgado como o framework mais completo
que poderia ser aplicado dentre os conhecidos pelo autor.18
Maurya (2012, p.3) dividiu a essência de seu livro de 2012 em três passos, que seguem
um processo sistemático que enxerga o aprendizado validado como uma medida de
progresso (Figura 7):
1. Documente o Plano A.
2. Identificar as partes mais arriscadas do seu plano.
3. Sistematicamente teste seu plano.
18 O Processo de Empreendedorismo Sistemático (PES) de Édison Silva (2019) expande o processo de empreendedorismo para um passo além do Modelo de Tração de Ash Maurya, mas não foi possível englobar a contribuição de Silva ao presente trabalho por dois motivos: primeiro, na data de publicação do artigo de Silva, a revisão bibliográfica do processo de empreendedorismo de Ash Maurya já estava pronta; segundo, os dados coletados da startup não seriam suficientes para reconstruir uma análise fiel ao primeiro passo do PES, que é a construção do RED Canvas.
22
Figura 7: Ilustração do teste sistemático do modelo de negócios. Fonte: Maurya 2016, p. 47.
Todavia, em seu livro de 2016, Maurya (2016, p. 6-9) ressaltou alguns perigos em seguir
esses três passos:
• Se afogar em números: Ser capaz de metrificar uma infinidade de elementos e
não conseguir identificar causalidade nos resultados. É possível entender o que
está dando errado, mas não o porquê.
• Experimentos sub-ótimos: Realizar muitos testes simultaneamente, mas não
conseguir engrenar em uma curva de crescimento de resultados positivos.
• A maldição da especialização: Dividir o time em departamentos funcionais,
cada um com suas próprias métricas chave. Cada equipe passa então a focar
somente nos próprios indicadores e a buscar o ótimo local e não global.
• Desalinhamento entre empreendedores e investidores: A maior parte dos
investidores encara resultados de negócios como uma medida de progresso,
enquanto uma startup enxuta considera o aprendizado validado como progresso.
Nesse cenário, Maurya (2016, p. 9-11) afirma que é necessário definir uma única métrica
de progresso que gere confiança simultaneamente a empreendedores e stakeholders
sobre como medir o sucesso do modelo de negócios. Essa métrica é a tração: a taxa
em que um modelo de negócios captura valor monetário dos usuários.
23
Além disso, Maurya (2016, p. 11-12) diz que fazer experimentos não é suficiente e que
podemos novamente nos basear nos cientistas para isso: primeiro eles criam um modelo
e depois usam experimentos para validar ou invalidar o modelo. Assim, ele nos fornece
três modelos: o Lean Canvas, que ajuda a desconstruir um negócio complexo em um
modelo de negócios de uma página; o Modelo de Tração, que centraliza os esforços
da startup em uma única meta – a tração – que informa se o negócio está indo na direção
certa; e a Customer Factory Blueprint, que auxilia a tomar decisões no dia-a-dia da
startup e busca explicar os motivos para o negócio estar dando certo ou errado. Os dois
últimos modelos juntos mostram como medir efetivamente e comunicar os resultados
de um modelo de negócios em execução.
Ademais, também serão apresentados os princípios norteadores e o processo para a
interação com clientes, chamado de Customer Discovery.
2.1.2.1. Lean Canvas
O conceito de modelo de negócios foi popularizado por Alexander Osterwalder (2010)
em seu livro Business Model Generation. Sua criação, o Business Model Canvas, divide
um negócio em 9 áreas distintas. O seu objetivo é mostrar como uma empresa cria valor,
entrega valor e captura valor, gerando lucro de uma forma estruturada.
Ash Maurya (2012) fez modificações no modelo e introduziu o Lean Canvas, uma forma
de startups enxutas estruturarem seu modelo de negócios. O Lean Canvas também é
dividido em 9 partes, sendo elas: Problema, Segmento de Clientes, Proposta Única de
Valor, Solução, Canais, Fontes de Receitas, Estrutura de Custos, Métricas-Chave e
Vantagem Injusta. O Lean Canvas pode ser visualizado na Figura 8. Em seguida, será
feito um maior detalhamento de cada uma de suas partes.
24
Figura 8: Lean Canvas. Fonte: Maurya 2012, p. 5 e 32.
Problema e Segmento de Clientes:
Ash Maurya (2012, p. 27) recomenda que esses dois primeiros itens sejam pensados
de forma conjunta, pois eles definem o resto do canvas.
Primeiro, é preciso listar os três problemas principais que se busca resolver para o
segmento de clientes definido. Em seguida, deve-se listar as alternativas existentes
pelas quais os early adopters da startup resolvem esses problemas hoje.
Depois, é preciso identificar qualquer outro usuário que interage com o cliente. Por fim,
é necessário definir possíveis early adopters.
Proposta Única de Valor:
Esse item deve explicar de forma sucinta porque a startup é diferente e vale a pena
ganhar atenção.
Recomenda-se focar nos early adopters e na história dos benefícios para o cliente. Criar
um conceito de alto nível é mais efetivo para o entendimento e difusão da ideia.
25
Solução:
Antes da validação sobre os problemas do cliente é difícil acertar na solução, por isso é
melhor elaborar a solução para o problema o mais tarde possível. Em vez disso, esboce
a forma mais simples possível de resolver cada problema.
Canais:
Nesta seção devem ser explicitados quais são os canais pelos quais a empresa entrega
valor e vende para seus clientes.
O objetivo inicial de uma startup é aprender e não escalar, mas é igualmente importante
pensar sobre a escalabilidade dos canais desde o início para que seja possível criá-los
e testa-los cedo. Além disso, garantir retenção dos clientes vem antes de conseguir
referências, pois é necessário ter um produto que vale a pena divulgar.
Fontes de Receitas:
Nesse item são explicitadas as fontes de receitas, que determinam a maneira como o
cliente pagará pelos benefícios recebidos. Deve-se buscar identificar o lifetime value
(LTV) do cliente, para se entender o quanto ele gerará de receita ao longo do tempo.
É importante lembrar que o preço é parte do produto e ser pago pelo MVP é a primeira
forma de validação vinda do cliente. Além disso, o preço também define o segmento de
clientes (Maurya 2012, p. 36-38).
Estrutura de Custos:
Deve-se listar os custos operacionais envolvidos para colocar o produto no mercado.
Depois, deve-se usar os dados coletados sobre os custos e receitas para calcular o
ponto de break-even e então estimar quanto tempo, dinheiro e esforço será necessário
para chegar a esse ponto (Maurya 2012, p. 38).
Deve-se determinar o custo de aquisição do cliente (CAC) por meio do gasto total
utilizado para atrair clientes dividido pelo número de clientes obtidos e compará-lo ao
LTV para garantir a sustentabilidade do negócio (Aulet 2013, p. 205).
26
Métricas-Chave:
Todo negócio possuí números que podem ser usados para medir o quão bem ele está
performando. É importante identificar as lead metrics, que são os indicadores que
indicam em tempo real o que está acontecendo no negócio, em contraste com as lag
metrics, que só retratam o desempenho com um tempo de atraso (Croll & Yoskovitz
2013, p. 18-19). Por exemplo, a quantidade de dinheiro alocado por mês para
publicidade online (que pode ser controlada por dia) é uma lead metric, enquanto a
quantidade de clientes adquiridos por mês (que só é obtida no final do mês) é uma lag
metric.
Vantagem Injusta:
Essa é geralmente a seção mais difícil de completar. Ao mesmo tempo, ela é importante
para garantir que a startup possui uma vantagem que não possa ser facilmente copiada
ou comprada por concorrentes. De início, pode ser preciso deixar esse item em branco
(Maurya 2012, p. 42-43). Alguns exemplos de vantagem injusta são: o efeito de rede em
se trocar de uma plataforma como o facebook; patente que impeça concorrentes de
imitarem o produto; e capabilidades da startup que são difíceis de serem obtidas por
concorrentes.
Segundo Maurya (2016, p. 23-24), um modelo de negócios é uma história sobre como
uma organização cria, entrega e captura valor (Figura 9). O valor é criado por meio da
Proposta Única de Valor, que é a interseção entre os problemas dos clientes e a
solução. O custo de entregar esse valor é descrito na sua Estrutura de Custos. Parte
desse valor é então capturado de volta por meio das Fontes de Receitas.
27
Figura 9: A história sobre como o modelo de negócios cria, entrega e captura valor. Fonte: Maurya 2016,
p. 24.
Para esse modelo funcionar, o valor criado precisa ser maior que o valor capturado,
porque se os consumidores não ganharem mais valor do que eles pagam, eles não terão
incentivo suficiente para usar o produto da startup. Além disso, é preciso capturar um
valor que seja pelo menos igual ao custo de entregá-lo, pois caso contrário o modelo de
negócios não é sustentável. É preciso primeiro criar valor para depois monetizar
(Maurya 2016 p. 25-26).
Maurya (2016, p. 49-72) introduziu um teste de modelo de negócios que permite calcular
o TAM por meio de uma abordagem bottom-up e analisar se o tamanho da oportunidade
vale a pena o esforço em desenvolver a startup. Ele dividiu esse teste em 3 passos:
1. Determinar critérios mínimos de sucesso: Os critérios mínimos de sucesso
são os menores resultados que fariam o projeto ser um sucesso daqui X anos.
Algumas diretrizes para a criação são: 1 – manter o horizonte de tempo abaixo
de três anos; 2 – enquadrar o resultado em termos de uma meta de receita ou
de ganho; 3 – Lembrar que a meta é um ponto de referência com uma ordem de
magnitude.
2. Transformar critérios mínimos de sucesso em ganho de consumidores:
Para fazer essa conversão, é preciso ter um modelo de precificação, pois ao
saber quanto cada cliente te pagará por mês é possível identificar quantos
consumidores serão necessários para atingir a meta. Para tal, é preciso estimar
o LTV e o Churn (a taxa em que os consumidores deixam a base de clientes).
28
3. Testar e refinar o modelo de negócios contra os critérios mínimos de
sucesso: é muito mais tangível analisar um modelo de negócios pelo número
de clientes novos que é necessário criar do que pela receita. Aqui é preciso
responder duas perguntas de avaliação: O segmento de consumidores é grande
o suficiente? Algum canal que seja escalável para construir um caminho
confiável a consumidores já foi identificado? Caso a resposta seja não para a
primeira pergunta, é possível: 1 – Diminuir a meta de receita anual; 2 – Aumentar
o LTV dos consumidores, que pode ser feito de duas formas, primeiro
aumentando o tempo que o cliente fica na base e, segundo, aumentando os
preços.
2.1.2.2. Modelo de Tração
Ash Maurya se inspirou nos conceitos de teoria das restrições introduzidos no livro A
Meta de Goldratt & Cox (1984) para organizar seu modelo de tração. Para Maurya a
tração é simultaneamente a meta (Maurya 2016, p. 21) e o ganho (Maurya 2016, p. 29-
30) de uma startup. A tração é a taxa em que um modelo de negócios captura valor de
seus usuários (Maurya 2016, p. 26).
No caso de negócios de venda direta (como o exemplo deste trabalho) a tração é a
taxa em que você converte usuários não pagantes em usuários pagantes (Maurya
2016, p. 32). Por exemplo, uma cafeteria atrai visitantes para a frente da loja pela sua
aparência e pela promessa de bebidas gostosas. Quando um visitante (usuário não
pagante) compra uma bebida, ele se torna um consumidor (usuário pagante).
Nesse cenário Ash Maurya (2012 e 2016) fornece um modelo de dividir a meta (tração)
em marcos menores que consiste em um plano de três estágios no qual cada estágio é
guiado por uma meta específica e uma estratégia para alcança-la (Figura 10):
Figura 10: Os três estágios do modelo de tração. Fonte: Maurya 2016, p. 73.
29
Estágio 1: Problem/Solution Fit
A meta específica desse estágio é testar se a ideia representa um problema significante
o suficiente que vale a pena resolver (Maurya 2016, p. 74).
Não se deve começar a construir a solução de um negócio sem antes entender e testar
as suposições19 nas quais o negócio está baseado, pois enquanto ideias são baratas,
agir em cima delas é caro.
Essa fase está dividida em dois momentos: entender o problema e validar a solução.
Isso pode ser feito por meio de rodadas de interação com os clientes chamadas de
Customer Discovery20, nas quais os mesmos são entrevistados visando validar as
hipóteses mais críticas do modelo de negócios.
Desse modo, é preciso priorizar onde começar por meio dos riscos existentes. Os três
tipos de riscos são: Risco de Produto – acertar o produto; Risco de Consumidores –
criar um caminho para consumidores; e Risco de Mercado – criar um negócio viável
(Maurya 2012, p. 50). A Figura 11 ilustra onde cada um desses tipos de riscos se
localizam no Lean Canvas.
Figura 11: Os três tipos de riscos localizados no Lean Canvas. Fonte: Maurya 2012, p.50.
19 O item 2.1.2.4. possui uma aplicação mais detalhada sobre o uso do termo “suposições”. 20 O processo de Customer Discovery será explicado de forma mais detalhada no item 2.1.2.4.
30
No entendimento sobre o problema, é preciso tomar cuidado para não apresentar a
solução precocemente, pois isso cria um viés no entrevistado que irá afetar o resultado
da entrevista.
Para validar a solução, deve-se usar uma representação da solução, que Maurya (2016,
p. 74) chamou de “oferta” e apresenta-las aos consumidores em entrevistas de
Customer Discovery.
A oferta (Figura 12) é composta de três elementos: a proposta única de valor, uma
demonstração e um modelo de precificação (Maurya 2016, p. 74-75):
1. Proposta única de valor: representa uma história de benefício que chama a
atenção dos clientes.
2. Demonstração: é um script narrativo que ajuda os prospects a visualizar a
proposta única de valor. Ela deve levar os possíveis consumidores da realidade
atual deles até a visão de futuro com o problema deles resolvido. Não é somente
uma combinação de imagens e protótipos.
3. Modelo de precificação: deve-se incluir um apelo à ação. Dependendo do quão
pronta está a solução, isso pode ser uma troca de valor monetária ou uma forma
de compromisso.
Figura 12: O conceito de oferta de Maurya. Fonte: Maurya 2016, p. 74.
31
Estágio 2: Product/Market Fit
A meta específica desse estágio é demonstrar o modelo de negócios rodando em uma
escala pequena (Maurya 2016, p. 76).
Deve-se demonstrar a capacidade de, simultaneamente, criar valor para os clientes (por
meio da solução) e capturar parte deste valor (por meio das fontes de receitas). O insight
chave para isso é que não é preciso de muitos usuários, somente alguns bons
consumidores (Maurya 2016, p. 76).
Dessa forma, nesse estágio é preciso validar qualitativamente a operação do modelo de
negócios. A tração sempre será a métrica-chave que guia a análise da startup, mas ao
mesmo tempo a Customer Factory Blueprint começa a se tornar essencial para a
visualização do ciclo de vida dos consumidores e da operação do modelo de negócios
guiada pelas métricas pirata21: Aquisição, Ativação, Retenção, Receita e Referência
(Maurya 2016, p. 105-106).
As entrevistas de Customer Discovery continuam acontecendo nessa fase para ajudar
a identificar a causalidade das ações tomadas pelo time e os resultados obtidos na
tração.
Outra técnica interessante para ajudar a identificar a causalidade é a Análise Cohort,
que visa identificar os efeitos a longo prazo das ações tomadas em um determinado
momento no tempo. Pode-se, por exemplo, dividir a entrada de novos clientes
semanalmente e em cada semana dividir os clientes em dois ou mais grupos para
realização de testes A|B, nos quais cada grupo recebe um elemento diferente que
permita comparar os resultados obtidos e com isso iterar o caminho da startup para o
que dá mais resultados de tração (Maurya 2012, p. 124-126; Maurya 2016, p. 131-137).
Estágio 3: Escala
Nesse estágio a estratégia muda de ajuste do produto para crescimento do negócio. A
meta específica dessa fase é identificar as engrenagens de crescimento que permitam
realizar o potencial completo do negócio (Maurya 2016, p. 76).
Uma ressalva é que é preciso garantir que o negócio seja repetível antes de engrenar
em um rápido crescimento do mesmo, pois acelerar um plano que ainda não é repetível
só ajuda a ficar perdido mais rápido (Maurya 2016, p.81).
21 O nome é métricas piratas pois sua sigla (AARRR) é o som que um pirata faz em inglês.
32
Para um negócio ser repetível, é preciso possuir processos definidos para aquisição de
clientes e para a operação do negócio que funcionem no momento da escala – quando
é necessário gerar um número bem maior de clientes e entregar a solução para eles
com qualidade (Maurya 2016, p. 96-99). A Customer Factory Blueprint é uma ferramenta
que ajuda a pensar e ajustar esses processos ao mesmo tempo em que fornece
insumos para definir as engrenagens de crescimento do negócio.
O crescimento do número de clientes de uma startup é o resultado de uma série de
passos menores que causam inflexões na taxa de tração – conforme observado na
Figura 13 – e aceleram a velocidade dos resultados do negócio. Esses passos podem
ser resultados de estratégia, táticas e hacks de crescimento (Maurya 2016, p. 79-80).
Figura 13: O crescimento acontece como uma série de passos. Fonte: Maurya 2016, p. 80.
Modelando a Tração
O modelo de tração se propõe a ser um modo de ilustrar o crescimento do negócio no
tempo seguindo os três estágios expostos anteriormente.
