ANTES E DEPOIS DA LEI 10.639/2003: EXPLORAÇÃO DE IMAGENS AFRO-BRASILEIROS EM DOCUMENTÁRIOS NO ENSINO DE HISTÓRIA É POSSÍVEL?
Maria Elena Américo1 Regina Célia Alegro2
RESUMO
O presente artigo tem por objetivo apresentar reflexões que subsidiaram a análise de imagens de afro-brasileiros em documentários anteriores e posteriores à Lei 10.639/2003, estudando a representação contida nas imagens – como expressam a memória e identidade dos afro-brasileiros – e problematizando o documentário como fonte para o ensino de História e outras áreas específicas. Pressupõe-se que, ao explorá-los como documentos na disciplina de História o professor pode educar o olhar de seus alunos a fim de decifrarem os mitos e os equívocos sobre os afro-brasileiros por meio da contextualização e leitura crítica de imagens no documentário. Pressupõe-se que ao explorá-los como documentos na disciplina de História o professor possa contribuir para a educação do olhar de seus alunos a fim de decifrarem os mitos e os equívocos sobre os afro-brasileiros por meio da contextualização e leitura crítica de imagens no documentário. Palavras-chave: Cultura Afro-brasileira. Documentário como Fonte Histórica. Ensino de História. INTRODUÇÃO
O estudo aqui apresentado parte da análise e reflexão dos conteúdos
da Lei 10.639/2003 que destaca a obrigatoriedade do estudo de história cultural afro-
brasileira e da África. As proposições dessa lei exigem reflexões não apenas sobre
as interpretações da trajetória histórica dos negros afro-brasileiros, mas também das
práticas da didática do ensino de História, pois as imagens negativas e fossilizadas
sobre os afro-brasileiros são forjadas continuamente por diferentes meios de
comunicação e os equívocos quanto a uma identidade humana universal, a falsa
democracia racial, as distorções sobre o ser negro, as discriminações, os
preconceitos e as provocações dos direitos humanos ainda estão presentes no
cotidiano escolar e na sociedade.
A tese da democracia racial engendrada em cada educador não
permite a reflexão sobre o racismo, o preconceito e a democracia racial contra os
1 Professora PDE 2010 2 Orientadora. Universidade Estadual de Londrina.
afro-brasileiros, o que resulta na falta de profissionais de educação envolvidos nessa
discussão e percebe-se pouco material didático específico.
Muitas escolas não desenvolvem conhecimentos relativos ao ensino de
História e da cultura afro-brasileira, essa temática é abordada e concentrada em
datas comemorativas e por ser uma imposição de instâncias governamentais.
Os livros didáticos apresentam o negro como escravo e não como
escravizado, como responsável pelo trabalho e não como construtor de riquezas,
portanto a história do Brasil é pensada a partir do olhar do elemento dominador,
daquele que estabelece as regras do jogo sempre favorável, ou seja, o branco
europeu.
Neste artigo estamos enfatizando a importância do trabalho com o
documentário, um dos gêneros de filme (produzido para o cinema, vídeo ou TV)
mais utilizados pelo professor em sala de aula. Apenas reforçamos a necessidade
do professor se preparar para atuar como mediador dos filmes exibidos, mesmo que
eles sejam documentários sérios e aprofundados.
Vivemos em um mundo dominado por imagens e sons obtidos
“diretamente” da realidade, as fontes audiovisuais ganham crescente espaço na
pesquisa histórica; só que o debate metodológico sobre o uso dessas fontes é
incipiente, daí a importância de apresentar o projeto de intervenção pedagógica que
teve como meta:
• Discussão de textos com diferentes abordagens do tema proposto.
• Oferta de oficinas para professores do ensino fundamental e Médio de diversas
áreas do conhecimento sobre imagens de afro-brasileiros em documentários
anteriores e posteriores à Lei 10.639/2003, no período entre 12/08/2011 a
12/12/2011.
As proposições da Lei 10.639/2003 exigem reflexões não apenas das
interpretações da trajetória histórica dos negros afro-brasileiros, mas também das
práticas do ensino de História, pois, as imagens negativas e fossilizadas sobre os
afro-brasileiros são forjadas continuamente por diferentes meio de comunicação e os
equívocos quanto uma identidade humana universal, a falsa democracia racial, as
distorções sobre o ser negro, o racismo, as discriminações, os preconceitos e as
provações dos direitos ainda estão presente no cotidiano escolar e na sociedade.
Munanga (2007) afirma que a forma como está sendo ensinada
História da África é preocupante, pois é preciso deixar de escrever e ensinar história
do negro e da África do ponto de vista colonial. Segundo Munanga (2007) para
destruir a imagem negativa que se tem dos Afro-brasileiros, o primeiro passo é
preciso editar livros e o segundo passo é delimitar os conteúdos. É preciso
considerar as dificuldades dos educadores. Daí a necessidade de subsidiá-los com
diversos contextos e pensar na formação docente a partir do multiculturalismo crítico
(MUNANGA. Entrevista concedida no dia 28/05/2008. São Paulo:
http://revistasankofa.googleapages.com./kabengelemunanga.pdf).
1 A LEI 10.639/2003 E O SEU CONTEXTO
1.1 FORA DO PAPEL: A Lei 10.639/2003
A Lei 10.639/2003, de 9 de janeiro de 2003, torna obrigatório o ensino
sobre História e Cultura Afro-brasileira no estabelecimento do ensino fundamental e
médio. O Conselho Nacional de Educação (CNE) estabeleceu as Diretrizes
Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o
Ensino de História e Cultura Afro-brasileira e Africana, dispostas no Parecer do
Conselho, CNE/CP 00312004 e CNE/CP Resolução 1/2004. Esses documentos
“garantem” que o tema das relações étnico-raciais seja tratado em todos os sistemas
de ensino, incluindo a rede particular de ensino, a partir de uma proposta que
promova o valor da diversidade em nosso país. Para Munanga:
Certas escolas, através de seus educadores e diretores, dizem que não se deve ensinar, nem discutir o assunto. Falam que aqui não tem negro, não tem branco, todo mundo é mestiço, etc. Nós precisamos vencer esta resistência. Não basta fazer a Lei, tem que sancionar. Tem que avaliar o uso e, se necessário, punir. (...) alguns municípios tem alguma coisa em andamento, mas em outros há uma resistência total. Isto precisa ser revertido. (Revista de História da África e de Estudos da Diáspora Africana. Disponível: http://arevistasankofa.googlepages.com/kabengelemunanga.pdf).
Para Munanga (2008), estamos começando um novo processo na
forma de ensinar “História dos Afro-brasileiros e da África e precisamos deixar de
escrever e ensinar a história do negro e da África do ponto de vista colonial,
preconceituoso, etnocêntrico.
