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Poesias – ALTAIR CIRILO DOS SANTOS

1

APALAVRADO

A palavra,

corpo vivo:

palavralava

a romper

o ventre-texto.

Palavrembate:

ires-vires

desejos,

palavronda.

Apalavrado

palavra-totem

fé-cega.

Palavrarma:

ferir: palavrunhal

crescer: palavrerva

não bastar: palavramar.

Palavrestaca

no coração do vampiro.

A palavrarma

com que desejo apalavrar-me.

Palavralarme.

Palavra-Estado:

Apalavrado.

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Poesias – ALTAIR CIRILO DOS SANTOS

2

CATÁSTROFE: OU O RESPEITÁVEL PÚBLICO

Recebemos acumulamos assistimos e assistimos compramos O automóvel de extraordinário design emerge em um sonho azul e verde onde insondáveis gigabytes aperfeiçoam a efígie dos vencedores Sorriso imaculado em um sonho azul e verde Assistimos renovamos compramos e compramos A névoa química mor- tal configura o prado o vento a força das marés O corpo nu é um slogan azul e verde trinta dinheiros por telefone intuitu personae Cabelos de lua em um sonho azul e verde Agradecemos compartilhamos acumulamos e agradecemos

Quem senão nós, no trágico olho da fera quem senão nós? Um grito aflito no auto-retrato azul e verde Auschwitz não pode dar lucro ou prêmios pois não cabe na palavra em que palavra cabe? Sombra de memória In God we trust

A sagrada multiplicação do sonho azul e verde Adotamos digerimos a sagrada multiplicação agradecemos e acumulamos As imagens são coloridas e lindas O discurso é firme corajoso e nulo Incontrolável, porém, a multiplicação adoece o organismo deforma entristece acinzenta o organismo As imagens são coloridas e lindas A sagrada multiplicação do sonho azul e verde ad perpetuam rei memoriam

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Poesias – ALTAIR CIRILO DOS SANTOS

3

CENTRO

Estar só

entre dois pontos:

o começo e algo antes:

reconhecer a verdade

que fulge

em falsos brilhantes:

o momento do poeta,

nu,

face à flor do beija-flor,

ao sol do girassol,

ao vento

dos cata-ventos.

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4

E NÃO ME CONHECI?

I

Perdido na paisagem

glacial da tarde

o teu olhar me revelava.

O teu silêncio – nau

sem rumo num mar tão longe –

dentro em mim abriu suas velas:

solidão e alheamento.

Eu queria dizer muito,

então fiquei calado

e meu misticismo se ergueu

como um muro entre nós.

II

Havia um porto onde chegar

e aquecer finalmente nossas almas

já cansadas de tanto navegar.

Mas tememos essa rota

de encontro, colisão talvez,

e preferimos outra, mais remota.

III

Contemplei teu ser

na verdade

meu ser por dentro

e refiz teu nome em minha carne

com a mesma secreta substância

que nos fez parecidos e distantes

mas também

diferentes e tão próximos.

IV

Arles?

O céu dilacerado.

Senti um tremor.

V

Desculpe

se minhas mentiras

não romperam tuas verdades.

Um não

tem o mesmo valor

que um sim,

mas um talvez

pode fundar

a realidade do Universo.

É o que resta de mim

que está assim

disperso?

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Poesias – ALTAIR CIRILO DOS SANTOS

5

ELOGIO DA CULTURA

Não acredito em Goebbels que afirmava: “quando ouço falar em cultura, levo a mão ao meu revólver”. Não acredito nos comunistas que apregoavam uma cultura “acessível para as massas”. Quem decide o que é acessível? Quem decide o que é massa? Não acredito que a cultura seja útil somente para compra e venda, e em outros casos seja fútil. A cultura do mais vendido, da maior bilheteria, em verdade é a negação da cultura. Não acredito que a cultura traia, restrinja, se corrompa ou decaia, se traiu ou restringiu, corrompeu-se ou decaiu, era de palha, nunca de boa pedra. Porque cultura é respirar, imperceptível mas vital. É uma pele, uma herança sensorial. É um jeito de sonhar um horizonte, um oriente, mesmo que se escolham caminhos diferentes. Ela não tem que servir, nem dirigir, Não tem que separar, não tem que suprimir, nem jamais envergonhar. Na realidade, a cultura vive na pessoa, que só é pessoa de verdade por causa da cultura.

