“Todos sabem como se tratam os pretos”: ação educativa em um espaço educativo
“quase branco”
Marcos Ferreira Gonçalves - UNEB
Sandra Regina Mendes - UNEB
Introdução
A parte inicial que titula este trabalho, é bom que se saliente, refere-se a uma composição
musical1 e seu uso aqui nos parece extremamente pertinente. Escrita em meados da
década de 1990, em momento que as discussões étnico-raciais estavam restritas a poucos
nichos acadêmicos, a composição, em toada hip-hop, traz para a esfera popular uma
reflexão pautada no sistema de exclusão, de base racial, vigente em nosso país. Ao usar
o Haiti como uma referência geográfico-racial, a letra busca produzir nos ouvintes uma
tomada de consciência sobre todas as mazelas de cunho histórico e social que marca o
passado e o presente da população negra no Brasil, que representa a parcela majoritária
de nossa sociedade.
Para além dos significantes aqui expostos, é importante destacar que o mundo acadêmico
se digne a enxergar as várias possibilidades oriundas das artes brasileiras, pois, em muitos
casos, para alguns segmentos de nossa sociedade as artes e as ciências que tratam do
humano são percebidas como dimensões em campos antagônicos, contudo, o que se
observa é que, embora utilizados métodos distintos, ambas apresentam aproximações de
caráter complementar.
Historicamente, as artes têm apontado caminhos reflexivos sobre os estigmas nacionais e
a produção acadêmica não pode estar “desconectada” das possibilidades de leitura que
essas vias representam2. Neste sentido, e na busca de uma exemplificação, é importante
destacar uma composição nordestina recente, do compositor maranhense Zeca Baleiro,
que aponta: “percebam que a alma não tem cor, ela é colorida, sim, ela é multicolor”. Ao
1 A composição Haiti foi gravada por Caetano Veloso e Gilberto Gil no disco Tropicália 2. 2 Durval Albuquerque Junior em Invenção do Nordeste e outras artes aponta o papel preponderante das
produções artísticas na construção do imaginário nacional, como se pode depreender do próprio título da
obra.
passo que a canção do poeta dá uma resposta poética a um falar ancestral brasileiro que
diz há várias gerações “é negro, mas de alma branca”, ela (a canção) também convoca a
sociedade contemporânea a refletir sobre suas práticas cotidianas em relação ao negro e
ao racismo intricado em determinados falares sociais, estes, que mesmo datados dos
tempos coloniais e ou imperiais, ainda se fazem presentes nos dias atuais.
Posto isso, destaque-se que este trabalho objetiva não uma discussão sobre as artes em si
mesma, muito embora elas componham um elemento estrutural da nossa ação, mas
visibilizar uma prática educativa em História. Essa prática, novamente ressalte-se, não
representa uma ação marcada pelo cunho da inovação ou do extraordinário, todavia,
acreditamos, a partir de nossas próprias experiências no magistério, que o ensino de
História voltado para os/as jovens da educação básica tem se tornado um exercício árduo3,
logo socializar algumas experiências em educação pode ser de alguma valia para outros
professores que buscam realizar de forma séria o processo de ensino e aprendizagem e,
desta forma podem ressignificar suas práticas docentes observando aspectos de outras
experiências pedagógicas.
Não há dúvida que o ensino básico brasileiro, principalmente o público, enfrenta uma
profunda crise, na qual os objetivos básicos da formação previstos nas legislações que o
regem, como conscientização cidadã ou a formação de leitores críticos, pressupostos
elementares para outras habilidades ao longo do ensino fundamental e médio, não têm
sido alcançados. Desta forma, a prática docente, tornou-se um desafio, por vezes
desesperador, para aqueles que exercem a função de professor com responsabilidade.