A Lei 10.639/2003 deve oportunizar o conhecimento sobre os afro-
brasileiros, não somente aos negros do Brasil, mas para todos os brasileiros, já que
a História é feita para todos os brasileiros, pois, tanto negros quanto brancos
precisam ser conhecidos dentro dos princípios de igualdade, respeito e cidadania.
A população afro-brasileira carregou a economia do Brasil colonial e,
“abolida a escravidão”, foi da senzala para a favela. Além do mais, não é possível
constituir-se uma nação, impossibilitando o acesso aos bens culturais e materiais à
população afro-brasileira.
A Lei 10.639/2003 colabora para o resgate da memória coletiva e da
história da comunidade negra e estabelecer meios de reconhecimento da memória e
identidade brasileira. Munanga (2005) afirma que o:
[...] mito segundo o qual no Brasil não existe preconceito étnico-racial e, consequentemente, não existem barreiras sociais baseadas na existência da nossa diversidade étnica e racial, podemos então enfrentar o segundo desafio de como inventar as estratégias educativas e pedagógicas de combate ao racismo (p. 18).
A Lei 10.639/2003 representa o fruto da luta anti-racista do Movimento
Negro e o ressurgimento dos movimentos sociais negros e a agenda das
reivindicações das entidades negras contempla as questões do racismo, da cultura
negra, educação, mulher negra. Hoje, na escola e no ensino de História o que mais
interessa são as estratégias educativas e pedagógicas; são as reivindicações contra
a discriminação, as ideias efetivas racistas nas escolas, por melhores condições de
acesso ao ensino à comunidade negra.
Para Munanga (2005):
O resgate da memória coletiva e da história da comunidade negra não interessa apenas aos alunos de ascendência negra. Interessa também aos alunos de outras ascendências étnicas, principalmente branca, pois vão receber uma educação envenenada pelos preconceitos, eles também tiveram suas estruturas psíquicas afetadas. Além disso, essa memória não pertence somente aos negros. Ela pertence a todos, tendo em vista que a cultura da qual nos alimentamos quotidianamente é fruto de todos os segmentos étnicos, que apesar das condições desiguais nas quais se desenvolvem, contribuíram cada um de seu modo na formação da riqueza econômica e social e da identidade nacional (p. 16).
Esse é um longo debate constituído no século XX. Destacamos
inicialmente, Gilberto Freire, um dos principais alicerces da idéia de que, no Brasil, a
escravidão teria sido “suave e amena”, que os escravos eram “dóceis e passivos”, e
os senhores, generosos e afetuosos em relação a eles. Gilberto Freire explica as
relações raciais em “Casa Grande e Senzala” (1933). Chama de democracia racial, o
fato de sermos um povo originário da miscigenação de raças. Para Freire, a
miscigenação era a prova de que não havia racismo. Para ele, o Brasil era um lugar
onde índio e negro se uniram e criaram uma sociedade multirracial. A mestiçagem
aparece como elemento crucial na formação da Identidade Nacional.
Freire acreditava que o Brasil vivia uma democracia racial:
Perfeita, de modo algum... Creio que se pode dizer sem dúvida, a mais avançada democracia racial do mundo de hoje, isto é, a mais avançada neste caminho de uma democracia racial. Ainda, há, não digo que haja racismo no Brasil, mas ainda há preconceito de raça e cor entre grupos de brasileiros e entre certos brasileiros individualmente. (Entrevista de Gilberto Freire, publicada na Revista Veja, de 15 de abril de 1970).
Por conta do mito da “democracia racial”, a UNESCO, em 1950,
encomendou alguns estudos a cientistas para descobrirem a “fórmula” brasileira
para essa harmonia entre diferentes grupos e origens. Intelectuais, entre os quais
Florestan Fernandes, Roger Bastide, Otávio Ianni e Fernando Henrique Cardoso,
desenvolveram esses estudos, procurando contextualizar a situação do trabalhador
negro e iniciaram um processo de desmistificação da democracia racial brasileira.
Florestan Fernandes relatou as dificuldades enfrentadas por negros e
mulatos cultos e qualificados, que lutavam para reintroduzir-se na classe média. Por
conta disso, Florestan concluiu que existe preconceito racial no Brasil e que a
democracia racial era um mito. A maioria dos negros vive numa situação de
exclusão tendo por base a inferioridade construída historicamente.
As expressões de Florestan Fernandes expressam essas contradições:
“(...) o negro foi estilhaçado pela escravidão que conquistou posteriormente. (...)
negros e mulatos se viram condenados a ser o outro, ou seja, uma réplica sem
grandeza dos “brancos de segunda classe” (FERNANDES, 1989, p. 46). Para o
autor, os escravos e seus descendentes, apesar de libertos pela Lei, foram
excluídos socialmente, abandonados à própria “sorte” e não se livraram da
discriminação racial, da marginalização social e da miséria.
A tese da democracia racial engendrada no coração de cada educador
não permite a reflexão sobre o racismo, o preconceito e a discriminação racial contra
a população negra e o que resulta na falta de profissionais de educação envolvidos
nessa discussão e percebe-se o pouco material didático específico.
Florestan Fernandes tem sido, justamente, considerado o fundador
crítico da sociologia crítica do Brasil. A sua obra traz a marca e um estilo de reflexão
questionadora da realidade social e das formas tradicionais do pensamento sobre as
relações raciais no Brasil, mais especificamente entre brancos e negros, criticando
as interpretações existentes.
A sua contribuição é determinante para o ensino básico, embora os
livros didáticos apresentem o negro como escravo, não como escravizado, como
responsável pelo trabalho e não como construtor de riquezas, como obediente e não
como contestador de escravizado. A História do Brasil é pensada a partir do olhar do
elemento dominador, daquele que estabelece as regras do jogo, sempre favorável a
ele, ou seja, o branco europeu.
No ensino de História, o personagem negro está circunscrito ao período da escravidão; as mães com seus filhos que ocupam os murais escolares são brancos. Os personagens das histórias infantis são brancos, as famílias ou os pequenos grupos que aparecem nas ilustrações ou em filmes didáticos realizando atividades cotidianas como trabalho, lazer, estudos, são brancos; os pais, que em geral pouco aparecem também são brancos; os artistas ou cientistas estudados são brancos; os artistas ou cientistas estudados ou apreciados são brancos. Esse é o espaço da omissão que não é apenas didática, ele é política, pois está na base dos princípios que organizam as escolhas realizadas (BRASIL, 2006, p. 258).
1.2 TRABALHAR A LEI 10.639/2003 E AS DIRETRIZES CURRICULARES PARA A EDUCAÇÃO DAS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS E HISTÓRIA E CULTURA AFRO-BRASILEIRA E AFRICANA NO ENSINO DE HISTÓRIA
O professor de História precisa construir um novo olhar sobre a história
nacional/regional/local e focar a contribuição dos africanos e afro-brasileiros na
Constituição Brasileira e desconstruir as visões equivocadas sobre o negro e o
continente africano devem ser questionadas.
