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Apontamentos acerca de simulação, dissimulação e a inocuidade da norma geral antilesiva – art. 116, parágrafo único do CTN
Nelson Eduardo Ribeiro Machado1
Resumo
O contribuinte tem o direito de adotar condutas que tornem menos onerosos, do ponto de vista fiscal, os negócios jurídicos que realiza. Tais condutas, que configuram o planejamento tributário, se mostram extremamente atraentes em um país que detém uma das maiores cargas tributárias do planeta. Posto que tal economia de tributos seja realizada de forma lícita, eivada de moral e ética, que seria o alento dos contribuintes face à alta tributação, não é vista com bons olhos pelo Fisco. Neste sentido, o legislador federal, buscou modificar o ordenamento jurídico tributário, com o objetivo de alavancar a voracidade arrecadatória do Fisco e municiá-lo na batalha contra o contribuinte, incluindo, através da edição da Lei Complementar nº. 104/2001, o parágrafo único no art. 116 do CTN, que trata da norma geral antielisiva. Contudo, da forma que é disposta, tal norma gera inúmeras dúvidas, sendo uma delas objeto do presente estudo. Questiona-se: seria a norma geral antielisiva inócua, não produzindo efeito algum? Em outros termos: o dispositivo citado não teria trago inovação na ordem tributária, ao passo que da leitura do parágrafo único do artigo 116 do Código Tributário Nacional entende-se que a norma elencada estaria vedando uma hipótese já prevista expressamente no referido Código, presente no artigo 149, inciso VII, bem como em outras disposições legais?
Tal questionamento deve ser enfrentado diante da necessidade de se elucidar a falta de clareza do legislador brasileiro, historicamente responsável por elaborar leis omissas. Neste sentido, o este breve estudo busca polemizar a aparente inocuidade da norma geral antielisiva, causada pela forma omissa de como fora redigida pelo legislador tributário, o qual fora tímido em assentar maiores detalhes no dispositivo da norma.
Palavras-chave: Norma Geral Antielisiva; Inocuidade; Parágrafo único do artigo 116; Código Tributário Nacional; Artigo 149, inciso VII.
1. INTRODUÇÃO
O presente trabalho versa sobre a norma geral antielisiva trazida ao
ordenamento-tributário brasileiro, e sua aparente inocuidade, face a forma de como
fora disposta sua redação.
1 Mestrando na Área de Direito Privado pela Universidade FUMEC. Docente na Faculdade de
Ciências Jurídicas Professor Alberto Deodato em Belo Horizonte/Minas Gerais.
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O tema escolhido justifica-se em um cenário brasileiro permeado por
acaloradas discussões doutrinárias e jurisprudenciais, principalmente no que à
entendimentos controversos nas matérias referentes ao direito tributário.
É notório que o Direito tem como grande característica a possibilidade de
promover a discórdia doutrinária entre seus operadores, sendo tal faceta, creio, seu
grande atrativo.
Uma grande parcela de culpa consoante a esta falta de unanimidade
recorrente nos diversos temas jurídicos é devida o legislador brasileiro, mais
notadamente ao legislador tributário.
E devido a esta notória falta de técnica do legislador tributário,
enfrentamos no presente trabalho o questionamento acerca de uma norma que
desde sua edição não logra entendimento pacifico entre os operadores do direito, e
como veremos, já se vão longos sete anos que a mesma reside no nosso
ordenamento jurídico.
Os passos metodológicos utilizados na sua feitura foram essencialmente
a pesquisa em artigos doutrinários e acadêmicos, livros doutrinários, repertórios e
periódicos jurídicos, bem como a interpretação de dispositivos legais e as escassas
manifestações jurisprudenciais.
O segundo capítulo deste trabalho tece algumas observações acerca da
prática do planejamento tributário, que sofre grande repúdio do FISCO e, para qual,
assim entendemos, é direcionado o parágrafo único do artigo 116 do Código
Tributário Nacional e a chamada norma geral antielisiva que a contém.
Não obstante, neste segundo capítulo será abordado também a diferença
entre os diversos institutos relacionados á economia de tributos, seja lícita ou ilícitas,
trazendo algumas manifestações de conceituados doutrinadores do tema.
Por fim, neste capítulo ainda será abordado um tema de suma
importância e que entendemos que deva permear todas e quaisquer discursões
sobre tributação, principalmente no Brasil, detentor de uma carga tributária
predatória, qual seja, a ética fiscal.
No terceiro capítulo discorreremos algumas observações acerca do
panorama internacional das normas antielisiva, trazendo algumas experiências de
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países referência na matéria ora abordada e que foram, inclusive, inspiradores para
o direito brasileiro construir a sua norma antielisiva.
No quarto capítulo avançaremos para uma necessária parte deste
trabalho, onde buscaremos esboçar as noções das práticas da simulação e
dissimulação, práticas estas vedadas na legislação tributária nacional.
Neste momento, abordaremos de forma inicial o que entendemos ser o
motivador da aparente inocuidade da norma geral antielisiva brasileira.
Tal abordagem trará ferramentas para, em seguida, no quinto capítulo,
realizarmos uma análise mais pormenorizada sobre a referida inocuidade da norma,
objetivo do nosso estudo.
Neste diapasão, já abalizados pelos argumentos e pelo direito comparado
trazidos nos capítulos anteriores, enfrentaremos no quinto capítulo o tema central do
presente trabalho.
Neste sentido, do que fora denotado do enfrentamento ao tema proposto
no presente trabalho, discorremos no sexto capítulo a conclusão que alcançamos.
Se faz mister, contudo, tecer algumas considerações introdutórias sobre o
panorama em que se enquadra o tema proposto, ao passo que se presta a seguir.
1.1. Considerações iniciais
O tema em debate ganhou relevo entre nós com o advento da Lei
Complementar nº. 104, de 10 de Janeiro de 2001 – LC/104, que incluiu o parágrafo
único do artigo 116 do Código Tributário Nacional2 - CTN .
Desta feita, o legislador tributário, que busca sempre municiar o FISCO na
eterna batalha contra o contribuinte, pleiteou inserir no ordenamento jurídico mais
um artifício, qual seja, a figura da chamada norma geral antielisiva. Tal norma teria
como intuito vedar toda e qualquer forma do contribuinte reduzir a carga tributária
pela qual é acometido.
2 Art. 116. Salvo disposição de lei em contrário, considera-se ocorrido o fato gerador e existentes os seus efeitos:
I - tratando-se de situação de fato, desde
o momento em que o se verifiquem as circunstâncias materiais necessárias a que produza os efeitos que normalmente lhe são próprios; II - tratando-se de
situação jurídica, desde o momento em que esteja definitivamente constituída, nos termos de direito aplicável. Parágrafo único. A autoridade administrativa
poderá desconsiderar atos ou negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza dos
elementos constitutivos da obrigação tributária, observados os procedimentos a serem estabelecidos em lei ordinária.
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Contudo, tal norma padece de diversos elementos que a permitiriam sua
efetividade, sendo, ao nosso ver, o maior causador da controvérsia, o fato da
mesma não ser dotada de auto-aplicabilidade, havendo, para tanto, comando na
redação do parágrafo único à observância dos procedimentos a serem estabelecidos
por lei ordinária, lei esta que ainda não fora promulgada.
Desta forma, a falta de regulamentação legal, cuja necessidade é
inclusive questionada na redação do parágrafo único do artigo 116, e devido
principalmente à imperícia do legislador tributário em redigir o dispositivo, tal norma
é foco de diversas e controversas discursões entre os operadores do direito,
principalmente no que concerne a sua inconstitucionalidade, cuja corrente nesse
entendimento é capitaneada pelo ilustre Ives Gandra da Silva Martins.
No entendimento do referido doutrinador, é inconstitucional a LC/104 no
sentido de que a norma antielisiva violaria o princípio da legalidade estrita,
instaurando uma completa insegurança nos negócios praticados pelos contribuintes.
Ainda no entendimento desta doutrina que, inclusive será mais bem
relembrada nas palavras que se seguem, a redação dada a este dispositivo, por
conferir à administração pública poderes para desconsiderar atos ou negócios
jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do
tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária, nos moldes
do que dispuser lei ordinária a ser futuramente editada, tem acirrado os ânimos de
grande parte da doutrina, que acusa o legislador de introduzir no ordenamento
jurídico brasileiro a chamada interpretação econômica, tão criticada pelos grandes
nomes do Direito Tributário, em razão de afastar a incidência do princípio da
legalidade, que traduz o valor segurança jurídica.
