ESTADO DO RIO GRANDE DO SULPODER JUDICIÁRIOTRIBUNAL DE JUSTIÇA 14/07/2011
Centro de Estudos
22º Encontro Projeto Mesa-RedondaNova Lei sobre as Medidas Cautelares
14-07-2011
DES. NEREU JOSÉ GIACOMOLLI – Bom-dia a todos.
Inicialmente eu cumprimento os componentes da Mesa: Des. José Aquino
Flôres De Camargo, 1º Vice-Presidente do Tribunal de Justiça; Des. Voltaire
de Lima Moraes, 2º Vice-Presidente do Tribunal de Justiça; os painelistas Des.
Ivan Leomar Bruxel, Dr. Aury Lopes Júnior e Dr. Gilberto Thums.
Apresentarei já na abertura o currículo dos nossos painelistas,
eis que este evento está sendo transmitido pela radioweb da Associação dos
Juízes do Estado do Rio Grande do Sul a todos os Colegas que não tiveram
condições de comparecer aqui no dia de hoje.
O Dr. Aury é professor da Pontifícia Universidade Católica do
Rio Grande do Sul, na Graduação, na Especialização, no Mestrado e
Doutorado em Ciências Criminais. Possui Doutorado pela Universidad
Complutense de Madrid. Tem vários livros e artigos escritos, e dentre os livros
destacam-se O Processo Penal e Sua Conformidade Constitucional e
recentemente O Novo Regime Jurídico da Prisão Processual, Liberdades
Provisórias e Medidas Cautelares Diversas, este último disponível na entrada
do plenário. Também possui outros livros importantes como O Prazo no
Processo Penal.
O Des. Ivan Bruxel, nosso Colega da 3ª Câmara Criminal, é
também professor da Escola Superior da Magistratura, já foi coordenador da
área criminal do Centro de Estudos e sempre tem contribuído com a
Administração e com o Centro de Estudos na discussão das novas leis que
têm surgido nesta área.
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O Dr. Gilberto Thums, Procurador de Justiça, possui Mestrado
em Ciências Criminais pela Pontifícia Universidade Católica do Estado do Rio
Grande do Sul; também é professor da Fundação Escola Superior do
Ministério Público; possui vários livros e artigos escritos, entre eles A Nova Lei
de Armas e também sobre a Lei de Drogas.
Agradeço a presença dos painelistas, a disponibilidade em
comparecerem neste dia para debatermos a Lei nº 12.413/2011, que introduz
no nosso sistema jurídico uma nova sistemática das medidas cautelares
pessoais no processo penal.
O nosso trabalho contará com uma exposição inicial do Dr.
Gilberto Thums, em seguida, o Dr. Aury trará a sua contribuição, e, no final,
haverá a intervenção do Des. Bruxel. Após, os painelistas estarão à
disposição para responder às perguntas dos senhores.
Assim, passo a palavra ao Des. José Aquino, 1º Vice-
Presidente do Tribunal de Justiça.
DES. JOSÉ AQUINO FLÔRES DE CAMARGO – Saudação
especial aos integrantes da Mesa, já nominados pelo nosso ilustre Des.
Nereu.
A minha presença aqui se deve à satisfação de registrar que o
nosso Centro de Estudos do Tribunal de Justiça vem desempenhando
fielmente o papel que se espera dele, e imagino que a presença do Des.
Nereu nesta Corte não será muito longa, pois, por sua trajetória, certamente
chegará aos tribunais superiores.
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Considero que o tema que foi escolhido para os debates não
poderia ser mais oportuno, a nova lei sobre as medidas cautelares no
processo penal, e digo isso porque presido a Comissão de Direitos Humanos
do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul e, embora não atue na
área criminal, tenho participado de diversos debates e encontros reunindo
todos os segmentos que integram a cena judiciária, e não apenas isso, mas
que envolvem também os Poderes de Estado - Secretários de Segurança
Pública e organismos que atuam nesta área por parte da Assembléia
Legislativa, e vejo que hoje há uma preocupação que precisa ser aculturada
por nós todos com relação ao nosso sistema penal.
A realidade atual das casas carcerárias do Estado é realmente
dramática, e nós temos nos preocupado em compartilhar com todos os
Colegas o que ocorre hoje especialmente no Presídio Central da Capital e no
Presídio de Alta Segurança de Charqueadas, como forma de dividir essa
preocupação com todos aqueles que exercem a jurisdição ou que, de alguma
forma, integram a cena judiciária. É inegável que algumas premissas são
verdadeiras, entre elas que essas grandes casas carcerárias nada mais são
do que reprodução do crime e forma de organização do crime.
Não sou autoridade abalizada para falar sobre o assunto, mas
imagino que esse tema tenha muito a ver com a situação carcerária, porque
se trata de discutir sobre medidas cautelares que digam respeito
especialmente à questão das penas privativas de liberdade ou alternativas que
o sistema possa produzir no sentido de ser eficaz. Não esqueçamos que o
Direito Penal não tem apenas o objetivo de punir, mas, sobretudo, o objetivo,
que muitas vezes não é alcançado, de reeducar e produzir a reinserção social.
Eu fico muito feliz de ver que, em termos de painelistas, nós
temos aqui o que talvez haja de melhor entre nós na área da advocacia
criminal e também um legítimo representante da jurisdição do 2º Grau, Des.
Bruxel, a quem eu tenho um especial apreço, companheiro de jornada. Eu
tenho certeza de que esse debate irá produzir muitos frutos.
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Portanto, Des. Nereu, a escolha do tema foi muito feliz por sua
atualidade, e acredito que todos iremos tirar proveito disso.
Aproveito o ensejo para fazer uma saudação especial ao meu
amigo Des. Voltaire que hoje está completando mais um ano de vida.
Lembro das nossas jornadas, Des. Voltaire. Iniciei minha
carreira como Juiz Substituto em Cerro Largo, e o Des. Voltaire era Promotor
de Justiça lá e conseguiu algo inédito, anular uma sentença minha. Havia
recém ocorrido uma reforma legislativa em que o Ministério Público adquiriu
status diferenciado, e o Des. Voltaire, daqueles entusiastas da função que
exercia, começou a recorrer de todas as decisões em audiências nas quais o
Ministério Público, mesmo que intimado, não estivesse presente. E,
infelizmente, ele ganhou uma delas que ficou para o meu currículo.
Posteriormente, a jurisprudência mostrou que eu estava certo, uma vez
intimado o Ministério Público, mesmo não comparecendo, o Juiz tinha que
realizar a audiência.
Entretanto, o Des. Voltaire foi daqueles Promotores que
dignificou a instituição que integrava e sustentou galhardamente essa posição
que, embora tenha sido vencida ao longo dos anos, talvez tenha sido a
responsável pela definição do Ministério Público como instituição que é hoje.
Felizmente, o Des. Voltaire veio para o Tribunal de Justiça e
hoje é um magistrado de escol, nosso Vice-Presidente responsável pelas
comissões e que coordena essa área criminal toda, recursos especiais e
recursos extraordinários da área criminal.
De sorte que eu quero aproveitar esse ensejo, Des. Voltaire,
para dizer do meu apreço especial por Vossa Excelência, não só como
magistrado, como ex-integrante do Ministério Público, mas como homem,
daquelas figuras de que a sociedade não pode prescindir e com as quais o
Judiciário felizmente pode contar em suas fileiras.
Com essas breves considerações, Des. Nereu, me despeço
de todos.
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DES. VOLTAIRE DE LIMA MORAES – Eu gostaria de,
inicialmente, saudar a iniciativa do Centro de Estudos do Tribunal de Justiça,
na pessoa do seu Coordenador-Geral, Des. Nereu José Giacomolli, por mais
essa iniciativa que já se afigura vitoriosa.
Ao longo dos meses em que está à testa do Centro de
Estudos, o Des. Nereu Giacomolli tem demonstrado, de forma muito eloquente
e expressiva, a sua capacidade em estabelecer eventos dessa magnitude e
importância, ele que tem também um vínculo com a área acadêmica muito
significativo.
Quero saudar os demais integrantes da Mesa, o Des. Ivan
Bruxel, o Prof. Aury e o Dr. Gilberto Thums, dizendo que este triunvirato que
está aqui hoje é extremamente qualificado. Basta olhar o currículo de cada um
e conferir que são estudiosos nesses assuntos, lidadores, no dia a dia, com
essas temáticas extremamente relevantes.
Então, gostaria de dizer, Colega Nereu Giacomolli, que a
minha Vice-Presidência, que trata das comissões e da área criminal do
Tribunal de Justiça, se sente extremamente lisonjeada em ver que um evento
desta importância se realiza hoje na sua expressão máxima.
Gostaria de agradecer as palavras do Des. Aquino, lembrando
o Des. Francisco Moesch: “Essa anulação ocorreu com suavidade”.
Quero saudar também o Des. Bráulio Marques aqui presente,
prestigiando este evento, e os demais Juízes, os servidores do Poder
Judiciário e os estudantes que são nossos estagiários.
Sem maiores delongas, Des. Nereu Giacomolli, mais uma vez
enaltecendo esta iniciativa, eu lhe passo a palavra e desejo um bom dia a
todos.
DES. NEREU JOSÉ GIACOMOLLI – Obrigado,
Desembargadores Aquino e Voltaire.
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Quero lembrar que, na base desta nova lei, está também o
que foi mencionado pelo Des. Aquino com relação à superlotação carcerária, e
não só isso, mas também o fato de que, nesta superlotação, mais de 30% da
população carcerária - no Brasil o percentual chega a quase 40% - são presos
provisórios, presos com prisão preventiva, presos sem nenhuma condenação.
Não há estatísticas oficiais, mas seguramente, pelas informações de quem
trabalha nos órgãos penitenciários, esse grande número de quase 40% de
presos provisórios deve-se a presos vinculados à Lei de Tóxicos.
Hoje, temos uma realidade em que, se a pessoa é detida com
uma pequena porção de droga em sua própria casa e se ela tiver na
proximidade um celular, um pires e uma tesoura, ela é tida como traficante e é
encarcerada para conveniência da ordem pública. Como vimos na última
sessão de julgamento da 3ª Câmara Criminal, uma pessoa ficou presa por
quase três anos por tráfico e pela garantia da ordem pública, porque foi presa
em casa, com 0.02g de cocaína e com laudos dizendo que a pessoa era
dependente e com comprovação de que havia feito tratamento, internada em
instituições para dependentes.
Vejam que não são casos isolados. Nós tivemos em torno de
20% dos processos analisados na última sessão referentes a tráfico, com
desclassificação para uso de pequena quantidade apreendida na própria
residência, e não na rua. Se no Rio Grande do Sul é assim, imaginem no resto
do Brasil, onde esse percentual chega a quase 40%, enquanto que no Rio
Grande do Sul esse percentual está entre 20% e 25% de presos provisórios.
Então, esta lei também é uma das estratégias para colocar
nas mãos do Juiz uma alternativa ao recolhimento ao cárcere.
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A concepção que temos é que essa pessoa que vai ser
recolhida ao cárcere não vai mais sair de lá e, de lá, não vai praticar nenhum
crime. Observamos, no nosso sistema carcerário, que essas pessoas que
cometem um crime - mesmo não pertencendo à criminalidade mais violenta, à
criminalidade mais grave - são cooptadas pelas organizações criminosas,
pelas facções dentro do presídio, e não só elas, mas toda a sua família passa
a trabalhar para a facção e a organização.
Então, esta lei vem também na base desta problemática, mas,
pelo que se tem visto, haverá uma grande dificuldade na sua aplicação pela
concepção que temos de que a prisão resolve todos os problemas e que a
pessoa que cometeu qualquer espécie de delito deve ser presa
imediatamente.
Feitas essas breves considerações iniciais passo a palavra ao
Dr. Gilberto Thums.
DR. GILBERTO THUMS – Bom-dia a todos. Saúdo os
componentes da Mesa e especialmente quem veio aqui para ouvir. Acho que
este encontro serve mais para um debate, trata-se de uma lei que provocou
uma mudança profunda no nosso sistema processual, e vai demorar um
tempo até que isso seja sedimentado.
Quem é da área do Direito sabe que a imprensa fez um alarde
gigantesco quando essa lei entrou em vigor no dia quatro de julho, dizendo
que 7.500 presos seriam soltos e que voltariam para a convivência social e
que o Estado mergulharia no caos. Nada disso aconteceu. A mídia é sempre
um problema, e o Judiciário está sempre na mira, como se diz, da imprensa.
Toda vez que acontece um crime, ele tem uma repercussão social maior do
que a gravidade do crime em si. Então, temos de ter muito cuidado nesse
tratamento.
Não quero alongar o meu pronunciamento, para permitir que
haja mais debate, mais questionamentos sobre casos concretos.
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Achei interessante, Des. Nereu, essa formatação de painel,
porque está falando primeiro o Ministério Público, suponho que depois seja a
defesa - falará o Dr. Aury - e, por fim, o Des. Bruxel. É o princípio acusatório.
Só que eu não falo aqui em nome do Ministério Público, quero deixar bem
claro isso, porque eu represento 6% do pensamento do Ministério Público.
Temos uma instituição que tem nos seus genes uma visão
radical do sistema que é a doença, a obsessão pela cadeia, pela prisão; todo
mundo preso, responde preso todo mundo. É mais ou menos como o povo
gostaria que fosse: para o povo a pessoa acusada de um crime já vai para a
cadeia desde o primeiro minuto do crime, depois, vamos ver se ele é inocente
ou não, aí é outro problema, aí ninguém mais fala. Então, estou falando em
meu nome, até para conseguir responder por tudo.
A questão é interessante, porque estamos numa mudança de
mentalidade, e quem é magistrado sabe disso, porque temos uma posição
doutrinária vigente há muitos anos. Falei isso também na AJURIS, que é uma
instituição formadora de opinião, muitos magistrados passaram pela Escola da
AJURIS, tivemos professores nesta escola que sustentavam que o flagrante
prendia por si só. Nunca prendeu por si só, o flagrante só prendia até a
homologação, sempre foi assim, mas aí surge toda uma história de
inquisitorialismo que é da tradição do nosso sistema processual.
Até hoje temos o nosso Código de Processo Penal
impregnado de disposições autoritárias, em que o Juiz faz o trabalho do
Ministério Público, e gostei de ouvir essa exposição relacionada com os
Desembargadores Voltaire e Aquino, sobre a questão do Ministério Público.
Acontece que continuo entendendo que, hoje, o Juiz não pode
realizar audiência sem Promotor, mesmo intimado, porque isso quebra o
princípio acusatório; o Juiz assume as funções de Ministério Público no
momento em que ele passa a fazer o papel do Promotor. O Juiz não faz
audiência se não tem advogado, como ele vai fazer audiência se não tem
Promotor?
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Então, parece-me que agora chegamos num ponto em que o
magistrado teria de acertar a pauta com o Promotor quando ele não é titular,
quando é substituto, por exemplo. Logo, se o Promotor vai numa Comarca
apenas nas quintas-feiras, o Juiz terá de fazer as audiências criminais nas
quintas-feiras, porque é o dia em que o substituto aparece, ou adiar para a
próxima sessão. Vejam bem, se o Juiz fizer as vezes do Promotor, inquirindo a
testemunha em contrariedade ao art. 212, parece-me que o Juiz assume a
função de acusar, e esse papel é de quem acusa e tem de produzir a prova.
Então, imagino assim: o Juiz abre a audiência, não tem
Ministério Público para ouvir uma testemunha, portanto, o Juiz passa a palavra
imediatamente para a defesa, a defesa vai dizer que também não tem
perguntas e aí ficamos como? O Juiz fica tentando espremer a testemunha, e
não tem ponto controvertido.
Temos de admitir que estamos vivendo um novo momento no
sistema processual que é o do sistema acusatório. A Constituição, a partir de
88, não expressamente, consagrou o modelo acusatório, mas aos pouquinhos
estamos vendo que o sistema vai tentar se consolidar. Eu cito isso em função
de que, se o Ministério Público requerer a absolvição do réu ao Juiz, o Juiz
pode condená-lo. Fico imaginando no sistema americano, por exemplo, onde
o Promotor retira a acusação, e o Juiz diz: “Não, mas eu vou condenar igual”.
Está no art. 385 do CPP que o Juiz pode condenar contra o pedido do
Ministério Público, ainda é um ranço de um sistema inquisitorial, e esse
sistema ainda está permeando o nosso processo.