A essência é que o crescimento de uma startup não é linear e que em cada fase existe
uma determinada velocidade (Maurya 2016, p. 85-86). Maurya (2016, p. 93-99) propõe
usar a estratégia de 10x no modelo, pois: dessa forma há uma única meta da ideação à
escala; a ideação nos estágios iniciais fica mensurável; o modelo 10x é extremamente
simples; o modelo é progressivo de acordo com o estágio; o 10x expõe as partes mais
arriscadas do modelo de negócios; ter um roadmap fornece uma direção; e o modelo
10x necessita de um pensamento não linear para crescimento.
33
O modelo prevê que o Problem/Solution Fit acontece em por volta de 3 meses, o
Product/Market Fit aproximadamente em 2 anos do negócio rodando e a escala inicia
em torno do 3 ano de início do negócio. O modelo está representado na Figura 14.
Figura 14: Os estágios do modelo de tração ao longo do tempo. Fonte: Maurya 2016, p. 88.
2.1.2.3. Customer Factory Blueprint
Um modelo de tração é útil quando se está analisando o progresso do modelo de
negócios por meio de gráficos, mas não é tão útil para tomar decisões no dia-a-dia. Em
outras palavras, a tração pode dizer se a startup está caminhando na direção certa, mas
não pode dizer porquê. Por isso, deve-se dividir a tração em métricas adicionais (Maurya
2016, p. 105).
Todavia deve-se tomar cuidado para não se “afundar em dados” (ter muitos dados que
não explicam o que está acontecendo ou porquê). Uma tendência comum de negócios
hoje em dia é coletar e analisar o máximo de dados possível, tendo em vista que, em
um mundo cada vez mais digital, praticamente tudo é mensurável (Maurya 2016, p. 105).
A Customer Factory Blueprint (Figura 15) usa como base o funil de métricas criado por
Dave McClure, fundador da aceleradora 500 Startups – também chamado de métricas
piratas – mas muda sua forma de apresentação (Maurya 2016, p. 106-110). São elas:
34
1. Aquisição: O primeiro passo é criar um caminho (ou canal) para os
consumidores. Essa etapa consiste em tornar visitantes que não conhecem o
negócio em prospects. Essa é a função da oferta, que é composta por três itens:
uma proposta única de valor (ou promessa), uma demonstração e um modelo
de precificação (ou apelo à ação).
2. Ativação: Uma vez que os visitantes estejam dentro da fábrica (Figura 14), o
próximo desafio é conectar a promessa com a primeira experiência de uso. Isso
é medido como a ativação. A meta é garantir que a promessa e o momento da
primeira criação de valor aconteçam o mais rápido possível.
3. Retenção: O tempo que as pessoas passam dentro da fábrica é medido como
a retenção. Quanto mais tempo elas passam dentro, mais valor em potencial é
criado para elas e com isso maior é o valor possível de ser capturado pelo
modelo de negócios.
4. Receita: É a mensuração de todo o valor monetário que a startup captura de
volta de seus usuários. Em um modelo de negócios direto, isso é medido em
termos de dinheiro (receita).
5. Referência: Na medida em as necessidades dos usuários são satisfeitas, alguns
deles irão compartilhar suas experiências positivas com outros. Isso é medido
como referência e traz mais visitantes para a fábrica. Para conseguir referências
positivas, é preciso criar valor para os consumidores antes.
Figura 15: Customer Factory Blueprint. Fonte: Maurya 2016, p. 107.
35
As métricas da Custormer Factory Blueprint são macrométricas que buscam capturar as
partes mais significantes do ciclo de vida dos consumidores. Cada uma das cinco podem
ser divididas em micrométricas. Usar poucos números é importante para focar nas
partes principais do modelo de negócios e a fábrica expõe as métricas essenciais para
essa análise (Maurya 2016, p. 113).
Ao mesmo tempo, a Customer Factory Blueprint simplifica conceitos complexos. Ela
pode ser dividida em duas áreas principais representadas na Figura 16 (Maurya 2016,
p. 115):
• A etapa de criação de valor: o que possui pessoas com as mãos para o alto.
Também é área com mais setas saindo dela.
• A fábrica de consumidores: a área que possui o maior número de linhas
apontado pra ela.
Figura 16: As áreas principais da Customer Factory Blueprint. Fonte: Maurya 2016, p. 115.
Loop de felicidade do consumidor
A etapa de criação de valor representa a etapa causal no modelo (Maurya 2016, p. 116).
Criar felicidade e entregar resultados para os consumidores faz com que eles:
• Passem mais tempo consumindo o produto (retenção);
• Criem mais valor monetário (receita)
• Compartilhem os efeitos positivos do produto (referência).
36
De modo similar, criar infelicidade (ou dores de cabeça) para os consumidores faz com
que eles:
• Deixem de consumir o produto (retenção);
• Peçam reembolso do que gastaram (receita);
• Deem depoimentos negativos sobre o produto (referência).
Engrenagens de Crescimento
A fábrica de consumidores é a parte que possui mais setas apontando em sua direção,
que representa o número de pessoas entrando na fábrica. Cada uma dessas setas
representa um tipo de engrenagem de crescimento para aumentar o ganho de
consumidores, conforme pode ser observado na Figura 17 (Maurya 2016, p. 117-122):
1. Engrenagem de crescimento paga: Essa engrenagem utiliza o gatilho de
aquisição para levar mais visitantes à fábrica. Pode ser necessário contratar
mais vendedores ou pagar por anúncios. Essa engrenagem é sustentável
quando valor capturado dos consumidores (LTV) é maior que o custo de criar os
consumidores (CAC). Recomenda-se um LTV que seja pelo menos 3x o valor
do CAC para essa engrenagem funcionar.
2. Engrenagem de crescimento pegajosa: Essa engrenagem utiliza o gatilho de
retenção para manter os consumidores por mais tempo dentro da fábrica.
Quanto mais tempo permanecerem dentro, maior é o valor potencial que se pode
entregar a eles – o que deve ser transformado em mais valor capturado. Pode
ser feita de modo orgânico, por meio dos efeitos de uma proposta de valor
convincente, ou de modo forçado, por meio de contratos que travam o
consumidor. Nesse caso, a taxa de crescimento de clientes deve ser maior que
o número de pessoas que deixam a base de clientes (churn) para a engrenagem
funcionar.
3. Engrenagem de crescimento viral: Essa engrenagem utiliza o gatilho de
referência. A meta é que os clientes satisfeitos compartilhem os efeitos positivos
do negócio e tragam novos visitantes para a fábrica que então se tornam
consumidores. Algumas formas são boca-a-boca e mecanismos de incentivo
direcionados por campanha. Para a engrenagem funcionar, é preciso que a taxa
de referência seja maior que zero, ou seja, que cada consumidor gere, em
média, mais do que um novo cliente.
37
Figura 17: As engrenagens de crescimento. Fonte: Maurya 2016, p. 118.
Por fim, após começar a utilização da Customer Factory Blueprint é preciso identificar
em qual parte do modelo focar a cada momento. A ideia é focar na etapa do processo
que dará o maior retorno sobre investimento de tempo e dinheiro investido. Isso consiste
em encontrar a restrição do sistema. Após trabalhar uma restrição, o que geralmente
acontece é que surge uma nova restrição em um local que não havia sido previsto antes.
Assim, o crescimento da startup consiste em sempre trabalhar em cima da restrição
daquele momento (Maurya 2016, p. 122).
2.1.2.4. Customer Discovery
A origem do termo “Customer Discovery” remete ao primeiro passo do framework de
empreendedorismo de Steve Blank, presente em seus livros “The Four Steps to the
Epiphany” e “Startup Owner’s Manual” (Blank 2013; Blank & Dorf 2012). Esse termo se
difundiu com a aplicação do curso Lean Launchpad de Steve Blank pelos Estados
Unidos e pelo mundo e também pelo seu uso dentre outros autores. Diversos autores
abordaram a questão de interação com clientes como fundamentais no processo de
criação de startups, mas com variações no conteúdo nos termos e nas definições
usados de autor para autor. Neste trabalho a definição usada de Customer Discovery é:
o processo contínuo de descoberta das características, dos anseios e do
comportamento de (potenciais) consumidores.
38
O Customer Discovery pode ser entendido como um processo sistemático de validação
de hipóteses que possui duas partes: uma qualitativa, que envolve conversar
diretamente com os consumidores (e outros membros da DMU) e parceiros, e observar
comportamento deles; e uma quantitativa, que envolve realizar experimentos nos quais
deve-se projetar uma situação de experimento com consumidores e mede o que
acontece (Constable 2014, p. 15-16). O Customer Discovery nesse trabalho irá focar na
parte qualitativa e será organizado como um processo de cinco etapas de modo a
facilitar seu entendimento e implementação. Os passos estão ilustrados na Figura 18.
Figura 18: As etapas do processo de Customer Discovery. Fonte: Elaboração própria.
Etapa 1: Elaborar Hipóteses
Toda startup é baseada em algumas suposições relacionadas ao modelo de negócios
e aos consumidores que podem ou não serem verdades. Eric Ries (2011) usou o termo
“salto de fé” para ilustrar a fragilidade que essas suposições podem causar nas startups.
Algumas dessas suposições podem ser corretamente chamadas de fatos, mas a maioria
delas serão palpites informados22 (Constable, 2018, p. 30). A primeira etapa do processo
de Customer Discovery consiste em listar essas suposições e escrevê-las na forma de
hipóteses refutáveis.
Para listar essas suposições e identificar quais são as mais críticas, é preciso analisar
o modelo de negócios, o segmento de mercado e a situação da startup como um todo,
por isso é útil se basear em frameworks como o Lean Canvas, o Modelo de Tração e a
Customer Factory Blueprint (Constable 2014, p. 12; Aulet 2013, p. 219-223). A Figura
11, que identifica as áreas do Lean Canvas de acordo com os três tipos de risco – risco
de produto, risco de consumidor e risco de mercado – é especialmente útil nesse
momento. Constable (2014, p. 37) sugere algumas perguntas para a listagem de
suposições e identificação das mais críticas:
22 Tradução do autor do presente trabalho para “educated guess”.
39
• Meu consumidor alvo será?
• O problema que meu consumidor quer resolver é?
• A necessidade do meu consumidor pode ser resolvida com?
• Porque meu consumidor não consegue resolver isso hoje?
• O resultado mensurável que meu consumidor quer alcançar é?
• Minha tática primária de aquisição de consumidores será?
• Meu early adopter será?23
• Eu conseguirei dinheiro (receita) fazendo?
• Meu competidor primário será?
• Eu derrotarei meus consumidores primariamente por causa de?
• Meu maior risco de viabilidade financeira é?
• Meu maior risco técnico ou de engenharia é?
• Quais suposições nós temos, que se forem provadas erradas, levariam esse
negócio a falhar? (incluindo o tamanho do mercado)
É importante notar que nem toda hipótese pode ser testada de modo efetivo durante as
entrevistas ou observações qualitativas do Customer Discovery (Constable 2014, p. 38)
e que as suposições críticas mudam de caráter ao longo do amadurecimento da startup.
Além disso, é recomendável conversar com alguns especialistas da indústria da startup
para se tornar mais informado sobre consumidores, sobre o processo de tomada de
decisão e sobre o que já deu certo e errado no passado (Constable, 2018, p. 72).
Etapa 2: Elaborar Roteiro de Entrevistas
Com a lista de hipóteses em ordem de criticidade em mãos, a etapa seguinte do
processo de Customer Discovery consiste em elaborar um roteiro de entrevistas com
perguntas que permitam refutar ou reforçar as hipóteses listadas. Fitzpatrick (2013, p.
17) reúne três princípios para a elaboração do roteiro e condução das entrevistas do
Customer Discovery:
1. Fale sobre a vida dos entrevistados em vez de sua ideia;
2. Pergunte sobre fatos específicos sobre o passado em vez de coisas genéricas
ou opiniões sobre o futuro;
3. Fale menos e escute mais.
23 A pirâmide de dores apresentada no item 2.1.1. do presente trabalho “Conceitos Essenciais” auxilia na identificação do early adopter.
40
O primeiro e o terceiro princípios abordam a questão de o Customer Discovery ser um
processo centrado no aprendizado e não em pitching cego. É preciso entender os
problemas do consumidor antes de propor uma solução (Maurya 2012, p. 73; Fitzpatrick
2013, p. 82-84; Constable 2014, p. 56). O segundo princípio é relacionado ao fato de
que as pessoas são espetacularmente ruins ao prever seu comportamento futuro e que
é bastante comum as pessoas mentirem em entrevistas – seja por não querer ferir os
sentimentos de quem tem a ideia, seja por não saberem ou não se importarem o
suficiente (Maurya 2012, p. 73-74; Fitzpatrick 2013, p. 11-26; Constable 2014, p. 38-39).
Como o objetivo é falar menos e escutar mais, é importante que se saiba usar os quatro
tipos de perguntas (Constable 2014, p. 39-40 e 56-57; Eades 2004, p. 106-107):
• Perguntas abertas: Essas convidam o consumidor a falar livremente e responder
baseado em sua experiência, conhecimento e pontos de preocupação (Eades
2004, p. 106). Assim, é recomendado fazer perguntas que comecem com
“quem”, “o que”, “qual”, “por que” e “como” (Constable 2014, p. 39).
• Perguntas fechadas: São perguntas que tendem a ser respondidas somente com
“sim” ou “não” e por isso, o entrevistador costuma falar mais (Constable 2014, p.
39-40; Eades 2004, p. 106-107).
• Perguntas de controle: São praticamente o mesmo que perguntas fechadas, mas
tendem a provocar respostas mais completas. Perguntas de controle guiam o
entrevistado na direção que o entrevistador quer por meio de perguntas
específicas em áreas específicas, como “Isso acontece porque... ? Se sim,
quanto custa e quão frequente é?” (Contable 2014, p. 40; Eades 2004, p. 106-
107).
• Perguntas de confirmação: Essas perguntas garantem que o entrevistado e o
entrevistador estão em sintonia, de modo que não haja um mal-entendido.
Perguntas de confirmação resumem o entendimento do entrevistador, como
“Pelo que ouvi, você disse... Eu entendi isso de forma correta?” (Constable 2014,
p. 56-57; Eades 2004, p. 107).
Fitzpatrick (2013, p. 18-25) apresenta uma lista de perguntas e as classifica entre boas
e ruins de acordo com esses três princípios:
• Perguntas ruins:
o Você acha que é uma boa ideia?
o Você compraria um produto que fizesse X?
o Quanto você pagaria por X?
o O que seu produto do sonho faria?
41
o Você pagaria X por um produto que fizesse Y?
• Perguntas boas:
o Por que você se importa (com essa questão)?
o Quais são as implicações disso?
o Conte-me a história sobre a última vez que isso aconteceu.
o Me fale sobre seu fluxo de trabalho.
o O que mais você tentou?
o Como você está lidando com isso agora?
o Qual departamento possui verba para lidar com essa questão?
(Corporate)
o Com quem mais eu deveria falar? (Corporate)
o Há mais alguma coisa que eu deveria ter perguntado?
Constable (2014, p. 40) sugere perguntas para testar o preço do produto ou serviço:
• Quanto você está gastando hoje para resolver esse problema?
• Qual verba você possui alocada para isso e quem controla ela?
Fitzpatrick (2013, p. 95-99) ainda sugere cinco elementos para incluir em um roteiro de
abordagem inicial de consumidores com objetivo de conseguir uma reunião que busca
alinhar expectativas acerca do que será abordado na reunião:
1. Visão: Mostrar que o empreendedor está tentando resolver “o horrível problema
X”, possui “a maravilhosa visão Y” e quer solucionar o problema “na indústria
estagnante Z” (sem mencionar a proposta única de valor da startup).
2. Alinhamento de expectativas: Alinhar as expectativas mencionando o estágio em
que a startup está e que não haverá um pitch de vendas.
3. Fraqueza: Demonstrar fraqueza e pedir ajuda mencionando o problema
específico que a startup procura respostas. Isso também deixará claro que o
entrevistado não irá somente perder tempo.
4. Pedestal: Colocar a pessoa em um pedestal ao mostrar o quanto ela, em
particular, pode ajudar a startup.
5. Peça: Pedir explicitamente por ajuda.
Na questão da abordagem de consumidores, Constable (2014, p. 48-49) sugere que o
empreendedor diga que é estudante ou pesquisador, pois ainda que as pessoas estejam
dispostas a dar parte de seu tempo para pessoas educadas, há uma vantagem adicional
em se apresentar como estudante ou pesquisador. Um incentivo extra pode ser oferecer
de compartilhar os resultados da pesquisa com os entrevistados. É importante, também,
42
ser sincero quanto ao tempo que a entrevista irá levar e planejar o roteiro para encaixar
dentro deste tempo (Maurya 2012, p. 75).
Etapa 3: Encontrar DMUs em potencial
Com o roteiro pronto, a próxima etapa consiste em observar os consumidores (e quem
mais se enquadre na Decision Making Unit) e realizar entrevistas com eles. Antes de
observa-los e entrevista-los, no entanto, é preciso encontra-los. A etapa anterior
forneceu uma sugestão de elementos de um roteiro para a abordagem de potenciais
consumidores que poderá ser colocado em prática nesta etapa. Serão apresentadas
cinco estratégias para encontrar consumidores:
1. Abordagem de contatos de primeiro grau para entrevistar ou pedir referências
2. Cold Calling
3. Criatividade
4. Conferências e meetups
5. Landing pages
Para dar início ao processo de encontrar pessoas para entrevistar, Constable (2014, p.