A própria edição da Medida Provisória nº. 66, de 29 de agosto de 2002 –
MP/66, tida por muitos como a mini-reforma tributária, a qual é esboçada em
palavras a seguir, trouxe ainda mais questionamentos à norma geral antielisiva,
estando o tema longe de ser uma seara pacífica ao entendimento da referida norma.
Posto que a constitucionalidade da referida norma será abordada
algumas vezes neste trabalho, não será o foco central, mas sim o fato de se tratar
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de uma norma inócua no que diz respeito à inovação no ordenamento jurídico
tributário.
Parece-nos plausível que a norma geral antielisiva estaria vedando algo
que já possui previsão expressa no próprio diploma tributário e leis extravagantes,
elencada em vários momentos da legislação referida, mas principalmente pelo artigo
149, no seu inciso VII do CTN.
Neste sentido, não teria função alguma a nosso ordenamento jurídico, tão
somente reiterando ao contribuinte de que este é hipossuficiente perante o FISCO
no embate tributário no dia a dia.
1.2. Divergências na doutrina
Tratemos neste momento das divergências existentes na doutrina acerca
da norma ora debatida.
Como foi já amplamente alardeado, a norma geral antielisiva foi e é
merecedora de diversos questionamentos dos operadores do direito que labutam na
área tributária, principalmente pela imperícia, timidez e podemos dizer, até
excentricidade do legislador, como mostra-nos o trecho do excelente Professor
André Luiz Carvalho Estrella3:
A Doutrina Brasileira diverge sobre a que fim se destina a norma antielisiva geral, disposta no Código Tributário Nacional. Esta discordância se deve à falta de clareza do legislador brasileiro. A legislação poderia assentar com maiores detalhes os efeitos desejáveis dessa norma. Mais uma vez pecou o legislador brasileiro. Poderia ter ido além, mas ficou aquém das expectativas. A primeira corrente atribui ao par. ún. do art. 116 do CTN nenhum efeito. Vale dizer, entendem que o dispositivo citado não inovou na Ordem Tributária, já que a hipótese de simulação tem previsão expressa no art. 149, VII, do CTN. E como a norma antielisão tem como meta proibir a dissimulação, que nada mais é que a simulação relativa, então a nova norma não alcançou o fim a que se destinava (proibir a elisão). Ademais, pela literalidade do texto, constatam que a norma antielisão estaria abraçando as hipóteses ilícitas de redução de impostos. Em outras palavras, não seria caso de elisão, e sim de fraude. Concluem nesse sentido, porque dissimular a ocorrência do fato gerador é na verdade ocultar a sua ocorrência. O fato gerador já teria ocorrido, mas o contribuinte estaria ocultando, disfarçando, encobrindo a sua ocorrência ao fisco. Assim, teria
3 (ESTRELLA, 2001)
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ultrapassado a linha divisória que separa a elisão da fraude, a ocorrência do fato gerador. (...)
A primeira corrente doutrinária trazida neste momento é a dos que
preconizam a ausência de novidade na modificação do CTN, corrente esta da qual
coadunamos, e que será mais aprofundada no capítulo 5.
No tocante ao entendimento da segunda corrente doutrinária estudiosa da
norma geral antielisiva, já citada anteriormente, a qual defende a
inconstitucionalidade da LC 104/2001, vez que esta norma personificaria uma
violação ao princípio da legalidade estrita, instaurando-se uma completa
insegurança nos negócios praticados pelos contribuintes. Tal doutrina também
percebe, em parte, nossa simpatia.
Seguindo neste entendimento, a segunda doutrina ainda alerta para tese
de sendo esta norma considerada constitucional, ela estaria autorizando a
interpretação econômica no direito brasileiro, deferindo ao fisco o dever de tributar
duas situações jurídicas distintas, reveladoras do mesmo conteúdo econômico e de
igual capacidade contributiva.
No que tange a terceira corrente, seus seguidores defendem a
necessidade de se utilizar um esforço interpretativo no intuito de superar, ou pelo
menos, amenizar, eventuais impropriedades da norma e questionamentos trazidos
pela timidez e falta de técnica do legislador na redação da mesma.
Tal corrente, busca ponderar, diferentemente das duas primeiras que são
mais rígidas, no sentido de que o critério de interpretação da norma deve ser
orientado pela busca do pluralismo de valores com equilíbrio entre a liberdade,
justiça e segurança jurídica, o que possibilitaria a compreensão de dois regimes de
antielisão, o que poderia fundamentar o disposto pela LC/104.4
Devemos remeter mais uma vez às palavras do Professor André Luiz
Carvalho Estrella, no tocante a esta terceira doutrina5:
“O primeiro regime consiste na previsão de norma antielisiva geral disposta no Código Tributário Nacional associada à legislação ordinária meramente procedimental dos membros da Federação. O segundo regime dispõe a
4 (ESTRELLA, 2001)
5 (ESTRELLA, 2001)
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norma antielisiva de forma genérica no Código Tributário Nacional e deixa ao legislador de cada ente federativo elaborar a norma antielisiva específica que contenha a lista dos negócios inoponíveis ao fisco. Nesse passo, algumas condições são necessárias à aplicação da norma antielisiva geral. No primeiro, considera-se constitucional a norma antielisiva geral desde que, cumulativamente: a) o intérprete faça uso da técnica de ponderação de interesses na solução do conflito (...); b) a justificativa para a intervenção do fisco seja bem clara e definida, usando de critérios objetivos, à luz da transparência que deve existir nas relações fisco e contribuinte; c) obedeça à lei ordinária de cada ente federativo exigida em seu texto (lei meramente procedimental); d) exista uma ampla defesa, contraditório e controle do ato de desconsideração, sob pena de se atribuir um poder sem sua contrapartida (checks and balance). No segundo regime, desde que a lei ordinária exigida de cada ente federativo contenha a lista de situações antielisivas (lei contendo norma antielisiva específica), acrescentando-se, ainda, as condições de letras a), b) e d) acima citadas.”
E pelas palavras trazidas pelo supracitado professor, podemos fazer
algumas observações no tocante ao entendimento da terceira doutrina, que podem
expor algumas aparentes ressalvas, senão vejamos.
A inteligência do parágrafo único do artigo 116 do CTN aceitaria o
primeiro regime apresentado pelo Professor Estrella, qual seja, o da associação da
norma geral antielisiva a uma lei ordinária estritamente procedimental, destinada tão
somente a regrar a forma pela qual o agente do FISCO poderá entender pela
desconsideração dos atos supostamente dissimulatórios praticados pelo
contribuinte, mediante a instauração de contraditório, assegurando o direito à ampla
defesa, como preconiza o artigo 5º, inciso LV, da CR/88.6
Neste sentido, não estaria autorizado ao legislador tributário um rol de
numerus clausus de situações que demonstram necessidade de lançar mão da
norma geral antielisiva, visto que cada caso seria analisado individualmente.
De outra sorte, podemos denotar o subjetivismo preponderante no que
toca ao discernimento do FISCO para com eventuais práticas do contribuinte, o que
traria este último uma insegurança jurídica maior ainda da que é percebida nos dias
atuais, inclusive porque estaria ferindo o princípio da legalidade estrita.
Feitas estas pequenas ressalvas, podemos perceber que o entendimento
desta terceira doutrina estaria indo de encontro ao entendimento da segunda
doutrina, qual seja, o que defende a lei de inconstitucionalidade da referida norma.
6 Art. 5º, inciso LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com
os meios e recursos a ela inerentes.
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1.3. Medida Provisória nº. 66/2002
Nesta parte do trabalho se faz mister tecer algumas considerações sobre
a Medida Provisória nº. 66, de 29 de agosto de 2002, que foi trazida com o pretexto
de regulamentar os procedimentos destinados a descaracterizar atos e negócios
praticados com a finalidade de reduzir ou eliminar a tributação, consoante reclamado
pela própria LC/104, quando da introdução da matéria no mundo jurídico tributário.
Desta feita, apesar da sua matéria não ser o tema central do trabalho, sua
promulgação permeia o questionamento que nos propusemos a enfrentar, visto que
não trouxe solução a nenhuma das controvérsias da norma geral antielisiva,
inclusive, assim entendemos, tendo fortalecido a idéia de a aparente inocuidade da
norma.
A referida MP/66, tida como uma mini-reforma tributária, resguarda um
capítulo específico aos procedimentos relativos a norma geral antielisivo, cujos
artigos 13 a 19, destacamos.
É público e notório que o parágrafo único do artigo 116 do CTN teria o
intuito de dar ao FISCO o poder de desconsiderar qualquer ato ou negócio jurídico
praticado que tenha sido realizado apenas com uma simulação ou com a finalidade
de dissimular a ocorrência de fato gerador de tributo ou a natureza dos elementos
constitutivos de obrigação tributária.