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ENTRE SOMBRAS

Somos abismo e confusão. A lâmina do dia é um escárnio. Olho minhas mãos e não reconheço meu rosto de meu pai. A pedra que levanto é aquela que me soterra – me construo fora de mim. (Apodrecem lentamente todas as minhas palavras). No entanto, prossigo: sombra entre sombras de tantos que parecem mortos mas que estão apenas dormindo para sempre.

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ESSE POUCO QUE A RAZÃO DESCONHECE não posso separar de mim o pouco que é seu: esse sempre que funda meu caminhar esse espanto: onda de fugas e distâncias e meu olhar que te encontra vivendo no meu sopro habitando minhas vestes eu não eu

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HUMANO

fui pó

convertido em Deus

tornei-me humano

não sou humano

humano tem projetos

destruição, reconstrução

mesma raiz

humano come pão e Lênin

na Santa Ceia

guerra

fome

fanatismo onde

canibal

exerce seu domínio

o Bem

cultura civilização

certeza trabalho revolução

é de si

por isso perde-se

fui pedra

concretizado divino

sabedoria vivo

dum bicho

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IDA E VOLTA Eu não tive a honra Mas nem me importei, E quando fiz minha festa Saí de manso, nunca mais voltei. Tive palavras Mas silenciei, E não dei a mínima À nudez do rei. Semeando vento Nada colhi, E ao fim do discurso Todos dormindo, me repeti. (Quando na montanha A voz do mundo se ergueu Só por minha causa Ela não se moveu). E segue a indefinição: Poeta e/ou louco? Nessa civilização Vejo muitos com muito pouco.

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MALDIÇÃO PRIMEIRA Tais correntes que nos destes, senhores dos pavilhões superiores, ainda irão tornar-se o instrumento de vosso próprio sofrimento.

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O SILÊNCIO

Meu pai me amava

disperso

nos quatro pontos cardeais.

Em todas as paredes

a extensão de seu abraço.

Eu navegava num olho

que era o oceano infinito.

Amado fui no passeio no sorriso

na bofetada.

Os mestres que tive

também me amaram

da altura

inacessíveis.

Os passos feriam o deserto.

A vida em círculos exatos.

Os chefes amaram

apenas

o fantasma que fluía

de minhas mãos.

As mulheres me amaram

conchas vazios

retrocessos

solidões corporais

inclemências antigas.

...se eu cortasse

meus fios de marionete...

...me aproximasse de algo

que não fosse morte...

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O TEMPO (Tempo: cirurgião do mundo)

Murilo Mendes o tempo sem rima sem nexo o tempo sem corpo sem sexo o tempo da fuga sem tempo o tempo do homem sem templo o tempo cinzento concreto o tempo da morte só rito o tempo do grito sem eco

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OS SANTOS DA MINHA TERRA

os santos da minha terra andam descalços e não têm dentes nenhum templo os abriga ninguém lhes eleva preces ou súplicas eles é que imploram com seus rostos olhos corpos suas vozes não proferem o transcendente nem as mãos calejadas e negras distribuem bênçãos ninguém sabe que são santos nem mesmo eles

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PÊNDULO

Quem com verbo fere com verbo será ferido?

Depende da perícia de quem fala ou da eloquência de quem cala.

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PERDAS E GANHOS

Tudo sempre igual – nunca tanto – porcentos de desejo diariamente no aço da retina. Cada um é muito – porém pouco – muito são e louco para o extremo de ver o outro dentro. O Inominado – duplo gume – seja lobo, mesmo cão, alaúde ou alarido amarga marca da realidade amalgamada em beleza e paixão. Tudo sempre palco – melodrama – verso e anverso, cores, rebrilhos, tudo sempre espelho, sempre avesso, sempre humano.

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RES PUBLICAE

“Vais levar-me, avalanche, nesta queda abrupta?”

Baudelaire

Res Publicae

tragédia

sem o apelo

do Titanic,

Hiroshima e Nagasaki,

ou o massacre

de Little Big Horn.