45) diz que é melhor não conversar com contados de primeiro grau – pai, mãe, tios,
melhores amigos etc – para evitar viés de quem pode mentir para não te magoar,
enquanto Maurya (2012, p. 76) recomenda começar pelos contatos de primeiro grau
que se encaixam no perfil de consumidor, mesmo que exista o risco de viés, porque
“conversar com alguém é melhor que conversar com ninguém”. Ao seguir os três
princípios de Fitzpatrick (2013, p. 17) é possível mitigar esse tipo de viés, então não há
problema em abordar contatos de primeiro grau para iniciar o processo de entrevistas.
Maurya (2012, p. 76-77) sugere como próximo passo pedir que os contatos de primeiro
grau que apresentem a pessoas que se enquadrem no perfil de consumidor da startup.
Constable (2014, p. 46-47) concorda com a ideia de pedir referências aos contatos de
primeiro grau e afirma que o empreendedor deve buscar referências sempre que puder.
Constable (2014, p. 46) sugere que o empreendedor deve sair de toda entrevista com
pelo menos 2 ou 3 novos contatos para entrevista.
O Cold Calling geralmente se torna necessário quando a abordagem de contatos de
primeiro grau e pedidos de referência não dão mais resultados. O Cold Calling pode ser
realizado pelo método tradicional de ligação, por meio de e-mails e por meio do Linkedin
(Maurya 2012, p.78). O Linkedin em especial, é uma ótima forma de conseguir reuniões
ao utilizar um roteiro com os cinco elementos (Fitzpatrick 2013, p. 95-99) apresentados
43
na etapa anterior. O Cold Calling tem retornos percentuais baixos, sendo comum ser
ignorado ou receber um “não” de 98 pessoas a cada 100, mas isso também significa
que se conseguiu 2 contatos enquanto antes não havia nenhum (Fitzpatrick 2013, p.
86).
A situação de cada startup é bem específica e por isso será inevitável usar a criatividade
para encontrar consumidores, mas um princípio que se deve ter em mente é que “para
pescar é preciso ir onde o peixe está” (Constable 2014, p. 45). Fitzpatrick (2013, p. 86-
87) sugere a abordagem de pessoas em ambientes descontraídos como festas ou
eventos dentro de uma conversa normal, fazendo as perguntas do roteiro de entrevistas
sem mencionar que as pessoas estão de fato sendo entrevistadas. Arranjar uma boa
desculpa para iniciar a conversa, de modo que a outra pessoa tenha interesse em
conversar com o entrevistador é outra abordagem apresentada por Fitzpatrick (2013, p.
87). Maurya (2012, p. 77) sugere usar a estratégia do habitante local para criar empatia,
pois as pessoas geralmente estão dispostas a conversar caso se identifiquem com o
entrevistador. Constable (2014, p. 45-46) sugere encontrar o momento da dor do
consumidor, pois nesse momento é mais fácil de encontrar os consumidores e é
possível conseguir observar o que acontece.
Conferências e meetups são locais que reúnem pessoas com interesses semelhantes
nos quais é possível encontrar potenciais consumidores em grande quantidade.
Constable (2014, p. 46-47) acredita que é preciso somente respeitar o tempo das
pessoas durante o evento e pegar cartões de negócio para contatá-las em outro
momento. Meetups24 geralmente são de graça ou custam pouco, mas ingressos de
conferências podem ser bem caros. Fitzpatrick (2013, p. 89-90) sugere que o
empreendedor organize as próprias meetups e beneficie-se de ser o centro das
atenções do evento, sobretudo se o empreendedor estiver em uma cidade nova na qual
não conhece muita gente.
Criar uma landing page hoje em dia é bem simples, pois existem diversos templates
prontos na internet não necessitam de conhecimento em programação. Uma landing
page consiste em um site com um teaser sobre a startup e o problema que ela resolve
e um formulário que capta o e-mail das pessoas interessadas por meio de um call to
action (Maurya 2012, p. 77; Fitzpatrick 2013, p. 88-89; Constable 2014, p. 50). Conseguir
tráfego no site não é um processo trivial, mas se houver verba, podem ser feitos
anúncios pagos no Google ou Facebook para trazer tráfego ao site (Constable 2014, p.
50-51). Em uma landing page é possível rastrear o funil de conversão dos usuários
24 O site www.meetup.com é uma plataforma para esses eventos.
44
(Constable 2014, p. 50), mas no início do negócio deve-se permanecer cético ao valor
quantitativo dessas métricas (Fitzpatrick 2013, p.89). Ainda assim, as landing pages
são uma boa forma de captar e-mails qualificados de consumidores em potencial para
conversar (Fitzpatrick 2013, p.89).
Enquanto se está buscando consumidores que se enquadrem no perfil desejado, é
preciso também procurar por quem mais participa do processo de tomada de decisão
para entrevista-los, pois todos os perfis da DMU impactam no processo de venda.
Etapa 4: Observar e Realizar Entrevistas
Após encontrar potenciais consumidores (e quem mais se enquadre na DMU), a etapa
seguinte consiste em observar e realizar entrevistas para entender melhor o
consumidor. Constable (2014, p. 15-16) recomenda três abordagens diferentes para
entender melhor os consumidores:
1. Percorrer a jornada do consumidor para ganhar empatia e entendimento
pessoal;
2. Observar o consumidor para entender como são as ações dele na prática;
3. Entrevistar consumidores para tentar entender o que está dentro da cabeça dele.
As três abordagens possuem suas imperfeições, mas juntas elas se complementam e
ajudam a identificação de padrões Constable (2014, p. 16). As duas primeiras
abordagens são autoexplicativas, então a quarta etapa irá focar na entrevista com
potenciais consumidores. Ao iniciar esta etapa do processo de Customer Discovery, já
todas as hipóteses já foram elaboradas, o roteiro está pronto e os consumidores em
potencial foram encontrados. Agora, serão abordardadas dez heurísticas para a
condução das entrevistas:
1. Saiba o que quer aprender com cada entrevista
2. Não leia o roteiro como um robô
3. Fale menos e escute mais
4. Prefira entrevistas pessoalmente
5. Fale com uma pessoa de cada vez
6. Leve um tomador de notas
7. Documente os resultados logo após a entrevista
8. Faça eles contarem uma história
9. Aprofunde o entendimento usando perguntas de controle
10. Use perguntas de confirmação para garantir que entendeu corretamente
45
Para conseguir aproveitar uma entrevista da melhor forma possível é preciso ter em
mente o objetivo de aprendizado antes de inicia-la. Fitzpatrick (2013 p. 62) recomenda
que a elaboração de um planejamento prévio com uma lista das três coisas mais
importantes que se quer aprender com cada tipo de pessoa (e.g. consumidores,
investidores, especialistas da indústria etc). A melhor forma desse planejamento prévio
é a elaboração de um roteiro com perguntas baseadas em hipóteses refutáveis que
centralizam a conversa em objetivos de aprendizados específicos (Maurya 2012, p. 74;
Fitzpatrick 2013, p. 62).
Com um roteiro em mãos a conversa possui um guia, mas o roteiro não deve ser seguido
ao pé da letra como se fosse um script (para não parecer um robô lendo textos). A
pessoa que está sendo entrevistada deve sentir que o entrevistador está realmente
ouvindo a ela (Constable 2014, p. 54). Fitzpatrick (2013, p. 66) recomenda deixar a
conversa ser algo casual – tirando a formalidade de ser uma “entrevista” do processo –
usando uma boa desculpa para iniciar conversas com pessoas em locais como
conferências e meetups.
Deve-se ter em mente que o objetivo do Customer Discovery é aprender sobre os
consumidores e não sobre apresentar a ideia da startup para o maior número de
pessoas e não é possível aprender se o entrevistador não ficar calado e escutar o
entrevistado (Maurya 2012, p. 73; Fitzpatrick 2013, p. 45; Constable 2014, p. 56).
Algumas vezes pode ser tentador corrigir o entendimento dos consumidores sobre o
produto e fazer um pitch sobre a ideia, mas o objetivo nesse momento não é realizar
uma venda e sim aprender (Maurya 2012, p. 73; Fitzpatrick 2013, p. 45).
A qualidade do aprendizado pode variar dependendo do método de comunicação. As
entrevistas presenciais são a melhor forma de interação com consumidores em função
da possibilidade de observar a linguagem corporal e de criar um senso de proximidade
de forma mais fácil (Maurya 2012, p. 74; Constable 2014, p. 53). A segunda melhor
abordagem é a de vídeo conferências por tornar possível observar expressões faciais.
Ligações devem ser a última opção caso as anteriores não sejam possíveis. Mensagens
de texto e e-mails podem ser formas de conseguir marcar uma conversa, mas devem
ser evitadas para a realização de entrevistas (Constable 2014, p. 53). No caso de
questionários online, eles pressupõem que se sabe todas as perguntas que devem ser
feitas e também que se sabe todas as respostas possíveis, o que os torna uma opção
ruim para estágios iniciais de uma startup (Maurya 2012, p. 71-72).
O número de pessoas sendo entrevistadas simultaneamente também afetam a
qualidade do aprendizado. Em conversas com grupos é difícil conseguir focar nas
46
histórias de uma só pessoa de modo a se aprofundar em assuntos de interesse do
entrevistador. Além disso, conversas em grupo podem se transformr em “pensamento
de grupo”, que é um procedimento errado para a maior parte de produtos. Desse modo,
é melhor evitar grupos focais e realizar entrevistas com uma pessoa de cada vez
(Maurya 2012, p.72; Constable 2014, p. 53).
Pelo lado de quem está realizando a entrevista é mais proveitoso levar alguém junto
para tomar notas da conversa. Tendo uma pessoa exclusivamente para tomar notas,
quem está realizando a entrevista com o consumidor pode focar nos assuntos, na
linguagem corporal e em guiar o rumo da conversa. Além disso, a segunda pessoa pode
perceber a outra fazendo perguntas ruins ou perdendo oportunidades interessantes de
aprofundamento de um assunto (Maurya 2012, p. 75; Fitzpatrick 2013, p. 117, Constable
2014, p. 53-54). Duas pessoas entrevistando é o número ideal, pois três entrevistando
uma pessoa pode ser intimidador (Fitzpatrick 2013, p. 117).
Sobre as notas, é melhor separar cinco minutos após a entrevista para documentar os
resultados enquanto a memória ainda estiver fresca (Maurya 2012, p. 75). Não deve-se
esquecer de pegar dados demográficos, pois eles podem ser úteis para a identificação
de padrões (Maurya 2012, p. 86 e 104; Constable 2014, p. 60). Além disso, deve-se
evitar gravar a conversa, pois além de inibir as pessoas, é bem improvável que os áudios
sejam consultados depois (Maurya 2012, p. 75; Constable 2014, p. 54).
Durante a realização das entrevistas é preciso tomar cuidados com dados ruins
(Fitzpatrick 2013, p.27): (1) pode-se acabar recebendo cumprimentos ou elogios sobre
a ideia; ou (2) o entrevistado pode falar sobre questões hipotéticas sobre o futuro. Em
ambas as situações o entrevistado pode estar mentindo. Por esse motivo, é melhor pedir
que os consumidores falem sobre a última vez em que o problema que a startup busca
resolver aconteceu. Dessa forma, será possível aprender sobre um acontecimento real
em vez de perguntar o que os consumidores querem ou apresentar a ideia da startup
(Maurya 2012, p. 73; Fitzpatrick 2013, p. 27-37; Constable 2014, p. 38-39 e 55).
Inevitavelmente o consumidor irá falar algo que chamará a atenção, o que deve ser
investigado se o assunto for interessante. Nesse momento, é a hora de usar as
perguntas de controle para aprofundar o entendimento sobre esse assunto específico
de forma que seja possível identificar as prioridades do consumidor e se o problema é
47
um must-have25 (Constable 2014, p. 56). Fitzpatrick (2013, p. 41-42) fornece uma lista
de perguntas para investigar os assuntos e aprofundar o entendimento:
• Investigar pedidos de funcionalidades
o Porque você quer isso?
o O que isso faria para você?
o Como você se vira hoje sem isso?
o Você acha que nós devemos adiar nossa data de lançamento para
adicionar essa funcionalidade ou isso é algo que podemos adicionar
depois?
o Como isso se encaixaria no seu dia?
• Investigar sinais emocionais
o Fale-me mais sobre isso.
o Isso parece realmente te incomodar, eu aposto que existe uma história
aqui.
o O que torna isso tão horrível?
o Porque você não conseguiu resolver esse problema ainda?
o Você parece bastante animado sobre isso, isso é importante?
o Porque está tão feliz?
o Continue sua história.
As entrevistas com consumidores são uma oportunidade enorme de aprendizado e por
isso é essencial que o entrevistador saia delas tendo certeza de que entendeu tudo
corretamente. Assim, use perguntas de confirmação sempre que tiver dúvidas sobre o
que o consumidor falou ou quanto quiser garantir que entendeu da forma correta
informações importantes que ele te passou. Se for a primeira vez aplicando o processo
de Customer Discovery, pode ser bom treinar com um amigo antes para garantir que
está preparado (Constable 2014, p. 57).
Etapa 5: Compilar Dados e Identificar Padrões
Durante e no final de uma rodada de entrevistas, se tiver conversado com um número
suficiente de consumidores, será possível começar a enxergar padrões se repetindo.
Quando for possível prever o que o consumidor irá dizer somente com algumas
perguntas iniciais, é um sinal de que se chegou na quinta etapa e que se deve começar
25 A pirâmide de dor apresentada anteriormente pode ajudar a entender se o problema é um must-have.
48
a compilar os dados das entrevistas (Maurya 2012, p. 76). Os dados devem ser
compartilhados com toda a equipe da startup logo após as conversas, pois o
entendimento sobre os consumidores é essencial para o alinhamento da equipe
(Fitzpatrick 2013, p. 116). Por exemplo, é possível reunir a equipe da startup para
compartilhar mais detalhes sobre o que observaram nas entrevistas e de forma conjunta
discutir e identificar padrões (Constable 2014, p. 62).
Uma das melhores formas de representar os padrões identificados após as sessões de
compilação é pelo uso de personas. A persona é a pessoa que melhor representa o
consumidor alvo (Aulet 2013, p. 71). Num primeiro momento, pode ser necessário
apenas uma persona que represente o early adopter, mas conforme a startup
amadurece e o segmento de mercado aumente, mais personas podem ser necessárias.
Uma ressalva é que as personas devem ser elaboradas como resultado da compilação
dos padrões identificados nas entrevistas e não baseadas em pressupostos ainda não
validados. Algumas características que podem ser incluídas na elaboração das
personas são (Aulet 2013, p. 52 e 73):
• Qual seu gênero?
• Qual sua idade?
• Qual sua faixa de renda?
• Mora em que cidade? Em que bairro?
• O que a motiva?
• Quais são seus maiores medos?
• O que fazem nas férias? No jantar? Antes do trabalho?
• Que jornais elas leem? Sites? Programas de TV?
• Qual o motivo para comprarem o produto? Economia? Status? Pressão social?
• O que torna essa persona especial e identificável?
• Qual é a sua história?
• Quais são suas necessidades?
• Quais são as suas dores?
Deve-se utilizar os padrões encontrados para: (1) atualizar o Lean Canvas e demais
ferramentas; e (2) para gerar novos pressupostos que deverão ser validados em uma
próxima rodada de entrevistas. Deve-se ter em mente que o Customer Discovery é um
processo de aprendizado contínuo sobre os consumidores. Durante o processo é
importante saber que falsos positivos podem acontecer, então deve-se ter atenção para
não caminhar na direção errada (Constable 2014, p. 63).
49
O Customer Discovery não possui relevância estatística por ser um processo focado em
aprendizado qualitativo sobre os consumidores. Ainda assim, deve-se estar preparado
para entrevistar entre 50 e 100 pessoas a fim de conseguir identificar padrões. Para
Constable (2014, p. 65) um número de entrevistas inferior à 50 é um sinal de que não
foram entrevistadas pessoas suficientes.
2.2. Análise do Mercado de Vending Machines e Micro Markets
A análise do mercado de vending machines e micro markets26 foi dividida em duas
partes: o mercado dos Estados Unidos; o mercado do Brasil. O mercado americano será
analisado por três motivos: a influência que ele causa no Brasil; a existência de relatórios
com dados sobre a indústria; e a possibilidade de utilizar os dados do mercado
americano como proxy para o mercado brasileiro, uma vez que os dois países tem
dimensões territoriais e tamanho populacional semelhantes. Em seguida, será analisado
o mercado brasileiro desse setor, que é onde a startup abordada no trabalho se localiza.
No brasil não há relatórios de análise setorial sobre vending machines ou micro markets
e existe pouca literatura que aborda esses setores brasileiros, então acabou sendo
necessário consultar sites de notícias para complementar informações.
2.2.1. Mercado dos Estados Unidos
Segundo o IBISWorld Industry Report (2018), o mercado de vending machines nos EUA
em 2018 teve 6.2 bilhões de dólares de faturamento, com lucro de 428.8 milhões. Caiu
uma média de 2.9% de 2013 a 2018 e está previsto para diminuir 4.9% por ano até 2023
(IBISWorld Industry Report, 2018). O principal fator para a retração do mercado de
vendings é o aumento da competição vinda de lojas de conveniências, supermercados
e micro markets (IBISWorld Industry Report, 2018).