Antes de irmos adiante, parece-nos importante destacar que as reflexões em torno de
práticas em educação, que estabeleçam diálogo de alguma forma com uma educação já
denominada de antirracista, não podem ser pensadas sem a compreensão que há uma
longa trajetória histórica já trilhada. Este caminho já percorrido nos permite, na
atualidade, algumas realizações educativas, mesmo em ambientes mais conservadores
3 Os fatores em questão são muitos, mas, a título ilustrativo, podemos apontar: a pouca afeição à leitura
canônica por parte dos/as discentes; a inserção de novas tecnologias de comunicação entre os/as jovens; a
ausência ou o pouco uso dessas mesmas tecnologias nos ambientes escolares; e o despreparo dos docentes
em lidas pedagogicamente com o mundo tecnológico moderno.
que não enxergam a necessidade de tais práticas e não seja presente o estímulo de gestão
e coordenação para este tipo de ação educativa.
Não é demasiado lembrar que a Lei 10.639/2003, festejada por muitos(as) no momento
da sua promulgação, não é de fato aplicada em muitos ambientes escolares, como é
notório para parte significativa dos que fazem educação neste país. Sem querer sermos
leviano, é possível afirmar que escolas públicas geridas e coordenadas por pessoas que
não se percebem nas suas identidades e nem enxergam a importância neste tipo de
discussão, a lei, seus desdobramentos e inserção nas diversas disciplinas não é constante
no cotidiano da escola, limitando-se a, em geral, a eventos específicos.
Caminhos educacionais formadores
A Lei 10.639 data de janeiro de 2003 e tornou obrigatório o ensino da História e Cultura
Afro-Brasileira. Não há sombra de dúvidas que sua aprovação representa uma grande
conquista da sociedade brasileira no seu todo e resulta em um primeiro passo na tentativa
da desconstrução de um sistema de exclusão e sub-julgamento operante há séculos. Na
obra Na Minha Pele (2017) de Lázaro Ramos, o autor aponta que com a emergência da
lei “surgiu um fio de esperança”. Neste trabalho, o ator-escritor mescla narrativas pessoais
com outros relatos de personalidades diversas do cenário nacional, muitas delas
comprometidas com as questões relacionadas aos afro-brasileiros. Na obra, fica claro que
Ramos se preocupa com o preconceito racial existente no Brasil, temendo inclusive pela
segurança de seus filhos no cotidiano carioca e por este motivo, entre outros, atua como
educador.
Seu trabalho também nos faz enxergar que a educação que priorize a temática racial se
faz necessária e, não parece demasiado sentenciar, é urgente, entendendo aqui que a
educação pode ser o caminho para que muitos(as) se conscientizem das suas identidades
e inclusive construam de maneira sólida o orgulho do seu pertencimento racial. O próprio
autor ilumina a questão da importância da consciência de si e do empoderamento quando
narra seu entendimento sobre “seu não lugar no mundo” experienciado na infância e,
posteriormente, já na fase adolescente para adulta, sua formação identitária e profissional
junto a um grupo teatral na cidade de Salvador, o Bando de Teatro do Olodum, que
segundo o mesmo foi um “divisor de águas” na sua trajetória humana.
Entretanto, antes de seguirmos, é importante destacar aquilo já sentenciado
anteriormente, a educação antirracista defendida na atualidade é uma conquista histórica
e há um caminho trilhado. Para ilustrar a questão, obviamente sem querer dá conta da
amplitude que a temática recobre, posto existir uma vasta bibliografia que versa sobre as
instituições, personalidades e trajetórias envolvidas nesta luta, podemos aqui ressaltar
inicialmente os estudos de Manuel Querino e Edison de Souza Carneiro, datados das
primeiras décadas do século XX na Bahia, que, em seu conjunto, representam as primeiras
análises críticas produzidas por autores negros sobre o papel e a importância da presença
africana no Brasil.
Nesta mesma linha, os Congressos Afro-Brasileiros organizados em Recife e Salvador na
década de 1930 representam marcos de extrema importância para o início das discussões
raciais no Brasil, constituindo-se como espaços pioneiros no debate sobre os mecanismos
de exclusão que marcam o cotidiano da população negra, representando desta forma a
configuração de um campo de investigação e reflexão que se consolidará nas décadas
seguintes.