Eis alguns equívocos sobre o negro e o continente africano que devem
ser desmistificados:
• A do negro visto como escravo: não se pode naturalizar a situação do negro
como escravo. Os negros não eram escravos, foram escravizados. A África não é
uma terra de escravos. Os povos africanos eram portadores de história e saberes.
• A de que o negro foi escravizado porque era dócil, menos rebelde que os
indígenas: esta ideia está presente nos livros didáticos. Omite-se que a história dos
africanos escravizados está inserida num contexto acumulado de capital, ocorrida
entre o século XVI e XIX, envolvendo África, Europa e Américas. O Brasil tem uma
história de organização e resistência, desde as vindas dos negros nos navios
negreiros, as fugas individuais e coletivas dos quilombos,... até as formas de
conquista da liberdade. Como afirma Valente:
Os negros nunca demonstraram ser passivos. Em resposta à violência e a dominação, os escravos sempre resistiram. Várias as atitudes que marcaram o protesto dos negros contra a sua situação. Muitos utilizaram o suicídio para mostrar que a vida lhes pertencia – e tiravam de seus donos esse “privilégio”. Muitos deixaram-se morrer de tristeza. Outros fugiram (VALENTE, 1994, p. 25).
• A da democracia racial: ideologia racial que mascarou a desigualdade entre
“brancos” e “negros”.
Para Munanga (1999), o mito da democracia racial está pautado numa
relação que se estabeleceu entre a mestiçagem biológica e cultural entre brancos,
negros, índios, gerando uma ideia de convivência que acabou por afastar dos
sujeitos subalternos o espírito para uma tomada de consciência de luta.
O resgate da memória coletiva e da história da comunidade negra não interessa apenas aos alunos de ascendência negra. Interessa também aos alunos de outras ascendências étnicas, principalmente branca, pois ao receber uma educação envenenada pelos preconceitos, eles também tiveram suas estruturas afetadas. Além disso, essa memória não pertence aos negros. Ela pertence a todos, tendo em vista que a cultura da qual nos alimentamos quotidianamente é fruto de todos os seguimentos étnicos que, apesar das condições desiguais nas quais se desenvolvem, contribuirá cada um de seu modo na formação da riqueza econômica e social e da identidade racional (MUNANGA, 2005, p. 16).
Freire oferece um conceito de democracia racial implícita, mais o que é
fundamental é que a partir da sua obra e do seu pensamento, nos permite as
seguintes reflexões:
• democracia é conceito relativo; • as sociedades reconhecidamente democráticas conciliam
democracia com desigualdade; • a situação vigente no Brasil é a maior democracia racial
existente em todo o mundo; • a democracia racial está em formação e não é perfeita, pura.
Existe preconceito, discriminação, desigualdades.
Florestan Fernandes dá ênfase a questão da democracia racial e do
mito da democracia racial. Foi também o que mais pesquisou e que mais se
preocupou em caracterizar a noção de democracia racial brasileira como um
instrumento de luta de classes para manter o sistema de classe vigente. Outros
viram na democracia racial um instrumento contra os movimentos anti-racistas no
Brasil.
Sabemos que “o conceito de democracia racial é uma poderosa
construção ideológica, cujo principal efeito tem sido manter as diferenças raciais”
(HASENBOLG, 1994, p. 2), impedindo assim que os conflitos entre brancos e negros
apareça. Nessa concepção, o conceito de democracia racial foi útil para
desmobilizar a sociedade, provocando assim um imobilismo total. Para Florestan
Fernandes o importante era desmistificar e desmascarar “o mito da democracia
racial” brasileira, além de analisá-lo.
Nas argumentações contra a democracia racial, precisamos refletir
duas vertentes de crítica:
a) a vertente preconceito e discriminação;
b) a vertente desigualdades raciais.
Vertente preconceito e discriminação: nas décadas de 20 e 30 do
século XX, nos periódicos da defesa dos negros, denunciaram amplamente a
existência de preconceito e discriminação dos brancos para com os negros e
mulatos e as respectivas reivindicações de mudança na situação (ANDREWS,
1998).
A vertente da desigualdade é também antiga, especialmente entre os
militantes de movimentos raciais, anti-racistas, mas tomou ares científicos com os
estudos de Hansenbalg e afirma que a partir de 1979, usando dados quantitativos,
mostrou a existência de desigualdades entre raças – na renda, na educação, saúde,
na mortalidade, no emprego,... (HASENBALG, 1979).
Para compreendermos a “democracia racial” é preciso viajar no nosso
tenebroso passado escravocrata, pois, racismos do escravismo com um sistema de
preconceito é certo, mas sem as famosas “Jim Crow”, leis americanas (leis estaduais
e locais decretadas nos estados sulistas e limítrofes nos Estados Unidos da
América, em vigor entre 1876 e 1965 – período de segregação efetiva e período em
que implementavam e legitimavam o racismo por meio da segregação no campo
legal; enquanto que no Brasil-nação, honrava seu comprometimento igualitário como
se resgatasse sua dívida com esses negros que tiveram o maior encargo na
construção do Brasil-sociedade.
A partir dos anos 70 observa o debate sobre a noção de identidade,
começou ganhar espaço e importância em estudos no campo das Ciências Sociais.
Os pesquisadores entendem a identidade como um conjunto de traços advindos da
cultura, representados por ações e comportamentos, tendo a representação
linguística um dos traços marcantes neste processo. Os elementos que envolvem a
identidade permitiriam o reconhecimento de características afins e a distinção entre
o eu e o outro, promovendo uma identificação do indivíduo com determinado grupo
social.
Professores e alunos precisam ter clareza das condições humanas de
saber interpretar a questão da democracia racial ou não racial, social, política,
econômica e cultural. Só podemos por fim ao racismo quando partirmos do
pressuposto que somos todos seres humanos e nessa condição, somos todos
iguais, mesmo na diversidade étnico, cultural, econômico, ideológico, social e
religiosa.
1.3 MOVIMENTO NEGRO CONTEMPORÂNEO
A partir da década de 1970, momento histórico das discussões sobre a
consciência coletiva da identidade negra e cidadania, começaram a ganhar força no
Brasil, diversos movimentos sociais que lutam pela questão da cidadania e da
identidade negra.
A memória funciona como o principal suporte da identidade. É através
da memória que se retém informação, conhecimento e acumula-se experiência, na
dimensão individual e social. A memória é que articula os aspectos multiculturais da
realidade.
