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Introdução
A história humana sempre esteve intimamente relacionada à natureza. No início tal relação era
permeada por mitos, ritos e magias chegando a assumir o caráter de relação divina, isto é,
sagrada. Para cada fenômeno natural havia um Deus, tal como o do sol, o do mar, o da terra, o
dos ventos, o das chuvas, o dos rios, o das pedras, o das plantações, o dos trovões, que eram
juntos, os responsáveis por reger a vida no planeta. Além de cuidar do equilíbrio da própria
natureza tais Deuses exerciam ainda o papel de moderadores e reguladores do comportamento
humano. O medo do castigo divino gerava nos homens uma necessidade implícita de zelar por
todas as formas de vida, evitando assim intervenções humanas na natureza que pudessem ser
desastrosas. Homem e natureza não se constituíam em elementos distintos e conflitantes, mas
em agentes complementares de uma única realidade (GONÇALVES, 2008).
Em decorrência, o homem retirava da natureza tão somente os recursos naturais indispensáveis à
sua sobrevivência. Esta apropriação limitada, associada ao pequeno contingente humano que
habitava a terra não impingia à natureza alto grau de comprometimento de seus recursos, dada a
sua capacidade de suporte às intervenções antrópicas. De forma harmônica os grupos humanos
construíam seus espaços e modos de vida com técnicas que inventavam para garantir a
subsistência familiar, organizando a partir disto a produção, a vida social e o espaço na medida de
suas próprias forças, necessidades e desejos (SANTOS, 1992).
Como a natureza e a própria vida humana não é estática, o pensamento humano sofreu
transformações ao longo do tempo. O homem passou a olhar a natureza de maneira racional, não
se utilizando mais de explicações e justificativas místicas e divinas para moldar suas práticas e
comportamentos cotidianos. Tais mudanças podem ser identificadas a partir do estudo dos
primeiros filósofos, também conhecidos como pré-socráticos. “Os primeiros filósofos, como são chamados os pensadores da natureza, os pré-socráticos – buscaram uma explicação racional para a origem de todas as coisas a partir da natureza, uma vez que a considerava genitora de todo o universo” [...]. (GONÇALVES, 2008, p. 173).
À natureza era atribuído o status de genitora por deter os elementos essenciais que garantiam a
sobrevivência humana bem como de todos os demais seres vivos. Assim, além de parte
integrante da vida do homem, era ela a própria vida de todos os seres (TRES, et al., 2011). Nesta
perspectiva, os homens relacionavam-se com a natureza de forma harmônica, portanto
sustentável, uma vez que mesmo exercendo papel de caçadores e coletores, o faziam na medida
de sua subsistência, numa relação de equilíbrio integrando-se como parte dos ecossistemas.
Contudo, à medida que a espécie humana evoluiu, desconstruiu-se a concepção até então
formada sobre os Deuses da natureza. O homem passou a dominá-la de maneira agressiva,
agindo como se ele próprio fosse divino, cheio de poderes absolutos. Esse comportamento se
consolidou na medida em que surgiu o desejo desenfreado por poder e riqueza, modificando as
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concepções que o identificava como parte do natural. Em decorrência dessa mudança, a natureza
começou a perder o seu status de mãe da vida. Natureza e homem tornam-se, portanto,
elementos distintos e conflitantes A partir de então o homem assume o papel de sujeito que busca
o domínio irrestrito da natureza. Esta por sua vez, em seu papel de objeto fica passível ao
esgotamento de seus recursos, devido ao uso e apropriação não sustentável imposta pelo homem
(GONÇALVES, 2008).
A mudança na forma do homem reconhecer a natureza engendrou, em consequência, um novo
sujeito social, agora com novos valores, novas atitudes e práticas comportamentais, bem como
uma nova forma de natureza. Esta pode ser melhor compreendida à partir do conceito de
“segunda natureza” citado por Leal et al., (2008), segundo o qual a natureza simplesmente
assumiu uma nova configuração na qual o ambiente urbano, que altera elementos naturais, deixa
de ser o que é tornando-se parte do modo de vida dos grupos humanos e integrado na paisagem
modifica a natureza tornando-se parte dela em sentido amplo. “[...] o homem deixa de viver em harmonia com a natureza, passa a dominá-la, dando origem ao que se chama de “segunda natureza”: a natureza modificada pelo homem, como o meio urbano com seus rios canalizados, solos cobertos por asfalto, vegetação nativa completamente devastada, assim como a fauna original da área, etc., que é muito diferente da “primeira natureza”, a paisagem natural sem intervenção humana (LEAL, et. al., 2008, p. 4).”
Rigotto (2003) afirma que a cultura das sociedades capitalistas ocidentais conseguiu realizar, no
plano simbólico, uma cisão profunda entre os seres humanos e o ambiente. Neste contexto
perdeu-se de vista a complexidade e também a poesia desta relação, ao mesmo tempo em que
viabilizou a dominação da Natureza de forma similar ao ocorrido com as relações humanas nas
sociedades atuais. Da mesma forma em que as relações humanas deixaram de ser naturais,
perdeu-se também a naturalidade das relações entre o homem e a natureza. Neste sentido, vale
citar Rigotto (2003: 391) quando diz que “[...] a lógica da sociedade penetra na natureza, através
dos processos produtivos e a “desnaturaliza".
O processo de industrialização, o avanço tecnológico e a urbanização, instituíram gradativamente
uma nova sociedade, à qual convém chamar de sociedade do consumo. Nesta, cultua-se a
política da aquisição de bens materiais numa lógica desproporcional às necessidades humanas
básicas. Em decorrência, os recursos naturais do ambiente são cada vez mais consumidos para
atendimento a uma demanda que contraria qualquer possibilidade de resiliência.
Com o advento da industrialização, novos processos produtivos foram descobertos, objetivando
maiores quantidades, melhor qualidade dos produtos e, consequentemente, maiores lucros.
Devido ao crescimento das populações e das necessidades de consumo, expandiram-se
consideravelmente as indústrias, suas áreas de atuação e a variedade de seus produtos.