Então, inicialmente, eu queria colocar essa questão da
chamada mudança de mentalidade. Já escutei de alguns magistrados: “Eu
não sou uma samambaia pendurada num espaço”, que o Juiz também é
agente, o Juiz não é cego. Eu concordo com isso, o Juiz não é uma
samambaia dentro de uma sala, mas quanto menos ele se envolver com o
papel do Ministério Público, melhor.
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Vemos que isso vai ser difícil, porque é realmente uma
mudança de mentalidade. Quem tem de fazer esse papel é o Ministério
Público, que é uma instituição que deixou muito a desejar, lutou muito para
conseguir os espaços, para conseguir as atribuições, mas hoje o Ministério
Público deixa a desejar no seu papel; os Promotores não assumem as suas
funções na sua plenitude e deixam ao Juiz. Sei de Comarcas em que o
Promotor deixa uma lista de perguntas ao magistrado para fazer à
testemunha. Acho ridículo que o Juiz faça as perguntas que o Promotor deixou
para ele, porque ele não vai estar presente na audiência.
Isso é um problema que as instituições têm que resolver com
essa questão da vigência do art. 212 do CPP. Eu não tenho muito apego ao
formalismo - se o Juiz começa a fazer as perguntas ou se pergunta ao final,
isso para mim não interessa muito -, mas acho que a ausência física do órgão
acusador inviabiliza a audiência. Espero que isso chegue ao STJ e que
tenhamos uma posição, mas eu já fico imaginando que o sistema acusatório
não tenha chegado lá ainda. O Aury vai ter que vender muito livro ainda. Já
comprou a Editora Lumen Juris e é um homem que está semeando muito, e,
com certeza, isso é uma mudança de mentalidade.
Nós temos que reconhecer que estamos passando por esse
processo, mas também não posso deixar de considerar o que foi dito por
quem me antecedeu que o caos do sistema penitenciário hoje é uma questão
proposital, porque construir presídio não dá voto, e o PT não constrói presídio.
Por quê? Porque construir presídio significa encarcerar pobre. Não é isso?
Esse é o discurso.
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Aliás, esse é o discurso que permeia as universidades hoje.
Em todas as universidades, federais e particulares, o discurso é o da extrema
esquerda, não há mais trabalho científico que não esteja alinhado com a
esquerda. E isso tem que ser dito, o pensamento mais central, chamado
dominante, não tem nada a ver com a direita, está solapado. Hoje o que é
bonito é só falar sobre os direitos humanos e o das minorias, dos gays, enfim,
das pessoas que estão excluídas, e ninguém consegue falar nada sobre
ordem jurídica, sobre o que é interessante para o País.
Portanto, não tenho nenhuma esperança em relação a
construção de presídios, e nós temos que ter mais presídios. O Poder Público
tem que desapropriar áreas e construir presídios, e não ficar fazendo
plebiscito para ver se a comunidade aceita um presídio. O poder de império do
Estado permite que ele desaproprie uma área para construir um presídio
porque geograficamente é importante. Se fizer enquete, se fizer pesquisa, a
maioria das pessoas não quer presídio no seu município, e isso é um
problema, é o chamado excesso de democracia. Esse excesso vai nos levar a
caminhos bastante perigosos, e essa situação que está acontecendo é
intencional, porque há muito tempo não se dá atenção ao problema da
população carcerária.
Nós temos que reconhecer que os presídios são uma
academia para o crime, facções criminosas dominam os presídios, todo
mundo sabe disso. E, se uma pessoa cai no sistema penitenciário, para poder
sobreviver, ela tem que se filiar a uma facção para ter a proteção. E, no
momento em que sair do presídio, ela terá uma dívida com essa facção, e
provavelmente essa dívida será assalto, tráfico, enfim, alguma coisa em
retribuição pela proteção que teve durante o encarceramento. Isso é uma
falência absoluta do Estado no sistema penitenciário. Sinceramente, nós não
podemos nos chamar de país democrático, porque essa situação é
simplesmente desumana, e, realmente, o pessoal dos direitos humanos tem
toda a razão, é indigna.
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Há pouco, uma Juíza da VEC limitou o número de presos a
serem recolhidos ao Central em 4.650, se não me engano. É o teto de presos
para o Central, e não se pode recolher mais, porque é mesmo desumano isso.
Só que vão recolher para onde? Essa situação gera, na população, uma
sensação de impunidade, fica a sensação de que se pode cometer crime
porque não se vai preso. É um sentimento desconfortável para a coletividade
em geral.
A questão é bastante séria, e não vejo - eu sou muito
pessimista -, nem a longo nem a médio prazo, uma solução para ela. Quando
dizem que estamos no fundo do poço, não é verdade, não estamos nem no
meio do poço ainda. A sociedade vai mergulhar num caos por causa dessas
políticas públicas. E a responsabilidade disso, sabemos, é de partidos que
governaram o País e que ainda estão governando. Eu não só falo do PT, falo
do PSDB também, de partidos que simplesmente largaram esta questão. Está
todo mundo só fazendo políticas públicas que dão voto, pensando sempre na
reeleição ou na manutenção do poder.
Isso é grave no País, porque não interessa o bem social, a
questão é mais pessoal, basta olhar o que está acontecendo em nível federal.
A insensibilidade que o País tem com relação à corrupção, em que
presidentes blindam ministros notoriamente corruptos. O Procurador-Geral
etiqueta o Palocci como líder de uma quadrilha, de uma facção criminosa, e
um ex-presidente quer blindar este ministro, que agora é ex-ministro, para que
ele não seja submetido a um processo. Então, se o exemplo de cima está
assim, se no andar de cima a coisa está assim, no andar debaixo vai
acontecer o quê?
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Às vezes, eu fico pensando que para um Juiz deve ser uma
tarefa muito difícil decretar a prisão preventiva do chamado chinelão, o sujeito
que cometeu um pequeno assalto com uma faca, uma coisa assim. Trago aqui
o exemplo daquele ladrãozinho do Mercado Público que foi objeto da RBS por
30 programas, retratando uma situação grave porque a Polícia prende, e o
Judiciário solta. O crime dele qual foi? Furto de telefone celular de pessoas
descuidadas, aliás, tentativas, porque, em todas as vezes, ele foi preso. É um
imbecil, ele subtrai e é preso. Então, ele é um cara perigoso, um meliante
terrível, e uma medida cautelar para dizer para ele se afastar do Mercado
Público seria conveniente, mudar o local do assalto dele, deixar as vítimas do
Mercado Público que são os aposentados, aqueles que vão comprar coisas de
alimentação ali. A questão é bastante séria para o magistrado hoje.
Essa lei que veio não foi feliz ao sistematizar as medidas
cautelares. Eu vejo essa dificuldade e quero depois ouvir o Aury, porque a
fiança é um instituto que perdeu a credibilidade já há muitas décadas para
nós. Em outros países, a fiança é algo que funciona muito bem e na Justiça
Federal também funciona muito bem, mas por quê? Nós nos acostumamos ao
fato de o Juiz homologar o flagrante por estar perfeito e depois conceder
liberdade provisória sem fiança, mediante termo de compromisso, se não
existirem os motivos da preventiva. Isso está correto, só que agora não pode
mais ser assim, porque hoje existem novas medidas cautelares, e a fiança
passou a ser uma medida cautelar.
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Por um lado, o legislador trata a fiança como medida cautelar,
depois ele a trata com outra nomenclatura. Não consegui entender o que o
legislador quis ao tratar da fiança. Tem três tipos de fiança, e a fiança que eu
acho que realmente funciona é a da Polícia quando a pessoa é presa em
flagrante, e o crime tem uma pena máxima de até 4 anos, como é o caso do
furto simples, do estelionato, da apropriação indébita, crimes sem violência à
pessoa e, às vezes, até com violência, mas em que a pena máxima não
extrapole a 4 anos. Se a pena máxima prevista não passar de 4 anos, o
Delegado lavra o flagrante desde que não seja crime do JECrim, porque, se
for crime de menor potencial ofensivo, lavra um termo circunstanciado e libera.
Contudo, se for crime mais grave, com pena máxima de até 4 anos, o
Delegado lavra o flagrante independente de ser reclusão - antes só podia com
detenção e agora até com reclusão -, arbitra a fiança e solta.
Mas e se for pobre, se o Delegado fixou a fiança em cinco mil,
e o sujeito não tem onde cair morto? Passa para o Juiz o problema, e o Juiz
vai substituir a fiança por outra medida cautelar.
Houve uma mudança significativa, pois agora o Juiz não dá
vista do flagrante ao Ministério Público. Antes o Juiz dava vista, e todos os
Promotores já tinham o chavão pronto e faziam um pedido de preventiva para
todos, inclusive para crime de menor potencial ofensivo. Se pudessem,
prendiam. A idéia hoje é diferente, o Delegado que faz o flagrante tem que
comunicar o fato a um familiar do preso, avisa que ele tem direito a um
advogado, se ele não tiver advogado, avisa a Defensoria Pública, comunica o
Juiz e comunica o Ministério Público.
Por que comunica o Ministério Público? Promotores não
podem mais deixar lá o Secretário de Diligência de plantão no fim de semana
e saírem da Comarca. Na verdade, o Ministério Público é comunicado do
flagrante para os efeitos do pedido de prisão preventiva, quer dizer, isso
obriga a aproximação do Ministério Público com a Polícia.
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O Juiz recebe o flagrante, homologa se este estiver perfeito,
ou, se estiver em desacordo com as normas legais, ele não homologa e relaxa
a prisão. Entretanto, depois de homologado o flagrante é que o Juiz está com
o que se chama de pepino, e por quê? Ele vai ter que seguir as regras que
estão no Código. A lei prevê os princípios fundamentais que são a
necessidade e a adequação. Então, a primeira coisa é ver o tipo de crime.
Existem crimes em que havia um exagero nas prisões cautelares. Eu cito um
exemplo que é muito comum que são os crimes contra a Administração
Pública.
Agora, houve essa Operação Cartola, e felizmente o Juiz teve
serenidade e não decretou a prisão desses funcionários públicos que foram
objeto da investigação. Mas qual seria a medida para esses funcionários?
Afastá-los da função. Se o funcionário é corrupto porque ele trabalha num
setor de licitações, qual é a medida cautelar adequada? Tirá-lo do serviço
público, não só daquela função, ele sai do serviço público cautelarmente. É
como se ele estivesse preso, mas não precisa segregar numa cadeia, porque
o crime dele é um crime sem violência, mas é um crime contra Administração
Pública, ou seja, é contra o povo em geral, é um crime contra a coletividade. O
crime é grave, sim, mas não é grave a ponto de significar a segregação do
agente. Se ele comete esse crime no exercício da função, como é que eu
resolvo? Tiro ele da função e não preciso decretar a preventiva, porque,
senão, vou entupindo os presídios com pessoas que não precisavam estar
presos lá.
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Podemos pegar inúmeros exemplos. O caso do Ricardo Neis,
o falado matador das bicicletas, foi motivo de imensas reportagens, pedidos
de prisão preventiva, prisão perpétua, pena de morte se fosse possível. Eu
não o estou defendendo, acho que ele é um psicopata, um sujeito
problemático. Quem toca um veículo em cima de ciclistas, à traição, pelas
costas, apresenta uma situação bastante grave, mas qual seria a medida para
proteger a sociedade desse indivíduo? Suspender seu direito de dirigir, tirar a
carteira dele, proibi-lo de dirigir como medida cautelar, e o descumprimento de
uma medida cautelar justifica a prisão preventiva.
Então, acho que a comunidade, aos poucos, vai conseguir
assimilar isso. O Juiz pode ser tolerante, vai aplicar uma medida mais suave
que é uma cautelar, mas vai advertir que, se o réu infringir aquela medida,
será preso.
Assim, falando do ponto de vista mais civilizado, o Ricardo
Neis pode ser um desequilibrado, mas ele é um sujeito que trabalha num
órgão público, não tem um histórico na vida de crime de violência nenhum, foi
um momento azarado na vida dele, e penso que receber uma medida cautelar
sob ameaça de ser preso preventivamente seria eficaz e suficiente num caso
como esse.
Considero um grande desafio para o Juiz escolher a medida
adequada, e isso está lá no art. 282. Para decretar, hoje, uma prisão
preventiva, o Juiz tem que conjugar 3 artigos, ou seja, ver a adequação, a
necessidade e o cabimento, porque a prisão preventiva só é cabível em
crimes que têm pena de reclusão acima de 4 anos. A pena de prisão tem que
estar prevista no tipo penal acima de 4 anos, mas isso também não é
suficiente, isso é apenas para se admitir a prisão dele. Ele tem que preencher
os demais requisitos. Vai-se utilizar da prisão preventiva por quê? O réu
ameaça testemunhas? Ele tem perigo de fuga?
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Ninguém precisa olhar novela aqui, mas vou dar o exemplo
daquele banqueiro que está preso – é só na Rede Globo que banqueiro fica
preso. O sujeito está preso porque havia um risco de fuga, o Horácio Cortez
foi preso no aeroporto. O crime dele é contra o sistema financeiro. Se formos
olhar, o crime é gravíssimo, mas, se formos ver qual é a pena, ela é ridícula.
Então, ao longo dos anos, o legislador tratou de fazer isto, os chamados
crimes do colarinho branco são criminalizados, mas a peninha é bem
pequena, então, quando o pessoal refere que o rico não vai para a cadeia, a
questão não é essa. É que rico não comete latrocínio, rico não comete
extorsão mediante sequestro. O rico comete sonegação fiscal, crime contra o
sistema financeiro, eventualmente estelionato, crime de falência fraudulenta
que são crimes, se observarmos, que requerem outras medidas, e, até
porque, se condenado for esse rico, caberá a chamada pena alternativa, a
PRD. O Juiz, na hora do flagrante, ao verificar que, se essa pessoa for
condenada, a pena será inferior a 4 anos, pode-se perguntar por que decretar
a preventiva.
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Tenho um caso que é emblemático e preciso citar para os
Colegas aqui. Aconteceu em Vacaria, quando entrou em vigor o Estatuto do
Desarmamento. O primeiro cidadão preso pelo Estatuto do Desarmamento foi
um empresário, dono de um posto de gasolina em Vacaria. O posto dele
sofreu um assalto, e o assaltante foi desapossar o frentista que estava com os
cheques e com o dinheiro da venda de gasolina. O dono do posto estava no
escritório e estava assistindo ao assalto. Num descuido do assaltante que
abaixou a arma para tirar os cheques do frentista, o proprietário do posto
disparou a arma de dentro do escritório para atingir o assaltante e o acertou
no ombro. O assaltante, por reflexo, soltou a arma e empreendeu fuga.
Chamaram a Brigada que recolheu a arma do assaltante, colocando-a num
plástico para perícia, e um brigadiano pediu para ver a arma do empresário
que atingiu o meliante. Quando o empresário mostra a arma para o
brigadiano, este viu que a arma não tinha numeração e deu voz de prisão ao
empresário. Aquele cidadão foi preso em flagrante porque possuía uma arma
com numeração suprimida. A pena é de 3 a 6 anos de reclusão. A prisão foi
homologada pelo Juiz com aquele despacho tradicional: “Homologo o
flagrante, mantenho a prisão”. Por que o Juiz manteve a prisão, por qual
fundamento? O Juiz diz que não precisa dar fundamento. O flagrante prende
por si só, não é isso? Foi interposto um habeas no Tribunal, que foi negado. Aí
surge o pior: em 25 dias, o empresário estava condenado a 3 anos de
reclusão, pena mínima. Aí, o Juiz mandou-o para casa depois de condenado,
porque deu uma pena alternativa para ele substituir os 3 anos de reclusão por
pena restritiva de direitos. O advogado perguntou ao Juiz: “Doutor, diga-me só
uma coisa para eu poder entender, sou advogado há tantos anos e eu queria
só entender. Durante o processo meu cliente ficou preso preventivamente.
Agora ele está condenado definitivamente e vai para casa”. O Juiz respondeu:
“É a lei, é a lei, Doutor”. Mas por que é a lei? A lei tem um dispositivo que
determina que os crimes do art. 16 são inafiançáveis. São inafiançáveis, mas
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não significa que não caiba a liberdade provisória sem fiança. Não é isso? Se
praticar um homicídio, não posso responder em liberdade?
Acho que temos que refletir sobre isso. Temos que evitar o
encarceramento de pessoas que, na verdade, não representam uma ameaça
social. Hoje se pode concluir, de uma forma bem rasa, que o encarceramento
provisório está restrito aos crimes violentos em que há necessidade de
segregação, porque não basta só o crime ser violento. Essa é uma questão.
