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APONTAMENTOS DIREITO COMERCIAL II – Menezes CordeiroII – DOUTRINA COMERCIAL GERAL

CAPÍTULO II – Empresa e Estabelecimento (291-355)

103) EMPRESA: Empresa não é nem uma pessoa colectiva, nem um mero conjunto de elementos materiais. A empresa surge a meio caminho entre o indivíduo e a sociedade, como uma alternativa ao capitalismo e ao socialismo. Assim, MC define empresa como um conjunto de meios materiais e humanos, dotados de uma especial organização e de uma direcção, de modo a desenvolver uma actividade segundo regras de racionalidade económica.

A empresa tem assim vários elementos, como sendo:- Elemento Humano: quem colabore na empresa, desde trabalhadores aos donos, auxiliares e dirigentes;-Elemento Material: coisas corpóreas, móveis ou imóveis, seja qual for a fórmula do seu aproveitamento e de bens incorpóreos: saber-fazer, licenças, marcas, insígnias, clientela, aviamento e inter-relações com terceiros, normalmente outras empresas;-Organização: todos os elementos (humanos e materiais) apresentam-se numa articulação consequente, que permite depois desenvolver uma actividade produtiva;-Direcção: factor aglutinador dos meios envolvidos e da própria organização. A empresa é algo que funciona, o que só é pensável mediante uma estrutura que determine o contributo de cada uma das parcelas envolvidas.Assim, empresa é uma organização produtiva q exprime no seu seio a síntese entre os factos e o Direito.

Conceito subjectivo de empresa – refere-se aos direitos, aos deveres ou aos objectivos das empresas. Aqui, a empresa visa designar todos os sujeitos produtivamente relevantes: pessoas singulares, sociedades comerciais, sociedades civis, associações, fundações, cooperativas entidades públicas e organizações de interesses não personificadas.Conceito objectivo de empresa – dirige a certas pessoas regras de actuação para com as empresas. Aqui, a empresa tem a vantagem de permitir cominar deveres aos responsáveis por todas as entidades acima referidas, o que seria impensável sem esse apoio linguístico.

105) ESTABELECIMENTO: o estabelecimento é objecto de negócio, logo não é uma pessoa colectiva; então, é assim um conjunto de coisas corpóreas e incorpóreas (art. 425º CCom) devidamente organizado para a prática do comércio. Corresponde assim à unidade funcional cujo objecto é a obtenção de lucro através da conquista de clientela. Ou seja, grosso modo, corresponde a uma ideia de empresa sem o elemento humano e de direcção.

- Elementos do estabelecimento: estabelecimento comercial tem elementos activos e passivos, a saber:

- Elem. Activos: conjunto de direitos e de outras posições equiparáveis afectas ao exercício do comércio. Dentro desta parte activa temos então:

- Coisas Corpóreas: bens materiais relativos a imóveis (direitos reais de gozo - propriedade ou usufruto -, e os direitos reais de gozo - o direito de arrendamento), e móveis (mercadorias, maquinarias, matérias-primas, mobília e instrumentos de trabalho, computadores, livros, documentos, ficheiros e títulos de crédito).(Nota – a existência de um imóvel não é condição sine qua non para o estabelecimento: vendedor ambulante por exemplo).

- Coisas Incorpóreas: propriedade industrial (marcas, patentes, know-how, direito à firma/nome); prestações provenientes de posições contratuais (contratos de trabalho, prestação de serviços, distribuição, agência, franquia, contratos relativos a bens vitais, como por ex água, electricidade, telefone e ligação à internet e gás;

- Clientela: conjunto real ou potencial de pessoas dispostas a contratar com o estabelecimento considerado, nele adquirindo bens ou serviços.

- Aviamento: a mais-valia que resulta da aptidão funcional do estabelecimento e a soma dos elementos que o componham. No fundo, trata-se da unificação de todos os elementos. Para Coutinho de Abreu, trata-se de um “bem jurídico novo”, sendo um critério decisivo para aferir a existência de um estabelecimento. Assim, na opinião do prof, há estabelecimento se existir aviamento.

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(A Clientela e o Aviamento são factores de influencia decisivamente o valor do estabelecimento e, sendo este transmitido, vão com ele).

- Elem. Passivos: adstrições ou obrigações contraídas pelo comerciante, no exercício do comércio. É frequente, em negócios de transmissão, limitá-los ao activo, não incluindo o passivo no estabelecimento.

O critério do estabelecimento assenta em duas ordens de factores:- Factor Jurídico (como se organizar efectivamente um estabelecimento);- Factor Funcional (como ele funciona).

Do regime específico do estabelecimento, destacamos então:- Dreito ao arrendamento quando se inclui no estabelecimento, pode ser transmitido, em conjunto

com este, independentemente de autorização do senhorio – art. 1112º CC;

- Transmissão da Firma só é possível em conjunto com o estabelecimento a que ela se achar ligada – art. 44º RNPC (registo nacional das pessoas colectivas);

- Trespasse do estabelecim art. 297º CPI (código de propriedade industrial);

- Transmissão do estabelecim implica a transferência da posição jurídica de empregador para o novo adquirente, relativamente aos contratos de trabalho dos trabalhadores a ele afectos – art. 285º CT (código do trabalho);

Alguns destes elementos, só se transmitem plenamente com o consentimento do terceiro cedido: trata-se do remige que emerge dos artigos 424º/1 e 595º CC.