Entretanto, a preocupação com o ambiente natural não se fizeram presentes neste novo
dinamismo econômico, tendo como resultado problemas ambientais de grandes proporções.
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ambiente, ao consumir predatoriamente os seus recursos naturais sem preocupar-se com sua
necessidade biológica de regeneração, causando muitas vezes problemas relacionados à
extinção, infertilidade, poluição, contaminação e escassez.
Neste contexto, uma situação cada vez mais observada nos últimos anos é o interesse de
populações residentes em grandes centros urbanos em espaços abertos e desafiadores que lhes
permitam, em algum momento, fugir da correria diária e contato com a natureza por motivos de
higiene e saúde. A natureza que já foi vista como mãe e por hora têm sido substrato para relações
humanas predatórias, reaparece, simultaneamente, como a principal fonte de refúgio do homem
deste cenário globalizado. O descanso temporário das práticas cotidianas para o contato com a
natureza constitui-se numa maneira de permitir ao homem superar desafios e elevar o seu bem
estar físico, social e mental, mantendo em equilíbrio a saúde do corpo e da mente.
No que se refere à saúde, embora quase sempre seja concebido apenas como um cenário é
importante destacar que o ambiente tem uma forte relação com a saúde da população. Trata-se
do local onde se formam os sujeitos sociais e onde ocorrem interações e inter-relações que
influenciam direta e indiretamente o processo saúde-doença. Deve-se ressaltar que o processo
saúde-doença pode ser modificado segundo os aspectos históricos e sociais, além das
circunstâncias ambientais e ecológicas, conforme o grau e o modo de relação que o homem tem
com o meio ambiente.
Neste sentido vale destacar que a compreensão de saúde aqui referida é a de caráter mais
complexo e indissociável da natureza, ainda que esta esteja submetida à intervenção humana. Ter
saúde não é tão somente ausência de doença, mas, sobretudo, ter acesso a uma série de
serviços e recursos, que são determinantes à condição do bem estar social. De acordo com a
Organização Mundial de Saúde, a saúde constitui-se num estado completo de bem-estar físico,
mental e social. Para Segre e Ferraz (1997) este conceito não é o mais adequado para definição
do que seja saúde por visar uma perfeição inatingível, haja vista os conflitos sociais internos e
externos ao qual o homem é submetido em seu cotidiano. A VIII Conferência Nacional de Saúde
apresenta o conceito mais ampliado de saúde: “Em seu sentido mais abrangente, a saúde é a resultante das condições de alimentação, habitação, educação, renda, meio ambiente, trabalho, transporte, emprego, lazer, liberdade, acesso e posse de terra e acesso a serviços de saúde. É assim, antes de tudo, o resultado das formas de organização social da produção, as quais podem gerar grandes desigualdades nos níveis de vida” (CONFERÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE, 1987, p. 382).
Desta forma é impossível pensar em saúde do homem dissociada da natureza em sua gênese,
bem como do lazer enquanto momento de reposição de energias. As práticas humanas, que
envolvem desde o trabalho ao lazer, foram e serão sempre estabelecidas tomando como
referência a natureza, que além do componente estético que encanta os homens, dela provém
bem mais do que as condições necessárias para a sobrevivência.
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“[...] o ócio e o lazer são de extrema importância ao ser humano, reparando psíquica, física e socialmente o indivíduo, recompondo suas energias, ampliando inclusive sua capacidade criativa, melhorando sua autoestima e aumentando a satisfação pessoal” (CAIO, 2001, p. 1).
O conceito de saúde, portanto, é visto como uma resultante das condições de vida e do ambiente,
uma vez que os diversos fatores, como econômico, social, cultural, político e do meio ambiente
mostram interdependência benéfica ou maléfica com a saúde. Derivado dessa mudança social e
econômica que gerou um novo padrão de sociedade, sobretudo a partir da década de 1990,
emerge um novo comportamento humano, sobre o qual Leite (2006) apresenta a seguinte
explicação: “[...] se vivemos num ambiente tenso, motivado pelas mais diferentes preocupações do dia-a-dia, ou mesmo de filosofia de vida, origem familiar, etc., quando chega o final de semana, período de férias, feriados prolongados, precisamos recompor as energias e vamos em busca do oposto de tudo aquilo que nos oprime o tempo todo. Queremos paz, sossego, ar puro, liberdade para os filhos e uma infinidade de coisas que estão ao nosso alcance na natureza” (LEITE, 2006, p. 19).
Este novo comportamento humano amplia a urgência do homem por práticas intimamente ligadas
à natureza por motivos de higiene, lazer, saúde do corpo e da mente, que preze por um uso
sustentável do ambiente e seus recursos e que, sobretudo, lhe permita, novamente, reconhecer-
se como parte integrante do mesmo. Na visão de Leite (2006) o homem atual não quer apenas
apreciar a paisagem, admirar a natureza, presenciar algo diferente do cotidiano, ele quer entrar
em cena, participar, nadar, dançar, navegar, cavalgar, enfim, deixar de ser apenas expectador.
Em decorrência, as áreas naturais protegidas, surgem como um palco para a realização destas
necessidades humanas. Constituindo-se em ambientes reservados, tais áreas são cada vez mais
difundidas por agências de viagens aos seus clientes, cujo marketing perpassa por suas
características peculiares, ou seja, possuem uma enorme diversidade ecológica propícia a
aproximação do homem com a natureza.
Turismo em áreas naturais protegidas: uma oportunidade de aproximação do homem com a natureza
O turismo constitui-se num dos setores da economia que mais se destaca no cenário
internacional, apresentando um dos maiores crescimentos econômicos geradores de emprego e
renda. A globalização sem dúvida interveio nesta expansão, onde as fronteiras são praticamente
inexistentes. Desta forma, a mobilidade de pessoas e recursos, permite afirmar com certa
segurança, que o turismo tem uma grande capacidade para mostrar-se presente e condicionar o
desenvolvimento social e econômico dos territórios (LENGLET & VIDAL, 2004).