Não há muita diferenciação entre as empresas de vending machines, então a disputa é
majoritariamente por preços. Com isso, a margem de lucro em 2018 foi 6,9%. Além
disso, nos EUA está acontecendo consolidação do mercado: Grandes comprando
pequenas para aumentar market share e dimunir custos; e empresas saindo do mercado
26 Para definição de vending machines e de micro markets, ver nota de rodapé 2 na introdução do presente trabalho.
50
por não estarem conseguindo sustentar o negócio com margens tão baixas (IBISWorld
Industry Report, 2018).
Já para o Vendings Market Watch (2018)27 o setor de vending machines teve 14.6
bilhões de faturamento em 2017. Comparando os dados de faturamento entre os dois
relatórios – considerando que segundo o IBISWorld Industry Report (2018) a estimativa
de faturamento em 2017 foi de 6.4 bilhões – nota-se que os valores estão bem
divergentes. Cada relatório possui seu próprio método para estimação do faturamento
e não cabe ao presente trabalho julgar esses métodos. Como o presente trabalho
aborda tanto vending machines, quanto micro markets, optou-se por utilizar daqui em
diante dados provenientes dos relatórios da Vendings Market Watch, pois o relatório da
IBISWorld Industry Report só apresenta dados referentes ao mercado de vending
machines.
Ainda que o número de operadores de vendings nos EUA esteja caindo, quando
consideramos o mercado de micro markets junto com o de vendings, o número de
negócios tem aumentado nos últimos anos (Vendings Market Watch, 2018). Todavia,
conforme pode-se observar na Tabela 2, apesar o percentual dos pequenos negócios
(menos de $1 milhão) ter aumentando, nota-se que o percentual das vendas dos players
extra-grandes (mais de $10 milhões) tem aumentado continuamente, o que é resultado
da consolidação do mercado.
Tabela 2: Participação de vendas separados por tamanho dos operadores do mercado de vendings e
micro markets.
Fonte: Vendings Market Watch 2018, 2017 e 2016.
Além disso, ao se considerar o mercado de vendings em conjunto com o de micro
markets (Vendings Market Watch, 2018, 2017 e 2016), pode-se notar que, na verdade,
27 O relatório Vendings Market Watch (2018) possui dados referentes ao ano de 2017, mas foi publicado no meio do ano de 2018. Do mesmo modo, os relatórios de 2017 e 2016 são referentes aos respectivos anos anteriores.
2015 2016 2017Projeção
de vendas
% de
vendas
Projeção
de vendas
% de
vendas
Projeção
de vendas
% de
vendas
Pequenos
(< $ 1M) 50,5% 53,3% 57,1% $1,77 B 8,0% $1,9 B 8,8% $1,5 B 7,0%
Médios
($1 - $4,9M) 26,6% 21,0% 23,8% $5,88 B 28,0% $4,7 B 21,8% $3,9 B 17,2%
Grandes
($5M - $9.9M) 9,1% 9,5% 4,8% $5,27 B 25,0% $5,6 B 25,7% $2,4 B 10,8%
Extra Grandes
(> $10M) 13,8% 16,2% 14,3% $8,06 B 39,0% $9,4 B 43,7% $14,3 B 65,0%
% de operadores 2015 2016 2017
Tamanho
51
as vendas têm aumentado nos últimos anos (Figura 19). Podemos ver, que o principal
fator para isso é a expansão do número de micro markets ativos no mercado americano
(Figura 20).
Figura 19: Receita da Indústria de Vending Machines e Micro Markets em Bilhões de Dólares. Fonte:
Vendings Market Watch 2018.
Figura 20: Número de locais com Micro Markets Ativos. Fonte: Vendings Market Watch 2018.
De início, o público considerado ideal para a implementação de micro markets eram
empresas com pelo menos 250 funcionários. Todavia, conforme o mercado foi ficando
saturado de micro markets, os players começaram a abrir em locais com menos
52
pessoas, abrindo pontos simplificados, com uma mesa e um frigobar em lugares com
menos de 50 funcionários (Vendings Market Watch, 2018). Isso pode ser observado na
Figura 21.
Figura 21: Percentual de Micro Markets por número de funcionários do local. Fonte: Vendings Market
Watch 2018.
Vendings e micro markets por tipo de localização
Outro fator que diferencia vendings de micro markets diz respeito ao local onde são
abertos. As vendings geram uma menor preocupação com furtos e estão há mais tempo
em operação, então elas têm uma distribuição mais diversa de localidades. Os micro
markets, por outro lado, ainda estão em momento de expansão e a preocupação com
furtos direciona esse modelo principalmente para escritórios e fábricas, locais que não
são públicos e que possuem acesso restrito (Vendings Market Watch, 2018). Isso pode
ser observado nas Figuras 22 e 23.
53
Figura 22: Vendings Machines por tipo de local em 2017. Fonte: Vendings Market Watch 2018.
Figura 23: Micro Markets por tipo de local em 2017. Fonte: Vendings Market Watch 2018.
54
Pagamentos sem dinheiro e coleta de dados
A indústria americana de vending machines e micro markets chegou em um momento
em que os pagamentos que são simultaneamente cashless (sem dinheiro) e em nuvem
(comunicação online) se tornaram maioria. A tendência é que os operadores de vending
machines e micro markets continuem a migrar para essa opção online (Vendings Market
Watch, 2018). A tecnologia em nuvem presente em telemetrias e em aplicativos de
smartphone ou tablet auxiliam na coleta de dados sobre as vendas e com isso facilitam
a reposição do estoque. No entanto, ainda existe um número significativo de micro
markets que operam de forma manual com caneta e papel ou com máquinas de cartão
manuais que não são integradas a uma gestão de estoque online. As Figuras 24 e 25
ilustram a situação.
Figura 24: Formas de pagamento e coleta de dados em 2016. Fonte: Vendings Market Watch 2018.
Figura 25: Formas de pagamento e coleta de dados em 2017. Fonte: Vendings Market Watch 2018.
55
Participação dos tipos de produtos vendidos
A vantagem dos micro markets para venda de refeições, como almoço e jantar, pode
ser notada pela diferença dos gráficos. O desafio das vendings é o modo como os
consumidores julgam comida com um contato mais próximo e tocando nas mesmas, o
que não é possível nas vendings. Alimentação saudável tem aumentado e pela primeira
vez, em 2017, essa categoria foi analisada separadamente (Vendings Market Watch,
2018). As Figuras 26 e 27 ilustram a participação dos produtos.
Figura 26: Participação dos tipos de produtos em Vending Machines em 2017. Fonte: Vendings Market
Watch 2018.
Figura 27: Participação dos tipos de produtos vendidos em Micro Markets em 2017. Fonte: Vendings
Market Watch 2018.
56
Participação por tipo de serviço oferecido
A participação de mercado dos micro markets tem crescido continuamente ao longo dos
anos. Enquanto isso, os demais serviços têm apresentado, no geral, uma tendência de
queda. Entre os anos de 2016 e 2017 podemos notar uma forte retração da participação
das vending machines (Tabela 3).
Tabela 3: Percentual de vendas por categoria de serviço.
Fonte: Vendings Market Watch 2018.
2.2.2. Mercado Brasileiro
No caso do Brasil, o número de habitantes por vending em 2015 é muito alto quando
comparado a outros países do mundo (Figura 28). Isso mostra uma oportunidade de
expansão desse mercado em território nacional. Ainda que o brasileiro não tenha
abraçado a ideia das vending machines, os micro markets são bem aceitos aqui e
existem poucos players com essa operação no país. Surek et al (2016) nos fornece uma
análise sobre o mercado de vendings no Brasil em 2015:
As máquinas vending machine chegaram ao Brasil na década de 1990;
segundo a ABVA (2015a), o número de máquinas chegou a 80.000 em 2015.
Estima-se que o faturamento médio [mensal] por máquina é de R$591,00,
gerando um faturamento anual de aproximadamente R$500 milhões. A relação
habitante/máquina no Brasil é de 2.500 habitantes para cada vending machine
– média bastante destoante dos outros países já apresentados.
Entretanto, o mercado brasileiro de vending machines ainda não está
estruturado, é imaturo se comparado ao mercado internacional (Surek et al,
2016) (colchetes do autor do presente trabalho).
2014 2015 2016 2017
Vending Machines 60,1% 54,6% 78,1% 66,2%
Micro Markets 8,9% 10,2% 12,9% 15,0%
Office Coffee Machines (OCS) 13,3% 6,8% 5,2% 7,3%
Serviço de Água 1,9% 2,0% 1,0% 4,0%
Outro 4,2% 9,5% 0,7% 2,9%
Bulk Vending Machines (vendings de brinquedos) 2,0% 2,3% 0,7% 1,6%
Refeições manuais 7,6% 9,1% 0,9% 0,2%
Musica 1,1% 1,9% 0,3% 0,0%
Jogos 0,8% 3,0% 0,3% 0,0%
Materiais de limpeza 0,1% 0,7% 0,1% 0,0%
Percentual de vendas por categoria de serviçoCategoria de serviço
57
Figura 28: Habitantes por Vending Machine em Brasil, Europa, EUA e Japão. Fonte: Surek et al 2016.
Surek et al (2016) também afirma que o mercado brasileiro de vending machines não
está consolidado por existirem diversos nichos a serem explorados. O segmento de
Office Coffee Service é o mais estruturado. Além disso no Brasil o perfil predominante
de vendings é no seu uso como máquinas de instrumento promocional, enquanto nos
EUA e outros países o principal foco das vendings e micro markets são escritórios de
empresas e fábricas.
Entraves para a expansão de vending machines no Brasil
Um fator histórico que contribuiu para a baixa difusão de vendings no Brasil foi a
hiperinflação das décadas de 70 e 80. Nessa época, as máquinas operavam somente
com moedas e cédulas, e, como a inflação causava grande variação diária no valor do
dinheiro, o ajuste de preços se tornou inviável. Depois, no final da década de 90, a
desvalorização da moeda encareceu o preço dos equipamentos, que eram todos
importados, e dificultou o crescimento do mercado (Surek et al 2016).
A segurança e integridade das máquinas é outro entrave para a expansão desse
mercado no Brasil. Isso acaba limitando a instalação para ambientes fechados e
controlados.
Outro ponto que inibe o crescimento do setor é a conexão de dados no país, que em
alguns locais ainda não é muito boa e por vezes acaba causando falhas que não
permitem o pagamento via cartão.
58
Por fim, os custos logísticos, em função da extensão territorial do Brasil e da difusão de
fornecedores por grandes capitais, também influenciam na velocidade de expansão do
mercado.
Com base nos elementos que dificultam o crescimento, Surek et al (2016) conclui que
o provável comportamento do mercado brasileiro de vendings nos próximos anos é
continuar crescendo a taxas modestas.
Compras por impulso28
Gilberto Strunck (2011), autor do livro Compras por impulso, afirma que “O Brasil é o
país com o mais alto índice de compra por impulso do mundo”. Um elemento que
influenciou isso no início da década foi o crescimento de renda das classes C, D e E,
que permitiu um grande aumento na quantidade de consumidores. Normalmente os
produtos comprados por impulso são de baixo preço, de fácil acesso ou possuem apelo
visual. Surek et al (2016) sintetiza a situação da compra por impulso:
As compras por impulso geralmente ocorrem quando o produto chama
a atenção do cliente e desperta o desejo de compra, o cliente pensa
de forma racional em uma justificativa para aquela compra, a partir
dessa justificativa concretizada, o desejo passa a se tornar uma
necessidade e a compra se efetua. As técnicas de marketing utilizadas
atualmente têm uma grande influência nesse tipo de comportamento,
pois as propagandas criam a necessidade de o cliente em comprar um
determinado produto – necessidade esta muitas vezes irreal.
Segundo uma pesquisa realizada em 2013 pelo Serviço de Proteção
ao Crédito (SPC Brasil), constatou-se que 85% dos brasileiros fazem
compras por impulso. Dentre as justificativas para as compras por
impulso estão: ansiedade, tristeza, angústia, baixa autoestima e
insatisfação com a própria aparência. Fazer compras por impulso é um
comportamento que serve como uma espécie de recompensa
emocional para o consumidor. Trata-se de uma busca pelo prazer
imediato. (Surek et al, 2016)
28 Vending machines e micro markets costumam ser associados a compras por impulso.
59
Falta de Tempo e a Má Alimentação29
De acordo com uma pesquisa realizada pela International Stress Management
Association Brasil (Isma-Br) 62% dos brasileiros sofrem com a falta de tempo
(sobrecarga e o excesso de tarefas) como principal estressor (Administradores, 2015).
Geralmente a causa é o tamanho da jornada de trabalho junto com a falta de pausas
para aproveitar momentos de lazer (Administradores, 2015).
Com a falta de tempo e extresse a alimentação também fica comprometida. As pessoas
almoçam no trabalho, comem a chamada finger food, altamente calórica e com muito
sal, ou pedem algo e comem na frente do computador.
Comidas Funcionais30
Segundo um estudo feito pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp)
em 2018, oito em cada dez brasileiros afirmam que se esforçam para ter uma
alimentação saudável (buscando consumir produtos mais frescos e nutricionalmente
ricos) e 71% dos entrevistados apontam que preferem produtos mais saudáveis, mesmo
que tenham que pagar caro por eles (Agência Brasil, 2018).
Conforme tem crescido a preocupação dos consumidores acerca da alimentação e, até
mesmo, dos possíveis custos decorrentes de uma alimentação inadequada a longo
prazo, comidas funcionais tem se tornado proeminentes nas dietas da população. De
acordo com a Technavio, é estimado que haja um crescimento anual de
aproximadamente 8% desse mercado até 2021 (Food Ingredients Brasil, 2019).
A expansão da Gran Coffee
A Gran Coffee é a empresa lider de vending machines e também é o maior distribuidor
da Nespresso no Brasil. Fundada em 1998, atualmente possui 17 mil máquinas em
operação em cerca de 6 mil clientes espalhados pelo Brasil de acordo com seu site. Sua
principal operação é o de Office Coffee Machines (OCS), mas também atua com
29 A questão da má alimentação é relevante para o presente trabalho porque a startup analisada começou focada somente no segmento de conveniência saudável. 30 Alimentos funcionais são alimentos ou ingredientes que oferecem benefícios à saúde, além de suas funções nutricionais básicas. Sua relevância para o presente trabalho decorre do foco inicial da startup em conveniêncisa saudável.
60
vendings tradicionais de snacks e bebidas. Atua nos segmentos de escritórios
corporativos, indústrias, faculdades, escolas, hospitais e laboratórios.
De 2015 a 2018 a Gran Coffee realizou uma expansão no Brasil por meio de aquisições
de empresas nacionais de vending machines e OCS presentes nas cidades de São
Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Porto Alegre e Campinas (Fusões & Aquisições,
2018). O valor pago em cada aquisição foi um multiplicador do faturamento anual das
empresas. Em 2018 e 2019 após realizar estudos sobre as tendências do segmento de
autosserviço mundial, a Gran Coffee começou a se preparar para iniciar sua operação
no segmento de Micro Markets, mas até agosto de 2019 não houve um pronunciamento
oficial da empresa sobre o assunto. Apesar disso, outras empresas de vending
machines entraram no mercado de micro markets, como a Smart Café. Em outubro de
2018 o fundo Pátria Brazilian Private Equity Fund IV (FIP Pátria IV), por meio de sua
holding Café do Brasil, aumentou a sua participação na Gran Coffee e passou a
controlar 75% do capital social da Gran Coffee (G1 Globo, 2018).
61
3. Trajetória da Startup
O caminho percorrido pelo negócio será analisado em três períodos distintos separados
por um marco de mudança (pivotagem) no modelo de negócios: Concepção do Negócio,
Primeira Pivotagem e Segunda Pivotagem (Figura 29)31. Essa divisão em três períodos
foi feita pelo autor do presente trabalho em análise retrospectiva, na qual foram
identificados dois marcos significantes de pivotagem no modelo de negócios da startup:
na Concepção do Negócio, a startup se propunha a colocar vending machines
principalmente em locais onde há grande circulação de pessoas e só vendia alimentos
saudáveis; na Primeira Pivotagem, ocorreram mudanças de público alvo e dos produtos
vendidos nas vending machines na qual a startup focou o público alvo somente em
escritórios de empresas e universidades e deixou de vender apenas alimentos
saudáveis; na Segunda Pivotagem, a startup iniciou a operação com micro markets, que
possui algumas características diferentes de vending machines, como um espaço que
permita um maior mix de produtos e a possibilidade de venda de comidas congeladas
caso o local tenha freezer.
Figura 29: Linha do tempo dos períodos do negócio. Fonte: Elaboração Própria.
31 Na Figura 29 a Concepção do Negócio foi dividida em suas duas subfases para explicitar que a startup levou pouco mais de um ano, desde a sua fundação, para iniciar a operação do negócio.
62
Em função de troca de sistemas, só foi possível conseguir o histórico de dados da
startup a partir de novembro de 2016, o que nos deixa sem os dados de fevereiro a
outubro de 2016. Apesar disso, como o negócio manteve o mesmo modelo de operação
até março de 2017 e com isso foi possível entender o modo de funcionamento desse
período.