Res publicae coisa de louco

inferno

Res publicae

se esconde em cavernas:

ela tem medo do diabo.

Res publicae sempre o final

de um eterno recomeço

Res publicae corta-barato

empata-foda

filho da puta

que conta o fim do filme

Res publicae

aldeia a

300 milhas

da cidade mais próxima.

Desvio

Latrina

Alucinação de Dali.

Ela desmente

que

quem espera sempre alcança.

Res publicae

apregoa a velocidade

a idade da máquina

o passo ginástico

a higiene da guerra

igreja barroca

em ruínas:

ela tem medo do diabo

Um conto tonto

escrito por não sei quem

Tem muita prosa

na Res publicae

disfarçada em poesia.

Verdade, verdades?

Res publicae

noite em trevas:

ela tem medo do diabo.

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SEMPRE E SEMPRE O VENDAVAL eita!, a roda comeu um braço vai levando uma perna mas vomitou a cabeça um pouco indigesta eu pensei: puxa!, modernidade é fazer parte da engrenagem eita!, a roda passou por cima de casas automóveis aeroportos fábricas ruas escolas igrejas hospitais cemitérios ambulâncias eu pensando: todas as portas abertas mas os caminhos tão inúteis eita!, a roda afogou no mar industriais cozinheiros donas de casa matou o elefante celebbe eu sento e espero não há tempo para o almoço pois a roda se aproxima está no bairro vizinho

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SUSSURRO E GRITO FINAL (em direção a Roma)

sussurro

só sombras

traços

somente

passos

ossos

somenos sangue

vozes

espaços

longes

sonhos

silêncios

plenos

grito final

ruína

ventos furiosos

tempos

as armas e o poder

subjugados

resina

gentes nomes

a balança

as constelações

renitentes na memória

ruína

em direção a Roma

pobre

pretérito

um rato

roeu a roupa

do rei

o rei e o reino

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ÀQUELE QUE VIVE PARA SEMPRE Oh! Senhor, meu grande amigo, Afastai-me do perigo. Dessa temerosa lei Que nos transforma, bem sei, Em vassalos de tal rei Que nos deixa em desabrigo Oh! Senhor, meu grande amigo, Afastai-me do perigo. Afastai-me do profundo Ideário furibundo Dos homens santos do mundo Que só crêem no castigo. Oh! Senhor, meu grande amigo, Afastai-me do perigo. Da boca avara da usura, Ensandecida estrutura Que inexorável tritura O sal, a terra, o trigo, Oh! Senhor, meu grande amigo,

Afastai-me do perigo. De querer sem ser querido. Procurar e estar perdido. Recordar, mas esquecido. De iludir-me no que sigo. Oh! Senhor, meu grande amigo, Afastai-me do perigo. Não entendendo a verdade Busquei a Drummond de Andrade Pois é a Arte que se evade Essa estrela que persigo. Oh! Senhor, meu grande amigo, Afastai-me do perigo. Da palavra mal escrita E da palavra mal dita Que de inútil contradita Não se polua o que digo. Pois, Senhor, meu grande amigo, Sempre me ampare contigo E afastai-me do perigo.

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POR INSTANTES LEMBREI DE MIM respeitável público, o insólito aconteceu: alguém em mim não sou eu seria o caso de afrouxar os nós e chamar a mim de nós? no país dos espelhos nós sorrimos reticentes muitos livros, uma biblioteca muitos peixes, um cardume muitas árvores, uma floresta e várias vozes num só volume? e diversas sombras num só tumulto? com voz alheia gritei meu nome então me ignorei exibindo minhas faces no circo que projetei por instantes, lembrei de mim quem de mim vestirei hoje? bom dia boa tarde olá, como vai? por gentileza boa noite um minutinho por favor às ordens pois não? (quantos e quais estive ausente até agora?) o homem que conseguiu? o homem que respondeu? Aquele que resistiu? Aquele que se escondeu?