Eu era Promotor em Canoas e fui um dos primeiros a receber
uma crítica feroz da instituição, porque uma pessoa foi presa por homicídio
qualificado em Canoas, e eu me manifestei pela concessão de liberdade
provisória sem fiança, embora o crime fosse rotulado como hediondo. Foi uma
avalanche de críticas no sentido de que eu ser radical, alternativo. As pessoas
que falavam não sabiam do fato. Era uma mulher que matou o seu
companheiro, com o qual convivia há mais de 20 anos, e ela havia sido
agredida ao longo da vida, por umas 50 vezes, por esse indivíduo que era um
sujeito alcoolista e que, quando bebia, a agredia. Essa senhora era provedora
da família, ela sustentava dois adolescentes, e o sujeito era um parasita. Aí,
um dia, ele chegou bêbado em casa, deu um soco na esposa dele,
ocasionando um hematoma gigantesco no olho dela que tapou a sua visão, e
ela decidiu que naquela noite acabaria o seu sofrimento. Ela pegou uma
marreta, enquanto ele dormia, e afundou a cabeça dele com a marreta.
Alguém diria assim: “Matou bem”. Ela chamou a Brigada Militar para se
entregar. Foi algemada, autuada em flagrante e recolhida ao presídio. O Juiz
está com o flagrante na mão. É um homicídio qualificado, porque a pessoa
não tinha chance de se defender. Então vão dizer que tinha de haver prisão
preventiva, que o crime foi grave. Sim, o crime é grave, mas existe
necessidade de segregar? Não.
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Essa é a grande questão. Por isso o Ministério Público é
intimado para justificar os pedidos de prisão preventiva, pois, se o Juiz não
tiver elementos, vai soltar. É claro que os Juízes não vão soltar assim à toa,
como diz a imprensa, os Juízes são cautelosos, porque vivem também na
sociedade e sabem que em crimes com violência como assaltos, sequestros,
enfim, crimes de extrema gravidade, o sujeito não pode ser colocado na rua.
Quanto às questões de traficantes, tenho as minhas reservas,
mas entendo que isso é um problema muito mais grave e que poderíamos
discutir durante uma semana a questão sobre a violência que gravita em torno
do tráfico, porque o número de homicídios hoje está vinculado à questão de
traficância. Por exemplo, um usuário que devia a um traficante e foi
executado, penso que esse que matou deverá ficar preso, porque ele vai
matar mais gente que está devendo. Esse sujeito, além de o crime ser grave,
representa a chamada necessidade da segregação.
Então se usarmos estes dois pilares, o crime grave e
necessidade de prender, já há meio caminho andado. Aí, temos que verificar
se está dentro dos parâmetros de admissibilidade da prisão preventiva. Se
estiver, podemos decretá-la. Só que isto tem que ficar claro, a prisão
preventiva é o último recurso para o Juiz. Temos hoje a prisão domiciliar que é
uma prisão em que o sujeito não pode sair de casa, porque ele está preso,
mas é para as hipóteses específicas. Depois, temos o recolhimento domiciliar,
em que a pessoa também fica presa, é uma espécie de prisão. Nesse
recolhimento domiciliar, a pessoa só se afasta de casa para trabalhar; no fim
de semana e à noite ela está recolhida. É uma espécie de prisão domiciliar, a
única diferença é que o indivíduo pode sair para trabalhar. E lembro muito do
DSK de Nova York, o aparato montado, porque lá, se a pessoa sai mediante
fiança, tem que custear toda uma equipe, porque, onde ela pisar, terá as
pessoas no seu encalço. Na verdade, aquilo não é uma fiança, aquilo ali é
uma prisão domiciliar.
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Portanto, vamos passar por um processo lento de mudanças.
Não é do dia para a noite que inclusive magistrados que se acostumaram ao
longo de décadas, muitas vezes, a um determinado proceder vão mudar,
porque o Juiz também é assaltado, temos Desembargador aqui que já foi
sequestrado. A violência está na porta de todas as pessoas, e nos crimes com
muita gravidade, em que a segregação é imperiosa, acho que não há muito o
que pensar.
Existem outros casos em que questionamos a necessidade da
decretação da preventiva, como, por exemplo, nos acidentes de trânsito,
quando a imprensa dá muito destaque, e o Juiz logo tenta evitar o desgaste
decreta a prisão. Tem que fazer o contrário, tem que enfrentar a imprensa,
tem que dizer: “Qual é o problema? Está na lei, e eu tenho que cumprir a lei”.
A imprensa é muito sensacionalista, porque isso dá manchete, atrai a atenção,
dá IBOPE, como se diz. A imprensa fatura em cima disso, e nós não podemos
fazer o jogo da imprensa.
Sempre lembro do Des. Voltaire, como Procurador-Geral do
Ministério Público, e de sua habilidade ao lidar com questões extremamente
delicadas, evitando essa exposição demasiada. A exposição demasiada
provoca um desgaste por mais que se tente justificar que o proceder foi
correto.
Gostaria que pudéssemos fixar a idéia de que a prisão
preventiva é a última alternativa. Há nove medidas cautelares, o Juiz,
inclusive, pode soltar a pessoa sem nenhuma medida cautelar, e aí a fiança
não adquire esse caráter. Pergunto: É possível uma pessoa ser solta sem
nenhuma medida cautelar? Claro, é perfeitamente possível, porque não há
nenhuma necessidade de aplicá-las.
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As medidas cautelares têm esses dois pressupostos: a
necessidade e a adequação. Muitas vezes a pessoa pode ser solta sem
nenhuma providência. Vamos pegar como exemplo um atropelamento com
morte, crime culposo e fuga do local. O agente é preso preventivamente.
Poderia ser aplicada a medida cautelar que substitui a prisão, que seria
confiscar o documento do culpado e proibi-lo de dirigir, sob a ameaça de ele
ser preso se encontrado dirigindo veículo. Essa medida me parece suficiente.
Já posso adiantar que o Ministério Público vai continuar
insistindo com a prisão preventiva para tudo. Há os despachos já prontos, e
existem vários fundamentos. O Juiz hoje tem um desafio na hora do
homologar o flagrante. Ele não pode mais resumir um despacho, dizendo que
decreta a prisão preventiva para a garantia da ordem pública. Isso não pode
mais ser dito, tem que haver uma fundamentação concreta, referindo por que
não se aplica nenhuma outra medida cautelar.
A preventiva tem um caráter de subsidiariedade, ou seja, se
nenhuma outra cautelar for cabível, o Juiz lançará mão da prisão preventiva.
Essa me parece ser a grande linha que demarca hoje a questão do chamado
preso provisório.
Há outro aspecto. Todos os presos com prisão preventiva sem
fundamentação adequada teriam, em tese, o direito de rever suas prisões.
Penso que o Juiz teria que rever as prisões preventivas decretadas em que a
fundamentação ficou só na garantia da ordem pública, e esse é um dos piores
fundamentos. A garantia da ordem pública é um termo muito vago, a não ser
que a pessoa seja multirreincidente, e aí se pode dizer que a pessoa solta vai
continuar a delinquir, pois há como se verificar na sua ficha se existem
passagens pela Polícia e por prisões, se tem condenação, se é reincidente.
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Entretanto, se é o primeiro crime dele, como será
fundamentada a garantia da ordem pública? Não se pode presumir. Aí há um
grande problema, tem Juiz que presume muito: ”Presumo que ele continuará a
delinquir”. Mas por que ele vai continuar a delinquir? Ele não fez nenhum
exame psicológico, nem criminológico, tem profissão.
Quanto ao problema do tráfico, o indivíduo é traficante por 10
anos e nunca foi preso. Não possui emprego, não tem nada, e, na hora em
que é interrogado, o Juiz pergunta: “Qual é a tua forma de ganhar a vida”? Ele
responde: “Eu trabalho como encanador”. Pergunta se ele tem carteira
profissional assinada ou se tem empresa, e ele responde que não, que
trabalha como freelancer. Quando perguntado como justifica a aquisição de
22 kg de cocaína que custam R$ 250.000,00.
O pequeno traficante tem direito, inclusive, à redução de pena
de 2/3. A pena pode ficar em dois anos, por exemplo. Como vamos manter
preventivamente presa uma pessoa se a pena imposta a ela será de dois
anos, e o STJ está admitindo a substituição por PRD? Isso é um negócio
complicado.
Por isso, digo aos magistrados que estão aqui: o Juiz tem um
grande desafio. Essa questão de pegar o flagrante, homologar e dizer
“mantenho a prisão e decreto a preventiva com base no art. tal” não dá mais
para fazer. Vai dar problemas com os habeas corpus. Vão surgir tantos que
daqui a pouco vão autorizar o porteiro a dar liminar. Felizmente, homologar e
manter a prisão acabou no passado. Os autores diziam que isso não era
possível, mas tínhamos um conservadorismo aqui, dizendo que podia. Agora
está claro na lei que não pode mais. Ao homologar o flagrante, o Juiz ou solta,
ou decreta a preventiva, mas, para decretar a preventiva, há um ritual.
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Então me parece que dá um trabalho muito grande para o
Juiz, mas não há interferência do Ministério Público. O Ministério Público só irá
interferir se, na Polícia, ele já fez um canal de comunicação com o Delegado
e, por fora, entra com um pedido ao Juiz. Caso contrário, o Juiz não tomará
conhecimento. Ele recebe o flagrante e não tem nada que dar vista ao MP. O
MP vem com o documento pronto, é só trocar o nome e assinar. É o que
muitas vezes acontece. Não há nenhuma fundamentação, é um requerimento-
padrão.
Parece-me que hoje esse processo kafkiano não é mais
possível. Temos de analisar cada processo, analisar o preso na sua
peculiaridade, o que aconteceu com ele e qual a necessidade de mantê-lo
preso. Penso que, nesse aspecto, a lei teve um avanço significativo, mas
também posso dizer que tenho muito medo da questão da impunidade, que é
decorrente de uma política pública de partidos.
Estamos passando por um processo de nivelamento por
baixo. Se não podemos prender o político corrupto, por que vamos prender o
ladrão? Isso traz uma distorção completa da ordem jurídica. Estamos
atravessando essa crise, que é muito séria, e o emburrecimento é intencional.
Em relação àquele livro em que consta “os menino pega os peixe”, isso foi
encomendado, porque há uma ideia de que a linguagem culta tem de acabar,
e nós todos temos que falar como fala o Lula, “nóis”. Isso é intencional, como
o pobre não consegue entender a linguagem culta, eles fazem de propósito:
“Vamos botar que pode escrever qualquer coisa como o povo fala na rua”. A
pessoa lê um despacho do Juiz e não consegue entender, porque é uma
linguagem técnica, como a de médico, é uma linguagem conforme a lei.
A política está se encarregando de baixar o nível. Daqui a
pouco, nos concursos jurídicos, vai haver matéria que não é jurídica. Pelas
cotas, para aprovar pessoal que não tem qualificação, vão colocar, porque
temos que ter magistrados que representem as minorias: os sem-teto, os sem-
isso, os sem-aquilo, os homossexuais.
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Penso que essa é uma situação bastante complicada em
razão do que está por trás disso tudo, que é uma ideologia que, em termos de
manobra de massa, me deixa bastante apreensivo, porque é algo orquestrado.
Todas as universidades federais estão alinhadas com uma ideologia de
esquerda muito forte. Todas as universidades particulares também estão
assim, porque precisam do Poder Público para conseguir recursos e
benesses.
Assusta-me muito, porque hoje é inaceitável qualquer trabalho
que não tenha um alinhamento ideológico de esquerda, conheço vários casos.
Sou tachado como radical – só por quem não me conhece. Em algumas
coisas realmente sou radical, mas essa questão de não permitir ouvir a
opinião do outro, de prevalecer o posicionamento da esquerda, da minoria, do
discurso inclusivo... É para onde estamos caminhando.
A perspectiva é esta. Não vai haver presídio, não adianta fazer
projeções, ninguém vai construir presídio. Vamos ter uma massa criminógena
cada vez maior, porque a desigualdade social gera uma grande gama de
violência.
O tráfico de drogas, por sua vez, hoje é assustador, conforme
estatísticas que temos. Se formos a uma penitenciária e verificarmos quantos
crimes estão vinculados à questão da droga, assustamo-nos. Aí vem uma
contrapartida, que é o Quebrando o Tabu, do FHC, que não é de liberar, mas
de estabelecer, de regulamentar, de fazer um controle. Penso que seria
pertinente, até no Centro de Estudos do Tribunal, discutir a Lei de Drogas.
Coloco-me à disposição para questionamentos depois.
Obrigado pela atenção
DES. NEREU JOSÉ GIACOMOLLI – Obrigado, Dr. Gilberto
Thums, realmente é desafiador o debate sobre a Lei de Drogas.
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Recordo-me que estava no IBCCRIM, há uns dois anos,
justamente falando sobre esse assunto, houve uma pesquisa bastante
intensa. Não só nos meios acadêmicos, mas na área médica, vinculada à
psicologia e à psiquiatria, há uma discussão sobre as espécies de drogas e as
formas de liberação parcial ou total, ou em determinados locais.
Em alguns países, como na Espanha, o problema é tratado
como de saúde pública. Lá existem narcossalas mantidas pelo estado aonde
as pessoas vão para se drogar e onde recebem toda a assistência médica. É
claro que vivemos em outra realidade, mas, em termos de política pública e de
investimento, foi a forma mais econômica de o estado enfrentar o problema.
O problema maior das drogas está na proteção que certos
governos dão às grandes plantações e aos laboratórios de refino. O negócio
envolvendo droga é tão rentável que se aproxima, nos Estados Unidos, a 5%
do seu PIB. Há todo um interesse econômico em manter a situação em
relação às drogas como está atualmente, mas não vamos nos alongar nesse
assunto.
Passo a palavra ao Professor e Doutor Aury Lopes Júnior.
DR. AURY LOPES JÚNIOR – Inicialmente, gostaria de
agradecer o convite e de saudar os meus amigos da Mesa.
É claro que essa lei gerou um discurso de pânico muito
preocupante. A mídia fez um horror, mas ela é uma lei nova, que tem suas
vantagens e seus inconvenientes. Talvez um erro seja querer rotulá-la de
melhor ou pior. Se tivesse que usar uma palavra para dar conta da cadeia de
significantes ali, eu diria que é uma lei mais inteligente, porque rompe com
uma estrutura binária muito burra e reducionista, que era termos ou prisão ou
liberdade. Isso realmente não satisfazia a ninguém. O Juiz não tinha opções:
ou alguém ficava preso – e isso poderia ser desproporcional, injusto –, ou
ficava solto, e o reclame pela impunidade era imenso. Não havia muito jogo.
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Agora temos nove medidas alternativas que vão dar opções
ao Juiz. Penso que é muito importante dar opções ao Juiz para que ele possa
tomar a melhor decisão no caso concreto. O perigo é quando você engessa e
não dá opção, aí as coisas complicam. É claro que nós temos - não vou falar,
porque é por todos conhecido - o caos do sistema carcerário.
É importante dar-se conta de que essa lei é um projeto de
2000 que foi apresentado em 2001: é o Projeto de Lei nº 4.208/2001.
Participei do debate, na época, no Rio de Janeiro, quando recém tinha sido
apresentado. A partir daí, esqueceu-se desse projeto de lei.
Em 2008 se fez uma reforma pontual muito grande no CPP, e,
no mesmo mês de agosto, quando entraram em vigor as três leis que
mudaram o CPP, nomeou-se uma comissão para fazer um código
inteiramente novo. Fizeram o PLS nº 156, e, quando todos estavam focados
no seu estudo, na virada do ano, ressuscitam um projeto de lei de 2001, das
cautelares, e o aprovam.
Alguns questionamentos surgiram: por que pegar um projeto
de 2001 e não pegar a parte de cautelares que estava no PLS nº 156, que
estava pronto? As respostas são várias, e isso é sintoma de que não teremos
Código de Processo Penal novo nos próximos cinco, seis, oito anos talvez.
Não vislumbro, em médio prazo, nenhuma possibilidade de ter um código
novo. Isso foi um sinal de que esse código tem muita resistência. Há uma
resistência política, que talvez vocês não saibam: dizem que qualquer
iniciativa legislativa de relevância que nasça no Senado, quando chega à
Câmara dos Deputados, para por ciúmes legislativos. Quem tem de ter
iniciativa legislativa é a Câmara dos Deputados, e não o Senado.