Os resultados nas Figuras 30 e 31 representam um resumo das mudanças ocorridas ao
longo da vida da startup, e será detalhado ao longo do capítulo:
Figura 30: Faturamento Mensal da startup. Fonte: Elaboração Própria.
Figura 31: Faturamento médio por ponto da startup. Fonte: Elaboração Própria.
Concepção 1º Pivot 2º Pivot
Concepção 1º Pivot 2º Pivot
63
3.1. Concepção do Negócio
3.1.1. Fundação
A startup foi fundada em janeiro de 2015 como uma empresa de vending machines
focada em comidas saudáveis. Suas duas fundadoras tinham a filosofia de que as
pessoas deveriam se alimentar de modo mais saudável e que a empresa deveria
fornecer essa oportunidade com diversos sabores diferentes para atingir um maior
público.
Nos meses iniciais, uma das fundadoras elaborou um plano de negócios para entender
o mercado e planejar o futuro da empresa (Anexo 2). Em maio de 2015 foi gerado o
CNPJ da empresa. Após a finalização do PN, o foco inicial foi o desenvolvimento do
marketing e do design da startup, por meio de uma empresa contratada. Em paralelo,
foram feitas negociações com os primeiros possíveis pontos e com fornecedores de
alimentação saudável. A operação só iniciou de fato em fevereiro de 2016, com duas
vendings situadas em uma faculdade particular do rio de janeiro.
3.1.2. Início da Operação seguindo o Plano de Negócios
Em fevereiro de 2016 a operação da startup começou com duas máquinas em uma
faculdade particular no Rio de Janeiro. Em paralelo, as fundadoras seguiram
negociando a entrada em outros pontos, prospectando locais com o perfil determinado
no plano de ação32 (Anexo 2).
Nos primeiros meses o negócio operou apenas com capital próprio das fundadoras.
Entretanto, conforme novos pontos foram sendo abertos, isso deixou de ser suficiente
para manter a expansão do negócio, pois o capital necessário para comprar uma
vending machine é entre 12 e 20 mil reais. Sendo assim, após um período buscando
capital, em setembro de 2016 as fundadoras conseguiram aporte com o primeiro
investidor anjo e em dezembro conseguiram um novo aporte com outro investidor anjo.
32 O perfil de clientes alvo no plano de negócios consiste em: Universidades e fundações, centros comerciais e empresarias, escolas, hospitais e clínicas, condomínios residenciais, hotéis e hostels, polos industriais, clubes, academias de ginástica, shopping centers, congressos, feiras e eventos. Segundo a literatura do Processo de Empreendedorismo, esse público alvo é amplo demais.
64
Os dois investidores anjos utilizaram a modalidade de mútuo conversível para investir
no negócio33.
Com os aportes, foi possível finalizar 2016 com 10 máquinas em operação. Dessas, 3
vendings se localizavam em faculdades particulares, 5 em locais com grande circulação
de pessoas, 1 em uma academia e 1 em um escritório de empresa (Figura 32).
Todavia, apesar de a expansão de pontos estar ocorrendo em ritmo acelerado,
chegando a 14 em abril de 2017, o negócio seguia dando prejuízos em todos os meses
de operação. Dos quatro perfis de pontos, somente as faculdades particulares e as
empresas geravam um número de vendas e faturamento razoável (Figura 33).
Outro fator que contribuía para o prejuízo era o número de produtos que passavam da
validade. No início de 2017 a empresa tinha uma geladeira inteira de barrinhas
saudáveis fora da validade e oito caixas de biscoito polvilho saudável fora da validade.
Nos quatro primeiros meses de 2017 a empresa teve prejuízos mensais de 30 mil reais,
ao mesmo tempo em que cada uma das fundadoras possuíam um pró-labore de 5 mil
reais.
Figura 32: Quantidade de pontos por perfil. Fonte: Elaboração Própria.
33 Olhar nota de rodapé número 8 no item 2.1.1. para explicação de mútuo conversível.
65
Figura 33: Faturamento Médio por perfil de ponto. Fonte: Elaboração Própria.
3.2. Primeira Pivotagem: Mudança de Público e Produtos
3.2.1. Período de Transição: 2017-04 a 2017-07
Em abril de 2017 a startup contratou uma pessoa com conhecimento de mix de produtos
e uma breve experiência no setor de conveniência para tocar a operação. Ao mesmo
tempo, em razão dos prejuízos na casa de 30 mil mensais nos primeiros meses de 2017,
um dos investidores anjo resolveu entrar na operação da startup para tentar reverter a
situação. Existiam dois principais motivos de a startup gerar tanto prejuízo de acordo
com o diagnóstico feito na época pelo investidor anjo. Primeiro, o público alvo era
limitado, pois só atingia pessoas que queriam ingerir alimentos saudáveis. Segundo,
existiam uma série de pontos de venda ruins que geravam uma baixa receita.
A mudança de pontos com a identificação de que as máquinas mais lucrativas se
encontravam em locais que as pessoas permaneciam por horas, como empresas e
faculdades de período integral, enquanto pontos com alta circulação de pessoas e
academias de musculação tinham uma quantidade de vendas baixa. Desse modo, as
empresas passaram ser o segmento principal.
Já no quesito de mudança de público alvo com inserção de novos alimentos não-fits
enfrentou uma forte resistência das duas fundadoras, pois as mesmas se mostravam
irredutíveis em continuar a querer oferecer somente comidas saudáveis. Sendo assim,
a transição de alimentos iniciou com produtos “pseudo-saudáveis” – como Coca-cola
66
Stevia, Amendoim, Biscoito Eqlibri e Toddynho – ao mesmo em que se reduzia o mix de
produtos excluindo os alimentos que tinham pior desempenho nas vendas.
3.2.2. Consolidação de pontos e de mix de produtos
Em agosto de 2017 foi finalizada a consolidação de pontos de vendas, com 14 máquinas
operando em locais mais lucrativos. Já a mudança de mix continuou gradualmente, e,
com a entrada do terceiro investidor anjo em agosto de 2017, a startup passou a fazer
análises do mix de produtos de cada ponto de venda. Foi utilizada a mentalidade 20-70-
10, em que os 20% que geravam mais venda poderiam ter o número de canaletas
aumentada, os 70% eram mantidos iguais e os 10% piores eram retirados para inserção
de novos produtos na máquina. Ainda em agosto a Coca-cola comum foi inserida. O mix
se consolidou somente em outubro e passou a ser mais ou menos constante desde
então, oscilando entre 43 e 50 produtos. Os produtos principais continuaram mais ou
menos os mesmos nesse período, mas foram realizados testes de inserção de novos
que poderiam substituir ou não os antigos. A Figura 34 mostra o número de produtos do
mix ao longo do tempo. Pode-se notar que em dezembro de 2018 o mix aumenta devido
à novos produtos no micro market.
Figura 34: Número de Produtos no Mix da startup. Fonte: Elaboração Própria.
67
3.2.3. Crise societária
Nesse período de transição de mix de produtos e de consolidação de pontos, as duas
fundadoras originais acabaram perdendo o controle da operação e a startup foi para
uma direção diferente da visão original das mesmas de levar comida saudável para as
pessoas. Por esse motivo, uma das fundadoras escolheu sair da operação da empresa
em novembro de 2017, enquanto a outra continuou. Em fevereiro de 2018, ocorreu uma
crise societária entre elas e o investidor anjo. As duas detinham a maior participação da
empresa e quiseram retomar o controle da mesma. Nesse momento, a empresa ainda
dava prejuízos mensais e o investor anjo resolveu parar de inserir capital na operação
da mesma.
O resultado foi que, em fevereiro, a startup sob direção das fundadoras ficou sem capital
para reabastecer os pontos, o que levou à queda de vendas nos pontos e fez o
faturamento desse mês cair. Além disso, a startup já havia confirmado a compra de 3
máquinas para instalação em pontos novos e não tinha como pagar pelas mesmas.
Em março de 2018, após negociação, o investidor anjo inseriu 40 mil reais para
regularizar a operação da empresa e no mês seguinte comprou a participação das
fundadoras, tirando elas do negócio.
3.2.4. Testagem “automatizada” do mix de produtos e nova otimização dos
pontos
A partir de abril de 2018, a startup passou a fazer testagem do mix de produtos de cada
máquina individualmente por meio de uma planilha em Excel com macros em VBA. Para
tal foram elaborados indicadores e um modo de análise de desempenho que pode ser
visualizado no Anexo 1. A planilha tinha como função automatizar a decisão sobre as
mudanças de mix de produtos, mas na prática ela só servia como um auxílio para a
tomada de decisão sobre o mix, pois não foi possível colocar todas as variáveis
necessárias. Desse modo, os dados de saída (output) da planilha não eram suficientes
para realizar a mudança de mix sem uma pudessem ser aplicados sem uma análise
prévia por parte de um dos sócios.
Com o resultado dessa análise de mix de abril a setembro de 2018 os produtos mais
bem-sucedidos tiveram seu número de canaletas aumentado, enquanto os de pior
desempenho eram retirados para inserção de novos para testes. Isso permitiria, em
68
tese, uma menor ocorrência de ruptura no estoque das máquinas – quando uma pessoa
quer comprar um produto que está esgotado – e, consequentemente, deveria repercutir
em um aumento do faturamento dos pontos.
Nos primeiros meses, essa alteração do mix de produtos de cada ponto parece ter
melhorado as vendas, mas depois não foi possível observar mudanças significativas.
Alguns produtos realmente vendiam mal em determinados pontos e a retirada deles
permitiu colocar outros produtos com potencial para vender mais, só que depois que os
piores foram removidos, os novos produtos com “pior” venda nas vending machines
ficaram com uma quantidade de vendas similar. Além disso, a cada mês analisado os
10% de produtos piores de cada ponto de venda mudava mesmo sem ter novas
alterações no mix e desse modo, se tornou difícil utilizar a mentalidade 20-70-10.
Em junho de 2018 se iniciou uma nova rodada de otimização dos pontos de vendas, o
que junto com o novo mix permitiu um aumento do faturamento médio por ponto (Figuras
31 e 33). As duas máquinas que ficavam no aeroporto Galeão foram remanejadas.
Embora esses pontos vendessem bem, o aluguel de espaço de 2 mil reais por mês
impedia o ponto de ser lucrativo. Esses pontos de venda no aeroporto foram os únicos
na história da startup que possuíam necessidade de pagamento de aluguel do espaço.
Ao observar o desempenho de quantidade de vendas médias por perfil de ponto (Figura
35) é possível notar um aumento no número de vendas por ponto de março de 2018 em
diante e que a partir de agosto de 2018 esse número de vendas por ponto começou a
oscilar. Além disso, o ticket médio de venda por perfil de ponto (Figura 36) diminuiu
quando comparado ao início da operação da startup e permaneceu próximo a 5 reais
de abril de 2018 em diante.
69
Figura 35: Quantidade de vendas média por perfil de ponto. Fonte: Elaboração Própria.
Figura 36: Ticket Médio da venda por perfil de ponto. Fonte: Elaboração própria.
70
3.3. Segunda Pivotagem: Micro Market
3.3.1. Oportunidade e início da operação de micro markets
Em outubro de 2018 a startup estava ponderando dentre duas oportunidades de
expansão da operação. A primeira, seria passar a fornecer máquinas de café dentro das
empresas, um negócio que é o core dos maiores players brasileiros de vending
machines, como no caso da Gran Coffee. A outra, seria passar a oferecer uma nova
opção de conveniência pouco existente no Brasil, o micro market.
Em ambas as opções seria necessário aumentar o mix de produtos da empresa. No
caso das máquinas de café, a empresa passaria a comprar sacos de café e de leite em
pó e tomar cuidados especiais com o armazenamento dos mesmos para seguir as
normas da vigilância sanitária. Para os micro markets, a operação continuaria bem
similar, mas com um número maior de produtos diferentes.
No final, optou-se pela opção de micro markets e em no final de outubro de 2018 foi
inaugurada a primeira operação desse modelo. A ideia seria substituir o maior número
de pontos existentes no qual se operava com vending machines por micro markets pois,
devido ao menor custo de instalação dos micro markets, eles teriam um retorno sobre
investimento (ROI) maior e um tempo de retorno (payback) menor. Devido ao caráter
aberto de micro markets e a possibilidade de furto, esse modelo seria instalado somente
em locais fechados nos quais um mesmo público sempre frequentasse e por isso
inicialmente optou-se por não colocar micro markets nos pontos de faculdade particular.
Esse modelo também abriu portas para um novo tipo de produto que não era explorado
antes, pois o micro market também pode ter um freezer: as refeições congeladas. O
primeiro freezer só foi adicionado em dezembro de 2018.
Além disso, a instalação dos dois primeiros micro markets se deram em um espaço de
coworking onde eventos são realizados com alguma frequência. Esses eventos realizam
coffee-breaks e solicitaram o serviço da startup para fornecer os alimentos do micro
market em um formato “open bar” de comida, no qual o organizador do evento paga
tudo que for consumido ao final do evento. Essa demanda gerou uma nova oportunidade
de receita para a startup.
No período analisado no presente trabalho, a segunda pivotagem totaliza quatro meses
– outubro de 2018 a janeiro de 2019 – e nesse espaço de tempo somente dois micro
markets foram instalados. Em fevereiro e março de 2019 a startup já havia negociado a
71
instalação de novos pontos de micro market, mas não foi possível realizar a instalação
de todos devido a um furo de estoque no fornecedor da telemetria que ficou sem totens
para pronta entrega. O totem é a caixa que possui a tela, o leitor de código de barras e
a máquina de cartão de crédito para os consumidores poderem realizar suas compras
no micro market.
3.3.2. Expansão da Equipe e aceleração das mudanças
Nos meses seguintes ao fim da crise societária a startup passou a ter uma equipe
limitada, composta pelo sócio majoritário, o responsável pela operação e dois
abastecedores. O tamanho do time estava limitando o crescimento do negócio, tanto
pela expansão de pontos quanto pela otimização da logística e melhora dos pontos
existentes. Por esse motivo optou-se por aumentar a equipe e em janeiro de 2019 a
startup passou a contar com um estagiário para a área comercial, um estagiário para
desenvolvimento e um trainee para operações. O trainee foi considerado como uma
pessoa chave como candidato a futuro CEO do negócio e por isso recebeu uma
proposta de vesting de 5% da empresa em dois anos com um cliff também de dois
anos34.
Com uma pessoa dedicada exclusivamente ao comercial, foi possível acelerar a
abertura de novos pontos e a realocação de máquinas de pontos ruins. Além disso,
iniciou-se um upgrade dos pontos, para substituir as vending machines por micro
markets.
No caso da operação logística e administrativa, com a entrada do trainee foi possível
identificar oportunidades de melhoria. O software de gestão limitava o modo como a
operação podia acontecer em função de a integração com o sistema de telemetria ser
ruim. Além disso, a telemetria utilizada para coordenar e monitorar o funcionamento das
máquinas era utilizada apenas pela interface própria que possui somente um modo de
funcionamento. Com a ajuda do estagiário de desenvolvimento, se tornou possível
começar a preparar uma otimização da operação logística de reposição por meio da
integração entre o sistema de telemetria e um possível novo sistema de gestão.
Por fim, com a expansão da equipe foi possível dedicar mais tempo ao estudo dos
preços dos produtos nos pontos, para entender como a alteração do preço de
34 As definições de vesting e cliff se encontram no item 2.1.1. (Conceitos Essenciais).
72
determinados produtos impacta na quantidade de vendas. Ao mesmo tempo, a análise
de mix de produtos começou a se tornar uma atividade de rotina, quando antes era
apenas pontual. Com os resultados dessas iniciativas de testagem de preço e de mix
os sócios esperam que seja possível aumentar a rentabilidade dos pontos existentes.
73
4. Análise da trajetória da startup sob a ótica do processo de empreendedorismo
Os conceitos, as ferramentas e os modelos expostos no referencial teórico serão
utilizados para a análise da trajetória da startup. A divisão está da seguinte forma: (1) a
Análise da Concepção do Negócio, na qual se usou o plano de negócios elaborado pelas
fundadoras (Anexo 2) em conjunto com a base de dados de vendas de produtos para
extrair os pressupostos nas quais o negócio estava baseado em sua concepção, para
então analisar esses pressupostos pela ótica do Processo de Empreendedorismo, com
o uso do Lean Canvas em conjunto com a primeira etapa do processo de Customer
Discovery; (2) a Análise da Primeira Pivotagem, na qual a base de dados de vendas de
produtos em conjunto com as entrevistas dos sócios atuais do negócio (os investidores
anjo) e dos funcionários antigos são os meios de onde foram extraídos os pressupostos
nos quais o modelo de negócios dessa fase se baseava, para então analisar esses
pressupostos pela ótica do Processo de Empreendedorismo, com o uso do Lean
Canvas; e (3) a Análise da Segunda Pivotagem, na qual o autor do presente trabalho
estava trabalhando na startup e pode expor os pressupostos pelo conjunto de sua
experiência com a base de dados de vendas de produtos e com as entrevistas
realizadas (com sócios e funcionários antigos), para então analisar esses pressupostos
pela ótica do Processo de Empreendedorismo, com o uso do Lean Canvas em conjunto
com a primeira etapa do processo de Customer Discovery.
