Aquisição das Periferias Esquerda e
Direita em Português Europeu
Silvana Abalada
Faculdade de Letras da Universidade de LisboaCentro de Linguística da Universidade de Lisboa
XXVII Encontro Nacional da Associação Portuguesa de LinguísticaLisboa, 26 a 28 de Outubro de 2011
Objectivo
Discutir a compreensão de estruturas com constituintes nas periferias esquerda edireita da frase em Português Europeu, tendo em conta:
(i) o estatuto informacional desses constituintes na gramática da criança edo adulto; e
(ii) o estatuto sintáctico desses constituintes na gramática da criança edo adulto.
Enquadramento Teórico:O Estatuto Informacional e Sintáctico do Material Periférico
O recente debate sobre estruturas com constituintes nas periferias esquerda e direitatem-se centrado no estatuto informacional e sintáctico desses constituintes.
A: Estatuto Informacional: Informação Dada ou Nova?Os constituintes nas periferias esquerda e direita têm diferentes estatutos
informacionais.
- Periferia Esquerda: os constituintes na periferia esquerda têm diferentes estatutosdiscursivos, uma vez que podem ser informação dada ou nova (Reinhart, 1982; Duarte,1987, 1996, em preparação; Frascarelli & Hinterhölzl, 2007).
- Periferia Direita: o material na periferia direita (Tails ou Antitópicos) nunca pode serinterpretado como Tópico Contrastivo, dado que é sempre informação dada, contrariamenteao material que ocorre na periferia esquerda (Frascarelli & Hinterhölzl, 2007; Brunetti, 2009;Duarte, em preparação).
B: Estatuto Sintáctico:Merge ouMove?Os constituintes nas periferias esquerda e direita têm diferentes estatutos sintácticos.
- Periferia Esquerda: existem diferentes estruturas com diferentes derivações inter eintra-linguisticamente:
- para o Inglês, Lasnik & Saito (1992) defenderam que a Topicalização é derivadapor Move;
- para o Francês falado, De Cat (2007) propôs que a Deslocação não envolvenecessariamente movimento;
- para o Português Europeu, Duarte (1987, 1996) já havia mostrado que hámaterial na periferia esquerda derivado por Move (Topicalização) ou por Merge(Deslocação à Esquerda Clítica).
- Periferia Direita: Efeitos de localidade são um argumento a favor de uma derivação dosAntitópicos por Merge (veja-se “bounded movement” in Ross, 1967; De Cat, 2007; Duarte,em preparação).
Enquadramento Teórico:O Estatuto Informacional e Sintáctico do Material Periférico
Enquadramento Teórico: Interface Sintaxe/Discurso
As estruturas com constituintes nas periferias esquerda e direita da frase estãotambém no centro do debate sobre aquisição de interfaces (e.g., sintaxe/discurso).
- Para o Francês, De Cat (2008) apresenta evidência experimental do domínio da noçãodiscursiva de Tópico por crianças monolingues em idade pré-escolar (2;6-5;6), confirmandoresultados anteriores (De Cat, 2002).
- Para o Português Europeu:- Adragão (2005) e Costa & Adragão (2004) argumentam também a favor da
aquisição precoce de estruturas com alterações da ordem básica de palavras, mostrando,contudo, que a Topicalização e a Deslocação à Esquerda Clítica (OSV e OSV-Cl) são menosproblemáticas do que a ordem OVS; e
- Carrilho (1994) e Soares (2006) também assumem a sensibilidade precoce aestruturas tópico/comentário com tópico marcado por parte de crianças em idadepré-escolar (2;0-3;3 em Carrilho, 1994; 1;2-4;6 em Soares, 2006), embora as Topicalizaçõesapresentem taxas baixas de ocorrência em corpora de produção espontânea.
Hipóteses:Assumpções
a) “Hipótese de Complexidade Derivacional”, “Métrica de Complexidade Derivacional”(Jakubowicz, 2004, 2005) e “Medida de Complexidade Derivacional” (Soares, 2006)
De acordo com Jakubowicz (2004, 2005) e Soares (2006), o desenvolvimentotípico e atípico da linguagem é regulado por princípios de economia. Assim, as criançaspreferem Merge a Move, uma vez que preferem derivações menos complexas e Move émais complexo do que Merge.
b) “Efeitos de Intervenção” (Friedmann, Belletti & Rizzi, 2009) em termos de“Minimalidade Relativizada” (Rizzi, 1990)
De acordo com Friedmann, Belletti & Rizzi (2009: 68), “the A' dependency fails (inyoung children) and is harder (in adults) when the terms to be connected in thedependency are separated by an intervener, a position which could potentially beinvolved in the A’ relation: typically the subject position, which would be a potential sitefor the variable”.
Hipóteses
H1: A periferia direita é mais acessível do que a periferia esquerda para as crianças.
