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Santo AmaroFortaleza de
da Barra Grande
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PAULO ROBERTO RODRIGUES TEIXEIRA
A Fortaleza de Santo Amaro foi construída no período
de 1583 a 1584. Nesta época, as coroas portuguesa e espanhola,
estavam unidas. Uma aliança que durou sessenta anos.
A importância do Porto de Santos impôs a
construção imediata desta fortaleza, pelo que representava
como área estratégica, alvo da cobiça inimiga. Com a
restauração do trono português, deu-se início a uma nova etapa
na defesa da Baía de Santos. A reportagem que iniciamos
nos contará esta longa trajetória até os dias atuais.
FOTO: ADLER HOMERO FONSECA DE CASTRO
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No período colonial, as primeiras fei-
torias portuguesas corriam risco per-
manente pela ameaça de assaltos de pi-
ratas ingleses, franceses e holandeses.
Diversas nacionalidades buscavam,
além das riquezas da terra, tomar pos-
se de regiões ainda não ocupadas pela Coroa por-
tuguesa, estabelecendo enclaves destinados a trans-
formar-se em colônias, rompendo, assim, a con-
tinuidade do litoral português. Várias alianças su-
cederam-se dessas nações com os indígenas que
habitavam no Rio de Janeiro, Maranhão, Bahia
e Pernambuco, contra Portugal.
Em 1580, uniram-se as coroas portuguesa
e espanhola, quando Filipe II, rei da Espanha,
ascendeu ao trono português, união
que permaneceu até o ano de 1640.
Os piratas e corsários prossegui-
ram atacando os navios nas rotas co-
merciais dos reinos inimigos, con-
duzindo a Coroa a fortificar cidades,
vilas e feitorias. É nesse cenário que vão ser edi-
ficados fortes e fortalezas para proteger o Porto
de Santos. A Fortaleza de Santo Amaro da Barra
Grande foi uma delas.
A FortalezaEstá localizada na Ilha de Santo Amaro, na
Baía de Santos, em São Paulo, assentada sobre um
esporão rochoso, coberto pela Mata Atlântica,
Acima, vista
panorâmica da
Fortaleza de
Santo Amaro.
Ao lado, águia
dos Habsburgos.
Domínio
espanhol sobre
Portugal
(1580–1640).
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que se projeta sobre o canal de acesso ao porto
de Santos.
Ao todo são mais de 28 mil m2 de área for-
tificada, proporcionando um visual da Baixa-
da Santista que encanta pela beleza natural. O
projeto é de Giovanni Battista Antonelli, arqui-
teto militar que acompanhava a esquadra es-
panhola. Nesse projeto, percebe-se a influência
marcante do terreno, com suas muralhas em
planos diferentes.
A instalação principal da fortaleza é o pré-
dio do quartel. Ali concentravam-se o o coman-
do, a prisão, parte da logística e o alojamento da
guarnição. Hoje, transformou-se em espaços cul-
turais, palcos onde são realizados exposições
temporárias e eventos culturais, sociais e outros.
A Casa de Pólvora, ao lado do Quartel, ofe-
recia risco para a segurança da fortaleza. Foi
transformada em capela e passou a ser um espa-
ço cultural onde se encontra um painel de 20m2,
chamado Vento Vermelho, de autoria do artista
Planta
da Fortaleza
de Santo
Amaro da Barra
Grande.
FOTO: ERALDO SILVA
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plástico Manabu Mabe. A Casa de Pólvora, por sua vez, foi cons-
truída no alto do morro, afastando o perigo que ameaçava as
demais instalações.
Duas baterias ocupando suas posições na encosta, escalo-
nadas em planos diferentes, contribuíam para o bom desempe-
nho da defesa. As peças de artilharia eram direcionadas para o
mar, de onde procedia a principal ameaça dos invasores. Nas suas
extremidades, as guaritas, muito bem dimensionadas no terreno,
serviam de postos de vigilância.
O Fortim do Góes, construído para impedir o desembarque
inimigo na praia ao lado, aumentava a área de defesa da fortaleza,
ligada a ele por uma muralha que dificultava a ação inimiga. O
reduto também fazia parte do sistema de defesa na parte mais alta
da elevação, oferecia excelente campo de tiro e era ocupado por
uma terceira bateria defronte à Casa de Pólvora.
HistóriaA Fortaleza de Santo Amaro da Barra Grande foi construída
entre 1583 e 1584, durante o domínio espanhol, por ordem de
Diogo Flores de Valdez, comandante da expedição destinada a
fortificar o Estreito de Magalhães, a sudeste da Ilha de Santo
Amaro, após o ataque do corsário inglês Edward Fanton.