4.1. Análise da Concepção do Negócio
O tempo decorrido entre o início da elaboração do plano de negócios (janeiro de 2015)
e o início da operação da empresa (fevereiro de 2016) com duas máquinas foram 13
meses. Além disso, foi necessário um período de 14 meses (de fevereiro de 2016 a abril
de 2017) para que o primeiro pivotamento do modelo de negócios começasse a
acontecer gradualmente. Isso é um tempo muito maior que os três meses propostos por
Ash Maurya (2016, p. 88) em seu modelo de tração para o estágio de Problem/Solution
Fit.
Esse tempo que foi necessário para conseguir chegar ao equivalente do estágio de
Problem/Solution Fit só reforça a afirmação de Blank & Dorf (2012, p. 16) de que nenhum
plano de negócios sobrevive à primeira interação com o cliente, porque o PN não previu
que ele poderia estar baseado em pressupostos que levariam a startup a ter prejuízo
74
em vez de lucro e o também não disse o que fazer nesse caso. No caso da startup
analisada, as fundadoras persistiram em seguir o PN por meses, o que conforme
mostrado no item da Trajetória da Startup, levou a grandes prejuízos na fase de
Concepção do Negócio.
Podemos usar os 9 pecados capitais da introdução de novos produtos ao mercado
delineado por Blank & Dorf (2012, p. 8-18) para ilustrar, em retrospectiva, alguns dos
erros cometidos pelas fundadoras ao optarem por seguir um Plano de Negócios como
abordagem de empreendedorismo. Essas informações foram extraídas do Plano de
Negócios (Anexo 2) e de entrevistas com os atuais sócios e funcionários, pois não foi
possível entrevistar as fundadoras. Segue:
1. Assumir que “Eu sei o que os consumidores querem”: As fundadoras
queriam construir uma empresa somente de comida saudável por que
acreditavam que essa era a tendência do mercado e também por encararem isso
como um estilo de vida próprio.
2. A falha de “Eu sei quais funcionalidades construir”: A ideia de ser uma
empresa de vending machines de comida saudável com uma grande variedade
de sabores de um mesmo produto (como barrinha de cereal) é assumir que sabe
quais funcionalidades inserir no negócio.
3. Foco na data de lançamento: A data de fevereiro de 2016 não foi escolhida
aleatoriamente, ela coincide com a volta às aulas da faculdade particular na qual
uma das fundadoras elaborou o plano de negócios. Sendo assim, toda a
operação anterior foi preparada para atingir essa data de lançamento.
4. Ênfase em execução em vez de hipóteses, testes, aprendizado e iteração:
Durante a fase de concepção do negócio em nenhum momento se parou para
refletir sobre mudanças no modelo de negócios pautado em hipóteses, testes,
aprendizados ou iterações. Em vez disso, a fundadoras focaram na execução.
5. Planos de negócios tradicionais presumem não haver testes e nem erros:
De modo similar ao item anterior, as fundadoras não realizaram testes e só
executaram o plano de negócios, o que impossibilitou a melhora dos resultados
da empresa.
6. Confundir títulos de empregos tradicionais com o que uma startup precisa
realizar: Uma das fundadoras se nomerou CEO (chief executive officer)
enquanto a outra se nomeou CFO (chief financial officer) e após conseguir
investimento com anjos, passaram a querer receber salários que justificassem o
cargo que tinham, de 5 mil reais para cada uma ao mesmo tempo em que a
empresa tinha prejuízos de 30 mil reais por mês.
75
7. Vendas e Marketing executam um plano: A empresa nunca teve um marketing
estruturado, mas possuía uma funcionária responsável por negociar acesso a
novos pontos, só que nunca houve um processo estruturado. O que existia eram
metas de máquinas em operação e de faturamento.
8. Presunção de Sucesso leva a escalar prematuramente: Após o início da
operação em fevereiro de 2016, as fundadoras focaram sempre na rápida
expansão do número de pontos, mesmo com prejuízos mensais recorrentes,
pois acreditavam “cegamente” que seu negócio seria um sucesso caso
conseguissem crescer rápido o suficiente. A procura por investidores anjo
também teve o objetivo de acelerar a escala do negócio.
9. Gerenciamento por crise leva a uma espiral da morte: Nesse caso, o fato de
a startup dar prejuízos mensais recorrentes fez com que as fundadoras não
tivessem outra opção sem ser buscar por investidores anjo. O primeiro, que
entrou em setembro de 2016 não foi suficiente e por isso precisaram de um outro
em dezembro de 2016. Como o negócio continuou a dar prejuízo, um dos anjos
optou por entrar na operação e isso gerou conflitos entre os sócios até que em
fevereiro de 2018 a crise societária culminou em falta de dinheiro para operação
e para de comprar produtos para repor as máquinas.
Algumas das premissas das fundadoras na hora de elaboração do plano de negócios
estão baseadas em um questionário de pesquisa de mercado que foi elaborado e
enviado virtualmente para coleta de respostas. O problema de um questionário,
conforme exposto por Maurya (2012, p. 71-72) é que ele pressupõe quem o elabora
sabe quais perguntas fazer e também quais são as respostas possíveis para as
perguntas, o que não era o caso das fundadoras. As fundadoras nunca realizaram
entrevistas pessoalmente seguindo os princípios do processo de Customer Discovery e
isso levou elas não conhecerem as reais necessidades de seus consumidores em
potencial. Com isso, as fundadoras criaram um produto/negócio que não possuía
consumidores suficientes para se tornar lucrativo.
4.1.1. Lean Canvas
O autor do presente trabalho utilizou o plano de negócios elaborado pelas fundadoras
(Anexo 2) para explicitar os pressupostos nos quais as fundadoras criaram a startup em
sua concepção. Não foi possível entrevistar as fundadoras. Com esses pressupostos foi
elaborado um Lean Canvas referente a essa fase da trajetória (Figura 37) de forma a
76
explicitar o modelo de negócios da Concepção do Negócio nos parâmetros do Processo
de Empreendedorismo, para então poder analisá-lo. Em seguida, os pressupostos do
modelo de negócios são formulados como hipóteses que podem ser testadas pelo
processo de Customer Discovery.
Figura 37: Lean Canvas do periodo de concepção do negócio. Fonte: Elaboração Própria.
A primeira versão do modelo de negócios tinha um forte viés sobre comida saudável
vindo das fundadoras, que não aceitavam qualquer alimento fora desse perfil. Ao
mesmo tempo, o modelo está baseado em pressupostos que podem ser formulados
como as seguintes hipóteses:
1. Existem pessoas suficientes que queiram comer comida saudável para
tornar o negócio lucrativo;
2. Ainda que de início o negócio dê prejuízo, o mercado de comidas saudáveis
está crescendo e se manter nesse nicho será lucrativo no longo prazo;
3. O mercado é atrativo e tem muito potencial e por isso outros concorrentes
de comida saudável surgirão em breve. Logo, a startup deve expandir o
negócio o mais rápido possível para todos os segmentos de clientes que
foram definidos visando conquistar participação de mercado e se consolidar
como o maior player de vending machines saudáveis do Rio de Janeiro;
4. As pessoas irão comprar nas vendings posicionadas em locais de passagem
que possuem um grande fluxo de indivíduos;
5. As pessoas estão dispostas a pagar mais caro pela conveniência da
máquina;
77
6. As pessoas possuem sabores específicos de barrinhas saudáveis que
gostam e não compram outras opções;
7. Quanto mais opções de comida saudável e diferentes sabores de um mesmo
produto, maior será o número de vendas;
8. As pessoas estão dispostas a pagar um valor muito alto por um produto da
melhor qualidade possível que seja o mais saudável possível;
9. Será possível vender a maior parte dos produtos antes de eles passarem da
validade. (comidas naturais tem validade mais curta);
10. É possível colocar máquinas sem precisar pagar aluguel pelo ponto de
venda;
A análise da trajetória permite dizer que as hipóteses 1, 2, 3, 4, 6, 7, 8 e 9 foram
refutadas, enquanto somente as hipóteses 5 e 10 foram validadas. A validação ou
refutação das hipóteses existentes no modelo de negócios poderia ter sido feita com
algumas interações de Customer Discovery dentro da etapa de Problem/Solution Fit do
modelo de tração da Ash Maurya, só que no final das contas a startup levou 27 meses
(de janeiro de 2015 a abril de 2017) para começar a modificar o seu modelo de negócios
baseado nas hipóteses refutadas, em contraste com os 3 meses propostos.
4.2. Análise da Primeira Pivotagem
A primeira pivotagem foi gradual e teve iniciativas de mudança ocorrendo em momentos
distintos. As alterações tiveram dois focos sempre: o perfil dos pontos e o mix de
produtos. Os gráficos nas páginas seguintes auxiliam no entendimento do resultado
dessas mudanças. A análise desta fase da trajetória da startup ocorreu principalmente
por meio do autor investigando a base de dados de produtos vendidos – que deu base
para a criação dos gráficos analisados – mas as informações foram completadas e
confirmadas por meio de entrevistas com os atuais sócios da startup e com os
funcionários antigos.
Perfil dos pontos
Por meio da análise dos resultados por ponto e comparando com as épocas em que
ocorreram as iniciativas de realocação de máquinas, pode-se notar o aumento do o
faturamento médio por ponto e da quantidade de vendas média por ponto (Figuras 38,
78
39 e 40). A base de dados não é grande o suficiente para provar correlação, mas parece
existir causalidade entre os resultados e a realocação de máquinas.
Os períodos principais em que ocorreram realocação de máquinas foram abril de 2017
a agosto de 2017 e junho de 2018 a outubro de 2018.
Mix de produtos
Nos momentos em que houve alteração no mix, foi possível identificar dois
acontecimentos: (1) a mudança de mix ocorreu simultaneamente com a realocação de
máquinas e não é possível afirmar que foi a alteração do mix que gerou os resultados
positivos; (2) a mudança de mix ocorreu em momento distinto à realocação de máquinas
e não gerou resultados significativos (setembro de 2017 a outubro de 2017 e abril de
2018 a maio de 2018).
Os períodos principais em que ocorreram mudança de mix de produtos são 2017-04 a
2017-10 e 2018-04 a 2018-09.
Podemos considerar que uma mudança de mix demora algum tempo para dar retorno,
mas ainda assim os resultados dessa medida foram inconclusivos se considerarmos
que depois de adicionar alimentos junk food, a startup não sabe como dar os próximos
passos. A startup não identificou as categorias de produtos que mais vendem e não
sabe explicar como pode usar mudanças de preços e de ticket médio (Figura 41) para
aumentar seu lucro. Isso pode sugerir que a startup se afogou em um mar de dados e
realizou experimentos sub-ótimos, dois perigos expostos por Maurya (2016, p. 4-7).
Apesar disso, é importante ressaltar que, sob a ótica do modelo de negócios, expandir
o público alvo da startup para consumidores de junk food ao mesmo tempo em que se
mantém o segmento saudável, parece uma estratégia interessante, ainda que tenha
diminuído o ticket-médio da venda.
79
Figura 38: Quantidade de Pontos por Perfil. Fonte: Elaboração Própria.
Figura 39: Faturamento médio por perfil de ponto. Fonte: Elaboração Própria.
80
Figura 40: Quantidade de Vendas Média por perfil de ponto. Fonte: Elaboração Própria.
Figura 41: Ticket Médio da Venda por perfil de ponto. Fonte: Elaboração Própria.
81
4.2.1. Lean Canvas
Os pressupostos existentes no modelo de negócios desta fase puderam ser observados
pelo autor do presente trabalho enquanto o mesmo trabalhava na startup35. Com esses
pressupostos foi elaborado um Lean Canvas referente a essa fase da trajetória (Figura
42) de forma a explicitar o modelo de negócios da Primeira Pivotagem nos parâmetros
do Processo de Empreendedorismo, para então poder analisá-lo. Os pressupostos do
modelo de negócios não foram formulados como hipóteses por serem muito
semelhantes aos pressupostos do modelo de negócios da Segunda Pivotagem, então
o autor do presente trabalho optou por expô-los somente na análise da Segunda
Pivotagem.
Figura 42: Lean Canvas após a primeira pivotagem do negócio (alterações em vermelho). Fonte:
Elaboração Própria.
A proposta única de valor, o problema e a solução foram alterados para abranger
alimentações práticas (snacks) no geral, e não somente alimentos saudáveis. As
alternativas existentes começaram a ser pensadas na operação da empresa.
As métricas-chave foram completamente alteradas para focar nos resultados financeiros
do presente e na análise do potencial de cada ponto, que foi a diretriz que guiou a
realocação das máquinas para novos locais.
35 O autor do presente trabalho entrou na startup em meados de novembro, o que equivale ao início do período aqui chamado de Segunda Pivotagem, mas como em 2018 e 2019 a startup continuou sua operação de vending machines, o autor do presente trabalho pode presenciar o modelo de negócios da startup da Primeira Pivotagem em execução e analisá-lo.
82
O segmento de clientes foi alterado para focar em empresas com mais de 150
funcionários, pois esse é o número que a startup acredita que é o necessário para
garantir um faturamento razoável de uma vending machine e gerar um ROI e Payback
atraentes. O segmento de faculdades particulares continuou a operação dentro da
mesma faculdade do início, com expansão somente para novos andares ou edifícios da
mesma.
Os canais não foram muito desenvolvidos, mas foram por esses quatro que surgiram
novas oportunidades de pontos.
Com as mudanças da primeira pivotagem a startup passou a ter um modelo negócios e
uma operação similar ao da maioria dos players de vending machines do Brasil. Não
havia diferencial e nem vantagens claras36. Nesse contexto, a competição passa a ser
por participação de mercado e as grandes empresas do mercado de vendings, como a
Gran Coffee, costumam ter vantagens operacionais e financeiras devido à escala. Essa
percepção pode ter influenciado na decisão de realizar a segunda pivotagem em busca
de um diferencial competitivo.
4.3. Análise da Segunda Pivotagem
Durante todo o período analisado da Segunda Pivotagem, o autor do presente trabalho
foi funcionário da startup. Além de participar do dia a dia da startup, o autor do presente
trabalho também utilizou a base de dados de vendas de produtos e entrevistas com os
sócios e com os funcionários para realizar a análise desta fase da trajetória.
No período dos dados analisados no trabalho houve a instalação de dois micro-markets
em um co-working, o primeiro em outubro e o segundo em novembro. Além disso, a
ideia seria substituir o maior número de vending machines por micro markets nos pontos
já existentes. Em fevereiro e março de 2019 a troca por micro markets já havia sido
negociada em alguns pontos, mas o fornecedor da telemetria ficou sem totens para
pronta entrega devido a um furo de estoque. Essa falta gerou atraso para a instalação
de novos pontos e com isso afetou o crescimento da startup nesses meses.
36 Os únicos diferenciais da startup na visão dos sócios eram: aceitar vale refeição enquanto a maioria das vendings concorrentes não aceita; e ter um mix de produtos mais premium em contraste com produtos populares na maioria dos concorrentes. Só que esses diferenciais são facilmente imitáveis.
83
4.3.1. Lean Canvas
O autor do presente trabalho pode observar os pressupostos existentes no modelo de
negócios desta fase ao longo dos meses em que trabalhou na startup. A base de dados
e entrevistas com sócios e funcionários deram apoio e confirmaram os pressupostos
identificados. Com esses pressupostos foi elaborado um Lean Canvas referente a essa
fase da trajetória (Figura 43) de forma a explicitar o modelo de negócios da Segunda
Pivotagem nos parâmetros do Processo de Empreendedorismo, para então poder
analisá-lo. Em seguida, os pressupostos do modelo de negócios são formulados como
hipóteses que podem ser testadas pelo processo de Customer Discovery.
Figura 43: Lean Canvas após a segunda pivotagem do negócio (alterações em vermelho). Fonte:
Elaboração Própria.
A segunda pivotagem alterou o modo de fornecimento do serviço da startup, passando
a incluir a opção de micro markets, que possui um custo de instalação menor que o da
compra de uma vending machine e permite uma maior flexibilidade na escolha do mix
de produtos por não estar limitado ao número de canaletas. Isso alterou a solução
fornecida. A inclusão de refeições congeladas mudou a proposta única de valor, que
deixou de ter um foco somente snacks.
A redução de custos de instalação diminui o ROI e o Payback, enquanto o maior mix
aumenta o público alvo em potencial do ponto de venda. A união desses dois fatos
permite que um ponto seja lucrativo e gere retorno dentro do prazo esperado mesmo
com uma quantidade menor de funcionários dentro da empresa. Todavia, com a
84
mudança de vendings para micro markets, o custo de telemetria aumentou. O custo é
de 130 reais mensais por cada vending e 300 reais mensais por cada micro market.
Por fim, acabou surgindo a oportunidade de realizar o coffee break de eventos que
acontecem em um dos pontos de micro market no formato em que os participantes
consomem o que quiserem de produtos da startup e no final a empresa que organizou
o evento paga o que foi consumido. Todavia, esse modelo tem apresentado dificuldades
na contagem de quantos produtos foram vendidos de cada item.
A segunda pivotagem foi baseada em pressupostos dos sócios sobre as vantagens de
começar a operar com micro markets. A maior parte desses pressupostos tem um
embasamento lógico bem forte, mas ainda assim os pressupostos mais arriscados
precisam ser testados para entender o que acontecerá na prática. Os pressupostos
principais foram formulados como hipóteses:
1. O aumento do lucro dos pontos será maior que o aumento dos custos logísticos
associados a expansão do mix de produtos.