A memória é o capital cultural onde repousa na memória coletiva; pois
do capital cultural estão constituídos de fontes de identificação fundadas em
negociações, reações, posturas e relações que afirmaram a denúncia do mito da
democracia racial, o combate a discriminação racial, a busca pela afirmação de uma
identidade negra, são características do movimento negro contemporâneo que se
efetiva no Brasil, na década de 1970.
O objetivo do Movimento Negro no Brasil Contemporâneo dos anos 70
é combater as desigualdades estruturais que atingiam a população negra e a
população branca.
É importante perceber, conforme Munanga, que os movimentos negros
contemporâneos têm como objeto de luta o anti-racismo que diferencia dos
movimentos anteriores e originou do reflexo dos movimentos negros norte-
americanos.
Sob a influência dos movimentos negros americanos, eles tentam dar uma redefinição do negro e do conteúdo da negritude no sentido de incluir neles não apenas as pessoas fenotipicamente de qual o mulato possa solidarizar-se com o negro (MUNANGA, 2004, p. 8).
Expressões de Alberti e Araújo Pereira (2007, p. 25-56):
O Movimento Negro Contemporâneo ganhou visibilidade nacional a partir de 1978, quando foi fundado em São Paulo o Movimento Negro Unificado (MNU), que reunia militantes de diferentes estados e instituições, mas que, com o tempo, se transformou ele mesmo em uma entidade, perdendo sua característica aglutinadora inicial. A rigor, seria mais apropriado chamar as iniciativas e as instituições que se multiplicaram no Brasil a partir dos anos 1970 de “movimentos negros” no plural, dada sua diversidade e suas freqüentes cisões e divergências, mas não há dúvida de que todas tinham por objetivo o combate ao racismo e a luta pela melhoria de condições de vida das populações negras e resistir o mito da democracia racial.
A evolução histórica dos movimentos negros não foi estanque ou
linear; ao contrário, foi marcada por contradições, avanços, recuos e estagnações de
diversas ordens. Na década de 1980, o MNU foi a mais importante organização a
levantar bandeira em defesa dos direitos do afro-brasileiro. No seu Programa de
Ação de 1982, defendia as seguintes reivindicações “mínimas”: desmistificação da
democracia racial brasileira; organização-política da população negra; transformação
do movimento negro em movimento de massa; formação de um amplo leque de
alianças na luta contra o racismo e a exploração do trabalhador; organização para
enfrentar a violência policial; organização nos sindicatos e partidos políticos; luta
pela introdução da História da África e do negro no Brasil nos currículos escolares e
a busca pelo apoio internacional contra o racismo no país.
Desde o estímulo da Lei 10.639/2003, contatou-se uma intensificação
da reivindicação de direitos que se perderam diacronicamente, bem como houve a
capacitação de profissionais do magistério; muitos estados investiram na criação de
cursos a fim de viabilizar um ensino crítico diante da proliferação dos preconceitos
na sociedade brasileira e intensificando as ações dos militantes do movimento negro
do Brasil.
2 DOCUMENTÁRIO COMO FONTE PARA O ENSINO DE HISTÓRIA
A partir do final do século XIX e, principalmente, no século XX, o
desenvolvimento e a expansão de novas linguagens culturais, como a fotografia, o
cinema, a televisão e a informática, trouxeram novos desafios ao historiador e ao
professor de história. Esses profissionais tiveram de, além de compreender a
natureza das novas linguagens e incorpora-las, perceberem-nas legitimadas como
fonte para o estudo e a reconstrução do passado. Assim no ensino da História, o uso
de imagens tem enfrentado o desafio de se constituírem novas interpretações ao
documento. Constituir essas novas interpretações equivale a um trabalho de
construção de experiências e pesquisas, que poderão colaborar para a consolidação
do uso de imagens, como fotografias e filmes, em salas de aula. Para já, entende-se
que alguns cuidados são necessários, tais como conhecer o sentido produzido pelas
imagens canônicas, diferenciar o uso das linguagens como recurso didático e como
documento histórico e apreender o significado ou a natureza de cada linguagem.
Hoje, o desafio de usar diferentes documentos como fonte de produção
para o conhecimento histórico e também como veículo para o ensino da História é
amplamente debatido. Da mesma forma, buscam-se diversificar as possibilidades de
uso de documentos históricos em sala de aula com o objetivo de construir propostas
de ensino identificadas com as expectativas e a cultura do aluno. Uma das fontes
mais interessantes para trabalhar em sala de aula refere-se ao conteúdo de
documentos guardados na casa do próprio aluno.
Vivemos em um mundo dominado por imagens e sons obtidos
“diretamente” da realidade, seja pela encenação ficcional, seja pelo registro
documental, por meio de aparatos técnicos cada vez mais sofisticados. E tudo pode
ser visto pelos meios de comunicações e representado pelo cinema, com um grau
de realismo impressionante. Cada vez mais, tudo é dado a ver e a ouvir, fatos
importantes e banais, pessoas públicas e influentes ou anônimas e comuns. Esse
fenômeno, já secular, não pode passar despercebido pelos historiadores,
principalmente para aqueles especializados em História do século XX.
As fontes audiovisuais e musicais ganham crescentemente espaço na
pesquisa histórico. Do ponto de vista metodológico, são vistas pelos historiadores
como fontes primárias novas, desafiadoras, mas seu estatuto é paradoxal. Por um
lado, as fontes audiovisuais (cinema, televisão e registros sonoros em geral) são
consideradas por alguns, tradicional e erroneamente testemunhos quase diretos e
objetivos da história, de alto poder ilustrativo, sobretudo quando possuem um caráter
documental, qual seja, o registro direto de eventos e personagens históricos.
O debate metodológico sobre o uso dessas fontes ainda é incipiente,
ao menos no campo historiográfico brasileiro, em que pese o grande número de
trabalhos mais atentos a suas especificidades, surgidos a partir de meados dos anos
1980.
A abordagem do documentário se dá pelo conteúdo que ele veicula,
como se fosse um olhar verdadeiro e científico sobre o tema ou questão retratada.
Por mais que os documentários sejam frutos de trabalhos aprofundados e sérios,
contando em muitos casos com assessorias pedagógicas competentes, o professor
deve evitar partir do princípio que a abordagem dada pelo documentário é a única
possível ao tema retratado ou que o conteúdo mostrado é a realidade social ou a
verdade e voltado para o público escolar, é um gênero de filme que implica um
conjunto de regras de linguagem para a elaboração do roteiro, técnicas de filmagem,
princípios de montagem e edição, ou seja, implica um conjunto de escolhas dos
profissionais envolvidos na sua realização (até porque seria impossível uma
abordagem totalitária e unívoca de um problema social ou fenômeno natural).