Não se pode esquecer também, mediante sua importância, o Teatro Experimental do
Negro, que teve sua fundação nos anos de 1940 no sudeste brasileiro, e postulava um
fazer artístico engajado, defendendo a igualdade racial por meio da educação. Fazem
parte deste cenário de vida e militância educativa através das artes: Abdias Nascimento,
Lea Garcia, Ruth de Souza, entre outros. Este grupo questionou, entre outros
comportamentos e atitudes presentes na sociedade brasileira, o padrão estético europeu
nos Concursos de Miss, à época o expoente maior de beleza, ressaltando que contribuíam
para a formação de gostos, hábitos e identidades. Todavia, ao excluir as mulheres negras
dos certames, contribuíam também para que este público negro não se enxergasse com
potencialidades estéticas positivas. Desta forma, o Teatro Experimental do Negro para
além da sua missão principal, militava pela visibilidade negra e é possível pensar estas
ações como ações educativas de importância plural para a sociedade.
Parece-nos que seria um erro deixar de atentar para a publicação da obra sociológica e
histórica: Casa Grande e Senzala do mestre de Apipucos, Gilberto Freyre. Entende-se
que esta obra, seja por meio das críticas positiva ou negativa despertadas à época do
lançamento (anos de 1930) e nos tempos posteriores, acabou por semear uma ampla
discussão nos meios acadêmicos e, de certa forma, contribuiu para que a temática da
miscigenação, identidade negra e outras questões relacionadas ao povo negro entrasse na
pauta brasileira. Peter Burke em estudo recente que nomeou de: Repensando os trópicos
(2009) analisa a trajetória do intelectual do Recife e dedica-se a analisar minuciosamente
esta obra e sua repercussão seja no Brasil ou no exterior e as contribuições que a obra deu
para ampliação da cultura material.
Não há margem que se duvide que a criação do Centro de Estudos Afro-Orientais, o
CEAO, na cidade de Salvador, em fins dos anos cinquenta do século XX, também foi de
valiosa importância para ampliação das discussões em torno das temáticas afro-
brasileiras. Luiza Nascimento dos Reis, no artigo África in loco, assim sintetizou este
episódio singular para a Bahia.
O Centro de Estudos Afro-Orientais foi fundado na Universidade da
Bahia em 1959 com o objetivo de desenvolver atividades de
pesquisa, ensino e extensão. Seu primeiro diretor, o luso-brasileiro
George Agostinho da Silva reuniu jovens pesquisadores baianos
com disposição para enveredar nos temas africanos e afro-
brasileiros. O objetivo de realizar pesquisas de campo no continente
africano fez convergir pesquisadores com formações acadêmicas
diversas. Waldir Freitas Oliveira, Vivaldo da Costa Lima, Yêda
Pessoa de Castro, Guilherme Castro e Júlio Santana Braga
destacaram-se nessa experiência pioneira de pesquisa em países da
África ocidental numa década na qual houve o despertar do interesse
pela história africana no Brasil. (REIS, 2017, p.45)
Ao que se pode apurar, naqueles dias de 1950 a cidade do Salvador vivia uma
efervescência cultural significativa e a temática do negro não ficava de fora. Não é
demasiado lembrar que Salvador desde a colônia foi marcada pela cor negra na pele e na
cultura em sentido amplo, o pioneirismo neste tipo de estudo estava e está em total
concordância com a cidade e seus indivíduos.
Os tambores dos Blocos de pretos Olodum e do Ilê Aiyê, fundados na década de 1970,
estão para além de batucadas e não podem passar despercebidos aqui. De fato, estas
associações culturais são expoentes de formação de identidade negra na capital da Bahia,
são projetos educacionais que muito têm contribuído para a conscientização cidadã de
muitos indivíduos negros, em muitos casos marcados historicamente por processos de
exclusão social.
Por fim, como sinalizado, não é intenção fazer aqui um levantamento de todo este
conjunto de ações educacionais já trilhados por muitos(as) em diferentes lugares do
Brasil, apenas mapeamos ao nosso modo, (pois na pesquisa sempre há escolhas e
caminhos) algumas instituições e personalidades em torno da questão central.