O FISCO poderia, portanto, para alcançar seu intuito de determinar se um
ato foi simulado ou não, levar em conta a ocorrência de falta de propósito negocial
ou abuso de forma.
A grande questão no que tange a MP/66 reside no fato no seguinte
questionamento: De m lado, a norma geral antielisiva, da forma em que fora disposta
no parágrafo único do artigo 116 do CTN, como defendemos neste trabalho, é
inócua e nada inovou no mundo jurídico.
De outra sorte, como se trataria de uma norma geral tributária, a
competência para sua regulamentação seria responsabilidade de Lei Complementar,
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como exige o inciso III do artigo 146 da CR/887, norma esta cujo processo legislativo
reclama quorum qualificado para aprovação, como disposto no artigo 698 da Carta
Maior.
Neste sentido, conclui-se que a MP/66, nos pontos em que extrapola a
delegação, quais sejam, aqueles referentes à norma geral antielisiva, é inútil, porque
não poderia ir além de reprisá-la, buscando regulamentar uma matéria de reservada
a Lei Complementar.
Este questionamento é abordado por inúmeros doutrinadores, ao passo
que não o aprofundaremos nesta obra, cabendo-nos abordar, tão somente, a
conclusão de que, se esta Medida Provisória fora trazida para regulamentar a
controversa norma geral antielisiva, iluminando, inclusive, o entendimento se esta
norma inovaria ou não no ordenamento jurídico, ela não o fez e não poderia fazê-lo,
pelo que já expomos.
2. PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO
Apresentado o terreno do qual estamos caminhando, através comentários
introdutórios, análise das correntes doutrinárias que divergem sobre a norma geral
antielisiva e algumas legislações que tangenciam esta, passemos a mais uma etapa
do presente estudo importante à construção da análise da aparente inocuidade da
norma geral antielisiva, que o nosso objetivo.
Tratemos, portanto, da figura do planejamento tributário e de sua
importância na no tema em debate, vez que se demonstra como um dos elementos
mais controversos presentes na batalha do FISCO frente ao contribuinte.
2.1. Considerações à prática
7 Art. 146. Cabe à lei complementar: III - estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre: a) definição de tributos e de
suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e
contribuintes; b) obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários; c) adequado tratamento tributário ao ato cooperativo praticado pelas
sociedades cooperativas; d) definição de tratamento diferenciado e favorecido para as microempresas e para as empresas de pequeno porte, inclusive
regimes especiais ou simplificados no caso do imposto previsto no art. 155, II, das contribuições previstas no art. 195, I e §§ 12 e 13, e da contribuição a que
se refere o art. 239.
8 Art. 69. As leis complementares serão aprovadas por maioria absoluta.
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Trata-se esta prática de uma atuação preventiva do contribuinte, de forma
lícita, no intuito de fazer valer no negócio jurídico que realizar uma incidência menor
de tributação. E, em tempos de demasiada carga tributária como a que incorre no
Brasil atualmente, tal prática se mostra mais do que atraente, se mostra necessária.
A carga tributária brasileira é fruto da falta de razoabilidade do sistema
tributário nacional, sendo este um nicho de várias aberrações criadas pelo legislador
através de diversas leis ordinárias, leis complementares, emendas constitucionais,
somadas a um rol infindável de atos normativos advindos do Poder Executivo.
Apenas no que tange à exemplificação do que seriam os abusos
presentes no sistema tributário no Brasil, podemos separar dois ordenamentos em
meio a diversos.
O primeiro deles é a figura dos Atos Declaratórios Interpretativos, cujo uso
está sendo cada dia mais intensificado pela Receita Federal do Brasil. Nos termos
do Regulamento Interno desta, esse tipo de regramento que, como o próprio nome
permite deduzir, serve para expressar a interpretação da Receita Federal do Brasil
sobre uma determinada lei, decreto ou instrução normativa.
A autoridade fiscal se utiliza deste ato administrativo, vez que não lograria
êxito via processo legislativo de leis ordinárias e complementares, para alcançar seu
escuso interesse de aumentar indiretamente a carga tributária e frear pedidos de
repetição de indébito, impor a retroatividade destes atos ilegais a tempo e modo
como desejar, ferindo claramente a irretroatividade da lei tributária, ressalvadas suas
exceções.
A edição dos referidos atos declaratórios interpretativos, pretendendo
alterar conteúdo de disposições ulteriores, não é permitida em nosso ordenamento
jurídico, nos termos do artigo 879, parágrafo único, inciso II, e artigo 15010, inciso I,
CR/88, cumulada com o artigo 9º11, inciso I e artigo 10012 do CTN.
9 Art. 87. Os Ministros de Estado serão escolhidos dentre brasileiros maiores de vinte e um anos e no exercício dos direitos políticos.
Parágrafo único. Compete ao Ministro de Estado, além de outras atribuições estabelecidas nesta Constituição e na lei: II - expedir instruções para a
execução das leis, decretos e regulamentos.
10 Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I - exigir ou
aumentar tributo sem lei que o estabeleça.
11 Art. 9º É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I - instituir ou majorar tributos sem que a lei o estabeleça, ressalvado, quanto
à majoração, o disposto nos artigos 21, 26 e 65.
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Em outro exemplo podemos, podemos trazer o tributo do empréstimo
compulsório, que, em 20 anos de promulgação da CR/88, nunca fora instituído. E o
motivo reside no fato de que sua instituição necessita de Lei Complementar, com a
necessidade de atendimento das devidas exigências e situações, como elencado no
artigo 148 da CR/88.13
O legislador percebeu a dificuldade em instituir empréstimo compulsórios,
face a obrigatoriedade em ressarcir o contribuinte do imposto no valor em que este
contribuiu, bem como a necessidade do processo legislativo mais rígido, por ser
tratar de matéria reservada à lei complementar.
Neste sentido, as autoridades se utilizam de outra espécie de tributo, que
não necessita de lei complementar reguladora, bastando apenas lei ordinária e até
medidas provisórias e, o mais importante, não precisa ser ressarcido ao contribuinte.
Tratam-se das contribuições, quais seja, sociais, de intervenção no domínio
econômico e de interesse das categorias profissionais, além das para iluminação
pública, já demasiadamente combatida e discutida na doutrina e jurisprudência,
todas presentes no artigo 14914 e 149-A15 da CR/88.
Tais ordenamentos foram trazidos apenas para exemplificar os abusos e
aberrações constates na tributação brasileira, ao passo que, possuem diversas
obras as discutindo.
12 Art. 100. São normas complementares das leis, dos tratados e das convenções internacionais e dos decretos:
I - os atos normativos expedidos pelas
autoridades administrativas; II - as decisões dos órgãos singulares ou coletivos de jurisdição administrativa, a que a lei atribua eficácia normativa;
III - as
práticas reiteradamente observadas pelas autoridades administrativas; IV - os convênios que entre si celebrem a União, os Estados, o Distrito Federal e os
Municípios.
Parágrafo único. A observância das normas referidas neste artigo exclui a imposição de penalidades, a cobrança de juros de mora e a
atualização do valor monetário da base de cálculo do tributo.
13 Art. 148. A União, mediante lei complementar, poderá instituir empréstimos compulsórios: I - para atender a despesas extraordinárias, decorrentes de
calamidade pública, de guerra externa ou sua iminência;
II - no caso de investimento público de caráter urgente e de relevante interesse nacional,
observado o disposto no art. 150, III, b. Parágrafo único. A aplicação dos recursos provenientes de empréstimo compulsório será vinculada à despesa que
fundamentou sua instituição.
14 Art. 149. Compete exclusivamente à União instituir contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias
profissionais ou econômicas, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas, observado o disposto nos arts. 146, III, e 150, I e III, e sem prejuízo
do previsto no art. 195, § 6º, relativamente às contribuições a que alude o dispositivo. § 1º Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituirão
contribuição, cobrada de seus servidores, para o custeio, em benefício destes, do regime previdenciário de que trata o art. 40, cuja alíquota não será inferior
à da contribuição dos servidores titulares de cargos efetivos da União. § 2º As contribuições sociais e de intervenção no domínio econômico de que trata o
caput deste artigo: I - não incidirão sobre as receitas decorrentes de exportação; II - incidirão também sobre a importação de produtos estrangeiros ou
serviços; III - poderão ter alíquotas: a) ad valorem, tendo por base o faturamento, a receita bruta ou o valor da operação e, no caso de importação, o valor
aduaneiro; b) específica, tendo por base a unidade de medida adotada. § 3º A pessoa natural destinatária das operações de importação poderá ser
equiparada a pessoa jurídica, na forma da lei. § 4º A lei definirá as hipóteses em que as contribuições incidirão uma única vez.
