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Apontamentos sobre oscilações geomorfológicas e impactos
ambientais na ruptura da Ilha do Cardoso, e formação de nova barra
do Canal de Ararapira (Cananéia-SP)
Pedro Michelutti Cheliz(a), Celia Regina de Gouveia Souza(b), Edison Rodrigues
Nascimento(c), Mario Nunes(d) e Regina Celia de Oliveira(e)
(a) Núcleo de Estudos Ambientais e Litorâneos (NEAL, departamento de geografia, Universidade
Estadual de Campinas – bolsista de doutorado do CNPQ, [email protected], (b) Instituto
Geológico, [email protected] (c) Fundação Florestal, [email protected] (d)
Fundação Florestal, [email protected] (e), Núcleo de Estudos Ambientais e Litorâneos
(NEAL, departamento de geografia, Universidade Estadual de Campinas,
Eixo: Zonas costeiras: processos, vulnerabilidades e gestão
Resumo
A ilha do Cardoso, litoral sul de São Paulo, tem uma ampla trajetória registrada de oscilações de linha de
costa e de modificações na distribuição temporal de suas unidades de relevo. No segmento sul de suas
planícies diversificadas (Esporão do Ararapira), tais conjuntos de modificações levaram a ruptura da
continuidade da própria ilha, fragmentando-a em duas ilhas distintas. Descrições e análises dos
antecedentes, do próprio processo de ruptura e das transformações geomórficas posteriores são
apresentadas. De maneira similar, problematiza-se riscos e impactos ambientais decorrentes da nova
conformação geomórfológica local.
Palavras chave: geomorfologia costeira, erosão costeira, unidades de conservação, ilha do cardoso
1.0 Introdução
A Ilha do Cardoso (litoral sul de São Paulo) trata-se de uma ilha continental (figura 1) pautada
longamente por uma trajetória pronunciada de alterações de sua linha de costa, que
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tem seus quadros de relevo pautados por significativas alternâncias de sua distribuição em planta ao
longo do tempo histórico (passagens dos anos e das décadas).
Tais dinâmicas de mudanças temporais da distribuição das unidades geomorfológicas se
intersecta com diversos vetores referentes a dinâmica de ocupação e usos humanos – seja como um
fator com o qual as populações de pescadores locais lidam para garantir a manutenção de seus modos
de vida, seja como problemática referente a planejamento costeiro e ambiental por órgãos estatais
diversos (sobretudo por desse 1962 a Ilha do Cardoso ser considerada uma unidade de conservação –
Silva, 2014).
Figura 1. Localização da Ilha do Cardoso. Fonte: Cheliz (2015)
Referente a citada interface, um setor da ilha que tem sido alvo de particular interesse é o
Esporão Arenoso do Ararapira (figura 2). Nele concentram-se a maior parte dos pescadores que vivem
na Ilha, e também situam-se as áreas com mais ampla infraestrutura atualmente disponível para
recepção de turistas. Ali também situa-se trecho em que balanço entre
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processos de erosão, sedimentação e modificações na distribuição das unidades de relevo levaram a
estreitamento da extensão de segmento da ilha, de maneira que longamente vem se especulando sobre
possibilidade de sua ruptura e fragmentação em duas ilhas distintas (Ângulo et al, 2007; Muller, 2010
Souza, 2012; Souza e Nunes, 2015, Cheliz, 2015; e Souza, 2018).
Tal processo veio de fato a ocorrer no segundo semestre de 2018, seguido de rápidas oscilações
da dinâmica da linha de costa e pronunciadas alterações na disposição dos padrões de relevo.
O presente trabalho busca realizar uma descrição e análise inicial do processo de ruptura, bem
como inventariar possíveis impactos ambientais deles decorrentes.
2.0 Materiais e Métodos
Inicialmente, realizou-se um breve sumário dos conhecimentos e estudos prévios referentes ao
contexto geomorfológico da Ilha do Cardoso.
Em seguida inventariou-se conjuntos de levantamentos anteriores específicos para o Esporão
do Ararapira e do trecho alvo da ruptura previamente descrito, apresentando elementos das dinâmicas
que antecederam o rompimento.
Com atenção especial para medições ao longo do tempo (1962- 2018) das larguras em planta
do esporão que veio a se romper, feito por um misto de levantamentos de dados da bibliografia, análises
de imagens aéreas e medidas tomadas periodicamente pelos próprios autores em trabalhos de campo
com uso de trena, GPS e bússola Brunton.