A ação educativa: Sou negro, sou resistência
Como já sinalizado realizar educação na atualidade se tornou uma tarefa árdua, de fato,
os mecanismos tecnológicos inseridos nas sociedades nas últimas décadas modificaram
hábitos e costumes e a escola não ficou fora deste processo. Sem pleitear ampliar aspectos
gerais do cotidiano escolar neste tempo tratado por muitos de modernidade tardia, há algo
significativo hoje a ser considerado, trata-se da “fuga do real”: o aluno está presente em
sala de aula, todavia, o acesso as redes sociais, faz com que ele não perceba nem o tempo
nem o espaço que está presente, destaca-se que tempo e espaço são elementares para a
compreensão da História. Entretanto, neste caso, faz com que ele não perceba e participe
de nada que está acontecendo na sala de aula, logo, o ensino e aprendizado fica
comprometido. Desta forma, o cotidiano escolar nos aponta para novas pesquisas a serem
realizadas.
Posto isso, salienta-se que a ação educativa aqui apresentada foi influenciada, sobretudo,
por entender que o alunado envolvido nela desconhece significativamente as discussões
em torno de identidade negra e por este motivo entendemos que abrir esta discussão na
aula de História seria de suma importância. Outro aspecto marcante foi um dado
diagnosticado através de um questionário aplicado com os discentes pelos bolsistas do
projeto PIBID4 e estagiárias da formação em História do campus XVIII da UNEB. Neste,
4 Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência, criado pelo Ministério da Educação-
MEC/Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior –CAPES/ Diretoria de Educação
Básica Presencial – DEB que promove a integração entre educação superior e educação básica das escolas
os dados revelaram que em uma sala de 40 estudantes, “pretos ou quase pretos”5, ou seja,
pardos e ou próximos a isso, apenas dois alunos se identificaram como negros.
Posterior a aula, no momento de reflexão com os bolsistas de Iniciação à Docência do
PIBID, entendemos que a incompreensão em torno da própria identidade entre os
discentes da educação básica era marcante e, por este motivo, optou-se em desenvolver
um projeto que priorizasse este tema, obviamente em sintonia com os conteúdos já
programados. Neste momento foi decidido também que se realizasse algo no percurso do
projeto, alguma ação que impactasse na estima dos alunos assistidos pelo Programa.
Entendeu-se que o escamotear sua cor estava diretamente relacionada com a ignorância
em torno do tema e também com a baixa estima. Este tema da dissimulação da cor já foi
analisado em diversos textos de diferentes teóricos, dentre eles, é possível salientar alguns
textos de Lilia Moritz Schwarcz.
Uma vez que se optou pelo desenvolvimento do projeto em três semanas e foi intitulado
pelos bolsistas: Sou Negro, sou resistência, entendido ainda como uma ação de afirmação
nas suas entrelinhas e voltado marcadamente para atender jovens de um bairro da periferia
da cidade de Eunápolis no extremo sul baiano. Foi definido as linhas gerais, como
objetivos e ações do percurso/metodologia que serão apresentadas mais adiante.
Antes de prosseguir nesta narrativa sobre esta ação educativa, parece-nos pertinente
abordamos o lócus da ação, entende-se que qualquer processo educativo deve atentar para
o lugar onde se está realizando a ação e os sujeitos envolvidos. Neste trabalho este lócus
foi denominado de “quase branco”, referindo-se a cidade e a escola.
O lócus da ação: a cidade e a escola
A cidade de Eunápolis fica localizada no extremo sul baiano, já nas proximidades do
Estado de Minas Gerais e também do Estado do Espírito Santo. Culturalmente
poderíamos enfatizar a cidade e seus modos como pertencente ao hibridismo cultural
defendido por alguns autores como Stuart Hall (2004). Sendo considerada como uma área
de fronteira, mediante sua localização, a cidade agrega valores e hábitos de culturas
estaduais e municipais, com Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) abaixo da média
nacional, de 4,4. 5 Neste caso faz alusão a música Haiti de Caetano Veloso e Gilberto Gil
díspares seja da cultura mineira, capixaba e também da cultura baiana. Tudo isso é notável
no cotidiano citadino, seja nos falares, na culinária presente nas casas dos munícipes e
seus restaurantes ou de forma mais ampliada em seus modos. Entretanto, parece faltar
uma visibilidade da sua população negra, na mesma medida que discussões referentes as
suas identidades.