15 Art. 149-A. Os Municípios e o Distrito Federal poderão instituir contribuição, na forma das respectivas leis, para o custeio do serviço de iluminação
pública, observado o disposto no art. 150, I e III. Parágrafo único. É facultada a cobrança da contribuição a que se refere o caput, na fatura de consumo de
energia elétrica.
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Avançando um pouco mais no tema abordado no presente trabalho, se
faz necessário registrar que, conforme estudos do IBPT – Instituto Brasileiro de
Planejamento Tributário, os mais de 75 tributos, regulamentados por 3000 normas,
impõe ao país uma carga tributária que representa cerca de 38% do PIB – Produto
Interno Bruto nacional16.
Neste sentido, podemos concluir que o contribuinte, seja pessoa física ou
jurídica, deve se valer de todas as possibilidades que sejam lícitas para diminuir a
carga tributária da qual é acometida, o que é alcançado com a prática do
planejamento tributário.
Não obstante a necessidade deste planejamento, entendemos é direito de
todo contribuinte fazer a opção negocial pela forma que lhe seja menos onerosa.
Direito este inserido no artigo 5º17, inciso II e artigo 17018 da CR/88, os quais tratam
do direito a liberdade de iniciativa.
Seria a escolha de um caminho que implique o não pagamento de
tributos, o pagamento a menor ou o pagamento diferido no tempo. Parte da doutrina
entende ser sinônimo de elisão tributária, a qual será tratada a seguir, justamente
por se utilizar de uma conduta lícita, consoante com os ditames do direito, cujo
entendimento coadunamos.
Posto que a enorme entrada de recursos nos cofres públicos, advindos da
tributação pelos três entes federativos, o apetite do FISCO não diminui, na verdade,
só aumenta.
O planejamento tributário é o grande alvo combatido pelas autoridades
fiscais, estando estes sempre municiados pelas ferramentas lhes dadas pela
legislação tributária vigente, ferramentas estas nem sempre legais e constitucionais,
ou fundamentadas na ética e boa-fé.
16 http://www.ibdt.com.br/
17 Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar
de fazer alguma coisa senão em virtude de lei.
18 Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme
os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: I - soberania nacional; II - propriedade privada; III - função social da propriedade; IV -
livre concorrência; V - defesa do consumidor; VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos
produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação;
VII - redução das desigualdades regionais e sociais; VIII - busca do pleno
emprego; IX - tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no
País. Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos,
salvo nos casos previstos em lei.
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Um questionamento feito pelos que defendem a economia fiscal através
de formas lícitas, do qual também subscrevemos, gira em torno de qual seria o
motivo do contribuinte realizar uma atividade que lhe incida mais tributo, sendo que
há várias formas de fazê-lo, inclusive, menos onerosas.
Ora, para aqueles que residem e realizam suas atividades no país que
detém uma das maiores cargas tributárias em todo o globo, senão a maior
proporcionalmente, levando em consideração o nível de riqueza da maioria da
população e a contraprestação referente à arrecadação dos tributos, a idéia de
planejamento tributário é fundamental.
Em contrapartida, no vertente do FISCO, diversos argumentos
fundamentam o entendimento daqueles que são favoráveis ao combate do
planejamento tributário e a instituição de uma norma geral antielisiva, dentre os
quais vale destacar o combate a corrupção, diminuição do déficit fiscal, busca de
igualdade entre contribuintes em situação semelhante, a efetivação do principio da
solidariedade o custeio do Estado.
Fato é, que necessária o não a referida norma geral antielisiva, esta
deveria ser regulamentada de forma correta e clara, pois, como defendemos, a que
hoje está disposta no código não serve para seu intuito, resguardando o combate
proposto nas normas que há muito tempo já existem.
É importante distinguir o planejamento tributário, ou elisão fiscal, como
queiram, das figuras da evasão fiscal, elusão fiscal e demais que possam advir do
tema, ao passo que, se faz tal distinção abaixo.
2.2. Da Elisão, Elusão e Evasão Fiscal
Segundo a classificação proposta por Alberto Xavier19 no que tange a
técnica elisiva, a elisão, também conhecida como economia fiscal, seria espécie do
gênero evasão comissiva, que, por sua vez, alberga a forma ilícita de evasão,
mediante a verificação de fraude, dolo ou a simulação do contribuinte, o que enseja
19 XAVIER, Alberto Pinheiro. Os Princípios da Legalidade e da Tipicidade. Ed.Revista dos tribunais, 1978.
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à administração o dever de rever, de ofício, o lançamento, nos termos do artigo 149
do CTN.
Não obstante aos brilhantes trabalhos pelo ilustre Alberto Xavier,
entendemos que seria a elisão a representação da prática lícita de se utilizar uma
fórmula negocial alternativa e menos gravosa do ponto de vista fiscal, aproveitando-
se de legislação não proibitiva e principalmente das lacunas da lei, ressalvado o
disposto nos artigos 10920 e 11021 do CTN, que tratam da equiparação de formas ou
fórmulas do Direito Privado.
Neste sentido, a elisão estaria fundamentada na premissa de que o
contribuinte somente está obrigado a fazer ou a deixar de fazer aquilo que estiver
previsto em lei, conforme estabelecido no art. 5º, inciso II, da CR/88. Logo, se não
houver previsão legal expressa que vede ou que tribute determinado fato do
contribuinte, decerto que a administração não poderá fazê-lo.
Este entendimento sofre embargos das autoridades fiscais, assim como
do legislador tributário, tanto é que fora promulgada a norma geral antielisiva.
Um parêntese no presente debate deve ser promovido, no sentido de
questionarmos se o FISCO poderá levar em conta o significado econômico da lei
tributária, motivado até mesmo por critérios subjetivos, para desqualificar atos ou
negócios jurídicos alternativos, oriundos de técnica elisiva, emprestando-lhes efeitos
tributários?
Neste sentido, entendemos que cumpre ressaltar que a definição legal do
fato gerador do tributo é, sem dúvida, uma garantia fundamental do contribuinte, tal
como a definição do crime, a tipificação da conduta criminosa, é garantia do cidadão
contra o arbítrio.
O princípio da legalidade serve para proteger o bom contribuinte do
FISCO, assim como é a própria lei que ditará a responsabilidade tributária e penal
do mau contribuinte, qual seja, a Lei nº. 8.137, de 27 de dezembro de 1990. Além
20 Art. 109. Os princípios gerais de direito privado utilizam-se para pesquisa da definição, do conteúdo e do alcance de seus institutos, conceitos e formas,
mas não para definição dos respectivos efeitos tributários.
21 Art. 110. A lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou
implicitamente, pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou
limitar competências tributárias.
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disso, vale destacar o disposto no art. 108, parágrafo 1º do CTN22, que veda o
emprego da analogia para se exigir tributo, dispositivo este que pode vir a se
conflitar com as interpretações do administrador.
Feita a observação, retomemos nosso tema. A elisão fiscal, ou
planejamento tributário, como vimos, é uma forma lícita do contribuinte reduzir a
carga tributária da qual é acometido. Trata-se de uma economia tributária mediante
condutas lícitas, através de formas presentes na própria legislação, diferentemente
da hipótese de evasão fiscal, que configura uma conduta ilícita que resulta em
economia de tributos.
O doutrinador Heleno Tôrres23 questiona a utilização da nomenclatura
“elisão”, declarando o mesmo ser impróprio, propondo, para tanto, a utilização do
termo elusão para redução lícita de tributação:
“É imperioso registrar, contudo, que o termo “elisão” não poderia ser usado para significar a postura lícita do contribuinte na economia de tributos, devendo, por rigor lingüístico, ser abandonado. Para evitar confusões no uso da linguagem e por melhor representar as condutas enfocadas, preferimos o termo “elusão”. “elisão”, do latim elisone, significa ato ou efeito de elidir; eliminação; supressão. “Eludir”, do latim eludere, significa evitar ou esquivar-se com destreza; furta-se com habilidade ou astúcia; ao poder ou influencia de outrem. Elusivo é aquele que tende a escapulir, a furtar-se (em geral por meio de argúcia); que se mostra arisco, esquivo, evasivo. Assim, cogitamos da “elusão tributária” como sendo o fenômeno pelo qual usa de meios dolosos para evitar a subsunção do negócio praticado ao conceito normativo do fato típico e a respectiva imputação dos efeitos jurídicos, de constituição da obrigação tributária, tal como previsto em lei.”