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Esse projeto nasceu no Senado pela mão de um Senador que
também goza de muita resistência. Eu participei, fui nomeado pelo Ministro
Cezar Peluso para uma comissão no CNJ que revisou o Código. Algumas
vezes tentamos discutir com o Senador, dizendo que aquilo não poderia ser
assim. Nunca conseguia falar com ele, falava com os Assessores. Houve um
dia em que me estressei com um Assessor, mostrando um furo, e eu disse:
“Estou falando em AM, parece que o Senador está ouvindo em FM, não
entende”. O Assessor me puxou e disse: “Ele não entende, porque é
veterinário. O Senador é veterinário”. Eu pensei: “Pode ser a pessoa mais
honesta do mundo, não está em discussão isso, mas ele é veterinário”.
Quando o meu cachorro está doente, não chamo um jurista, porque, se eu
chamar um jurista, vão ficar discutindo qual é a teoria e qual é a natureza
jurídica da doença, e o cachorro vai morrer. Então, não me chama um
veterinário para fazer lei penal.
É claro que essas coisas se refletem, é difícil. O labirinto
legislativo brasileiro é muito complicado, mas rompemos o ano batendo a casa
dos 500 mil presos. Isso gerou um reclame imenso da mídia, quase 200 mil
cautelares. O detalhe é que, desses 200 mil, muitos estavam presos
ilegalmente.
O CNJ fez uma análise rápida da situação. É importante
reconhecer quando as pessoas trabalham bem: há dois Juízes do Rio Grande
do Sul que estão fazendo um trabalho excepcional lá, o Dr. Losekann e o Dr.
Márcio Fraga. Eles têm trabalhado muito e muito bem. Quando eu estava lá,
acompanhei o trabalho deles. Num mutirão muito rápido, apuraram 17 mil
presos ilegais no sistema carcerário. Nós não estamos falando de mil, 2 mil,
são 17 mil prisões escancaradamente ilegais. Isso realmente é muito
preocupante.
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Aí ressuscitam uma lei de 2001. Detalhe: não podemos dizer
que fomos pegos de surpresa, porque o projeto é de 2001. Não podemos dizer
que é um projeto imaturo, porque é de 2001. Se não discutimos, se não
estudamos, o problema é nosso. Realmente aqui eles foram muito habilidosos
politicamente, porque, para não pegarem o PLS nº 156, que ia ser criticado de
imaturo, pouco discutido, puxaram o de 2001. O detalhe é que o que havia de
bom no PL nº 4.208/2001 foi vetado na última hora.
Uma particularidade: ela é uma lei mais inteligente, claramente
descarcerizadora, na ideia de que, em crimes até quatro anos, não temos
cárcere. Mas um detalhe importante: ela amplia o controle penal e vai ser
sinônimo de expansão penal, porque, na dimensão das cautelares diversas,
vai-se ter a ampliação do controle.
A questão é qual o preço que estamos dispostos a pagar por
isso. Cada vez mais estamos abrindo mão, diariamente, de liberdades, desde
as pequenas liberdades do dia a dia até a macroliberdade, como são essas
cautelares aqui. E estamos pagando um preço muito caro por isso sem nos
darmos conta.
Esses dias, debatendo com Rui Cunha, de Portugal, ele disse:
“O.k., precisamos ter interceptação telefônica”. Precisamos, mas será que
estamos dispostos a pagar o preço caríssimo, que é a banalização das
interceptações? Será que estamos dispostos a pagar o preço de ter uma
interceptação telefônica discutida no Jornal Nacional pelo William Bonner e a
Fátima Bernardes? Será que isso não é um preço caro demais? Será que
estamos dispostos a abrir mão de tanta liberdade? Não se faz mais nada hoje,
ou seja, o limite do gozo do Direito Penal chegou a um extremo que não se
goza mais. Na realidade, não temos mais gozo nenhum. Então, precisamos
começar a pensar nisso.
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Outro problema sério é que essa é uma reforma pontual, ou
seja, se pega um código com 700 artigos e se mexe em meia dúzia, gerando
inconsistência sistêmica, incoerência e conflito. Falta força para ter o
rompimento cultural necessário.
O que o Dr. Thums falou, em última análise, foi o seguinte: “A
lei está aí, ela muda muita coisa. Vamos ver quanto tempo vai levar para
romper a cultura encarcerizadora”.
Quando se tem um Código inteiramente novo, força-se o
choque; no caso de reforma pontual, não. Por exemplo, o art. 212 está
pegando devagar, porque não teve força para romper com a cultura
inquisitória ainda vigente no sistema brasileiro. Reforma pontual é um
problema sério. Precisamos de um Código todo novo e não temos ainda.
Em uma palestra aqui em Porto Alegre, um Juiz levantou a
mão e disse: “Doutor, como é que fica aquela preventiva do art. 366? Procuro,
não encontro, cito por edital, e a pessoa não aparece. Essa prisão preventiva,
do art. 366 está limitada pelo 313, I - o limite de pena de até 4 anos -, ou
não?” Para mim, sim, porque, dentro do sistema cautelar, não se pode romper
com a sua lógica, mas aí foram ponderados argumentos de que criminoso
profissional em crimes de pequena gravidade vai ficar delinquindo e nunca vai
ser pego.
Posso até não concordar, mas tive que concordar com o Juiz
naquele momento sobre o seguinte: uma reforma pontual gera inconsistência
sistêmica como essa. Ou pior, em 2008, foram mudados todos os
procedimentos do Código, e não tocaram no capítulo das nulidades. Isso é um
absurdo! Não existe país no mundo que mude todos os procedimentos e não
tenha um capítulo novo para nulidades.
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Então, temos lá: “Nulidade por ausência de libelo”. Tem que
explicar em aula para o aluno o que é libelo e depois dizer que não existe
mais. Ele pergunta: “Mas por que é nulo se não existe?” Aí não se consegue
explicar. É absolutamente esquizofrênica esse tipo de situação. O importante
aqui é nos darmos conta de que vamos ter que aprender a lidar com isso.
E algumas coisas não mudaram nada em pontos relevantes.
Por exemplo, o art. 312 tinha uma redação completamente diferente e que
pode até ser criticada, mas era a seguinte: “A prisão preventiva pode ser
decretada quando verificada a existência do crime, indícios suficientes,
fundadas razões de que venha a criar obstáculo à instrução ou à execução na
sentença ou venha a praticar infrações penais relativas ao crime organizado, à
probidade administrativa ou à ordem econômica ou financeira, consideradas
graves, ou mediante violência ou grave ameaça à pessoa.” Essa era a
redação do PL nº 4.208. Pode até ser objeto de crítica, mas, com certeza, era
muito melhor do que o art. 312 de 1940.
O Senador Demóstenes Torres interveio: “Não, não vamos
mexer nisso aqui, vamos manter o art. 312 desde 1940”. Era um ponto-chave.
Todos nós sabemos da crítica à ordem pública e à ordem econômica. Era o
momento de mudar e melhorar. Perdeu-se uma grande chance, e as coisas
mudaram para continuar como sempre estiveram.
Outra coisa: “Não vamos ter prazo máximo de duração das
prisões cautelares”. Isso é um absurdo! É um reclame mundial. Prisão tem que
ter prazo máximo de duração. Tem-se que ter prazo máximo de duração das
medidas cautelares diversas.
O Dr. Thums falou: “Vamos afastar o servidor público”.
Primeira pergunta: é com salário ou é sem salário? Porque afastar com salário
não dá; afastar sem salário, sumariamente, penso que é ilegal. Como é que
vai ficar? Não sei. “Vais afastar por quanto tempo o servidor?” Não sei. “Como
que tu não sabes?” Sim, não sei por quanto tempo tu vais ficar preso
preventivamente.
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No Brasil, um país de dimensões continentais, a coisa mais
comum do mundo é gente presa cautelarmente há três, quatro, cinco, seis,
sete anos, sem sentença. Há muitos casos assim. Vamos continuar com esse
problema. Precisávamos ter prazo máximo com sanção. No projeto, havia
prazo máximo, foi vetado na última hora, entre outros, pelo Senador
Demóstenes Torres. E o prazo máximo era de 180 dias por grau de jurisdição
– 180 dias para o 1º Grau e 180 dias para o 2º Grau.
Podem até discutir para ampliar um pouquinho o prazo. A
discussão é válida, mas tem que haver prazo com sanção. O que não dá é
ficar como está, sem duração máxima. Volto a dizer: não é só a prisão que
não tem duração; as cautelares diversas também não têm duração máxima, e
elas podem, sim, ser muito graves e muito onerosas.
Uma das críticas mais infundadas que vi e que tem sido muito
severa é em relação ao art. 313, I, que estabelece este binário: para crimes
cuja pena máxima é igual ou inferior a quatro anos, não cabe preventiva, mas
cabe cautelar diversa; para crimes cuja pena máxima é superior a quatro
anos, cabe cautelar diversa, aplicada de forma isolada ou cumulativa, ou a
preventiva como última ratio.
Muito tem sido criticada essa questão dos quatro anos. O
detalhe é que o que se fez aqui foi uma questão de coerência, de harmonia do
sistema. Até num programa eu disse: “Se tu queres brigar, não briga com a
nova Lei nº 12.403, mas com a Lei nº 9.714/98, porque essa história dos
quatro anos nasce com a mudança do art. 44 do Código Penal, e o que se fez
agora foi harmonizar o sistema”.
O grande paradoxo era ter alguém preso hoje por um crime
pelo qual, amanhã, se condenado, não iria preso. Isso era um absurdo, e o
que se tentou fazer foi evitar essa situação. Então, se amanhã tu não vais ser
preso, não podes ser preso hoje. Alinhou-se com o art. 44 do Código Penal, a
lógica é a mesma. Então, não há nada de inovador, foi uma questão de
coerência – e penso que aqui foi um ponto importante.
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Outra coisa: essa lei nasce com uma carta de princípios. O art.
282 é uma carta de princípios para as medidas cautelares - todas elas -, não é
só para a preventiva. E aqui um detalhe: coloca a preventiva como última ratio.
Por esses dias, um senhor de certa idade estava reclamando -
acho que até era um Juiz: “É, mas agora prisão preventiva é a última ratio”.
Perguntei: “Quando o senhor estudou?” “Ah, meu filho, vão 50 anos.” “Há 50
anos, com certeza, o senhor ouviu na sala de aula que a preventiva era a
última ratio do sistema, era o último instrumento a ser usado. É ou não é
verdade?” “É, mas...” “É. Então, faz mais de 50 anos que o senhor vem
ouvindo isso. Qual é a diferença? É porque agora está na lei?” Ou seja, o que
toda a doutrina e toda a jurisprudência diziam não tinha nenhum sentido,
precisávamos de uma lei. Isso aqui é um déficit complicado de compreensão.
Não há nada de novo nisso aqui.
E aí vem um detalhe: o art. 282 consagra a proporcionalidade,
consagra a necessidade de suficiência – o Juiz terá que analisar isso – e
consagra o contraditório, o que gerou alguma perplexidade. Contraditório?
Sim. Há muito tempo escrevi sobre contraditório em medidas cautelares, e
disseram: “Mas que ridículo! Tu queres, então, que eu intime alguém para se
defender, antes de prender? Isso é um absurdo!” Agora está na lei, e vão ter
que aprender a lidar com isso. Está no art. 282, § 3º, o seguinte: “Ressalvados
os casos de urgência ou de perigo, de ineficácia da medida,” – o risco de fuga
entra aqui – “o Juiz, ao receber o pedido de cautelar, determinará a intimação
da parte contrária”.
Quem é a parte contrária? O MP pede a prisão de alguém, o
Juiz decide: quem é a parte contrária? Fiquei pensando: não vamos prender o
Juiz, não vamos prender o Ministério Público - mas aqui no Sul estão
prendendo. Já há a possibilidade de prender em júri, esse tipo de coisa.
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Mas, a rigor, aqui estamos trabalhando com a intimação do
imputado, intimação do suspeito. Então, vamos deixar claro: parte contrária
aqui, para não haver discussão, como houve na AJURIS. “Parte é só no
processo”. “Não. Então, vamos discutir sério: o que tu entendes por processo
penal, qual é a teoria a que tu te filias lá na natureza jurídica, para discutirmos
se existe parte no processo. Aí o papo é bem mais sério.” Aqui, se for feita
uma discussão séria de parte, acaba o projeto todo, acaba a lei, porque não
há parte em processo penal. Então, não é essa a ideia. Aqui é realmente o
sujeito passivo.
E aí se intima para quê? Aqui a lei foi burra de novo, porque
diz: “Juiz, tu tens que intimar”. O Juiz vai olhar e vai dizer: “O.k., eu intimo para
quê?” Não diz. A sugestão que dou, como regra: vamos privilegiar a oralidade.
Há uma medida cautelar aplicada, por exemplo, a proibição de se aproximar
de alguém, e sabemos que o descumprimento dessa medida pode gerar
preventiva. Aí a vítima liga e avisa: “Olha, ele está se aproximando”. Antes de
o Juiz tomar uma medida drástica de determinar a prisão, ele pode
perfeitamente marcar uma audiência no outro dia, sentar e dizer: “Bom, meu
senhor, eu lhe dei essa medida cautelar diversa, estão dizendo aqui que o
senhor se aproximou. O que aconteceu?” E o cidadão diz: “Não, eu não me
aproximei, isso é papo dela, eu estava viajando, está aqui a passagem aérea”.
Faz o contraditório. Se tu te convenceres, mantém; se tu não te convenceres,
amplia o controle com outra medida ou diz: “Não, eu vou te prender”. É
perfeitamente possível o contraditório numa audiência com oralidade.
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E como é que se dá o contraditório num pedido de prisão
preventiva por risco de fuga? Prende primeiro, marca a audiência para o outro
dia. Qual é o problema? Senta lá e diz: “Olha, eu decretei a sua preventiva,
porque o Ministério Público fundamentou isso, isso e aquilo. O que o senhor
tem para me dizer?” E a pessoa se defende. Se convencer, tu aplicas uma
medida cautelar diversa ou soltas sem nada; se tu não te convenceres,
mantém a prisão. Não vejo nenhum problema. Tu fazes um contraditório num
segundo momento.
Aqui o rompimento cultural vai ser bem complicado, e quem
trabalha no Tribunal vai se deparar com muitos habeas corpus dizendo: “Não
foi feito o contraditório, nem prévio, nem posterior” – e vai haver muitos casos
assim. Vai haver Juiz intimando para apresentar uma resposta escrita ou
apresentar uma fundamentação em cinco dias. Penso que temos de parar
com essa cultura do papel, do vai e vem. Dentro do possível - conheço as
restrições de pauta -, vamos fazer audiências para discutir isso de forma
rápida, o problema é muito mais cultural.
Outra questão: não vou perder o meu tempo sobre a aplicação
da lei no tempo. É óbvio que a Lei nº 12.403 entra em vigor e vai se aplicar a
quem já estava preso – isso é elementar. O art. 2º do CPP, que fala do
princípio da imediatidade, tem que ser objeto de uma leitura conforme a
Constituição, conforme o art. 5º, XL.
Então, a sugestão é estudar um pouco mais, com uma leitura
conforme a Constituição, para ver que o princípio da imediatidade não é bem
assim no processo penal. É obvio que a lei processual mais benigna vai
retroagir sempre que amplia a esfera de proteção constitucional e não
retroage quando restringe a esfera de proteção constitucional. Essa é uma
leitura conforme a Constituição. As de conteúdo neutro têm aplicação imediata
– esse é o princípio da imediatidade do art. 2º.
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As cautelares são situacionais. É óbvio que, se alterou a
situação fática, pode-se prender quem foi solto. Posso prender hoje, soltar
amanhã e voltar a prender. Posso perfeitamente decretar uma cautelar
diversa, ampliar a esfera de controle, diminuir a esfera de controle, porque
elas são situacionais.
Se posso fazer isso perfeitamente, é claro que, diante de
alguém que está preso, vou poder reexaminar o caso. Tínhamos no PL nº
4.208 o dever de o Juiz revisar periodicamente as prisões. Isso é um
instrumento já usado na Itália e na Alemanha e foi vetado na última hora.
Perdeu-se uma grande chance.
Quanto ao flagrante, o Dr. Thums falou bastante a respeito, e
eu vou ser breve. Considero interessante essa história de que o flagrante não
prende por si só. Aqui no Estado se resistiu muito a isso. Há dez anos
falávamos para olhar o art. 310. O art. 310 velho já dizia que flagrante é pré-
cautelar, não é cautelar, ou seja, não tem suficiência para manter preso por si
só. É um prelúdio subcautelar, conforme dizem os italianos. Hoje está
expresso.