De acordo com o censo 2010, de uma população total 100.196.000 habitantes, apenas
12.251.000 se declaram como negra, o que evidencia, diante de constatações empíricas,
por morar na cidade, a incipiência do reconhecimento da identidade negra local. Salienta-
se também que o fato não representa uma novidade, como já evidenciado, um diagnóstico
ou uma amostragem já havia nos revelado na escola aquilo que aparece no censo. Nesse
sentido, a escola se constitui como um espaço privilegiado para provocar a construção de
novas narrativas e contribuir com uma educação voltada para a democracia mais plena e
a igualdade de direitos. Neste sentido é ímpar atentar para a aula que supera a própria aula
e seus conteúdos. Observa-se que uma aula é sempre política.
As ações desenvolvidas no colégio Estadual Eloyna Barradas, localizado em um bairro
popular, alicerçaram-se no compromisso de promover a autoestima e sobretudo fazer os
alunos e alunos se reconhecerem nas suas identidades, marcadamente na sua identidade
negra. E é bom aqui evidenciar aquilo sentenciado por Nilma Lino Gomes (2005), e que
não deve ser esquecido: o debate sobre as relações raciais no Brasil é permeado por uma
diversidade ampla de conceituações sendo a identidade negra entendida como uma
construção social e histórica, erguida gradativamente. Este texto foi basilar para o
desenvolvimento das aulas desta ação educativa.
A escola sem identidades
O colégio Estadual Eloyna Barradas fica localizado em um bairro popular da cidade de
Eunápolis -Bahia, o bairro Juca Rosa. É uma escola de tempo integral do ensino médio e
no turno noturno há também turmas de Educação de jovens e adultos - EJA. Em 2019
existe um número superior a 500 discentes matriculados nos três turnos. Na sua maioria
são jovens oriundos de família de baixa renda, muitos são filhos de país que trabalham
no comércio, serviços, agricultura, trabalhos não formais e outras atividades. Há muitas
mães que são donas de casa e segundo relatos das professoras articuladoras, existem
muitos casos de famílias desestruturadas, seja por conta do uso de substancias de alteração
da consciência, desemprego, separação de casais e outras mazelas conhecidas da
sociedade brasileira contemporânea e por este motivo há um número considerável de
discentes criados por avós e avôs. A escola desenvolve ao longo do ano uma série de
projetos artísticos e há um número considerável de professores com formações sólidas e
muitos possuem pós-graduações. Há nela um projeto político pedagógico e muitos
professores desconhecem os objetivos principais.
Na pesquisa-sondagem realizada por bolsistas do PIBID em 20186, com os discentes da
escola, observa-se que apesar das dificuldades econômicas cotidianas muitos dos
discentes da escola almejam sua inserção no ensino universitário. Estes quase na sua
totalidade são oriundos de lares de pouca instrução formal, sendo estes na sua maioria,
oriundos de famílias onde seus país não concluíram o ensino fundamental. É importante
destacar ainda que todos têm acesso a internet e usam as redes sociais como meio
cotidiano de comunicação. Os discentes do noturno na sua maioria trabalham em serviços
e comércio, são mecânicos ou aprendizes deste oficio, trabalham em lanchonetes,
mercearias, pequenas lojas de produtos para a casa, lojas de vestimentas e outras. Há um
número considerável de alunos que são pouco atentas as aulas e não possuem hábito de
leitura.