O atual desenvolvimento econômico do Brasil e sua significativa riqueza natural, cultural e
histórica criam excelentes possibilidades de exploração deste seguimento econômico. Em
decorrência, o aproveitamento desta condição privilegiada tem sido pauta prioritária de programas
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de gestão pública, seja no âmbito federal, estadual ou municipal (QUARESMA & CAMPOS, 2006).
Prova desta iniciativa pode ser encontrada no Plano nacional do turismo: diretrizes, metas e
programas – 2003-2007 nos seguintes termos: É inegável a nossa vocação para o turismo. Dispomos de todas as condições para cativar nossos visitantes – praias, florestas, montanhas, rios, festivais, culinária diferenciada, parques nacionais, cidades históricas e a tradicional hospitalidade brasileira, assim como, os equipamentos, as empresas, e a qualidade dos serviços já encontrados em muitas regiões do país (BRASIL, 2003, p. 3).
Se por um lado temos o desenvolvimento econômico do país e sua biodiversidade como fatores
impulsionadores do setor turístico, por outro temos a demanda da sociedade contemporânea por
oportunidades de descanso, lazer e recreação combinada a um cenário natural. Em
consequência, as áreas naturais protegidas e seus elementos culturais aguçam o interesse do
homem em vivenciar as sensações geradas pelo contato com a natureza (MAFRA & RAMOS
2007). Estas se constituem em grandes atrações, tanto para os habitantes do território aos quais
pertencem, como para os turistas de todas as localidades (MARIANI, 2006).
Por áreas naturais protegidas entendem-se os espaços territorialmente demarcados cujo objetivo
é preservar a diversidade biológica, os recursos naturais e culturais a elas associadas, através de
instrumentos legais ou outros meios institucionais específicos (BRITO, 2008; MEDEIROS, 2003).
Tais espaços são instituídos e geridos nos diversos níveis da administração pública (Federal,
Estadual e Municipal). Sua criação gera, quase sempre, uma relação conflituosa entre gestão
ambiental, sociedade e natureza. O caráter preservacionista ao qual se objetiva o estabelecimento
das áreas protegidas confronta com o caráter excludente da relação homem x ambiente. O
pensamento da preservação ambiental está intimamente ligado à restrição de acesso do homem a
essas áreas, ainda que a maior parte de seus recursos trate de bens coletivos de uso comum
(BRITO, 2008). Para Diegues (1995) essa restrição remonta à noção de um mito naturalista, da
natureza intocada, supondo a incompatibilidade entre ações de grupos humanos e a conservação
da natureza. O homem seria, desse modo, um destrutor do mundo natural e, portanto, deveria ser
mantido separado das áreas naturais que necessitassem de uma proteção total.
Essa preocupação em afastar o homem da natureza como forma de preservar a sua integridade
biótica tem forte relação com as significativas transformações ocorridos na relação homem x
natureza, ao longo da evolução humana, conforme discutido no capítulo anterior. Na atualidade,
essa interação ainda é, quase sempre, estabelecida numa condição de desequilíbrio. As práticas
comportamentais humanas geram frequentemente uma desproporção entre apropriação de
espaços naturais e sua conservação (TRES, et al., 2011). Essa desproporção parece estar
associada ao inadequado uso da natureza seja por desinteresse, desconhecimento ou falta de
consciência ambiental dos atores no tocante à sustentabilidade se suas práticas.
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Todavia, desconsiderar as relações sociais estabelecidas pela interação população e natureza
não se configura única e exclusivamente uma alternativa satisfatória à sua manutenção. Embora
nem toda interação seja sustentável, as populações, muitas vezes, possuem comportamentos pró-
ambiente embutidos em sua cultura. Neste sentido, a valorização desses comportamentos,
associados à capacitação da população enquanto atores sociais promotores de desenvolvimento
tende a inseri-los na dinâmica de conservação ambiental necessária à gestão do território. Para
Brito (2008), a participação social é importante e deve ser valorizada nas políticas de proteção a
áreas naturais, requerendo, portanto, uma mudança nos conceitos de preservação para
conservação, que expressa a possibilidade de proteção da natureza com aproveitamento
econômico e social das áreas protegidas.
A participação social como aliada aos planejamentos e programas de conservação ambiental é
regulamentada no Estado de Minas pela Lei 14.309 de 19 de junho de 2002. Em seus parágrafos
3º e 4º do Artigo 5º delega ao poder público a responsabilidade por fomentar o desenvolvimento
de programas de educação ambiental para a proteção da biodiversidade e o desenvolvimento de
programas de turismo ecológico e ecoturismo nas áreas preservadas. Pretende-se com esta Lei
estimular nestas áreas o desenvolvimento de pesquisa sobre preservação, conservação e
recuperação de ecossistemas; criação, implantação, manutenção e manejo das unidades de
conservação; manejo e uso sustentado dos recursos vegetais, além do turismo ecológico e
ecoturismo (MAFRA & RAMOS, 2007). Tem-se aqui uma premissa que não requer a separação
do homem à natureza, ao contrário, preza pela educação e conscientização daqueles que residem
ou buscam contato com espaços naturais através do turismo por motivos diversos, nos quais se
incluem a saúde e o lazer.
A intenção expressa na legislação é de que se invista em turismo sustentável, também conhecido
como ecoturismo. Este se baseia no movimento e ação de pessoas que buscam experiências não
convencionais, através de um contato mais próximo e duradouro com a natureza, mantendo
preocupação constante com os possíveis impactos ambientais que a prática possa gerar
(VICTORINO & FONTES, 2001). As práticas humanas de lazer, esporte e recreação que fazem
uso do patrimônio natural e cultural das áreas naturais incentivam sua conservação e promovem a
formação de consciência ambiental que garante o bem estar das populações envolvidas.