A hipótese de evasão fiscal se configura pela prática de condutas ilícitas,
através da utilização dos expedientes de dolo, fraude ou simulação, podendo esta
última ser absoluta ou relativa. É a figura própria da sonegação fiscal.
Neste diapasão, evasão fiscal seria uma gama de atos de redução ilícita
da carga tributária, que geralmente ocorrem após a ocorrência do fato gerador,
através de fraudes, sonegação, falsificações. Tais atos são passíveis de serem
22 Art. 108. Na ausência de disposição expressa, a autoridade competente para aplicar a legislação tributária utilizará sucessivamente, na ordem indicada: I
- a analogia; II - os princípios gerais de direito tributário; III - os princípios gerais de direito público; IV - a eqüidade. § 1º O emprego da analogia não poderá
resultar na exigência de tributo não previsto em lei.
23 TÔRRES, Heleno. Limites ao planejamento tributário – Normas antielusivas (Normas gerais e normas preventivas). LC 104/01: Uma norma anti-
simulação. (não publicado)
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descobertos pelas autoridades fiscais através auditorias e fiscalizações em
documentações e atos do contribuinte.
Em outra vertente segue o entendimento do ilustre doutrinador Ricardo
Lobo Torres24, ao passo que enuncia que "a evasão e a elisão precedem a
ocorrência do fato gerador no mundo fenomênico e por isso são quase sempre
lícitas. A sonegação e a fraude dão-se após a ocorrência daquele fato e são sempre
ilícitas." Entendimento este, data maxima venia, do qual não coadunamos.
O fato de que a elisão fiscal precede a ocorrência do fato gerados em um
determinado negócio jurídico não o resguarda da ilicitude, visto que a própria prática
que deu causa a tributação pode ter ocorrido de forma a se evitar a incidência desta.
Tomemos como exemplo as palavras do doutrinador César Guimarães
Pereira25:
“Como exemplo, tome-se norma que estabelecesse contribuição social
sobre a remuneração de autônomos. Se se contratasse uma sociedade de profissionais (pessoa jurídica) para evitar a contratação de um profissional autônomo, evitar-se-ia a ocorrência do fato imponível e haveria elisão tributária. Porém, se, após a contratação de profissional autônomo, destroem-se os documentos correspondentes ou faz-se um novo documento com data falsa para alterar os termos da contratação, haveria evasão fiscal”.
Ora, no exemplo utilizado, podemos denotar claramente que na segunda
situação, a prática incorreria em ilicitude, configurando, portanto, a hipótese de
evasão fiscal. Contudo, o mesmo resguardo de ilicitude não se percebe na primeira
situação, visto que a prática fora baseada no direito do contribuinte realizar uma
determinada opção negocial que não incorreria em tributação e não era vedada pela
legislação vigente, logo, configurando a hipótese de elisão fiscal.
Discorrendo, ainda, sobre planejamento tributário, tangenciando as
observações supramencionadas, há de se relembrar a hipótese de opção fiscal, a
qual é configurada pela escolha do contribuinte pela declaração simplificada ou
completa do imposto de renda, quando se tratar de pessoa física, e presumida ou
24 TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Tributário e Financeiro, pág. 208.
25 (PEREIRA, 2001)
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completa, no caso de pessoa jurídica. Trata-se de uma autorização explícita da lei,
não configurando planejamento tributário.
2.3. Ética fiscal: público e privado
A busca pela diminuição de tributos a pagar, principalmente em um país
cuja carga tributária é uma das maiores do mundo, se mostra mais do que uma
alternativa tentadora, se mostra como necessária, principalmente para pequenas e
microempresas e os contribuintes pessoas físicas.
Mas tal economia, ou seja, o planejamento tributário, não deve ser
buscada sem se observar o requisito elementar da ética. Requisito este, que não é
exclusivo dos negócios jurídicos, mas sim, de toda e qualquer atividade humana,
sendo que, na falta deste, presenciamos abusos e injustiça.
O efeito colateral da ética é a pratica de justiça. Logo, ética no âmbito
tributário, seja no planejamento realizado pelo contribuinte, ou mesmo na tributação
realizada pelo FISCO compreende o importante princípio da justiça tributária.
O princípio da justiça tributária se configura na busca do contribuinte de
boa-fé, parte integrante de uma ordem tributária socialmente mais justa, o qual
ficaria obrigado a pagar seus tributos de forma solidária e coerente.
O planejamento tributário, como dissemos, configura esta busca.
Contudo, se faz mister salientar que esta ser realizada licitamente, alcançando,
portanto, a tão importante ética fiscal privada.
A ética privada norteia a atuação do contribuinte, pessoa física, que tem o
dever fundamental de pagar tributos segundo a sua capacidade contributiva. Não
seria ético a este contribuir a menos para o montante da riqueza social, em
proporção ao que suas faculdades lhe permitiam pagar. Não pode o contribuinte
valer-se do planejamento tributário para efetuar pagamento de tributo aquém de sua
capacidade contributiva. Daí a necessidade de lisura e licitude na realização do
planejamento tributário.
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Neste sentido, ensina Marco Aurélio Greco26, que o direito de o
contribuinte buscar diminuir a carga tributária pela qual é acometido, por meios
juridicamente lícitos postos a sua disposição, não é absoluto e incontrastável em seu
exercício, pois a experiência pós-moderna de convívio em sociedade é
fundamentada primordialmente pelo princípio da solidariedade social e não pelo
individualismo exacerbado.
No tocante ao FISCO, cabe a este tributar, tendo como arrimo princípio da
justiça tributária, no intuito do fomento de uma sociedade justa, forjada nos valores
de ética e necessidade de preocupação com a sobrevivência da máquina estatal e
do próprio povo. Nestes termos, entendemos ser esta a configuração da ética fiscal
pública.
A ética fiscal pública é baseada em quatro valores superiores, a saber, a
liberdade, que consiste na aceitação da opção fiscal a ser adotada pelo contribuinte,
desde que respeitada a sua capacidade contributiva; a igualdade, no sentido de que
todos que estiverem na mesma situação haverão de sofrer a mesma tributação; a
segurança, que pugna pela não tributação de surpresa, incoerente, e finalmente; a
solidariedade, ápice da efetivação da ética fiscal pública27.
Num país afundado em corrupção e escândalos políticos, em abusos de
grandes empresas e do descaso das autoridades para com a sociedade, bem como
com as micro e pequenas empresas, a necessidade de ética e justiça, inclusive no
âmbito tributário se mostra imperiosa, devendo o comportamento dos entes públicos
e da sociedade ser fundamentada segundo a ética fiscal privada e fiscal pública, na
busca da justiça tributária.
Desta feita, no que diz respeito a atuação no tocante è economia de
tributos pelo contribuinte, o agente público deveria respeitar o princípio da
legalidade, pois, não fazendo, somente o próprio Fisco é beneficiado.
Vale ratificar este entendimento, pois se trata o principio da legalidade, ao
nosso ver, assim como de inúmeros operadores do direito, como um dos maiores,
senão o maior principio norteado do Direito Tributário.
26 GRECO, Marco Aurélio. Planejamento Fiscal e Interpretação da Lei Tributária. São Paulo. Dialética. 1998.
27 (NOGUEIRA, 2004)
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Relembrando esta basilar fonte do direito, o mesmo encontra guarida texto
constitucional, no artigo 5º, inciso II28. No que tange ao princípio da legalidade
tributária, este se vê consagrado no artigo 150, inciso I da Carta Maior, dispondo o
seguinte:
Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I - exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça (...)
Neste sentido, denotando-se que a sempre será a causa da tributação e, por
raciocínio lógico, sem lei não há tributo, podemos concluir que a atuação do FISCO
alcançará a ética fiscal que tanto desejamos se for eivada principalmente na
legalidade e, por conseguinte, na legalidade tributária.
Contudo, vale ressaltar que este cenário não é o que percebemos hoje no
Brasil, tendo inclusive este trabalho relembrado alguns exemplos de abuso das
autoridades fiscais.
O princípio da legalidade é o meio de se preservar a segurança jurídica. Não
se tratando apenas da relação jurídico-tributária, mas sim em qualquer relação que
seja regulada pela lei.
Para concluirmos esta análise da necessidade de se observar o principio da
legalidade, recorremos às palavras de Alberto Xavier29:
“O principio da legalidade no Estado de Direito não é já, pois, mera emanação de uma idéia de auto-atribuição, de livre consentimento dos impostos; antes passa a ser encarado por uma nova perspectiva, segundo a qual a lei formal é o único meio possível de expressão da justiça material. Dito em outras palavras: o princípio da legalidade tributária é o instrumento – único válido para o Estado de Direito – de revelação e garantia da justiça tributária.”