Em seguida analisa-se dados que pode-se obter do próprio evento do rompimento, e das
transformações observadas a partir dele.
O último conjunto de procedimentos mencionados foi feito por um misto de análises de
fotografias e vídeos efetuados por moradores e funcionário s do Parque Estadual da Ilha do Cardoso
(PEIC) e medições em campo com GPS, bussola Brunton e trenas feitas logo após o rompimento e
repetidas mensalmente a partir de então.
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Ao fim, procura-se usar os dados levantados para fazer um balanço da sucessão de
transformações até então registradas, e de suas interfaces possíveis com múltiplos vetores das
temáticas referentes a ocupação humana e impactos ambientais possíveis decorrentes da nova
configuração.
3.0 Resultados e Discussão
3.1 Caracterização geomorfológica da Ilha do Cardoso e do Esporão Arenoso do Ararapira, e
notas sobre oscilações temporais da distribuição dos seus quadros de relevo
A Ilha do Cardoso (Cheliz, 2015) pauta-se por um conjunto serrano que perfaz cerca de 65%
da área total da ilha (Serranias – dispostas predominantemente entre 20 e 720 metros de altitude, de
vertentes de média a alta declividade, mescladas a rochas graníticas, xistos e minoritários quartzitos,
depósitos de colúvios e coberturas de solos tomadas por matas atlânticas), e planícies diversificadas de
baixos declives e altitudes, associadas a depósitos sedimentares areno-argilosos, associações vegetais
múltiplas (sobretudo restingas fechadas, abertas e manguezais) pautadas por diferentes interfaces com
ações morfogenéticas marinhas (figura 2).
O Esporão Arenoso de Ararapira especificamente marca um estirado prolongamento sulino das
planícies da Ilha do Cardoso disposto em direção SW-NE por mais de uma dezena de quilômetros em
planta (até Agosto de 2018).
O seu segmento sudeste mostra-se voltado para o mar aberto, e o segmento noroeste voltado
para o segmento lagunar (canal de Ararapira).
Caracteriza-se por apresentar planícies costeiras (cordões arenosos mais recentes e expostos
mais amplamente a ação morfodinâmica marinha atual e subatual por ocasião das mais intensas marés)
voltadas para a face oceânica, e alternância de planícies costeiras (depósitos arenosos mais antigos e
distanciados da atual ação morfodinâmica marinha, contando com distintos níveis de terraços e
associados a solos mais maduros) e planícies alagáveis (planícies de manguezais pontuais expostas
continuamente a ação direta da oscilação das marés, de caráter
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Figura 2 – compartimentação de relevo da Ilha do Cardoso (2013), com segmento do Esporão do Ararapira
evidenciado por setas amarelas (seta maior destacando trecho da ruptura de 2018). Fonte: adaptado de Cheliz
(2015), com imagens ilustrativas de Cheliz, Manoel Junior Neves e Souza (2012)
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embutido – maiores manguezais encontram-se em bancos sedimentares dispersas em meio ao próprio
Esporão de Ararapira) na face lagunar. Quatro comunidades de pescadores (Marujá, Vila Rápida,
Enseda da Baleia e Pontal) totalizando cerca de 400 habitantes distribuem-se ao longo do Esporão de
Ararapira. Sendo a do Marujá situada no extremo nordeste do Cordão e a do Pontal no extremo
sudoeste – adjacente ao segmento que as águas do canal de Ararapira encontram o mar aberto (barra do
pontal).
O Esporão de Ararapira caracteriza-se ainda por uma assimetria na extensão em planta no que
se refere a trajetos entre a face oceânica e a face lagunar (figura 3 e Tabela 1).
Figura 3 – modificação ao longo do tempo do Esporão do Ararapira. Modificado a partir de Sousa (2012) e Souza
e Nunes (2015) – medidas até 2015 efetuadas com base em trabalho de Souza (2012) e Souza e Nunes (2015),
com acréscimos de atualização efetuadas em momentos posteriores por medidas em campo de Cheliz (2016).
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Em segmentos prevalecentes pauta-se por distâncias mais amplas (algumas centenas de
metros) entre as faces lagunar e oceânica, com linhas de costa retilínea tanto na face lagunar quanto na
oceânica (Souza, 2012; Souza e Nunes, 2015).
Em outros segmentos (minoritários), nota-se estreitamento da extensão total do cordão, com a
linha de costa voltada para o mar aberto pautada por limites retilíneos, e com os voltados para face
lagunar pautados por formas curvilíneas (ver figura 1 e tabela 1).