(Tendo em conta a “Hipótese de Complexidade Derivacional” e assumindo que o material na periferia direita é sempre derivado por Merge e que o material na periferia esquerda pode ser
derivado por Move ou por Merge.)
H2: As crianças têm melhor desempenho na Topicalização de Objecto Indirecto do que naTopicalização de Objecto Directo.
(Tendo em conta os “Efeitos de Intervenção” e assumindo que na Topicalização de Objecto Directo existe semelhança estrutural entre o constituinte A'-movido e o sujeito interveniente (dado que ambos são DPs) e na Topicalização de Objecto Indirecto não existe mesmo tipo de
semelhança (dada a presença de um marcador de Caso Dativo no Objecto Indirecto).)
Hipóteses
H3: As crianças têm melhor desempenho na Topicalização de Complemento Oblíquo do quenas Topicalizações de Objecto Directo e Indirecto.
(Tendo em conta os “Efeitos de Intervenção” e assumindo que nas Topicalizações de Objecto Directo e Indirecto (apesar das diferenças estruturais entre Objectos Directo e Indirecto) existe
alguma semelhança estrutural entre o constituinte A'-movido e o sujeito interveniente e na Topicalização de Complemento Oblíquo essa semelhança estrutural não existe (dado a presença
de um PP no Complemento Oblíquo).)
Metodologia:Teste e Sujeitos
Tarefa de Juízo do Valor de Verdade (Crain & Thornton, 1998), recorrendo a imagens.
32 itens:21 frases-teste (3 por cada uma das 7 condições: 2 falsas e 1 verdadeira)
4 itens de controlo (SVO) e 7 distratores (cerca de um terço do total do número de itens)
Nota: Os estímulos foram gravados e controlados em termos de contorno entoacional efraseamento.
Grupo Experimental41 crianças falantes monolingues de Português Europeu em idade pré-escolar (entre 3;5-6;3,média: 5;1)
Grupo 1: N = 15 (3;5-4;11, média: 4;4)Grupo 2: N= 26 (5;0-6;3, média: 5;5)
Grupo de Controlo30 adultos falantes monolingues de Português Europeu sem formação em Linguística.
Metodologia: Condições
As condições foram seleccionadas de acordo com a periferia da frase envolvida naalteração da ordem de básica de palavras e o tipo de argumento envolvido.
• Estruturas com Objecto Directo (com Gap) na Periferia Esquerda(Topicalização de Objecto Directo, OSV)
Ex.: O cão, o gato molhou todinho.
• Estruturas com Objecto Directo (com Clítico) na Periferia Esquerda(Deslocação à Esquerda Clítica, OSV-Cl)
Ex.: A bruxa, a fada molhou-a dos pés à cabeça.
• Estruturas com Objecto Indirecto na Periferia Esquerda(Topicalização de Objecto Indirecto, OindSV)
Ex.: Ao gato, o cão deu uma prenda.
Metodologia: Condições
• Estruturas com Complemento Oblíquo na Periferia Esquerda(Topicalização de Complemento Oblíquo, OblSV)
Ex.: No bombeiro, o polícia tocou.
• Estruturas com Sujeitos (com Verbos de Dois e Três Lugares) na Periferia Direita(VOS)
Ex.: Pisou a bruxa, a fada.
(Condição Adicional)• Inversão Sujeito-Verbo com Sujeito Associado a Foco Informacional
(VOS)Ex.: Pisou o gato o cão.
Resultados Globais
90,24%
48,41%
70,44%
84,41%
55,73%
65,24%57,34%
72,85%
47,59%
97,50%
63,03%
94,33% 94,73%
75,20%
87,57%83,13%
92,10%
54,03%
0%
10%
20%
30%
40%
50%
60%
70%
80%
90%
100%
EstruturasSVO
(Controlo)
Topicalizaçãode Objecto
Directo
Topicalizaçãode ObjectoIndirecto
Topicalizaçãode
ComplementoOblíquo
Deslocação àEsquerda
Clítica
Sujeito naPeriferia
Direita (comVerbos deDois e de
Três Lugares)
Sujeito naPeriferia
Direita comVerbo de Dois
Lugares
Sujeito naPeriferia
Direita comVerbo de Três
Lugares
InversãoSujeito-Verbocom SujeitoAssociado a
Foco
Distribuição Global de Respostas Correctas
Crianças Adultos
Resultados Globais
- Comparando a periferia esquerda com a direita e considerando argumentos com a mesmaestrutura (e.g., DPs), as crianças têm melhor desempenho em estruturas com sujeitos na periferiadireita (65,24%)do que com objectos directos na periferia esquerda (48,41%).
- Comparando estruturas com objectos directos na periferia esquerda, as crianças têm umdesempenho ligeiramente melhor em estruturas de Deslocação à Esquerda Clítica (55,73%) do quede Topicalização de Objecto Directo (48,41%).