O ecoturismo constitui-se num movimento participativo, integrativo e educativo que convida o
sujeito à aventura, envolvendo-o à realidade da região. Nessa modalidade de turismo as áreas
naturais protegidas ganham destaque por atender tanto às demandas humanas, sociais e
econômicas do território, quanto às demandas por “espaços naturais” energizantes, capazes de
retomar ao homem a saúde do corpo e da mente, sem que lhe seja gerado impactos significativos
como os do turismo de massa.
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Do ponto de vista ecológico, ele evita danos brutais ao ambiente, minimiza os custos sociais que
afetam os moradores das localidades e otimiza os benefícios do desenvolvimento do turismo
(COELHO, 2006; MARIANI, 2006). Ao possibilitar uma reaproximação do homem com a natureza,
condição cada vez mais escassa neste crescente cenário urbanizado, contribui para o
crescimento econômico e diminuição de desigualdades através da movimentação do comércio
local (VITORINO & FONTES, 2001).
Todavia, para que se tenham tais benefícios sua efetiva implantação depende da atuação
conjunta dos diversos segmentos, administração pública, empresários, organizações não
governamentais e, sobretudo, da população local. Somente com uma gestão integrada é possível
pensar em uma reintegração homem x natureza, que se faça sob os princípios de
sustentabilidade, envolvendo tanto àqueles que residem na área natural quanto àqueles que dela
se apropriam temporariamente.
Gestão compartilhada para promoção do ecoturismo e desenvolvimento territorial
Como discutido, o ecoturismo constitui-se numa importante estratégia de desenvolvimento
territorial, sobretudo daqueles que não possui grande expressividade econômica. Por ele é
possível dinamizar a economia local com geração de emprego e renda através da movimentação
do comércio, usufruir de maneira sustentável os seus recursos naturais, valorizar as singulares
expressas pela cultura de um povo e, ainda, estimular os investimentos em infraestrutura que
podem beneficiar turistas e nativos. Em muitas comunidades, tem se convertido na primeira
atividade econômica, interferindo direta e indiretamente na economia local, já que as receitas
geradas a partir dele são muito importantes para seus residentes e administração pública.
Todavia, embora apresente oportunidades de desenvolvimento, trata-se de uma atividade que
deve ser implementada com cautela, dados os impactos que pode submeter ao território,
sobretudo aos de natureza humana e ambiental. Para Vidal & Marques (2007), o turismo afeta
diretamente a natureza humana, por que influi na dinâmica das relações sociais e econômicas e
pode mudar, no sentido positivo ou negativo, o modelo de desenvolvimento de um território. Em
sentido positivo, tem-se a agregação de valor ao território. Esta é obtida por meio da interação
social com cultura e gerações diferentes da comunidade local visitada, que se estabelece pela
participação no seu dia a dia, aquisição de seus produtos e serviços, e, interação sustentável com
seu patrimônio natural e cultural. Em sentido negativo, têm-se o fato desta distinção social,
cultural, geracional atuar de maneira antagônica aos costumes, hábitos e comportamentos sociais
da comunidade local. Em decorrência, esta se vê ameaçada os seus valores, costumes, hábitos e,
sobretudo, o seu direito sobre o patrimônio natural e cultural. É como se o outro por não pertencer
àquele território, não soubesse usufruí-lo sem com isso desvaloriza-lo (VIDAL & MARQUES,
2007).
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Em relação à natureza ambiental, por um lado tem-se como impacto positivo a interação social de
atores distintos que, juntos, se apropriam de um mesmo recurso com objetivos comuns de
integração e renovação das condições sociais, mentais e de saúde, zelando pela conservação do
patrimônio natural. Por outro, negativamente tem-se o não comprometimento com o lugar. O não
pertencimento àquele espaço feito território, muitas vezes não imputa aos turistas qualquer
sentimento de preocupação em zelar por sua conservação. Importam-lhes aproveitar o máximo as
excelentes condições de revigoramento da saúde do corpo e da mente pela apropriação e contato
com a natureza. Neste caso, se apropriam de maneira perniciosa deste ambiente, transferindo a
responsabilidade por conservá-lo aos residentes.
Dada à dicotomia entre vantagens e desvantagens do turismo, maior importância precisa ser dada
à Gestão integrada e compartilhada do território. É sabido que muitas vantagens podem ser
atraídas ao território, sobretudo no que se refere às melhorias de infraestrutura, seja por
construção de estradas, instalação de áreas públicas de lazer e desportivas, estabelecimentos de
saúde e até mesmo o aproveitamento de áreas naturais (VIDAL & MARQUES, 2007), desde que
sejam conciliadas entre os interesses públicos e da comunidade local.
A participação social no planejamento das ações e atividades que visem promover o
desenvolvimento social e econômico de um território é imprescindível para o sucesso dos modelos
de governo. Na visão de Paula (2005) a comunidade representa o capital social do território e sem
que haja uma relação de confiança entre esta e o governo, não há possibilidade de se pensar em
desenvolvimento econômico. Está aí estabelecida uma relação necessária, contudo muitas vezes
inatingível no que pese a administração de um município. Nem sempre há no planejamento das
ações públicas um apelo à participação social nas propostas de planos e políticas a serem
implantadas em prol do desenvolvimento local, fazendo-se prevalecer o modelo de gestão onde o
município elabora, aprova e executa as ações sem que a comunidade seja consultada e até
mesmo informada. Este não é nem de longe o modelo de governo ideal, pois não representa uma
comunidade em sua coletividade. Paula (2005) faz a seguinte consideração a respeito de um
governo: “O bom governo depende em grande medida das qualidades e compromissos dos governantes, mas depende, sobretudo, da capacidade de escolha, participação e controle da sociedade civil” (Paula, 2005, p. 4).