Observações em imagens aéreas e medidas obtidas com base nos transectos traçados por Sousa
(2012) ilustram as referidas assimetrias (tabela 1), bem como permitem observar oscilação dos
contornos em planta do Cordão de Ararapira entre 1962 e 2009 - figura 3 e Tabela 1.
Tabela 1 - Variações de Transectos no Cordão de Ararapira (Sudoeste da Ilha do Cardoso)
Largura de transectos no Cordão de Ararapira
Ano / Transecto A (metros) B (metros) C (metros) D (metros)
LARGURA TOTAL DE TRANSECTOS
1962 37,75 250.50 223.50 98,75
2009 26,01 404,3 454,99 104,19
DISTÂNCIA ENTRE MARGEM LAGUNAR DO CORDÃO DE ARARAPIRA E DE SUPERAGUI (ILHA
ADJACENTE, A NOROESTE)
1962 284.0 411,25 369,5 315,75
2009 454,3 500,20 387,25 507,65
DISTÂNCIA ENTRE BORDOS DOS TERRAÇOS DA PRAIA DE ARARAPIRA E MARGENS LAGUNARES
DE SUPERAGUI (ILHA ADJACENTE, A NOROESTE)
1962 321,75 661,75 593,0 414.5
2009 480,31 904,5 842,24 611,84
Fonte: Souza (2012) e Cheliz (2015) – imagens e cálculo de larguras dos transectos compilados por Sousa, e
distância entre margens lagunares/oceânicas e Superagui compiladas por Cheliz (2015) com base nos dados de
Souza (2012).
Referente a largura dos transcectos, nota-se – como já observado por Sousa (2012) - uma
variação positiva em todos os transectos nos intervalos temporais delimitados,
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excetuando-se o transecto A (estreitamento do cordão próximo a antiga Enseada da Baleia e Vila Rápida
– Angulo et al, 2007).
Simultaneamente, registra-se um aumento tanto na distância entre as margens lagunares do
cordão lagunar e a adjacente ilha de Superagui, quanto acréscimos na distância entre as planícies
costeiras voltadas para mar aberto e as margens da citada ilha de Superagui. Verificamos ainda que o
crescimento da distância entre o limite das planícies costeiras e Superagui é maior do que a ampliação
da distância da margem lagunar para Superagui em todos os transectos, com exceção do A. Dados
apresentados, como apontado por Sousa (2012) e Cheliz (2015), permitem discutir que estaria, ao longo
do intervalo temporal em questão (1969 a 2009), havendo um crescimento do Esporão se dando a partir
de sua face oceânica. Havendo uma tendência a progradação na face oceânica, com expansão das
planícies costeiras, e a agradação e/ou retrogradação na face lagunar.
Uma análise mais acurada do Transecto A, único transecto que registrou decréscimo da largura
total no Cordão Arapaira nos intervalos considerados anteriormente, auxilia a fundamentar o raciocínio
interpretativo desenvolvido (ver figura 3 e Tabela 2).
TABELA 2 - ENTENSÕES EM PLANTA EQUIVALENTES AO TRANSECTO A DO ESPORÃO DO
ARARAPIRA, PRÓXIMO A ANTIGA ENSEADA DA BALEIA
Ano Valor (metros) Responsável
1980 Entre 90 e 100 Sousa (2012)
1993 40 Ângulo et al. (2007)
1996 35 Ângulo et al. (2007)
2001 41 Ângulo et al. (2007)
2004 33 Ângulo et al. (2007)
2006 20 Ângulo et al. (2007)
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2007 18 Ângulo et al. (2007)
2010 22 Nunes (apud Souza, 2012)
2011 22 Nunes (apud Govueia, 2012)
2012 20,8 Nunes (apud Souza, 2012)
2015 23,4 Souza e Nunes (2015)
2016 2,2 Cheliz (2016)
2018 1,2 Cheliz (2017)
Fonte: Ângulo et al. (2007), Souza (2012) Nunes (apud Souza, 2012) e Cheliz (2018)
Ao observamos essa série histórica mais detalhada do transecto A, notamos aspectos
adicionais interessantes. Verificamos que embora o balanço entre 1980 e 2015 seja negativo referente a
sua extensão total, o transecto chegou a experimentar nesse meio tempo intervalos de expansão e
larguras em planta mais expressivas que as registradas em relação a medidas de anos anteriores.
Reforçando que as oscilações das linhas de planta locais ligariam-se a um complexo balanço
entre a dinâmica lagunar interna (voltada a retrogradação), e a dinâmica do mar aberto (com foco em
progradação) – ver figura 3.