aquele que apedrejou? aquele que acolheu? o que não acreditou? aquele que viu Deus? alguém em mim não sou eu cantor do imponderável, guardião do sono, anjo da areia, devassador nas selvas legais, anti-herói, escultor mental, agricultor de ideias, sombra humilde, suor frutificado, um amor de pessoa, seco papel oficial, iconoclasta, taumaturgo da esperança, quais acordes tem seu canto, cultor de indecifráveis? descobri que não transbordava quando não coube em mim de felicidade quando tive um amor maior que a vida e quando pereci além de minhas forças um tempo ergui bandeiras, rinhei os dentes, semeei palavra de pedra e aço convidando ao solo geral, mas no solo geral ouvi grunhidos, observei bivaques, paliçadas, e uma lavra de arame e febre um tempo acalantei o silêncio e a distância, no sertão mais ermo imaginei uma torre, na última da ilhas esquecidas tentei descansar, mas o silêncio me aterrorizou, logo, cantei como um possesso um tempo fiquei louvo e bradei que nada tinha a dizer,

intuí que se encerrasse sentimentos em túmulos de pedra brotariam os poemas mais lindos e os homens, contaminados, brilhariam por um momento antes de acordar um tempo fiquei outro, então achei que tinha perdido muito tempo tem a hora do salto mortal, pluma no trapézio tem a hora do chute na bunda, risível, cúmplice tem a hora da magia, domando a realidade das coisas tem a hora do equilíbrio, tensão e êxtase tem também a hora do aplauso para cada ocasião a mesma pele e a mesma cabeça como um traje diferente revejo por vezes, o próprio rosto no meio da multidão tento falar comigo, face a face, às claras, mas os outros não dão trégua e acabo me perdendo declaro que para os devidos fins que alguns de meus eus não respondem por mim ninguém mais havendo a integrar na procissão retumbo solenemente: ite missa est

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PASSARIM, PASSARÃO I Todo dia, quando amanhece, Tem festa de passarim. Se misturando nos galhos, Numa algazarra sem fim, Como cada um entende Aquilo que o outro diz? Tem gente que nem repara, Não ouve essa cantoria, Escurecida por dentro, Mesmo ao Sol, não vê o dia. II Quando passarim começa A tecer o fio da aurora Uma a uma as estrelas Vão se apagando do céu. Será que o Sol as encanta E elas viram passarim? III Na casa do meu amigo Tem bastante canarim. Vô, me faz uma gaiola Pra ter um também pra mim? - Menino , Pra que prender passarim? -Eles cantam todo o dia, Precisa ver que alegria! -Será mesmo alegria? Ou talvez seja saudade Da brisa, da mata ou do céu, Tão azul, da liberdade? IV Ca – ta – bruuum! Caiu o trovão rolando. Como faz o passarim Se não tem guarda-chuva? Entra debaixo das folhas? Mas as folhas são pequenas. Acha buracos nos troncos? Mas cabem poucos apenas. Ah! Já sei! Passarim fecha as penas.

V Passarim vai lá na altura Depois desce – pedra solta – E se apruma e vai de novo. Vô, passarim não tem medo? -Só de cobra, gato ou de outro Muito maior passarão. -Ué! Então tem passarim E também tem passarão? -Passarim e passarão, Tem até passarãozão. VI Passarim tem medo de gente? -Ô, se tem! Gente mata, gente prende, Corta as asas, gente vende, É uma coisa tão maluca Que gente nem gente entende. VII Entre as flores do jardim O Tigre fez que não viu Um pequeno passarim. Veio vindo agachadinho, Se arrastando, de mansinho. Catei um pau, pei! -Fora gato sem-vergonha! Já pensou se eu não cuidasse? Coitadim do passarim! VIII Canário, sabiá, beija-flor, Rolinha, curió, pica-pau, Sanhaço, rouxinol, azulão, Maçarico, cegonha, pardal, Guará, mutum, gavião, Gralha azul, caburé, colibri, Curiango, jaçanã, cardeal, Trinca ferro, cisne, arapongas, Tesourinha, mãe-da-lua, falcão, Seriema, pato, cotovia, Melro, tico-tico, tucano, Saracura, garça, quero-quero, Passo preto, arara, perdiz,

Pintassilgo, andorinha, gaivota, Anu branco, pombo, pintarroxo, Papagaio, ganso, codorna, Coleirinha, periquito, bem-te-vi, Curruíra , alma-de-gato, tié-sangue, Papai do céu devia estar Bem contente quando encheu O mundo de passarim. IX Um dia Também fui assim: Chamei passarinho De passarim, Olhava pro céu E para mim As nuvens eram De ouro marfim, Olhava pra mata E via um jardim, E no mundo todo, Que não tinha fim, Só havia festa De passarim, E nada, nadinha, Parecia ruim. Mas, hoje! Nem sei o que diga, Estou meio careca, Me cresce a barriga, Mas uma coisa Jamais esqueci: É que um dia Nós fomos assim: Meu avô passarão, Eu, passarim.