Portanto, o professor deve saber reconhecer essas escolhas por meio do próprio
produto final e apontar controvérsias, interpretações diferentes, problemas não
aprofundados, enfim, todas as questões que o documentário em questão não
abordou. Isto não significa retirar o mérito dos realizadores do filme ou desqualificá-
lo. Apenas reforçamos a necessidade de o professor se preparar para atuar como
mediador dos filmes exibidos, mesmo que eles sejam documentários sérios e
aprofundados.
Como já foi sugerido, o professor poderá trabalhar com filmes na sala
de aula, partindo de diversas abordagens. A abordagem mais comum tem como
base os conteúdos disciplinares tradicionais, conforme os currículos em voga. Neste
caso, o professor sugere uma análise do filme com base nas questões levantadas
pela história ou por alguma cena em particular. A interdisciplinaridade também é
uma possibilidade interessante, na medida em que mais professores de diferentes
disciplinas estejam integrados às atividades. O filme é abordado em suas diversas
perspectivas, sendo extraído o máximo de informação e questões para debate. O
trabalho com tópicos, conceitos e problemas, conforme tendência sugerida pelos
PCNs (sobretudo de ciências humanas), também é uma opção que poderá ser
otimizada caso o professor trabalhe com vários filmes que abordem o mesmo tema,
como pontos de vista diferentes. As atividades com temas transversais são
norteadas por esse viés. Finalmente, um tipo de trabalho mais difícil (e, talvez, mais
criativo e interessante) é a elaboração de atividades especiais, que tanto podem ser
desenvolvidas com base na linguagem e dos elementos narrativos do filme, como do
cinema como processo social, técnico e econômico.
História é uma das disciplinas mais afeitas a atividades com cinema. O
chamado “filme histórico” é um dos gêneros mais consagrados na história do cinema
mundial. Geralmente, o filme histórico revela muito mais sobre a sociedade
contemporânea que o produziu do que sobre o passado nele encenado e
representado. O texto dos PCNs da área incorpora esta preocupação:
No caso de trabalho didático com filmes que abordam temas históricos é comum a preocupação do professor em verificar se a reconstituição das
vestimentas é ou não precisa, se os cenários são ou não fiéis (...) um filme abordando temas históricos ou de ficção pode ser trabalhado como documento, se o professor tiver a consciência de que as informações extraídas estão mais diretamente ligadas à época em que a película foi produzida do que à época que retrata (...) Para evidenciar o quanto os filmes estão impregnados de valores da época com base na qual foram produzidos tornam-se valiosas as situações em que o professor escolhe dois ou três filmes que retratem um mesmo período histórico e com os alunos estabeleça relações e distinções, se possuem divergências ou concordâncias no tratamento do tema (...) Todo o esforço do professor pode ser no sentido de mostrar que, à maneira do conhecimento histórico, o filme também é produzido, irradiando sentidos e verdades plurais (Parâmetros Curriculares Nacionais – 5ª a 8ª séries – História. MEC, 1998, p. 88).
Este é um aspecto fundamental que o professor deve levar em conta e
remete a duas armadilhas no uso do cinema na sala de aula: o anacronismo e efeito
de super-representação fílmica (ou seja, o que é visto é assimilado como verdade
absoluta). O anacronismo ocorre quando os valores do presente distorcem as
interpretações do passado e são incompatíveis com a época representada. No filme
histórico, ele pode decorrer não apenas da liberdade poética dos criadores do filme
e das adaptações necessárias para que ele agrade ou atinja determinado público,
mas também do fato de a representação do passado do cinema estar perpassada
por questões contemporâneas ao momento histórico que produziu o filme.
Respeitar e valorizar as abordagens (e interpretações) plurais de um
mesmo fato ou processo histórico não significa eximir diante do anacronismo, muito
comum em alguns filmes. Há um limite para a interpretação, que deve estar coerente
com a mentalidade, os valores e as visões de mundo da época estudada. O cinema
não tem esse compromisso, pois se destina ao público contemporâneo ao momento
de sua produção. O professor deve saber lidar com essa questão e não cobrar
“verdade histórica” nos filmes, porém não deve deixar de problematizar eventuais
distorções na representação fílmica do período ou da sociedade em questão.
Por outro lado, o efeito da super-representação pode ser
particularmente forte em crianças mais novas, decorrente da força que a imagem
(particularmente a imagem fílmica) possui como experiência simulada da realidade.
Também conhecido como efeito “túnel do tempo”, essa experiência pode induzir a
uma assimilação direta, sem mediações, da representação fílmica como simulacro
da “realidade histórica”. O professor não deve temer esse efeito, normal até certo
nível e responsável pela experiência emocional e sensorial do cinema. Trata-se de
saber lidar com ela, realizando um conjunto de mediações pedagógicas antes e
depois do filme.
A valorização do documento como recurso imprescindível ao
historiador foi um fenômeno do século XIX. Para os historiadores daquele século, o
documento escrito converteu-se no fundamento do fato histórico. O trabalho do
historiador seria extrair do documento a informação que nele estava contida, sem lhe
acrescentar nada de seu. O objetivo era, então, mostrar os acontecimentos tal como
tinham sucedido.
Ora, é claro que essa situação pressupunha uma atitude meramente
receptiva e passiva do historiador em face do documento. Conhecer a História
passou a significar a versão dada pelos historiadores baseada em documentos,
principalmente os escritos.
Do ponto de vista didático, a utilização do documento histórico como
prova do real, para legitimar o discurso do professor, trazia como perspectiva
metodológica um ensino centrado na figura deste. Era ele quem explorava o
documento, descrevendo seus elementos e suas características com a finalidade de
comprovar o que ensinava ao aluno.
O trabalho com o documento histórico em sala de aula exige do
professor que ele próprio amplie sua concepção e o uso do próprio documento.
Assim, ele não poderá mais se restringir ao documento escrito, mas introduzir o
aluno na compreensão de documentos iconográficos, fontes orais, testemunhos da
história local, além das linguagens contemporâneas, como cinema, fotografia e
informática. Mas não basta o professor ampliar o uso de documentos; também deve
rever seu tratamento, buscando superar a compreensão de que ele serve apenas
como ilustração da narrativa histórica e de sua exposição, de seu discurso. Nessa
perspectiva, os documentos não serão tratados como fim em si mesmos, mas
deverão responder às indagações e às problematizações de alunos e professores,
com o objetivo de estabelecer um diálogo com o passado e o presente.
3 DOCUMENTÁRIOS ANTERIORES E POSTERIORES A LEI 10.639/2003
Bem antes da Lei 10.639/03, ser negro no Brasil era e continua
sinônimo de perversão, desonra e uma das estratégias produzidas para justificar que
o “preto é representação do pecado foi a passagem bíblica, na qual “Deus”,
amaldiçoou Caim enegrecendo sua face por matar seu irmão Abel. É nesta
perspectiva, que cor preta representa uma mancha moral manifestada no rosto de
Caim, portanto a cor preta passou ser sinônimo de pecado, morte; enquanto que a
cor branca, pureza e redenção, vida...