Essa dinâmica de variações entre a dinâmica predominante de erosão no segmento voltado
para as águas lagunares, e de sedimentação no segmento voltado para mar aberto, intercala-se, porém,
com eventos súbitos de mais acentuada erosão concentrada em intervalos restritos de tempo (poucas
horas a alguns dias).
Particularmente, pode ser registrado a expressiva diminuição total da extensão do cordão
vinculada as fortes ressacas registradas ao longo de todo o litoral paulista em Outubro de 2016 (Cheliz
et al, 2018; Souza, 2018). Nas quais, num único evento erosivo (conjugando lua nova com fortes
correntes de vento, que ampliavam capacidade erosiva das águas circundantes), se perdeu mais de 15
metros de extensão total do transecto.
Deixando-o com extensão sensivelmente delgada (pouco mais de dois metros), tornando-o
assim propenso a uma situação de rompimento por eventuais novos
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descompassos pontuais entre a dinâmica de gradual erosão na face voltada para laguna/canal de Ararapira
e sedimentação na face voltada para o oceano.
3.3 Descrição sumária inicial do processo de rompimento e formação de uma nova barra no
Cordão de Ararapira
A situação de rompimento do Cordão de Ararapira veio a ocorrer, entre os 28 e 29 de Agosto
de 2018 conjugando condições atmosféricas pautadas por fortes ventos (passagem de frente fria) e fase
da lua - cheia no caso - que favorece a intensificação das variações das marés. As citadas condições em
conjunto levaram a formação de grandes ondas (maiores do que 2 metros) com direção de arrebentação
SE-NW.
Fotografias e vídeos efetuados pelo monitor ambiental Ari Carvalho e o morador tradicional
João Zicuti puderam registrar momentos relevantes da ruptura do Esporão (figuras 4 e 5).
Apontando que sua obturação se deu inicialmente num trecho de diminuta extensão lateral,
inferior mesmo a alguns poucos metros.
O trecho do cordão contíguo ao Transecto A correlacionado as planícies costeiras se exauriu
por completo ao longo da tarde de 28 de Agosto de 2018 (figura 4), permanecendo integra – num
primeiro momento – a praia arenosa que se estendia a partir do antigo cordão em direção ao mar aberto.
Conforme a maré de enchente se tornava mais intensa ao longo da tarde de 28 de Agosto de
2018 e fazia ascender localmente o nível das águas oceânicas, se pronunciou discreto desnível
altimétrico entre a superfície das águas oceânicas e lagunares.
De maneira que passou a haver um inicialmente pouco volumoso deslocamento de águas da
face oceânica para a lagunar, conjugadas a aberturas de pequenas fissuras em meio a praia (não maior,
no princípio, do que alguns poucos centímetros em planta) por onde se concentrava incialmente o fluxo
das águas (Figura 4, 5, 6 e 7).
Com a continuidade da ascensão das águas pela maré de enchente, e pela sua combinação com
fortes ventos em sentido do mar aberto para o continente próximo, o deslocamento das águas passou a
se tornar mais intenso, bem como mais
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Figuras 4 e 5 – inicio do processo de ruptura em agosto de 2018, e modificações temporais ao longo do Esporão
do Ararapira superimposto pelo transecto A. Observar imagem do dia 28 de Agosto de 2018, apontando
conjugação de maré de enchente e fortes ventos vindos do mar aberto. Notar ao fundo que nos trechos em que
cordão arenoso permaneceu sem se romper, o nível das águas no momento de tirada das fotos se limita as praias
arenosas, não chega nem mesmo a tocar a base dos cordões. Fonte: composição a partir de fotos de Cheliz, Ari
Carvalho, Tatiana Cardoso e João Zicuti.
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Figura 6 –imagens de 28/08/2018 e de 8/09/2018 respectivamente, que conjugado ao canal de Ararapira.
Fonte: composição a partir de fotos de Ari Carvalho (2018) e Cheliz (2018)
Figura 7: evolução dos contornos do Esporão do Ararapira e localização das comunidades de pescadores
próximas (setas vermelhas). Fonte: composição a partir de Cheliz (2015), imagem de drone obtida pelo PEIC
(Parque Estadual da Ilha do Cardoso) em Agosto de 2018, medidas de Nascimento e Nunes (2018),
sistematização dos dados em ambiente SIG por Nunes e Costa (2018), e edição da imagem por Nunes e Costa
(2018), Souza (2018) e Cheliz (2019).