Neste sentido, fazendo-se um paralelo com o tema abordado no presente
trabalho, podemos perceber que, no caso da norma geral antielisiva, tendo esta
inovado no sistema jurídico tributário, o que entendemos que não acontecera, a
mesma padeceria de ética fiscal, vez que não respeitara as exigências da
Constituição da República, bem como o principio da legalidade nela consagrado.
28 Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar
de fazer alguma coisa senão em virtude de lei.
29 XAVIER, Alberto. Os princípios da legalidade e da tipicidade da tributação, p.11.
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3. PANORAMA INTERNACIONAL DAS NORMAS ANTIELISÃO
Sendo a norma geral antielisiva uma adaptação no sistema jurídico
brasileiro de um instituto presente em legislações estrangeiras, cabe ao presente
capítulo, de forma breve, repassar as principais premissas das normas antielisivas
presentes na doutrina de diversos países, mesmo que tal tema não permeie a
principal seara do presente trabalho.
Entendemos que o princípio ativo das normas gerais antielisivas
internacionais fora alcançada pelo artigo 149, inciso VII do CTN e apenas repetida
nos ditames do parágrafo único do artigo 116 do mesmo diploma.
3.1. Direito Alemão
O direito alemão, que serve de modelo para muito dos institutos do nosso
direito pátrio, procedeu discussões sobre a vedação do abuso de abuso de formas
jurídicas, tendo, inclusive, o doutrinador alemão Albert Hensel sido o primeiro a
enunciar os conceitos de diferenciação dos institutos de elisão e evasão fiscal.
3.2. Península Ibérica
Na Espanha, a qual segue o modelo europeu de diferenciação de regimes
jurídicos no tocante ao tratamento da elisão fiscal, quais sejam, evasión, elusión e
fraude de ley tributária, foi introduzida no ordenamento jurídico a cláusula que
permite à Administração declarar a fraude à lei tributária e exigir o imposto elidido
que fora elidido.
No que tange a diferenciação supramencionada, a evasión ou fraude
tributária ocorre pela violação direta do dever tributário, sendo tipificada como crime;
a elusión ou economia de opción corresponde a economia lícita de tributos,
enquanto que a fraude de ley tributária se relaciona a violação indireta da norma
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tributária através do abuso de formas, sendo este ilícito, previsto no artigo 24 da Lei
Geral Tributária – LGT daquele país.
Se faz mister ressaltar que a LGT fora modificada no ano de 1995, sendo
dada nova redação ao referido artigo 24, trazendo, neste momento, exceção a regra
da proibição do uso da analogia nos casos de fraude a lei tributária, o que era
vedado expressamente na redação anterior do mesmo artigo.
Ainda observando o LGT, o artigo 25 autoriza expressamente a
verificação da simulação, no intuito de desconsiderar atos ou negócios praticados
que tragam prejuízo ao fisco, independente da forma ou da denominação utilizadas,
enquadrando, portanto, a hipótese de simulação em dispositivo diverso da fraude à
lei tributária.
Na Itália, cuja doutrina tem influenciado diversos juristas brasileiros,
inclusive devido as questões postas no direito italiano se aproximarem muito dos
problemas enfrentados pelos juristas nacionais, surgiram diversas normas de cunho
antielisivo, sendo estas, cláusulas gerais cujo campo de incidência recai
especificamente, em geral, sobre o imposto de renda.
Em Portugal, aplicam-se as chamadas normas antiabuso, que são
disposições que consagram a ineficácia perante a administração tributária de
negócios ou atos jurídicos celebrados ou praticados com manifesto abuso das
formas jurídicas de que resulte a eliminação ou redução dos tributos que de outro
modo seriam devidos, sendo a aplicação de tais disposições antiabuso
condicionadas à audição do contribuinte, nos termos da lei portuguesa.
3.3. Direito Argentino
Na Argentina, segundo o ilustre doutrinador Ricardo Lobo Torres30, "as
normas que autorizam o Fisco a desconsiderar a personalidade jurídica do
contribuinte para atingir as relações econômicas efetivamente realizadas constituem
autênticas normas antielisivas".
30 No artigo Normas Gerais Antielisivas. Disponível em: http://www.agu.gov.br/ce/cenovo/ce.asp?mnu=3_2&num=999999. Acesso em: 3 dezembro 2006.
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Neste país, o entendimento acerca da norma antielisiva a qual adota
fundamenta-se no sentido de valorizar a intentio facti, que se traduz pela finalidade
do negócio, que se confunde com a business purpose norte-americana, que há de
ser lembrada a seguir, em detrimento da intentio iuris.
3.4. Direito Anglo-saxão
Já o direito anglo-saxão se caracteriza pela inexistência de normas
legisladas, o chamado case law, tendo como único fundamento ao sistema jurídico
dos países os princípios estatuídos em precedentes judiciais.
Nestes sentido, em países como Estados Unidos, Canadá, Inglaterra,
Austrália, Suécia, entre outros, desenvolveu-se a doutrina do chamado “propósito
comercial', ou business purpose, que sinaliza no sentido de que se caracteriza a
elisão abusiva, abusive tax avoidance, quando o contribuinte se afasta do propósito
mercantil de suas atividades para procurar predominantemente obter benefícios na
área fiscal.
Segundo o doutrinador César A. Guimarães Pereira31, os doutrinadores
americanos fazem menção a quatro teorias judiciais de interpretação das
inaceitáveis técnicas de elisão abusiva, unacceptable tax avoidance techniques:
“(...) a business purpose doctrine trata do propósito ou finalidade das ações do contribuinte, que poderão ser desconsideradas se levadas a efeito unicamente visando a elisão tributária. A teoria da substance over form autoriza o Poder Judiciário a analisar a substância do negócio (conteúdo econômico) para determinar o tratamento tributário que entender adequado, independente da forma empregada pelo contribuinte. A step transaction theory permite a reunião das etapas de determinado negócio para tratamento fiscal conjunto se as etapas tiverem relação entre si e direcionadas a um resultado final específico. A assignment of income doctrine informa que a renda pertence ao capital ou ao trabalho para efeitos tributários. (...)”
No Reino Unido, mais notadamente na Inglaterra, prevaleceu por longo
tempo o entendimento da liberdade de economia dos tributos baseado no
formalismo da tributação, tendo a jurisprudência britânica se aproximado do
31 PEREIRA, César A. Guimarães. Elisão tributária e função administrativa. São Paulo: Dialética, 2001, p.127.
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entendimento norte americano após o julgamento do caso Furniss versus Dawson,
em 1984, deixando de lado o formalismo e as situações de fato, no intuito de
desconsiderar transações sem propósito real.
3.5. Direito Francês
Na França, ainda remetendo-se aos ensinamentos do doutrinador Ricardo
Lobo Torres, a doutrina pela qual é tida por alguns doutrinadores como a inspiração
mais próxima do art. 116, parágrafo único do Código Tributário Nacional, “a
Administração fica autorizada a requalificar os fatos para reprimir o abuso de direito”.
4. SIMULAÇÃO E DISSIMULAÇÃO
Nesta parte do trabalho abordaremos uma questão de suma importância
para o questionamento do tema, visto que entendemos ser o foco central do
equívoco do legislador, que motivou a aparente e ora defendida inocuidade da
norma geral antielisiva.
Este capítulo trata, portanto, das figuras da simulação e dissimulação.
Seria a simulação um artifício ou fingimento na prática ou na execução de
um ato ou negócio jurídico, com o intuito de enganar ou apresentar uma falsa versão
como verdadeira.
Compreende a realização de atos ou negócios jurídicos através de forma
prescrita ou não defesa em lei, mas de modo que a vontade formalmente declarada
no instrumento oculte deliberadamente a vontade real dos sujeitos da relação
jurídica com a finalidade de prejudicar terceiros.
Enuncia o ilustre Professor Pontes de Miranda32 que "na simulação, quer-
se o que não aparece e não se quer o que aparece”.
A doutrina pátria tem classificado a simulação em duas espécies, quais
sejam, absoluta ou relativa.
32 MIRANDA, Pontes de. Tratado de direito privado. Tomo I. São Paulo: RT, 1983.
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A simulação absoluta se configura de um acordo simulatório, que não se
espera qualquer espécie de resultado jurídico, enquanto que a simulação relativa,
também denominada de dissimulação, a prática de ato ou negócio simulado é o
caminho encontrado para a obtenção de um determinado resultado jurídico,
verdadeiro e desejado.