Para falar a verdade, o próprio CNJ emitiu uma resolução, se
não me engano, a 66, mais ou menos dando a dica de que o flagrante tem
dois momentos - isso que o Dr. Thums falou -, e agora isso está consagrado
na lei. Recebeu o flagrante – aspecto formal – homologa ou relaxa se ilegal.
Se relaxou, acabou. Se homologou, no segundo momento, será feita a análise
do periculum libertatis, necessidade.
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Aqui vem a minha grande preocupação. Na necessidade, a
pessoa está presa em flagrante, o primeiro critério é pena inferior a quatro
anos ou superior a quatro anos. No caso de inferior a quatro anos, vou discutir
o seguinte: cautelar diversa ou não. Aqui há um ponto para o qual queria
chamar a atenção: medida cautelar não é automática, não existe prisão
automática obrigatória e não existe medida cautelar obrigatória. Toda e
qualquer medida cautelar está submetida à demonstração do periculum
libertatis.
O meu medo é que se banalize o controle, e os Juízes
passem a fazer o seguinte: quando a pena for inferior a quatro anos,
automaticamente aplicariam uma cautelar diversa, só seria feita a discussão
sobre periculum libertatis, ordem pública, econômica, fuga e tutela da prova se
fosse para prender. Está errado esse raciocínio. Em medida cautelar, tem
sempre que analisar periculum libertatis. Para se aplicar a cautelar diversa,
pode ser até uma fiança, vou ter que dizer qual é o periculum dos quatro que
tenho ali, e já estou vendo gente atropelando a discussão.
Vou ser bem claro: vocês têm que mostrar que primeiro existe
risco por ordem pública, ordem econômica ou de fuga. Presente isso, aí é que
vocês vão ter que discutir. Se for suficiente e adequada a cautelar diversa,
aplica-se. Se não é, se a pena for inferior a quatro anos, não há periculum, é
liberdade plena. Se a pena for superior a quatro anos e houver periculum, que
é a primeira pergunta, pode-se aplicar a cautelar diversa, uma ou mais. Se
nenhuma delas for suficiente, então a preventiva é possível. Isso realmente
tem que ser considerado, não é cautelar automática.
Trabalho muito com crime econômico na Justiça Federal. Por
exemplo, as medidas securatórias são cautelares. A jurisprudência no Brasil é
pacífica de que não precisa fazer nenhuma discussão sobre periculum in
mora. Como que não? Para decretares indisponibilidade do patrimônio, é
preciso demonstrar qual é o perigo que representa a liberdade patrimonial.
Não, basta mostrar a fumaça da origem ilícita - isso é um erro. Já lá mataram
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o periculum, e vão matar aqui. Esse é o meu medo, Des. Bruxel, penso que
isso vai dar muita discussão.
O que o Juiz pode fazer diante do flagrante? Ele pode
conceder liberdade provisória com fiança; pode conceder liberdade provisória
com fiança e outra cautelar, pois a fiança tem uma dupla natureza.
Vejo a fiança em duas perspectivas: primeira, art. 310,
liberdade provisória, fiança ou não. O art. 319 consagra outra fiança, que pode
ser aplicada em qualquer fase do processo e até para recorrer. Vamos
começar a assistir o seguinte: quer recorrer, fiança, porque vislumbro um
periculum de fuga aqui. Por exemplo: posso aplicar a fiança só para recorrer.
Ela é autônoma neste momento. Então vejo duas fianças diferentes.
Posso conceder liberdade provisória com fiança e outra
cautelar, ou sem fiança. Por exemplo, se o réu for pobre, o art. 350 segue
valendo, e com cautelar diversa, ou liberdade provisória sem fiança e sem
cautelar diversa, quando não houver periculum libertatis, por exemplo. Posso,
ainda, por último, se for o caso, decretar a preventiva e fundamentar.
Vai continuar um grande erro. O Dr. Thums falou sobre um
detalhe importante, que é a intervenção do Ministério Público na prisão em
flagrante. Realmente mudou, e o Delegado comunica ao MP. O que vejo ali é
uma nova cultura, o Ministério Público vai ter que começar a acompanhar
desde já. Qual é a relevância para mim? Não consigo admitir Juiz prendendo
de ofício. Para mim, isso é um absurdo, é absolutamente inconstitucional, viola
o sistema acusatório, viola tudo. Juiz não tem que prender de ofício. O
Ministério Público pede, fundamenta, eu analiso e, se for o caso, prendo. Qual
é o problema? A lei permite que essa conversão seja de ofício, o não é salutar
para o sistema acusatório.
O Juiz analisa o auto de prisão em flagrante e pode sim, sem
que ninguém peça, decretar a preventiva - converter em preventiva, que é o
que fala a lei, o que não é uma boa nomenclatura. Eu gostaria muito que o MP
estivesse presente, que o MP acompanhasse o flagrante. Se eu fosse Juiz, eu
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adoraria que houvesse o pedido do MP. Pode ser até um pedido-formulário,
mas prefiro prender com pedido a prender sem pedido. Esse é o problema.
Aqui penso a intervenção do MP é importante, e mais: nada impede o
contraditório, 24 horas para o MP se manifestar, 12 horas se tu quiseres. Se
quiseres preventiva, pede, mas penso que o Juiz não deveria atuar de ofício
no que se refere à prisão, prendendo sem pedido.
Outro grave erro do Brasil é continuar com essa categoria de
crimes inafiançáveis. Isso é um tiro no pé, porque não existe prisão cautelar
obrigatória, e nós no Brasil fazemos muita confusão, inclusive nos tribunais
superiores, entre liberdade provisória, que é um instituto, e fiança, que é outro
instituto. Quando se diz que um crime é inafiançável, diz-se apenas que não
cabe fiança, mas não significa que não possa caber liberdade provisória.
Foi feita muita confusão por culpa da Lei dos Crimes
Hediondos. Felizmente essa confusão era para ter terminado com o art. 2º da
Lei nº 8.072. A Lei nº 11.464 - bem lida, porque ela foi pouco lida - mudou a
Lei dos Crimes Hediondos. A Lei dos Crimes Hediondos dizia: “Fica vedada a
fiança e a liberdade provisória”. Até pela inconstitucionalidade disso, a lei foi
mudada, e ficou apenas a vedação à fiança. Aqui está expresso que fiança e
liberdade provisória são institutos distintos.
Portanto, o que quero deixar bem claro é que o fato de um
crime ser inafiançável não significa prisão obrigatória, porque não existe prisão
cautelar obrigatória. Aqui é uma questão de coerência – se a lei prevê que um
crime é inafiançável, é porque o juízo de desvalor é maior. Se a própria
Constituição consagra essa categoria de crime inafiançável, é porque o juízo
de censura é maior, porque é mais grave. No crime afiançável, existe uma
liberdade, pois se paga e se sai. No crime inafiançável, é um paradoxo
absurdo, mas se sai sem pagar, e se aplicam as cautelares diversas mais
graves. Para mim, parece que seria uma leitura mais razoável.
Em suma, são institutos diferentes, não vamos entender as
coisas de forma equivocada. O fato de ser inafiançável apenas veda a fiança,
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obviamente isso não significa não haver liberdade provisória. A prisão
temporária não foi diretamente afetada pela lei. Já estão dizendo que, para a
prisão temporária, não muda nada, mas muda, porque a prisão temporária é
cautelar. Portanto, os princípios das cautelares se aplicam às temporárias,
entre eles o do contraditório e o da curta duração, da provisionalidade, e,
principalmente, o da última ratio, o da prisão.
Por esses dias, fui consultado a respeito de um caso no STJ
em que o réu estava preso há 30 dias por crime hediondo, temporária de 30
dias, e o Juiz prorrogou por mais 30. Penso que isso não é mais coerente com
a nova lógica das cautelares, porque, para prorrogar por mais 30 dias a
temporária, o Juiz vai ter que fundamentar muito bem a insuficiência e a
inadequação das cautelares diversas, porque, do contrário, não há como
manter a prisão.
Quanto à preventiva, perdeu-se um grande momento no que
diz respeito à ordem pública. Ordem pública é uma cláusula genérica, de
conteúdo vago, impreciso e indeterminado, sem o referencial semântico. Ela
sofre de anemia semântica. Para quem não sabe, essa prisão para garantia
da ordem pública nasceu em 1933, foi a primeira consagração bem clara em
texto legal. Hitler, subindo ao poder, encomenda-a da corja de nazistas e
fascistas - porque também houve a mão de Vincenzo Manzini ali. Essa prisão,
em que é necessária uma cláusula genérica para se prender, nasceu ali, e nós
seguimos até hoje prendendo nessa mesma lógica, sem saber o que é, o que
é um grave problema.
Quero chamar a atenção para o art. 313. O art. 313, inc. I, fala
do quanto de pena. No inc. II, acabou a história da prisão do vadio, que, no
fundo, era uma grande inveja que todos temos da vadiagem: vadiar é muito
bom, então por que prender o vadio? Ele merece um prêmio. Eles se deram
conta disso e não vão prender o vadio, mas vão prender o reincidente.
Primeiro, isso é bis in idem. O problema é que não se pode ler o art. 313
desconectado da lógica dele, da estrutura sistêmica, e desconectá-lo do art.
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312. O simples fato de ser reincidente por si só não justifica a preventiva, é
preciso ter coerência e proporcionalidade. Até se pode ter um reincidente por
crime cuja pena máxima é inferior a quatro anos, do inc. I, e ter a preventiva,
mas será necessário fundamentar muito bem: proporcionalidade, necessidade
e adequação.
Chamo a atenção para a questão do inc. III, que é o da
violência doméstica, que não é apenas a doméstica, porque ampliaram, entra
o idoso, etc. O detalhe é que não é uma nova modalidade preventiva - está
errado esse raciocínio -, não é uma quinta espécie, os quatro periculum são os
do art. 312. A questão da violência doméstica não é um quinto periculum
libertatis, ela tem que ser analisada no contexto todo. Por exemplo: posso
prender com base no inc. III, mas é preciso ter coerência, proporcionalidade,
suficiência e adequação. O ideal é que se conjugasse o inc. I.
Por exemplo, será que posso prender preventivamente num
caso de violência doméstica em que é crime contra a honra? A mulher se
sentiu injuriada e humilhada dentro da sua casa, é violência doméstica, mas
cabe a preventiva só pelo art. 313? Numa exegese rasteira caberia, mas não,
isso é substancialmente desproporcional, então isso vai dar muito problema.
Temos uma nova cautelar muito perigosa e pouco falada, que
é o parágrafo único do art. 313, que é a prisão para identificação. Fico
preocupado com o que se pode fazer com isso. O parágrafo único diz o
seguinte: “Também será admitida a prisão preventiva quando houver dúvida
sobre a identidade civil da pessoa ou quando esta não fornecer elementos
suficientes para esclarecê-la, devendo o preso ser colocado imediatamente
em liberdade após a identificação”. Tu vais prender preventivamente para
identificar. Como trabalhar com essa prisão para identificação? Bati muito a
minha cabeça por causa disso.
Em um debate esses dias me deram uma ideia, e eu reescrevi
essa parte no meu novo livro. Para a mim, a melhor leitura foi a seguinte:
conjuguem essa prisão para identificação com a Lei nº 12.037, que é a lei que
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disciplina a identificação criminal. Ela não pode ser desconectada, porque é
uma prisão para identificação criminal, portanto tem que ler em conjunto.
Como regra, o civilmente identificado não é submetido à identificação criminal,
e os casos em que ele pode ser submetido estão previstos ali. Vai entrar o
caso do estelionatário preso com cinco identidades, que é um caso previsto na
Lei nº 12.037. Então, trabalhem junto com essa lógica.
Por fim, o art. 319 tem um rol inteiro de medidas novas. A
primeira delas é o comparecimento periódico em juízo. O Juiz tem um amplo
espaço para trabalhar, pode ser até mesmo o comparecimento diário em juízo.
Alguns dizem que é igual à suspensão condicional do processo, mas não tem
nada a ver. Lá é comparecimento mensal a cada dois meses, aqui pode ser
quanto se quiser, pode ser de dois em dois dias e pode ser diário, só peço
coerência. Se o Juiz vai lá e diz que não vai prender, mas exige o
comparecimento diário, tem que haver pelo menos condições de possibilidade
para que ele cumpra isso. A pessoa mora em uma zona periférica da cidade e
é pobre, não tem dinheiro nem para o transporte. Se tu exigires que ele pegue
três ou quatro ônibus todos os dias para ir lá, ele vai descumprir, e daí tu vais
querer prendê-lo preventivamente, mas não dá. Por que não pode fazer uma
apresentação periódica, não em juízo, mas na Polícia, na Delegacia mais
perto? Não vejo problema nisso.
Proibição de acesso ou frequência a lugares e a proibição de
manter contato com pessoa determinada, isso vai ter um campo de aplicação
interessante: descumpriu, prende. Aí toda hora me criticam: “Mas como é que
nós vamos controlar?” Ora, meu amigo, quando tu proíbes de manter contato
com pessoa determinada, o maior controller disso aqui é a pessoa, é a vítima,
é a testemunha.
Depois vem o inc. IV, que é a proibição de ausentar-se da
comarca. Um detalhe: não existe poder geral de cautela no processo penal,
vamos parar de pensar em Teoria Geral do Processo. O poder é condicionado
ao princípio da legalidade. Era errado quando os Juízes, com a melhor das
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intenções, criavam medidas alternativas que não estavam na lei, isso era
absolutamente ilegal. O que quero dizer é que o art. 319 é taxativo: sim. São
nove medidas, se resolvermos criar outra medida, iremos esbarrar no limite da
lei, no princípio da legalidade, então não há poder geral de cautela, todo poder
é condicionado.
Aqui vem a proibição de ausentar-se da comarca e apreensão
de passaporte. Quero chamar a atenção para duas coisas que não são muito
faladas, mas são perigosíssimas: suspensão do exercício de função pública,
que o Dr. Thums falou, ou de atividade de natureza econômica. Dependendo
da natureza econômica, quebras o empresário e quebras dezenas de famílias
de empregados que dependem dele. Como trabalhamos com crime
econômico, isso é motivo de muita preocupação, pois vai ser banalizado e vai
ser criado um problemão.
Outra questão: cuidado com a internação provisória do
acusado, inimputável ou semi-imputável. Estou apavorado com isso. Tu
prendes alguém por um crime com violência ou grave ameaça. O sujeito é
aparentemente louco. Vamos parar com essa bobagem, porque, de perto,
ninguém é normal. Eles, os loucos; nós, os bons. De perto, todo mundo é
louco também. Tenho dúvidas se resistiríamos a um exame de observação
criminológica.
Vais fazer agora um laudo de constatação provisória de
loucura, porque precisas prender o cara logo. Então, na Polícia, vão nomear
um perito. Senta ali, tem cara de louco, parece louco, aparentemente é louco.
Consequência: internas o sujeito no Instituto Psiquiátrico Forense, ou em
alguma casa manicomial Brasil afora. Manténs quanto tempo a pessoa
internada lá? Não sei. Aí ele fica um, dois anos. Vais fazer o laudo de
constatação definitiva da loucura no processo. O sujeito chega lá, dois anos
depois, tremendo, abanando mosca imaginária. Aí ele senta na frente de
psiquiatras e diz: “Doutor, eu sou normal”. E eles vão dizer: “Todo mundo que
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é louco diz isso. Volta”. Passam seis meses, volta: “Doutor, eu sou louco, mas
eu quero sair”. “Está começando a tomar consciência da loucura. Volta.”
Amigo, isso é perigosíssimo, tem que abrir o olho. E mais, a
fiança, que também é outro instituto sobre o qual se tem falado bastante,
estava desacreditada. A fiança agora pode chegar a duzentos mil salários
mínimos, isso dá cem milhões de reais, o que, pelo menos para mim, é muito
dinheiro. Vamos começar a ver fiança na casa de um milhão, dois milhões.
Volto a dizer: em crime econômico, vai ser muito comum. Entretanto, como
tudo na vida, tem que ter muita calma e olhar os dois lados da moeda: há
vantagens e há inconvenientes. Vai ser uma fiança efetiva, o sujeito vai suar
para pagar. Só que há um detalhe: se é um criminoso “profissional”, que faz
do crime a sua atividade diária, e tu aplicas uma fiança alta, ele vai arrumar
esse dinheiro à custa de alguém, ou seja, ele vai dizer: “Doutor, me dá uma
semaninha que vou arrumar esse dinheiro”. E vai aparecer esse dinheiro.
Cuidado, a fiança elevadíssima tem vantagens e inconvenientes.