Pós-abolição e período republicano foi usada a seguinte linguagem
para manter o negro brasileiro fora das relações sociais e dos direitos de posse das
terras, bem como seu direito por lutar por elas, como escreve Santos (2004): “e de
que valeria dar aos negros direitos, os quais não saberiam usar?”...
Uma das razões da ausência de referências sobre a história do negro
no Brasil são as afirmações contidas nos registros da Secretaria de Estado e Cultura
de São Paulo (1998) analisados por Silva (1998): visando apagar nossa história o
Ministro Rui Barbosa, em 14 de dezembro de 1890 (2 anos após a abolição),
decretou a queima de matrículas de escravos, filhos livres de mulheres escravas e
libertos.
Aflige a consciência dos professores no Ensino de História são
documentos fragmentados sobre os negros no Brasil do século XIX. “Em 13 de maio
de 1891 foi emitida a circular nº 29 pelo Ministro da Fazenda, que ordenou a queima
e distribuição de todos os documentos relacionados com a escravidão, o que
dificultou ainda mais o resgate da história do negro no Brasil”. (SILVA, 1998).
O que mais impressiona é que:
[...] os negros perceberam rapidamente que criar técnicas sociais para melhorar a sua posição social e/ou obter mobilidade social, vertical, visando superar a condição de excluídos ou miseráveis (...). A valorização da educação formal foi uma das várias técnicas sociais empregadas pelos negros para ascender de status (SANTOS, 2005, p. 21).
Os séculos de exploração e a dor pelo qual passou milhares de
africanos livres que aqui no Brasil, escravizados pelos brancos e vítimas da
ideologia racista, o povo negro ignorou tudo ao seu respeito e da sua história. É hoje
o tempo certo de considerar primordial a libertação do negro pela reconquista de sua
dignidade autônoma, como afirma Munanga:
[...] aceitando-se, o negro afirma-se cultural, moral, física e psiquicamente. Ele se reivindica com paixão, a mesma que o fazia admirar e assimilar o branco. Ele assumia a cor negada e verá nele traços de beleza e feiúra como qualquer ser humano “normal” (1986, p. 32).
Nas expressões de Petrônio Domingues (2010), “o negro sempre se
fez presente no cinema brasileiro. Isto não significa que ele tenha assumido o papel
de protagonista ou tenha sido retratado positiva e condignamente”. O negro afro-
brasileiro está no segundo plano da trama cinematográfica, assume papeis
secundários de pouca relevância e mais uma vez se torna vítima a interpretar
estereótipos culturais3, como escravo, serviço, boçal, exótico, macumbeiro, favelado,
malandro ou vilão de tudo. Essas imagens passam nos filmes para reafirmar a
inferioridade e submissão de um segmento que segundo o IBGE, constitui quase a
metade da população brasileira.
Petrônio Domingues (2010), sobre a produção cinematográfica do
cinema novo, afirma que “aspectos da cultura e história dos afro-brasileiros foram
pautados em filmes como Rio Zona Norte (1957) de Nelson Pereira dos Santos;
Barra Vento (1962), de Glauber Rocha e Ganga Zumba (1964), de Carlos Diegues –
este último, aliás, outros filmes sobre a temática, como Xica da Silva (1976),
Quilombo (1984) e Orfeu (1999) -, mas não havia um compromisso com uma
linguagem ou estética antiracista”. Não se problematizava a cor dos personagens,
mas o que se problematizava era a condição de subalternidade das classes
populares.
Somente nas décadas de 1970 que o negro passou a ser o
personagem central, na frente e atrás das câmaras; só que não basta o afro-
brasileiro fazer parte do elenco dos filmes; ele tem que interpretar papéis para além
de coadjuvantes.
3 Vera Moreira Figueira (apud MUNANGA, 2005, p.65) descreve: “Estereótipo é conceito muito próximo de preconceito e pode ser definido, conforme Shestakvov, como uma tendência à padronização, com a eliminação das qualidades individuais e das diferenças com a ausência total do espírito crítico nas opiniões sustentadas tanto por professores do ensino Fundamento, quanto por professores do Ensino Médio e Educação de Jovens e Adultos da Rede Pública Estadual, pois o estereótipo é a prática do preconceito. È a sua manifestação comportamental. O estereótipo objetiva (1) Justificar uma suposta inferioridade; (2) justificar a manutenção do status quo; (3) legitimar, aceitar e justificar a dependência, a subordinação e a desigualdade”.
Enfim, documentário é um gênero cinematográfico que se caracteriza
pelo compromisso com a exploração da realidade. Mas dessa afirmação não se
deve deduzir que o documentário/filme represente a realidade “tal como ela é”. O
documentário/filme, assim como o cinema de ficção é uma representação parcial e
subjetiva da realidade. O documentário antropológico pode complementar o
documentário jornalístico ou histórico levando o aluno a perceber as diferenças e a
pluralidade possível de enfoque sobre a “realidade”, bem como a estratégia de
pesquisa, narrativa e seleção de material operada pelos realizadores (diretores,
roteiristas, câmeras,...).
3.1 O PAPEL DO PROFESSOR
As reflexões acima alimentaram as oficinas com professores do Ensino
Fundamental, Médio e Educação de Jovens e Adultos sobre imagens de afro-
brasileiros em documentários posteriores e anteriores a Lei 10.639/2003.
No contexto das oficinas analisou-se também as idéias dos
professores, por serem aqueles que transmitem e mediam a construção de
saberes/conceitos, a partir de sua autoridade na sala de aula conteúdos serão
absorvidos pelos alunos como conhecimento científico, conhecimento verdadeiro.
Analisar a sua visão sobre os afro-brasileiros é crucial para se perceber
em que medida a escola está preparada para lidar com a questão racial. Foram
entrevistados 16 professores do Ensino fundamental, Médio e de Educação de
jovens e adultos de diversas especialidades (matemática, língua portuguesa,
ciências, educação física, sociologia, filosofia, biologia, história, geografia,
química,...; os quais participaram das oficinas Imagens/afro-brasileiros e do
questionário, objetivando avaliar o grau de conhecimento e reconhecimento a
respeito dos afro-brasileiros.
Uma pergunta destacou: Professores(as), vocês reconhecem a existência de
estereótipos e preconceito racial nos itens: a) no livro didático, b) entre
alunos/alunos, c) entre alunos/professores, d) entre professores/professores, e) no
corpo administrativo da sua escola. (relate situações que justifiquem as respostas).
A maioria dos professores que participaram da investigação pedagógica não
reconhece a existência de estereótipos e preconceito racial no livro didático, entre
alunos/alunos, entre alunos/professores, entre professores/professores e no corpo
administrativo da sua escola.