A ação
A ação educativa ou o projeto já mencionado, foi desenvolvido em turmas do primeiro
ano no ensino médio e objetivou contestar conceitos presentes no debate sobre relações
raciais, marcadamente o conceito de identidade negra e também destacar a presença negra
na sociedade brasileira7. Ainda foi intenção atentar para o potencial criativo e artístico
dos estudantes negros e buscar inclui-lo neste projeto e também promover o intercâmbio
6 Os dados desta sondagem, aplicada em diferentes turmas da escola, foram mapeados pela bolsista do
PIBID Larissa 7 Durante o ano letivo os conteúdos de história apresentaram esta presença em vários momentos, seja
Brasil colônia e a importância do negro na edificação do país, seja na época antiga no Egito e outros.
entre estes discentes e outros agentes culturais locais e estudantes universitários negros
(as).
Para atingir tais propósitos, foram desenvolvidas, a partir de temáticas referentes à
História e a Cultura Afro-brasileira, aulas expositivas e dialogadas, oficina, palestra,
desfile, e uma exposição fotográfica, na qual os alunos e alunas foram os modelos. Todas
estas ações do projeto envolveram os estudantes da escola e os bolsistas de iniciação à
docência, com resultados fulcrais para o processo formativo dos sujeitos envolvidos, não
há margem que se duvide disto.
O primeiro momento deste projeto se deu no âmbito da sala de aula e as discussões inicias
foram baseadas na narrativa de Lázaro Ramos (já citado) e também nos conceitos
discutidos no texto de Gomes, também já destacado anteriormente. Entendemos que
conceitos como: identidade, identidade negra, raça, etnia eram elementares nesta ação,
bem como ler e discutir a escrita de um ator negro preocupado com formação, racismo e
outros temas que dialogam de maneira próxima com as realidades dos educandos. Realça-
se que Ramos, hoje conhecido por sua ação na televisão e no cinema, é oriundo de uma
família pobre do recôncavo baiano e narra suas dificuldades e conquistas na sua obra que
trouxemos para a sala, entendendo que trajetórias é tão importante quanto história
econômica e política.
Outro momento singular do percurso foi a adesão de alunos e alunas para serem
fotografados e posteriormente mostrados em Exposição na escola. Esta ação teve a
participação de uma fotografa negra da cidade que também empreendeu uma conversa
com os discentes8. O fato da adesão de alunos (as) nesta ação, já foi enxergado como um
importante resultado, pois se observou nisso uma melhoria de estima e uma compressão
inicial de conceitos debatidos anteriormente.
O projeto ainda teve a adesão de outros e outras negras que produzem música e outras
artes na cidade e a interlocução destes com os discentes foi notável, seja por conta dos
questionamentos e sobretudo, por estes revelarem aspectos de suas trajetórias. Todo o
8 A fotografa Caroline Nascimento participou de forma colaborativa da ação e cedeu se trabalho para ser
exposto. O professor regente das turmas Marcos Gonçalves também realizou fotografias e na ocasião era
supervisor bolsista do PIBID.
percurso foi sempre orientado pelo tema basilar da lei 10639/03. Discutir tal temática
possibilitou problematizar a aplicabilidade de políticas públicas em contextos escolares e
suscitar reflexões sobre práticas educativas direcionadas para a superação do currículo
excludente e “monocultural ainda existente”. Assim, faz-se necessário mobilizar temas,
abordagens e metodologias que considere as contribuições das diferentes culturas e etnias
para a formação do povo brasileiro, a partir de uma lógica problematizadora.
Aspectos finais da ação e considerações
O projeto teve um momento de culminância e este foi aberto a toda a comunidade escolar
do diurno. Desta forma, os discentes de outras séries, não incluídos diretamente no projeto
foram convidados a participarem. Este momento objetivou visibilizar momentos da ação,
atividades realizadas pelos discentes e por último e não menos importante impactar
positivamente na estima dos agentes envolvidos. Foi intenção também amalgamar o
ensino de história e as artes.