Seria, portanto, a dissimulação, ou simulação relativa, conforme elucida a
Professora Maria Helena Diniz “uma deformação voluntária para se subtrair à
disciplina normal do negócio jurídico prevista em norma jurídica, com o escopo de
prejudicar terceiro."33
Não obstante, outra ilustre doutrinadora nos traz luz aos institutos ora
debatidos, qual seja, a Professora Mizabel Derzi, senão vejamos:
“A simulação absoluta exprime ato jurídico inexistente, ilusório, fictício, ou que não corresponde à realidade, total ou parcialmente, mas a uma declaração de vontade falsa. É o caso de um contribuinte que abate despesas inexistentes, relativas a dívidas fictícias. Ela se diz relativa, se atrás do negócio jurídico simulado existe outro dissimulado. (...) Para a doutrinam tradicional, ocorrem dois negócios, um real, encoberto, dissimulado, destinado a valer entre as partes; e um outro ostensivo, aparente, simulado, destinado a operar perante terceiros.” (DERZI, 2001, p.214-215)
A marca característica da dissimulação, alçada à condição de variação
conceitual da simulação, é o contexto fático, volitivo e jurídico do fingimento,
falsidade cometida pelo contribuinte, no ato jurídico unilateral, ou pelas partes, nos
negócios jurídicos.
Em síntese, na simulação absoluta inexiste ato ou negócio jurídico,
enquanto que na dissimulação, simulação relativa, o ato ou negócio jurídico existe,
mas se encontra disfarçado.
Fato é que simulação e dissimulação são defeitos do negócio jurídico que
objetivam burlar a lei ou prejudicar terceiros, no intuito da obter alguma vantagem
econômica. Ambas possuem a mesma finalidade e representam uma realidade
falsa, sendo, como dito, a própria dissimulação uma variação conceitual da figura da
simulação.
33 (DINIZ, Maria Helena apud MARINS, James. Elisão Tributária e sua regulação. São Paulo: Dialética, 2002. p.35.)
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Como o Código Tributário Nacional não especificou as hipóteses que
considerava como atos ou fatos praticados com a finalidade de dissimular a
ocorrência de fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da
obrigação tributária, se faz necessário um parêntese, observando o disposto no
Código Civil de 2002 – CC/02, que enuncia no artigo 16734 que é nulo o negócio
jurídico simulado, mas subsistirá o que se dissimulou, se válido for na substância e
na forma.
Notadamente a tal disposição do referido artigo 167 do CC/02, o
doutrinador James Marins dispõe que “padece de impropriedade técnica o texto
legal do artigo 167 do Código Civil em vigor, segundo o qual o termo dissimulação
usado no texto do parágrafo único se confunde com simulação e, portanto, se
trataria de evasão e não de elisão fiscal”.35
Pressupondo como evasão a existência de ilícito, como abordamos
anteriormente, a questão já encontraria solução em outras regras do CTN, qual seja
o artigo 149, inciso VII.
5. INOUCIDADE APARENTE DA NORMA DO PARÁGRAFO ÚNICO DO ARTIGO
116 DO CTN
É notório que o intuito do legislador tributário, ao trazer a chamada norma
geral antielisiva era de combater o planejamento tributário.
A princípio, esta norma teria sua hipótese de incidência restrita ao
imposto de renda, ao passo que o fiscal poderia propor um processo de
desconsideração do negócio jurídico junto ao conselho de contribuinte da jurisdição
onde se verificasse o negócio jurídico, ocorrendo, portanto, o respeito ao devido
processo legal e contraditório.
34 Art. 167. É nulo o negócio jurídico simulado, mas subsistirá o que se dissimulou, se válido for na substância e na forma. § 1º Haverá simulação nos
negócios jurídicos quando: I – aparentarem conferir ou transmitir direitos a pessoas diversas daquelas às quais realmente se conferem, ou transmitem; II –
contiverem declaração, confissão, condição ou cláusula não verdadeira; III – os instrumentos particulares forem antedatados, ou pós-datados. § 2º
Ressalvam-se os direitos de terceiros de boa-fé em face dos contraentes do negócio jurídico simulado.
35 MARINS, James (coord). Tributação & antielisão. Curitiba: Juruá, 2002, p. 129.
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Contudo, conforme já alardeado ao longo do presente trabalho, a timidez
do legislador ao redigir a referida norma fora tamanha que a transformou em um
objeto infindável de discussões, em todos os seus elementos.
Diante dos vários questionamentos possíveis de se realizar a respeito da
norma, nos propusemos a debater aquele notadamente à inocuidade do dispositivo,
face a existência de outra norma no ordenamento tributário que já se dispõe a
combater o que visava a norma do parágrafo único do artigo 116 vedar.
Observando o parágrafo único do artigo 11636 do CTN, vemos a
possibilidade da autoridade administrativa desconsiderar atos ou negócios jurídicos
praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou
a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária, devendo ser
observados os procedimentos a serem estabelecidos em lei ordinária.
Noutro lado, elenca o CTN, no seu art. 149, inciso VII37 que o lançamento
do crédito tributário será efetuado e revisto de ofício pela autoridade administrativa,
dentre outros casos, quando, quando restar comprovado que o contribuinte, ou
terceiro em benefício deste, agiu com dolo, fraude ou simulação.
No sentido da previsão expressa contida no referido art. 149, VII, que já
dispõe de todos os instrumentos para o tratamento legal da simulação, a maioria dos
autores entendem que o parágrafo único do artigo 116 não estaria tratando de
norma que combata a elisão, mas sim de norma anti-simulação, o que a torna inútil.
Tal entendimento é o que adotamos, e usamos de arrimo para o presente trabalho.
Outros autores concluem que se trata de fato de uma norma antielisiva,
mas que, não obstante, incorre em flagrante inconstitucionalidade, pois desrespeita
os princípios constitucionais da segurança jurídica, certeza do direito e da legalidade
restrita. Como dissemos anteriormente, a figura da dissimulação nada mais é do que
uma variação da simulação, configurando a espécie de simulação relativa.
Lembramos, ainda, a corrente dos autores que entendem que a norma
posta em discursão seria uma norma anti-dissimulação, utilizando a variação
36 Parágrafo único. A autoridade administrativa poderá desconsiderar atos ou negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do
fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária, observados os procedimentos a serem estabelecidos em lei
ordinária.
37 Art. 149. O lançamento é efetuado e revisto de ofício pela autoridade administrativa nos seguintes casos: VII – quando se comprove que o sujeito
passivo, ou terceiro em benefício daquele, agiu com dolo, fraude ou simulação.
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conceitual da simulação entre absoluta, ou seja, a simulação propriamente dita, e
simulação relativa, ou seja, a dissimulação, conforme discutido nos capítulos
anteriores.
Tal entendimento tangencia ao adotado pela maioria dos autores e pelo
nosso trabalho, contudo, difere na nomenclatura que é dada a norma face ao
instituto combatido.
Entendemos que cabe ao legislador, ao formular a lei, definir de modo
taxativo, ou seja, um rol de numerus clausus e completo, as situações passíveis de
tributação, cuja ocorrência será necessária e suficiente ao nascimento da obrigação
tributária, bem como os critérios de quantificação do tributo.
É possível se denotar que o instituto analisado somente tomará
verdadeira forma, seja antielisão ou anti-simulação, após a edição da lei ordinária
procedimental onde restará configurado o alcance da norma, e neste momento,
possivelmente, será alcançada a inovação no ordenamento jurídico tributário,
sanando a aparente inocuidade que hoje padece a já exaustivamente debatida
norma geral.
O ilustre doutrinador Marco Aurélio Greco, no tocante ao tema ora
enfrentado, nos brinda com sua opinião de que a LC/104 em nada alterou a
legislação vigente no que afeta o poder-dever da autoridade fiscal de buscar o
verdadeiro fato gerador de tributação, qual seja, sempre houve o poder-dever de
tirar a máscara dos atos fraudulentos ou simulados, face a existência dos artigos
118, 123, 14238 e 149 do CTN, e dos artigos 71 a 73 da Lei nº. 4.502/6439.