A partir do momento que constatamos que a maioria dos professores que
responderam o questionário não reconheceu a existência de estereótipos e
preconceito racial no livro didático4, entre alunos/alunos entre alunos/professores e
no corpo administrativo, evidenciou-se a possibilidade da ausência de discussões
sobre estereótipos e preconceitos raciais no cotidiano escolar (de modo a impedir a
percepção de certas atitudes e valores).
No que se refere à postura dos professores diante dos estereótipos e do
preconceito racial, as respostas ao questionário indicaram o risco de atuarem como
mantenedores e difusores dos estereótipos e do preconceito racial. Seja por
omissão, seja pelo simples fato de desconsiderar essas questões, por tratá-las como
problemas inexistentes, pressupõe-se que os professores não estão preparados
para lidar com a questão étnica e afro-brasileira em sala de aula. Nas respostas do
questionário, a maioria dos professores não relatou situações que justifiquem suas
repostas sobre os estereótipos e preconceitos.
Mas, as mesmas resposta dos professores e a sua participação nas oficinas
indicam que é possível e necessário formar e informar o professor no sentido de
utilizar de forma crítica imagens de afro-brasileiros em documentários posteriores e
anteriores à Lei 10.639/2003 e o desafio foi estudar a representação contida nas
imagens procurando compreender como expressam memória/identidade. A
desconstrução da ideologia e da identidade que desumaniza e desqualifica os seres
humanos podem contribuir para o processo da reconstrução da identidade
étnico/racial/universal, passo fundamental para efetivar os direitos de cidadania. A
seguir apresentados alguns fragmentos de escritos de participantes no processo de
avaliação das oficinas oferecidas que justificam as afirmações acima.
4 O livro didático é, nos dias atuais, um dos materiais pedagógicos mais utilizados pelos professores, principalmente nas escolas públicas, onde, na maioria das vezes, o livro didático é considerado a única fonte de leitura para os alunos. Por outro lado, em virtude da importância que lhe é atribuída e do caráter de verdade que lhe é conferido, o livro didático tem sido o veículo de expansão de estereótipos não percebidos pelo professor do ensino fundamental e médio.
Relatos dos professores que participaram das oficinas imagens/afro-brasileiros
Prof. Conceitos Opinião AMK As oficinas/imagens de afro-brasileiros
oportunizou o diálogo e a interação social entre os professores e fez com que percebêssemos as dificuldades que temos para compreender sobre os mitos da História Cultural Brasileira.
Estudar sobre a formação do professor, no que toca a sua visão sobre a História Cultural Brasileira é crucial para se perceber em que medida a escola está preparada para lidar com os mitos e os equívocos sobre a História dos afro-brasileiros.
JAO O preconceito e a discriminação racial ainda existem na escola. Somos influenciados pela mídia, líderes das instituições educacionais, pelos livros didáticos, jornais, revistas,... etc. As mudanças são possíveis quando a escola abre um espaço aos professores refletirem sobre nossas ações e posturas em relação aos negros no cotidiano escolar e na sociedade. As imagens do documentário Migrantes mostraram o exagero da exploração dos trabalhadores do Nordeste nos canaviais das usinas de São Paulo. Exemplo: trabalho árduo, penoso, arriscado e rítmo de trabalho que coloque no limite as suas capacidades físicas
Identificando e desconstruindo as ideologias abre a possibilidade do reconhecimento e aceitação dos valores culturais próprios. Como escreveu Steve Biko, “o primeiro passo é fazer com que o negro se encontre a si mesmo, insuflar novamente a vida em sua casca vazia, infundindo nele o orgulho e a dignidade”.
LJT As oficinas/imagens de afro-brasileiros foram de suma importância para estarmos redimensionando o nosso trabalho ao abordar o tema sobre História Cultural Afro-brasileira tema obrigatório no currículo escolar. A Lei 10.639/2003 é o marco para compreendermos que a cultura do povo afro-brasileiro foi ocultada pela decisão dos brancos que desconstruíram a sua identidade. Refletindo as imagens dos documentários sobre os afro-brasileiros, percebi as histórias ocultas dos negros nas novelas, nos filmes, nos seriados, no livro didático, onde o negro ainda é o escravo sempre em desvantagem ou é o bandido.
Constatou-se a consciência da existência de uma ideologia de inferiorização do afro-brasileiro que é fornecida na escola por meio dos documentários/filmes, do livro didático e do professor, sob forma de preconceitos e estereótipos. Sabemos que a ideologia de inferiorização dos afro-brasileiros é imposta pelo meio, época e educação.
EHM As oficinas/imagens de afro-brasileiros me fez sentir e ver o quanto o preconceito mesmo que inconsciente esta presente em minhas aulas e como a mídia influência em nossa visão e ação á respeito dos afro-brasileiros. As imagens do documentário “Família Alcântara” mostraram a importância da segregação, a resistência cultural e a construção da identidade.
A conduta que viola os direitos das pessoas se espalha nas relações interpessoais e nas práticas pedagógicas, carregando consigo outros subprodutos do modelo social vigente: os estereótipos, os preconceitos e as discriminações são ideologias produzidas por brancos e não por negros.
MAR Participando das oficinas/imagens de afro-brasileiros, percebi como desconheço a cultura e a História dos afro-brasileiros. As imagens do documentário “A negação do Brasil”, percebi que os atores negros nas novelas são fadados de papéis secundários ou estereotipados, tendo por objetivo formar uma opinião pública preconceituosa em relação aos negros.
Segundo Henrique Cardoso, “o racismo e a ignorância caminham de mãos dadas. A superação da ignorância sobre a História da cultura afro-brasileira é uma necessidade moral e depende da decisão de todos os profissionais da educação”.
JLP A essência das oficinas/imagens de afro-brasileiros foi a análise crítica e contextualizada sobre as imagens dos negros em documentários anterior e posterior á Lei 10.639/2003. Os documentários foram de suma importância para compreensão do passado/presente ou seja, da situação do afro-brasileiro no contexto atual. Senti mais capacitada para elaboração dos meus planos de aulas e refletir junto com os professores/alunos sobre as novas idéias, imagens e linguagens sobre os mitos e os equívocos da História dos afro-brasileiros. As imagens do documentário: “O que é o Movimento Negro” focou o período colonial/atual, as formas de lutas e resistências dos negros.
JLP relata que por meio das imagens, das linguagens e nos meandros das palavras é que se alojam o preconceito. Há palavras que fazem sofrer e se transformar em código de ódio e intolerância no cotidiano escolar.