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pronunciado se tornou sua imposição ao relevo e capacidade erosiva. As pequenas fissuras
centimétricas que originalmente conduziam os fluxos das águas passam a se ampliar e dar lugar a um
vão de dimensões mais expressivas (figuras 5, 6 e 7), rompendo a própria continuidade das praias
arenosas no segmento contíguo ao antigo cordão do Transecto A.
Tabela 3 – Variação da largura do vão aberto no Cordão de Ararapira ente 28/08/2018 e 29/08/2018 ao
longo do tempo
Fonte: Cheliz (2018) a partir de medidas de campo de Cheliz (2018), Edlson Nascimento e Mario Nunes
(2018) e Gouveia (2018)
A soma desse conjunto de processos que se deram entre os dias 28 e 29 de Agosto de 2018
tiveram energia suficiente para envolverem a remoção intensa de material sedimentar no trecho
adjacente ao rompimento do cordão. De maneira semelhante, contribuíram para erodir lateralmente os
cordões e praias remanescentes adjacentes ao trecho que se rompeu (figuras 6 e 7).
Fragmentando, assim, a Ilha do Cardoso em duas ilhas distintas, distantes entre si por uma
distância superior a uma centena de metros (Tabela 3 e figuras 6 e 7) já no dia 29 de Agosto.
A ampliação da largura do estreito a partir de então se aprofundou - alcançando mais de quatro
centenas de metros na segunda semana de Setembro de 2018, e mais de 800 metros em meados de
Outubro de 2018 (Tabela 3).
Com expansão média de 39,34 metros por dia (Souza, 2018), e picos de aumento registrados
nas primeiras semanas após o rompimento.
Data Extensão (Metros) Responsável pela Medição Observações
Agosto 166 metros Nascimento e Nunes (2018)
Setembro 455 metros Cheliz (2018); Nascimento,
Nunes e Souza (2018)
Profundidade de 4,93m
(Nascimento e Nunes)
Outubro 845 metros Nascimento e Nunes (2018) e
Cheliz (2018)
Novembro 1112 metros Nascimento e Nunes (2018)
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3.4 Ponderações referentes a impactos ambientais da nova conformação do Esporão do
Ararapira
Numa análise da evolução da largura do vão ao longo do tempo, nota-se que ainda que
permaneça havendo crescimento da abertura após a ruptura, a magnitude dos acréscimos apresentam
variações significativas. Se nos dois primeiros meses após a ruptura houve uma expansão de cerca de
800 metros na largura no vão, já nos dois meses seguintes o crescimento se limitou a cerca de 400
metros.
Não deve se esquecer, porém, de ponderar nesse contexto as diferentes estações do ano e
dinâmicas atmosféricas associadas a cada intervalo. Uma vez que o rompimento e desenvolvimento
inicial do vão se deu próximo ao intervalo conhecido do ano que a ilha é habitualmente alvo de maior
incidência de frentes frias, e os consequentes fortes ventos e agitação das águas associados,
conjugados a seus conhecidos efeitos no acirramento da erosão costeira local (Souza, 2012; Souza e
Nunes, 2015; Cheliz, 2015 e Souza, 2018).
Os impactos em questão levaram a perda de terras emersas, que – com rítimos variados
– se intensificaram após a ruptura. Sendo essa redução um impacto tanto aos moradores locais
– em especial aos moradores da Vila Rápida, mais próximos do local da ruptura – como também uma
questão referente a gestão costeira e planejamento ambiental da própria unidade de conservação, uma
vez que implica em diminuição da área total do próprio parque estadual.
A ruptura se mescla, ainda, a visíveis alterações nos padrões de circulações hidrológicos locais
(acarretando riscos diferenciados dos de antes para o fluxo de embarcações), com propagação de ondas
para o interior da laguna sobretudo por ocasião das marés de enchente, e prováveis alterações
pronunciadas na distribuição dos graus de salubridade do segmento lagunar antes resguardado pelos
cordões rompidos.
Com múltiplas e diversificadas consequências possíveis advindas dessas combinações de
fatores. Incluindo alterações de distribuição de espécies aquáticas – incluindo pescados. Evidenciado
por relato de pescadores de comunidade próxima ao rompimento (Vila Rápida) sobre dificuldade de
localizar algumas das espécies
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de peixes que costumavam pescar no segmento lagunar antes da ruptura – notadamente o Anomalocardia
flexuosa.