A manhã de novembro que foi realizada o evento, o momento inicial foi uma palestra,
espécie de bate papo e foi proferida por um aluno do Curso de História da Universidade
do Estado da Bahia- UNEB9 e intitulada Sou Favela! A comunicação do discente
universitário contemplou trajetórias de sujeitos negros e também a sua própria trajetória
e podemos analisar este momento como exitoso. O jovem universitário consegui que uma
plateia superior a cem alunos adolescentes parasse por mais de uma hora para ouvi-lo e
discutir questões. Observou-se ali uma conversação entre iguais, o palestrante também se
enxerga negro, é neste aspecto residiu o êxito da ação. Sendo educação um ambiente que
suscita avaliações constantes das práticas e resultados, há muito a se refletir sobre este
episódio que foi parte da ação.
Este evento final, ainda contou com apresentação de produções textuais dissertativas e
poéticas, falas dos discentes sobre seus entendimentos do projeto, apresentações
musicais, uma mostra de camisetas emblemáticas produzidas pelos alunos e realizada em
formato de desfile e também foi aberto a Exposição Fotográfica com o título igual ao
projeto, sou negro, sou resistência. A Mostra de fotos teve os discentes como
9 Matheus Wictor Moura Silva é aluno do oitavo semestre da UNEB- Campus XVIII.
protagonistas e ao que nos parece, mediante as falas dos mesmos, foi singular se
observarem nas fotografias ampliadas, impactando positivamente nas estimas.
Negro baiano – foto da exposição: sou negro, sou resistência
Como todo projeto pedagógico deve ter objetivos e na sua realização deve-se buscar
alcança-los, consideramos a ação educativa realizada exitosa. É importante observar que
a temática em questão, por vezes, é pouco explorada nas escolas, inclusive nesta. O fato
de termos colocado identidade, racismo e outros temas na pauta da agenda escolar, foi
considerado como singular. Se pensou ainda, desde o início, em amalgamar ensino de
história, compreensão histórica e as artes. Entendemos que está aproximação torna a aula
mais dinâmica e em sintonia com o tempo presente e neste caso alcançar os resultados
objetivados. Esta aproximação não invalida que se alcance aqueles aspectos da legislação
educacional vigente, que dentre as competências e habilidades e objetivos gerias da
formação do ensino médio, busca emancipar indivíduos ao fim do ensino, pensa-se que
nesta ação houve uma contribuição.
As minas – foto da exposição: sou negro, sou resistência
Por fim, entendendo que os processos de formação de discentes da educação básica, é
algo que não se realiza com a rapidez que os docentes esperam. Temos a crença que esta
ação foi uma pequena ‘semente” plantada, espécie de embrião e aliada a outras ações fora
e dentro dos muros da escola podem gerar “frutos”. O projeto nos mostra também que é
possível ir realizando uma educação antirracista. Os autores desta comunicação
enxergaram, os bolsistas pibidianos também e a ação foi impactante para nós, pois somos
seres ainda em formação. Nada está concluído em educação e o desenvolvimento de
projetos nos ensina muito.
Algo é indubitável e o ambiente escolar brasileiro nos mostra cotidianamente. Há racismo
sim e o jovem negro precisa se reconhecer como negro no ambiente escolar. A canção
nos alertou nos anos de 1990: todos sabem como se tratam os pretos ou quase pretos.
Referências:
BURKE. Peter. BURKE. Maria Lúcia G. Palhares. Repensando os trópicos: um retrato
intelectual de Gilberto Freyre. São Paulo: UNESP, 2009.
FREYRE. Gilberto. Casa-grande e Senzala: formação da família brasileira sob o regime
da economia patriarcal. Rio de Janeiro: Record, 1998.
GOMES. Nilma Lino. Alguns termos e conceitos presentes no debate sobre relações
raciais no Brasil: uma breve discussão. IN. Brasil educação antirracista: caminhos
abertos pela lei federal 10.639/03. Brasília. MEC, Secretária de educação continuada e
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HALL. Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP e A, 2004.
RAMOS. Lázaro. Na Minha Pele. Rio de Janeiro: Objetiva, 2017.
REIS, Luiza Nascimento dos. África in loco: itinerários de pesquisadores do Centro de
Estudos Afro-Orientais (1959-1972). In: Revista Cadernos de Campo. Araraquara, n. 23,
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