Por outro lado, é importante destacar que há também a omissão da comunidade nas decisões
públicas, sobretudo às de baixo desenvolvimento humano e que não possuem por isso, grande
capacidade de articular-se para ter acesso aos seus direitos de participação nas questões
políticas que as envolve. Outro fator observado é o desinteresse por assuntos sociais e
econômicos que para muitos são de cunho meramente políticos. Há uma forte tendência de
comunidades atribuírem ao Estado total responsabilidade por quaisquer políticas de
desenvolvimento territorial, perdendo com isso o seu direito de participar e, principalmente,
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contribuir para uma efetiva implantação de políticas que priorizem o coletivo e que realmente
sejam eficazes. Na visão de Paula (2005) tal comportamento é comum no Brasil por apresentar
uma cultura estática. “A maioria pensa que as assim chamadas “políticas de desenvolvimento” são uma responsabilidade exclusiva do Estado. Entretanto, ao observarmos experiências bem sucedidas de desenvolvimento, descobrimos que na maioria dos casos existe um elevado nível de cooperação e parceria entre Estado, Mercado (entendido aqui como o conjunto dos agentes econômicos) e Sociedade (entendida aqui como o conjunto das organizações sociais, de todo tipo) (PAULA, 2005, p. 5).”
Em se tratando do turismo sustentável ou ecoturismo uma ferramenta para a promoção de
desenvolvimento, poucos subsetores da economia desfrutam de tamanha versatilidade e
flexibilidade para adaptar-se às condições próprias de cada território e de cada população
(LENGLET & VIDAL, 2004). Para isso, faz-se necessário que a administração pública assuma o
compromisso de uma gestão compartilhada, que concatene os interesses econômicos municipais
com os da população e suas singularidades, sobretudo, que o faça dentro de um modelo de
desenvolvimento sustentável que conserve os recursos naturais a ponto de melhorar a cada dia
as condições de vida da população.
No que diz respeito ao aproveitamento de áreas naturais para atividades turísticas, muitas
considerações precisam ser observadas para que não haja conflitos entre interesses
administrativos e interesses públicos de bem comum. É sabido que, na maioria dos casos, as
comunidades, sobretudo as de pequeno porte, ao se apropriarem de uma área natural criam com
esta vínculos e fortes relações, estabelecendo a partir desse processo suas formas de vida,
organização social e, consequentemente, forjam suas culturas. Diegues e Arruda (2001) afirmam
que as populações humanas que vivem em territórios em íntima interação com ambientes
naturais, aproveitando seus recursos para subsistir, desenvolvem ao longo do tempo, além de
forte relação de valorização, um conhecimento profundo destes ambientes, derivado de práticas
empíricas que favorecem a sua conservação. Tal conhecimento pode, em muitos casos, suprir a
ausência de dados científicos e/ou complementá-los, além de figurar como elemento catalisador
do empoderamento das comunidades na gestão local, contribuindo para a gestão integrada.
Dessa forma, iniciativas de governo com objetivo de potencializar o turismo nestes ambientes
devem ser avaliadas em consonância com as expectativas e interesses dessas comunidades.
Embora o turismo possa fortalecer a economia local, dotar um município de infraestrutura e
possibilitar uma valorização da comunidade local através do olhar do outro, pode ser devastador
tanto para o ambiente quanto para as pessoas que ali residem. Efetivamente trata-se de uma
invasão cultural, um desrespeito com o ambiente, uma afronta à maneira singular com que
comunidade se relaciona com a natureza. “[...] é fundamental saber gerenciar a oportunidade, analisando a realidade subjacente com objetividade, para não cair na tentação de adotar modelos de desenvolvimento turístico que perturbem a harmonia do desenvolvimento
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socioeconômico, agridam a cultura local, e provoquem um esgotamento acelerado dos recursos” (LENGLET & VIDAL, 2004, p. 8).
Assim, não bastam investimentos públicos em infraestruturas que viabilizem o turismo em termos
físicos e materiais. É primordial o envolvimento humano daqueles que realmente se sentem parte
do território. Os maiores responsáveis pelo desenvolvimento de uma localidade são as pessoas
que nela vivem. “Sem o interesse, o envolvimento, o compromisso e a adesão da comunidade
local, nenhuma política de indução ou promoção do desenvolvimento por turismo ou outra
modalidade alcançará êxito” (PAULA, 2005, p. 5).
Articular uma aliança estratégica entre atividade turística e seus operadores e o desenvolvimento
local não é tarefa fácil, principalmente em situação onde ocorre a elevação de uma pequena
cidade ou vila para a categoria de um centro turístico. Tal situação é delicada, uma vez que
transforma totalmente a vida de seus moradores. Esses, muitas vezes não dão conta de
compreender e aceitar que os empreendimentos advindos do turismo podem contribuir para a
melhoria da qualidade de vida da população. Ao contrário, muitos se vêm obrigados a conviver
com tais empreendimentos que, em sua opinião, descaracterizam o ambiente causando os mais
diversos tipos de impactos.
Uma situação ocorrida no Município de Tumiritinga, Minas Gerais, ilustra o exposto. Dada a
importância de uma Área de Preservação Permanente – APP, apropriada como área de lazer e
recreação pela comunidade, esta foi alvo de intervenção do poder público no intuito de revitalizá-la
e dotá-la de infraestrutura a fim de melhorar o acesso dos usuários, fortalecer o turismo local e
evitar sua degradação. Objetivando identificar até que ponto as obras de revitalização do Conjunto
Paisagístico da Praia do Jaó responderam a uma demanda da comunidade, bem como se esta se
encontrava preparada para representar socialmente de forma positiva a modificação promovida
neste espaço de apropriação é que será apresentado aqui um recorte da pesquisa
“Representações Sociais das Comunidades de Galiléia e Tumiritinga com relação ao uso e
conservação do Rio Doce”, aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Univale sob o parecer
CEP/UNIVALE 072-10/12 e apoiada pela FAPEMIG, Processo Nº: APQ-01807-11.
Antes de ser apresentada a metodologia e resultados deste estudo, far-se-á um breve histórico e
caracterização deste município.