Detalhe: já estão fazendo coisas, a meu ver, erradas, por
exemplo, a pessoa vem dirigindo um carro caro, correndo, bate, mata alguém,
é uma tragédia, como no caso agora de São Paulo, em que o Porsche dobrou
uma Tucson ao meio. Também penso que é crime grave, matou alguém, é
gravíssimo. O sujeito também não tem que andar a cento e tantos por hora no
perímetro urbano, concordo. Para mim, foi uma tragédia, um acidente. Eu,
particularmente, tenho muita resistência a essa virada discursiva do dolo
eventual para tudo. Culpa consciente, dolo eventual é um fio bastante
perigoso. Nesse caso, pergunto: o sujeito é um empresário estabelecido,
fiança 300 mil reais. Ele pode pagar? Pode. Onde está o periculum libertatis,
demonstraram? Fizeram uma discussão ali se havia risco? Nem se falou no
risco, foi uma fiança automática. Paga para soltar. Voltamos ao caso. Não
estão trabalhando na lógica cautelar, banalização, e a fiança vai subir e vão
ser sistemáticos valores bem elevados.
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Até o Dr. Alexandre Rosa, que é um Juiz e uma pessoa
fantástica, me ligou esses dias: “Vou abandonar a Magistratura e quero fazer
uma sociedade contigo”. Eu disse: “Esquece, estou morrendo de fome,
advogar está muito difícil”. Aí o que ele falou: “Que bobagem, que advogar,
isso é coisa de chinelo. Vamos abrir uma agência 24 horas de fiança, modelo
americano. Eu já arrumei até uns três ou quatro leões de chácara, que é para
recuperar o sujeito depois. Vamos ter lá 24 horas por dia alguns milhões
guardados”. Aí fiquei pensando, se tiver um milhão guardado em casa, é
lavagem de dinheiro, aí já vou ter um celular, uma sacolinha plástica, já é
tráfico também. Não dá, mas vai começar a surgir isso, gente encarregada de
gerar fiança, valores elevados. Assim, a coisa é complicada, mexes aqui,
estoura lá, mas encerro dizendo o seguinte: prisão especial continua. Enfim,
teria n outras coisas para falar, mas não temos mais tempo.
Quero dizer que o meu grande medo aqui é uma reforma
pontual. Há coisas muito boas se for bem usado. Se o Juiz resolver pensar,
ele tem opções, e penso que temos que dar opções para que o Juiz analise
caso a caso. Agora, tenho minhas dúvidas se vai ter força para ter o choque
cultural e realmente mudar. O meu medo é que as coisas mudem para que
nada mude, ou que mude para pior no sentido de banalização, por exemplo,
das cautelares diversas. É descarcerizador, mas não podemos pactuar com
uma expansão irracional de controle. Pensem no que estou falando:
diariamente estamos abrindo mão de toda e qualquer liberdade. Chegou ao
ponto de estarmos abrindo mão de tudo sem discutir nada.
Muito obrigado.
DES. NEREU JOSÉ GIACOMOLLI – Obrigado, Prof. Aury.
Não sei se, segundo os laudos, nós passaremos, porque, para progredir de
regime ou ir para livramento condicional, primeiro temos que nos arrepender,
depois aceitar que cometemos algum crime, depois ter laços familiares fortes
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e depois ter uma boa perspectiva de trabalho. Tudo isso adquirido durante o
tempo de prisão.
DR. AURY LOPES JÚNIOR - A mulher não vai me abandonar,
família unida.
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DES. NEREU JOSÉ GIACOMOLLI – Fica difícil a pessoa
conseguir. Então, Professor e Colega, Des. Bruxel.
DES. IVAN LEOMAR BRUXEL – Bom-dia a todos. Vou
procurar manter o mesmo ritmo iniciado pelo Desembargador, pelo Dr. Thums
e também pelo advogado Aury.
Provavelmente, eu vá pular algumas partes do que havia
preparado aqui, porque temos vantagens e desvantagens de falar por último.
Enquanto outros vão falando, fazemos algumas anotações e depois
aproveitamos para criticar ou concordar.
Registro a satisfação por estar aqui, cumprimentando o
Colega Nereu pelo dinamismo que implantou no Centro de Estudos. A
saudação também a todos aqueles que vieram aqui demonstrando interesse
pelo assunto, porque, se queremos falar em capacitação dos servidores,
capacitação dos Juízes, capacitação de todos os operadores do processo,
temos de fazer alguma coisa. Não adianta só o discurso, temos de participar.
Por isso é que atendi ao pedido do Colega Nereu, embora sabendo que ele já
havia convidado dois lights. O Dr. Thums, eu fiquei na dúvida, então precisava
alguém do outro lado, representante das minorias. Então, venho aqui quase
nessa condição, embora às vezes surjam alguns enganos.
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Muita gente está falando a respeito dessa lei nova, e
rapidamente vou referir o que disse o Juremir Machado da Silva, no Correio do
Povo, no dia 06 de julho. Lá pelas tantas, na coluna diária dele, ele diz:
“Criatividade é o que não falta em Palomas”. Palomas é o país imaginário
dele. “As prisões estão explodindo de tanta gente, a população ainda assim
tem a impressão de que a impunidade grassa. Os parlamentares resolveram o
problema, aprovaram um novo Código de Processo Penal que, segundo os
mais aflitos, vai esvaziar os presídios.” Primeiro, não foi um novo Código e não
vai esvaziar tanto assim os presídios. Prossegue ele: “O ponto mais
revolucionário da nova lei estranhamente não foi aprovado: o fim das prisões
especiais para autoridades e pessoas com diploma de curso superior. Seria
certamente um avanço extraordinário no tratamento igualitário a todos os
cidadãos”.
Quem der uma olhada na nova lei, vai ver que esqueceram o
Ministério Público ali com prisão especial, mas provavelmente, como agora
está equiparado, hoje ainda vi que o juiz tem auxílio-alimentação, estou
procurando auxilio-alimentação, porque dizem que os Promotores já têm, e
agora o CNJ diz que os Juízes têm. E hoje o representante da associação dos
servidores do MP disse que como é que não tem dinheiro para dar aumento
para os servidores se tem dinheiro para dar auxílio-alimentação para os
Juízes. Então, estou procurando, o Des. Voltaire talvez saiba, mas penso que
não.
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Temos de ter cuidado quando lemos essas notícias. Aliás,
para quem está impressionado com essa reforma pontual do Código, como já
referido, essa esquizofrenia, essa falta de sintonia, tivemos a mudança dos
procedimentos, agora tivemos a mudança das cautelares, não mudaram os
recursos, mas há um projeto para mudança dos recursos. Então, alguns hoje
recorrem, e alguns outros dizem: “Não, mas o 581 não contempla essa
possibilidade, então recurso em sentido estrito não é, apelação não é, porque
também não cabe, não cabe nada”. Então, chove correição parcial ou habeas
corpus para tudo.
Prossegue o Juremir. Lá pelas tantas, ele fala alguma coisa
do novo Código de Processo Penal, que aprovou alguma coisa para o júri, o
que, para mim, foi novidade. Penso que foi um engano dele. Por fim, diz ele,
referindo Guevara, que “hay que endurecer, pero sin perder la ternura jamás”
se tornou um slogan da gurizada dos barrancos. “O novo Código de Processo
Penal palomense parece ter se inspirado nessa filosofia, endurecimento é
tamanho que só se vê a ternura, do açúcar e do BNDES. Os reacionários
dizem que liberou geral. Por crimes com até quatro anos de pena, ninguém irá
mais em cana”.
Então, temos uma esquizofrenia dentro do sistema. Agora
começo uns apontamentos que fui fazendo. O Delegado pode fixar fiança para
crimes até quatro anos, mas a Lei Maria da Penha diz que não se podem
impor penas de natureza pecuniária. Então, vamos chegar o contrário. Ele
poderá talvez ter fiança na violência doméstica e depois, quando for
condenado, não pode mais.
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Aliás, tenho uma pequena divergência, já há trinta anos, com
relação à fiança. O que é a fiança? Isso eu aprendi no CPP velho, com a
redação antiga, o sexagenário. Vamos dar uma olhadinha lá: há quebramento
da fiança, há perda da fiança. Se o sujeito não perde a fiança, se o sujeito não
quebra a fiança, se ele é absolvido, o que acontece com a fiança? A fiança é a
ele restituída integralmente, e faz trinta anos, desde que ingressei na
Magistratura, que vejo, lamentavelmente, recolhimento da fiança como se
tributo fosse. Ainda ontem vi um caso, “fixada a fiança, recolhimento, taxas
diversas”. Então, a recomendação é que não pague os 350 mil, dê um
patrimônio, que está liberado depois, dê hipoteca, dê joias, tudo menos
dinheiro, porque senão depois vai entrar na fila dos precatórios para receber a
fiança de volta.
E a lei agora repete isso, dizendo: “A fiança será recolhida à
repartição pública...” Depois diz que tem que devolver. Como vai devolver, eu
não sei. Normalmente, essa fiança em dinheiro deve ser recolhida à
disposição do Juiz em depósito com rendimento, como os depósitos das
execuções comuns. É uma coisa elementar, mas continua na lei. Como é que
vai resolver, não sei, provavelmente vai ter que entrar na fila dos precatórios.
Então, temos umas coisas muito interessantes. Fiz algumas
anotações aqui e vou desviar um pouquinho do assunto. Parece mesmo que o
Promotor de Justiça precisa estar nas audiências agora, e eu confesso que
voltei um pouquinho atrás e estou me sentindo um juiz-marisco, porque não
sou eu que estou dizendo, estou utilizando as palavras do Dr. Thums: os
Promotores de Justiça querem prender todo mundo. Daí o Dr. Aury diz aqui
que não tem que prender todo mundo.
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Antes prendia ou soltava, agora temos nove opções. Então
vamos nos preparar, porque vamos ter provavelmente um aumento
significativo do número de recursos. Aliás, já estamos tendo. Aqueles habeas
em que havíamos denegado a ordem agora estão voltando. “Quem sabe
agora não é mais caso de preventiva”. Vamos dispor de outras opções, e
assim vamos avançando, quem sabe, progredindo. Mas não se preocupem
aqueles que estão achando esta liberalidade, digamos assim, ou esse
garantismo da nova lei algo muito fantasioso, muito leve. Este, como o Dr.
Aury já referiu, foi um projeto de lei das reformas pontuais do CPP.
Na realidade, tenta-se resolver algumas coisas, na falta de
encontro de soluções, criando JECrim: “Nós não temos condições de
examinar todos os projetos, vamos cuidar só dos violentos. Vamos, então,
criar o JECrim”. Claro que o meu estudo não é científico, mas eu tenho a
impressão de que, a partir de 1995, é que a coisa começou a melhorar para
alguns e piorar para outros. Por quê? Porque o sentimento da impunidade
começou a surgir ali. “Não acontece nada, vai lá e paga uma cesta básica e
está resolvido.” Está escrito lá: “A transação penal não gerará reincidência e
servirá exclusivamente para impedir nova transação penal nos próximos cinco
anos”. E daí abro um processo e abro a certidão de antecedentes do Fulano,
que ele fez uma transação hoje, amanhã faz outra, daqui trinta dias mais
outra, depois de mais um mês, faz outra, e daí se vai fazendo transação penal
aqui, transação penal ali.
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Então, a opção do legislador por dar uma primeira
oportunidade, uma segunda oportunidade virou dez oportunidades, porque o
Fulano não vai ser processado. Por que isso acontece? Bom, isso eu não sei,
talvez por falta de conversa entre o sistema. Quantos processos nós
encontramos em que o sujeito está preso aqui e vem na certidão “réu
suspenso”. Não é o processo que fica suspenso. É o réu que está suspenso.
Ele está com um gancho lá pendurado e tal, réu suspenso 366. Então, o
sujeito está preso aqui respondendo aqui, foi condenado aqui e, nas outras
comarcas, ele tem processo em andamento.
Será que não seria o caso de o sistema acender uma luzinha:
“Olha, o Fulano de Tal tem alguma coisa”. Ou, então, que o Juiz que
determina ou mantém a prisão, ou converte a prisão em flagrante em
preventiva, no dizer novo da lei, dê uma olhada na certidão e determine, entre
as providências determinadas ao cartório, que se comunique aos juízes dos
processos tais e tais que o Fulano já está preso, etc. Caso contrário, ele vai
ficar fazendo transação em todos os lugares.
Esta lei cria o Cadastro de Mandados de Prisão. Deveria ter
aproveitado a oportunidade para criar o Cadastro Geral de Antecedentes, para
todos terem acesso aos antecedentes, porque os sistemas não conversam. É
só o RENAVAM que funciona nacionalmente. Emplacar um veículo tem que
ser assim. As outras situações não têm tanta importância.
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Voltando, então, ao assunto e às leituras jornalísticas. Na
Zero Hora, 13 de julho, na página de opinião, fl. 13, Jorge Carlos Mastroberte,
advogado e contador, diz: “A situação é esta. Como não tem cadeia para
todos, o jeito é soltar aqueles considerados de menor periculosidade antes
que se tornem casos perdidos em definitivo”. E, no fim: “Fumar maconha,
cheirar cocaína, dirigir bêbado, sabemos que é proibido, entretanto esses
deslizes estão rotineiramente nas páginas dos noticiários, não raro envolvendo
cidadãos que deveriam servir de exemplo para os demais. Convenhamos, isto
é hipocrisia da nossa parte. Confundir liberdade democrática com
permissividade excessiva é erro gravíssimo, e custa muito caro fazer o
conserto. A conta já está doendo no bolso, mas, infelizmente, será dividida
entre todos. É o caos, talvez anunciado pelo Dr. Thums”.
Outro dia eu recortei, mas não vou ler aqui, um texto em que
um Procurador de Justiça Mário Cavalheiro Lisbôa (Zero Hora, 5 de julho, fl.
14) diz basicamente assim: “Pau que nasce torto morre torto. Cachorro
comedor de ovelha, só matando. Não tem conserto”. Menos mal que o Doutor
Procurador de Justiça jubilado Milton Medran Moreira, no dia 6 de julho, na
Zero Hora, disse: “Não, não é bem assim e tal, têm alguns que tem salvação.
Precisamos apenas investir neles”.
No fim de semana passado, alguém que me trouxe a situação
de um processo. Essa pessoa não sabia que eu conhecia o processo e que o
recurso havia passado por mim e primeiro disse: “Mas, como, a Fulana não é
traficante. Ela é só usuária. Tá certo que esta usuária guardou cinco quilos de
maconha em casa para a fornecedora dela. Ela prestou um favor
provavelmente. Bom, então, ela não era traficante. Ela só estava guardando a
droga”.
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Claro que eu não vou explicar o tipo penal múltiplo do art. 33
da Lei de Tóxicos. Mas a mãe desta menina, e por isso gerou a ação penal,
quase foi presa também, porque ela encontrou aqueles cinco quilos de
maconha. Obviamente, imaginava o que era ou sabia o que era. Colocou
numa sacolinha de supermercado - se tivesse uma tesoura junto, poderia dizer
que ela estava cortando para fazer as buchinhas de maconha -, tomou o
ônibus e foi para a delegacia entregar a droga. Sorte dela ter conseguido
chegar lá, porque, senão, ela estaria condenada muito provavelmente
também, ou dando explicação ao juiz até hoje, porque era no ônibus. Mas esta
filha está presa, cumprindo pena em Torres.
Então, a mãe diz que toma um táxi e vai lá visitá-la. Até outro
dia, a filha tinha uma televisão. Além disso, tem banho, comida, roupa quase
lavada, chuveiro quente. Então, a mãe está muito satisfeita com a prisão da
filha, porque espera que, enquanto ela esteja lá, tome consciência e abandone
aquelas noitadas, porque ela largava os três filhos com a mãe à noite em casa
e voltava às sete da manhã.
Por isso, quando se fala nesse caos dos presídios, não é bem
assim. Eu posso mostrar o Presídio Central e posso ir até a favela atrás do
BIG, e daí vamos ver qual é o melhor. Por que há tantas pessoas que, mesmo
sabendo de tanta propaganda que falam dos males do presídio, quer ir para
lá. E, depois que vai, quer sair. São situações que não se entendem.
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Quando jurisdicionei na Comarca de Quaraí, atuei no Júri da
Branca Flor. Aliás, atuei em dois Júris dela. O Promotor Humberto Setembrino,
na época Promotor em Livramento, que ofereceu a denúncia, suscitou desde
logo o incidente de insanidade mental, porque, do jeito que ela havia cortado
aquele marido dela, ela só podia estar possuída pelo demônio. Ela disse que
não aguentava mais o marido, que apanhava. Assim, numa manhã, ela o
esperou voltar de uma noitada e passou o facão do leste para o oeste, de
norte a sul. O Júri absolveu, e o Tribunal disse que era uma decisão
manifestamente contrária à prova dos autos. Então, eu fiz o segundo Júri da
Branca Flor, e ela foi absolvida de novo, sem fazer o incidente de insanidade
mental que o Dr. Setembrino queria.