SMR As oficinas/imagens de afro-brasileiros possibilitou conhecer melhor a ação da mídia nas diversas formas de manter o racismo disfarçado onde o negro é mantido numa posição social desigual por meio de representações de papéis como serviçais, favelado, traficante, etc. Refletimos o papel do educador. É preciso efetivar programas de efetivação do afro-brasileiro e de todas as pessoas que fazem parte do cotidiano escolar. As imagens do documentário: “Quanto vale ou é por quilo” enfatiza a servidão do negro, a discriminação a pobreza passado/presente.
A professora demonstra a necessidade de corrigir o estigma da desigualdade étnico racial atribuído às diferenças e propõe programas de valorização do negro, no ambiente escolar, já que as escolas públicas não concretizam qualquer trabalho com tal linha teórica e de ação. A mesma questiona a postura do professor sobre a questão racial.
JM As oficinas/imagens afro-brasileiros nos proporcionou um novo horizonte sobre a História cultural dos afro-brasileiros e refletimos a presença de discriminações em nossas próprias práticas pedagógicas. Ao participar dos debates pude perceber o quanto somos racistas.
O racismo como fenômeno ideológico, ele se consolida através dos preconceitos, discriminações e estereótipos. Dá para entender por que o racismo tem sobrevivido e foi fortalecendo na comunidade, na escola e na sala de aula?
CONCLUSÕES
O presente artigo vem expressar a contribuição de cada um dos participantes
da oficina aqui destacada. Seus esforços são dirigidos ao reconhecimento e a
mudança no pensamento sobre os preconceitos, as discriminações e os estereótipos
que atingem 50% da população brasileira composta por negros. Consideramos aqui
JAO Na época da escravidão, os negros foram testados como mercadoria e não como pessoa. Depois da abolição continuaram a ser tratados como mercadoria, discriminados, explorados e usados de todas as formas para atender o interesse da elite. Hoje, os negros lutam intensamente por seus direitos negados. As imagens do documentário: “Retrato Branco e Preto” revela um Brasil preconceituoso, pois mais da metade da população vivem às margens da oportunidade de trabalho, educação, saúde e moradia.
Não se pode negar que as conseqüências dessas atitudes racistas têm provocado seqüelas em milhões de famílias que lutam pela sobrevivência e crianças que freqüentam as salas de aula.
SBL Há necessidade de conscientizar os professores/alunos sobre a necessidade de analisar as imagens de afro-brasileiros em documentários posteriores e anteriores á Lei 10.639/2003, pois, estudando as representações contidas nas imagens, percebi como expressam a memória e identidade. Problematizando o documentário como fonte para o ensino/aprendizagem, pude perceber praticas de racismo, discriminações e os estereótipos no filme/documentário “Quanto vale ou é por quilo” e as imagens do documentário: “Família Alcântara” nos fez perceber a importância da família negra, a resistência, a memória coletiva, a identidade e a História verdadeira da comunidade quilombola atual.
O papel da escola e o plano político do professor na construção da cidadania devem reposicionar o combate do racismo, do preconceito e a discriminação. O resgate da memória coletiva, identidade e da história da comunidade negra. A memória pertence a todos, pois, a cultura do qual alimentamos no quotidiano é fruto de todos os segmentos étnicos que, apesar de viverem em condições desiguais, contribuíram para a formação de riqueza econômica, social e da identidade nacional da própria família, propondo construção de identidade coletiva e memória da sua própria História.
SMPF As oficinas/imagens dos afro-brasileiros demonstraram a desvalorização das pessoas de baixa renda, principalmente o negro considerado incapaz. Com isso, passei a entender o falso déficit de muitos alunos na disciplina de matemática e daí meu compromisso de mudar meu pensamento e renovar as práticas pedagógicas. As imagens do documentário “Quanto Vale ou é por Quilo” focaram a alienação do negro morador pobre da periferia que reproduz o sistema de discriminação consigo mesmo, induzindo-o a atitudes de incapacitação.
O relato da professora SMPF demonstra que é importante perceber que o maior desafio do professor é buscar diversas formas de aprendizagem e também buscar formas de construir, refazer conceitos e relativos aos afro-brasileiros propor novos modelos de aprendizagens, os quais, ultrapassados, pois, foram forjados com base em preconceitos, em ideologias de inferioridade que subestimam a capacidade dos indivíduos de realizar e de participar da sociedade material, intelectual e educacional.
o desafio de desenvolver, na escola, novo espaço pedagógico que propiciou a
valorização e expressão das múltiplas identidades que integraram os professores da
escola pública, de Londrina-Paraná, abrangendo diversas áreas específicas.
Problematizando o documentário como fonte para o ensino e aprendizagem
significativa, pressupõe-se que ao explorá-los como documentos, todos os
professores podem educar o próprio olhar e o olhar de seus alunos a fim de decifrar
os mitos e os equívocos sobre os afro-brasileiros.
Estudando as imagens em documentários posteriores e anteriores á Lei
10.639/2003 vivenciamos a possibilidade da reflexão e da percepção de como
compreendemos a memória e identidade dos afro-brasileiros. Profissionais da
educação, em relação a História da cultura afro-brasileira, podem contribuir para
fazer rever como expressamos a memória e identidade, conhecer nossas origens e,
aos nos reconhecermos como capazes de construir nossa identidade poderemos
assumir com orgulho e dignidade os caracteres de sua diferença.
REFERÊNCIAS ALBERTI, Verena; PEREIRA, Araújo. Estudos Históricos. Rio de Janeiro, nº 39, janeiro-junho de 2007, p. 25-56.
BITTENCOURT, Circe. Cinema, Vídeo e Ensino de História. Mimeogr. s/d. 1992.
MUNANGA, Kabengele. Entrevista. 28/05/2008. Departamento de Antropologia, FFLCH-USP. São Paulo: Disponível em: http://arevistasankofa.googlepagesa.com/kabengelemunanga.pdf.
MUNANGA, Kabengele. Rediscutindo a mestiçagem no Brasil: identidade nacional versus identidade negra. Petrópolis: Vozes. 1986.
MUNANGA, Kabengele (Org.). Superando o racismo na escola. 2 ed. ver. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e diversidade, 2005.
NAPOLITANO, Marcos. Fontes históricas. São Paulo: Editora Contexto, 2010.
SANTOS, Gislene Aparecida dos. A invenção do ser negro: um percurso de ideias que naturalizaram a inferioridade dos negros. São Paulo: Fapesp/Educa/Pallas, 2002.
SANTOS, Joel Rufino dos. O que é racismo. São Paulo: Brasiliense, 2002. (Primeiros passos).
SILVA, Edilson Marques. Da negritude e fé: o resgate da auto-estima. Santa Cruz do Rio Pardo. São Paulo: Faculdade de Ciências e Letras Carlos Queiroz. 1998.
Revista Veja. Entrevista de Gilberto Freire. 15 de abril de 1970.
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