Surgido em 1911 a partir da construção da Estrada de Ferro Vitória-Minas, Tumiritinga foi
oficialmente emancipada em 1948, possuindo atualmente população total estimada em 6.293
habitantes. A história de formação do município baseia-se na relação que seus moradores
mantiveram com o Rio Doce, a qual se faz presente nos dias atuais. Carente de locais propícios
para lazer e socialização a Comunidade apropriou-se de uma APP situada à margem deste rio,
incorporando-a ao seu modus vivendi. Tal APP constitui-se numa área de cobertura arenosa com
aproximadamente 800m de comprimento, formada naturalmente em virtude do processo de
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assoreamento do rio. Em função de sua estrutura geológica, as águas do rio atingem mansamente
a porção de areia ali formada, fazendo com que esta se assemelhe a uma praia. Em decorrência,
os moradores começaram a usufruí-la como se de fato o fosse, tendo-a batizado como Praia do
Jaó. Tal nome é devido à ocorrência abundante de ave da espécie Jaó na época de sua
apropriação, que remonta dos anos 1970, cujo nome científico é Crypturellus undulatus.
Considerada cartão postal do município, nela são estabelecidas inúmeras atividades individuais e
coletivas que além de contribuir para com o bem estar dos atores sociais, favorece a formação do
sentimento de apropriação e identidade com o local. Lá as pessoas brincam, descansam,
encontram os amigos, cuidam da saúde por meio de caminhadas e atividades físicas, refrescam-
se do calor, participam de manifestações culturais diversas e encontram a possibilidade de
aumentar os rendimentos familiares através da comercialização de produtos durante os eventos
que ali ocorrem. Embora seja um evento sazonal, o turismo constitui-se em uma importante fonte
de captação de recursos tanto para o município quanto para a população.
Todos os eventos de importância municipal são ali realizados sendo que o Carnajaó vem se
tornando uma das maiores expressões culturais e turísticas do Leste de Minas. Em sua 12ª edição
a prefeitura recebeu nos cinco dias de festa aproximadamente 40.000 pessoas entre nativos e
turistas que procuravam diversão e lazer numa perspectiva natural, elevando em curto período a
população em 636%. A folia, além do rápido aporte financeiro da ordem de R$500.000,00 para a
cidade, coloca-a em visibilidade de forma a justificar a captação anual de recursos para
investimentos e benfeitorias nos espaços servidos aos residentes e turistas.
Devido à relevância da Praia, no ano de 2008 ocorreu seu tombamento como Conjunto
Paisagístico da Praia do Jaó na esfera municipal passando, portanto, a constituir-se em um
patrimônio natural e paisagístico. Este Conjunto recebeu do Ministério da Cultura em 2011,
recursos na ordem de R$ 1.056.000,00 para sua modernização e revitalização. Em função deste
espaço, atualmente Tumiritinga é a 2ª colocada no recebimento de ICMS do Patrimônio Cultural,
ficando atrás apenas do Município de Governador Valadares, na Microrregião.
Método
Trata-se de uma pesquisa transversal de tipo descritiva, utilizando uma abordagem quanti-quali,
com procedimentos técnicos plurimetodológicos, também conhecida como mixed-methods (AXINN
& PEARCE, 2007). Dois softwares foram utilizados neste estudo: ArcGIS 10.0 e Sphinx Lexica. O
processo de seleção amostral contou com a utilização do primeiro e a análise das variáveis
referentes ao perfil da amostra (sexo, idade, estado civil, condição trabalhista, situação trabalhista,
grau de instrução e classificação econômica) e Utilização da Praia (uso, atividades realizadas,
ocasião de utilização, presença de visitantes, ocorrência de manifestações culturais) com o
segundo.
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trabalhadores autônomos (25.9%). A maioria (66.5%) encontra-se atuantes no mercado de
trabalho, formal ou informal, seguida por aqueles que estão aposentados (16.5%). Em relação ao
nível educacional a maior parte (37.5%) ou não possui escolaridade ou possuem apenas o ensino
fundamental incompleto, sendo que apenas (8.5%) possuem o ensino superior. Segundo o Critério
de Classificação Econômica Brasil proposto pela Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa
– ABEP, no grupo predominam os que se situam nas classes C (56,8%) e D (27,0%) sendo
minoria tanto os situados na classe A (1,4%) quanto os na classe E (2.1%).
A maioria (78,7%) dos respondentes frequentam a Praia do Jaó. Estes o fazem principalmente no
intuito de tomar banho (18,0%), descansar (17,6%), contar caso e papear (11,4%) e levar as
crianças para brincar (9,2%). Quanto à ocasião em que desenvolvem tais atividades verificou-se
que os maiores percentuais referem-se à frequência semanal (34,6%) e no período de Carnaval
(16%). Independente de fazerem uso ou não da Praia, a maioria dos respondentes (94,9%)
afirmaram que ela é frequentada por turistas. Quando questionados sobre a ocorrência de
manifestações culturais, tais como festas, shows, eventos religiosos, dentre outras neste ambiente
a maioria (94,0%) também confirmou a ocorrência de eventos desta natureza.
Os dados sinalizam que a Praia do Jaó é um ponto de encontro para a maioria (78,7%) dos
residentes de Tumiritinga que dela se utilizam para diversas atividades de lazer e socialização.
Tomar banho em rio, descansar, contar caso e papear, e brincar utilizando-se de ambientes
naturais foram práticas muito observadas no passado e que em função da mudança do padrão
evolutivo da sociedade, atualmente com caráter mais urbanizado, se tornaram pouco comuns nas
cidades.
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do homem, mesmo dentro da perspectiva de transição em que se encontra a sociedade moderna.
Em Tumiritinga é possível observar essa importância, já que a história de vida de parte de seus
residentes foi construída, ao longo do tempo, em torno daquele ambiente natural.