A sua construção tinha o objetivo de guarnecer o porto de
Santos, que crescia de importância pela sua localização estratégica
1) A Capela
junto ao prédio
dos quartéis.
2) Interior da
Capela destelhada
antes da
restauração.
3) Capela e Quartel
restaurados.
4) Base da guarita.
5) Interior do
quartel destelhado
6) No primeiro
plano, uma das
baterias protegida
pela muralha.
7) Ruínas da Casa
de Pólvora.7
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FOTO: ADLER HOMERO FONSECA DE CASTRO
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e pelo aumento da comercialização das rique-
zas da terra. Era, também, um marco caracteri-
zando, simbolicamente a presença do Rei Filipe II.
Diante da necessidade de torná-lo opera-
cional, antes de seguir para o Rio de Janeiro,
Valdez ordenou que a construção fosse concluí-
da e guarnecida com artilharia de bronze e ferro
e mobiliada com uma guarnição de cem homens.
Muitos eram artífices e dezenas deles, mais tarde,
radicaram-se naquela região.
O ataque do corsário Thomas Cavendish ao
porto de Santos, em 1591, comprovou a fragilida-
de da defesa, até então restrita à Fortaleza da Bar-
ra Grande, para barrar o acesso inimigo. Com a
Visão geral
da Fortaleza.
As duas baterias
ocupavam
suas posições,
escalonadas
em planos
diferentes.
Ao lado,
vista noturna
da Fortaleza
de Santo
Amaro da
Barra Grande.FO
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restauração do trono português em 1640, a ex-
pulsão dos holandeses em 1654 e a descoberta de
ouro na Capitania de São Vicente, em 1698, a pro-
teção do porto de Santos voltou a ser prioridade
política da metrópole.
O rei de Portugal ordenou, em 1698, a arre-
cadação de impostos na Capitania de São Vicente
para sua construção. A tentativa fracassou.
O Brigadeiro João Massé foi o mais impor-
tante personagem na consolidação da defesa mi-
litar da capitania no período colonial. Em 1714,
elaborou os projetos da Fortaleza do Crasto, que
viria mudar o nome para Estacada, e da moder-
nização da Fortaleza da Barra Grande.
Para a Fortaleza de Santo Amaro, o enge-
nheiro Massé iria propor uma ampla reforma.
Apenas o edifício dos quartéis ou casa-forte per-
maneceria igual; o restante seria alterado e am-
pliado para atender aos novos preceitos da ar-
quitetura militar.
O Governador Luiz Antônio de Souza Mou-
rão iniciou, a partir de 1765, a remodelação do
sistema de defesa do porto de Santos. Na Forta-
leza de Barra Grande concluiu a cortina1 e a cor-
tadura2 e construiu a prisão no interior do quar-
tel. Projetou um fortim na Praia do Góes, para
impedir o desembarque e o envolvimento da
fortaleza pelo invasor.
Em 1742, o Governador José Raiz de Olivei-
ra transformou a velha Casa de Pólvora, abando-
nada, em capela. Em 1897, a comissão que estuda-
1 Cortina – Muralha que servia de proteção para as baterias.2 Cortadura – Espaço entre a cortina e a rocha. Os canhões eram po-
sicionados nessa área e permitiam o deslocamento da guarnição.
Um dos
acessos para
o pátio
dos quartéis.
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va o novo plano de defesa trabalhava sigilosamente
com a hipótese de se criarem duas linhas de defesa.
A primeira, na entrada da Baía de Santos, com-
posta de três fortificações assentadas na Ponta de
Itaipu, na Ilha das Palmas, e um forte marítimo
no meio da baía. A segunda linha também com
três baterias situadas na Fortaleza de Santo Amaro.
No fim do século XIX, foi elaborado um
novo plano de defesa do porto de Santos, em fun-
ção da chegada da ferrovia inglesa e da moderni-
zação do sistema portuário de Santos. Os canhões
Krupp e Schneider tornaram obsoleto o sistema
de defesa colonial da Baixada Santista. As novas
instalações de defesa seriam transferidas para
Itaipu. Em 1893, cumpriu sua última missão de
artilharia contra o cruzador República, cujo co-
mandante era o Almirante Custódio de Melo, na
Revolta da Armada, cessando as suas ações opera-
cionais de guerra.
Em abril de 1905, a Fortaleza da Barra foi de-
sarmada, após 312 anos de atividades militares,
substituída pela Fortaleza de Itaipu, situada no
contraforte sul da Baía de Santos.
Em 1967 foi tombada pelo Instituto do Pa-
trimônio Histórico Artístico Nacional (IPHAN).