O Ministério Público visa à defesa da sociedade. O réu tem o
defensor dele, os interesses são do réu. Por isso ao defensor é lícito
argumentar tudo em favor dele, mas, quando nós vamos examinar esses
pedidos, nós temos um compromisso diferente: nós temos um compromisso
social. Por isso, em algumas situações, evidentemente temos de deixar o
sujeito guardado. Guardado onde? É melhor ou pior?
Eu até penso que, quando se cogita de tantos presídios, há
uma questão orçamentária envolvida. É melhor presídio grande ou presídio
pequeno? Presídio pequeno precisa muito diretor, mas, nos presídios grandes
é que acontecem essas coisas grandes. Aliás, o Presídio Central - e essa é
uma das preocupações dos colegas da Execução Criminal - originariamente
era estabelecimento de passagem, apenas presos provisórios.
Então, esta contaminação que se diz existente entre os presos
definitivos e os presos provisórios será evitada, talvez, quem sabe, com a
construção ou a destinação específica dos estabelecimentos. Com isso,
parece que a decisão do Juiz da Execução Criminal da Capital em limitar o
número de presos e voltar à origem o presídio central é salutar por causa
desta questão. Mas onde colocar estes outros?
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Precisamos criar presídios, mas não há recursos ou não há
políticos interessados nisso. Mas penso que a prisão preventiva, em alguns
casos, tem uma eficácia, e esta eficácia devemos tentar encontrar nas novas
medidas.
Lembro de dois outros episódios, situações que me marcaram:
quando cheguei à Comarca de Santa Cruz do Sul, estava lá o pedido de
prisão preventiva de um sujeito - não vou dizer o nome em respeito à
privacidade dele, porque parece que, hoje, é um bom rapaz – porque ele
chegava a um posto de gasolina, mandava abastecer e ia embora. Certa vez
um Juiz também fez isso, mas ele estava no estágio probatório, e dizia:
“Manda a conta para o Fórum”. Então, provavelmente, esse rapaz ouviu essa
história e também abastecia e mandava cobrar do pai dele.
Ele chegava numa loja de motocicletas, mostrava-se
interessado em comprar uma motocicleta e esquecia de devolver a
motocicleta. Ele ia numa loja e dizia: “Olha vim aqui fazer uma compra, o
Fulano me mandou aqui”, mas não era nada daquilo, e aplicava um
estelionato. Um dia, como não acontecia coisa alguma, ele fez-se de Policia e
atacou um ônibus, mandou todas as pessoas descerem e fez uma baderna.
Mas, quando eu cheguei, havia um pedido de prisão preventiva em relação a
ele, e eu decretei a sua prisão preventiva. Depois, foi ao Ministério Público, e o
Promotor pediu o arquivamento do processo. Com isso, eu fiquei com o réu
preso, sem denúncia.
Aliás, abrindo um parêntese, o art. 313 refere-se à Lei Maria
da Penha. Eu tenho uma predileção por esta lei e pergunto aos demais
integrantes da Banca sobre o que acham de algumas circunstâncias que estão
ali. Certa vez, no primeiro aniversário da Lei Maria da Penha, convidaram-nos
para palestrar num seminário na PUC, e eu disse para o então Presidente da
AJURIS: “Eu não posso ir, eu não sou recomendado para falar sobre este
assunto”, mas disseram que eu deveria ir.
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Cheguei lá, falei alguma coisa e, no próximo boletim da
AJURIS, foi noticiado que a AJURIS e escolas participaram de seminário
sobre Lei Maria da Penha: no primeiro bloco, participaram Fulano, Beltrano e
Sicrano; no segundo bloco, participaram Fulano, Beltrano e Sicrano, e pularam
para o quarto bloco: Fulano, Fulano e Fulano. O meu bloco não foi publicado,
pularam. Acabei prejudicando os outros dois palestrantes, porque não
gostaram do que eu havia falado.
Foi falado aqui em prisão perpétua com relação ao tempo de
prisão cautelar. A Lei Maria da Penha diz que a prisão preventiva poderá ser
decretada em qualquer fase do processo, e nós já tivemos, na Câmara, um
sujeito preso há seis meses em que fiquei vencido, concedendo a ordem.
Quando perguntei qual o crime que ele tinha praticado, responderam: “Não
sei, não tem denúncia ainda”.
Então, são coisas assim: temos uma prisão preventiva ou uma
medida cautelar aparentemente perpétua. Na Constituição, parece, não temos
mais certeza de nada, que a prisão civil somente será permitida em tais casos.
E pode ser que não tenha o outro bloco, então vou dizer que a Lei Maria da
Penha pode prender até os eternamente apaixonados, porque o sujeito
telefona e diz: “Meu amor, eu não posso mais ficar distante de ti”. Telefona de
novo e manda e-mail para ela - tem que ser para ela, se ela manda para ele
daí é outra coisa -, e diz: “Eu vou te esperar na saída do serviço, porque eu
não posso ficar sem te ver”. Ela não aguenta mais e o que faz?
Pelo art. 5º da lei, é violência contra a mulher incomodar. Daí
ela vai à Delegacia, pede uma medida protetiva, o Juiz concede a medida,
dizendo que não deve chegar perto e não pode mais mandar e-mail. Daí ele
manda um, dois e três, a vítima vai lá e reclama: “Ele está me incomodando,
ele está se aproximando”. O Juiz daí prende. Qual o crime que ele cometeu?
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Mas a Constituição não diz que ninguém será preso a não ser
em flagrante? Mas há a prisão preventiva, e agora inovou nessa parte, a lei
colocou sentença penal condenatória. Assim, nessas histórias de prende e
solta, prende e solta, temos de conciliar os dispositivos da lei, porque o sujeito
faz uma lei aqui, e ele não pensa o que tem lá adiante. Temos um sistema que
deve ser coerente. Então, podemos amenizar as medidas cautelares?
Podemos.
Nessa semana eu li, numa revista, um artigo cujo autor, que é
daqui, disse que aos poucos nós vamos merecendo guardiães e refere que os
principais são da ANVISA. Somos cada vez mais tutelados, nossa liberdade
está sendo tolhida, e ele refere especificamente a ANVISA: “Não pode usar
sibrutamina, não pode usar antibiótico sem receita, não pode fumar cigarro,
tem que colocar propaganda no cigarro”, eu não posso mais fazer o que bem
entender.
Qual a razão dessas proibições enquanto eu estiver causando
um prejuízo para mim? Que sentido têm? Até onde é possível essa invasão da
minha privacidade?
“Não pode dirigir sem cinto”, com relação a isso quase todo
mundo já se reciclou; “não pode dirigir bêbado”, em 2014, veículo só com
ABS, e quem mora lá na cidadezinha do interior, anda bem devagarinho, sem
maior problema, vai ter de pagar o ABS do carro dele, porque o ABS é muito
bom. Claro que para alguns é muito bom, mas para a grande maioria não é
necessário; também será obrigatório airbag, por quê? Segurança de quem
nesses casos? É o mesmo que não usar antibiótico, não usar sibrutamina, não
fumar e não usar droga. É proteção do sujeito.
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Por que existe isso? Será que já paramos para pensar? Por
que não podemos entrar no banco com telefone? Por que não se pode ter
telefone no presídio? Por que não podemos entrar no banco com um
chaveiro? Não se pode entrar no banco, não se pode usar o elevador dos
magistrados, não se pode fazer sexo sem camisinha, não se pode ter arma
em casa, não se pode chamar de gay ou veado, mas de machão pode. E a
liberdade de imprensa, ou a liberdade de opinião, como é que fica?
Então, posso fazer a marcha da maconha; depois, vamos
fazer a marcha do aborto, acho até que já teve, teve a do antiaborto, tem a
parada gay. Por que eu não posso fazer a anti? Não que eu queira fazer
evidentemente! Não pode chamar de gordo, pode ser bullying, mas magrão
pode.
Estamos abrindo mão das nossas liberdades sem maior
discussão. Por que não posso entrar no avião com uma garrafinha de água?
Eu não posso passar na esteira, mas, se eu comprar uma garrafinha ali
dentro, que custa mais caro, daí eu posso. Com tudo isso, dizemos que a
resposta é a proteção da sociedade. Por um ou outro motivo, protege-se o
banco dos assaltos, protege-se o avião das explosões, protege-se isso e
aquilo.
Então, com relação aos roubos, aos estupros ou aos furtos,
não há possibilidade de proteção? Evidentemente que temos que ter algumas
formas de proteção. Antes tínhamos só duas possibilidades, agora temos
essas nove. Vai demorar? Vai demorar, pois a efetividade das medidas é a
grande questão.
Volto ao jornal. Zero Hora, terça-feira, doze de julho, pág.28:
“Pregão das tornozeleiras para presos é suspenso”. Há quanto tempo estão
tentando fazer o pregão, a licitação ou o que seja para a aquisição das
tornozeleiras? Onde fica o monitoramento eletrônico previsto na lei como uma
das medidas cautelares?
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O Des. Aquino disse, aqui, que impediu o sujeito de ir ao jogo
de futebol. Com cinquenta mil torcedores que compram ingressos, como vou
saber se ele foi ou não foi? Só se ele perturbar o ambiente lá de novo. O jornal
publicou que o Juiz proibiu o sujeito de ir a uma casa noturna, mas quem vai
saber se ele está lá? E isso traz a sensação de impunidade por eventual
ineficácia das medidas cautelares.
Vemos isso na Lei Maria da Penha: não pode chegar perto, e
chega perto. E por quanto tempo não pode chegar perto? Voltamos à mesma
situação.
É claro que precisamos de medidas de proteção. Essas
medidas são boas ou não são? O tempo vai dizer se elas deram certo ou não,
mas, enquanto isso, temos de mudar a cultura. Então, precisamos para essa
proteção da nossa sociedade encontrar a adequação.
Em algumas situações concretas vamos identificar umas que
se adaptam, dispensando a prisão. Então, o Juiz, no primeiro momento do
flagrante, homologa, porque formalmente perfeito; no segundo momento,
mantém ou não mantém a prisão, concede ou não concede medidas
alternativas novas e, depois, há a possibilidade de revogação daquela e
substituição por prisão preventiva.
Passa a ser, então, agora a última e talvez a medida mais
eficaz, porque, por mais que se relute em concordar com o Dr. Lisbôa, que diz
que não há conserto, não vai querer alguém me convencer de que o
assaltante de banco, acostumado a assaltar banco, vá costurar bola no
presídio e concordar em ganhar alguns míseros trocados. Mas aí já passamos
para a execução da pena.
E o sujeito que efetivamente vende droga, o vendedor mesmo,
não aquele traficantezinho pequenininho? Como não pode mais prender por
porte, uma das maneiras é dizer que é traficante. Está acontecendo bastante.
Então, temos que examinar um pouquinho melhor a situação fática.
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Outro dia, entrou um habeas na Câmara em que o sujeito
estava empurrando a moto, porque não tinha combustível. Aí a Brigada
chegou e disse: “Fulano, o que tu tá fazendo?” “Eu tô empurrando a minha
moto, eu tô sem combustível”. “Não, mas tu tá numa atitude suspeita”. Atitude
suspeita e ordem pública é qualquer coisa. “Tu tá em atitude suspeita. Pra não
perder a viagem, nós vamos te revistar”. Encontraram com ele duas buchinhas
de maconha, e aí disseram: “Tu tá traficando”. Levaram para a delegacia, foi
feito um flagrante pelo art. 33, o Juiz disse que não cabia a liberdade
provisória por causa do art. 44, e ele ficou preso. O que o sujeito estava
fazendo? Talvez até fosse vender, mas não havia, até ali, indicativo de que
aquilo se destinasse à venda.
Então, o nosso marisco do começo da história vai ter que ficar
agora entre essas onze possibilidades: solto, preso e as nove que estão no
meio, tentando identificar aquela que corresponda à necessidade, mas que
fique dentro do razoável, respeitando a questão da razoabilidade, sem tirar de
vista qual será a pena e o regime de cumprimento desta pena. Embora se diga
que não é pena antecipada, parece óbvio que devemos fazer esse exame. Se
o sujeito for condenado, a pena dele será de 6 (seis) meses de detenção, e
esse sujeito, se for a Lei Maria da Penha, vai ficar preso lá sei eu quanto
tempo, às vezes sem processo.
Com isso, voltamos ao que era antes o art. 310, com essas
novas possibilidades, examinando sempre, evidentemente, até que ponto é
razoável uma ou outra medida e até que ponto se faz necessária e
indispensável a prisão preventiva.
Muito agradecido pela atenção.
DES. NEREU JOSÉ GIACOMOLLI – Alguns Colegas
mandaram perguntas, e uma delas é solicitando que os painelistas se
manifestem acerca do art. 212 e acerca da busca da verdade material no
processo penal. Então, passo a palavra ao Colega Gilberto.
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DR. GILBERTO THUMS – A questão do Des. José Conrado é
sobre o problema da verdade real. Nós estamos, no meio acadêmico, como se
diz, carecas de saber que a verdade real é um mito criado pelos nossos
processualistas do século passado. É um mito como é a fé, enfim, essa coisa
de transcendência e tal, porque a verdade seria uma só.
Se eu tenho que dizer que a verdade é real, isso é uma
redundância, é como subir para cima. Se é verdade, a verdade seria única.
Então, se existisse verdade real, não precisava ter recurso, porque ninguém
poderia mudar a sentença do Juiz, porque a verdade só pode ser uma. Como
é que o Juiz pode chegar a uma verdade, e o Tribunal chegar a uma outra
verdade? Então, chegamos à conclusão de que verdade não existe.
Essa questão perpassa por um aspecto filosófico,
evidentemente, e por uma questão jurídica. Para resumir, eu poderia dizer que
existe um juízo de probabilidade, ou seja, é possível, é provável que Fulano
seja o autor do crime. Eu nunca posso afirmar com certeza absoluta, mas, por
uma questão de simbologia no processo penal, não podemos admitir que o
Juiz, em uma sentença, diga: “Olha, é possível que tenha sido o Fulano”. Não,
o Juiz tem que afirmar com certeza absoluta. Então, o Juiz afirma. Aí chega o
Tribunal e diz que a prova que está nos autos não permite essa conclusão.
Então, qual é a conclusão a que chegamos? Que a verdade está na cabeça
de cada um, e isso é um problema. O processo penal sofre com essa crise há
décadas, há séculos. Carnelutti tem uma frase sobre isso: “Doze mil
espectadores num estádio. É derrubado um atacante na pequena área. É
pênalti ou não é?” Vai depender de quem? De quem está olhando, de quem é
torcedor fanático daquele time. Um diz: “Ah, não é”. O outro vai dizer: “Claro
que foi. O Juiz tá roubando, foi comprado”. Isso aí é a verdade, é como nós
enxergamos.
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O processo penal não é diferente. O Boaventura de Souza
Santos fala que no processo penal se recorta um fragmento da história e se
tenta reconstituí-lo. Reconstituí-lo a partir do quê? De testemunhas. Mas as
testemunhas mentem, as testemunhas enxergam de forma diferente. Está
provado cientificamente que os nossos olhos registram imagens no cérebro de
forma diferente daquilo que pensamos. Então, quando reconstrói um fato,
muitas vezes, por um bloqueio psicológico, a testemunha mente, e mente de
forma consciente, e outras testemunhas mentem de forma inconsciente.
Então, de muito tempo não falo sobre verdade, mas sobre
probabilidade.
Com isso, vou dizer para o Des. José Conrado que
trabalhamos sobre um mito, que é essa questão da verdade, e eu entendi a
questão dele sobre o art. 212.
O Ministério Público, com as prerrogativas que conseguiu na
Constituição Federal, tem que fazer mais. O Ministério Publico tem que
assumir o seu papel de protagonista no processo penal e não se resumir a
oferecer a denúncia em cima do inquérito policial, deixando o resto correr,
porque o Juiz vai fazer a instrução, o Juiz vai fazer tudo, e ele não precisa ir às
audiências. Esse tempo acabou.