A transmissão do estabelecimento pode dar-se então nos seguintes moldes:-->Tansmissão Temporária: Trespasse, regime excepcional; Transmissão Definitiva : Cessão de Exploração, regime geral.

Contudo, a regra geral é, contrariamente a estas que aqui observamos, a regra da especialidade: cada uma das situações jurídicas distintas a transmitir exigiria, em princípio, um negócio autónomo.

109) TRESPASSE: o trespasse consiste na transmissão definitiva da titularidade de estabelecimento comercial, no seu todo – negociação unitária, transmissão no seu todo ou como universalidade – sem a perda da aptidão funcional. Trata-se assim de um único negócio jurídico, mediante uma única escritura. - Para os profs MC e OA, a transmissão de um “estabelecimento” com perda de aviamento, consiste na transmissão de “estabelecimento incompleto”.- Pode ser celebrado mediante qualquer contrato com eficácia translactiva da titularidade do direito (ex: compra e venda, doação, troca ou dação em cumprimento). - O principal efeito resulta da transmissão da propriedade relativamente a esse estabelecimento, ou do direito pessoal de gozo do arrendatário, mais frequentemente. - Encontra-se regulado no art. 1112º CC, mas é considerado legislação comercial, máxime acto comercial em sentido objectivo, por razões históricas e pela sua natureza: protecção do interesse e do desenvolvimento comercial.- Não há qualquer necessidade de consentimento do senhorio (art. 1112º/1 a) CC), bastando a mera comunicação – art. 1112º/3 CC – pelo locatário originário, no prazo de 15 dias (art. 1038º g) CC): facto que sustenta a sua natureza de protecção do interesse comercial.- Forma: escrita (art. 1112º/3 CC). O problema de simplificação formal do trespasse prende-se na questão de saber se esta norma se aplica também ao proprietário do prédio? O prof Coutinho de Abreu considera que se afasta o art. 875º CC e o art. 80º CNotariado, relativamente à necessidade da escritura pública na transmissão do direito de propriedade sobre imóveis em caso e trespasse.- A violação do dever de comunicação constitui fundamento do direito de resolução do contrato (art. 1083º/2 e) CC) e de indemnização por responsabilidade obrigacional (art. 798º CC).

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- Trespasse engloba o passivo (MC): quanto aos efeitos internos – o trespassário adquirente fica adstrito, perante o trespassante a pagar aos terceiros o que este lhes devia; quanto aos efeitos externos – o alienante só ficará liberto se os terceiros, nos termos aplicáveis à assunção de dívidas e à cessão da posição contratual, o exoneram ou derem acordo bastante.- Direito de preferência: o senhorio tem-no no trespasse por venda ou dação em cumprimento (art. 1112º/4 CC), permitindo-lhe uma vantagem potencial. Se este preferir extingue-se o contrato por confusão de esferas jurídicas: o senhorio não pode ser simultaneamente senhorio e locatário.- Dever de não concorrência do trespassante com o trespassário: dever que decorre da boa-fé, máxime, do dever de lealdade. Quando violado, gera responsabilidade pós-contratual nos termos da culpa post pactum finitum, segundo o prof MC. Se as partes afastarem o dever de não concorrência, convencionam, geralmente, uma remuneração proporcional. Evidencia a importância da clientela enquanto elemento activo do estabelecimento.

Limites do dever de não concorrência:-Materiais: a nova actividade do trespasse não pode ser semelhante;- Espaciais: com respeito com a circunscrição geográfica da actividade;- Temporais: observância do prazo de consolidação do novo estabelecimento, geralmente 2 a 3 anos, segundo a jurisprudência.

- Havendo perda de aviamento do estabelecimento com o trespasse: aplicar-se-á o regime geral da cessão de exploração infra – o contrato celebrado transmite meramente o direito pessoal de gozo sobre o prédio e não o estabelecimento no seu todo, por desmantelamento, por ex. Nestes termos, há que interpretar restritivamente o disposto no art. 1112º a) CC, considerando que o limite que traça a distinção entre trespasse e mera cessão de exploração reside na perda de aviamento e não na mera transmissão de utensílios e de mercadorias. Cabe ao senhorio fundamento de resolução do contrato pelo exercício, no prédio, de outro ramo de comércio sem o seu consentimento (art. 1112º/ 2 b) CC)), norma que pretende obstar à simulação de trespasse, nos casos de transmissão do espaço e não do estabelecimento.

- E, qd existe um verdadeiro trespasse e lhe é dado outro fim ao prédio? Há fundamento do direito de resolução do contrato nos termos do art. 1038º c), art. 1083º/1 c) e art. 1112º/5 CC e consequente indemnização responsabilidade obrigacional – art. 798º CC.