O fato de a maior parte dos respondentes que frequentam a Praia o fazerem na periodicidade de
finais de semana, reforça o consenso observado na literatura de que as áreas naturais surgem
como oportunidade singular àqueles que buscam descanso devido à correria do dia-a-dia, refúgio
de ambientes urbanos e melhorias nas condições de saúde do corpo e da mente (CAIO, 2001;
LEITE, 2006; RUSCHMANN, 2000). Este consenso fica ainda mais em destaque considerando-se
que todos os respondentes, independente de fazerem ou não uso da Praia, (94.9%) afirmam que
ela é frequentada por turistas, e (94%) que é palco de diversas manifestações culturais. A
identificação dos residentes de Tumiritinga com aquela área de preservação é tão evidente que
sua apropriação ultrapassou os limites do município. Atualmente ela é procurada por pessoas de
diversas cidades mineiras para práticas de lazer e recreação, sobretudo em épocas de
festividades, com destaque para o período de Carnaval. Ao longo do tempo os moradores
construíram e reconstruíram suas territorialidades à sombra da Praia do Jaó e ali foram tecendo
relações, costumes e representações em torno deste objeto.
Entretanto, as representações socialmente compartilhadas têm sofrido modificações ao que
parece em função da obra de revitalização e modernização que foi realizada no Conjunto
Paisagístico da Praia do Jaó. As mudanças que foram realizadas naquele ambiente parecem
interferir no conceito e na memória do vivido de uma parcela da comunidade que não mais se
identifica com aquele espaço, não o reconhecendo enquanto território apropriado.
A partir do discurso de alguns residentes é possível perceber manifestações divergentes em
relação as modificações à qual a Praia do Jaó foi submetida, permitindo-se identificar duas
categorias de análise: Aprovação e Reprovação. No primeiro caso estão aqueles que apresentam
uma visão favorável à obra e no segundo os que apresentam uma visão contrária. Dentre os 26
discursos analisados, 06 inserem-se na categoria dos que Aprovaram a realização da obra e 20
dos que não Aprovaram. Deste total, serão discutidos neste trabalho 06 discursos que
correspondam à categoria Aprovação à obra e 06 que correspondam à categoria Reprovação.
À partir da categoria de análise Aprovação à realização da obra foi possível identificar duas
subcategorias: Higienista e Conservacionista. Na Tabela III os fragmentos dos discursos serão
destacados da seguinte forma: 03 Higienistas e 03 conservacionistas.
Nos discursos inseridos na subcategoria higienista, observa-se uma satisfação dos respondentes
pelo fato da obra ter oferecido à Praia melhores estruturas físicas, no que diz respeito à
construção de banheiros, chuveiros, jardins, tornando o ambiente mais parecido com espaços
urbanos, tais como casas e parques. Essa valorização parece remeter a uma preocupação destas
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pessoas com a saúde, onde as condições de salubridade dos ambientes merecem notória
importância como foi observado desde a história do processo saúde e doença. Constata-se a
atenção dada às questões sanitárias, já que um item básico de saneamento que é o banheiro foi
citado como uma melhoria relevante para os usuários da Praia.
Heller (1998) cita que exclusivamente as questões de saneamento são aquelas que ao longo do
tempo historicamente caracterizam os determinantes ambientais da saúde e, em função disso a
prevenção de problemas com a saúde humana tiveram no saneamento seu referencial. Para o
autor a problemática do saneamento está fortemente associada a comunidades de baixo
desenvolvimento humano, sobretudo àquelas expostas aos riscos decorrentes da insalubridade do
meio.
Neste sentido, é possível acreditar que a vinculação do discurso de alguns respondentes à
questões sanitárias se deve ao fato de que a maior parte da população enfrenta dificuldades com
o saneamento básico, sobretudo no que se refere ao esgotamento sanitário que é deficiente no
município.
O discurso do respondente 03 faz menção às melhorias agregadas àquele ambiente natural a
partir do investimento público em turismo sustentável. Ao dotá-lo de infraestrutura física
promoveu-se ainda a valorização da estética. Segundo Vidal & Marques (2007) um dos benefícios
do turismo sustentável consiste em dotar os espaços de melhor infraestrutura de maneira a
maximizar o desenvolvimento territorial pela movimentação de pessoas e renda, melhorar a
qualidade de vida da população e, proteger os recursos naturais. Para alguns respondentes a
obra de revitalização da Praia modernizou o local tornando-o mais belo, além de ter possibilitado
melhores condições de acesso e uso tanto para os moradores, quanto para os turistas.
Quanto aos fragmentos classificados para a categoria Conservacionista, constata-se que para
alguns respondentes as benfeitorias advindas da obra contribuíram não só para a comunidade,
mas para a conservação da própria Praia, na medida em que reduziu os efeitos do assoreamento.
Na categoria de análise Reprovação foi possível identificar 03 subcategorias: Naturalista,
Segurança e Política. À partir desta categoria, foram selecionados para apresentação na Tabela III
6 discursos, sendo 02 da subcategoria Naturalista, 02 da Segurança e 02 da Política.
A subcategoria Naturalista constitui-se dos discursos nos quais os respondentes associam a
modernização da Praia ao processo de sua desnaturalização, gerando, com isso, um
descontentamento. Para este grupo a obra descaracteriza a praia retirando dela a sua
“naturalidade”, aquilo que lhe é peculiar, motivo de orgulho e admiração e que fez parte do vivido
das pessoas através de distintos significados e representações. Segundo estes, a intervenção na
Praia foi desnecessária, uma agressão não só à natureza, mas, sobretudo, às lembranças e
sentimentos que giram em torno dela. É importante destacar que neste grupo encontram-se
18
pessoas que residem no município há mais de 45 anos e que, por conseguinte, construíram sua
identidade em meio às atividades e práticas estabelecidas naquele local.
A preocupação da administração pública em agregar valor a Praia do Jaó para torná-la
instrumento dinamizador do desenvolvimento econômico de Tumitiringa não levou em
consideração os anseios e expectativas deste grupo. A ausência de uma gestão compartilhada
acabou por causar impactos significativos em parte da população.
Neste sentido, Paula (2005) alerta para os riscos em se investir em planos de governo que não
preze por uma gestão compartilhada e integrada, haja vista os significativos impactos de toda
ordem, ambiental, social, cultural e econômico que são gerados na população. Nestes processos,
as comunidades tendem a ver ameaçados seus valores, costumes, hábitos e, sobretudo, o seu
direito sobre o patrimônio natural e cultural (VIDAL & MARQUES, 2007).