Pondera-se ainda impactos decorrentes da possível diminuição da vazão de água na barra
anteriormente existente do Cordão de Ararapira (próxima a comunidade do Pontal, extremo sudoeste do
antigo contorno da Ilha do Cardoso). Uma vez que a nova barra mostra- se como uma via preferencial de
escoamento para as águas do canal vindas de segmentos a montante do local em que registrou-se o
rompimento do Esporão.
Apresenta-se uma maior dificuldade de transporte para a comunidade do Pontal, próxima a antiga
barra – nível da água do canal mostram-se em alguns segmentos com profundidades em fases de maré
vazante que dificulta a navegação embarcações de pequeno porte.
De maneira similar, os padrões de circulações das águas do canal do Ararapira mostram-se no
segmento próximo ao local do ruptura mais energéticas e propensas a acidentes náuticos. Sobretudo
durante fases de maré enchente, quando tendência a ascensão das águas oceânicas se opõe ao fluxo do
próprio canal do Ararapira.
Fator que conduz a dificuldades diversas, sobretudo devido a esse trecho ser um trajeto habitual
do barco-escola que leva as crianças e jovens de comunidades de pescadores da ilha para escola situada na
proximal ilha de Superagui.
4.0 Considerações finais
Os processos de alternâncias geomorfológicas ligados ao Esporão Arenoso de Ararapira na Ilha
do Cardoso mostram a coexistência de temporalmente extensos (tempo de anos a décadas) processos de
permuta de predomínios de erosão e sedimentação costeira controlando as modificações nos quadros de
relevos locais. Alternados com alterações geomorfológicas de alta intensidade e concentração temporal
(tempo de horas e dias), conjugados a certas combinações de condições climáticas e naturais (como
incidências simultâneas de frentes frias e processos de circulação atmosférica mais intensas conjugados a
fases da lua – cheia e nova - que favoreçam mais ampla e intensa oscilação das águas marinhas).
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Particularmente, o ponto crítico da ruptura do cordão arenoso de segmento limitado do Esporão –
inicialmente restrito a poucos metros – se deu conjugado a passagem de frente fria, ventos fortes,
oscilações intensas das marés e formação de grandes ondas (entre dois e três metros). Concomitantes a
mudanças geomorfológicas aceleradas, que em poucas horas promoveram mudanças nos quadros de
relevo locais de maiores magnitudes que as modificações somadas dos conjuntos de décadas
anteriores.
A quebra da continuidade do esporão e da própria Ilha do Cardoso levou a formação de uma nova
barra do Canal do Ararapira, cuja largura em planta se ampliou acirradamente (mais de uma centena de
metros) nas primeiras horas e dias após a ruptura.
Tendo sua expansão continuado nos meses seguintes (chegando a atingir mais de 1000 metros) –
mas em intensidade e magnitudes de crescimento decrescente entre Agosto (quando se deu a ruptura) e
Novembro de 2018. Sem garantia, no entanto, que se ruma a uma estabilização da situação. Sobretudo
por diminuição do crescimento da nova abertura se dar simultaneamente a diminuição da incidência de
frentes frias, ligadas a mudanças das estações do ano.
Os referidos conjuntos de profundas modificações dos quadros geomorfológicos locais, levam a
consequências e impactos de vetores e magnitudes diferenciados para múltiplos agentes.
Da redução das terras emersas perdidas para a acelerada erosão, levando de inquietações para a
permanência de vilas de pescadores próximos à problemáticas diversas de gestão costeira da unidade
de conservação do parque, à modificação na distribuição dos pescados e dos padrões de circulação
hidrológicos locais.
A continuidade das transformações decorrentes da conformação geomorfológica local, e dos
impactos associados a essas modificações, permanecem com cenários futuros incertos. Salientando
necessidade de continuidade dos monitoramentos e estudos em curso em relação aos quadros físico-
naturais locais.
5.0 Referências bibliográficas
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ANGULO, R.J.; SOUZA, M.C. & MULLER, M.E. Evolução do esporão e consequências da
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CHELIZ, P.M; OLIVEIRA, R.C; DREZZA, M. ANÁLISE DA COMPARTIMENTAÇÃO
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6.0 Agradecimentos
Agradece-se a CAPES e CNPQ pelo apoio material para a presente pesquisa. Agradece-se
ao Instituto e Fundação Florestal pela autorização para realizar levantamentos e pesquisa no
Parque Estadual da Ilha do Cardoso. Agradece-se aos moradores e funcionários do parque
pelo apoio nas diversas etapas dos trabalhos de campo do presente trabalho
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