Elementos do estabelecimento transmitidos no trespasse: o prof OA distingue entre situações jurídicas exploracionais (que não fazem sentido sem o estabelecimento a que respeitam, pelo que se transmitem com este) e situações jurídicas comuns. Num plano interno (entre trespassante e trespassário):

->Elementos Activos:-Direito de Propriedade sobre imóveis e móveis, em princípio (mesmo sem acordo expresso, por estar implícito na vontade hipotética das partes q celebram o trespasse);

- Direito Pessoal de gozo relativo ao arrendamento;

- Direito à Firma, com consentimento escrito do titular (art. 44º RNPC);- O nome do estabelecimento, logótipo, e insígnias (art. 31º/4 CPI);- Posições contratuais:

- Contrato Trab: mero efeito da lei, com vista à protecção do trabalhador, a parte mais fraca, as dívidas transmite-se à segurança social;

- Contrato Fornecimento: situações jur exploracionais transmitem-se tacitamente, segundo OA.

- Dívidas de crédito, sem consentimento do devedor (art. 577º CC);- Aviamento e Clientela: factores que influenciam decisivamente o valor do estabelecimento e que, sendo este transmitido, vão com ele.

->Elementos Passivos:- Dívidas, com consentimento do credor (art. 595º CC), excepto quando se trate de dívidas exploracionais, indissociáveis do estabelecimento (segundo OA transmitem-se tacitamente). A solução adoptada deve ser intermédia: nem pela transmissão em bloco

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das mesmas, pela difícil especificação de todas, nem pela transmissão das dívidas uma a uma, pela exigência que importaria.

Num plano externo (trespassário e terceiro):->Elementos Activos:

- Cessão da posição contratual (art. 424º CC): com consentimento;- Cessão de créditos (art. 575º CC): sem consentimento;

->Elementos Passivos:- Dívidas (art. 595º CC):

- com consentimento do credor: exonera o trespassante, o devedor originário;- sem consentimento do credor, não exonera o trespassante, o devedor originário, que, pagando a dívida em causa, pode exercer direito de regresso sobre o trespassário, o novo devedor.

110) CESSÃO DE EXPLORAÇÃO: a cessão de exploração do estabelecimento consiste na transmissão temporária do gozo do estabelecimento como um todo, a título gratuito – “Comodato” de estabelecimento – ou a título oneroso – Locação de estabelecimento. Trata-se do regime geral previsto no art. 424º CC, que se aplica quando se considere afastada a possibilidade de trespasse, a título excepcional, ou quando este, a existir, resulte em perda de aviamento do estabelecimento: a cessão de exploração afasta o regime restritivo do arrendamento.Estudaremos a cessão de exploração a título oneroso, dita locação de estabelecimento, com maior pormenor. Assim, esta tem como traços gerais os seguintes: Necessidade de consentimento (art. 424º CC e art. 1059º CC); Não existindo qualquer consentimento, há fundamento de resolução do contrato e indemnização por responsabilidade obrigacional (art. 1047º, art. 1083º e art. 798º CC).

- Existência de um estabelecimento comercial (ou tratar-se-á de puro arrendamento): a falta de um dos elementos estruturais do estabelecimento, aquando da cessão, determina a sua conversão legal em arrendamento;- Forma: escrita (art. 1112º/3 CC, por remissão do art. 1109º CC);- Observância das obrigações do locatário (art 1308º CC);- O não consentimento do senhorio e a inobservância das obrigações do locatário constituem fundamento do direito de resolução do contrato pelo senhorio: por ex – pelo exercício, no prédio, de outro ramo do comércio sem o seu consentimento (art. 1112º/2 b) CC): norma que pretende obstar à simulação de trespasse; -O direito à resolução do contrato e consequente indemnização por responsabilidade obrigacional encontra-se consagrado no art. 1047º CC, art. 1083º CC e art. 798º CC.- Quando o estabelecimento se encontre instalado em local arrendado a locação não carece de autorização do senhorio, mas deve ser-lhe comunicada no prazo de um mês (art. 1109º/2 CC).

Quando o locatário não transmita a sua titularidade do direito pessoal de gozo sobre o estabelecimento, mas tão-só faculte o seu gozo a um terceiro, deparamo-nos com a denominada sublocação do estabelecimento, nos termos seguintes (art. 1060º CC):

- Não há cessão de posição contratual do locatário original, a favor do sublocatário (o locatário mantém o seu direito pessoal de gozo, neste caso, embora faculte o gozo da coisa ao sublocatário);

Regime da Sublocação (art. 1060º CC), caracteriza-se por:- dever de comunicação - art. 1038º g) eart. 1061º CC;- violação do dever de comunicação constitui causa de resolução do contrato e de indemnização por responsabilidade obrigacional – art. 1083º CC e art. 798º CC.

Quando a sublocação verse sobre imóveis, dispõe o regime do subarrendamento (art. 1088º CC), que contém a necessidade de autorização do senhorio, por escrito (art. 1038º f) CC e 1088º CC).