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SINA – o menino cheio de bobage – o menino ensimesmado – o menino mei-aluado e até hoje sigo hamletizando

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SUUM CUIQUE TRIBUERE

o arame-farpado me feriu o sonho que sangrou mas se manteve calmo

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PERICULUM IN MORA a boca já sem memória (tanta fome) é expressiva mas pequena para o escorbuto das indagações

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JUCUNDA EST MEMORIAM PRAETERITORUM MALORUM certa vez um homem que eu admirava (e desde então esqueci) afirmou que Bach Mozart Beethoven Brams serviam apenas para acalmar vacas (para boi dormir, se preferem)

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O GIGANTESCO ABRAÇO o mundo se desfaz em vertiginosos adeuses: uma chuva tentacular que irrompe em partes iguais seu limo de céu e terra: voz de escombros repercutindo em assombros

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MUITO ALÉM DOS COMERCIAIS nem gritos de socorro cartas telefonemas riffs de guitarra podem impedir o rapto do sol quando o deus arimã canta seu canto nada nada pop

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SEMPER FIDELIS um cão poluído descapitalizado seu próprio outdoor cão às avessas desabitado tão concreto quanto um grito

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P.S. no sonho joan miró escreveu na parede o que agora releio: a poesia contra legem não é necessariamente erga omnes

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CUMPRIDAS AS FORMALIDADES me escondi em casa no mais escuro que pude enquanto o império da lei passava impiedoso deixando um rastro de rosas despedaçadas

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MELHORES E PIORES INTENÇÕES dentro do olho mar sideral passa uma sombra a palavra suspensa guilhotina

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AGORA O CHÃO

dei um baque, mãe, quis ser dez a pele não suportou (em meus cabelos a lama do que eu pensava poeira de estrelas) tive um surto, mãe, andei por onde não havia qualquer vestígio de mim

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A COR CERTA DO POETA sofrendo por um poema vermelho de rebelião azul de sono verde de tranquilidade, qual a cor certa do poeta negro de etnia branco de idéia vermelho de terra?

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UMA PEQUENA DIVAGAÇÃO nesse nosso meio quem será o menos mais ou menos?

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EGO SUM BELLA ninguém é poeta se adormecidas suas feras ninguém é poeta sem sua própria guerra

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REVIVENDO meus ídolos tem um péssimo hábito: vivem morrendo

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ESSE POUCO QUE A RAZÃO DESCONHECE não posso separar de mim o pouco que é seu: esse sempre que funda meu caminhar esse espanto: onda de fugas e distâncias e meu olhar que te encontra vivendo no meu sopro habitando minhas vestes eu não eu

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VESTÍGIOS tenho comigo desertos e profanações e labirintos com desejos que se perderam tenho comigo despenhadeiros rios santificados e a tranquilidade dos outonos tenho comigo faces e vozes ecos simultâneos que se anulam tenho comigo batalhas onde cada um de nós tenta matar os outros que somos

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PALAVRA NUVEM

palavras duras inimigos à mesa território de contenda: a cama múltiplos infernos em cada gesto e no dia sem fim depois os pequenos milagres do silêncio palavras duram?