2. A ocorrência de furtos será pequena o suficiente para não comprometer os
lucros.
3. O micro market terá uma quantidade de vendas maior que uma vending no
mesmo local.
4. Os consumidores irão preferir micro markets e não vending machines por
poderem tocar nos produtos e pela variedade de opções.
5. As empresas irão preferir instalar micro markets e não vending machines.
6. Será possível substituir as vendings de todos os pontos por micro markets.
7. As refeições congeladas serão uma opção atrativa de almoço e gerarão vendas
que compensem o aumento da complexidade e custos de logística.
8. Locais com 100 funcionários resultarão em pontos de micro markets
suficientemente lucrativos em termos de ROI e Payback.
9. Locais com 150 funcionários resultarão em pontos de vendings suficientemente
lucrativos em termos de ROI e Payback.
10. O lucro vindo de coffee breaks de eventos realizados é maior que o lucro vindo
de horas de trabalho usadas em outras atividades e justifica o aumento da
complexidade logística e a mudança de foco da startup.
Das dez hipóteses listadas, só foi possível obter uma refutação definitiva para a 5 e a 6.
Nos dois casos, durante as negociações para instalação de micro markets houveram
empresas que foram irredutíveis ao preferirem vendings e não micro markets devido a
possibilidade de furto de produtos. No caso de confirmação, a hipótese 4 é a única que
85
foi confirmada. Todas as outras hipóteses (1, 2, 3, 7, 8, 9, e 10) no momento estão
inconclusivas e precisam de mais investigação. A hipótese 10 não foi refutada, mas os
eventos de coffee break se tornaram cada vez mais raros por falta de demanda.
86
5. Presente e Futuro da Startup
A trajetória da startup e as decisões de seus sócios foram analisadas anteriormente sob
a ótica do processo de empreendedorismo, ou seja, as escolhas feitas se encontram no
passado e foram expostas no trabalho usando o vocabulário do processo de
empreendedorismo. Já o Presente e Futuro da Startup será uma análise da situação
presente da startup feita pelo autor a fim de propor mudanças para o futuro da startup.
5.1. Customer Factory Blueprint
Maurya (2016, p. 29), definiu que a meta de uma startup é a tração. A tração é a taxa
em que um modelo de negócios captura valor de seus usuários. No caso de negócios
de venda direta (como a startup analisada neste trabalho) a tração é a taxa em que você
converte usuários não pagantes em usuários pagantes (Maurya 2016, p. 32).
A tração pode dizer se o empreendedor está caminhando na direção certa, mas não
pode dizer porquê e o que fazer para melhorar. Por isso, precisamos dividir a tração em
métricas adicionais presentes na Customer Factory Blueprint de modo a analisar melhor
a situação da startup (Maurya 2016, p. 105). A Customer Factory Blueprint da startup
está representada na Figura 44.
Figura 44: Customer Factory Blueprint da Startup. Fonte: Elaboração Própria
87
1. Aquisição: A aquisição ocorre tanto no processo de venda para abertura de
novos pontos quanto no momento em que o micro market já está instalado e um
consumidor em potencial passa na frente do micro market. Para a abertura de
novos pontos, a startup está no momento estruturando sua área comercial e
contratou um estagiário para se dedicar somente a isso. Para a atração de
consumidores, a startup realiza um evento de inauguração em todo ponto novo
e também busca criar uma identidade visual nos micro markets que chamem
atenção.
2. Ativação: Na ativação, a startup procura sempre deixar o micro market
organizado durante os abastecimentos que acontecem duas ou três vezes na
semana em cada ponto. Além disso, a startup busca expor os preços dos
produtos em locais de fácil visualização. Outra preocupação é com a usabilidade
do totem para escanear produtos e pagamentos, pois uma má experiência nesse
momento poderá será frustrante e poderá ser observada por outros
consumidores.
3. Retenção: Após visitar e olhar os produtos no micro market, os consumidores
em potencial podem decidir comprar produtos para se alimentar em outro
momento, como mais tarde durante um intervalo ou no café da manhã do dia
seguinte.
4. Receita: A receita acontece quando os consumidores compram produtos no
micro market. Nesse momento é preciso garantir uma boa experiência na
utilização do totem durante o evento da compra.
5. Referência: Os consumidores falam positivamente ou negativamente sobre sua
experiência de compra ao usar o micro market com colegas no trabalho e
também com amigos que trabalham em outras empresas, indicando a startup
para novos pontos em potencial.
A meta de uma startup é adquirir tração e a tração no caso analisado é a taxa em que
usuários não pagantes são transformados em usuários pagantes. Nesse sentido, as
duas estratégias para aumentar a tração são: (1) aumentar o número de pontos de
vendas; (2) aumentar o número de consumidores dentro dos pontos de vendas
existentes. A primeira estratégia segue o caminho de estruturar o processo de vendas
e a equipe comercial da startup acelerar a abertura de novos pontos. Essa abordagem
é bem explorada na literatura de vendas complexas e possui indicadores claros que são
fáceis de serem medidos. Já a segunda estratégia está mais ligada ao que foi
desenhado na customer factory blueprint. Os indicadores desse modelo consistem nas
88
cinco métricas piratas (AAARR), mas a startup hoje só consegue medir uma dessas
cinco métricas.
A startup atualmente não consegue medir a quantidade de pessoas que passam em
frente aos micro markets (aquisição) e nem os que param para olhar (ativação). Do
mesmo modo, ela não consegue medir a retenção dos consumidores por não conseguir
identificar quem passa no micro market e nem a indicação entre colegas no mesmo
trabalho (retenção). Os dados que startup consegue medir atualmente são os produtos
vendidos com informações sobre a hora e o valor da compra (receita), mas sem
conseguir identificar quem são os consumidores.
Não conseguir medir quatro das cinco métricas piratas é preocupante porque dificulta a
identificação de onde está a restrição atual do sistema, o que limita o crescimento da
tração. A ausência de dados também dificulta a observação dos resultados de testes de
mudanças em elementos da operação da startup. Grandes operadores do setor de
varejo, como supermercados e farmácias, também passam por situações semelhantes
e a solução que encontraram para identificação de consumidores é um cadastro pelo
número de CPF que gera pequenos descontos nas compras. A startup pode tentar
desenvolver uma solução parecida para conseguir gerar esses dados.
Além de não acompanhar as métricas piratas, a startup hoje não busca elaborar projetos
ou testes com a intenção de melhorar o desempenho das cinco métricas: (1) na
aquisição, se faz um evento de degustação na inauguração do ponto e depois nunca
mais é feita alguma iniciativa para atrair clientes para o micro market; (2) na ativação,
não há novas iniciativas que chamem a atenção do cliente no micro market uma vez
que ele já tenha parado para olhar; (3) na retenção acontece o mesmo; (4) na receita,
os preços dos produtos e o processo em si é sempre o mesmo; (5) e na referência, a
startup não realiza nenhuma atividade para potencializar a ocorrência de divulgação
boca a boca.
5.2. Lean Canvas
A startup atualmente não possui diferenciais competitivos fortes. Seus sócios
argumentam que aceitam vale refeição e possuem uma linha de produtos mais premium
que os concorrentes, mas essas “vantagens” são facilmente imitáveis. Do mesmo modo,
o modelo de micro market está se expandindo no Brasil e existem concorrentes que
também instalam micro markets. Com a existência de mais empresas atuando no
89
segmento de micro markets, o setor se voltou para a velocidade de crescimento e
instalação de novos pontos, pois uma vez que um ponto possua um micro market
instalado, é bem mais difícil de conseguir acesso a ele.
Os sócios da startup haviam definido que empresas com pelo menos 100 funcionários
seriam elegíveis para instalação de micro markets em função dos indicadores ROI e
payback. Todavia, como a concorrência com outras empresas está aumentando, uma
estratégia mais inteligente seria focar a equipe comercial na expansão para empresas
maiores, com mais de 200 funcionários, porque esses locais possuem um maior
potencial de vendas. Além disso, seria melhor começar por tipos de empresas nas quais
os funcionários passam mais horas dentro do escritório de trabalho, como no mercado
financeiro e em grandes escritórios de advogados, nos quais madrugar no trabalho é
um acontecimento mais comum.
Além disso, definir um perfil de early adopter também pode ajudar na estratégia
comercial. Os escritórios de empresas que se situam longe de outras opções de
alimentação são o perfil ideal de early adopter, pois eles possuem a dor de alimentação,
estão conscientes de que tem a dor, e provavelmente montaram uma solução por meio
de aplicativos de delivery ou levando comida de casa. Uma maneira nova de tentar
chegar a escritórios de empresas com esse perfil é contatando as empresas
administradoras de edifícios, que possuem contato direto com os escritórios em seus
prédios.
No caso do contato com as empresas para instalação de pontos, a startup até o
momento enxergava os problemas sob a ótica dos funcionários das empresas, mas não
sob a ótica das empresas em si. A alimentação próxima ajuda a solucionar o problema
da produtividade no trabalho, pois as pessoas precisam se alimentar para ser
produtivas. Esse discurso pode ser usado durante a realização de vendas e negociação
de instalação de novos pontos usando o conceito de alto nível “tão rápido quanto fazer
um miojo”.
As métricas-chave foram alteradas e agora serão a tração em conjunto com as métricas
piratas. Para conseguir medir as métricas piratas será preciso desenvolver um sistema
próprio que permita captar dados dos clientes ao longo dessas métricas. O sistema terá
como objetivo estimular a recorrência de vendas e assim aumentar o faturamento de
cada ponto individualmente. O modelo de captação de dados por CPF de grandes
empresas do varejo pode ser usado como estímulo para desenvolver um sistema por
meio de digitais nos micro markets que seja integrado com um banco de dados ou
aplicativo que realize o pagamento por meio de um cartão de crédito pré-cadastrado.
90
Esse sistema se tornaria uma vantagem injusta da startup frente aos demais
concorrentes e também ajudaria a reduzir o custo de telemetria por máquina.
Por fim, a opção de realização de eventos de coffee break em pontos de vendas de
micro markets deve ser descontinuada. O motivo é que somente um ponto (o de
coworking) se mostrou interessado no início, mas com o tempo optou por não mais
contratar o serviço de coffee break devido ao alto custo e dificuldades na hora do
pagamento. A equipe da startup é pequena e a realização desses eventos tirava o foco
do estagiário responsável pelo comercial que pode trazer mais retorno para a startup se
focar somente na negociação e instalação de novos pontos.
O conjunto de mudanças propostas no modelo de negócios pode ser visualizado na
Figura 45.
Figura 45: Lean Canvas da análise do presente e proposta de futuro (alterações em vermelho). Fonte:
Elaboração Própria.
5.3. Customer Discovery
A startup analisada no trabalho nunca realizou uma interação com os consumidores que
se assemelhe ao customer discovery e, por esse motivo, quase tudo que a startup
conhece hoje sobre o comportamento dos consumidores são pressupostos não
validados.
91
As três primeiras etapas do processo de customer discovery serão elaboradas com base
no que já foi discutido até aqui de modo a guiar o aprendizado futuro da startup. Vale
ressaltar que o processo de customer discovery retratado no presente trabalho possui
um foco em análises qualitativas e não quantitativas e por isso nem todas as hipóteses
poderão ser testadas por meio de entrevistas.
Etapa 1: Elaborar Hipóteses
O lean canvas representado na Figura 45 está carregado de pressupostos sobre o futuro
da startup que precisam ser validados. De modo semelhante, o lean canvas da segunda
pivotagem (Figura 43) possui algumas hipóteses que ainda não foram validadas ou
refutadas. Primeiramente listar-se-ão novamente as hipóteses contidas na segunda
pivotagem que ainda estão inconclusivas:
1. O aumento do lucro dos pontos será maior que o aumento dos custos logísticos
associados a expansão do mix de produtos.
2. A ocorrência de furtos será pequena o suficiente para não comprometer os
lucros.
3. O micro market terá uma quantidade de vendas maior que uma vending no
mesmo local.
4. As refeições congeladas serão uma opção atrativa de almoço e gerarão vendas
que compensem o aumento da complexidade e custos de logística.
5. Locais com 100 funcionários resultarão em pontos de micro markets
suficientemente lucrativos em termos de ROI e Payback.
6. Locais com 150 funcionários resultarão em pontos de vendings suficientemente
lucrativos em termos de ROI e Payback.
7. O lucro vindo de coffee breaks de eventos realizados é maior que o lucro vindo
de horas de trabalho usadas em outras atividades e justifica o aumento da
complexidade logística e a mudança de foco da startup.
Além disso, é preciso expor os pressupostos contidos no lean canvas sobre o futuro da
Figura 45 na forma de hipóteses refutáveis:
8. Locais em que a jornada de trabalho é mais longa e que trabalham de
madrugada consomem mais produtos (mercado financeiro e escritórios de
advogados).
9. Empresas que se situam longe de outras opções de alimentação consomem
mais produtos
92
10. A startup possui capacidade para desenvolver um sistema própria para monitorar
o progresso dos consumidores ao longo das métricas piratas.
11. A startup irá conseguir captar dados do funil e influenciar compras com o sistema
próprio.
12. A startup irá conseguir entrar em contato com as administradoras de edifícios
para conseguir gerar oportunidades de aberturas de novos pontos.
13. A startup irá conseguir provar por meio de dados que a produtividade dos
funcionários das empresas aumenta com a instalação do micro market.
Ademais, a startup precisa conhecer melhor o comportamento de seus consumidores e
entender o perfil deles dentro dos pontos existentes. As hipóteses a serem testadas
sobre os consumidores são:
14. A startup alcança clientes de todos os poderes aquisitivos e cargos dentro do
escritório da empresa.
15. Acredita-se que o dia de pagamento do salário tem influência nas compras.
16. Acredita-se que a quantia que o consumidor ainda possui no vale refeição tem
influência nas compras.
17. Acredita-se que o consumidor vá até o micro market já tendo pensado
previamente no que irá comprar.
18. Acredita-se que o consumidor compre um produto similar se não encontrar o
produto que estava pensando previamente em comprar.
As hipóteses de 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9 e 13 dependem de dados que não podem ser
coletados inteiramente por meio de entrevistas pessoais. Será preciso olhar a base de
dados de vendas de produtos existentes na telemetria, que possui local, data, hora,
produto e valor da venda para uma investigação quantitativa em busca de padrões.
Ainda assim, algumas dessas hipóteses podem ser investigadas de modo qualitativo
por meio de entrevistas presenciais com consumidores, como as hipóteses 3, 4, 8, 9 e
13. Por outro lado, as hipóteses 10 e 11 dependem de competências que não podem
ser validadas por meio de entrevistas e a hipótese 12 depende de tentar contatar as
administradoras de edifícios. As hipóteses 14, 15, 16 e 17 dependem de conversas com
os consumidores. Desse modo as hipóteses a serem analisadas por meio do processo
de customer discovery qualitativo serão:
1. O micro market terá uma quantidade de vendas maior que uma vending no
mesmo local.
2. As refeições congeladas serão uma opção atrativa de almoço e gerarão vendas
que compensem o aumento da complexidade e custos de logística.
93
3. Locais em que a jornada de trabalho é mais longa e que trabalham de
madrugada consomem mais produtos (mercado financeiro e grandes escritórios
de advogados).
4. Empresas que se situam longe de outras opções de alimentação consomem
mais produtos
5. A startup alcança clientes de todos os poderes aquisitivos e cargos dentro do
escritório da empresa.
6. Acredita-se que o dia de pagamento do salário tem influência nas compras.
7. Acredita-se que a quantia que o cliente ainda possui no vale refeição tem
influência nas compras.
Etapa 2: Elaborar Roteiro de Entrevistas
O roteiro de entrevistas deve conter perguntas que busquem validar as hipóteses
levantadas anteriormente seguindo os princípios de elaboração de boas perguntas
exposto no referencial teórico do processo de customer discovery. A proposta de roteiro
de customer discovery é:
1. Boa tarde/dia/noite eu sou o fulano e trabalho na startup. Estamos querendo
melhorar a qualidade de nosso serviço e para isso queremos ouvir nossos
consumidores. Você teria 10 minutos para conversar comigo?
2. Primeiro, pode me dizer sua idade e cargo na empresa?
3. Como conheceu nosso micro market?
4. Quantas vezes você comprou aqui nesta semana?
5. Veio à procura de qual produto?
6. Já sabia o que queria comprar ou decidiu aqui na hora?
7. Alguma vez você não encontrou o produto que procurava? O que fez então,
desistiu ou comprou um similar?
8. Quais produtos você tem o hábito de comprar?
9. Qual o valor diário do seu vale refeição? Ele já acabou antes do mês terminar?
Pode me contar sobre a última vez que isso aconteceu?
10. Você já comprou refeições congeladas no micro market para comer durante seu
horário de almoço?
11. Onde você compra produtos quando não se alimenta no micro market?
94
12. Qual foi a última vez que você trouxe algum alimento ou bebida de casa? E a
última vez em que comprou em algum lugar próximo ao trabalho? Quais
alimentos e bebidas?
13. Já teve alguma dificuldade durante a realização de alguma compra?
14. Você pode me descrever como é um dia no seu trabalho?
15. Quais são as atividades mais importantes para você?
16. O que mais te incomoda no ambiente de trabalho?
17. Há mais alguma coisa que eu deveria ter perguntado?
Etapa 3: Encontrar potenciais consumidores
No caso da startup, como ela já possui vending machines e micro markets em operação,
é possível visitar os pontos existentes que se encaixam nos perfis que permitem testar
as hipóteses.