O processo para a recuperação da fortaleza ini-
Acima, vista
ao anoitecer
do pátio
da Fortaleza
de Santo
Amaro. Ao
fundo a praia
de Santos.
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ciou-se em 1993 com a assinatura do Protocolo de
Intenções entre o IPHAN, a Universidade Católica
de Santos e a Prefeitura de Guarujá.
CuriosidadeA Fortaleza de Santo Amaro da Barra Gran-
de tem uma peculiaridade. Ela é a única que pos-
sui no seu interior um mural, chamado Vento
Vermelho, do artista plástico Manabu Mabe, um
dos maiores atrativos para as inúmeras pessoas
que diariamente visitam as suas instalações.
A antiga Casa de Pólvora converteu-se em
capela, no ano de 1742. Era um depósito de ar-
mamento e munição que foi transformado num
espaço de exposição temporária.
Criado em 1997, o mosaico foi a última obra
desse artista, que veio a falecer em seguida. Ao to-
do são 20m2 quadrados. Uma harmoniosa mes-
cla de cores que encanta o visitante. Em formato
estilizado, representa figuras como um pavão, uma
caravela, uma foca, um porta-estandarte de es-
cola de samba com sua bandeira e outros elemen-
tos culturais relativos à ambientação do forte e à
cultura regional.
O projeto de restauração foi de Antônio Luiz
Dias de Andrade e Victor Hugo Mori e a execução
Sequência de
fotos do interior
da Fortaleza,
espaços
aproveitados
para realização
de exposições
temporárias
e imagem
do Mural de
Manabu Mabe,
na Capela.
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do mural ficou a cargo do ateliê artístico Sara-
sá. Quando Manabu Mabe esteve no local pela
primeira vez, ficou maravilhado com a beleza
do patrimônio e com a vista deslumbrante do
mar. Assim se expressou: “Eu me empenharei
muito para poder deixar minha obra neste lu-
gar maravilhoso.”
Mabe não retornaria mais à capela, porém
sua obra está lá até hoje, fazendo parte do belís-
simo patrimônio histórico, marca contemporâ-
nea na história antiga.
EncerramentoA Fortaleza de Santo Amaro da Barra Gran-
de era o mais expressivo conjunto arquitetôni-
co militar do Estado de São Paulo, entre aque-
las que foram edificadas para a proteção do por-
to de Santos.
No decorrer da história, desde a época em
que foi construída, vimos o que representou pela
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importância estratégica da sua localização. Seus
valorosos homens eram conscientes da responsa-
bilidade que tinham e estavam sempre dispostos
a cumprir a árdua missão de defesa.
Antiga guardiã do porto de Santos, debru-
çada sobre o mar, do seu mirante, que antes era
a posição de tiro das baterias e posto de vigilân-
cia, hoje o visitante vislumbra um belíssimo es-
petáculo visual das cidades de Santos e Guarujá.
Foi sede do Círculo Militar e posteriormen-
te da Sociedade dos Amigos da Marinha. Após
o tombamento pelo IPHAN, em 1967, transfor-
mou-se numa área de realização de eventos cul-
turais, sociais, artísticos, históricos, ambientais,
desportivos e comunitários.
A Universidade Católica de Santos, que tão
bem administra o valioso patrimônio histórico,
abre a sua porta para visitação pública todos os
dias, agora como parte integrante do pólo turís-
tico e cultural da Baixada Santista, para que to-
dos conheçam e vejam a grandiosidade do le-
gado que recebemos dos nossos colonizadores.
Para maiores informações consulte o site:
www.unisantos.br/fortalezadabarra.
REFERÊNCIAS
CORREIA, João Rosado (Coord.). Fortificações portuguesas no Brasil. Monsaraz: Centro de Estudos Patrimoniais Lusófonos da Fundação
Convento da Orada, 1998.
FROTA, Guilherme de Andrea. Quinhentos anos de História do Brasil. Rio de Janeiro: BIBLIEX, 2000.
MORI, Victor Hugo. Arquitetura Militar – Um panorama histórico a partir do Porto de Santos. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado, 2003.
SECOMANDI, Elcio Rogério. Circuito turístico dos Fortes: Região Metropolitana da Baixada Santista, SP. Ed. Universitária Leopoldianum, 2005.
. Fortaleza de Santo Amaro da Barra Grande, SP Ed. Universitária Leopoldianum, 2005.
Vistas
parciais da
Fortaleza.
Ao fundo
a Cidade de
Santos.
PAULO ROBERTO RODRIGUES TEIXEIRA – Coronel de Infantaria e Estado-Maior, é natural do Rio de Janeiro. Tem o curso de Estado-Maior
e da Escola Superior de Guerra. Atualmente é assessor da FunCEB e redator-chefe da revista DaCultura.
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