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PSEUDÓPODE

simulacro trapo arquétipo sapo silicone clone protótipo mono símile síntese

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AMARRAS quando quis falar percebi minha voz há muito sepultada quando quis andar vacilei em movimentos esquecidos a dor da inexistência dos horizontes porém na tv (e nos assombra) um pálido fantasma da liberdade

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VINHO E ERVAS AMARGAS o homem plantado na terra é árvore com rosto de trovão é pedra com segredos preciosos o homem dando frutos vinho e ervas amargas

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FOGOS LUNARES entre fogos lunares e cabelos te quero prisioneira sem grades nem correntes eu engendro uma aurora e danço com a plenitude dos pássaros e desejo que me permitas suavemente abrigar tuas raízes

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SONHO DE CIÊNCIA

eu e eu cão e dragão como me penso esfinge ante mim? nós e nós se guerreiros nos mataremos? se irmãos nos amaremos? se estranhos nos desprezaremos?

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UM ENORME SILÊNCIO BRANCO

caminho por um dia nítido que se desenha imóvel pelas árvores em pânico há gritos de terror abrigados no silêncio

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AS ENCRUZILHADAS

por dentro do rock’n roll existe o mantra, existe o tanka e também Tatanka Yotanka mas não Yoknopatawpaha na pedra da idéia-fixa existe o signo, existe a tribo e também o crime e o castigo mas não o coração da terra no sempre da obra-prima existe o sopro, existe a sina tem Eva e Adão, tem a vida mas não a cura das feridas no giro da contracultura existe o brado, existe a dança também as idades do fogo mas não a fé, nem o desejo na placa de boas-vindas existe o afeto, existe a porta também a evolução do tempo mas ninguém mais se importa

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OLHANDO PARA TRÁS

no caminho muitas coisas revolvidas jamais resolvidas

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OS SANTOS DA MINHA TERRA

os santos da minha terra andam descalços e não têm dentes nenhum templo os abriga ninguém lhes eleva preces ou súplicas eles é que imploram com seus rostos olhos corpos suas vozes não proferem o transcendente nem as mãos calejadas e negras distribuem bênçãos ninguém sabe que são santos nem mesmo eles

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SERENÍSSIMA a criança no seio é um fruto a mulher tem raízes e galhos e a protege antes que amadureça e role pelos sons e luzes da cidade

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LOA

havéra de ser visagem retrato d’água no céu retalho de céu na terra a vida em longes que se aprofundam havéra de ser visagem

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O OUTRO OLHAR NO ESPELHO

com a mentira nos olhos a boca explode a paranóia de um sim o corpo se abre: memória vazia de um rito há cães ladrando em torno das esfinges e o leito despedaçado de um rio fora do tempo a mentira se refugia do espelho nos outros olhos: o movimento a escuridão

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COMUNHÃO

sobre a mesa as flores escancaradas para o infinito encerrados em seu próprio infinito ninguém percebe o que significa

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A NOVA ROMA

a imagem diz quem não é ninguém negando a retrocessão do que apesar de tudo não é benquisto pois desesteticiza o tótem e o que inexiste porque não aceito surge na neblina e arreganha os dentes a imagem diz quem é quem

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EMBARQUE

nós em transe em trânsito os prós os nós o após

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REFLEXÃO SOBRE A PERDA DA ALMA

a poesia (e o pão de todo dia?) a arte (e o conforto os gastos a vida?) a poesia (os preços os restos?) a arte (os meus os nossos os vossos?) a poesia

O DIA A DIA

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O ESQUECIMENTO

sinais no vento não na pedra veredas de silêncio que se bifurcam o verso tantra sarcófago o paideuma todo torto

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IN VIDEO VERITAS

a moça suplica com o olhar a um rapaz de meia

cabeleira corpos gestos e mãos a desatenção

ziguezagueia do futebol ao carro bomba à nova

musa da masturbação um cara chamado Jack diz a

outro chamado Frank 2 mil dólares o terno pseudo sonho há um creme facial que anula 20 anos o prêmio está

acumulado auto pseudo sonho a moça súplice e o galã terra-a-terra boca-a-boca com o novo portal o mundo em

sua casa ele não pode fazer isso há o passado um ex-deus do rock gostcha mulheres bonitas flamengo is ok tia

branca pula e brinca com certeza o bem sempre

vence o mal sempre o novo ritmo a nova dança com

certeza nossa alma olhos vozes e tons a moça se

desespera o passado contamina o galã meia cabeleira

todos têm que emagrecer crianças soletram o novo

abc pt180 ar15 ak47 a moça mais adiante perderá a memória que memória? que memória?