- Comparando estruturas com ordem de palavras OSV com diferentes argumentos, o desempenhodas crianças melhora de estruturas de Topicalização de Objecto Directo (48,41%) para ObjectoIndirecto (70,44%) e desta para Complemento Oblíquo (84,41%).
- Comparando estruturas com sujeitos pós-verbais, as crianças têm melhor desempenho emestruturas com sujeitos na periferia direita (65,24 %) do que em inversões sujeito-verbo com sujeitoassociado a foco informacional (47,59%).
- Comparando estruturas com sujeitos na periferia direita com verbos de dois e três lugares, ascrianças têm pior desempenho em estruturas com verbos de dois lugares (57,34%) do que comverbos de três lugares (72,85%).
Resultados por Idade
90,00%
46,20%
77,53%
86,47%
64,07%63,80%
55,20%
70,80%
46,33%
90,38%
49,69%
66,35%
83,23%
50,92%
66,08%58,58%
74,04%
48,31%
97,50%
63,03%
94,33% 94,73%
75,20%
87,57%83,13%
92,10%
54,03%
0%
10%
20%
30%
40%
50%
60%
70%
80%
90%
100%
EstruturasSVO
(Controlo)
Topicalizaçãode Objecto
Directo
Topicalizaçãode ObjectoIndirecto
Topicalizaçãode
ComplementoOblíquo
Deslocação àEsquerda
Clítica
Sujeito naPeriferia
Direita (comVerbos deDois e de
Três Lugares)
Sujeito naPeriferia
Direita comVerbo de
Dois Lugares
Sujeito naPeriferia
Direita comVerbo de
Três Lugares
InversãoSujeito-Verbocom SujeitoAssociado a
Foco
Distribuição de Respostas Correctas por Idades
Crianças [3;5-4;11] Crianças [5;0-6;3] Adultos
Resultados por Idade
- Apesar de terem piores desempenhos, as crianças têm os mesmos padrões decomportamento que os adultos.
- Os dados não revelam diferenças significativas entre os dois grupos de crianças, não severificando, por conseguinte, desenvolvimento linguístico nestes estádios.
Conclusões
H1: A periferia direita é mais acessível do que a periferia esquerda para as crianças.
- As crianças em idade pré-escolar compreendem mais cedo material na periferia direita doque na esquerda, uma vez que se verificam assimetrias entre sujeitos na periferia direita(especialmente em estruturas com verbos de três lugares) e objectos directos na periferiaesquerda.
Se os sujeitos na periferia direita não forem derivados por Move, mas Merge e interpretados como co-referentes com um sujeito pro, a preferência por Merge em vez de Move (veja-se a “Hipótese da Complexidade Derivacional”, Jakubowicz (2004, 2005)) pode explicar a melhor
compreensão de sujeitos periféricos à direita do que de Topicalizações.
Conclusões
H2: As crianças têm melhor desempenho na Topicalização de Objecto Indirectodo que na Topicalização de Objecto Directo.
H3: As crianças têm melhor desempenho na Topicalização de Complemento Oblíquo do que nas Topicalizações de Objecto Directo e Indirecto.
- As crianças têm pior desempenho em estruturas com objectos directos do que comobjectos indirectos e complementos oblíquos, uma vez que existem assimetrias entreconstituintes que ocorrem na periferia esquerda em termos de tipos de argumentos.
Se os “Efeitos de Intervenção” tiverem um papel na aquisição de Topicalizações, as diferenças estruturais entre os diferentes tipos de argumentos podem explicar a pior compreensão de Topicalização de Objecto Directo por comparação a Topicalizações de Objecto Indirecto e de
Complemento Oblíquo.
Conclusões
As crianças têm melhor desempenho em sujeitos na periferia direitado que em inversões sujeito-verbo com sujeito associado a foco informacional.
- As inversões sujeito-verbo com sujeito associado a foco informacional são maisproblemáticas do que as estruturas com sujeitos na periferia direita (especialmente comverbos de três lugares).
Se os sujeitos na periferia direita forem derivados por Merge e se a ordem de palavras VOS com sujeito associado a foco informacional for derivada por scrambling do objecto (que cruza um
sujeito estruturalmente semelhante) (Costa, 2004), a assimetria entre a compreensão de estruturas com sujeitos pós-verbais pode ser explicada por “Efeitos de Intervenção”.
Adicionalmente, a assimetria entre estruturas com sujeitos pós-verbais pode estar relacionada com diferenças de realização prosódica dos sujeitos.
Agradecimentos
Crianças e Pais
Jardim-Infantil Pestalozzi
Colégio São João de Brito
Professora Ana Lúcia Santos
Professora Inês Duarte
Professora Ana Isabel Mata
Professora Amália Andrade
Professor Tjerk Hagemeijer
Inês Leite Rosa
Ana Pinto Leite
Anna Lite
Aida Cardoso
Referências Bibliográficas
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Referências Bibliográficas
Teste Experimental
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Teste Experimental
Teste Experimental
Teste Experimental
Teste Experimental
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