No caso da hipótese 1, deve-se visitar pontos que possuíam vending machines
anteriormente e que passaram a ter micro markets. No caso da hipótese 2, deve-se
visitar pontos que possuem freezer com a opção de refeições congeladas. No caso da
hipótese 3, deve-se visitar pontos existentes nos quais a jornada de trabalho seja mais
longa, como o caso dos pontos de mercado financeiro e grandes escritórios de
advogados. No caso das hipóteses 4, 5, 6 e 7 deve-se visitar o maior número de pontos
diferentes possíveis para tentar validar ou refutar essas hipóteses, pois as quatro
dependem de uma comparação entre pontos com perfis diferentes.
Além de abordar os consumidores para realizar entrevistas seguindo o roteiro, pode ser
interessante também observar os consumidores no momento que realizam sua compra.
Outra opção é assumir o papel de comprador dos pontos para entender como é o
processo de compra nas vendings e nos micro markets.
Tendo um roteiro em mãos e tendo definido os locais nos quais os consumidores serão
encontrados, deve-se lembrar de seguir os princípios das etapas 4 e 5 do processo de
customer discovery para a realização das entrevistas e compilação de dados em busca
de padrões.
95
5.4. Estratégia de Saída
Neste trabalho as duas estratégias de saída de sucesso apresentadas foram o IPO
(oferta pública inicial) na bolsa de valores e a venda do negócio para outra empresa
(fusões e aquisições). Antes de ponderar sobre qual das duas a startup deve seguir,
serão analisados alguns dados do setor de vendings e micro markets e também sobre
o modelo de negócios da startup.
A startup analisada no trabalho atua no setor de varejo e os dados sobre o mercado de
vending machines e micro markets tanto nos EUA quanto no Brasil mostram uma
tendência de concentração de vendas em empresas grandes enquanto a participação
de empresas pequenas – como a startup analisada – tem diminuído, com muitas
empresas pequenas saindo do mercado devido a diminuição das margens de lucro
devido à competição. No mercado brasileiro em especial, há a Gran Coffee que possui
um fundo de private equity por trás que está injetando capital para uma rápida expansão
de pontos por todo o Brasil. A startup do trabalho atualmente não possui diferenciais
competitivos duradouros e também não possui perspectivas de no curto prazo conseguir
levantar capital suficiente para conseguir competir com a Gran Coffee em velocidade de
abertura de pontos.
Além disso, toda a equipe de gestão da startup é composta por pessoas com menos de
30 anos que não possuem experiência de trabalho prévia no setor de varejo. Essa
informação, quando comparada aos dados sobre a relação entre idade e experiência de
trabalho e a chance de sucesso de startups, não gera perspectivas positivas sobre as
chances de sucesso da startup analisada no trabalho.
Ainda assim, a startup também possui pelo menos uma vantagem por ser pequena, que
é poder focar na melhoria do seu serviço sem ter que ao mesmo tempo se preocupar
em crescer na mesma velocidade que grandes empresas. As grandes empresas do
setor de vendings e micro markets ainda não conseguiram resolver a questão de como
conseguir medir e acompanhar as cinco métricas piratas. Assim, se a startup primeiro
conseguir desenvolver o sistema que a permita conseguir acompanhar essas métricas
e em seguida usar esse sistema para focar em como aumentar a receita dos pontos já
existentes, então ela terá uma competência que será seu diferencial.
Para a startup analisada chegar ao momento de realizar um IPO muitos anos ainda
serão necessários, pois será preciso se expandir por todo o Brasil antes. Como
comparação, nem a Gran Coffee, que é a maior empresa do setor de vendings e micro
markets do Brasil, possui ações na bolsa. Por outro lado, na perspectiva de vender a
96
startup para uma empresa maior do setor, existe a própria Gran Coffee que tem
adquirido outras empresas do setor nos últimos anos. Todavia, a Gran Coffee usou
multiplicadores de faturamento para determinar o valor das empresas de vending
machines que comprou, pois o que ela adquiriu nessas aquisições foi participação de
mercado. Esse cenário no qual a startup analisada seria adquirida pela Gran Coffee ou
outra empresa do setor mostra a importância de um diferencial competitivo duradouro,
que seria permitido pelo desenvolvimento do sistema que monitore o comportamento
dos consumidores ao longo das cinco métricas piratas. Desse modo, o foco da startup
deve ser primeiro desenvolver o sistema e comprovar sua eficácia para depois pensar
em uma venda integral do negócio para outra empresa maior.
97
6. Conclusão
O presente estudo de caso pôde mostrar ao autor o quanto a aplicação do processo de
empreendedorismo em uma startup pode ser capaz de contribuir tanto para a evolução
de uma ideia quanto para um negócio em funcionamento.
No início do presente trabalho é feito um referencial teórico no qual se faz um compilado
dos conceitos essenciais do universo do empreendedorismo. Foi apresentado: a
definição de startup de Blank & Dorf (2012); o conceito de Early Adopters de Moore
(2014); a pirâmide da dor de Blank (2013); os conceitos de segmentação de mercado e
beachhead market de Aulet (2013); o conceito de decision making unit de Aulet (2013);
os conceitos principais por trás de investimentos em startups (como as rodadas de
investimento) e estratégia de saída de startups baseado principalmente em Feigelson,
Nybo & Fonseca (2018); e a importância da idade de fundadores para o sucesso de
startups vindos da pesquisa de Azoulay et al (2018). Essa síntese pode ajudar qualquer
pessoa sem conhecimento prévio a se situar na comunidade empreendedorismo em
startups.
Em seguida, é apresentado o processo de empreendedorismo com base principalmente
nas contribuições de Ash Maurya (2012 e 2016), que nos fornece três modelos para
estruturar o pensamento e o desenvolvimento de startups: o Lean Canvas, que ajuda a
desconstruir um negócio complexo em um modelo de negócios de uma página; o
Modelo de Tração, que centraliza os esforços da startup em uma única meta – a tração
– que informa se o negócio está indo na direção certa; e a Customer Factory Blueprint,
que auxilia a tomar decisões no dia-a-dia da startup e busca explicar os motivos para o
negócio estar dando certo ou errado.
Depois, o autor do presente organiza o processo de Customer Discovery a partir das
contribuições principalmente de Maurya (2012), Fitzpatrick (2013) e Constable (2014).
O processo de Customer Discovery organizado é o que o autor do presente trabalho
considera como sua maior contribuição para a área de pesquisa de Processo de
Empreendedorismo, pois foi possível unir os conceitos essenciais abordados antes junto
com princípios de interação com clientes levantados por diferentes autores para
sintetizar um processo com explicações mais completas e úteis para aplicação.
Além disso, é feita uma análise do mercado de vending machines e micro markets dos
Estados Unidos, que possui uma série de relatórios e dados específicos sobre o
segmento disponíveis, e sobre o mercado brasileiro, no qual é mais difícil de conseguir
dados, mas que é essencial para o entendimento das oportunidades e tendências
98
existentes em nosso país. O mercado americano, por ter tamanho territorial e
populacional parecido com o brasileiro, pode ser utilizado como proxy tentar entender
esse setor brasileiro.
O estudo de caso foi desenvolvido em torno das três fases da trajetória da startup: a
Concepção do Negócio; a Primeira Pivotagem: mudança de público e produtos; e a
Segunda Pivotagem: Micro market. Em seguida, a situação atual da startup foi analisada
e foi feita uma proposta para o futuro.
Na Concepção do Negócio foi exposto como a startup foi construída com base na
elaboração e execução de um plano de negócios. Com base no plano de negócios que
o autor do presente trabalho teve acesso (anexo 2) foi possível descrever e em seguida
analisar essa etapa da trajetória sob a ótica do processo de empreendedorismo.
Pode-se notar que como os conceitos de criação de hipóteses, testes, aprendizado e
iteração permitem uma tração mais rápida e na direção certa de uma startup, em
contraste com a rigidez e lentidão de um plano de negócios.
Com a Primeira Pivotagem, algumas partes do modelo de negócios foram alteradas
baseadas na mudança de público e produtos. Com esse novo modo de operação, pode-
se notar que a startup alcançou melhores resultados financeiros por meio da análise da
base de dados de vendas de produtos. Ao mesmo tempo, foi possível identificar que as
iniciativas para mudança de mix de produtos nos pontos podem não ter tido o efeito de
aumento de faturamento esperado, pois a startup não provou a causalidade entre esses
dois acontecimentos. Esse cenário faz o autor do presente trabalho acreditar que a
startup está correndo os perigos de se afogar em dados e realizar testes sub-ótimos
expostos por Ash Maurya (2016, p. 6-9).
Na Segunda Pivotagem o espaço de tempo analisado foi pequeno, mas foi possível
identificar a intenção de buscar um diferencial competitivo por meio da operação de
micro markets. Ainda assim, os pressupostos sobre o novo modelo de negócios não
haviam sido validados antes da pivotagem e a maior parte deles continua sem validação
até hoje. Além disso, outras empresas no Brasil começaram a operar com micro markets
e por isso na prática não houve diferencial competitivo.
No Presente e Futuro da Startup o autor realizou uma análise sobre o momento atual
da startup e propôs mudanças no modelo de negócios visando obter um diferencial
competitivo (vantagem injusta) que não seja de fácil imitação, que consiste em um
software próprio que permita captar dados sobre o comportamento dos consumidores
ao longo do funil das cinco métricas piratas criadas por Dave McClure (Aquisição,
99
Ativação, Retenção, Receita e Referência). O autor também fez uma proposta de como
validar as hipóteses com a aplicação das três primeiras etapas do processo de
Customer Discovery. Além disso, o autor discorreu sobre as possibilidades de estratégia
de saída da startup (IPO ou venda para concorrente), optando por vender o negócio
para um concorrente maior após o desenvolvimento do software próprio que permita um
diferencial competitivo duradouro e que com isso faça a startup aumentar de valor de
mercado.
Também é válido destacar que, assim como o processo de empreendedorismo serviu
de grande valor para a análise da startup, acredita-se que o estudo de caso em questão
poderá contribuir para que pessoas que tenham ideias, estejam no início de um negócio
ou até já possuam uma empresa rodando, mas tenham dificuldades de encontrar um
modelo que tracione possam se basear nos erros e aprendizados aqui relatados para
executar melhor e ter sucesso mais rápido.
Por fim, a partir das contribuições e limitações desse trabalho é possível refletir sobre
possíveis desdobramentos para trabalhos futuros, tendo os principais como:
• Estudos sobre startups com modelos de múltiplos lados ou de marketplace.
Apesar de o presente trabalho ter se limitado à aplicação do método em startups
de venda direta, os modelos de múltiplos lados e marketplaces também são
abordados no processo de empreendedorismo de Ash Maurya presente nos
livros Running Lean e Scalling Lean e um estudo de caso prático poderia ser de
grande valia.
• Estudos sobre startups de outros setores diferentes do de vending machines e
micro markets. O ramo de varejo tem problemas bastante específicos que podem
não ilustrar bem situações a serem passadas em outras indústrias.
• Estudos de caso sobre a aplicação do processo de customer discovery com foco
na parte quantitativa, uma vez que o presente trabalho focou na parte qualitativa
do customer Discovery.
• Estudos de caso da aplicação do processo de empreendedorismo em empresas
que já tenham entrado na fase de escala, dado que o presente estudo de caso
é focado nas duas primeiras etapas do modelo de tração, o Problem/Solution Fit
e o Product/Market Fit.
100
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Site Steve Blank. Disponível em: https://steveblank.com. Acesso em: 01 de agosto de
2019.
104
Anexos
Anexo 1: Manual da planilha de otimização de mix
Indicadores
Para explicar o funcionamento dos testes, primeiro é preciso expor as variáveis das
vending machines: Cada máquina possui seis andares de produtos e cada andar possui
oito canaletas. Em cada canaleta é possível colocar uma mola que determina a
quantidade de produtos que cabe em uma fileira. Produtos mais grossos, precisam de
um espaçamento maior e com isso o total que cabe na fileira é menor. As molas variam
podendo caber entre 5 e 15 itens em uma fileira. Além disso, existem determinados
produtos que são mais largos do que o espaçamento de uma canaleta e por isso
precisam ocupar duas canaletas simultaneamente.
Com esses conceitos definidos, foram elaborados cinco indicadores para analisar o
desempenho dos produtos:
• Índice de desempenho: Ele é calculado dividindo a participação no lucro de um
produto pelo número de canaletas que tal produto ocupa na máquina e, depois,
multiplicando o resultado por 100. Com isso, é possível relacionar a lucratividade
dos produtos com o espaço que eles ocupam na máquina.
• Lucro por canaleta total: Ele indica o lucro que cada canaleta do produto teve
no período de tempo analisado. Para calculá-lo, deve-se dividir o lucro do
produto pelo número de canaletas que ele ocupa. Como é possível perceber, é
uma análise similar ao índice de desempenho, mas em algumas situações o
lucro por canaleta é preferível por se tratar de valores reais, em dinheiro, e não
simplesmente um número abstrato.
• Tempo necessário para vender tudo: Para calculá-lo, primeiro é necessário
dividir o número de vendas de um produto no período analisado pelo número de
dias desse período. Assim, encontra-se o número de vendas por dia (velocidade
de vendas). Depois, multiplica-se esse valor pelo número total daquele produto
na máquina, de modo a encontrar o tempo necessário para vender tudo. Se um
produto, por exemplo, tiver um tempo para vender menor que 3 dias, que é um
intervalo comum entre os abastecimentos, indica que talvez haja a necessidade
de adicionar mais uma canaleta de tal produto.
105
• Risco de estar vazia: Se a canaleta ficou vazia entre dois reabastecimentos,
então a demanda pelo produto foi maior do que a quantidade existente na
máquina. Esse indicador é calculado ao dividir o período analisado em intervalos
menores, de 2 ou 3 dias, que representam o período entre reabastecimentos.
Nesses pequenos períodos, sempre que for vendido mais que 2/3 da quantidade
total do produto na máquina, considera-se que houve o risco de a canaleta ficar
totalmente vazia. Ao fim, somam-se todos os períodos em que houve esse risco
para chegar ao resultado total do risco de estar vazia. Esse indicador é
importante pois, caso aconteça de uma máquina ficar sem um produto até que
aconteça um novo reabastecimento, o custo de oportunidade relacionado às
vendas daquele produto reduz a possibilidade de lucro da máquina.
• Risco de estar cheia: Assim como o risco de estar vazia, é calculado ao dividir
o intervalo analisado em período de 2 ou 3 dias. Em cada um desses intervalos,
se determinado produto não tiver sido vendido nenhuma vez, considera-se o
risco de a canaleta ter ficado cheia. Ao final, devem ser somados os períodos
em que houve essa possibilidade para calcular o risco ao longo de todo o
intervalo de tempo analisado. Novamente, utiliza-se o “risco”, pois intervalos de
reabastecimento são irregulares. Esse indicador tem um papel relevante no
momento de considerar retirar uma canaleta de um produto da máquina.
Junto com cada indicador, foram estabelecidas notas que vão de 0 a 10 que são
utilizadas para comparação entre diferentes indicadores. Para defini-las, atribui-se ao
pior valor de um indicador a nota zero e ao melhor valor, a nota 10. Todas as outras
notas são definidas entre 0 e 10 em uma escala linear.
No caso de indicadores negativos, como Risco de estar cheia e Tempo para vender
tudo, a nota é calculada de modo invertido, para que a nota 10 sempre corresponda a
um desempenho excelente e a nota zero a um desempenho ruim.
Além disso, a nota do Tempo para vender tudo, possui uma diferença em seu cálculo,
pois qualquer valor a partir de 60 dias (tempo para vender um produto) recebe nota zero.
Isso foi feito para evitar que produtos muito destoantes atrapalhem a análise.
Análise de Desempenho
Tendo definido os indicadores e suas respectivas notas, em seguida foi estabelecida
uma forma de combinar os resultados de forma a sugerir adição ou remoção de uma
canaleta de um produto. Para tal, foram elaborados os seguintes parâmetros:
106
Lucro por
canaleta
Nota Vazias Nota Cheias Nota Tempo
para vender
Adicionar
uma canaleta
Maior que
1,25*média
Maior que a
média
Maior que 7,5 Maior que 7,5
Talvez
adicionar
Maior que a
média
Maior que zero - Maior que a
média
Talvez retirar Menor que
0,5*média
- Menor que 5 Menor que 2,5
Retirar uma
caneleta
Menor que
0,25*média
- Menor que 2,5 Igual a zero
Desta forma, para que seja sugerido que se adicione uma canaleta de um produto é
necessário que ele corresponda a todos os critérios para tal: seu lucro por canaleta deve
ser maior que a média de lucro por canaleta da máquina, sua nota de risco de estar
vazio deve ser maior que a média, sua nota de risco de estar cheia e sua nota de tempo
para vender devem ser maiores que 7,5. Caso um produto não atenda a todos os
critérios, ele ainda pode entrar nas sugestões de talvez adicionar e talvez retirar, as
quais possuem critérios um pouco menos rígidos para que um produto seja enquadrado
nelas.
Anexo 2: Plano de Negócios elaborado pelas fundadoras
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