Tabela III – Categorias de análise aos discursos referentes a obra de revitalização
Discursos de Aprovação à obra Sub-Categorias Discursos de Reprovação à obra Sub-categorias
"Organizaram. Fizeram banheiro, quadra, jardim... Euachei importante " (Respondente 01 , F, 65 anos,nascida no município).
Higienista/Urbanista
"Ês tinha que ter deixado como Deus deixou ela pranós. O gabião tá acabando com ela. Eu acho que ascoisas naturais é melhor do que as que a gente faz. Éigual um carro de relíquia, tudo original é caro, o que énatural é melhor"(Respondente 07, M, 61 anos,nascido em Tumiritinga).
Naturalista
"É bem cuidada por que estão fazendo o gabião, tempasseio, a gruta, facilitou o acesso [...]" (Respondente02, M, 51 anos, residente no município há 30 anos)
Higienista/Urbanista"Quando ela era natural era mais bonita. Podia terinvestido em outra coisa, era só ter capinado"(Respondente 08, M, 45 anos, nascido no município).
Naturalista
“ Antigamente era bem natural, hoje ela tem melhoriasconstruídas, banheiros, chuveiros, jardins, calçadão...Isso melhora o acesso e a aparência" (Respondente03, F, 43 anos, residente no município há 10 anos).
Higienista/Urbanista“É perigoso machucar, as obras da prefeitura não temsegurança nenhuma”(Respondente 09, M, 30 anos,residente há um mês).
Segurança
"Assim, eu não acho que agrediu a prainha não,porque o natural dela “tá” lá. Aquelas encostas, que oprefeito fez as obras, se não tivesse sido trabalhadodireitinho, eu creio que aquelas terras, entrariam noprocesso de erosão, por que já estavam entrando.Agora num “tô” vendo erosão ali. Ele soube aproveitarbem a natureza sem ofende-la"(Respondente 04, F, 45anos,nascida no município).
Conservacionista
“É o único lugar aqui pras mãe levar as crianças prabrincar. Agora não dá mais. Se uma criança cair lá decima quebra o pescoço” (Respondente 10 - F, 25 anos,residente há 15 anos).
Segurança
"Ficou muito bom. Não vou negar, ficou bom. Agora,tem que ter “conservamento” porque madeira, essascoisas todas, né. Ficou bom" (Respondente 05, M, 52anos, nascido no município).
Conservacionista
“Dinheiro jogado fora. Se eles tivessem feito ondedeveria teria sido bom, mas foi um desperdício dedinheiro que não vai resolver”(Respondente 11, M, 60anos, residente há 60 anos).
Política
“Anda bem limpinha, bem florada, planta bastante flor.Cada um limpa seu lado [...] Se eu morasse lá eucuidava direitinho do meu lado"(Respondente 06, F, 65anos, residente há 13 anos).
Conservacionista“Desvio de verba pública e obras malfeitas”(Respondente 12, M, 58 anos, residente há 20anos).
Política
FRAGMENTOS DE DISCURSOS CONFORME CATEGORIAS DE ANALISES
Aprovação Reprovação
Basicamente esse sentimento de desvalorização dos costumes, hábitos e práticas cotidianas
acometeram parte dos residentes de Tumiritinga, quando viram a Praia ser transformada em algo
que eles não idealizaram. Segundo os pressupostos de Diegues (1995) essa transformação pode
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ser compreendida como uma expropriação violenta de uma porção da natureza no qual os
moradores organizaram sua vida social e, consequentemente, moldaram o seu modo de viver.
A revitalização da Praia exige a partir de agora, que esses sujeitos se deixem envolver em um
novo processo, o de reterritorialização, uma vez que não reconhecem mais aquele espaço
transformado enquanto território apropriado.
Na subcategoria Segurança, situam-se os discursos dos respondentes que associaram a
modernização da Praia à situações de perigo e risco à própria manutenção da vida. A fala dos
respondentes 9 e 10 revelam medo e preocupação quanto ao risco de que pessoas,
especialmente crianças, se machucarem nos escombros e novas estruturas construídas.
Em relação à subcategoria Política, 02 discursos atribuem a obra uma oportunidade do município
desviar dinheiro público. Tal fato reflete uma situação peculiar, porém não incomum, onde a
Comunidade não atribui qualquer credibilidade às ações do poder público por acreditar que este
possui interesses individuais na gestão territorial. Para Paula (2005) esta incredibilidade é um
grande dificultador para o estabelecimento de uma gestão compartilhada que difunda experiências
de sucesso no planejamento territorial.
Percebe-se pelos fragmentos dos discursos que alguns respondentes não acreditam na seriedade
da administração pública, dando a entender que os esforços para a revitalização da Praia
representam desperdício de dinheiro, uma vez que não vão resolver as questões do turismo.
Conclusão
A Praia do Jaó constitui-se num ambiente de significativa importância para a organização social e
econômica do município de Tumiritinga. Sua procura por residentes e turistas para a realização de
atividades de lazer e recreação ganha destaque a cada dia.
Embora a obra de revitalização iniciada pelo poder público tenha agradado a uma parcela da
comunidade, a maior parte dos respondentes não estavam preparados para aceitar e representar
positivamente as mudanças que ali foram realizadas. Brito (2008) destaca que conflitos gerados
pelas interferências em áreas protegidas são cada vez mais comuns, motivo pelo qual os
interesses e anseios da administração pública e comunidade devem ser priorizados
equitativamente na formulação das políticas e diretrizes que envolvam a construção da gestão e
do manejo destas áreas.
No caso em questão evidenciou-se uma cisão entre os respondentes. Apesar da aprovação de
muitos, outros associaram sua revitalização a uma violência não só à natureza, mas a si próprios,
na medida em que não tiveram seus anseios considerados como proposto em modelos de gestão
compartilhada e integrada.
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