Em contrapartida, entende que essa lei tem uma grande qualidade, qual
seja, institucionalizar o processo de debate sobre o tema, ou seja, no tema da elisão
38 Art. 118. A definição legal do fato gerador é interpretada abstraindo-se: I - da validade jurídica dos atos efetivamente praticados pelos contribuintes,
responsáveis, ou terceiros, bem como da natureza do seu objeto ou dos seus efeitos; II - dos efeitos dos fatos efetivamente ocorridos. Art. 123. Salvo
disposições de lei em contrário, as convenções particulares, relativas à responsabilidade pelo pagamento de tributos, não podem ser opostas à Fazenda
Pública, para modificar a definição legal do sujeito passivo das obrigações tributárias correspondentes. Art. 142. Compete privativamente à autoridade
administrativa constituir o crédito tributário pelo lançamento, assim entendido o procedimento administrativo tendente a verificar a ocorrência do fato gerador
da obrigação correspondente, determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar o sujeito passivo e, sendo caso, propor a
aplicação da penalidade cabível.
39 Art . 71. Sonegação é tôda ação ou omissão dolosa tendente a impedir ou retardar, total ou parcialmente, o conhecimento por parte da autoridade
fazendária: I - da ocorrência do fato gerador da obrigação tributária principal, sua natureza ou circunstâncias materiais; II - das condições pessoais de
contribuinte, suscetíveis de afetar a obrigação tributária principal ou o crédito tributário correspondente. Art . 72. Fraude é tôda ação ou omissão dolosa
tendente a impedir ou retardar, total ou parcialmente, a ocorrência do fato gerador da obrigação tributária principal, ou a excluir ou modificar as suas
características essenciais, de modo a reduzir o montante do impôsto devido a evitar ou diferir o seu pagamento. Art . 73. Conluio é o ajuste doloso entre
duas ou mais pessoas naturais ou jurídicas, visando qualquer dos efeitos referidos nos arts. 71 e 72.
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não mais se enfrentam apenas contribuinte e fisco em atos pontuais, isolados. Deve
haver uma procedimentalização do debate como garantia do próprio contribuinte,
para assegurar que aquele resultado final não seja fruto de um ato unilateral, mas de
uma construção, de uma resposta.
Sendo assim, a referida norma não seria inócua pois, apesar de não
alterar o poder do FISCO como já estabelecido na lei tributário vigente, sua
importância reside em institucionalizar o processo de busca de solução desses
temas que envolvem elisão40.
Posto que tal elucidação fora nos trazida pelo ilustríssimo Professor
Marco Aurélio Greco, ouso discordar desta opinião.
Observando o Código Civil de 1916 já previa, no art. 10541,
correspondente ao art. 16742 do Código Civil de 2002 – CC/02, o direito da Fazenda
Pública pleitear a anulação dos atos eivados de simulação, no interesse do Tesouro,
e que o CTN, a possibilidade do lançamento de ofício, uma vez comprovado o dolo,
a fraude e a simulação nos atos a cargo dos contribuintes, conforme arts. 149, VII e
150, parágrafo 4º43.
Não obstante este entendimento trazido, devemos lembrar que o
parágrafo único do art. 116 do CTN prevê, tanto a desconsideração dos atos por
dissimulação do fato gerador, o núcleo da prática de sonegação fiscal como disposta
no artigo 71 da Lei nº. 4.502/64, quanto a desconsideração por dissimulação dos
elementos constitutivos da obrigação tributária, como disposto no artigo 72 da
mesma lei.
Desta feita, em que pese estar sediada um diploma específico, qual seja,
o que se destina a regular os elementos do Imposto sobre Produtos Industrializados
40 (GRECO, 2001)
41 Art. 105. Poderão demandar a nulidade dos atos simulados os terceiros lesados pela simulação, ou os representantes do poder público, a bem da lei, ou
da Fazenda.
42 Art. 167. É nulo o negócio jurídico simulado, mas subsistirá o que se dissimulou, se válido for na substância e na forma. § 1º Haverá simulação nos
negócios jurídicos quando: I - aparentarem conferir ou transmitir direitos a pessoas diversas daquelas às quais realmente se conferem, ou transmitem;
II -
contiverem declaração, confissão, condição ou cláusula não verdadeira;
III - os instrumentos particulares forem antedatados, ou pós-datados.
§ 2º
Ressalvam-se os direitos de terceiros de boa-fé em face dos contraentes do negócio jurídico simulado.
43 Art. 150. O lançamento por homologação, que ocorre quanto aos tributos cuja legislação atribua ao sujeito passivo o dever de antecipar o pagamento
sem prévio exame da autoridade administrativa, opera-se pelo ato em que a referida autoridade, tomando conhecimento da atividade assim exercida pelo
obrigado, expressamente a homologa. § 4º Se a lei não fixar prazo a homologação, será ele de cinco anos, a contar da ocorrência do fato gerador; expirado
esse prazo sem que a Fazenda Pública se tenha pronunciado, considera-se homologado o lançamento e definitivamente extinto o crédito, salvo se
comprovada a ocorrência de dolo, fraude ou simulação.
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– IPI, trata-se a inteligência dos referidos artigos de matéria de norma geral
tributária, já que o ilícito em tela não se restringe aos tributos que disciplinou
expressamente, mas sim, comum a todos os demais.
Indiscutível, assim, que as hipóteses do parágrafo único do art. 116 do
CTN circunscrevem-se no âmbito dos ilícitos fiscais, que não obstante dispensem
conceituação expressa na lei, porque figuras típicas bem delineadas pela doutrina, já
vinham disciplinadas na referida Lei 4.502/64, e mais precisamente no art. 149 do
diploma tributário, conferindo razão aos que defendem a inocuidade desta norma
geral antielisiva.
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Por meio da análise empreendida neste trabalho, conclui-se que o
dispositivo instituído no parágrafo único do artigo 116 do Código Tributário Nacional
pela Lei Complementar nº. 104, não produziu nenhum efeito, sendo a norma
elencada no dispositivo uma norma inócua.
Tal entendimento insere-se na perspectiva de que a dissimulação nada
mais é do que uma hipótese de simulação relativa e, ainda, partindo-se do
pressuposto de que a norma geral antielisiva teria o intuito de proibir a dissimulação,
de fato não teria esta nova norma alcançado o fim a que se destinava, qual seja
proibir a elisão.
Neste diapasão, entendemos trata-se de um dispositivo inútil, repetitivo no
que tange a um ordenamento já elencado, vez que não se trata o parágrafo único da
disposição de uma de norma antielisiva, mas sim de norma anti-simulação, o que a
torna inútil diante da previsão expressa contida no artigo 149, inciso VII, do Código
Tributário Nacional, que já dispõe de todos os instrumentos para o tratamento legal
da simulação.
Não obstante a conclusão alcançada, entendemos que enquanto não for
editada a lei regulamentadora determinando as regras e os procedimentos da norma
existente no parágrafo único do art. 116, tal tema continuará fomentando discussões
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entre os operadores do direito, discussões estas, de grande valia diga-se por
imperioso.
Dependerá da capacidade e visão do legislador ordinário em editar lei
regulamentadora da norma, contudo, levando em consideração a histórica timidez
deste ao legislar, dando vida inclusive a diversas aberrações jurídicas, creio que não
devemos esperar um horizonte pacífico.
Digo que é fundamentada tal descrença no legislador tributário, haja vista
o próprio objeto do presente estudo, qual seja, a repetição do parágrafo único do
artigo 116 de um dispositivo já existente no artigo 149, inciso VII, e outros normas
citadas, bem como a tentativa frustrada de regulamentação pela Medida Provisória
nº. 66/02.
Não obstante, se faz mister salientar que a grande característica do direito
é possibilidade de discordar de uma ou outra vertente de entendimento. Neste
ensejo, nos cabe reconhecer ao leitor desta breve obra que, independentemente do
entendimento alcançado por este após a sua leitura, no que tange inocuidade ou
não da norma geral antielisiva, e, mais do que isso, desta se tratar de uma norma
antidissimulação, entendo que se faz necessária a continuidade da discussão, bem
como a busca pela regulamentação legal do dispositivo, tornando-o capaz e efetivo
no combate ao desvio de tributos.
A promulgação da norma geral antielisão, como fora realizada, nada mais
é do que um reforço aos poderes da Administração Tributária. Um reforço moral que,
apesar padecer inovação e constitucionalidade, como entendemos, configura um
aviso ao contribuinte de que este não pode se esquivar da fome insaciável de
tributos.
Por fim, entendemos ainda, que levando em consideração o ordenamento
jurídico tributário, bem como a leviandade do legislador no ato de criação das
normas, no que tange principalmente ao seu aspecto formal, chegando ao fim o
impasse com relação à norma antielisão, com a definição de sua aplicabilidade, o
FISCO ficará com amplos poderes, maiores do que já possui, para dizer o que é
possível e o que não é possível, restando, mais uma vez ao contribuinte, buscar,
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dentro do Direito Positivo e da regras que regem os negócios, caminhos para
diminuir ou minimizar o impacto tributário.
7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
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