Não é que o Juiz seja uma samambaia – eu concordo com o
Des. Bruxel –, mas a questão é que existe uma instituição encarregada de
fazer a acusação e de fazer a prova. Do outro lado, o réu se defende, e o Juiz
vai fazer essa análise. Quem é que produziu a melhor prova? A melhor prova
é a tal. Então, é nesse sentido que vai ser a decisão. Agora, se o Juiz vai dizer
assim: “Mas isto é a verdade real? Será que eu vou dormir?”. Não, é a
verdade que está no processo. Mas isso é a verdade? Isso pode ser a
probabilidade.
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DR. AURY LOPES JÚNIOR – É importante que as pessoas
tenham bem claro que essa ambição da verdade no processo – e agora é uma
questão mais profunda, vocês têm que ter conhecimento disso –, que é algo
que remonta a 1376, com "Directorium Inquisitorum", de Nicholas Eymerich,
fez com que se encaminhasse e se fundasse uma estrutura processual
inquisitória.
Isso cobra um preço muito caro. Podemos até pular essa
questão da ambição da verdade, mostrar que isso fundou um processo
inquisitório para se chegar à conclusão de que hoje se tem plena consciência
de que a verdade é o todo, e o todo é inapreensível. O que vocês estão vendo
aqui não é o que está acontecendo, mas um fragmento do que está
acontecendo. Isso é patético. Quem fala em verdade real não sabe o que é
verdade, nem o que é realidade e confunde o real com o imaginário.
O processo sempre é a reconstrução de um fato passado, e o
crime sempre é passado e, se é passado, não é real, é mito, é memória, é
fantasia, é imaginação. O real é o presente, o ser é o presente. Então, quem
fala em verdade real desconsidera que o crime é passado. Se é passado, não
é real, é imaginário. Aí vêm as divisões. Verdade processual. Aí Carnelutti
mostra que o problema não está na verdade, a verdade é o todo. O problema
está no adjetivo: real e substancial não nos diz nada também. Aí a coisa vai
complicando.
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Só que, nessa questão entre o Juiz samambaia e o ativismo,
há uma distância milenar. E é aqui que não estamos sabendo lidar muitas
vezes. Não quero ter um Juiz samambaia, como se diz, mas entre o Juiz ator
e o Juiz espectador há uma distância milenar. O problema do art. 212 é que,
em nome de uma certa verdade, ele se vê compelido a ir atrás da prova e
produzir a prova de ofício, talvez até com a melhor das boas intenções, mas
deve-se ter consciência de que não é este o papel do Juiz, e de que, quando
ele faz isso, ele mata a estrutura dialética, desequilibra o contraditório. O
tribunal europeu e os direitos humanos vêm dizendo isso há mais de trinta
anos, ou seja, dependendo do nível, o Juiz que vai atrás da prova e produz a
prova está contaminado e não pode julgar, porque viola a imparcialidade e,
principalmente, viola a imparcialidade objetiva no sentido de estética de
afastamento.
Então, a questão do Promotor na audiência é muito
complicada, porque, se o Promotor não vai à audiência, o que o Juiz faz?
“Com a palavra, a Defesa”. A Defesa faz as perguntas que tiver que fazer ou
não faz nada, e fica encerrado. A rigor, no sistema acusatório é isso. Aí tu
colocas o Juiz em uma situação difícil. Não tem ninguém ali, e a Defesa não
quer perguntas. Aí ele começa a perguntar. Aí você pode, sim, cair em uma
dimensão de ativismo patológico, problemático. Assim como eu tenho que
estar na audiência, porque, se eu me atrasar, gera um problema enorme, eu
não consigo admitir que o Promotor não esteja na audiência. Não entendo
isso, sinceramente. “Ah, mas eu sou o substituto”. Não interessa, deve estar
presente.
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Um detalhe só para encerrar. Goldschmidt fala muito bem que
quanto mais parciais forem as partes – porque parte é parcial, vamos parar
com essa bobagem de Ministério Público imparcial, porque isso é
desconhecer a origem, desconhecer o que é o Ministério Público na estrutura
dialética de (...) –, mais imparcial é o Juiz, que é quem deve ser realmente
imparcial. O problema é que, quando você não tem isso, o Juiz desce, mata a
estrutura dialética, e aí dá problema.
A questão é simples: “MP traz a tua prova, Defesa traz a tua
alegação”. Tem prova, condena; não tem, absolve. Aí, tu não te conformas
com isso. O que tu fazes? Tu desces e vais atrás da prova. Quando tu desces
e vais atrás da prova, tu vais atrás de que prova? Não precisa nem responder.
Não é para absolver, porque, se é para absolver, eu parava aqui e, in dubio
pro reo, absolvia. Não, eu não me conformo com isso, eu desço e vou atrás da
prova que não foi feita. Aí eu transformo o que era in dubio pro reo em “in
dubio pau no réu”. Elementar.
E outra. Não estamos falando que o acusador é como no
processo civil, que às vezes é um particular demandando uma multinacional, e
o particular que demanda é hipossuficiente. Não, o acusador no Brasil é uma
instituição extremamente forte, com pessoal muito bem preparado e muito
competente. Se ele, com toda essa estrutura, não é capaz de fazer a sua
prova, não é o Juiz que tem que fazer.
Esse é o ponto chave que vocês às vezes não conseguem
entender. Isso aqui é um negócio muito sério: tu mexes aqui e estoura lá na
frente. O Ministério Público não é hipossuficiente, não é um coitado, ele tem
toda a estrutura estatal e toda a Polícia por trás. Se mesmo assim ele não é
capaz de fazer a prova, vai ser o Juiz que vai fazer? Isso é ridículo.
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DES. NEREU JOSÉ GIACOMOLLI – Após a Reforma de
2008, nós temos uma situação além do art. 212, que é a questão da audiência
também. Em regra, não há memoriais, seriam debates orais. Como vamos
propiciar um debate ou apresentação de alegações orais com ausência do
Ministério Público na audiência? Realmente, é uma questão bem delicada.
DR. AURY LOPES JÚNIOR – Esses dias, numa precatória,
num processo imenso, a testemunha abonatória de um réu não era nossa, e
não fomos, por acharmos que não valia a pena. O Juiz disse: “A Defesa está
ausente. Multa”. Dez salários mínimos ou vinte salários mínimos, não me
lembro, cinco salários mínimos por advogado na procuração. Levamos creio
que uns 30, 40 mil de multa. Aí eu disse: “Fantástico. Eu quero simetria com o
Ministério Público. O Ministério Público ausente, quero multa também”. Vai
dizer que isso aí é abandono da causa? Claro, se entrou com uma correição
parcial, o Tribunal diz: “Não, para lá, é bobagem”. Mas olha o absurdo: eu levo
multa.
DES. NEREU JOSÉ GIACOMOLLI – É que fomos forjados,
estudamos e trabalhamos, dentro de uma realidade de 1940. Depois disso,
temos mais a Constituição de 1988, uma Reforma de 2008, e agora uma nova
Lei das Medidas Cautelares. É difícil romper com essa cultura e com essa
estrutura na qual muitas pessoas estão há dez, quinze ou ainda há vinte, trinta
anos trabalhando. Mas, se nós não mudarmos e aceitarmos pelo menos a
literalidade da lei, os princípios constitucionais e os novos princípios que se
extraem da própria lei, vamos continuar aplicando o Código de 1940, que se
baseou no Código italiano da década de 30, que, por sua vez, copia o Código
Napoleônico, de 1800. Então, em muitas formas de pensar, ainda estamos na
época de Napoleão Bonaparte. Infelizmente essa é a nossa realidade.
Algum dos senhores quer fazer alguma pergunta?
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DES. IVAN LEOMAR BRUXEL – Vou responder à pergunta
que o Des. Nereu fez para mim, se eu vou acompanhá-lo, depois desse
colóquio a respeito do art. 212, na declaração de nulidade total do processo
quando o Juiz começa a fazer perguntas. O Colega Thums disse que é um
absurdo o Promotor deixar as perguntas. Maior absurdo é o Juiz fazer as
perguntas que o Promotor deixou.
Costumo recortar muito alguns artigos de jornais e revistas.
Então, no dia 21 de setembro de 2010, pág. 45 da Zero Hora, embora nem
todos gostem dela, a Min. Eliana Calmon, do STJ, assumiu como Corregedora
no Conselho Nacional de Justiça. A Zero Hora colocou algumas coisas aqui
entre aspas extraídas da entrevista que ela deu. Disse: “Afirmou que é preciso
abandonar ‘o modelo de ser uma Justiça artesanal’. Segundo a mesma
matéria, a Ministra ainda disse: “Temos que mudar de ritmo, e o ritmo deve ser
de uma operação de guerra”. E mais. Teria ainda criticado o modelo de
julgamentos longos “com discussões intermináveis sobre decisões que já
estão pacificadas com jurisprudências ou súmulas vinculantes”. Isso aí nós
temos todos os dias.
“Ah, o Estatuto do Desarmamento é inconstitucional”. O
Supremo já disse, logo depois que sancionado o Estatuto do Desarmamento,
numa ação proposta por dois partidos políticos que aprovaram o Estatuto do
Desarmamento, que não é e extirpou alguns artigos e parágrafos. Então, salvo
mudança de orientação do STF, que pode evidentemente acontecer, a matéria
está discutida, mas todas as vezes temos que repetir nos acórdãos, isso aqui,
ad nauseam, já se disse que não é inconstitucional.
Assim, em termos de infraestrutura, o atraso do Judiciário, diz
ela, é de 50 anos. Todas as vezes em que a Justiça fez mutirões, não foram
poucas as vezes em que se tentou fazer com que os gabinetes ficassem com
menos processos, o que aconteceu foi um enxugamento de gelo, pois em
pouco tempo o número de processos voltou a crescer.
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Na realidade, então, é uma mudança de paradigma, que é
mais ou menos difícil de aceitar. O Juiz não é mais o perseguidor, o algoz; o
algoz é o Ministério Público. Mas o CPP, o novíssimo CPP, lá na exposição de
motivos, diz o porquê de algumas reformas. O Ministério Público hoje tem
estrutura. Antes do CPP não tinha. Quando fui para a minha primeira
Comarca, em Tenente Portela, no dia 13-02-81, uma sexta-feira, uma das
primeiras pessoas que me apresentaram foi o vizinho da frente do Fórum,
agricultor aposentado, com seus qualificativos: Promotor de Justiça ad hoc.
Hoje não há mais, sabemos disso.
Então, se a Defesa é indispensável, é indispensável também o
Ministério Público. Estamos passando, queiramos ou não, gostemos ou não,
no Processo Penal para o sistema dispositivo do Processo Civil. Discutiu,
discutiu; não discutiu, não discutiu, apesar – e aqui o Colega Nereu já ouviu
também várias vezes eu dizer isso – da crítica que faço à exposição de
motivos do novíssimo CPP, que diz que o Juiz se tornou assistente da
acusação. Só estou admirado que não veio rebelião dos primeiros alternativos,
que passaram a cuidar da defesa dos réus, porque há Colega que diz: “Mas
Fulano, você não examinou a pena”. “Mas o réu não recorreu da pena, ele só
quer ser absolvido. A pena eu não examino”. Isso também talvez seja um
pouco perigoso, porque, se examinarmos os recursos, especialmente da
Defesa, nos limites em que colocadas as razões, com certeza vai ficar muito
mais fácil. Então, é um dispositivo, digamos, por metade. O Promotor provou,
a Defesa provou, e o Juiz decide, o Juiz não faz prova alguma. Conforme o
caso, para favorecer, penso que sempre haverá esse entendimento, o Juiz
poderá se tornar assistente, o que ele já é, da Defesa, ao contrário de
assistente do Ministério Público.
Penso que temos que começar a repensar - como a Reforma
foi em 2008, já estamos completando dois anos da publicação da lei - com o
cuidado daqueles processos que se instruíram antes da lei nova, pois parece
que já houve um período suficiente de adaptação às novas regras.
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DES. NEREU JOSÉ GIACOMOLLI – Está bem. Infelizmente
não temos muito tempo, por isso passamos às perguntas.
INTERVENÇÃO DA PLATEIA – Especificamente quanto à lei
mesmo, qual a aplicabilidade, no caso, no Tribunal via habeas corpus, das
cautelares.
DES. NEREU JOSÉ GIACOMOLLI – Se as novas medidas
podem ser aplicadas no 2º Grau em habeas corpus.
DR. AURY LOPES JÚNIOR – Penso que podemos fazer o
controle dessas medidas, de quem está preso, pelas novas medidas
cautelares pela via do habeas corpus.
Como o Des. Bruxel falou – ele foi até econômico –, isso tem
um efeito rebote: vamos ter uma enxurrada de habeas corpus. O Tribunal vai
ter que fazer uma força-tarefa, e não sei se se deram conta do que pode
acontecer. Hoje um Ministro do STJ recebe entre 50 e 70 habeas por dia, sem
falar em recurso especial, extraordinário, mandado de segurança. Vai ser o
caos.
E temos o problema que o Desembargador falou – também foi
muito rápido nisso –, que é uma questão interessante. Não se mexeu no
sistema recursal, e já começaram as perguntas: Como é que vai ficar agora?
Cabe RSE fora dos casos ou não cabe? Outra pergunta: Como é que vai ficar
a detração? Eu não consegui chegar a um conceito ainda. Como é que
vamos detrair as medidas cautelares diversas? Há pessoas dizendo: “Não, a
proibição de ausentar-se da Comarca ou a proibição de se aproximar também
tem que abater da pena”. Mas como?
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INTERVENÇÃO DA PLATEIA – Porque, se o Tribunal
conseguir determinar a aplicação “É tal medida”, como fica o recurso, a
supressão do duplo grau de jurisdição? Vai recorrer para quem?
DES. IVAN LEOMAR BRUXEL – Já tivemos, na semana
passada, dois precedentes, Relator o Des. Nereu, em que, imposta a pena de
prisão, foi concedida parcialmente a ordem para que o Juiz reexaminasse a
possibilidade de substituir por uma das novas medidas, evitando o saldo(?).
DES. NEREU JOSÉ GIACOMOLLI – A preocupação foi
justamente a de substituir no 2º Grau a prisão, revogar a prisão, impor outra
medida cautelar, suprimindo um grau de jurisdição.
Discutimos isso na Câmara e ficamos em dúvida em uns,
depois acabamos soltando. Mas em outro, como era um caso em que não
caberia liberdade provisória, e era agressão de pais à criança, então um caso
muito delicado em que não se sabia qual seria a medida cautelar mais
adequada. O problema é que no habeas corpus não vem toda a informação,
mas só uma parte do caso. Assim, muitas vezes se aplica uma medida
cautelar em habeas corpus, e não é a medida cautelar mais indicada. Naquele
caso este foi o problema verificado. Agora, se possuirmos todos os elementos,
acredito que se possa no 2º Grau aplicar, desde que, por exemplo, venha
cópia integral do que se tem lá.
DR. AURY LOPES JÚNIOR – Uma questão é a seguinte: tu
estás preso, parece inexorável, pede para o Juiz, o Juiz nega o habeas
corpus, porque direto não dá.
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Segunda situação: tu já tens o teu habeas pendente de
julgamento no Tribunal e agora tu entras com uma petição dizendo que temos
novas medidas alternativas. Aí vai dar, talvez, problema, porque aí vai ser o
Tribunal julgando um aumento do pedido, mas são questões que vão se
acomodar.
Inclusive já houve Juízes, como em Santa Catarina, aplicando
a lei no vacatio legis, dizendo que, quando ela entrasse em vigor, ela iria
retroagir, então, já começaria a aplicar. Foi uma postura interessante,
perfeitamente viável. Já que vai retroagir, aplica no vacatio.
DES. NEREU JOSÉ GIACOMOLLI – Na semana passada,
quando eu estava de plantão, entrou um habeas – um caso bem interessante
–, sobre uma prisão civil, pedindo a aplicação de medida cautelar. Tratava-se
de devedor de alimentos. Aí o plantonista do Cível se deu por impedido às
quatro da manhã, dizendo que, como envolvia prisão, era uma questão do
plantão criminal. Tratava-se de um pedido de antecipação de tutela num
agravo de instrumento para aplicar uma medida cautelar substitutiva. Então,
parece-me que, em medidas cautelares voltadas para o Crime, não se aplica a
prisão civil.
Sei que o assunto é interessante, e já conversamos de, ainda
neste ano, fazer mais um painel sobre essas medidas cautelares, em que
certamente outros problemas surgirão com a aplicação da lei.
Agradeço a presença de todos os senhores. Obrigado a todos.
(DEGRAVADO PELO DEPARTAMENTO DE TAQUIGRAFIA E
ESTENOTIPIA DO TJ/RS.)
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